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Pau-Brasil (Oswald de Andrade) Em Pau-Brasil, põe em prática as propostas do manifesto do mesmo nome. Na primeira parte do livro, "História do Brasil", Oswald recupera documentos da nossa literatura de informação, dando-lhe um vigor poético surpreendente. Na segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonização" -, o escritor revê alguns momentos de nossa época colonial. O que mais chama a atenção nesses poemas é o poder de síntese do autor. No Pau-Brasil há ainda a descrição da paisagem brasileira, de cenas do cotidiano, além de poemas metalingüísticos. (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) O Verso livre, o tom de prosa, a simplicidade da linguagem e a extrema condensação, ou síntese, são os principais elementos de modernidade deste poema-metalinguístico, poesia sobre poesia. Ele sugere a idéia da poesia como ingenuidade, surpresa, e também imaginação, invenção, magia, liberdade, na medida em que é associada ao universo infantil: um universo sem fronteiras entre sonho e realidade, um universo poético, portanto, que pode ensinar ao adulto, talvez não exatamente a descoberta, mas a redescoberta da poesia. Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da nação brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Aqui, a valorização da linguagem coloquial, popular, próxima da vida, opõe a gramática, o professor e o mulato sabido ( ou seja, a escola, a regra, a norma, o pedantismo), ao bom negro e ao bom branco da Nação brasileira: nacionalismo e crítica ao "mestiço", que lembra Gregório de Matos. O Capoeira - Qué apanhá sordado? - O quê? - Qué apanhá? Pernas e cabeças na calçada (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) A idéia de luta é sugerida apenas por um diálogo-relâmpago, tipicamente popular (note o texto escrito copia a oralidade) e pela metonímia (pernas e cabeças na 1 / 6

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  • Pau-Brasil (Oswald de Andrade)

    Em Pau-Brasil, pe em prtica as propostas do manifesto do mesmo nome. Na primeira partedo livro, "Histria do Brasil", Oswald recupera documentos da nossa literatura deinformao, dando-lhe um vigor potico surpreendente. Na segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonizao" -, o escritor revalguns momentos de nossa poca colonial. O que mais chama a ateno nesses poemas opoder de sntese do autor. No Pau-Brasil h ainda a descrio da paisagem brasileira, decenas do cotidiano, alm de poemas metalingsticos. (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) O Verso livre, o tom de prosa, a simplicidade da linguagem e a extrema condensao, ousntese, so os principais elementos de modernidade deste poema-metalingustico, poesiasobre poesia. Ele sugere a idia da poesia como ingenuidade, surpresa, e tambmimaginao, inveno, magia, liberdade, na medida em que associada ao universo infantil:um universo sem fronteiras entre sonho e realidade, um universo potico, portanto, que pode ensinar ao adulto, talvez no exatamente a descoberta, mas a redescoberta da poesia. Pronominais D-me um cigarro Diz a gramtica Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da nao brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me d um cigarro (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Aqui, a valorizao da linguagem coloquial, popular, prxima da vida, ope a gramtica, oprofessor e o mulato sabido ( ou seja, a escola, a regra, a norma, o pedantismo), ao bomnegro e ao bom branco da Nao brasileira: nacionalismo e crtica ao "mestio",que lembra Gregrio de Matos. O Capoeira - Qu apanh sordado? - O qu? - Qu apanh? Pernas e cabeas na calada (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) A idia de luta sugerida apenas por um dilogo-relmpago, tipicamente popular (note o texto escrito copia a oralidade) e pela metonmia (pernas e cabeas na

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    calada - a parte pelo todo), que ilustra o estilo teegrfico, extremamente sinttico, de Oswaldde Andrade. Segundo Antnio Cndido , Oswald foi o inaugurador, em nossa literatura, da transposiode tcnicas de cinema - "montagem" de cenas, tentativa de descontinuidade paracausar a impresso de "imagens simultneas" - para o texto literrio. Relicrio No baile da corte Foi o conde d'Eu quem disse Pra Dona Benvinda Que farinha de Suru Pinga de Parati Fumo de Baependi com beb pit e ca (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Este poema representativo da proposta Pau-Brasil de poesia de exportao. Recontar momentos significativos da histria da colonizao do Brasil de maneira irnica,crtica, como na cena de Relicrio . Nela, um personagem histrico, o Conde d'Eu, no baile daCorte, conversa com Dona Benvinda uma "conversa de cozinha": rtmica, folclrica, engraada, surpreendente para o contexto do baile da Corte. Note que o relicrio significarecinto ou lugar especial, prprio. Est na impropriedade, ento, este contexto e tipo de conversa, a ironia e a blague (a piada) oswaldianas. Cano de Regresso Ptria Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui No cantam como os de l Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de l No permita Deus que eu morra Sem que eu volte para l No permita Deus que eu morra Sem que eu volte para So Paulo Sem que eu veja a rua 15 E o progresso de So Paulo

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    (Oswald de Andrade - Pau-Brasil) Esta a primeira pardia modernista da Cano do Exlio de Gonalves Dias, poetaromntico. Hino nacionalidade, o poema original apresenta uma viso ufanista, idealizadorada ptria. Em sua pardia, Oswald de Andrade troca palmeiras por palmares, mostrando, assim, o nacionalismo crtico dos modernistas: minha terra tem opresso, escravido, dominao etambm lutas pela libertao. Palmares o nome do mais famoso quilombo para onde fugiamos escravos. H, tambm, uma referncia clara, ao progresso de So Paulo - smbolo do desenvolvimento econmico do pas - que se ope valorizao da natureza presente nopoema de Gonalves Dias. Ao dizer que os passarinhos daqui, isto , do estrangeiro, no cantam como os de l - os doBrasil - Oswald relativiza o juzo de valor, a idia da superioridade de nossa fauna e de nossaflora em relao Europa, afirmando a diferena em oposio ao que se encontra emGonalves Dias. O verso E quase que mais amores acentua a relativizao do patriotismo romntico a que nos referimos e, finalmente, a ausncia de pontuao, especialmente emOuro terra amor e rosas, acaba de configurar a modernidade da Cano de Regresso Ptria:poema pardico que, aparentemente imitando o texto a partir do qual foi escrito, o que faz, naverdade, inverter o seus sentidos atravs da stira. A poesia existe nos fatos. Os casebres de aafro e de ocre nos verdes da Favela, sob oazul cabralino, so fatos estticos. O Carnaval no Rio o acontecimento religioso da raa. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordes de Botafogo. Brbaro e nosso. A formao tnica rica. Riquezavegetal. O minrio. A cozinha. O vatap, o ouro e a dana. Toda a histria bandeirante e a histria comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citaes, olado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegmbia. Tudorevertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscasno Catumbi. Falar difcil. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvasselvagens. O bacharel. No podemos deixar de ser doutos. Doutores. Pas de dores annimas, de doutores annimos. O Imprio foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gaviode penacho. A nunca exportao de poesia. A poesia anda oculta nos cips maliciosos da sabedoria. Naslianas da saudade universitria. Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaramcomo borrachas sopradas. Rebentaram. A volta especializao. Filsofos fazendo filosofia, crticos, critica, donas de casa tratandode cozinha. A Poesia para os poetas. Alegria dos que no sabem e descobrem. Tinha havido a inverso de tudo, a invaso de tudo : o teatro de tese e a luta no palco entremorais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de socilogos, de homens de lei, gordos

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    e dourados como Corpus Juris. gil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilgico. gil o romance, nascido da inveno. gil a poesia. A poesia Pau-Brasil. gil e cndida. Como uma criana. Uma sugesto de Blaise Cendrars : - Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negrogira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos far partir na direooposta ao vosso destino. Contra o gabinetismo, a prtica culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos,perdidos como chineses na genealogia das idias. A lngua sem arcasmos, sem erudio. Natural e neolgica. A contribuio milionria detodos os erros. Como falamos. Como somos. No h luta na terra de vocaes acadmicas. H s fardas. Os futuristas e os outros. Uma nica luta - a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importao. E a PoesiaPau-Brasil, de exportao. Houve um fenmeno de democratizao esttica nas cinco partes sbias do mundo.Institura-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que no fosse l mesmo, noprestava. A interpretao no dicionrio oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzirigualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a mquina fotogrfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade deolho virado - o artista fotgrafo. Na msica, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninasficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslavacomps para a pleyela. Stravinski. A estaturia andou atrs. As procisses saram novinhas das fbricas. S no se inventou uma mquina de fazer versos - j havia o poeta parnasiano. Ora, a revoluo indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites comearamdesmanchando. Duas fases: 10) a deformao atravs do impressionismo, a fragmentao, ocaos voluntrio. De Czanne e Malarm, Rodin e Debussy at agora. 20) o lirismo, aapresentao no templo, os materiais, a inocncia construtiva. O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidncia da primeira construo brasileira nomovimento de reconstruo geral. Poesia Pau-Brasil. Como a poca miraculosa, as leis nasceram do prprio rotamento dinmico dos fatoresdestrutivos. A sntese O equilbrio

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    O acabamento de carrosserie A inveno A surpresa Uma nova perspectiva Uma nova escala. Qualquer esforo natural nesse sentido ser bom. Poesia Pau-Brasil O trabalho contra o detalhe naturalista - pela sntese; contra a morbidez romntica - peloequilbrio gemetra e pelo acabamento tcnico; contra a cpia, pela inveno e pela surpresa. Uma nova perspectiva. A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma iluso tica. Os objetosdistantes no diminuam. Era uma lei de aparncia. Ora, o momento de reao aparncia.Reao cpia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outraordem: sentimental, intelectual, irnica, ingnua. Uma nova escala: A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianas noscolos. O redame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indstria, daviao, da aviao. Postes. Gasmetros Rails. Laboratrios e oficinas tcnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulguraes. Estrelas familiarizadas com negativos fotogrficos. O correspondente da surpresa fsica em arte. A reao contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A pea de tese era um arranjomonstruoso. O romance de idias, uma mistura. O quadro histrico, uma aberrao. Aescultura eloquente, um pavor sem sentido. Nossa poca anuncia a volta ao sentido puro. Um quadro so linhas e cores. A estaturia so volumes sob a luz. A Poesia Pau-Brasil uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mataresumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo ojornal. No jornal anda todo o presente. Nenhuma frmula para a contempornea expresso do mundo. Ver com olhos livres.

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    Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raa crdula e dualista e ageometria, a algebra e a qumica logo depois da mamadeira e do ch de erva-doce. Um mistode "dorme nen que o bicho vem peg" e de equaes. Uma viso que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas eltricas; nas usinasprodutoras, nas questes cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil. Obuses de elevadores, cubos de arranha-cus e a sbia preguia solar. A reza. O Carnaval.A energia ntima. O sabi. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajse os campos de aviao militar. Pau-Brasil. O trabalho da gerao futurista foi ciclpico. Acertar o relgio imprio da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema outro. Ser regional e puro em sua poca. O estado de inocncia substituindo o estada de graa que pode ser uma atitude do esprito. O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adeso acadmica. A reao contra todas as indigestes de sabedoria. O melhor de nossa tradio lrica. Omelhor de nossa demonstrao moderna. Apenas brasileiros de nossa poca. O necessrio de qumica, de mecnica, de economia ede balstica. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Prticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscncias livrescas. Sem comparaes de apoio. Sempesquisa etimolgica. Sem ontologia. Brbaros, crdulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e aescola. O Museu Nacional. A cozinha, o minrio e a dana. A vegetao. Pau-Brasil.

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