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ASPÉCTOS PUNITIVOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS: Análise do PRONASCI e dos projetos do Território de Paz do bairro Guajuviras, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Paula de Sá Teixeira Outubro de 2015 Dissertação de Mestrado em Sociologia Políticas Públicas e Desigualdades Sociais Paula de Sá Teixeira, ASPÉCTOS PUNITIVOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS: Análise do PRONASCI e dos projetos do Território de Paz do bairro Guajuviras, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2015

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ASPÉCTOS PUNITIVOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS: Análise do PRONASCI e dos projetos do Território de Paz do bairro

Guajuviras, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Paula de Sá Teixeira

Outubro de 2015

Dissertação de Mestrado em Sociologia Políticas Públicas e Desigualdades Sociais

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Mestre em Sociologia, Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, realizada sob a orientação

científica do Doutor Casimiro Manuel Marques Balsa.

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DECLARAÇÃO

Declaro que esta Dissertação de Mestrado é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

A candidata,

_______________________________________

Lisboa, 15 de outubro de 2015

Declaro que esta dissertação de Mestrado se encontra em condições de ser apresentada a provas públicas.

O orientador,

___________________________

Casimiro Manuel Marques Balsa

(Departamento de Sociologia)

Lisboa, 2015-10-15

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À minha mãe, Sônia de Sá Teixeira, pela força e luta que mantém nossa família unida. Ao meu pai, Orlandi Teixeira, e minha irmã, Renata de Sá Teixeira, pela construção uma base em que me abrigo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, à minha família, pois sem o seu apoio e o incentivo

não chegaria a lugar nenhum. A minha mãe, meu pai e minha irmã, por estarem sempre

presentes, e por me apoiarem nas diferentes escolhas, cada qual a seu modo. Obrigada por

serem minha família, e por me lembrar que sempre terei um local para chamar de meu, que é

junto de vocês. Agradeço também à família de um modo geral, familiares sempre presentes,

que formam uma linda base de apoio desde sempre. Principalmente às minhas dindas, que

encontro sempre um abraço amigo.

Agradeço a Marta por ter dado o apoio enquanto escrevia a dissertação. Por ter me

ajudado diversas vezes em que me faltava ideias e forças, e por se fazer presente durante

muito da construção da linha de pensamentos. Obrigada por ler, por ajudar, por reler, e por me

apoiar. Obrigada, de coração, sem tua presença essa dissertação não seria a mesma!

Agradeço ao meu orientador, Casimiro Balsa, por ter, diversas vezes, com paciência,

me indicado o caminho no conhecimento. Obrigada pelas críticas, que foram de uma grande

ajuda para cada vez mais buscar o que eu realmente queria estudar, e o que realmente era o

objetivo do que estudava. Obrigada, por fim, por me guiar o caminho, com muita sabedoria.

Seria impossível não agradecer a Jacke, pela coragem de romper as primeiras

barreiras do direito comigo, se aventurando em outro país, para encontrar o sonho dos direitos

humanos, obrigada por dividir um sonho, pela amizade, pela paciência, e por todo

crescimento que tivemos juntas. Obrigada por, junto comigo, transgredir o direito e se

aventurar por outras áreas, além dos direitos humanos, a sociologia.

Aos Direitos Humanos devo muito, principalmente as pessoas que conheci graças a

pós-graduação em Coimbra; Marcelo, obrigada por ser um grande amigo, e um grande aliado

às lutas cotidianas, obrigada por ser família quando começávamos a desbravar o mundo, e

obrigada por tantas vezes ser um abrigo; Raquel, obrigada pelas diversas conversas sérias e,

também, obrigada por me mostrar que nem sempre estamos sozinhas em pensamento, e que a

vida pode ser vivida de forma mais leve; Leonardo, obrigada por me fazer ver que a vida não

se resumia aos estudos, e que precisava me divertir, obrigada por sem um ombro amigo, seja

na Europa ou no Brasil, obrigada por tantos momentos inesquecíveis de amizade, e que sim,

as pessoas podem crescer umas com as outras sempre.

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Não posso deixar de abrir uma parte especial ao Flávio, que me mostrou que não

nascemos só, que podemos encontrar pessoas que se divide o pensamento. A ele, agradeço por

ser parte de mim, por me erguer a cada momento que pensava estar sozinha, por me fazer ver

que podemos ser nós mesmos, por mais difícil que isso possa ser. Obrigada, por existir, e por

fazer parte de mim, meu coração!

Ana, minha irmã de todas as horas, minha companheira diária; dividimos uma casa,

uma vida, e criamos uma aliança inquebrável. A ela, um ano de alegrias, de

compartilhamento, de crescimento, de abraços, e de noites regadas à poesia e longas e longas

divagações. Para ela, o meu eterno obrigada, à uma fase da minha vida que marcou e que

jamais sairá de mim. Obrigada por me entender, compreender, obrigada por dividir, e

principalmente, pelo amor!

Lorena, sem ti jamais teria voltado a Portugal, não teria entrado no mestrado, e me

arriscado em sociologia. Sair do nosso conforto nem sempre é fácil, quebrar a comodidade

incomoda, mas também, nos faz crescer e superar desafios. Te agradeço por estar sempre

presente na minha vida, por ser mais que uma amiga, por ter sido minha base, minha família,

em tantos momentos. Por todos os puxões de orelha, por todas brigas, e por todo amor.

Obrigada por me mostrar lugares incríveis, e por dividir momentos únicos. Obrigada por me

acompanhar nessa fase de novos conhecimentos, por dividir aulas comigo, e dividir

conhecimentos.

Ao pessoal da secretaria de segurança pública de Canoas, e principal à Kátia, por ter

me acompanhado e tirado diversas dúvidas. Ao Diego, que bem antes de pensar nessa

dissertação, já me ajudou a desconstruir pensamento e certezas, ao ser um excelente líder no

Território de Paz. À Michele, pela luta, e pela amizade e por ser companheira de trabalho em

tantas vezes; e às mulheres da paz, que me acolheram e me ensinaram tanto. Aos jovens do

Guajuviras, de antes, e de hoje, que me fizeram reconstruir pensamentos e que ao ser

educadora popular, aprendi muito mais que imaginei.

E um agradecimento especial aos meus professores do direito, principalmente do

direito penal, que abriram nossos olhos para a realidade, que fizeram questão de quebrar a lei

e ordem, e nos levar para ver a realidade de perto. A cada trabalho em presídios, a cada passo

internamente, e a cada pessoa que enxergávamos por nomes, e não por números de artigos.

Agradeço às mulheres do presídio Madre Pelletier e a equipe que formamos, por quebras de

conceitos e de realidades.

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Por fim, obrigada à UNL, a Portugal, e a todo o conhecimento que esses anos me

proporcionaram. Agradeço, por fim, as músicas e aos escritores que muitas vezes me fizeram

companhia enquanto escrevia. E as minhas amigas e aos meus amigos, que sem elas e eles a

vida não teria graça, em especial, Milena, Isadora, Luisa, Aline e Leila. Muito obrigada!

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Here in subcity life is hard. We can't receive any government relief. I'd like to please give Mr. president my honest regards for disregarding me.

Tracy Chapman

Se vouloir libre, c’est aussi vouloir les autres libres.

Simone de Beauvoir

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ASPÉCTOS PUNITIVOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS:

Análise do PRONASCI e dos projetos do Território de Paz do bairro Guajuviras, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil.

PUNITIVE ASPECTS IN PUBLIC POLICIES:

Analysis of PRONASCI and the projects of the “Territory of Peace” from Guajuviras neighborhood, Canoas, Rio Grande do Sul, Brazil.

Paula de Sá Teixeira

RESUMO

O Brasil possui uma extensa gama de políticas públicas, direcionadas, prioritariamente, a esferas da base estrutural do país. Dentre essas esferas, a segurança pública se consolidou como uma grande problemática social, consoante os índices crescentes de criminalidade e o pânico gerado pela sensação de insegurança na população. O PRONASCI, Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, teve sua concepção embasada em políticas de repressão à violência e criminalidade agregadas a políticas de direito cidadão e inclusão social, visando suprir uma lacuna faltante nas políticas do Estado, que delegava ao âmbito penal a responsabilidade exclusiva de combate ao estado de violência. A presente dissertação tem como objetivo principal a análise das funções punitivas estatais contidas em políticas públicas brasileiras, tanto em sua estrutura quanto em sua atuação real, enfocando os meandros dos mecanismos de controle objetivos e subjetivos aplicados pelo Estado. Tendo como base as ideias os autores Michel Foucault, David Garland, Loïc Wacquant e Eugenio Raúl Zaffaroni, para a percepção do que é a punição e seu significado social. Serão analisadas as condicionalidades das políticas públicas escolhidas, visando ampliar o entendimento a respeito das punições contidas em sua organização. As políticas públicas analisadas são: Geração Consciente, Mulheres da Paz e Protejo – Casa das Juventudes, que compõe o Território de Paz, construído pelo PRONASCI, no Bairro Guajuviras, na cidade de Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil. Também será analisado, de uma forma mais ampla, o próprio PRONASCI e o contexto no qual foi criado.

PALAVRAS-CHAVE: Estado Penal; Punição; PRONASCI; Território de Paz; Guajuviras,

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ABSTRACT

Brazil possesses an extensive range of public policies turned to, primarily, the bases of the structural sphere of the country. Among this spheres, public security has consolidated itself as one massive social problem, given the rising indices of criminality and the alarm caused by the population’s insecurity feeling. PRONASCI, National Public Security with Citizenship Program, has grounded their design by violence and criminality repression’s policies together with citizen’s rights and social inclusion policies, with the purpose of suppressing a gap in the state policies, that delegated as criminal matters the exclusive responsibilities of fighting of the state of violence. This thesis has as its main goal the analysis of the punitive functions of the state contained in brazilian public policies, both in its structure and in its actual operations, focusing on the ins and outs of the objective and subjective control mechanisms applied by the state. Based on authors such as Michel Foucault, David Garland, Loïc Wacquant and Eugenio Raúl Zaffaroni’s perceptions of what is punishment and it’s social meaning. The conditionality of the public policies of choice will be analyzed, aiming to expand the understanding regarding the punishments contained in its organization. The public policies to be analyzed are: Geração Consciente (Conscious Generation), Mulheres da Paz (Women of Peace) and Protejo – Casa da Juventude (House of Youth – Protect), projects of Território de Paz (Territory of Peace), that are part of the PRONASCI, in the Guajuviras neighborhood, in the city of Canoas, Rio Grande do Sul, Brazil. It will be also analyzed, more broadly, PRONASCI itself and the context in which it was created.

KEYWORDS: Penal State; Punishment; PRONASCI; Território de Paz; Guajuviras.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dimensões dos Estados referentes ao autor Loïc Wacquant .................................. 37

Tabela 2 – Dimensões comparativas entre o Velho Autoritarismo do Século XX e o Autoritarismo “cool” da América Latina referentes ao autor Eugenio Raúl Zaffaroni ............ 42

Tabela 3 - Dimensões de análise .............................................................................................. 76

Tabela 4 - Dimensões de análise do PRONASCI..................................................................... 81

Tabela 5 - Dimensões de análise do Geração Consciente ....................................................... 84

Tabela 6 - Dimensões de análise do Mulheres da Paz ............................................................. 88

Tabela 7 - Dimensões de análise do Protejo ............................................................................ 92

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Pessoas privadas de liberdade por natureza de prisão e tipo de regime .................. 45

Figura 2 - Escolaridade da População Prisional ....................................................................... 46

Figura 3 - Raça, cor ou etnia..................................................................................................... 47

Figura 4 - Porcentagem de pessoas negras no sistema prisional e na população geral ............ 47

Figura 5 - População: estratificação por sexo ........................................................................... 68

Figura 6 - Faixa etária da população por bairros em Canoas ................................................... 69

Figura 7 - Distribuição da população por faixas etárias nos bairros em Canoas ...................... 69

Figura 8 – Motivação de homicidios em Canoas ..................................................................... 70

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Sumário 1. Introdução ........................................................................................................................ 14

2. A PUNIÇÃO .................................................................................................................... 20

2.1 A História da Punição ................................................................................................... 20

2.2 A Punição e o Controle ................................................................................................. 24

2.2.1 A limpeza das ruas e a pós modernidade ............................................................. 29

3. FUNÇÕES ESTATAIS ...................................................................................................... 33

3.1 O Estado-providência, Estado caricativo e o Estado penal. ..................................... 33

3.2 O Velho autoritarismo e o autoritarismo “cool” da América Latina ...................... 38

4. O PUNIR: NO BRASIL E PARA OS BRASILEIROS ............................................... 44

4.1 A Situação do Brasil ................................................................................................ 44

4.2 A População e a Opinião Pública ................................................................................ 51

5. A SEGURANÇA PÚBLICA E OS ESPAÇOS ................................................................ 57

5.1 A Segurança Pública no Brasil .................................................................................... 57

5.2 PRONASCI .................................................................................................................... 62

6. O TERRITÓRIO DE PAZ NO BAIRRO GUAJUVIRAS ............................................. 66

6.1 O Bairro Guajuviras ..................................................................................................... 66

6.2 O Território de Paz ....................................................................................................... 71

7. A PUNIÇÃO ENTRE LINHAS ........................................................................................ 75

7.1 Forma de Análise .......................................................................................................... 75

7.1.1 Dimensões Gerais ................................................................................................... 77

7.1.2 Dimensões Específicas ............................................................................................ 79

7.2. Na legislação - Regulamentos ...................................................................................... 80

7.2.1 PRONASCI ............................................................................................................. 80

7.2.2 Geração Consciente ................................................................................................ 83

7.2.3 Mulheres da Paz ..................................................................................................... 87

7.2.4 Protejo – Casa das Juventudes .............................................................................. 91

Conclusão ................................................................................................................................ 95

Bibliografia ............................................................................................................................ 100

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LISTA DE ABREVIATURAS

BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais

CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica

CNI-IBOPE – Confederação Nacional da Industria – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

COHAB – Companhia de habitação

CORSAN – Companhia Rio-grandense de Saneamento

CUFA – Central Única das Favelas

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FHC – Fernando Henrique Cardoso

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

ONG – Organização não governamental

PEC – Proposta de Emenda à Constituição

PNSP – Plano Nacional de Segurança Pública

PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

RS – Rio Grande do Sul

SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública

SEPLANSEG – Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública

SUSP – Sistema Único de Segurança Pública

UniRitter – Centro Universitário Ritter dos Reis

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1. Introdução

1.1 O que me motiva?

No ano de 2009, enquanto cursava a faculdade de Direito na UniRitter, em Canoas,

Rio Grande do Sul, Brasil, entrei para um projeto de extensão oferecido pela mesma. Os

estudos eram focados no código de defesa do consumidor, pela parte dos estudantes de

direito; e consumismo e a sociedade consumista pelos educadores populares. Nosso desafio

era fazer parte do projeto Geração Consciente, que levava informações sobre o consumo e os

direitos, para jovens entre 15 e 24 anos, do bairro Guajuviras. Esse projeto será explicado

mais à frente.

Até a finalização desse projeto trabalhei nele, aprendendo e ensinando com os jovens.

As aulas de formas dinâmicas, com variedades de pensamentos, de vidas, e de estruturas, me

fizeram, de certa forma, questionar meus pensamentos a respeito da sociedade. O projeto

Geração Consciente, além de aumentar a minha vontade em um aprendizado ligado às

populações financeiramente excluídas, transformaram a minha visão no âmbito da Direito

Penal.

A transformação que passei, e o aprendizado que tive, me levaram a uma mudança de

área de estudos, assim como de pensamento político. Me formei em direito com um currículo

formado de projetos sociais, o Geração Consciente, dentro de um bairro de risco, e outros

diretamente ligados a presídios, onde passei muito tempo da minha formação.

Ao entrar nos presídios torna-se difícil uma saída inteira, entre tantas vidas, tantas

buscas de liberdade, tantas histórias cruzadas, se sai com a ideia de insuficiência, de

impotência, e de um grande conhecimento de uma população estigmatizada. Quando se escuta

histórias a respeito de uma vida anterior ao cárcere, automaticamente questiona-se a estrutura

social que vivemos, e principalmente a relação do Estado com os bairros de baixo rendimento

econômico.

Comecei a me perguntar quem eram as pessoas com quem trabalhava. As mulheres no

Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, ligadas ao tráfico de drogas, a pequenos

furtos e roubos, e uma grande parte de presas provisórias. Muitas histórias de família no

tráfico, de filhos e filhas para sustentar, de pais e mães exigindo dinheiro, de parentes mortos

por gangues rivais, entre tantas situações cotidianas dentro dos muros.

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Ao trabalhar em presídios masculinos, como o IPC, Instituto Penal de Canoas, me

questionava sobre a vida daqueles homens, muitos presos por tráfico, com uma péssima

situação financeira, e em condições sub-humanas. Assim como ao trabalhar com presos

cíveis, no Instituto Penal Padre Pio Buck, por não pagamento de pensão alimentícia, me

questionava sobre a quantidade de filhos, sobre os acúmulos de pensões e a falta de condições

psicológicas e financeiras de ter o cuidado de uma criança.

Por outro lado, ao trabalhar com as mulheres no CRAS (Centro de Referência de

Assistência Social) me deparava com a falta de recursos financeiros das mulheres para cuidar

dos filhos e das filhas, assim como corriqueiramente os pais estavam presos por não

pagamento da pensão, que acarretava em uma desestrutura familiar. Tanto da relação entre

filhos e filhas com os pais, como uma péssima relação entre o pai e a mãe das crianças.

Dentro desses questionamentos que expus e experiências que vivenciei - visitas a

presídios e acesso as condições, que o autor Loïc Wacquant compara com calabouços feudais,

o que como visitante, concordo; entre o conhecimento de diversas pessoas presas sem

julgamento por muito tempo; de crianças em situação de desamparo financeiro e emocional;

entre tantas mulheres em situação de prisão, ou de abandono – refleti a respeito do quão

importante são as estruturas, tanto familiares, como sociais, para a formação das pessoas.

Não me foquei nisso como o objetivo principal, visto que sempre há exceções em

todas as regras. Nem todas as pessoas com falta de estrutura estavam nos locais em que citei,

assim como nem todas as pessoas que lá estavam tinha essa ruptura das instituições. Porém o

que todos nós temos em comum é a presença do Estado nas nossas vidas, em muitas de suas

formas. E esse questionamento sobre as diferenças de tratamentos do Estado, me fez buscar

mais conhecimento nessa área.

O que para mim era a proteção, aprendi com os jovens do Guajuviras, que para eles

significava medo. A polícia que me defendia, descobri eu, me defendia deles. E assim como

eu tinha a satisfação em me sentir protegida e longe deles, ao descobrir que era deles que me

protegiam, questionei meus privilégios sociais. E nisso comecei a pensar que até mesmo os

jovens que eu trabalhava estavam em uma situação de privilégio frente a outros, outros esses,

que nem poderiam estar naquele projeto social.

Com essas conclusões e a percepção de que estamos, nós população e Estado, fazendo

jus a um termo que muitas vezes falamos, “tapar o sol com a peneira”, de certa forma não

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atingimos profundamente as causas da criminalidade, ou da pobreza, mas lidamos apenas com

o sintoma que ela causa, a insegurança social e uma visão feia da sociedade. Por fim, as

pessoas que sofrem com a falta ou falha das funções sociais do Estado, e uma bruta

implementação do Estado Penal, passam por diversas violências, desde a ausência de recursos

básicos para sobreviver, até o abuso da força policial.

Decidi, então, nesta dissertação buscar se há um crescimento da punição nos projetos

de cunho social. Como explicado no início, participei de um projeto chamado Geração

Consciente, que ocorreu no bairro Guajuviras, e é parte do PRONASCI – Programa Nacional

de Segurança Pública com Cidadania -, compondo o projeto Território de Paz.

Escolhi, visto isso, o Território de Paz do bairro Guajuviras como objeto para analisar

as políticas públicas, em uma tentativa de percepção sobre a punição em pequenos detalhes,

tanto na legislação, quanto no projeto e no desenvolvimento do mesmo. Tentando perceber o

quanto o controle é punitivo, e qual o alcance dele.

Dentro desses bairros degradados há uma teia de ações sociais, ações essas vindas de

diversas instituições, como o Estado, Igrejas, ONG’s, e até mesmo organizações da própria

comunidade. Precisa-se então entender como essa teia social vem falhando dentro dessas

comunidades, a ponto do aumento gradativo da violência nesses bairros, e também o

crescimento da entrada dos jovens em ações criminosas.

No Estado Brasileiro que tem grandes investimentos em políticas públicas de

educação, e uma grande quantidade de projetos sociais nos bairros considerados degradados,

presume-se que exista uma falha no desenvolvimento desses projetos, para assim entender

quais são as falhas; se são falhas na estrutura dos projetos ou em seus desenvolvimentos, ou

em ambos.

Por isso essa pesquisa propõe uma análise em um bairro de risco da cidade de Canoas,

Rio Grande do Sul, Brasil, onde ocorre o Território de Paz, um projeto desenvolvido pelo

Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), que visa unir uma

Política de Segurança e Ações Sociais preventivas nos bairros mais complicados em questão

de criminalidade. Será feita, nesse sentido, uma análise de seus projetos, seu desenvolvimento

e seus requisitos de participação; tal qual como é na realidade, e não apenas no papel, do

bairro escolhido, o Bairro Guajuviras.

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1.2 A que fim coloco essa dissertação?

Como explicado, esse projeto visa um estudo a respeito do agravamento da função

punitiva do Estado (penitenciária e policial) onde há carência de funções sociais

desempenhadas pelo Estado, ou que há falhas no desenvolvimento das políticas, asseguradas

como direitos sociais para a toda população, sem discriminação, pela Constituição Federal

brasileira. Entre os direitos estão o acesso à educação, à saúde, à alimentação, o trabalho, à

moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à

assistência aos desamparados. Como está descrito no art. 6º da Constituição Federal do Brasil.

Tendo em vista a necessidade de proteger a sociedade moderna dos crimes é

implementado, assim, um maior controle penal nas áreas afetadas pela falta dos Direitos

Sociais, para manter em ordem e sem crimes a sociedade. Sendo o Estado detentor do poder

legítimo da violência. Porém, a punição nem sempre é clara, e há diversas formas do seu

aparecimento.

Para começar uma introdução mais direcionada à dissertação, divido o trabalho em

duas partes, a primeira parte tem três capítulos, e a segunda também com três capítulos.

Perceberia essa primeira parte como um maior aprofundamento no assunto da punição, das

funções estatais que busco, e do ambiente geral que de análise. Uma pesquisa teórica, com

base em doutrinas, artigos, livros e pensamentos. Uma parte com maior amplitude, que julgo

necessária para o entendimento da segunda parte, como uma base teórica.

No segundo capítulo da dissertação será vista a punição. Na primeira parte, a punição

e sua história, segundo, principalmente, Michel Foucault, mas não se limitando a ele. Para ter

uma base a respeito dos tipos de punições em diferentes épocas, e, também, a visão da

população a respeito. É um capítulo importante para a definição de punição, e um melhor

conhecimento sobre um dos temas que coloco como uma das bases desse estudo.

No segundo subcapítulo continuo a abordagem a respeito da punição na modernidade,

porém, já com base no autor David Garland, autor que utilizo até a entrada da pós-

modernidade, para assim fazer uma ligação atual, e também, perceber a punição como uma

instituição.

Ainda no segundo capítulo, em sua parte final, para seguirmos a ideia da pós-

modernidade será refletido a respeito da insegurança social, e da criminalidade. Mais

precisamente, a visão da sociedade a respeito da criminalidade.

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Já tendo uma melhor ideia da punição, e de como se encontra a sociedade na visão

criminológica, no terceiro capítulo entro em dois autores que uso como pilares para escrever.

Em um primeiro subcapítulo, Loïc Wacquant, em um segundo, Eugenio Raúl Zaffaroni.

O Primeiro, Loïc Wacquant, é sociólogo francês que atua nos Estados Unidos, e dele

fico com a visão dos tipos de Estado, entre tantos outros aprendizados. O Estado providência,

Estado caricativo e Estado penal. Esses três tipos estatais serão comparados e utilizados como

base para a formação de um método de análise posterior.

O Segundo autor, Eugenio Raúl Zaffaroni, é ministro da suprema corte argentina,

advogado e doutor em ciências jurídicas e sociais. Um dos grandes nomes ao se falar em

criminologia na América Latina. Desse autor, uso a comparação entre o sistema de

Autoritarismo, e o que ele chama de Autoritarismo cool da América Latina. Da mesma forma,

exemplifico as diferenças nas funções estatais, para poder fazer uma conexão em uma análise

posterior das políticas públicas analisadas.

No quarto capítulo, começo a direcionar para o Brasil. Em uma primeira parte, um

pouco da situação em que se encontra a criminalidade, e os maiores problemas. Já na segunda

uma maior reflexão da segurança pública. Essa reflexão vem com base no pensamento da

população a respeito do sentimento de segurança/insegurança. Nessa visão conseguimos ter

uma melhor perspectiva do que a população quer das políticas de segurança.

Agora entro na segunda parte do trabalho, que considero uma parte que direciona para

a análise concreta dos pensamentos estudados até então. O quinto capítulo será uma análise da

Segurança Pública no Brasil, da época pós ditadura, até o momento atual do país. Assim como

a entrada no PRONASCI, que é a parte onde ocorrerá a pesquisa empírica.

Todo pensamento construído até então, será posto em análise. No quinto capítulo será

explicado o bairro Guajuviras, seu início, sua história, e sua permanência como um bairro

social. A história do bairro é importante para o entendimento da população local, assim como

o porquê da escolha desse bairro para implementação do Território de Paz.

Ainda no mesmo capítulo, será explicado o que é o Território de Paz, qual sua função,

e qual razão de sua implementação. Serão vistos os projetos desenvolvidos no Território de

Paz, quais foram os projetos iniciais, quais foram os resultados até o momento, e como está o

andamento.

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Na última parte, o sétimo capítulo, serão feitas as análises. Em um primeiro momento,

por formas de tabelas serão explicadas as dimensões que serão analisadas, para em um

segundo momento, utilizando as leis, os regulamentos e editais, começar a produzir as

análises.

A análise será feita, em um primeiro momento, de modo mais geral, no PRONASCI e

suas lei, para em seguida começar a análise em três dos projetos do Território de Paz, Geração

Consciente, Mulheres da Paz e Protejo. Será esse o momento de questionar a respeito dos

traços punitivos presentes nas políticas públicas.

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2. A PUNIÇÃO

O intuito deste capítulo é fazer uma viagem dentro da punição, em sua amplitude, uma

volta ao passado ao longo da história para entender melhor a situação atual punitiva. No

primeiro subcapítulo buscar relembrar seu início, contado, principalmente, por Michel

Foucault, e aprofundar o entendimento do que é a punição e de como ela foi significada no

decorrer da existência humana. No segundo subcapítulo fazer o caminho da modernidade até

a pós-modernidade utilizando, principalmente, David Garland, para assim perceber a punição

como uma Instituição. Ainda, após esse subcapítulo, analisar a relação da sociedade com a

punição e com a insegurança social, entender a insegurança e de que forma ela é gerada. Esse

capítulo vem com a intenção de ver atualmente a insegurança, e a necessidade da punição

para diminuir a sensação de insegurança.

2.1 A História da Punição

Michel Foucault, no livro Vigiar e Punir (Foucault, 1987), aborda os meandros da

história da punição nas sociedades humanas, sendo de grande mais valia para o entendimento

da punição e das mudanças em suas variadas formas empregadas, tendo como destaque

principal, na obra em questão, o papel da prisão nas sociedades modernas diante do papel de

um controle punitivo. A prisão não será o foco principal deste estudo, mas sim a punição e

sua trajetória, visando entender mais profundamente a relação da sociedade com as punições

atuais e o processo histórico que culminou na organização social na qual nos encontramos no

século XXI.

No século XVII a razão primordial da punição consistia em castigos impostos aos

criminosos, como forma de pagamento pela pena a que foram condenados. Naquela época os

suplícios, penas corporais visíveis e dolorosas, se consolidaram como mecanismo de punir,

utilizados pelo Estado como forma de demonstração de poder, como meio de escancarar os

castigos para que a população, temerosa, não repetisse os atos do criminoso. Não era apenas

uma forma cruel de penitencia, mas também utilizava dessa tortura visível, da dor, para

mostrar o poder, a hierarquia e marcar o corpo do criminoso de forma bruta, para assim

demonstrar o poder que o Estado tinha sobre as pessoas, fazendo dessa punição um espetáculo

(Foucault, 1987).

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As penas não impreterivelmente eram de morte, cada crime tinha sua pena específica,

relacionada com multas e banimentos, e a incidência dos castigos dependia dos tipos de

crimes cometidos. No caso de determinados crimes, além da multa havia outros tipos de

exposição de punição corpórea, como exemplo, coleiras de ferro, açoites, marcação corporal,

contendo uma dimensão de suplício. O suplício precisava ser marcante quando infligido, era

de caráter necessário deixar marcas em sua vítima, não apenas corpóreas, mas marcar

profundamente com a lembrança da humilhação e a vergonha (Foucault, 1987).

Para que uma pena fosse caracterizada como um suplício foram estipulados alguns

critérios, como a necessidade de produzir uma quantidade de sofrimento, para ser apreciado.

No suplício é preciso que haja uma agonia até a morte, em diferentes graus, podendo ser uma

morte rápida, de grau zero de sofrimento, até ser açoitado até a morte ou ser queimado na

fogueira. O mais importante é: “a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento,

subdividindo-a em mil mortes” (Foucault, 1987, p. 31). São muitos os fatores que eram

correlacionados para a aplicação do suplício, levavam-se em conta qual o crime cometido e

sua gravidade, a intensidade, ferimentos físicos, a pessoa do criminoso e o nível social de suas

vítimas.

O suplício não visava a recuperação, o foco consistia em produzir sofrimento, a

execução do próprio cerimonial da justiça, manifestando a sua força e poder, perseguindo o

corpo e verdade do crime, fazendo o restante da população, que apreciava as cenas em

ambiente público, temer o poder do Estado e assim se sentir inibida a cometer crimes. Dessa

forma a punição passou a ser uma função social, levando o indivíduo delituoso à morte e,

consonantemente, controlando a população de forma política (Foucault, 1987).

Posteriormente os suplícios foram extintos da gama de instrumentos punitivos do

Estado, devido a grandes levantes de questionamentos sociais, como a exigência da

eliminação do confronto físico entre o soberano e o condenado, visto que os suplícios

adquiriram um caráter revoltante, o povo os considerava um reles prazer de punir, um excesso

tirano. Os novos princípios sociais da época atribuíam à humanidade das pessoas condenadas

o valor de algo que ao menos deve ser respeitado (Foucault, 1987).

Alguns dos grandes “reformadores”, como Beccaria, foram fortemente críticos ao

sistema da época.

[...] contudo se por sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribuí para salvar da morte atroz algumas das trêmulas vítimas da tirania ou da ignorância igualmente prejudicial,

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as bênçãos e as lágrimas de apenas um inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da ventura confortar-me-iam do desprezo do resto dos homens. ” (Beccaria, 2000, p. 18).

No livro “Dei delitti i delli peni” (Beccaria, 2000) do ano de 1764, Cesare Beccaria faz

uma crítica à forma como era levado o Direito Penal da época, tendo como suas razões

principais o abuso das punições, o exagero das penas e o não respeito às legislações. Ele

coloca como as punições eram exageradas, quando na verdade deveriam ser a ultima ratio, e

resume-as com uma frase: “(...) para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena

deve ser, (...) pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias

dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. ” (Beccaria, 2000, p. 107).

Durante esse tempo transformaram-se os conceitos de diversos crimes, assim como os

crimes que eram passiveis de punição mais intensa, visto as mudanças sociais das épocas,

bem como o conceito de crime em si, aquilo que entra como crime na organização social, a

constituição de novas formas e elementos puníveis. Os novos valores morais se ocupam de

ressignificar o que é definido como perigo, e o muro entre permitido e proibido.

Concomitantemente à modificação do crime há, também, a modificação da punição.

Para Durkheim, o crime não é algo patológico ou um fenômeno estranho, mas sim

presente em todas as sociedades, como um fato social. Assim, sabemos que em diferentes

sociedades há diferentes ações consideradas delituosas, bem como diversas formas de punição

(Durkheim, 2007).

O crime não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades, qualquer que seja o tipo destas. Não há nenhuma em que não haja criminalidade. Muda de forma, os atos assim classificados não são os mesmos em todo o lado; mas em todo o lado e em todos os tempos existiram homens que se conduziram de tal modo que a repressão penal se abateu sobre eles (Durkheim, 2007, p. 82).

Inclusive, para o autor, o crime apenas não existiria se alcançássemos o estado de

unanimidade, porém isso não ocorre em nenhuma sociedade, visto que a individualidade do

ser humano não é nula. Porém, seguindo na ideia contraria de Beccaria, Durkheim percebia a

sua punição não como algo preventivo e socializador, mas retributivo, sendo assim necessária

para a restauração da consciência coletiva. (Durkheim, 2007)

De volta a Foucault (1987), a partir do fim dos suplícios a punição passa a não ser

mais uma ostentação dos ferimentos corpóreos, do sangue, da carne, tornando-se impalpável,

incorpóreo, principalmente. Segundo o autor, passa a ferir algo mais profundo, a alma do ser

humano, assim fere o coração, o intelecto, a vontade e as disposições.

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Não se deveria dizer que a alma é uma ilusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que tem uma realidade, que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que são punidos – de uma maneira geral sobre os que são vigiados, treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a existência. (...). Uma ‘alma’ o habita e o leva à existência, que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do corpo. (Foucault, 1987, p. 28)

Pune-se, também, além dos atos, a vontade, o desejo, os pensamentos, as perversões e

os impulsos do indivíduo. A sociedade não apenas o julga, mas também o persegue, vigia,

controla, acompanha, tentando anular sua periculosidade. Leva-se, assim, a alma ao tribunal,

para fazê-la pagar juntamente com o ato. O julgamento não se restringe mais às ações dos

indivíduos, mas também ao que são, ou o que podem vir a ser e a fazer (Foucault, 1987).

Novas técnicas punitivas surgem, baseadas em controle corporal, por meio da

disciplina se controla o corpo, apinhando indivíduos em lugares cercados de muros e olhares,

observa-se os pormenores dentro de espaços fechados e reduzidos. Disciplina-se por meio de

horários, filas, hierarquias, movimentos e atividades, para assim ter o adestramento dos

indivíduos, os corpos indóceis tornando-se dóceis (Foucault, 1987).

Com esse objetivo são usadas sanções, exames, e uma vigilância maior, para evitar os

desviantes, a ameaça ao poder vigente. Essas técnicas punitivas não são apenas utilizadas nas

prisões, que é um dos objetos de estudos de Foucault, mas também em hospitais, escolas,

quartéis, e também se percebe em outras instituições pilares da ordem social, como exemplo,

a família (Foucault, 1987).

Foucault, estudando esse estado de vigília social perpétua, construiu a ideia do

panoptismo, termo oriundo de uma figura arquitetônica criada por Jeremy Bentham no sec.

XVIII, após analisar o sistema penitenciário. O panóptico consiste em uma torre na

construção central, e a sua volta uma estrutura redonda, onde ficariam as celas. Assim a torre

central, de vidro, teria a visão privilegiada de todas as entradas das celas. O panóptico era uma

estrutura que tinha o poder de observar tudo ao seu redor, um marco, considerando o nível

tecnológico da época (Foucault, 1987).

Essa estrutura foi idealizada por Bentham para o controle dos presídios, considerando

que possuindo a visão de todos os passos dos prisioneiros poderiam controla-los com maior

efetividade, mas o sistema panóptico não foi adotado apenas nos presídios, também o foi em

escolas, ambientes de trabalho, entre outros locais que o controle seria uma forma de

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disciplinar. Essa constante vigia, sistematizada e em diversos âmbitos sociais, é o que

Foucault define como panoptismo.

A inspeção funciona constantemente. O olhar está alerta em toda parte: "Um corpo de milícia considerável, comandado por bons oficiais e gente de bem", corpos de guarda nas portas, na prefeitura e em todos os bairros para tomar mais pronta a obediência do povo, e mais absoluta a autoridade dos Magistrados, "assim como para vigiar todas as desordens, roubos e pilhagens". As portas, postos de vigilância; no fim de cada rua, sentinelas. Todos os dias, o intendente visita o quarteirão de que está encarregado, verifica se os síndicos cumprem suas tarefas, se os habitantes têm queixas; eles "fiscalizam seus atos". (Foucault, 1987, pp. 190-191)

A visão de um controle total adotado pelas novas estruturas do século XVIII

demonstra a quebra com os preceitos de organização dos séculos anteriores, em que as

instalações comumente usadas para privar criminosos da liberdade eram as masmorras, em

que os condenados não ficavam expostos, mas sim escondidos, no escuro e afastados.

Retiram-se as pessoas do escuro para observa-lhes, monitorando cada passo e cada ação,

vigia-se abusivamente como controle e punição, na qual o detento tem o conhecimento de sua

visibilidade permanente, sabendo que está sob contínua observação (Foucault, 1987).

Segundo o autor, o panóptico também pode ser usado de outras formas, como uma

máquina para criar experimentos, modificar comportamentos, disciplinar, treinar e treinar

novamente os indivíduos. Pode ser usado em escolas, estratégia para perceber uma forma

mais eficaz de ensino; também utilizado com operários, testando melhores técnicas de

produtividade. Para Foucault, o panóptico funciona como um “laboratório de poder”

(Foucault, 1987, p. 198).

A percepção desse mecanismo como um grande laboratório de poder possibilita

entender por outras perspectivas quais são as formas de controle, não apenas na arquitetura

panóptica, no palpável, mas também nas outras formas de controle exercidas diariamente,

algumas de viés subjetivo. Pelos meandros da variação dos instrumentos de vigia constante,

trataremos agora das interseções entre punição e controle.

2.2 A Punição e o Controle

Na sociedade panóptica de Foucault, percebe-se a todos os lados o controle, uma

forma clara de disciplina, e com as pessoas vigiadas a punição se torna mais próxima, visto o

controle excessivo. Vigia-se, controla-se, pune-se. Seguindo a abordagem sobre a

modernidade e sua relação com a punição, entraremos em outro autor que contribui com uma

visão diferenciada do impacto e função da punição e do controle, porém, complementar.

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Garland, estudando Foucault e outros diversos autores, desenvolveu um modelo de

análise do papel da punição na modernidade. Ele vai além da perspectiva de poder construída

por Foucault, pois percebe que existem outras dimensões do poder de punir, não apenas a do

controle social. Essa visão exclusivamente focada no controle e disciplina, com base no

poder, limita a compreensão das outras dimensões existentes (Garland, 1990).

Trazendo a visão da autodeterminação, Garland busca uma multiplicidade de efeitos,

de significados e formas de punições; não focando apenas em um princípio para explicar o

papel social da punição, mas sim em diversos.

Overdetermination' does not imply a range of forces which flow smoothly together in the same direction, intent on the same result. It implies constant conflict, tension, and compromise and suggests outcomes which are unique in their particularity rather than uniformly shaped by a pre-cut mould. 1 (Garland, 1990, p. 285)

A punição deve ser então pensada como uma instituição social, e assim deve ser vista

e estudada, da mesma forma como a família, escola, entre outras instituições. Suas práticas

também devem ser pensadas como práticas da instituição e não como algo singular, visto que

como instituição tem ligações também com outras instituições, recebendo intervenções

diversas. Devemos, assim, entender a punição como uma instituição complexa, repleta de

ramificações. (Garland, 1990)

Learning to think of punishment as a social institution, and to picture it primarily in these terms, gives us a way of depicting the complexity and multifaceted character of this phenomenon in a single master image. It enables us to locate the other images of punishment within this overall framework while also suggesting the need to see penality as being tied into wider networks of social action and cultural meaning.2 (Garland, 1990, p. 282)

Contradições e pluralidade de interesses, bem como a procura por um tipo de

regulamento, são traços frequentes na forma de organização de instituições sociais, além do

mais elas são desenvolvidas para satisfazer as necessidades, resolverem litígios e regularem

esferas sociais. “Having developed as a means of managing tensions, arbitrating between

conflicting forces, and getting certain necessary things done.”3 (Garland, 1990, p. 282).

1 Tradução livre: Sobredeterminação não significa uma gama de forças que fluem suavemente juntas na mesma direção, com a intenção de um mesmo resultado. Implica em constante conflito, tensão e comprometimento, e sugere resultados que são mais exclusivos em sua particularidade do que uniformemente desenhados por um modelo predefinido. 2 Tradução livre: Aprender a pensar na punição como uma instituição social, e imagina-la principalmente nesses termos, para nos dar uma maneira de retratar a complexidade e o multifacetado caráter desse fenômeno em uma singular imagem. Isso nos permite localizar outras imagens da punição com esse quadro global, embora, também sugerindo a necessidade de ver a penalidade sendo amarrada na mais ampla rede de ação social e de significado cultural 3 Tradução livre: Tendo desenvolvido como uma forma de gerenciar tensões, arbitrar entre forças conflitantes, e fazer determinadas coisas necessárias.

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Um dos elementos importantes tratados por Garland a respeito da instituição da

punição é a luta ideológica política em que ela se transformou na sociedade. Por um lado, a

segurança pública e a hostilidade em relação aos presos e, por outro, a preocupação com a

situação do prisioneiro, com a preservação da sua humanidade, e a tentativa de minimização

penal. Tal contexto trouxe como consequência a instrumentalização da insegurança na

sociedade, para fins políticos (Fernando Salla, Maitê Gauto, Marcos César Alvarez, 2006).

A respeito da mídia e da relevância de sua utilização, Garland reflete sobre a

importância da sentença e da linguagem especifica que é utilizada por agentes do sistema

penal, que serve para classificar as ações e os indivíduos que as cometem, mostrando, dessa

forma, para o público. Através desse raciocínio ele conclui que existem três interlocutores, os

criminosos condenados, os agentes do sistema penal e o público (Garland, 1990; 1999)

(Fernando Salla, Maitê Gauto, Marcos César Alvarez, 2006).

Entretanto, fazendo um estudo para criar um quadro a respeito das dimensões da

sociedade punitiva, percebe-se também uma posição contraria de Garland a respeito da visão

de Foucault, quando o segundo afirma que após os suplícios não é mais visível o espetáculo

da punição pública. Porém Garland, em contrapartida, afirma que é mantido o espetáculo,

juntamente com o sofrimento dos condenados, como forma de fazer a população não cometer

mais crimes (Garland, 1999).

A finalidade dessa sociedade punitiva, além da condenação, do sofrimento, da perda

da liberdade, de forma a qual estabelece um espetáculo para os crimes não voltarem a ser

cometidos, é a proteção ao público e o gerenciamento dos riscos. A concretização de tais

objetivos se dá por meio de maior rigorosidade nas leis, repressividade e punição em suas

medidas, na qual a existência da prisão é tida como indispensável na ordem social (Garland,

1999).

Para manter esse efeito gasta-se mais com o sistema policial e a justiça criminal, assim

atinge-se o objetivo de trazer a sensação de segurança e proteção para a população, e da

mesma forma neutralizar os criminosos, pela via do medo. Dessa maneira prova-se para a

população que a prisão funciona nesse sentido. A população fica satisfeita com mais gastos na

esfera punitiva, se sentindo mais segura, enquanto os criminosos percebem que há um maior

gasto relativo a essa área, que assim os tenta neutralizar (Garland, 1999).

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Com essa volta ao passado e esse retrospecto da história da punição, vamos entrar

agora em um pensamento mais atual, vou tentar abordar, com base no que já vimos, uma

visão pós-moderna da punição. Vou utilizar o termo pós-modernidade, como uma escolha

pessoal, por razão dos autores que abordam diretamente a matéria desse estudo terem a

escolhido também.

Garland ainda reflete que o termo pós-modernidade foi escolhido por ele por pura

conveniência, ele emprega esse termo para as grandes mudanças sociais ocorridas a partir da

segunda metade do Século XX (Garland, 2008, p. 184).

Segundo o autor David Garland, a mudança social pós-moderna no crime e no bem-

estar se deu de uma forma negativa, precarizante, ao perceber que houve um aumento

considerável nos índices de criminalidade, se tratando dos Estados Unidos, País de Gales e

Inglaterra; esse aumento é visto como resultado de diversos problemas que o autor expõe

(Garland, 2008).

O impacto da pós-modernidade e a ligação com o aumento da criminalidade não se

deu por coincidência, como exemplos o autor aponta as maiores oportunidades para a prática

de crimes, os controles de situações diminuídos, um aumento da população que se encontra

em situação de risco, e a redução da eficácia no controle social, visto as mudanças nas normas

culturais vigentes. O aumento da criminalidade foi multidimensional, correlacionado com as

alterações socioculturais da pós-modernidade (Garland, 2008).

Houve, também, o aumento dos homens nas participações criminosas, por razão de um

controle menos incidente em algumas dimensões, a exemplo de um tempo mais frequente fora

do âmbito família, do trabalho integral, ou da escola, ampliando a possibilidade de mais

tempo para usufruírem do ambiente externo das ruas, e nas ruas aproveitarem as novas formas

de desejos trazidos pelo contexto pós-moderno, de prazeres em momentos instantâneos.

Esses jovens tiveram mais acesso à mobilidade e à prosperidade que as gerações

anteriores, assim passavam considerável parte do tempo fora de casa. Esses novos hábitos os

deixavam mais próximos de ambientes subculturais, como danceterias, bares, ruas, esquinas,

estando longe do controle dos adultos, culminando em uma maior aproximação com o crime

(Garland, 2008).

[...] este período também testemunhou o relaxamento dos controles sociais informais – nas famílias, nos bairros, nas escolas, nas ruas – causado, por um lado, pela nova ecologia social e, por outro lado, pelas mudanças culturais. O espaço social ficou mais distendido, mais anônimo e menos vigiado, no exato

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momento em que estava ficando recheado de tentações e oportunidades para o crime (Garland, 2008, p. 205).

Frente aos vastos elementos que o autor coloca como um boom explosivo da

criminalidade, ele entra também na nova forma de policiamento, nos anos 60, em que houve a

saída dos policiais das ruas para dentro de carros, estando assim mais preparados para casos

emergenciais, porém, mesmo com essa forma maior de controle, visto os demais aspectos que

levavam aos crimes, as taxas continuaram a subir (Garland, 2008).

O autor relaciona a pós-modernidade a um impacto sobre o bem-estar social. Esse

bem-estar social, materializado na forma das instituições previdenciárias, causou grande

dependência das pessoas ao Estado. Segundo Garland, “as pessoas passaram a depender mais

do Estado e dos serviços sociais por ele promovidos do que dos pais, maridos, agiotas ou dos

empregos de baixa remuneração” (Garland, 2008, p. 207).

Essa visão do autor, a respeito do estado de bem-estar social, será melhor analisada

posteriormente, sob a visão de Loïc Wacquant, a respeito dos tipos de estados implementados

nos Estados Unidos, e também as diferentes dimensões de cada estado. Um Estado punitivo,

um Estado caricativo e um Estado-providencia. Todos eles exercidos pela rédea dos controles

estatais.

Seguindo a ideia do autor, percebe-se que há uma nova forma de controle da

instituição punitiva. Uma forma que é chamada, por ele, de terceiro setor. O primeiro setor

seria a polícia, o segundo setor o sistema penal, e o terceiro, o setor “governamental”, que

seria a representação da prevenção e da segurança (Garland, 2008).

Esse setor é composto por organizações que buscam a prevenção do crime, assim

como parcerias público privadas, rotinas de trabalho, e também por guardas comunitárias.

Esse terceiro setor de controle é o menos visível, pois não são grandes estruturas palpáveis,

mas sim, um sistema mais frágil e menos exposto (Garland, 2008).

O setor em questão ocupa uma posição de intermédio entre o estado e a sociedade

civil; coloca-se então o crime não mais apenas nas mãos do sistema prisional e da justiça

criminal, traz-se ele para fora, para outras instituições e para a sociedade civil, um conjunto de

atores sociais e econômicos (Garland, 2008).

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2.2.1 A limpeza das ruas e a pós modernidade

Como já explanado, a punição foi se transformando durante os tempos, de acordo com

as modificações da sociedade. Podemos refletir que as formas dos crimes e suas

consequências modificam-se de acordo com o que é visto pela sociedade como ato criminoso,

bem como o sistema punitivo vai sendo alterado e adequado dentro das sociedades. A

insegurança nos traz a ideia de que necessitamos de mais policiamento, de mais justiça

criminal, de maiores investimentos nas áreas que detém a responsabilidade de manter os

cidadãos protegidos, para que possam estar na sociedade sem serem confrontados com as

mazelas sociais.

Com o intuito de ter uma sociedade mais segura, criou-se uma grande ilusão a respeito

de que essa segurança será alcançada com a criação de leis penais mais severas e com um

maior policiamento, que legitime todas as formas de violência em prol da defesa do cidadão,

não apenas contra as partes excluídas da sociedade, mas também contra quem argumente

contra esse discurso (Zaffaroni E. R., 2007).

Há, então, uma busca por manter as cidades seguras, seguras de qualquer tipo de

situação que desagrade a um todo. Policia-se as ruas, coloca-se grades entorno das

residências, cerca-se as empresas, usa-se de seguranças privados, aumenta-se o olhar para

todos os lados, como forma de minimizar qualquer sensação de insegurança social na

população (Andrade, 2013).

A visão da sociedade pós-moderna carrega consigo uma idealização da pureza, ordem

e limpeza, como preceitos para a sociedade ideal. O que foge desse padrão, considerado

impuro, sujo, ou sem ordem, causa um grande incômodo nas pessoas e desperta a sensação de

não pertencer àquela sociedade, pois estão alheios à ordem, devendo ser extintos

imediatamente (Bauman, 1998).

Adentrando na visão da sociedade atual, mantém-se a vista apenas quem encaixa na

beleza social, sendo assim as classes privilegiadas permanecem na sociedade, mas quem

aparentemente não pertence a essa ordem fica “fora de lugar”. Cada sociedade cria as suas

próprias sujeiras e suas próprias ordens, gerando assim quem são os estranhos (Bauman,

1998).

No mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida livremente concorrentes, há ainda um severo teste de pureza que se requer seja transposto por todo aquele que solicite ser ali admitido: tem de mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça

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interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante experiência. Nem todos podem passar nessa prova. Aqueles que não podem são a “sujeira” da pureza pós-moderna. (Bauman, 1998, p. 23)

A escolha pela limpeza das ruas causa uma falsa segurança, mostrando

superficialmente que o “sujo” não existe, quando na verdade apenas está escondido. É o

mecanismo que coloca a sujeira embaixo do tapete, almejando que a população não perceba a

presença marginal da mesma. A resolução desse problema é traduzida no aumento do

policiamento nas ruas, visando limpar a cidade de pessoas sujas, com o intuito de manter a

beleza e a ordem, criando uma falsa realidade de que essa é a solução, mantendo a harmonia

social daqueles que pertencem à sociedade (Bauman, 1998).

A exclusão social relacionada à pobreza é uma mazela da sociedade, porém, em um

nível mais complexo, revela-se que o próprio Estado em demasia em determinadas instancias,

concomitantemente à falta dele em outras, é um dos maiores provedores desta exclusão. A

expansão do Estado Penal, sobre forma de controle da sociedade, revela uma assepsia a

respeito dos crimes cometidos pela classe baixa nas ruas, deixando assim a sociedade limpa e

livre, sem a introdução dos ‘germes patogênicos’ (Wacquant, 2007). No caso, deixar a cidade

imune às pessoas de classes inferiores, permanecendo no organismo apenas quem se encaixa

no padrão da pós-modernidade.

Para explicar de uma forma bastante clara, Bauman (1998) esclarece a relação de

associação de alguns seres humanos com a sujeira, sendo eles não compatíveis com a

civilização. Devem então ser arrancados da sociedade, para assim limpar a mesma e trabalhar

para não existirem ‘novos impuros’.

“. . . entre as numerosas corporificações da ‘sujeira’ capaz de minar padrões, um caso – sociologicamente falando – é de importância muito especial e, na verdade, única: a saber, aquele em que são outros seres humanos que são concebidos como um obstáculo para a apropriada ‘organização do ambiente’; em que, em outras palavras, é uma outra pessoa, ou, mais especificamente, uma certa categoria de outra pessoa, que se torna ‘sujeira’ e é tratada como tal. ” (Bauman, 1998, p. 17)

Essa categoria de ‘outra pessoa’ é visada pela expansão do Estado punitivo, sendo

esses inimigos controlados pelo Estado. No Brasil a guerra entre a polícia e bandidos

fortemente armados atinge todas as classes sociais, tanto ricos como pobres, espalhando

medo, principalmente devido à proximidade das zonas de exclusão social com as zonas das

classes com maior poder aquisitivo (Wacquant, 2007).

Entretanto, ao mesmo tempo é dividida a população entre boa e má, entre

violentadores e violentados, dividida entre quem é cidadão de bem e quem é bandido, criando

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uma luta contra a criminalidade, seguindo assim, não mais parecendo ser uma fratura apenas

de classe, mas uma fratura moral (Andrade, 2013).

Haja vista que delitos são comuns tanto em zonas comerciais quanto em zonas

residenciais, as classes média e alta, envoltas em uma onda de insegurança social crescente,

necessitam proteger a si mesmas, não contando mais apenas com a segurança pública, mas

também com a segurança privada, protegendo-se entre fortalezas, grades, muros, alarmes de

segurança, cães de guarda, câmeras de vigilância, entre outros mecanismos (Wacquant, 2007).

Com menos despesas na linha de direitos sociais, gasta-se assim com o ideal de bem-

estar da coletividade, com segurança pública, custos policiais, custos de novos presídios e

manutenção de antigos, guardas armados, proteção de casas, escritórios, empresas, carros,

entre tantos outros bens. Porém, essa pobreza, necessita cada vez de mais recursos para a

sobrevivência (Bauman, 1998).

É notório, assim, que manter os excluídos e pobres fora do convívio social não

aumenta a liberdade dos ‘livres’, mas tira o deleite de aproveitar a liberdade e reprime a

sensação de estar livre. No fim, alguns perdem a liberdade e outros perdem a capacidade de

vivenciar sua liberdade, permanecendo apenas a sensação de insegurança. “A estrada dos

cortes do bem-estar podem levar a toda parte, menos a uma sociedade de indivíduos livres. ”

(Bauman, 1998, p. 252).

A constante busca pela cidade segura, por limpeza e ordem, termina constantemente

com a ação punitiva contra moradores de zonas pobres, visando punir as impurezas da

sociedade (Bauman, 1998). Ou seja, a repressão se faz presente nas zonas onde se encontram

os inimigos que sujam as cidades. Para conseguir realizar esse funcionamento é implementado

um extensivo Estado punitivo, porém direcionado a zonas especificas, aquelas impuras e sem

ordem da sociedade, protegendo aqueles que são tidos como os cidadãos que merecem ter sua

segurança preservada.

“A mais odiosa impureza da versão pós-moderna da pureza não são os

revolucionários, mas aqueles que ou desrespeitam a lei, ou fazem a lei com suas próprias

mãos.” (Bauman, 1998, p. 26). Esses devem ser combatidos pela força policial, na ótica do

Estado. Porém, no sentido inverso, a polícia, que deveria proteger a população, é mais temida

nas zonas pobres que os próprios ‘criminosos’, sendo ela a arma responsável por aplicar os

preceitos do Estado punitivo (Wacquant, 2007).

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Torna-se notório que a proteção de uns faz o Estado punitivo atentar contra muitos,

independente se criminosos ou não, apenas sujeitos ao ideal social que os enquadra como

inimigos sociais, impuros e que causem a sujeira, tirando a beleza idealizada da sociedade.

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3. FUNÇÕES ESTATAIS

Com a intenção de analisar o Território de Paz como política pública, nesse primeiro

subcapítulo procuro caracterizar o Estado em três classificações diferentes. Essas

classificações são necessárias para entender o modo que vou usar para a análise das políticas

públicas do Território de Paz, e de que forma olharei para os seus aspectos como excludentes

ou não. O segundo subcapítulo está dividido em duas formas de funções estatais, que serão

usadas também como base da escolha de análise dos projetos sociais selecionados. Ambas as

formas serão explicadas em tabelas, para mais adiante poder analisar os resultados concretos

da pesquisa utilizando-as como base.

3.1 O Estado-providência, Estado caricativo e o Estado penal.

Iniciando a reflexão sobre o Estado social e o Estado penal, o escolhido por mim foi o

autor Loïc Wacquant, que estuda diretamente essas duas formas estatais e as suas diferenças e

semelhanças. A escolha do autor se deu pelas conclusões chegadas por ele, referentes aos

Estados que serão apresentados, e o objetivo é conseguir perceber se tais conclusões

coincidem com o que ocorre nos projetos sociais a serem analisados, relacionando a forma de

funcionamento dos projetos com as características das funções estatais abordadas.

Primeiramente, para o autor o Estado social é dividido em duas formas, o Estado-

providência e o Estado caricativo. Nos Estados Unidos o modelo de Estado-providência não

foi amplamente desenvolvido e implementado, como foi no continente europeu. Devido a essa

razão o autor reflete que, de uma forma mais justa, chamará a implementação das funções

estatais sociais de Estado caricativo (Wacquant, 2003).

Segundo o autor, o Estado caricativo é amplamente implementado nos Estados

Unidos, porém está em declínio, sendo suprimido pelo crescimento constante do Estado

Penal. Posteriormente analisaremos o Estado penal, que vem substituindo aos poucos o

Estado-providência (Wacquant, 2003; 2007; 2008).

O primeiro Estado, o Estado-providência, é idealmente caracterizado por uma

finalidade de universalidade de direitos, usando programas distributivos para atingir a

população. Esse Estado se responsabiliza pelo desemprego, aposentadoria, doenças, e pela

gestão coletiva dos riscos de vida dos assalariados (Wacquant, 2003).

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A estrutura é de um Estado solidário, tendo como prioridade fortalecer os laços

sociais, e também diminuir as desigualdades encontradas na sociedade (Wacquant, 2003).

Esse Estado utiliza, como instrumento, um orçamento mais extenso destinado a gastos sociais

(Wacquant, 2003; 2007; 2008).

Consolida-se, então, o Estado-providência como o modelo social ideal, porém o autor

reflete que foi alcançado na Europa, enquanto nas Américas foi implementado um Estado

caricativo, visto a falha da tentativa desse Estado social (Wacquant, 2008). Consequentemente

o mesmo ocorreu no Brasil, que não teve um Estado social instaurado plenamente assim como

aquele foi desenvolvido na Europa.

O Estado caricativo tem como finalidade a urgência da situação, e não mais a

universalidade de direitos. Os programas sociais desse Estado se caracterizam por serem

limitados, fragmentados e isolados, voltados para a população vulnerável. Perde-se assim a

ideia de fortalecer os laços sociais e de solidariedade que havia no Estado-providência, volta-

se então para a tentativa de diminuição da miséria (Wacquant, 2003).

Visto a miséria gritante, esse Estado tem como razão a compaixão, para aliviar um

pouco dessa miséria. Assim o autor reflete sobre a distribuição dos programas de governo.

O Estado americano é o protótipo mesmo do “Estado-providência residual” (Titmus, 1969), pois só outorga seu apoio em consequência da carência acumulada do mercado de trabalho e da família, intervindo caso a caso através de programas reservados apenas as categorias precárias consideradas como “merecedoras”. (Mães com filhos pequenos, deficientes, inválidos, etc.). Sua clientela oficial se compõe essencialmente, portanto, de “dependentes” de origem popular, operários, desempregados, assalariados precários e famílias de cor, que não têm influência no sistema eleitoral e, consequentemente, são desprovidos dos meios para proteger suas magras prerrogativas (Wacquant, 2003, p. 23).

Os programas de governo, destinados a determinada parte da população, começam a

dificultar o acesso aos direitos contemplados, aumentando a especificidade, diminuindo seu

campo de atuação e a população a qual os programas se destinam. A população passa a não

ter direito à totalidade dos programas, ficando restrita a programas fragmentados destinados a

alguma parcela da população com necessidades específicas, com o intuito de uma diminuição

nos problemas sociais de expressão potencializada (Wacquant, 2003).

Esse funcionamento gera uma crise, intensificando as desigualdades sociais e a

insegurança econômica, ambas sendo agravadas pela diminuição da intervenção estatal no

campo social, já que os programas não são mais para todos, e sim para partes específicas

(Wacquant, 2003). O autor conclui que, dentro desse contexto, a antiga “guerra contra a

pobreza” se tornou “guerra contra os pobres”.

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Em relação às técnicas empregadas no processo de diminuição do Estado no âmbito

social, Wacquant (2003) percebe, primeiramente, a técnica orçamentária, que é a diminuição

do orçamento destinado às causas sociais, o que radicalmente difere do primeiro Estado, que

investia em um maior orçamento gasto no âmbito social.

A incremento da burocracia coordena a segunda técnica, a administrativa, dificultando

o acesso aos direitos a quem deles necessita, através de cada vez mais exigências. Dentro da

esfera dessa técnica há o aumento de requisitos para receber os benefícios, maior quantidade

de etapas burocráticas para chegar ao recebimento. Fazendo uso dessa estratégia diminui-se o

número de beneficiários, temporariamente, com os obstáculos burocráticos, e

permanentemente, com os requisitos que selecionam o público alvo. O Estado usa como

justificativa para o aumento das burocracias de acesso a tentativa de evitar fraudes

(Wacquant, 2003).

A mais nociva de todas as técnicas, a terceira, é a eliminação de alguns dispositivos

sociais por completo, deixando seus beneficiários em total situação de miséria e

vulnerabilidade. Essa técnica é vista pelo autor como a mais brutal, pois deixa em situação de

desamparo milhares de pessoas (Wacquant, 2003).

Com a particularidade do Estado caricativo e sua diminuição contínua ocorre um fluxo

crescente de famílias marginalizadas, miseráveis, desesperançosas, e um aumento da violência

acumulada nos bairros periféricos, carentes de incentivo social. “Na medida em que se desfaz

a rede de segurança (safety net) do Estado caricativo, vai se tecendo a malha do Estado

disciplinar (dragnet) chamando a substituí-lo nas regiões inferiores do espaço social

americano.” (Wacquant, 2003, p. 27).

O Estado penal ganha campo nesse contexto, se consolidando como via de alternativa

aos problemas sociais gerados pelo investimento deficiente na esfera social. Marcado por uma

prioridade orçamentária destinada à justiça criminal, policiais, penitenciárias, e demais

mecanismos coercitivos, o Estado penal funciona de forma repressiva e punitiva, tendo como

intuito principal o controle das desordens da população considerada difícil. Ainda, segundo o

autor (Wacquant, 2003, p. 27), é uma “política estatal de criminalização das consequências

da miséria de Estado”, e a linha de atuação dessa política trabalha de duas formas. O primeiro

modo do Estado penal é a transformação dos serviços sociais em um instrumento de controle

e vigilância. Essa forma é menos visível, os apetrechos para condicionar as pessoas a certas

formas de conduta para que possam ter acesso aos benefícios (Wacquant, 2003).

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A modulação da assistência às famílias, a necessidade de aceitação de diversas

medidas por parte dos beneficiários, as condições de acessos à assistência social expressas na

imposição de determinado comportamento social, tetos de assistência, tempo máximo de

apoio, estão entre as formas de controle e vigilância adotadas pelo Estado e destinados a parte

da população carente desse suporte (Wacquant, 2008)

Algumas medidas definem o que o beneficiário deve fazer, ou demarcam quanto

tempo ele terá de acesso aos benefícios, a julgar pela obrigatoriedade de aceite do que for

estipulado pelo Estado, entre outros casos de controle (Wacquant, 2003). Nesse viés já se

pode perceber o início da punição dentro das políticas destinadas ao público miserável, como

forma de conter e controlar a miséria gritante; dificulta-se o acesso e assim dá-se início à

transformação para um Estado que foca em controlar e punir, um Estado penal.

A segunda estratégia de atuação do Estado penal, essa mais visível, se caracteriza pela

contenção repressiva dos pobres, ou seja, o encarceramento em massa, como forma política de

limpeza de ruas; a guerra às drogas, entre outras políticas beneficiadas pelo aumento do

orçamento nas funções punitivas estatais (Wacquant, 2003; 2007)

A contenção repressiva, o encarceramento, um orçamento amplo para a justiça

criminal, policiamento, entre outras esferas, compõem a base da política do Estado penal.

Políticas como a guerra às drogas ou limpeza de rua dos miseráveis, trouxeram um aumento e

um “escurecimento” das penitenciárias, o que Wacquant chama de criminalização da pobreza.

O panorama final é de diminuição do social e um aumento na dificuldade dos acessos

às assistências sociais e, em via de mão dupla, o crescimento dos tipos de controle que

submetem a população, nas exorbitantes verbas para o Estado penal e formas diferentes de

vigilância, controle e punição a quem não encaixou na economia de mercado. Assim o Estado

espera manter a ordem pública, controlar uma parte da população e trazer a sensação de

segurança para a outra parte, de um modo repressivo e punitivo (Wacquant, 2003).

A seguir um quadro, para uma melhor forma de entendimento, com as principais

diferenças desses três tipos de Estados, uma reflexão e composição a partir dos artigos de

Loïc Wacquant. Esse quadro mostra as dimensões de cada tipo de Estado estudado pelo autor,

e servirá como uma das bases para a análise das políticas de segurança pública que serão

analisadas nesta dissertação.

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Tabela 1 – Dimensões dos Estados referentes ao autor Loïc Wacquant

Dimensões Estado-

providência

Estado caricativo Estado penal

Finalidade Universalidade de

direitos.

Assistência a

pessoas

dependentes ou na

miséria. “Cidadãos

de 2ª classe”

Classificar e

administrar

populações difíceis

material e

simbolicamente.

Programas

privilegiados

Distributivos. Limitados,

fragmentados,

isolados,

terceirizados e

distributivos.

Punitivos e

repressivos.

Princípio da ação

pública

Solidário. Compaixão. Manter a ordem

pública.

Prioridades Fortalecer os laços

sociais.

Aliviar a miséria

gritante.

Suprir a falta do

social com a

tentativa de

diminuir a

insegurança social,

e menos gastos

sociais.

Instrumentos Mais orçamento

social.

Menos orçamento

social e aumento

nas burocracias para

ter acesso aos

programas.

Mais orçamento

para a justiça

criminal.

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3.2 O Velho autoritarismo e o autoritarismo “cool” da América Latina

Após a percepção de Wacquant que, de certa forma, tem uma visão mais específica

sobre a situação dos Estados Unidos, refletirei a respeito do Estado com a visão de outro

autor, Eugenio Raúl Zaffaroni (2007), que atribui um maior enfoque às políticas contra o

“inimigo” na América Latina, abordando as diferenças entre o autoritarismo dentro dos

modelos estatais e sua relação com esse “inimigo” social.

O início da reflexão está no entendimento do “inimigo”, no conceito de Zaffaroni,

quem ele foi durante a história e como foi tratado, assim como refletir a respeito do poder

punitivo direcionado a ele. Segundo o autor, o tema “inimigo da sociedade” está em primeiro

plano nas discussões a respeito da regressão de direitos no campo da política criminal e da

expansão do poder punitivo.

Necessitamos, ao falar do inimigo, perceber que lhe é retirado o caráter de pessoa,

razão que transforma a sua existência em algo considerado perigoso. Diferenciamos, assim,

pessoas e inimigos.

A essência do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em que o direito lhe nega sua condição de pessoa. Ele só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho. Por mais que a ideia seja matizada, quando se propõe estabelecer a distinção entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não-pessoas), faz-se referência a seres humanos que são privados de certos direitos individuais, motivo pelo qual deixaram de ser considerados pessoas, e esta é a primeira incompatibilidade que a aceitação do hostis, no direito, apresenta com relação ao princípio do Estado de direito (Zaffaroni E. R., 2007, p. 18).

Durante quase todo século XX, e historicamente, o inimigo foi eliminado ou

segregado, visto ser assumida a teoria que alguns seres humanos são perigosos pelo simples

fato de impreterivelmente o serem, retirando-lhes o caráter de pessoas. A respeito da essência

do inimigo, Zaffaroni (2007) reflete que ele é o outro, o estrangeiro, o estranho, os que

incomodam de alguma forma o poder. Em relação às políticas de Estado, o autor faz uma

comparação entre o autoritarismo e o atual Estado, relatando algumas formas de autoritarismo

que existiram, chamadas por ele de “o velho autoritarismo do século XX”, assim como reflete

o papel delegado ao inimigo nessas épocas.

O poder nos absolutismos existentes foi de natureza autoritária e não havia limites

para a repressividade, usada constantemente de forma genocida. A utilização de sistemas

penais não oficiais, que operacionalizavam desaparecimentos, torturas, execuções em massa,

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entre outros, não tinham bases legais.4 Nesse tipo de Estado autoritário só são mostrados o

sistema penal oficial e uma porção reduzida do sistema penal paralelo, como criações de

tribunais especiais, porém o sistema penal “subterrâneo”, como chama o autor (2007, p. 55), é

sem base em leis, uma repressividade total e liberada, sem qualquer limite.

As formas de repressão tinham como principal objetivo manter a população segura dos

inimigos, em geral médicos/raciais (em inimigos médicos o autor se refere a casos de doenças

incuráveis ou raras, ou ainda diferenças médicas). Com base nessa ideologia mostrava-se para

o resto da sociedade que a nação era colocada em primeiro lugar, havendo a necessidade de

protegê-la de seus inimigos (Zaffaroni E. R., 2007; 2015).

O papel atribuído ao inimigo varia de acordo com os contextos sociais, ele foi definido

como parasita para os Soviéticos, subumano para os nazistas e simplesmente inimigo para os

fascistas. A conclusão chegada foi que aquilo que criava os inimigos era uma ideologia, e essa

ideologia os considerava seres perigosos médicos/raciais, herança do século XIX (Zaffaroni

E. R., 2007).

A proteção à nação como ideologia mantinha o povo a salvo da periculosidade dos

inimigos. As leis desses Estados eram feitas para servir ao autocrata, como forma de agradá-

lo, e também mostrar ao público que estavam protegendo a nação, como meio de propaganda

positiva para o Estado. (Zaffaroni E. R., 2007)

Após fazer a explicação do que foi, de fato, um Estado autoritário, Zaffaroni mostra a

comparação com o sistema atual, e fez-se necessária a explicação do primeiro para uma

abordagem melhor esclarecida do segundo, ressaltando a existência de amplas diferenças

entre um real autoritarismo e o novo autoritarismo cool5 do séc. XXI com o qual Zaffaroni

teoriza. O autor enfoca o panorama na Europa e nos Estados Unidos, logo após a segunda

guerra mundial, e delimita quem foram os inimigos, para depois explanar o funcionamento do

autoritarismo cool da América Latina, ao qual dá um maior enfoque. (Zaffaroni E. R., 2007)

Nos Estados Unidos o autor mostra que a questão do inimigo era focada,

principalmente, nos crimes de rua e de cor, para posteriormente, após o 11 de setembro, um

4 O autor cita exemplos de genocídios sem respaldo legal, como o holocausto, que não aparece nem na própria legislação nazista; eliminação dos prisioneiros poloneses, pelo stalinismo; noite das facas longas, nazista, que foi o assassinato seletivo de dissidentes. 5 É cool pois não é assumido como convicção profunda, mas como uma moda e é preciso aderir para não ser estigmatizado como antiquado ou fora de lugar, e para não perder espaço publicitário.

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maior inimigo surgir, o terrorista, juntamente com o imigrante, que já era um estranho. O

imigrante foi também o pior inimigo na Europa, visto que o grupo que formava a Europa

Ocidental alcançou um alto nível de vida pós-guerra fria, e com a queda do Muro de Berlim

houve uma divisão muito forte entre quem estava em um nível de desenvolvimento maior e os

países subitamente atrasados. (Zaffaroni E. R., 2007)

Tal cenário europeu culminou não apenas na massiva entrada de pessoas vindas da

África, que estava em situação desesperadora, mas também de imigrantes oriundos desses

países vizinhos ainda subdesenvolvidos, causando uma sensação de competição entre

estrangeiros e nacionais pelos serviços do Estado Social. Frente a esse cenário surgiu então

esse inimigo, diferenciado não restritamente pela etnia europeia, mas também pela

indumentária, cor, idioma e demais particularidades culturais. (Zaffaroni E. R., 2007)

No livro intitulado “O direito Penal do Inimigo”, desenvolvido por Gunther Jackobs

(Jakobs & Meliá, 2007), segundo o próprio autor deveriam existir dois tipos de direito penal.

O primeiro seria o direito penal do cidadão, que também deve ser punido dentro do sistema

penal, porém, punido como uma pessoa que cometeu uma infração e não como quem delinque

constantemente. Além disso o cidadão tem o direito de exigir do Estado a adequação de

medidas necessárias para a sua segurança, sendo ele visto como uma pessoa. Quanto ao

inimigo, era aquele que tinha um comportamento baseado em regras contra a ordem e não

apenas uma conduta espontânea, ou seja, um indivíduo perigoso para a sociedade.

“O direito penal do cidadão mantém a vigência da norma, o direito penal do inimigo

(em sentido amplo: incluindo os direitos das medidas de segurança) combate perigos”, em

palavras de Jackobs (Jakobs & Meliá, 2007, p. 30). O inimigo é o que se enxerga como não

merecedor do tratamento como cidadão, nem como pessoa, sendo-lhe retirado esse caráter.

Trata-se esse inimigo como algo perigoso, simplesmente pelo fato da sua existência, e

privam-se seus direitos, visto ser descartado seu lugar de pessoa pertencente à sociedade. Essa

teoria foi utilizada em diversas leis, em diversos países europeus, permitindo a expulsão de

imigrantes para combater o perigo que eles ofereciam (Zaffaroni E. R., 2007).

Entramos agora na teoria que daremos maior destaque, sobre o autoritarismo cool da

América latina. Começamos pelos dados de 2007, que mostram que ¾ da população

carcerária da América Latina não foi julgada, mas sim está presa com medidas preventivas,

medidas de contenção provisórias. Essa situação mostra claramente uma inversão no direito

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penal, a ação que deveria ser ultima ratio vem sendo usada de forma preventiva (Zaffaroni E.

R., 2007).

Devido a essa inversão específica, geralmente os indesejáveis cumprem a sua pena

durante a prisão cautelar, não cumprindo assim uma prisão formal, visto que já cumpriram

anteriormente. Zaffaroni (2007, pp. 70-71) ainda faz uma diferenciação entre o direito penal

destinado a cada grupo de pessoas.

Os dissidentes são mais tolerados, ainda que a repressão ao protesto social dos excluídos do sistema produtivo tenha aumentado, mediante aplicação extensiva de tipos penais e a interpretação restringida de causas de justificação ou de exculpação. Finalmente, os iguais, cada vez mais reduzidos em função da polarização de riqueza e da degradação das velhas camadas médias, costumam gozar dos benefícios e garantias dos manuais, nos poucos casos que são criminalizados.

Seguindo nesse raciocínio percebemos que as medidas provisórias na América Latina,

com base no poder punitivo, são destinadas a suspeitos perigosos, ou seja, um “direito penal

de periculosidade presumida” (Zaffaroni E. R., 2007, p. 71)

Em sociedades como as latino-americanas, que foram mais desfavorecidas pela

globalização, tem-se uma grave problemática materializada no fato da exclusão social. Essa

exclusão, porém, não é controlada pela repressão direta, e sim neutralizada. Assim, resumindo

a ideia do autor, a classe média foi deteriorada gravemente pela estrutura social, o que a fez

exigir mais normas, em busca de um discurso autoritário simplista do sistema norte

americano, o que elevou também o controle contra as próprias classes médias, visto que são as

naturais provedoras de futuros dissidentes (Zaffaroni E. R., 2007).

Cabe ressaltar que o discurso Estadunidense do autoritarismo tem um sistema punitivo

diferenciado, principalmente por desviar o dinheiro do Estado social para o sistema penal, e

contribuir assim para a resolução do desemprego. Já na América Latina, esse sistema, além de

não proporcionar emprego, proporciona o controle dos excluídos do sistema de mercado

(Zaffaroni E. R., 2007; Wacquant, 2007). Dessa maneira o sistema torna-se brutalmente

violento, juntamente com as policias autônomas, que sitiam os poderes políticos.

O Estado autoritário cool da América Latina seria então um sistema desenvolvido com

uma base democrática, que envolve os três poderes em igual situação, tem um sistema forte

repressivo, mas sistema esse limitado pelo Estado, tendo ele o poder e a legitimidade do uso

da força e da violência. Utiliza, também, da mídia como um forte aliado, difundindo um

discurso simplista de vingança e justiça. Diferentemente do velho autoritarismo, esse tem um

discurso vazio. Usando as palavras do próprio autor sobre o autoritarismo cool da América

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Latina: “Seu histrionismo é bem mais patético, sua pobreza criativa é formidável, é órfão de

todo e qualquer brilho perverso; antes, possui uma horrível e deprimente opacidade perversa.

” (Zaffaroni E. R., 2007, p. 77)

Abaixo um quadro comparativo entre as dimensões das funções estatais do velho

autoritarismo do século XX e do Autoritarismo cool da América latina, para uma visão mais

esclarecida das diferenças.

Tabela 2 – Dimensões comparativas entre o Velho Autoritarismo do Século XX e o

Autoritarismo “cool” da América Latina referentes ao autor Eugenio Raúl Zaffaroni

Dimensões Velho Autoritarismo do século

XX

Autoritarismo “cool”

da América Latina

Natureza Autoritária Democrática indireta

Poder Repressivo ilimitado Repressivo limitado pelo

Estado

Poderes Legislativo e judiciário

submetidos ao poder executivo.

Legislativo, judiciário e

executivo.

Principal ação pública Defender a sociedade da

periculosidade.

Manter a ordem.

Objetivo Proteger a população do inimigo

visto perigosismo medico-racial.

Ter o controle dos

excluídos do mercado

(empregos); proteger a

população do inimigo

(excluído)

Repressão mediante Lei

Oficial:

Visível

Paralela:

Parcialmente

visível

(Tribunais

especiais)

Não

oficial:

Sem lei.

Aumento da

arbitrariedade policial;

legitima direta ou

indiretamente todo

gênero de violência,

inclusive a quem

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contesta o discurso

publicitário; medidas de

contenção para suspeitos

perigosos; inversão do

direito penal com

medidas cautelares.

Propaganda (Público) Demonstração da proteção da

nação.

Discurso simplista que

clama justiça/vingança;

Razões Ideologia Vazio de pensamentos,

não tem ideias que rege.

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4. O PUNIR: NO BRASIL E PARA OS BRASILEIROS

Este capítulo vem com a pretensão de ampliar a compreensão sobre a punição, nas leis

e nas sociedades. Nesses subcapítulos busco trabalhar a ação de punir na realidade social

brasileira, e não apenas a punição em sua ideia. Visualizando um contexto de espaço mais

delimitado, neste caso o Brasil, aprofundaremos os conhecimentos previamente apresentados,

refletindo sobre um cenário real de fato. O intuito é perceber como a sociedade se torna

punitiva, e em quais traços esse caráter ressalta mais claramente. O segundo subcapítulo

abordará a visão da sociedade a respeito do crime e da segurança pública.

4.1 A Situação do Brasil

Após a análise da situação da América Latina, como base em um de seus maiores

criminólogos, percebemos que a visão da punição e dos inimigos é um debate frequente em

pauta, não apenas no viés sociológico, da legislação, ou de funções estatais, mas também na

própria visão da população.

A atual sociedade brasileira vem passando por sérios problemas ligados à

criminalidade exacerbada. O aumento carcerário e um índice de superlotação de quase o

dobro da capacidade das casas prisionais do Brasil tornaram-se preocupantes. Nos índices de

2012 a quantidade de presos no Brasil era de 548.003, e a capacidade total para abrigar os

presos era de 310.006. A solução que o governo encontrou para resolver o problema foi a

criação de um maior número de presídios, e não apenas presídios púbicos, mas também a

fundação de presídios privatizados, anteriormente inexistentes no país (NACIONAL, 2012).

No último relatório do Ministério da Justiça, o Levantamento Nacional de Informações

Penitenciárias – INFOPEN, em junho de 2014, os dígitos do número prisional já aumentaram

e seguem em expansão. A população carcerária do Brasil está atualmente em 607.731

pessoas, e a capacidade de abrigar os presos é de 376.669 detentos, o que escancara um déficit

de 231.062 vagas (Justiça D. P.-M., 2014).

O caminho que o governo brasileiro trilhou claramente não soluciona o cerne do

problema, apenas poderia aplacar, em partes, o problema da superlotação, pois reduz o foco a

medidas paliativas visando aumentar as vagas prisionais, sem dar a devida importância aos

motivos intrínsecos que causam o crescente aumento da criminalidade na sociedade. Não

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adentra, também, na situação carcerária que, seguindo as palavras de Loïc Wacquant (2007, p.

208) ao se referir aos estabelecimentos carcerários do Brasil, compara-os com calabouços

feudais.

Lembrando o discurso do autor Eugénio Raúl Zaffaroni (2007), a respeito do direito

penal do inimigo e do autoritarismo cool da América latina, referenciando o grande número

de pessoas que estão em prisão preventiva devido à adoção de medidas de prevenção,

notamos que o Brasil não foge à regra. Está expresso, na figura abaixo, que 41% da população

prisional ainda aguarda julgamento.

Figura 1 - Pessoas privadas de liberdade por natureza de prisão e tipo de regime

Partindo dos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2014,

53% da população carcerária brasileira possui um nível de escolarização de ensino

fundamental incompleto, o que denota o grande problema de exclusão social do lado de fora

das grades no país (Justiça D. P.-M., 2014).

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Figura 2 - Escolaridade da População Prisional

A exclusão não é apenas no âmbito da esfera econômica, mas também da exclusão de

direitos sociais. As pessoas que já eram excluídas socialmente, sem usufruir dos direitos

garantidos na Constituição Brasileira, passam a sofrer com a falta de oportunidades no meio

empregatício, dificuldades em acesso à saúde e educação, entre outras questões ligadas à ao

processo marginalizante do qual são vítimas. (Andrade, 2013)

A falha se torna visível ao notar que 8 entre 10 pessoas que compõe a comunidade

prisional estudaram até o ensino fundamental completo. Ainda, a média nacional da

população que não frequentou o ensino fundamental ou tem ele incompleto é de 50%. No

Brasil, 32% da população possuem o ensino médio completo, porém dentro do sistema

prisional esse índice cai bruscamente para 8% (Justiça D. P.-M., 2014, p. 58).

A desigualdade social no Brasil reforça cada vez mais a exclusão social por meio da

pobreza, pois não tem instituições públicas capazes de amortecer o impacto causado pelas

transformações no campo trabalhista, nos laços sociais e nos sujeitos no novo século,

permeados pelo afloramento de novos valores sociais (Wacquant, 2007).

Em consoante, outro dado expõe uma enorme fratura da sociedade brasileira, o índice

de raças, cores e etnias dentro do sistema prisional. Segundo os dados, a maior parcela da

população do país é negra, mas o sistema prisional acusa uma maioria de pessoas negras

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consideravelmente superior à diferença da maioria da população no âmbito geral, assim como

nos dados da escolaridade (Justiça D. P.-M., 2014, p. 50).

Figura 3 - Raça, cor ou etnia

Figura 4 - Porcentagem de pessoas negras no sistema prisional e na população geral

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Ainda percebemos que o Sul do país é o único composto por uma maioria branca

dentro do sistema prisional. A região sul é composta pelos estados do Rio Grande do Sul,

Santa Catarina e Paraná. Porém, mesmo com uma maioria branca dentro do cárcere, nota-se

que a população prisional negra sofre uma sobrevalorização em relação à população geral

negra (Justiça D. P.-M., 2014, p. 52).

A conclusão, então, é que a parte da sociedade mais atingida pelo sistema de punição

são os homens, os negros, que representam a parcela de dois terços da população prisional, e

as pessoas com um baixo índice de escolaridade, muitos ainda aguardando o julgamento, sem

previsão para se realizar (Justiça D. P.-M., 2014).

Os mecanismos usados para conter as desordens e manter a população indesejada à

margem da sociedade, ou fora dela, foram um maior investimento no policiamento urbano e

uma punição cada vez mais frequente e coerciva, reduzindo o sentimento de insegurança

social na parte protegida da sociedade, enquanto se controla as classes pobres de forma a

proteger as classes altas (Wacquant, 2007).

Ao seguirmos o autor Zaffaroni (2007), analisamos o papel do inimigo, nesse caso

aquele que comete violência urbana, ou personaliza o estereótipo social do criminoso. E

analisar a própria violência urbana, como uma das maiores causas da insegurança social e da

necessidade de limpeza das ruas, culmina em uma segregação amplamente legitimada em prol

de resguardar a segurança dos cidadãos que são, na visão deles, merecedores dela.

As sociedades estão em constante modificação sociocultural, alterando gradualmente

suas visões e conceitos conforme avança o tempo, incluindo os conceitos de ordem. Um dos

exemplos de mudança responsável por um maior impacto social da punibilidade, no Brasil,

foi em 2007 com a lei 11.464, que trouxe a equiparação do tráfico ilícito de entorpecentes

com crime hediondo. A guerra ao tráfico de drogas no Brasil, novamente indo por um

caminho repressivo, tornou a limpeza social mais forte e a polícia mais expansiva.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (InfoPen)

(NACIONAL, 2012), no seu formulário de 2012, existem 131.368 apenados por tráfico de

entorpecentes no país, do total de 548.003 presos que constituíam, à época, a população

carcerária do Brasil Há que se somar, ainda, o número de presos por tráfico internacional de

entorpecentes, que é de 6.830. Esses dados, olhando mais profundamente, demonstram não

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apenas um grave problema a respeito da política de criminalização como saída, mas revelando

também, principalmente, a quantidade de drogas que é consumida no Brasil.

É patente, também, a corrupção que integra diversas instituições do Brasil, desde a

polícia a instâncias, jurídicas, como forjar flagrantes de drogas, e a colocação em um artigo

muitas vezes não condizente com o que representaria sua tipificação penal (Andrade, 2013),

aumentando assim o tempo de pena, por vezes sendo tipificado de crime hediondo, como

exemplificado no caso do tráfico de entorpecentes usado contra pessoas que deveriam ser

enquadradas como usuários, não sendo um acontecimento isolado.

Essa equiparação acarretou em um aumento de tempo dentro das grades e o

julgamento de um crime tipificado enquanto hediondo, dificultando a volta dessas pessoas

para o espaço das ruas. A solução encontrada foi a retirada das ‘pessoas impuras’ para poder

formar uma cidade mais limpa, atacando agora a liberdade individual, porém essas pessoas já

eram privadas de diversos tipos de direitos. Assim “A preocupação dos nossos dias com a

pureza do deleite pós-moderno expressa-se na tendência cada vez mais acentuada a incriminar

seus problemas socialmente produzidos. ” (Bauman, 1998, p. 25).

A forma repressiva de atuação da polícia gera mais insegurança às comunidades com

menores condições financeiras, devido à sua forma violenta de agir com estas, ao pretexto de

manter a ordem. Porém, é sabido que parte da polícia brasileira é igualmente envolvida em

delitos dos quais deveria proteger a sua população, como envolvimento com tráfico de drogas,

comercialização de armas, sequestros, extorsões, subornos, entre outros (Wacquant, 2007).

A cultura da violência, no Brasil, encontra um grande apoio nas mídias e na cultura

política, pois representa ainda uma grande marca de lutas, com muitas cicatrizes militares.

Segundo Wacquant:

Sob tais condições, oferecer o Estado penal para responder às desordens geradas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pelo relativo e absoluto empobrecimento de seções do proletariado urbano através do aumento dos meios, alcance e intensidade da intervenção do aparelho policial e judicial contribui para (re)estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres (Wacquant, 2007, p. 208).

Sendo assim, o Estado promove um programa de “limpeza da rua” através da força do

Estado punitivo sobre a base da estrutura de classes e de etnias. Essas medidas de limpeza e

encarceramento em massa, que segue as medidas tomadas pelos Estados Unidos, e tem como

alvo as pessoas que não tem capital econômico e conhecimento o suficiente para se

protegerem dessa ilegalidade que é o Sistema penal brasileiro. Essas pessoas, além de

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sofrerem com a própria marginalização, ainda sofrem com a ‘lei penal do terror’, pois são

vistos como inúteis e marginais (Wacquant, 2007).

A criminalização dos pobres, a limpeza das ruas, as ações violentas da polícia, a falta

de informação das camadas populares da sociedade, o apoio midiático das formas repressivas

para alcançar a pureza, engloba uma realidade observada de forma clara no Brasil. Entretanto,

as soluções adotadas não estão melhorando a situação, mas apenas agravando, assim como

ocorre com o fortalecimento do poder policial, que agrava o sentimento de medo nas classes

baixas, e o aumento de números de penitenciárias, que não afeta o problema real da

criminalidade (Andrade, 2013).

Esses bairros que sofrem com a falta de recursos sociais, e com o desinteresse do

Estado social, são frequentemente visados pelo Estado penal, visto a truculenta ação da

polícia contra os moradores. O Estado esquece dos direitos sociais, porém lembra de fornecer

a segurança para as classes com poder econômico, e dessa forma a polícia brasileira impõe as

leis penais de forma agressiva. Essa restauração da ordem, que tenta ser feita pela polícia

através de blitz (batidas policiais), invasões de domicílios, entre diversas outras formas

impositivas, gera uma sensação de tormento nas classes preferencialmente atingidas por essas

ações de repressão estatal (Wacquant, 2007).

Tais formas de vigilância são expressas nesses bairros, porém não são imaginadas em

bairros de maior poder econômico (Wacquant, 2007). Essa ideia discriminatória, do Estado e

da polícia, divide a população entre a sociedade pobre e a sociedade ‘civilizada’, sendo a

primeira transformada em ‘criminosa’ aos olhos da segunda.

Estamos diante, então, da questão de uma parte da sociedade ser qualificada como

criminosa, possuidora do condenado comportamento desviante que precisa ser corrigido.

Como base para continuar a reflexão sobre o comportamento desses bairros, usarei os

desviantes como os que falham em obedecer às regras da sociedade, não exclusivamente as

normas legais, ou normas morais, mas sim as normas vigentes no grupo social ao qual

pertencem. Sendo que cada sociedade tem muitos grupos, os quais possuem as suas regras

internas, deve-se perceber quais delas devem ser vistas como regras padrão (Becker, 2008).

Tendo essa visão, tentarei analisar o padrão desses bairros de baixo poder aquisitivo para

entender quais suas regras, e se internamente a criminalidade seria desviante ou padrão médio,

como muitas vezes é relacionado pobreza e criminalidade.

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Com a desregulamentação do mercado formou-se uma economia informal nos locais,

vítimas da exclusão social, economia essa que muitos fazem parte por não haver um

investimento forte do Estado social nessas áreas, contribuindo com a violência e a

discriminação. Podemos citar o jogo do bicho como um exemplo da economia informal, que

rende muito lucro e gera ‘emprego’ para muitas pessoas, assim como o tráfico de

entorpecentes. As crianças e adolescentes pobres, moradores desses bairros, para conseguir

algum dinheiro trabalham muitas vezes como olheiros do mercado informal, cuidando os

pontos e informando caso haja polícia; também como informantes, responsáveis por mandar

os recados (Misse, 2007).

No tráfico de entorpecentes a economia proibida vem ganhando ainda mais espaço,

com muitos jovens fazendo o papel de ‘aviãozinho’, de entrega e revenda de drogas, para

assim conseguir dinheiro. Muitos deles são usuários, e também desempenham o serviço como

forma de um dia ser o traficante. No documentário “Falcão: os Meninos do Tráfico” (Bill,

2006), produzido pelo rapper e fundador da CUFA (Central Única das Favelas), MV Bill, que

relata a vida de jovens de favelas brasileiras que trabalham com o tráfico de drogas, em quase

sua maioria eles mostram abertamente a intenção de virar traficantes, para assim ter uma

posição social em seu meio e possuir recursos econômicos (Bill, 2006).

4.2 A População e a Opinião Pública

Como já explicitado anteriormente, há muita descrença da população na polícia e nas

políticas de segurança pública e, ao mesmo tempo um clamor da população para uma maior

punição, uma menor impunidade, e maior policiamento, para obter a sensação de segurança.

Após ter trabalhado os aspectos da punição e seu papel na sociedade, entrarei de forma

mais específica nas áreas que serão estudadas. Analisarei pesquisas feitas com base no

pensamento da população a respeito da justiça penal e da Segurança Pública, e o modo como

a população vem lidando, de uma forma geral, com a presença do medo e do pensamento de

impunidade no seu dia a dia.

Em uma primeira parte, de fora para dentro, qual a visão que os brasileiros têm da

Segurança Pública, que já vimos nos antigos governos ser de clamor a uma punição mais

rígida. Em outubro de 2011 uma pesquisa do CNI-IBOPE, chamada Retratos da Sociedade

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Brasileira: Segurança Pública, revelou alguns dados que confirmam a visão negativa (CNI-

IBOPE, 2011).

Nesse estudo 51% da população considera a segurança pública ruim ou péssima; 15%

percebeu melhora na segurança nos últimos três anos; 56% considera segurança pública e a

questão das drogas como dois dos três principais problemas do Brasil, em segundo e terceiro

lugar respectivamente, e em primeiro lugar está a questão da saúde, com 52% (CNI-IBOPE,

2011).

Sobre a convivência da população com a violência e a criminalidade, 30% sofreram

diretamente com a violência nos últimos 12 meses, 80% presenciaram violência ou

criminalidade, e a maioria foi uso de drogas nas ruas. 45% aumentou cuidados com a

segurança. Percebendo então que a violência restringe a circulação da população pela cidade

(CNI-IBOPE, 2011).

A população enxerga como prioridades: Combate ao tráfico de drogas, mais repressão

ao crime, punições mais severas principalmente aos crimes mais violentos, certeza da

impunidade é considerado um dos motivos principais para o cometimento de crimes,

apoiando a tolerância zero. A prisão perpétua, inclusive, a pena de morte. Assim como muitos

consideram necessário reduzir a maioridade penal para 16 anos (CNI-IBOPE, 2011).

Ao ser posta a frase “A certeza da impunidade é uma das principais razões para o

aumento da criminalidade”, 87% concordaram total ou parcialmente com a afirmação. Assim

como a frase “Para reduzir a criminalidade é preciso impor uma política de tolerância zero,

em que todo tipo de infração ou ilegalidade sejam punidos”, teve a aprovação de 83% dos

entrevistados (CNI-IBOPE, 2011).

Os entrevistados, em 79%, concordam com a frase “Penas mais rigorosas reduzem a

criminalidade”, e 69% é favorável à prisão perpétua. Porém a prisão perpétua não é algo que

possa ser definido que a população seja favorável, já que 15% são completamente contra a

afirmação (CNI-IBOPE, 2011).

Já a pena de morte, não é um assunto tão definido, e não chega a ter uma maioria que

apoia. Segundo a pesquisa “A população brasileira está dividida quanto à adoção da pena de

morte. Dentre os entrevistados, 46% mostram-se a favor (31% totalmente e 15%

parcialmente), outros 46% são contrários (34% totalmente e 12% parcialmente). ” (CNI-

IBOPE, 2011, p. 26).

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Em contrapartida, a respeito dos crimes de menor poder ofensivo, os crimes leves, a

população brasileira defende, em sua maioria, 82%, a utilização de penas alternativas à prisão.

Porém, a respeito dos crimes cometidos por jovens entre 16 e 18 anos, a população se mostra

a favor da modificação da lei para uma lei mais rígida, em casos de crimes hediondos

cometidos por jovens, 91% concorda com a redução da maioridade penal para esses crimes

(CNI-IBOPE, 2011).

Os crimes hediondos no Brasil, previstos na lei 8.072 de 25 de julho de 1990, são

homicídio, em caso de grupos de extermínio ou homicídio qualificado; latrocínio; extorsão

qualificada pela morte; extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; estupro; estupro

de vulnerável; epidemia com resultado de morte; falsificação, corrupção, adulteração ou

alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; favorecimento da

prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de

vulnerável.

Como mostrado nos dados da pesquisa, uma grande parte dos brasileiros considera

justo jovens, entre 16 e 18 anos, cumprirem pena como se adultos fossem (CNI-IBOPE,

2011). Essas opiniões refletem no Congresso, a proposta de redução da maioridade penal PEC

131/93 (Projeto de Emenda Constitucional) que está no congresso desde de 1993, foi votada

no dia 17 de junho de 2015, e aprovada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados,

com algumas modificações, modificações essas que autorizam a redução da maioridade penal,

mas apenas para crimes graves (PEC 171/1993, s.d.).

Porém, a mesma foi rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados, pois na

legislação brasileira, para uma PEC ser aprovada, é necessária uma maioria de 2/3 da casa,

número esse que não foi atingido na votação. Era necessário o número de 308 votos a favor, e

foram atingidos o número de 303 votos a favor (PEC 171/1993, s.d.).

Assim, em uma Emenda Aglutinativa, um tipo de emenda autorizado pelo art. 118 do

Regimento Interno da Câmara dos Deputados, “§ 3o Emenda aglutinativa é a que resulta da

fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos

respectivos objetos. ”, o presidente da câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, colocou

novamente em pauta a redução da maioridade penal (PEC 171/1993, s.d.).

A Emenda Aglutinativa, proposta pelo presidente da Câmara, conseguiu a aprovação

da redução da maioridade penal para 16 anos, manobra à qual muitos deputados taxaram de

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golpe, alegando estarem votando matéria já vencida em outra proposta e, segundo o art. 60 da

Constituição Federal, em seu parágrafo § 5º: “A matéria constante de proposta de emenda

rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão6

legislativa. ”. Essa matéria teve a aprovação em primeiro e em segundo turno, o último foi na

data de 19 de agosto de 2015 (Piovesan & Siqueira, 2015).

No Brasil a maioridade penal, segundo o art. 228 da Constituição Federal, é de 18

anos. Indivíduos que ainda não atingiram a maioridade constante na Constituição Federal são

protegida pelas normas de uma legislação especial, o ECA, Estatuto da Criança e do

Adolescente. Assim, percebe-se que não apenas a população está clamando por maiores

punições, mas também há o mesmo reflexo no poder legislativo.

Opiniões fortes são presentes em conversas ocasionais dos brasileiros, a respeito do

atual governo, da onda de criminalidade, da falta de saúde, entre tantos assuntos.

Recentemente, em junho de 2013, parte da população foi às ruas pedir melhorias, os desejos

divididos, mostrando claramente uma população diversificada. As exigências variavam entre

menos corrupção, mais saúde, mais educação e menos violência.

A jornada de junho, ou manifestações de junho, tiveram início com o movimento do

passe livre, com a população insatisfeita com o aumento da passagem de ônibus. A

necessidade de mobilidade não foi a única razão das manifestações, apenas o passo inicial.

Pedidos de melhorias em serviços sociais em geral mobilizaram a população, fazendo o

governo usar das forças da segurança pública para conter as massas em diversas

manifestações.

O uso do gás de pimenta, de balas de borracha, da cavalaria, era comum em protestos.

Como participante dos protestos da cidade de Porto Alegre, onde o passe livre começou,

percebi a diferença de pedidos, de pessoas, e de correntes. Uma população que sentiu a

necessidade da ausência de partidos políticos nas ruas, os proibindo; que foram às ruas com

bandeiras do Brasil, vestidos de preto, cantando o hino. A pluralidade atingiu um dos pontos

necessários, a pressão política.

O governo usou de suas táticas, as barreiras policiais eram fortes, assim como a

população que ia à frente da manifestação também. Entre jovens mascarados e armados com

pedras, e policiais mascarados e armados com armas de borracha, de fogo, cassetetes, e

6 A sessão legislativa no Brasil é o período de reunião anual do Congresso Federal, tendo seu início do dia 02 de fevereiro, e encerramento no dia 22 de dezembro. Havendo um recesso do dia 17 de julho, até o dia 01 de agosto.

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cavalos, diversos confrontos aconteceram. A opinião novamente dividida, a quem fizesse a

barreira frontal a favor da violência, havia os que se abaixavam gritando “sem violência”.

Nesse caso, as mídias brasileiras, e muitas internacionais, cobriram os protestos,

dividindo a população entre vândalos, os que utilizavam da força; e os manifestantes, pessoas

pacíficas. Os comércios fechavam horas antes de a manifestação ser marcada. O medo da

destruição do patrimônio, público e privado, eram frequentes. Haviam roubos, patrimônios

depredados, bancos depredados, como quem os condenava por essas atitudes.

Após a jornada de junho, as manifestações tranquilizaram, ainda existem, mas

menores e menos inflamados que em junho de 2013. Porém, após as eleições que ocorreram

em outubro de 2014, os ânimos da população voltaram. Escândalos de corrupção, a volta do

sentimento de impunidade e a necessidade que acometia grande parte da população de

enxergar a punição mais profunda, mas visível.

Recentemente (2014 e 2015) houve um aumento nos casos de “justiça com as próprias

mãos”, linchamentos públicos com pessoas que cometeram algum crime, ou que era suposto

que haviam cometido. Casos como de Fabiane Maria de Jesus, que no Guarujá, São Paulo, foi

arrastada no chão, levando pauladas na cabeça, e morta por uma multidão, por ser suspeita de

usar crianças em rituais de magia negra (Brum, 2014).

Como Cleidenilson Pereira da Silva, no Maranhão, que foi amarrado em um poste e

espancado até a morte, por tentar assaltar uma loja. Também outro menino, cujo nome nem

idade foram revelados, se fingiu de morto durante um linchamento até a polícia chegar. Foi o

modo que encontrou de permanecer vivo enquanto estava sendo espancado. Entre diversos

outros casos que vem acontecido e virado notícia rapidamente pelo Brasil, tanto de jovens

amarrados em postes após algumas tentativas de assalto, ou outros casos parecidos (Redação,

2015).

A opinião pública, como uma forte onda, em diversos momentos apoiou partes da

mídia favoráveis as ações de linchamento público. Como o caso de apresentadores de

televisão e de rádio, que não apenas apoiavam a população, como enxergavam um modo de

“o cidadão de bem” se defender de “marginais”. Casos que geraram revoltas em diversas

pessoas com opiniões opostas e fortes. Muitos apoiavam o linchamento, muitos discordavam,

muitos criticavam os apresentadores e as apresentadoras que apoiavam o linchamento, e assim

seguiu uma população dividida (Wyllys, 2015).

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Uma das apresentadoras de horário nobre da televisão brasileira opinou fortemente,

dividindo opiniões, ao fazer declarações consideradas de apoio aos “justiceiros”, como a

apresentadora os chamou. “O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa

coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos

defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu

lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido. ”, disse a apresentadora

(Wyllys, 2015).

Em casos recorrentes da população clamando por uma maior punição, menor

impunidade, e mais penas rigorosas para pessoas que cometem crimes, temos também um

congresso eleito que, em sua maioria, está favorável ao povo com a ideia de uma maior

punição, e maior destinação de verbas para a segurança pública. Em contrapartida a essa

vertente, analisaremos as políticas públicas de segurança pública, com um viés mais

direcionado ao social, e a prevenção da criminalidade.

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SEGUNDA PARTE

5. A SEGURANÇA PÚBLICA E OS ESPAÇOS

Permanecendo no cenário brasileiro, será relembrado o início do PRONASCI, e para

tal, é fundamental iniciar com o entendimento do contexto histórico da Segurança Pública no

Brasil em um período pós Ditadura Militar, para relembrar em que momento houveram

algumas das grandes transformações sociais. Por outro lado, perceber qual a visão do

brasileiro, e quais acontecimentos na sociedade demonstram o pensamento dos brasileiros.

Esses subcapítulos são necessários para a compreensão das transformações da Segurança

Pública e entender a situação do bairro em que as políticas serão posteriormente analisadas.

5.1 A Segurança Pública no Brasil

Após enxergar diversos ângulos das questões sociais, para poder perceber tanto a

insegurança, quanto as causas dela, entramos na Segurança Pública no Brasil. Na primeira

parte, colocaremos a segurança pública como apenas o seu significado. Enfocando o que nos

amedronta, abordando o espaço público e a ocupação dele.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada em 1789, o direito à

segurança foi reconhecido, em seu artigo segundo. Hoje em dia temos no Brasil, no artigo 144

da Constituição Federal, a Segurança Pública como um dever do estado e direito e

responsabilidade de todos.

O fato de ocupar um espaço público nos causa a perda da nossa segurança, da nossa

referência de lar e de nosso local. Em uma sociedade pós-moderna, dita por Bauman

(Bauman, 1998), temos a necessidade da pureza, da limpeza e da organização. Dentro de

nossos espaços conseguimos com tranquilidade manter essas linhas, porém ao sair na rua,

algo pode nos tornar uma presa. A midiatização e toda a ideia de limpeza social trazem uma

forte sensação de insegurança, insegurança essa que ilusoriamente pensamos ser controlada

com alguns projetos de segurança pública já falados.

O nosso espaço, o público, que também é nosso, nos traz a dúvida se essa segurança

tem um funcionamento correto, e fica claro ao escutar a sociedade, a culpa é do governo, ou

dos marginais. Dificilmente sente-se seguro ao sair à rua, em parte pela violência de que tem

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o estereótipo de criminoso, assim como dos policiais. Segundo a ONG Anistia Internacional,

no Brasil, 80% dos brasileiros tem medo de torturas policiais em caso de detenção. Ou seja,

oito a cada dez brasileiros tem medo das atitudes policiais (Anistia Internacional, 2014).

Segundo o autor Eugenio Raúl Zaffaroni, a essa preocupação que temos com a

segurança, não é apenas das favelas, essa relação com a criminalidade, de medo da violência,

já ultrapassou esses limites. O que o autor chama de “fabricas da realidade” é essa

preocupação coletiva, que é elevada com a grande cobertura da mídia. Fazendo aumentar o

imaginário do medo e por vezes, até confundir com a realidade (Zaffaroni E. r., 1996).

Precisamos perceber as diversas facetas dessa segurança, que é uma das principais

pautas políticas. Ao nosso redor há bairros degradados, há vendedores não licenciados, há

roubos e revendedores de produtos roubados, tráfico de drogas, loterias não legalizadas, entre

tantas outras situações que são colocadas em pauta ao se falar de políticas públicas de

segurança (Misse, 2007).

Ainda, se formos mais adiante, entramos na parte de segurança pública relacionada

com a Justiça Penal, nesse caso falamos dos tribunais, do cárcere, das penas, dos presos, e

muitas vezes das péssimas condições contidas em muitos desses citados. Podendo assim

entrar em fortes instituições que, relembrando Foucault (1987), são possuidoras não apenas da

punição, mas de um forte controle.

Mas, saindo do cárcere e voltando a rua, olhamos para entender melhor nosso local.

Policias, tentando manter o controle, como o centro da Segurança. Mas para chegarmos a

atual condição da segurança pública necessitamos voltar ao passado para uma melhor

compreensão.

O Brasil passou por 21 anos de Ditadura Militar, tendo no dia primeiro de abril de

1964 a instauração do regime, e seu fim no dia 15 de março de 1985. Durante o Regime da

Ditadura Militar diversos direitos foram retirados, por isso houve a criação de uma nova

constituição federal. Três anos depois do fim do regime Militar foi criada a Constituição

Federal do Brasil, em 1988, constituição vigente, trazendo novamente os direitos e liberdades,

assim como um aumento nos direitos sociais, tendo como base, então, o Regime Democrático

(Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); Brasil Presidência da República, 2003).

Assim, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito pela última eleição

indireta, ainda sobre a vigência da Constituição de 1967; Tancredo Neves não chegou a

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assumir o cargo de Presidente, pois no dia anterior à posse foi internado em estado grave,

assume então o vice-presidente José Sarney, interinamente. No dia 21 de abril de 1985 faleceu

Tancredo Neves (Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); Brasil Presidência da República, 2003).

Durante o governo de José Sarney, que após a morte de Tancredo Neves é efetivado

no cargo de Presidente da República, houve a criação da Constituição Federal do Brasil de

1988, tendo sido instalada a Assembleia Nacional constituinte em 1987, e promulgado a

Constituição em 5 de outubro de 1988 (Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); Brasil Presidência

da República, 2003).

Nas eleições de 1989, primeira eleição direta após a ditadura militar, Fernando Collor

de Melo assume, porém, em razão de um processo de impeachment, em menos de dois anos

Itamar Franco assume. O processo de Impeachment ocorreu em razão de uma CPI para a

investigação de um esquema de corrupção, cm apoio popular, aprovada pelos deputados em

29 de setembro de 1992. Assim houve a substituição por Itamar Franco. No dia 29 de

dezembro Fernando Collor renuncia à presidência horas antes do Senado votar favorável ao

Impeachment, sendo condenado por crime de responsabilidade (Arquivo Nacional (Rio de

Janeiro); Brasil Presidência da República, 2003).

Vamos então ao cenário do ano de 1994, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso

à presidência do Brasil, tendo 54,3 % dos votos válidos em 3 de outubro de 1994. (Arquivo

Nacional (Rio de Janeiro); Brasil Presidência da República, 2003) Porém, entraremos

diretamente na área da segurança pública, visto a grande quantidade de referências possíveis

aos mandatos do FHC.

Na visão da segurança pública, tínhamos um Brasil com insegurança, colocando como

pontos principais o tráfico de drogas e o aumento da criminalidade, o descrédito das

instituições públicas, e uma grande violação de direitos humanos, em um Brasil impune

(Adorno, 2008, p. 15).

Estamos assim em uma época de lei e ordem penal, o Governo do FHC, em uma época

onde a insegurança social tomou conta, e o povo cada vez mais exigia segurança, reclamava

da impunidade, e perdia a crença nas instituições públicas, visto isso foram necessárias

modificações (Adorno, 2008).

O programa do governo para a segurança teve como objetivo a reparação do

descrédito nas instituições públicas, do crescimento do tráfico de drogas, dos crimes em geral,

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da impunidade e das agressões aos direitos humanos. Em uma grande avaliação do quadro da

segurança na época, foram identificadas diversas falhas, assim o governo teve como foco

principal o cumprimento rigoroso da lei e a retomada do controle da criminalidade. Insistindo

na Lei e Ordem como a solução (Adorno, 1999; 2008).

A inquietação com a falta de segurança no Brasil, hoje, reflete e agrava o descrédito nas instituições públicas. A violência já mata mais do que qualquer doença, na periferia das grandes cidades. Há um envolvimento crescente do tráfico e uso de drogas em outros crimes, como assassinatos, roubos e sequestros. Os esforços das autoridades estaduais e federais para proteger o cidadão, mesmo quando consideráveis, mostram-se insuficientes. O governo frustra a expectativa da população, justamente quando ela toma consciência dos seus direitos e mostra disposição cada vez maior de exigir que sejam respeitados (Cardoso, 1994, p. 71).

A política de Lei e Ordem trouxe uma guerra declarada entre Policiais e delinquentes,

a situação se intensificou, uso apenas um exemplo, como o surgimento do Esquadrão da

morte, com o objetivo da eliminação de quem era comprometido com o tráfico de drogas

(Adorno, 1999). Segundo FHC em sua proposta de governo, a sua política de Segurança

pública não visava Estado-polícia acima do Estado-bem-estar, mas um complementando o

outro.

A retomada sustentada do crescimento econômico e a distribuição de renda – nossos objetivos maiores – são condições necessárias, mas não suficientes para reverter a escalada da violência. E não se trata de escolher entre o Estado-polícia e o Estado de bem-estar social. Primeiro, porque não há democracia sem a obediência à lei que, em última análise, depende do poder coercitivo do Estado. Segundo, porque a capacidade do Estado de prover bem-estar depende, em larga medida, do seu poder coercitivo: poder de cobrar impostos e sustentar as políticas sociais; poder de resguardar os espaços e equipamentos públicos, que são a infraestrutura dessas políticas; poder de amparar os direitos individuais e coletivos em matéria trabalhista, econômica, ambiental e assim por diante (Cardoso, 1994, pp. 71-72).

Assim, houve a criação, da SEPLANSEG – Secretaria de Planejamento de Ações

Nacionais de Segurança Pública, criada durante o Governo FHC através da MP 813, de 1º de

janeiro de 1995, que mais tarde foi a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998. Secretaria essa que

passou por transformações em 1997, se tornando A Secretaria Nacional de Segurança Pública

– SENASP, criada pelo Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997.

No segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso houve um agravante

da situação para a população em reclamações de impunidade, e um caso que mobilizou a

população foi o sequestro do ônibus 174 ocorrido em 12 de junho do ano 2000. Um Brasil

com sede de punição, com medo da violência, e com necessidade de uma maior vigia nas

pessoas que representavam perigo aos seus olhos. Na mídia, nas ruas, era o assunto mais

falado, da falta de segurança à impunidade (Rede de Comunidades e Movimentos, s.d.).

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O ônibus 174, que deu o nome ao que ficou conhecido o sequestro, trouxe à tona

diversas fraturas do sistema. Na primeira parte, o autor do sequestro, Sandro do Nascimento

Barbosa, foi um sobrevivente da Chacina da Candelária, como ficou conhecido o assassinato

de oito jovens no Rio de Janeiro, frente à Igreja da Candelária. Os assassinatos ocorreram dia

23 de julho de 1993, onde policiais atiraram contra os moradores de rua frente à Igreja, do 70,

eram maioria jovens (Rede de Comunidades e Movimentos, s.d.).

Sandro foi um dos sobreviventes, e anos depois realizou o sequestro do ônibus 174 no

Rio de Janeiro, usando 10 passageiros como reféns. A professora Geisa Firmo Gonçalves

morreu ao fim do sequestro, quando um policial do BOPE - Batalhão de Operações Policiais

Especiais atirou contra Sandro, acertando na professora, e esse revidou acertando três tiros nas

costas da refém. Aparecendo assim, na segunda parte, uma falha policial. Após o sequestro,

Sandro foi asfixiado no carro policial. O sequestro passou ao vivo nas televisões do país, que

acompanharam o sequestro em tempo real (Redação Rocinha, 2010).

Então, em 2000, o governo teve uma nova agenda para a segurança pública. Lançou

assim o Plano Nacional de Segurança Pública (PNPS) e o Fundo Nacional de Segurança

Pública (FNSP), trazendo maior integração entre estados e municípios.

Este é um Plano de ações. Seu objetivo é aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro, por meio de propostas que integrem políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a tranquilidade do cidadão brasileiro (PNSP – pg. 3).

Após os dois mandatos do presidente FHC, foi eleito Luís Inácio Lula da Silva; em

seu primeiro mandato não houveram mudanças no propósito da Segurança Pública, mantendo

assim a política de Lei e Ordem. Porém há a criação do SUSP, Sistema Único de Segurança

Pública, concebido pela SENASP, para articular ações federais, estaduais e municipais

(Spaniol, 2012) (Adorno, 1999).

Lula é então reeleito, e no seu segundo mandato de presidente (2007-2010) começam

algumas modificações objetivas nos programas de Segurança Pública, uma delas a criação do

PRONASCI, que será explorado nos subcapítulos seguintes (Adorno, 1999).

Para falar de implementação, palavra que vem sendo usada para falar de Políticas

Públicas, é necessário refletir a respeito. Implementar, tem o significado de colocar em

prática, de executar. Não analisaremos o termo profundamente, mas utilizaremos o termo para

referir ao que O’toole Júnior (1995) define como: “A implementação de políticas (...) se refere

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à conexão entre a expressão da intenção governamental e os seus resultados na prática” ¹

(Faria, 2012, p. 43).

Seguindo conceito de Carlos Aurélio Pimenta de Faria (2012), o estudo das

implementações das políticas públicas tem algumas justificativas para ter razão de ser. O

autor coloca algumas possibilidades, como para que a complexidade da máquina estatal seja

compreendida; para as próximas políticas serem melhores sucedidas; pela monitoração dos

agentes da implementação; para maximizar o gasto público (necessidade de); para não apenas

o estudo da pratica, visto que não se resume a isso; e porque alguns desses processos

acarretam em frustrações pois são vistas como soluções para os problemas dos cidadãos

(Faria, 2012).

No caso em que estudamos, a ideia de análise de Políticas Públicas foi na visão de

relacionar sua ideia inicial, sua prática e seus resultados com uma função não apenas social,

mas tentar averiguar os traços punitivos dentro de duas etapas da política. Para isso, além de

utilizar a legislação, acompanhar os relatórios e entrar no espaço, será referido também as

mudanças acorridas durante o desenvolvimento da ação.

5.2 PRONASCI

Como fora dito, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve

assim a criação, pelo Ministério da Justiça, do PRONASCI, O Programa Nacional de

Segurança Pública com Cidadania, em 20 de agosto de 2007, pela medida provisória 384. O

PRONASCI foi criado com o intuito de trazer melhorias à segurança pública.

O governo teve o comprometimento de gasto em 6.707 bilhões até o fim de 2012, que

seriam para 94 ações em 19 ministérios. Esses gastos seriam entre os anos de 2009 e 2012.

Uma das inovações do PRONASCI foi o incentivo aos municípios atuarem frente a segurança

pública. Tentando assim mais uma forma da diminuição da insegurança (Ministério da

Justiça, 2012).

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania foi criado com a ideia

base da prevenção, do controle e da repressão da criminalidade, e a pretensão de interligar a

União, os Estados e os Municípios, por meio da união de políticas sociais, que atuem nas

raízes socioculturais, juntamente com a segurança pública (Ministério da Justiça, 2012).

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A lei 11.530/07 foi a lei de criação do PRONASCI, porém atualmente está em

vigência a lei 11.707/08, que substituiu a lei de criação do PRONASCI. Temos em seu artigo

segundo quais os motivos e funções a que veio esse Programa. “Art. 2º - O Pronasci destina-

se a articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da

criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas. ”

Na lei de instituição do PRONASCI há em seu art. 4º, separado por incisos, os quatro

diferentes focos do programa, que são prioritários nos projetos, ações e programas que

compõe o PRONASCI. No inciso primeiro, o foco etário, que é na população juvenil, jovens

de 15 até 24 anos.

O inciso segundo do art. 4º, expõe o foco social, visto que o programa é direcionado

aos jovens em situação de risco. Em especial aos jovens egressos do sistema prisional, jovens

que estejam na situação de moradores de rua, que tenham a família exposta à violência

urbana, que sejam vítimas de crime, ou mulheres que estejam em situação de violência.

No inciso terceiro a lei expõe o foco territorial. O foco territorial é “regiões

metropolitanas e aglomerados urbanos que apresentem altos índices de homicídios e de

crimes violentos” E por fim, em seu inciso quarto, é o foco repressivo. O foco repressivo é

relacionado ao crime organizado, dando assim ênfase ao seu combate.

No PRONASCI há alguns projetos considerados destaques, como exemplo, a bolsa-

formação, formação policial, Mulheres da Paz, Protejo, Sistema Prisional e Plano nacional de

Habitação para profissionais de Segurança Pública, Ministérios e Secretarias parceiras.

De acordo com o PRONASCI os principais projetos que formam as ações de

prevenção, entre as 94, são:

Bolsa-Formação – Os profissionais de segurança pública receberão novos estímulos para estudar e atuar junto às comunidades. Policiais civis e militares, bombeiros, peritos e agentes penitenciários de baixa renda terão acesso a uma bolsa de até R$ 400. Para ter direito ao benefício, o policial terá que participar e ser aprovado em cursos de capacitação promovidos, credenciados ou reconhecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça. Formação Policial - A qualificação das polícias inclui práticas de segurança-cidadã, como a utilização de tecnologias não letais; técnicas de investigação; sistema de comando de incidentes; perícia balística; DNA forense; medicina legal; direitos humanos, entre outros. Os cursos serão oferecidos pela Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp), que envolve hoje 66 universidades brasileiras, entre públicas e particulares, e ainda telecentros para educação a distância. A meta é chegar a 80 instituições parceiras em todo o país, em 2008. Mulheres da Paz - O projeto capacitará mulheres líderes das comunidades em temas como ética, direitos humanos e cidadania, para agirem como multiplicadoras do Programa, tendo como incumbência aproximar os jovens com os quais o Pronasci trabalhará.

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Protejo - Jovens bolsistas em território de descoesão social agirão como multiplicadores da filosofia passada a eles pelas Mulheres da Paz e pelas equipes multidisciplinares, a fim de atingir outros rapazes, moças e suas famílias, contribuindo para o resgate da cidadania nas comunidades. Sistema Prisional - A criação de mais de 40 mil vagas no sistema penitenciário do país atenderá a públicos específicos. Os jovens entre 18 e 24 anos terão unidades prisionais diferenciadas. O objetivo do governo federal é separá-los por faixa etária e natureza do delito e impedir aqueles que cometeram pequenas infrações de se contaminarem pela influência dos líderes do crime organizado. Além disso, as mulheres apenadas também terão assistência, como berçário e enfermaria. A reestruturação do sistema prisional envolve ações que visam a qualificação de agentes penitenciários e a formação profissional de presos. Plano Nacional de Habitação para Profissionais de Segurança Pública - A categoria também poderá contar com o Plano Nacional de Habitação para Profissionais de Segurança Pública, com o apoio da Caixa Econômica Federal. Serão disponibilizadas unidades populares para servidores de baixa renda, que recebam até quatro salários mínimos e a cartas de crédito para a compra da casa própria, no valor de até R$ 50 mil, para aqueles que recebam até R$ 4,9 mil. Ministérios e Secretarias Parceiras - Algumas ações previstas no Pronasci são fruto de parcerias com ministérios e secretarias. O Pronasci agirá em conjunto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas regiões em que houver obras de urbanização para recuperação de espaços urbanos e melhoria da infra-estrutura nas comunidades. Outro exemplo é a parceria firmada com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, da Presidência da República, que ampliará, com o Pronasci, o atendimento do Viva Voz, projeto já existente que visa orientar jovens e famílias em relação às drogas.

Visto os projetos e as diretrizes do PRONASCI, houve assim a criação do Território

de Paz. Como há o foco territorial em bairros onde há maiores índices de violência, percebeu-

se que esses espaços são territórios de violência, visto que os autores e vítimas da

criminalidade muitas vezes se invertem se confundem entre si, criaram então o território de

paz, espaço onde ocorrem os projetos, programas e ações do PRONASCI (Souza, 2012).

O Estado do Rio Grande do Sul firmou o acordo com o Ministério de Justiça, durante

o governo de Yeda Crusius, a respeito do PRONASCI, em 13 de setembro de 2007, com 22

duas ações concordadas. A cidade de Canoas teve o acordo em outubro de 2007, assim como

Porto Alegre (Ministério da Justiça - O que é pronasci, 2012).

O PRONASCI tem a sua atuação em Canoas por meio da Secretaria Municipal de

Segurança Pública e Cidadania, sendo ela a responsável por desenvolver, planejar, coordenar

e supervisionar as ações na área da segurança, e com prioridade na prevenção buscando as

causas que levam a violência. Mantendo as estratégias de ordem e de social e de segurança

pública (Spaniol, 2012).

Uma das exigências para que os municípios tivessem acesso a verba do PRONASCI,

era a criação de Gabinete de Gestão Integrada Municipais, para concretizar o funcionamento

do SUSP. O Gabinete de gestão Integrada de Canoas/RS foi instituído pela Lei Municipal n.

5.386 de 19 de maio de 2009 (Spaniol, 2012).

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No capítulo IV da Lei Municipal n. 5.386 de 19 de maio de 2009, ficam, entre os

artigos 22 e 25, as especificações da criação do Observatório de Segurança pública de Canoas.

Lei que cria o Conselho municipal de Segurança pública, reestrutura o Gabinete de Gestão

Integrada Municipal entre outras providencias.

O Observatório de Segurança Pública de Canoas teve seu início no ano de 2009,

quando o projeto foi apresentado, através da SENASP, para o Ministério da justiça, fazendo

assim a solicitação para o financeiro. A implementação ocorreu em maio de 2010. Tendo

como a finalidade a diminuição da incidência criminal, e a prevenção junto ao município,

coletando e apurando as informações e utilizando métodos e técnicas de auxílio às agências de

segurança pública atuantes em canoas. Usa-se uma equipe multidisciplinar, com sociólogos,

cientistas sociais, geógrafos e estagiários (Spaniol, 2012).

O Observatório tem o papel de desenvolver e acompanhar os projetos estratégicos de

Canoas, como exemplo Guarda Comunitária, Canoas mais segura, os indicadores criminais.

Assim como, juntamente com os seis projetos desenvolvidos atualmente pelo Território de

Paz, com a verba do PRONASCI.

Assim, uma das ações estratégicas do PRONASCI é a criação de Territórios de Paz,

que são espaços com projetos sociais criados em bairros considerados perigosos e com jovens

em situação de risco, para assim tentar reverter a situação. Entraremos então no Território de

Paz do bairro Guajuviras, onde será feito o estudo mais aprofundado.

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6. O TERRITÓRIO DE PAZ NO BAIRRO GUAJUVIRAS

Neste capítulo será analisado o Território de Paz e sua estrutura, dentro do bairro Guajuviras.

No primeiro subcapítulo recorreremos à história do bairro, visando o entendimento do

contexto social no qual o bairro está inserido, e como foi a dada sua criação. Já no segundo

subcapítulo A essência do Território de Paz e seus objetivos primordiais e secundários serão

tratados do segundo subcapítulo, bem como suas formas de organização e execução no bairro

Guajuviras, atentando para os projetos que são desenvolvidos dentro do bairro por meio do

PRONASCI.

6.1 O Bairro Guajuviras

A contextualização do Guajuviras, o bairro utilizado como pesquisa, é de caráter

determinante para compreender o espaço em que o Território de Paz é desenvolvido,

considerando as especificidades do mesmo, tanto na sua maneira de fundação quanto de

funcionamento e, assim, efetivamente adentrar no Guajuviras e em seus projetos.

O Bairro Guajuviras, como é conhecido hoje, surgiu de uma grande ocupação ocorrida

nos anos oitenta, uma grande movimentação que levou milhares de pessoas a se fixarem na

região e formarem o que hoje é o segundo maior bairro da cidade de Canoas (Rejane Penna

(coord.) e outros, 1998).

A ocupação do Conjunto Habitacional Ildo Meneghetti, como era chamado na época,

ocorreu, de fato, em 17 de abril 1987. O nome Ildo Meneghetti é o nome do antigo

governador do Rio Grande do Sul nos anos de 1955 a 1959 e 1963 a 1966. No ano de 1963, o

governador desapropriou as áreas de A. J. Renner, e posteriormente passou à COHAB

(Companhia de habitação do Estado do Rio Grande do Sul). Essas terras pertenciam à

Fazenda Guajuviras, que era feita de mato de eucalipto (Rejane Penna (coord.) e outros,

1998).

As terras foram desapropriadas para a construção de casas populares e a construção foi

feita pela COHAB. O projeto da construção de casas populares, Projeto do Conjunto

Habitacional Ildo Meneghetti, foi aprovado, junto ao município de Canoas em 1979 (Rejane

Penna (coord.) e outros, 1998). Dito projeto contava com 30 mil unidades habitacionais,

porém, com esse número alto a população de Canoas poderia aumentar em 120 mil pessoas.

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Motivada por essa razão, foi decidido pela câmara dos Vereadores que o total disponibilizado

seria de 6 mil unidades residenciais, evitando assim o crescimento elevado da população.

Entretanto, em 1986, com a junção de diversos problemas econômicos brasileiros (a

aplicação do Plano Cruzado, com a extinção da antiga moeda vigente, e uma crise

econômica), com problemas judiciais entre a COHAB e as empreiteiras, as obras cessaram.

Quando a COHAB fez uma tentativa de entregar o loteamento para o município de Canoas,

não houve a aceitação, pois não estava com condições adequadas, sendo solicitado que a

companhia habitacional sanasse tais problemas para concretar o acordo entre as partes

(Rejane Penna (coord.) e outros, 1998).

Com as obras paradas, e os problemas não solucionados, nem a CEEE (Companhia

Estadual de Energia Elétrica), nem a CORSAN (Companhia Rio-grandense de Saneamento)

concordaram com a entrega da obra, pois a mesma não estava em estado satisfatório em

nenhuma das instancias que lhes cabia julgamento (Rejane Penna (coord.) e outros, 1998).

No mesmo ano da ocupação, em período anterior, o diretor técnico, o presidente da

COHAB e o prefeito de Canoas visitaram o Guajuviras. Muitas casas já estavam prontas, e os

visitantes ficaram assustados com a dimensão do espaço, sendo o local comparado com uma

cidade fantasma, composta de muitos espaços, muitas casas já deterioradas com o tempo e

uma grande quantidade de canteiros de obras, com as construções estagnadas (Rejane Penna

(coord.) e outros, 1998).

Com as frequentes promessas de abertura de processos de seleção de candidatos para o

conjunto habitacional, juntamente com o adiamento do conserto das infraestruturas, e a

permanecia dos locais inabitados e inabitáveis, em 1987, no dia 17 de abril, milhares de

pessoas iniciaram a ocupação dos prédios, que formavam seis mil moradias. Segundo a

população, dentro das casas ocupadas já haviam vegetações crescendo internamente

(Azevedo, 2002) (Rejane Penna (coord.) e outros, 1998).

Durante as ocupações ocorreram diversos problemas, como a invasão de casas já

ocupadas, a venda ilegal de propriedades, a pressão para recebimento de dinheiro para deixar

as pessoas morando nas residências, são apenas alguns dos problemas relatados pela

população no livro “Guajuviras: história de uma luta”. A pressão surtiu efeito, o cordão de

isolamento policial que se formou foi quebrado e a população entrou (Rejane Penna (coord.) e

outros, 1998).

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“Parecia o fim do mundo” evoca a memória de um depoente, relembrando a imagem de milhares de habitantes a noite, apenas com velas acessas nas casas. Quanto medo e insegurança, mas também quanta vontade e necessidade tinham os ocupantes de Guajuviras! Entrar, manter a posse, lutar em grupo contra marginais e aproveitadores da situação, enfrentar o policiamento, ouvir ameaças de autoridades, tudo valia a pena para ter o seu pedaço de sonho – a casa. (Rejane Penna (coord.) e outros, 1998, p. 58)

Durante a ocupação os policiais, que antes constituíam o cordão como forma de

barreira para impedir o avanço da população, juntaram-se e participaram, juntamente ao

restante das pessoas, da grande ocupação dos imóveis em situação de abandono (Azevedo,

2002).

A ocupação é situada na parte nordeste da cidade. Durante todos esses anos o bairro

desenvolveu comercio local, escolas municipais e estaduais. Segundo os dados do IBGE de

2010, Guajuviras era o segundo bairro com maior população de Canoas, perdendo apenas para

Mathias Velho. O bairro, em 2000, constava com 32.261 pessoas, e em 2010 com 39.526

pessoas. Sendo destas 20.294 mulheres e 19.232 homens. Tem 10.902 crianças, entre 0 e 14

anos; 7.338 jovens de 15 a 24 anos; 18.622 adultos de 25 a 59 anos; e por fim, 2.664 idosos,

acima de 60 anos (Canoas, 2011).

Figura 5 - População: estratificação por sexo

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Figura 6 - Faixa etária da população por bairros em Canoas

Figura 7 - Distribuição da população por faixas etárias nos bairros em Canoas

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O bairro Guajuviras, desde seu início, teve sérios problemas de funcionamento. Um

dos principais, que começou a preocupar a população, era o alto índice de criminalidade que

acometia a região. Esses índices deterioraram a imagem do bairro e de seus moradores frente

à população da cidade de Canoas (Canoas, 2011).

Segundo os dados do Observatório de Segurança Pública de Canoas, no ano de 2008,

antes do Território de Paz chegar a Canoas, o índice de homicídios no bairro Guajuviras

abarcava 18% do índice de Canoas. No ano de 2009, em que o Território de Paz foi

implantado, os índices subiram para 19%. Já em 2010, após a implementação do programa,

caiu para 14% dos homicídios da cidade, e em 2011 para 12% (Spaniol, 2012, pp. 147-155).

A maior motivação para os homicídios em Canoas é o tráfico de drogas, sendo ele

responsável por 55% das razões dos homicídios. Ou seja, mais da metade dos homicídios

cometidos em Canoas tem o mesmo tipo penal (Spaniol, 2012).

Figura 8 – Motivação de homicidios em Canoas

Agora, após percebermos o alto índice de criminalidade no bairro Guajuviras, desde

todo o processo de sua formação e consolidação, entende-se a necessidade e a razão do

desenvolvimento do Observatório de Segurança Pública e também dos projetos do

PRONASCI, como o Território de Paz, visto que tais projetos são desenvolvidos em bairros

com alto índice de violência e de jovens em situação de risco.

MOTIVAÇÃO

Tráfico de Drogas

Desavenças

Passionais

Outros

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6.2 O Território de Paz

O Território de Paz é composto por uma gama de projetos sociais, sendo eles um

conjunto de ações de segurança. O objetivo principal do Território de Paz é a diminuição dos

índices de violência nas comunidades. Esses projetos sociais têm a razão de apresentar uma

nova alternativa com maiores oportunidades aos jovens que estão em situação de risco.

Os jovens de idade entre 15 e 24 anos são o público que o programa Território de Paz

tem como alvo prioritário, dando ênfase aos jovens que estejam à beira da criminalidade, os

que já foram detidos, ou presos, e os que já cumpriram pena (Haas, 2009).

O programa foi lançado em Canoas, no Bairro Guajuviras, fazendo parte da Secretaria

Municipal de Segurança Pública com Cidadania de Canoas, sendo a Secretaria responsável

por coordenar, planejar e supervisionar a área de Segurança. É prioritário a prevenção à

violência através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI).

Segundo o site da Prefeitura de Canoas, há três projetos estratégicos, o primeiro é o

projeto estratégico Canoas + Segura, o segundo o projeto estratégico Território de Paz, e o

terceiro o projeto estratégico Guarda Comunitária (Prefeitura municipal de Canoas -

Segurança pública e Cidadania, 2015).

Em uma breve explicação, visto não ser o foco da dissertação, o projeto estratégico

Canoas + Segura agregou 192 centrais de alarmes que foram instaladas em prédios públicos,

áudio-monitoramento de 44 sensores (Shotspotters) que foram instalados dentro do Território

de Paz Guajuviras e mais 204 câmeras de vídeo (Prefeitura de Canoas, 2015).

O projeto estratégico Guarda Comunitária teve início em março de 2012, tem como

meta a prevenção à violência. Na prevenção da violência escolar, há a ronda escolar, para agir

na mediação de conflitos entre professores, alunos e pais; assim como teatros, música e

brincadeira para disseminar a cultura da paz. A guarda atua integrada com os outros projetos

estratégicos, funcionando nos Territórios de Paz e em conjunto com o Canoas + Segura

(Prefeitura de Canoas, 2015).

O Território de Paz foi lançado no bairro Guajuviras em 2009, mesmo o acordo tendo

sido feito em 2007, havendo inicialmente o repasse federal. Os projetos presentes no

Território de Paz são: Casa das Juventudes, Justiça Comunitária, Agencia da Boa Notícia,

Mulheres da Paz, Geração Consciente e Praça das Juventudes (Prefeitura municipal de Canoas

- Território de Paz, s.d.). Atualmente o Território de Paz completa seis anos de

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funcionamento. Alguns dos projetos, como o Geração Consciente, já não fazem mais parte da

grade do Território, e outros sofreram modificações nos projetos originais.

Começaremos explicando os projetos em sua constituição original, para assim, no

próximo capítulo, construir a percepção das mudanças e dos traços punitivos contidos tanto na

lei, quanto no desenvolvimento. As informações a respeito dos projetos foram retiradas do

Observatório de Segurança Pública de Canoas, no relatório: “Dados sobre os três anos do

Território de Paz Guajuviras” (Observatório de Segurança Pública de Canoas, 2012).

• Projeto Geração Consciente

O projeto Geração Consciente iniciou no ano de 2010 e teve como objetivo da atuação

a formação de jovens do bairro Guajuviras, como multiplicadores de conhecimento a respeito

do Consumo, dos Direito do Consumidor, cidadania, direitos humanos e educação popular.

A capacitação ocorreu com jovens entre 15 e 24 anos, tendo como requisito ser

morador do bairro Guajuviras, com escolaridade mínima de ensino fundamental completo, e

com prioridade aos jovens que fossem egressos do sistema prisional, que estivessem no

cumprimento de medidas socioeducativas, ou que tivessem membros da família com esse

histórico. Do montante de jovens escritos seriam escolhidos 80.

A capacitação dos jovens foi ministrada por grupos formados por quatro educadores

sociais e quatro bolsistas estudantes de direito da UniRitter, em Escolas da Região. Foram

divididos em quatro diferentes grupos de capacitação, onde cada grupo capacitaria 20 jovens.

Houveram 19 módulos de diferentes assuntos que foram compartilhados com os participantes

do projeto, para assim concluir a formação dos jovens como multiplicadores.

Após a capacitação com a durabilidade de 64h aulas, os jovens multiplicaram o

conhecimento, através de palestras em outras escolas da região, chegando ao alcance de 2.800

pessoas, ministrando 24h de oficinas, em grupos de 15 pessoas compondo cada oficina.

Posteriormente houve uma extensão do projeto, iniciando o Geração Consciente 2.

• Projeto Mulheres da Paz

O projeto Mulheres da Paz - Guajuviras começou 8 de março de 2010, fazendo uso da

data do dia das mulheres como representação. Esse projeto tem como razão principal o

empoderamento das mulheres, suprindo a necessidade de colocar as mulheres em situação de

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periferia em posição de conhecimento dos seus direitos, e capacita-las como promotoras de

direitos humanos das mulheres.

O projeto teve de início uma importante parceria no seu desenvolvimento, a

Organização Não Governamental Themis, juntamente com a Secretaria Municipal de

Segurança e Cidadania de Canoas.

Um dos pontos importantes é que durante todo o tempo de capacitação as Mulheres da

Paz recebem a quantia de 190,00 reais do Ministério da Justiça, em uma bolsa mensal, para

seguirem sendo capacitadas e assim desenvolverem melhor o trabalho.

O Mulheres da Paz atua, além de capacitador, também no encaminhamento das

mulheres e jovens que estejam em situação de violência e de vulnerabilidade para os órgãos

atuantes especializados, formando uma rede de proteção mais próxima à população.

O início do projeto almejava buscar mulheres com perfil de liderança dentro da

comunidade, para capacitá-las como multiplicadoras de conhecimento. As matérias passadas

para as mulheres que vieram a se tornar mulheres da paz foram direitos humanos, inclusão

digital, rede de atendimento e proteção social, feminismo e gênero, acesso a direitos básicos e

formação de rede em apoio a economia solidária.

O projeto criou um local para a capacitação, que é a Casa Mulheres da Paz, esse local

não serve mais penas para a capacitação, mas se tornou ponto de referência para as mulheres

do bairro buscarem informações a respeito de seus direitos.

As mulheres capacitadas formam grupos de atuação, que são decididos por elas, da

forma que pensam ser mais relevantes para a sua população, escolhendo entre os temas dos

grupos de atuação que se dividem entre saúde, educação, enfrentamento à violência,

comunicação e juventudes.

• Projeto Casa das juventudes - Protejo

A inauguração da casa da juventude foi no dia 26 de junho de 2010 e o protejo teve

início no dia 2 de agosto de 2010. A Casa das Juventudes fica no Setor 2, Quadra W2, Casa 1.

Bairro Guajuviras – canoas/RS. Tem o horário de funcionamento de segunda-feira à sexta-

feira, das 9h00 às 17h00.

O protejo é a um projeto de proteção aos jovens em território vulnerável, visando a

inclusão social na faixa do 15 aos 24 anos, e busca, principalmente, captar jovens egressos do

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sistema prisional, que estejam em cumprimento de medidas socioeducativas, em situação de

exposição a violência, domestica ou urbana (Spaniol, 2012).

A casa das juventudes tem foco na formação cidadã de jovens pelo meio de oficinas, a

partir do fortalecimento das redes comunitárias, proteção e atenção social. Esse projeto tem

como política um modelo em que tem por característica a busca de incentivar os jovens e as

jovens a uma melhor qualidade de vida, com apoio psicossocial, atendimento no telecentro

comunitário, atendimento no estúdio público.

A casa das juventudes, no caso do município de Canoas, é onde ocorre o projeto

Protejo, suas oficinas, e o espaço para a convivência com a diferença e a diversidade. Parte

das oficinas do protejo são: hip hop, funk, música, judô, Teatro e Qualificação Profissional

(juventude empreendedora).

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7. A PUNIÇÃO ENTRE LINHAS

Esse capítulo será dividido em três subcapítulos, no primeiro será explicada qual a

forma de análise que será utilizada para o PRONASCI e seus projetos desenvolvidos no bairro

Guajuviras. Assim, serão explicadas as dimensões que serão averiguadas em cada projeto e

com que base será realizada. No segundo subcapítulo faremos uma análise do PRONASCI,

em sua lei, quais os aspectos punitivos segundo os autores estudados, em suas diferentes

formas; das condicionalidades dos projetos selecionados em âmbito geral, para perceber que

tipo de punição está inserida nos projetos em sua forma original, como forma de

condicionalidade. No terceiro subcapítulo perceberemos melhor os pontos específicos de cada

projeto, e também a diferença na atuação durante o desenvolvimento dos projetos, quais

modificações e aceitações dos projetos em suas estruturas originais, e se há punições

diferentes na legislação e no desenvolvimento dos mesmos, ou se, de alguma forma, há o

suprimento da punição durante o desenvolvimento.

7.1 Forma de Análise

A grelha de análise que será seguida foi construída com base nos autores já citados na

parte 2.1 e 2.2 desse trabalho, bem como também as formas encontradas nos pontos 3.1 e 3.2

deste trabalho. São eles, respectivamente, Michel Foucault, David Garland, Loïc Wacquant e

Eugenio Raúl Zaffaroni, que compõe o quadro teórico.

Seguiremos as técnicas de análise de dados secundários e de análise de conteúdo,

utilizando os relatórios obtidos através do Observatório de Segurança Pública e Cidadania de

Canoas, assim como a legislação dos projetos, os programas, e os editais. Para assim observar

as suas condicionalidades e os focos prioritários do programa, como objeto de análise.

A análise será feita adotando as ideias de punição, tanto quanto o método de controle,

seguindo Foucault, de uma forma panóptica. Já quanto às ideias de Garland, percebendo os

métodos de controle dos “criminosos”, nesse caso, fora das grades, ou dos muros que cercam.

Havendo uma diferenciação, no primeiro, a ideia de observação enquanto presencial, vigiar e

controlar; já baseado em Garland, a análise dos aspectos exteriores de controle, não dentro do

projeto, mas outras formas externas a ele, como condicionalidades de entrada nos projetos.

Em Wacquant, são consideradas as ideias principais de punição partindo das suas

dimensões burocráticas, analisando como o Estado define condicionalidades, para assim

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restringir o acesso dos programas a determinada parte da população. Em Zaffaroni, parte-se

do conceito de inimigo sendo que a sua aplicação na América Latina é a que mais se aproxima

da visão que se tem no Brasil

Para construir esta grelha de análise considerarei as dimensões que utilizei das

definições dos diferentes autores no sentido de determinar o que é punitivo e o que não é nas

políticas públicas escolhidas. Construiremos assim um quadro operatório que aplicaremos a

todas as legislações, editais e programas que constituem o nosso corpus de análise.

A base inicial vem do autor Michel Foucault, por meio do qual destaco o contexto

geral de punição, para poder usar como suporte estrutural para as demais teorias, e utilizo da

construção entre todos os autores para perceber quais aspectos punitivos são observados nas

políticas públicas, organizando de forma Geral e Específica as dimensões que serão

explicadas abaixo na tabela a ser utilizada.

Tabela 3 - Dimensões de análise

Dimensão Explicação

Dimensões Gerais:

Quais as dimensões que

serão observadas no

contexto amplo e geral

da política pública.

(Tratamento do

Inimigo; Finalidade da

ação pública; Prioridade

da ação pública)

Tratamento do Inimigo A quem se destina as políticas

públicas?

Para a percepção se o público alvo é

considerado perigoso ou daninho.

Finalidade da ação

pública

Entre as opções, qual se enquadra

melhor na política pública?

- Universalidade de direitos.

- Assistência a pessoas dependentes ou

na miséria. “Cidadãos de 2ª classe”

- Classificar e administrar populações

difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação

pública

Qual a prioridade da ação pública?

- Fortalecer os laços sociais

- Aliviar a miséria gritante

- Suprir falta do social

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Dimensões específicas:

Quais as dimensões

observadas

especificamente em

cada condicionalidade

da política pública.

(Condicionalidade

Panóptica;

Condicionalidade

Exclusiva)

Condicionalidade

Panóptica

Há a vigia e controle durante as ações?

Condicionalidade

Exclusiva

Há condicionalidades que tornem a

política limitada para determinada parte

da população?

7.1.1 Dimensões Gerais

Na primeira parte de análise será feita uma análise geral da política pública, em três

diferentes formas. A primeira é relativa ao controle do inimigo, a parte em que coloca como

prioridade a quem se destina a política pública.

Para ajudar a formulação da análise, considerarei o trabalho de Eugenio Raúl

Zaffaroni, e a sua visão do inimigo. Como forma de análise dos projetos, observarei em que

momento o foco direcional do PRONASCI e dos projetos, em si, é direcionado para obter a

domesticação e o controle dos sujeitos da ação, colocando-os como inimigo social, e assim os

observar continuamente e legitimadamente, de forma a proteger o cidadão.

A análise baseada no conceito de inimigo se complementa com a ideia do panóptico

de Foucault, que será observada especificamente, e do conceito de controle, de Garland, por

tratar exatamente do sujeito-alvo de todos mecanismos que estão em causa.

- Tratamento do Inimigo: Essa forma de análise geral perceberá se o foco dos

projetos é direcionado para quem é considerado inimigo pela sociedade, sendo assim os

inimigos o público focal da política pública. Caso o projeto seja destinado ao tratamento do

indivíduo considerado inimigo, analisaremos, para termos a percepção se há por trás do viés

social da política pública algum traço de manter o afastamento, o controle, e domesticar os

inimigos para proteger o cidadão.

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Considerando um dos autores em que é baseada grande parte da construção, Loïc

Wacquant, percebo algumas dimensões relevantes que o autor abordou após análises de

políticas públicas dos Estados Unidos, dimensões essas contidas em formas diversificadas nos

três tipos de Estados caracterizados por Wacquant, no já falado livro “Punir os pobres”.

Desta forma temos a perspectiva dos três Estados referidos por ele, Estado-

providência, Estado caricativo, e Estado penal, e assim perceberemos qual tem uma maior

proximidade no contexto dos projetos, para assim poder perceber não apenas o punitivo, mas

identificar também a parte social dentro dos projetos.

Concernente à segunda dimensão geral, ela é relativa à Finalidade da Ação Pública.

Nessa dimensão, com base no autor Loïc Wacquant, será feita a análise para verificar o que se

quer atingir com a ação pública, a que fim se coloca. Utilizo de três principais formas,

relativas aos tipos de estados correspondentes para o autor.

- Finalidade da Ação Pública:

A primeira é a finalidade de universalidade de direitos, que se encontra no que o

autor chama de Estado Providência, essa finalidade da ação pública é atingir a toda

população, igualmente, as fornecendo todos direitos.

Em segundo, a finalidade da ação pública é a assistência de pessoas dependentes ou

na miséria, “cidadão de segunda classe”, que o autor coloca como finalidade dos programas

de um Estado Caricativo, assim, as políticas públicas são destinadas a apenas uma parte da

população, com a finalidade de dar assistência a essa determinada parte da população que

necessita.

Em terceiro, a finalidade da ação pública é classificar e administrar população difícil

formal e simbolicamente, que o autor coloca como finalidade dos programas de um Estado

Penal. Essas políticas públicas não visam a universalidade de direitos ou assistir as

populações necessitadas, mas sim administrar a população vista como difícil, já explicada na

parte 3.1.

A terceira dimensão geral é relativa à Prioridade da Ação Pública, qual a prioridade

da ação em questão. Essa dimensão será analisada por uma forma de aproximação com três

diferentes prioridades, relativas aos tipos de Estados definidos por Loïc Wacquant. O intuito

não é apenas perceber de qual modelo estatal as políticas do PRONASCI se aproximam mais

concretamente, mas também o de analisar que tipo de prioridades sobressaem nas ações.

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- Prioridade da Ação Pública:

A primeira, relativa ao Estado Providência, tem como prioridade da ação pública o

fortalecimento dos laços sociais, e é guiado pelo princípio da solidariedade.

A segunda, relativa ao Estado Caricativo, tem como prioridade da ação pública não

mais a solidariedade, mas a compaixão; não mais o fortalecimento dos laços sociais, e

também não se pode referir como tentativa de redução nas desigualdades, mas sim aliviar a

miséria gritante.

A terceira é relativa ao Estado Penal, tendo como prioridade da ação pública a

utilização de um Estado Penal para suprir a falta do social. Tendo a missão de paliar as

funções sociais.

7.1.2 Dimensões Específicas

As dimensões específicas serão um meio de analisar as condicionalidades dos

programas, sendo realizada de forma específica, pois a análise se dará em artigo por artigo dos

projetos, ou condicionalidade por condicionalidade. Serão utilizados dois aspectos para a

análise, o primeiro como Condicionalidade Panóptica e o segundo como Condicionalidade

Exclusiva.

O primeiro elemento específico é relacionado ao autor Michel Foucault, caracterizo

como punições as formas de controle exercidas pelos projetos sociais, como exemplo, todos

os requisitos que condicionam a uma obrigatoriedade, as condicionalidades de presença e/ou

ação como mecanismo controlador, um modelo panóptico, em que tudo está sendo assistido,

vigiado e disciplinado, para assim obter uma maior certeza da não ação, ou da ação

direcionada disciplinadora.

- Condicionalidade Panóptica - Punição panóptica de controle - é referente ao

panóptico de Foucault, que aqui, nesta análise, faço referência aos projetos que contém em

suas determinações o controle visual, como imagens de vídeo por câmeras de segurança; os

documentos necessários para ingressar no projeto; ou outras esferas consideradas como forma

de visualização, e de melhores formas de desenvolver os trabalhos. Como o autor expressa na

ideia do panóptico poder controlar tudo à sua volta, e a possibilidade de o governo poder ser o

panóptico do caso.

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Na segunda dimensão específica perceberemos as condicionalidades exclusivas. Essa

ideia tem como base principal o autor Loïc Wacquant, ao tratar de uma das formas punitivas

mais difíceis de serem visualizadas, que são os impedimentos e burocracias em constante

aumento para o acesso às políticas públicas, mantendo assim parte da população, que a

necessitaria, afastada. Não cabe aqui analisar se a política é direcionada à economia e ao

repasse do social para o penal, mas sim se essas condicionalidades são exclusivas à uma certa

população, e impedem uma parte vulnerável da população de participar dos projetos.

- Condicionalidade exclusiva: Nessa parte serão analisadas especificamente cada

condicionalidade dos programas, objetivando averiguar se há a exclusão de determinada parte

da população e em que forma há punição nessas condicionalidades de acesso.

7.2. Na legislação - Regulamentos

7.2.1 PRONASCI

O PRONASCI será analisado no que se refere aos programas do Território de Paz,

seu foco e suas diretrizes, em suas leis de formação, a lei 11.530, de 24 de outubro de 2007, já

com as alterações da lei 11.707 de 2008, que alterou uma grande parte dos artigos da lei. A lei

terá a análise, em primeira parte do que destina o PRONASCI, que é o artigo 2º. Em segundo

das diretrizes do PRONASCI, que é o artigo 3º e seus incisos. Após quais os focos, seu artigo

4º.

Segundo a lei 11.707 de 2008, em seu artigo 3º, o PRONASCI tem as seguintes

diretrizes, separadas em incisos.

I - promoção dos direitos humanos, intensificando uma cultura de paz, de apoio ao desarmamento e de combate sistemático aos preconceitos de gênero, étnico, racial, geracional, de orientação sexual e de diversidade cultural; II - criação e fortalecimento de redes sociais e comunitárias; III - fortalecimento dos conselhos tutelares; IV - promoção da segurança e da convivência pacífica; V - modernização das instituições de segurança pública e do sistema prisional; VI - valorização dos profissionais de segurança pública e dos agentes penitenciários; VII - participação de jovens e adolescentes, de egressos do sistema prisional, de famílias expostas à violência urbana e de mulheres em situação de violência; VIII - ressocialização dos indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade e egressos do sistema prisional, mediante implementação de projetos educativos, esportivos e profissionalizantes; IX - intensificação e ampliação das medidas de enfrentamento do crime organizado e da corrupção policial; X - garantia do acesso à justiça, especialmente nos territórios vulneráveis; XI - garantia, por meio de medidas de urbanização, da recuperação dos espaços públicos; XII - observância dos princípios e diretrizes dos sistemas de gestão descentralizados e participativos das políticas sociais e das resoluções dos conselhos de políticas sociais e de defesa de direitos afetos ao Pronasci; XIII - participação e inclusão em programas capazes de responder, de modo consistente e permanente, às demandas das vítimas da criminalidade por intermédio de apoio psicológico, jurídico e social; XIV - participação de jovens e adolescentes em situação de moradores de rua em programas educativos e profissionalizantes com vistas na ressocialização e reintegração à

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família; XV - promoção de estudos, pesquisas e indicadores sobre a violência que considerem as dimensões de gênero, étnicas, raciais, geracionais e de orientação sexual; XVI - transparência de sua execução, inclusive por meios eletrônicos de acesso público; e XVII - garantia da participação da sociedade civil.

Abaixo será exposta uma grelha sinalizando quais os aspectos relativos a cada

dimensão, que ao analisar os projetos foram identificados. E abaixo da grelha, as análises

referentes às dimensões gerais e específicas, em todos seus pontos.

Tabela 4 - Dimensões de análise do PRONASCI

Dimensão PRONASCI

Dimensões Gerais:

Quais as dimensões que

serão observadas no

contexto amplo e geral

da política pública.

(Tratamento do

Inimigo; Finalidade da

ação pública; Prioridade

da ação pública)

Tratamento do Inimigo Sim

Finalidade da ação

pública

- Assistência a pessoas dependentes ou

na miséria

- Classificar e administrar populações

difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação

pública

- Fortalecer os laços sociais

- Aliviar a miséria gritante

- Suprir a falta do social

Dimensões específicas:

Quais as dimensões

observadas

especificamente em

cada condicionalidade

da política pública.

(Condicionalidade

Panóptica;

Condicionalidade

Exclusiva)

Condicionalidade

Panóptica

Sim

Condicionalidade

Exclusiva

Sim

Tratamento do Inimigo: na lei do PRONASCI, em seu artigo segundo, já fica visível

a intenção do controle e da repressão à criminalidade. “Art. 2o O Pronasci destina-se a

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articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da criminalidade,

estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas.”. Partindo dessa ótica, a análise

geral é de que é um programa que visa o controle, a repressão e a prevenção do crime.

Considerando a maior incidência de pessoas de periferia nos índices carcerários e de

criminalidade, o enfoque de tais políticas é apontado para a população pobre e negra. Cabe

assim distinguir as diferentes formas que os projetos utilizam dessas dimensões.

Finalidade da ação pública: de acordo com os incisos do VII; VIII; X; XIII; XIV do

Art. 3o do PRONASCI, já apresentado anteriormente, o ambiente de desenvolvimento do

programa se dá em um contexto de exclusão social, seja diretamente ligado a sujeitos egressos

do cárcere ou cumprindo medidas preventivas, visando sua reintegração social; a vítimas de

violência, demandantes de cuidados específicos; ou à garantia de direitos em bairros assolados

pela pobreza, a finalidade da ação pública reside na assistência a pessoas dependentes ou na

miséria; e classificar e administrar populações difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação pública: o PRONASCI, na visão da prioridade da ação pública,

engloba todos os quesitos. Visa fortalecer os laços sociais, como uma das bases mais fortes de

suas diretrizes, por meio de promoção de integração sociocultural e da recuperação de

ambientes públicos de convívio. Outra prioridade é suprir a falta do social, em diversos

incisos, como nos incisos I; VIII; X; XI; XIII; XIV; VVII, do citado Art. 3o do PRONASCI,

que explicitam o atendimento a seguimentos populacionais extremamente marginalizados

pelo Estado e pela sociedade como um todo, desde os já citados egressos do sistema penal até

os seguimentos discriminados por características de gênero, etnia, raça, geração, orientação

sexual e de diversidade cultural.

Por último, a ideia de aliviar a miséria gritante se faz presente no viés atribuído à

ressocialização de jovens em situação de moradia de rua, distribuindo o campo de atuação em

educativo e profissionalizante, valorizando, também, a presença da instituição família,

ressaltando o objetivo de reintegrar o jovem à mesma.

Condicionalidades excludentes: coloco aqui o art. 4º do PRONASCI, como forma a

simplificar a análise, visto que estão contidos os requisitos de condições para a participação.

Em cada projeto, individualmente, será mais bem analisada a forma de exclusão nos seus

requisitos específicos.

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Art. 4o São focos prioritários dos programas, projetos e ações que compõem o Pronasci:

I - foco etário: população juvenil de 15 (quinze) a 24 (vinte e quatro) anos; II - foco social: jovens e adolescentes egressos do sistema prisional ou em situação de moradores de rua, famílias expostas à violência urbana, vítimas da criminalidade e mulheres em situação de violência; III - foco territorial: regiões metropolitanas e aglomerados urbanos que apresentem altos índices de homicídios e de crimes violentos; e IV - foco repressivo: combate ao crime organizado

Condicionalidades do município, que são do art. 6º, não serão analisadas, pois

competem diretamente aos deveres dos municípios frente ao PRONASCI e não são

relacionadas aos sujeitos da ação.

Condicionalidade panóptica: o PRONASCI se organiza de diversas formas, e percebe-

se o controle e a repressão em todas elas, em uma busca constante de conter a criminalidade e

de controlar quem está em constante exposição à violência, como possível fator de risco para

o envolvimento com o crime. Dessa forma, o PRONASCI é um programa que tem o

panóptico enraizado em todas as suas ações.

Condicionalidade exclusiva: parágrafo único do 8F que expressa que o auxílio

financeiro apenas será entregue caso haja a prova da assiduidade.

Art. 8o-F. O Poder Executivo concederá auxílio financeiro aos participantes a que se referem os arts. 8o-B, 8o-C e 8o-D desta Lei, a partir do exercício de 2008, nos seguintes valores:

I - R$ 100,00 (cem reais) mensais, no caso dos projetos Reservista-Cidadão e Protejo; e

II - R$ 190,00 (cento e noventa reais) mensais, no caso do projeto Mulheres da Paz.

Parágrafo único. A concessão do auxílio financeiro dependerá da comprovação da assiduidade e do comprometimento com as atividades estabelecidas no âmbito dos projetos de que tratam os arts. 8o-B, 8o-C e 8o-D desta Lei, além de outras condições previstas em regulamento, sob pena de exclusão do participante.

7.2.2 Geração Consciente

O programa do Geração Consciente será analisado em três quesitos, o primeiro

abordará os requisitos socioeconômicos e de exposição a riscos sociais obrigatórios para a

participação no projeto, retirados do programa geral; o segundo, referente às bolsas oferecidas

pelo projeto, e quais os requisitos necessários para sua disponibilização; o terceiro, os

requisitos de idade, território e escolaridade.

Antes de expor a grelha de análise, serão expostos todos os requisitos do planejamento

do programa, referente à classificação dos jovens, e como será o método de entrada no

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programa, seus requisitos e condicionalidades. Assim, coloco abaixo informações retiradas do

projeto de apresentação do Geração Consciente da UniRitter (UniRitter, 2010; Rohden &

Schmitt, 2010).

6.1. A classificação dos candidatos será realizada de acordo com a situação socioeconômica dos candidatos, conforme informações prestadas na ficha de inscrição.

6.2 Terão prioridade os candidatos que estiverem expostos a um maior grau de risco social, segundo condições de renda, moradia, grau de escolaridade e, nesta ordem:

a- Estiverem cumprindo medida sócio-educativa ou pena; b- Forem egressos do Sistema Prisional/cumpriram medida sócio-educativa; c- Estiverem respondendo/tenham respondido a processo criminal; d- Tiverem membro da família cumprindo medida sócio-educativa ou pena; e- Tiverem membro da família que cumpriu medida sócio-educativa ou pena; f- Estiverem sendo/já tenham sido atendido pelo Conselho Tutelar; g-Tiverem membro da família sendo/ que já tenha sido atendido pelo Conselho Tutelar; (UniRitter, 2010)

Há também as condicionalidades referentes às bolsas pagas aos jovens, dentro dessas

estão:

a) Participar das atividades do projeto; b) Realizar oficinas de multiplicação dos conhecimentos construídos durante o segundo módulo do curso de formação; c) Ter freqüência mínima de 75% no processo de formação; d) Interagir com a Ronda Escolar, o PROTEJO, e os demais projetos PRONASCI a serem desenvolvidos no território. 3.2 Serão oferecidas aos jovens selecionados pelo GERAÇÃO CONSCIENTE bolsas de formação no valor de R$ 80,00 (Oitenta Reais), durante os três meses em que estiverem em capacitação. 3.3 A desistência ou o não cumprimento das condições necessárias para a participação no programa implicará a revogação da bolsa de formação. (UniRitter, 2010)

Por fim, o projeto Geração Consciente tem focos etário, territorial e de escolaridade.

8. PÚBLICO ALVO

Jovens de 15 e 24 anos, moradores do bairro Guajuviras, com escolaridade mínima de Ensino Fundamental Completo (ou a complementar durante o ano da capacitação), prioritariamente aqueles que sejam egressos do sistema prisional, estejam cumprindo medidas sócio-educativas ou que tenham familiares com esse histórico. (UniRitter, 2010)

Tabela 5 - Dimensões de análise do Geração Consciente

Dimensão Geração Consciente

Dimensões Gerais:

Quais as dimensões que

serão observadas no

contexto amplo e geral

da política pública.

(Tratamento do

Inimigo; Finalidade da

Tratamento do Inimigo Sim

Finalidade da ação

pública

- Assistência a pessoas dependentes ou

na miséria. “Cidadãos de 2ª classe”

- Classificar e administrar populações

difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação

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ação pública; Prioridade

da ação pública)

pública - Suprir falta do Social

Dimensões específicas:

Quais as dimensões

observadas

especificamente em

cada condicionalidade

da política pública.

(Condicionalidade

Panóptica;

Condicionalidade

Exclusiva)

Condicionalidade

Panóptica

Sim

Condicionalidade

Exclusiva

Sim

Tratamento do inimigo: o tratamento do inimigo, como forma de controle, é uma das

dimensões encontradas nesse projeto, em primeiro lugar ao classificar os/as jovens em

determinados requisitos sociais, como os requisitos necessários para a entrada no projeto. O

foco dos requisitos está, quase que exclusivamente, em jovens que tiveram alguma forma de

contato com a criminalidade e o sistema penal, direta ou indiretamente. Em consoante, o

público alvo prioritário deve ter, também, formação no ensino fundamental ou estar para

concluí-lo. Isso classifica o programa como destinado à população de jovens em situação de

vulnerabilidade social que, de certa forma, é o inimigo exposto por Zaffaroni, o que nos leva

diretamente à próxima dimensão analisada, a de qual finalidade coloca-se o programa.

Finalidade da ação pública: entre as três possíveis aproximações entre as finalidades,

com a percepção do público destinado e os mecanismos de controle, vemos que há a

característica de classificar e administrar populações difíceis material e simbolicamente, o que

se refere ao Estado penal visto por Wacquant, mas também, por outro lado, traz a dimensão de

um Estado caricativo, ao ter a finalidade da assistência a pessoas dependentes ou na miséria.

Prioridade da ação pública: o que se coloca como prioritário no programa, entre as três

possíveis análises, é suprir a falta do social, com o intuito da reintegração social de jovens

vítimas da degeneração do Estado social, que os empurra ao ostracismo. Os mecanismos

utilizados para reinserir os jovens são capacitações em conhecimentos a respeito de consumo,

direito do consumidor, cidadania entre outros temas ligados ao indivíduo frente à sociedade O

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projeto não é necessariamente destinado à parte miserável da população, apesar de poder

abarcá-la, nem possui como prioridade o fortalecimento dos laços sociais.

Condicionalidade panóptica: o panóptico é muito presente no projeto, ao percebermos

que em todas as formações há o que ser observado. Todas as formações ministradas, inclusive

por mim, eram focadas em captá-los para a compreensão de um consumismo, e ao mesmo

tempo coloca-los a prova para escolher os participantes que melhor destacavam, para que

assim pudessem ser multiplicadores em uma segunda parte do projeto.

Nessa segunda parte vê-se mais claramente o panóptico, no que diz respeito aos

capacitadores observarem os capacitados multiplicando os conhecimentos. Uma forma de

observá-los diretamente, de certa disciplina e demonstração de poder.

Condicionalidade exclusiva: os aspectos punitivos exclusivos são variados e se

encontram em diversos requisitos do Geração Consciente, em sua regulamentação, porém

algumas se dissociam ao levarmos para a prática.

Condicionalidade etária: os que podem participar são os jovens entre 15 e 24 anos.

Jovens com idade superior a 24 anos ficam excluídos dos benefícios do projeto, bem como

menores de 15 anos, levando em consideração que desde muito novas as crianças de bairros

marginalizados já vivenciam situações cotidianas de extrema violência e são expostas às

organizações criminosas organizadas.

Condicionalidade territorial: apenas a jovens do Guajuviras é permitida a participação,

aos que moram em outras regiões de Canoas é vetado o acesso ao programa, independe das

condições sociais.

Condicionalidade escolar: é necessário o ensino fundamental completo ou a concluir,

essa é uma condicionalidade que pune aqueles que não tiveram acesso ao Estado social de

forma ampla, assim como quem não tem condições de permanecer em uma escola seja por

decisão própria, por instituições falidas à sua volta, ou qualquer outra razão. Uma punição em

que pesa a ideia de Wacquant, o Estado punitivo age sobre suas próprias falhas sociais.

Condicionalidade de exposição aos riscos sociais: o que expõe essa condicionalidade é

a tentativa de buscar os jovens em condições mais frágeis. Porém, dentro dessas fragilidades

notamos que há que considerar as outras condições, para só então essa ser analisada. Ou seja,

entre jovens de 15 a 24 anos, com escolaridade de ensino fundamental completo ou a concluir,

que more no Guajuviras e, dentro desses, capta-se os mais frágeis socialmente.

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7.2.3 Mulheres da Paz

Na primeira parte será exposta a lei do PRONASCI, na parte que diz respeito ao

programa Mulheres da Paz, que é o artigo 8º-D, depois o regulamento com as

condicionalidades e, por último, um edital referente ao ano de 2012. Posteriormente será

analisada a tabela e suas especificidades.

Art. 8o-D. O projeto Mulheres da Paz é destinado à capacitação de mulheres socialmente atuantes nas áreas geográficas abrangidas pelo Pronasci.

§ 1o O trabalho desenvolvido pelas Mulheres da Paz tem como foco:

I - a mobilização social para afirmação da cidadania, tendo em vista a emancipação das mulheres e prevenção e enfrentamento da violência contra as mulheres; e II - a articulação com jovens e adolescentes, com vistas na sua participação e inclusão em programas sociais de promoção da cidadania e na rede de organizações parceiras capazes de responder de modo consistente e permanente às suas demandas por apoio psicológico, jurídico e social.

§ 2o A implementação do projeto Mulheres da Paz dar-se-á por meio de:

I - identificação das participantes; II - formação sociojurídica realizada mediante cursos de capacitação legal, com foco em direitos humanos, gênero e mediação pacífica de conflitos; III - desenvolvimento de atividades de emancipação da mulher e de reeducação e valorização dos jovens e adolescentes; e IV - colaboração com as ações desenvolvidas pelo Protejo, em articulação com os Conselhos Tutelares.

Segundo o regulamento, os requisitos são: ter idade mínima de dezoito anos

completos, comprovada pela apresentação de documento pessoal de identidade; ter renda

familiar de até dois salários mínimos; comprovar capacidade de leitura e escrita; e residir em

área que constitua foco territorial do PRONASCI (DECRETO Nº 6.490, 2008).

É necessário também que a candidata ao projeto Mulheres da Paz tenha um perfil que

seja voltado à liderança, ou possua características para desenvolver esse perfil em questão. É

necessário que essas mulheres não estejam em situação de vulnerabilidade social, nem

expostas à violência extrema, pois assim podem desenvolver plenamente as potencialidades

durante a capacitação no projeto (DECRETO Nº 6.490, 2008).

O projeto conta com incentivo financeiro para a manutenção das participantes no

cumprimento integral das atividades. A respeito dos benefícios concedidos às integrantes do

Mulheres da Paz, está especificado abaixo o edital, com seus requisitos para o recebimento da

bolsa de auxílio.

As mulheres selecionadas poderão receber até 12 bolsas, no valor de R$ 190,00 (cento e noventa reais) cada, de acordo com o cumprimento de metas mensais.

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Para fazer jus a percepção do benefício de R$ 190,00, a mulher deverá cumprir as metas individuais determinadas pela coordenação. A Coordenação Nacional estipula como metas mínimas por mês: 12 (doze) visitas / acompanhamento às famílias de seu território; 01 (uma) reunião, palestra ou oficina promovida na comunidade; e 75% de frequência nas capacitações. Fica a cargo da Coordenação Local propor metas específicas para sua localidade, sem desobrigar o cumprimento das metas nacionais.

O benefício será reprovado pelo Coordenador Local nas seguintes situações:

• Aproveitamento insuficiente; • Não cumprimento integral de meta;

Nestes casos a mulher permanecerá no projeto, podendo realizar as atividades nos meses subseqüentes. (Justiça M. d., 2012)

Tabela 6 - Dimensões de análise do Mulheres da Paz

Dimensão Mulheres da Paz

Dimensões Gerais:

Quais as dimensões que

serão observadas no

contexto amplo e geral

da política pública.

(Tratamento do

Inimigo; Finalidade da

ação pública; Prioridade

da ação pública)

Tratamento do Inimigo Não

Finalidade da ação

pública

- Assistência a pessoas dependentes ou

na miséria. “Cidadãos de 2ª classe”

- Classificar e administrar populações

difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação

pública

- Fortalecer os laços sociais

- Suprir falta do Social

Dimensões específicas:

Quais as dimensões

observadas

especificamente em

cada condicionalidade

da política pública.

(Condicionalidade

Panóptica;

Condicionalidade

Exclusiva)

Condicionalidade

Panóptica

Sim

Condicionalidade

Exclusiva

Sim

Tratamento do inimigo: esse tipo de punição não é encontrado diretamente nesse

projeto, visto que as mulheres a quem esse programa é destinado não constituem exatamente o

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estereótipo do inimigo, estando apenas em similitude com o inimigo ao que concerne seu

espaço territorial e condição financeira.

Finalidade da ação pública: percebe-se o Estado caricativo e o Estado penal, expresso

por Wacquant, em sua dimensão de finalidade, visto a existência de assistência a pessoas

dependentes ou na miséria, “Cidadãos de 2ª classe”, tendo também como finalidade a

classificação e a administração de populações difíceis material e simbolicamente, pelo

contexto social em que as participantes do Mulheres da Paz se encontram, principalmente se

atentarmos para o fato de que um dos principais objetivos do projeto é a formação de

lideranças femininas, um seguimentos historicamente oprimido, e o panorama de pobreza que

cerca o território de atuação.

Prioridade da ação pública: em uma primeira visão, parece ser a prioridade de um

Estado-providência, mas ao perceber os pequenos detalhes, como as condições e requisitos,

percebe-se que além de fortalecer laços sociais, como é a prioridade em um Estado-

providência, há também uma grande razão em suprir a falta do social. Sem dúvidas o projeto

fortalece os laços e o papel feminino na comunidade, porém esse fortalecimento vem em

decorrência de uma falha histórica em desenvolvimento social de políticas públicas de

equidade de gênero, de incentivo à emancipação feminina, sendo necessário remediar com

uma política pública destinada apenas a esse seguimento, mas tendo o foco primordial na

segurança pública e em um contexto de prevenção à criminalidade.

Condicionalidade panóptica: o panóptico é dado, nesse caso, aos grupos de trabalho

com coordenação, visto que há sempre a presença da coordenadora durante os encontros, para

monitorar as atividades. Por outro lado, ao formarem os grupos focais elas têm autonomia nos

espaços destinados, como escolas e hospitais, assim ficando longe do controle visual

panóptico, mas mantendo a essência ao relatar à coordenação os tipos de trabalho que

desenvolvem. Essa estrutura perpetua a sensação de observação constante do indivíduo

Condicionalidade exclusiva: os aspectos punitivos exclusivos se encontram em

diversos requisitos do projeto Mulheres da Paz, em sua regulamentação, porém algumas se

diluem quando levadas para a prática. Abaixo algumas das condicionalidades exclusivas

expostas pelos regulamentos.

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90

Condicionalidade etária: as mulheres que podem participar do programa são as que já

atingiram a maioridade, de 18 anos para cima. As mulheres jovens abaixo dos 18 anos são

excluídas da possibilidade de capacitação, independente de qualquer outro requisito.

Condicionalidade territorial: em um primeiro momento, apenas mulheres do

Guajuviras poderiam participar, e às que moravam em outras regiões de Canoas era vetado o

acesso ao programa. Entretanto, após 2012 houve a abertura do edital para o quadrante, que é

formado pelos bairros Igara, Estancia Velha, São José e Holaria. Então se inverteu a situação,

visto que na casa das Mulheres da Paz do Guajuviras a possibilidade de participação nas

capacitações não é mais permitida às mulheres do próprio bairro, culminando em uma

punição de exclusão às integrantes do Guajuviras, onde ocorre o projeto, assim como havia

uma exclusão anterior de território incidindo sobre as mulheres não moradoras do bairro.

Condicionalidade escolar: para ser parte das Mulheres da Paz é necessário ser

alfabetizada, isso é uma condicionalidade que pune quem tem acesso mais precário às

vertentes do Estado social, da mesma forma identificada com os jovens do Geração

Consciente, mas menos punitiva, por excluir um menor número de sujeitos. As pessoas que

não tem acesso à alfabetização, por diversas razões, não serão contempladas com a

possibilidade de participação ao projeto, é novamente o Estado punitivo agindo sobre suas

próprias falhas sociais.

Condicionalidade de exposição aos riscos sociais: contrário ao projeto Geração

Consciente, essas mulheres não devem estar diretamente expostas aos riscos, pois entende-se

que, de acordo com o projeto, o contato extremo com a violência seria um impedimento para

realizar de modo pleno as ações. Desta forma, a punição se torna evidente, as mulheres que

tem fragilidades sociais, e sofrem violência de gênero, não podem ser empoderadas e

participar efetivamente do projeto, apenas tem a possibilidade de receber orientações das

multiplicadoras, sendo as multiplicadoras mulheres privilegiadas em um contexto social

brasileiro de violência abusiva contra a mulher.

O desenvolvimento do projeto e o a ato de suprir as punições: alguns casos em que o

punitivo aparece na lei, mas diluído na prática, foi verificado no Mulheres da Paz ao

conversar com a coordenação dos projetos e com as participantes, como exemplo, a

permanência das mulheres após um ano participando, recebendo da prefeitura a quantia de

100 reais para seguir no projeto.

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As mulheres integrantes que atualmente são do quadrante, seguindo o último edital,

não estão recebendo o repasse do Ministério da Justiça, e a prefeitura está cobrindo, pagando

a mesma quantia que paga às mulheres antigas do Guajuviras. Percebe-se que a prática do

Mulheres da Paz torna-se mais inclusiva, visto inclusive que no próprio projeto não souberam

me informar a existência de um regulamento específico, segue-se os caminhos de redução das

condicionalidades punitivas, como exemplo, a idade mínima de 16 anos, em que a lei

especifica 18 anos. Nem sempre as condicionalidades são impostas na prática.

Segue um exemplo abaixo do edital em que houve a união das mulheres do bairro

Guajuviras e dos outros quatro bairros. Esse é um exemplo em que o município interviu

diante do fato de as mulheres da paz do Guajuviras não possuírem mais a oportunidade de

participar, se responsabilizando com pagar de seu orçamento as bolsas no valor de 100,00

reais. Enquanto para os novos bairros o Ministério da Justiça paga 190,00. Assim como se

percebe a exigência da idade em desacordo com a lei, no edital posto 16 anos, e na lei 18.

Mulheres da paz em 2014:

Para preencher 25 vagas para o bairro Guajuviras e as 20 destinadas aos bairros Olaria, Estância Velha e São José, no Quadrante Nordeste, as interessadas em fazer parte do Mulheres da Paz precisam ter, no mínimo, 16 anos e serem moradoras de um desses bairros. Como incentivo de atividade voluntária, as integrantes recebem uma bolsa que varia de R$ 100,00 a R$190,00 por mês. Com exceção das moradoras do Guajuviras, às dos demais bairros será fornecida passagem (Pinheiro, 2014).

7.2.4 Protejo – Casa das Juventudes

Na primeira parte será exposta a lei do PRONASCI, na parte que diz respeito ao

programa Protejo, que são é o artigo 8º- C. Posteriormente serão apresentadas as medidas de

condicionalidades e a exposição da tabela de análise e suas explicações.

Art. 8º C - O projeto de Proteção de Jovens em Território Vulnerável - Protejo é destinado à formação e

inclusão social de jovens e adolescentes expostos à violência doméstica ou urbana ou em situações de moradores

de rua, nas áreas geográficas abrangidas pelo Pronasci.

§ 1o O trabalho desenvolvido pelo Protejo terá duração de 1 (um) ano, podendo ser prorrogado por igual período, e tem como foco a formação cidadã dos jovens e adolescentes a partir de práticas esportivas, culturais e educacionais que visem a resgatar a auto-estima, a convivência pacífica e o incentivo à reestruturação do seu percurso socioformativo para sua inclusão em uma vida saudável.

§ 2o A implementação do Protejo dar-se-á por meio da identificação dos jovens e adolescentes participantes, sua inclusão em práticas esportivas, culturais e educacionais e formação sociojurídica realizada por meio de cursos de capacitação legal com foco em direitos humanos, no combate à violência e à criminalidade, na temática juvenil, bem como em atividades de emancipação e socialização que possibilitem a sua reinserção nas comunidades em que vivem.

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§ 3o A União bem como os entes federativos que se vincularem ao Pronasci poderão autorizar a utilização dos espaços ociosos de suas instituições de ensino (salas de aula, quadras de esporte, piscinas, auditórios e bibliotecas) pelos jovens beneficiários do Protejo, durante os finais de semana e feriados. ”

Após visto o artigo na lei que trata especificamente do Protejo, vamos analisar o edital,

de acordo com os requisitos do município de Canoas, para o acesso ao projeto. Para participar

do protejo há determinadas condicionalidades, entre elas estão: ser jovem entre 15 e 24 anos,

que estejam inseridos em algumas das determinadas situações: Vulneráveis à violência

doméstica e/ou urbana; em situação de morador de rua; vítimas de criminalidade ou com

familiar nesta condição; em cumprimento de medidas socioeducativas ou de penas

alternativas; egressos do sistema prisional ou de medidas socioeducativas.

Há ainda a previsão de bolsa para os participantes, a bolsa tem o valor de R$ 100,00

(cem reais) mensais durante 12 meses, mediante as condições de assiduidade, que são: Do

primeiro ao terceiro mês, 60% ou mais de presença; do quarto ao sexto mês de 65% ou mais;

do sétimo ao decido segundo 75%, ou mais (juventude, 2013).

Tabela 7 - Dimensões de análise do Protejo

Dimensão Protejo

Dimensões Gerais:

Quais as dimensões que

serão observadas no

contexto amplo e geral

da política pública.

(Tratamento do

Inimigo; Finalidade da

ação pública; Prioridade

da ação pública)

Tratamento do Inimigo Sim

Finalidade da ação

pública

- Assistência a pessoas dependentes ou

na miséria. “Cidadãos de 2ª classe”

- Classificar e administrar populações

difíceis material e simbolicamente.

Prioridade da ação

pública

- Fortalecer os laços sociais

- Suprir falta do Social

Dimensões específicas:

Quais as dimensões

observadas

especificamente em

Condicionalidade

Panóptica

Sim

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cada condicionalidade

da política pública.

(Condicionalidade

Panóptica;

Condicionalidade

Exclusiva)

Condicionalidade

Exclusiva

Sim

Tratamento do inimigo: o tratamento do inimigo, que utilizo como forma de controle

de quem pertence a um grupo considerado grupo perigoso, grupo de risco, é completamente

seguido no Protejo, diante do fato que os jovens em situação de vulnerabilidade social, e

principalmente que estejam expostos a riscos da violência, são aqui o foco principal da ação

de políticas públicas.

Finalidade da ação pública: a finalidade dessa política pública está contida em são

duas das formas expostas por Wacquant, em primeiro do Estado caricativo, que seria a

assistência a pessoas dependentes ou na miséria os, “Cidadãos de 2ª classe”. E em segundo o

que é chamado de Estado penal, como forma de classificar e administrar populações difíceis

material e simbolicamente.

Prioridade da ação pública: a prioridade da ação pública mostra a mesma contradição

exposta em outros projetos, de uma forma busca o fortalecimento dos laços sociais, porém

esse fortalecimento vem para suprir a falta do social. Caracteriza-se, assim, um estado que

busca por via das políticas públicas suprir o social não abrangido pelo estado.

Condicionalidade panóptica: no Protejo há uma estrutura adotada para vigiar os jovens

que dele participam, sendo um dos papeis dos coordenadores em todas as oficinas, e também

a obrigatoriedade da assiduidade, o que nos revela o controle exercido de uma forma visível,

principalmente na condicionalidade para as bolsas, que deixam o projeto controlado.

Condicionalidade exclusiva: as condicionalidades exclusivas são analisadas aqui, entre

elas, exclusão por faixa etária, por foco territorial e o exclusivo por condição social.

Condicionalidade etária: os jovens que podem participar são apenas os entre 15 e 24

anos. Sendo uma política excludente às pessoas que não estão nessa faixa etária.

Condicionalidade territorial: em um primeiro momento a participação é destinada

apenas a jovens do Guajuviras, aos que moram em outras regiões de Canoas é vetado o acesso

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ao programa. Porém nos últimos editais os jovens do Guajuviras foram excluídos da própria

casa da juventude, tal qual o projeto Mulheres da Paz, o protejo também abriu para os quatro

bairros a volta. Isso é uma grande exclusão, visto a proibição dos próprios jovens em situação

de risco participares das oficinas da casa da juventude.

Condicionalidade de exposição aos riscos sociais: ao que expõe essa condicionalidade,

percebe-se a tentativa de buscar os jovens em condições mais frágeis, então esse projeto dá

preferência de participação aos jovens que estejam mais expostos à violência, sendo

privilegiados para o acesso. Nota-se, assim, a tentativa tanto de controle quanto de inserção

social dos jovens de risco. Cabe considerar ainda que o desempate é feito por menor renda,

menor escolaridade, maior número de dependentes e maior idade (juventude, 2013).

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Conclusão

Ao relembrar do início da escrita, em que timidamente desbravava os caminhos da

punição percorridos por Foucault, considero como reflexão mais profunda o entendimento dos

suplícios, dos significados que os permeavam, ter a compreensão profunda de que a punição,

além de destruir vidas, destrói corpos. A expressão (e exposição) corporal como

demonstração daquilo que é considerado moralmente ou civilmente certo para a sociedade, ou

nocivo, se impõe de variadas formas durante a história da existência humana.

Posteriormente, com as modificações de valores sociais e de conjuntura, a sociedade

desembocou em uma organização na qual os suplícios não mais expressavam o cerne da

punição, era necessário mais, punir internamente, muito além de destruir a carne e mostrar o

sangue para que a população temesse, era impreterível marcar internamente a pessoa, a ponto

de ela jamais ousar repetir, por feridas profundas sensivelmente mais complexas do que as

cicatrizes corporais e palpáveis.

O mal foi banalizado, de tantas formas, como já expos Hannah Arendt. Nós,

humanos, sociedade, deixamos de refletir, ignoramos a condição humana, e nisso o

banalizamos. Foram criados e recriados um sem fim de mecanismos para ter o poder de

controlar, vigiar e punir. A percepção da existência desse controle por todos os lados, de uma

sociedade panóptica, comumente é ignorada, devido, em muitas coisas, a apetrechos de

manipulação, ou ainda por certas formas possuírem caráter mais subjetivo.

Decidi utilizar a sociedade panóptica como forma de reflexão, e colocar como

hipótese essa sociedade ser puramente uma forma de controle, com o intuito de perceber se

haviam traços punitivos ao analisar esse controle. Ao delimitar que o controle exercido é, por

si só, uma punição, abdiquei de meus pensamentos anteriores a respeito, e mantive apenas a

compreensão de que controle e punição estão correlacionados.

Ao ampliar o estudo além de Foucault, me deparei com Garland, e nele captei uma

nova instituição social, a instituição da punição, complexa e com lutas ideológicas fortes. As

ramificações da punição se enlaçam com as demais instituições pertencentes à sociedade,

como a família, base constituinte da nossa forma de organização social, que também é

permeada pela punição e segue a lógica punitiva. A complexidade desse laço também

aumenta atrelada à mídia, que possui um forte poder de dominação social, se retroalimentando

da instituição punitiva. No campo carcerário, a preocupação com os prisioneiros e, em

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contrapartida, a utilização política da punição como um dos pilares sociais, para legitimar

discursos e políticas de controle segregacionista, demonstram o embate entre ideologias, que

tem escalado degraus de interesse na opinião pública.

Ainda mantemos os suplícios, e a mídia é um dos instrumentos de expor para a

população o que acontece com quem ultrapassa a linha entre o moralmente ou legalmente

correto e a ilegalidade, o comportamento desprezível. Essa ampla teia complexa nos leva a

maiores punições, maiores gastos no sistema penal, para ter a impressão de que algo está

sendo feito para punir os desviantes e proteger, ou legitimar, os cidadãos corretos.

Na era pós-moderna, como definido por Garland, surgem diversas formas de

controles estatais sobre o cidadão, como forma de previdência e de punição. Essas formas

fazem questionar o quanto a dependência apenas mudou de local, passando a ser estatal, por

meio de variados mecanismos. Assim, há um novo setor, o setor governamental, que busca

prevenir os crimes e controlando a população.

Essas construções me possibilitaram entender melhor a ideia de Wacquant das

diferenças entre os Estados. Em sua teoria percebi não apenas a ideia de um Estado Penal

crescente, mas também que ele cresce silenciosamente adotando formas que não nos parecem

punitivas em um olhar inicial, mas ao averiguarmos melhor, não focando apenas em uma

única ótica, elas o são. Uma dessas formas são os projetos sociais que visam o controle da

população que é considerada perigosa, projetos esses largamente comuns no Brasil, com o

suposto intuito de suprir a má implementação do ideal de um Estado-providência.

Esse perigosismo é encontrado em Zaffaroni, que mostra o quão banal é essa punição

do inimigo hoje em dia, em uma América Latina que criminaliza o pobre e o negro. Os

inimigos necessitam ser vigiados, controlados, sobre todas as formas. O Estado se

burocratizando maciçamente, inventando mais formas de mantê-los regrados, mais condições

e restrições, para cada vez mais vigiar, controlar e punir.

Os inimigos, que tem que ser controlados em prol da proteção do cidadão, o cidadão

de bem, provocam a insegurança social ao sair em espaços públicos, ao confrontar o cidadão

por estar dividindo os mesmos espaços que ele. Essa constante vigia em tudo aquilo que traz a

sensação de sujeira à sociedade, de desordem, leva a uma constante punição dos excluídos

socialmente.

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Construir a reflexão para definir que traços fazem de uma política punitiva ou não foi

um processo árduo, principalmente perceber punições contrastantes com a administração da

segurança, visto que ter o monitoramento de quem está exposto à violência é, também, uma

forma de suprir o Estado social que não foi satisfatoriamente desenvolvido pelo Estado nessas

zonas. É tênue a linha que separa o controle do inimigo e a tentativa de reinserção da falta do

Estado social, uma via de mão dupla na qual de um lado estende a mão enquanto do outro

puxa a coleira.

Em muitas das políticas públicas analisadas houve uma grande dificuldade para

separar o controle punitivo e as políticas que visam suprir o social não dado. Ao começar esse

projeto de pesquisa, que sofreu algumas alterações ao seu caminho percorrido, não percebi até

onde me levava, por isso a busca se tornou um grande aprendizado por si só. Visto isso, não

havia uma certeza quanto a que resultado chegaria e de que forma seria possível analisar a

punição presente na estrutura e funcionamento do Território de Paz, mesmo no projeto social

que eu considerava, particularmente, um dos mais educativos ao público que realmente

necessitava.

Loïc Wacquant esclareceu o fato de que algumas vezes as punições estão nas

entrelinhas, entrelinhas de leis, de regulamentos, de burocracias e até mesmo do falar. As

linhas nem sempre foram visíveis, e dificilmente separa-se o que socializa e o que pune.

Diversas vezes alguma condicionalidade era vista pelo viés social, porém ao perceber o que os

autores estudados mostravam, eu a enxergava de outra forma, e do mesmo modo acontecia

com as atitudes empregadas por quem coordena os projetos, ou apenas os cumpre em sua

integralidade, ou não.

Analisando os pormenores da legislação dos projetos encontramos diversos traços

punitivos, traços esses que foram escondidos ou contornados pelos organizadores, como

forma de maior contemplação, visto que na prática não são aplicados. Percebe-se aí um

Estado que pune, mas ao mesmo tempo um desenvolvimento dos projetos por pessoas que

tentam suprir a punição do Estado de uma forma mais aberta, tentando perceber a necessidade

de quem nem sempre completa os requisitos para ser contemplado por uma ação.

As ações do PRONASCI nem sempre são punitivas em suas condicionalidades, ainda

se tratando de bairros em que estejam com índices altíssimos de violência. Porém, temos uma

certeza, após a análise, que o Estado controla, nas suas leis, sua população a quem destina as

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políticas públicas, e também que tenta estratégias de suprimento da falta do Estado social nos

bairros mais violentos.

Podemos dizer que a análise das punições trouxe uma inquietação, e traz a questão de

que o Estado, mesmo em suas formas sociais, carrega diversos traços de um Estado punitivo,

um Estado controlador, que vigia e que pune em diferentes esferas. A contradição se faz

presente no levantamento de exigências que o próprio Estado não foi capaz de suprir,

acarretando na exclusão das pessoas dos projetos que seriam a própria forma de ultrapassar a

barreira da falta de acesso. Esse viés punitivo nos traz a sensação de manter uma quantidade

de pessoas, por mais esforço que se faça, sempre à margem da sociedade.

Das dimensões punitivas analisadas, o único projeto que não se encaixou

completamente em todas foi o Mulheres da Paz, pela razão do tratamento do inimigo. Esse

projeto não tem em foco o inimigo da sociedade, portanto não visa o controle do mesmo. Em

outros aspectos isso pode ser punitivo, porém aos aspectos analisados de tratar o inimigo com

controle, não. Cabe ressaltar que não apenas os projetos, mas também o próprio PRONASCI

tem essa visão de reprimir mediante o controle dessa parte da população que se encontra em

risco de violência.

Na finalidade da ação pública, entre as opções de universalidade de direitos,

assistência a pessoas dependentes ou na miséria, e classificar e administrar populações difíceis

material e simbolicamente, o único não encontrado nas ações é a universalidade de direitos,

que Wacquant define como a finalidade do Estado-providência. Fica claro o Estado caricativo

presente e o aumento do Estado penal ao analisar as ações.

Pouco diferente da análise anterior, a prioridade da ação pública é mais difícil de ser

visualizada, há, sim, uma prioridade de fortalecer os laços sociais, porém, em confronto com

suprir a falta do social, o último se sobrepõe de maneira generosa. Em todos os aspectos os

projetos buscam suprir a falta do Estado social dentro desses bairros.

Nas últimas duas análises, o panóptico está por todos os lados. Controle de

assiduidade, controle de requisitos, controle de grupos, entre tantos controles exercidos pelo

Estado. Entretanto, ao estar presencialmente no bairro percebe-se um pouco da liberdade

conquistada, de aos poucos o controle passar a ser substituído por uma confiança. Contudo, na

lei quem assume totalmente a ação é o modelo panóptico.

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Em uma última análise, dos requisitos e condicionalidades, todos estão presentes com

alguma punição. O Protejo é o que menos demonstra, visto ter como intuito captar os jovens

de maneira a que o primeiro a ser capacitado seja o em maior situação de risco. Porém, a

medida em que o foco sai do Guajuviras e abarca-se outros bairros, pune-se esses jovens. Os

coloca novamente à margem dentro de seus próprios bairros.

Uma análise mais a fundo desses projetos em seu âmbito de desenvolvimento pode

trazer diferentes perspectivas; na lei, a ideia é clara. Os projetos sociais são exercidos como

forma de controle, para suprir o Estado social falho, em tentativa de prevenir a entrada na

criminalidade, assumindo a ideia de periculosidade presumida, para assim vigiar e diminuir a

sensação de insegurança social.

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