Upload
ariadnepiresbarbosa
View
224
Download
4
Embed Size (px)
DESCRIPTION
ARTIGO SOBRE FALSIFICAÇÃO DE OURO NO SÉCULO XVIII
Citation preview
PAULO CAVALCANTE
Eu quero éouro!HaviaSRQPONMLKJIHGFEDCBAm i l e uma maneiras -dedesviar as riquezas descobertas naColônia.D e religiosos a governadores,todo mundo dava um jeitod e
enriquecer sem pagar imposto
X T R A IR O U R O E D IA M A N T E S C U M P R IN D O A S R E G R A S
e p a g a n d o o s im p o s to s e s t ip u la d o s p e lo E s ta d o o u
fa z ê - I a d e m o d o i l íc i to , p ra t ic a n d o o d e s c a m in h o .
E s ta s e ra m a s d u a s fa c e s d o m e sm o m o v im e n to , c u -
jo n o m e é e x p lo ra ç ã o . N a s M in a s G e ra is d o f in a l d o
s é c u lo X V I I e d a s p r im e i r a s d é c a d a s d o X V I I I ,to d o s
q u e r ia m o u ro . A q u a lq u e r p re ç o .
O s p ró p r io s re p re s e n ta n te s d o E s ta d o p o r tu g u ê s -
g o v e rn a d o re s , o u v id o re s , p ro v e d o re s e tc . - , c u ja
m is s ã o e ra d is c ip l in a r a e x t r a ç ã o e a s s e g u ra r a o r -
d e m so c ia l , c o n t r ib u ía m p a ra d e s v ia r a s r iq u e z a s d a
F a z e n d a R e a l ( a R e c e i ta F e d e ra l d a é p o c a ) .
O rd e n a r a e x t r a ç ã o s ig n i f i c a v a e s ta b e le c e r a d e -
~ n « i f ! .
s o r d e m d a e x p l o r a ç ã o . O f u n c i o n á r i o e m p e n h a -
d o e m d a r c a b o d e " e x e c r a n d o s d e l i t o s " ( d e s c a -
m i n h o s e c o n t r a b a n d o ) p r e c i s a v a c o n v i v e r c o m
e l e s p a r a m e l h o r e x t i n g u i - l o s . O f u n c i o n á r i o q u e
c u n h a v a a s m o e d a s d e n t r o d a C a s a d a M o e d a f a l -
s i f i c a v a - a s p o r f o r a . O h o m e m d e n e g ó c i o s q u e
a r r e m a t a v a o s c o n t r a t o s e f a z i a o s p a g a m e n t o s
p r o m e t i d o s à F a z e n d a R e a l s o n e g a v a o g ê n e r o -
s a l , p o r e x e m p l o - o u d a v a l i v r e t r â n s i t o a o o u r o
e m p ó , n o c a s o d o c o n t r a t o d a s p a s s a g e n s ( u m a
e s p é c i e d e p e d á g i o d a é p o c a ) .
O s d e s c a m i n h o s e r a m n u m e r o s o s e v a r i a d o s .
Q u a n t o m a i s o E s t a d o p o r t u g u ê s a p e r t a v a o c e r c o
p a r a a s s e g u r a r a s u a a r r e c a d a ç ã o , a í m e s m o é q u e
o s d e s v i o s d o o u r o p r o s p e r a v a m , c o m e x t r e m a c r i a -
t i v i d a d e . O s e n s o c o m u m t o r n o u n o t ó r i a a i m a g e m
d o s a n t o d e p a u o c o c o m o s í m b o l o m a i o r d o s d e s -
c a m i n h o s . I m a g e n s o c a s d e s a n t o s s u p o s t a m e n t e
r e c h e a d a s d e o u r o e d i a m a n t e s n o s s e r v e m m a i s
c o m o e x p l i c i t a ç ã o d a c o n t r a d i ç ã o e n t r e d o i s t r a ç o s
c o r r e n t e s n a s o c i e d a d e c o l o n i a l - o f e r v o r r e l i g i o s o
e a c o b i ç a m a t e r i a l - d o q u e c o m o c o m p r o v a ç ã o d e
p r á t i c a s r e l e v a n t e s d e e v a s ã o .
C o m o a s o c i e d a d e c o l o n i a l e r a e s c r a v i s t a , o s t r a -
b a l h a d o r e s n e g r o s e n c a r r e g a d o s d a m i n e r a ç ã o
e r a m v i s t o s c o m o o s p r i n c i p a i s " p a s s a d o r e s " ( d e s -
c a m i n h a d o r e s ) d e o u r o e d i a m a n t e s . O u r o e m p ó
s a l p i c a d o n o c a b e l o d e m u l h e r e s n e g r a s , p e p i t a s e
d i a m a n t e s d e s v i a d o s n o p e q u e n o c o m é r c i o d o s p o -
v o a d o s e d a s l a v r a s - e s p e c i a l m e n t e p e l a s c h a m a -
d a s " n e g r a s d e t a b u l e i r o " , q u e v e n d i a m c o m i d a s e
b e b i d a s - t a m b é m f o r a m m o d o s d e d e s c a m i n h a r a
r i q u e z a e x t r a í d a d a t e r r a . E s t e ú l t i m o e r a t ã o f o r t e
e d i s p e r s o q u e f o i o b j e t o d e u m a p r o i b i ç ã o p u b l i c a -
d a e m 3 1 d e j u l h o d e 1 7 3 3 , n o A r r a i a l d o T i j u c o , p e -
l o o u v i d o r g e r a l J o s é C a r v a l h o M á r t i r e s :
N a p á g i n a a o l a d o ,
o f i c i a l d a C a v a l a r i a d e
M i n a s G e r a i s d a
s e g u n d a m e t a d e d o
s é c u l o X V I I I : s o l d a d o s
c o n t r a b a n d e a v a m
o u r o e m p ó e s c o n d i -
d o n o s b o t õ e s d e
s u a s f a r d a s .
A mineração mobilizava menos de 5% da população
de Minas GeraisDCBA
M a n d o q u e n e n h u m a p e s s o a d e q u a l q u e r q u a l i d a d e
o u c o n d i ç ã o q u e s e j a m a n d e e s c r a v a s o u e s c r a v o s v e n d e r
d o C o r g o d a s L a g e se m d i a n t e , g ê n e r o a l g u m d e c o m e s t í -
v e i s , o u b e b i d a s ; p e n a d e q u e t o d a a e s c r a v a o u e s c r a v o
q u e f o r a c h a d o d o l u g a r r e f e r i d o e m d i a n t e , v e n d e n d oo s
r e f e r i d o s g ê n e r o s , s e r p r e s a , e p a g a r e m s e u s s e n h o r e s c e m
m i l r é i s d e c o n d e n a ç ã o (. . . ) a l é m d e s t a p e n a s e r ã oo s d i t o s
e s c r a v o s a ç o i t a d o s n o l u g a r m a i s p ú b l i c o d e s t e A r r a i a l .
O u t r a f o r m a m u i t o e f i c a z d e d e s v i o f o i a f a b r i -
c a ç ã o d e c o l a r e s p a r a e v i t a r o p a g a m e n t o d o q u i n -
t o . R e c h e a d a s d e c o l a r e s o u c o r d õ e s , a s p e s s o a s
c i r c u l a v a m e p r o p i c i a v a m a f u g a d o o u r o p a r a P o r -
" N a S e r r a d a E s t r e l a " ,
a q u a r e l a d e T h o m a s
E n d e r q u e m o s t r a u m
t r e c h o d o p e r c u r s o
p a r a a s m i n a s : a p e s a r
d a v i g i l â n c i a d o s
a g e n t e s m e t r o p o l i t a -
n o s e d a e x i s t ê n c i a
d e r e g i s t r o s , c a m i n h o s
c l a n d e s t i n o s p e r m i t i -
r a m o d e s c a m i n h o
d o o u r o .
I
I '"ossrejihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" '_ il!E~_.2JO Q8
tugal em seu próprio corpo . O recurso fo i c lassif i-
cado por funcionários da Coroa com o "m ui cav ilo -
50" (ard iloso). Estava claro que "os ta is cordões não
servem para uso e ornato das pessoas, senão para
por este m eio usurparem os d itos qu in tos", con-
c lu iu o re i D . Pedro li em 1698.
A m aneira m ais espetacu lar de desv iar ouro era
a fa lsif icação de m oedas. Encontravam -se m oedas
fa lsif icadas de d iversos tipos: vazada, cerceada (eu-
jas bordas eram raspadas para se ficar com o ouro),
com peso reduzido ou fund ida com metais conside-
rados baixos (com o cobre, n íquel e estanho).
Em 1708, o ju iz da Casa da M oeda do R io de Ja-
neiro in fo rm ou ao Conselho U ltram arino que re-
cebera qu inze m oedas de ouro de 4 m il ré is pro-
ven ien tes de São Pau lo para serem exam inadas
por parecerem falsas. Feito o exam e, constatou-se
a fraude. Suspeitava-se que as ta is m oedas hav iam
sido cunhadas na fábrica de um estrangeiro . O as-
sun to era sum amente grave, não só porque as
m oedas pod iam enganar m uita gente, m as tam -
bém porque a presença de estrangeiros na costa
ao su l do R io de Janeiro com eçava a se in tensifi-
car, e a possível insta lação de um a fund ição fa lsa
seria um indesejável sinal de enra izam ento des-
ses fo raste iros.
M as a fábrica de m oedas fa lsas de que realm en-
te se tem notíc ia não fo i obra de um estrangeiro .
Resu ltou da ação de um "bom português", Inác io
de Souza Ferre ira, e de um a grande rede de rela-
ções operando sob a pro teção insuspeita do pró-
prio governador das M inas Gerais, D . Lourenço de
A lm eida (1721-1732), e configurando um a "socieda-
de de contraband istas" com conexões in ternacio -
nais. D . Lourenço, a propósito , retom ou riqu íssim o
a Portugal, com bagagem reluzente, no fim do seu
governo . Estes sim , e não os escravos, fo ram os
grandes descam inhadores. N este caso , a m oeda era
fa lsa, m as não era ru im . O u m elhor, só era fa lsa
porque não hav ia sido cunhada na fábrica o fic ia l.
A o que tudo ind ica, a m oeda da fábrica de Inácio
era de qualidade, e certam ente teve grande aceita-
ção e circu lação (saiba m ais na pág ina 34).
A inda assim , a preocupação_~om os estrangei-
ros era pertinen te. A fina l, a in tensa concorrência
com erc ia l en tre os Estados europeus to rnou-se
particu larm ente desafiadora para Portugal quan-
do fo ram descobertos ouro e d iam antes na sua co-
lôn ia am ericana. E ra para M inas que todos que-
riam ir. A fa lsif icação de m oedas tinha o ob jetivo
de retirar d iretam ente o ouro da co lôn ia, desv ian-
do-o do m undo português. E essa prática não se li-
m itava à América. Isso já hav ia ocorrido na Costa
da M ina, na Á frica, no in íc io do sécu lo XV III. O-c
6 problema é que tanta gente estrangeira, de dife-~~ ren tes procedências (franceses, ing leses, espa-u
i5 nhó is, ho landeses, etc .), iam e v inham à costa da~~ América, e eram tão vu ltosos os desv ios que se te--c
~ m ia não só o descam inho, m as a perda do centro -
2 le das próprias Minas para uma associação entre
~ -" - .' ~. "" ... "" ~~Os vários modos do verbo furtarMLKJIHGFEDCBA
T a n to q u e lá c h e g am , c om e ç am a fu r ta r
p e lo m o d o in d ic a t iv o ,p o r q u e a p r im e i r a in -
fo rm a ç ã o q u e p e d em a o s p r á t ic o sé q u e
Ih e s a p o n tem e m ostrem osc am in h o s p o r
o n d e p o d em a b a r c a r tu d o . F u r ta m p e lo
m o d o im p e r a t iv o , p o r q u e ,com o têm o m e-
ro e m is to im p é r io , to d o e le a p l ic a m d e sp o ~
t ic a m e n te à s e x e c u ç õ e s d a r a p in a . F u r ta m
p e lo m o d o m a n d a t iv o , p o r q u e a c e i ta m
q u a n to Ih e s m a n d am ,e, p a r a q u e m a n d em
to d o s , os q u e n ã o m a n d am n ã o sã o c e e i -
to s . F u r ta m p e lo m o d o o p ta t iv o , p o r q u ede-
se ja m q u a n to Ih e s p a r e c e b eme, g a b a n d o
as c o is a s d e se ja d a s aos d o n o s d e la s , p o r
c o r te s ia ,sem v o n ta d e , as io z em suas. h s -
ta m p e lo m o d o c o n ju n t iv o , p o r q u e a ju n ta m
o se u p o u c o c a b e d a lcom o d a q u e le s q u e
m a n e ja m m u i to ,e b a s ta só q u e a ju n tem a
su a g r a ç a , p a r a serem q u a n d o m e n o s
m e e i r o s n a g a n ô n c ia . F u r ta m p e lo m o d o
p o te n c ia l , p o r q u e ,sem p r e te x to n em c e t i -
m ô n ia , usam d e p o tê n c ia . F u r ta m p e lomo-
d o p e rm is s iv o , p o r q u e p e rm i tem q u e o u tr o s
fu r tem , e estes c om p r am o s p e rm is s õ e s .
F u r ta m p e lo m o d o in ~ n i t iv o , p o r q u e n ã o
têm o ~m o fu r ta r com o ~m d o g o v em o ,e
sem p r e lá d e ix a m ra íz e sem q u e se v ã o
c o n t in u a n d o os fu r to s . E s te s mesmos mo-
d o s c o n jU R am p o r to d a sas p e s so a s , por-
q u e a p r im e i r a p e s so a d o v e r b oé a su o , o s
se g u n d a s os seus c r ia d o s , e a s te r c e i r o s
q u a n ta s p a r a is s o têm in d ú s t r iae consoén-
c io . F u r ta m ju n ta m e n te p o r to d o sos tem -
p o s , p o r q u e o d o p r e se n te - q u eé o se u
tem p o - c o lh em q u a n to d á d e s io t r iê n io ;
e p a r a in d u í r em n o p r e se n teo p r e té r i to e
fu tu r o , d o p r e té r i to d e se n te r r a m c r im e s , d e
q u e v e n d em os p e r d õ e s ,e d ív id a s esqueo-
d o s , d e q u e se p a g am in te i r a m e n te ,e d o
fu tu r o em p e n h am as r e n d a s e a n te c ip a m
os c o n t r a to s , com q u e tu d o o c a íd o e n ã o
c a íd o Ih e s v êm a c a i r n a s m ã o s . F in a lm e n ~
te , n o s m e sm o s tem p o s , n ã o Ih e s e s c a p am
os im p e r fe i to s , p e r fê i to s ,plus quam p e r fe i~
to s , e q u a is q u e r o u t r o s , p o r q u e fU r ta m , fU r ~
ta r a m , fu r ta v am , fu r ta r ia m e h a v e r ia m d e
fu r ta r , se m a is h o u v e s se .Em sum a , q u e o
r e s um o d e to d a e s ta r a p a n te c o n ju g a ç ã o
v em a ser osu p in o d o m e sm o v e r b o :a fu r ~
tar p a r o fu r ta r . E q u a n d o e le s têm c o n ju g a ~
d o a s s im to d a o v o z a t iv a ,e o s m is e r á v e is
p r o v ín c ia s s u p o r ta d o to d a a p a s s iv a , e le s ,
com o se t iv e r a m fe i to g r a n d e sserv iços, to r -
n a m c a r r e g a d o s d e d e sp o jo se r ic o s ;e e la s
~ c am ro u b a d a s ,e c o n sum id o s .
("Sermão do Bom Ladrão", do padre
Antônio Vieira, 1655)
co lo n o s e es tra n g e iro s , em p a r t ic u la r o s f ra n ce -
se s . E sse é o l im ite e x trem o d o co n v ív ío en tre o r -
d em e d eso rd em , en tre c om é rc io le g a l e d e scam i-
n h o s : q u an d o es te s am eaçam o n eg ó c io p o r tu g u ês
d a co lo n iz a ção .
A s i le g a l id ad es seg u iam um a ló g ic a m e rcan t i l .
O o u ro i l íc i to im ed ia tam en te en tra v a n o c irc u i to
c om e rc ia l g e ra l . P o r e x em p lo : o o u ro sa íd o d o s r i-
b e iro s d e s im p ed ia -se d o s co n tro le s lo c a is , v en c ia
a s se r ra s d a M an tiq u e ira e d o M a r , p e rp a ssa v a o s
reg is tro s n a s p assag en s d o s r io s P a ra ib u n a e P a ra í-
b a , e n tra v a n o R io d e Jan e iro , d e sv en c i lh a v a -se d e
n o v o s co n tro le s , a lc an ça v a o s n eg o c ia n te s e s tra n -
g e iro s , d e sem ba ra ça v a -se d a A lfâ n d eg a , em b a rc a v a
n o s n av ío s d a f ro ta , a p a r ta v a n as i lh a s d o A tlâ n t i -
c o o u em L isb o a , d e sem ba ra ça v a -se n o v am en te d a
A lfâ n d eg a , p ro sseg u ia p a ra L o n d re s o u A m s te rd ã ,
e d e lá rum av a n o s n av ío s an g lo -h o la n d eses reu n i-
d o s n o ch am ad o "c om bo io d e E sm irn a " (o u Izm ir )
em d ire ç ão ao M ed ite r râ n eo , p a ra o in te rc âm b io
n e s te e em ou tro s p o r to s d a p en ín su la d a A n a tó l ia
(T u rq u ia ) , a o s q u a is c h eg av am as ro ta s com e rc ia is
te r re s tre s d o L ev an te com sed as d a P é rs ia , e n tre
o u tro s a r t ig o s .
O m a io r b en e f ic io d o a to d e d r ib la r a le i e ra e v í-
ta r o p ag am en to d o q u in to - o s 2 0% dev íd o s ao re i
- , c u jo " re c ib o " e ra um cu n h o rea l, m a rc ad o n a b a r -
ra d e o u ro o f ic ia lm en te fu n d id a . P o r isso , um d o s
m a is en g en h o so s e b em -su ced id o s d escam in h o s e ra
fa ls i f ic a r o p ró p r io c u n h o . A p o sse d e um cu n h o fa l-
so g a ran t ia ao seu d o n o o p o d e r d e le g a l iz a r to d a e
q u a lq u e r b a r ra fu n d id a sem qu e o E s tad o seq u e r
sen t is se o ch e iro d a su a p a r te d e v id a . U m do s caso s
m a is in te re ssan te s d e fa ls i f ic a ção aco n te ceu em S ão
P au lo em 16 9 8 . O s au to re s d a f ra u d e fo ram o v ig á -
r io d e T au b a té , Jo sé R o d r ig u e s P re to , um m on g e b e -
n ed it in o ch am ad o R o b e r to e um ce r to D om in g o s
D ia s d e T o rre s . N ad a su rp reen d en te q u e h om en s d e
re l ig iã o d e ix a ssem de la d o su as p r io r id ad es e sp ir i -
tu a is p a ra d a r g o lp e s d o g ên e ro . A co b iç a n ão d isc r i -
m in a v a co n d iç ão so c ia l o u c red o . E e le s a in d a se b e -
n e f ic ia v am de um p r iv i lé g io le g a l: o s re l ig io so s n ão
p o d iam se r p u n id o s p e lo g o v e rn ad o r , p o is e s ta v am
fo ra d a su a ju r isd iç ão . M as , a ss im com o b u r la r a le i
e ra p rá t ic a d issem in ad a , c um p r ir o s r i to s ju r id ic o s
tam b ém não e ra tã o o b r ig a tó r io . R esu lta d o : o s en -
v o lv id o s fo ram p re so s p e lo g o v e rn ad o r A r tu r d e S á
e M en eses (1 6 9 7 -1 7 0 2 ) . L o g o em seg u id a , fu g iram .
M a is ta rd e , o re i D . P ed ro I l , " o P ac íf ic o " , re so lv eu
p e rd o a r a to d o s e d e ix a r p o r isso m esm o : "V o s o rd e -
n o q u e to ca ao tem p o p assad o se n ão fa le m a is n e s -
te d e l i to " , e sc re v e ao g o v e rn ad o r em 1 7 0 0 .
O s p o p u la re s san to s
d e p au o co são m a is
re p re sen ta t iv o s d a
co n tra d iç ão en tre fé
e co b iç a d o q u e d a
p ra t ic a d o co n tra b an -
d o d e o u ro e d ia -
T am an h a m ise r ic ó rd ia n ão fo i c a so iso la d o .
A f in a l , ig n o ra r n o rm as e d ec re to s e ra com po r ta -
m en to ro t in e iro a té en tre o s ag en te s d o E s tad o .
B om ex em p lo é a p ró p r ia c r ia ç ão d as ca sa s d e fu n -
d iç ão p a ra a r re cad a r o q u in to . E la s fo ram in s t i tu í-
d a s em M in as p o r um b an d o p u b l ic a d o em V ila R i-
c a n o d ia 1 8 d e ju lh o d e 1 7 1 9 , c o n fo rm e a le i d e
1 4 d e fe v e re iro d e 1 7 1 9 . E n tre ta n to , só fu n c io n a -
ram d e fa to a p a r t i r d e 10 d e fe v e re iro ~ e 1 7 2 5 . P o r
q u ê? P o r c au sa d a re s is tê n c ia d o s p o ten ta d o s lo -
c a is . N in g u ém qu e r ia v e r a su a p a r te ' d o b u t im d i-
rn an te s .
Guardas da fiscalização transportavam ouro em
pó escondido nos botõesd e seus uniformes
m in u íd a . M as n ão h o u v e je i to , e ju n tam en te com
as fu n d iç õ e s v e io a o rd em de p ro ib ir a c irc u la ç ão
'd e o u ro em pó (p o r su a n a tu re za , m u ito fá c i l d e
co n tra b an d ea r ) . N em po r isso o o u ro d e ix o u d e es -
c o r re r p o r en tre o s d ed o s d o E s tad o : seu s g u a rd a s ,
n o s reg is tro s , tra n sp o r ta v am ile g a lm en te aq u e la
p u lv e r iz a d a r iq u e za ... e sco n d id a d en tro d o s b o -
tõ e s d o s u n ifo rm es !
Saiba MaisZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F U R T A D O , ju n ia F e r re ira .
O livro da capa verde:lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo
R e g im e n to D ia m a n t in o d e
1 7 7 1 e a v id a d o D is tr ito
D ia m a n t in o n o p e r ío d o
d a R e a l E x tra ç ã o . S ã o
P a u lo :A n n a b lu m e , 2008.
M E L L O E S O U Z A , L a u ra
d e . Desclassificados doO u -
ro: a pobreza mineira no
s é c u lo X V II I . 4 ' ed. rev .
a m p l. R io d e ja n e ir o :
G r a a l, 2004.
V I E I R A , A n t ô n io .Escritos his-
tóricos e políticos.S ã o P a u lo :
M a r t in s F o n t e s , 1 9 9 5 .
ossiê
A ousad ia dos descam inhos do ouro não conhe-
c ia lim ites. O lance m ais espetacu lar ocorreu na
presença do próprio re i D . João V . A sua qu in ta par-
te arrecadada dos m ineradores de C uiabá em 1727
hav ia sido acond ic ionada em quatro cunhetes (cai-
xo tes de m unição de guerra). R echeados de ouro ,
e les, obv iam ente, estavam m uito bem pro teg idos:
guardados em cofres-fo rtes, sob a rig ida v ig ilância
de m uitos guardas, fo ram co locados com toda a ce-
rim ôn ia jun to ao trono do rei, sob o o lhar cob içoso
do séqü ito de cortesãos e representan tes estrangei-
ros. N o m om ento em que D . João ordenou a aber-
tu ra dos cofres ... surpresa geral: o ouro hav ia desa-
parecido ! E m seu lugar, d ian te de todos, revelou-se
aos pés de Sua M ajestade um m etal nada nobre - o
chum bo. D á para im ag inar a cara re i ...
M as a m elhor época para a prática corriqueira
dos desv ios era a das fro tas. N av ios fundeados, a l-
fândegas abarro tadas e m ercadores por toda parte:
O s furtos e desvios não eram coisa de negro
nem de pobre. Não eram vício moral nem sinal
de cultura bastarda. Eram uma prática
branca, européia
C asa da In tendência e
Fund ição de Sabará,
atual M useu do O uro :
ev itar pagar o qu in to
era um dos expe-
d ien tes m ais vanta jo -
sos para os que bur-
lavam as le is do reino .
no caudal das gentes flu íam os negócios conform e
acertos e desacertos. T udo tão grave e insó lito que
o governador do R io de Janeiro , L u ís V ah ia M ontei-
ro (1725-1732), um dos m aiores com batentes con-
tra os descam inhos, sugeriu que se pusesse sob
contrato o serv iço das "tom ad ias", isto é, as opera-
ções de repressão aos descam inhos. V ah ia propôs
ao rei que, tão logo a fro ta ancorasse e os nav ios es-
tivessem pro teg idos pelos guardas, e le deveria
"m andar pôr E d ita is para arrendar astomadias do
ouro em pó porque estou certo que o contratador
achará os m eios para o descobrir, e sem pre fa ltam
quando as adm in istrações se fazem para Sua M a-
jestade adonde todo m undo é libera l em furtar, e
m uito m ais em dissim u lar os furtos". N a prática, is-
so sign ificava, em term os atuais, a privatização do
poder coerc itivo leg itim am ente exerc ido pelo E sta-
do . U m a to ta l inversão.
A o contrário de yah ia, quantos governadores
não d iv id iram sua lealdade entre o re i e seus pró-
prios bo lsos, ou m elhor, as suas "casas"? A "casa"
em questão com punha-se não só da fam ília , com o
a com preendem os ho je, m as de todas as dem ais
pessoas ligadas por laços de sangue e de afin idade
que grav itavam em tom o dela. Pelo poder do ouro ,
as "casas" das autoridades cresciam e aum entavam
seu prestíg io socia l. T antos o faz iam , e de m odo tão
exp líc ito , que um dos m ais destacados hom ens do
m undo português na época m oderna, o padre A n-
tôn io V ie ira (1608-1697), ded icou-lhes um a parte
do fam oso "Serm ão do B om L adrão" (ver box).
O que conclu ir d isso tudo? O rei abso lve os des-
cam inhadores. G overnadores e ofic ia is fu rtam em
todos os tem pos e por todos os m odos. E ntão , será
que o descam inho é m esm o um a aberração do pro-
cesso? O u um a caracteristica ineren te e ind ispensá-
vel à própria co lon ização? Provavelm ente, é a se-
gunda h ipó tese. A ex tração de ouro e d iam antes
apenas potencia lizou um a característica presente
na C olôn ia desde o in íc io .
N ão era co isa de negro nem co isa de pobre. N ão
era v íc io m oral nem sinal de cu ltu ra bastarda. E ra
prática branca, européia, chegou à A m érica com a
expansão com erc ia l e com o processo de form ação
do cap ita lism o, e aqu i contribu iu , desde o prim ei-
ro m om ento , para a institu ição da sociedade co lo -
n ia l. Por isso suas raízes são tão pro fundas.
A prática do descam inho e o cham ado exclusivo
com erc ia l (o tão conhecido "pacto co lon ia l" , segun-
do o qual as m etrópo les reservavam para si p ró-
prias o com érc io u ltram arino) são do is lados da
m esm a m oeda. U m a m oeda que, fa lsa ou verdadei-
ra, sem pre levou consigo o ouro do m aior qu ila te. H
PAULO CAVALCANTE É P R O F E S S O R D E H I S T Ó R I A D A
U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O
( U N I R I O ) , D A U N I V E R S I D A D E D O E S T A D O D O R I O D E
J A N E I R O ( U E R J ) E A U T O R D O L I V R O N E G Ó C IO S D E TRAPAÇA:
CAMINHOS E DESCAMINHOS N A AMÉRICA PORTUGUESA (1700-
1750), ( H U C lT E C , 2006).
••• __ •••• _C!JQO_&.A"~iI._
PAULO CAVALCANTE
Os falsificadoresCom ~ proteção do governador, fábricaclandestina de moedas e barras de ourofez fortuna no início da mineraçãoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
N o F IN A L D A D É C A D A D E 1 7 2 0 , f l o r e s c e u n o v a l e d o
R io P a r a o p e b a , n a b a s e d a a tu a l S e r r a d a M o e d a -
n o m e b a s ta n te s u g e s t i v o - , u m a v e r d a d e i r a f á b r i c a
d e b a r r a s e m o e d a s d e o u r o . A f u n d i ç ã o p r o d u z i a
i n i n t e r r u p ta m e n te , e g a n h o u f a m a p e la q u a l i d a d e
d o o u r o u t i l i z a d o e d o a c a b a m e n to d a s p e ç a s . S ó t i -
n h a u m p r o b l e m a : e r a t o t a lm e n te i l e g a l .
E n a d a d i s c r e t a . S o b o c o m a n d o d e u m c e r t oI n á -
c i o d e S o u z a F e r r e i r a t r a b a l h a v a m c e r c a d e 1 0 0 h o -
m e n s , e n t r e b r a n c o s , n e g r o s , m u la t o s , m e s t i ç o s ,
g e n te d e o u t r a s c a p i t a n i a s , d e o u t r a s p a r t e s d o s d o -
m ín i o s p o r t u g u e s e s e a té a n t i g o s f u n c i o n á r i o s d a a d -
m in i s t r a ç ã o l u s a n a A m é r i c a . C o m o p a s s a r i a d e s p e r -
c e b i d a u m a f á b r i c a d e ta i s d im e n s õ e s , m e s m o _
p r o te g i d a p o r m a to e m o n ta n h a s ? Q u e m a r r i s c o u a
h ip ó te s e d e q u e a f á b r i c a d e i l i c i t u d e s c o n ta v a c o m
a p o io o f i c i a l a c e r t o u n a m o s c a . E d e g e n te g r a ú d a : o
p r ó p r i o g o v e r n a d o r d a s M in a s , D . L o u r e n ç o d e A l -
m e id a ( 1 7 2 1 - 1 7 3 2 ) . A c o b e r t u r a o f i c i a l i a a l é m d a
" v i s t a g r o s s a " - t a m b é m a z e i t a v a a s r e d e s d e c o m e r -
c i a n te s e c o n t r a b a n d i s t a s c a p a z e s d e f a z e r a s b a r r a s
e m o e d a s c h e g a r e mà E u r o p a .
A f á b r i c a f o i d e s b a r a ta d a p e lo o u v i d o r g e r a l
D i o g o C o t r im d e S o u z a . E l e p r e c i s o u c e r c a r a o p e -
r a ç ã o d e m u i t o s i g i l o p a r a q u e o g o v e r n a d o r n ã o
s u s p e i t a s s e d e n a d a . O lo c a l , a l é m d a p o s i ç ã o e s t r a -
t é g i c a p a r a f a c i l i t a r a c o m u n i c a ç ã o c o m d i v e r s a s
p a r t e s d a C o lô n i a , e r a b a s ta n te p r o t e g i d o . O h i s t o -
r i a d o r A u g u s to d e L im a J ú n io r c h e g o u a c h a m a r a
f á b r i c a d e " f o r t a l e z a " , p o i s e s ta t i n h a p a r a s u a d e -
f e s a c a n c e l a s , c e r c a s , p o n te s e s t r e i t a s , m u i t a g e n te
e a rm a s . O b s e r v e a im a g e m e a c o m p a n h e a n u m e -
r a ç ã o . O n ú m e r o 1 a s s i n a l a a " e n t r a d a p e lo m a to
s e r r a a b a i x o q u e te m m e ia l é g u a a té a c a s a d eI n á -
c i o d e S o u z a " ( 1 7 ) . O n ú m e r o 2 i n d i c a d u a s c a n c e -
l a s s u c e s s i v a s q u e s e r v i a m d e d e f e s a e d e p o n to s d e
contro le das pessoas que ali trabalhavam .No nú-
mero 29, cruzamos a cerca por uma pequena pas-
sagem . Note como as margens do cam inho estão
escuras e tracejadas, o que ind ica "a aspereza que
tem a serv idão (passagem ) naquela serra". C ruzada
a cerca, cam inha-se por longo trecho até a prim ei-
ra ponte (8) sobre o ribeiro (7).À esquerda, as sen-
zalas em expansão (20 e 21); à d ireita, a casa de fun-
d ição do cunho e demais casas; em frente, uma
pequena igreja (erm ida) e a casa do Inácio (17). To-
da a parte superior da casa do lnácio é uma espécie
de grande varanda/terraço de onde se pode obser-
var todas as instalações do lugar. Para se chegarà
casa da moeda falsa propriamente d ita (26 e 28), é
preciso cruzar nova ponte sobre outro ribeiro (27)
e depois nova cerca. Não há sim plic idade nem pre-
cariedade. A planta reg istra uma cena complexa,
bem planejada e em expansão.
A fundição ilegal encerrou suas operações em
1731, mas D . Lourenço de A lmeida já hav ia se be-
nefic iado o sufic iente do esquema para voltar ri-
quíssim o a Portugal, onde sequer fo i punido - pelo
contrário , continuou desfru tando de cargos e de
prestíg io social. Já lnácio , o chefe da fábrica, m ofou
na cadeia. Deixando de lado os destinos pessoais,
os dois eram faces da mesma moeda. Juntos, v iab i-
lizaram o negócio da colon ização. H
PAULO CAVALCANTE É PROFESSOR E lE H ISTÓR IA DA UN I-
VERSIDADE FEDERAL DO ESTADO RIO DE JANEIRO (UN IR IO ).
DA UN IVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ) E
AUTOR DO LIVRO NEGÓCIOS DE TRAPAÇA CAMINHOS E DESCA-
MINHOS NA AMÉRICA PORTUGUESA (1700-1750). (HUC ITEC . 2006).
Saiba Mais
GU IM ARÃES,André Re-
zende. "Falsários e con-
trabandistas nas M inas
Setecentistas: Inácio de
Souza e 'sua rede in ter-
nacional de negócios ilíc i-
tos". D issertação de
mestrado (UFM G . 2008).
GU IM ARÃES, André Re-
zende. "M oedas falsas e
negócios: o território do
líc ito e do ilíc ito nas M i-
nas setecentistas", d ispo-
nível em:
httpJ/www .cerescaico.u fr
n .br/m neme/anais/st_ trab
--pdf/pdC9/andre_st9.pdf
TÚL lO , Paula Regina A I-
bertin i. "Falsários d'el re i:
Inácio de Souza Ferreira
e a casa de moeda falsa
do Paraopeba". D isserta-
ção de mestrado (UFF,
2005).
Desenho aquarelado
da fábrica clandestina
de barras e moedas
de ouro onde, sob o
comando de Inácio
de Souza, trabalhavam
cerca de 100
homens, entre bran-
cos, negros, e até fun-
cionários da adm in is-
tração rég ia.