Paulo+Francis+-+Cabeça+de+papel

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  • 5/28/2018 Paulo+Francis+-+Cabea+de+papel

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    Paulo Francis

    Cabea de papel

    Para Snia

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    A manh seguinte, 1976

    A voz era a mesma de vinte anos atrs, e a dor, descon!orto prenunciandodor, "ue eu impeo, !icando uma in"uietao inde!inida "ue converto emretirada, o caminho coberto de !orti!ica#es e trincheiras verbais, umaobstruo de movimento$

    %&o'd( there$ )ictor here$ *ong time no see$%Falamos +s vezes assim, alguns de ns, desmamados por &oll('ood,

    "uando nossos pais liam Anatole France, %ironia !ina%, e, ao percebermos,lemos -liot e procuramos absolvio em Auden$ .o reconhecemos

    /achado de Assis e no conhecemos de verdade 0rummond e osa, ou scomo %navios cruzando na noite%, ou de escola, decoreba 2 cola$ 3lauberpega por"ue 4 selvagem$ & nele o criminoso potencial "ue imitamos empensamentos e nunca recriamos em atos$

    /eu nome 4 &ugo /ann e emito um %oi% !olclrico, sou convidado abeber no 5uro )erde, %assunto importante%$ .o h assunto ou importnciapossvel entre ns$ 8 um eito da gente !alar$ :im, houve momentospartilhados, mas vivo no presente por assim dizer$ .o somos s4rios o

    bastante para ter passado ou !uturo$0e oelhos procuramos o p na grama careca do 5uro )erde$ &avia umamoa "ue no sabia "ue tomvamos, e escondida dentro de um /arlboro agrama, de p, ia e vinha, e !azamos pipi demais, o banheiro 4 o altar daca!ungagem$ /e distra e oguei o /arlboro !ora$ Como .abucodonosores,de "uatro, caamos o tesouro entre as pernas de aeromoas e comissrios debordo, interpretando turistas americanos, e da"ueles pla(bo(s assimiladosposando de melo!ranco, "ue andavam mas no casavam com mulher bonita

    por"ue tinham medo de ser cornos$ ;rasileiros comuns nos olhavam,cocando o saco, postura usual em !ace do inusitado$ %homas &u=le( talvez achasse "ue 4 um problema delocalizao do c4rebro, uma pe"uena boutade evolucionria$ A moa "uetomava, "ue "ueria passar camisas a !erro de um marido e produzir bacuris? passou, produziu@se, deu@se mal e continua tomando ?, achou e pulamos$.a"uele tempo nos divertamos e na"uele tempo a cocana era boa, no

    descera + turma do mil shae$0igo a )ictor "ue me contaram "ue ele virou !azendeiro, "ue se casou,

    "ue 4 padre, es"ueo "ual das trBs coisas, e "ue se "uer um encontro ntimo

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    no 5uro )erde h a"ueles rapazes "ue me conhecem e vo reconhecB@lo$% se casaram todos e devem ser todos cornos$ :e ainda no !orem,

    vocB me arrana os endereos "ue resolvo o assunto$ Due "ue hE -stivedezesseis anos !ora da"ui, seu comunista !ilho da puta, isso 4 maneira dereceber a long lost !riendE%

    -u "uase no saio de casa, est "uarenta e dois + sombra, "ue no h,"ue "ue 4 a!inalE )ictor acha "ue ando escrevendo de maneira muitocon!ortvel, pau em todo mundo, 4 o mesmo "ue elogiar todo mundo$ /elembro "ue 4 inteligente, o "ue amais lhe passou pela cabea$

    .egociamos um encontro dentro de meia hora no italiano embai=o daminha casa, onde como a comida dos garons, a nica "ue presta nosrestaurantes da cidade, as massas tBm l suas armas secretas, brin"uedos,reall(, !eio, arroz, bi!e, ou carne@seca des!iada, dei=o a abbora de lado$

    ;ebo gua Petrpolis, "ue importaram %em sua homenagem, doutor%, saibem, os garons me chamam, pelas costas, de cabea branca, a!etuosamente,me dizem$ 0ou boas goretas$

    )ictor sempre me tratou 5G$ :alvei a vida dele em Petrpolis, desviandoa baioneta de um soldado do Primeiro ;atalho de Caadores no baile, aspalavras "ue usamos, do Duitandinha$ /e salvou a vida em >erespolis$ 8!ato$ Parece melodrama$ .o 4 melodrama por"ue no nos demos conta do!ato$ Acordo +s dez, olho as manchetes, o ar@condicionado no pi!a h"uarenta e cinco dias, tabulo o inevitvel, se tem ornais estrangeiros passo avista, cigarros e ca!ezinhos, escrevo a coluna em uma hora, "uinze minutos alauda, banho, vomito "uando bebo, leio alguns livros, pedaos, pulando, at4a hora do almoo, o bo( pega a coluna "ue nunca relerei, por"ue se noproponho a soluo !inal para os revisores, tele!ono, me tele!onam, editores,gerentes de banco, estes me merecem de!erBncia, pois devo, nego, embrulho,termino embrulhado, as duas ou trBs moas "ue +s vezes me comem, egrande elenco$ Fim de semana a"uele hotel em Friburgo onde 4 !resco e umasinu"uinha em "ue levo vinte com uma bola do primo da minha me "ue!icou vinte e nove anos noivo no casando antes da me dele morrer$ amaisperguntei o "ue aconteceu durante e depois$ -ssa 4 a base da nossa slidaamizade$ Perco invariavelmente na sinuca, menos "uando ele me dei=aganhar, o "ue o delicia, uma prestao suave da minha incuriosidade$epresento meu papel$ 8 !cil$

    5s boatos de "ue estou bebendo at4 morrer, "ue suspeito espalhados, de

    sutil sacanagem, pelo meu editor, Paulo &esse, colaram naturalmente, aspessoas me olham esperando ver estrago ainda maior "ue o disponvel, nosei se correspondo, o "ue me interessa tanto, entre cinco minutos e uma hora,"uanto convites a almoos, estr4ias de teatro, sess#es especiais, !ins de

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    semana em ;zios ou Petrpolis, %t todo mundo l%, ou reuni#es a"uimesmo, h sempre algum presunto dependurado nalguma porta e a !ila 4imensa, se pouco variada$

    :ou crtico de cinema, gosto das legendas, o nico humor puro, chalaa,"ue resta na praa, me pagam pelo "ue acho, 4 o "ue eu chamaria minha

    atividade capitalista, no darei e=plica#es$ :e encontro algum %velhocompanheiro% na rua, disparo comentrios ade"uadamente pessimistas sobrea %situao% e me despeo apressado, %compromisso urgente, sabe como 4"ue 4%, %a gente precisa antar untos um dia desses%, never is too soon !orme, short($ *eio a maior parte do vero e vou para a serra no in!erno$ :ei "ueme apelidaram de 3reta$ 8 melhor "ue Celi$

    .o "uero discutir por"ue estou assim li!e is a'!ul but donHt sa( it, bastair ao dicionrio$ 5s melhores me acham sob so!rimento pro!undo 2

    ine=presso, de "ue tBm certeza conhecem as causas, como o velho A$, "ue,aos oitenta e um anos, acredita em 0eus, liberdade e progresso para asmassas, "ue chamaria povo, identi!icando a origem !ascista da palavra%massas%, o velho A$ at4 escreve a respeito, e me olha caridoso,silenciosamente se solidarizando com meu chagrin, na lngua step dele$5lho@o e me lembro "ue &esse s o conserva por"ue pinga um molho liberalno pas"uim reacionrio "ue &esse edita$ Ainda d para ver Ipanema +s seisda manh$ /oro no *eblon$ :abemos o "ue tnhamos de !azer e no !izemos$Jr!os da tempestade$ >alvez nem isso$ Falta@nos gravitas$ .o escolhemosou propusemos$ 0ei=amo@nos dispor e depor$ )ivemos entre segundos$ .ocontamos$

    a"uel a"ui na minha perna es"uerda discordaria, se consultada, no 4,por"ue me acha vlido$ Chegou de maio e toalha enrolada e chaves do )Kna mo, o eas( rider dela e minha tantalizante limousine com cho!er, %+sordens do patro%, depois de "uarar na praia depois da .acional, %eu no mesentiria bem na Pavares Caporal 0ouradinho "ue talvez tenha atingido o 5liu 2!iltro, ou sob algum mineiro maneiroso, Proust de bolso, um ou outroentupidos de ;arthes ao ltimo obscurantista sint4tico de Paris, ambosensinando as crianas "ue 4 marca de superioridade negar o real e concreto,

    o conceituado e dinmico, um conselho prudente, se !osse dadohonestamenteM no 4M pois clareza e movimento no cabem no nossosarc!ago, in"uietam e irritam as mmias locadoras, cua maldio 4incontrastvel$ :ero muito di!erentes, por4m, dos %nossos%, "ue insistem na

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    e=istBncia dessa realidadeE :e os modelos divergem, a obscuridade delinguagem 4 idBntica$ .o !undo, se dirigem apenas iniciados, a eles prprios,aos portadores do anel de doutor, aos presentes e !uturos in"uilinos daacademia brasileira de tmulo grtis, na vida e na morteH$

    a"uel resiste, como pode$ a"uel acha oo Cabral um grande poeta,

    ouve Chico e ;etnia, adora a musicalidade e as letras contestatrias doChico, mas o campo de concentrao sente mesmo 4 em ;erre, ela "uer dizercampo de e=termnio, no CI;no sabem, ou no ensinam, a di!erena, e 4comunista, naturalmente, se bem "ue o Partido era, naturalmente$

    a"uel tem cancha de maus@tratos, eu disse a ela "ue a tradio rabnicaortodo=a considera o anti@semitismo parte da natureza do gentio, umaesp4cie de pecado original, no me acredita, o "ue 4 uma reao comum"uando digo a verdade$ 5s maus@tratos na minha casa comeam pela

    empregada "ue odeia mulheres, %ele no est minha !ilha e no sei a "uehoras chega%, sabe dos meus movimentos melhor "ue o e=4rcito, 4 umamulata "ue dorme de bunda de !ora, esperando, presumo, "ue eu penetre,olhei, olho sempre, resistindo para no consolidar o poder dela, considervelM posse absoluta da casa dez horas ao dia, e=propriao da >),partilha de gBneros alimentcios, de Dueen Anne, Khite &orse e outrosus"ues de carregao "ue me presenteiam e, calculo, comisso mnima devinte por cento do meu produto interno bruto$ - terminam em mim, "ue !aopiadas destrutivas sobre todo mundo, meus prprios estilhaos sempre emdesta"ue, sou capaz de !aturar tamb4m um modesto holocausto, %risosdoloridos e irLnicos%, no empatizo, uma palavra !avorita de a"uel,troncho@a + la galo, ignorando olhares ternos e carcias post@coitum, e, o "uea"uel no suspeita, em geral pensando na mulher de algum amigo meu$ Osvezes imagino "ue sea um crit4rio razovel de sade se=ual pensarmos namulher com "uem trepamos$ .o h muita incidBncia desse !enLmeno entreminhas rela#es, pelo "ue pude averiguar, sem !azer es!oro, pois ospacientes se con!essam + menor sugesto$

    %-spectros$ .unca !alei a vocB de um )ictor "uando eu era delin"enteuvenil, E -le vem da"ui a pouco$ )ocB me espera l em cima ou temalguma coisa pra !azerE%

    a"uel olhos bai=os sorri delicadamente$ .o tentemos imitar adelicadeza, "uase oito mil anos de tarimba, "uase nunca bem recebida, logore!lete uma densidade histrica "ue cont4m teses, antteses e snteses

    in!initamente variadas e modulveis de acordo com a ocasio$ 5 "ue 4e=cludo no momento permanece latente no "ue !ica$ a"uel 4,instantaneamente, uma obra de arte, "ue evoca em mim uma reao deprazer est4tico, ine=presso, no notado por ela, "ue "uer dizer apenas "ue

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    !alei de )ictor, bBbado, no me lembro, e no "uer me lembrar "ue no melembro$

    ;eio@lhe o rosto$ -la promete voltar$ Acredito$ Amo a"uel "uando meabandona$ 8 raro$

    -spero )ictor consumindo as colunas sociais em "ue todas as

    personagens, como as do nascimento de Cristo, esto sempre onde devemestar, e grato a deus e ao diabo na terra do sol "ue at4 agora ningu4m meperguntou se vai tudo bem neste vilareo, ou sucesso de vilareos, em "uevivo, em "ue nossos ancestrais iam +s praas em retreta e ns evolumos +spraias e bares, e nos es!regamos demais, rimos demais, reclamamos demaisdo trivial e do e=terno, impedindo o silBncio sobre ns mesmos, nossalinguagem verdadeira$ Fechamos as cidades grandes de concreto, nosso lar 4nosso castelo, alto e longe %deles%, de "uem vemos seletivamente a

    tupini"uinizada miangueira do carn, de vela e garra!a, e %estuprou osuno%$ A altura em "ue viviam, h4las alguns resistem, nos a!rontou tanto"ue, "uando votavam, algu4m sugeriu pint@las, %tudo azul de bolinhasbrancas%, e, resolvido o problema do voto, !oram botinados para ossubrbios por"ue l todo mundo 4 ndio e o trem traz e devolve o servio,com bai=as insigni!icantes, se bem "ue os !ilhos %deles% voltaram a p4, nosadulando, de incio, e nos roubam e matam, o "ue nos dei=a perple=os, no"ue no ousamos pensar, por"ue um troo leva a outro$ - os !ilhos da genteimitam a linguagem e costumes mole"ues, !enLmeno psicossocialine=plicado no momento, mas no conv4m subestimar as manhas daAlbnia$

    >rBs mulatinhos perguntam se o moo "uer comprar isso ou a"uilo$ .olevanto a cara$ O eventual navalha, tenho o brao, pesado ? %um brao deP-, uma batida de o!icial%, me disse um colega de cela ?, na amurada dobote"uim, e olho@os como a um !ilme, um d4cimo de ateno$ Achataria osnarizinhos suos e chatos, em segundos$ :ociologia tem hora$

    0esisto de )ictor$ & um !ilme +s duas horas "ue, no comentado,/arisa, a bunduda e atarracada aspirante a /s, posando de editora dosegundo caderno, me cobrara em silBncio, de olhar compreensivo, 3raa@condescendente, %eu sei levar ele$ Podem dei=ar comigo%, o "ue achadurrabo$ &esse me assegura "ue ela 4 %;rasil%, %nanica, bunda de pBra,morena p4 na cozinha, o antiblue@eans, "ue no tira, se espremendo nasancas at4 peidar, !autando ulie Christie com a"uele t'o@bit pero=ide

    approach, se dizendo gente, "uando 4 chinesa, p4s amarrados, pr4@:un Qat@sen$ )ocB no tem senso de humor, &ugo%$ 8 possvel$0igo !ilho da puta para )ictor, o "ue 4 verdade histrica e talvez sea o R

    do problema$ A me dele caava de coup4 Cadillac em !rente da ;iblioteca

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    .acional, %lotao de eu%, diziam os meninos "ue apanhava e pre!eria, etinha olhar de ibia, de "uem engolia tudo$ .unca nos conhecemos epresumo "ue haa morrido, no sei$ 5 pai, ginecologista da gerao de meuspas, )ictor posava de bebB@modelo nos livros dele, devotamenteconsumidos por minha me at4 "ue viu o autor, mens insana in corpore sano,

    de cuecas, no alto de um poste, do "ual um meganha tentava seduzi@lo adescer$ 5s cornos "ue conheo hoe en!rentam melhor as capas de toureiro$-ppur si muove$

    %5i, bicho$%)ictor 4 a nica pessoa das minhas rela#es "ue usa bicho$ >omou

    >odd( demais em criana e in!laciona tudo$ :entou to rpido "ue nem vi$ 8bom nisso$ :ocava, ogava cadeiras, en!iava caco de garra!a na cara dosoutros, sem dar tempo de reao$ Perdeu a gordurinha de virgem no@

    comida, a bab( !at, "ue represara de bebB@modelo, vinte anos atrs$ Pareceesculpido em pedra ou madeira, mais lcool "ue comida no pandulho, manoe prati"uei a dieta$ ;orbulha, ge(ser, h um estouro, uma potencialdescarga el4trica nele, "ue "uem viu solta no es"uece$ 5s olhos azul@claros,piscando em ti"ue@ta"ue, prontos ao "ue der e vier$

    -u na varanda do )rzeas, segunda@!eira de carnaval, com uma moa daterra, "ue "ueria me encontrar na piscina do &igino no dia seguinte, oursentimental !riend the moon, no, garras descarnadas escavando ossubterrneos, )ictor me disseS %Pula, corre, te esconde no carro "ue a genteagenta as pontas%$ 5lhei antes de saltar$ ;onito$ )ictor e Fred, o escudeirode )ictor, oitenta e cinco "uilos de massa e energia sem luz, atiravamcadeiras e empurravam mesas contra uma malta de bigodes$ Achei a cenaboa, sabe como "ue 4, e comecei a en"uadr@la, long, m4dium, close,)ictor %pula, porra, tem at4 !aca e revlver, caralho%$ 5s bigodes vinham amim, o "ue no me surpreendeu, por"ue sonho sempre, at4 hoe, s "ue noh bigodes, nem caras, so gazes re!oradas, musculares, o segredo dammia$ :oco, soco, elas crescem e se multiplicam e chega o ponto em "ueno consigo mais levantar os braos, de cansao e dor, vai ser agora, no seise grito antes de acordar$ a"uel diz "ue !alo estranho$ 5utras nuncaouviram nada$ .o 4 nada$ Acontece apenas$

    .o carro o cheiro do mato entra no nariz igualzinho a p, !az cos"uinhas,o escuro passa por ns correndo, ns na baratinha, eu "uero ver 4 a p4, eu"uero ver 4 a p4, pu=o a cabea de -steia para o meu ombro direito, no sei

    namorar no ombro es"uerdo, e=pli"uei a ela, seria uma tendBncia ideolgicarecLnditaE %-st !alando sozinho, seu !ilho da putaE )ira a ? s um gole,porra, the hair o! the dog that bit (ou$% )ictor sorri, carinhoso, 4 esta apalavraE sorrio agradecido de volta, 4 esta a palavra, !ico sempre grato pela

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    ateno dispensada$ :mirno!! na bo"uinha "ue mame beiou$ :mirno!! nomorreu em 191N, "uando 0zerinsi ustiava TpoucoU, %santos ou canalhas%,:mirno!! imigrou$ )ive em ;angu, onde prospera$

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    mundo%, pr4 e ps@196W$ .o !iz auto@de@!4$ /as no me lamurio esaudosismo me d engulhos$ :a !ora$ )rias pris#es depois, perguntas decredirio ou de Pestalozzi, do tipo se escrevi artigos "ue assinei, mear"uivaram, %doutrinrio mar=ista%, %membro proeminente do PartidoComunista ;rasileiro%, o "ue 4 !also, tenho visto de entrada nos -

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    &omem de viso, 196X

    &esse se integrou publicamente no sistema em 196X, e a mulher dele,:lvia /aria, "ue chegara a ter sargentos antando em casa, %dente de ourono vai com !iapo de galinha%, em 196Y, reassumiu o "ue era, o "ue sempre!oi, em verdade, at4 "uando, pr4@196W, visitava desproteinizadas !uturemamans na :anta Casa e similares, estabelecendo lisoneiras compara#esentre o lugar delas e a manedoura em "ue esus aterrissou$ 0izem "ue seamarrou a &esse por"ue achava "ue o comunismo vinha, garantindo assim acabea da !amlia e talvez alguns comissariados, mas, em 196W, grvida, suame rec4m@morta, e carregando tamb4m o peso do e=lio do marido,

    agentou !irme, sem perder a classe, em Paris$ A posio nunca esteve emperigo$.o "ue &esse sea pouca porcaria, socialmente$ 5 nome alemo passa,

    por"ue os avs !oram colonizadores e no imigrantes, Countr(, "uei, %novamos mais%, e, pr4@19YV, %antes "ue os gachos amarrassem o verdadeirolder deles no 5belisco%, chs de senhoras no Copacabana Palace$ A segundagerao casou com dinheiro e nomes respeitveis, reproduzindo@o ereproduzindo@se, respectivamente, num avano macio ao centro do

    tabuleiro de, =adrez$ -ncampados em 19WY, apud &ess, apesar do ba"ue,!izeram boca de siri sobre os simpatizantes nativos de Adol! &itler, cuosnomes estavam num banco alemo "ue providencialmente pegou !ogo,permitindo a vrios insuspeitados !Bni=es se alarem + liderana da lutaantinazista$ A discrio da !amlia garantiu@lhe graas plenas do %milagrealemo%, a partir da 3uerra da Cor4ia, e no do Plano /arshall, !racassado,o "ue &esse e=plicara a pais, sogros, et ai$, inutilmente,

    claro, pr4@196W$ - da a um lugar caboclo de desta"ue na cruzada

    anticomunista de 0ulles 2 Adenauer, bem mais lucrativa "ue aspredecessoras medievais, assim como o germanismo !oi um e=celente cartode visitas em transas na rea rabe da 5P-P, ps@197Y$ 5 bacground!amiliar, segundo psicanalistas de biribinha de Petrpolis, seria a causa docomunismo do !ilho, %revolta contra os pais, donHt (He no'%, e, batatolina,tamb4m a e=plicao mar=ista da volta de &esse ao aprisco, peloses"uerdistas reeitados em 196X$ %-le sempre !oi meio nietzschiano%, medisse uma moa no AlvaroHs, en"uanto eu consumia dionisacos past4is$

    -ssa volta, tpico de escndalo imorredouro unto + %nossa gente%, no!oi um himalaia, e, sim, um modesto, devagar e sempre, dedo de deus$ :lvia/aria, por e=emplo, no deu + .ova 5rdem$

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    Am4lia, "uimicamente possessa "uase todo dia, %muito sada%, levou umaco=eada de um alta patente, en"uanto a %senhora% do dito se concentravanum !io dental, em antar de rapprochement, promovido pelo sogro de&esse$ .o passou disso$ - ela disse a &esse, rindo, "ue achara o general, ocoroa, %engraado, por"ue ainda vai de co=as, o "ue 4 puro retro%$

    :lvia /aria se deu, na medida, + .ova 5rdem, convidando@a, emsubstituio aos sargentos de antanho, num salto "ualitativo "ue >rtsientenderia, + casa no Cosme )elho, casa c4lebre "ue os colunistas sociaiseulogizam sem nunca terem entrado, privil4gio, a entrada, em %temposnormais%, da !amlia e e"uivalentes, de alguns nomes antigos "ue no sealardeiam vulgarmente, de certas !ortunas iguais ou maiores, se %legtimas%,o "ue e=clui empreiteiros e especuladores na ;olsa, e, +s vezes, de ntimosde &esse, "ue me incluiu sem consulta pr4via, no protestei por"ue :lvia

    /aria me olha como se eu !osse um dedo na goela em manh de ressaca, o"ue me diverte, moderadamente$ Perdi o direito de acesso, em 1969$

    5 sogro 4 um homem triste desde a viuvez, em 196W, na noite precisa do%acionamento do dispositivo militar do governo%, "ue bro=ou sur place, mascoincidiu com o to"ue de recolher da mulher, "ueimada de cobalto, a "uem omonsenhor da !amlia garantiu clima mais ameno no c4u, onde todosestavam de prontido, dispensando@se o $:$)$P$, tal a e=pectativa$ -lae=pulsou do "uarto !amlia e o che!e do cerimonial divino, recebendo &essea ss$ Chamou@o, pela primeira e ltima vez, de %meu !ilho%, co"uetemente$>alvez o chamasse de !ilho de outra coisa, se soubesse o "ue o genro vira eouvira no Palcio das *araneiras, donde vinha, %volto , minha sogra estabotoando%, a boa notcia in!elizmente sendo divulgada dia seguinte "uandoa mulher !azia hora num terminal do :o oo ;atista, o %meu !ilho% nocomparecendo ao bota@!ora, por"ue se mandara alhures$

    :egurando as mos do genro, ela pediu uma graa TsicU$ &esse !icatotalmente ablico em !ace de doentes, mortos e !eridos, uma vez visitarauma e=, rec4m@torturada, e lhe !altou coragem de entrar no "uarto da moa,dei=ou dinheiro num envelope, devolvido, bilhete ane=o, acusando@o de%comer no ban"uete da ditadura%, e, algemado pela sogra, sentiu um cala!rio,registrando apenas "ue sentira mesmo um cala!rio, o "ue s imaginavae=istir em romances do s4culo RIR, unto com !ebre cerebral$ A mulher"ueria "ue &esse matriculasse o neto ou neta, %"ue no vou ver%, no :antoIncio, o de 196W, ou no :acr4 Coeur de esus, para contrapor os

    ensinamentos da Igrea + avassaladora in!luBncia intelectual do pai, sorrisode mgoa deleitosamente assumida, todos ns temos de carregar nossa cruz,etc, etc$ &esse agentou as unhas na pele, uma vontade passageira de !azercocL, e, topando tudo, escapuliu, %pensei "ue depois de me pedir uma graa

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    ela ia cantar a >osca, !ui aluno do :anto Incio, vocB tamb4m, 4 uma vacina,'hatHs the !uc, e comi uma porrada de meninas do :acr4 de esus, "ueme perguntavam sobre o eich%$

    %/as no te comoveu picasE%Duando &esse e :lvia /aria iam casar, a velha no ogou o comunismo

    do noivo na cara da noiva$ *ouvou, !oi dessas "ue %louvam%, o %idealismo dauventude de hoe "ue procura corrigir inustias%, lamentava "ue )argashouvesse impedido a gerao do marido de dedicar@se + %coisa pblica%,obrigando o velho a tornar@se um dos maiores advogados de multinacionaisno pas, o c4u no conhece !ria igual + de um idealista reeitado, %oproblema 4 discernir o "ue 4 usto e possvel", :lvia /aria en!rentaria umcasamento di!cil esperando &esse acordada toda noite, ele na redao at4 demadrugada, e depois nos bares entre polticos e ornalistas, %no lcool e

    !umaa%, ou seguiria %de pacotinho% atrs dele %na"uele ambiente estranho%,encontrando a gente horrorosa "ue as celebridades atraem e as ordinrias dasliaisons passageiras de &esse, sem importncia, "ual"uer rapaz solteiroaproveita, %agora essas mulheres so impossveis de conter, produtos de laresdes!eitos, da !alta de ncora religiosa ou de tradio social decentementepreservada%, no era esnobe, em absoluto %alguns de nossos amigos vieramde lares humildes e subiram na vida + custa do prprio es!oro%, achavagraa nos grupos polticos, pessoas de todos os tipos e procedBncias, muitoeducativo, %mas todo dia, a todo momento?" :lvia /aria estava acostumadaa um crculo especfico, %no somos melhores "ue ningu4m,somos de umacerta maneira", com valores e ideais entranhados desde o bero, pondoacima do resto a alegria e a ri"ueza da vida em !amlia, para "ue &esse noteria tempo, ou inclinao, como tribuno %populista%, %acredito nasinceridade dele$ $ $ gostaria "ue !osse menos desabrido, nenhum de ns gritaa"ui em casa nem "uando no tem razo", :lvia /aria, vinte e "uatro anos,sempre !ora mais adulta "ue os irmos, %nos entendemos to bem por"uevocB 4 muito parecida comigo%$

    :lvia /aria in!ormou + me "ue precisava casar$ A me, impvida,indagou se o 0r$ Pedro ezende, m4dico e amigo da !amlia, concordaria. 5%tio% Pedro confirmara. -m 1 de maro, oo 3oulart enviou mensagemrevolucionria ao congresso nacional$ -m X de maro, os pais de &essesubiram a primeira vez ao Cosme )elho$ 5 pai e=agerou um pouco no %por!avor% e no %muito obrigado%$ A :ra$ &esse procurou descobrir, perple=a, o

    es"uema da decorao, o es"uema sendo "ue no havia es"uema$ .adasabiam$ &esse no se dera ao trabalho de avisar do casamento$ 5 pai no sesurpreendeu, por"ue no se surpreendia mais com o !ilho desde "ue lheperguntara o "ue era a"uele resto de sal numa tampa de latrina, %snu!!, mein

  • 5/28/2018 Paulo+Francis+-+Cabea+de+papel

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    Fhrer, alis sno', -r(thro=(lum cocae, ou cocana, para vocB, "uer umaprisotaE% A :ra$ &esse esboou um %"ue bela surpresa%, !oi interceptada emtempo pelo marido, "ue levara anos ensinando@a a no bater os calcanharesao cumprimentar os outros, o "ue permanecia hbito de !amlias menosevoludas de ;lumenau$ 5 pai de :lvia /aria tinha o talento de !alar

    precisamente no diapaso de cada cliente, e o!ereceu a mater &esse um licorlevssimo de senhoras e a pater &esse um scotch duplo, temperado em poucasoda, restaurador, contendo, na bica, um eventual ber alies "ue o outrodescobrisse na unio das duas !amlias, "ue em comum s possuam dinheiroe um razovel esto"ue de metralhadoras, ri!les, revlveres, munio emantimentos, "ue seriam revendidos na bai=a depois de 1$Z de abril$

    -m 1V de maro, o casamento ocorreu numa bela igrea dominicanamoderna, em :o Paulo, escolha do noivo, donde os nubentes se mandaram

    para a casa de um general do III -=4rcito, no Paran$ %.ingu4m%compareceu$ 5 05P:, se presciente, teria economizado muito es!oro edinheiro nos doze anos seguintes, recolhendo logo a maioria dos convidados$5 pai de :lvia /aria assistiu a tudo +s claras, discreto, ou sorridente, oudelicadamente emocionado, nas dei=as certas, "ue nunca perdera nostribunais, no antar do %&omem de )iso%, no Colon( de .ova Qor, no/a=imHs de Paris, etc, etc$ A me !icou atrs de uma pilastra, no vendo oaltar, mas ouvindo %uma desclassi!icada vestida de cangaceira%, dizendo a%um mestio cua carapinha no via gua h dois meses%, "ue a"uela igreaera legal e daria um teatro do caralho$ 0ores horrveis na sada con!irmaramo "ue sabia, sem ter avisado a ningu4m da !amlia, mas no tele!onouse"uer ao 0r$ Pedro ezende, "ue, mesmo depois de ela morta, nunca mais!oi convidado ao Cosme )elho, ouvido ou cheirado, por"ue no alcagetara+ velha a gravidez de :lvia /aria$

    .o !i"uei sabendo se &esse se comoveu na morte da sogra$ .o sei demuitas coisas$

    &esse passou pela Iugoslvia, no lhe deram pelota, no era se"uermembro do Partido e, sim, um %ultra%, e !oi para o apartamento dos sogros,em Paris, os primeiros seis meses, sozinho$ -=ilado voluntrio, preventivo,evitou e=ilados compulsrios, %"uando ouo a palavra HautocrticaH sintovontade de pu=ar o revlver%, e=cetuando algumas meninas "ue "ueriamcomer o %nosso guru%, "ue se comeu, comeu "uieto$

    5 sogro, no io, e=plicava a nova situao a clientes americanos, %I

    thin material inducements 'onHt be neces@sar( an(more$ Qou are no'dealing 'ith serious and idealistic people%$ - absorvia as nuances da novasituao, trazendo ao Cosme )elho generais, almirantes, brigadeiros eudenistas sobreviventes, nuances "ue guardava para si prprio ou distribua

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    seletivamente Ta need to no' basisU aos americanos, era um mestre nadosagem$ %A!ogou as mgoas% da viuvez no trabalho e apoiando :lvia/aria, e ela se ocupava recebendo em lugar da me, %essa moa !rgil emestado interessante, r! de me e privada do marido% impressionandovivamente os lderes revolucionrios, o "ue no decepcionou o velho$ >odos

    admiravam a coragem de pai e !ilha na adversidade$ Coragem "ue no casodo velho no seria tolerada pelos acobinos do movimento se soubessem "uedava !uga a torto e a direito a oponentes do sistema, !iel + m=ima nacionalde "ue no h nada como um dia atrs do outro$

    -le comboiou :lvia /aria e uma tia disponvel a Paris, %na primeiraoportunidade%$ -ncontraram o apartamento vazio, cartas e telegramas!echados, na mo da concierge$ :lvia /aria caiu em pnico imaginando&esse sob a cortina de !erro$ &esse tele!onou de [uri"ue, %eu "uis !icar um

    pouco sozinho, pensando%$ %Jtimo, meu !ilho%, e o velho "ue sempre tinha o"ue !azer em [uri"ue, visitou@o, a ss, "uando conversaram muito$ A neta,>ereza /aria, !oi matriculada, no bero, no :acr4 Coeur de esus$

    &esse reapareceu na imprensa duas semanas depois da "uarta@!eira decinzas de 196X, sugerindo "ue a %tecnocracia triun!ante% poderia %escrevercerto por linhas tortas%$ - %5s problemas polticos brasileiros nasceram coma )elha epblica$ ui no s !alava mal vrias lnguas como lia pior$esolveu copiar a Constituio dos -

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    con!undido com o homLnimo do pandeiro, e a %comple=a analogia% entre;ismarc e :tlin$ Peidava !eio em silBncio, en=o!re puro, o "ue amaisousara de pblico "uando a mulher era viva, mas os convidados ouviram emimpassividade estica, permeada de latidos de presumvel protesto do cocerspaniel da !amlia, a "uem tudo se permitia pois companheiro inseparvel do

    vivo$ 5 velho arrancou de um general a opinio de "ue sempre consideraraui %um mole"ue pernstico, um demagogo "ue caluniara as ForasArmadas%$ 5s outros no se comprometeram, dizendo@se apenasagradavelmente surpreendidos "ue &esse compreendesse to bem osobetivos da evoluo na rea poltica e econLmica, embora !izessem aressalva de "ue continuavam empenhados em restaurar a democracia no pas,uma vez cauterizados os bols#es subversivos, o "ue imaginavam levaria unstrinta anos$

    Duando o primeiro ditador insistiu em elei#es diretas, &esserespeitosamente discordou$ evoluo a prazo !i=o %4 "uimera, o "ue osbolchevi"ues nos ensinaram melhor "ue ningu4m%$ *Bnin, em 19\1, "uiseraconsolidar a %revoluo poltica de 1917, conciliando antagonismos, via a.-P% ? copiosas notas ao p4 de pgina comearam a aparecer nesse tempo$%/as, em 19\9, :tlin !ora !orado a desencadear uma segunda revoluo,modernizando industrialmente a

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    populismo, em cadu"uice, ao tzarismo$ -m 19VW, *Bnin, na controv4rsiasobre "uem e=ploraria o petrleo de ;au, optara pela :hell contra umaeventual %tzar@brs%$ - /ar= apoiara o genocdio dos pele@vermelhas e aane=ao de mil milhas "uadradas do /4=ico, em 1NWN, pelos civilizadosnorte@americanos$ .o "ue &esse sugerisse o in!ringimento do monoplio da

    Petrobrs, uma grande con"uista das Foras Armadas, %o "ue o mar=ista.elson Kernec :odr4 demonstrara de maneira irre!utvel%$ Apenas /ar=,*Bnin e &esse acreditavam "ue modernizao e e!iciBncia eramintrinsecamente revolucionrias$ .o Cosme )elho, o sogro tirava !olga dosadendos + metralha intelectual da -uropa, audando alguns comandantesvitoriosos das provncias, rec4m@promovidos, a instalar@se no io,encontrando@lhes casas baratssimas com !inanciamentos a %perder de vista%$econhecia@se um modesto e=pert em pechinchas imobilirias, %a "uesto 4

    saber onde procurar%$ &esse desembarcou no 3aleo num dia de poucomovimento e muito calor$ .o !oi incomodado$

    Aceitara uma coluna duas vezes por semana no ornal "ue agora dirigia avinte e cinco mil cruzeiros na carteira e trinta e cinco mil sob o balco$ .oprocurava ningu4m !ora

    da !amlia, o sogro e ele tornaram@se ntimos$ -screvia o dia inteiro$ Adi!erena entre a revoluo comunista e a brasileira 4 "ue a %comunistaestacionara num hegelianismo meia con!eco, de sntese burocrtica ecoletivista$ A brasileira se abrira ao pluralismo e ao e=perimentalismo%$ .anoite "ue a edentora relegou o 5utubro ao /useu &istrico .acional,&esse saiu e bebeu$

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    A noite anterior, 1976

    .osso mundo 4 insano e corrupto, no importa o ngulo de viso, e nopode ser analisado ou compreendido, s e=perimentado, !ragmentariamente,no vareo de nossas sensa#es e emo#es$ 5s modelos sociolgicos, obabalaL individual, etc$ no alteram a certeza nervosa, central, de "uevivemos um apocalipse$ ;urguBs, claro, mas "ue somos ns, nada gestamosde di!erente$ - a"ui a lgica serve ao irracionalismo$ 5 burguBs 4 senhor de%algo mais%, de "ue nenhuma classe condenada dispLs$ A"ueles !inos casaisde &oll('ood, *uiz e /aria, %no, /aria, hoe no "uero%, dissemos a.orma :hearer, na guilhotina, no /etro Passeio, e .icolau e Ale=andra no

    hesitariam em mandar "ue lacaios acionassem o gatilho nuclear, se e=istisse$&oe, e=iste, e lacaios uni!ormizados e cheios de penduricalhos o acionarocontra classes "ue "ueiram substituir o burguBs, meu semelhante, e norestar macaco neste vale de lgrimas$

    O noite, +s vezes, o meu !el me 4 doce$ ;ebo e cheiro, logo !ino "uee=isto, "ue ningu4m, por4m, espere coerBncia de mim$

    .enhum e!eito tem uma causa s, disse o m4dico vienense, %sinto !altade uma coisa "uente entre os lbios%, :chaden!reud, he, he, he, eu uro "ue

    no "uis comer mame, seu padre, C

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    odrigues andou !azendo no 0amas de A ;rasileira, hoe banco, et pourcause$ 5 C&IC5agrada a irm mais velha, /aria >ereza, os nomes da !amliatBm a mesma variedade "ue os de partidos de es"uerda$ /aria >ereza 4minha chapinha$ )eio de Duincas, o Duin"uinzinho, o poeta e msicooa"uim, autor de )ocao /ulher, reeditado ad maiorem, etc, segundo

    admiradores, ad nauseam, segundo os crticos, adiposa e esteatopigiosa runabaiana, "ue "uando ri dois "uei=os e duas barrigas entram em erupo$.enhuma lava$ A poesia 4 o homem$

    /aria >ereza encostou o irmo nela de eito a no amar!anhar o vestido ebeia@lhe a !ronte, the touch o! (our lips upon m( bro', ele aceitapassivamente, bebB "ue sabe "ue mamar sempre, dispensando choro$ Aco=a na minha tem um p4 "ue se enrosca no meu$ >ranco$ Amanh a gentees"uece de lembrar$

    A moa em trnsito mant4m olhos luminosos sobre mim, um sorriso demasse de manceuvre, me chama de Kinston, he, he, he, na casa delapergunta 4 sempre respondida, estou "uatro us"ues na !rente do poeta, "ue 4preo duro, atrasou@se emaranhado no cabelo duro da nega, "ue acha %docaralho%, /aria >ereza se habituou + ubi"idade e versatilidade do%caralho%, ps@196N, em "ue !echaram a poltica e abriram@se os costumes, o"ue no 4 acidental$

    %)ocB no acha este ltimo !ilme do ;ergman meio herm4ticoE% Duehistria 4 essa, vocBE Call me madam$ -sta criatura de ocasio persiste emme dirigir a palavra$ .o sabe "ue a"ui moas desconhecidas espetam "ue oscavalheiros iniciem a conversa ou lhes concedam o nihil obstat, a menos "uetenham pedigree reconhecido ou seam personalidades por conta prpria,como Kandinha )inde a /im as Criancinhas, na mesa em !rente, "ue meviu e !ez coelhinho, cheiradssima, e, "uarenta anos, ouve embevecida umrapaz, circa vinte e um, !alando de planchar, Kandinha, numa onda "uenunca se viu na praia$

    %Atendendo a insistentes pedidos, eu acho "ue o ;ergman estinventando "ue a classe m4dia pensa, sente, "ue 4 gente$ : se !or na :u4cia,mas l no tem negro, mulato, mestio, ndio, mineiro, nordestino, paulista,cuem cuem, e a embai=ada americana cuida e=clusivamente de acordoscomerciais$ A"ui no d p4$ Duem 4 "ue mandou vocB botar outro a, seuE%

    5 garom pediu desculpas ao doutor$ 5 us"ue !ica assim mesmo$

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    5 C&IC5 emergiu da -lectra do Cosme )elho, ora sita no /orro da)iva, e est de p4 e=atinho atrs da cadeira da moa, as mos es!regando deleve os braos dela, o pescoo cado languidamente a direita, sorriso paramim "ue pode ser mani!estao rotineira de charme, ou d4+ vu tolerante,"ue minha vtima no vB, segura o brao dele, absorvendo o dengo "uente,

    protetor$ %&ugo, meu "uerido, man4ra cumpade$%:aem e !azem macacadas discretas na pista$ -la declara "ue sou grosso,

    o C&IC5, %"ue nada, o &ugo 4 timo, es"uece%, a moa 4 iniciada napermissividade intergrupal, de "ue conhecer outros e=emplos interessantes,se se demorar, o "ue dormir no ombro dela, babando, oH "ue encarnar emalgu4m ou algum assunto + histeria ou ao sono pro!undo sobre a mesa, ontimo instantneo, %vocB no "uer dar uma trepadinhaE%, e os diversosservios secretos atuando por bai=o da toalha$

    Cuem Cuem cessou de importunar um certo Antonico$ 5 pblicoaplaude, presumivelmente aliviado$ :olto meu p4, dormente, vou aobanheiro, restaurar energias$ -sbarro numa ovem vestida e ma"uilada comoviado vestido e ma"uilado como mulher, "ue no ouve nem esperadesculpas$ 5 poeta me pega pelo brao e me !az sentar entre /aria >ereza eele$ >o!raco ou ser "ue os pro!issionais do carinho, do %"ue coisa linda, "uemaravilha%, sempre agarram a genteE

    %>eu amigo Paulo &esse "uer "ue eu escreva minhas memrias noornal$ )ocB acha "ue devo aceitarE%

    /aria >ereza solta um [email protected]@as, ao ponto$ 5 poeta aceitou$ Duerminha cumplicidade$ Como trabalho no ornal !ica ruim eu dizer no, por"ueadmitiria "ue sou corrupto$ :e disser no e=plicando "ue meu caso 4especial, anuncio a insigni!icncia do "ue escrevo, cinema no conta nadiretoria, e sublinho minha dependBncia pessoal de &esse$ - 4 muito chatodiscutir &esse em !rente de /aria >ereza "ue 4 cunhada dele$

    -nsaio alguma sandice do tipo %no 4 onde se escreve mas o "ue seescreve "ue importa%$ /eu lbio superior se recusa a permitir a evaso$0eduzo mais uma vez "ue preciso ir ao banheiro carregar as baterias$ /aria>ereza p#e a mo em cima da minha$ Cheira bem$ -la no 4 o se=( normalda praa$ .o aveluda a voz$ .o pinoteia$ .o usa o cabelo como capa detoureiro$ .o o!ega de busto prometendo plena satis!ao embai=o oureembolso garantido$ .o anuncia com os olhos, %veam minha vivacidade%$Parece uma noiva de vampiro pouco antes da dentada$ 0ebato comigo

    mesmo se um chicote na"uela pele bran"ussima, !ora de s4rie nos nossostrpicos ostensivos, marcaria vermelho ou violeta, o amor "ue no ousa dizero seu nome, desde "ue o outro deu de berrar$ &esse, h o rumor, chegado$

    /aria >ereza lembra ao poeta "ue meu cunhado 4 um amor, "ue

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    empregou vrios hspedes transitrios das guarni#es militares e "ue noentende essa assinatura contra ele$ Duincas presta ateno total$ 5uve muitobem mulher$ 5uviu tanto as seis "ue se casaram com ele "ue algumas sesurpreenderam despidas na cama, ainda !alando %do ile%, en"uanto opoeta lhes introduzia o p!aro leiteiro, meia bomba por4m constante e

    !uncionalmente retardado nas emiss#es pelo consumo dirio de um litro deus"ue, e, no dia seguinte, Duincas mudava@se para a casa das ungidas,continuando atento e compreensivo "uando perguntavam, %meu benzinhovocB acha "ue vai dar certo, hein, sei l, meu !ilho s agora deu bai=a dosanatrio por causa da minha separao do pai dele%, o poeta sorria, terno,apenas um "uei=o e uma barriga trepidando, e a!ogava as dvidas no violo,com o ltimo som universal "ue compusera, cuos acordes e letras todo o;rasil conhece$

    )oltei do banheiro para agora cheirar /aria >ereza "ue continuadoutrinando Duincas$ 0ou apoio, embora saiba "ue Duincas dispensa apromoo do liberalismo trabalhista de &esse, ditado pela virtualimpossibilidade t4cnica de se !azer um ornal com redao direitista, no "ueinstruiu o dono, %.oite Ilustrada%, ou, PJ:@5P-P, :adat, o patro tendode!endido o copides"ue de um general "ue o acusara de permitir no ornal%um golpe de mo dos comunistas%, por"ue dezenove dos vinte copides"uestBm !icha no 05P:, a "ue :adat respondera, %s sai publicado o "ue eu"uero%, acrescentando, mentalmente, %e o "ue a censura dei=a%, transmitindoa resposta altiva, no o pensamento %roupa sua se lava em casa%, a colegasde reuni#es da :IP, lendo o discurso de sempre, escrito por &esse, em "uea!irma no se sentir pessimista "uanto ao !uturo da imprensa livre no ;rasil,%apesar de alguns obstculos reais, por4m, acredito, passageiros, pre!iroressaltar os aspectos positivos da evoluo, o saneamento !inanceiro, ovolume crescente de investimentos produtivos da iniciativa privada, acon!iana de "ue o ;rasil goza na comunidade mundial de negcios e oritmo inabalado de desenvolvimento do pas%, coisas assim, de "ue oscucarachas, menos os venezuelanos petrol!eros, se babam de invea$

    Duincas tem medo 4 dos mandarins da 4tica es"uerdista "ue estabelecemcota#es de radicalismo no permetro "ue vai do .inoHs ao AntonioHs, "uepartilham a mesa do poeta, ou se aloam nas vizinhanas, ou se dependurammomentaneamente no pescoo dele, "ual cobras, na romaria do pipi, %tudobem meu "uerido "ueria bater um papinho com vocB%$

    As cota#es so orais, e=clusivamente, e o tema invarivel, o %livrote=to%, 4 a produo nossa, dos es"uerdistas com acesso ao pblico$ 5smandarins no do essa con!iana a ningu4m, de se !azerem publicar, de!icarem on the record$ Atingiram tal so!isticao poltica "ue simplesmente

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    ignoram a classe dominante$ 5 "ue se pode esperar de capitalistas e=ceto "uese comportem a carterE Alguns nem trabalham, reservando energias para oadvento do socialismo$

    .o "ue todos seam vagabundos$ & os poetas e cronistas 0A/

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    a salrio mnimo, mulher e onze !ilhos num subrbio distante de Ipanema, ecomentaram "ue o sistema usara a entrevista do Duincas no mundo paramisti!icar "ue no e=istia censura no pas$

    Pagamos e nos mandamos, e uma mesa grande, "ue reconheceu /aria>ereza dos ornais, notou "ue era a coisa a !azer, sob o protesto tmido e

    ignorado de algumas mulheres "ue "ueriam se espalhar um pouco, o C&IC5ea"uela moa continuaro danando em bote"uim idBntico mas no o mesmo,o "ue talvez encerre uma sutileza digna de Kittgenstein, e um casal, ela omeu e=@p4 enroscado, se despede, pois o bebB os acorda no eu da matina, omarido me con!idencia, ao nos abraarmos$ -le 4 um advogado cra"ue emcorpora#es, "ue gostaria de ser pintor, vivendo em agLnica dicotomia, a "ueresiste bem, parece linho novo, nunca amassado, embora na sinu"uinha doCountr( +s vezes !ale de %alienao% e da inevitabilidade do socialismo, a

    longo prazo$ /aria >ereza "uer comer, Duincas e eu beber, e seguimos ostrBs, ela guiando, no sei, e ningu4m !ora do PI.-*con!iaria um carro aDuincas, depois das duas da tarde, "uando acorda, lavando a boca no us"uedebai=o da cama$

    -scurinha e pe"uenininha a cidade, do "ue no se deve in!ormar aos "ueno conhecem outras, melhor servidas, 99,7^ da populao, por"ue osdesencoraa, o ar@condicionado no carro e=clui o ba!o "uente, mas estsempre l, se botarmos o p4 de !ora$ 0eus 4 um artista acadBmico, ns otrans!ormamos num gra!iteiro, ogando li=o nas praias, arrasando montanhasao nosso nvel, enchendo o mar de merda$

    /aria >ereza 4 precisa e cautelosa no volante, como em pessoa$ &es"uizo!rBnicos aos montes, + solta$ Carros esguicham + direita e contra ns,somem rpidos, antes se !azendo notar, pois metem !arol alto, nosenvolvendo e nos o!uscando, /aria >ereza reduz, impassvel, !arol bai=o,eles insistem, aceleram o ronco, socam as buzinas, berram desa!iadoramentealegres das anelas, o tupini"uim rasgando a !antasia urbana e de urbanidade"ue lhe en!iaram, uma camisa@de@!ora$ -m avi#es ao estrangeiro cantam%cidade maravilhosa%, carregam sempre a taba no corao$

    ereza e entramos %aonde todomundo vai%, umas mil pessoas "ue se conhecem pessoalmente, ou de vista,ou de ouvir !alar, e "ue disp#em de cr4dito, ou, mais raro, de dinheiro, ou"ue se incorporam + nota do pr=imo, em troca de drogas, adulao, se=o,ou, se muito ovens, a promessa de cesso de prazeres, e, esse o

    denominador comum, nenhum tem hora certa de dormir$ Duincas declaraamor a seis tipos se=ualmente diversi!icados, adicionando de "uebra um%tudo bem%, improbabilidade !ilos!ica superada pela licena po4tica$ /aria>ereza cumprimenta dois de cabea, dei=a@se beiar por um adolescente, ele

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    vem, ela parada, olhos !echados, recebe, no transmite$ -u distribuo alguns%ois% e %obas%, sou !luente na lngua nativa, sou nativo$

    /ilagre, milagre, arranamos uma mesa na casa cheia$ 0ona /aria>ereza e os doutores oa"uim e &ugo passam pelos aspirantes a habitues,esperando de p4, "ue !ingem no notar$ )rias pessoas a!irmam "ue

    precisam !alar muito comigo, concordo, prometo, vamos em !rente esentamos, e /aria >ereza indaga do ma_tre o "ue ele sugere, o ma_tremaltrata algumas palavras em !rancBs, traduzveis por bi!e com batata emolhos e legumes dignos do caldeiro das !eiticeiras de /acbeth, umgarom coloca Cr] 9V no meu copo e no de Duincas, /aria >ereza tapa odela, Duincas sorri ecumenicamente, bato uma continBncia avacalhada aopianista e contrabai=o, /aria >ereza no vB ningu4m, todo mundo olha,olhou e olhar para ela, uma vez no mnimo, as mulheres retero na memria

    a roupa e ma"uilagem, material de estudo, os homens se perguntaro %"uemest trepando%, se consideram os candidatos ideais, se "uisessem, %pegavaela pela bunda e essa pose toda virava logo pudim%, ao pensamento levantame alargam os ombros e suspendem o cinto, ou e"uivalente, e encolhem oestLmago$ 5 conunto toca %mulata assanhada%, as moas mais ovenssacodem os ombros e assobiam de leve, um cacareo multisse= se dispersa nasala como vento num castelo de !ilme de horror$

    /aria >ereza se desligou de ns, morde uma azeitona preta e velha, "uee=amina curiosa tentando descobrir o "ue 4, e passa em revista o ambiente,olhos semicerrados, atentos a nada em particular, s encara ntimos,ocasionalmente$

    5 Duincas duvida "ue a censura dei=e passar o "ue &esse pediu, vidapoltica, o %clube%, o Front Populaire, "uando a coisa es"uentou depois da;ocetona de 19YX, e %minhas mulheres%$ Picas$ .enhum de ns coroas !alamuito a verdade$ Faliramos ao peso de nossas dvidas conosco e com opr=imo$

    Duero perguntar ao Duincas o "ue nunca entendi, por "ue o PC tentoutomar o poder, em 19YX, ano em "ue :tlin decretou a poltica do FrontPopulaire, no@revolucionria, apaziguando partidos anti!ascistas, depois "uese estrepou no pseudo@radicalismo do %>erceiro Perodo% na Alemanha, em19YY$ Falha dos Correios e >el4gra!osE

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    secretria, ar@condicionado, e !az peregrina#es lu=uosas + corte e outrasprovncias$

    /aria >ereza %voltou%, %hi, Duin"uinzinho, vocB vai escrever sobre asmulheres "ue viveram com vocBE% /aria >ereza 4 catlica$ Casa@se umanica vez, peca@se perdoavelmente em ocasi#es selecionadas$ Duincas

    responde "ue amais !eriria algu4m, no do temperamento dele$ >alvezin!lua no paci!ismo do poeta "ue o contra@ata"ue seria o aparecimento emcartrio, ou na ustia, de uma cordilheira de pens#es alimentcias devidas,ias perdidas em pregos de "uatro continentes, contas de col4gios euniversidades de meia dzia de !ilhos, e, at4 hoe, a nota de internao deuma !ilha na )ila Pinheiro, onde tentam lhe !rear o consumo de bolinhas, o"ue, manando eu a moa, e"ivale a conter as bolas$de um %Y1% depois datacada inicial$ %Duin"uim, 4 melhor vocB contar as tuas viagens$ :e lembra

    a"uela noite no Coach &ouse, em .ova QorE% /aria >ereza dei=ou doisteros da comida no prato, o "ue 4 pra=e$ Algu4m 4 contestado alto, perto dens, com um %no eu%$

    %8, eu tinha uns troos engraados sobre Cambridge$ )ocB sabia "ue euestive uma temporada em Cambridge, &uguinhoE% 5 intelectual brasileirono 4 marceneiro, nem esto!ador$ 8 uma bordadeira$ Fica sempre noperi!4rico$

  • 5/28/2018 Paulo+Francis+-+Cabea+de+papel

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    ;rasileiro pro!isso esperana, 196V@1976

    &esse, "ue odeia bares, antara com o embai=ador dos -

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    :lvia /aria no aprova muito as companheiras, e=ceto a :ra$ :adat,bem@nascida, catlica praticante, se encontram em caridades, me e esposae=celente, de "uem tem pena, por"ue, no h como negar, 4 um abantesma,na palavra brutal de &esse, "ue nunca mais repetiu, a pedidos, depois "ue:lvia /aria perguntou o signi!icado a meu pai, e :adat, %a"uele mulato

    pachola%, gosta de %ordinrias%, %ele 4 de!initivamente cacomanaco, vocBprecisava ver o material "ue pinta l no ornal, deve ser parente do nio%, nade!inio crptica do marido, "ue resultou noutra consulta a meu pai, umAur4lio ambulante, enciclop4dico, e com uma !inesse inencontrvel emdicionrios$

    :lvia /aria no toma conhecimento da hostess, %"ue s se nota naentrada ou "uando se precisa ou o!erece alguma coisa%, e a companheira do5utro 4 idosa e %boazinha%, no !ede nem cheira, e=@secretria 0ele, "ue

    ocupou o lugar da mulher legtima, desertora do lar, arrastando com ela umadolescente, antes, curiosamente, amigo inseparvel do !ilho da me,imagem "ue se !orma sem malcia na cabea de :lvia /aria, "ue reservatodas as pedras, uma imensa pedreira, para a me 2 esposa pecadora, emParis, "ue tem o desplante de mostrar a cara no Plaza Athen4e, %no vaidurar muito%, o escndalo sacudiu a alta hierar"uia da sociedade carioca, e!elizmente a imprensa mostrou bom gosto nunca trazendo a pblico a maisleve meno a esse tpico deprimente$

    :lvia /aria considera as :orbonesas gente %boa e simples%, no asreceberia %sem mais nem menos%, por ine=istir mutualidade de interessesimediatos, mas as respeita muito, pela !alta de egosmo e devoo aopatriotismo dos maridos, tpicas, alis, de !amlias de militaresrevolucionrios$ A embai=atriz 4 importante, por"ue 4 embai=atriz dos -

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    lcido$ :lvia /aria sente em Adriana uma agressividade submersa, deperiscpio + vista, provavelmente gaucherie misturada a pretens#es deliberada de classe m4dia, usa %sndrome%, %a!erir% e palavras no gBnero, !alatoda e=citada e interminavelmente de !ilmes, msica, livros e teatro, coisas"ue :lvia /aria considera meros divertimentos nas horas vagas de esposa,

    me, hostess e guardi dos irmos, encargo pesado "ue a /e lhe con!iarano leito de morte$

    Adriana acha :lvia /aria %careta, carola e coroa% e de um esnobismorevoltante$ .o pensa melhor, se admite outros !lancos de ata"ue, dasmarchadeiras e respectivos gorilas, %o eich diz "ue militar nunca tem bomorgasmo%, dos agentes do imperialismo, e o pior 4 &esse, "ue traiu. - &essea encara de maneira !echada e sonsa, ela se lembra da peste do >ulinho, ummenino "ue lhe beliscava a bunda no primrio, e, "uando se virava indignada

    contra ele, encontrava uma cara de santo contemplativo$ .o entende por"ueo [eca 4 to charmoso com esse ess, um dos apelidos "ue o %nosso pessoalbotou nele%, e o [eca, liberal mineiro, disserta pela en4sima vez sobre alatitude do liberalismo$

    Adriana 4 de es"uerda, %como todo mundo na praia%, ri e esculhamba"uando a censura probe as msicas do Chico e !ilmes do :erginho ou doulinho, "ue %gozaram os censores sem eles perceberem%, ouve, grave esolidria, histrias de capuz, tortura e humilha#es outras, untando o seu%so mesmo uns !ilhos da puta% ao coro, e redramatiza os papos embene!cio do marido, depois "ue os !ilhos, Pedrinho e :uzana, !inalmente!oram dormir$ 5 [eca se abst4m de corrigir certos e"uvocos de pessoa etratamento e de adicionar e=plica#es e detalhes substantivos, contrapondouma simpatia sbria cua coda 4 %ns publicaramos se no !osse a censura,apesar de o ornal apoiar a evoluo$ :ou editor de notcias, vocB sees"uece, no me meto em opinio, seguimos a linha do .e' Qor >imes,separando noticirio de editorial, rigorosamente%$ - Adriana es"uenta acomida ela prpria, empregada +"uela hora nem pensar, e o [eca noagenta comer no ornal por"ue pegou uma lcera desde "ue assumiu aeditoria@che!e, %ca!ezinho e cigarro o tempo todo, sanduches gordurosos,problemas permanentes da redao + o!icina%$ -le sonha em se mudarempara uma casa, o terreno comprado em Itaipava, "ue construiro assim "ueterminarem as presta#es do apartamento c embai=o, e onde o [eca sededicaria +s pai=#es da uventude, /achado e Fitzgerald, um glossrio

    crtico@sociolgico de /achado, aspecto "ue s a"uele calhorda caolho daAcademia abordou, e %nas co=as%, e uma traduo decente de >he 3reat3atsb(, %pelo prazer de ter e partilhar%, e %talvez cometa um romance sobreminha gente de :o oo del@e(, andei !uando uns ar"uivos a, o material

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    4 to interessante "uanto o de Cem Anos de :olido, menos na violBncia, eno estou me comparando ao 3arcia /r"uez, "ue 4 um gBnio%$ Alugariam oapartamento, %espaoso e bem situado%, a e=ecutivo americano, o tipo brotaem cada es"uina, uns dois mil dlares mensais, o [eca arrumaria !ree@lances,%as revistas de :o Paulo pagam direitinho%, e os meninos, pronta a nova io

    ?uiz de Fora?;raslia, poderiam estudar na cidade a meia hora de casa$Adriana no acredita "ue o [eca resista morar longe do %as!alto selvagem% eno "uer sair nem amarrada da ainha -lizabeth, mas moita e lava os pratospor"ue 4 chato "ue a cozinheira reclame na manh seguinte "ueemporcalharam a cozinha "ue ela dei=ou ia$

    As mulheres con!erem + conversa o tom in!ormal em "ue o embai=adorse sente mais + vontade e sabem o momento preciso de dei=ar os homensentregues aos %assuntos deles%, e=ceto Adriana, "ue hesita, se irrita, mas

    termina maria@vai@com@as@outras, %por !alta de apoio dessas cricris%$ .o h!alta de espao$

    5 Conglomerado receberia incomparavelmente melhor, se !osse essa a"uesto, tem um apartamento no /orro da )iva em "ue &esse descobriuat4 um Chardin, "ue suspeita no ser reproduo, pois checou o proprietrio,4 Choate, Qale 2 :ull and ;on4s, se chamando ac Ains'orth, nome "ueamais passou pelos doze milh#es de imigrantes em -llis Island, pelocontrrio, a !amlia audou a %orientar% -llis %Island, "uando o e=cesso demo@de@obra barata, %(our poor, (our huddled masses%, precisou de controleem !uno da capacidade de absoro do mercado$ - ac no o!ereceriavatap precedido de uma mo"ueca de camaro, "ue os americanos, algochumbados, e"uilibram estoicamente nas pernas, alimentados uma vez s,no se es"uecendo de e=clamar entre cada trBs gar!adas + hostess, %this isreall( delicious%, en"uanto "ue os brasileiros !alam menos e repetembastante, e=cetuando &esse, "ue detesta tudo "ue no sea bi!e e !ritas e,pre!erivelmente, o "ue no 4 !cil de conseguir, na banha, o "ue nega, emvo, por"ue larga dois teros do resto no prato, o "ue desespera a cozinheirado Cosme )elho "ue se sente desprestigiada pelo doutor$

    5 servio + americana permite liberdade de movimentos ao embai=adore ele atrai um brasileiro ao so!, parecendo consult@lo sobre assunto s4rio,ouvindo@o atentamente$ 8 um e=perimentado diplomata de carreira$ 5utrosbrasileiros se apro=imam, %como "uem no "uer nada%, so bem recebidos,sentam@se e palpitam tamb4m$ .unca todos, ao mesmo tempo$ A conversa

    segue at4 certo ponto, "uando o embai=ador diz %e=cuse me a minute%, selevanta e pede ao host um pouco mais do %seu e=celente /athieu dHAnou%, o"ue tira o host, temporariamente, do meio do caminho,

    cm "ue ora participa do papo masculino, ora vai +s mulheres, onde a

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    hostess mostra a ltima a"uisio cara, antiga e horrenda, o host 4 o divisorde guas, um /ois4s pescado nas cercanias da :udene$

    5s grupos se dissolvem momentaneamente, os brasileiros e=clamam%ento, como 4 "ue 4%, ou, no caso de :adat e do 5utro, os militares lhesperguntam o "ue acharam do ltimo decreto do governo, :adat e o 5utro

    aprovaram, %apesar de certas restri#es%, o "ue os :orboneses recebem comnaturalidade, prometendo at4 levar a opinio dos paisanos +s autoridadescompetentes, pois consideram a crtica construtiva indispensvel aoaper!eioamento da obra revolucionria$ 5 embai=ador comenta em !rancBsa ltima viagem de :lvia /aria a Paris, ela sorri mais "ue de costume, aembai=atriz aode uma !amlia militar, o political o!!icer pu=a um general aum canto, gesticulando en"uanto !ala, hbito "ue ad"uiriu dos nativos, outalvez por"ue o ine=presso precise se e=pressar de alguma !orma, Adriana

    !ica sozinha, meio perdida no centro do salo, mordendo o lbio e olhando o[eca "ue endossa, en!tico, em silBncio, sacudindo a cabea, %observa#es%de :adat, a hostess orienta os garons na distribuio do ca!ezinho, pondo odietil em maior evidBncia, o Conglomerado serve, sorrindo, um bourbonduplo a &esse, "ue ultrapassa o se=to, e enche o copo dele prprio descotch e gua, ignorando a *india$ 5 host descansa, sentando, no intervalo,a boca incompleta sem um cigarro de palha$

    &esse diz ao Conglomerado "ue houve uma melhoria e=traordinria nahabilidade lingstica do 0epartamento de -stado nos anos sessenta, depois"ue a

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    casa em ;zios, em "ue chupou um dos mancebos, numa noite !umadssima,bebidssima e cheiradssima, o "ue deu um pouco o "ue !alar na praia, at4"ue a hostess encerrou o papo, lapidarmenteS %ac bebeu mal ontem%$ acest em todas, deve ser aceito pelo Countr( este ano e ama a liberdade daspraias e montanhas brasileiras$

    5 embai=ador "uer a candid opinion de todos os brasileiros "uanto aoprogresso da liberalizao sob o "uarto governo revolucionrio, processo"ue acompanha com %absoro integral%, e sempre "ue algu4m do Planaltolhe pede opinio, in!ormalmente, claro, tem %uma boa palavra% a dizer sobrea descompresso, o "ue os trBs :orbonesesrati!icam de cabea, pois tamb4macreditam "ue 4 passado o tempo de permitir "ue minorias e=tremistas dasForas Armadas, "ue chamam, na intimidade, de ss, aamindependentemente do poder central$

    5 embai=ador ouviu desse political o!!icer, os dois a ss, naturalmente,"ue no h cone=o aparente entre os brucutus militares, "ue chamam de'eirdos, e os supostos %nasseristas% das Foras Armadas, e nem motivo depressupor "ue seam %pontas@de@lana% de um movimento "ue vise aestatizar a economia brasileira, "ue, pelo contrrio, os 'eirdos soligadssimos a %bons amigos nossos% nos meios !inanceiros de :o Paulo, os"uais se op#em +s tentativas de %integrao social% do "uarto governorevolucionrio, aumento salarial do insigni!icante ao n!imo, dilogo civil@militar, etc, poltica re!ormista "ue a embai=ada aprova, pois %distenderiatens#es%, lamentando a !alta de viso dos bons amigos paulistas e a gentebestial "ue alugam para !rustrar o %produtivo gradualismo% do atualpresidente$ 5 embai=ador, por4m, no con!ia em geral na capacidade depolitical o!!icers$ :ervia no Cairo em 19X6 "uando .asser nacionalizou :ueze ningu4m mais surpreendido na embai=ada "ue os political o!!icers, "ue no!alavam ou liam rabe e passavam a maior parte do tempo subornando tiposmarginais, srios ou armBnios, %'hat do (ou meanE arenHt ali Arabs thesameE%, ou em recep#es diplomticas e=ibindo uma dbia e=pertise emvinhos e namorando secretrias da misso !rancesa$ 5 servio !oiradicalmente recauchutado depois do desastre em Cuba, mas no custa aoembai=ador !undamentar o brie!ing recebido com %bons amigos na imprensado io%, melhor in!ormados e "ue, sob o estmulo do tema proposto,automaticamente supririam dados novos, se e=istentes, sobre os adversriosda descompresso, militares ressentidos e primitivos, "ue nem se"uer

    !re"entam o cineminha da embai=ada$&esse assiste ao espetculo sem participar, e s se diverte "uando o os4Carlos, "ue !oi reprter de polcia e no perdeu de todo o !aro da esp4cie,vira, inocentemente, o !eitio contra o !eiticeiro, e, sincero e insistente como

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    um so@bernardo, indaga do embai=ador "ual a verdadeiraposio dos -

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    lcera padece de migraine, %!eito oo Cabral%, e uma chuveirada, antesescolhendo a camisa da noite, levinha, "uase transparente, ela comprou afazenda, em Ipanema, na"uela loa "ue !echou, uma pena$ 8 tpico, notou a)era, os homens vo de mangas de camisa enroladas, no calor da cidade, eobrigam as mulheres a se empetecarem todas, %a casa de bonecas virou

    cascalho de empreiteiro, meu chapa%$ Intil$ .o s4 ouve nada debai=o dochuveiro, americano, !ortssimo, "ue o [eca trou=e da"uela viagem a .ovaQor, na companhia do 5utro, em "ue ela no !oi e !icou puta da vida$

    Adriana detesta longos, sente aba!amento apesar de toda a ventilaointerna !alada, e no se habitua a us@los sem calcinha e soutien como aKandinha )inde a /im as Criancinhas, "ue nunca p#e, o [eca estaria!ascinado por ela, no AntonioHs, a"uela noiteE 0izem "ue todos os homens!icam, ainda bem "ue Kandinha s come garotos, ou ser cascataE - os

    longos, se lhe atenuam a bunda, acentuam a largura do corpo e os malditos1,XX m, %papai poderia ter casado com uma mulher um pouco mais alta%,todo mundo acha Adriana a cara escarrada da me$

    A )era diz "ue essa histria de se "uerer corpo de Audre( &epburn 4colonialismo e e=igBncia patriarcalista$ Adriana ouve, %grati!icada%$ - tem deadmitir para si prpria "ue o [eca adora a bunda grande, "ue chama de%mimo%, "uando tomou umas e outras, o "ue 4 raro, a porra da lcera$

    5s dois se acertam na cama$ -le gosta de sent@la, nua, no colo, e de%passar a mo% -la custou um pouco a se acostumar "ue o [eca no tirassetamb4m a roupa, de sada, e + luz acesa, mas hoe ama sentir o troo delepressionando sob as calas, como vB@lo, ao troo, se e=pandindo, %pareceplanta da"ueles !ilmes de Kalt 0isne( a "ue papai me levava no Art@>iuca%$Adriana no usa %caralho, piroca, pau, pica%, etc, rindo nervosa, semcon!essar, "uando ouve das amigas, %um blo"ueio meu, deve ser%, se bem"ue solta em conversa %4 do caralho%, igual a todo mundo$

    Casou virgem com o [eca, ine=periente, "uase$ Alguns namorados%botaram a mo% no cinema, ou lhe chuparam os seios, o "ue dava vontadede rir misturada ao medo de serem vistos, por"ue pareciam bebez#esmamando e lhe !azendo ccegas, !icava es!ogueada e molhada sentindo !altade alguma coisa, e odiou as vezes "ue, %para acabar a discusso%, sacudiu otroo deles, achava noenta a !rase %tocar uma punhetinha%$

    : um dia e=perimentara o "ue nem o [eca lhe dera, e a memriapermanecia di!usa, ine=aminada e enervante$ Foi + casa da ;erenice, irm do

    mole"ue do >ulinho, estudar$ A ;B no estava$ .ingu4m, !ora o >ulinho,"ue, surpreendentemente, recebeu@a gentilssimo, mostrando@lhe acasa toda, at4 a cama dos pais, de colcho de penas, onde pulou,

    simptico, sorridente, atencioso, convidando@a a subir$ -la resolveu !azer as

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    pazes, %depois de uma conversa s4ria%$ 5 >ulinho se comprometeria a nomais lhe beliscar na aula e %seriam amigos pro resto da vida%$ Duando viu, omenino se levantara na cama e lhe espremia os braos, pondo@a de oelhos$ -tirara o troo das calas, "ue era mesmo a cara de um pinto, o "ue ouvira ame chamar o do irmo, o ;eto, um pinto en!ezado, de briga, todo duro e de

    cabea vermelha, o do >ulinho$ -le disseS %Chupa%$ Adriana, soluando,implorou um %mame%, bai=inho$ >ulinho tacou@lhe um bo!ete$ -la se sentiumolenga como de manhzinha, se despedindo do travesseiro$ 5 >ulinhopu=ou@lhe a cabea, empurrando@a e trazendo@a de volta sobre o pinto$ )eioum gosto salgado na boca de Adriana, "ue nem engoliu direito, por"ue%desatou todinha por dentro%, e a es"ueceu tudo, hoe se lembra "ue aochegar em casa gargareou um tempo, e mame ia achar "ue a !ilha !izerapipi nas calas, logo tomou outro banho, a me espantada de tanta higiene,

    dois banhos num dia$ .unca reme=era no assunto, nem no grupo$ ;esteira decriana$ 5s nervos tremem um tico + memria !ugaz$ Adriana conhecera o[eca na !aculdade, ela entrando em neolatinas, ele saindo de%comunica#es%, numa portinhola incrustada na /aison de France, sobre umsanduche de pernil e guaran caula, "ue pre!eriam aos sint4ticos o!erecidospelos galeguinhos robLs do ;obHs vizinho, como, mais tarde, !ormaram naltima trincheira do /oraes de Ipanema contra a ine=orvel invaso da!rmica e plsticos vrios, "ue o [eca e"uiparou a )ampiros de Almas, "ueAdriana no vira, mas viram /( Fair *ad(, e louvaram em coro Audre(&epburn, cuo corpo d %a"uela invea%, e concordaram em "ue a nossa ;ibino !izera vergonha$ As a!inidades !loresceram mil$ -la morava na Conde de;on!im, ele na ua do ;ispo$ :e encontravam a p4, e=erccio "ue gerourela#es pro!undas de :crates a esus Cristo$ 5 [eca recitou um Ccero "ueaprendera dos /aristas em ;elzonte, Adriana achando@o elo"ente e %umhomo do tamanho de um bonde%, descrevendo + melhor amiga, no diaseguinte, em detalhes, a amplitude do novo admirador, o "ue provocou da:uel( um %imagine o "ue vocB ainda no viu%, o "ue, entre risinhos, Adrianabaniu da cabea, com certo es!oro$

    5 [eca era romntico c delicado, destoando da"uele peso todo$-mprestou@lhe /achado, Fernando Pessoa, Fitzgerald, o Duincas daprimeira !ase, e discutia@os !ervorosamente$ .unca tentou %botar a mo%,nem se"uer na %sala de entrada% chez Adriana, um cubculo de propor#esmonsticas e propcio a rituais da >ebada, amais e=ecutados$ 0as mos

    dadas, passou, timidamente, ao brao no ombro, "uando viam um movietonesobre salm#es em desova, "ue, se seguissem o ritmo do [eca, seriam esp4ciee=tinta, ao beio 5 na !ronte, nas !aces, na boca, na lngua, levssimo, %!eitostia entrando%$ Adriana "uis a princpio reagir, estimulando assim a

  • 5/28/2018 Paulo+Francis+-+Cabea+de+papel

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    intensi!icao da o!ensiva, mas percebeu cedo "ue as inten#es do [ecaeram %para valer% e seguiu as regras do ogo da 4poca$ Intuiu a !ora "ue hem nos contermos em !ace de "uem nos desea, aprendeu a responder nadei=a o "ue o [eca gostava de ouvir, a assinalar presena s se solicitada, aestender as r4deas ao m=imo, %vocB me tele!ona "uando tiver o primeiro

    tempinho%, trabalhava tanto, o coitado$5 [eca era s4rio e es!orcadssimo$ .o W1X, ida e volta, descreveu em

    captulos a batalha em curso, o pai morrera ano passado, obrigando@o aassumir a che!ia da !amlia, me e "uatro !ilhos menores, em idade escolar, aaposentadoria do pai uma mi=urucalha, %"ue no saa, de "ual"uer eito%, eleagentando o barco, traduzindo, pegara at4 um carro de praa num mBs "ueno lhe deram livros, e, de permanente, " salrio de tabela de reprter depolcia, emprego "ue odiava, no o ornalismo, a polcia, pois s en!rentava

    gente bai=a, principalmente os policiais, e importunava !amlias pobres eso!redoras + cata de bonecos de entes "ueridos assassinados$ Procurava serhonesto, !atual, %sociolgico%$ 5 ornal no permitia$ eclamou "ue ocopides"ue eliminava as anlises dos ambientes horrveis em "ue "uasesempre os crimes ocorriam, substituindo por tidibites sobre a vida se=ual daspersonagens, %/arina hesitou entre seus dois amores% e bobagens no gBnero$Adriana conhecera uma /arina "ue hesitara entre dois amores e terminaratomando um terceiro, o pediatra do bairro, o 0r$ Cer"ueira, e os dois searrancaram, dei=ando os e=@amores, a mulher abandonada e as clientes dom4dico em !ria e !o!oca "ue renderam meses, mas concluiu rapidamente"ue se tratava de outra pessoa, e, al4m disso, amais interrompia o !lu=o do[eca$ .o "ue o ornal !osse 5 0ia, isso no, agora !altava um bocado parachegar ao .e' Qor >imes$ - o interessante 4 "ue o editor@che!e, apesar decarrancudo, violento, pssico, diziam, revolucionara a primeira pgina, anacional, a internacional, o segundo caderno, mudando !ormato e estilo,banindo centenas de palavras, %insigne%, %ilustre%, %belonave%,%entrementes%, %outrossim%, %vagar% ? %no se vaga,se anda,porra%, etc$ Apolcia !ora a nica seo intocada$

    Adriana necessitaria de um dicionrio, glossrio e livros de re!erBnciapara acompanhar todo o monlogo, mas se sentia to into=icada pela pai=ona voz do [eca "ue !icava num pile"uinho satis!eito, %"ue ia at4 lembai=o%$ 0ebruava@se nele, sendo recebida pela !ora da in4rcia eocasionais tapinhas nas costas$ Precisavam casar logo ou %eu !ao uma

    loucura%, relatou + :uel(, "ue solidariamente se omitiu dos habituaiscomentrios pornogr!icos, entendendo a gravidade da posio estrat4gica daamiga$

    0e "ue eitoE

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    casrioE Adriana no trabalhava, nunca pensara nisso, e sara da !aculdadedizendo em casa "ue se convencera "ue %o tal do latim 4 muito sobre ochato%$ .o iludia a ningu4m, nem a si prpria$ Aguardava uma deciso do[eca$ A me torcia o nariz e o pai en!iava a cara em 5 3lobo + meno do[eca$ 5 ;eto, menino sa!ado, olhava@a como se soubesse "ue o [eca papava

    a irm, prometendo o "ue no cumpriria, casar@se$

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    apodrecer na %vala comum%$5 "ue doeu de verdade !oi a atitude do >ertuliano, um dos diretores e

    editorialistas, poeta, raconteur re"uestadssimo nos sal#es e bares da cidade,!amoso pelas boutades gravadas nos ladrilhos mentais da gente da moda$ 5>ertuliano !re"entava assiduamente a corte do 0ono do ornal, %P`re

    oseph visto por /arivau=%, dissera dele ao [eca um comunista culto "uetrabalhava no ar"uivo$ 5 [eca no entendeu e no consultou enciclop4dias,pois decidira apelar ao >ertuliano, conterrneo, certo, no mnimo, dasimpatia do poeta, a!abilssimo com todo mundo, adorado at4 pelos bo(s$ o encontrara no elevador e, apresentando@se, o >ertuliano choveu perguntassobre tios, primas, todos distantes, do [eca, gente de :o oo del@e(, "ueo poeta conhecia bem e de "uem deseava notcias, obrigando o [eca a umes!oro prodigioso de memria e a alguns e=erccios em "uiromancia, de "ue

    logo se envergonhou$ .o "ue o >ertuliano prestasse muita ateno$ 0e umapergunta pulava a um comentrio espirituoso, no esperando resposta ouadendo, era um malabarista da palavra em sho' permanente$

    At4 "uando o [eca elogiou poemas do >ertuliano, "ue lera todos,achando@os de uma gratuita !erocidade sensual, es"uecida ao se !echar olivro, e limitando@se, na sinceridade costumeira, a citar os "ue gostara,realmente, o poeta intercalou piadas autodepreciativas, %4, dariam uma boa"uarta de capa do oo Cabral%, se bem "ue os olhos contradiziam o humor,!i=os, !rios, !otogr!icos$

    %-stabelecido o dilogo%, num almoo no Ian"ue do ;rasil, vaziona"uele dia, meio !eriado, %no, a nota 4 minha, precisamos preservar nossosreprteres policiais das tenta#es implcitas na sua temticaM vade retro,:atanas%, o [eca lavou a alma, a humilhao de marcar passo na polcia,%so todos uns caras legais na reportagem, no me "uei=o deles ou deningu4m, "uero apenas 4 uma chance de progredir%$ - des!iou o cabedaluniversitrio, erro ttico de "ue se deu conta anos depois, ao descobrir o p4atrs de ornalistas competentes contra diplomados em ornalismo, p4 "ueassumiu, as tradu#es na Civilizao e na os4 5l(mpio, e o haviamrecomendado + [ahar, a mais e=igente, os estudos em pro!undidade daimprensa estrangeira e nacional, os cursos noturnos e inglBs e !rancBs, %progasto pro!issional%, e, chato de contar, as obriga#es de !amlia e o perigo"ue corria o noivado, %ela 4 uma moa maravilhosa, 4 inusto "ue percatempo comigo%$

    >ertuliano permaneceu em silBncio, despido de graas pela primeira vezdesde "ue o [eca o conhecera, trinchando delicadamente o pudim do dia$Finalmente, disseS %

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    passageira, em verdade se entupira de !eioada na casa de Adriana, raramentecomia na rua, para economizar$ >omaram o ca!4, o >ertuliano revertendo aosilBncio, no caso, pr=imo do surreal, o [eca tentando ler@lhe a e=presso,teria dado um ve=ame, recorrendo ao conterrneoE .o sabia aonde en!iar acara$ >ertuliano, ao medir cuidadosamente a goreta, acrescentou num tom %+

    guisa%, palavras "ue o -ditor pssico eliminara do ornalS %5lha, [4 Carlos,!arei o "ue puder, pode crer$ Agora, no superestime minha in!luBncia$ Avida 4 dura, menino$ .o, no, no me agradea$ .o custa nada%$

    5 [eca esperou meses uma resposta, qualquer resposta$ >odo diaperguntava ao bo( da entrada se havia recado, erguendo ligeiramente oombro como se indicando a origem, %l em cima%, do chamado$ 5 poetasempre o cumprimentava amvel, a distncia, no houve chance de novopapo a dois, e cobrar no dava p4$ At4 "ue numa tarde, o [eca e o Alcides

    desciam da ca!eteria e o elevador parou no andar da diretoria, revelando o>ertuliano e outro editorialista$ 5 poeta %no os viu%, coronhando de leve acabea, recuou rpido e disse, correndo, %es"ueci o endereo do m4dico daminha mulher, segue "ue eu pego outro%$

    Duando o [eca tomou posse do A"urio, o >ertuliano !oi um dosprimeiros a visit@lo, %ento, teremos um estilo machadiano@!itzgeraldiano eeu "ue no consegui se"uer driblar os adetivos do -a, onde !ico, virobandeirinhaE% 5 [eca riu, recebeu modesto os parab4ns, marcaram antar eantares, e o >ertuliano avalizou a entrada dele e de Adriana nas mesaspermanentes e deseveis do AntonioHs, em casas gr@!ino@boBmias nuncae=atamente open e similares$ Adriana adora tamb4m o >ertuliano, ainda "uemuita gente na praia o considere um alienado$

    A oportunidade do [eca veio ele no sabe at4 hoe por "uB$ 5 -ditor@Che!e chamou@o, a ss, d4but, o!iciando o ritual dos pap4is, como decostume$ 5 [eca, de p4, curvado, resistindo a uma tentao insana de dobrar@se todo, de cair de oelhos, "uando veio a pergunta num rosnado rouco, %"ue"ue vocB sabe de nazismoE% 5 [eca tomou ar, %bem, !oi um movimentocriado pelo Adol!o &itler%, ao "ue uma bic bateu violentamente na mesa,interrompendo o verbete, %livros, anlise, o "ue vocB leu a respeitoE% e,estarrecendo o [eca, acrescentou, %:entapL%$ 5 [eca, se esticando todonuma cadeira, abriu@se em sinceridade sincopada e espumanteS %pouca coisa,!rancamente, ornais, cinema, e, ah, li atentamente e anotei a Ascenso eDueda do III eich da Civilizao%, o pssico rugiu, %chega, porra%, o [eca

    retesou@sede novo, con!uso, ignorando se passara ou !ora reprovado no e=ame$ 5-ditor lhe cravou os olhosS %& o rumor, o

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    apure$# no dia nada a ninum na reda$o, man!ou, porra? Passa nacai=a "ue te do um vale, passagem e o caralho a "uatro, autorizei%$ 5[eca arrancou rumo a oinvile, "uando !oi !reado nos calcanhares, %espera,porra, no acabei$ :e !or sa"ue, o nazista, nem uma palavra na vala comumou F5A, man!ou, porra? :e o cara 4 batatolina, me tele!ona, s% a mim,

    man!ou, porra? "ue segue !otgra!o na hora, toma meu tele!one de casa$Agora, o /AI:I/P5>A.>-S arruma !atos, !atos, !atos, !atos, !atos$ 5 Alcidesa!irma "ue vocB cava e cheira at4 o !im$ Pu&lico o que vier, doa a quemdoer. -sse cara 4 procurado em trBs pases, mas picas de anlises ouopini#es, dei=a isso pra"ueles cabr#es do editorial$ ornalismo 4 notcia enisso "uem pia a"ui sou eu$ Arranca a vida nos campos de e=termnio, asrela#es da ss e big business, a proteo "ue o nazista recebeu e de quemantes de pintar solto no pas, man!ou, porra? 5G$ )ocB 4 casadoE% 5 [eca,

    e=ultante, se nervosamente cipoado da cabea aos p4s, respondeuS %.o,senhor, ainda no%$ 5 -ditor, de sbito, parecia acometido de violenta dor dedente, "ue o [eca deduziu ser o esboo de um sorriso, %"ue porra de senhor4 essaE >, te manda, e tamb4m moita na rua, + namorada, !amlia, etc, !icaentre ns, man!ou, porra? 0iz "ue vai viaar a servio e encerra o papo%$

    5 [eca recebeu o PrBmio -::5$ Admite "ue teve sorte$ :ervira, pelotamanho, na P-, e conhecia trBs Catarinas de oinvile, "ue gostaram dele,por"ue no lhes gozara o sota"ue e at4, uma noite, os conduzira a um%puteirra%$ 5 trio localizou o nazista, o %:eu &erman%, "ue se disse + esperade uma pessoa %purra% como o [eca, a !im de purgar a alma$ )oltaradevotssimo + religio da uventude, %na campa eu non zinha chtLmaga de irro igrea%$ *egi#es de vizinhos con!irmaram as "ualidades do %:eu% &erman,trabalhador, prestativo, esposo amantssimo, pai e=emplar, contribuintegeneroso das caridades da igrea local, o vigrio implorando ao [eca "ue%dei=asse o pobre homem em paz, a "ue esus pagou todos nossos pecados%,os !ilhos do nazista se agarravam nos pern#es do [eca, splices e unssonos,

    %[enhorr non !acerr mall a !ater%, a :ra$ &erman chorava e serviastrudels variados, o [eca engordou dois "uilos$

    A mat4ria entrou na primeira pgina e no saiu mais$ 5 [eca notou "ue ocopides"ue penteava a"ui e ali, apenas, permitindo "ue o drama orrasseincontido$ -stranhou no ouvir instru#es ou, o "ue temia, crticas do -ditor@Che!e, a "uem nem conseguiu pegar ao tele!one, o Alcides, "ue o atendeu,e=plicando "ue pssico entrara em !4rias compulsrias, trBs perodos

    acumulados, e, a melhor notcia, "ue o 0ono ordenara e comandavapessoalmente o desta"ue ao te=to do [eca, manchete "uase diria, o estrelatom=imo atingido numa !oto na varanda do %:eu% &erman, o reprtersegurando no colo o &ans, !ilhinho louro do casal, muito dado, o menino e o

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    [eca sorrindo para todo o ;rasil$.a Conde de ;on!im, Adriana se convertera em ornaleira de !ilme ; da

    Karner, na d4cada de YV, "ue gritava %read ali about it% nas es"uinas$Impunha e=emplares + vizinhana, "ue aceitava de bom grado, pois se sentiaremotamente ba!eada pela glria$ -m casa, o pai preteriu 5 3lobo pelo

    ornal do [eca, %4 uma histria comovente, o rapaz sabe observar%, e a mese solidarizava alto bom som com a resignada :ra$ &erman, %"ue o teu noivoconta muito bonito%$ A nica nota destoante !oi o ;eto "ue usou pginas deuma longa dissertao do [eca sobre a %solidez do senso comunitrio emoinvile% para !orrar a areia dos %nmeros 1 e \% do gato dele, o %Praga de/e%, levando uma espina!rada !irme da irm$

    5 %:eu% &erman, segundo o [eca, durante um ano no percebeu o "ueacontecia %na campa%$ >rabalhara na administrao de Ausch'itz, papelrio,

    nomes, nmeros, entradas e %sadas%, tudo normal, rotineiro, tedioso$Pre!eria ter ido lutar no !ront russo, contra a ameaa bolchevi"ue + -uropasobre a "ual ouvira serm#es ines"uecveis de :ua :antidade, o Papa Pio RII$inha de pensar na !amlia$ 5s o!iciais mais ovens, em tempo, !oramenviados ao *este, e %:eu% &erman, mero capito, passou !aute de mieu= atenente@coronel, assumindo encargos horrveis "ue o prostraram de !ebre,obrigando@o a assinar ordens da cama$

    ;ai=ou no copides"ue um documento o!icial do governo polonBscontendo !otocpias autenticadas de ordens do ss 5berstumban!hrer&erman 0eluege, autorizando o e=termnio de cento e noventa mil udeus,em !evereiro de 19WX, "uando, !risava o redator polonBs, o prprio eiches@!hrer &immler ordenara a suspenso do massacre, pretendendo barganharcom a vida dos udeus os termos de rendio da Alemanha$ 5 vastodocumento !oi ane=ado + mat4ria do [eca, resumido a %o governo comunistasat4lite de )arsvia acusa &erman 0eluege de participao na morte de

    milhares de udeus em Ausch'itz%$5 [eca !icou !rustradssimo por"ue no cobriu a luta pela e=tradio do%:eu% &erman no :upremo, entre a Alemanha 5cidental e a PolLnia, mat4ria"ue coube + editoria nacional$ 5 :upremo, na tradio humanitria

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    brasileira, devolveu o %:eu% &erman a ;onn, "ue abolira a pena de morte,onde !oi condenado a cinco anos de cadeia, e=cludos os dois anos dedeteno no ;rasil$ 0a priso, ao con"uistar liberdade condiciona em seismeses, o %:eu% &erman enviou um carto de %boas !estas% ao :r$ e :ra$ os4Carlos /enezes, "ue Adriana, num acesso irracional, rasgou, atirando na

    latrina, antes "ue o marido pudesse contB@la, e, paciente e delicado, lamentou"ue ela tivesse uma atitude mani"uesta em !ace da vida$

    5 sucesso no mudou o [eca, a redao reconheceu$ 5s che!es recebiama de!erBncia "ue lhes era devida, e o mais humilde bo( se sentia, como decostume, um coleguinha$ At4 reclamou "ue %no lhe davam nada%, napolcia, e, ao voltar !inalmente + rotina, saiu denodado + cata de bonecos$PJ:@-::55:prprios comunistas o cumprimentaram pelo sucesso, apesar daprocedBncia, a!eio, uma vez na vida, superando ideologia$ 5 eaderHs

    0igest condensou a mat4ria, pagando@lhe trezentos e cin"enta dlares,%uma !ortuna%, e houve um bLnus de setecentas e cin"enta pra@

    tas do ornal, dinheiro "ue o [eca pLs numa caderneta de poupana, naCai=a -conLmica, em nome de Adriana, a "uem nada disse, uma surpresareservada para o momento propcio$ : o -ditor@Che!e se portara mal,talvez, o [eca %no poderia a!irmar%, tal a inescrutabilidade do sueito$ Foiao chegar a deciso do -::5$ Colegas o cercaram, co@brindo@o de tapinhas eperdigotos carinhosos$ 5 -ditor, de passagem, nunca parava na %valacomum%, !alou, %rapaz, se h uma reportagem + altura da -::5 4 a tua%$-staria bBbadoE 5 [eca, no !undo, sabia "ue no, por"ue o cara carregava nopuritanismo, o pessoal e=cludo do A"urio o apelidara de obespierre$ -raapenas um carente completo de calor humano$

    Prenncios de man precederam o eaderHs 0igest e o -::5$ 5 0onochamou@o %l em cima%, ao voltar de oinvile, a primeira vez "ue o [ecasubia "ue no !osse + ca!eteria$ Por sorte, na"uela tarde ia a um casamento eenvergava beca dominical, o "ue agradou, de cara, ao 5utro, irreconciliado,se bem "ue em silBncio, com eans, cabeleiras masculinas e calas compridas!emininas$ Foi apresentado a um senhor de cabelos grisalhos, corte rente,porte de coronel, o adido cultural da Alemanha democrtica, isto 4,5cidental$ 5 alemo cumprimentou@o pelo !air pla( das reportagens, o 5utrointerrompeu a!vel, por4m, !irme, "ue em hiptese alguma o ornal pensaraencontrar compatibilidade entre &erman %0eluge% e a Alemanha livre, o "ueo nosso %Carlos /enezes% sabia melhor "ue ningu4m$ 5 [eca,

    agradavelmente surpreendido pela prpria acuidade poltica, assentiuen!tico, de cabea, em silBncio, como de hbito$ .o dia seguinte, escreveulonga carta ao 5utro, entregue em mos + secretria, %l em cima%, pedindouma chance de ser testado na editoria nacional$ .o "ue menosprezasse a

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    polcia$ 0ei=ou claro "ue %aprendera muito sob a che!ia en4rgica ecompetente do companheiro -gberto Amado%, mas gostaria de servir aoornal em outra capacidade, %ampliando horizontes%$ Ane=ou e=tensoresume, desde a !ormao austera %produto dos es!oros e paciBncia dosmeus abnegados mestres /aristas% + %ornada de oinvile%$

    :e en"uanto aguardava resposta o [eca permanecia o mesmo, o ornalentrara em terremoto$ .a primeira pgina, invariavelmente, Fidel Castrotinha a palavra, e, no editorial, vozes anLnimas advertiam contra oengol!amento da Am4rica *atina pelo comunismo, em o!ensiva de &avana, abase sovi4tica no Caribe$ vigorava na 4poca a %separao .e' Qor>imes%, "ue o [eca e=plicara a Adriana, "uando esta se politizou na/ontenegro, mas culminara ad absurdum na crise dos msseis sovi4ticos emCuba, outubro de 196\, pois o noticirio acusava os -emos um ornal inteiro atirar%$ 5s teclados das m"uinas comearam a encobrir os cochichos$>erminada a reunio no A"urio, o Alcides chamou o [eca in!ormando "ue o0ono %"ueria lhe dar uma palavra%$

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    As duas da manh, o ;eto, s de cala curta de piama, no "uarto dele,"ue, ao contrrio do de Adriana, no tinha ar@condicionado, %isso eraproteo%, ouviu os murros na porta de entrada da casa, desceu e abriu aporta para o [eca, emitindo um %porra, a essa hora%, o !uturo cunhadoe=citadssimo insistindo em "ue Adriana !osse chamada, ela e a me

    vinham escada abai=o, a me repetiu o %a essa hora%, sem o porra, e o [ecapedindo milh#es de desculpas pu=ou Adriana ao living, a noiva de peignoirde algodozinho, "ue odiava, %por"ue 4 muito mi"uelino%, propLs casamentodentro de um mBs$ Adriana concordou, concordaria com tudo, semi@adormecida, se dando conta apenas "ue o corpo dela contra o do [ecaentrava direitinho e, se encostando, percebeu o troo dele em sobressalto,no "ueria mais sair dali, mas o [eca sacudiu@a, !ren4tico, %preciso tecontar%$

    5 5utro recebera o [eca de camisa ostensivamente aberta, e=ibindo opeito cabeludo, com um ar heming'a(ano, estilo no do agrado do [eca,!itzgeraldiano$ ;oas notcias, por4m, criam a sua prpria !orma$ - veio ao!erta$ 5 e=@editor da nacional, %comunista notrio%, seguira o !idelistaobespierre$ 5 [eca o substituiria, interinamente? A!inal, o [eca brilharaem oinvile, se !ormara em ornalismo e %outras coisas%, "ue a secretriaresumira em voz alta, por"ue o 5utro detestava te=tos de mais de uma lauda,o "ue obespierre, visando a irrit@lo, chamava de %mat4rias empro!undidade%, %de "ue essa bosta de consumo a"ui precisa para virarimprensa%, e !ora obespierre, contou na"uele momento ao %meu caroCarlos%, "ue se opusera violentamente + trans!erBncia do [eca + nacional, e o[eca, numa mistura ine=tricvel de B=tase e mgoa, por"ue respeitava opro!issionalismo de obespierre, "uis saber o motivo$ 5 5utro encerrou oassunto laconicamente, sob um sorriso lorde, %ele s permitia comunistas empostos@chaves%, e o [eca, num acesso de in!antilidade de "ue se arrependeu"uase "ue simultaneamente, disse, %eu sou catlico praticante e meu pailutou contra a Intentona de 19YX%$ 5 pai bradara %morte aos comunistas%numa con!eitaria de :o oo del@e(, uma vez esmagado o levante$ 5 0onosorriu deliciado, no se enganara, %4 de ovens como vocB "ue o ;rasilprecisa neste momento de perigo%$ 0ecidiu "ue a interinidade seria apenaspr@!orma$ - decidiu tamb4m no revelar as obe#es espec!icas deobespierre ao [eca$

    -m !4rias !oradas, obespierre reclamava diariamente ao tele!one da

    %desconversa revoltante% sobre o nazista &erman no ornal, %em putadesta"ue%$ Perguntava, %onde estivera o puto entre 19WX e 19XV, ano em "uechegara ao ;rasil, na lua, porra?" 5u protegido pela CIA, 5governo e o-stablishment de ;onnE

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    meno Tudia, na certa, pensouU, a!irmava "ue ;onn mantinha em liberdadecinco milh#es de membros conhecidos do Partido .azista e alguns emcargos pblicos$ - "uem acreditaria "ue %!ilhos de dez e cinco anos,supostamente nascidos no ;rasil, !alassem a"uele portuguBs carregadoEA"uilo era !amlia de vaudeville, alugada, "ue o reporterzinho escroto de

    polcia glori!icava, plantando para "ue o 0ono colhesse um tutu !irme daAlemanha 5cidental%$ 5 0ono concluiu "ue obespierre enlou"uecera devez, sempre !ora pssico Tdiziam "ue guardava um chicote e um revlver nagavetaU e "ue a re!orma dos dois cadernos terminara, o "ue escalaracirculao e publicidade, resolveu demiti@lo no momento oportuno$

    5 [eca !oi despachado amavelmente para a editoria com um r4giopresente de despedida, %amanh, logo "ue chegar, me procure, dei=o aordem, entre direto na minha sala, "ue !i=aremos seu novo salrio%$ 5 [eca

    trabalhou como um camelo, apoiadssimo no Alcides, "ue conseguiu acalm@lo, dando@lhe dicas inestimveis sobre o peso, posio e tamanho dasmat4rias, apesar de ele prprio, o Alcides, ter de coordenar "uatro pginas"ue re!letiam a indignao internacional e carioca em !ace do aventureirismosovi4tico no Caribe, apoiando a ao pro!iltica do governo Genned(,e=igindo, por4m, %medidas mais en4rgicas%, as "uais %e=tirpassem de vez ocncer comunista "ue se espraiava de &avana%, e o [eca e=perimentou naplenitude o suspense e o inesperado na criao ornalstica, pois, nao!icina, as e=igBncias de invaso de Cuba !oram cortadas e substitudas porretrica menos belicosa, por"ue o 0ono recebeu certos tele!onemas de%gente em melhor posio de ulgar os acontecimentos do "ue ns%$ 5 [ecase saiu direito, aproveitando os anos de estudo da mecnica das diretorias,mas con!essou a Adriana "ue, sem o Alcides, amigo certo numa hora incerta,o nervosismo e a nova responsabilidade o teriam derrubado$

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    noite e no "uei, %assim no 4 possvel%, e a vagareza o dei=ava a!lito, poisAdriana, embolada no outro canto, no abre a boca, %uma !era%, por "uBEnem descon!iava, a menos "ue !ossem as habituais restri#es in!anto@uvenis+ poltica do embai=ador, do Conglomerado, &esse e Cia$ o "ue o obrigaria,em casa, tirando a roupa, a repetir "ue ornalista %!ala com todo mundo, o

    "ue no "uer dizer "ue aceite todo mundo%, a!inal recebera e responderamensagens at4 do !alecido /arighella$

    Adriana, no momento, acha "ue deveria ter esbo!eteado &esse na hora,%a audcia da"uele !ascista noento, bochecha de bunda%, e cerrava ospunhos, repetindo, em pensamento, %F@I@*@&@5 0@A P@@A%,saborosamente mastigando as slabas$ Por "ue no pusera a boca no mundo,:lvia /aria ou no, embai=ador ou noE e via o [eca agarrando o &esse,empurrando@o contra a parede, esmurrando@o at4 "ue o !ascista perdesse a

    consciBncia, sangue orrando para todos os lados$ -la pediria, docemente,%chega, pelo amor de 0eus, meu bem%$ .ada$ 5 [eca mataria ele a socos$

    Ao sair do banheiro da casa, Adriana viu@se agarrada no escuro pelasndegas, suspendida de p4s no ar, e uma lngua, parecia !erro de dentista,varou@lhe a boca, se me=endo, lambendo todos os cantos, Adriana "uaseengasgando no chorrilho de saliva, e o troo do cara t