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Editorial

Com este terceiro volume, e contando com um crescente reconhecimento por parte da comunidadecientífica nacional, PER MUSI enfrenta de forma efetiva o desafio lançado por seu criador eprimeiro Editor-Chefe, o Prof. Dr. Fausto Borém, estabelecendo-se, assim, de forma definitivacomo referência nacional na área de pesquisa em performance musical.

Dando continuidade à iniciativa principiada no volume anterior, o presente volume reúne algunstrabalhos que foram apresentados no I Seminário de Pesquisa em Performance Musical eque se voltam, principalmente, às músicas e músicos brasileiros. Em um rigoroso estudo demusicologia histórica, Paulo Castagna nos revela que as claves altas, freqüentemente utilizadasna música religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX, devem ser interpretadas como umsistema transpositor. Luiz Guilherme Duro Goldberg discute a relação partitura/obra musicalao apresentar os critérios adotados para uma edição crítica das Valsas Humorísticas de AlbertoNepomuceno. Eliane Tokeshi discorre sobre a trajetória composicional de Ernst Mahle atravésda análise estilística de suas Sonatas e Sonatinas para violino e piano. Rafael Santos sugerecritérios bem fundamentados para a performance dos choros para piano Canhôto eManhosamente de Radamés Gnattali, obras caracterizadas pela coexistência sui generis deelementos musicais das culturas populares brasileira e norte-americana. A partir da teoriasemiótica de Charles Sanders Peirce, Cecília Nazaré de Lima propõe um olhar novo e sugestivosobre De Umbris, peça para dois fagotes e piano do compositor mineiro Oiliam Lanna.Agradecemos a Oiliam Lanna por permitir a publicação integral do manuscrito inédito de DeUmbris. O americano Anthony Scelba realiza uma ampla reflexão sobre a importância dastranscrições e arranjos musicais, tanto na história da música quanto para a formação dos músicosde hoje, e aponta argutamente o forte preconceito vigente contra este tipo de prática.

A Comissão Editorial de PER MUSI espera receber, com mais este volume, sugestões para oaprimoramento da revista e uma participação crescente em nível nacional e internacional para ospróximos volumes.

André CavazottiEditor-Chefe de PER MUSI ([email protected])

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PER MUSI - Revista de Performance Musical é um espaço democrático para a reflexão intelectual na área de música,onde a diversidade e o debate são bem-vindos. As idéias aqui expressas não refletem a opinião da Comissão Editorial oudo Conselho Consultivo.

Comissão EditorialProf. Dr. André Cavazotti (UFMG)Prof. Dr. Fausto Borém (UFMG)

Prof. Dr. Maurício Veloso Queiroz Pinto (UFMG)Profa. Dra. Sandra Loureiro de Freitas Reis (UFOP)

Conselho Consultivo do Volume 3:Profa. Dra. Cecília Cavalieri França (UFMG)Prof. Dr. Edson Queiroz de Andrade (UFMG)

Profa. Dra. Eliane Tokeshi (UNESP)Prof. Dr. Esdras Silva (UNICAMP)Prof. Dr. Fausto Borém (UFMG)

Profa. Dra. Maria de Fátima Tacuchian (UFRJ)Profa. Dra. Maria Lúcia Paschoal (UNICAMP)

Prof. Dr. Maurício Veloso Queiroz Pinto (UFMG)Prof. Dr. Lewis Nielson (Oberlin Conservatory, EUA)

Profa. Dra. Rosângela de Tugny (UFMG)Profa. Dra. Sandra Loureiro de Freitas Reis (UFOP)

Prof. Dr. Silvio Ferraz (PUCSP)Profa. Dra. Tânia Cançado (UFMG)

Prof. Dr. William Davis (University of Georgia, EUA)

Universidade Federal de Minas GeraisReitor Prof. Dr. Francisco César de Sá Barreto

Vice-Reitora Profa. Dra. Ana Lúcia Almeida Gazzola

Pró-Reitoria de Pós-GraduaçãoProf. Dr. Ronaldo Antônio Neves Marques Barbosa

Pró-Reitoria de PesquisaProf. Dr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão

Escola de Música da UFMGProf. Dr. Cláudio Urgel Pires Cardoso, Diretor

Programa de Pós-Graduação em Música da UFMGProf. Dr. Lucas Bretas, Coordenador

Secretária do Mestrado em Música da UFMGMarli Silva Coura

Arte-Final (Cedecom/UFMG)Capa e projeto gráfico: Jussara Ubirajara

Fotos: Foca LisboaScanner: Samuel Tou

PER MUSI: Revista de Performance Musical - v.3, 2001 - Belo Horizonte: Escola de Música da UFMG, 2001 -

v.: il.; 21x29,7cm. Semestral ISSN: 1517-7599

Música - Periódicos. 2. Performance Musical - Periódicos. 3. Interpretação Musical - PeriódicosI. Escola de Música da UFMG

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SUMÁRIO

Análise e considerações sobre aexecução dos choros para piano soloCanhôto e Manhosamente de Radamés Gnattali ....................................... 5Analysis of and considerations about the performance of the choros for solo pianoCanhôto and Manhosamente by Radamés Gnattali Rafael dos Santos

In defense of arrangement........................................................................... 17Em defesa dos arranjos musicais

Anthony Scelba

As claves altas na prática musical religiosapaulista e mineira dos séculos XVIII e XIX ................................................ 27High clefs in the practice of religious music in São Paulo and Minas Gerais inthe 18th and 19th centuries Paulo Castagna

As Sonatas e Sonatinas para violino e piano de Ernst Mahle:uma abordagem dos aspectos estilísticos ............................................... 43Sonatas and Sonatinas for violin and piano by Ernst Mahle: a stylistic approach Eliane Tokeshi

Uma possível interpretação dareferência musical em De Umbris de Oiliam Lanna ................................ 57A possible interpretation of the musical reference in De Umbris by Oiliam Lanna Cecília Nazaré de Lima

Partitura completa de De Umbris ............................................................... 70Complete score of De Umbris

Oiliam Lanna

As Valsas Humorísticas de Alberto Nepomuceno:uma edição crítica ......................................................................................... 78Alberto Nepomuceno’s Valsas Humorísticas: a critical edition Luiz Guilherme Duro Goldberg

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Análise e considerações sobrea execução dos choros para piano soloCanhôto e Manhosamente de Radamés Gnattali

Rafael dos Santos (UNICAMP)e-mail: [email protected]

Resumo: Os choros para piano solo Canhôto e Manhosamente de Radamés Gnattali (1906-1988) contêm a maioriados elementos estruturais característicos do gênero (ornamentação melódica, elaboração e funções da linha dobaixo, harmonia e ritmo). Tais elementos são aliados a uma sonoridade jazzística e a técnicas associadas ao estilo“stride”, que os tornam modernos e sofisticados sem descaracterizá-los. A partir da análise desses elementos, sãosugeridos alguns critérios para sua execução, tendo em vista o ritmo, a articulação e a forma de frasear característicosda música popular.Palavras-chave: música popular brasileira, choro, piano, performance musical, Radamés Gnattali.

Analysis of and considerations aboutthe performance of the choros for solo pianoCanhôto and Manhosamente by Radamés Gnattali

Abstract: The choros for solo piano Canhôto e Manhosamente by Radamés Gnattali (1906-1988) have most of thecharacteristic structural elements of the genre (melodic ornamentation, elaboration and functions of the bass line,harmony and rhythm). The incorporation of jazz sonorities and techniques associated to stride piano style makethem modern and sophisticated without losing their characteristics. This article suggests some criteria for theirperformance through the analysis of these elements, based on rhythm, articulation and phrasing.Keywords: Brazilian Popular Music, choro, piano, musical performance, Radamés Gnattali.

O choro tradicional é originalmente composto para pequenos conjuntos, que incluem flauta,clarineta, bandolim, cavaquinho, violões e percussão, entre outros. De acordo com o cavaquinistaHenrique CAZES (1998, p.19), ele começou a ser considerado um gênero com característicasdefinidas a partir da década de 1910, através do trabalho de Alfredo da Rocha Viana Filho, o“Pixinguinha”. Os elementos musicais característicos do choro são, no seu aspecto estrutural, denatureza melódica, harmônica e rítmica, sendo que, num conjunto típico de choros, eles estãodistribuídos entre os seus diferentes instrumentos. Tais elementos estruturais, entretanto, não sãooriginais nem exclusivos do choro, e sua simples ocorrência não é suficiente paradefini-lo como tal. Existe ainda um outro aspecto importante, que é a maneira como ele deve serexecutado, e que está relacionada com práticas interpretativas específicas da música popular,tais como uma sonoridade leve que permita manter a textura transparente, realização do ritmo deforma relaxada em relação ao pulso, uma articulação que enfatize a síncopa, e forma de frasear,geralmente sem exageros de dinâmica.

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Desta forma, a parte de piano solo de um choro funciona como uma redução orquestral,apresentando vários desafios para o compositor que deseja preservar tais elementos, e resultandoem obras de dificuldade técnica considerável, muitas vezes em andamentos rápidos, que exigemdo executante clareza de toque, independência entre as mãos e grande domínio no uso do pedal,entre outros.

Nos choros Canhôto e Manhosamente, ambos compostos entre 1950 e 1955(MARCONDES,1998, p.330) e publicados pela Editora Musical Brasileira em 1958 (dedilhado epedal de Francisco Mignone), Radamés Gnattali (1906-1988), além de resolver habilmente taisdesafios, acrescenta progressões harmônicas e sonoridades jazzísticas ao texto musical, aoincluir algumas técnicas associadas aos pianistas do estilo stride1 norte-americano, criando umafusão que, sem descaracterizá-los como choros, tanto em sua estrutura como na forma deexecutá-los, os torna mais modernos ao incorporar tensões2 até então pouco usadas nos chorostradicionais.

O objetivo desse trabalho é analisar os choros Canhôto e Manhosamente, procurando detectarcaracterísticas do choro tradicional e do choro moderno no estilo de Gnattali, estabelecendo, apartir dos resultados, alguns critérios para sua execução, tendo em vista a sonoridade, realizaçãodo ritmo, articulação, e forma de frasear característicos da música popular. Este estudo estádividido em três etapas; primeiro, serão estabelecidas e identificadas as sonoridades ecaracterísticas estruturais específicas do choro, usando-se como referencial a classificação feitapelo pianista Alexandre Zamith ALMEIDA (1999) em sua pesquisa sobre o choro no pianobrasileiro; segundo, o mesmo processo será utilizado para o jazz, numa adaptação dessa teoria.Finalmente, serão feitas, com base nas análises, considerações sobre a aplicação de práticasinterpretativas da música popular nas duas obras.

1 - Características do choroApós fazer um levantamento exaustivo em dezenas de choros de diferentes autores, AlexandreZamith Almeida organiza seus elementos estruturais em quatro categorias distintas: Melodia,Baixos, Harmonia e Ritmo, e as descreve minuciosamente (ALMEIDA, 1999, p.105-131). Quasetodos esses elementos são encontrados nos dois choros, conforme mostram os exemplosseguintes:

1.1 - Melodia: No choro, é enriquecida com:

1. Apojaturas e bordaduras ornamentais e melódicas.2. Cromatismo.

1 O stride, também chamado de Harlem Piano School, é um estilo de tocar piano associado ao ragtime e desenvolvidona costa leste dos Estados Unidos, tendo se originado por volta da Primeira Guerra Mundial. Seus principaisexpoentes foram Willie “The Lion” Smith, James P. Johnson e Art Tatum (GRIDLEY, 1988, p. 61).

2 O termo “tensões” (extensions - extensões na harmonia do jazz) é equivalente a “dissonâncias” na harmoniatradicional, referindo-se aos intervalos de sétima, nona, décima-primeira e décima-terceira. Na música popular eno jazz moderno, a assimilação das sonoridades obtidas através da inclusão destes intervalos aos acordestornou a distinção entre “consonância “ e “dissonância” quase irrelevante (FREITAS, 1997, p. 17 e STRUNK,1995, p. 486).

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3. Ocorrência do arpejo maior descendente com 6a.4. Frases longas.5. Utilização da escala menor harmônica descendente sobre a dominante.6. Valorização melódica do contratempo.

• Apojaturas e bordaduras ornamentais e melódicas: Com exceção de apojaturasornamentais, foram encontrados vários exemplos nos dois choros:

Ex. 1a – Canhôto, c. 18 Ex. 1b – Manhosamente, c. 4

Ex. 1c - Manhosamente, c. 58-59

• Cromatismo: também foram encontrados exemplos de cromatismo nas duas composições.

Ex. 2a – Canhôto, c. 10 Ex. 2b – Manhosamente, c. 50,51

apojaturas

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• Ocorrência do arpejo maior descendente com 6a:

Ex. 3a - Canhôto, c. 19 Ex. 2b – Manhosamente, c. 50,51 arpejo descendente de ré maior com 6a

• Frases longas: de acordo com Zamith, são típicas de gêneros mais líricos e andamentosmais lentos, não ocorrendo nas obras analisadas.

• Utilização da escala menor harmônica descendente sobre a dominante: não é exploradapelo compositor nos dois choros.

• Valorização melódica do contratempo: ocorre quando as notas referentes aos contratempossão as mais graves ou mais agudas de um grupo melódico, sendo que, quanto maior o saltomelódico, maior será a sua intensidade. Os dois choros contém numerosos exemplos.

Ex. 4a - Canhôto, c. 23, 24 Ex. 4b – Manhosamente, c. 11

1.2. Baixos: as linhas de baixo são realizadas pelo violão de sete cordas nos grupos de choro,tendo se originado dos encadeamentos de acordes invertidos e se desenvolvendo até apresentarcontornos melódicos, podendo se estender até a região médio-aguda do instrumento eapresentando diversos elementos característicos das melodias de choro. Zamith as subdivideem três categorias:

1. Baixo Condutor Harmônico2. Baixo Melódico3. Baixo Pedal

• Baixo Condutor Harmônico: responsável pela condução das harmonias invertidas, acumulaem si a realização da linha do baixo, da harmonia e do ritmo. Os dois choros contém passagensque utilizam este tipo de baixo.

Ex. 5a - Canhôto, c. 28, 29 Ex. 5b – Manhosamente, c. 25, 26

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• Baixo Melódico: mais movimentado e ousado, definindo idéias melódicas, podendo aparecerem contraponto com a melodia ou dialogando com esta. Também é encontrado nas duas obras,aparecendo com mais freqüência em Canhoto.

Ex. 6a - Canhôto, c. 8-11 – Ex. 6b – Manhosamente, c. 19, 20 – baixo condutor melódico baixo condutor melódico

• Baixo Pedal: utilizado geralmente em seções com função de introdução ou transição. É utilizadobrevemente nos c. 46 e 47 de Canhôto.

Ex. 7- Canhôto, c. 46, 47

1.3 - HarmoniaOs choros de Radamés Gnattali possuem recursos harmônicos bastante elaborados, incluindoprocedimentos e sonoridades associados ao jazz norte-americano, que serão analisadosposteriormente. Tais características, que se incorporaram ao chamado choro moderno, começarama surgir na década de 1930, tendo Pixinguinha como um de seus expoentes. Ainda assim, elespreservam algumas características harmônicas do choro tradicional. São elas:

• Utilização do acorde de Sexta Napolitana e da dominante substituta (subV7), acordeconstruído meio tom acima do tom em que resolve, muito utilizado na música popular, em finaisde frases ou seções.

Ex. 8a - Canhôto, c. 16 acorde de Ex. 8b – Manhosamente, c. 62 dominante substituta (bII7, V7, i) “Acorde Napolitano”.

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• Uso intensivo de acordes invertidos. Acontece com bastante freqüência em Manhosamente.

Ex. 9 – Manhosamente, c. 25, 26

1.4 - Ritmo: é caracterizado por:

1. Ocorrência da síncopa2. Alusão à síncopa3. Quiálteras

• Ocorrência da síncopa: acontece com freqüência nos dois choros.

Ex. 10a - Canhôto, c. 14, 15 Ex. 10b – Manhosamente, c. 29, 30

• Alusão à síncopa: está relacionada com a valorização do contratempo, conforme jáexemplificado anteriormente.

• Quiálteras: aparecem nos dois choros, ainda que raramente.

Ex. 11b – Manhosamente, c. 26

Ex. 11a - Canhôto, c. 54, 55

A Tab. 1 sintetiza o grau de incidência dos elementos discutidos acima em cada uma das obras,de acordo com o seguinte código:

XXX : grande incidênciaXX : média incidênciaX : pouca incidência__ : nenhuma incidência

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Como pode ser observado na Tab. 1, Canhôto e Manhosamente possuem a maioria doselementos estruturais característicos encontrados no choro tradicional. Em geral, a ocorrênciadesses elementos é semelhante, mas pode-se notar que a incidência do baixo melódico emCanhôto é bem maior que em Manhosamente, o qual, por sua vez, além de ter mais cromatismosmelódicos, utiliza muito mais acordes invertidos que o primeiro.

Tab. 1 – Grau de incidência dos elementos estruturais

Elementos estruturais Canhôto ManhosamenteApojaturas e bordaduras XXX XXXCromatismo melódico XX XXXArpejo maior descendente X XFrases longas __ __Escala menor harmônica descendente __ __Valorização melódica do contratempo XXX XXXBaixo condutor harmônico X XXBaixo melódico XXX XBaixo pedal X __“Acorde de Sexta Napolitana” e da X Xdominante substitutaAcordes invertidos X XXXSíncopa XXX XXXAlusão à síncopa XXX XXXQuiálteras X X

2 - Características do jazzA influência do jazz está presente nos dois choros de Radamés Gnattali através da sonoridadedas tensões e alterações incorporadas aos acordes, bem como em algumas progressões típicasdaquele gênero. Diferentemente do choro tradicional, os acordes utilizados no jazz aparecem emsua maioria na posição fundamental, para que as tensões existentes soem como tal. A Tab. 2contém um resumo dos tipos de tétrades mais usadas na harmonia do jazz, bem como as tensões,com as respectivas cifras.

Tab. 2 – Tétrades e tensões mais utilizados no jazz

1 - Tétrades:

1 2 3 4 5 61) Maior com sétima maior; 2) Um acorde maior com a sétima menor é sempre chamado deacorde de Dominante, não importando em que grau da escala ele é construído ou de suafunção no contexto; 3) Menor com sétima; 4) “Meio diminuto”; 5) Diminuto; 6) Uma estruturade acorde de dominante com a quarta suspensa é chamada de dominante sus4

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2 - Tensões:Um acorde com tensões é produzido quando são superpostas terças além da sétima nastétrades, por exemplo, a nona, a décima primeira e a décima terceira, etc.Quando houver mais de uma tensão, ela aparecerá na cifra entre parênteses.

Nona Décima primeira Décima terceira

A nona maior – pode ser alterada para aumentada ou menorA décima primeira justa pode ser alterada para aumentada

A décima terceira maior pode ser alterada para menor

Em Canhôto e Manhosamente, as tétrades aparecem na maioria das vezes em posição aberta,nas duas formas abaixo, da nota mais grave para a mais aguda:

FORMA A - Fundamental, quinta, sétima e terçaFORMA B - Fundamental, quinta, terça e sétima

Quando ocorre o acréscimo das tensões, a quinta do acorde às vezes é omitida (principalmentecom o aparecimento da décima primeira e da décima terceira). As tensões alteradas aparecemcom mais freqüência nos acordes de dominante. O Ex. 12 mostra as posições mais usadas nasduas obras, usando como modelo o acorde de Dó.

FORMA A FORMA B

Ex. 12 - Tétrades em posição aberta, nas formas A e B(as tensões estão sem alterações e aparecem em notas pretas)

Seguem alguns exemplos das duas formas, extraídas de Canhôto e Manhosamente.

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Canhôto, c. 53 Canhôto, c. 50 (a quinta foi omitida nos dois acordes)

Manhosamente, c. 2 Manhosamente, c. 17 (a quinta foi omitida nos dois acordes)

Outro procedimento característico do jazz é a utilização da progressão harmônica ii V que podeou não ser resolvida no I grau, e que também é utilizada para estender dominantes secundárias.Esta progressão é usada com bastante freqüência em Canhôto.

Ex. 14 – Canhôto, c. 28-30 - progressão II V I

Radamés Gnattali também utiliza a técnica de acordes em bloco típica dos arranjos para bigband e orquestras de música popular. Eles aparecem nos c. 20-21 de Canhôto e c. 43-46 deManhosamente.

3 - Técnicas associadas ao strideO stride é um estilo que requer técnica bastante virtuosística, combinando figuras percussivasque geralmente alternam, com grandes saltos, notas na região grave (primeiro e terceiro tempos)

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com acordes na região média do instrumento (segundo e quarto tempos) na mão esquerda, comuma atividade rítmica bastante intensa na mão direita (GRIDLEY, 1988, p.61). Uma de suascaracterísticas principais é a substituição do baixo em oitavas do ragtime por tríades (e no casode Art Tatum, tétrades) em posição aberta formando intervalos de décima entre as vozes extremas.O Ex. 15 mostra um baixo típico do estilo.

Ex. 15 – baixo típico do stride

Um recurso bastante utilizado pelos pianistas do estilo stride é a utilização de arpejos ascendentesou descendentes com característica pentatônica, que terminam com um pequeno cromatismo,como mostra o Ex. 16.

Ex. 16 – Arpejo típico do estilo stride, extraído de um arranjo de Art TATUM (197?, p. 40)para a composição Don’t Get Around Much Anymore, de Duke Ellington e Bob Russel.

As sonoridades típicas do estilo stride estão presentes em Canhôto e principalmente emManhosamente, que é constituído em grande parte por acordes abertos. O Ex. 17 mostra trechosextraídos dos dois choros, onde esse tipo de arpejo é utilizado.

Canhôto, c. 30,31

Manhosamente, c. 9-11Ex. 17

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Nota-se portanto que o jazz está presente nas duas obras, principalmente através da sonoridadedas tétrades em posição aberta, das tensões, dos acordes alterados e da utilização de arpejostípicos do estilo stride.

4 - Considerações sobre a execução das obrasCanhoto e Manhosamente são bastante diferentes quanto à textura e ao plano harmônico.Enquanto a primeira obra tem uma tonalidade bem definida e é predominantemente horizontal, asegunda tem o plano tonal bastante dissimulado e é predominantemente vertical. Apesar disso,as duas obras têm a maioria dos elementos estruturais que permitem caracterizá-las comoautênticos choros. As sonoridades do jazz, a instabilidade harmônica e a ambigüidade não osdescaracterizam; pelo contrário, os tornam choros modernos e sofisticados. A partir dessaconclusão, é possível tomar-se algumas decisões a respeito da sua performance, sempre deacordo com a linguagem musical do choro, que se caracteriza por ser muito rítmica, com umasonoridade leve e textura transparente. Alguns aspectos que devem ser observados são:

• Toque “non legato” em passagens rítmicas, principalmente na linha do baixo, para fazer soarcom clareza as linhas melódicas e os padrões rítmicos, além de simular o efeito do somdestacado do violão de sete cordas.

• Acentos no início das frases que começam em tempos fracos; esta é uma prática comum naperformance da música popular, que valoriza as síncopas e torna o fraseado mais fluente.

• Uso bastante moderado do pedal, para manter a transparência da textura.• No caso de acompanhamento sincopado, a melodia deve ser acentuada de acordo com as

síncopas para se manter a fluência.• Nos trechos onde houver uma única linha melódica, a acentuação deverá enfatizar as síncopas,

sugerindo assim o padrão rítmico do acompanhamento.

As partituras trazem indicações claras a respeito do andamento e da articulação, e algumasacentuações também são indicadas. Em Canhôto, as indicações de andamento são: À vontade,para a introdução, onde a melodia, mesmo tocada com tempo livre conforme a indicação, deveser acentuada de forma a enfatizar a síncopa, e A tempo (não depressa) para o resto da obra,sugerindo um pulso regular, mesmo nas passagens onde a textura é reduzida a uma única linhamelódica.

O andamento marcado para Manhosamente é Allegretto con spirito, e a partitura traz logo noinício a indicação de articulação mezzo sttacc. Certas passagens trazem indicações de dinâmica queajudam a ressaltar as diferentes funções rítmicas das vozes, contribuindo para sua leveza etransparência. Tecnicamente, é necessário para sua execução o uso freqüente de extensão das mãosdevido aos acordes abertos que, no caso de mãos pequenas, devem ser arpejados.

Em Canhôto e Manhosamente, a textura pianística funciona como uma redução das partesindividuais de um grupo de choro, sendo que a maioria dos elementos estruturais característicosdo gênero (ornamentação melódica, elaboração e funções da linha do baixo, harmonia e ritmo),estão presentes, constituindo-se em autênticos choros para o piano e, conseqüentemente, devendoser executados de acordo com a linguagem musical do gênero. A sua modernidade é acentuadaatravés do acréscimo da sonoridade jazzística, das técnicas associadas ao stride, da instabilidadeharmônica e da ambigüidade tonal, feito de forma a não descaracterizá-los. Canhôto e

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SANTOS, Rafael dos. Análise e considerações sobre a execução dos choros... Per Musi. Belo Horizonte, v.3, 2002. p. 5-16

Manhosamente oferecem um mundo sonoro fascinante, moderno, equilibrado, onde as muitasqualidades da música popular brasileira e da música popular em geral são trabalhadas eamalgamadas com o bom gosto e genialidade característicos da obra de Radamés Gnattali.

5 - BibliografiaALMEIDA, Alexandre Zamith. Verde e amarelo em preto e branco: as impressões do Choro no piano brasileiro.

Dissertação de mestrado – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Campinas, SP: 1999.BARBOSA, Valdinha; DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali, o eterno experimentador. Rio de Janeiro: FUNARTE/

Instituto Nacional de Música/Divisão de Música Popular, 1984CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo: Editora 34 Ltda., 1998FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Teoria da harmonia na Música Popular: uma definição das relações da combinação

entre os acordes na harmonia tonal. Dissertação de mestrado -Universidade Estadual Paulista, Instituto deArtes. São Paulo, 1995.

GNATTALI, Radamés. Canhôto. Rio de Janeiro: Editora Musical Brasileira, 1958._________. Manhosamente. Rio de Janeiro: Editora Musical Brasileira, 1958.GRIDLEY, Mark. Jazz Styles – History and Analysis. 4ª Edição. New Jersey: Englewood Cliffs, 1988.LEVINE, Mark. The Jazz Theory Book. Petaluma, CA: Sher Music Co., 1995.MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. São Paulo: Art

Editora, 1998.SÈVE, Mário. Vocabulário do Choro. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1999STRUNK, Steven. Harmony. In: THE NEW GROVE DICTIONARY OF JAZZ. Edited by Barry Kernfeld. London:

Macmillan, 1995. New York: St. Martin’s Press, 1995.TATUM, Art. The Genius of Art Tatum - Piano Solos. Miami, Fl: Belwin Inc., 197?.

Rafael dos Santos é Doutor em Música/Piano pela Universidade de Iowa - EUA, sob a orientação do Prof. DanielShapiro. É Professor do Departamento de Música, Instituto de Artes da UNICAMP, onde exerce atualmente o cargode Chefe de Departamento.

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SCELBA, Anthony. In defense of arrangement. Per Musi. Belo Horizonte, v.3, 2002. p. 17-26

In defense of arrangement

Anthony Scelba (Kean University)e-mail: [email protected]

Abstract: This article discusses and calls for a change in attitude regarding musical arrangements, particularly thoseof chamber music, which are needed to provide the double bass and some other neglected instruments with asignificant literature for both pedagogical and performance purposes. This article finally aims at elevating transcriptionsagain to standard repertory status.Keywords: music arrangement, transcription, double bass, chamber music, language, translation, post-modernism.

Em defesa dos arranjos musicais

Resumo: Este artigo discute e sugere uma mudança de atitude em relação aos arranjos musicais, especialmentedo repertório de música de câmara, os quais são imprescindíveis para prover o contrabaixo e alguns outros instrumentoscom uma literatura significativa tanto do ponto de vista pedagógico quanto da performance. Finalmente, este artigovisa resgatar o status de repertório padrão outrora vivido pelas trasncrições.Palavras-chave: arranjo musical, transcrições, contrabaixo, música de câmara, linguagem, tradução,pós-modernismo.

I would like to thank Professors Robert Cirasa, Chairman of the Department of English; AlanRobbins, Department of Design; and Matthew Halper, Department of Music at Kean University fortheir generous interest in my work and for their suggestions of research materials for this paper.

That a double bassist would rise in defense of arrangements and transcriptions would not surpriseanyone who thinks for a moment about the dearth of original repertoire available to him. Youngmusicians studying the double bass (also the trombone, tuba, saxophone or guitar for that matter)begin to encounter complaints about the poor quality of the music written for their instruments longbefore they can play very much of it. Thereafter, the want for fine literature haunts them all theirmusical lives.

In his New York Times review of Eugene Levinson’s double-bass recital performed last Decemberin Weill Recital Hall, Allan Kozinn (KOZINN, 1999) wrote that the Sonata No.1 Op.5 in A by AdolphMisek – one of the best works from the late-Romantic style period written for my instrument – wasa “not particularly memorable work but composed specifically for the double bass.” I found interestingthat Mr. Kozinn did not criticize Levinson for performing transcriptions, but I couldn’t help but wonderhow much the lack of original repertoire for the double bass led to his demeaning of the instrumentin recital.

Transcriptions of sonatas and similar works originally for violin and cello performed on a doublebass recital provoke less scorn than other types of arrangements; they are tolerated better thanarrangements programmed in other fora. A recital is thought of by many as a demonstration of skill

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and accomplishment. Recital repertoire (except that for piano, violin, voice, and to a lesser extent,cello) is considered by most as less than profound. Arrangements programmed by symphonyorchestras and other ensembles are routinely criticized as gauche or tolerated as curiosities;arranged literature forming the mainstay of a serious chamber-music ensemble would be, in today’sclimate, at the very least, remarkable.

It is my hope to offer in this paper a reasoned defense of arrangements - in particular, arrangementsof chamber music. Arrangements of chamber music masterpieces form the core of the repertoirefor the Yardarm Trio, an ensemble of piano, violin, and double bass that I founded and with which Iperform. Why I formed the Yardarm Trio, and how I came to arrange chamber music for it demonstratethe need for my defense.

Although I had always been attracted to chamber music, I found myself as a student playing verylittle of it. This is not surprising. Although the double bass is used in some of our most popularworks of chamber music – the Trout Quintet, the Beethoven Septet, the Schubert Octet – it plays arelatively subordinate or orchestral role in these works, and, with some notable exceptions, it playsno role at all in the rest of the chamber music repertoire from the common-practice period. That isto say, the double bass is not a chamber-music instrument in the historical sense, and this isindeed unfortunate.

Occasional lament is heard about our instrument’s absence from the world of chamber music.College teachers often confront this loss with embarrassment: When the strings are scheduled forchamber-music class, what does one do with the double bassists? Ensemble classes performingbass duets, trios, and the like, and involving sectional rehearsals of orchestral literature are goodclasses, but poor substitutes for the experience of playing great chamber music.

Some pedagogical problems result from our lack of chamber music experiences. Music performedone to a part and without conductor demands special skills in performance. These skills involvemyriad techniques that the best musicians carry with them into all ensemble performances,including orchestral performance. The development of these skills through the study and performanceof chamber music is a vital part of the training for all string players except for double bassists. As aconsequence, the classical ensemble technique of most double bassists is woefully underdeveloped.Only the best of them acquire it to the degree that most fine violinist, violists, and cellists do; butbassists must acquire it willy-nilly.

It is vital that a chamber-music repertoire for the double bass be developed if this unfortunatecircumstance in our training is to be corrected. But the pedagogical reason is only one cause tobemoan the dearth of double-bass chamber music. An even more compelling reason is that playinggreat chamber music well is – I contend – the highest artistic experience a performer can have,and double bassists are, by and large, denied this experience.

In a quest to improve double-bass chamber-music repertoire, pioneers - chief among them BertramTuretzky of the University of California at San Diego – have encouraged, inspired and commissionedhundreds of chamber works from many of our leading composers in the second half of the 20thcentury. Such efforts of double bassists are of central importance in the development of our

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instrumental repertoire, but, for all its benefits, it does not mitigate our need for music from thecommon-practice period.

Chamber music written by contemporaries is, of course, only in styles now current. Also, as oftoday, we have no standard chamber-music ensembles that contain the double bass: we have noequivalent to the string quartet, the piano trio, or the woodwind quintet. Concerts of double basschamber music require a motley assemblage.

With standardized ensembles established, the performance of double-bass chamber music wouldcease to be such an ad hoc affair. It is only when we have significant numbers of good works in likegenres that we shall be able to consider the bass as an established chamber music instrument.

The development of standardized ensembles containing double bass is a subject worthy of amoment’s reflection. I would suggest the following five or six instrumental groupings as the mostpractical and therefore as giving us the best chance for success at standardization: (1) the StringQuintet: 2 violins, viola, cello, and double bass. This ensemble has an obvious advantage: thebass can be added easily to a preexisting string quartet, and the Dvorák and Onslow Quintets cananchor this repertoire. What I have called the Faculty String Quartet – one of each stringed instrument –is a possible spin off of the quintet. This ensemble of four is practical (its members being availableon the faculty of most universities), but is acoustically quite bottom heavy; (2) the Piano Trio: piano,violin, and double bass – like the standard Piano Trio but with a bass replacing the cello. This is theinstrumentation of the Yardarm Trio and the Brazil’s Trio Novart; (3) the Piano Quintet: piano, violin,viola, cello, double bass, the company for the Trout quintet. The Schubert masterpiece, a work byFerdinand Ries, one by Hummel, three by Onslow, and a few other pieces give this genre a headstart; (4) Duets: double bass paired with any other instrument or with voice. The great advantagehere is that a bassist can be added to the recital program of another performer. A viola and doublebass duet gives a viola recital a welcome variety, as just one example; (5) the Octet: clarinet,bassoon, horn, 2 violins, viola, cello, and double bass – the instrumentation of the Schubert Octet.Having this work and the Beethoven Septet, which requires one violin instead of two, in the repertoireis reason enough to make the octet with the double bass a standard ensemble. A very interestingoctet by Max Bruch and other works from the past give us a good beginning here.1

If we are to have standardized ensembles, the question of how the double bass is tuned in themshould be established. For the String Quintet, Piano Quintet, and Octet, I would advocate the use ofthe standard orchestral tuning for the bass. For Piano Trios and for Duets, I propose the use of thealternate “solo” tuning a-e-B-F#

2. I recommended these tunings simply because of the nature ofthese ensembles, i.e., the string quintet with double bass corresponds in nature to the standard

1 For a account of some of the best double-bass chamber music from the common-practice period, see DavidWalter’s article “Chamber Made” in Double Bassist, Spring/Summer, 1996, 51. London: Orpheus Publications.Although the score was long available, the first recording of the Octet (1920) by Max Bruch was published by theBronx Arts Ensemble in 1995 on the Premier Recordings label.

2 When in “solo tuning,” the double bass becomes a transposing instrument. The transposition is the same as thatfor the Horn in D. The octave designations for the written pitches of the open strings are shown in the systempreferred by Randel (see “Pitch”, New Harvard Dictionary of Music).

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string quartet and the piano trio with bass corresponds to the traditional piano trio. The more soloisticuse of instruments in a piano trio or in a duet justifies the brighter and more penetrating solo tuningfor these ensembles.

At any rate, while we are waiting for new chamber-music masterpieces to be written, and to balancethe 20th-century music that we program, I believe that double bassists should perform arrangementsof chamber music, and we should perform them unabashedly.

How did the arrangement develop the lowly status it is now accorded? It is hardly necessary torecount the important position that arrangements have played in the repertoire throughout thecenturies. For Bach and Handel, for Liszt and Ravel, arrangements were a tie-beam, and todaytheir arrangements are given a valued place in the repertoire. How did arrangements come to belooked down upon in recent years?

Since the late 1960s, the trends in music toward the “authentic” – period instruments, originalversions, etc. – coincided with the viewing of arrangement as anathema. Was this change influencedby the change in critical literary perspective that followed DERRIDA (1978) and displacedStructuralism with Poststructuralism?3

In reviewing David Harvey’s Condition of Postmodernity, whose third chapter entitled“Postmodernism” is remarkably illuminating and eschews the passion and politics found in mostliterary discussions about the subject, I came upon Ihab Hassan’s schematic differences betweenModernism and Postmodernism. Although excitement about what I thought might be a clue to manyof our current ideas about “musical authenticity” quickly waned, Hassan does make other pointsrelated to arrangements. With his schema before me, I am able to argue that a positive view towardarranging music is in accord with Modern critical perspectives just as it is in accord with Postmodernones. If Modernism is concerned with “root” and “depth,” and Postmodernism with “rhizome” and“surface”; Modernism with “paradigm” and Postmodernism with “syntagm”; Modernism with “mastercode” and Postmodernism with “idiolect”; it would seem that Modernism is the more friendly toarrangement. Nonetheless, where Modernism views art as “object” and “finished work” oremphasizes “centring,” and Postmodernism stresses “process, performance, and happening” andencourages “dispersal,” we have a reading that puts Postmodernism in support of arrangement(HASSAN, 1985; quoted by HARVEY, 1990, p.39-65).

I defend the performance of arranged and transcribed chamber music from the common-practiceperiod for practical reasons. As justification I should like to offer not a historical defense, but whatI believe to be a strong intellectual defense that has not been made hitherto. I equate arrangingmusic to translating literature, a parallel that I believe holds up intellectually and that should informour thinking on the subject of arranging.

3 Jacques Derrida’s paper on “Structure, Sign and Play in the Discourse of the Human Sciences” (delivered in 1966at Johns Hopkins and included in the author’s Writing and Difference, 1978), is credited by M. H. Abrams(A Glossary of Literary Terms, Harcourt Brace) and others as being the “conspicuous announcement” ofPostmodernism to North American scholars.

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How is a musical arrangement like a literary translation? Translation makes the world’s literatureavailable to everyone; arrangement makes great music available for performance by musicianswho do not play the original instrument. Arrangement through transcription gives a double bassistaccess to masterpieces written for other instruments, just like translation gives us access in Englishto literature in other languages.

Both translation and arrangement produce derivatives. But derivative is not a pejorative. After all,every performance produces a derivative: something that transforms the original and injects thepersonality of the performing musician. Every performance, like every arrangement, like everytranslation, is an interpretation.

The result of arrangement is a palimpsest: two works, one on top of the other, an original and aninterpretation. But unlike the true palimpsest (which is a new writing on parchment after the old has beenscraped away) – the original is not destroyed in making a translation or an arrangement. Both recreationsmerely make the original newly available (Cf. WECHSLER, 1998).

In another sense, the arrangement complements the original by causing its musical essence toglow brighter. Here reference to the Platonistic metaphor of essences is useful. To grasp thePlatonistic justification for an arrangement one must recognize that performance itself is a remakingof a musical blueprint. Both the performance of the composition and the performance of thearrangement are an afterlife of an original conception – a term that I would not use if I were notalluding to a transformation and a renewal of something living (Cf. BENJAMIN, 1968, p.72-73).

The arranger’s task (like the translator’s) is a noble one: It is performed not with hopes of fame orfortune, but rather out of love for art, out of a sense of sharing what one loves and loving what one does.

Pushkin called the translator “a courier of the human spirit,” and Goethe called literary translation“one of the most important and dignified enterprises in the general commerce of the world.” Borgeswrote, “Perhaps…the translator’s work is more subtle, more civilized than that of the writer: thetranslator clearly comes after the writer. Translation is a more advanced stage of civilization”(WECHSLER, 1998).

Of course, Pushkin, Goethe, and Borges never wrote what I just quoted to you. Instead, their wordsfirst had to be translated into English. Without the translation, I could not present to you their thoughts(Cf. WECHSLER, 1998). When I perform a neglected masterpiece, like a Piano Trio by Haydn,most in my audience hear the music for the first time.

Translators have for centuries described their work using the metaphor of pouring wine from onebottle into another. A musical transcription does just that. But the American translator from Spanish,Margaret Sayers Peden, has constructed a complex metaphor on translation that, to me, accuratelydescribes the art of musical arrangement. She wrote: “I like to think of the original work as an icecube. During the process of translation the cube is melted. While in its liquid state, every moleculechanges place; none remains in its original relationship to the others. Then begins the process offorming the work in a second language. Molecules escape, new molecules are poured in to fill thespaces, but the lines of molding and mending are virtually invisible. The work exists in the secondlanguage as a new ice cube – different, but to all appearances the same.” (WECHSLER, 1998).

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Common wisdom holds that important works of literature should be translated and retranslated atleast once every generation. The greater the original literary work, the more diverse translations itcan bear – witness the continuous flood of new versions of Homer, Dante, and the books of theBible.

But common wisdom today holds that great works of music should not be transcribed. The greaterthe original, the less it can seem to bear tampering – witness the great derision of late heaped ontranscriptions and performances of transcriptions by some musicians and writers. This purist viewflies in the face of history and stands opposed to the aesthetics of great musicians past.

One of the earlier complaints about arrangements comes from BEETHOVEN (1961, p.59) in aletter of July 13, 1802 to Breitkopf & Härtel, Leipzig, answering requests to produce, as he did withOp. 14 No. 1, string quartet versions of his piano sonatas: “The unnatural mania, now so prevalent,for transferring even pianoforte compositions to stringed instruments, instruments which in allrespects are so utterly different from one another, should really be checked”. But this is not anobjection to arrangements per se, only string versions of piano sonatas. The “purist view” nowcurrent, that arrangements are aesthetically offensive, came about relatively recently.

Would those who criticize bassists for borrowing literature criticize Bach for having transcribedVivaldi? Today, Mussorgsky’s 1869 and 1872 versions of Boris Godunov are sometimes performed(albeit with corrections applied), but should we criticize Rimsky-Korsakov for having adapted thework and for providing an arrangement that kept the opera in the repertory for 75 years? Doesanyone criticize Ravel for having arranged Pictures at an Exhibition?

Lesser arrangements, like Ebenezer Prout’s Messiah, tend to fall from grace over time becausethe arrangement of a masterpiece is a provisional version of it that is limited and defined by thearranger’s talents and by the aesthetic currents of his or her own times, and because arrangersseldom match the original composer for genius. But great arrangers have produced greatarrangements – some that have attained classic status. Sometimes arrangements can even surpasstheir originals for authority and influence – witness Bach’s Vivaldi, or Stravinsky’s Pergolesi. So it isnot the act of arranging that we should criticize, only the quality of it (Cf. SCAMMELL, 1998, p.75).

A great musical work captures the zeitgeist; an arrangement marries the temper (and aesthetics)of two times. While the composer’s work will endure as an embodiment of his age, the arranger’s,as an overlay, is bound more to the time of its own making. Arrangers, unlike composers, cannotpresume permanence for their work, but this does not mean that great arrangements cannot endure.

The arrangement is dealing with the “musical spirit” of a work, the process of arranging can bethought to raise the composition into a higher and purer musical air, as it were – revealing itsPlatonic quintessence. The music does not live there permanently, to be sure, and it certainly doesnot reach it in its entirety because an arrangement also uses instrumental idiom to transmit itsessence (BENJAMIN, 1968, p.75). But in working on an arrangement and by virtue of the existenceof both a composition and its offspring, the musical essence shines brighter.

Some musical arrangements are scrupulously faithful to the original. Others purposefully injectsomething new and original. Is the arranger a creator or a craftsman? This must be answered on a

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case to case basis. Only an evaluation of an individual arrangement can say if it is a work oforiginality. Some arrangements can be criticized as too clever, misinterpreting, a violation of style,etc., but a good arrangement (with or without purposeful originality, made by a creator or a craftsman)is good music. Why not enjoy it for what it is?

I believe what Fritz Kramer, an old music-history teacher of mine, once said: “If you don’t believe intranscriptions, you shouldn’t be a musician!” What he expressed in that statement was based onboth historical and aesthetic considerations. Great musicians have always arranged music, andthe essence of most great music transcends its instrumental medium.

When selecting a work to arrange, I find it safest to pick good music that is less well-known, and isnot highly idiomatic in its composition. For those who accept the idea of transcription or arrangementon a limited basis, the thought of adapting a neglected piece or an obscure one is generally easieron the sensibilities. And I largely agree with this position, provided that we recognize works like theHaydn Piano Trios, for example, to be among the neglected.

But I must admit that I have gone against my own advice given here on occasion. In seeking theneglected or obscure, one would not descry Schubert’s great Quintet in C. One would not offer itas a proper object of arrangement in this context, but I have had great success with an arrangementof it that has a double bass part arranged from the second cello part.

Another of my arrangements that has met with success is the Mozart horn quintet. In it, I transcribethe solo horn part for the double bass. Anton Hoffmeister wrote a number of quartets for strings inwhich a double bass is the erste Geige. I have joked that my Mozart arrangement sounds a bit like“the greatest Hoffmeister piece that Hoffmeister never wrote.”

What I aim for in arrangements like these is a musical verisimilitude – the same quality of authenticitythat is required of a good cadenza. Verisimilitude in arranging is achieved by making a well-chosenpattern of decisions, not just an accumulation of them. An important component is, of course, fidelityto the harmonic language of the composer. But, it should be emphasized that transcription andarrangement should never be mechanical solutions. Instead they should be participations in thecreative process of composition.

Discussions about transcribing music or evaluations of individual transcriptions often teeter betweentwo poles: fidelity and license – fidelity to the presumed original sound and the license or freedomallowed to capture an original intent. Thinking about transcriptions with reference to these antipodesis limiting, however, to someone who looks for things in an arrangement other than maskedreproduction. A good transcription need not be identical to the original, but merely a cognate.Furthermore, one can use the techniques of arrangement to create something new, and idiomaticfor the new medium.

But even when it is the arranger’s intention to produce the same musical effect in another voice, acertain amount of leeway is in order. An analogy by BENJAMIN (1968) in “The Task of the Translator”from his book entitled Illuminations is thought provoking. I borrow it to inform our thinking abouttranscriptions as arrangements. Fragments of a vessel that are to be glued together must matchone another in the smallest details, although they need not be like one another. In the same way, a

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transcription as an arrangement, instead of attempting to recreate the sound of the originalcomposition, can thoughtfully incorporate the original’s pure musical substance, thus making boththe original and the arrangement fragmental conveyors of musical meaning – just as theabove-mentioned fragments are part of a vessel (BENJAMIN, 1968, p.78).

As I practice the crafts of transcription and arrangement, I take existing music as a starting pointand freely alter it – not breaking with tradition, but joining its powerful current – to make a newcreation: a work including double bass as if written by the original composer possessing fullknowledge of the modern instrument.4

In making transcriptions, I try to avoid merely substituting the bass for the cello, that is, in simplyrendering the cello part an octave higher. If the use of the double bass does not add somethingnew, why bother to use it? I am particularly sensitive to the criticism: Why not just play it onthe cello?

In many of my arrangements, I aim for something as authentic sounding as possible; nevertheless,at the same time, I may also build purposeful originality into the piece. Since the idea of arrangementincludes both the transference of a composition from one medium to another and the elaborationof a piece however that elaboration is effected, the latitude I allow myself is quite broad.Compositional procedures that create in an arrangement something quite new from the originalhelp make the arrangement per se of greater musical interest. Contrafactum, the parody mass,and the pasticcio all give us a firm historical base on which to stand. Some degree of recompositionis usually involved. Arrangements, therefore, can vary from a straightforward, almost literal,transcription to a paraphrase that is more the work of the arranger than the original composer.

The unique 20th-century approach to musical parody that has come to be called quotation musichas met with considerable success - witness Joan Tower’s Petroushskates, a chamber work forflute, clarinet, violin, cello, and piano based on Stravinsky’s Petrushka,5 or more recent works inthe genre by Libby Larsen6 and others. While I have not written in this genre, I have – as in my CelticFolk Song arrangements – freely combined music by Haydn with folk elements and strophicvariations of my own. In my arrangement of one of the songs, I interpolated music from Haydn’sPiano Sonata Hob. XVI: 41, which I converted into a trio. Using the opening of the sonata as anintroduction to the song and interspersing sections of the sonata between its strophes, I created aform in which the introduction develops into a rondo element and the strophes of the song functionas digressions. The form is novel and was not created by Haydn but is reminiscent of his formalinventiveness.

4 For parallel arguments see Daniel Mendelsohn’s review of the Stanley Lombardo translation of the Iliad, BookReview, New York Times, Sunday, July 20, 1997.

5 Petroushskates was written in 1980 on commission from the Da Capo Players and the New York State Council onthe Arts.

6 Larsen’s Symphony: Water Music (1985) was commissioned by the Minnesota Orchestra and occasioned by the300th anniversary of Handel’s birth.

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Mention of some points of originality in other arrangements of mine will help to make the point. Myarrangements of Piano Trios by Joseph Haydn and of Ragtime Piano Solos by Scott Joplinrepresent two types of arrangement with different degrees of change from the original compositions.The Haydn Piano Trio in E Hob. XV:28 welcomes a marvelous change of medium in the slowmovement. Haydn’s spellbinding second movement begins with a very long piano solo in two voiceswidely spread. These become in the arrangement a violin melody supported by double basspizzicato. The result of the arrangement is that the movement is more balanced in the distributionof materials among the three instruments.

In my arrangement of the Haydn Trio in C Hob. XV:27 I took a passage featuring imitation andredistributed the figure among the strings and in various registers of the piano more generouslythan in the original. The result elicited a comment from John SICHEL (1999, p.21-23) who in hisreview of a recent performance said “these pieces work very well with double bass. There areseveral moments in this work where Haydn takes a two- or three-note motive and fires it fromregister to register like a musical pinball. The extra low notes of the bass only make this effect moredelightful than it is in the original”

My three-movement trio constructed from the music of Scott Joplin is a parody piece. EntitledThree Rags for Three Wags, it was created the same way in which Renaissance composerscreated the Parody Mass. The composition is, in a sense, collaboration between Joplin and me. Inthis piece, I have taken original works for piano solo by Scott Joplin and arranged and subsumedthem into a larger composition for violin, double bass, and piano. Some newly composed musicwas added, including much of the double bass part, making a kind of double-bass obbligato. Theresulting composition turns three independent piano solos into a piece of chamber music in thestyle of Joplin’s ragtime.

STURM (2000, p.56) reviewed the work in a journal aimed at double bassists:

Not content to merely give the violin the melody, the piano a chordal accompaniment and the bass,well, the stride bass part, Dr. Scelba has added counter lines and harmonies to transform the solopiano work into a more intricate, successful chamber work. The bass line is just as fluent as theviolin part, frequently playing the running sixteenth notes typical [of] Joplin’s rags in unison, harmony,or contrary motion. ‘Three Rags’ is a collection of well-conceived light works, stylish and musical,and make a wonderful addition to the light chamber music repertoire.

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What the review does not mention are the formal revisions that were made part of the arrangement.Joplin typically followed a primary rag with another, a trio as it were, in a related key. There heended the composition without tonal closure. He seemed content to create a two-tiered tonalstructure and apparently felt no need to return to the original tonic. These compositions impressme as having a structural weakness. In works from 3 to 5 minutes long, so forcefully tonal, thetwo-tiered tonal layout turns what could be a more formally satisfying piece into a mere “medley”.

7 Three Rags for Three Wags reviewed in Bass World, XXIII, 3, Winter 2000, p. 56. Production of this and all otherof my arrangements mentioned above were supported in part by a Released Time for Creative Work Award fromKean University; the Yardarm Trio arrangements are published by Ludwin Music Publications, Los Angeles.

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In my arrangements, I round off the work with a modified return to the primary rag in the tonic,creating a classic compound-ternary. The result is, for me, a bigger, more integrated, more structurallysatisfying musical work.

After reading of experiments by COOK (1987, p.197-206) and others on tonal closure, I am willingto concede that my rounding may musically satisfy me less because I return to the tonic, and morebecause I return to opening textures and thematic materials; nevertheless, since the return isorganized around a tonal plan it serves to project a structural closure in a directly perceptible way,and this, for me, is musically satisfying.

To conclude, I believe that an arranger must in some works let himself go, so as to give voice to theintentio of the original not as reproduction, but as musical complement. A good arrangement istransparent; it does not cover the original or block its light, but allows the pure music, as thoughreinforced by its new medium, to shine all the more fully (BENJAMIN, 1968, p.79). But an arrangementis also a product of its own time and a reflection of the aesthetic judgments of its maker. What wasa composition by one becomes one by two.

Arrangements of chamber music are demanded by our need for literature for new combinations ofinstruments. Just as in the original composition, musical meaning and musical medium should beone without any tension, so the arrangement is one with the original in the essential musical momentin which literalness and freedom, original and counterpart, creation and derivation are united.

Bibliographic references:BEETHOVEN, Ludwig van. The Letters of Beethoven. Collec., trans. and ed. by Emily Anderson. v.1. New York: St.

Martin’s Press, 1961.BENJAMIN, Walter. Illuminations. Ed. by Hannah Arendt, trans. by Harry Zohn. New York: Harcourt, Brace & World,

1968.COOK, Nicholas. The Perception of Large-Scale Tonal Closure. Music Perception, Winter 1987, v.5, n.2.DERRIDA, Jacques. Structure, Sign and Play in the Discourse of the Human Sciences. Writing and Difference.

Chicago, University of Chicago Press, 1978.HARVEY, David . The Condition of Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Basil

Blackwell, 1980. Reprint. Cambridge, Massachusetts: Blackwell, 1990.HASSAN, Ihab. The Culture of Postmodernism. Theory, Culture, and Society, 1985, v. 2, p.123-124.KOZINN, Allan. A Bassist Recital Attracts Not Only Bassists’ Spouses. New York Times, Saturday, December 25,

1999.MENDELSOHN, Daniel. Stanley Lombardo translation of the Iliad. New York Times, Sunday, July 20, 1997.SCAMMELL, Michael. The Don Flows Again. New York Times, Sunday, January 25, 1998.SICHEL, John. So close and yet so far. Classical New Jersey, 1999, v.4, n.6.STURM, Hans. Bass World, v.23, n.3, winter, 2000.WECHSLER, Robert Performing without a Stage: The Art of Literary Translation. N. Haven: Catbird Press, 1998.

Anthony Scelba is Associate Professor in the Music Department of Kean University, New Jersey, USA. He holdsthree degrees from the Manhattan School of Music in New York and was the first person to be awarded a doctorate indouble bass from the Juilliard School. For 10 years he was Principal Double Bassist of the New Jersey Symphony; hecontinues to perform widely as soloist, chamber and orchestral musician. He is the founder of the Yardarm Trio.Dr. Scelba was a 1983-84 winner of the Fulbright Performing Artist Award for Seoul, Korea, and subsequently gavemasterclasses in Beijing and Shanghai, China. In 1998 he was named “Musician of the Year” by the Musicians Guildof Essex and Morris Counties. A published writer and composer, Dr. Scelba is the founder and Director of the AffiliateArtist Program at Kean which sponsors many of his chamber music performances.

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CASTAGNA, Paulo. As claves altas na prática musical religiosa... Per Musi. Belo Horizonte, v.3, 2002. p. 27-42

As claves altas na prática musical religiosapaulista e mineira dos séculos XVIII e XIX

Paulo Castagna (UNESP)e-mail: [email protected]

Resumo: Na música religiosa encontrada em manuscritos musicais brasileiros dos séculos XVIII e XIX, observa-sea utilização de três sistemas de claves: as claves altas, as claves baixas e as claves modernas, com nítidapredominância do segundo sistema. Claves altas foram comuns em períodos anteriores à segunda metade doséculo XVIII, mas foram preservadas em manuscritos de períodos subseqüentes, pela cópia de composições maisantigas. Descritas pela primeira vez em A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke (1597) de ThomasMorley, as claves altas possuem significado diverso das claves baixas e das claves modernas, representando umsistema transpositor específico da música vocal renascentista e da música em estilo antigo, e cujo conhecimentopossui implicações tanto na edição quanto na interpretação desse repertório.Palavras-chave: Brasil; Música religiosa; Manuscritos musicais; Séculos XVIII e XIX; Claves altas.

High clefs in the practice of religious music in São Paulo andMinas Gerais in the 18th and 19th centuries

Abstract: Three types of clefs were employed in the religious music preserved in Brazilian 18th- and 19th-centurymanuscripts: high, low, and modern, the second type being the predominant. High clefs were common before thesecond half of the 18th century and were maintained in later copies of these works. First described by ThomasMorley in A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke (1597), the high clefs stand in contrast to the lowand modern types. High clefs represent a system of transposition specific to the vocal music of the Renaissanceand the stile antico, and are relevant to both edition and musical interpretation.Keywords: Brazil; Religious Music; Musical Manuscripts, 18th and 19th Centuries; High clefs.

1 - Sistemas de clavesEm manuscritos musicais de acervos brasileiros, observa-se a utilização de três sistemas declaves, hoje conhecidos como claves altas, claves baixas e claves modernas. No sistema declaves altas, as vozes de Soprano, Alto, Tenor e Baixo possuem, respectivamente, as claves deSol na segunda linha, Dó na segunda linha, Dó na terceira linha e Dó na quarta linha, enquanto emclaves baixas essas vozes recebem as claves de Dó na primeira linha, Dó na terceira linha, Dóna quarta linha e Fá na quarta linha. No sistema de claves modernas, por sua vez, a seqüência declaves é: Sol na segunda linha, Sol na segunda linha, Sol oitava abaixo na segunda linha e Fá naquarta linha.

Esses três sistemas de claves, específicos da música vocal, vigoraram em períodos diferentes epossuíram significados diversos: as claves baixas foram predominantemente utilizadas do séculoXVI a inícios do século XX, enquanto as claves modernas surgiram em meados do século XIX,com a finalidade de simplificar a leitura musical. As claves altas foram amplamente utilizadas no

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século XVI, mas, a partir de então, passaram a ser condicionadas à música em estilo antigo,entrando em declínio na transição do século XVII para o XVIII.

Embora tenham sido verificados outros sistemas, de acordo com Siegfried HEMMERLINK (1980),as claves altas e baixas foram empregadas em cerca de 90% da música vocal renascentista.Thomas Morley foi o primeiro autor que se referiu a esse sistema, em A Plaine and EasieIntroduction to Practicall Musicke (1597), com os termos high key e low key, mas posteriormentesurgiram, na Itália, as designações chiavette e chiavi naturali, ainda utilizadas em textos sobreteoria e história da música (exemplo 1).

Exemplo 1. Sistemas de claves utilizados na música vocal, do século XVI ao século XX: a) claves altas (high key,chiavette); b) claves baixas (low key, chiavi naturali); c) claves modernas.

Alguns tratados teórico-musicais portugueses apresentam os sistemas de clave em uso, masnão informam seus nomes. Manuel Nunes da SILVA, na Arte minima de 1685 (Regra XIII, p.42),obra reimpressa em 1704 e 1725, indica duas combinações que correspondem às claves altase uma que corresponde às claves baixas, mas cita uma terceira combinação, diferente dasanteriores (as informações referidas por esse autor foram apresentadas de forma simplificadano quadro 1):

“Quando o Tenor tem clave de Csolfaut na terceira, o Baixo tem clave de Csolfaut na quarta ou deFfaut na terceira, etc. A clave do Alto corresponde ao Baixo por oitava, como o Tiple corresponde aoTenor [...] pelo que se o Tiple tiver clave de Csolfaut na terceira, o Alto a terá na quarta, e se o Tipletiver clave de Csolfaut na segunda ou primeira, o Alto a terá na terceira, e se o Tiple tiver clave deGsolreut na segunda, o Alto terá de Csolfaut na segunda, etc.”

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1 Para facilitar a composição desses quadros, foi utilizada a abreviatura Dó-1, Dó-3, Dó-4, etc., com o significadode clave de Dó na primeira linha, clave de Dó na terceira linha, clave de Dó na quarta linha, etc.

2 “Those songs, which are made for the high key, be made for more life, the others in the low key for more gravityand stadenesse.”

3 “[...] in tablatures or scores for organ accompaniments to choral music, pieces in chiavette are found written a 4th or a5th lower, while those in chiavi naturalli are at the ‘proper’ pitch. These sources do not, however, yield precise informationabout vocal pitch differentiation, because of the variation in the pitch of the individual accompanying instruments. [...]”

Quadro 1. Sistemas de claves descritos por Manuel Nunes da Silva, na Arte minima (1685, reimpressa em 1704 e1724).1

Sistema Tiple Alto Tenor Baixo[claves altas] - - Dó-3 Dó-4 ou Fá-3

- Dó-3 Dó-4 - -[claves baixas] Dó-1 ou Dó-2 Dó-3 - -[claves altas] Sol-2 Dó-2 - -

O significado do sistema de claves altas é o mais complexo dentre os anteriormente mencionados.Thomas MORLEY, em A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke (1597), informa que“as canções escritas em claves altas são mais vivas, enquanto aquelas escritas em claves baixaspossuem maior gravidade e seriedade.”2 Embora não possa ser descartada a possibilidade deque o sistema de claves utilizado determinasse o caráter na interpretação da obra, estudoscomparativos citados por Siegfried HEMMERLINK (1980) e as observações realizadas nopresente trabalho indicam que as claves altas seriam essencialmente claves transpositoras, ouseja, cujas notas sob seu efeito deveriam soar em alturas diferentes daquelas escritas nospentagramas, característica não observada na música em claves baixas.

De acordo com HEMMERLINK, as claves altas, já no século XVI, indicariam preferencialmenteuma transposição para intervalos de quarta e quinta justa abaixo das alturas escritas (com aconseqüente alteração da armadura de clave), embora a transposição para outros intervalostambém fosse possível:

“[...] em tablaturas ou em partes de órgão destinadas ao acompanhamento de música coral, peças[vocais] em chiavette foram copiadas uma quarta [justa] ou quinta [justa] abaixo [das partes vocaisem chiavette], enquanto outras em chiavi naturalli encontram-se em suas alturas ‘próprias’. Taisfontes não apresentam, contudo, informações precisas sobre a diferenciação de alturas, devido àprópria variação das alturas encontradas em partes de acompanhamento instrumental. [...]”3

A necessidade desse tipo de transposição pode ser explicada como uma maneira de se evitar ouso de linhas suplementares nos pentagramas e, principalmente, a aplicação de um ou maisacidentes (bemóis e sustenidos) nas armaduras de clave (PENA & ANGLÉS, 1954, v.1: 654-655),mas não pode ser descartada a possibilidade de que a associação das partes vocais comdeterminados instrumentos musicais pudesse exigir algum tipo de transposição. Como ainexistência de sistemas temperados de afinação na música européia, até o final do século XVII,tornava complexo o uso de várias armaduras de clave, a solução para a obtenção de diferentestransposições foi a utilização das claves altas. Armaduras com três ou mais alterações, nesseséculo, eram sistematicamente evitadas na música modal e quase somente empregadas em

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música tonal, escrita já no estilo moderno. Por essa razão, todos os exemplos musicais emclaves altas até agora encontrados em acervos brasileiros são modais e representantes do estiloantigo, e a grande maioria não possui acidentes na armadura de clave (CASTAGNA, 2000).

2 - Claves utilizadas em manuscritos de acervos paulistas e mineirosO exame de manuscritos musicais de acervos paulistas e mineiros demonstra que composiçõesreligiosas registradas em claves altas foram copiadas também em claves baixas em outrosmanuscritos, com a transposição ora para uma quarta justa, ora para uma quinta justa abaixo dasalturas escritas em claves altas. O Jesum Nazarenum (Turbas da Paixão de Sexta-feira Santa),que representa um desses casos, aparece em claves altas e sem acidentes na armadura em umgrupo de cópias (exemplo 2), em claves baixas com Si bemol na armadura em outro grupo (exemplo3) e em claves baixas com Fá sustenido na armadura em um terceiro grupo (exemplo 4). Paratodas as referências a manuscritos musicais, neste trabalho, considerar os seguintes códigos:

Acervos

MIOP/CP-CCL: Museu da Inconfidência / Casa do Pilar - Coleção Curt Lange (Ouro Preto - MG)MMM: Museu da Música (Mariana - MG)9ª SR/SP-IPHAN [GMC]: 9ª Superintendência Regional / São Paulo do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional [Grupo de Mogi das Cruzes] (São Paulo - SP)SMEI: Sociedade Musical Euterpe Itabirana (Itabira - MG)TA-AAC [MSP]: Terezinha Aniceto - Arquivo Aniceto da Cruz [Manuscrito de Piranga] (Piranga - MG)

Conjuntos de cópias

C-Un: Conjunto únicoC-1: Conjunto 1C-2: Conjunto 2 (etc.)

Posição da composição no manuscrito

(A): primeira composição(B): segunda composição (etc.)

Exemplo 2. ANÔNIMO. Jesum Nazarenum (Turbas da Paixão de Sexta-feira Santa), em ACMSP P 101 (C) C-1 e 9ªSR/SP-IPHAN [GMC 4 (C) C-4], copiado em claves altas e sem acidentes na armadura de clave. Primeira seção,c.1-6.

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Exemplo 3. ANÔNIMO. Jesum Nazarenum (Turbas da Paixão de Sexta-feira Santa), em MHPPIL, sem cód. (C)[C-Un], [9ª SR/SP-IPHAN [GMC 1 (B) C-2/3/4] e em MMM MA SS-16 [M-1 (B) C-Un], copiado em claves baixas ecom Si bemol na armadura de clave. Primeira seção, c.1-6.

Exemplo 4. ANÔNIMO. Jesum Nazarenum (Turbas da Paixão de Sexta-feira Santa), em [065] MMM LA SS-04[M-2 C-Un], copiada em claves baixas e com Fá sustenido na armadura de clave. Primeira seção, c.1-6.

O estudo desses casos permitiu o estabelecimento de uma relação entre os três sistemas declaves, válida ao menos para os casos brasileiros, e que pode ser visualizada no exemplo 5: umacomposição copiada em claves altas, sem a utilização de acidentes na armadura de clave einiciada por um acorde de Dó maior (a) – como no Jesum Nazarenum do Ex. 2 – poderia ser

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transposta em claves baixas com a utilização do Fá sustenido na armadura e conversão doacorde para Sol maior (b) ou mesmo com a utilização do Si bemol na armadura e conversão doacorde para Fá maior (d), enquanto na transposição para claves modernas (c, e) seriam mantidasas armaduras de clave e os acordes resultantes das transposições em claves baixas.4

Exemplo 5. Claves e transposições modais: a) claves altas em transposição Si bequadro; b) claves baixas emtransposição Fá sustenido ; c) claves modernas em transposição Fá sustenido; d) claves altas em transposição Sibemol; e) claves modernas em transposição Si bemol.

Afora os exemplos nos quais todas as vozes foram copiadas em claves altas, surgiram casosem que o Baixo vocal e/ou instrumental da mesma composição e da mesma cópia aparecem emclaves baixas, enquanto as vozes de S, A e T em claves altas, estas necessitando transposiçãode quarta ou quinta abaixo, para se ajustarem às demais. Essa particularidade pode serrelacionada à identidade melódica do Baixo vocal e do Baixo instrumental na música em estiloantigo e o uso incomum de claves altas em partes instrumentais.

Nos manuscritos consultados existem exceções às normas acima descritas para os sistemas declaves, decorrentes de outras convenções assimiladas no Brasil ou mesmo de confusões natentativa de conversão da música em claves altas para claves baixas. No Passio... Matthæum(Proêmio da Paixão de Domingo de Ramos) a três vozes de MMM MA SS-05 [M-2 (A) C-Un], porexemplo, foi aplicada clave baixa em B e claves altas em A e T, mas com a utilização, em T, daclave que seria própria de S (exemplo 6), fato observado em cinco outras composições, a maioriaPaixões da Semana Santa (quadro 2).

Para a conversão dessas claves em claves modernas é necessário, portanto, transpor A umaquarta justa abaixo e T uma quarta e uma oitava justa abaixo, com a aplicação do Fá sustenido naarmadura (exemplo 7). Sem esse tipo de procedimento, ocorreria uma incoerência não admitidano sistema modal.

4 A utilização do sistema modal no estilo antigo não permite o emprego do termo tonalidades, mas sim detransposições para as novas armaduras de clave e os novos acordes obtidos na conversão da música em clavesaltas para os sistemas de claves baixas ou claves modernas.

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Quadro 2. Unidades musicais permutáveis copiadas em claves altas, mas com clave de Sol na segunda linha parao Tenor.

Conjuntos Função litúrgicaMMM BC SS-01 [M-1 (I) C-2] Turbas da Paixão de Domingo de Ramos

MMM BC SS-06 [M-1 (C/D) C-Un] Proêmio e Turbas da Paixão de Domingo de Ramos

MMM BL SS-10 [M-1 (A) C-1] Proêmio da Paixão de Sexta-feira Santa

MMM MA SS-05 [M-2 (A) C-Un] Proêmio da Paixão de Domingo de Ramos

MMM MA SS-16 [M-2 V-1 (B/C) C-1] Proêmio e Turbas da Paixão de Sexta-feira Santa

MMM MA SS-21 [(B) C-1] 4º Tracto, na Bênção da Fonte Batismal do Sábado Santo

Exemplo 6. ANÔNIMO. Passio... Matthæum (Proêmio da Paixão de Domingo de Ramos), de MMM MA SS-05 [M-2(A) C-Un], c.1-10. Transcrição paleográfica.

Exemplo 7. ANÔNIMO. Passio... Matthæum (Proêmio da Paixão de Domingo de Ramos), de MMM MA SS-05 [M-2(A) C-Un], c.1-10. Transcrição em notação e claves modernas, com utilização da transposição Fá sustenido (que jáaparece na voz do Baixo).

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Caso excepcional foi a utilização de claves altas nas partes vocais e clave baixa no Baixoinstrumental, mas com o emprego da clave de Dó na primeira linha em T, nas Lições da VigíliaPascal de Sábado Santo de MMM MA SS-21 [(B) C-2]. Também excepcional foi o uso de clavesbaixas nas partes vocais, com o emprego da clave de Dó na primeira linha em T, nas Lições e naProcissão da Água Batismal da Vigília Pascal do Sábado Santo de MIOP/CP-CCL 159 (B) [C-Un]. As variações mais freqüentes no sistema de claves altas detectadas em manuscritos deacervos paulistas e mineiros, em relação ao sistema descrito por Thomas Morley em 1597, podemser observadas no exemplo 8.

Exemplo 8. Principais variantes no sistema de claves altas: a) sistema descrito por Thomas Morley, em A Plaine andEasie Introduction to Practicall Musicke (1597); b) utilização da clave de Fá na quarta linha em B; c) utilização daclave de Sol na segunda linha em T.

As variantes nos sistemas de claves altas e baixas e as imprecisões em sua aplicação foram, defato, mais freqüentes nas Paixões da Semana Santa. Esse fenômeno sugere que, em São Pauloe Minas Gerais, circulou boa quantidade de manuscritos nos quais foram empregadas as clavesaltas e que, em virtude de seu progressivo desuso, os copistas empenharam-se como puderampara sua conversão em claves baixas ou claves modernas, nem sempre obtendo resultadostotalmente coerentes.

Pode-se deduzir, portanto, que os manuscritos de acervos paulistas e mineiros, nos quais sãoobservadas uma ou mais claves altas, resultaram de cópias de obras (especialmente Paixões)que remontam a um período no qual esse sistema ainda era usual (possivelmente anterior aoséculo XVIII). À exceção das Paixões, que adiante serão estudadas, as treze composições até omomento localizadas e as respectivas cópias nas quais aparecem as claves altas nos acervosconsultados estão abaixo indicadas:

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1. ANÔNIMO. Pueri Hebræorum [Antífona da Distribuição dos Ramos no Domingo de Ramos]

TA-AAC [MSP (B) C-Un] - “P.ª o destribuir. dos Ramos.” Sem indicação de copista, sem local,[final do século XVII ou início do século XVIII]: partes de SAT, Bx

2. ANÔNIMO. Improperium exspectavit [Ofertório da Missa de Domingo de Ramos]

MMM BC SS-06 [M-2 (B) C-Un] - “Gradual, e Offertorio / P.ª / Domingo de Ramos / Para o uzode / Leonardo de Mello”. Cópia de Leonardo de Mello, sem local, [início do século XIX]:partes de T, Bx [somente T em clave alta]

3. ANÔNIMO. Incipit Lamentatio Jeremiæ Prophetæ [Primeira Lição das Matinas deQuinta-feira Santa]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 2 (B) C-Un - f.7-8] - “Altus a4”. Sem indicação de copista, sem local,[primeira metade do século XVIII]: parte de A

4. ANÔNIMO. In Monte Oliveti [Responsórios (9) das Matinas de Quinta-feira Santa]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 2 (C) C-Un - f.7-8] - Idem supra

5. [MANUEL CARDOSO]. Ex tractatu Sancti Augustini... Exaudi, Deus [Quarta Lição dasMatinas de Quinta-feira Santa]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 3 C-Un - f.9-12] - “Ex tratactu Sancti Augustini / De / Angelo Prado xavier”[ou “Ang. do Prado xavier”]. Cópia de Ângelo Xavier do Prado, sem local, [primeira metadedo século XVIII]: partes de SATB

6. ANÔNIMO. Domine, audivi... / Eripe me, Domine... [Primeiro e segundo Tractos da Missade Sexta-feira Santa]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (A) C-1 - f.13] - “Tiple a4. Profecias de Sexta fr.ª dapaixam 1.ª Profecia”.Cópia de [Faustino Xavier do Prado?, Mogi das Cruzes?, primeira metade do século XVIII]:parte de S

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (A) C-2 - f.14] - “Altus a 4. Para as Profecias de Sexta fr.ª da Paixam1.ª profecia”. Cópia de [Faustino Xavier do Prado?, Mogi das Cruzes?, primeira metade doséculo XVIII]: parte de A

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (A) C-3 - f.15-16] - “Tractos para as profecias de Sexta fr.ª da Payxam./ De Faust.º do Prado x.e[r]”. Cópia: Faustino Xavier do Prado, [Mogi das Cruzes?, primeirametade do século XVIII]: partes de TB

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (A) C-4 - f.17-21] - “Tractos para Sesta Fr.ª Santa a 4 / Douzo / De /Thimoteo Leme / Ant Ant / Tractos para sexta Fr.ª santa a 4 / do uzo / Thenotio L[...]”. Cópiade Timóteo Leme [do Prado], sem local, [primeira metade do século XVIII]: partes de TB

7. ANÔNIMO. Heu! Heu! Domine! [Estribilho da primeira parte da Procissão do Enterro deSexta-feira Santa]

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9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (D) C-4 - f.17-21] - Idem supra

8. ANÔNIMO. Pupilli facti sumus [Versículos da primeira parte da Procissão do Enterro deSexta-feira Santa]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (E) C-4 - f.17-21] - Idem supra9. [GINÉS DE MORATA]. [Æstimatus sum] cum descendentibus [Segunda parte da Procissão

do Enterro de Sexta-feira Santa]

MIOP/CP-CCL 298 (D) [C-Un] - “Populemeus a Quatro vozes e- / cum descendentibusin- / Lacum / Para Sesta feira da Paixaõ. / Fran.co Gomes da Rocha”. Cópia de FranciscoGomes da Rocha [?], sem local, [final do século XVIII]: partes de S1S2AT

10. ANÔNIMO. Cantemus Domino... / Vinea facta... / Attende cælum... [Primeiro, segundo eterceiro Tractos, nas Lições da Vigília Pascal do Sábado Santo]

TA-AAC [MSP (V) C-Un] - “Tratus. p.ª Sabb.do Sancto.” Sem indicação de copista, sem local,[final do século XVII ou início do século XVIII]: partes de SAT, Bx

11. ANÔNIMO. Alleluia [Próprio da Missa da Vigília Pascal e seções corais das Vésperas doSábado Santo]

TA-AAC [MSP (W) C-Un] - Sem indicação de copista, sem local, [final do século XVII ou início doséculo XVIII]: partes de SAT, Bx

12. ANÔNIMO. Sicut cervus desiderat [Quarto Tracto, na Bênção da Fonte Batismal da VigíliaPascal do Sábado Santo]

MIOP/CP-CCL 159 (B) [C-Un] - Cópia de Miguel Eugênio Monteiro de Barros, sem local,25/03/1853: partes de SAT

MMM MA SS-21 [(B) C-1] - “Suprano / Tractus, e Missa p.ª Sabbado S.to / Passos Frr.ª ”. Cópiade [João dos] Passos Ferreira, [Sabará?], [final do séc.XVIII]: SB

MMM MA SS-21 [(B) C-2] - “Tratos de Sabado Santo a4. / Leonardo de Mello”. Cópia de Leonardode Mello [Pimentel], [Sabará?, final do século XVIII ou início do século XIX]: partes deSATB, Bx

SMEI 050 (B) [C-Un] - “Tiple. Sabbado Santo.” Sem indicação de copista, sem local, [início doséculo XX]: partes de SATB

13. ANÔNIMO. Regina Cæli lætare [Antífona de Nossa Senhora do Tempo Pascal]

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 6 C-Un - f.23-24] - “Tiple a4”. Sem indicação de copista, sem local,[primeira metade do século XVIII]: partes de ST

3 - Claves utilizadas em música para as Paixões da Semana SantaEm relação às Paixões da Semana Santa, sobretudo naquelas do tipo Proêmio e Turbas, existemaior variedade na utilização das claves e uma certa diferença entre o Proêmio e as Turbas,

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quanto às claves utilizadas. Dentre as cópias paulistas e mineiras de Paixões, foram estudadosseis Proêmios (Passio Domini nostri...) e dez Turbas (Non in die festo no Domingo de Ramos eJesum Nazarenum na Sexta-feira Santa), quase todos sem indicação de autoria (CASTAGNA,2000, v.2:446-498). Estão envolvidos no emprego das claves altas os seguintes manuscritos:

9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 (B/C) C-4 - f.17-21] - “Tractos para Sesta Fr.ª Santa a 4 / Douzo / De /Thimoteo Leme / Ant Ant / Tractos para sexta Fr.ª santa a 4 / do uzo / Thenotio L[...]”. Cópiade Timóteo Leme [do Prado], sem local, [primeira metade do século XVIII]: partes de TB.Contém Proêmio n.1 e Turbas n.4.

MMM BC SS-01 [M-1 (H/I) C-2] - “Baýxa, para o Domingo de / Ramos. &”. Cópia de Manoel Florentino[?], [início do século XIX]: partes de TB, Bx. Contém Proêmio n.1 e Turbas n.1.

MMM BC SS-01 [M-2 (G/H) C-Un] - “Suprano Bruno / Domingo de Ramos”. Cópia de Bruno Pereirados Santos, Catas Altas (MG), 30/01/1842: partes de SB. Contém Proêmio n.2 e Turbas n.1.

MMM BC SS-06 [M 1 (C/D) C-Un] - “Oficio de Ramos / Com / Introito, e Bradados / Para o uzo de /Leonardo de Mello”. Cópia de Leonardo de Melo [Pimentel] [ou José Gonçalves Chaves, ou amando de um deles, sem local, final do século XVIII]: partes de SATB, [Bx]. Contém Proêmion.4 e Turbas n.2.

MMM BL SS-10 [M-1 (A/B) C-1] - “Bassus. / Feria 6.ª in Parasceve / Pertencente ao SanctissimoSacramento da / Matriz de Saõ Joze da Barra Longa”. Sem indicação de copista, [BarraLonga, segunda metade do século XIX]: partes de SATB, Bx. Contém Proêmio n.2 eTurbas n.5.

MMM BL SS-10 [M-1 (A/B) C-2] - “Feira 6.ª «...”Bradados # Tiple”...»”. Cópia de J. S., Barra Longa,11-12/03/1942: partes de SAB. Contém Proêmio n.2 e Turbas n.5.

MMM MA SS-05 [M-2 (A/B) C-Un] - “p.ª Domingo de Ramos a 4 Vozes ou da paixão. / Pertence aJoaquim do Monte”. Cópia de [Bruno Pereira dos Santos ou Joaquim do Monte, Catas Altas,meados do século XIX]: partes de ATB, Bx. Contém Proêmio n.2 e Turbas n.1.

MMM MA SS-16 [M-1 (A/B) C-Un] - “Bradados para Sexta feira = Tiple =”. Cópia de J. G. L.,Urucânia, 06/03/1927: partes de SATB, Bx. Contém Proêmio n.1 e Turbas n.4.

MMM MA SS-16 [M-2 V-1 (B/C) C-1] - “Sexta Fr.ª Suprano”. Sem indicação de copista, sem local,[final do século XVIII]: partes de SAT. Contém Proêmio n.4 e Turbas n.7.

MMM MA SS-16 [M-2 V-1 (B/C) C-2] - “Sexta fr.ª Suprano”. Sem indicação de copista, sem local,[primeira metade do século XIX]: parte de S. Contém Proêmio n.4 e Turbas n.7.

Entre os casos mais notórios, nessas Paixões, está o de 9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 C-4], copiadoem notação proporcional e com a utilização de claves altas, contendo o Proêmio n.1 em B e osDitos de Cristo e Turbas em C, cujas Turbas correspondem às Turbas n.4 (quadro 3).

Quadro 3. Claves utilizadas em 9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 C-4] (Sexta-feira Santa).

B - Proêmio n.1 C - Ditos de Cristo e Turbas [n.4]

Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

T alta (Dó-3) natural Dó alta (Dó-3) natural Dó

B alta (Dó-4) natural Dó alta (Dó-4) natural Dó

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A grande maioria dos Proêmios e Turbas aqui consultados encontra-se em cópias nas quais foiutilizada a notação moderna, com barras de compasso e ligaduras de valor, mas com a preservaçãode claves altas em algumas delas. Em MMM BC SS-06 [M 1 C-Un] e em MMM MA SS-16 [M-2 V-1 C-1/2], as partes vocais do Proêmio encontram-se em claves altas, enquanto as das Turbasem claves baixas, como podemos observar nos quadros 4, 5 e 6.

Quadro 4. Claves utilizadas em MMM BC SS-06 [M-1 C-Un] (Domingo de Ramos).

C - Proêmio n.4 D - Turbas n.2Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-1) Fá sustenido Sol

A alta (Dó-2) natural Dó baixa (Dó-3) Fá sustenido Sol

T alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-4) Fá sustenido Sol

B alta (Dó-4) natural Dó baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol

[Bx] baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol

Quadro 5. Claves utilizadas em MMM MA SS-16 [M-2 V-1 C-1] (Sexta-feira Santa).

B - Proêmio n.4 C - Turbas n.7Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-1) Fá sustenido Sol

A alta (Dó-2) natural Dó baixa (Dó-3) Fá sustenido Sol

T alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-4) Fá sustenido Sol

Quadro 6. Claves utilizadas em MMM MA SS-16 [M-2 V-1 C-2] (Sexta-feira Santa).

B - Proêmio n.4 C - Turbas n.7Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-1) Fá sustenido Sol

O emprego de duas categorias diferentes de claves e, conseqüentemente, de transposiçõesdiferentes em MMM BC SS-06 [M 1 C-Un] e em MMM MA SS-16 [M-2 V-1 C-1/2], é um dosindícios da existência de uma certa independência musical entre o Proêmio e as Turbas, com alivre associação dessas unidades musicais permutáveis em fontes diversas, nas quais foramempregados diferentes tipos de claves: copistas dos séculos XVIII e XIX, ao converterem asobras para a notação moderna, acabaram preservando algumas das características da notaçãoantiga, entre elas as claves altas.

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A uniformidade na utilização de claves altas ou baixas foi encontrada somente nas cópias maisantigas: claves altas no Proêmio e nas Turbas em 9ª SR/SP-IPHAN [GMC 4 C-4] e claves altasno Proêmio e baixas nas Turbas em MMM BC SS-06 [M 1 C-Un] e em MMM MA SS-16 [M-2 V-1 C-1/2]. Em cópias dos séculos XIX e XX, as claves altas aparecem de forma mais desordenada,provavelmente devido à intensa permuta de unidades pelos copistas ou até a tentativas de atualizarou “corrigir” as claves não usuais na notação moderna. Em MMM BL SS-10 [M-1 C-1/2] as Turbasestão em claves baixas, mas as partes de Baixo (vocal e instrumental) do Proêmio estão emclaves baixas e as demais vozes em claves altas, como se pode observar nos quadros 7 e 8:

Quadro 7. Claves utilizadas em MMM BL SS-10 [M-1 C-1] (Sexta-feira Santa).

A - Proêmio n.2 B - Turbas n.5Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S - - - baixa (Dó-1) Si bemol Fá

A alta (Dó-2) natural Dó baixa (Dó-3) Si bemol Fá

T alta (Sol-2) natural Dó baixa (Dó-4) Si bemol Fá

B baixa (Fá-4) Si bemol Fá baixa (Fá-4) Si bemol Fá

Bx baixa (Fá-4) Si bemol Fá baixa (Fá-4) Si bemol Fá

Quadro 8. Claves utilizadas em MMM BL SS-10 [M-1 C-2] (Sexta-feira Santa).

A - Proêmio n.2 B - Turbas n.5Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S - - - baixa (Dó-1) Si bemol Fá

A alta (Dó-2) natural Dó baixa (Dó-3) Si bemol Fá

- - - - - - -

B baixa (Fá-4) Si bemol Fá baixa (Fá-4) Si bemol Fá

Bx baixa (Fá-4) Si bemol Fá baixa (Fá-4) Si bemol Fá

Em MMM BC SS-01 [M-1 C-2] e em MMM BC SS-01 [M-2 C-Un], o Proêmio está em clavesbaixas, como se observa nos quadros 9 e 10, mas ocorre uma associação de tipos de claves etransposições nas Turbas, explicável somente pela confusão gerada após o desuso da notaçãoantiga. O manuscrito MMM BC SS-01 [M-1 C-2] possui música para a Aspersão, para ascerimônias dos Ramos e para toda Missa de Domingo de Ramos (Ordinário e Próprio), masessa mistura ocorre somente no Proêmio e nas Turbas da Paixão, provavelmente devido à maiorproliferação de espécimes em estilo antigo dessas unidades.

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Quadro 9. Claves utilizadas em MMM BC SS-01 [M-1 C-2] (Domingo de Ramos).

H - Proêmio n.1 I - Turbas n.1Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

T baixa (Dó-4) Si bemol Fá alta (Sol-2) natural Dó

B baixa (Fá-4) Si bemol Fá baixa (Fá-4) Si bemol Fá

[Bx] - - - baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol

Quadro 10. Claves utilizadas em MMM BC SS-01 [M-2 C-Un] (Domingo de Ramos).

G - Proêmio n.2 H - Turbas n.1Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S - - - alta (Sol-2) natural Dó

B baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol baixa (Fá-4) Si bemol Fá

Uma interessante tentativa de “corrigir” as claves altas pode ser encontrada em MMM MA SS-05[M-2 (A) C-Un]: o copista registrou a música do Proêmio no Altus na transposição Dó, a qual,teoricamente, deveria ser precedida pela clave de Dó na segunda linha. A incompatibilidadedessa transposição com a do Baixo (vocal e instrumental) fez com que o copista tentasse modificara clave, para que esta fosse cantada em concordância com a transposição Sol. Confundindo-sena tentativa de correção, o copista aplicou duas claves no início do pentagrama - Dó na primeiralinha e Dó na terceira linha - ambas incorretas, quer para a transposição Dó, quer para atransposição Sol.

A confusão foi maior ainda no Altus das Turbas de MMM MA SS-05 [M-2 (B) C-Un]: a música foicopiada em Dó, à qual corresponderia, teoricamente, a clave de Dó na segunda linha. O copista,entretanto, utilizou a clave de Dó na terceira linha e, não obtendo concordância entre as vozes,aplicou um sustenido no quarto espaço do pentagrama - que, em clave de Dó na terceira linhacorresponderia a Fá sustenido - para tentar converter a transposição para Sol. Finalmente, no Tenor(tanto no Proêmio quanto nas Turbas), a música está em Dó e a clave correta seria Sol na segundalinha, mas o copista utilizou a clave de Dó na quarta linha, como podemos observar no quadro 11:

Quadro 11. Claves utilizadas em MMM MA SS-05 [M-2 C-Un] (Domingo de Ramos).

A - Proêmio n.2 B - Turbas n.1Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

A alta [Dó-2] natural Dó alta [Dó-2] natural Dó

T alta [Sol-2] natural Dó alta [Sol-2] natural Dó

B baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol

[Bx] - - - baixa (Fá-4) Fá sustenido Sol

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Em MMM MA SS-16 [M-1 C-Un], o copista tentou resolver o problema das claves altas convertendotodas as claves da composição para claves modernas, mas gerando uma incoerência musical, aomanter o Baixo (vocal e instrumental) em Fá e as demais vozes em Dó, como se vê no quadro 12.

Quadro 12. Claves utilizadas em MMM MA SS-16 [M-1 C-Un] (Sexta-feira Santa).

A - Proêmio n.1 B - Turbas n.4Parte Clave Armadura Tônica Clave Armadura Tônica

S - - - moderna (Sol-2) natural Dó

A moderna (Sol-2) natural Dó moderna (Sol-2) natural Dó

T moderna (Sol-2) natural Dó moderna (Sol-2) natural Dó

B moderna (Fá-4) Si bemol Fá moderna (Fá-4) Si bemol Fá

Bx - - - moderna (Fá-4) Si bemol Fá

4 - ConclusõesA documentação estudada comprova a utilização do sistema de claves altas no Brasil durante osséculos XVIII e XIX, porém já como um arcaísmo. Muitas vezes, os copistas dessa fase tentarampreservar as claves altas em seus manuscritos, porém a falta de um conhecimento pleno dessesistema ocasionou um número muito grande de confusões, tornando necessários, para a ediçãoe execução coerente desse repertório, a análise e o ajuste das claves e transposições, e nãoapenas a transcrição prática, como se tem observado até o presente.

Por outro lado, a compreensão do sistema de claves altas é importante não apenas para aedição e execução de música religiosa, mas também para a associação de seus manuscritos afenômenos mais amplos ligados à cópia e à circulação de música nos séculos XVIII e XIX, inclusiveentre Portugal e Brasil: o fato de estar predominantemente ligada ao repertório em estilo antigofaz com que a presença das claves altas (assim como de outros arcaísmos, como a notaçãoproporcional) seja forte indício da permanência de obras compostas em época bem anterioràquela na qual foram copiadas.

5 – Referências bibliográficasCASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX. Tese

(Doutoramento). USP: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 2000. 3v.HEMMERLINK, Siegfried. Chiavette. In: SADIE, Stanley (ed.). The New Grove dictionary of music and musicians.

London, Macmillan Publ Lim.; Washington, Grove’s Dictionaries of Music; Hong Kong, Peninsula Publ. Lim.,1980. v.4, p.221-223.

MORLEY, Thomas. A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke. Apud: HEMMERLINK, Siegfried. Chiavette.In: SADIE, Stanley (ed.). The New Grove dictionary of music and musicians. London: Macmillan, 1980.

PENA, Joaquín & ANGLÉS, Higino. Diccionario de la Música Labor: iniciado por Joaquín Pena; continuado por HiginoAnglés; con la colaboración de Miguel Querol y otros distinguidos musicólogos españoles e estranjeros.Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro, México, Montevideo, Editorial Labor, S. A., 1954. 2v.

SILVA, Manuel Nunes da. ARTE MINIMA Que Com Semibreve Prolaçam tratta em tempo breve, os modos daMaxima, & Longa sciencia da Musica [...]. Lisboa: Officina de Miguel Manescal, 1704. 6f. não num., 44, 52,136p.

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CASTAGNA, Paulo. As claves altas na prática musical religiosa... Per Musi. Belo Horizonte, v.3, 2002. p. 27-42

Paulo Castagna. Depois de graduar-se no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (1982), graduou-se (1987) e apresentou dissertação de mestrado (1992) na Escola de Comunicações e Artes da USP e defendeutese de doutorado (2000) na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade (este artigocorresponde, apesar de algumas modificações, a dois ítens dessa tese. Foi bolsista do CNPq (1985), da FUNARTE(1988-1989), da FAPESP (1986-1987 e 1989-1991) e obteve bolsa da VITAE para o período maio/2001 a abril/2002,produzindo trabalhos na área de musicologia histórica, cursos, conferências, programas de rádio e televisão ecoordenando a pesquisa musicológica para a gravação de CDs. É professor e pesquisador do Instituto de Artes daUNESP desde 1994, tendo coordenado a Equipe de Organização e Catalogação da Seção de Música do Arquivo daCúria Metropolitana de São Paulo (1987-1999). Coordena o projeto de reorganização do Museu da Música de Mariana(MG), patrocinado pela PETROBRÁS. Participou de encontros de musicologia na América Latina, Europa e EstadosUnidos, tendo coordenado a seção brasileira do Ier Symposium Mondial des Chemins du Baroque au Couvent deSaint-Ulrich (Sarrebourg, França, 8-12 de junho de 2000), o Encontro de Músicos e Musicólogos do Instituto ItaúCultural (São Paulo, 11-13 de julho de 2000), o IV Encontro de Musicologia Histórica do Centro Cultural Pró-Música(Juiz de Fora, 21-23 de julho de 2000) e, com Elisabeth Seraphim Prosser e Lutero Rodrigues, as cinco edições doSimpósio Latino-Americano de Musicologia da Fundação Cultural de Curitiba (Curitiba, 1997-2001), trabalhandotambém, com Víctor Rondón, na organização do IV Encuentro de Musicólogos de Santa Cruz de la Sierra(Bolívia, 2002).

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As Sonatas e Sonatinas para violino e piano de Ernst Mahle:uma abordagem dos aspectos estilísticos

Eliane Tokeshi (UNESP)e-mail: [email protected]

Resumo: As seis Sonatas e Sonatinas para violino e piano de Ernst Mahle foram escritas num período de 25 anos,durante os quais o autor manteve constante sua preferência por estruturas neoclássicas, contrastando com umidioma moderno. Mostrou, também, uma evolução das técnicas de composição e um aumento na incorporação deelementos rítmicos e melódicos da música folclórica e popular brasileira. Verificou-se que tais características retratamo desenvolvimento de seu próprio idioma, fato conseqüente de uma procura contínua do compositor por sonoridadesdiferentes, estas resultantes de um estudo de tipos de escalas variadas, juntamente com a influência da música doBrasil e da obra de Béla Bartók.Palavras-chave: Ernst Mahle, sonatas, sonatinas, violino e piano, estilo musical, música brasileira.

Sonatas and Sonatinas for violin and piano by Ernst Mahle:a stylistic approach

Abstract: The six Sonatas and Sonatinas for violin and piano by Ernst Mahle were written over a period of 25 years,during which the composer clearly showed his preference for neoclassic structures in contrast with a modern idiom.It was detected a compositional development and increased use of rhythmic and melodic elements of Brazilian folkmusic. Such characteristics reflect the development of Mahle’s idiom, a result of his own search for different sonorities,obtained through the study of various types of scales, the influence of Brazil’s music and the work of Béla Bartók.Keywords: Ernst Mahle, sonatas, sonatinas, violin and piano, musical style, Brazilian music.

“Meu estilo de composição é baseado no modalismo, no folclore e no aleatório controlado”(MAHLE, 1995). Nessa afirmação, o compositor alemão de nascimento Ernst Mahle (1929 - )descreve seu idioma com características encontradas nas obras mais recentes do seu repertório,que têm sido incorporadas gradualmente em sua linguagem. Esse processo indicativo de umaevolução é produto de sua procura constante por sonoridades e expressões diferentes. O resultadotem sido obtido através de um estudo contínuo de diferentes tipos de escalas, juntamente com ainfluência de obras de Bartók e da música folclórica e popular do Brasil.

O desenvolvimento do estilo de Ernst Mahle poderá ser notado na análise das seis Sonatas eSonatinas para violino e piano (Tab. 1). Essas obras foram escritas num período de vinte e cincoanos (1955-80), abrangendo desde o início de seus experimentos com composição até uma fasede maior maturação técnico-estilística. As composições em questão demonstram uma crescenteassimilação do modalismo e da música folclórica e popular brasileira, enquanto que o elementoaleatório não é encontrado, pois o compositor o integrou posteriormente. Do mesmo modo queeste estudo das obras apontou as mudanças ocorridas, indicou também as característicasestilísticas e as técnicas composicionais que se mantiveram constantes na linguagem de Mahle.

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Como um dos fundadores e professor da Escola de Música de Piracicaba, Mahle sempredemonstrou uma preocupação pedagógica, que aparece refletida em sua produção musical.Inicialmente, suas composições foram escritas para preencher uma lacuna que ele acreditouexistir no repertório brasileiro para estudantes de música; contudo, a composição logo se tornousua principal ocupação. Obras como For Children e Mikrokosmos de Béla Bartók foram fontesde inspiração, pois cumpriam uma função didática mesclando o folclore a um idioma moderno,ainda que dentro de um nível de dificuldade técnica limitado e compreensível aos alunos. Mahlese deixou influenciar pelo que chama de “técnica de pimenta e sal de Bartók,” (MAHLE, Entrevista,1998). o que se refere ao uso e manipulação de modos, segundas aumentadas e outras escalasexóticas.

Como o próprio compositor descreve, seu repertório “é para ser tocado e entendido pelo ouvinte,”(ibid.) revelando seu posicionamento estético contra o artificialismo e a “modernidade a qualquercusto”(FERREIRA in MAHLE, 1998, p. 4). Deste modo, suas obras tendem a usar recursos que ocompositor acredita tornarem seu idioma mais acessível tanto ao público quanto ao intérprete.As Sonatas e Sonatinas para violino e piano, portanto, além de apresentarem uma escritaidiomática para os instrumentos, também incluem estruturas neoclássicas hoje já bastanteassimiladas. Algumas mostram influência do folclore brasileiro, que naturalmente se deve à vivênciado compositor no país. Todavia, um dos motivos para Mahle iniciar a utilização do material folclóricofoi acreditar que as pessoas se identificam com obras que apresentam elementos conhecidos.

Tab. 1. Sonatas e Sonatinas para violino e piano de Ernst Mahle

Sonatina Sonatina Sonata Sonatina Sonatina Sonata

(1955) (1956) (1968) (1974) (1975) (1980)Edição Ricordi Não publicada Tonos Não publicada Não publicada Não publicada

Dedicatória Valeska e Lola Benda Celisa Amaral Claudio MahlePaulo Affonso Frias

Allegro / Moderato / Allegro Allegro / Allegro / Allegro /Movimento, moderato / Mi / moderato / Mi / Si / Sol /tonalidade e Sol / Prelúdio Ré / Forma sonata Forma sonata Forma sonataforma Forma sonata Forma sonata

Presto / Lá / Andante / Sol / Andante / Lá / Andante / Si /ABA’ ABA’ Forma binária Forma sonata

Vivace / Moderato / Mi / Vivo / Sol /Lá / Fugato Tema e Forma sonata

variações

Como pode-se observar na Tab. 1, os movimentos dessas Sonatas e Sonatinas utilizam estruturasneoclássicas, como a forma sonata, rondó, ternária, binária e tema com variações. Essesmovimentos dentro da estrutura total da obra também têm a tendência de preservar o padrãotradicional de ordem: rápido-lento-rápido. A mesma orientação neoclássica é notada no estilo docompositor quando ele opta por construção de frases simétricas como na Sonatina (1955), ondeas estruturas seguem o padrão de agrupamento 2 + 2 compassos (Ex. 1); ou como no Moderatoda Sonatina (1974), no qual as frases são organizadas com antecedente seguidas do conseqüente(Ex. 10).

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É comum se encontrar nessas obras outros procedimentos tradicionais, como passagens ondeaparecem texturas de melodia com acompanhamento, escrita polifônica e seções de transiçãoutilizando pedal no baixo e seqüências. Típicos da forma sonata, os planos tonais apresentamcaráter contrastante com o material temático, diferindo de enérgico e/ou alegre para lírico emelodioso. Essas são algumas das características comuns encontradas nas obras em questão;todavia, Mahle manipula esses procedimentos de modo que sua obra torna-se singular.

Ex. 1

Em muitos instantes, é comum Mahle optar por trabalhar com material temático restrito dentro decada obra, o que o leva a buscar um desenvolvimento motívico como pode ser verificado naSonatina (1955). O primeiro tema na Sonatina (1955), por exemplo, é construído por uma frasecom dois motivos, a e b (Ex. 1), que “combinam intervalos de terças menores e sétimas maiores”(MAHLE, Obras, 1996, p. 7). Concluindo a primeira área tonal, há uma seção de transição ondeo motivo a aparece como figura de acompanhamento (Ex. 2). A segunda área tonal se relacionacom a anterior, mesmo que apresentando um outro caráter e um tema com intervalos diferentes.Mahle descreveu esse segundo plano enfatizando a modulação para Dó# e o uso do mesmointervalo de sétima maior do primeiro tema, porém juntamente com outros de segunda e quarta.Pode ser verificado no Ex. 2 que esses intervalos foram introduzidos previamente, como na últimaapresentação do motivo b (c. 11-12) e no motivo c (c. 13-14) do novo tema. Manipulações rítmicasacontecem com os motivos a e c, que são deslocados metricamente de modo que a semínimapassa a ser usada como uma anacruze e a mínima torna-se uma suspensão (c. 17-18). Parte daqualidade enérgica do primeiro tema deve-se também à direção ascendente dos motivos a e b,o que difere do contorno em arco da frase do segundo plano tonal, que adquire um caráter maislírico. Nota-se como o compositor usou temas com muitas características em comum, contudoesses contrastam em caráter devido a diferenças em articulação, dinâmica, contorno e tonalidade.

violino

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Ex. 2

A Sonatina (1956) é formada por Moderato e Presto, o que primeiramente chama a atençãodevido a adição de mais um movimento, se comparada com a sonatina escrita anteriormente(ver Sonatina 1955 em Tab. 1).

Como foi citado anteriormente, Mahle admirou e estudou as obras de Bartók, o que sugere aescolha da estrutura de dois movimentos dessa obra. Peças como a Rapsódia N

0 1 e SonataN

02 para violino e piano de Bartók usaram essa estrutura e assemelham-se à música verbunkosem forma e estilo. Esse antigo gênero instrumental húngaro consiste de duas partes, lassu efriss, que são respectivamente caracterizados por um movimento lento em estilo parlando comornamentação evocando uma improvisação; e um tempo giusto, normalmente uma sucessão dedanças rústicas. A associação da Sonatina (1956) com esse tipo de obra poderia ocorrer talvezse comparado o caráter improvisatório do primeiro movimento Moderato ao lassu, porém não hánenhuma característica de ritmo ou métrica de dança no Presto. Mahle posteriormente explicou aestrutura da obra como um simples “Adagio e Allegro que já existia no período barroco”(MAHLE, 1999).

O Moderato da Sonatina (1956) foi descrito pelo compositor como um “prelúdio com um ritmoconstante, onde figuram 3+4+4 colcheias. Nota-se a presença do trítono e de terças maiores(cromáticas e paralelas), descendo e subindo em movimento contrário” (MAHLE, Obras, 1996, p. 7).

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Algumas das características gerais encontradas numa definição do termo prelúdio, tambémpresentes nesse movimento são o senso de improvisação, liberdade rítmica e um plano temáticoflexível, que podem cumprir a função “de definir a tonalidade e modo do movimentoseguinte”(RANDEL, 1986, p. 653). A análise demonstrou que essas características aparecem noModerato, através de uma certa qualidade improvisatória, além de preparar o material temáticoe o vocabulário intervalar para o Presto seguinte.

O ritmo constante mencionado pelo compositor se refere ao ostinato, que persiste por todo omovimento alternando-se entre o violino e o piano (Ex. 3a). Apesar das notas estarem escritascom o agrupamento de 3+4+4 e do compositor ter chamado a atenção especificamente para osintervalos que considerou mais importantes, outros pulsos interiores como o de 2+3+3+3 podemser notados devido ao contorno e direção do desenho desse ostinato. Essa ambigüidade métricacontribui para um caráter de indecisão do movimento, logo, também a sensação de improvisação.Outro aspecto distinto da figura de acompanhamento se revela nas duas linhas paralelascromáticas descendentes (ver notas indicadas no Ex. 3a). Com essa seqüência de notas, épossível compreender e sentir um pulso mais longo, de um tempo por compasso, facilitando asensação de continuidade na música. Esse ostinato também deixa de ser um simplesacompanhamento quando se mostra intrinsecamente relacionado com a linha melódica, já queessa repete de forma aumentada a linha cromática (ver notas circuladas em Ex. 3b).

Ex. 3a

Ex. 3b

Como já notado anteriormente, o Moderato também se relaciona com o Presto de maneira queos motivos principais do último contêm os intervalos de trítono e terças (Ex. 4a). Numa seção detextura mais densa (Ex. 4b) esses intervalos, juntamente com segundas maiores, aparecemverticalmente indicados pela seqüência de conjuntos de classe de altura (pitch-class sets)

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4-25 (0268) e 4-21 (0246)1 . Nesse mesmo trecho, as terças também se encontram em movimentoascendente, que completa o intervalo de oitava dividido em quatro partes iguais. Outro elementode conexão entre os movimentos se apresenta na linha cromática discutida anteriormente, queaparece relembrando a melodia e o ostinato do movimento anterior (linha descendente na mãodireita do piano em Ex. 4b).

Ex. 4a

Ex. 4b

Seguindo a ordem cronológica, a próxima obra de Mahle, a Sonata (1968), aumenta o número dedois movimentos (Sonatina 1956) para três (ver Tab. 1). Esta Sonata também apresenta elementoscomuns entre movimentos como temos notado nas Sonatinas anteriores. O primeiro movimentoutiliza temas similares nas diferentes áreas tonais, formando “basicamente um movimentomonotemático” (MAHLE, Obras, 1996, p. 7). Contrastes entre os planos tonais são desenvolvidosatravés da manipulação dos motivos rítmicos e melódicos que os modifica invertendo, mudandoarticulação e utilizando a forma aumentada e diminuída. Esse tipo de relação motívica existe nãosomente dentro desse Allegro moderato, mas também com o movimento final, que utiliza osmesmos intervalos como material para a construção dos temas.

Como pode ser notado na Tab. 1, as tonalidades dos movimentos em cada obra estão relacionadasde maneira bastante tradicional, ou seja, em relação de dominante, subdominante e relativa maior.Uma das “marcas registradas” do estilo de Mahle, no entanto, é obter um contraste mais acentuado

1 Para maiores informações sobre teoria dos conjuntos (set theory) consultar: Allen Forte, The Structure of AtonalMusic (New Haven: Yale University Press, 1973) e Joseph Straus, Introduction to Post-Tonal Theory (EnglewoodCliffs: Prentice-Hall, Inc., 1990).

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dentro de cada movimento, fazendo uso de um distanciamento de trítono entre os planos tonais.Desta forma, o Allegro da Sonata (1968), por exemplo, apresenta o primeiro plano em Ré e osegundo em Sol#; e o Allegro da Sonata (1980) em Sol e Dó# respectivamente. Quandoquestionado sobre as razões desse procedimento, o compositor explicou a preferência devidoao contraste tonal resultante, descartando assim a influência nesse aspecto de Bartók, que utilizavamuito o intervalo de trítono. Mahle atribuiu a utilização desse intervalo como mais um passo noprogresso histórico-estilístico das relações de tonalidades, que vinha se desviando cada vezmais das regras clássicas. Desta forma, Mahle buscou o intervalo mais distante possível (trítono)para substituir as tradicionais dominante ou relativa maior. Em entrevista com o Professor Arzolla,Mahle revelou este procedimento como uma possível influência de Debussy e a escala de tonsinteiros (ARZOLLA, 1996, p. 38). Da mesma forma, tanto esta última escala quanto as octatônicase a relação de pólo e antípoda são associadas a propriedades de regularidade intervalar e simetria,que parecem ser características preferidas pelo compositor.

Mahle procurou usar as escalas mencionadas e outras como fonte para novas possibilidadessonoras, o que o levou a calcular com um aluno de composição todas as escalas possíveis comum número de 5 a 12 notas. Do resultado de mais de 1.200 escalas, Mahle selecionou cerca desetenta escalas que considerou interessantes musicalmente (ARZOLLA, 1996, p. 31). Desta forma,o compositor combinou o que aparenta ser uma busca meramente cerebral com o instinto musical,criando assim uma linguagem própria.

A escala octatônica aparece manipulada de várias maneiras nas Sonatas e Sonatinas em questão,tornando-se parte de seu idioma. Na Sonatina (1955) a escala completa é utilizada comoconclusão da exposição (Ex. 5a) e também na seção de transição para a recapitulação, juntamentecom terças menores descendentes e um pedal na nota Sib no piano (Ex. 5b). As sonoridadesfreqüentes resultantes da escala octatônica, como terças maiores e menores, as combinaçõesdestas, sétimas e trítonos aparecem presentes nesse movimento. Isso facilita ou explica, portanto,a maior integração dessa escala dentro do vocabulário intervalar do movimento.

Ex. 5a

Ex. 5b

Mahle descreveu o primeiro tema da Sonatina (1975) com um “caráter modal onde o dórico,frígio, lídio e mixolídio se misturam ao cromatismo da falsa relação” (MAHLE, Obras, 1996, p. 8).O resultado final produz, no entanto, a escala octatônica Si-Dó-Ré-Mib(Ré#)-Mi#(Fá)-Fá#-Sol#(Láb)-Lá, que é o único material utilizado na obra, com uma exceção somente no último

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acorde, que acrescenta notas estranhas à escala. A qualidade sonora modal é notada,especialmente a do modo frígio devido a sua similaridade com esse tipo de escala octatônica,visto que ambas apresentam o segundo e sétimo graus abaixados. O modo octatônico foiescolhido, segundo Mahle, porque possui várias possibilidades sonoras ainda que com um númerolimitado de notas e pode produzir as qualidades modais mencionadas, assim como harmoniasmaiores e menores (MAHLE, 1999).No Ex. 6, nota-se que o primeiro tema apresenta com freqüência muitos intervalos de terças,resultando em conjuntos de classe de altura (pitch-class sets) como 3-11 (037) e 3-3 (014), queformam tríades e terças maiores e menores respectivamente. Como já foi citado, outro intervalocomum com o uso da escala octatônica é o do trítono, o qual aparece diversas vezes formando3-8 (026) e 3-10 (036), enquanto o acorde de sétima diminuta 4-27 (0258), um complemento daescala octatônica, está presente na figura ostinato inicial e posteriormente no tema.

Ex. 6

Outra característica importante do modo octatônico é a possível presença de conflito no centrotonal, que se deve à capacidade dessa escala de formar tríades maiores e menoressimultaneamente no primeiro, terceiro, quinto e sétimo graus (STRAUS,1990, p. 100). Estacondição é encontrada no início desse movimento, onde se utiliza tríades de Ré e Si

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simultaneamente, provocando uma ambigüidade no centro tonal, que se resolve somente no fimdessa seção, quando o Si é estabelecido como tonalidade central.

Na Sonata (1980) a escala octatônica também é usada, aparecendo no fim da exposição naparte do piano enquanto o violino permanece estático com a díade Réb/Mib seguida por Sol/Lá(Ex. 7) onde, a harmonia se mantém estática.

Ex. 7

Através dos comentários escritos por Mahle no encarte da gravação em CD, foi possível se verificaras considerações importantes para o compositor a respeito das Sonatas e Sonatinas para violinoe piano. Pode-se notar que na sua descrição, a construção dos motivos nas suas primeirasobras foi bastante baseada em manipulação de intervalos. Foi somente a partir da Sonata (1968)que o compositor menciona a introdução de combinação de elementos modais frígio, lídio emixolídio (Andante). Mahle, de certa maneira, não deixa de manipular os intervalos, porém essesa partir de então, são buscados pela sonoridade e pela identificação com cada modo. Essamistura de modos resulta numa escala que pode ser observada no tema em Sol (Ex. 8). Osmodos frígio, lídio e mixolídio podem ser facilmente reconhecidos pela presença do segundograu abaixado, do quarto aumentado e do sétimo abaixado, que aparecem no tema como Láb,Dó# e Fá, respectivamente. A sonoridade exótica resultante é similar à escala cigana ou modohúngaro (Dó-Ré-Mib-Fá#-Sol-Láb-Si; SADIE, 1980, p. 870), que também apresenta a terça menore a quarta aumentada, gerando o intervalo de segunda aumentada entre os terceiro e quartograus da escala. Neste Andante, o compositor pela primeira vez descreveu o uso de modos nasobras de violino estudadas nessa pesquisa; no entanto, Mahle havia utilizado elementos modaisem uma peça anterior para violino solo (Rapsódia, escrita em 1956; MAHLE, 1956).Posteriormente, Mahle incorporou os modos em seu idioma, o que pode ser considerado uma desuas características mais marcantes.

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Ex. 8

Na Sonatina (1974) Mahle faz uso extensivo de um vocabulário modal. O primeiro movimento Allegromanipula somente elementos do lídio e mixolídio, enquanto o Andante utiliza mais explicitamente oidioma modal. O material apresentado através de todo esse movimento lento é o modo compostofrígio-dórico em Lá. Este é formado pelo primeiro pentacorde e segundo tetracorde de cada modorespectivamente, o que constrói, portanto, Lá-Sib-Dó-Ré / Mi-Fá#-Sol-Lá (Ex. 9). Nesse instante,pode-se detectar a influência da técnica de “sal e pimenta” de Bartók que Mahle anteriormentereconheceu admirar.

Ex. 9

Durante a primeira parte do movimento, o violino e o piano expõem o material temático sozinhose alternadamente; mas, na reprise, todos os temas aparecem acompanhados pelo outroinstrumento com a harmonização. É interessante notar que através desse procedimento, Mahleutiliza construções triádicas formadas com as notas da escala original, desta forma preservandoe enfatizando a qualidade sonora modal.

O finale Moderato é um movimento de tema e variações com muitas das características tradicionaisequivalentes a obras do repertório clássico, como, por exemplo, frases equilibradas que formamuma estrutura de 4+4/4+4 (Ex. 10). Enquanto a estrutura dos períodos continua a mesma, o materialtemático aparece variado durante o movimento. O modo dórico em Mi do tema é extremamentemodificado, mostrando a técnica de variação do compositor, que inclui modificações queintroduzem modos como o lídio, frígio e mixolídio. Parte das variações mantém o tema reconhecível,apesar de Mahle ter utilizado tipos diferentes de acompanhamento, alterado a textura e caráteratravés do uso de progressões harmônicas com arpejos e acordes, e introduzido figuras rítmicas.

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Ex. 10

Na Sonata (1980), o compositor utilizou uma escala pentatônica (Sol-Lá-Si-Ré-Mi) como materialinicial (Ex. 11) e introduziu gradativamente os “elementos dos modos lídio, mixolídio, frígio, etc…”(MAHLE, Obras, 1996, p. 8). O compositor, portanto, trabalha o material temático de modo quepossa estender frases através de inserções e combinações modais como o Dó# (lídio), Láb eSib (frígio) e Fá (mixolídio). Desta forma, Mahle obtém, durante o movimento Allegro, instantescromáticos complexos devido a mistura de modos que, de maneira contrastante, se alternamcom o caráter sonoro aberto da escala pentatônica.

Ex. 11

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Naturalizado brasileiro, Mahle tem orgulho de ser considerado como um “compositor maisbrasileiro que muitos brasileiros” (LACERDA in MAHLE, 2000, p. 4). Residindo no Brasil desde1951, o compositor deixou-se influenciar pela música folclórica e popular do país, mostrando aparenteessa assimilação nas obras mais recentes entre as Sonatas e Sonatinas para violino e piano.

A Sonatina (1974) foi descrita pelo compositor como a primeira manifestação da influência damúsica folclórica e popular brasileira dentro das obras de violino estudadas. O Allegro apresentaritmos pontuados e sincopados típicos, que são utilizados nas melodias e também em forma deacompanhamento em ostinato quase percussivo, lembrando o tipo de textura e sonoridade usadana capoeira (SILVA, 1998, p. 155). O último movimento Moderato termina com a indicação emportuguês “mancando” substituindo o mais comum ritenuto ou rallentando. O termo foi explicadopelo compositor através de uma associação desse movimento ao cotidiano do trabalhador donordeste brasileiro. Esse “homem” foi fonte de inspiração ao compositor que o imaginou lidandocom diversos problemas todos os dias (representados pelo aumento da velocidade de cadavariação) e finalmente cansa-se e se “arrasta” mancando para casa. Apesar de Mahle admitirque só se familiarizou com os modos típicos do folclore nordestino após tê-los usado, assonoridades modais dessa Sonatina (1974) contribuem a essa associação imediata.

As chamadas terças caipiras aparecem no Allegro da Sonatina (1974) de maneira discreta; noentanto, é no Vivace da Sonata (1968) que Mahle fez uso de melodias inteiras com duas vozesparalelas em intervalos de terças e sextas, procedimento presente na música brasileira (Ex. 12).O material temático em questão tem seu caráter nacional mais acentuado, pois apresenta ritmospontuados e sincopados. Apesar dos elementos nacionalistas presentes nesse movimento, foi aSonatina (1974) que recebeu a descrição do compositor como representativo de um “ambientetipicamente brasileiro”. Isso provavelmente se deve ao fato de que esse movimento usaprocedimentos de uma fuga, um idioma não associado a música folclórica ou popular nacional.

O Vivace se inicia com todas as indicações de uma fuga tradicional apresentando o sujeito sozinho,seguido da resposta tonal e de contra-sujeitos (ver Tab. 2). Este movimento, todavia, apresentaqualidades interessantes, pois nota-se que este sujeito utiliza os mesmos intervalos do temainicial do primeiro movimento, além de interagir com uma melodia em terças caipiras. Omovimento, portanto, é construído por essas melodias com vozes paralelas, que se alternam ouaparecem simultaneamente com o idioma polifônico nos trechos do fugato (Ex. 12 mostra o tema“caipira” em conjunto com o sujeito) como mostra o diagrama abaixo (área A/B da Tab. 3).

Ex. 12

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Tab. 2. Exposição do fugato da Sonata (1968) – Vivace(S=Sujeito; R=Resposta; C=Contra-sujeito)

Violino R C2 C1 S C2

Piano S C1 C3 R C2 C2-3

Piano S C1 C3 S

Tab. 3. Diagrama da Sonata (1968) – Vivace

Área A B A B A/B coda transição stretto transição

Estilo fugato folclórico fugato folclórico ambos

A Sonata (1980), por sua vez, apresenta ritmos pontuados de samba e outras danças, mas tambémuma outra célula sincopada até então não utilizada nas Sonatas e Sonatinas para violino e piano.Pode-se notar no Ex. 11, na mão esquerda do piano, um motivo que enfatiza a primeira, quarta esétima colcheias do compasso, formando grupos de 3+3+2, que coincidem com uma figura rítmicade acompanhamento típica nas danças populares brasileiras. No Vivo dessa Sonata o compositorfez uso de motivos em sextas paralelas, no entanto estas não chegam a formar melodias completascomo as do material popular nacional. Pode-se dizer que os materiais da música folclórica epopular brasileira aparecem mesclados dentro da Sonata (1980) o que, portanto, a diferencia daSonatina (1974), na qual o elemento do folclore é mais explícito. Desta forma, o caráter nacionalpercebido na Sonata (1980) é aquele que foi transmitido pelo compositor após tê-lo assimiladoe traduzido para sua própria linguagem.

Através dessa breve análise, pode-se concluir sobre alguns dos aspectos particulares do estilode Ernst Mahle aparentes nas Sonatas e Sonatinas para violino e piano. Parte desse estilo éresultado de suas manipulações dos modos eclesiásticos e outras escalas, como a octatônica epentatônica. Contudo, esses elementos de um idioma moderno não deixam de coexistir com oestilo neoclássico de Mahle. Em conjunto com essa orientação tradicional, ocorrem influênciasdo ambiente brasileiro e, como resultado, a incorporação de elementos da música folclórica epopular nacional no tratamento melódico, figuras rítmicas e sonoridades percussivas no seu estilode composição. Essa assimilação aparece, conseqüentemente, de maneira natural e gradativa,pois a música neoclássica e a tradicional brasileira em muitos aspectos coincidem.

Cronologicamente, o número de movimentos dentro das obras para violino e piano aumentaram,com a única exceção da Sonatina (1975), que possui somente um movimento (esta obra, porémfoi originalmente escrita para piano e, posteriormente, transcrita para violino pelo compositor). Aexpansão das obras se deve provavelmente a uma crescente desenvoltura do compositor com ogênero e com suas próprias técnicas de composição. Deve-se notar também que, em 1955 (anoda primeira destas obras), Mahle encontrava-se no início da sua carreira, quando ainda consideravaas atividades pedagógicas sua prioridade profissional. Foi apenas em 1968 que Mahle começoua se ver como compositor, quando notou o valor de suas obras escritas naquele ano.

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Posteriormente, Mahle veio a perceber que sua produção anterior também já era merecedora dereconhecimento.

Cada uma dessas obras também apresenta um aumento no uso de novas texturas, recursos técnicose qualidades sonoras, explorando o violino como um instrumento lírico a percussivo, sempre demaneira idiomática, porém aumentando as dificuldades técnicas. O aprendizado dessas Sonatase Sonatinas traz para o violinista obras de níveis variados de dificuldade, que utilizam as diversaspossibilidades técnicas do instrumento, e um leque variado de cores. A pesquisa através da análiseé capaz de discernir as sonoridades da música folclórica e popular brasileira, mescladas com astécnicas e a linguagem moderna, levando à compreensão e execução coerente das obras efacilitando o trabalho do intérprete de trazer à tona as qualidades da obra de Mahle.

Referências bibliográficasARZOLLA, Antonio Roberto Roccia Dal Pozzo. “Uma Abordagem Analítico-Interpretativa do Concerto 1990 para

Contrabaixo e Orquestra de Ernst Mahle”. Diss. Mestrado, Universidade do Rio de Janeiro, 1996.RANDEL, Don, ed. The New Harvard Dictionary of Music, 3a ed. Cambridge: Harvard University Press, 1986.SADIE, Stanley. Gypsy Music. In: THE NEW GROVE dictionary of music and musicians. London: Macmillan Press,

1980. v.7, p.870.SILVA, André Cavazotti. “The Sonatas for Violin and Piano of M. Camargo Guarnieri: Perspectives on the Style of a

Brazilian Nationalist Composer”. Diss. DMA, Boston University, 1998.STRAUS, Joseph N. Introduction to Post-Tonal Theory. New Jersey: Prentice-Hall, 1990.

Partituras, entrevistas e catálogosMAHLE, Ernst. Sonatina (1955). São Paulo: Ricordi Brasileira, 1972.____. “Sonatina (1956)”. Cópia de manuscrito, 1956.____. Sonata (1968). Darmstadt: Edition Tonos, 1973.____. “Sonatina (1974)”. Cópia de manuscrito, 1974.____. “Sonatina (1975)”. Cópia de manuscrito, 1975.____. “Sonata (1980)”. Cópia de manuscrito, 1980.____. Ernst Mahle: Catálogo de Obras. Piracicaba, SP: Escola de Música de Piracicaba e Prefeitura de Piracicaba,

1998.____. Ernst Mahle: Catálogo de Obras. Piracicaba, SP: Escola de Música de Piracicaba e Instituto Educacional

Piracicabano, 2000.____. Obras para Violino e Piano. Gravado por Celisa Amaral Frias, violino e Bernardete Sampaio, piano. Comentários

de Ernst Mahle. Sonopress-Rimo, 1996.____. Análise. Cópia de manuscrito , D33. Escola de Música de Piracicaba.____. Modos, Escalas e Séries. Cópia de manuscrito, D30. Escola de Música de Piracicaba.____. Entrevista de Josete Feres em novembro, 1995 (manuscrito).____. Cópias de entrevistas de Antonio R. Arzolla em novembro, 1996; José de Feres em novembro, 1995; Johnson

Joanesburg Anchieta Machado em maio, 1993; Maria Constanza Almeida Prado, n.d.; Luciana MontenegroCarnevale, n.d.

____. Entrevistas de Eliane Tokeshi em agosto, 1998 (manuscrito); maio, 1999 (E-mail); Junho, 1999 (conversa portelefone).

Eliane Tokeshi é natural de Piracicaba onde iniciou seus estudos. Foi vencedora de importantes concursos esolista frente a orquestra como Sinfônica do Estado de São Paulo, da USP, da Unesp, Sinfonia Cultura, Sinfônica deNorth Shore e da Universidade da Northwestern entre outras. Obteve o Bacharelado em violino no Instituto de Artesda Unesp, onde foi aluna do Prof. Ayrton Pinto. Premiada com uma bolsa pela CAPES, deu continuidade aosestudos nos EUA, onde completou o Mestrado na Boston University e o curso de Doutorado em violino na NorthwesternUniversity em Chicago. Atualmente é violinista convidada da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, vemapresentando solos e recitais além de exercer atividades pedagógicas.

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Uma possível interpretação dareferência musical em De Umbris de Oiliam Lanna

Cecília Nazaré de Lima (UFMG)e-mail: [email protected]

Resumo: Este estudo propõe indagar, com base na teoria semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914), sobrepossíveis significados que podem ser extraídos da peça De Umbris, para dois fagotes e piano, composta em 1992,por Oiliam Lanna. O campo de abrangência dessa ciência é muito vasto, suas indagações atingem diversas áreas(psicanálise, anatomia, literatura, música etc.). A referência musical, um dos focos de sua teoria, foi a opção deanálise de De Umbris. Referência musical diz respeito à maneira como o signo se relaciona com seu objeto, àsemântica. As impressões iniciais sobre a peça foram associadas aos conceitos de Peirce no que se refere a ícone,índice e símbolo e esse enfoque resultou em novas interpretações de seu discurso. Espera-se que essa tentativa deaplicação da teoria semiótica na análise musical traga resultados positivos e desperte em outros intérpretes ointeresse por novas abordagens do discurso musical.Palavras-chave: semiótica, referência musical, significado musical, música contemporânea brasileira, música decâmara brasileira, De Umbris

A possible interpretation of themusical reference in De Umbris by Oiliam Lanna

Abstract: The present study is an inquiry, based on the semiotic theory of Charles Sanders Peirce (1839-1914),about the possible meanings that can be extracted from the piece De Umbris, for two bassoons and piano, composedin 1992 by Oiliam Lanna. The horizon of this science is very broad, touching different areas of human knowledge(psychoanalysis, literature, music, etc.). The musical reference, one of the foci of the theory, was the one chosen forthe analysis of De Umbris. Musical reference refers to the way in which the sign relates to its respective object, itssemantics. The initial impressions about the piece were associated with the concepts of Peirce regarding icon,index and symbol and this approach resulted in new interpretations of the discourse. It is hoped that this attempt atapplying the semiotic theory in musical analysis will yield good fruits and provoke the interest of other performers infinding new approaches of the musical discourse.Keywords: semiotics, musical reference, musical meaning, Brazilian contemporary music, Brazilian chambermusic, De Umbris

I - IntroduçãoO que será exposto a seguir resulta das reflexões acerca dos fenômenos envolvidos no processocriativo da peça De Umbris, para dois fagotes e piano, composta em 1992, por Oiliam Lanna.(Oilliam Lanna formou-se em Composição pela Escola de Música da UFMG, onde hoje é professor,e obteve o título de mestre em composição musical na Faculdade de Música da Universidade deMontreal.) O principal objetivo desse estudo é investigar os possíveis significados que podemser extraídos de seu discurso com base na teoria semiótica de Charles Sanders Peirce(1839-1914). As referências a Peirce foram selecionadas para os propósitos deste estudo eextraídas de textos elaborados por autores que, interessados no estudo da Semiótica, traduzirame interpretaram as idéias desse autor. Portanto, este trabalho de pesquisa não pretende, nempoderia pretender, se apresentar como um guia desta ciência, mas sim como uma tentativa de

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aplicação de alguns de seus conceitos na Análise Musical. Provavelmente, a peça escolhida nãoé conhecida por muitos leitores desse artigo e, por este motivo, serão acrescentadas informaçõescomplementares a seu respeito e partitura publicada ao final do artigo.

Desde o início da história da humanidade, o homem estabeleceu maneiras de se comunicar.Através de sons, desenhos, pinturas, escrita, fala e outras linguagens, ele procura gerar mensagensatravés de signos. Mas foi no século XX que se deu o crescimento das ciências que seinteressavam na investigação desses signos, dentre elas a Semiótica com a proposta de seuestudo em toda e qualquer linguagem. O campo de abrangência dessa ciência é muito vasto esuas indagações atingem diversas áreas: psicanálise, anatomia, literatura, música, etc. O que sebusca descrever e analisar nos fenômenos é sua constituição como linguagem, sua ação designo. Em música, estudiosos têm se dedicado a vários aspectos envolvidos na significaçãomusical. Sua relação com o corpóreo, com o emocional, com fatores intrínsecos e extrínsecos aela, são alguns dos temas investigados.

As reflexões e opiniões, às vezes e em certos aspectos contraditórias, que se manifestam arespeito do significado da música parecem convergir para a constatação de que música élinguagem, e que, portanto, é também utilizada pelo homem para exprimir suas idéias esentimentos. Música poderia estar incluída nas palavras de J. F. dos Santos a respeito delinguagens: “palavra, desenho, escrita, pintura, foto, imagem em movimento, são linguagens paraa comunicação feitas com signos em códigos que gerando mensagens, representam arealidade para o homem” (SANTOS, 1986). Se música é linguagem, então, de acordo comconceitos da teoria semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914), ela é signo.

Várias definições para signo podem ser encontradas mas, talvez, a mais conhecida seja a deque signo é alguma coisa que representa algo para alguém, ou ainda, “é tudo o que substitui algo,sob certos aspectos e em certa medida” (PIGNATARI, 1979).

Lúcia Santaella selecionou dos escritos de Peirce uma outra definição que incluo aqui:

“Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido,a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizerque ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que de certa maneira,determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual acausa imediata ou determinante é o signo, e da qual a causa mediata é o objeto, pode ser chamadade interpretante” (SANTAELLA, 1993).

Para que um signo se efetive como tal, é necessário que ele represente o objeto, a que ele serefere, para alguém. Quando essa relação triádica se efetiva, ocorre o processo da semeiosis.Os elementos que a compõem, representame (signo), o objeto (referente), e o interpretante(processo que permite ao intérprete transformar signo em signo) se associam e, a partir de suasrelações, passam a significar, ou seja, representar idéias. Essa relação não é estática, o processode referência do signo é infinito ou ainda, semeiosis é infinita em todas as direções.

Jean Jacques Nattiez comenta que, “apesar de não estar explícito em Peirce, somos levados aconcluir que o objeto do signo é realmente um objeto virtual que não existe exceto pela

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multiplicidade de interpretantes, pelo significado que a pessoa atribui ao signo para aludir oobjeto.” (NATTIEZ, 1990)

Décio Pignatari, sobre as idéias de Peirce, considera “particularmente importante – que o nívelsintático de um signo, sendo o nível de suas relações formais, é um primeiro; que o nível semântico,que é o nível de suas relações com o objeto, é um segundo; e que o nível pragmático, que é o nívelde suas relações com o interpretante, é um terceiro” (PIGNATARI, 1979: 27).

A significação musical pode derivar desses três campos:

Gramática: semiose musical intrínseca; como a música se organiza; sintaxe.

Crítica: referência musical ou estudo das condições em que o signo se refere ao objeto; semântica.

Metodêutica: interpretação musical ou estudo das condições da Semiose na sua efetividade, namaneira como ela acontece; pragmático.

Considerando o vasto campo de abrangência da Semiótica de Peirce, este estudo pretendefocalizar um pequeno universo dessa teoria no que diz respeito à semântica, mais especificamenteà referência musical, ou seja, como o signo se refere ao seu objeto dinâmico,1 ou ainda, o que amúsica pode significar. Aspectos da peça De Umbris serão associados aos conceitos de ícone,índice e símbolo em música, com a intenção de extrapolar uma análise musical descritiva e proporoutras possíveis interpretações de seus signos. O contato com a Semiótica de Peirce motivou ainvestigação de novas abordagens para a peça. De Umbris, como qualquer fenômeno, estárepleta de significados e quando tencionamos interpretá-los estamos, na verdade, traduzindouma forma de pensamento em outra. E essa relação, que é suscitada pelo signo, é ininterrupta, equando mergulhados nela, sobretudo em música, devemos ter em mente que “significado musicalpode ser designado por uma translação verbal mas não limitado por ela” (NATTIEZ, 1990) eainda “o significante musical refere a um significado que não tem um significante verbal exato. Osignificado musical, tão logo que explicado em palavras, perde-se no significado verbal tão preciso,tão literal: ele o trai” (idem).

Contudo, antes de enfocar a peça nesta perspectiva semiótica, foi necessário conhecer suaestrutura. O procedimento utilizado, a análise, se baseia no modelo tripartido da teoria semiológicade Molino2 e Jean Jacques Nattiez, a partir do qual as diferentes famílias de análise musical sãoclassificadas em seis categorias. Na análise de De Umbris, a metodologia, embora pessoal, seencaixa na terceira categoria exposta no artigo e trata de induzir da observação da peça o processocomposicional que lhe deu nascimento.3

1 Peirce destaca dois tipos de objeto: dinâmico, aquilo que o signo substitui, e o objeto imediato, aquele que dizrespeito ao modo como o objeto dinâmico se apresenta no próprio signo.

2 Nattiez, em seu artigo Semiologia Musical e Pedagogia da Análise, se refere à obra de Jean Molino, Fait musicalet semiologie de la musique. (Musique en jeu n 17, p. 37- 62, 1975)

3 Constituem referências nesse modelo o Fundamentals of Musical Composition de Schoenberg e a análise motívicae temática de R. Réti.

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II - Análise da peçaDe Umbris associa a simbologia das notações tradicional e contemporânea. Os símbolos daescrita tradicional, como figuras e pausas, são mantidos, porém livres do domínio métrico doscompassos. Sobre o aspecto temporal, a peça flui com a liberdade lírica de suas frases melódicasintercaladas de respirações expressivas. Além dos sinais de agógica convencionais, algunssímbolos da notação contemporânea reforçam esta qualidade, pela própria indefinição temporalque eles sugerem.

No aspecto formal, a obra pode ser dividida em seis seções com graus diferenciados dearticulação e organizadas da seguinte maneira:

II.1 - Primeira seçãoO fagote I apresenta sozinho a idéia melódica principal. Esta idéia introduz os modelos melódicose rítmicos que serão explorados na peça. São eles, principalmente: cromatismo, quartas justas,trítono, gestos ascendentes de notas rápidas, vários tipos de cesuras e appoggiaturas.

II.2 - Segunda seçãoO retorno da nota sib no fagote I dá a entrada para os outros instrumentos. Piano e fagote IIsurgem, criando uma ambientação sonora derivada da harmonia por quartas, quintas, trítonos ecores timbrísticas. O piano explora a ressonância de harmônicos, registros expandidos, ataquemarcato no registro agudo, enquanto o fagote II utiliza a surdina, sons de afinação variada emultifônicos. Os motivos antecipados pelo fagote I estão aqui presentes.

No campo das alturas, o piano arpeja três notas que serão tocadas como um acorde appoggiaturalogo em seguida. De maneira semelhante, o primeiro acorde do piano será reproduzido nocompasso seguinte na forma de arpejo de notas rápidas e ascendentes. As quatro notas que oautor acrescenta a este arpejo demarcam a formação sonora do próximo compasso. Novaatmosfera é criada pelo ataque marcato do acorde no registro agudo do piano junto com o timbredo fagote com surdina na nota do# como pedal. É a primeira interferência desta nota na peça. Osnúmeros, colocados abaixo dela, indicam a posição que o fagotista deve tocá-la a fim de provocarligeiras modificações em sua afinação.

O fagote I reaparece, repetindo de forma semelhante o gesto do arpejo rápido do piano agoradescendente. É importante observar que as notas emitidas pelo fagote são as do primeirocompasso do piano com a modificação de duas delas. Em seguida, o gesto inicial do piano éretomado e a frase é repetida com algumas modificações. O fagote II reaparece, emitindo umsom multifônico no grave.

Enquanto o piano finaliza esta seção com as notas extremas dos registros por ele explorados, ofagote I, por superposição, introduz a nova seção. A nota sib mais uma vez é valorizada articulandoa terceira seção.

II.3 - Terceira seçãoEsta seção se caracteriza, sobretudo, pelo retorno da melodia introdutória do fagote I, agorasobre a ambientação sonora gerada pela exploração timbrística e harmônica dos dois outrosinstrumentos. O resultado deste acompanhamento reforça o cromatismo, quartas, quintas e trítonos

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da melodia. O piano cria as sombras em seus próprios acordes e, mais adiante, reflete estruturasmelódicas do fagote I. O fagote II, depois de interferir com sons multifônicos, também reproduz deforma parecida, e em outra altura, a última estrutura do fagote I. Os dois instrumentos, piano efagote II, finalizam esta seção com um acorde fechado, no registro médio, resultante das notas ré-mib-lá escolhidas para ficarem soando. Em superposição a esta sonoridade, o fagote I articula anova seção a partir da nota fá em crescendo e imediatamente o piano executa as notas gravesque compõem esta seção seguinte.

II.4 - Quarta seçãoApós a nota fá em crescendo, o jogo de sucessão das entradas dos instrumentos caracteriza oinício desta seção. O movimento rápido, crescente e descendente do fagote I, termina bruscamentee é seguido pela interrupção do multifônico do fagote II, ficando somente o piano. Os movimentosrápidos, vigorosos e a dinâmica ff se destacam nesta seção.

É interessante observar o jogo entre o piano e o fagote I, a partir deste momento. Enquanto opiano tende para a aproximação de seus sons arpejados transformando-os em acordes, o fagoteI procura expandir os seus arpejos, acrescendo-os de notas. Em sua última presença nesta seção,este instrumento atinge a sua nota mais aguda em toda a peça, fazendo-a durar até a articulaçãopara a próxima seção. Sob este ré# 4, o piano arpeja retrogradamente os seus acordes anteriorese, como sombra do fagote I, busca o registro agudo. Antes de terminar a seção, o piano antecipao motivo característico da próxima seção.

II.5 - Quinta seçãoApós a expressiva fermata, inicia-se a quinta seção que, em contraste com a anterior, introduz omovimento menos denso, tranqüilo, descendente e em dinâmica decrescente. O motivo antecipadopelo piano na quarta seção é explorado por este instrumento até o final da peça. Caracterizadopelo movimento descendente em graus conjuntos, este motivo utiliza harmonicamente a sonoridadedas quartas e trítonos e, melodicamente, segundas e terças também presentes na melodia inicial.Intercalando com o piano, o fagote I intervém com estruturas melódicas que rememoram o inícioda peça. No terceiro sistema da quinta página da partitura, o piano atinge o ponto culminanteinferior que demarca o início da última seção.

II.6 - Sexta seçãoNa seqüência do ponto culminante inferior, o piano faz soar duas vezes um acorde cuja formaçãofaz lembrar a sonoridade de sino e que retornará algumas vezes, com sutis modificações em seuataque, até o final da peça. Neste momento, o fagote II emite a nota dó#3 - primeira nota que eleemitiu na peça e novamente com modificações na afinação - que também irá perdurar até o final.

Em seguida, o fagote I emite o cromatismo inicial da peça e, a partir deste momento, traz de voltaa melodia inicial acompanhada pelo movimento descendente e grave do piano.

Neste clima e cada vez mais piano, a música vai se afastando de nossos ouvidos permitindo,mais uma vez, a presença do silêncio tratado até aqui de forma bastante expressiva.

II.7 - ConclusãoApesar de estar articulada em seis seções, a peça flui integralmente. Esta unidade decorre

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principalmente dos tipos diferenciados de articulação, da repetição de motivos em seções distintase da presença quase constante da melodia no fagote I.

Pelo grau de articulação, algumas seções poderiam se agrupar em outros níveis ficandoorganizadas da seguinte maneira:

Tab. I - Agrupamento das seções em De Umbris

Seção I Seção II + Seção III Seção IV Seção V + Seção VIIntrodução e Piano e fagote II, Seção central, Relaxamento eapresentação ambientação e contraste, tensão e conclusão

do fagote I retorno do fagote I ponto culminante

E ainda, uma macro-estrutura pode ser observada, derivada do crescendo e decrescendo geralda peça em densidade, tensão e dinâmica. Esta macro-estrutura poderia estar assimrepresentada:

Fig. 1 - Gráfico da macro-estrutura em De Umbris

Seção I + Seção II + Seção III Seção IV Seção V + Seção VI

ppp FFF ppp

III - Referência musical: ícone, índice e símbolo em De UmbrisA maioria das interpretações que serão expostas sobre a referência musical em De Umbris,ocorreram antes mesmo de qualquer conversa com Oiliam Lanna a esse respeito. No entanto,quando informado sobre elas, o compositor considerou-as perfeitamente pertinentes e em acordocom muitas idéias que influenciaram o processo de composição da peça. Essas interpretaçõesdecorreram de um estudo acadêmico sobre processo criativo para o qual foi feita a análisedescritiva da peça. Na oportunidade de retomar esse estudo, pretendeu-se associar as impressõesiniciais aos conceitos de Peirce sobre como o signo se relaciona com seu objeto. Novos signosforam percebidos e interpretados e o resultado desse estudo será demonstrado a seguir.

Para Peirce, qualquer signo é (em relação ao seu objeto), ao mesmo tempo, e em graus diversos,ícone, índice e símbolo donde se conclui que, se música é signo, ela é ao mesmo tempo, ícone,índice e símbolo.

III.1- Ícone(analogia, equivalência, primeiridade, qualidade, sintaxe, qualissigno, possibilidade, hipótese,sugestão.)

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O signo icônico, na sua relação com o objeto, aparece como simples qualidade “operando pelasemelhança de fato entre significante e significado.” (SEKEFF, 1996)

A música como ícone dela mesma se classifica como ícone puro, ou genuíno e, a esse respeito,Maria de Lourdes Sekeff acrescenta:

“Signo da arte, o objeto do ícone (do grego ikone = imagem), música, enquanto significante puro, émera possibilidade, com a qualidade mantendo uma relação de analogia com o objeto que, no casoda música, é a música mesma. E tornado o signo palpável, a música estabelece manifestações quea privilegiam enquanto primeiridade. É desse modo que ela se caracteriza como polissêmica, nãose esgotando nunca, alimentando-se sempre de uma grande margem de ambigüidade e indefinição,favorecendo diferentes tipos de leitura, esse aliás o seu poder. Fortemente engendrada de si mesma,a música, tonal ou não, só se mostra, e nesse se mostrar ela acaba desautomatizando a nossasensibilidade, induzindo o prazer do ‘novo’, o prazer do estranhamento. Essa a sua força.”(SEKEFF, 1996).

Como são semelhanças, os ícones não podem afirmar nada. Eles podem apenas sugerir, poiseles têm uma infinidade de representações.

“No entanto, porque não representam efetivamente nada, senão formas e sentimentos (visuais,sonoros, táteis, viscerais...), os ícones têm alto poder de sugestão. Qualquer qualidade tem, porisso, condições de ser um substituto de qualquer coisa que a ele se assemelhe. Daí que, nouniverso das qualidades, as semelhanças proliferem. Daí que os ícones sejam capazes de produzirem nossa mente as mais imponderáveis relações de comparação.” (SANTAELLA, 1983)

Os signos icônicos podem ser degenerados, os quais Peirce denomina hipoícones, e classificadosda seguinte maneira: imagem, diagrama e metáfora.

III.1.1 - ImagemComo imagem, o ícone enuncia similaridade na aparência e propõe imitações.

“As imagens participam de qualidades simples, ou primeiras primeiridades.”(PIGNATARI, 1970: 29).

De Umbris (lat.) se traduz como “De sombras”. Jung empregou o termo sombra para a parteinconsciente da nossa personalidade. Em O homem e seus símbolos, M.-L von Franz explicasobre a sombra:

“não é o todo da personalidade inconsciente: representa qualidades e atributos desconhecidos oupouco conhecidos do ego-aspectos que pertencem sobretudo à esfera pessoal e que poderiamtambém ser conscientes. Sob certos ângulos, a sombra pode, igualmente, consistir de fatorescoletivos que brotam de uma fonte situada fora da vida pessoal do indivíduo”,

e acrescenta:

“No inconsciente encontramo-nos, infortunadamente, na mesma situação de quem pisa numapaisagem lunar: todos os seus conteúdos estão manchados, enevoados e mesclados uns com osoutros, não se sabendo nunca exatamente o que é ou onde está determinada coisa, ou onde elacomeça ou acaba (chama-se isto ‘contaminação dos conteúdos inconscientes’)” (JUNG, 1977).

Em De Umbris, de maneira geral, o compositor utiliza recursos musicais que nos remetem a estaidéia de inconsciente. A dinâmica predominantemente piano, a própria sonoridade do fagote II,que interfere como que sujando, ou atrapalhando, as intervenções do fagote I, associada à

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atmosfera intimista criada pelas ressonâncias do piano, às distorções de algumas notas e àsidéias melódicas e rítmicas que retornam (A’)4 , podem sugerir esse estado de indeterminação,essa “paisagem lunar”.

Como os tímpanos representam os trovões na sexta sinfonia de Beethoven e o canto de pássarosgeralmente se associam a melodias na flauta, a sonoridade de sino (D), inserida na última seçãoda peça De Umbris, pode também ser considerada ícone dessa natureza, pela similaridadesonora com o objeto que representa. Outras representações de sinos, podem ser encontradasno prelúdio Catedral Submersa de Debussy e em Noite de Solesmes da série Poesilúdios parapiano de Almeida Prado.

III.1. 2 - DiagramaEm sua função diagramática, “a figuração sígnica não é operada por semelhança cabal e simpelo aspecto figurativo do discurso” (SEKEFF, 1996). Os diagramas “representam algo porrelações diádicas análogas em algumas de sua partes.” (PIGNATARI, 1979)

Podemos observar essa figuração icônica diagramática em La Mer de Debussy. O mar, seusfluxos e reflexos, ou seja, suas qualidades de movimento, são representados musicalmenteprincipalmente pela polirritmia, hemíolas e a ondulação do tema.

Em De Umbris, a figuração de acordes refletidos em arpejos (A) e a imitação de fragmentosmelódicos e rítmicos de um instrumento para o outro (B) foram consideradas como possíveisrepresentações diagramáticas, por suas semelhanças em qualidades formais com sombra, esta,em seu significado de imagem que acompanha, que persegue.

Outra iconicidade diagramática pode ser percebida no gesto, predominantemente descendente,do piano em colcheias por graus conjuntos nas duas últimas seções da peça (C). Este gesto, porsua qualidade de movimento, se associa à idéia de uma escada que conduz algo nessa direçãodescendente.

III.1.3 - Metáforas“Metáforas são, portanto, o resultado de um duplo processo: (1) a representação do caráterrepresentativo de um signo; e (2) a interação dessa primeira representação com outro signo.”(MARTINEZ, 1997). São representações através de paralelismo, envolvem metalinguagem e sedividem em: paráfrase, citações e referência alegórica.

Na paráfrase, o paralelismo é traçado na própria materialidade musical como por exemplo, aimitação de um estilo de um compositor ou de um período. Reconhece-se o original em seustraços de identidade.

Na citação, a representação se baseia em índice, ou seja, remete a um trecho de obra que existeincluindo-o em outro discurso de maneira literal.

4 As referências à partitura estarão indicadas por letras entre parênteses.

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Na referência alegórica o caráter representativo do representame é uma organização simbólicaem que há uma substituição do original por algo que com ele estabelece elos de significado.Musicalmente, a referência alegórica pode utilizar uma característica típica de um gênero ou formae força essa característica a interagir com outros signos.

Em De Umbris, a melodia inicial do fagote foi considerada como uma referência alegórica demelodias do gregoriano. A similaridade se dá, principalmente, por meio da monodia cuja rítmicaé expressivamente guiada por uma idéia subentendida, uma reflexão. Os seccionamentosassimétricos da linha melódica com fermatas e cesuras de durações diferenciadas auxiliam arepresentação. No entanto, a distorção do modelo é evidente pois, ao contrário do gregoriano, osistema utilizado não é modal e a linha melódica é instrumental, portanto não se guia por um textomas, como já dito, por uma reflexão.

Outra possível ligação alegórica com o passado pode ser percebida. Na análise descritiva dapeça nota-se uma estruturação formal em seis partes (indicadas em algarismos romanos napartitura). Esta divisão, em seis seções (exordium, propositio, narratio, confutatio, confirmatio eperoratio), foi um dos recursos da retórica (originalmente associada ao discurso literário) utilizadopelos músicos antigos, principalmente no período barroco, e pode ser encontrada em algumasárias de Bach (por exemplo, a ária 63, para soprano, da Paixão Segundo São João). O compositor,crítico e teórico alemão, Johann Matteson, em seu tratado de 1739, O Mestre Capela Completo,comenta a esse respeito que, “nos bons oradores, você encontra estas partes ou alguma delas e,mesmo que inconscientemente, estão presentes no discurso.” (MATTESON, 1991).

A função de cada uma dessas seções pode ser assim resumida:

Exordium – Introdução, geralmente melódica, cujo principal objetivo é preparar o ouvinte eincentivá-lo para a atenção.

Propositio – Compreende o conteúdo ou o objetivo do discurso dos sons.

Narratio – É ao mesmo tempo uma notícia ou uma narração através do qual o pensamento musicalé deixado claro.

Confutatio – É a seção das modulações, dissonâncias ou contrastes.

Confirmatio – Geralmente ela aparece sob forma de repetições e resoluções mas não devemser entendidas como reprises comuns.

Peroratio – É o final, ou a saída, do discurso dos sons que pode ou não ter sido ouvido antes edeve sugerir um movimento de reflexão.

Apesar do discurso musical de De Umbris se diferenciar do estilo barroco, essas seções,sobretudo algumas delas, podem ser nitidamente percebidas.

III.2 - Índice(Secundidade, existente, sinsigno, semântica, contigüidade, referência, ligação). O índice aponta

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para alguma coisa com a qual está factualmente ligada. Toda música é índice, porque apontapara um contexto histórico, cultural do qual ela emana.

“Qualquer existente concreto e real é infinitamente determinado como parte do universo a que pertence.Desse modo, uma coisa singular funciona como signo porque indica o universo do qual faz parte.Daí que, todo existente apresenta uma conexão com o todo do conjunto de que é parte”.(SANTAELLA, 1983)

Pela possibilidade de ter alguma qualidade comum com o objeto, o índice envolve um ícone, maso que o caracteriza como índice é a sua relação direta com o objeto.

Como os ícones, os índices podem ser genuínos (pelo fato de existirem em sua singularidade) edegenerados. Os signos degenerados não são existentes e sim referências – eles representamo índice (são legissignos) e são chamados de sub-índices ou hiposemas. São eles:

III.2.1 - Hiposemas de primeiro nível: se referem ao objeto pela relação comum de qualidade.O uso do Fagote como instrumento predominantemente solista e explorado em sua possibilidadestimbrísticas e expressivas e de, por isso mesmo, atrair o interesse dos fagotistas, pode serconsiderado como índice de primeiro nível desse mesmo instrumento.

Acredita-se também que, através de um estudo mais profundo sobre o estilo do compositor OiliamLanna, poderíamos considerar esta peça como índice de sua produção. É importante acrescentara opinião do compositor Eduardo Bértola5 a esse respeito. De posse de algumas obras de OiliamLanna, Bértola comentou que percebia uma série de elementos musicais que o compositor vinhatrabalhando e que De Umbris, na opinião dele, era uma obra em que Oiliam tinha mergulhado deforma mais funda e que dela poderia-se extrair coisas significativas, coisas individuais, coisasde marca pessoal e ainda, que esta peça deveria ser considerada um marco na produção docompositor.

III.2.2 - Hiposemas de segundo nível: representação em que se refletem todas as condiçõestécnicas e culturais. O uso das potencialidades timbrísticas dos instrumentos, de texturas variadas,do tempo fluente desprendido de métricas regulares e determinadas, de alegorias com o passado,a ausência de um sistema determinante e a liberdade de expressão foram considerados comoíndice de segundo nível do amplo espectro de possibilidades musicais do século XX. De acordocom José Ferreira dos Santos,

“em literatura, como nas demais artes, o pós-modernismo é um monte de estilos (pluralismo)convivendo sem briga no mesmo saco. Não há mais hierarquia, este não é o melhor nem o preferívelàquele. E, claro, não há fórmula única. Por isso jóias pós-modernas pintam, bem diferentes umasdas outras, por toda parte.” (SANTOS, 1986).

III.2.3 - Hiposemas de terceiro nível: de caráter simbólico são baseados em convenções.Nenhuma associação foi estabelecida com esses índices.

5 Eduardo Bértola (1939-1996), compositor argentino, foi professor do curso de Composição da Escola de Músicada UFMG, em Belo Horizonte, no período de 80 a 93.

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III.3 - Símbolo(Convenção, lei, terceiridade, legissigno e réplica)

Peirce, ciente das várias concepções dessa palavra, preferiu utilizar o significado da etimologiagrega que pode se resumir em, “qualquer coisa usada para representar outra, especialmenteobjeto material que serve para representar qualquer coisa imaterial.”6

O signo, na categoria de símbolo, se apresenta como uma lei. Ele se relaciona ao objeto, não porsimilaridade ou por uma conexão de fato mas, sobretudo, por uma convenção coletiva ou hábitoque determina que ele represente esse objeto. “O processo de promover referência pela músicaé uma forma de semeiose simbólica. Uma intenção musical programada quando dirigida paraintérpretes capazes, age como um símbolo” (MARTINEZ, 1997:142). E ainda, “música que, portradição ou concepção de um compositor, faz uso desse tipo de representação, faz isso pararepresentar algo e para ser interpretada como tal. O símbolo apenas existe para representaralgo, portanto a representação do signo é intrinsecamente teleológica.” (Idem, ibidem).

Da mesma forma que ícone e índice, o símbolo pode ser genuíno quando se apresenta como umaidéia geral que representa um objeto também geral como, por exemplo, as canções de natal ouhinos. Eles também podem ser degenerados e como tais, os ícones e índices podem serinterpretados. São assim classificados:

III.3.1 - Símbolo singular (índices podem ser interpretados indiretamente como símbolossingulares): representa um objeto individual existente, cuja interpretação não é geral mas simparticular (hino de um clube de futebol, gingles etc.).

III.3.2 - Símbolo abstrato (signos icônicos podem ser interpretados indiretamente como símbolosabstratos): quando representa um caráter, uma qualidade particular.

A presença do sino, iniciando a VI seção da peça, pode ser considerada um signo simbólicoabstrato, principalmente sabendo-se que o compositor, quando coroinha em sua infância, teveexperiências pessoais diretas com a representação do soar dos sinos associada à morte que,por sua vez, é também um dos significados da palavra sombra. No entanto, de acordo com asidéias expressas pelo compositor, morte aqui significa – como o inconsciente – o desconhecido,o outro lado. Julgando apropriado, acrescento aqui as palavras de Peirce selecionadas por JoséLuiz Martinez ao expor sobre símbolo: “Como palavra, os símbolos vivem na mente daqueles queos usam, mesmo que estejam adormecidos em suas memórias.”(MARTINEZ, 1997).

Também, como símbolo universal, a representação da morte tem seu significado afirmativo (comointerpretado positivamente, por exemplo, no 13º arcano do Tarô), simbolizando a supremalibertação, a transformação de todas as coisas, a marcha da evolução. Reforçando esta idéia,podemos observar que o sino soa sete vezes até o final da peça.

6 Esta definição etimológica pode ser encontrada no Michaelis- Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 1998.

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No sistema simbolista, os números não são meras expressões quantitativas, mas sim idéias –força com características expressivas. Dessa forma, o número sete representa a ordem completa,período, ciclo. Tem um valor especial por ser composto da união entre o ternário e o quaternárioe é a gama essencial dos sons, das cores e das esferas planetárias.

Também interpretada como símbolo abstrato, a representação da escada provavelmente estáassociada ao seu simbolismo de comunicação entre os diversos níveis de verticalidade como:terra-céu, superior-inferior, consciente-inconsciente, sendo este último o significado mais provávelna peça. A sua direção descendente pode estar associada às investidas às zonas mais profundaslocalizadas no inconsciente. Para Jung, cada um de nós, na busca do auto-conhecimento, devevoltar para dentro de si e explorar o seu próprio inconsciente. Esta expressão, segundo esteautor, está representada na tela O filósofo com livro aberto de Rembrant (1633), na qual podemosnotar a presença da escada. Aniela Jaffé, em O homem e seus símbolos, acrescenta sobre aforte função da consciência nesse processo, e afirma:

“A consciência não é apenas indispensável como contrapeso ao inconsciente, e não é só ela que dásignificado à vida. Tem também uma função eminentemente prática. Podemos, da mesma maneiraque vemos o mal no mundo exterior, nos nossos vizinhos, ou em outros povos, tomar consciênciadele também nos conteúdos nefastos de nossa própria psique, e este conhecimento seria o primeiropasso para uma radical mudança de atitude para com o nosso próximo.” (JUNG, 1977).

IV - ConclusãoÉ importante ressaltar que a maioria dos signos listados neste estudo foram classificados comosignos icônicos, portanto se apresentam como sugestões, como similaridades com seus objetos.E ainda:

“o objeto do ícone, portanto, é sempre uma simples possibilidade, isto é, possibilidade do efeito deimpressão que ele está apto a produzir ao excitar nosso sentido. Daí que, quanto mais algumacoisa a nós se apresenta na proeminência de seu caráter qualitativo, mais ela tenderá a esgarçar eroçar nossos sentidos.” (SANTAELLA, 1983).

No entanto, não hesitando em considerar a possibilidade do inconsciente ser interpretado comoo principal objeto de representação na peça, esses ícones parecem fortalecer essa representaçãose revelando, alguns deles, também como signos simbólicos. As sombras, as referênciasalegóricas com o passado, o sino que toca sete vezes, a escada descendente, a atmosfera, asonoridade expressiva do fagote I e outras potencialidades pouco exploradas neste instrumento,parecem se associar perfeitamente ao universo obscuro e, ao mesmo tempo, aberto a novaspossibilidades dessa parte de nossa personalidade.

V- De Umbris, informações complementaresDe Umbris foi composta em 1992, por Oiliam Lanna, para três instrumentistas (Fg.I, Fg.II e piano)e dedicada a Benjamin Coelho7 . A sua estréia foi em 6 de maio do mesmo ano, no Teatro NansenAraújo – Sesiminas, durante o 2o Encontro Latino-americano de Compositores. Nesta

7 Ex-professor de fagote na EMUFMG, Benjamim Coelho é doutor, neste instrumento, pela Universidade de Iowa(EUA). Atualmente, faz parte do corpo docente desta instituição.

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apresentação, o intérprete, Benjamin Coelho, executou a primeira versão para fagote e fita gravada.A versão com os três instrumentistas, ao vivo, foi executada pela primeira vez, também em maiodo mesmo ano, na Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais – EMUFMG, emBelo Horizonte. Em julho de 1992, esta versão foi apresentada durante o Festival de Música deLondrina, no Paraná, interpretada por Elione Medeiros (Fg. I), Mauro Mascarenhas (Fg. II) e OiliamLanna (piano). Esta peça tem sido executada nos EUA pelo próprio Benjamin Coelho e faz partedo repertório musical para fagote da Universidade de Iowa. Foi gravada em Belo Horizonte, nainterpretação de Benjamin Coelho (Fg. I), Mauro Mascarenhas (Fg. II) e Oiliam Lanna (piano),com vistas à inclusão em um CD com obras de compositores ligados à UFMG.

VI – Referências bibliográficasCIRLOT, Jean-Eduardo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Editora Moraes, 1984.JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. (Edição especial brasileira). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.LIDOV, David . “Mind and Body in Music”, In: Semiotica ed. convidado Eero Tarasti, 1987, vol. 66, no. 1/3: 69-97.MARTINEZ, José Luiz. Semiosis in Hinustani Music. Helsinki: Acta Semiotica Fennica V, 1997, cap.II; p. 140-147.______ “Uma possível teoria semiótica da Música”. Cadernos de Estudos: Análise Musical 5. São Paulo: Atravez,

1993, p. 73-83.MATTESON, Johann. (Cap. XIV) “Von der Melodien Einrichtung, Ausarbeitung und Zierde”, In: Der Vollkommene

Capellmeister. Hamburg: verlerger Christian Herold. Reprint: Kasset: Bärenreiter- Verlag Karl Vktterle GmbH &Co-KG, 1991.

NATTIEZ, Jean-Jacques. Music and discourse: Towards a Semiology of Music, trans. by C. Abbate. Princeton UniversityPress, cap. I (“A theory of semiology”), 1990: 3-37.

______Semiologia Musical e pedagogia da análise. OPUS 2, Revista da Associação Nacional de Pesquisa ePós-graduação em Música-ANPPOM. Ano II, no 2, junho de 1990.

PIGNATARI, Décio. Semiótica e Literatura: icônico e verbal, Oriente Ocidente. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979,cap. 2; 21-52

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983 - (Coleção Primeiros Passos).SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986 – (Coleção Primeiros Passos).SEKEFF, Maria de Lourdes. Curso e dis-curso do sistema musical (tonal). São Paulo: Annablume, 1996.

Cecília Nazaré de Lima, bacharel em Composição pela Escola de Música da Universidade Federal de MinasGerais, em Belo Horizonte, é Professora Auxiliar/DE do Departamento de Teoria Geral da Música/DTGM destainstituição, ministrando as disciplinas Contraponto e Fuga, Percepção Musical e Harmonia. Atualmente, está nafase final do curso de mestrado, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – IA/UNICAMP, sob aorientação da Profa. Maria Lúcia Senna Machado Pascoal. Na linha de pesquisa Fundamentos teóricos dasArtes/Artes Musicais, desenvolve o estudo sobre a fase dodecafônica de Guerra-Peixe.

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De Umbris

Sugestões de dedilhados do Prof. Benjamin Coelho

1 2 3

4 5 6mais pressão naembocadura

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As Valsas Humorísticas de Alberto Nepomuceno:uma edição crítica

Luiz Guilherme Duro Goldberg (UFPel)e-mail: [email protected]

Resumo: O presente artigo é a apresentação da edição crítica das Valsas Humorísticas op.22 de Alberto Nepomuceno,sua única obra para piano e orquestra, bem como dos critérios editoriais utilizados em sua realização. Após aabordagem de considerações pertinentes à questão partitura-obra musical, as Valsas op.22 são situadas em seucontexto histórico e seu vínculo com o nacionalismo musical. Segue-se a identificação das fontes localizadas, seuestudo de autenticidade, hierarquização e apresentação dos critérios editoriais.Palavras-chave: Alberto Nepomuceno, Valsas Humorísticas op.22, composição, performance musical, edição crítica

Alberto Nepomuceno’s Valsas Humorísticas:a critical edition

Abstract: This study aims at presenting a critical edition of Alberto Nepomuceno’s Valsas Humorísticas op. 22 aswell as a discussion of criteria and sources used in the restoration process of his only work for piano and orchestra.After pertinent questions such as philosophical approaches to the editing process as well as practical considerationson matters of editorial choices, it deals with early manifestations of nationalism in Brazilian music as displayed inthe works of Nepomuceno. Finally, this paper compiles and analyzes the sources for the proposed edition regardingtheir degree of reliability and hierarchy. Tables illustrating choices and editorial decisions follow each one of the sixValsas Humorísticas.Key words: Alberto Nepomuceno, Valsas Humorísticas op.22, composition, music performance, critical edition

1 – IntroduçãoEste artigo tem por objetivo apresentar os critérios editoriais utilizados na realização da ediçãocrítica das Valsas Humorísticas op.22 para piano e orquestra de Alberto Nepomuceno.

A necessidade de uma partitura e a avaliação de sua importância têm sido tema de muitosestudiosos. Entre os séculos XVIII e o início do XIX, houve uma ruptura significativa na concepçãomusical e conseqüente função da partitura. Enquanto de um lado a tradição da ópera italiana deRossini colocava a partitura a serviço da performance, onde aquela – que poderia variar conformeas necessidades – seria uma receita para esta, logo impossibilitando uma versão definitiva daobra, de outro, Beethoven, ao considerar a partitura como um texto musical inviolável, mudava oenfoque: a performance deveria ser fiel ao texto, o qual deveria ser decifrado pela exegeseinterpretativa (DAHLHAUS, 1989).

Com este ponto de partida, observa-se que as asserções quanto à importância do texto musicaltêm sido problematizadas em função da relação deste com a obra musical propriamente dita.Para Roman Ingarden, a obra musical não pode ser reduzida à sua partitura. Para esse autor, apartitura é um esquema que designa um perfil ou face, ou seja, exibe um certo grau de aproximação

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com sua concretização, sendo esta um produto de convenções estabelecidas entre os membrosde uma comunidade ou praticantes dessa tradição. Também a considera “uma maneira de revelaros desejos do compositor” (INGARDEN, 1996, p.39). Salienta, ainda, que a obra sempretranscenderá a partitura, embora esta garanta sua identidade no decorrer da história, desde quesuas convenções sejam conhecidas e associadas ao seu período histórico.

Carl Dahlhaus, seguindo na mesma linha de Ingarden, acrescenta que “como um texto, a obranão pode existir independentemente do processo hermenêutico pelo qual tentamos entender seusignificado” (DAHLHAUS, 1982, p. 25-48). Jean-Jacques Nattiez considera que a partitura “é oque torna a obra executável e reconhecida como entidade e possibilita que sobreviva atravésdos séculos” representando algo mais que um mero esquema da obra, podendo ser comparadaa uma transcrição fonológica ao reverso (NATTIEZ, 1990).

É notório que a possibilidade do surgimento do texto se deu pela codificação das convençõessociais de expressão e posterior registro para fixação mnemônica através dos séculos. Dessaforma, o texto possui um íntimo relacionamento com a obra em si. Considerando-se o texto comoa codificação das convenções de expressão de determinada época, isto implica que muitas dascaracterísticas do estilo preponderante ali se encontrem, não só convenções harmônicas, deinstrumentação, de escrita, mas também as convenções de execução e portanto de interpretação.

No entanto, por mais problemática que seja a relação obra musical-partitura, é inquestionável ovalor histórico que esta possui. Como tal, sua vinculação à tradição da música ocidental assumeum papel preponderante na própria investigação histórica e sua interpretação necessita umametodologia específica diversa daquela do método científico. Hans-Georg Gadamer alerta que“o fato de sentirmos a verdade numa obra de arte é o que dá importância filosófica à arte, que seafirma contra todo e qualquer raciocínio [científico]” (GADAMER, 1997, p.33).

A perspectiva de que todo o trabalho editorial se baseia nas fontes do objeto pesquisado e deque estas fontes são uma espécie de testemunhas da história é fundamental. Sendo assim, aconfiabilidade das mesmas deve ser avaliada para o estabelecimento da verdade que o autorcolocou em seu texto.

Antes que as fontes sejam classificadas e avaliadas, é necessário que sejam investigadas eidentificadas, tarefas básicas para a confirmação da autoria e determinação da legitimidade dasfontes em questão. O estabelecimento do texto crítico final deve levar em consideração que todoato investigativo tem embutido, em si, conceitos prévios que podem ou não induzir ao erro naavaliação das fontes.

Gadamer considera que um dos preconceitos que induzem ao erro é o de autoridade. Ao considerarque a autoridade se fundamenta no reconhecimento e no conhecimento, estabelece que “oreconhecimento da autoridade está sempre ligado à idéia de que o que a autoridade diz não éuma arbitrariedade irracional, mas algo que pode ser inspecionado principalmente. É nisso queconsiste a essência da autoridade” (GADAMER, 1997, p.420).

Ao considerar que a tradição e a herança histórica são as grandes formadoras dos preconceitos deautoridade, Gadamer também alerta que a fixação por escrito contém um momento de autoridadedeterminante. “O escrito tem a palpabilidade do que é demonstrável, é como uma peça comprobatória.

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Torna-se necessário um esforço crítico especial para que nos liberemos do preconceito cultivado afavor do escrito e distinguir entre opinião e verdade” (GADAMER, 1997, p.409-410).

Isto posto, como é possível liberar-se dos preconceitos? Gadamer tem a resposta: a formulaçãode perguntas suspende os preconceitos ao manter as possibilidades abertas. Em nosso casoeditorial, como estabelecer as fontes verdadeiras ou as verdades que refletirão o texto final daobra? Em caso de fontes que apresentem versões muito distintas, que critério será o maisapropriado no estabelecimento de uma versão final? Como discernir entre as indicações de umadada execução e as originais do autor? Estas são algumas questões importantes para oestabelecimento de critérios editoriais.

Assim, por exemplo, a observação da caligrafia poderá ser útil na identificação de seu autor; aorquestração trará luz às possibilidades apresentadas pelos grupos orquestrais da época; alocalização das fontes auxiliará na determinação da receptividade que a obra obteve, ao identificarpossíveis apresentações públicas; a análise das estruturas musicais reforçará o conhecimentoda prática composicional de então, particularmente a de Alberto Nepomuceno.

Além da investigação histórica, o conhecimento da natureza semiótica da notação musical éfundamental pois a qualificação das fontes também se baseia nessas convenções semióticas,definindo aí suas funções. Nas palavras de James Grier, “a função da fonte depende de suahabilidade de comunicar via suas convenções semióticas, as quais podem mudar com o tempo”(GRIER, 1996, p.41).

Isto posto, vemos a importância da tarefa do editor: editar o texto musical de acordo com asconvenções de expressão da época em que foi escrito e de acordo com a intenção criativa doautor para a interpretação de sua obra. Grier salienta que “editar, portanto, consiste de uma sériede escolhas eruditas, escolhas informadas criticamente; em resumo, o ato da interpretação. Editar,além disso, consiste na interação entre a autoridade do compositor e a autoridade doeditor” [grifo nosso]. (GRIER, 1996, p.2).

Essa autoridade do editor reside no conhecimento e competência em realizar avaliações nostipos de fontes apresentadas e na determinação do que elas transmitem. Dessa forma, Grierafirma que

“Aqui encontra-se o ponto de interação entre a autoridade do compositor, como transmitido nasfontes, e a autoridade do editor no decorrer da avaliação e interpretação dessas fontes. Editar,portanto, compreende um balanço entre essas duas autoridades. Além disso, o balanço exatopresente em qualquer edição particular é o produto direto do engajamento crítico do editor com apeça editada e suas fontes.” (GRIER, 1996, p.3).

É importante frisar que essas avaliações se baseiam na contextualização das fontes existentescom relação à situação histórica que lhes deu origem e que devem moldar as decisões editoriais.James Grier considera como sendo quatro os princípios da natureza da edição musical:

“1) A edição é crítica por natureza; 2) Criticismo, incluindo a edição, é um questionamento histórico;3) Editar implica a avaliação crítica do conteúdo semiótico do texto musical; essa avaliação étambém um questionamento histórico; 4) O árbitro final da avaliação crítica do texto musical é aconcepção de estilo musical do editor; essa concepção, também, é baseada no entendimentohistórico da obra.” (GRIER, 1996, p.8).

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Dessa forma, a contextualização das Valsas Humorísticas e conseqüente avaliação das fontesexistentes, tornará clara a relação do autor com seu meio social e cultural, bem como fornecerásubsídios para o entendimento do trabalho criativo de Nepomuceno. Cremos que este trabalhopoderá contribuir para mostrar a forma pela qual o autor molda suas idéias musicais e o real valordessa obra no conjunto de sua produção artística.

2 – As Valsas HumorísticasO piano teve uma posição central na vida musical de Alberto Nepomuceno. Sua produção paraesse instrumento pode ser agrupada em Música para Piano Solo (24 obras para duas mãos e 7para a mão esquerda), Música para Piano e Orquestra (Valsas Humorísticas) e Arranjo paraDois Pianos (Série Brasileira e Sinfonia em sol menor).

O conjunto de seis Valsas intitulado Valsas Humorísticas foi concebido em data incerta, masanterior à quando de sua estréia, ocorrida a 29 de fevereiro de 1902 no Club dos Diários dePetrópolis, tendo a pianista Walborg Bang Nepomuceno como solista e o autor como regente.Cabe salientar que no Catálogo Geral de Alberto Nepomuceno (CORRÊA, 1996), consta queessa obra teria sido composta em 1902 e estreada a 10 de junho de 1904 pelo pianista ErnestSchelling no Theatro Lyrico Fluminense. Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira(MARCONDES, 1998), a data de composição teria sido 1903. Essas discrepâncias de informaçãopodem ser corrigidas conforme demonstrado em publicação jornalística de 2 de março de 1902:“... Nepomuceno fez executar, pela primeira vez, cinco Valsas Humorísticas ...”.1

Também por intermédio de crônicas ou críticas publicadas nos jornais da época, chegamos areferências às apresentações posteriores. Dessa forma, a segunda audição ocorreu na casa dafamília Betim Paes Leme, a 17 de setembro de 1903, em uma “festa musical”, tendo a pianistaWalborg Nepomuceno sido acompanhada por orquestra regida novamente pelo autor; a terceiraaudição teve lugar no Theatro Lyrico Fluminense a 10 de junho de 1904, onde o autor regeu aorquestra acompanhando o pianista Ernest Schelling nas Valsas nos 1, 2, 4 e 6; a quarta audiçãoteve como palco o auditório do Instituto Nacional de Música, novamente com a pianista WalborgNepomuceno regida pelo autor, a 28 de agosto de 1906.

Originalmente composta para piano e pequena orquestra, (2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes,2 fagotes, 2 trompas, tímpano e cordas), já em sua estréia há indícios de que o autor ampliaria aorquestração. Na crônica realizada sobre esse evento, consta

“...mas sente-se que ellas teriam tudo a ganhar com uma orchestração mais completa, em que ocompositor pudesse tirar partido dos timbres de todos os instrumentos. É sem dúvida sob essaforma que Nepomuceno tornará a fazer applaudir as suas caprichosas Valsas Humorísticas...”(GLOSAS, 1904).

Reforçando essa idéia, no manuscrito dessa primeira versão o autor rascunha a inclusão detamburo, na página 82, e triângulo, nas páginas 20 e 95. O indício da ampliação da orquestraçãopode ser observado em crítica de Carlos Meyer publicada a 30 de agosto de 1906: “Pena foi queo piano mal se ajustasse com a afinação da orchestra. Quando este era abafado pela massaorchestral,...” (MEYER, 1906).

1 Publicação obtida com Sérgio Nepomuceno A. Correa. Infelizmente o periódico não pode ser identificado.

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Dessa forma, e reforçado pela ausência de crônica ou crítica anterior que se refira a essa questão,pode-se especular que a ampliação da orquestração com mais 2 trompas, 2 trompetes, tamburo,prato e triângulo, tenha ocorrido entre 1902 e 1906.

Não pode ser esquecida a transcrição para dois pianos realizada pelo pianista Arthur Napoleão.A data dessa versão é incerta, mas sua estréia ocorreu a 7 de julho de 1903 no Club dos Diários,em Petrópolis, tendo como intérpretes Arthur Napoleão e Alfredo Bevilacqua. A únicaedição existente das Valsas Humorísticas é justamente a dessa versão, publicada pelaSampaio Araújo & Cia., provavelmente em 1910.

Numa observação atenta das partituras e confrontando-se as datas prováveis de concepção,conclui-se que: a primeira versão, para orquestra reduzida, tem como data limite 1902; devido àsemelhança entre o material encontrado na versão com orquestração ampliada e a versão transcritapara dois pianos e levando-se em consideração que esta teve estréia em 1903, ambas versõespodem ser situadas entre 1902 e 1903. Como a versão para dois pianos baseia-se na versãocom orquestração ampliada, evidenciado principalmente na Valsa V, também pode ser concluídoque essa é anterior àquela transcrita para dois pianos. Com base nessas evidências, parece-nos que a situação temporal das Valsas Humorísticas está desvendada, sendo este um parâmetroimportante na classificação das fontes e ponto fundamental para uma edição crítica.

A impressão causada pelas Valsas Humorísticas na audiência está bem documentada, sendo ocaráter nacional da obra ou sua relação com o temperamento do povo brasileiro citado por quasetodos os críticos. Na crítica de sua estréia, de 1902, consta “...são todas interessantes eextremamente caprichosas. Há nellas, certamente, passagens brilhantes, mas de vez em quandosurgem phrases repassadas de tristeza e indolência em que transparece a alma melancólica doartista brasileiro.” (GLOSAS, 1904).

Grande repercussão teve o Concerto Bauer, Casals, Schelling e Arthur Napoleão, no TheatroLyrico a 10 de junho de 1904. Mais uma vez o caráter nacional é observado pelo crítico: “... eNepomuceno, com suas bellas Valsas Humorísticas, penetradas de uma amorosa languidez quelhes dá um caráter tão genuinamente brasileiro” (CHRONICA MUSICAL, 1904).

No Correio da Manhã de 12 de junho de 1904, sobre o mesmo concerto, mantém-se a tônica docaráter nacionalista: “As Valsas Humorísticas, de Nepomuceno, o compositor brasileiro que emsuas inspirações faz-nos sentir qualquer coisa de nossa nacionalidade, são merecedoras defrancos louvores. Ao lado do humour que as caracterisa, acha-se a distincção que encanta.”(CHRONICA MUSICAL, 1904).

Digno de nota é o texto anexo à partitura compilada por Sérgio Nepomuceno Alvim Correa daversão de orquestração ampliada: “Em algumas delas, a 2ª e a 4ª, por exemplo, aparecemnitidamente traços de sutil brasilidade, o que não é de se estranhar levando-se em conta queNepomuceno foi, como bem acentuou Camargo Guarnieri, ‘o pai do nosso nacionalismomusical’.” 2

2 Não foi possível definir a fonte dessa citação.

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Com base nessas citações, observa-se que as posições ideológica e estética estão intimamenterelacionadas. Estaria o sucesso dessas Valsas Humorísticas vinculado à posição ideológica deseu autor? Uma análise mais apurada dessa obra deixa claro que os elementos musicais nelacontidos não são os normatizados por Mário de Andrade para o que considera características dabrasilidade, e sim utiliza uma retórica musical universalista. Poder-se-ia argumentar que, comoafirma Boris Asaf’ev, não seria a citação mas a “entonação” que constituiria o caráter nacionalem música (DAHLHAUS, 1989, p.38). Mas o que vem a ser esta entonação? Para os autoresdas críticas acima citadas, esse caráter parece estar vinculado ao que é considerado característicacomportamental do povo brasileiro, isto é, a tristeza, a indolência, a alma melancólica e a amorosalanguidez. Certamente refere-se a um posicionamento político-estético.

Essa questão nos coloca frente ao problema do nacionalismo como fator estético e sua recepção.Dahlhaus observa que a significação e o colorido nacionais de um fenômeno musical estãodiretamente vinculados à forma que o público os recebe, e isto seria um fato relevante. Para esseautor, “... se um compositor tenciona que uma obra musical possua um caráter nacional e aaudiência acredita que a obra possui esse caráter, este é um fato estético que deve ser aceito,mesmo que uma análise estilística falhe na produção de quaisquer evidências” (DAHLHAUS,1980, p.86).

As audições das Valsas Humorísticas sempre causaram certa perplexidade nos críticos e públicoface o ineditismo apresentado. A virtuosidade exigida na performance da obra é ressaltada porCarlos Meyer, em 30 de agosto de 1906, ao se referir à audição dessas Valsas no Instituto Nacionalde Música:

“Essa composição, já familiar ao nosso publico, é o humorismo endiabrado de um homem sério queperde a tramontana e amontoa quanta difficuldade lhe acode aos dedos ageis, sem cuidar si nestemundo sublunar, há outros dedos que aguentem essas cabriolas musicaes, que põem tonto umpobre pianista.” (MEYER, 1906).

Nepomuceno ao citar trechos de outros autores – como do Danúbio Azul de Johann Strauss e daValsa op.64 nº1 (do Minuto) de Frederic Chopin – fez uma paródia utilizando-se de um humorrequintado e elegante, o que ocorre pela primeira vez na música brasileira de concerto. Apesarda prática da paródia musical ocorrer desde tempos remotos – autores como A. Gabrieli, J. S.Bach, W. A. Mozart ou Camille Saint-Saëns já haviam utilizado esse procedimento –, as ValsasHumorísticas de Nepomuceno estavam além das expectativas do público. Carlos Meyer, no jornalCommercio do Brazil, de 12 de junho de 1904 relata que, apesar da execução magistral deE. Schelling, as Valsas foram “infelizmente não comprehendidas pelo público”.

Em data posterior, a receptividade dessa obra pelo público parece ter sido mais positiva. NoJornal do Commercio de 30 de agosto de 1906, o crítico se manifesta da seguinte maneira:

“É uma collecção de pequeninas caricaturas, em cada uma das quaes o traço leve e feliz revela umgrande artista que vai buscar, onde ninguém o suspeita ao menos, o episódio e o linho caricaturáveise os torna evidentes torcendo-os, exagerando-os ou tornando-os grotescos ou burlescos, como seos desFig.sse com um piparote”. (THEATROS E MÚSICA, 1906.)

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Na mesma data, A Notícia publica: “Phrases de Valsas de Chopin, Strauss e outros autores, sãoenvolvidas em uma filigrana de ouro, formada por graciosos arabescos em que a graça desabrochano meio de rythmos originaes e perfumados com um humorismo encantador”.Observa-se que na citação de obras muito conhecidas do público e na paródia realizada porNepomuceno, seu objetivo não era o deboche nem a ironia; pelo contrário, ao mesmo tempo emque distorce a citação, presta uma homenagem graciosa àqueles autores e às Valsas.Saliente-se, ainda, que pela primeira vez a valsa, música de salão, fora elevada ao gênero damúsica de concerto na história da música brasileira.

Deve ser mencionado o Registro escrito por Oscar Guanabarino3 , inimigo declarado deNepomuceno, publicado no Jornal do Commercio, a 19 de outubro de 1920, por ocasião damorte do compositor onde atesta o “valor indiscutível” das Valsas Humorísticas, colocando-as nomesmo nível da Série Brasileira e da Sinfonia em Sol Menor.

Após a audição de 1906, as Valsas Humorísticas ficariam muito tempo esquecidas, sendonovamente realizadas na década de 1940 pelo pianista J. Octaviano, no Teatro Municipal, emprogramação da Sociedade de Concertos Sinfônicos4 . Mário de Andrade, que assistira aoconcerto, refere-se a elas como uma “novidade muito importante”, além de tecer seu comentáriocrítico.

Para esse autor, que nutria “intensa simpatia” por “qualquer coisa de Nepomuceno”,

“... era tão humorada a minha espectativa por essas Valsas Humorísticas, que pelo menos pudegosar todas as qualidades que elas têm: aquela nitidez melódica franca e sem vulgaridade,...; anotável variedade rítmica; o aproposito de certas evocações humorísticas de temas alheios; a riquezade cores orquestrais. É uma peça que agrada” (ANDRADE, 1933:225).

As apresentações mais recentes das Valsas Humorísticas ocorreram a 25 de outubro de 1992,no Auditório da Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro, com a Orquestra Sinfônica daEscola Nacional de Música e em junho de 1999, em Curitiba, com a Orquestra Sinfônica doParaná, ambos concertos com o pianista Heitor Alimonda e regidos pelo maestro Roberto Duartee a 30 de novembro de 1999, em sua estréia gaúcha, pelo pianista Guilherme Goldberg, junto àOrquestra Sinfônica de Santa Maria, regida pelo maestro Frederico Richter.

3 Oscar Guanabarino de Sousa e Silva (1851-1937) foi pianista, compositor e crítico musical. Exerceu por vinteanos a atividade de crítico musical no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Publicou a coletânea de artigos OProfessor de Piano, em 1881, para a Revista Musical, também do Rio de Janeiro.

4 João Octaviano Gonçalves (1896-1962), compositor e pianista carioca, realizou um arranjo das Valsas Humorísticaspara piano e orquestra de cordas. Mário de Andrade, em seu comentário, não se refere se o concerto realizou aversão sinfônica ou a camerística.

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Valsa I - Lá b M Introdução: 1-8A (Tempo di Valsa): 9-46, Lá b MB (Tempo I scherzando): 47-101, Ré b MA (Come Prima): 102-141, Lá b M

Valsa II - Lá b M A (Lento): 1-27, Lá b MB (Vivo): 28-65, fá mA (Lento): 66-82, Lá b M

Valsa III - Fá m Introdução (Allegro moderato): 1-4A (Lento): 5-22, fá m

Ba: 23-36, Ré b MB (Vivo) Bb (Allegro con entusiasmo): 37-64, Mi M

Ba: 65-78, Ré b MA (Come Tempo I): 79-82 (intr.)/83-100 (Lento), fá m

Valsa IV - Lá b M A (Moderato assai): 1-36, Lá b MB (Vivo-Tempo I): 37-64, Sol MA (Tempo I): 65-68 (intr.)/69-87, Lá b MB (Vivo-Tempo I): 88-115, Sol MA (Più calmo): 116-139, Lá b M

Valsa V - Mi b M Introdução: 1-15A (Tempo giusto): 16-53, Mi b MB: 54-96, Si b MTransição: 97-121A: 122-159, Mi b MB: 160-202, Mi b MTransição: 203-239A (Animato): 240-284, Mi b MCoda (Lentamente e calando): 285-288

Valsa VI - fám/Lá b M A (Allegro): 1-52, fá mB: 53-93, Fá MA: 94-145, fá mTransição: 146-152C (Tempo di valsa): 153-190, Lá b MD (Vivo): 191-221, fá mCoda: 222-257, Lá b M

Fig. 1 - Resumo estrutural das Valsas Humorísticas op. 22

Mesmo sendo uma obra significativa de Alberto Nepomuceno, fatores estético-ideológicos acondenaram ao esquecimento. A edição de sua versão original para piano e orquestra ainda éinédita, bem como um estudo mais aprofundado de sua posição no contexto produtivo do autor. Éuma obra concebida após seu período acadêmico (1889-1895), quando o autor já havia retornadoao Brasil e assimilado tanto a tradição quanto as inovações que ocorriam no meio musical europeu.Nepomuceno sabia até onde poderia levar sua ousadia.

Formalmente, as Valsas Humorísticas apresentam algumas diferenças com relação à estruturacanonizada pela tradição: enquanto nesta há uma introdução, uma seqüência de Valsas e umacoda recapitulante dos temas principais, aquelas se compõem de uma série de seis Valsasindependentes que podem ou não ser executadas no conjunto. Apesar da Valsa no 6 funcionar

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como um fechamento de ciclo, ao repetir trechos das Valsas nos 1 e 2, cada valsa possui umcaráter diferente e uma conclusão formal. Sua estrutura não é necessariamente regular, isto é,não se detém a seções de dezesseis ou 32 compassos e cada seção melódica é intermediadapor seções cadenciais no piano (característica esta já encontrada em algumas obras para pianosolo de Nepomuceno).

3 – Identificação das fontesDurante o levantamento das fontes, na cidade do Rio de Janeiro, em consultas a SérgioNepomuceno Alvim Correa, neto do compositor, além de pesquisas na Biblioteca AlbertoNepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e naDivisão de Música e Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional, constatou-se a existência dasseguintes fontes: F1 - autógrafo de Alberto Nepomuceno da primeira versão para piano e orquestra;F2 - manuscrito das partes cavadas5 da segunda versão para piano e orquestra, de autoriaindefinida; F3 - manuscrito da compilação das partes cavadas, realizada pelo neto do compositor;F4 - autógrafo de Arthur Napoleão da versão para dois pianos; F5 - edição da versão para doispianos; F6 - autógrafo de João Octaviano Gonçalves da versão para piano e orquestra de cordas.

3.1 – F1: Autógrafo de Alberto NepomucenoLocaliza-se na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ.

Na primeira página desta fonte (Fig.2), encontra-se o nome da obra, o número de opus (Op. 22),a indicação de andamento, a orquestração (2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes Si b, 2 fagotes, 2trompas em Mi b, 2 trompetes em Mi b, tímpanos, piano solo e cordas) e a expressão “Partituraoriginal autógrafo do autor”. Embora essa última expressão não seja de Alberto Nepomuceno,sua autenticidade pode ser constatada pela análise de outras características da caligrafia docompositor.6 Os termos utilizados são apresentados em italiano. Possui 101 páginas.

Algumas particularidades são observadas em cada valsa. Na Valsa I, as páginas 13, 14 e 15encontram-se em branco, onde somente as indicações de compasso identificam a repetição daseção A.

A Valsa II apresenta um pequeno trecho incompleto no piano, compassos 60-64, com a observação“escala ascendente chromatica em oitavas” para a mão direita, estando a parte da mão esquerdaescrita. Há, na página 20, compasso 28 e seguintes, a indicação “triângulo”.

Na Valsa III – da capo al fine no compasso 78 – existe uma série de lacunas e anotaçõesrascunhadas. Entre os compassos 5-22, apresenta sobreposto na grafia das cordas o trechocorrespondente ao “da capo”, referente aos compassos 83-100. Há a indicação de trompas etrompetes “In Mi” entre os compassos 37-40. A parte do piano apresenta escasso material escrito.

5 Por partes cavadas entende-se as partes individuais de cada instrumento de dada orquestração.6 Foram analisadas a forma e a semelhança entre determinadas letras, como c, a, o, t, m, n, além de peculiaridades

nas claves de sol, dó e fá, pausas de semínima, entre outras indicações. Também o tipo de tinta, sua densidadee espessura, foram observadas. Assim foi possível constatar a autenticidade e separar termos ou indicaçõesacrescentadas posteriormente.

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A Valsa IV apresenta algumas indicações de inserção de compassos com caligrafia diferente dado autor (compassos 46-47 e 65-66), além de trechos rascunhados (compassos 47-65 e últimapágina). A partir do compasso 95, há a indicação de “clarinete In La” e , nas trompas, a 1ª “In Mi”e a 2ª “In Mi b”. A indicação “rubato” que aparece ao começo desta valsa não apresenta a caligrafiado autor.

Na Valsa V, na primeira exposição da segunda seção, compasso 54 e seguintes, a parte do pianoestá em branco e, nas cordas, existe uma alteração com rasuras no violino II. Entre os compassos202-209, observa-se a inclusão de alguns compassos com caligrafia diversa da do autor.

A Valsa VI exibe vários trechos abreviados com barras de repetição. Na primeira seção, nocompasso 33, é solicitado 1ª trompa “In Fa”, sendo o par escrito na mesma pauta, onde, para a 2ªconsta, abaixo da pauta, uma pequena clave de fá. Também pode ser observado um possívelesquecimento de 4 compassos a partir do número 40. No compasso 153 segue-se a recapitulaçãodas Valsas I e II, concluindo por uma coda. Nesta valsa, há na página 82, nos compassos 49 e 53respectivamente, indicação de tamburo e triângulo. Na página 95, compasso 191 e seguintes,também existe uma indicação de triângulo. O rubato que está acrescentado não possui a caligrafiado autor.

De maneira geral, esta partitura é apresentada com indicações minuciosas de andamento,dinâmica e articulação, embora as lacunas e rascunhos sugiram que esta não seja a versãodefinitiva. Não existe edição desta versão.

Fig. 2 – Primeira página do autógrafo de Alberto Nepomuceno (Valsa nº1)

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3.2 - F2: Manuscrito das partes cavadas (orquestração ampliada)Encontrado na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, possui autoriaindefinida.

Na primeira página de cada partitura encontra-se a indicação do instrumento a que se destina, onome do compositor e o título da obra. As orientações de clave e tonalidade são indicadas somenteao começo de cada valsa. Observa-se que as indicações de articulação, dinâmica e andamentonão são padronizadas no seu conjunto. Também podem ser constatadas algumas indicaçõesposteriores, acrescentadas pelos instrumentistas que as utilizaram.

Estas partituras estão assim distribuídas: flauti (1º, 2º); oboi (1º, 2º); clarinetti si (1º, 2º); fagotti (1º, 2º);corni fa (1º, 2º); corni fa (3º, 4º); trombe fa (1º, 2º); timpani; triangolo e piatti; tamburo; violino 1º (solo);violino 1º (di fila); violino 2º; viola; cello (solista); cello; c basso.

3.3 - F3: Manuscrito compilado por Sérgio Nepomuceno (partitura)Esta fonte pode ser localizada tanto na Biblioteca da Escola de Música da UFRJ quanto no Arquivoda Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), onde está catalogada sob o número 185. Trata-se dacompilação das partes cavadas de F2, realizada por Sérgio Nepomuceno Alvim Corrêa em 1954.Esta fonte apresenta duas folhas de rosto onde aparecem as seguintes indicações: na primeira –autor com datas de nascimento e óbito, nome da obra com a indicação de data de composição(1902), instrumentação (piano e orquestra), a indicação “partitura”, uma orientação de índice dasValsas e o carimbo do arquivo da OSB; na segunda – dedicatória à pianista Fanny Guimarães7 ,autor com datas de nascimento e óbito, título da obra, opus 22, crédito ao pianista E. Schellingque a teria estreado a 10 de junho de 19048 , a indicação “partitura de orquestra” e a autoria domanuscrito.

Apresenta a seguinte orquestração: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes em Si b, 2 fagotes, 4 trompasem Fá, 2 trompetes em Fá, tímpanos, percussão (triângulo, prato e tamburo), piano solo e cordas.Está escrita com uma pauta para cada instrumento, exceto para trompas I / II e III / IV onde cadapar é apresentado em uma pauta. Nas páginas seguintes os instrumentos são indicados porabreviaturas. As exceções são tamburo e piatti sempre escritos por extenso. A instrumentação eas indicações de andamento e dinâmica são apresentadas preferencialmente em italiano, emborahaja uma mistura com o português (página 11). Possui 159 páginas. Esta partitura possuiminuciosas indicações de andamento, dinâmica e articulação. Não existe edição desta versão.

3.4 - F4: Autógrafo de Arthur Napoleão (versão para dois pianos)Localizado na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, está catalogadasob o nº 24985. Não apresenta a data de realização desta versão. Manuscrito de Arthur Napoleão,

7 Fanny Guimarães, pianista e virtuose da época de Alberto Nepomuceno, foi solista do Concerto nº4 de L. vanBeethoven, do Concerto para piano de R. Schumann e do Concerto nº1 de F. Liszt, a 12 de novembro de 1908,regida por Nepomuceno, durante os Concertos Sinfônicos da Exposição Nacional da Praia Vermelha, comemorativaao Centenário da Abertura dos Portos, onde Nepomuceno fora diretor musical e principal regente.

8 Conforme mencionado neste artigo, este crédito não corresponde à realidade já que a estréia dessa obra ocorreua 29 de fevereiro de 1902 no Club dos Diários, em Petrópolis, tendo como solista a pianista Walborg Nepomuceno.A audição de E. Schelling foi a terceira desde a composição dessa obra.

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na folha de rosto apresenta a dedicatória (A Monsieur Ernest Shelling), título da obra,instrumentação, compositor e autor da versão. Possui 68 páginas com três sistemas para PianoI e II por página. Não apresenta lacunas. As indicações de andamento, dinâmica e articulaçãosão minuciosas. Há também a orientação da instrumentação em alguns trechos. Algumasalterações ou inclusão de compassos podem ser observadas nas Valsas nos IV, V e VI. É a únicaversão editada.

3.5 - F5: Partitura Editada (versão para dois pianos)Esta fonte foi encontrada na Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional. Nacapa consta o nome da obra, a instrumentação, o compositor, a indicação da redução para doispianos e seu autor, preço e nome do editor.

Embora a capa tenha os créditos em francês, a partitura apresenta quase todas as indicaçõesde andamento e dinâmica em italiano. Há indicação da numeração de edição no rodapé de cadapágina (nº 1550). Foi publicada por Sampaio Araujo & Cia. em 1910. Possui 59 páginas.

Alberto Nepomuceno certamente conheceu essa versão e respectiva edição e possivelmente atenha revisado. Assim, as diferenças encontradas em relação às demais fontes podem ter sidofeitas pelo autor ou terem recebido a sua concordância. Essa versão claramente teve origem nafonte de F2.

3.6 - F6: Autógrafo de J. Octaviano (versão para orquestra de cordas)Também localizada na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, catalogadasob o no 24985, essa versão não consta do Catálogo Geral de Alberto Nepomuceno (CORRÊA,1996). Sua data de composição é incerta, entretanto uma observação superficial revela que tevecomo base a segunda versão para piano e orquestra.

Consistindo em partes cavadas para orquestra de cordas, na primeira página de cada partituraconsta, em português, o nome do compositor, o título da obra, a instrumentação original, indicaçãoda redução para orquestra de cordas com seu autor e o instrumento a que se destina, estandoassim distribuídas: violino I, 18 páginas; violino II, 16 páginas; viola, 14 páginas; violoncello,16 páginas; contrabaixo, 12 páginas.

As orientações de clave e tonalidade são indicadas somente ao começo de cada valsa. Observam-se muitas indicações de articulação, dinâmica, andamento e arcadas. Não há indícios de que ocompositor tenha conhecido estes manuscritos. Esta versão não possui edição.

F1 F2 F3 F4 F5 F6Valsa I 140 c. 141 c. 141 c. 139 c. 141 c. 141 c.Valsa II 82 c. 83 c. 83 c. 82 c. 83 c. 83 c.Valsa III 100 c. 100 c. 100 c. 100 c. 100 c. 100 c.Valsa IV 117 c. 139 c. 139 c. 139 c. 139 c. 139 c.Valsa V 272 c. 289 c. 289 c. 286 c. 289 c. 290 c.Valsa VI 257 c. 257 c. 257 c. 259 c. 258 c. 258 c.

Fig. 3: Quadro comparativo da extensão das Valsas, por fonte.

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4 - Critérios editoriaisO estabelecimento de critérios editoriais deve evitar conceitos prévios que induzam a erros noprocesso de avaliação e hierarquização das fontes. Como ponto de partida, é necessário definiro que se quer com esta edição crítica, qual seu objetivo, a quem se destina. Definiu-se que oobjetivo primordial desta edição é, além de resgatar com a maior fidelidade possível a intençãodo autor, prover uma partitura útil ao musicólogo, ao fornecer subsídios para futuras pesquisas, eao intérprete ao possibilitar a execução pública da obra.

A localização das fontes e de críticas sobre as apresentações públicas das Valsas Humorísticasesclareceram seu posicionamento histórico. Junto a Sérgio Nepomuceno Alvim Correa,obtiveram-se duas fontes: F1 e F3, além das críticas e crônicas da época. Na Divisão de Músicae Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional, localizou-se F5 e na Biblioteca Alberto Nepomucenoda Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além das fontes já citadas,também foi possível localizar F2, F4 e F6.

Como em nenhuma fonte havia data de concepção, uma prévia comparação entre as mesmasaliada ao estudo das crônicas da época e ao estilo da obra, tornou possível a determinação daseguinte ordem cronológica:

1. Primeira versão para orquestra (F1): após o período acadêmico do compositor, 1895,mas anterior a 1902, quando da estréia da obra;

2. Segunda versão para orquestra (F2) e para dois pianos (F4): entre 1902 e 1903;3. Versão para orquestra de cordas (F6): em data indeterminada.

Com essas constatações, foi possível traçar uma primeira seleção de prioridade para a utilizaçãodas fontes. Inquestionável a utilização de F1; F4, por ser a única versão editada e apresentar opiano solista sem lacunas, não pode ser descartada; F2, por não possuir identificação de autoriaou copista, deverá ser avaliada para a determinação de sua validade. Quanto a F6, foiimediatamente descartada por não haver indícios de que Alberto Nepomuceno a tivesse conhecido.

Como o objetivo é realizar uma edição da versão original, para piano e orquestra, será necessáriodeterminar se, de fato, existiu uma segunda versão para piano e orquestra. Como proceder talconstatação? O simples cotejamento entre F1 e F2 demonstra que houve alterações estruturaisnas Valsas nos 4 e 5. Também pode ser constatado que as mesmas alterações ocorreram em F4.Logo, através das diferenças encontradas entre F1 e F2/F4, associado às crônicas jornalísticas,concluiu-se que existiu, de fato, uma segunda versão para piano e orquestra, podendo F2 sertestemunha dessa segunda versão. Assim, as fontes de orquestração resumir-se-iam a F1 e F2.

Após o estudo pormenorizado da caligrafia do autor, constatou-se que F2 não exibe traçoscaracterísticos da sua caligrafia. Dessa forma, como conferir a confiabilidade de F2? Optou-se,primeiramente, pela feitura de uma grande partitura para orquestra, onde F1 e F2 sãoapresentadas paralelamente (uma pauta para flautas de F1 seguida de outra para flautas de F2e assim sucessivamente para os demais instrumentos). Dessa forma, as duas versões orquestraispuderam ser cotejadas e avaliadas.

A comparação demonstrou que a maioria das alterações ocorreu no naipe de sopros, onde oacréscimo de mais duas trompas e dois trompetes em F2 absorveu grande parte da harmonia

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dos clarinetes e trompas de F1, ou seja, procedeu-se uma redistribuição de harmonias e dealguns trechos melódicos, persistindo muito de F1 em F2, o que já seria um indício de que estafonte baseara-se numa nova orquestração do compositor. Mas somente isso não seria suficientepara a determinação do grau de confiabilidade de F2.

Um aprofundamento semiótico tornou-se necessário. Constatou-se, em F2, que quase todas asapojaturas, importantes para o caráter humorístico da obra, haviam se transformado em pequenosblocos dissonantes de segundas menores, o que poderia ser um erro ou uma alteração de algumrevisor. O que poderia levar o autor a proceder tal alteração? A solução a essa questão tornou-seevidente pela análise semiótica da passagem entre os compassos 44 e 58 entre violinos e violasna Valsa II: enquanto em F1 as violas dobravam a harmonia dos violinos, em F2 as violas procediampor segundas menores inferiores. Como explicar tal passagem? Poderia ser um erro do copista?Um erro de claves? Certamente não pois o erro de claves seria responsável por segundassuperiores e não inferiores. Também seria muito pouco provável que o copista cometesse umerro por tantos compassos consecutivos e ainda o repetisse na Valsa VI, onde o mesmo trechoaparece novamente. Além disso, existem adendos de execução nas partituras de F2, ou seja, aobra fora executada de acordo com F2 e nenhuma correção ocorrera. Por que?

Numa observação mais minuciosa, observou-se que enquanto os violinos tocam com o arco, asviolas o fazem em pizzicato. Assim, o conteúdo musical dessa passagem, violinos em arco eviolas em pizzicato, estaria muito próximo ao das apojaturas. Seria como se as violas fossem asapojaturas dos violinos. Dessa forma, constatou-se que as apojaturas estavam lá, se não nagrafia, na intenção e o resultado sonoro final o justificava.

No entanto, como era praxe, as alterações de orquestração também poderiam ocorrer paraeventuais concertos ou sempre que o autor achasse necessário. Que garantia existiria de que asalterações das apojaturas não tenham ocorrido para uma execução específica? Que certezapode haver de que F2 seja a versão definitiva? Tecnicamente nenhuma. As alteraçõesapresentadas por F2 revelam um profundo conhecimento da linguagem musical por parte de seuautor.

Outra constatação da confiabilidade de F2 foi obtida na Valsa VI, entre os compassos 33 e 44:enquanto em F1 a flauta I dobra o piano e flauta II dobra violinos e violas, em F2 as flautas executamoitavas. Como explicar esse aparente empobrecimento de orquestração? A resposta está noinício dessa valsa na parte do piano e possui uma função estrutural: é a reiteração dos contrastespiano e forte da melodia do piano, encontrado em F4, agora reforçados pelo tutti.

Dessa forma, concluímos que não só existiu uma segunda versão para piano e orquestra como aversão de F2 apresenta uma certa dose de confiabilidade. Entretanto, observou-se que F2apresenta alguns erros evidentes, caracterizando que Nepomuceno não a tenha supervisionadoou revisado. Assim, há indícios de que haja uma fonte desaparecida para F2. Todavia, F2 nãopoderá ser descartada, além de ser a única testemunha da segunda versão para piano e orquestra,embora deva ocorrer uma análise profunda de seu conteúdo.

Também resultante da comparação entre F2 e F4, pode-se concluir que F4 baseou-se na fonte

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de F2. As poucas modificações acrescentadas a F2 e não constantes em F4 reforçam essaconvicção e sugerem que, cronologicamente, aquela é anterior a esta.

Assim, na hierarquização das fontes, F2 será imprescindível para a orquestra da mesma formaque F4 o será para o piano. F1 e F5 serão utilizadas para esclarecer algumas imprecisões,dúvidas, possíveis lapsos ou erros. F3, por ser uma compilação de F2 e F6, por não haverevidências de que Nepomuceno a tenha conhecido, não será considerada para esta edição crítica.

As observações obtidas pela análise das fontes foram apontadas em planilhas de observação,transcritas abaixo para cada Valsa. Essas observações serviram de base para o estabelecimentoda versão final. Alerta-se que, para os instrumentos transpositores, as notas indicadasreferem-se aos sons reais. A título de esclarecimento: clarinetes em Si b soam uma 2a. maiorinferior às notas escritas, enquanto trompas e trompetes em Fá soam uma 5a. justa inferior.

4.1 - Valsa nº 1A comparação entre F1 e F2, demonstrou que a versão F2 enriqueceu o colorido orquestral deF1 sem maiores alterações harmônico-formais.

A primeira observação diz respeito ao caráter da Valsa:• F1 e F3 - Tempo di valsa un poco vivo• F2 - (nada consta)• F4 e F5 - Allegro con spirito

Embora F3 derive de F2, é curioso observar que, mesmo nada constando em F2, F3 coincide comF1. Como os termos apresentados não apresentam diferenças substanciais de conteúdo,concluiu-se por utilizar “Tempo di valsa un poco vivo”, concordando com o autógrafo.

Ao final da seção A, compassos 40-41, enquanto em F1 e F3 o piano conduz um allargandochegando ao meno mosso, em F4 e F5 existe a orientação de ritenuto (c. 41) após o allargando(c. 40) sem a indicação meno mosso. Assim, o conteúdo cadencial que segue (c. 42-46) seriarealizado em Tempo I. Também o início da seção B é apresentado de forma diversa entre asfontes F1-F3 e F4-F5: Tempo I naquelas e scherzando nestas.

Analisando-se o trecho compreendido entre o final da seção A e o começo da seção B (c. 40-47),concluiu-se que seria coerente ao conteúdo musical a seguinte orientação: o piano realiza umallargando (c. 40) até o meno mosso (c. 41), permanecendo assim durante a região cadencial,retornando ao Tempo I com caráter scherzando na seção B (c. 47).

Outra divergência é encontrada nos compassos 137 e 141. Embora não sejam semelhantes noconteúdo, o são na intenção: a primeira prolonga uma nota longa como uma fermata escrita porextenso; o segundo corporifica um grande ritenuto. Esses dois compassos aparecem em F2, F3e F5, ficando implícitos em F1 e F4. Decidiu-se por escrevê-los por extenso, tal qual F5. Asdemais observações estão na tabela abaixo.

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Compasso F1 F2 F4 Critério4-5 Tímpano no Tímpano no Manutenção da batida no 1º tempo.

1º tempo. 2º tempo. A complementação dos triângulosreforça a decisão.

8 No oboé I, Por se tratar de trecho semelhantemin - lán ao c. 4, corrigir para min -dó

8-9 Idem compassos 4-5 para tímpanos33-34 No par de trompas

III-IV, apresenta Acerto da harmonia:em ambos os rén -lá b ; ré b - sol.compassos aharmonia réb -láb.

37 Violinos I executam Acerto para fá-lá b, de acordo com o padrãoréb -láb de Fig.ção do c. 36 e mantido

no 37. Repete no final, c. 129-130.38 Na trompa I, mib Erro harmônico. Corrigir para fá b38 Não constam pratos Observa-se possível lapso do prato

em F2. Por ser semelhanteao c. 131, indica-se o pratoem notas pequenas.

38 Nas violas, consta Corrigir harmonia parao acorde láb-dó-fáb lá b -ré b -fá b, dobrando violinos.

45 Arpejo do piano Conclusão do Utilização da versão de F4.formado arpejo por Importante ponto de apoiosomente por 3 colcheias, para a orquestra.fusas. além das fusas.

48 Nas violas, ré b -fá Nas violas, réb-mib Correção da harmonia para ré b -fá.57-58 Na trompa I, Correção do fragmento melódico. Por se

há um fragmento tratar do contracanto da melodia da seçãomelódico diferente do B, que possui um padrão únicopadrão. toda a seção, e por produzir uma harmonia

discrepante do contexto, pode-se concluirem erro do copista.

67 No violino I, consta Consta o acorde Apesar da passagem cromática, aa oitava –mi b mi b-lá b para antecipação do lá b soa fora do contexto

violino I harmônico. Corrigir para mi b-lá b.96 Violino I, toca Nos violinos I, no Correção para a nota sol de

sol no primeiro primeiro tempo acordo com a Fig.ção melódica.tempo está lá.104 No 2º tempo, Violoncelos tocam Por ser similar ao compasso 11 e pelo

violoncelos mi b no 3º tempo. padrão cadencial, dobrando cb., seguir F1.tocam mi b. Certamente erro de cópia.

126 No par de trompas O padrão melódico é muito claro eI-II, o compasso está semelhante ao compasso 33.igual ao 127. Certamente um erro do copista.

126-127 Idem compassos 33-34 para trompas III-IV131 Trompetes com O tutti realiza o acorde no segundo

acorde no tempo. Não há lógica em F2.primeiro tempo.

134 Nada consta. Nada consta. Lapso da indicação Meno mosso. Por setratar de recapitulação literal da seção A,aqui é usado o mesmo critério citadoacima para o final dessa seção (c. 40-41):allargando ao Meno mosso.

Fig. 4 – Critérios Editoriais para a Valsa nº1

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4.2 - Valsa nº 2Esta Valsa é apresentada completa, sem lacunas ou omissões. Na tabela abaixo, estãoapresentados os trechos considerados importantes na determinação do texto final.

Compasso F1 F2 F4 Critério28 Aparece clave Manutenção da Como todas as demais fontes apresentam

de sol em clave de fá na a clave de fá, mantendo o desenhoambas as pauta de melódico a um intervalo de três oitavas,

pautas do piano registro grave concluiu-se que houve um lapso em F1.do piano.

29, 31 No terceiro No mesmo trecho Erro harmônico em F2. Manter F1.tempo do oboé II, do oboé II,

na apojatura, aparece fá# -soln.aparece fán -sol b.

37 Idem compasso 29 para oboé II44, 46 O par de clarinetes Certamente um erro. O correto é a oitava

realiza oitava de fá# de sol#, o que mantém o padrão do(enarm. Sol b) no desenho melódico, conferindo com F4.

3º tempo.66-80 Escrita cadencial Cadência escrita Usar F1 como principal e F4 como

livre no piano de forma métrica. ossia. Ver esclarecimentos abaixo.74-81 A melodia do A melodia do

piano é repetida piano é repetida Escrever a repetição uma oitava acima.na mesma oitava. uma oitava acima.

81 Aparece como Aparece dividido Coincidente Manter um único compasso. Maioresum único em dois compassos com F1. esclarecimentos abaixo.

compasso

Fig. 5 – Critérios Editoriais para a Valsa nº2

No final desta valsa, os manuscritos utilizados, de Alberto Nepomuceno (F1) e de Arthur Napoleão(F4), não são coincidentes na reexposição da seção A.

É interessante salientar que, enquanto F1 apresenta uma escrita cadencial livre, F4 utiliza umaescrita métrica. Considerou-se que essa escrita métrica seria uma tentativa de escrever o rubatoda seção por extenso, o que seria útil na performance, embora corresse o risco de acentos métricose desvirtuamento da intenção melódica. A análise da seção confirmou que a escrita fluente de F1estaria mais de acordo com a intenção melódica e com a idéia do autor, por mais próximo quesua realização estivesse da escrita métrica de F4. Como a fluência melódica deve possuir apoioscondutores, o pulso deve ser mantido pelo acompanhamento no piano. Esse trecho faz com quenos reportemos a um dos tipos de rubato de F. Chopin, tal como descrito por Wilhelm von Lenz:

“O que caracterizou a performance de Chopin era o seu rubato, no qual a totalidade do rítmo eraconstantemente respeitada. Eu geralmente o ouvia dizer “A mão esquerda ... é um relógio. Faça coma mão direita o que quiseres e puderes”. Ele dizia, “Uma obra dura 5 minutos somente porque ocupaesse tempo na performance total; detalhes internos são outro assunto. E aqui tens o rubato”. 9

(KALLBERG, 1990, p.243)

Também ao final, há uma divergência quanto aos dois ou três últimos compassos. Enquanto que

9 Trecho traduzido pelo autor deste artigo.

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os manuscritos F1 e F4 apresentam somente dois compassos, (81-82), F2 considera trêscompassos finais, (81-83), pelo desmembramento do compasso 81 em dois. Uma justificativapara essa alteração diz respeito à regência. Por uma questão de coerência estilística, foiconsiderado que deveriam compor um único compasso, estando de acordo com os manuscritos,onde um grande ritenuto estaria implícito na escala cromática final do piano, sem que issocaracterizasse ou justificasse o seu desmembramento.

Na comparação das fontes, pode-se observar que as indicações dos andamentos não apresentamconflitos de informações, sendo muito precisas.

4.3 - Valsa nº 3F1 apresenta muitas lacunas ou omissões, sugerindo que ainda fosse um rascunho, principalmentena parte do piano. Portanto, F4 torna-se uma referência essencial.

Quanto às indicações de andamento e caráter, algumas diferenças necessitam de esclarecimento.Na seção A, uma pequena introdução de 4 compassos e caráter pesante é seguida por um trio paraviolino, violoncelo e piano de caráter dolente e expressivo. Segundo as fontes aqui utilizadas, osandamentos desta seção estão assim indicados:

• F1 - Allegro - Lento• F2 e F4 - (nada consta)• F3 - Moderato - Lento• F5 - q = 96 - (nada consta)

Por não existir uma uniformidade entre as indicações de andamento, o caráter de cada trecho éresponsável por sua definição. Na introdução, a combinação Allegro moderato com a indicaçãometronômica esclarece o seu caráter. Para o trecho seguinte, manteve-se a indicação Lento doautor, um possível lapso nas outras fontes.

A seção B apresenta um caráter virtuosístico. Apesar de indicações de andamento distintas entreas fontes, o caráter é basicamente o mesmo: brilhante e com arrojo. Os andamentos desta seçãoestão assim indicados:

Compasso 23 Compasso 37 Compasso 53-54

F1 - Vivo F1 - Allegro con entusiasmo F1 - VivoF2 - (nada consta) F2 - (nada consta) F2 - PrestoF3 - Vivo F3 - Allegro con entusiasmo F3 - PrestoF4 - (nada consta) F4 - Tempo F4 - Presto

Fig. 6

De acordo com essas orientações e pelo caráter da seção, concluiu-se que os andamentos aserem utilizados são: Vivo; Allegro con entusiasmo; Presto.

A questão mais crítica desta valsa, é o solo de violoncelo da seção A (exposição e reexposição).Não existe uniformidade entre as fontes, sendo que cada uma apresenta uma variante em algumfragmento melódico (Fig. 7). Pela impossibilidade de concluir que uma versão é mais correta queas demais e por uma questão de coerência de critério, elegeu-se utilizar a versão de F2, fontepara a orquestração nesta edição.

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Fig. 7 – Diferenças do solo de violoncelo (Valsa nº 3, seção A) entreas fontes das Valsas Humorísticas op.22 de A. Nepomuceno.

Compasso F1 F2 F4 Critério47-48 Violino I e Na redução da Este fragmento melódico consta em todas

violoncelo tocam orquestra, existe as demais fontes. Possível lapso.fragmento do Nada consta a indicação do Indicou-se em notas pequenas.final da melodia final da melodiamin - solb- fá no piano II.

65 Nas violas, Nas violas, Como as violas fazem terças com violinos,réb-lán-sib. réb-lán-dó. corrigiu-se para réb - lán -sib.

70 Violoncelos Nos violoncelos tem Em todo o trecho, F1 é semelhante à F2. Otocam mib- mib - soln - soln soln final está fora do padrão. Possível erro.soln- mib

77 No 2º tempo, o O acorde está Nas duas fontes, a parte das flautas éacorde das sib-láb coincidente, exceto neste acorde, além deflautas é ser um erro harmônico. Manter F1.sib-soln

79 Fagote toca no Fagote I-II dividem A Fig.ção do 2º e 3º tempos parece1º tempo harmonia também invertida por não manter o padrão. Considerarsomente no 2º e 3º tempos. fá para fagote I e dó para fagote II.

100 Violoncelo Nada consta Possível lapso em F2. Trata-se dapossui fá no resolução da cadência final. Acrescentou-se1º tempo fá com nota pequena.

Fig. 8 – Critérios Editoriais para a Valsa nº3

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4.4 - Valsa nº 4Esta valsa é uma das que menos divergências apresenta entre as fontes.

Compasso F1 F2 F4 Critério74 Nas violas, fá Trecho de 14 compassos idênticos.

Correção para a nota mib.

88 Nos oboés, acorde Erro harmônico. Correção para ré-sol.ré-lá

92 Violino I, 3o. tempo, Erro harmônico. Correção para lá-dó#acorde sol-dó#

108 Nas violas, Nas violas, Erro em F2 ao repetir o c. 107 alémmi-sol# fá-(fá-si-ré# ). de ser erro harmônico. Para manter a

consistência de Fig.ção e tendo F1 porbase, foi feita a correção e reconstituiçãodo acorde: mi-(ré-sol# -sib ).

Fig. 9 – Critérios Editoriais para a Valsa nº4

4.5 - Valsa nº 5Esta é a valsa onde se observa o maior número de modificações estruturais, notadamente napassagem entre as seções B e A antes do Animato (c. 203-239), gerando intensificação detensão harmônica associada à condensação melódica e maior densidade sonora.

As indicações de andamento e caráter estão claras e não necessitam maiores observações.

Compasso F1 F2 F4 Critério14 Clarinete tem Clarinete tem sib De acordo com a figuração do tutti, manter

sib como como colcheia semínima.semínima

15 Nada consta Trompas I-II Erro harmônico. O correto é sib .apresentam dó.

16-35 Somente F2 apresenta figuração paraorquestra, não referida em F4. Utilizou-senotas pequenas para sua escrita.

39 Flautas, No par de flautas, Trata-se de uma escrita alternativa parasegundo tempo: segundo tempo: apojatura. F2 está fora do padrão dosi# (ap.) -dó# . dó# -sin. trecho. Correção para dó# -si#.

65 3o tempo das 3o tempo das violas: fá As violas executam terças inferiores em violas: mib relação ao violino I. Correção para mib

119 A figuração da Acréscimo da indicação de 8a.. Assim émão direita do mantido o padrão do trecho.piano não possuia orientação de 8a.

122 Orquestra Orquestra possui Trata-se de uma resolução cadencial,possui valores pausas similar aos c. 15-16 de F2. Seguirno 1o. tempo. no 1o. tempo. padrão de F2 dos c. 15-16 com notas

pequenas.

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122-141 Idem compassos16-35133 Compasso único. Dividido em dois Compasso único. Este compasso possui uma escala de

compassos. passagem no piano, semelhante aoc. 27, não sendo coerente dividi-lo.

134 Mib no 1º tempo Pausa Trata-se de um possível lapso em F2. Pordo contrabaixo. similaridade, segue-se o padrão do

c. 28 em notas pequenas.146 Flautas, no 1º e No par de flautas, É uma escrita alternativa para apojatura,

3º tempos: 1o. e 3o. tempos: semelhante ao c. 39. F2 está fora domi# (ap.) - fá#. fá# - min. padrão. Correção para fá# -mi#.

147 Acréscimo de O erro está evidente. Para manter acompasso no Fig.ção e coerência com o padrão dessaclarinete com o mesmo escrita alternativa de apojatura, mudarpadrão do 3º tempo do para láb - solc. 146 (mib - ré).

164 Flauta II, no 3o. tempo: Flauta dobra oboé. Correção para sol-láb.fá-sol Segue modelo do c. 160.

166 Oboé I, 1o. tempo: Correção para sin-dó. Forma 8a. com aslán-sib. flautas.

178/179 Clarinete I: trinado da Trinado deslocado. Corrigir para osnota síb compassos 180-181.

189 Trompa I, 3o. tempo: Corrigir para dó. A trompa possui a melodiasol das flautas e oboés uma terça abaixo.

194-195 No clarinete, Nada consta Possível lapso. Manter Fig.ção de F1 emlán (ap.) – sib notas pequenas.

211 Oboé I toca Fig.ção Para a uniformidade de Fig.ção, escreveruma 8a. abaixo 8a. acima

243 No violino II, Apresenta láb-síb. Violino II dobra violino I, além de toda seçãopossui oitava ser semelhante à F1. Corrigir para a oitavade síb. de sib.

253 No violino II, 1o. Arpejo com as notas Pela mesma razão de 243, corrigir para F1.tempo, tem as mib-solnotas mib-lábno arpejo.

Fig. 10 – Critérios Editoriais para a Valsa nº5

A passagem do piano entre os compassos 76-83 possui três versões (Fig.11): a primeira delasencontra-se em F1; a segunda, se refere a F4 e F5; enquanto a terceira ocorre em F3, F4 e F5.Segundo indicação de Arthur Napoleão, a versão 2 deve ser realizada quando a obra estiversendo tocada com orquestra (En jouant avec Orchestre), enquanto que a versão 3 se refere àperformance a dois pianos, onde o solo dos metais é atribuído a um dos pianos. Apesar dasemelhança entre as versões 1 e 2, decidiu-se que a segunda versão é a que melhor traduz ocaráter da obra.

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Fig. 11

4.6 - Valsa nº 6Nesta valsa, poucas passagens necessitam maiores esclarecimentos. Uma das observaçõesmais importantes refere-se à definição estrutural reforçada pela indicação de dinâmica só escritaem F4. Sua omissão em F5 não apresenta explicação plausível. A certeza da função estrutural dadinâmica é baseada no incremento da densidade sonora da orquestra até o tutti, onde as estruturaspiano e forte estão extremamente bem definidas.

Versão 1

Versão 2

Versão 3

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As demais indicações, de andamento e caráter, acham-se bem definidas em todas as fontes.

Compasso F1 F2 F4 Critério14 Contrabaixos com A intensificação de dinâmica e tensão pelo

pausa. movimento melódico ascendente, indicaum possível lapso em F2. É semelhante aoc. 107. Acrescentar fá com notapequena.

35 rén no fragmento Lapso don Flautas dobram oboés, fagotes e piano, omelódico das lapso é obvio. Manter F1.flautas.

41 Fagote I: Fagote I: Fagote dobra melodia do piano. Correçãoréb-sib-réb réb-láb-réb de acordo com F1. Segue melodia.

68 Viola: mi-dó Viola: mi-sib Para manter o padrão de Fig.ção entre osc. 53 e 68, deve ser escrito mi - dó

78-79 Viola: Viola: Incoerência harmônica e de escrita. Estásol-ré-sol-sib. fá-lá-dó-fá claro que o copista copiou o violoncelo na

parte da viola. Neste trecho as violasdobram violinos I, além de possuir F2 igualà F1, diferindo somente nestes compassos,manter F1.

82-83 Idem compassos78-79133 Idem compasso 35

139 Oboé I, 3o. tempo: mib. Erro harmônico. Corrigir para min.170-171 Nada consta para Trata-se da repetição da seção A da Valsa I.

tamburo Pela similaridade aos c. 26-27,observa-se provável lapso do tamburo.Acrescentar com notas pequenas.

174 Idem compasso 170

180 Trompas I, II: Idem 170, relacionado ao c. 36 danada consta Valsa I.Trompas III, IV:nada constaContrabaixo:nada consta

182 Prato: Idem 170, relacionado ao c. 38 danada consta Valsa I.

190 Trompetes: Idem 170, com relação ao c. 46 da nada consta Valsa I.

192, 194 No terceiro No mesmo trecho do Trata-se da repetição da seção B da Valsa II,tempo do oboé II, oboé II, aparece referindo-se aos c. 29 e 31. Errona apojatura, fá# -soln . harmônico em F2.aparecefán - solb.

200 Idem compasso 192 Idem 192, relacionado ao c. 37 daValsa II.

202 No 3o. tempo, no Aparece soln -láb Idem 192, relacionado ao c. 39 daoboé II, na Valsa II. Erro harmônico em F2apojatura, constasol# -lán .

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217 Fagote apresenta Nada consta Provável lapso, pois refere-se àsol e tamburo repetição do c. 54 da Valsa II.

possuem pausas Tomou-se a decisão de indicar a notaem tamanho pequeno.

218-221 Triângulo, pratos Idem 217 com relação aos compassos55-58 da Valsa II. Tomou-se a decisãode indicar as notas em tamanho pequeno.

235 O arpejo do Em F3 e F5, consta láb. Decidiu-se porpiano, no F4 pois, além de ser o manuscrito do2º tempo, autor da versão, reforça a harmonia e seupossui sib. caráter de dominante.

236 Compasso único Compasso único Desmembrado O desmembramento quebra a unidadeem dois e a fluidez da coda. Manter compassocompassos único.

Fig. 12 – Critérios Editoriais para a Valsa nº6

5 - ConclusãoApós a localização e contextualização das fontes, procedeu-se à análise de confiabilidade dasmesmas, sendo possível chegar às seguintes conclusões:

1. Houve, de fato, uma segunda versão para piano e orquestra das Valsas Humorísticas;2. Tanto o autógrafo de Alberto Nepomuceno dessa segunda versão quanto alguma cópia

revisada ou supervisionada pelo autor encontram-se desaparecidos;3. O autógrafo de Arthur Napoleão, da versão a dois pianos, teve por substrato a segunda

versão para piano e orquestra;4. As partes cavadas sobreviventes da segunda versão são posteriores ao autógrafo de Arthur

Napoleão e podem ter tido como fonte o mesmo substrato deste;5. As partes cavadas sobreviventes da segunda versão não apresentam indícios de

supervisão, revisão ou correção pelo autor, embora possuam um certo grau deconfiabilidade;

6. Os erros encontrados nas partes cavadas sugerem que foram compartilhados de fonte(s)anterior(es);

Após estas conclusões sobre as fontes, foi possível estabelecer uma hierarquia entre as fontes,de forma a determinar o texto crítico final. Assim, as fontes F1 (autógrafo de Alberto Nepomuceno),F2 (partes cavadas) e F4 (autógrafo de Arthur Napoleão) são as fontes primordiais, embora nãoprimárias. Pela análise formal, harmônica e de estilo poder-se-á chegar a uma edição das ValsasHumorísticas muito próxima da intenção do autor.

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No contexto das obras para piano de Alberto Nepomuceno, pode-se concluir que as ValsasHumorísticas pertençem ao seu período de maturidade, o que pode ser observado pela suamaior liberdade formal e maior proximidade ao estilo francês de um Chabrier ou de um Fauré.

Nepomuceno não foi o primeiro, mas certamente foi um dos principais compositores da músicabrasileira, sempre dependente dos avanços europeus. Nepomuceno não negou suas influênciase sempre esteve consciente disso; utilizou-as de forma particular em prol da música de seu país,independente da fisionomia que porventura as mais diversas correntes estilísticas o quisessem.

6 – Referências bibliográficasANDRADE, Mário de. Música, Doce Música. São Paulo: Martins, 1933.CHRONICA MUSICAL: Festival Schelling, Bauer e Casals. Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 12 jun. 1904.CONCERTOS NEPOMUCENO. A Notícia. Rio de Janeiro. 30 ago. 1906.CORRÊA, Sérgio N. A. Alberto Nepomuceno – Catálogo Geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Funarte/Coordenação de

Música, 1996.DAHLHAUS, Carl. Between Romanticism and Modernism. Berkeley, Los Angeles: University of California Press,

1980.____. Nineteenth-Century Music. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1989.____. Musikwissenschaft und systematische Musikwissenschaft. In: Systematische Musikwissenschaft. C. Dahlhaus

e H. de la Motte-Haber, org. Wiesbaden: Akademische Verlagsgesellschaft Athenaion. 1982. p.25-48.Enciclopédia de Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª ed. Org. MARCONDES, Marcos. São Paulo: Art

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Vozes, 1997.Glosas. A Tribuna. Rio de Janeiro. 11 jun. 1904.GRIER, James. The Critical Editing of Music – history, method, and practice. Cambridge: Cambridge University

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30 ago. 1906.NATTIEZ, Jean-Jacques. Music and Discourse: Toward a Semiology of Music. New Jersey: Princeton University

Press, 1990.THEATROS E MÚSICA. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro. 30 ago. 1906.

Luiz Guilherme Duro Goldberg é professor de piano no Conservatório de Música da Universidade Federal dePelotas (UFPel), RS. Especialista em Música e Indústria Cultural, pela Universidade Federal de Uberlândia, UFU, eMestre em Música - Práticas Interpretativas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, têm sededicado à pesquisa e publicação de obras de autores brasileiros, destacando-se obras até então inéditas de AlbertoNepomuceno, Henrique Oswald, Luiz Cosme, entre outros.

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