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8/2/2019 Peter Haberle e Stf
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Observatrio da Jurisdio ConstitucionalISSN 1982-4564
Ano 2, 2008/2009
OBSERVATRIO DA JURISDIO CONSTITUCIONAL. Braslia: IDP, Ano 2, 2008/2009. ISSN 1982-4564.
O pensamento de Peter Hberle na jurisprudncia do SupremoTribunal Federal
Gilmar Ferreira Mendes1
com a colaborao de Andr Rufino do Vale2
1. Introduo. 2. Amicus curiae e audinciaspblicas. 3. Pensamento de possibilidades. 4.Tempo e Constituio: a mutao constitucional.5. Estado constitucional cooperativo. 6.Concluses
1. Introduo
Peter Hberle certamente um dos maiores constitucionalistas de nosso
tempo e, no seria demais considerar, um dos grandes nomes da histria do
constitucionalismo ocidental. Essa no , de nenhuma maneira, uma afirmao vaga ou
imprecisa, e muito menos hiperblica. A difuso transnacional de seu pensamento,
quase sempre acompanhada de processos formais de institucionalizao de estruturas,
organismos e procedimentos voltados implementao prtica dos institutos por ele
concebidos em nvel doutrinrio, capaz de revelar os slidos fundamentos que suas
criaes fornecem para o desenvolvimento do Estado constitucional em tempos
1 Presidente do Supremo Tribunal Federal; Presidente do Conselho Nacional de Justia; Professor deDireito Constitucional nos cursos de graduao e ps-graduao da Faculdade de Direito da Universidadede Braslia-UnB; Mestre em Direito pela Universidade de Braslia - UnB (1988); Mestre em Direito pelaUniversidade de Mnster, Repblica Federal da Alemanha - RFA (1989); Doutor em Direito pelaUniversidade de Mnster, Repblica Federal da Alemanha - RFA (1990); Membro Fundador do InstitutoBrasiliense de Direito Pblico IDP; Membro do Conselho Assessor do Anuario Iberoamericano deJusticia Constitucional Centro de Estudios Polticos y Constitucionales - Madri, Espanha; Membro daAcademia Brasileira de Letras Jurdicas; Membro da Academia Internacional de Direito e Economia AIDE.2 Assessor-Chefe da Presidncia do Supremo Tribunal Federal; Mestre em Direito pela Universidade deBraslia; Professor do Instituto Brasiliense de Direito Pblico; Membro do Conselho de Direo da Rede
Iberoamericana de Assessores Constitucionais; Membro da Comisso do Programa REDIR Rede dePromoo e Defesa de Direitos Fundamentais, do Conselho Nacional de Justia. Editor-Chefe doObservatrio da Jurisdio Constitucional ISSN 1982 4564.
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hodiernos3.
As duas ltimas dcadas tm sido marcadas pela difuso dos sistemas de jurisdio constitucional em novas democracias, principalmente na Europa oriental,
sia e Amrica Latina4, assim como pelo fortalecimento e consolidao do arcabouo
institucional do Estado constitucional em diversos pases, processos nos quais o
pensamento de Peter Hberle tem contribudo de forma decisiva, como possvel
observar em pases como Peru, Mxico e Argentina5. Nesse aspecto, seu especial
interesse pela Amrica Latina resultou na ideia de construo de um direito
constitucional comum latinoamericano, por meio da identificao dos elementosculturais das Constituies do continente, o que contribui para o processo de integrao
constitucional e, dessa forma, para o fortalecimento da regio como comunidade
3 O Prof. Dr. Dr.h.c.mult. Peter Hberle professor titular aposentado de Direito Pblico e Filosofia doDireito da Universidade de Bayreuth, na Repblica Federal da Alemanha, e, atualmente, desempenha asfunes de diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurdica Europia, do mesmo centrouniversitrio. Nascido em Gppingen, Alemanha, em 1934, o Professor Peter Hberle estudou nasUniversidades de Tbingen, Bonn, Montpellier (Frana) e Freiburg. Em sua tese de doutoramento, tratou,com brilhantismo, sobre o contedo essencial dos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn.
Seu trabalho como pesquisador foi objeto de numerosas distines honrosas, entre as quais os ttulos dedoutorHonoris Causa pelas Universidades de Atenas, em 1994, pela Universidade de Granada, em 2002,e pela Pontifcia Universidade Catlica do Peru, em 2004. Em 1998, foi contemplado com o prmio depesquisa por cooperao internacional do Max Planck Institut (Max-Planck-Forschungspreis frInternationale Kooperation). Sua obra extensa, compondo-se de centenas de artigos e mais de vintemonografias, com aportes fundamentais para a doutrina constitucional europia e mundial, em diversasobras, como Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz (1962) (A garantia do ncleoessencial dos direitos fundamentais na Lei Fundamental), ffentliches Interesse als juristisches Problem(1970) (Interesse Pblico como problema jurdico), Verfassungsgerichtsbarkeit (1976) (JurisdioConstitucional), Verfassung als ffentlicher Prozess (1978) (Constituio como Processo Pblico), DieVerfassung des Pluralismus (1980) (A Constituio do pluralismo), Verfassungslehre alsKulturwissenschaft (1982) (Teoria da Constituio como cincia da cultura), Das Menschenbild imVerfassungsstaat(1988) (O Homem no Estado Constitucional), dentre outras. Em setembro de 2005, a
Universidade de Braslia UnB concedeu-lhe o ttulo de Doutor Honoris Causa, reconhecendo suainestimvel contribuio ao desenvolvimento da cincia jurdica e sua crescente influncia no Brasil.4Cfr.: GINSBURG, Tom. Judicial review in new democracies. Constitutional Courts in Asian cases.
New York: Cambridge University Press; 2003. HIRSCHL, Ran. Towards Juristocracy. The origins andconsequences of the new constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press; 2004.5 Sobre a influncia da doutrina de Peter Hberle no Peru, vide: LANDA ARROYO, Cesar. TribunalConstitucional y Estado Democrtico. Lima: Palestra; 2007. No Mxico, vide: HBERLE, Peter. Elestado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. Mxico: Universidad Nacional Autnoma de Mxico,2003. Na Argentina, vide: HBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Buenos Aires: Astrea; 2007. Nocontexto iberoamericano, h diversas tradues das obras de Peter Hberle: Retos actuales del Estadoconstitucional, IVAP, nati, 1996.La libertad fundamental en el Estado constitucional, Lima, PontificiaUniversidad Catlica del Per, 1997. Libertad, igualdad y fraternidad: 1789 como historia, actualidad y
futuro del Estado constitucional, Madrid, Trotta, 1998. Teora de la Constitucin como ciencia de la
cultura, Madrid, Tecnos, 2000. La imagen del ser humano dentro del Estado constitucional, Lima,Pontificia Universidad Catlica del Per, 2001. Pluralismo y Constitucin: estudios de TeoraConstitucional de la sociedad abierta, Madrid Tecnos, 2002.
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poltica e cultural.
No Brasil, desde a primeira traduo, para o portugus, da obraHermenutica Constitucional: Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio -
contribuio para a Interpretao Pluralista e Procedimental da Constituio6, a
doutrina de Peter Hberle tem sido incorporada com evidente vivacidade, seja no
mbito acadmico, por meio da vertiginosa produo bibliogrfica ou da prtica docente
e discente nas faculdades de direito, seja pelos poderes constitudos, na forma de
produo legislativa e na jurisprudncia dos tribunais.
No mbito legislativo, a Lei n 9.868/99, ao institucionalizar a figura do
amicus curiae na jurisdio constitucional brasileira, representa um eloquente exemplo
da forte influncia da doutrina de Hberle que propugna por uma interpretao aberta e
pluralista da Constituio.
Na jurisprudncia, decises proferidas pelo Supremo Tribunal Federal
em tempos recentes demonstram a inestimvel contribuio de Peter Hberle ao
desenvolvimento do direito constitucional no Brasil, o que ser objeto dasconsideraes a seguir, divididas em quatro tpicos temticos centrais de seu
pensamento: 1)Amicus curiae e audincias pblicas; 2) Pensamento de possibilidades;
3) Tempo e Constituio: a mutao constitucional; 4) Estado constitucional
cooperativo.
2.Amicus curiae e audincia pblicas
O Supremo Tribunal Federal tem aperfeioado os mecanismos deabertura do processo constitucional a uma cada vez maior pluralidade de sujeitos. A Lei
n 9.868/99, em seu art. 7, 2, permite que a Corte Constitucional admita a
interveno no processo de rgos ou entidades, denominados amici curiae, para que
estes possam se manifestar sobre a questo constitucional em debate.
6
HBERLE, Peter. Hermenutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio:contribuio para a Interpretao Pluralista e Procedimental da Constituio. Traduo de GilmarFerreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
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Esse modelo pressupe no s a possibilidade de o Tribunal se valer de
todos os elementos tcnicos disponveis para a apreciao da legitimidade do ato
questionado, mas tambm um amplo direito de participao por parte de terceiros
interessados.
Os denominados amici curiae possuem, atualmente, ampla participao
nas aes do controle abstrato de constitucionalidade e constituem peas fundamentais
do processo de interpretao da Constituio por parte do Supremo Tribunal Federal.
Assim, possvel afirmar que a Jurisdio Constitucional no Brasil
adota, hoje, um modelo procedimental que oferece alternativas e condies as quais
tornam possvel, de modo cada vez mais intenso, a interferncia de uma pluralidade de
sujeitos, argumentos e vises no processo constitucional.
Alm da interveno de amicus curiae, a Lei n 9.868/99 (art. 9)
permite que o Supremo Tribunal Federal, em caso de necessidade de esclarecimento de
matria ou circunstncia de fato, requisite informaes adicionais, designe peritos ou
comisso de peritos para que emitam parecer sobre a questo constitucional em debate,e realize audincias pblicas destinadas a colher o depoimento de pessoas com
experincia e autoridade na matria.
O Tribunal tem utilizado amplamente esses novos mecanismos de
abertura procedimental, com destaque para as audincias pblicas recentemente
realizadas no mbito das aes do controle abstrato de constitucionalidade.
Na Ao Direta de Inconstitucionalidade n 3.510/DF7
, na qual sediscutiu a constitucionalidade da pesquisa cientfica com clulas-tronco embrionrias, a
audincia pblica realizada no dia 20 de abril de 2007 contou com a participao de
especialistas na matria (pesquisadores, acadmicos e mdicos), alm de diversas
entidades da sociedade civil8, e produziu uma impressionante gama de informaes e
7 STF, Pleno, ADI n 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, julg. 29.5.2008.8
Cfr.: MARTINS, Tahinah Albuquerque. Audincia Pblica na Ao Direta de Inconstitucionalidade3510/DF: Breves Consideraes. Observatrio da Jurisdio Constitucional, Instituto Brasiliense deDireito Pblico, Braslia, ano 1, out. 2007.
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dados que permitiram ao Tribunal, no julgamento definitivo da ao (em 29.5.2008),
realizar um efetivo controle e reviso de fatos e prognoses legislativos e apreciar o tema
em suas diversas conotaes jurdicas, cientficas e ticas. O resultado foi a declarao
de constitucionalidade do art. 5 da Lei 11.105/2005, mas por uma maioria de 6 votos
contra outros 5 votos que continham dispositivos diversificados fundados em distintos
aspectos dessa complexa questo constitucional, alguns deles representando verdadeiras
sentenas aditivas com contedo manipulativo dos sentidos normativos da lei
impugnada9. O que ficou marcado nesse julgamento, de toda forma, foi a ampla
participao de mltiplos segmentos da sociedade, o que fez da Corte um foro de
argumentao e de reflexo com eco na coletividade e nas instituies democrticas.
Outras audincias pblicas foram realizadas pelo Supremo Tribunal
Federal em aes cujo julgamento ainda no foi concludo. Na Arguio de
Descumprimento de Preceito Fundamental n 101, a audincia pblica realizada no dia
27 de junho de 2008 debateu o tema da importao de pneus usados e sua problemtica
em face dos princpios constitucionais que protegem o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Na Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental n 54, foram
realizadas audincias pblicas nos dias 26 e 28 de agosto e 4 de setembro de 2008 para
discutir o complexo tema do aborto de fetos anencfalos. Em ambas as aes esperam-
se julgamentos repletos de discusses que reflitam os argumentos levantados por
diversos segmentos da sociedade civil, o que certamente propiciar maior legitimidade
democrtica para as decises que sero proferidas.
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal j conta com normas
que preveem as competncias e o procedimento de convocao e realizao dasaudincias pblicas (Emenda Regimental n 29, de 18 de fevereiro de 2009).
Em 5 de maro de 2009, a Presidncia da Corte, com fundamento nas
referidas regras regimentais, convocou audincia pblica para discusso de diversas
9Confiram-se os votos dos Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso
e Gilmar Mendes (Presidente).
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questes relacionadas sade pblica no Brasil10. As informaes e os dados
produzidos nessa audincia podem ser utilizados para a instruo de qualquer processo
no mbito do Tribunal que discuta matria relativa aplicao de normas
constitucionais em tema de sade pblica.
Importante ressaltar que o art. 154 do Regimento prescreve que as
audincias pblicas devem ser transmitidas pela TV Justia e pela Rdio Justia, o que
torna possvel o conhecimento geral, irrestrito e imediato, por parte de toda a populao,
dos debates produzidos nas audincias. Assim, no h dvida de que o STF conta,
atualmente, com eficientes canais de comunicao e de participao democrticas emrelao s suas atividades11.
10 Despacho de Convocao de Audincia Pblica, de 5 de maro de 2009, do Presidente do SupremoTribunal Federal. Entre outras, a Audincia Pblica Sade se destina a debater as seguintes questes: 1)Responsabilidade dos entes da federao em matria de direito sade; 2) Obrigao do Estado defornecer prestao de sade prescrita por mdico no pertencente ao quadro do Sistema nico de Sadeou sem que o pedido tenha sido feito previamente Administrao Pblica; 3) Obrigao do Estado decustear prestaes de sade no abrangidas pelas polticas pblicas existentes; 4) Obrigao do Estado dedisponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais no registrados na Agncia Nacional de
Vigilncia Sanitria ou no aconselhados pelos Protocolos Clnicos do SUS; 5) Obrigao do Estado defornecer medicamento no licitado e no previsto nas listas do SUS; 6) Fraudes ao Sistema nico deSade.11 O Supremo Tribunal Federal conta com diversos mecanismos de aproximao com a sociedade, dentreos quais sobressaem a TV Justia, a Rdio Justia e a Central do Cidado. A TV Justia um canal deteleviso pblico de carter institucional administrado pelo Supremo Tribunal Federal e tem comopropsito ser um espao de comunicao e aproximao entre os cidados e o Poder Judicirio, oMinistrio Pblico, a Defensoria Pblica e a Advocacia. Alm de preencher uma lacuna deixada pelasemissoras comerciais em relao s notcias ligadas s questes judicirias, o trabalho da emissora desenvolvido na perspectiva de informar, esclarecer e ampliar o acesso Justia, buscando tornartransparentes suas aes e decises. A emissora tem como principal objetivo conscientizar a sociedadebrasileira em favor da independncia do Judicirio, da justia, da tica, da democracia e dodesenvolvimento social e proporcionar s pessoas o conhecimento sobre seus direitos e deveres.
A Rdio Justia uma emissora pblica de carter institucional administrada pelo Supremo TribunalFederal. As transmisses em FM comearam em 5 de maio de 2004. Alm da freqncia 104,7 MHz, aemissora tambm sintonizada via satlite e pela internet. Ao tratar os temas jurdicos em profundidade,a Rdio Justia busca evitar que assuntos importantes e complexos sejam abordados superficialmente.Alm da produo de notcias por equipe prpria, jornalistas de outros tribunais e de entidades ligadas aoPoder Judicirio so correspondentes da Rdio Justia em todos os estados.
Atualmente, um dos principais canais de comunicao entre a sociedade e o Tribunal a Central doCidado. Na forma do art. 2 da Resoluo no 361, de 21 de maio de 2008, a misso da Central doCidado servir de canal de comunicao direta entre o cidado e o Supremo Tribunal Federal, comvistas a orientar e transmitir informaes sobre o funcionamento do Tribunal, promover aes que visem melhoria contnua do atendimento das demandas, colaborar na tomada de deciso destinada asimplificar e modernizar os processos de entrega da Justia, ampliando seu alcance, bem como elevar ospadres de transparncia, presteza e segurana das atividades desenvolvidas no Tribunal. Nessa linha de
atuao, compete Central do Cidado, de acordo com o art. 3 da referida Resoluo: I receberconsultas, diligenciar junto aos setores administrativos competentes e prestar as informaes e osesclarecimentos sobre atos praticados no Tribunal ou de sua responsabilidade; II receber informaes,
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No caso dos amici curiae, a Corte j reconheceu, inclusive, o direito
desses rgos ou entidades de fazer sustentao oral nos julgamentos (ADI-QO 2.777,
Rel. Min. Cezar Peluso, julg. 26.11.2003; art. 131, 3, do Regimento Interno do STF),
o que antes ficava restrito ao advogado da parte requerente, ao Advogado-Geral da
Unio e ao Ministrio Pblico.
Essa nova realidade enseja, alm do amplo acesso e participao de
sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a
possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional contemplar as diversas perspectivas
na apreciao da legitimidade de um determinado ato questionado.
inegvel que essa abertura do processo constitucional foi fortemente
influenciada, no Brasil, pela doutrina de Peter Hberle12.
A propsito, observe-se que Peter Hberle defende a necessidade de que
os instrumentos de informao dos juzes constitucionais sejam ampliados,
especialmente no que se refere s audincias pblicas e s intervenes de eventuais
interessados, assegurando-se novas formas de participao das potncias pblicaspluralistas como intrpretes em sentido amplo da Constituio.
Destarte, no h como negar a comunicao entre norma e fato
(Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt), a qual constitui condio da prpria
interpretao constitucional. que o processo de conhecimento envolve a investigao
integrada de elementos fticos e jurdicos13.
sugestes, reclamaes, denncias, crticas e elogios sobre as atividades do Tribunal e encaminhar taismanifestaes aos setores administrativos competentes, mantendo o interessado sempre informado sobreas providncias adotadas; III intermediar a interao entre as unidades internas para soluo dosquestionamentos recebidos; IV sugerir ao Presidente polticas administrativas tendentes melhoria e aoaperfeioamento das atividades desenvolvidas pelas unidades administrativas, com base nas informaes,sugestes, reclamaes, denncias crticas e elogios recebidos; V realizar, em parceria com outrossetores do Tribunal, eventos destinados ao esclarecimento dos direitos do cidado, incentivando aparticipao popular e promovendo internamente a cultura da instituio voltada para os interesses e asnecessidades do cidado; VI manter e garantir, a pedido ou sempre que a situao exigir, o sigilo dafonte das sugestes, reclamaes, denncias, crticas e elogios; VII encaminhar ao Presidente doSupremo Tribunal Federal relatrio trimestral das atividades desenvolvidas pela Central do Cidado.12 Hberle, Peter. Hermenutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intrpretes da Constituio:
contribuio para a Interpretao Pluralista e Procedimental da Constituio. Traduo de GilmarFerreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.13 MARENHOLZ, Ernst Gottfried, Verfassungsinterpretation aus praktischer Sicht, in: Verfassungsrecht
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Se no processo de controle de constitucionalidade inevitvel a
verificao de fatos e prognoses legislativos, possvel constatar a necessidade de
adoo de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal as condies suficientes
para proceder a essa aferio.
Assim, certo que, ao cumprir as funes de Corte Constitucional, o
Tribunal no pode deixar de exercer a sua competncia, especialmente no que se refere
defesa dos direitos fundamentais em face de uma deciso legislativa, sob a alegao
de que no dispe dos mecanismos probatrios adequados para examinar a matria.
Evidente, assim, que essa frmula procedimental aberta constitui um
excelente instrumento de informao para a Corte Suprema.
No h dvida de que a participao de diferentes grupos em processos
judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma funo de integrao
extremamente relevante no Estado de Direito.
Ao ter acesso a essa pluralidade de vises em permanente dilogo, o
Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefcios decorrentes dos subsdios
tcnicos, implicaes poltico-jurdicas e elementos de repercusso econmica que
possam vir a ser apresentados pelos amigos da Corte.
Essa inovao institucional, alm de contribuir para a qualidade da
prestao jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimao dos julgamentos do
Tribunal no mbito de sua tarefa precpua de guarda da Constituio.
Enfim, a admisso de amicus curiae confere ao processo constitucional
um colorido diferenciado, emprestando-lhe carter pluralista e aberto, fundamental para
o reconhecimento de direitos e a realizao de garantias constitucionais no Estado
Democrtico de Direito.
3. O pensamento de possibilidades
zwischen Wissenschaft und Richterkunst, Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990,p. 53 (54).
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A Constituio no uma norma fechada, mas sim um projeto em
contnuo desenvolvimento, representativo de conquistas e experincias e ao mesmo
tempo aberto evoluo e utopia. No Estado Constitucional, a interpretao da
Constituio, portanto, no deve ser realizada segundo a lgica do um ou outro
(Entweder-oder), mas de acordo com um pensamento permanentemente aberto a
mltiplas alternativas e possibilidades.
Peter Hberle o mais expressivo defensor dessa forma de pensar o
direito constitucional nos tempos hodiernos, entendendo ser o pensamento jurdico do
possvel expresso, conseqncia, pressuposto e limite de uma interpretaoconstitucional aberta14.
Nessa medida, e essa parece ser uma das importantes consequncias da
orientao perfilhada por Hberle, uma teoria constitucional das alternativas pode
converter-se numa teoria constitucional da tolerncia15. Da perceber-se tambm que a
alternativa como pensamento possvel afigura-se relevante, especialmente no evento
interpretativo: na escolha do mtodo, tal como verificado na controvrsia sobre a tpica
como fora produtiva de interpretao16.
A propsito, anota Hberle:
O pensamento do possvel o pensamento em alternativas. Deve estaraberto para terceiras ou quartas possibilidades, assim como paracompromissos. Pensamento do possvel pensamento indagativo( fragendes Denken). Na res publica existe um ethos jurdico especficodo pensamento em alternativa, que contempla a realidade e anecessidade, sem se deixar dominar por elas. O pensamento do possvelou o pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas paranovas realidades, para o fato de que a realidade de hoje pode corrigir ade ontem, especialmente a adaptao s necessidades do tempo de umaviso normativa, sem que se considere o novo como o melhor17.
14 Hberle, Peter. Demokratische Verfassungstheorie im Lichte des Mglichkeitsdenken, in: DieVerfassung des Pluralismus, Knigstein/TS, 1980, p. 9.15
Hberle, Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 6.16 Hberle, Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 7.17 Hberle, Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 3.
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Nessa linha, observa Hberle que para o estado de liberdade da res
publica afigura-se decisivo que a liberdade de alternativa seja reconhecida por aqueles
que defendem determinadas alternativas. Da ensinar que no existem apenas
alternativas em relao realidade, existem tambm alternativas em relao a essas
alternativas18.
O pensamento do possvel tem uma dupla relao com a realidade. Uma
de carter negativo: o pensamento do possvel indaga sobre o tambm possvel,
sobre alternativas em relao realidade, sobre aquilo que ainda no real. O
pensamento do possvel depende tambm da realidade em outro sentido: possvel apenas aquilo que pode ser real no futuro (Mglich ist nur was in Zukunft wirklich sein
kann). a perspectiva da realidade (futura) que permite separar o impossvel do
possvel19.
Segundo a lio de Scheuner, citada por Hberle, a Constituio, para ter
preservada sua fora regulatria em uma sociedade pluralista, no pode ser vista como
texto acabado ou definitivo, mas sim como projeto (Entwurf) em desenvolvimento
contnuo20.
O pensamento de possibilidades como pressuposto e expresso de uma
interpretao constitucional aberta tem sido adotado pelo Supremo Tribunal Federal na
soluo de questes constitucionais diversas.
A anlise da deciso do Supremo Tribunal Federal na ADI n 1.28921
mostra, de forma evidente, a adoo, na espcie, de um pensamento do possvel, tal
como concebido no pensamento de Peter Hberle. A ementa do julgado assim deixou
consignado o resumo da deciso do Tribunal:
EMENTA: Ao Direta de Inconstitucionalidade. 2. Embargos Infringentes.Cabimento, na hiptese de recurso interposto antes da vigncia da Lei n 9.868,de 10 de novembro de 1999. 3. Cargos vagos de juzes do TRT. Composio delista. 4. Requisitos dos arts. 94 e 115 da Constituio: quinto constitucional elista sxtupla. 5. Ato normativo que menos se distancia do sistema
18 Hberle, Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 6.19
Hberle,Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p.10.20 Hberle,Peter.Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 4.21 STF, Pleno, ADI-EI n 1.289-4/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 3.4.2003.
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constitucional, ao assegurar aos rgos participantes do processo a margem deescolha necessria. 6. Salvaguarda simultnea de princpios constitucionais emlugar da prevalncia de um sobre outro. 7. Interpretao constitucionalaberta que tem como pressuposto e limite o chamado pensamento jurdicodo possvel. 8. Lacuna constitucional. 9. Embargos acolhidos para que sejareformado o acrdo e julgada improcedente a ADI 1.289, declarando-se aconstitucionalidade da norma impugnada. (grifado)
A Constituio brasileira, em seu art. 94, prescreve que um quinto dos
lugares nos Tribunais Regionais e Estaduais ser composto de membros do Ministrio
Pblico e de advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional,
indicados em lista sxtupla pelos rgos de representao das respectivas classes. No
caso, o Supremo Tribunal enfrentou a questo de saber se, ante a inexistnciatemporria de membros do Ministrio Pblico com mais de dez anos de carreira,
poderiam concorrer a vagas em Tribunal Regional do Trabalho outros membros que no
cumprissem o mencionado requisito constitucional.
O Tribunal procurou adotar soluo que propiciasse, na maior medida
possvel, a realizao dos princpios constitucionais em questo, permitindo a
participao de membros do Ministrio Pblico na composio do Tribunal trabalhista.
Ao assentar que um dos valores constitucionais para a composio de rgos judiciais
era a observncia do denominado quinto constitucional, o Tribunal chamou a ateno
para um elemento que assume valor mpar nas sociedades pluralistas: a composio
plural dos rgos judiciais.
No Brasil, o princpio do quinto constitucional rende notria homenagem
a esse valor, permitindo que as Cortes tenham, necessariamente, uma composio
diversificada. A no-satisfao do princpio do quinto constitucional configura,portanto, um desvalor que, certamente, no encontra respaldo na estrutura constitucional
brasileira, tal como anotado na deciso do STF.
Ademais, cumpre observar que, ao consagrar o critrio da lista sxtupla
composta por procuradores que ainda no preenchiam o requisito temporal, no caso de
falta de membros habilitados, atendeu-se a outro valor, igualmente importante para o
texto constitucional: o respeito liberdade de escolha por parte do Tribunal e do prprio
Poder Executivo. Do contrrio, restaria prejudicado o equilbrio que o texto
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constitucional pretendeu formular para o sistema de escolha: participao da classe na
formao da lista sxtupla; participao do Tribunal na escolha da lista trplice e
participao do Executivo na escolha de um dos nomes. A formao incompleta da lista
sxtupla ou at mesmo o envio de um ou dois nomes que preenchessem todos os
requisitos constitucionais acabaria por afetar o modelo original concebido pelo
constituinte, reduzindo ou eliminando a participao do Tribunal e do Executivo no
processo de escolha.
Portanto, entre as interpretaes cogitveis, aquela que mais se aproxima
desse pensamento do possvel, na espcie, exatamente a perfilhada na deciso doSTF, que, como se v, logra realizar os princpios em eventual tenso dialtica sem
comprometer aspectos fundamentais da complexa deciso constitucional, ou seja,
respeita-se o princpio do quinto constitucional e a clusula da lista sxtupla, que,
menos do que a revelao de um nmero cabalstico, contm uma definio em favor da
liberdade relativa de escolha por parte do Tribunal e do Poder Executivo.
Muito mais distante da vontade constitucional seria a composio do
Tribunal sem a participao dos integrantes do Ministrio Pblico, significa dizer, sem a
observncia do princpio do quinto constitucional. Da mesma forma, haveria de revelar-
se distante do texto constitucional a composio da lista com nmero inferior ao
estabelecido constitucionalmente, afetando o modelo j restrito de liberdade de escolha.
No h dvida, pois, de que, entre os caminhos possveis de serem trilhados, adotou-se
aquele que mais se aproximava da integridade da deciso constitucional, respeitando o
princpio do quinto constitucional e a liberdade de escolha dos rgos dos Poderes
Judicirio e Executivo.
No difcil encontrar outros exemplos do pensamento do possvel na
rica jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, no raras vezes assentada na eventual
configurao de uma omisso ou lacuna constitucional. So exemplos notrios desse
pensamento as decises do Tribunal que reconheceram a existncia de uma situao
jurdica ainda constitucional relativamente a algumas normas aplicveis s defensorias
pblicas.
De certa forma, o precedente firmado no Recurso Extraordinrio n
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135.32822 e consolidado no Recurso Extraordinrio no 147.77623 parece aquele que
melhor expressa a ideia de omisso ou lacuna constitucional apta a justificar a
interpretao compreensiva do texto constitucional e das situaes jurdicas pr-
constitucionais.
A ementa do acrdo no RE n 147.776 revela, por si s, o significado da
deciso para a verso brasileira do pensamento constitucional do possvel:
Ementa: Ministrio Pblico: Legitimao para promoo, no juzo cvel, doressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito reparao: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135.328): processode inconstitucionalizao das leis.
1. A alternativa radical da jurisdio constitucional ortodoxa entre aconstitucionalidade plena e a declarao de inconstitucionalidade ou revogaopor inconstitucionalidade da lei com fulminante eficcia ex tunc faz abstraoda evidncia de que a implementao de uma nova ordem constitucional no um fato instantneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realizao danorma da constituio ainda quanto teoricamente no se cuide de preceito deeficcia limitada subordina-se muitas vezes a alteraes da realidade fcticaque a viabilizem.
2. No contexto da Constituio de 1988, a atribuio anteriormente dada aoMinistrio Pblico pelo art. 68, C. Pr. Penal constituindo modalidade deassistncia judiciria deve reputar-se transferida para a Defensoria Pblica:essa, porm, para esse fim, s se pode considerar existente, onde e quandoorganizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da prpria Constituioe da lei complementar por ela ordenada: at que na Unio ou em cada Estadoconsiderado , se implemente essa condio de viabilizao da cogitadatransferncia constitucional de atribuies, o art. 68, C. Pr. Pen ser consideradoainda vigente: o caso do Estado de So Paulo, como decidiu o plenrio no RE135.328 (RECrim 147.776-8, Rel. Seplveda Pertence, Lex-JSTF, 238, p. 390).
Tambm aqui se identificou uma lacuna no texto constitucional, que, ao
outorgar a atribuio de assistncia judiciria s defensorias pblicas, no ressalvou as
situaes jurdicas reguladas de maneira diversa no direito pr-constitucional ausncia
de clusula transitria , especialmente naquelas unidades federadas que ainda no
haviam institudo os rgos prprios de defensoria. Destarte, a justificativa para a
manuteno do direito pr-constitucional fez-se com base numa disposio transitria
22 STF, Pleno, RE n 135.328-7/SP, Rel. Min. Marco Aurlio, julg. 29.6.1994.23 STF, Pleno, RE n 147.776-8/SP, Rel. Min. Seplveda Pertence, julg. 19.5.1998.
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implcita, que autorizava a aplicao do modelo legal pr-constitucional at a completa
implementao do novo sistema previsto na Constituio.
Assim, tambm na citada deciso na ADI 1.289, pareceu legtimo ao
Tribunal admitir que a regra constitucional continha uma lacuna: a no-regulao das
situaes excepcionais existentes na fase inicial de implementao do novo modelo
constitucional. No tendo a matria sido regulada em disposio transitria, parece
adequado que o prprio intrprete possa faz-lo em consonncia com o sistema
constitucional. E, tal como demonstrado, a aplicao que menos se distancia do sistema
formulado pelo constituinte parece ser aquela que admite a composio da lista comprocuradores do trabalho que ainda no preenchiam o requisito concernente ao tempo de
servio. Assegurou-se aos rgos participantes do processo a margem de escolha
necessria dentre procuradores com tempo de servio inferior a 10 anos, na hiptese de
inexistncia de candidatos que preenchessem o requisito temporal fixado.
Outros exemplos de aplicao do pensamento do possvel so
encontrados na jurisprudncia do STF.
Na Suspenso de Segurana n 3.15424, entendeu-se que, num quadro
ftico extraordinrio, em que as finanas do Estado-membro estejam em colapso, a
interpretao da garantia do pagamento em dia da remunerao dos servidores pblicos
estaduais, segundo um pensamento de possibilidades, enseja a alternativa de
prorrogao excepcional e momentnea, por alguns dias, de parte do efetivo pagamento
da remunerao. Isso porque a eficcia plena da norma constitucional dependeria de um
estado de normalidade das finanas estaduais. Entendeu-se, assim, que, sem desbordar
dos parmetros constitucionais de razoabilidade e proporcionalidade, pode o Estado,
sem reduzir o valor especfico da remunerao, prorrogar por alguns dias parte do
pagamento, ante absoluta impossibilidade financeira.
No Mandado de Segurana n 26.69025, o Tribunal mais uma vez se
deparou com a ausncia de regras de transio destinadas a solucionar situaes no
24 STF, Presidncia, SS n 3.154-6/RS, Rel. Min. Presidente, julg. 28.3.2007.25 STF, Pleno, MS n 26.690/DF, Rel. Min. Eros Grau, julg. 3.9.2008.
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abrangidas por novos preceitos constitucionais. No caso, questionava-se a possibilidade
de que membro do Ministrio Pblico estadual pudesse participar de concurso pblico
para cargo no Ministrio Pblico Federal, sem preencher o requisito constitucional de
trs anos de atividade jurdica. Na hiptese, o novo requisito constitucional de trs anos
de atividade jurdica havia sido implementado pela Emenda Constitucional n 45/2004,
aps a aprovao da candidata no concurso de Promotor de Justia do Ministrio
Pblico Estadual. No entanto, quando a mesma candidata pretendeu realizar concurso
pblico para o Ministrio Pblico Federal, j estava vigente o novo requisito
constitucional. O Tribunal encontrou-se ento diante de situao singular, em que um
membro do Ministrio Pblico Estadual no poderia, em princpio, participar de
certame pblico para preencher vaga no Ministrio Pblico Federal. A soluo
encontrada foi interpretar a nova norma constitucional levando em conta a
excepcionalidade da situao, ocorrida em momento de transio constitucional, o que
requereria a aplicao de um tpico pensamento do possvel, tal como j feito pelo
Tribunal no citado julgamento da ADI 1.289. Assim, entendeu o Tribunal que, diante da
notria contradio ftica surgida em momento de transio de regimes jurdicos, e
tendo em vista o princpio da isonomia aplicvel, na espcie, para igualar a situao dosmembros dos Ministrios Pblicos Federal e Estadual, submetidos que esto a um
mesmo regime constitucional (art. 128 da Constituio), a soluo mais consentnea
com a ordem constitucional seria a permisso excepcional para que a candidata
participasse do concurso mesmo sem preencher o requisito constitucional dos trs anos
de atividade jurdica.
A anlise desses julgados faz transparecer a constatao de que o
pensamento do possvel, na medida em que permite a interpretao constitucional aberta
a novas alternativas e incentiva a adaptabilidade do texto evoluo social constante de
uma sociedade complexa e plural, constitui tambm um modo de pensar sobre a relao
entre tempo e Constituio (Zeit und Verfassung) e, desse modo, sobre o fenmeno da
mutao constitucional, cujo tratamento pela obra de Peter Hberle tambm tem sido
incorporado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil.
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4. Tempo e Constituio: a mutao constitucional
Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoriaconstitucional seja aquele relativo evoluo jurisprudencial e, especialmente, a
possvel mutao constitucional. Se a sua repercusso no plano material inegvel, so
inmeros os desafios no plano do processo em geral e, em especial, do processo
constitucional.
Retira-se da obra de Peter Hberle a observao segundo a qual no
existe norma jurdica, seno norma jurdica interpretada (Es gibt keine Rechtsnormen, es
gibt nur interpretierte Rechtsnormen). Interpretar um ato normativo nada mais do que
coloc-lo no tempo ou integr-lo na realidade pblica (Einen Rechssatz auslegen
bedeutet, ihn in die Zeit, d.h. in die ffentliche Wirklichkeit stellen um seiner
Wirksamkeit willen). Por isso, Hberle introduz o conceito de ps-compreenso
(Nachverstndnis), entendido como o conjunto de fatores temporalmente condicionados
com base nos quais se compreende supervenientemente uma dada norma. A ps-
compreenso nada mais seria, para Hberle, do que apr-compreenso do futuro, isto ,
o elemento dialtico correspondente da idia de pr-compreenso26.
Tal concepo permite a Hberle afirmar que, em sentido amplo, toda lei
interpretada no apenas as chamadas leis temporrias uma lei com durao
temporal limitada ( In einem weiteren Sinne sind alle interpretierten Gesetzen
Zeitgesetze nicht nur die zeitlich befristeten). Em outras palavras, a norma,
confrontada com novas experincias, transforma-se necessariamente em uma outra
norma.
Essa reflexo e a ideia segundo a qual a atividade hermenutica nada
mais do que um procedimento historicamente situado autorizam Hberle a realar que
uma interpretao constitucional aberta prescinde do conceito de mutao
constitucional (Verfassungswandel) como categoria autnoma.
26
HBERLE, Peter. Zeit und Verfassung. in: DREIER, Ralf; SCHWEGMANN, Friedrich. Probleme derVerfassungsinterpretation. Nomos,Baden-Baden, 1976, p.312-313.
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Nesses casos, fica evidente que o Tribunal no poder fingirque sempre
pensara dessa forma. Da a necessidade de, em tais casos, fazer-se o ajuste do resultado,
adotando-se tcnica de deciso que, tanto quanto possvel, traduza a mudana de
valorao. No plano constitucional, esses casos de mudana na concepo jurdica
podem produzir uma mutao normativa ou a evoluo na interpretao, permitindo
que venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade de situaes anteriormente
consideradas legtimas. A orientao doutrinria tradicional, marcada por uma
alternativa rigorosa entre atos legtimos ou ilegtimos (entweder als rechtmssigoder
alsrechtswidrig), encontra dificuldade para identificar a consolidao de um processo
de inconstitucionalizao (Prozess des Verfassungswidrigwerdens). Prefere-se admitir
que, embora no tivesse sido identificada, a ilegitimidade sempre existira.
Da afirmar Hberle:
O Direito Constitucional vive,prima facie, uma problemtica temporal.De um lado, a dificuldade de alterao e a conseqente durao econtinuidade, confiabilidade e segurana; de outro, o tempo envolve oagora mesmo, especificamente o Direito Constitucional. que o processo
de reforma constitucional dever ser feito de forma flexvel e a partir deuma interpretao constitucional aberta. A continuidade da Constituiosomente ser possvel sepassado e futuro estiverem nela associados.27
Hberle ento indaga:
O que significa tempo? Objetivamente, tempo a possibilidade de seintroduzir mudana, ainda que no haja a necessidade de produzi-la.28
Tal como anota Hberle, o tempo sinaliza ou indica uma reunio
(ensemble) de foras sociais e ideias. (...) A nfase ao fator tempo no deve levar ao
entendimento de que o tempo h de ser utilizado como sujeito de transformao ou de
movimento (...). A histria (da comunidade) tem muitos sujeitos. O tempo nada mais
do que a dimenso na qual as mudanas se tornam possveis e necessrias (...).29
27
Hberle, Peter.Zeit und Verfassung, cit., p. 295-29628 Hberle, Peter.Zeit und Verfassung, cit., p. 300.29 Hberle, Peter.Zeit und Verfassung, cit., p. 300.
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No raro que essas alteraes de concepes se verifiquem, dentre
outros campos, exatamente em matria de defesa dos direitos fundamentais. Aqui talvez
se mesclem as mais diversas concepes existentes na prpria sociedade e o processo
dialtico que as envolve. E os diversos entendimentos de mundo convivem, sem que,
muitas vezes, o novo tenha condies de superar o velho.
natural tambm que esse tipo de situao se coloque de forma
bastante evidente no quadro de uma nova ordem constitucional. Aqui, entendimentos na
jurisprudncia, doutrina e legislao tornam, s vezes, inevitvel que a interpretao da
Constituio se realize, em um primeiro momento, com base na situao jurdica pr-existente. Assim, at mesmo institutos novos podero ser interpretados segundo
entendimento consolidado na jurisprudncia e na legislao pr-constitucionais. Nesse
caso, igualmente compreensvel que uma nova orientao hermenutica reclame
cuidados especiais.
Alguns exemplos de mudana na jurisprudncia do Supremo Tribunal
Federal revelam que o abandono de precedentes e a adoo de nova interpretao de
textos normativos, especialmente de disposies constitucionais, devem estar baseadas
em cuidadosas e bem fundamentadas razes de decidir. No Recurso Extraordinrio n
165.43830, por exemplo, o Tribunal reviu posicionamento anterior fixado nos RE n
140.61631, RE n 141.29032 e RE 141.36733 que consolidava o entendimento no
sentido de que o art. 8 do ADCT da Constituio de 1988 (anistia) no se aplicaria s
promoes por merecimento de militares. Aps longo julgamento e ampla discusso, o
Tribunal passou a ento interpretar, de forma mais ampla, o art. 8 do ADCT da CF/88,
no sentido de que, para a concesso de promoes, inclusive por merecimento, naaposentadoria ou na reserva, deve ser considerado, to-somente, o decurso de tempo
necessrio para alcanar o posto na hierarquia militar, de acordo com a legislao
vigente.
30STF, Pleno, RE n 165.438-4/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 5.5.2006.
31
STF, Pleno, RE n 140.616, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 2.4.1993.32STF, Pleno, RE n 141.290, Rel. Min.Nri da Silveira, DJ 2.4.1993.
33STF, Pleno, RE n 141.367, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 6.11.1992.
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Na prtica do Supremo Tribunal Federal, as citadas concepes tm sido
utilizadas nos casos em que a Corte produz um cmbio substancial em entendimentos
jurisprudenciais anteriormente consolidados. Em hipteses tpicas de mutao
constitucional ou de evoluo na interpretao, em que se altera jurisprudncia
consolidada, a Corte tem adotado a tcnica da modulao dos efeitos da deciso, com
base em razes de segurana jurdica.
Assim ocorreu na deciso proferida na Questo de Ordem no Inqurito
n 68734, em que o Tribunal cancelou o enunciado da Smula n 394 que consolidava
entendimento jurisprudencial no sentido de que a competncia da Corte para julgaragentes pblicos com prerrogativa de foro prevaleceria ainda que o inqurito ou a ao
penal fossem iniciados aps o agente ter deixado o cargo35 ressalvando os atos
praticados e as decises j proferidas que nela se basearam.
No Conflito de Competncia n 7.20436, fixou-se o entendimento no
sentido de que o Supremo Tribunal Federal, guardio-mor da Constituio
Republicana, pode e deve, em prol da segurana jurdica, atribuir eficcia prospectiva
s suas decises, com a delimitao precisa dos respectivos efeitos, toda vez que
proceder a revises de jurisprudncia definidora de competncia ex ratione materiae.
O escopo preservar os jurisdicionados de alteraes jurisprudenciais que ocorram
sem mudana formal do Magno Texto.
No julgamento do HC n 82.959, o Tribunal declarou, com efeitos
prospectivos, a inconstitucionalidade da vedao legal absoluta da progresso de regime
penal para os crimes hediondos (art. 2, 1, da Lei n 8.072/90), com radical
modificao de antiga jurisprudncia.
Um dos casos mais interessantes de mudana jurisprudencial est
representado no julgamento dos Mandados de Segurana n 26.602, 26.603 e 26.60437.
34 STF, Pleno, INQ n 687, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ 9.11.2001.35 STF, Smula 394: Cometido o crime durante o exerccio funcional, prevalece a competncia especial
por prerrogativa de funo, ainda que o inqurito ou a ao penal sejam iniciados aps a cessao
daquele exerccio.36 STF, Pleno, CC n 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Britto, julg. em 29.6.2005.37 STF, Pleno, MS n 26.602, Rel. Min. Eros Grau; MS n 26.603, Rel. Min. Celso de Mello; MS n
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Discutiu-se, nesses casos, se os partidos polticos possuem direito a manter as vagas por
eles conquistadas em eleies regidas pelas regras do sistema proporcional, em caso de
desfiliao dos parlamentares que as preenchem.
Aps a Constituio de 1988, o tema da fidelidade partidria e a questo
especfica quanto extino do mandato do parlamentar que deixar a legenda sob a qual
tenha sido eleito encontraram resposta na jurisprudncia do STF, desde o julgamento do
MS n 20.92738. Com base no entendimento de que a vinculao do candidato ao
partido seria apenas condio de elegibilidade (art. 14, 3, da Constituio de 1988), o
Tribunal mantinha firme posio no sentido de que, no sistema constitucional brasileiro,apesar da valorizao dada representao parlamentar dos partidos, no se exigiria
qualquer modalidade de fidelidade partidria para os candidatos eleitos.
Em Sesso de 4 de outubro de 2007, a Corte reviu esse entendimento e,
baseando-se em renovada interpretao dos princpios da democracia partidria, da
representao proporcional, do pluralismo poltico e da fidelidade partidria, produziu
mudana radical em sua jurisprudncia e passou a considerar que o mandato
parlamentar pertence ao partido. Assim, no novo entendimento da Corte, ressalvadas
situaes especficas decorrentes de ruptura de compromissos programticos por parte
da agremiao, perseguio poltica ou outra situao de igual significado, o abandono
do partido deve dar ensejo extino do mandato.
Na ocasio, diante da mudana que se operou em antiga jurisprudncia, e
com base em razes de segurana jurdica, o Tribunal entendeu que os efeitos da
deciso deveriam ser modulados no tempo. Fixou ento um marco temporal desde o
qual tais efeitos poderiam ser efetivamente produzidos, o que deveria coincidir com a
deciso do Tribunal Superior Eleitoral na Consulta n 1.398/200739, Rel. Min. Csar
Asfor Rocha, que ocorrera na Sesso do dia 27 de maro de 2007, na qual a Corte
eleitoral j havia adotado tal entendimento.
26.604, Rel. Min. Crmen Lcia, julg. 4.10.2007.38 MS n 20.927/DF, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 11.10.1989, DJ 15.4.1994.39 TSE, Consulta n 1.398/2007, Rel. Min. Csar Asfor Rocha.
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Outro interessante caso de mutao constitucional verificada na
jurisprudncia do STF est no julgamento dos Recursos Extraordinrios n 349.703 e
466.343, nos quais a Corte modificou antigo entendimento a respeito do status
normativo dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurdica interna.
Como o caso tambm envolve consideraes a respeito das lies de Peter Hberle
sobre o Estado constitucional cooperativo, destinamos um tpico especfico (a seguir)
para analisar essa importante deciso.
Deixe-se acentuado, por fim, que a evoluo jurisprudencial sempre foi
uma marca de qualquer jurisdio de perfil constitucional. A afirmao da mutaoconstitucional no implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equvoco
interpretativo do texto constitucional em julgados pretritos. Ela reconhece e reafirma,
ao contrrio, a necessidade da contnua e paulatina adaptao dos sentidos possveis da
letra da Constituio aos cmbios observados numa sociedade que, como a atual, est
marcada pela complexidade e pelo pluralismo.
5. Estado constitucional cooperativo
O Supremo Tribunal Federal por muito tempo adotou a ideia de que os
tratados de direitos humanos, como quaisquer outros instrumentos convencionais de
carter internacional, poderiam ser concebidos como equivalentes s leis ordinrias.
Segundo essa tese, denominada de tese da legalidade ordinria dos tratados
internacionais, tais acordos no possuiriam a devida legitimidade para confrontar, nem
para complementar, o preceituado pela Constituio Federal em matria de direitos
fundamentais.
O Tribunal passou a adotar essa tese no julgamento do RE n 80.004,
julgado em 1o.6.197740. Na ocasio, os Ministros integrantes do Tribunal discutiram
amplamente o tema das relaes entre o Direito Internacional e o Direito Interno. O
Relator, Ministro Xavier de Albuquerque, calcado na jurisprudncia anterior, votou no
sentido do primado dos tratados e convenes internacionais em relao legislao
infraconstitucional. A maioria, porm, aps voto-vista do Min. Cunha Peixoto, entendeu
40 STF, Pleno, RE n 80.004/SE, Rel. p/ o acrdo Min. Cunha Peixoto, julgado em 1 o.6.1977.
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que ato normativo internacional no caso, a Conveno de Genebra, Lei Uniforme
sobre Letras de Cmbio e Notas Promissrias poderia ser modificado por lei nacional
posterior, ficando consignado que os conflitos entre duas disposies normativas, uma
de direito interno e outra de direito internacional, devem ser resolvidos pela mesma
regra geral destinada a solucionar antinomias normativas num mesmo grau hierrquico:
lex posterior derrogat legi priori.
Sob a gide da Constituio de 1988, exatamente em 22 de novembro de
1995, o Plenrio do STF voltou a discutir a matria no HC n 72.131, Red. p/ o acrdo
Ministro Moreira Alves, porm agora tendo como foco o problema especfico da prisocivil do devedor como depositrio infiel na alienao fiduciria em garantia. Na ocasio,
reafirmou-se o entendimento no sentido de que os diplomas normativos de carter
internacional adentrariam o ordenamento jurdico interno no patamar da legislao
ordinria e eventuais conflitos normativos seriam resolvidos pela regra lex posterior
derrogat legi priori. Preconizaram esse entendimento tambm os votos vencidos dos
Ministros Marco Aurlio, Francisco Rezek e Carlos Velloso. Deixou-se assentado, no
obstante, seguindo-se o entendimento esposado no voto do Ministro Moreira Alves, que
o art. 7 (7) do Pacto de San Jos da Costa Rica, por ser norma geral, no revogaria a
legislao ordinria de carter especial, como o Decreto-Lei n 911/69, que equipara o
devedor-fiduciante ao depositrio infiel para fins de priso civil.
Posteriormente, no importante julgamento da medida cautelar na ADI n
1.480-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello (em 4.9.1997), o Tribunal voltou a afirmar que
entre os tratados internacionais e as leis internas brasileiras existiria mera relao de
paridade normativa, entendendo-se as leis internas no sentido de simples leisordinrias e no de leis complementares.
A tese da legalidade ordinria dos tratados internacionais foi reafirmada
em julgados posteriores41 e manteve-se firme na jurisprudncia do Supremo Tribunal
41 RE n 206.482-3/SP, Rel. Min. Maurcio Corra, julgado em 27.5.1998, DJ 5.9.2003; HC n 81.319-4/GO, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 24.4.2002, DJ 19.8.2005; HC n 77.053-1/SP, Rel. Min.
Maurcio Corra, julgado em 23.6.1998, DJ 4.9.1998; HC n 79.870-5/SP, Rel. Min. Moreira Alves,julgado em 16.5.2000, DJ 20.10.2000; RE n 282.644-8/RJ, Rel. Min. Marco Aurlio, Red. p/ o acrdoMin. Nelson Jobim, julgado em 13.2.2001, DJ 20.9.2002.
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Federal at o ano de 2008, quando a Corte, ao julgar os Recursos Extraordinrios n
349.70342 e 466.34343, constatou que, no contexto atual, em que se pode observar a
abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurdicas supranacionais de
proteo de direitos humanos, essa jurisprudncia havia se tornado completamente
defasada.
No se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um Estado
Constitucional Cooperativo, identificado pelo Professor Peter Hberle como aquele
que no mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas
que se disponibiliza como referncia para os outros Estados Constitucionais membrosde uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e
fundamentais44.
Para Hberle, ainda que, numa perspectiva internacional, muitas vezes a
cooperao entre os Estados ocupe o lugar de mera coordenao e de simples
ordenamento para a coexistncia pacfica (ou seja, de mera delimitao dos mbitos das
soberanias nacionais), no campo do direito constitucional nacional, tal fenmeno, por si
s, pode induzir ao menos a tendncias que apontem para um enfraquecimento dos
limites entre o interno e o externo, gerando uma concepo que faz prevalecer o direito
comunitrio sobre o direito interno45.
Nesse contexto, mesmo conscientes de que os motivos que conduzem
concepo de um Estado Constitucional Cooperativo so complexos, preciso
reconhecer os aspectos sociolgico-econmico e ideal-moral46 como os mais evidentes.
E no que se refere ao aspecto ideal-moral, no se pode deixar de considerar a proteo
aos direitos humanos como a frmula mais concreta de que dispe o sistema
constitucional, a exigir dos atores da vida scio-poltica do Estado uma contribuio
42STF, Pleno, RE n 349.703, Rel. p/ acrdo Min. Gilmar Mendes, julg. em 3.12.2008.
43 STF, Pleno, RE n 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 3.12.2008.44 HBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. Mxico: Universidad NacionalAutnoma de Mxico, 2003. p. 75-77.45 HBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. Mxico: Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, 2003. p. 74.46 HBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. Mxico: Universidad NacionalAutnoma de Mxico, 2003. p. 68.
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positiva para a mxima eficcia das normas constitucionais que protegem a cooperao
internacional amistosa como princpio vetor das relaes entre os Estados Nacionais47 e
a proteo dos direitos humanos como corolrio da prpria garantia da dignidade da
pessoa humana.
Na realidade europia, importante mencionar a abertura institucional a
ordens supranacionais consagrada em diversos textos constitucionais [cf. v.g.
Prembulo da Lei Fundamental de Bonn e art. 24, (I); o art. 11 da Constituio
italiana48; os arts. 849 e 1650 da Constituio portuguesa; e, por fim, os arts. 9 (2) e 96
(1) da Constituio espanhola
51
; dentre outros]
52
.
Ressalte-se, nesse sentido, que h disposies da Constituio brasileira
de 1988 que remetem o intrprete para realidades normativas relativamente
diferenciadas em face da concepo tradicional do direito internacional pblico. Refiro-
me, especificamente, a quatro disposies que sinalizam para uma maior abertura
constitucional ao direito internacional e, na viso de alguns, ao direito supranacional.
47 HBERLE, Peter. El estado constitucional. Traduo de Hector Fix-Fierro. Mxico: UniversidadNacional Autnoma de Mxico, 2003. p. 67.48 O art. 11 da Constituio italiana preceitua que a Itlia consente, em condies de reciprocidade comoutros Estados, nas limitaes de soberania necessrias a uma ordem asseguradora da paz e da justiaentre as Naes.49 Cf. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes.Direito constitucional e Teoria da Constituio, Coimbra, 1999,p. 725-727. Dispe o atual art. 8. da Constituio da Repblica Portuguesa (Quarta Reviso/1997): Art.8. (direito internacional). 1. As normas e os princpios de direito internacional geral ou comum fazem
parte integrante do direito portugus. 2. As normas constantes de convenes internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna aps a sua publicao oficial eenquanto vincularem internamente o Estado Portugus. 3. As normas emanadas dos rgos competentesdas organizaes internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna,desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.50 O art. 16, n. 1 da Constituio Portuguesa preceitua que: os direitos fundamentais consagrados naConstituio no excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicveis de direitointernacional. Ademais, o art. 16, n 2 aduz que: "os preceitos constitucionais e legais relativos aosdireitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declarao Universaldos Direitos do Homem.51 A Constituio espanhola, em seu art. 9 n. 2, afirma que: As normas relativas aos direitos
fundamentais e s liberdades que a Constituio reconhece se interpretaro de conformidade com aDeclarao Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordos internacionais sobre as mesmasmatrias ratificadas pela Espanha. Ademais, no art. 96, n. 1, dita a regra de que: os tratados
internacionais, logo que publicados oficialmente na Espanha faro parte da ordem interna espanhola.52 Cf. FROWEIN, Jochen Abr. Die Europisierung des Verfassungsrechts. In: BADURA, Peter e DREIER,Horst. Festschrift des Bundesverfassungsgerichts. Bd. I, 2001. pp. 209-210.
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A primeira clusula consta do pargrafo nico do art. 4, que estabelece
que a Repblica Federativa do Brasil buscar a integrao econmica, poltica, social
e cultural dos povos da Amrica Latina, visando formao de uma comunidade
latino-americana de naes.
Em comentrio a este artigo, o saudoso Professor Celso Bastos ensinava
que tal dispositivo constitucional representa uma clara opo do constituinte pela
integrao do Brasil em organismos supranacionais53.
A segunda clusula aquela constante do 2 do art. 5, a qual
estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituio brasileira no excluemoutros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.
A terceira e quarta clusulas foram acrescentadas pela Emenda
Constitucional n 45, de 8.12.2004, constantes dos 3 e 4 do art. 5, que rezam,
respectivamente, que os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs
quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendasconstitucionais, e o Brasil se submete jurisdio de Tribunal Penal Internacional a
cuja criao tenha manifestado adeso.
Lembre-se, tambm, que vrios pases latinoamericanos j avanaram no
sentido de sua insero em contextos supranacionais, reservando aos tratados
internacionais de direitos humanos lugar especial no ordenamento jurdico, algumas
vezes concedendo-lhes valor normativo constitucional.
53 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. So Paulo:Saraiva; 1988, p. 466.
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Assim, Paraguai (art. 9o da Constituio)54 e Argentina (art. 75 inc. 24)55,
provavelmente influenciados pela institucionalizao da Unio Europia, inseriram
conceitos de supranacionalidade em suas Constituies. A Constituio uruguaia, por
sua vez, promulgada em fevereiro de 1967, inseriu novo inciso em seu artigo 6 o, em
1994, porm mais tmido que seus vizinhos argentinos e paraguaios, ao prever que "A
Repblica procurar a integrao social e econmica dos Estados latino-americanos,
especialmente no que se refere defesa comum de seus produtos e matrias primas.
Assim mesmo, propender efetiva complementao de seus servios pblicos."
Esses dados revelam uma tendncia contempornea do
constitucionalismo mundial de prestigiar as normas internacionais destinadas proteo
do ser humano. Por conseguinte, a partir desse universo jurdico voltado aos direitos e
garantias fundamentais, as constituies no apenas apresentam maiores possibilidades
de concretizao de sua eficcia normativa, como tambm somente podem ser
concebidas em uma abordagem que aproxime o Direito Internacional do Direito
Constitucional.
No continente americano, o regime de responsabilidade do Estado pela
violao de tratados internacionais vem apresentando uma considervel evoluo desde
a criao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, tambm denominada
Pacto de San Jos da Costa Rica, adotada por conferncia interamericana especializada
sobre direitos humanos, em 21 de novembro de 1969. Entretanto, na prtica, a mudana
da forma pela qual tais direitos so tratados pelo Estado brasileiro ainda ocorre de
maneira lenta e gradual. E um dos fatores primordiais desse fato est no modo como se
vinha concebendo o processo de incorporao de tratados internacionais de direitos
humanos na ordem jurdica interna.
54Constituio do Paraguai, de 20.06.1992, artigo 9: A Repblica do Paraguai, em condies deigualdade com outros Estados, admite uma ordem jurdica supranacional que garanta a vigncia dosdireitos humanos, da paz, da justia, da cooperao e do desenvolvimento poltico, econmico, social ecultural.55A Constituio da Argentina, no inciso 24 do Artigo 75, estabelece que " Corresponde ao Congresso:
aprovar tratados de integrao que deleguem competncias e jurisdio a organizaes supraestatais emcondies de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a ordem democrtica e os direitos humanos. Asnormas ditadas em sua conseqncia tm hierarquia superior s leis."
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O Supremo Tribunal Federal, levando em considerao essa tendncia
hodierna de insero do Estado constitucional brasileiro em contextos supranacionais,
promoveu uma vigorosa renovao de sua jurisprudncia e passou a adotar a tese da
supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, no histrico
julgamento dos Recursos Extraordinrios n 349.703 (Relator para o acrdo Ministro
Gilmar Mendes) e n 466.343 (Relator Ministro Cezar Peluso)56.
No h dvida de que, no Estado constitucional cooperativo, mais
consistente a interpretao que atribui a caracterstica de supralegalidade aos tratados e
convenes de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratadossobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porm, diante de seu carter
especial em relao aos demais atos normativos internacionais, tambm seriam dotados
de um atributo de supralegalidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos no podem
afrontar a supremacia da Constituio, mas tm lugar especial reservado no
ordenamento jurdico. Equipar-los legislao ordinria significa subestimar o seu
valor especial no contexto do sistema de proteo dos direitos da pessoa humana.
Assim, diante do inequvoco carter especial dos tratados internacionais
que cuidam da proteo dos direitos humanos, entende-se que a sua internalizao no
ordenamento jurdico, por meio do procedimento de ratificao previsto na
Constituio, tem o condo de paralisar a eficcia jurdica de toda e qualquer disciplina
normativa infraconstitucional com ela conflitante.
Nesse sentido, concluiu o Supremo Tribunal Federal que, diante da
supremacia da Constituio sobre os atos normativos internacionais, a previso
constitucional da priso civil do depositrio infiel (art. 5, inciso LXVII) no foi
revogada pelo ato de adeso do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Polticos (art. 11) e Conveno Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San
Jos da Costa Rica (art. 7, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito
56STF, Pleno, RE n 349.703, Rel. p/ acrdo Min. Gilmar Mendes, julg. em 3.12.2008. STF, Pleno, RE
n 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 3.12.2008.
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paralisante desses tratados em relao legislao infraconstitucional que disciplina a
matria, includos o art. 1.287 do Cdigo Civil de 1916 e o Decreto-Lei n 911, de 1 de
outubro de 196957.
Tendo em vista o carter supralegal desses diplomas normativos
internacionais, a legislao infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante
tambm tem sua eficcia paralisada. o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do
Novo Cdigo Civil (Lei n 10.406/2002), que reproduz disposio idntica ao art. 1.287
do Cdigo Civil de 191658.
Enfim, desde a adeso do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Polticos (art. 11) e Conveno Americana sobre Direitos
Humanos Pacto de San Jos da Costa Rica (art. 7, 7), no h base legal para aplicao
da parte final do art. 5, inciso LXVII, da Constituio, ou seja, para a priso civil do
depositrio infiel.
Com a deciso do Tribunal, o legislador constitucional no fica impedido
de submeter o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e a ConvenoAmericana sobre Direitos Humanos Pacto de San Jos da Costa Rica, alm de outros
tratados de direitos humanos, ao procedimento especial de aprovao previsto no art. 5,
3, da Constituio, tal como definido pela EC n 45/2004, conferindo-lhes status de
emenda constitucional.
Na experincia do direito comparado, vlido mencionar que essa
mesma qualificao dos tratados internacionais (supralegalidade) expressamente
consagrada na Constituio da Alemanha que, em seu art. 25, dispe que as normas
gerais do Direito Internacional Pblico constituem parte integrante do direito federal.
Elas prevalecem sobre as leis e produzem diretamente direitos e deveres para os
habitantes do territrio nacional.
57STF, Pleno, RE n 349.703, Rel. p/ acrdo Min. Gilmar Mendes, julg. em 3.12.2008. STF, Pleno, RE
n 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 3.12.2008.
58 STF, Pleno, RE n 349.703, Rel. p/ acrdo Min. Gilmar Mendes, julg. em 3.12.2008. STF, Pleno, REn 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 3.12.2008.
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O mesmo tratamento hierrquico-normativo dado aos tratados e
convenes internacionais pela Constituio da Frana de 1958 (art. 55)59 e pela
Constituio da Grcia de 1975 (art. 28)60.
No caso argentino, a Constituio traz expressa a supremacia das normas
supranacionais na ordem jurdica interna (art. 75 inc. 24)61.
A jurisprudncia das Cortes vem reconhecendo a superioridade
normativa da ordem jurdica internacional. O Prof. Malcolm Shaw anota os seguintes
ordenamentos que prevem a prevalncia dos tratados internacionais sobre as leis
internas: Frana (caso Caf Jacques Fabre, Cour de Cassation, 16 Common Market
Law Reviwe, 1975); Holanda ( Nordstern Allgemeine Versicherung AG v. Vereinigte
Stinees Rheinreedereien 74, International Law Review - ILR); Itlia (Canad v.
Cargnello, Corte de Cassao Italiana, 114 ILR); Chipre ( Malachtou v. Armefti and
Armefti, 88 ILR); e Rssia (art. 5 da Lei Federal Russa sobre Tratados Internacionais,
adotada em 16 de Junho de 1995)62.
Ressalte-se que no Reino Unido, desde 1972, assentou-se a prevalncia
no s das normas comunitrias, como da prpria Conveno Europia sobre Direitos
Humanos sobre o ordenamento interno ordinrio, confirmado pela House of Lords no
famoso caso Factortame Ltd. V. Secretary of State for Transport (93 ILR, p. 652).
Assim, tambm o Reino Unido vem dando mostras de uma verdadeira
reviso de conceitos. O Parlamento j no mais se mostra um soberano absoluto. O
59 Art. 55 da Constituio da Frana de 1958: Les traits ou accords rgulirement ratifis ou approuvsont, ds leur publication, une autorit suprieure celle des lois, sous rserve, pour chaque accord outrait, de son application par l'autre partie.60 Art. 28 da Constituio da Grcia de 1975: The generally recognized rules of international law andthe international conventions after their ratification by law and their having been put into effect inaccordance with their respective terms, shall constitute an integral part of Greek law and override anylaw provision to the contrary.61A Constituio da Argentina, no inciso 24 do Artigo 75, estabelece que " Corresponde ao Congresso:aprovar tratados de integrao que deleguem competncias e jurisdio a organizaes supraestatais emcondies de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a ordem democrtica e os direitos humanos. Asnormas ditadas em sua conseqncia tm hierarquia superior s leis."
62 SHAW, Malcolm N.International Law. 5 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. pp. 151-162.
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European Communities Act, de 1972, atribuiu ao direito comunitrio europeu
hierarquia superior em face de leis formais aprovadas pelo Parlamento63.
Nos Estados Unidos Mexicanos, apesar de a Constituio no trazer
norma expressa nesse sentido, a Suprema Corte de Justicia de la Nacin vem
interpretando o art. 133 do texto constitucional no sentido de que os tratados
internacionais se situam abaixo da Constituio, porm acima das leis federais e
locais64.
Ressalte-se, ainda, que em diversos pases os tratados internacionais so
utilizados como parmetro de controle de leis internas. Nesse sentido, o Prof. Christian
Tomuschat relata a experincia singular da Blgica, Luxemburgo e Holanda que
admitiam o controle de leis ordinrias internas pelo disposto na Conveno Europia de
Direito Humanos (CEDH) antes de possibilitar o prprio controle de
constitucionalidade.
Interessante notar que, at hoje, a Finlndia no possui uma Corte
Constitucional, nem os juzes esto autorizados a realizar o controle de
constitucionalidade das leis, mas a CEDH pode obstar a aplicao das leis internas65.
63 TOMUSCHAT, Christian. Das Bundesverfassungsgericht im Kreise anderer nationalerVerfassungsgerichte, in Peter Badura e Horst Dreier (org.), Festschrift 50 Jahre
Bundesverfassungsgericht, 2001, Tbingen, Mohr-Siebeck, v. 1, p. 249.64 Localizacin: Novena poca, Pleno, Semanario Judicial de la Federacin y su Gaceta, Tomo XXV,Abril de 2007, p. 6, tesis P. IX/2007, aislada, Constitucional.Rubro: TRATADOS INTERNACIONALES SON PARTE INTEGRANTE DE LA LEY SUPREMA DELA UNIN Y UBICAN JERRQUICAMENTE POR ENCIMA DE LAS LEYES GENERALES,
FEDERAES Y LOCALES. INTERPRETACIN DEL ARTCULO 133 CONSTITUCIONAL.La interpretacin sistemtica del artculo 133 de la Constitucin Poltica de los Estados UnidosMexicanos permite identificar la existencia de un orden jurdico superior, de carcter nacional, integradopor la Constitucin Federal, los tratados internacionales y las leyes generales. Asimismo, a partir de dichainterpretacin, armonizada con los principios derecho internacional dispersos en el texto constitucional,as como con las normas y premisas fundamentales de esa rama del derecho, se concluye que los tratadosinternacionales se ubican jerrquicamente debajo de la Constitucin Federal y por encima de las leyesgenerales, federales y locales, en la medida en que el Estado Mexicano al suscribirlos, de conformidadcon lo dispuesto en la Convencin de Viena Sobre el Derecho de los Tratados entres los Estados yOrganizaciones Internacionales o entre Organizaciones Internacionales y, adems, atendiendo al principiofundamental de derecho internacional consuetudinario pacta sunt servanda, contrae librementeobligaciones frente a la comunidad internacional que no pueden ser desconocidas invocando normas dederecho interno y cuyo incumplimiento supone, por lo dems, un responsabilidad de carcter
internacional.65 TOMUSCHAT, Christian. Das Bundesverfassungsgericht im Kreise anderer nationalerVerfassungsgerichte in BADURA & DREIER. Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht. 1 vol.
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Na Grcia e na ustria, a Conveno Europia de Direito Humanos tem
status constitucional, enquanto na Alemanha esse tratado possui, na prtica, prioridade
em face do direito interno (faktischen Vorrang der EMRK vor deutschen Recht)66.
Enfim, o Supremo Tribunal Federal proferiu uma deciso histrica67. O
Brasil adere agora ao entendimento j adotado em diversos pases no sentido da
supralegalidadedos tratados internacionais sobre direitos humanos na ordem jurdica
interna.
Se tivermos em mente que o Estado constitucional contemporneo
tambm um Estado cooperativo identificado pelo Professor Peter Hberle como
aquele que no mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si
mesmo, mas que se disponibiliza como referncia para os outros Estados
Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos
direitos humanos e fundamentais68 , se levarmos isso em considerao, podemos
concluir que acabamos de dar um importante passo na proteo dos direitos humanos
em nosso pas e em nossa comunidade latinoamericana.
No podemos nos esquecer que o Brasil est inserido nesse contexto
latinoamericano, no qual estamos todos submetidos a uma ordem comunitria em
matria de direitos humanos; uma ordem positiva expressada na Conveno Americana
de Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), cuja proteo jurdica segue
avanando a passos largos pelo profcuo trabalho realizado pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos69.
Devemos caminhar juntos na construo de um direito constitucionallatinoamericano, no qual a proteo dos direitos seja um dever indeclinvel de todos e
Tbingen: Mohr Siebeck, 2001. p. 247-249.66STREINZ, Rudolf. Europarecht. 7 ed. Heidelberg: Muller Verlag, 2005. Rn 73-75 p. 29-30.
67STF, Pleno, RE n 349.703, Rel. p/ acrdo Min. Gilmar Mendes, julg. em 3.12.2008.
67 STF, Pleno, RE n 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 3.12.2008.68 HBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. Mxico: Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, 2003. p. 75-77.69Cfr.: LANDA ARROYO, Csar (comp.). Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos. Lima: Palestra; 2005.
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cada um dos Estados. So as lies que podemos retirar da obra desse magnfico
constitucionalista que Peter Hberle70.6. Concluses
Ao trmino dessas anlises, pode-se constatar a forte presena do
pensamento de Peter Hberle na jurisprudncia recente do Supremo Tribunal Federal.
A citao de doutrina e de precedentes estrangeiros pelos Tribunais
Supremos e Cortes Constitucionais constitui um dos principais focos do debate atual em
tema de jurisdio constitucional71
.
O Supremo Tribunal Federal tem utilizado o direito comparado como
parmetro para suas decises, ainda que isso no seja decisivo na formao de sua
jurisprudncia. No h um regramento legal ou regimental para o exerccio dessa
atividade pelo Tribunal, fato que no tem representado qualquer obstculo a uma
ordenada utilizao de precedentes desenvolvidos em outros pases.
Tanto a doutrina como a jurisprudncia do direito comparado soinvocadas nos votos proferidos pelos Ministros da Corte, que o fazem como forma de
qualificao do debate e de aprofundamento das anlises e argumentaes
desenvolvidas nos julgamentos. O resultado pode ser observado em decises
extremamente bem fundamentadas, com o conseqente aperfeioamento da
jurisprudncia do Tribunal.
inegvel que o direito comparado exerce forte influncia na
jurisprudncia dos Tribunais Constitucionais na atualidade. H que se levar em conta,
nesse sentido, que a comparao de direitos fundamentais pode ser qualificada, como
70 HBERLE, Peter. Mexico y los contornos de un derecho constitucional comn americano: un iuscommune amercianum. In: HABERLE, Peter; KOTZUR, Markus. De la soberana al derechoconstitucional comn: palabras clave para un dilogo europeo-latinoamericano, Trad. Hctor Fix-Fierro.Mexico : Instituto de Investigaciones Jurdicas de la UNAM, 2003, pp. 21-23.71
Cfr.: SLAUGHTER, Anne-Marie.A typology of transjudicial communication. In: HeinOnline -- 29 U.Rich. L. Rev. 138 1994-1995. Idem. Judicial globalization. In: HeinOnline -- 40 Va. J. Intl L. 11031999-2000. Idem.A global community of Courts. In: HeinOnline -- 44 Harv. Intl L.J. 191 2003.
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assim o faz Peter Hberle, como o quinto mtodo da interpretao constitucional, ao
lado dos clssicos mtodos desenvolvidos por Savigny 72.
Seguindo essa tendncia, o Supremo Tribunal Federal permanece aberto
produo doutrinria e jurisprudencial desenvolvida no direito comparado. Esse
processo se intensifica diante da perspectiva de um crescimento cada vez maior dos
processos de intercmbio entre as Cortes, Tribunais e Salas Constitucionais dos diversos
pases. A cooperao entre rgos de jurisdio constitucional inegavelmente favorece o
intercmbio de informaes entre os Tribunais73.
nesse contexto que a doutrina de Peter Hberle vem sendo incorporada
pela jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. No se pode negar, dessa forma, que
h uma tendncia atual de que o intercmbio de conhecimentos entre os diversos rgos
de jurisdio constitucional, principalmente em nosso ambiente latinoamericano, seja
decisivo na construo, ainda que paulatina, de um direito constitucional comum na
regio. A difuso do pensamento de Hberle em pases latinoamericanos certamente
pode constituir a causa, e ao mesmo tempo ser a consequncia, desse importante
processo de formao de um direito constitucional comum latinoamericano.
72 HBERLE, Peter. El concepto de los derechos fundamentales. In: Problemas actuales de los derechosfundamentales. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid y Boletn Oficial del Estado - B.O.E; 1994, p.109.73 Cfr.: VALE, Andr Rufino do. Intercmbio e cooperao internacional entre rgos de Jurisdio
Constitucional. Observatrio da Jurisdio Constitucional Ano 2008/2009 IDP ISSN 1982-4564,www.idp.edu.br.