Phoînix, 2009 - V. 5, N. 2

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    Laboratrio de Histria ntiga

    U R

    ISSN 4 3 5787

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    A

    P O N X

    9

    Ano 5

    Volume 5

    Nmero

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    ISSN 435787

    L ABORATRIO DE H ISTRIA NG lU RJ

    P O N X

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    no

    Volume

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    ll u d

    X

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    Phoinix2009

    Ano

    15 - Volume 15 NInero ISSN 1413-5787

    Copyright by Neyde Them l, Fbio de Souza Lessa e Regina Maria da Cunha Bustamante

    (editores)

    et alii2 9

    TIragem: 1 exemplares

    Direitos desta edio reservados :

    MAUAD Editora LIda.

    Rua Joaquim Silva, 98, 5 andar - Lapa

    Rio de Janeiro - RJ - CEP 20.241-110

    Te .: (21) 3479-7422 - Fax: (21) 3479-7400

    www.mauad.com.br

    [email protected]

    Laboratrio de Histria Antiga - LHIA

    IFCS

    UFRJ

    Largo de So Franc isco de Paula n I, sala 211A e 213 - Centro

    Rio de Janeiro - RJ - CEP 20.051-070

    Te .: (021) 2221-0034 ramais 205 e 213 - Fax : (021) 2221-4049

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    Projeto Grfico:

    Ncleo de Arte

    Mauad Editora

    Reviso:

    Brbara Mauad

    Ilustrao da Capa:

    Fachada da Escola Politcnica (Foto : Marc Ferrez, ca . 1905)

    Ao lado esquerdo da foto: Ladrilhos hidruli cos do pavimento

    do entorno do peristilo (IFCS) (Foto : Regina Bustamante, 2009)

    Phoinix . Laboratrio de Histria Antiga

    UFRJ

    P574 Ano 15, v. 15, n. 2

    Rio de Janeiro: Mauad X, 2009 .

    Semestral

    ISSN 1413-5787

    His tria Ant iga. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Laboratrio de Histria Antiga.

    CDD 930

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    P O N X

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    SS

    4 3 5787

    PHoiNIX 2009

    Ano

    15 - Volume 15 - Nmero 2

    UNIVERSID DE FEDER L DO RIO DE J NEIRO UFRJ

    Reitor

    Prof. Dr. Alosio Teixeira

    INSTITUTO DE FILOSOFI E CINCI S SOCI IS IFCS

    DiretorProf . Dr . Jessie Jane Vieira de Sousa

    DEP RT MENTO DE HISTRI

    hefeProf. Dr. Fbio de Souza Lessa

    L BOR TRIO DE HISTRI NTIG LHI

    oordenadora

    Prof . Dr . Marta Mega de Andrade

    EDITORES

    Prof . Dr . Neyde Theml

    Prof. Fbio de Souza Lessa

    Prof . Dr . Regina Maria da Cunha Bustamante

    CONSELHO EDITORI L

    Prof. Dr. Andr Leonardo Chevitarese - LHIA I

    UFRJ

    Prof. Dr. Ciro Flamarion S. Cardoso - UFF

    Prof. Dr. Jos Antnio Dabdab Trabuls i - UFMG

    Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva - UFES

    Prof . Dr . Maria da Graa Ferreira Schalcher Filosofia I UFRJ

    Prof

    . Dr . Norma Musco Mendes - LHIAI UFRJ

    CONSELHO CONSULTIVO

    Prof . Dr . Ana Teresa Marques Gonalves - UFG

    Prof. Dr. Alexandre Carne iro Cerqueira Lima - UFF

    Prof. Dr. Gabriele Cornelli - UnB

    Dr. Jean-Claude Gardin - EHESS

    I

    CNRS (Frana)

    Prof. Dr. Jos Manuel dos Santos Encarnao - Universidade de Coimbra (Portugal)

    Prof . Dr . Margarida Maria de Carvalho - UNESP

    Prof . Dr . Maria Regina Candido - UERJ

    Prof . Dr . Marta Mga de Andrade - LHIA

    I

    UFRJ

    Prof. Dr. Pedro Paulo de Abreu Funari - UNICAMP

    SERViOS TCNICOS

    Vanessa Ferreira de S Codeo

    Edson Moreira Guimares Neto

    Indexada por: Ulrich s International Periodical Directory

    (History, Archaeology, Anthropology and Classical Studies)

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    SUMRIO

    EDITORIAL 9

    SETENTAANOS DE HISTRIA NA UFRJ 1939-2009) 13

    Norma Crtes

    UMA DISCUSSO SOBRE A LACEDEMNIA 29

    Isabel Sant na Martins Romeo

    NAVEGADORES EARTESOS HELENOS NO

    MEDITERRNEO OCIDENTAL 54

    lexandre Carneiro Cerqueira Lima

    OS SENTIDOS DA ITINERNCIA DOS

    EDOS

    GREGOS 62

    exandre Santos de Moraes

    INTRODUO

    HISTRIA DO CRISTIANISMO DO

    SUL DO MEDITERRNEO NA PESQUISA DO NT 74

    Jos Luiz Izidoro

    RESSIGNIFICANDO O LIXO : ANLISE DE UM

    MOSAICO DE

    S RTOS OiKOS

    DA FRICA ROMANA 99

    Regina Maria da Cunha Bustamante

    MOSES FINLEY E A ESCOLA DE FRANKFURT 114

    lexandre Gaivo Carvalho

    RESENHAS

    REDUZZI MEROLA,

    F.

    Servo

    parere

    Studi

    sulIa

    condicione giuridica degli schiavi vicari e dei sottoposti a schiavi

    nelIe sperienze greca e romana Pubblicazioni della Facolt di

    Giurisprudenza della Universit di Camerino. Napoli :

    Jovene, 1990,305 p 131

    Marici Martins Magalhes

    VIDAL-NAQUET, P. Atlntida:

    pequena

    histria de um mito

    platnico.Traduo de LygiaArajo Watanabe.

    So Paulo: Edunesp, 2008, 214 p 133

    Diogo da Silva Roiz

    PERFIL DA REVISTA 138

    NORMAS PARA PUBLICAO 139

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    EDITORI L

    Em 2009, o Curso de Histria da UFRJ completou 70 Anos. Atingir

    a maturidade dos 70 anos no perder de vista os ideais comumente asso

    ciados jovialidade, como a vontade de crescer, de mudar sempre, de estar

    sintonizado com as novas vises e/ou posturas. O artigo de Norma Crtes

    resgata um pouco desse percurso e aponta novos horizontes com a criao

    do novo Instituto de Histria. Que venham os prximos 70 Anos

    Ontem e hoje, construmos e reafirmamos a nossa identidade a partir

    da diversidade e da pluralidade. Atualmente, temos diferentes opes para

    compreender uma sociedade. Por um lado, definindo suas relaes sociais

    de produo, a luta de classes e seus conflitos , empregando como concei

    tual: dominao, hegemonia, explorao, reformas ou revoluo. Essa foi,

    por exemplo, a diretriz seguida pelo historiador norte-americano Finley,

    conforme nos apresenta Alexandre Galvo em seu artigo para o presente

    nmero da

    Phoinix

    Por outro lado, podemos tambm utilizar incluso ou

    excluso, interaes, apropriaes, capacidade de difundir mensagens e/ou

    formas de consumo .Assim, ao lado dos parmetros para nos situar frente aos

    outros pelas relaes socioeconmicas e domnio poltico, esto surgindo

    novos parmetros que privilegiam uma viso do

    u

    e do outro a partir

    da experincia do quotidiano, objetivando perceber a dissociao crescente

    entre o mundo objetivo e o espao de subjetividade, como tratados nos

    demais artigos deste nmero da revista.

    A questo da identidade na sociedade atual est sendo vigorosamente

    debatida nas teorias sociais'. Argumenta-se que as velhas identidades, que

    estabilizaram o mundo social por tanto tempo, esto em diluio, dando

    lugar a novas identidades e fragmentando o indivduo moderno como sujeito

    unificado . Essa denominada crise de identidade vista como parte de

    um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as estruturas

    e desmanchando as armaes que davam aos indivduos e grupos a es

    tabilidade no mundo social, ou seja, o conceito de identidades est sendo

    descentrado . O mundo contemporneo vive uma volatilizao de sistemas

    P OINIX RIO DE JANEIRO

    15-2: 9-12, 2009.

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    ticos, de identidades e de solidariedades locais . Estas, sendo criaes de

    um tempo especfico e, portanto, histrico, so passveis de mudana, de

    rearticulaes e, at mesmo, de desaparecimento.

    A identidade - que antes oscilava entre a separao de um complexo

    mltiplo de unidades definidas pelas suas diferenas e uma estrutura capaz de

    absorver uma multiplicidade de variveis e, ainda assim, manter sua unidade

    bsica - estaria, agora, sendo abordada como uma relao em que o outro

    constitui a identidade do eu . Haveria, portanto, uma relao de alteridade no

    processo de identificao.As identidades coletivas envolveriam, ento, sistemas

    complexos de interpelaes e reconhecimentos atravs dos quais os agentes

    sociais se inscreveriam na ordem das formaes sociais de forma voluntria,

    negociada, consensual, imposta e outras.Assim sendo, o conceito de identidade

    passa da tica do objeto para a do processo. De identidade para identificao a

    partir da relao com o outro , ou seja, da alteridade. Evidencia-se a sensibili

    dadepara a singular hibridez das experincias histricas e culturais,afastando-se

    de uma perspectiva unitria, monoltica ou autnoma das culturas.

    Se as identidades individuais no so algo dado quando do nascimento

    do sujeito, mas algo construdo em sua relao com o exterior, muito menos

    as identidades culturais so algo preexistente ao sujeito, numa perspectiva

    essencialista criticada por Woodward 2000). As identidades so formadas e

    transformadas dentro de um contexto social complexo, composto no apenas

    de instituies, mas tambm de smbolos e representaes.A constituio de

    u comunidade seria capaz de gerar um senso de identidade e aliana e de

    construir significados que norteariam e organizariamas aes e auto imagens.

    As identidades resultam, portanto, de processos de criao de identificao

    e, mesmo as aparentemente mais bvias, abrigam negociaes e conflitos

    em permanente curso, pois as identificaes ocorrem no plural , sujeitas a

    u diferenciao e hierarquia em relao ao outro . Nesse contexto,

    fundamental compreender as estratgias implementadas para a construo

    de identidades com a elaborao de modelos de comportamento e valores

    que permitam manter unidos grupos de pessoas que, identificando-se cultu

    ralmente, reconheam-se como iguais e se distingam dos outros . Deve-se

    atentar tambm para as relaes e as divises peculiares de cada cultura

    distinta envolvida nesse processo. As formas de identidade e alteridade so

    prprias de um contexto histrico e social determinado. Pertencer ou no

    pertencer a um grupo ou a uma sociedade

    u

    construo social e cultural

    cujo significado e forma variam no tempo e no espao.

    10 P OINIX RlO DE

    J NElRO

    15-2: 9-12, 2009 .

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    Na perspectiva da construo da identidade, situam-se alguns artigos

    do presente nmero da Phoinix. Assim,Alexandre Moraes considera as pr

    ticas de itinerncia dos aedos gregos como um dos elementos constitutivos

    na formao de uma identidade helnica, e Isabel Romeo trata a relao de

    identidade e diferena sobre gneros como um vetor para compreender as

    prprias construes sociais espartanas tanto das mulheres quanto

    da

    socieda

    de em si. Por sua vez, Regina Bustamante destaca como um tema decorativo

    musivo num dos cmodos de recepo das

    domus

    da elite provincial da

    frica Romana pode ser inserido no processo de identificao que permite

    evidenciar a pertena deste grupo civilizao romana.

    Nos estudos sobre identificao, toma-se imprescindvel observar e

    analisar as mltiplas interpenetraes do patrimnio simblico cultural, a

    intensa circulao e as apropriaes culturais. Identidade e alteridade cultu

    rais rompem com a representao retrica radical da separao de culturas

    totalizadas, que vivem ou pretendem viver como se fossem isoladas histo

    ricamente, abrindo-se, portanto, para as apropriaes e relaes dialgicas

    de interaes e de assimilaes culturais sem deixar de serem reconhecidas

    as diferenas. A questo do

    deslocamento

    e das interaes culturais

    tambm analisada em diferentes temporalidades e espacialidades neste

    nmero da Phoinix: Alexandre Cerqueira aborda os contatos entre helenos e

    etruscos atravs da circulao da cermica, e Jos Luiz Izidoro apresenta as

    experincias crists vivenciadas em sua pluralidade, extrapolando o mbito

    original da Palestina.

    Compreender os distintos processos sociais no mundo antigo em seu

    dinamismo e pluralidade o liame que perpassa os artigos aqui apresentados

    e, como muito

    bem

    apontou o poeta mexicano Octavio Paz em seu livro Os

    filhos do barro

    tambm acreditamos que

    a pluralidade depassados torna

    plausvel a pluralidade de futuros

    Os Editores

    efernci s bibliogrfic s

    AUG, M. O sentido dos outros: atualidade da antropologia. Petrpolis, RJ:

    Vozes, 1999. [original de c. 1994]

    BAUMAN, Z. Intimations ofpostmodernity. London : Routledge, 1992.

    FEATHERSTONE, M. Org. Global culture. London: Sage, 1990.

    o O desmanche da cultura: globalizao, ps-modernismo e identidade.

    PHOINIX, RIoDE J NEIRO 15-2: 9-12, 2009.

    11

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    So Paulo: Sesc / Studio Nobel, 1997. [original de 1995]

    GIDOENS, A.; LASH, S. Ed . Reflexive modernization Cambridge: Polity

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    Ed. Modernity and its Futures Cambridge: Polity Press , 1992, p. 273-326.

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    HARVEY, O. The condition of postermodernity Oxford: Blackwell, 1989.

    PAZ, O. Os filhos do barro Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

    RAMONET, I Pense unique et rgimes globalitaires.

    ln

    FlORI, 1.

    L et lo

    Globalizao: o fato e o mito . Rio de Janeiro: Eduerj , 1998, p. 33-49.

    TOURRAINE, A.

    Pourrons nous vivre ensemble?

    gaux et diffrents. Paris :

    Fayard, 1997.

    WOOOWARO, K. Identidade e diferena: uma introduo terica e conceituaI.

    ln

    SILVA, T. T da. Org. Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos

    culturais . Petrpolis, RJ: Vozes, 2000 , p. 7-72. [original de 1997]

    ot

    I A ttulo de exemplo da produo sobre identidade, em fins da dcada de 1980

    e na seguinte, quando as repercusses da queda do Muro de Berlim, da desagre

    gao da URSS e da formao da Comunidade Europeia ainda estavam bastante

    candentes, podemos citar: HALL, 1992, p. 273-326; RAMONET, 1998, p. 33-49;

    FEATHERSTONE, 1990; FEATHERSTONE, 1997; GIDDENS e LASH, 1994;

    BAUMAN, 1992; HARVEY, 1989; AUG, 1999; TOURRAINE, 1997.

    12 P O N X , RIoDE JANEIRO 15-2: 9-12, 2009 .

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    SETENTAANOS DE

    HISTRIA

    NA UFRJ 1939-2009)

    .

    Norma Crtes

    Resumo:

    Este artigo apresenta uma sntese da histria dos 70 anos do curso de

    Histria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Palavras chave: Histria; curso de Histria da UFRJ; cronologia

    reve histrico do curso de istria

    Em 05 de julho de 1937, o presidente da Repblica, Getlio Vargas,

    sancionou a Lei 452, que estabelecia a Universidade do Brasil. Essa ins

    tituio dava continuidade antiga Universidade do Rio de Janeiro , que

    havia sido criada na antiga capital da Repblica, durante a dcada de 1920,

    com a justaposio da Faculdade de Medicina, da Escola Politcnica e da

    Faculdade de Direito. Dois anos aps o ato presidencial, em maro de 1939,

    o ministro da Educao e Sade Pblica encaminhou o projeto de Decreto

    Lei que organizava a Faculdade Nacional de Filosofia FNFi . O plano de

    Gustavo Capanema contrapunha-se

    Universidade do Distrito Federal UDF

    - criada em 1935 e idealizada por Ansio Teixeira . Apesar de ter sido uma

    experincia inovadora, a UDF durou apenas quatro anos. Mas, por fora do

    Decreto-Lei 1.063, de 20 de janeiro de 1939, todos os seus quadros tcnicos ,

    *

    Professora adjunta de Teoria e Metodologia do Departamento de Histria e do

    Programa de Ps-graduao em Histria Social Ppghis da Universidade Federal

    do Rio de Janeiro UFRJ . E-mail: [email protected].

    PHOlNIX,

    RIODE JANEIRO,

    15-2: 13-282 9.

    13

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    corpos docente e discente foram incorporados Universidade do Brasil. Em

    4 de abril de 1939, o Decreto-Lei 1.190 constituiu a Faculdade Nacional de

    Filosofia, cujas finalidades eram:

    a preparar trabalhadores intelectuais r o exerccio das altas

    atividades culturais de ordem desinteressada ou tcnica;

    b preparar candidatosao magistrio do ensino secundrio e normal;

    c realizar pesquisas nos vrios domnios da cultura, que consti-

    tuam objeto de seu ensino.

    Esse mesmo decreto de criao tambm estabeleceu a organizao da

    FNFi em quatro sees fundamentais, a saber:

    Seo

    de Filosofia, Seo de

    Cincias,

    Seo

    de Letras e

    Seo

    de Pedagogia. Havia ainda uma seo

    especial de Didtica. A Histria estava compreendida na Seo de Cincias

    junto e ao lado da Geografia. Diferente do que ocorrera na UDF, a Nacional

    de Filosofia reuniu num s curso as duas formaes profissionais. Tratava-se

    de novo captulo do processo de institucionalizao do ensino superior de

    Histria, que, agora, semelhana dos trad icionais Institutos Histricos e

    Geogrficos, vinculava-se aos saberes da Geografia . Na Universidade do

    Brasil, a separao entre ambas as disciplinas s ocorreria bem mais tarde,

    j

    em 1955 - num prenncio do processo de especializao do conhecimento

    e da departamenta1izao das estruturas universitrias.

    Antes disso, porm, a sociedade brasileira assistiu a importantes transfor

    maes sociais, e os professores da Histria foram intrpretes e atores desses

    acontecimentos . Um novo modelo de ensino superior se conformava e logo

    teria forte preponderncia sobre todo o restante do pas. Criada logo aps a Uni

    versidade de So Paulo USP)3, a Nacional de Filosofia encerrava um iderio

    de formao intelectual que grassou por geraes de estudiosos e profissionais

    em diversos campos de conhecimento, constituindo-se como marco relevante

    do desenvolvimento cultural, cientfico e tecnolgico brasileiro. Seu projeto

    acadmico ambicionava uma educao universalista e integradora, que, en

    tretanto e simultaneamente, distinguia, seccionando numa hierarquia tcita, a

    carreira cientfica da vocao para o magistrio. Com efeito, embora legalmente

    tivesse a pesquisa como seu objetivo, as atividades dainvestigao em Histria

    continuaram restritas aos tradicionais institutos histricos, pois o foco da FNFi

    foi prioritariamente voltado

    formao para o magistrio - alvo que se tomou

    padro para as faculdades de Filosofia nas dcadas de 1930

    e

    1940.

    14 PHOIN[X,

    R IO JA NEIRO,

    [5-2: 13-28

    2 9

    .

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    Em fins dos anos 1960, com o esgotamento dessa concepo educa

    cional que englobava em uma nica instituio todos os ramos do saber e

    cujos fundamentos metafisicos e epistemolgicos repousavam na ideia da

    Filosofia como a ci ncia primeira , a Faculdade Nacional de Filosofia foi

    desmembrada em diversos Institutos especializados, que hoje fazem parte

    dos quadro s da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contudo, e no obs

    tante esse desmembramento, a sua memria continua viva

    4

    sendo referncia

    obrigatria para a consolidao da universidade no Brasil.

    As primeiras instalaes da Faculdade Nacional de Filosofia foram

    no prdio da atual Escola Estadual Amaro Cavalcanti, uma das escolas

    pblicas

    fundadas pelo Impe

    rador Pedro II, que permanece

    de p at hoje e est situado no

    Largo do Machado - bairro do

    Flamengo

    foto

    esquerda).

    Mais tarde ,

    porm

    , os cursos

    da Nacional de Filosofia foram

    paulatinamente transferidos para

    o edificio Itlia - o edificio foi

    enc

    ampado

    em meados 1942 ,

    logo aps o ingresso do Brasil na II Grande Guerra- que ficava na Esplanada

    dos Mini strio s, centro do Rio de Janeiro foto direita), bem prximo ao

    lugar onde , em 1952, seria instalado o Restaurante Central dos Estudantes

    Calabouo . Em maro de 1967, sob o impacto da Reforma Universitria,

    o Instituto de Filosofi a e Cincias Sociais IFCS) foi criado pela reunio do

    Instituto de Cincias Soci ais ICS/ e dos

    Departamentos de Histria e de Filosofia

    daquela

    antiga Faculdade .

    Ma

    s log o em

    seguida, sob forte oposi o do movimento

    estudantil , o recm-criado IFCS foi trans

    ferido para a sede do ICS , que ficava

    num

    a

    casa do bairro de Botafogo, cuja propriedade

    havia sido da famlia de Joaquim Nabuco,

    localizada na Rua Marqus de Olinda, perto

    da Livraria Editora Jos Olympio, que j

    ento publicava e reuni a os mais express ivos

    nomes da inteligncia brasileira. Finalmente,

    P

    Hoi

    NIX. R IO DE JANEIRO, 15-2: 13-28.2009.

    15

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    16/138

    em 1969, o curso de Histria mudou-se para o Largo de So Francisco de

    Paula, onde, h quatro dcadas, o IFCS est localizado.

    Nesse antigo prdio da Escola Politcnica

    foto esquerda , seus

    docentes tm formado numerosas geraes de professores estudiosos da

    Histria. E, desde os anos 1980,

    dedicam-se, com igual intensidade

    e envolvimento, s atividades da

    pesquisa e extenso. Porque, se,

    no passado, nos tempos da antiga

    Nacional de Filosofia, tais frentes

    de atuao foram consideradas

    excludentes - j que se preferiu

    o ensino

    r

    o magistrio em

    detrimento formao do pesqui

    sador - desde a redemocratizao

    poltica da sociedade brasileira, assinalando o retomo ao estado de direito

    e, mais notadamente ainda, durante os anos noventa do sculo XX - com a

    abertura do turno noturno no curso de Graduao 1994 , com a realizao

    de sucessivos concursos pblicos para provimento de vagas docentes que

    resultaram num impressionante sopro renovador do quadro permanente ,

    com a consolidao do curso de Mestrado e a criao do Doutorado nos pro

    gramas de Ps-graduao em Histria - enfim, com o somatrio combinado

    de todos esses fatores polticos ou sociais e esforos para a reorganizao

    institucional e reestruturao acadmica , o curso de Histria da UFRJ tem

    se consagrado como um importante ncleo da produo historiogrfica

    brasileira e de formao profissional de historiadores.

    RONOLOGI SELE ION D

    7

    92

    o Decreto 14.343, de 7 de setembro, institui a Universidade do Rio

    de Janeiro - justaposio de trs escolas tradicionais que conservaram as

    suas caractersticas originais.

    P O i T X

    R IO n F I R O

    T

    2 zx

    2 9 ~

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    17/138

    1931

    Reforma Francisco Campos. O governo sanciona um conjunto de

    decretos, organizando o ensino secundrio e estabelecendo novo projeto de

    ensino superior no Brasil: Decreto 19.850, de II de abril, cria o Conselho

    Nacional de Educao; Decreto 19.851, de

    de abril, institui o Estatuto

    das Universidades Brasileiras, que dispe sobre a organizao do ensino

    superior no Brasil, adotando o regime universitrio; o Decreto 21.241 , de

    14 de abril, consolida as disposies sobre o ensino secundrio.

    1934

    Pela primeira vez, a Constituio estabelece que a educao direito

    de todos e deve ser ministrada pela famlia e pelos Poderes Pblicos.

    Incio das atividades do Conselho Nacional de Educao CNE e dos

    Conselhos Estaduais de Educao CEEs .

    instituda a Inspetoria de Monumentos Nacionais IPM , primeiro

    rgo voltado para a preservao do patrimnio histrico Decreto n. 24.735,

    de 14 de julho .

    1935

    O Decreto 5.513, de 4 de abril, cria a Universidade do Distrito Federal

    UDF .

    1937

    A Constituiode 1937suprime o texto

    a educao direito de todos

    Lei 452, de 5 de julho: fundao da Universidade do Brasil. SeuArtigo

    27 estabelece a natureza dos vnculos entre a Universidade e o Governo,

    dispondo que o reitor e os diretores das unidades de ensino seriam escolhi

    dos, dentre os catedrticos, pelo presidente da Repblica e nomeados em

    Comisso, at que fosse decretado o Estatuto da Universidade.

    criado o Servio do Patrimnio Histrico eArtsticoNacional Sphan :

    seu primeiro presidente foi Rodrigo de Melo Franco de Andrade.

    1938

    Ano da fundao da Unio Nacional dos Estudantes UNE .

    PHoiNIX. R

    E

    N

    EIRO

    15-2: 13-28.2009. 17

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    18/138

    939

    o

    Decreto-Lei 1.063 , de 20 de janeiro, extingue a Universidade do

    Distrito Federal, e seus quadros so incorporados Universidade do Brasil.

    O Decreto-Lei 1.190, de 4 de abril, cria a Faculdade Nacional de Filosofia

    FNFi , organizando-a em quatro Sees fundamentais: Seo de Filosofia,

    Seo de Cincias, Seo de Letras e Seo de Pedagogia; e Seo Especial

    de Didtica.Ao professor catedrtico so concedidos poderes para requisitar,

    conforme a necessidade do ensino, um ou mais professores assistentes para

    a sua ctedra a vitaliciedade das ctedras foi estabelecida posteriormente,

    no Artigo 168 da Constituio de 1946. Vigorando por quase trinta anos, o

    sistema de ctedra ser extinto apenas em 1967 .

    94

    Em 9 de abril, promulgada a Lei Orgnica do Ensino Secundrio,

    conhec ida como Reforma Capanema.

    946

    A nova Constituio determina a obrigatoriedade do Ensino Primrio

    e d competncia Unio para legislar sobre as diretrizes e bases da edu

    cao nacional. O texto educ o direito de todos volta a figurar na

    carta constitucional.

    aprovado o Estatuto da Universidade do Brasil. O Decreto 21.321,

    de 18 de

    julho

    , estabelece o ensino e a pesquisa como seus objetivos, e o

    regime de tempo integral para os docentes no desenvolvimento dessas ativi

    dades. Tambm disps sobre a nova estrutura organizacional da FNFi, que

    passava a congregar os seguintes Departamentos: Departamento de Filosofia,

    Departamento de Matemtica, Departamento de Fsica, Departamento de

    Qumica, Departamento de Histria Natural, Departamento de Histria e

    Geografia, Departamento de Cincias Sociais, Departamento de Letras e

    Departamento de Pedagogia. A partir de ento , so extintas as Sees na

    estrutura acadmico-administrativa da

    FNFi

    .

    O Decreto-Lei 9.092, de 26 de maro, prev alteraes no processo de

    formao pedaggica. om dupla orientao, o EL mantinha o formato

    adotado pela FNFi, mas tamb m permitia uma nova orientao curricular

    suprimindo o curso de Didtica. Os

    cur

    sos passariam a ter quatro sries

    consecutivas, e a formao pedaggica do candidato ao magistrio seria

    18

    PHoiNIX.

    RIO DE JANEIRO.

    15-2: 13-28. 2009.

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    19/138

    reduzida, transcorrendo simultaneamente ao bacharelado. Ao contrrio da

    USP, a Nacional de Filosofia rejeitou a nova modalidade.

    O Decreto-Lei 9

    0053

    amplia o regime didtico das Faculdades de Fi

    losofia, tomando obrigatria a existncia dos ginsios de aplicao futuros

    Colgios de Aplicao - CAPs o

    948

    Emjulho, criao da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    SBPC): seu primeiro presidente foi Jorge Americano USP).

    95

    Criao do Conselho Nacional de Pesquisas CNPq) - lvaro Alberto

    da Mota e Silva foi nomeado seu presidente. Criao da CampanhaNacional

    deAperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior atual Capes): seu primeiro

    dirigente foi Ansio Teixeira .

    95

    Com a criao doMinistrio da Sade, o antigoMinistrio da Educao

    e Sade Pblica desmembra-se e passa a se chamarMinistrio da Educao

    e Cultura

    MEC o

    Em 19de novembro, atravs do Processo 5.167, d-se a separao entre

    os cursos de Geografia e Histria da Faculdade Nacional de Filosofia.

    955

    Reunindo intelectuais do Rio de Janeiro e So Paulo, foi criado do

    Instituto Superior de Estudos Brasileiros Iseb), cujas finalidades eram o

    estudo, o ensino e a divulgao das cincias sociais , notadamente da socio

    logia, da histria, da economia e da poltica, especialmente para o fim de

    aplicar as categorias e os dados dessas cincias anlise e compreenso

    crtica da realidade brasileira, visando elaborao de instrumentos tericos

    que permitam o incentivo e a promoo do desenvolvimento nacional .

    Decreto 37.608)

    958

    Sob a inspirao dos ideais divulgados pelo Iseb, foi lanado o Boletim

    PHONIX,

    RIO DE J ANEIRO,

    15-2: 13-28,2009.

    19

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    20/138

    de Histria da Faculdade Nacional de Filosofia

    publicao que passou a contar com a participao

    de vrios alunos, dentre os quais : Jos Luiz Wemeck

    da Silva, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti Neto, Pe

    dro de Alcntara Figueira, Ondemar Ferreira Dias

    Junior, Jos Amrico Motta Pessanha

    8

    96

    Na cidade de Marlia, So Paulo, entre os dias 15 e 21 de outubro, no

    I Simpsio dos Professores de Histria do Ensino Superior, fundao da

    Associao dos Professores Universitrios de Histria a atual ANPUH).

    Seu primeiro presidente foi o catedrtico de HistriaAntiga e Medieval da

    Universidade do Brasil, Eremildo Luiz Vianna - que, nessa mesma poca,

    tambm exercia o cargo de Diretor da FNFi gestes 1953 - 1963).

    Depois de treze anos de intensos debates, em 20 de dezembro, entrava em

    vigor a Lei 4.024, que fixou as Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

    962

    Em cumprimento LDB, criado o Conselho Federal de Educao,

    que substitua o Conselho Nacional de Educao. O MEC estabelece o

    Plano Nacional de Educao e o Programa Nacional de Alfabetizao, sob

    a inspirao do mtodo Paulo Freire.

    964

    Posta na ilegalidade, a Unio Nacional dos Estudantes tem a sua sede

    invadida e incendiada.

    Em 2 de junho, a Reunio Extraordinria da FNFi foi iniciada com o

    comunicado de que as atas das suas ltimas plenrias deixariam de ser lidas,

    pois foram requisitadas pela Comisso de Inqurito instalada para averiguar a

    acusao de subverso dirigida contra o corpo docente da Nacional de Filosofia.

    Constituda no Conselho Universitrio, mas presidida pelo General Acyr Rocha

    Nbrega, essa comisso, afirmou o professor Jorge Kingston, findou os seus tra

    balhos demodoinfeliz .pois f ezacusaes noseu relatrio ao

    ex diretor

    Prof

    Eremildo

    Vianna

    [acusadode peculato]

    e

    Congregao e, nemaomenosaplicou

    penalidadesaos estudantes comprovadamente subversivos e desordeiros .

    20 PHOINIX, RIo DE JANEIRO, 15-2: 13-28

    2 9

    .

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    21/138

    96

    A Lei 4.831, de 5 de novembro, altera as denominaes das Universi

    dades Federais situadas nas cidades do Rio de Janeiro e Niteri, que passam

    a chamar Universidade Federal do Rio de Janeiro U ~ R J e Universidade

    Federal Fluminense (UFF), respectivamente.

    Conhecido como Parecer Sucupira , o Parecer CES 977, de 3 de

    dezembro, define a natureza e os objetivos dos cursos de Ps-graduao.

    966

    A UNE decreta greve geral e elege o dia 22 de setembro como o Dia

    Nacional de Luta contra a Ditadura. Apolcia invade a Faculdade Nacional de

    Medicina: o episdio ficou conhecido como o Massacre da Praia Vermelha.

    967

    Consolidando diversos instrumentos legais, a Reforma Universitriaj

    indicava as suas diretrizes gerais no Decreto-Lei 252 e, ao fim, resultou: na

    dissoluo do regime de ctedras, que foram substitudas pelos Departamen

    tos (clulas bsicas da estrutura acadmica que passaram a integrar as reas

    disciplinares); no estabelecimento do sistema de crditos e das matrculas por

    disciplina, findando com as turmas anuais e com as tradicionais matrculas

    por srie; na criao dos ciclos bsico e profissionalizante; na extino das

    antigas Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras.

    Sob o mesmo nimo da Reforma Universitria, o artigo 20 do Decreto

    Lei 60.455, de 13 de maro, d criao ao Instituto de Filosofia e Cincias

    Sociais (IFCS). APortaria 354 (DOU 31/05/1967) designa o professorDjacir

    Menezes (1907-1996) como o seu primeiro diretor pro-tempore.

    Em 21 de novembro, o primeiro ponto de pauta da segunda Reunio de

    Reorganizao do IFCS foi o debate acerca da atitude grevista dos estudan

    tes dos cursos de Cincias Sociais Histria e Filosofia desde a transferncia

    dos referidos da sede da Faculdade de Filosofiap r este Instituto [situado

    na Rua Marqus de Olinda, 64 - Botafogo], dia 26 prximo passado .

    A proposta para o novo Regimento do IFCS finalmente estabeleceu

    que

    o s alunos aprovados no ano bsico dos cursos de bacharelado

    p -

    dero seguir simultaneamente as disciplinas pedaggicas exigidas p r a

    licenciatura .

    PHoiNIX,

    R

    DE JAN EIRO, 15-2: 13-28,2009.

    21

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    22/138

    1968

    Desde janeiro, as reunies de Reorganizao do IFCS passam a ser

    reconhecidas como reunies de Congregao do Instituto de Filosofia e

    Cincias Sociais. A Professora Maria Yedda Leite Linhares, do curso de

    Histria, apresenta proposta para formao dos cursos de Mestrado e Aper

    feioamento. Em fevereiro, a Professora Marina So Paulo de Vasconcellos,

    do curso de Cincias Sociais, toma-se Diretorapro tempore do IFCS. Entre

    outras deliberaes, ela apresenta Congregao de maro, uma moo de

    solidariedade ao Professor Florestan Fernandes USP que fora forado a

    solicitar demisso depois de

    anos de magistrio .

    Nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, em 26 de junho, a

    Passeata dos Cem Mil.

    Em 3 de outubro, no mesmo dia em

    que ocorria a Batalha da Maria Antnio -

    briga campal entre os estudantes da USP e

    da Mackenzie - o IFCS sofreu um atentado

    terrorista

    10.

    No dia seguinte, em reunio

    da Congregao, a diretora do Instituto

    nomeia uma comisso r a apurao

    dos fatos , informando que as providncias

    tomadas abrangem a presena da polcia

    tcnica, uma viglia cvica de professores e

    alunos, a visita reitoria. Informa tambm

    que o reitor autorizou medidas imediatas

    para a restaurao dos danos materiais.

    Nessa mesma reunio, a professora Ma

    rina So Paulo de Vasconcellos discorre sobre a aprovao pelo Conselho

    Universitrio do novo Regimento do IFCS .

    Atravs dos atos de exceo que culminaram no AI-5, foram cassados

    os seguintes professores dos cursos de Cincias Sociais, Filosofia e Histria

    da Universidade do Brasil / UFRJ: lvaro Vieira Pinto, Eullia Maria Lah

    mayer Lobo , Evaristo de Moraes Filho , Guy Jos Paulo de Holanda, Hugo

    Weiss, Lincoln Bicalho Roque , Manoel Mauricio de Albuquerque, Maria

    Yedda Leite Linhares, Marina So Paulo de Vasconcellos, Mrio Antnio

    Barata, Miriam Limoeiro Cardoso, Moema Eullia de Oliveira Toscano,

    Victor Nunes Leal, Wanderley Guilherme dos Santos .

    22 PHoiNIX,

    RI O DE JANEIRO,

    15-2: 13-28, 2009.

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    23/138

    1969

    Entra em vigor o Decreto-Lei 477, de 26 de fevereiro, que

    define

    lrf raes disciplinares praticadas rprofessores alunos funcionrios ou

    empregados de estabelecimentos de ensino pblico ou particulares .

    O IFCS foi transferido para o antigo prdio da Escola Politcnica,

    situado no centro histrico da cidade, no Largo de So Francisco de Paula.

    Antes , na Congregao de fevereiro , a presidente do Diretrio Acadmico

    apresenta as reivindica es estudantis para ampliao das vagas do vestibular

    e abertura de cursos no turno noturno.

    O Parecer CFE 77 regulamenta o Sistema Nacional de Ps-graduao.

    9

    Em reao crescente demanda por mais vagas, visando resolver a crise

    dos chamados excedentes , o Decreto 68.908, de 13 de julho, dispe sobre

    o ConcursoVestibular e fixa as condies para a admisso na Universidade,

    estabelecendo o carter classificatrio dos vestibulares.

    1975

    Desenvolvimento do primeiro Plano Nacional de Ps-graduao (I

    I NPG), que vigorou durante o periodo de 1975 a 1979.O Conselho de Ensino

    para Graduados (CEPG) consolida a legislao atinente Ps-graduao na

    U RJ e estabelece a regulamentao dos cursos de Ps-graduao (Reso

    luo PG n. 1/75).

    1978/1979

    A Portaria 505 do M aprova as diretrizes bsicas para o ensino de

    Moral e Cvica (EMC) e Organizao Social e Poltica Brasileira (OSPB)

    nos cursos de 1 e 2 graus, e de Estudos de Problemas Brasileiros (EPB)

    nos cursos superiores.

    Em Congregao, o IFCS regulamenta as primeiras iniciativas de

    formao de cursos de Ps-graduao em Histria, que

    j

    estavam em funcio

    namento desde 1970, mas s obtiveram a aprovao do P G em 1979.

    A Resoluo CFE 07/79 distingue os contedos programticos da dis

    ciplina Estudos Sociais, permitindo, a partir das ltimas sries do

    Grau,

    o seu desdobramento em Histria e Geografia.

    ruoxrx R IO DE JANEIRO, 152: 13-28, 2009. 23

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    24/138

    Em 25 de junho de 1979, a Associao de Docentes da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro ADUFRJ promove manifestao pela reinte

    grao dos pro essores cassados.

    198

    No incio dos anos 1980, foi formado o primeiro

    ncleo de pesquisa do Departamento de Histria: o

    Ncleo de Pesquisa e Estudos Histricos NPEH . Pio

    neiro, o NPEH foi anterior a qualqu er regulamentao

    da UFRJ sobre a formao de Ncleos e Laboratrios de

    Pesquisa. Sua formao visava renovar a historiografia

    brasileira e as discusses terico-metodolgicas acerca

    da escrita da histria, e sinali zou para o propsito de

    no dissociar o ensino da pesquisa no curso de Graduao.

    Com o objetivo de divulgar conferncias e eventos promovidos pelo

    Mestrado do curso de Histria, so public ados

    Histria em Cadernos

    Du

    rante toda a dcada de 1980, essas brochuras circularam e foram um impor

    tante veculo para a consolidao das atividades de pesquisa e extenso.

    1982

    Com seu curso de Mestrado em funcionamento desde 1980, o Programa

    de Ps-graduao em Histria Social Ppghis reconhecido pelo MEC e

    ter o Doutorado credenciado dez anos depoi s, em 1992. Desde o seu incio,

    o Ppghis formou mais de quinhentos estudiosos da Histria, sendo um

    consagrado ncleo da produo historiogrfica brasileira.

    1985

    Jos Luiz Foresti Wemeck da Silva 1932-1995, na chefia do Depar

    tamento de Histria da UFRJ , publica A deformao da histria; ou Para

    no esquecer Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985 . Em um esforo

    para passar a Histria a limpo , o livro reunia depoimentos, a memria e as

    interpretaes sobre fatos da histri a recente de importantes historiadores

    do Rio de Janeiro.

    24

    PHo iNIX. R IO DE J NEIRO15-2: 13-28. 2009.

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    25/138

    988 1989

    o

    Artigo 207 da Constituio de 1988 prev que

    a s

    universidades gozam de autonomia didtico-cientfica [...]

    e obedecero ao princip io de indissociabilidade entre

    ensino pesquisa e extenso .

    Depois de acirrado processo de escolha discente, em

    que a sigla Casa (meno a Stuart Angel) foi preterida, o

    rgo da representao estudantil do curso de Histria assu-

    me o nome de Centro Acadmico Manoel Mauri cio de Albuquerque. (Cam

    ma), homenageando o professor do IFCS que fora eassado pelo AI-S.

    1994

    Apartir do segundo semestre letivo, numa ampliao de 100 na oferta

    de vagas do vestibular, o curso de Histria da UFRJ abre um novo turno e

    passa a oferecer os cursos de Bacharelado e Licenciatura em dois regimes de

    turno: o integral e o noturno. Sob o impulso dessa ampliao, o Departamento

    de Histria renova cerca de 70 do seu quadro docente permanente.

    1995

    Em agosto, o Laboratrio de Histria Antiga (Lhia)

    lana o primeironmeroda revista

    oinix -

    athojeanica

    publicao nacional especializada em Histria Antiga. O

    peridico caracteriza-se por ser frum isonmico de divul

    gao cientfica que busca a peculiaridade das abordagens

    historiogrficas brasi leiras, sendo um intermediador do

    dilogo entre os estudiosos da Anti

    guidad

    e brasileiros

    e es trange iros .Atualmente, a revista circula em

    meio

    impress o e em virtual (http

    : ww

    w.lhia.ufrj .br) .

    19

    96

    997

    Aps oito anos de discusses no Congresso Naeional, sancionada a

    Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nac ional.

    Sob a direo da Professora Yvonne Maggie de Leers Costa Ribeiro,

    (em ineio a reforma e modernizao das instalaes da biblioteca do IFCS,

    Biblioteca Marina So Paulo VasconcelIos.

    I HOiNIX, R IO DE J ANEIRO, 15-2: 13-28, 2009.

    25

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    26/138

    2000

    Foi publicado oprimeiro nmero deTopoi. Revis-

    ta de Histria, peridicodoProgramadePs-graduao

    em Histria Social Ppghis . O peridico objetiva pro

    mover o debate intelectual e a reflexono campo

    s

    Ci

    ncias Humanas e Sociais, atravs de recenses criticas

    sobre a produo recente e da divulgao de pesquisas

    realizadas por especialistas altamente qualificados no

    Brasil e no exterior. Desde dezembro de 2008, Topoi

    apresenta-se renovada, em formato eletrnico, acessvel

    no stio http://www.revistatopoi.org

    2002

    Com o apoio da Reitoria, o Programa de Ps-graduao em Histria

    Comparada PPGHC inicia as suas atividades. Em maio de 2004 , o PPGHC

    obtm o credenciamento da Capes, sendo devidamente reconhecido pelo

    MEC em 10 de novembro. Rapidamente, em 2007, o PPGHC d incio ao

    curso de Doutorado, alcanando o conceito quatro na Capes.

    2004

    No fim do ano letivo, comea a circular o

    Caderno

    Universitrio de

    Histria

    CUH , peridico discente publicado pelos alunos de Graduao.

    A partir de ento, o CUH promove uma srie de ciclos de debates acerca das

    pesquisas do alunato. Poucos anos depois, em abril de 2008, os mestrandos e

    doutorandos de ambos os programas de Ps-graduao do curso de Histria

    PPGHIS e PPGHC organizam conjuntamente

    Dilogos

    Aproximaes:

    Seminrio de Pesquisa da Ps graduao em Histria da UFRJ evento

    acadmico que reuniu jovens historiadores de todo o Brasil.

    2007

    O Programade Ps-graduao em Histria Comparada PPGHC lana

    a Revista de HistriaComparada em meio virtual http://www.hcomparada.

    ifcs.ufij.br/revistahc .A revista caracteriza-sepor ser um espao de publicao

    dedicado a: demonstrar a originalidade e a singularidade das abordagens com

    parativas nos diversos modelos metodolgicos possveis; estabelecer um lugar

    de dilogo de historiadores com os demais saberes ; e garantir a diversidade e

    26

    PHOINIX,

    RI O DE JANEIRO,

    15-2: 13-28

    ,2009

    .

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    27/138

    a qualidade cientfica, sendo, por excelncia, um campo de experimentao

    comparada dos resultados de pesquisa, aberta a criticas e sugestes.

    9

    Em 13 de maio, a Plenria Ordinria do Departamento de Histria

    aprova a iniciativa para a autonomia do curso de Histria, indicando os inte

    grantes da Comisso Constituinte que iro elaborar o documento de criao

    com as diretrizes do futuro Instituto de Histria da UFRJ. Em 27 de agosto,

    a Plenria Ordinria do Departamento de Histria aprova a criao do Insti

    tuto de Histria da UFRJ. No dia 12 de novembro, o Instituto de Histria

    aprovado pela Congregao do IFCS, em reunio extraordinria.

    SEVENTY

    YEARS OF

    HISTORYAT

    UFRJ

    1939-2009

    Abstract: This artic e shows a resume of the 70 years of the Universidade

    Federal do Rio de Janeiro s History course

    Keywords: History;

    U RJs

    History Course; chronology

    Notas

    Este Breve Histrico fragmento de Histria

    -

    Diretrizes para o novo projeto

    acadmico do curso de Histria da U RJ

    documento de criao e constituinte do

    Instituto de Histria da UFRJ . A sua elaborao s foi possvel graas s pesquisas

    da Comisso Organizadora das Celebraes dos setenta anos do curso de Histria

    COC-70 , instituda na Plenria Ordinria do Departamento de Histria, em 19 de

    maro de 2008, e composta pelos professores Jos Murilo de Carvalho presiden

    te , Francisco Falcon titular aposentado , Manoel Salgado Guimares, Marieta de

    Moraes Ferreira e Norma Musco Mendes.

    2

    Para um quadro comparativo entre as concepes de histria que orientaram os pro

    jetos acadmico pedaggicos da UDF e da FNFi, ver FERREIRA, Marieta M. Notas

    sobre a institucionalizao dos cursos universitrios. ln: GUIMARAES, M. S. Org.

    Estudos

    sobre

    a escrita da Histria. Rio de Janeiro : 7 Letras, 2006, p. 139-I61.

    J

    Sobre a histria da USP, ver MOTOYAMA, S. Org .

    USP

    70

    anos

    - Imagens de

    uma histria vivida. So Paulo: Edusp e Centro de Histria da Cincia, 2006 .

    P lO

    IY

    U Ull \c l I lu n

    lo

    R:

    O

    7

  • 7/25/2019 Phonix, 2009 - V. 5, N. 2

    28/138

    Sobre a FNFi, ver o importante trabalho de FVERO, M. L. A. (Coord.) Facul-

    dade Nacional de Filosofia. Rio de Janeiro: ProedeslUFRJ,

    1992 6

    v.

    5 O Instituto de Cincias Sociai s da Universidade do Brasil, cujo primeiro presiden

    te foi Victor Nunes Leal (1914-1985), foi oportunamente criado em 1959, obtendo

    recursos em virtude da meta 30 do Plano de Metas do governo JK. A propsito,

    cf

    FARIA, L. de C. A Antropologia no Brasil. Depoimento sem compromisso de

    um militante em recesso. ln : Anurio antropolgico, n. 82. Edies UFC; Rio

    de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. Sobre a histria das Cincias Sociais no Rio

    de Janeiro, entre outros, ver os trabalhos de Glaucia Villas Bas, particularmente:

    VILLAS BAS , G. K.

    Mudana

    provocada Passado e futuro no pensamento so

    ciolgico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 2006 .

    6 Sobre a histria do prdio da Politcnica, que remonta Real Academia Militar

    fundada aps a vinda da famlia real, h uma importante referncia bibliogrfica

    de autoria do historiador Mrio Barata (1921-2007), professor emrito do curso de

    Histria da UFRJ : BARATA, M.

    Escola

    Politcnica do

    Largo

    de So Francisco:

    bero da Engenharia brasileira. Rio de Jane iro: Clube de Engenharia, 1973.

    7 As informaes para esta cronologia foram compiladas nos arquivos do IFCS e

    do Proedes pelos seguintes bolsistas da COC-70, alunos do curso de Graduao em

    Histria: Andr Barbosa Fraga, Jorge Moraes, Daiane Lopes Elias, Elizete Gomes

    Coelho dos Santos, Daniela Baeta e Fernanda de Souza Antunes.

    8

    Imagem da capa do segundo nmero do Boletim de Histria

    da

    Faculdade

    Nacional

    de Filosofia.

    9 Em 28/11/1968, a Lei 5.540 extingue a estrutura das ctedras nas instituies de

    ensino superior brasileiras. A Lei 5.540, de 28/11/1968, fixa normas de organiza

    o e funcionamento do ensino superior e sua articulao com a escola mdia. O

    Decreto-Lei 464, a Reforma Universitria, fixa normas para incremento de matri

    culas no ensino superior.

    10 Sobre o atentado terrorista, Gilberto Velho, ento aluno, recorda: Marina

    j

    diretora

    { ..]

    jogaram uma bomba na Marqus de Olinda. Essa bomba explodiu naquela rvore

    que ainda est l nojardimda Marqus de Olinda 64. Apud R EIRO A. M.Marina

    de Vasconcellose o IFCSIUFRJ em tempos extraordinrios:AI-5, represso, conflitos e

    o sentido da universidade pblica.

    ln:

    MUNTEAL

    et alii.

    (Org.) Tempo negro, tempe

    ratura sufocante - Estado e sociedade no Brasil doAI-5. Rio de Janeiro: Contraponto,

    2008, p 248. Tombada pela Prefeitura, a rvore, um belo espcime de pau-ferro plan

    tado em 1867, permanece intacta at os dias de hoje (foto da pgina anterior); a casa,

    contudo, foi demolida e deu lugar a um moderno edificio residencial.

    11 Imagem da capa do livro de LOBO, E. et alii. (Org.) Manoel Mauricio de Al

    buquerque:

    mestre-escola bem-amado; Historiador maldito. Obra pstuma. Rio de

    Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987, 236p.

    PHOlNIX R

    O

    JANPIR O 1 .? 200 1

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    29/138

    UM DISCUSSO SO RE L CEDEMNI

    .

    Isabel

    Sant

    Ana Martins Romeo

    Resumo:

    Adaptao doprimeiro captulo de minha dissertao este artigopretende

    introduzir alguns questionamentos baseados na historiografia recente

    sobre a posio e a atuao da esposa bem nascida espartana no perodo

    compreendido entre os sculos Ve VI a.c.

    Palavras chave: Esparta; Histria Comparada ; gnero discursos de

    identidade.

    tulo sugestivo deixa claro nosso objetivo neste artigo: discutir os

    discursos. Entretanto, os discursos aos quais nos referimos limitam-se

    historiografia. Mas por que ela? Para respondermos, vale relembrarmos um

    pouco o paradigma ps-moderno.

    Na introduo de Domnios da Histria Cardoso escreve sobre a

    influncia ps-modema nos estudos voltados para Histria como contra

    ponto do paradigma iluminista , que buscava uma Histria com aspiraes

    cientficas e racionais .

    Acreditava se que fora de tal atitude bsica o saber histrico no

    responderia s demandas surgidas da prxis socialhumana no que

    tange existncia e experincia dos seres humanos no tempo

    nem seria adequado no enfoque da temporalidade histrica como

    objeto. CARDOSO, 1997, pA)

    Mestre em Histria Comparada pelo Programa de Ps-graduao em Histria

    Comparada PPGHC da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ .

    P oiNIx RIo DE JANEIRO,

    15-2: 29-53, 2009.

    29

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    Crticas apontavam falhas no paradigma iluminista . Censuravam a

    ideia de progresso e a prpria racionalidade dos discursos historiogrficos

    medida que reconheciam o poder nos prprios discursos.Alm disso, mui

    tos estudiosos incomodavam-se com a falta de preocupao da Histria com

    o indivduo, o subjetivo. Os ltimos anos do sculo XIX caracterizaram-se,

    ento,

    por

    um mal-estar terico e epistemolgico entre os cientistas naturais,

    similar aos cientistas sociais da atualidade CARDOSO, 1997, p l3

    Ento, comea a construo do paradigma ps-moderno , quando se

    declarou a morte aos centros - centro entendido como lugar de fala - pois

    todas as posturas no so legtimas ou naturais, mas articulam interesses,

    vises particulares imersas em poderes.A Histria cede terreno s Histrias.

    Assim, compreenderam que:

    od s

    as represent es humanasde todosostipossosimbolicamente

    mediadas. Em outraspalavras, o conhecimento humanoem todasas

    suasformas tema ver com linguagens nosentidosemitico: verbais

    tanto quanto no-verbais e processos de significao semioses .

    CARDOSO, 1997,

    p l8

    Assim, o anseio pela verdade abriu caminhos para a aceitao de mlti

    plos olhares e de diversas verdades graas ao reconhecimento da historicidade

    da prpria Histria. Essa trilha reconheceu, na prpria historiografia, uma

    construo. E, com esse ponto clarificado, respondemos nossa primeira

    pergunta .

    Como amaioria dos estudiosos, nosso primeiro contato com as esposas

    lacedemnias foi atravs da historiografia, na qual o esteretipo de liberda

    de e autonomia jamais conquistado por nenhuma outra mulher no mundo

    antigo era, e ainda , muito latente. Construes, evidentemente embasadas

    na documentao escrita do mesmo perodo. Porm, ao retornarmos a esses

    escritos, uma nova interpretao aconteceu, no que esta seja especifica

    mente revolucionria ou coisa parecida: um novo olhar, uma constatao

    interessante e capaz de transformar as construes e consideraes geradas

    ao redor dessas mulheres.

    Dedicamo-nos a essas construes historiogrficas porque, muitas

    vezes, elas direcionam olhares dos historiadores e criam a verdade . Os

    olhos ficam to acostumados a certas relaes e percepes, que acabam

    direcionando as pesquisas para lugares conhecidos. No entendemos esse

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    adestramento como algo negativo, muito pelo contrrio, preciso estabe

    lecer princpios bsicos e aceitos para um maior aprofundamento nos objetos

    de pesquisa. Sem eles, haveria uma dificuldade maior para avanarmos nos

    estudos. A obra historiogrfica , pois, uma das formas possveis de repre

    sentao

    do passado, o que leva a dar relevncia , e submeter a discusso ,

    dois conceitos: verdade e verossimilitude (VALDIVIESO, 2004, p.14) .

    Trabalhando de forma qualitativa e, com uma historiografia geralmente

    recente, percebemos uma forte vinculao dos estudos sobre as esposas

    espartanas e a histria de gnero .

    Foi definitivamente na segunda metade do sculo XX que a Histria

    rendeu-se a temas e grupos sociais at ento excludos. Em muitos casos

    relacionados aos movimentos feministas , o estudo das mulheres no Brasil

    ganhou fora na dcada de 1980 e modificou de vez a antiga forma de se

    fazer Histria. At finais de 1970, os historiadores sociais compreendiam

    mulheres como uma categoria homognia de pessoas biologicamente

    femininas que, apesar de contextos e papis sociais diferentes, existiam

    enquanto essncia inaltervel (SCOTT, 1995; BURKE, 1992; SOIHET,

    1997; TILLY, 1994).

    As tenses na disciplina Histria dasMulheres

    2

    aparecemjusto quando

    questionam essa categoria essencial e reconhecem as mulheres enquanto

    mltiplas e diferentes. Emerge da a Histria de Gnero, a pala vra [que]

    indica uma rejeio ao determinismo biolgico implcito no uso de termos

    como sexo ou diferena sexual (SOIHET, 1997, p.279).

    Partindo do pressuposto de que compreender interpretar e que toda

    compreenso depende dos contextos e jogos lingusticos preexistentes que

    so expressos nos discursos , s escapamos da homogeneidade do discurso

    dominante, quando percebemos ali mais que um ponto de vista: uma cons

    truo de uma verdade imersa num conjunto delas. Nesse caso, como to os

    os atores sociais , as mulheres so construes discursivas .

    Seja como for, a histria de gnero sempre relacional, obrigando

    os estudiosos a uma estratgia metodolgica relacional (de comparao) e

    poltica. Apesar de muitos historiadores discordarem desse ltimo ponto,

    entendemos todas as histrias sob o aspecto de histria poltica, como ex

    presso de um olhar, de uma interpretao e enquanto escolha de um sujeito

    de conhecimento em relao a documentao, bibliografia, mtodos, teorias

    e vises de mundo que, obviamente, influem no trabalho final.

    PHOiNIX, R DE JANEIRO, 15-2: 29-53, 2009.

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    No se trata de estudarmos experincias, mas construes, isto , com

    preender os homens e as mulheres espartanos como categorias discursivas,

    produto s culturais dotados de intenes e poderes que se reproduzem e se

    transformam pelo tempo .

    Percebendo o processo de socializao do gnero , a conscincia social

    do papel de cada ator social inculcada em meninos e meninas , elaborada

    por discursos e linguagens prprias, compreendemos as relaes de poder

    e negociao estabelecidas entre os sexos e ratificadas socialmente. Com a

    relao de identidade e diferena sobre gneros, estabelecida no espao de

    fala, exposta, fica mais acessvel vivenciar as prprias construes sociais

    espartanas, tanto das mulheres quanto da prpria sociedade em si.

    A Historiografia e os modelos de Esparta

    Em um artigo de agosto de 2002 , ainda balanado com o ataque s

    torres gmeas do WTC, Paul Cartledge escreve o artigo intitulado

    oie

    or

    CARTLEDGE, 2002) que, no portugus tosco, poderia ser traduzido

    por: para morrer por? . A ideia era entender os atos terroristas . Fruto de seu

    tempo, Cartledge tentou fazer uma ponte entre os acontecimentos que tanto

    o chocaram em seu momento atual com a histria espartana, para perceber

    at onde poderia ir uma ideologia de morte .

    Desenhou o mais famoso ato espartano a Batalha das Termpilas)

    como a grande prova de honra

    3

    para os antigos , questionou o fato de esta

    Termpilas) ser menos um ato heroico , mas principalmente um desprendi

    mento da vida. A mquina de guerra caminhava para a morte rumo a uma

    luta em que a desproporo numrica era de assustar qualquer mortal. A

    ligao de Esparta com o poder de guerra era conhecida desde seus antigos

    ancestrais dricos . Porm, quais seriam as razes para tanto? A defesa da

    Grcia e a preservao de uma cultura ou civilizao que influenciou toda

    uma forma de vida ocidental? Essa uma informao retroativa, sabemos

    disso porque vivemos neste tempo, mas ser que havia essa conscincia

    nos guerreiros?

    No referente s mulheres , o autor enfatiza um carter dbio . Ele se

    remete ao comportamento feminino como no usual, e ressalva que isso

    apenas acontece em relao a um padro grego. Traz tona as mulheres

    de Atenas como contraparte e diz que as espartanas sofrem uma forma de

    educao estatal - state education - que separa meninos e meninas, mas

    32

    PH lNIX,

    RIO DE JANEIRO,

    15-2: 29-53 009.

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    omparavelmente rigorosa e fsica. A quantidade de comida a mesma para

    ambos os sexos devido a um carter eugnico. Elas no se acovardavam e

    o

    permitiam que seus filhos o fizessem. Humilhavam aqueles que ficavam

    solteiros por muito tempo herdavam propriedades e terras. s vezes eram

    i nfiis e fugiam - neste caso o autor faz referncia a Helena mulher do

    rei espartano que ao fugir causa a Guerra de Troia - outras dormiam com

    outros homens encorajadas por seu prprios cnjuges.

    Cartledge expe algumas caractersticas femininas espartanas sem fazer

    meno a d ocumentao ou pensar em comprov-las. Parte do pressuposto

    de que essas caractersticas foram assimiladas por todos e reconhecidas

    como verdadeiras - at porque so anos de validao da historiografia -

    no pretendendo alongar-se por demais nesse assunto pois como indicamos

    anteriormente ele tenta um paralelo entre os espartanos e o fundamentalismo

    do homem-bomba .

    Num trabalho organizado por Cameron e Kuhrt em 1993 Mary

    Lefkowitz trabalha o poder femin ino nas sociedades antigas. Segundo seu

    raciocnio as sociedades antigas

    por razes prticas oferecem poucas

    oportunidades s mulheres para agir como indivduos fora do contexto de

    suas famlias. As mulheres podi am ser corajo sas mas no independentes.

    As mulheres estariam ligadas manuteno dos costumes.

    Mais adiante a autora escreve que Aristteles resguardava como nor

    mativo tudo que julgava aceitvel na vida ateniense c considerava desviante

    todas as demais condut as. Para ela - deixando de lado a viso aristotlica

    do poder da espartana as mulheres s afetavam o rumo dos eventos se

    agissem a favor de um homem de sua famlia : para Lefkowitz no existe

    poder feminino no espao pblico.

    Chocando-se com o esteretipo de recluso Marta Mega de Andrade

    escreve:

    Sem querer entrar no mrito das concluses, gostaria contudo de

    chamar a ateno para uma estrutura quefaz do aparecimento e da

    atividade em lima esferapblica a razo da emancipao, que,por

    sua vez, existe

    u

    stamenteporque as mulheres ocidentais de classe

    mdia , hoje, tm umpa

    p

    lpoltico, econ mico e socialfim damen-

    tal na esfera pblica do trabalho, do consumo e da op inio. Isto

    subentende que a capacidade das mulheres atuarem como suj eitos

    PHoiNIX

    R IO DE JANEIRO

    15-2: 29-53 2009.

    33

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    sociais plenos depende de seu acesso aos instrumentos que regem

    a esf era pblica o que est na base da conquista dos movimentos

    f eministas contemporneos. Nesta viso coloca se a premissa de

    que toda liberdade e emancipaofeminina pressupe um combate

    na e pela esf era pblica. ANDRADE, 2003, p.2)

    Ao pr em xeque a viso de liberdade atrelada ao espao pblico, a auto

    ra antecipa nossa indagao sobre a relao espartana/liberdade devido a sua

    atuao no espao pblico. Todavia , seu trabalho est envolvido em repensar

    o lugar social das gregas e, neste sentido , confronta-se com a historiografia

    sobre as atenienses, analisando estelas funerrias de algumas delas.

    Andrade caminha lado a lado com Sourvinou-Inwood. Segundo esta,

    os estudos da Antiguidade constituem um

    lcus muito interessante,

    me

    dida que so muitas e diversas as histrias construdas ao longo de vrios

    sculos em diferentes meios culturais, cada uma reverberando construes

    ideolgicas do presente e moldando as construes do passado atravs de

    geraes sucessivas SOURVINOU-INWOOD, 1995, pIII .A autora no

    diminui o valor das construes, mas pondera sobre as revises recentes que,

    baseadas na antropologiamodema, discutem a recluso feminina acreditando

    que caminham em terrenos seguros.

    Esse tipo de mtodo explicativo perigoso porque encobre diferenas e

    estrutura-sepor meio de modelos algenos capazes de distorcerema realidade

    especfica da sociedade antiga. Resulta numa criao de construes cuja re

    lao com a realidade vivida e a idealizao normativa da sociedade observada

    problemtica SOURVINOU-INWOOD, 1995, p. 113).

    Trabalhando com a hiptese de complementaridade entre os sexos

    na esfera pblica ateniense - pois a mulher era responsvel

    por um setor

    de extremo valor social, cultural e poltico: a religio - , a autora acredita

    que a desigualdade e a relao de subordinao encontravam-se justamente

    no interior do

    oikos.

    Sourvinou-Inwood trabalha, antes de mais nada, o

    posicionamento estrutural normativo, o poder e o controle, que deveriam

    ser conquistados pela afeio pessoal. Quando trabalha o poder feminino

    no espao pblico ateniense, inicia-se uma reescritura historiogrfica em

    que o prprio modelo de recluso ateniense e o de liberdade espartana so

    postos na berlinda.

    Trazemos tona modelos atenienses, ou melhor, novos modelos de

    leitura da sociedade ateniense porque, assim como estes, construiremos uma

    34

    PHOiNIX, RIODE J NEIRO 15-2: 29-53, 2009 .

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    nova Esparta por detrs de novas espartanas - a prpria forma de conside

    rao feminina muda toda a concepo ideolgica de uma sociedade , como

    acontece nos trabalhos citados de questionamento da chamada recluso como

    padro feminino.

    5

    rprio redirecionamento no olhar j balana antigas

    estruturas, e estas fendas abertas permitem a construo de novas bases.

    Sentimos o grande vcuo historiogrfico, quando trabalhamos os arti

    gos organizados por Elisa Garrido sobre as mulheres no mundo antigo, nos

    quais espartanas e atenienses so estudadas acentuando suas diferenas . No

    artigo de Calvo-Sotelo intitulado A Lisstrata deAristfanes , o autor, aps

    explicar detalhadamente o enredo da comdia, ressalta algumas personagens.

    Dentre elas, caracteriza a espartana - Lampito - como bela, inteligente,

    valorosa e desenvolvida , e acrescenta: Como toda espartana tpica,

    de constituio atltica, vigorosa, pratica ginstica , jura pelos Dioscuros ,

    sua

    r

    erncia geogrfica o Taigetos, fala lacnico e desconfia do sistema

    democrtico ateniense . Em outro artigo, intitulado A Mulher e a Plis

    Grega , escrito por Garcia Iglesias , encontramos:

    Se h algo para destacar da mulher espartana que se movia

    pela cidade com bastante maior soltura que o admitido em outros

    lugares. sdemais gregos de forma particular os atenienses

    censuravam muito duramente (...) a liberdade das mulheres lace-

    demnias. (GARRIDO, 1986, p. 117)

    Nes se sentido, o autor entende a opinio de Aristteles sobre as

    espartanas, e essa ideia exposta, de forma bem clara, como extensiva a

    qualquer grego no espartano, porque justificava seu sistema peculiar e sua

    moral particular. Resumidamente, Iglesias entende Esparta no s como

    o contraponto da plis de Pricles, mas como o contrassenso de toda uma

    mentalidade grega. Com as palavras sistema e moral salienta que tanto os

    costumesquanto a forma de organizao da sociedade espartana encontram-se

    em desconformidade com o padro ateniense-grego .

    No primeiro livro voltado exclusivamente para as mulheres de Espar

    ta, Sarah Pomeroy defende que a viso que possumos sobre esse assunto

    moldada pelas obras de Xenofonte e Plutarco. Seu livro cobre uma linha

    temporal bastante longa, o que transforma sua obra, de certa forma, em algo

    superficial. Comparando com a plis democrtica, diz que pouco sabemos

    sobre a vida desses homens e mulheres. i entretanto, afirma existir um acordo

    PHONIX, RIo

    DE JANEIRO,

    15-2: 29-53, 2009.

    35

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    nas evidncias daquilo que os demais gregos criam ser Esparta.Nesse senti

    do, pede cuidado com as fontes , para distinguirmos uma pretensa realidade

    histrica daquilo que se convencionou chamar miragem espartanaY A

    prpria cronologia da Antiguidade est vinculada estritamente com uma

    viso poltica que, em muitos momentos, deixa de lado eventos importantes

    da histria espartana. A linha do tempo tal como conhecemos no nos diz

    como os Espartanos manipularam, criaram e recriaram sua prpria histria

    (POMEROY, 2002 , p. 9).

    No primeiro captulo - sobre a educao - , a autora apresenta os

    primeiros passos pela educao das mulheres de Atenas, cuja responsa

    bilidade era dos pais, no havendo uma vigilncia por parte da plis,

    proporo que estas jovens deveriam se encontrar a distncia dos olhares

    pblicos. O sistema educacional parte importante da organizao polti

    ca, construdo e reafirmado desta forma. S na plis de Lenidas havia

    um sistema educacional para ambos os sexos, imposto e obrigatrio a

    todos. Pomeroy salienta que a educao dispunha-se

    para

    que as meninas

    se tomassem mes espartanas e que os rapazes se convertessem no tipo

    de soldado desejado. O sistema masculino encarado como diferente da

    quele proposto para as meninas, mais rduo e de dedicao total - tanto

    que a

    gog

    abrangia at o momento do sono , pois os rapazes dormiam

    11)

    Juntos.

    Tendo por fim que as meninas dessem luz as melhores sementes e

    criassem os melhores

    hplit s

    Pomeroy fala numa expectativa de homoge

    neizao de um tipo de me. Todavia sua explicao tropea ao entender que,

    para atingirem essa meta, no havia necessidade de uma prtica frequente,

    nem muito menos de um exame minucioso como era imposto aos rapazes

    (POMEROY, 2002, p. 4).

    Mais adiante, escreve que, pela repetio dos coros, geraes suces

    sivas aprenderam a pensar e agir como seus pais: no seria este um meio

    eficaz de conscincia e conservao de valores? E, em relao educao

    feminina, a autora frisa o suporte e o cuidado da autoridade pblica. Nesse

    caso , a afirmao descrita no pargrafo perde-se na prpria construo do

    discurso.

    Ainda em relao educao, a autora salienta que as espartanas ti

    nham muito tempo para dedicarem-se ao aprendizado da leitura e da escrita.

    Defende a ideia de que a comunicao entre mes e filhos - educados na

    36 PHOiN x, RIo DE JANEIRO, 15-2: 29-53, 2009.

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    gog - era feita atravs de cartas . Fortifica sua hiptese com as evidncias

    arqueolgicas de pedidos por escrito nos templos religiosos - mas, nesse

    caso, apesar de no haver expresso de Pomeroy neste sentido, o aprendizado

    da escrita se estenderia a outras gregas POMEROY, 2002 , p. 8).

    Confronta as atenienses e espartanas em busca de um padro de

    dif

    erenciao. Espartanas, como encorajadoras da guerra,ll estariam no

    espao da fala, em detrimento do silncio ateniense. A corrida fazia parte

    de festivais , sendo assim, no apenas as espartanas participavam disso , mas

    tambm outras mulheres de outras

    p eis

    Cita uma competio pan-helnica,

    mas sugere dvidas quanto participao feminina de Atenas. Mas o fato

    de existir uma competio feminina entre p eis j nos oferece ferramentas

    para continuarmos nosso caminho rumo desconstruo da associao

    EspartanalLiberdade.

    Diferente de Claude Moss MOSS, 1991, p. 141), que escreveu

    que os exerccios fisicos cessavam com o casamento.T Pomeroy defende a

    hiptese, com base em Aristfanes e Crtias , que tanto as grvidas quanto

    as mulheres maduras se exercitavam.

    Na eterna ausncia dos pais, as crianas eram formadas principalmen

    te, senounicamente , pelas mes POMEROY, 2002 , p. 52). Entendemos o

    advrbio unicamente restrito s crianas do sexo feminino , caso contrrio,

    estaramos deixando para trs toda uma tradio segundo a qual a educao

    masculina espartana era fomentada nos ginsios .

    Por diversas vezes e de diferentes maneiras a autora escreve sobre a

    influncia polade

    nos costumes e expectativas da sociedade proposta por

    Licurgo: chega a comparar espartanas a mes republicanas norte-americanas

    em matria de sacrificios patriticos. Entretanto, no articula a hiptese

    de essa ser a ponta do fio de Ariadne em relao a toda nossa construo

    ocidental das mulheres espartanas.

    Desvincula a possibilidade de herana como

    status

    diferencial da

    espartana, e explica que isso indica a existncia de muitas famlias em que

    no havia filhos sobreviventes, revelando que a herana s acontecia no caso

    de ausncia masculina na famlia POMEROY, 2002 , p. 56).

    Na concluso desse trabalho, Pomeroy percebe as espartanas como

    mulheres diferentes: eram sadias, se exercitavam e estudavam

    M O V T K ~

    eram livres para relaes homossexuais, e impossvel deixar de falar

    destas mulheres quando discutimos a economia espartana. Mas preciso

    P oiN x, o DE JANEIRO, 15-2: 29-53, 2009.

    37

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    38/138

    relativizar as diferenciaes porque a maneira grega de pensar exagera

    as diferenas para enquadr-Ias em categorias comparadas POMEROY,

    2002, p. 141).

    Em O Homem Gregoorganizado por Pierre Vemant, James Redfield

    trabalha o homem e a vida domstica seguindo parmetros interessantes.

    Segundo o autor, os gregos sempre aprenderam que, na ordem da plis , o

    poder legtimo encontrava-se em mos masculinas, e qualquer ameaa de

    poder feminino devia ser controlada rapidamente, por isso a desqualificao

    de tudo aquilo contrrio a essa ordem. Quando trabalha Esparta, diz ser

    uma sociedade de regime ambguo . No ritual, as mulheres adquiriam status

    equiparados aos homens , logo, sendo a sociedade espartana ritualizada,

    isso acontecia o tempo todo. Esse argumento explicaria a viso negativa do

    espao de atuao feminina frequente na documentao textual REDFIELD,

    1994, p. 153-5).

    Se as mulheres so o sinal da nossa queda na condio de natureza

    no devemos esquecer que a natureza quem nos alimenta As

    mulheres so oproblema e a soluo; so o sinal da nossa mortali-

    e mas tambm tornam

    pos

    svel que a vida continue

    -

    no s

    letra com a sua fertilidade mas tambm no plano das instituies

    REDFIELD, 1994, p. 171)

    Referindo-se s gregas em geral , Redfield acredita na participao

    feminina na construo social , seja espartana ou ateniense. Como explica

    Bourdieu, as estruturas de dominao masculina so produtos deum trabalho

    rduo histrico) de reproduo, em que agentes como os prprios homens

    e mulheres , e instituies como a famlia, a escola e o estado fazem parte.

    O poder simblico no pode se exercer sem colaborao dos que lhe so

    subordinados e que s se subordinam a ele porque o constroem como poder

    BOURDIEU, 2002, p. 52).

    Em Os Gregos ntigosFinley argumenta que:

    Todos os gregos apes r de espalhados tinham conscincia de

    pertencer a uma nica cultura -

    >

    tal como Herdoto se expressou

    FINLEY, 1988, p. 15)

    38 P Oi rx, RIo

    DE JANEIRO,

    15-2: 29-53, 2009.

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    Para o autor, a civilizao comum no significava identidade ab

    soluta, mas, para os gregos, as diferenas eram pequenas em relao

    aos pontos

    comuns.Y

    Organizando seu trabalho temporalmente, quando

    faz referncias ao perodo clssico, critica o conceito de plis e lana o

    desafio: se a plis tem tanto poder, em que sentido os gregos eram livres

    como julgavam ser?

    liberdade no se equiparava anarquia, mas a

    uma

    existncia ordenada, dentro de

    uma

    comunidade que era governada por um

    cdigo estabelecido, por todos respeitado FINLEY, 1988, p. 51). O fato

    de a comunidade ser a fonte da lei era justamente a garantia de liberdade.

    Todavia, se a plis era a fonte da lei , at onde haveria nela um espao

    de liberdade para que a prpria comunidade alterasse a ordem estabeleci

    da? Essa provocao arremessada no pretende disponibilizar a resposta.

    Nessa mstica em tomo do conceito de liberdade, nessa impreciso que

    impulsionamos nosso estudo.

    Em outro trabalho de Finley, ele expe que o amor pela vitria em Es

    parta definiu vencedores e perdedores, criando diferenas entre os iguais .

    Tudo isso era compactamente reforado psicologicamente e

    institucionalmente Vivendo em pblico durante a maior parte

    de suas vidas os espartanos eram muito mais suscetveis que

    a maioria dos povos s presses da opinio pblica e rede de

    recompensas em punies com sua grande nfase durante a

    infncia no castigo corporal e na fase adulta em variedade

    rica e imaginativa de expresses de desagrado social ou mesmo

    ostracismo

    FINLEY, 1991, p. 29)

    Se incorporarmos as espartanas interpretao de Finley, perceberemos

    um modelo coerente, no qual, obedecendo a padres

    polades

    as mulheres

    ficavam expostas para que o cuidado com sua conduta acontecesse de forma

    contnua. Nesse caso, aquilo que hoje a historiografia considera liberdade

    de ao estaria preso a um modelo de conduta reconhecido simbolicamente

    como aquele que deve ser seguido. Assim, muitos estudiosos poderiam at

    arriscar que o modelo espartano obtinha um controle maior sobre suas

    mulheres que o ateniense.

    Um trabalho que nos ajuda no desenvolvimento dessa histria o de

    Jos Carlos Rodrigues, O Tabu do orpo Nele evidenciamos que a socie

    dade humana basicamente um sistema de significao.

    PHOiNIX , RIo DE JANEIRO, 15-2: 29-53,2009.

    39

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    40/138

    [ ..}

    esta atribuio de sentido ao mundo s se torna possvelporque

    a sociedade

    ela mesma um sistema estruturado cujos componentes

    relacionam-se segundo uma determinada lgica lgica esta que

    introjetada nas mentes dos indivduos e por esse caminho pro

    j etada sobre o mundo na medida em que este p r ser apreendido

    p elos indivduos deve

    s r

    representado em suas mentes e portanto

    concebido . (RODRIGUES, 1983, p. 43)

    O que muitas vezes no considerado historiograficamente a

    consonncia do papel feminino com o modelo social existente, fruto de

    resqucios da luta da Histria das Mulheres, que ganhou espao graas

    articulao feminista inicialmente - e algumas excees que persis

    tem ainda hoje - , vitimando a po re mulher combatente no mundo

    dos homens . E, nessas bases, construmos a Esparta que conhecemos

    e reproduzimos.

    ent

    idades e alteridades nas construes de Esparta

    As alteridades das espartanas so muitas: as atenienses, as gregas

    em geral e seus compatriotas. Todas elas confluem estabelecendo uma

    identidade de autonomia e liberdade . Tendo em vista o fato de a construo

    identitria pautar-se em smbolos reconhecidos socialmente e existir enquan

    to oposio de outra , nosso modelo de identidade feminino espartano s se

    reconhece enquanto tal medida que as suas alteridades so reconhecidas

    como o so. Isso quer dizer que a construo da espartana no se encontra

    sozinha, mas numa rede de articulaes identitrias que traam o caminho

    pelo qual a Histria acontece.

    A escolha das caractersticas na construo de uma identidade no

    invalida possveis contradies - como o caso das referentes s esparta

    nas. Essas qualidades e/ou defeitos esto sempre imersas em sistemas de

    representaes produzidos por uma cultura particular, gerando significados

    que permeiam todas as relaes sociais, medida que so responsveis pelo

    sentido das experincias vividas . Essa prtica de significao est envolta

    por relaes de poder (capazes de definir os includos e os excludos dessa

    identidade). Todavia, vale lembrar que no podemos desarticular os signifi

    cados sociais de seus contextos, pois tanto o processo de significao quanto

    a identidade so histricos.

    40 PHOiNIX, RIo DE JANEIRO, 15-2: 29-53, 2009.

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    Todaprtica social simbolicamente marcada. As identidades so

    diversas e cambiantes tanto nos contextos sociais nos quais elas so

    vividas quanto nos sistemas simblicos

    por

    meio dos quais damos

    sentido as nossas prprias posies.

    WOODWARD, 2000, p.33)

    Se imaginarmos que os sistemas classificatrios produzem significados

    estabelecendo diferenas, criando, assim, uma ordem social, um sistema

    partilhado de significao cultura), apenas exagerando a diferena entre o

    que est dentro e o que est fora, acima e abaixo, homem e mulher, a favor e

    contra, que se cria a aparncia de

    uma

    ordem. ...)A ordem social mantida

    por meio de oposies binrias WOODWARD, 2000, p.46).

    Assim, a identidade plena quando:

    Quaisquer que sej am os conjuntos de significados construdos pelos

    discursos eles s podem ser efi cazes se eles nos recrutam como

    sujeito . Ossuj eitos so assimsujeitados ao discurso e devem eles

    prprios assumilo como

    ind

    ivduos que dess rm se posicio-

    nam a

    si

    prprios.

    WOODWARD, 2000 , p.55)

    Trazendo isso para o nosso contexto, temos acesso, pela documentao,

    s identidades criadas, mas no a uma confirma o feminina lacedemnia

    de posicionamento de si.

    Nessa documentao, capturamos os sistemas

    simblicos gregos, em geral, e espartanos, em particular, para, a partir da ,

    entender a identidade da esposa lacedemnia em conformidade com os

    padres culturais da poca.

    Como descrevemos, as opinies e concepes historiogrficas transfor

    mam-se em vista do tema abordado e da apreenso significativa de cada autor.

    Em contrapartida, boa parte da interpretao acontece seguindo um legado j

    institudo e caracterizado verdadeiro. Na maioria dos casos, na relao direta

    com as atenienses que as espartanas so desenvolvidas.As releituras correntes

    do feminino na

    plis

    de Pricles ainda no atingiram espao suficiente a ponto

    de abalar a rgida estrutura, lac nica , das esposas de Esparta.

    ls

    Na pers

    pectiva da diversidade, a diferena e a identidade tendem a ser naturalizadas,

    cristalizadas, essencializadas. So tomadas como dados ou fatos da vida social

    diante dos quais se deve tomar posio SILVA, 2000, p. 73).

    Percebendo a relao de dependncia existente entre a identidade e a di

    ferena , em que uma s se define quando a outra est claramente estabelecida,

    PHOiNIX , RIo

    DE JANEIRO,

    15-2: 29-53

    2009

    .

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    e, sendo ambas criaes lingusticas, o que acontece quando um dos pilares

    destrudo?

    Uma

    nova relao firmada e as identidades redefinidas.

    A possibilidade de cruzar front eiras e de estar nafronteira

    de ter

    uma identidade ambgua, indefinida, uma demonstrao do carter

    artificialmente imposto das identidadesfixas.

    O

    cruzamentodefron-

    teiras

    e o cultivo propositado de identidades ambguas , entretanto,

    ao mesmo tempo umapoderosa estratgiapoltica de questionamento

    das operaes defixao da identidade. (SILVA,2000, p. 89)

    A representao - entendida como sistema de significao do real

    assenta tanto identidades quanto diferenas. Sendo fruto de um trabalho

    discursivo, capaz de demarcar fronteiras simblicas, est imbuda de po

    deres. O sujeito produzido

    como

    um efeito do discurso e no discurso

    (HALL, 2000, p. 119).

    Se o sujeito, no nosso caso, a espartana, produto do discurso e s tem

    vida por meio do mesmo, a ambiguidade16 na construo de sua identidade,

    a princpio, no uma contradio. Visto que o processo de instituio

    identitria enreda ambiguidades.

    Divagando para os discursos sobre o Oriente, entendidos orientalistas,

    Edward Said escreve:

    ... por

    causa do orientalismo, o Oriente no era e no ) um tema

    livre de pensamento e de ao. Isso no quer dizer que o orien-

    talismo determine de modo unilateral o que

    po e ser

    dito sobre o

    Oriente, mas que toda a rede de interesses que inevitavelmente

    f z valer seu prestgio e, portanto, sempre se envolve) toda vez

    que aquela entidade peculiar, o Oriente , esteja em questo.

    (SAID, 1990, p. 15)

    Depreendemos que, por maior que seja o leque de discursos existentes

    - no caso dele, em relao ao Oriente e, em nosso caso, em relao

    plis

    de Licurgo - , o discurso de credibilidade parece avanar num sentido nico .

    Explicando de outra forma, o poder creditado a esses discursos grande o

    suficiente para macular todos os que dele tentam se desvencilhar.

    Trabalhando no sentido de Woodward, Silva e Hall , sentido dos

    utros

    de Marc Aug, compreende as identidades coletivas segregando

    alteridades. Para o antroplogo que estudou rituais de feitiaria africanos, o

    42

    PHOi rx, DE JANEIRO, 15-2: 29-53,2009.

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    - divduo no existe seno pela sua posio num sistema de relaes cujos

    armetros principais so a filiao e a aliana (...) Elas no tm existncia a

    o ser na e pela relao ao outro, de que so o instrumento (AUG, 1999,

    p. 28). S existem sentidos nos atos quando em relaes sociais .

    pr

    eciso aprender a

    jog r

    o

    jogo

    e, muito literalmente, a respeitar

    as regras da civilidade, de sorte que uma cultura mas que

    tam-

    bm uma sociedade ou uma sociedade mas que tambm uma

    cultura po eria ser definida como zona imposta de consenso sobre

    as regras do eu dojogo

    -

    este jogo depalavras que se empenham

    desajeitadamente em sugerir a necessidade de um ponto de vista

    nico sobre o homem singular/plural.

    (AUG, 1999, p.37)

    Uns trabalham a existncia identitria individual contraindo sentido

    em meio a laos sociais , ao passo que outros afirmam o mesmo sentido

    partindo de um discurso. Sejam relaes sociais, sejam linguisticamente,

    ambos implicam poder.

    O poder do discurso acontece segundo uma aceitao social, um regi

    me de verdade reconhecido por um grupo que possu i laos identitrios. O

    discurso aco lhido - e, por que no dizer, escolhido - socia lmente assume

    o carter de verdade, estabelecendo ferramentas capazes de diferenciar

    enunciados verdadeiros dos falsos. O discurso de verdade produzido cria os

    efeitos que regulam tanto a si mesmos quanto todos aqueles que ajudaram

    em sua construo . A verdade est circularmente ligada a sistemas de

    poder, que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a

    reproduzem (FOUCAULT, 1979, p.14). Por isso, nossa preocupao com

    os modelos descritos nos discursos.

    lacedemnias: autonomia e liberdade

    Levando em considerao a percepo de liberdade para os antigos,

    seguindo a interpretao de Finley (FINLEY, 1988, p.51), segundo a qual a

    liberdade estava circunscrita numa ordem, e seguindo a linha de raciocnio

    de Ginzburg (GINZBURG, 2002, p.59), que afirma que, na Grcia Antiga, a

    retrica, a histria e a prova esto estritamente ligadas, aceitariamos de bom

    grado o juzo de liberdade entre as esposas espartanas . Todavia, os discursos

    no evidenciam ordem , mas desregramento Y

    P oi rx

    , R

    DE JANEIRO,

    15-2: 29-53, 2009.

    43

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    Historiograficamente, a liberdade narrada no inclui a regulao do

    r e vir , tanto que a argumentao de que as esposas espartanas podiam

    herdar, o que ocasionaria uma estabilidade e uma mobilidade, e a prtica de

    exerccios no espao pblico. Persistindo em Finley FINLEY, 1991, p.29),

    podemos considerar essa ltima caracterstica como um ponto a mais de

    controle,18no s do corpo quanto da mente dessas mulheres, pois, nesse

    momento, elas cantavam coros que ressaltavam a tradio oral de costumes

    espartanos e exercitavam-se seguindo um programa

    polade

    Nesse sentido,

    o modelo de liberdade e autonomia deixam de ser vlidos, pois encontram-se

    enquadrados dentro de padres modernos.

    Quando falamos em mtodo cientfico, o modelo cientfico no de

    forma alguma um guia pelo qual deve se pautar a realidade FONTES,

    1997, p.355): ele um instrumento de trabalho, convertendo pontos de

    identificao de dados e ordenando-os a fim de estabelecer uma leitura da

    sociedade estudada. modelo representa relaes ou funes entrelaando

    unidades de um sistema, da as generalizaes adequadas para a elaborao

    das hipteses. Esses modelos permitem a construo explicativa , que seria

    parte da construo da realidade ou, pelo menos, parte dessa realidade.

    questionamento dos modelos construdos aparece na prpria relao

    do discurso expresso no documento com seu contexto. Elos entre as concep

    es devem ser criados pelos estudiosos para compreenso dos discursos em

    que so expressas determinaes extratextuais que presidem a produo, a

    circulao e o consumo dos discursos CARDOSO, 1997, p. 378).

    Salientamos a prpria construo dos discursos historiogrficos e

    colocamos prova a edificao de modelos muito latentes. Como explica

    Momigliano:

    homens escrevem a Histria quando querem registrar aconteci-

    mentos em um quadro cronolgico Todo registro uma sel