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Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

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SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO

SOCIOLOGIAE ADMINISTRAÇÃO

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SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃOSOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO

SOCIOLOGIAE ADMINISTRAÇÃO

Relações sociais nas organizações

Valmiria Carolina PiccininiMarilis Lemos de AlmeidaSidinei Rocha de Oliveiraorganizadores

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SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO© 2011, Elsevier Editora Ltda.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros.

Copidesque: Jussara BivarRevisão: Jayme Teotônio Borges Luiz e Roberta BorgesEditoração Eletrônica: Estúdio Castellani

Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem FronteirasRua Sete de Setembro, 111 – 16o andar20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Rua Quintana, 753 – 8o andar04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil

Serviço de Atendimento ao [email protected]

ISBN 978-85-352-3878-5

Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

S662 Sociologia e administração: relações sociais nas organizações / Valmíria Carolina Piccinini, Marilis Lemos Almeida, Sidinei Rocha de Oliveira, organizadores. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

Contém exercícios Inclui bibliografi a ISBN 978-85-352-3878-5

1. Sociologia do trabalho. 2. Comportamento organizacional. 3. Administração de empresas. 4. Trabalho. 5. Relações trabalhistas – Aspectos sociais. I. Piccinini, Valmíria. II. Almeida, Marilis Lemos. III. Oliveira, Sidinei Rocha de.

10-4759. CDD: 306.3 CDU: 316.334.22

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Os autores

Andrea Poleto Oltramari

Bacharel em Administração pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Mestre em

Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (CPGA/UFSC). Dou-

tora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/

EA/UFRGS). Professora de Administração da UPF.

Betina Magalhães Bitencourt

Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Mestranda em Administração pela Escola de Administração da Universidade Fe-

deral do Rio Grande do Sul (PPGA/EA/UFRGS).

Cláudia Sirangelo Eccel

Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-

GS). Mestre e Doutora em Administração (PPGA/EA/UFRGS).

Daniel da Silva Lacerda

Bacharel em Engenharia da Computação pela Escola Politécnica da Universidade

de São Paulo (PCS/USP). Mestrando em Administração de Empresas pela Escola

Brasileira de Administração Pública e Empresarial da Fundação Getulio Vargas

(FGV/EBAPE-RJ).

Page 7: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Daniel Gustavo Mocelin

Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais. Mestre e Doutorando em Sociologia

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS).

Daniela Alves de Alves

Bacharel em Ciências Sociais. Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS). Professora adjunta de Ciências

Sociais da Universidade Federal de Viçosa (DCS/UFV).

Daniele dos Santos Fontoura

Bacharel, mestre e doutoranda em Administração pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (PPGA/EA/UFRGS).

Francis Moraes de Almeida

Graduado em Ciências Sociais e em Psicologia pela Universidade Federal de Santa

Maria (UFSM). Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (PPGS/UFRGS). Professor de Sociologia da UFSM.

Leandro Raizer

Bacharel e licenciado em Ciências Sociais, mestre em Sociologia e doutorando

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Lucas Rodrigues Azambuja

Bacharel em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS). Doutorando em Sociologia pela Universida-

de de São Paulo (PPGS/USP).

Marcelo Milano Falcão Vieira

Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande

(FURG). Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catari-

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na (CPGA/UFSC). PhD em Administração pela University of Edinburg, Escócia.

Pós-doutorado na École de Hautes Études Commercialles (HEC-Paris). Professor

da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio

Vargas (FGV/EBAPE-RJ).

Marilis Lemos de Almeida

Bacharel em Ciências Sociais e em Ciências Econômicas. Mestre em Sociolo-

gia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS). Douto-

ra em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas

(DPCT/UNICAMP). Professora adjunta do Departamento de Sociologia do Insti-

tuto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (IFCH/UFRGS).

Nilson Varella Rübenich

Bacharel e Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (PPGA/EA/UFRGS). Professor do Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios

(IBGEN-RS).

Patrícia Amélia Tomei

Bacharel em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ).

Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro (PUC-RJ) e professora de Pós-Graduação em Administração de

Empresas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Dou-

tora em Administração pela Universidade de São Paulo (USP) e pela New School

for Social Research (NSSR), em Nova York.

Rosângela Maria Pereira

Bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas

Gerais (UEMG). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Ge-

rais (FAE/UFMG). Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (PPGS/UFRGS).

Page 9: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sidinei Rocha de Oliveira

Bacharel e mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (PPGA/EA/UFRGS). Doutor em Administração pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (PPGA/EA/UFRGS) e pela Université Pierre-Mendès-France

(UPMF). Professor adjunto do Departamento de Administração da Universidade

Federal Fluminense (UFF).

Tatiana Ghedine

Graduada em Informática e habilitada em Análise de Sistemas pela Universida-

de do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Tecnóloga em Hotelaria pela Uni-

versidade de Caxias do Sul (UCS). Mestre e doutora em Administração pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/EA/UFRGS). Professora da

Faculdade de Administração no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

(SENAC-RS) e do Curso de Administração nas Faculdades Integradas de Taqua-

ra (FACCAT).

Valmíria Carolina Piccinini

Bacharel, licenciada em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS). Doutora em Economia do Traba-

lho e da Produção pela Université Pierre-Mendès-France (UPMF). Pós-doutorado

na École de Hautes Études Commercialles (HEC-Montréal). Professora Associada

de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/EA/

UFRGS).

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A P R E S E N T A Ç Ã O

Nexos entre a Sociologia e a Administração

MARILIS LEMOS DE ALMEIDA

VALMÍRIA CAROLINA PICCININI

Em nossa experiência como professores de Sociologia Aplicada à Admi-

nistração e de Sociologia nos deparávamos como uma situação comum

a muitos professores, que era a dificuldade em encontrar um livro-texto

para indicar aos alunos que contemplasse pelo menos parte dos conteúdos que

pretendíamos desenvolver. Adicionalmente, o tratamento das temáticas da So-

ciologia Aplicada requer algum conhecimento, ainda que em nível introdutório,

sobre Sociologia, em particular as reflexões sobre a gênese da sociedade industrial

e suas implicações sobre a vida social, o que tornava ainda mais complexa a tarefa

de encontrar material didático apropriado.

O desafio de enfrentar esta lacuna veio com o convite, em 2007, para oferecer

em 90 horas um curso a distância de Sociologia Aplicada à Administração na Esco-

la de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na

ocasião nos propusemos a organizar um programa que contemplasse os conteúdos

básicos de Sociologia e os de Sociologia Aplicada à Administração produzindo

materiais didáticos para suplantar a referida ausência de livros-texto na área. Para

tanto, contamos com uma equipe de tutores composta de estudantes de mestrado

e doutorado em Sociologia e em Administração.

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As avaliações positivas enviadas pelos alunos do Ensino a Distância nos esti-

mularam a aprofundar e ampliar os textos que inicialmente foram desenvolvidos

como material de apoio aos chats e fóruns, de modo a transformá-los em um livro

que pudesse ser usado em sala de aula. A participação de nossos ex-tutores, hoje

já mestres e/ou doutores em sua maior parte, que aceitaram o desafio foi funda-

mental para chegarmos a esta obra.

O livro foi pensado para suprir as necessidades de um curso completo de So-

ciologia Aplicada à Administração, percorrendo um amplo espectro de temas clás-

sicos e contemporâneos. Com o intuito de oferecer a professores e alunos uma

obra que contemplasse conteúdos que consideramos essenciais ao tratamento do

tema, convidamos professores de outras instituições a colaborarem apresentando,

assim, um rico e diversificado conjunto de visões nem sempre convergentes, mas

por isso mesmo valioso.

O objetivo deste livro é evidenciar as conexões entre a Sociologia e a Admi-

nistração procurando oferecer aos leitores um conjunto de categorias e conceitos,

muito dos quais advindos da Sociologia, que lhes permitam pensar as organiza-

ções e a inserção no mundo do trabalho. As organizações integram a sociedade,

e portanto são produto ao mesmo tempo em que incidem sobre ela. Assim, as

categorias que nos permitem compreender a vida em sociedade tais como cultura,

controle, estratificação, ação social, racionalidade e poder, entre tantas outras, são

dimensões igualmente presentes no âmbito das organizações e nas relações que os

indivíduos estabelecem entre si no interior dessas organizações.

Estruturado em três partes, o livro aborda na Parte I – Fundamentos Teóricos

da Sociologia para a Administração – temas clássicos que perpassam a sociologia e

a administração e que se mostram relevantes para a compreensão do mundo con-

temporâneo, em particular o trabalho e as organizações. Na Parte II – A Sociedade

e as Organizações – examinamos as organizações e as relações sociais estabeleci-

das nelas, as quais envolvem conflito, controle, formação de grupos, bem como

os aspectos culturais que perpassam essas relações. Enquanto na Parte II o foco

recai sobre a dinâmica das organizações, na Parte III – O Trabalho na Sociedade

Contemporânea – o olhar se desloca para o trabalho na sociedade contemporânea,

apresentando um variado conjunto de capítulos que recobrem dimensões concei-

tuais acerca do trabalho e examinam formas de organização e gestão do trabalho

do ponto de vista conceitual e histórico.

No Capítulo 1, “O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Admi-

nistração”, de autoria de Marilis Lemos de Almeida e Valmíria Carolina Piccinini,

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são analisadas as condições de emergência da Sociologia e da Administração, es-

pecialmente o contexto econômico, social e político, de um lado, e as influências

intelectuais, de outro, buscando demonstrar como tais aspectos incidiram sobre

as estruturas de ambas as disciplinas definindo seus contornos iniciais. As autoras

demonstram que o surgimento da Sociologia encontra-se intimamente articulado

à sociedade moderna, período de eclosão de um conjunto de transformações que

possibilitam seu surgimento ao valorizar o conhecimento científico, ao mesmo

tempo em que implica a necessidade de criar categorias que permitam a com-

preensão dessa nova realidade. Assim, a Sociologia promove uma reflexão crítica

acerca da sociedade capitalista, voltando-se, sobretudo em seus primórdios, a uma

crítica à acentuada desigualdade existente e uma tentativa de explicação das suas

origens e condições que asseguram sua permanência. Tal abordagem é bem retra-

tada pela análise do pensamento de Karl Marx (1818-1883).

No caminho para a institucionalização da Sociologia como disciplina científi-

ca, a par da reflexão acerca da sociedade moderna que permanece como foco de

atenção, há um esforço orientado para a construção das bases metodológicas e do

objeto desta nova ciência que se caracteriza, desde sua origem, pela coexistência

de diferentes abordagens teóricas e metodológicas. Émile Durkheim (1858-1917)

buscou sistematizar o que considerava ser o método sociológico, como parte de

um esforço para delimitar a Sociologia como ciência. Um dos grandes temas que

permeou todas as suas obras é a questão da importância da unidade e da coesão

para o equilíbrio da sociedade. Para Max Weber (1864-1920) a Sociologia tem

por objeto compreender o sentido da ação social buscando evidenciar o sentido

pensado pelo sujeito autor da ação, portanto o indivíduo é a sua unidade de análise

básica, pois só ele pode conferir sentido, signo e valores às suas ações. Weber abor-

dou uma ampla gama de temas, passando por religião, capitalismo, dominação,

estratificação, entre outros, porém os temas da racionalidade e da racionalização

do Ocidente são questões centrais em sua obra.

O surgimento da Administração também está relacionado com o processo de

expansão do capitalismo, de concentração de capitais e surgimento das grandes

corporações, o que exigia grande capacidade de gerenciamento dos sistemas de

produção e de distribuição das mercadorias. Surge, neste contexto, a figura da ge-

rência separada da propriedade do capital dando início ao que se chamou de revo-

lução gerencial. Impulsionado pelo paradigma da ciência positiva o espaço da pro-

dução também se tornou alvo da busca de métodos mais eficientes da produção,

propiciando as condições que permitiriam emergir trabalhos como o de Taylor

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(1856-1915), que propunha uma Administração Científica do trabalho. Na ad-

ministração das empresas as mudanças que ocorrem na sociedade têm reflexos

imediatos no interior das organizações, que passam a preocupar-se em ter traba-

lhadores adaptados e adaptáveis às mudanças que vão ocorrendo. Tais mudanças

se refletem nas relações que se estabelecem na sociedade (legislação do trabalho,

regulamentos internos às empresas, padrões de salários etc.) e que norteiam a ação

social. Há necessidade portanto de explicação sociológica para os fenômenos da

administração.

O Capítulo 2, “Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre o pen-

samento dos autores clássicos da Sociologia”, de Lucas Rodrigues Azambuja e

Daniel Gustavo Mocelin, oferece uma valiosa síntese das perspectivas desses três

autores clássicos da Sociologia. Sob a forma de quadro comparativo os autores

apresentam as principais questões que nortearam os estudos de Marx, Weber e

Durkheim, apontando as influências intelectuais e o contexto a partir do qual

emergiram as respectivas teorias sociais e proposições metodológicas. Dentre os

temas analisados estão a concepção desses clássicos sobre a ciência e o conhe-

cimento social; as relações entre indivíduo e sociedade; as inclinações políticas;

as interpretações sobre a divisão do trabalho social; as perspectivas metodológi-

cas e as concepções de mercado. Em um texto sintético conseguem apontar os

elementos fundamentais para compreender a obra desses teóricos, permitindo

entender seu papel no desenvolvimento do pensamento social e sua influência

na reflexão sociológica, fornecendo elementos para conhecer as organizações nos

dias de hoje.

No Capítulo 3, Lucas Rodrigues Azambuja, em “Tipos de ação, de raciona-

lidade e o processo de racionalização na Sociologia de Max Weber”, realiza uma

sofisticada e rigorosa discussão acerca de dois temas centrais na sociologia webe-

riana, a racionalidade e a racionalização. Azambuja pontua as diferenças entre

os dois conceitos no pensamento de Weber demonstrando a importância deles

na construção da explicação acerca da origem e difusão do capitalismo. Em rela-

ção ao conceito de racionalidade, apresenta uma definição clara de dois tipos de

racionalidade – com relação a fins e com relação a valores. Em relação ao processo

de racionalização discute a visão de Weber do capitalismo como expressão de

um processo de crescente racionalização de esferas específicas da vida social,

especialmente a religiosa, política e econômica. O pensamento de Weber exerce

grande influência no estudo das organizações e da explicação do desenvolvimento

do sistema capitalista.

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No Capítulo 4 “O processo de estratificação social nas sociedades modernas:

As visões de Durkheim, Weber e Marx”, Leandro Raizer discute um tema central

na Sociologia, que permite compreender como se estabelecem as relações en-

tre indivíduos e grupos no interior das sociedades e das organizações. As teorias

sobre a estratificação social examinam como os indivíduos e grupos no interior

das sociedades hierarquizam-se e estabelecem entre si relações assimétricas, ana-

lisando as fontes dessas diferenças que podem se traduzir em acesso desigual a

poder, oportunidades, privilégios e prestígio social. Raizer vai buscar nas obras

de Durkheim, Weber e Marx um conjunto de conceitos para a compreensão das

diversas dimensões implicadas no fenômeno da estratificação, tais como: tipos de

solidariedade, classes sociais, estamentos, grupos de interesse, lutas e conflitos.

Com isso, fornece ao leitor não apenas uma visão ampla sobre a estratificação ao

revelar as diferentes interpretações acerca do fenômeno, mas também um con-

junto de conceitos que permitem analisar como tal fenômeno se faz presente no

interior das organizações.

O Capítulo 5, apresentado por Marcelo Milano Falcão Vieira e Daniel da

Silva Lacerda, é “Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de

todos”. A temática abordada pelos autores é de grande interesse para a Sociologia

Aplicada à Administração, uma vez que o poder é uma das categorias centrais

para a análise das organizações. Os autores lembram que este é um tema contro-

verso e que muitos autores sequer admitem a sua existência como algo inerente

às organizações, porém a sua invisibilidade não pode ser confundida com ausên-

cia, uma vez que o exercício do poder se manifesta de inúmeras maneiras e pode

assumir formas mais visíveis e diretas de controle ou menos visíveis e sutis por

meio daquilo que se convencionou rotular como cultura organizacional. Vieira

e Lacerda oferecem de maneira sintética e extremamente rigorosa um apanhado

acerca de duas grandes formas de conceber o poder: de um lado a perspectiva do

poder assimétrico, representado pela definição de Weber, e, de outro, a de poder

simétrico, de Hanna Arendt. A perspectiva de Weber parte do pressuposto da

existência de conflitos e, nesse sentido, os estudos posteriores que comungam tal

vertente teórica enfatizam a questão da dominação, da obtenção da legitimidade

e de suas formas de manifestação explícitas e implícitas, sendo bastante utilizado

para a análise do poder nas organizações. A perspectiva de Hanna Arendt repre-

senta um contraponto importante ao analisar o poder como uma capacidade ou

realização coletiva e integra uma visão crítica ao poder associado a violência. O

poder simétrico entendido desta forma somente pode se manifestar em um am-

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biente social de iguais, que é uma premissa incompatível com a grande maioria

das organizações modernas.

No Capítulo 6, ao discutirem “Socialização e cultura organizacional” Sidinei

Rocha de Oliveira e Cláudia Sirangelo Eccel lembram que o ser humano ao viver

em sociedade é regido por normas e crenças que lhe permitem integrar-se ao seu

grupo social. A socialização ocorre pela submissão aos costumes de seu grupo

ou cultura, primeiramente à família e à vizinhança, e a criança pela imitação até

introjetar os hábitos dos adultos e aprendendo a viver naquela sociedade. Ao com-

preender a socialização como processo de construção social permitem vislumbrar

a possibilidade de mudança social. Lembram que nesse momento emerge uma

nova organização sociocultural em que outras instâncias interferem no processo

de socialização como os grupos de referência, os meios de comunicação de massa,

os mitos e heróis contribuindo para a formação de sujeitos com formas de ação

heterogêneas e, por vezes, contraditórias. Ressaltam, na atualidade, o papel da

internet como um meio de socialização pelas redes de interação virtual. Nesse

meio em que a socialização se faz de forma mais ampla discutem a socialização or-

ganizacional, que se faz necessária para as organizações contarem com elementos

integrados e vinculados aos próprios objetivos e cultura. Descrevem as formas de

socialização tanto em relação aos novos entrantes quanto aos que já fazem parte

da organização e nela ascendem. A cultura organizacional é discutida a partir de

duas correntes, uma baseada na objetividade e outra na interpretação. Assim, para

alguns autores a cultura organizacional é objetiva e gerenciável podendo ser mo-

dificada, controlada e gerenciada intencionalmente, enquanto outros questionam

a capacidade de transformação da cultura organizacional, pois a mudança é cons-

tante, isto é, em cada organização diferentes grupos se inter-relacionam de mo-

dos distintos, podendo dar origem a múltiplas culturas. Ao final, Oliveira e Eccel

destacam como a cultura organizacional se relaciona com a sociedade na qual está

inserida e as principais implicações para o pensar das práticas gerenciais.

No Capítulo 7, “Controle organizacional no processo capitalista de produção”,

Daniela Alves de Alves e Sidinei Rocha de Oliveira abordam um tema altamente

pertinente tanto à Sociologia como à Administração: a coordenação e o controle

que, desde os primórdios da formação da fábrica, são tidos como as principais for-

mas de assegurar a continuidade da produção e aumentar a ação das organizações

sobre o trabalhador. O texto coloca em evidência as mudanças que os meios de

controle tiveram ao longo do tempo, desde a delimitação do espaço da fábrica e a

incorporação do relógio como instrumento de mensuração do tempo até a utiliza-

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ção da avançada tecnologia que ajuda a acompanhar todas as etapas do processo

produtivo, agindo como um vigilante que jamais para de observar. Apontam ain-

da a valorização de aspectos da cultura organizacional para incutir valores e um

elevado nível de comprometimento nos trabalhadores, fazendo-os incorporarem

a responsabilidade sobre o controle de suas atividades e os objetivos e resultados

da organização.

No Capítulo 8, “Os grupos nas organizações”, Daniele dos Santos Fontoura,

Francis Moraes de Almeida e Nilson Varella Rübenich abordam as novas formas

de organização das empresas. Diferenciam grupos primários – em que as normas,

os papéis e os status são conhecidos e aceitos por todos, apesar de não escritos;

a interação social gera laços emocionais fortes, e suas relações se estendem por

longos períodos e perpassam uma ampla gama de atividade – e grupos secundá-

rios, maiores e mais impessoais, gerando laços emocionais mais fracos, de menor

duração e com uma gama menor de atividades envolvidas. Enquanto os grupos

formais são constituídos pelas organizações, os grupos informais se constituem

espontaneamente, por afinidade, proximidade física, semelhança social, interesses

comuns ou problemas similares compartilhados por seus membros. No Brasil, o

trabalho em grupos torna-se mais presente a partir do final da década de 1980,

com a introdução dos princípios da especialização flexível coincidente a um con-

texto de redemocratização e abertura da economia. Na linguagem de negócios,

têm sido utilizados também os termos “equipe” ou “time” para fazer referência a

grupos de trabalho formais: o grupo seria formado por um conjunto de pessoas

que compartilham valores, crenças e visões semelhantes de mundo e que apresen-

tam uma identidade em comum. Já a equipe partilha um objetivo comum, clara

e explicitamente formulado. Enfim, a existência de grupos, tanto formais como

informais, deve ser levado em conta, pois podem contribuir para um bom ou mau

ambiente de trabalho, resolver ou criar problemas dependendo de como são enca-

rados e como funcionam.

O Capítulo 9, “Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou rea-

lidade?”, Daniele dos Santos Fontoura, Betina Magalhães Bitencourt e Andrea

Poleto Oltramari abordam o tema da participação que seguidamente retorna aos

estudos organizacionais. Analisam as políticas de gestão participativa, suas origens,

o que estimulou a sua implantação nas organizações e os seus possíveis limites.

A participação foi gradualmente se institucionalizando nos meios empresariais,

gerenciais e sindicais brasileiros, tendo significados e reflexos distintos em cada

uma destas esferas: as empresas passaram a visualizá-la como uma das possíveis

Page 17: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

ferramentas gerenciais de aumento da produtividade; a imprensa de negócios di-

vulgava inovações tecnológicas e organizacionais, o que contribuiu para aumentar

as discussões a respeito da necessidade de os gerentes implementarem programas

participativos; e o meio sindical contribuiu por intermédio de reivindicações e da

introdução de formas de intervenção operária, representadas principalmente pelas

comissões de fábrica. Existem, portanto, sistemas de participação e políticas de

gestão participativa. Eles podem diferir nos seus objetivos, significando uma estra-

tégia de gestão ou uma política de participação que é conquistada num modelo de

sociedade mais democrática.

No Capítulo 10, “Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo

tipologias culturais”, Patrícia Amélia Tomei ressalta que inveja é um sentimento

perturbador que faz parte do nosso cotidiano e um conceito pouco discutido na

teoria organizacional, mas que não pode ser negado nas relações humanas e no

ambiente de trabalho. Os trabalhos que desenvolvem essa dimensão têm relacio-

nado as manifestações da inveja nas organizações com a sua cultura, legitimando a

importância da questão como um grande desafio à gestão organizacional. A inveja

representa uma reação extremamente complexa, pois se manifesta nos indivíduos

pelo temor das consequências de sua própria inveja e o medo de ser alvo da inveja

dos outros. A autora analisa como os diferentes contextos sociais e fatores eco-

nômicos, sociais, culturais e religiosos incidem sobre a inveja. Logo, para enten-

der o fenômeno da inveja e de suas consequências é necessário estudar a cultura.

Apresenta uma série de modelos indicando como culturas organizacionais podem

se refletir nos tipos de inveja e sugere que se aceite sua existência e potenciais

conflitos.

No Capítulo 11, “A constituição do trabalho na sociedade moderna”, Sidinei

Rocha de Oliveira e Valmíria Carolina Piccinini destacam o trabalho como uma

atividade complexa, de difícil definição e conceituação pela variedade de objetos,

eventos e situações que engloba. As concepções do trabalho se modificam ao lon-

go do tempo. Nas sociedades antigas servia apenas à satisfação das necessidades de

sobrevivência; na sociedade feudal inicia o sentimento positivo por sua valorização

como meio direcionado para algum fim. Com a Reforma Protestante o trabalho

passa a ser reconhecido não só como meio de obtenção de riquezas, mas também

como exercício de vida ascética. Atualmente, com as transformações que afetam

o trabalho – a globalização da economia, a difusão de tecnologias, a nova divi-

são internacional de trabalho, a preponderância da política econômica com traços

neoliberais, desequilíbrio de forças no mercado de trabalho e das relações de traba-

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lho – emergem visões distintas. Autores europeus e americanos previram o “fim da

centralidade do trabalho” na sociedade e na vida dos indivíduos. Outros estudiosos

consideram que o trabalho é ainda central tanto sob o ponto de vista econômico

quanto social, embora tenha adquirido novas “roupagens” como consequência das

transformações ocorridas. Enfim, o trabalho ainda permanece, para o homem,

tanto um meio de subsistência e acesso aos bens de consumo quanto de expressão

individual, identidade de classe e profissão e meio de interação coletiva.

No Capítulo 12, “Processo e organização do trabalho: Conceitos”, Valmíria

Carolina Piccinini e Tatiana Ghedine apontam as diferenças entre processo e or-

ganização do trabalho, conceitos que na realidade se complementam. No texto,

aborda-se o desenvolvimento da tecnologia desde a atividade na manufatura até

a automação e as novas tecnologias de informação e comunicação, destacando as

transformações no processo de trabalho ao longo do tempo. São apresentadas as for -

ças ambientais (econômicas, políticas, sociais, tecnológicas) que influenciam as

organizações e vão se traduzir em tendências de gestão, mas demonstram que a

organização não pode mais ser considerada uma máquina eficiente, tampouco

gerir na era do saber significa deter o controle total sobre a informação, mas, ao

contrário, gerir num ambiente de incerteza e de complexidades cada vez maiores.

Os problemas de gestão aos quais se deverá fazer face serão ligados mais à escolha

da informação pertinente que a seu acesso.

No Capítulo 13, “Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organiza-

ção do trabalho” Rosângela Maria Pereira e Sidinei Rocha de Oliveira detalham o

surgimento e desenvolvimento do taylorismo nos Estados Unidos e como o modelo

se consolidou como uma forma amplamente utilizada de organização do trabalho.

Reconhecem o fordismo como algo mais amplo que a estruturação dos processos

organizacionais, sendo um modelo que atrela produção, trabalho e consumo le-

vando à formação de um novo padrão de relações sociais. No entanto, o padrão de

expansão continua assentado na padronização de produtos, os aumentos salariais

constantes e altos estoques entram em colapso com a redução da demanda. No

Brasil, em razão das características históricas como o desenvolvimento tardio e o

excedente de mão de obra o modelo se desenvolveu apenas em algumas regiões,

embora ainda influencie as práticas em alguns setores.

No Capítulo 14, “Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho”,

Sidinei Rocha de Oliveira e Rosângela Maria Pereira apresentam os novos modelos

de organização do trabalho que surgem a partir da década de 1970 em diferentes

países. Tais propostas têm por objetivo romper com algumas práticas do tayloris-

Page 19: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

mo desenvolvendo produtos de alta qualidade, maior variedade e de acordo com a

demanda. Nos processos de produção são centrais o desenvolvimento tecnológico,

a presença do trabalhador e a redução de custos internos, representados prin-

cipalmente pelos estoques. Ressaltam que, apesar de algumas semelhanças, tais

modelos representam uma miríade de configurações ligadas ao contexto social e

econômico, características da mão de obra (nível de qualificação, preparação para

participar etc.) e orientação para inovação dos grupos organizacionais.

No Capítulo 15, o último, “Sociedade salarial e flexibilização do trabalho”,

Valmíria Carolina Piccinini busca resgatar as mudanças sofridas nas relações de

emprego nos últimos anos. O sistema baseado no emprego formal, característico

do século XX, vai sendo substituído pelo “emprego flexível” que surge, muitas

vezes, como meio de burlar a legislação de proteção social, pela contratação de

trabalhadores com menor ou maior qualificação, que podem exercer suas funções

na forma de prestação de serviços. A flexibilização, no Brasil, atinge principalmen-

te mulheres, jovens, etnias e raças diferentes da branca; minorias sexuais e os de

menor nível de instrução, o que é demonstrado pelas estatísticas apresentadas. Os

defensores da flexibilização sugerem que a regulação do mercado, que marcou o

país desde a década de 1940, formou uma sociedade marcada por privilégios para

poucos e penúria para muitos. A difusão do emprego flexível se reflete em traba-

lho mal pago, pouco reconhecido e instável. A autora conclui que somente políti-

cas ativas de emprego e de inclusão social, seja pelo ensino, seja pela qualificação

e pelo aumento das oportunidades de emprego, possibilitarão uma perspectiva de

futuro melhor para esses trabalhadores.

Page 20: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sumário

PARTE IFUNDAMENTOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA PARA A ADMINISTRAÇÃO

1 O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 3

2 Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre o pensamento dos autores clássicos da Sociologia 21

3 Tipos de ação, de racionalidade e o processo de racionalização na sociologia de Max Weber 41

4 O processo de estratificação social nas sociedades modernas: As visões de Durkheim, Weber e Marx 49

5 Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 63

Referências 83

Atividades propostas para a Parte I 86

PARTE IIA SOCIEDADE E AS ORGANIZAÇÕES

6 Socialização e cultura organizacional 95

7 Controle organizacional no processo capitalista de produção 115

Page 21: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

8 Os grupos nas organizações 135

9 Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 149

10 Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 167

Referências 189

Atividades propostas para a Parte II 195

PARTE IIIO TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

11 A constituição do trabalho na sociedade moderna 203

12 Processo e organização do trabalho: Conceitos 219

13 Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 239

14 Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 257

15 Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 275

Referências 291

Atividades propostas para a Parte III 297

Page 22: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração

MARILIS LEMOS DE ALMEIDA

VALMÍRIA CAROLINA PICCININI

Para compreender a constituição de uma nova área de conhecimento é im-

portante observar o contexto da época, tanto do ponto de vista cultural

como social, político, econômico e intelectual. A análise da gênese da dis-

ciplina permite identificar as preocupações do período, as necessidades, os confli-

tos e as influências sofridas por essa área nascente do conhecimento, ajudando a

entender as configurações assumidas.

A Sociologia surgiu no período comumente denominado moderno, durante

o qual acontecimentos importantes transformaram profundamente a sociedade.

Para ficar apenas entre aqueles que podem ser considerados marcos simbólicos da

nascente sociedade moderna podemos destacar a transição do feudalismo para o

capitalismo (séculos XV-XVIII); o Renascimento (séculos XIV-XVI); a Revolução

Científica (século XVII), o Iluminismo (século XVIII), a Revolução Industrial (se-

gunda metade do século XVIII na Inglaterra), a Independência dos Estados Unidos

da América (1775-1783) e a Revolução Francesa (1789). A Sociologia, conforme

postula Ianni, pode ser entendida tanto como expressão dessa época, traduzindo

seus anseios e suas perspectivas, quanto como produtora de uma explicação que

organiza e atribui sentido a nova sociedade que emerge desse processo.

Page 23: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

4 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Nesse ambiente, a Sociologia encontra elementos essenciais da sua formação,

do seu estilo de pensamento. A despeito das diversidades de perspectivas,

das peculiaridades dos princípios explicativos, é inegável que a Sociologia

nasce e se desenvolve com as realizações e os dilemas da modernidade. Tan-

to é assim que ela não abandona essa problemática primordial. Ao contrário,

torna e retorna frequentemente a ela. No presente, como no passado, a So-

ciologia está empenhada em desvendar o modo pelo qual o homem, deus e

o diabo estão metidos no meio do redemoinho. (IANNI, 1989, p. 23)

O longo processo de transição do feudalismo para o capitalismo e, em especial,

as mudanças ocorridas tanto nas formas de produzir quanto nas relações jurídicas

e políticas dão a nova feição à sociedade – mais urbana e mais industrial – que vai

surgindo. Estreitamente vinculadas à nascente sociedade moderna, novas ideias

passam a disputar a posição de um discurso legítimo e ao conhecimento científi-

co é atribuído um papel privilegiado. Assim, embora a Sociologia venha a surgir

como disciplina somente no século XIX ela é herdeira do pensamento filosófico

anterior, do Renascimento e da Revolução Científica.

Neste capítulo, trataremos das condições culturais, intelectuais e sociais pre-

sentes na origem da Sociologia e da Administração, buscando demonstrar como

tais aspectos incidiram sobre as estruturas de ambas as disciplinas e definindo seus

contornos iniciais. A seguir, trataremos da constituição da Sociologia e da Admi-

nistração como disciplinas científicas, na virada para o século XX.

1. ASPECTOS CULTURAIS E INTELECTUAIS QUE TRANSFORMARAM O MUNDO MODERNO

O século XVI foi decisivamente marcado pelo Humanismo, ou seja, pela cres-

cente valorização do homem e de sua capacidade de realização, modo de pensa-

mento que se fez presente no Renascimento, no Iluminismo e na própria Sociolo-

gia. A centralidade atribuída ao homem, como ser dotado de livre-arbítrio e capaz

de produzir, gerir e construir seu próprio destino se contrapõe ao papel até então

atribuído a Deus como responsável pela fortuna da humanidade.

O Renascimento, em parte movido por tal perspectiva humanista, foi um mo-

vimento intelectual e cultural que talvez tenha como uma de suas principais con-

sequências o resgate do espírito crítico e investigativo do homem. Esse movimento

Page 24: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 5

promoveu a retomada dos valores do mundo clássico e teve expressão no campo

das artes (Michelangelo, Rafael, Ticiano), da literatura (Dante Alighieri, Miguel

de Cervantes y Saavedra, William Shakespeare), da ciência (Nicolau Maquiavel,

Johannes Kepler, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei) e das grandes navegações

(Cristóvão Colombo, Vasco da Gama). Entre estas diferentes formas de mani-

festação da inventividade humana encontra-se um fio que as interliga que é uma

nova maneira de representar o homem. Nas artes, a representação realista da figura

humana, com músculos e veias aparentes, com o corpo em evidência e em movi-

mento, contrasta com a arte medieval fixista que retratava papas, bispos e reis não

em sua humanidade, mas em sua representação projetada como um enviado de

Deus. Na ciência, emblematicamente, o realismo está também presente na obra

de Maquiavel – O Príncipe – acerca de como funciona, de fato, a política rompen-

do com a visão filosófica e normativa que enfatizava o “dever ser” como um ideal

a ser perseguido. Ao mesmo tempo, o questionamento dos dogmas religiosos e do

princípio da autoridade da Igreja abriu caminho para as reformas religiosas. Após

um longo período de predomínio do pensamento teológico e do monopólio da

Igreja sobre o saber, que perdurou durante toda a Idade Média (séculos V-XV), há

um enfraquecimento deste poder a partir da Reforma Protestante (século XVI).

Desde o Renascimento, a religião, suporte do saber, vinha sofrendo diversos

abalos com o questionamento da autoridade papal, o advento do protestan-

tismo e a consequente destruição da unidade religiosa. Ao critério da fé e da

revelação, o homem moderno opõe o poder exclusivo da razão de discernir,

distinguir e comparar. Ao dogmatismo opõe a possibilidade da dúvida. De-

senvolvendo a mentalidade crítica, questiona a autoridade da Igreja e o saber

aristotélico. Assume uma atitude polêmica perante a tradição. Só a razão é

capaz de conhecer. (ARANHA, 1993, p. 148)

No século XVII a Revolução Científica instituiu a Ciência Moderna, com mé-

todo científico próprio que estabelece novos procedimentos para o conhecimento

apoiados na observação, na experimentação, no uso de cálculos e de instrumentos,

propiciando o desenvolvimento do método científico nas ciências naturais. As des-

cobertas de Galileu no campo da Astronomia simbolicamente são reconhecidas

com uma inflexão importante no modo como o conhecimento é estabelecido e le-

gitimado na sociedade. Embora Kepler e Copérnico já tivessem dado os primeiros

passos em direção à visão ptolomaica do universo, foi Galileu que, valendo-se de

Page 25: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

6 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

dois instrumento tipicamente modernos – a experimentação e o uso de instrumen-

tos – se tornou, o símbolo da emergência da ciência moderna ao promover uma

revolução conceitual. A ciência progride com intensidade no período e divide-se

em vários ramos especializados como química, física, matemática e medicina. A

ciência moderna, que busca identificar as regularidades e leis gerais do universo

apoiando-se para tanto no uso do método científico, estabelece o novo paradigma

de conhecimento que regerá, mais tarde, a organização da Sociologia e da Admi-

nistração como disciplinas científicas.

Segundo Henry (1998), o método científico que emerge com a ciência moder-

na caracteriza-se pela matematização da representação do mundo e pelo uso do

método experimental. A Matemática, até então considerada um saber prático e

instrumental, é elevada à condição de uma forma segura de estabelecer a verdade,

explicando o funcionamento do mundo físico. A experimentação, sistemática e

regida por regras, fornece novos princípios para a justificação do conhecimento,

uma vez que a ciência moderna coloca em xeque o saber cuja justificação assenta-

-se apenas sobre axiomas, valorizando a prova e a corroboração. A valorização

da razão e do saber prático e a laicização de todas as esferas da vida social são

características do pensamento moderno apontadas por Aranha (1993). A ciência

moderna está intimamente ligada à nova ordem capitalista emergente, na qual há

esta mesma valorização da atividade prática e do trabalho, pois a capacidade de

gerar inventos e descobertas que aumentem a capacidade de produzir mercadorias

são fundamentais para impulsionar o desenvolvimento da indústria.

Seguindo os novos caminhos traçados pelos pensadores que se destacaram

nesse período de transição, foi se firmando um novo conhecimento, uma

nova ciência, que buscava leis, e leis naturais, que permitissem a com-

preensão do universo. Essa nova ciência – a ciência moderna – despontou

com o surgimento do capitalismo e a ascensão da burguesia e de tudo que

está associado a esse fato: o renascimento do comércio e o crescimento

das cidades, as grandes navegações, a exploração colonial, o absolutismo,

as alterações por que passou o sistema produtivo, a divisão do trabalho

(com o surgimento do trabalho parcelar), a destruição da visão de mundo

própria do feudalismo, a preocupação com o desenvolvimento técnico, a

Reforma, a Contrarreforma. A partir de então, estava aberto o caminho

para o acelerado desenvolvimento que a ciência viria a ter nos períodos

seguintes. (ANDERY, 1992, p. 178)

Page 26: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 7

O Iluminismo (XVIII) é um movimento de caráter filosófico, científico e

racional que influenciou profundamente os pensadores da época e ainda hoje

se faz presente no pensamento social. A razão Iluminista confronta-se com a

ideia de revelação religiosa e busca superar o princípio da autoridade e romper

com superstições e crenças religiosas. O Humanismo está presente no Ilumi-

nismo pela valorização do homem como produtor da própria história, capaz de

transformar a realidade e (re)construir a sociedade sem depender de elementos

divinos ou sobrenaturais. Além disso, o pensamento iluminista é profundamente

marcado por uma visão otimista acerca do progresso, do desenvolvimento e da

capacidade do homem, por meio da ciência, de construir um mundo melhor. O

Iluminismo apresenta ênfases diferentes em vários países, adquirindo um caráter

mais intelectual em alguns (Escócia: Adam Smith; Alemanha: Gottfried Wi-

lhelm von Leibniz, Immanuel Kant) e mais político em outros (França: Voltaire,

Jean-Jacques Rosseau, Condorcet).

2. AS CONDIÇÕES SOCIAIS E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA E DA ADMINISTRAÇÃO

As condições decisivas e mais imediatamente relacionadas com o surgimento

da Sociologia como área disciplinar autônoma e imbuída de uma abordagem cien-

tífica foram duas grandes transformações que se desenrolaram no século XVIII e

que marcaram o mundo a partir de então: a Revolução Industrial e a Revolução

Francesa. A Sociologia tem na sua origem a tentativa de entender as dimensões so-

ciais de tais transformações, buscando desenvolver um saber sistemático e secular

capaz de ser validado.

No plano econômico a Revolução Industrial representou a ruptura com as

relações de produção feudal e o surgimento do modo capitalista de produção,

com superação do sistema artesanal de produção para o modo mecanizado carac-

terístico da indústria. Porém, a Revolução Industrial não é importante apenas do

ponto de vista produtivo, sobretudo ela tem um significado especial como revo-

lução social – mudanças na estrutura institucional, cultural, social e política. Com

a Revolução Industrial tem-se o surgimento de novas classes sociais – burguesia e

proletariado –, bem como os conflitos e crises sociais decorrentes das mudanças

verificadas na sociedade e que resultaram no agravamento da pobreza e na explo-

ração da força de trabalho, inclusive infantil. Ligado ao crescimento da indústria,

Page 27: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

8 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

as cidades atraem trabalhadores em busca de ocupação nem sempre existente,

acelerando o processo de urbanização que, somado ao crescimento demográfico,

resultam em uma concentração de milhares de pessoas que, tendo abandonado

seus locais de origem, vagam em busca de trabalho subsistindo em condições de

miserabilidade.

No plano político a Revolução Francesa é emblemática, pois transformou as

relações sociais ao elevar a burguesia ao poder político e inaugurar o Estado Mo-

derno, tendo consequências profundas e duradouras não só na Europa. A Revo-

lução Francesa, ao instaurar um novo regime jurídico, político e social adequa-

do à nascente sociedade moderna capitalista, acentuou as pressões no sentido de

promover mudanças sociais. No entanto, não significou o início de um período

de paz social; ao contrário, o século seguinte foi marcado por intensa instabilidade

política, tanto pela cisão dentro da classe dominante quanto pelo crescimento de

movimentos revolucionários (socialistas) e contrarrevolucionários.

A Revolução Francesa é, inegavelmente, o maior acontecimento político

do período. Ela não só marcou profundamente a configuração geral da

França dos séculos XVIII e XIX como também a de toda a Europa do

mesmo período; além disso, suas consequências chegam até nossos dias.

(ANDERY, 1992, p. 269)

A Sociologia tinha como foco a compreensão desse processo de mudança ca-

racterístico do momento de instalação da sociedade industrial, abordando ques-

tões como mudança social, revolução, contrarrevolução, classes sociais, Estado,

capitalismo e tecnologia. Porém, é preciso lembrar que as ciências naturais já eram

reconhecidas socialmente e estavam organizadas em disciplinas autônomas desde

os séculos XVII/XVIII, mas ainda estava em disputa qual campo do conhecimen-

to deveria legitimamente ocupar-se das questões relativas ao mundo social, que

eram muitas naquele momento. Até então tratadas de modo pouco sistemático e

prescindindo de um método, as questões sociais e o estudo da sociedade se tornam

objeto da Sociologia, porém esta ainda carece de uma abordagem científica, tal

qual existia nas ciências naturais.

Assim, está aberto o caminho para o desenvolvimento de uma sociologia po-

sitiva ou de uma física social, como Auguste Comte (1798-1857) denominou

inicialmente, capaz de entender as regras que regem a mudança social para que

ela fosse promovida de modo organizado e racional. A Sociologia surgiu inspira-

Page 28: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 9

da no método das ciências naturais, e como tal possuía uma intenção prática: os

pioneiros da Sociologia estavam envolvidos com os acontecimentos da época e

aspiravam a fazer do conhecimento sociológico um instrumento para a ação. Críti-

cos da sociedade capitalista e reformadores sociais, preocupados com a acentuada

desigualdade social e pobreza de grande parte da população formada pelos traba-

lhadores, buscavam constituir um saber prático e, ao mesmo tempo, em sintonia

com os princípios da ciência moderna.

Olhando retrospectivamente, é possível identificar Karl Marx (1818-1883)

como um dos precursores do tipo de reflexão que viria a caracterizar a Sociologia.

O período em que Marx viveu e produziu foi de agravamento da questão social

e de instabilidade política e econômica. Esse contexto, aliado à sua formação in-

telectual e trajetória política, orientou sua preocupação para a compreensão do

capitalismo buscando explicar as fontes da exploração social e econômica e os

possíveis caminhos para a superação do sistema capitalista, que ele considerava

gerador de desigualdades. Para isso, Marx debruçou-se sobre a história inglesa no

período de transição do feudalismo para o capitalismo, analisando minuciosamen-

te a Revolução Industrial para extrair daí uma teoria acerca da mudança social.

Uma das faces do processo de constituição do capitalismo revelada por Marx

e retratada em O Capital é da pauperização e da deterioração das condições de

vida da população. Desde o século XVI acentuava-se a concentração populacional

nas cidades inglesas, em parte por causa das transformações ocorridas no campo,

sobretudo o processo de cercamento das terras comuns dos feudos. A substituição

do sistema de exploração agrícola de subsistência – típico do regime feudal – pelas

pastagens e a criação de carneiros para fornecer lã para as indústrias têxteis repre-

sentava uma opção mais lucrativa. Tudo isso se refletiu numa grande miséria para

os camponeses que, sem alternativas, foram forçados a migrar para as cidades.

Londres, que em 1790 contava com 1 milhão de habitantes, em 1841 já abrigava

2,5 milhões. Essa ocupação intensiva e desorganizada do espaço urbano acentuou

problemas como a degradação do meio ambiente, a precariedade e ausência de

moradias e a falta de infraestrutura, como água, esgoto e aquecimento. A cidade

apresentava problemas de contaminação do ar, da água e acumulação de detri-

tos humanos e industriais, o que contribuía para elevar a ocorrência de doenças

e epidemias. Quanto aos trabalhadores, entre os quais se encontravam crianças e

mulheres que recebiam salários ínfimos, eram submetidos a elevados níveis de

exploração do trabalho e cumpriam extensas jornadas. Assim era a denominada

questão social que mobilizava reformadores sociais, revolucionários e até contrar-

Page 29: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

10 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

revolucionários que diante da miséria generalizada apregoavam um retorno ao

regime monárquico.

Se, por um lado, [a Revolução Industrial] tornou os ricos cada vez mais ri-

cos, tornou, por outro lado, os pobres cada vez mais pobres, em condições

de vida extremamente precárias: moradias superlotadas, escuras, insalu-

bres, jornadas de trabalho de até 16 horas diárias, condições alarmantes

de trabalho, crianças fora da escola trabalhando por longos períodos, em

péssimas condições. (ANDERY, 1992, p. 262)

A outra face do processo de transição para o capitalismo é uma profunda mu-

dança nas formas de produzir, já observada por Adam Smith (1723-1790), que,

ao analisar a divisão do trabalho, demonstrou que se um operário trabalhasse iso-

ladamente obteria 20 unidades de alfinetes ao fim do dia, ao passo que, se 18 ope-

rários se ocupassem de uma única operação diferente dividindo o trabalho entre

si, ao final do dia produziriam até 4.800 unidades. As possibilidades abertas pela

divisão do trabalho foram vislumbradas por Adam Smith como estratégia eficiente

para elevar a produtividade do trabalho, mas também foram apontadas por Karl

Marx como fator que permitiria a incorporação de mão de obra não qualificada e

a redução dos níveis salariais.

Além disso, Marx argumentou que as mudanças no conteúdo e no processo de

trabalho, se comparadas com o período em que a produção era artesanal, significa-

ram uma perda de autonomia para o trabalhador. A partir do momento em que os

trabalhadores passaram a trabalhar reunidos em um único local – nas manufatu-

ras –, deixaram de ser artesãos livres e independentes, dando início ao processo de

subordinação formal do trabalho ao capital. O espaço, a matéria-prima, os meios

de trabalho e a energia já não pertenciam aos trabalhadores, não sendo, igualmen-

te, seus os produtos gerados pelo próprio trabalho. Paulatinamente, a progressiva

separação entre propriedade, de um lado, e gestão e controle, de outro, origina um

grupo específico de trabalhadores que se ocupam destas últimas atividades. Nesse

novo modo de produção a autonomia do trabalhador para decidir sobre o ritmo

de trabalho e a duração da jornada diária é reduzida, e as tarefas de controle e

disciplina foram assumidas pelos capatazes. A figura do capataz, nesse momento,

pode ser visto como um germe da figura do gerente, pois a ele cabiam as tarefas de

seleção e dispensa de trabalhadores, controle e a parca orientação fornecida para

a execução das atividades.

Page 30: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 11

Estas mudanças nas formas de produzir, assim como as difíceis condições de

trabalho e de vida, deram origem a fortes reações por parte dos trabalhadores, as

quais se traduziram na multiplicação de manifestações populares, desde aquelas

espontâneas e desorganizadas até outras que resultaram na constituição de sindica-

tos e partidos proletários, exacerbando o conflito entre patrões, capatazes encarre-

gados do controle e trabalhadores. Entre 1830 e 1840 os movimentos de contes-

tação do capitalismo na Europa se intensificaram, aumentando a instabilidade a as

incertezas quanto ao seu futuro. Passada essa fase de crise social e política, após o

fracasso da revolução de 1848, inicia-se um novo período, entre 1840 a 1873, que

ficou conhecido como a era de ouro do capitalismo de livre concorrência, o qual

é interrompido pelas primeiras grandes crises do capitalismo entre 1873 e 1896,

as quais impuseram transformações na economia capitalista que resultaram em

crescente concentração industrial. As fusões e aquisições do final do século XIX

não só resultaram no aumento do tamanho das empresas, como também implica-

ram a necessidade de criar mecanismos mais complexos de gestão e de logística,

impulsionando o desenvolvimento da área da Administração. Nesse contexto, a

Sociologia surge como tentativa de entender a nova sociedade que emerge a partir

da Revolução Industrial, e a Administração, do ponto de vista prático, surge pela

necessidade de gerir as primeiras grandes organizações industriais e, do ponto de

vista científico, busca assentar as bases para um conhecimento mais racional, me-

tódico e rigoroso sobre as organizações.

3. A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA

A Sociologia ainda percorreu um longo caminho até sua institucionalização

como disciplina científica no século XIX, período no qual se destacam as contri-

buições de dois importantes sociólogos para o delineamento da disciplina: Émile

Durkheim (1858-1917), na França, e Max Weber (1864-1920), na Alemanha.

O período em que ambos viveram e produziram é distinto daquele de Marx;

o capitalismo já estava constituído e transitava do capitalismo liberal ao monopo-

lista e, em termos de transformações nos sistemas produtivos, estava-se em ple-

na Segunda Revolução Industrial. Do ponto de vista político, há uma crescente

institucionalização dos conflitos entre capital e trabalho pela criação das centrais

sindicais e dos partidos socialistas, fortalecidos pela conquista do direito ao voto

Page 31: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

12 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

pelos trabalhadores. Do ponto de vista da construção do conhecimento científico,

o século XIX é marcado por esse processo de disciplinamento e profissionalização

do conhecimento. A premissa era de que a investigação sistemática exigia concen-

tração especializada nos múltiplos e distintos domínios da realidade (COMISSÃO

GULBEKIAN, 1996).

Neste sentido, Durkheim buscou sistematizar o que considerava ser o método

sociológico, trabalho que faz parte de um esforço para delimitar a Sociologia como

ciência. Herdeiro de Comte, Durkheim compartilhava a ideia de que o método

positivo se afirma como científico porque é desenvolvido por meio de um método

objetivo e por se contrapor à filosofia especulativa, dedutiva e não científica.

Preocupava-se em definir rigorosamente a área de estudos da Sociologia, com

objeto e método próprios, e em diferenciar a Sociologia da Biologia e da Psico-

logia. Qual o domínio da Sociologia? O ponto de partida é que há um grupo de

fenômenos, em todas as sociedades, que se distinguem daqueles estudados pe-

las demais, que são os fatos sociais, são distintos dos fenômenos orgânicos e que

igualmente não se confundem com os fenômenos psíquicos, uma vez que estes

estariam relacionados com as consciências individuais. Para Durkheim caberia à

Sociologia, uma nova ciência, estudar estes fenômenos ligados à vida social e ainda

não tratados por nenhuma outra especialidade.

Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres

muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir ex-

teriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual

se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenô-

menos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com

fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e

por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser

dada e reservada a qualificação de sociais. (DURKHEIM, 2003, p. 48)

Tais fenômenos são aqueles definidos para além dos indivíduos, uma vez que

existiriam antes deles e, portanto, existem fora deles, possuindo uma existência

objetiva. O meio social exerceria uma pressão sobre os indivíduos desde o seu

nascimento, forçando-os a moldarem-se ao meio social em que vivem. Há uma

coerção que é exercida ou pode ser exercida e que nem sempre pode ser observa-

da facilmente, mas que se manifesta de forma mais evidente diante de uma ação

individual que tenta violar as crenças, normas ou práticas de uma sociedade.

Page 32: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 13

A par da preocupação em construir a Sociologia como disciplina científica,

Durkheim voltou-se para o tema da coesão social, presente em todas as suas obras.

Para Durkheim, um herdeiro da tradição francesa segundo Levine (1997), a so-

ciedade e os fenômenos humanos não são apenas o somatório das ações de cada

indivíduo, haveria um fenômeno supraindividual que resultaria da vida coletiva.

Assim, a sociedade é ela própria a origem da moralidade social, ou seja, é fonte

de sentimentos e hábitos morais, que ela instila nos indivíduos por intermédio de

instituições como a família, a educação, a religião e o governo. Essa pressão do

meio social sobre os indivíduos exerceria uma função positiva, na medida em que

é produtora de coesão, de solidariedade e de integração.

Dada a centralidade atribuída à coesão social Durkheim interroga-se, diante

das transformações sociais, econômicas, políticas e populacionais que ocorriam na

sociedade à sua época, se estaríamos diante de uma crise da moral. Ou seja, te-

riam as rápidas modificações ocorridas na sociedade gerado uma espécie de vazio

moral, uma vez que os antigos valores e sentimentos perdiam sua força, não sendo

substituídos por uma nova moral? Tal condição levaria a sociedade a um estado de

anomia, ou seja, ausência ou enfraquecimento das regras, que faria os indivíduos

deixarem de sentir a pressão (necessária) da sociedade sobre eles e que os torna se-

res morais. A consequência seria o afrouxamento dos laços morais e a diminuição

da coesão social, com um efeito desintegrador.

É com essa questão de fundo que o autor inicia a obra Da divisão do trabalho

social e nela se propõe a investigar se a crescente divisão do trabalho observada na

sociedade moderna, para além das funções econômicas exercidas, teria também a

função moral de manter os indivíduos integrados à sociedade. Para Durkheim,

a vida social tem uma dupla origem: (a) a similitude das consciências e (b) a divi-

são do trabalho social.

Tudo se passa diferente com a solidariedade produzida pela divisão do tra-

balho. Enquanto a precedente [por similitude] implica que os indivíduos

se assemelhem, esta supõe que difiram uns dos outros. A primeira não é

possível senão na medida em que a personalidade individual está absorvida

na personalidade coletiva; a segunda não é possível senão quando cada um

tem uma esfera de ação que lhe é própria, consequentemente, uma perso-

nalidade. (DURKHEIM, 1995, p. 152)

Nas sociedades inferiores a norma de conduta impõe a realização dos traços

do tipo coletivo em cada um dos indivíduos, isto é, os traços da consciência cole-

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14 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

tiva – conjunto de crenças e sentimentos comuns aos membros de uma sociedade

– da época à qual pertencemos. A coesão social aqui é fruto da conformidade das

consciências particulares com o “tipo psíquico” da sociedade, gerando os laços que

une o indivíduo ao grupo. Este tipo de solidariedade – baseada nas similitudes dos

membros do grupo, na existência de uma consciência coletiva ou comum entre

eles – chama-se solidariedade mecânica e tanto será mais forte, quando as ideias

comuns ultrapassarem as individuais, quanto a individualidade for nula. A função

desta norma é a manutenção da solidariedade social e, portanto, possui um caráter

moral.

Nas sociedades avançadas as similitudes são menores e insuficientes para man-

ter a solidariedade. A ambiguidade do crescimento da sociedade é que a especiali-

zação estimula/exige a individuação, mas a coesão necessita do ser coletivo. Con-

tudo, as sociedades modernas não tenderiam à fragmentação, apesar do intenso

progresso, mas à emergência de uma nova moral, apoiada na divisão do trabalho,

não mais nas similitudes. Nessas sociedades a norma que impõe a especialização é

a que possui a função de manter a coesão pela divisão social do trabalho. Segun-

do Durkheim, a divisão do trabalho produz um tipo específico de solidariedade

chamada orgânica, a qual pressupõe indivíduos diferentes, com esferas de atuação

distintas, especializadas. É uma solidariedade mais forte, na qual o indivíduo de-

pende da sociedade, na qual cada órgão possui sua especificidade, sua especializa-

ção e também sua autonomia. É, portanto, também uma norma de caráter moral.

Assim, para Durkheim a divisão do trabalho relaciona-se com aspectos morais e

sociais, mais do que econômicos, pois a especialização é estabelecida socialmente

e seu efeito moral é criar a solidariedade entre os indivíduos e assim reforçar a

unidade e a coesão social.

Em acréscimo ao que já fora dito anteriormente sobre o contexto da época

vale ressaltar algumas peculiaridades da Alemanha. O desenvolvimento econô-

mico alemão se dá em um ritmo diferente do restante da Europa. O processo de

unificação nacional só ocorrerá em 1871, quase 100 anos depois da Revolução

Francesa. Foi somente a partir deste processo de unificação que a Alemanha enfim

promove seu processo de industrialização, transformando-se em uma poderosa na-

ção industrializada. Do ponto de vista político a importância e força de um Estado

fortemente militarizado sem dúvida é uma referência importante no pensamento

de Weber, especialmente nas implicações sobre a liberdade e a vontade indivi-

dual. Enquanto na Grã-Bretanhã e na França as revoluções científica copernicana

e newtoniana significaram a reformulação e compatibilização das filosofias sociais

Page 34: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 15

com esses novos pressupostos influenciando fortemente as nascentes ciências so-

ciais, na Alemanha a ascendência das ciências naturais foi vista como uma ameaça

à natureza íntima, essencial do ser humano e à sua autodeterminação moral.

O ambiente intelectual alemão é importante para compreender a forma como

Weber concebe a Sociologia e suas opções metodológicas. Herdeiro do pensamen-

to alemão antinaturalista, histórico e antipositivista, Weber rejeitava fortemente

a ideia de que existiriam leis gerais capazes de explicar as realidades sociais. Se-

gundo Levine, seu pensamento expressaria e traduziria para as ciências sociais

as principais posições da filosofia alemã, que poderiam ser sintetizadas em cinco

grandes oposições ao pensamento naturalista:

Tomados em seu conjunto, os pensadores sociais alemães acabaram identi-

ficando cinco diferentes áreas de oposição à ética e à ciência social natura-

listas. (1) Na esteira da subtradição hermenêutica, rejeitaram sua perspec-

tiva sobre os seres humanos como objetos a estudar de fora para dentro,

em favor de um método que prestava atenção aos significados subjetivos

de agentes sociais. Na esteira de uma subtradição apriorística eles rejeita-

ram (2) uma epistemologia estritamente indutivista, a favor de uma que

sublinhava o trabalho constitutivo do conhecedor, e (3) a premissa de que

diretrizes práticas podiam basear-se exclusivamente em proposições teóri-

cas, a favor de uma clara distinção entre os domínios empíricos e normati-

vos. Na esteira da subtradição voluntarista, eles rejeitaram (4) uma meta-

física determinista, a favor de uma que protegia explicitamente o espaço

para a livre ação humana, e (5) a tendência para analisar formações sociais

em termos estritamente naturalistas, a favor de taxonomias que abrem

espaço para associações construídas de forma consciente. (LEVINE, 1997,

p. 184)

Estas perspectivas ou posicionamentos transparecem nas concepções teóricas

e metodológicas de Weber. Assim, considerava que o foco das ciências sociais

deveria ser o indivíduo, buscando analisar o sentido da sua ação e o entendimento

das produções do espírito humano. Postulava a necessidade de uma ciência da

experiência humana que diferisse das ciências da natureza, pois somente os se-

res humanos podem simbolizar significados que lhes permitam serem entendidos

por outros. Tal preocupação com a apreensão dos significados resultou em uma

sociologia que tem por objeto compreender o sentido da ação social, buscando

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16 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

evidenciar o sentido pensado pelo sujeito autor da ação. O indivíduo é a unidade

de análise básica, pois só ele pode conferir sentido, signo e valores às suas ações.

Além disso, a recusa ao determinismo se traduz na tentativa de compreender o

que move os indivíduos e as suas ações sociais, que tem como pressuposto que os

indivíduos fazem escolhas ao agir, por mais que essas escolhas estejam relaciona-

das com ou condicionadas pelas relações sociais nas quais ele está inserido. Como

corolário desta perspectiva não existiria, portanto, uma lei geral que pudesse ser

encontrada e que seria capaz de explicar todas as sociedades; seria necessário olhar

as singularidades, o que permitiria compreender as configurações específicas de

cada sociedade. E essas singularidades têm origem na forma particular como se

combinam as ações dos indivíduos que compõem esta sociedade. Enquanto as

ciências da natureza eram nomotéticas – ou seja, seu método e intenção é formu-

lar leis –, as disciplinas históricas, como a Sociologia, buscavam realidades singula-

res e não recorrentes, porque dotadas de valores significativos. De um lado estava

presente uma crítica aos grandes sistemas explicativos e, de outro, uma defesa de

uma concepção particular da história.

Para Weber não há uma linha unívoca nem um curso objetivamente progres-

sivo no interior da história, o que o leva a negar que as mesmas causas possam

operar ao longo do tempo em condições históricas diferentes. Ainda assim, o autor

resgata a importância dos fatores econômicos ou materiais para a explicação de

um problema, contra interpretações idealistas da época, mas afasta-se do materia-

lismo histórico ao negar a possibilidade de encontrar um curso objetivo determi-

nado nos processos históricos.

A rejeição ao indutivismo e a valorização do papel do sujeito que busca

conhecer uma realidade transparece no esforço de criar taxonomias, como a

taxonomia dos tipos de ação social, dos tipos de capitalismo e dos tipos de do-

minação. Weber elabora essas classificações como uma construção intelectual,

um tipo ideal porque idealizado mentalmente, que serve como ferramenta para

analisar a realidade social. Assim, ao analisar o capitalismo na Alemanha, por

exemplo, ele identifica o abandono de um tipo de capitalismo tradicional, no

qual a conduta dos indivíduos é mais tradicional e, só por isso, dizemos que “o

capitalismo é mais tradicional” e o surgimento de um tipo de capitalismo no

qual impera a racionalidade e o cálculo econômico, resultado de condutas indivi-

duais mais racionais, ou seja, de indivíduos que agem racionalmente. Em A ética

protestante e o espírito do capitalismo Weber vai buscar compreender o processo

de secularização mostrando a importância da religião protestante, em particular

Page 36: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 17

da doutrina calvinista, para a difusão de um tipo de ação racional, inicialmente

orientada por valores.

Mas sem dúvida a taxonomia mais conhecida de Weber é acerca dos tipos

de ação social. Considera ação social um modo específico de ação, ou seja, uma

conduta à qual o próprio agente associa um sentido. Essa ação não ocorre de

modo isolado, é orientada pela conduta dos outros e está envolvida em uma cadeia

motivacional. Nem toda a ação é social, algumas ações são apenas reativas, mas a

Sociologia ocupa-se daquelas ações cujo sentido pode ser apreendido e, portanto,

é passível de interpretação. Weber define quatro tipos puros ou ideais de ação

social – ação afetiva, ação tradicional, ação racional orientada por valores e ação

racional orientada por fins –, as quais permitem investigar e expor as conexões de

sentido que influem na ação (WEBER, 2004).

Weber tem uma obra muito vasta, passando por temas muito variados que re-

velam uma grande curiosidade intelectual, rigor no tratamento das questões abor-

dadas e uma extrema erudição. Na sua obra emerge a questão da racionalidade

e da racionalização do Ocidente como questões centrais, que são abordadas ao

longo de toda a sua obra.1

4. INTERSEÇÕES ENTRE SOCIOLOGIA E ADMINISTRAÇÃO

O desenvolvimento do que se convencionou chamar Segunda Revolução In-

dustrial, com a descoberta de novas fontes de energia como o petróleo e novas

formas de comunicação como o telégrafo, favoreceram a expansão industrial e au-

mentaram o nível de emprego (em 1881 a indústria de bens de capital empregava

o dobro da força de trabalho registrada em 1851). Há uma expansão da indústria

pesada (ferrovia, construção naval, química e indústria de bens de capital), si-

multânea a uma maior concentração de capitais favorecida pela grande indústria.

Essa concentração de capitais resultou na formação de oligopólios e cartéis, que

tendiam a estabelecer medidas monopolistas e protecionistas, via preços adminis-

trados, que resultaram na expansão do capitalismo monopolista. No fim do século

XIX o mundo era dominado por grandes corporações que produziam em escala

artigos destinados aos mercados nacionais e mundiais.

1Ver o Capítulo 3.

Page 37: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

18 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

O surgimento dessas corporações exigiu um grande aprimoramento da capaci-

dade de gerenciamento dos sistemas de produção e de distribuição das mercado-

rias. Surge, nesse contexto, a figura da gerência separada da propriedade do capital

dando início ao que passou a ser denominado revolução gerencial. Impulsionado

pelo paradigma da ciência positiva, o espaço da produção também se tornou alvo

da busca de métodos mais eficientes da produção, estabelecidos de forma rigorosa

por meio de cálculos e experimentos, propiciando as condições que permitiriam

emergir trabalhos como o de Frederic Taylor (1856-1915) que propunha uma

Administração Científica do trabalho.

É possível perceber que a Sociologia e a Administração apresentam mais pontos

de confluência do que se costuma supor, pois ambas estão intimamente ligadas em

virtude da história da economia e da sociedade dos séculos XIX e XX que incidiram

sobre o surgimento das duas disciplinas. Além disso, ambas surgiram sob a égide da

ciência moderna, assim a Sociologia constituía-se como ciência positiva em seus pri-

mórdios postulando a identidade com as ciências exatas, enquanto a Administração

era “científica”, com um viés nas ciências exatas, de acordo com Taylor.

Do ponto de vista das possibilidades de articulação entre as disciplinas, a So-

ciologia, ao promover uma reflexão acerca da sociedade, dos indivíduos e grupos

sociais e das relações que eles estabelecem entre si, fornece para a Administração

um rico arcabouço para compreender as organizações como parte destas socieda-

des e, portanto como produtoras e produto. Esta capacidade analítica e reflexiva

é fundamental na administração das empresas se considerarmos que as mudanças

que ocorrem na sociedade têm reflexos imediatos no interior das organizações.

Valores, comportamentos e regras, difusão de práticas democráticas ou autoritá-

rias, marcos regulatórios, Estado, poder e grau de institucionalização dos conflitos,

desigualdade e estratificação social são algumas das questões ligadas às formas

como as sociedades se organizam que incidem diretamente e se traduzem nas

organizações. Ninguém é alheio à sociedade em que vive.

Em termos de contribuições teóricas a Sociologia está presente nos estudos

desenvolvidos na Administração tanto como insumo para a elaboração de teo-

rias organizacionais quanto como contraponto e crítica. No primeiro caso, há in-

fluência significativa da Sociologia americana por meio da obra de Parsons, que

orientou a análise das organizações como subsistemas, focando nas próprias rela-

ções recíprocas com o ambiente externo e os demais subsistemas. As teorias das

organizações também se nutriram dos estudos de Weber, em particular sobre a

burocracia como tipo puro de dominação legal-racional. Para Weber a burocracia

Page 38: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração 19

é um instrumento de precisão que pode ser colocada a serviço de interesses de

domínio muito variados, quer políticos, quer econômicos. Contudo, cabe ressaltar

que na Administração a incorporação de Weber é mediada pela respectiva leitura

parsoniana.

No campo da crítica, talvez o autor mais emblemático seja Marx, pois, ao

promover uma crítica ao caráter excludente e desigual do capitalismo, coloca a

questão do conflito no interior das organizações, não como algo excepcional ou

produto de situações atípicas, mas como intrínseco a este modo de produção.

Portanto, trata-se de uma teoria social que permite romper com as perspectivas

que partem do pressuposto que a sociedade de forma geral, e as organizações, mais

especificamente, se caracterizam pelo equilíbrio, pela estabilidade e conservação

e que, portanto, ignoram a questão do conflito e das assimetrias ou tendem a

considerá-los desvios de uma situação normal.

Bertero (1975), ao analisar a influência da sociologia nos estudos organizacio-

nais, lembrava que a influência do funcionalismo estrutural, sobretudo da teo ria

parsoniana, recebia duras críticas dos cientistas sociais. Contudo, é preciso re-

conhecer que a literatura de matiz parsoniano é muito mais presente na Admi-

nistração do que as perspectivas críticas. Mesmo que alguns autores de teoria ad-

ministrativa enfatizem uma análise marxista, como Tragtenberg (2004) e Farias

(2004), este enfoque é minoritário se comparado com o do funcionalismo estru-

tural, mesmo nos textos apresentados neste livro em que grande parte dos autores

apresentados é funcionalista, pois as abordagens na Administração são fundadas

na Sociologia norte-americana, não marxista, e como tal são fundamentalmente

funcionalistas.

Outra fonte de reflexão para a Administração e em particular para a Sociologia

Aplicada são os estudos oriundos da Sociologia do Trabalho e da Sociologia Econô-

mica, de cunho mais crítico, áreas com a qual há um intenso diálogo interdisciplinar.

Nessa área os estudos sobre relações, organização e processo de trabalho, cultura orga-

nizacional, trabalho e seus significados, inovações tecnológicas e organizacionais, entre

outros temas, são desenvolvidos partilhando referenciais teóricos.

Neste livro procuramos, nesta primeira parte, apresentar algumas contribui-

ções teóricas da Sociologia para a Administração, e na segunda e na terceira parte

buscamos contemplar alguns dos principais temas abordados pela Sociologia Apli-

cada à Administração e pela Sociologia do Trabalho. Assim, este capítulo comple-

menta a leitura dos demais capítulos ao oferecer um amplo panorama acerca do

surgimento das duas disciplinas e das conexões entre elas.

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C A P Í T U L O 2

Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre o pensamento dos autores clássicos da Sociologia

DANIEL GUSTAVO MOCELIN

LUCAS RODRIGUES AZAMBUJA

Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber são teóricos clássicos da So-

ciologia que direcionaram esforços na busca da compreensão das causas,

consequências e do sentido das transformações sociais que afetam a vida

humana na modernidade. As teorias e os procedimentos metodológicos propostos

por esses autores apresentam especificidades importantes e foram elaborados e de-

senvolvidos no contexto de profundas mudanças econômicas, políticas e culturais

que ocorreram no mundo ocidental entre os séculos XVI e XX. Seus pensamen-

tos e suas teorias estão repletos da marca desse contexto histórico. As teorias e

os procedimentos metodológicos que desenvolveram permanecem essenciais para

um conhecimento mais amplo da realidade social, influenciando intelectuais até

hoje.

O que foi dito inicialmente permite subentender que o pensamento desses

autores não emerge de uma genialidade inata, mas é construído no seio de suas

trajetórias pessoais e acadêmicas, que aconteceram sob uma conjuntura social,

política e econômica singular. O pensamento de um autor surge do diálogo críti-

co que estabeleceu com outros autores e pensamentos prévios, diálogo que pode

ser de influência, confrontação, oposição, descendência intelectual, descendên-

Page 40: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

22 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

cia familiar ou mesmo de amizade. O que surge dessa relação é uma síntese

que supera os pensamentos originais, mas que não é melhor nem pior que sua

origem, pois que as novas teorias se constituem de conservações de postulados

originais.

Foram alvo de análise de Marx, Durkheim e Weber eventos tais como a ex-

pansão do capitalismo moderno, a industrialização intensa, a urbanização crescen-

te, as novas formas de sociabilidade, o começo do Estado e da democracia mo-

derna, a ampliação dos direitos e das liberdades individuais. Entre as influências

intelectuais que nasceram nesse contexto destacam-se os ideais revolucionários, o

Iluminismo e o Liberalismo, valorizando o pensamento racional e científico em

contraposição às visões de mundo mais baseadas na religião e na tradição.

Portanto, nas teorias sociológicas elaboradas por esses três autores clássicos,

encontraremos o anseio deles em compreender as mudanças, os processos e os

eventos que marcaram a constituição da sociedade moderna, sua origem, seus

possíveis desdobramentos e principais características. Os três autores procuraram

definir e compreender, cada qual à sua maneira, a sociedade moderna. Viram

com diferentes perspectivas essa nova realidade social nascente. Marx e Durkheim

vislumbraram possibilidades frente ao advento da modernidade e seus possíveis

desdobramentos, enquanto Weber foi mais cético. O pensamento desses autores

influenciou toda a Sociologia do século XX e continua a ser revisitado, pois carac-

teriza um marco ao qual se pode sempre retornar.

Organizar o pensamento desses três autores de forma sistemática não é tarefa

trivial, mas consiste num esforço para melhor constatar as diferentes concepções

que cada um deles tinha sobre as transformações sociais que viveram e sobre a

maneira mais adequada de apreendê-las. Nas páginas que seguem, propomos uma

sistematização no sentido referido por meio de um quadro que dimensiona aspec-

tos que elegemos importantes.

Karl Marx nasceu em Trier, Alemanha, em 5 de maio de 1818 e morreu em

Londres, em 14 de março de 1883. Filho de Heinrich, advogado, e de Henriette,

eram de origem judaica. Estudou Direito, Filosofia e História na Universidade

de Berlim, onde se interessou pela filosofia hegeliana, e doutorou-se em Iena,

em 1841. Em 1842 assumiu a chefia da Gazeta Renana, em Colônia, onde seus

artigos radical-democratas irritaram as autoridades locais. Em 1843, expulso da

Alemanha, mudou-se para Paris, editando em 1844 o primeiro volume dos Anais

germânico-franceses, publicação dos hegelianos da esquerda. Entretanto, logo rom-

peu com os líderes deste movimento, Bruno Bauer e Ruge.

Page 41: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Marx, Weber e Durkheim 23

Em 1844 conheceu Frederich Engels em Paris, com quem trabalhou em mui-

tas obras. Marx se interessou profundamente pela obra de teoria econômica ela-

borada por Engels, que passou a ser seu mais importante colaborador. Em 1845,

Marx foi expulso da França, radicando-se em Bruxelas. Quando houve a revolução

de 1848 na França, Marx e Engels publicaram o Manifesto do Partido Comunista,

esboço do materialismo histórico. Marx voltou para Paris, mas assumiu o Novo

Jornal Renano, em Colônia, primeiro jornal diário socialista.

Em 1864, Marx foi cofundador da Associação Internacional dos Operários,

depois chamada Primeira Internacional; lá encontrou oposição dos anarquistas,

liderados por Bakunin. Em 1872, no Congresso de Haia, a associação foi dissolvi-

da. Depois da derrota dos movimentos revolucionários e o fechamento do jornal,

Marx foi para Paris e daí expulso para Londres, onde fixou residência até falecer.

Em Londres, dedicou-se a estudos econômicos e históricos. A partir de 1851,

Marx também escreveu artigos para jornais norte-americanos (New York Tribune)

sobre política exterior, mas sua situação financeira esteve sempre precária; foi

ajudado por Engels, de família de industriais de Manchester.

Émile Durkheim nasceu em 15 de agosto de 1858, em Epinal, no noroeste da

França, próximo à fronteira com a Alemanha, e morreu em 15 de dezembro de

1917, supostamente pela tristeza de ter perdido o filho na Primeira Guerra Mun-

dial. Era filho de judeus e optou por não seguir o caminho do rabinato, como era

costume na sua família. Mais tarde declarou-se agnóstico. Durkheim formou-se

em Filosofia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia.

Durkheim lecionou Pedagogia e Ciência Social na Faculdade de Letras de Bor-

deaux, de 1887 a 1902. A cátedra de Ciência Social, a primeira da Sociologia em

uma universidade francesa, foi concedida justamente àquele que criaria a Escola

Sociológica Francesa. Seus alunos eram, sobretudo, professores do ensino primá-

rio. A partir de 1902, foi auxiliar de Ferdinand Buisson na cadeira de Ciência da

Educação na Sorbonne e o sucedeu em 1906.

Max Weber nasceu em Erfurt, Alemanha, em 21 de abril de 1864 e morreu

em Munique, Alemanha, em 14 de junho de 1920. Em Munique lecionou Eco-

nomia Política. Seu pai foi deputado do Partido Nacional Liberal e Weber teve

oportunidade de entrar em contato com ilustres historiadores, filósofos e juristas

da época. Estudou História, Economia e Direito nas universidades de Heidelberg

e Berlim. Laureou-se em Goting, em 1889, com uma tese de história econômica

sobre a História das sociedades comerciais na Idade Média. Em 1892, conseguiu

a livre-docência com o texto A história agrária romana em seu significado para o

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24 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

direito público e privado. Em 1894, tornou-se professor de Economia Política na

Universidade de Friburgo. Em 1896, passou a ensinar em Heidelberg. De 1897 a

1903, suas atividades científica e didática ficaram bloqueada por causa de grave

doença nervosa. Nesse meio-tempo, em 1902, juntamente com Werner Sombart,

tornara-se codiretor da destacada revista Archiv Fur Sozialwissenschaft und Sozial-

politik.

Em 1904, Weber realizou viagens aos Estados Unidos. Durante a Primeira

Guerra Mundial, defendeu as razões da Alemanha na guerra e prestou serviço

como diretor de hospital militar. Nesse período, Weber esteve muito preocupado

com a ruína moral e cultural da Alemanha que, segundo ele, era devida à políti-

ca do imperador e de seus ministros. Depois da guerra participou da redação da

Constituição da República de Weimar.

O quadro que apresentamos a seguir expõe de forma geral, portanto sumária e

simplificada, as abordagens dos autores clássicos da Sociologia, propondo facilitar

a “comparação” entre eles. Cabe ao leitor, segundo o seu interesse pessoal, buscar

as especificidades referentes aos autores e às temáticas mencionadas a partir de

leitura dos textos originais ou interpretações. Caberá, também, articular as dimen-

sões do quadro (expressas nas linhas), e construir uma reflexão combinada com

as colunas, compreendendo as questões de maneira integrada. Longe de ser “re-

ducionista”, o quadro propõe apenas ser um guia temático e prático, expondo as

abordagens de modo introdutório e portanto sintético. Ele pode ser lido tanto no

sentido vertical quanto no sentido horizontal, bem como focalizando os tópicos

específicos. Os elementos presentes nas linhas e colunas podem ser lidos indepen-

dentemente, mas também em conjunto, pois se implicam reciprocamente. Muitas

explicações sobre uma dimensão poderão estar em outra.

A primeira linha do quadro apresenta o contexto histórico comum aos três au-

tores. Expressa eventos e processos simultâneos que caracterizaram o ambiente de

influência e o objeto de interpretação dos três clássicos. A segunda linha apresenta

o contexto mais restrito a cada um dos autores, delimitando as condições histó-

ricas mais singulares de importante influência no pensamento de cada um deles.

A terceira linha expõe as influências intelectual, filosófica e teórico-metodológica

em geral. A quarta linha apresenta o foco de análise e apresenta os objetos de in-

vestigação apropriados pelos autores. A quinta trata sobre a concepção de ciência

e a de conhecimento social. A sexta mostra como os três clássicos entendiam a

relação entre sociedade e indivíduo. Na sétima apresentamos a visão que os três

Page 43: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Marx, Weber e Durkheim 25

autores clássicos tinham da História. A oitava linha apresenta as ideias importan-

tes, dando destaque aos principais postulados teóricos dos autores. A nona trata

sobre a noção de mercado. A décima e a décima primeira tratam da metodologia,

destacando, respectivamente a denominação do método e os procedimentos me-

todológicos sugeridos pelos autores para a apreensão da realidade social. A décima

segunda linha aborda como cada autor clássico entendia a ideia da divisão do

trabalho social. A décima terceira apresenta as inclinações políticas dos autores.

Finalmente, a décima quarta linha lista as principais obras dos autores, referindo

o ano de sua produção.

Page 44: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

EVENTOS IMPORTANTES DO SÉCULO XVI ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO XX

Contexto histórico

1517. Lutero publica as 95 Teses. A Reforma Protestante representou o declínio do feudalismo e do poder clerical católico, expressão do comércio e da economia livre da autoridade religiosa e o início do individualismo e do nacionalismo modernos.

Séculos XVII e XVIII. O Iluminismo. Elaboração e divulgação das ideias liberais, valorização da racionalidade, aplicação da ciência para o “bem e libertação” da humanidade, secularismo, pensamento político republicano e democrático. Principais pensadores do Iluminismo: Montesquieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778).

1776. Revolução Americana. Rebelião pela independência. Primeiro grande movimento político liberal. Constituição de 1787. Primeira República Federalista Presidencialista do Ocidente. Marco na consolidação do Estado e da democracia moderna.

1789/1815. Revolução Francesa. “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Triunfo da burguesia. Crise do Antigo Regime. Liberalismo e nacionalismo. Declínio do feudalismo. Novas instituições.

1799/1815. Era Napoleônica. Consolidação das instituições burguesas. Afastamento da Igreja das questões políticas (Estado laico).

1806/77. Bloqueio continental: Inglaterra se volta para as colônias do Atlântico.

1814/15. Congresso de Viena: redefinição do mapa político da Europa e restauração do Antigo Regime como tentativa de conter o liberalismo e o nacionalismo de poloneses, belgas, alemães, gregos e italianos, bem como das classes urbanas (burguesia e proletariado).

1815/30. Independência das colônias americanas.

1815/50. Queda de Napoleão. Restauração e revolução: afirmação de forças de conservação.

1820. Santa Aliança em nome da religião. Os Estados que venceram Napoleão tinham o direito de intervir nos países “ameaçados” por revoluções.

1848/49. Revoluções proletárias: receptividade aos pressupostos socialistas (França, Itália e Alemanha) e fracasso dos movimentos socialistas.

1848/60. Unificação da Alemanha e da Itália.

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1864. Primeira Internacional dos trabalhadores. Gênese do movimento operário na Inglaterra.

1861/65. Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Vitória do Estado burguês: liberalismo, prosperidade econômica e promoção de taxas alfandegárias, visando o controle das importações.

1874/75. Inglaterra enfrenta a primeira crise de produção excedente, em razão do protecionismo alfandegário adotado pelos demais países industrializados; reinicio da corrida colonial na Ásia e na África, para enfrentar a concorrência e garantir o fornecimento de matérias-primas.

1850/1930. Movimento modernista na arte e na literatura: criacionismo, totalização e síntese.

1870/1945. Imperialismo. Nova forma de dominação econômica das antigas colônias.

1900/30. Determinação de modelos sociais, projetando respostas aos problemas: pragmatismo.

1914. Hegemonia europeia: 62% das exportações manufatureiras e fabris e 80% dos investimentos de capital no exterior. Apenas Estados Unidos e Japão disputavam mercados com as nações europeias.

1914/18. Primeira Guerra Mundial. Reivindicação dos países que chegaram atrasados à industrialização por uma redivisão dos mercados internacionais.

1917. Revolução Russa. Movimento político com adoção de princípios socialistas e comunistas.

PANORAMA ECONÔMICO E INDUSTRIAL DOS SÉCULOS XIX E XX

O desenvolvimento sociotécnico potencializou novas formas e métodos de administração do capital e de especialização do trabalho, acarretando avanço do capitalismo do Ocidente para o mundo. Conversão do ferro em aço. Ferrovias. Eletricidade. Petróleo. Automóveis. Imprensa profissional. Telefone. Cinema. Capitalismo monopolista e financeiro. O capitalismo deixa de ser um sistema baseado na livre concorrência para se tornar o empreendimento de um número reduzido de grandes empresas. Concentração empresarial: cartel (Alemanha), pool (Inglaterra); comptoir (França); consórcio (Itália). Internacionalização. Mercado doméstico torna-se restrito. Segunda Revolução Industrial: crescente urbanização e industrialização; ampliação de serviços, escolarização, e mudanças nas esferas científica, tecnológica e ideológica.

Page 46: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

KARL HEINRICH MARXAlemanha, Inglaterra (1818-1883)

ÉMILE DAVID DURKHEIMFrança (1858-1917)

MAX WEBERAlemanha (1864-1920)

Contexto específico

Apogeu do capitalismo na Inglaterra e superação de sua primeira crise. As primeiras relações de conflito entre o patronato e o operariado observadas nas indústrias têxteis da Inglaterra e a miséria dos operários londrinos. A constituição de novas classes sociais, novos estratos sociais definidos a partir do capitalismo, com características nítidas.

A Terceira República Francesa. Noções iniciais sobre o Estado protecionista. Equilíbrio e interdependência de novas instituições sociais. As corporações podem equilibrar as relações entre patronato e operariado: a classe operária não caracteriza uma ameaça. Belle Époque. Apogeu da sociedade liberal: otimismo; democracia, liberalismo, sindicalismo e anarquismo.

Alemanha bismarkiana. Expansão da social--democracia alemã. Primeiras análises sobre a expansão do capitalismo monopolista e da burocracia nas indústrias e no Estado. Romantismo alemão é pessimista quanto ao futuro da sociedade industrial.

Influência intelectual

Materialismo e historicismo. A filosofia da história de George Hegel e o seu método dialético: a humanidade evolui, em decorrência de etapas definidas, em certas direções predefinidas. Embate teórico sobre o materialismo com Ludwing Feuerbach. Sofre influência de economistas importantes como Adam Smith e David Ricardo, e de socialistas utópicos como Henri de Saint Simon, Robert Owen, Charles Fourier e Joseph Proudhon.

Funcionalismo e Racionalismo: Francis Bacon, Condorcet, August Comte, Henri de Saint Simon, Rosseau, Montesquieu, Tocquevile, Spencer, Wundt, Gabriel Tarde. O positivismo, o cartesianismo e o empirismo, no sentido de indutivismo e experimentalismo. Pesquisa dos fenômenos sociais com métodos correspondentes aos das ciências naturais.

Idealismo, Romantismo alemão, Antirracionalismo e Hermenêutica. Kant, Herder, Dilthey, Rickert, Tönnies, Marx, Simmel, Sombart, Nietzsche. Reação e crítica ao otimismo frente à razão presente no Iluminismo. Crítica ao positivismo e a busca de leis na explicação dos fenômenos sociais. O neokantismo: construções mentais consistem em seleções e montagens do material objetivo, obedecendo às estruturas existentes na mente do observador.

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Foco de análise e objetos de investigação

As relações socioeconômicas, que expressam contradições, antagonismos e conflitos inerentes a elas. Marx concebia a modernidade capitalista como um fenômeno dinâmico demarcado por avanços (por exemplo, a individuação, a produtividade, o desenvolvimento, a expansão dos mercados e a globalização) e por contradições e conflitos (por exemplo, a alienação, a exploração, a desigualdade, o imperialismo) que resultam nas transformações sociais. Essa dinâmica entre avanços e percalços constitui a gênese do movimento histórico. Explicar a realidade social por meio das contradições estabelecidas pelas desigualdades de poder entre as classes. Em cada sociedade, seria possível identificar muitas classes que detêm desigualmente meios de produção e poder político.

A ordem social e a sua coesão, com destaque para o processo de adensamento das estruturas sociais e a consequente especialização crescente e constante interdependência das partes. O fato social seria toda a maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou seja, que seria geral na extensão de uma sociedade, apresentando uma existência própria, independentemente das manifestações individuais que possa assumir. Os fatos sociais só podem ser explicados por meio dos efeitos sociais que produzam para a sociedade, ou seja, em suas formas concretas. Caracterizam-se por tendências atuantes sobre a sociedade, por exemplo, a individuação e o reconhecimento de papéis sociais e diferenças. Analisou a coesão social, a divisão do trabalho social, a religião, a Igreja, o Estado, os sindicatos, a família, o Direito, a Educação, a Moral, o suicídio.

Os processos histórico-sociais, analisados tanto por meio da compreensão do sentido subjetivo que rege as formas regulares de ação social de um dado processo como também as respectivas condições socioestruturais. Foco nos processos de racionalização das esferas da vida no Ocidente e na origem e no desenvolvimento do capitalismo moderno. Ação social é toda ação cujo sentido para quem a realiza leva em consideração a conduta de outros – a ação dotada de sentido se diferencia do comportamento reativo e instintivo.

As esferas sociais (política, econômica, religiosas etc.), as relações sociais (de dominação e autoridade, competição e cooperação etc.) e as organizações e instituições (Estado, partidos, empresas, burocracia, igrejas e seitas etc.) podem ser decompostas e analisadas pelos tipos regulares de ação social das quais são formadas.

Visão da história

Ênfase na transformação social. Historicista e finalista (teleologista), como George Hegel, mas a marcha histórica é para o comunismo e não para o Estado de tipo prussiano. A crise de um modo de produção e sua substituição histórica por um novo modo de produção requer condições objetivas e políticas. A história é um movimento contínuo, um desenvolvimento histórico de associação coletivo, mas não depende das vontades individuais.

Adota um tipo de historicismo, mas não é evolucionista: as sociedades se adensam constituindo arranjos cada vez mais complexos. As sociedades “crescem”: elas não passam por etapas definidas, mas podem ser classificadas pelo seu estágio: sociedades tradicionais (segmentárias) e modernas (diferenciadas). A modernidade apresenta duas tendências marcantes, que são a diferenciação social e uma crescente autonomia dos atores sociais (individuação).

Ênfase sobre as singularidades históricas, combinações específicas de fatores econômicos, políticos e culturais que possuem afinidades eletivas. Nega a visão teleológica. Não existem leis que determinam o curso da história. Segundo o kantismo, aceita que o “sentido” da vida e do mundo é sempre uma construção cultural – inexistindo objetivamente fora das construções da mente humana.

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KARL HEINRICH MARXAlemanha, Inglaterra (1818-1883)

ÉMILE DAVID DURKHEIMFrança (1858-1917)

MAX WEBERAlemanha (1864-1920)

Concepção de ciência e de conhecimento social

Conhecimento científico envolve teoria e práxis. Explicação da sociedade implica uma prática que depende da teoria. O conhecimento consiste numa elaboração inteligível da realidade e contém um potencial de mudança. Rompe com a ideia da neutralidade da “ciência”. Necessidade de partir do real para produzir ciência: do real se chega ao teórico e o teórico se aplica ao real. O conhecimento científico do real começa com a produção crítica de suas determinações (ver Teses sobre Feuerbach). O papel da filosofia não é mais o de compreender a história – mas o de modificá-la (já se sabe o que é a história) (ver O 18 brumário de Luís Bonaparte). A história direciona-se, etapa após etapa, para o comunismo. Investigam-se as diversas circunstâncias sociais como estímulos ou resistências da marcha das sociedades para o comunismo. Marx acreditava ter encontrado as “Leis” da transformação social. Para ele, a história das sociedades é a história das lutas de classes. A luta entre as classes sociais conformam o “motor da história”, ou seja, o princípio gerador das mudanças ocorridas ao longo do desenvolvimento da humanidade (passagens do comunismo natural para o feudalismo, do feudalismo para o mercantilismo, do mercanti lismo para o capitalismo, e do capitalismo para o comunismo social). A abordagem marxista unifica uma ciência social crítica (materialismo histórico), uma filosofia social (materialismo dialético) e uma concepção política (luta de classes).

Ciência como conhecimento objetivo da realidade. A sociedade é sui generis, está fora do indivíduo, portanto é objetiva e observável. A neutralidade é atingida pela postura do cientista de apreender o objeto pela observação e experimentação indireta, eliminando o senso comum. A sociologia é uma ciência autônoma, possui objeto próprio – os fatos sociais. A realidade social não pode ser explicada por ações individuais, apenas pela relação entre fatos sociais gerais. Não se trata de pensar leis sociais universais, que ocorrem independentemente do tempo e do espaço (diferença em relação ao positivismo), mas se podem descobrir relações generalizáveis para determinados contextos sociais. Delimitação do espaço da Sociologia, demarcando seu campo de análise, ou seja, a ideia de que os fenômenos sociais têm causas sociais. Delimitação de regras do método sociológico parte dos princípios do método das ciências naturais, especialmente da Biologia: neutralidade do cientista; afastar da ciência as prenoções; empirismo; renúncia a predições (indutivismo); quantificação (estatística); mono ou pluricausalidade dos fatos; distinção entre o normal e o patológico. As noções de normal e patológico estão ligadas respectivamente à regularidade e à excepcionalidade no tempo e no espaço. Os fatos sociais, que devem ser tratados como “coisa”. A ciência pode auxiliar na resolução da crise moral decorrente de uma passagem incompleta da solidariedade mecânica para a orgânica.

A ciência pode fornecer conhecimentos que permitam tecnicamente dominar a vida por meio da previsão; fornece métodos de pensamento; oferece clareza; pode mostrar e portanto ser útil em revelar os meios adequados para determinados fins e as consequências que as escolhas trariam. A ciência não é capaz de dizer “o que fazer” nem “como viver”, mas pode fazer as pessoas terem maior clareza da realidade (função de esclarecimento). A Sociologia seria uma ciência que pretende entender, interpretando a ação social para, assim, explicá--la causalmente em seus desenvolvimento e efeitos. A relação com valores define o primeiro momento do conhecimento científico. Todo conceito seleciona alguns aspectos da realidade infinita e exclui outros; seleção é orientada por meio de atribuição de valor pelo sujeito que investiga. O objeto do conhecimento reflete o repertório de valores de uma época, da cultura e do pesquisador. Distinção entre juízos de valor e ideias de valor: as ideias de valor referem--se aos interesses de uma época, relações de valor percebidas pelo observador; os juízos são questões morais, que desvirtuam o processo de pesquisa. A validade dos conhecimentos científicos adquiridos é restrita a uma dimensão parcial da realidade. O conhecimento científico se torna possível a partir do momento em que o investigador seleciona da realidade infinita a parte finita que pode ser submetida à compreensão: o papel do sociólogo é o de dar ordem ao caos.

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Concepção da relação sociedade e indivíduo

Sociedade definida a partir das relações de produção, que constituem a base econômica da sociedade. A sociedade é uma realidade histórica evidente, sujeita às determinações das condições econômicas. Essa realidade histórica é um todo complexo de relações que estão em constante movimento dialético. As transformações da sociedade ocorrem em função das contradições, dos antagonismos e conflitos entre classes sociais. As classes dominantes ocupam posições elevadas na estratificação social em função do seu poder econômico. A melhor posição social garante acesso privilegiado à riqueza socialmente produzida, bem como acesso ao poder político do Estado, o que favorece políticas que sejam favoráveis aos interesses da classe dominante. Marx desenvolveu uma concepção materialista da História, afirmando que o modo pelo qual a produção material de uma sociedade é realizada constituiria o fator determinante da organização política e das representações intelectuais de uma época. No modo de produção capitalista, o conflito entre as classes expressa a contradição entre capital e trabalho. Esse conflito entre os trabalhadores (proletários) e os empresários (burgueses) surge em decorrência do agravamento das desigualdades entre a massa de trabalhadores, detentora de uma pequena parte do excedente da produção, e os capitalistas, que detêm a maior parte do excedente. A marcha das sociedades para o comunismo

Anterioridade do social sobre o individual (a sociedade permanece para além da vida e da morte do indivíduo). A sociedade é uma realidade suigeneris, com aspectos próprios. Os indivíduos estão submetidos à sociedade, pois é a sociedade que permite a emergência do indivíduo como individualidade (processo de individuação). A realidade psíquica não se confunde com a realidade social. Os princípios que regem a sociedade e a ação humana são proporcionados por valores, normas e regras que tiveram sua origem na própria sociedade e nas representações sociais, que são interiorizadas pelos indivíduos (socialização). O progresso da divisão do trabalho social torna complexa a estrutura social promovendo a especialização e pluralização das instituições sociais (costumes, normas, políticas, econômicas, científicas, jurídicas etc.) permitindo também aos indivíduos maior espaço para individuação por meio da especialização e trânsito pelas diferentes identidades e papéis sociais (sacerdote/fiel, curandeiro, filósofo, operário, médico, cientista, intelectual etc.). Assim, a sociedade, por meio do progresso da divisão do trabalho social, deixa de estar organizada em uma estrutura homogênea para estar organizada numa estrutura heterogênea, cujas partes são interdependentes e cumprem “funções”. O espaço para individuação é, portanto, diretamente proporcional ao desenvolvimento da divisão do trabalho social, sendo esta

A sociedade é marcada pela diversidade cultural, portanto a realidade social deve ser entendida como um conjunto de possibilidades históricas. A sociedade moderna ocidental é produto de um processo histórico difuso, porém persistente e de longa duração: a racionalização das esferas da vida. Tal processo pode ser definido como a organização das condutas individuais, nas diferentes esferas sociais, por meio de normas, princípios e regras impessoais e formais. A racionalização denota, portanto, o processo no qual as organizações e relações sociais são estruturadas por tipos de ações sociais racionais em detrimento das formas tradicionais e afetivas e, no Ocidente capitalista, o predomínio da racionalidade formal sobre a substantiva. Há uma relação de mútua causalidade entre o sentido subjetivo das ações individuais e as organizações, relações e instituições sociais, sendo por meio dessa relação de mútua causalidade ou determinação que moldam os processos de racionalização em diferentes esferas e diferentes períodos históricos. Portanto, o processo de racionalização não tem origem ou é causado por um evento ou fator específico de um período da História e, sim, manifesta-se em diferentes momentos e em diferentes esferas da vida (economia, política, religião etc.) e o modo como se manifesta é determinado pela relação de mútua influência entre formas de ação social, de um lado, e organizações, relações e instituições sociais, de outro. A sociedade moderna ocidental tem suas raízes

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Concepção da relação sociedade e indivíduo

(teleologia) é um processo humano decorrente das contradições produzidas pelo desenvolvimento das forças produtivas (tecnologia) conjugadas com o desenvolvimento das relações de produção (relações sociais), ou seja, são as ações humanas que constituem o processo histórico, mas o indivíduo em si não toma conhecimento desse processo.

última determinada pelo adensamento material (crescimento demográfico) e moral (crescimento das formas de relação social) das sociedades. A sociedade e a consciência coletiva são entidades morais, antes mesmo de possuírem uma existência tangível. Essa preponderância da sociedade sobre o indivíduo deve permitir a sua realização individual, quando integrado à estrutura social.

em processos de racionalização diversos; por exemplo, a racionalização do conhecimento com o nascimento da Filosofia na Grécia Antiga, a racionalização das Leis com o Direito Escrito Romano, a racionalização das trocas econômicas com a emergência do dinheiro e do sistema de preços, entre outros.

Ideias Importantes (TEORIA)

A teoria da alienação concebe que o homem se encontra “separado” (alienado) de sua condição autêntica (livre, autoconsciente, criador). Marx entende que o ser humano só é inteligível quando visto em relação com sua matéria, que é aquilo sobre o qual o ser humano exerce a práxis (trabalho criador): materiais da natureza ou outros seres humanos. Práxis consiste no trabalho especificamente humano, mas no capitalismo há a profusão do trabalho assalariado, que não é o livre exercício de uma práxis criadora, mas um mero meio para não se morrer de fome. Com base nessa concepção, Marx desenvolve a teoria da práxis alienada: o trabalhador exterioriza-se (exteriorização) como homem e animal no objeto do trabalho, modificando-o, mas perde-o (exteriorização e perda) para o capitalista, que só devolve para o trabalhador a parte “animal” (salário), apropriando-se da parte humana. Nesta concepção, tanto

A sociedade não é o produto da soma de consciências, de ações e de sentimentos particulares. Ainda que o todo seja composto pelo agrupamento das partes, origina uma série de fenômenos que dizem respeito ao todo diretamente, e não apenas às partes individuais que o compõem. Reconhecimento da existência de uma consciência coletiva. O homem se tornou humano porque se tornou sociável, sendo capaz de aprender hábitos e costumes para poder conviver em um grupo social. Esta “aprendizagem” estaria na gênese da socialização, processo por meio do qual a consciência coletiva seria internalizada durante a vida do indivíduo. A socialização se compõe daquilo que habita a mente e que serve para orientar a ação humana, seus sentimentos e comportamentos. O fato social atende a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade. Isto é, o que as pessoas sentem, pensam ou fazem independemente de suas

Aperfeiçoamento dos conceitos de Ferdinand Tönnies sobre as dimensões coexistentes da sociedade: a comunidade (Gemeischaft) – a dimensão dos valores e do “sentido” e onde as ações são orientadas “de dentro” por valores “legitimados” (internalizados); e a associação (Gesellschaft) – a dimensão formalista e onde as ações são orientadas “de fora” por leis e estatutos. Existem quatro formas de ação social: (1) Racional Referente a Fins: uso do cálculo para determinar os meios mais eficientes para atingir fins próprios (racionalidade formal ou instrumental); (2) Racional Referente a Valores: determinada pela crença consciente no valor inerente a determinado comportamento como tal, independentemente de seus resultados (racionalidade substantiva, ética religiosa); (3) Afetiva: determinada por estados emocionais, crenças, fé (irracionalidade); e (4) Tradicional: determinada pelo costume, pela força do hábito. Para Weber, entes

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os explorados como os exploradores são alienados da condição verdadeiramente humana: ambos promovem a acumulação de um ser estranho e que os domina: o capital. Influenciado por Feuerbach, Marx elabora a teoria da exploração: no sistema capitalista, a desvalorização da força de trabalho deve-se a que esta se tornou uma mercadoria como outra qualquer, num sistema de produção de mercadorias em geral. A dinâmica do sistema capitalista consiste na geração de lucro e não na produção de produtos específicos que satisfaçam as necessidades humanas. Esta é a contradição entre valor de uso e valor de troca. O “sistema capitalista” entende o trabalhador como uma mercadoria, chamada “força de trabalho”. A teoria da mais-valia concebe que existe um valor extra produzido no sistema e que excede o valor total dos salários pagos aos trabalhadores, ou seja, nesta concepção o lucro não provém do aumento arbitrário do preço, visto que, se fosse assim, o que se ganhou em uma troca logo se perderia em outra. Para Marx, o segredo acerca da origem do lucro está no fato de que este ocorre no processo de produção, e não na troca ou circulação da mercadoria. Assim, o lucro também teria sua origem na exploração do trabalhador pelo capitalista. Todos os trabalhadores produzem riqueza, mas as relações de produção da sociedade capitalista fazem o capitalista se apropriar da mais-valia produzida. Existem duas formas de mais-valia: absoluta e relativa.

vontades individuais é um comportamento socialmente estabelecido. Não é imposto, mas que existe antes e que continua depois e que não seria fruto de simples escolhas. A solidariedade social é a grande responsável pela coesão surgida entre os indivíduos, que os mantém em sociedade. Os indivíduos socializados teriam, portanto, duas consciências, uma individual, representando-os no que têm de mais pessoal e distinto, e outra coletiva, de unidade societal, comum aos grupos humanos, que age e que “vive” nos indivíduos. A moral significa algo como a internalização de normas coletivas e é essencial para a coesão social. As sociedades se mantêm integradas (coalescentes) em virtude de dois processos principais: (1) a solidariedade mecânica: a reduzida divisão do trabalho reduz o indivíduo, pois todos os membros de uma mesma comunidade partilham os mesmos valores e disponibiliza um conjunto de papéis limitado para os indivíduos exercerem (baixa diferenciação social); o desvio de pensamento e conduta em relação à “consciência coletiva” é punido; a consciência coletiva é muito forte nas sociedades mais simples, homogêneas e com pouca ou nenhuma divisão do trabalho social; e (2) a solidariedade orgânica: a ampliação da divisão do trabalho (especialização e diferenciação) promove a individuação dos membros da sociedade; a integração social se dá pela interdependência entre os papéis sociais. O adensamento material e o moral da sociedade provocam

coletivos como as organizações, as relações, instituições e as próprias sociedades seriam reproduzidos e existem à medida que o sentido da ação social da qual são formados é compartilhado pelos indivíduos que participam de sua reprodução, portanto esses entes existem porque as ações que os reproduzem fazem sentido aos indivíduos, isto é, são legitimas. Aproximação entre teoria econômica e teoria sociológica: sociologia econômica. A sociologia econômica investiga as ações econômicas movidas pelo interesse ideal (valores), material, emoções e/ou pelo costume e orientada pelo comportamento dos outros (social). A ação social econômica é movida pela busca racional de fins estritamente econômicos, sem fazer uso da violência para alcançá-los. Na sociologia econômica weberiana a noção de luta substitui a de competição para incluir a dimensão do poder e da dominação na vida econômica. Weber define três tipos de dominação política que ocorrem nas sociedades modernas ocidentais: (1) dominação legal: ocorre quando o dominado obedece a leis e estatutos externos; tipicamente, é a dominação burocrática. (2) dominação tradicional: ocorre quando a vontade do dominador foi internalizada como valor e estes são passados às gerações seguintes; “sempre foi assim”. (3) dominação carismática: ocorre quando o dominado é fascinado pelas virtudes extraordinárias do líder. A modernidade tem produzido um excesso de “racionalidade ocidental”

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Ideias Importantes (TEORIA)

A mais-valia absoluta fundamenta-se na ideia de que durante a jornada de trabalho, em determinado período, o trabalhador produz mercadorias no valor igual ao salário; nesse período, o trabalhador repõe no sistema o valor daquilo que foi consumido por ele na forma de alimento, moradia e outros consumos necessários para que o trabalhador tenha condições de executar sua tarefa; no tempo restante produz um valor que não será recebido por ele na forma de salário, mas que será apropriado pelo empregador (a mais-valia); apoia-se na extensão da jornada de trabalho com relação ao salário que seria necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora num dado padrão de vida, tornando os trabalhadores dependentes do trabalho. A mais-valia relativa consiste na ideia de que o aumento da produtividade reduz o custo para a sobrevivência do trabalhador (o seu salário), diminui proporcionalmente o tempo de trabalho necessário; as mudanças organizacional e tecnológica geram lucro com base na redução de custos (o aumento do capital fixo diminui o capital variável). A teoria da tendência ao colapso do modo de produção capitalista concebe que o aumento do capital constante (máquinas, ferramentas) e a consequente redução do capital variável (trabalho, salários) resulta da queda da taxa de lucro do sistema como um todo, pois a origem da mais-valia é a expropriação do trabalho e não o investimento.

um processo de diferenciação social que promove o reconhecimento e a constituição de diferenças entre grupos ou categorias de indivíduos. Instituições, tarefas e papéis sociais se tornam cada vez mais especializados, cada vez mais diferenciados e complementares, ampliando a coesão social. A especialização sem um sentido de complementaridade social pode diminuir o sentimento de pertença, provocando anomia; os indivíduos não encontrariam freios para seus desejos e, caso fosse uma tendência, ocorreria desordem social. As taxas sociais de suicídio podem oscilar conforme dois fatores: integração (vínculo e sentimento de pertença do indivíduo) e regulação (poder de coerção que a sociedade exerce sobre o indivíduo). Variações indicam formas diferentes de suicídio, pois há diferentes causas. Suicídio egoísta é aquele que é causado por um estado de baixa integração social vivenciado por um grupo ou uma sociedade. Suicídio anômico é causado por um estado de baixa regulação social. Suicídio altruísta é aquele determinado pelo excesso de integração social. O Estado é uma função social que surge para compensar a desmoralização. As corporações poderiam selecionar membros para cargos públicos, tornando o Estado eficiente, pois absorveria uma pluralidade de interesses. A religião é uma projeção social na forma de panteões, além de uma projeção do “mana totêmico”: o poder das emoções humanas.

(racionalidade societária e formal). A burocracia, o capitalismo, a técnica e a ciência moderna são elementos que compõem esse processo histórico e difuso de racionalização. A modernidade tem produzido uma cotidianização do mundo racional e cientificista produzindo um esvaziamento do carisma. Isso é a Entzauberung – a desmagicização ou desencantamento do mundo. O capitalismo moderno industrial é resultado do processo de racionalização em diversas esferas, inclusive na religiosa (ver A ética protestante e o espírito do capitalismo).

Diferentemente de Marx, Weber entende que a cultura afeta o econômico tanto quanto o econômico afeta a cultura. O capitalismo foi estimulado em seu desenvolvimento por fenômenos culturais, institucionais, técnico--científicos, políticos e, obviamente, econômicos (ver História geral da economia), não sendo um desses fenômenos mais importante e causa fundamental para o advento do capitalismo. O que caracteriza o comportamento econômico no capitalismo moderno não é a ganância pura, mas a busca racional de acumulação (e não o gasto) de riqueza – espírito do capitalismo. Esse comportamento pode ter origem na ética religiosa protestante (ver A ética protestante e o espírito do capitalismo).

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Mercado Para Marx, tal como para muitos economistas clássicos, o mercado não é um lugar onde se determina o preço das mercadorias. Seria na esfera da produção que o valor das mercadorias é estipulado em função da quantidade de trabalho que necessitam para serem produzidas. Em suas obras, o mercado é tratado como um sinônimo de esfera da circulação. Os mercados são constituídos de relações cuja especificidade é se realizarem por meio de coisas (mercadorias). São essas relações (especialmente as de produção) que determinam o valor monetário de troca das mercadorias e não as propriedades intrínsecas a estas últimas (fetichismo da mercadoria = atribuir às propriedades dos objetos a fonte de seu valor de troca como mercadoria). Para Marx, os mercados não são entes abstratos, e sim realidades históricas e empíricas. O autor critica a dimensão ideológica que envolve os mercados, que os retrata como espaços onde pessoas livres e iguais engajam--se voluntariamente em relações de troca para mútuo benefício. Segundo o autor, tal concepção tende a obscurecer o papel das relações de poder e exploração que estão na base do funcionamento e existência dos mercados. A globalização dos mercados expressa a expansão da modernidade capitalista que varre as tradições e substitui uma sociedade antiga, promovendo uma nova sociedade que também é marcada por novas contradições.

Durkheim nunca chegou a definir o que entende por mercado, porém o analisou como uma instituição relativa às trocas materiais, isto é, analisou-o como um fato social. O mercado seria uma instituição na qual se realizam relações de natureza contratual. Sendo uma instituição social, as relações contratuais não dependem, para sua realização, do encontro de interesses individuais. Dependeria de regras formais (jurídicas) e informais (costumes e moral) advindas da sociedade, que induzem a propensão dos indivíduos em respeitarem contratos (formais ou não). Assim, Durkheim irá destacar a função das práticas mercantis para a constituição da sociedade, entendendo que a economia possui elementos não econômicos. Durkheim estava convicto de que o crescimento e a eficiência econômica não bastavam para legitimar moralmente a sociedade moderna. Para o autor, com a divisão do trabalho mediada pelo mercado surgem relações nas quais os membros da sociedade desenvolvem uma forma especial de solidariedade (“orgânica”), porque, no reconhecimento recíproco de suas respectivas contribuições mercantis, eles se reconhecem interdependentes. O mercado assume, portanto, uma dimensão moral, visto que, mais do que trocas, o mercado produz laços sociais.

Weber foi o sociólogo clássico que mais refletiu e estudou os mercados. Ainda jovem (1893-98) dedicou uma série de estudos a respeito das bolsas de valores. Já nesses estudos verificamos sua concepção de mercado como “arena de lutas”. Para Weber, o mercado consiste numa pluralidade de indivíduos interessados que competem pela possibilidade de troca. Os mercados são, simultaneamente, espaços de competição entre indivíduos e de reciprocidade de interesses. A ação econômica é uma ação social que envolve tradição, racionalidade, valores, moral e direitos. Em decorrência dessas relações de luta, os preços são fixados em um mercado. Os mercados possuem dois tipos de lutas: a luta de interesse entre comprador e vendedor e lutas de competição entre dois atores interessados em travar relações de troca com um terceiro. Essa distinção aponta para a concepção de Weber que a ação dos indivíduos no mercado começa orientada pela competição, terminando pela realização de uma relação de troca. A ação inicial de competição é social, porque é orientada tendo em vista o comportamento de um grupo de possíveis competidores. Weber ainda afirmou que nas sociedades pré-capitalistas os mercados eram largamente regulados pelas tradições e costumes morais e, nas sociedades capitalistas modernas, os mercados se tornavam livres dessa regulação.

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Denominação do método

Materialismo histórico-dialético Funcionalismo experimental (tipo médio) Compreensivo-fenomenológico (tipo ideal)

Procedimentos metodológicos

Dialética. Tese, antítese, síntese. Inversão da dialética hegeliana: para Marx, as transformações sociais não decorrem de conflitos idealizados na esfera sociopolítica, como para Hegel. As transformações sociais decorrem de conflitos reais na esfera socioeconômica.Identificar as leis da transformação dos fenômenos, buscando as conexões dos fenômenos com a totalidade. Para explicar as mudanças de determinado fenômeno histórico, analisam-se os elementos contraditórios buscando encontrar elementos responsáveis pela sua transformação num novo fenômeno, dando continuidade ao processo histórico.O método preconiza que, ao estudar as sociedades, se parta de seus processos econômicos [relações pessoa-natureza--pessoa], os quais formam a base material da sociedade. Essa base material ou econômica constitui a “infraestrutura” da sociedade, que exerce influência direta na “superestrutura”, ou seja, nas instituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e ideológicas (as artes, a religião, a moral).

Método funcionalista. Investigar como se mantém (conexões funcionais) a integridade do todo social (conjunto dos fatos sociais).Método comparativo: experimentação indireta. Um tema deve ser analisado em suas diversas dimensões e na comparação entre categorias. As diferenciações entre as categorias revelam evidências que servem de comprovação. Perseguir as variações das séries de dados e informações para aproximar-se de explicações precisas de fatos da realidade social (administrar a prova). Isolamento das causas individuais que um fenômeno possa ter.Método das variações concomitantes: uma mudança em um fato gera mudança em outro fato, demonstrando em que grau os fenômenos seriam relacionados. Verificar se não há casos isolados entre os fatores que deturpem a distribuição normal. Buscar a causa que produz um dado fenômeno e a função que este desempenha para a integração da sociedade.

Integração de metodologias compreensivas e explicativas (causalidade):Método compreensivo significa o entendimento do sentido que orienta a ação dos indivíduos e coletividades – trata sobre a dimensão comunitária (Gemeinschaft) das sociedades, a dimensão do sentido das coisas, das qualidades (justo-injusto, bem-mal, belo-feio). Abrange uma análise no nível micro (da ação e interação dos indivíduos) como também no nível macro (da cultura e dos sistemas éticos como religiões).Individualismo Metodológico significa que a Sociologia deve tomar como ponto de partida o indivíduo e o seu comportamento na explicação dos fenômenos sociais. Porém, em Weber, o indivíduo não é só a pessoa, mas também organizações, coletividades e singularidades históricas. Trata-se da análise de manifestações sociais concretas, marcadas por um contexto histórico e cultural singular.Método explicativo significa a busca de séries causais e das matemáticas (estatística) – com o objetivo de controlar a subjetividade inerente ao método compreensivo. Também seria o método mais adequado ao estudo da dimensão societária (Gesellschaft) das sociedades.

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Procedimentos metodológicos

A infraestrutura é formada por forças produtivas (que são as ferramentas, as máquinas, as técnicas, tudo aquilo que permite a produção) e por relações de produção (relações que estabelecem arranjos para produção e reprodução de mercadorias. No capitalismo essas relações ocorrem entre os que são proprietários dos meios de produção, como terra, matérias-primas, máquinas, e por aqueles que possuem apenas a força de trabalho).Ao se desenvolver, as forças produtivas produzem conflitos, que, no caso do capitalismo, ocorrem entre os proprietários e os não proprietários dos meios de produção.O conflito produz novas relações de produção, que já se delineavam no interior da sociedade antiga. Com isso, a superestrutura também se modifica e abre-se possibilidade de revolução social.

A explicação sociológica fundamenta-se em estabelecer relações de causalidade, ou seja, liga-se um fenômeno à sua causa ou uma causa a seus efeitos. As diferentes causas de um fenômeno correspondem tipos desse fenômeno.O tipo médio é construído a partir de taxas e definições elaboradas indutivamente. Os tipos normais são construções empíricas. Orientação empírico-indutiva: “ir do particular ao geral”. O dado empírico provoca uma sensação que indutivamente pode ser generalizada.O autor também contribuiu com a antropologia: a manipulação de dados etnográficos permite a análise de representações coletivas, que são encaradas, num sentido estrito, como representações mentais ou, melhor dito, representações simbólicas que, por sua vez, são imagens da realidade empírica (ver As formas elementares da vida religiosa).

Método dos tipos ideais significa o uso de conceitos abstratos “puros”, construídos teoricamente para definir com clareza o que se estuda: os tipos ideais (burocracia, ética calvinista, patrimonialismo, dominação legítima) consistem na articulação de inferências indutivas e dedutivas; seriam instrumentos teóricos, racionais, para a compreensão da ação real. A interpretação da ação social se realiza por meio do método compreensivo que enseja a interpretação do sentido subjetivo da ação. A construção de tipos ideais favorece uma visão mais ampla da realidade social, pois implica proposições conceituais que expressam a singularidade dos fenômenos sociais.

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KARL HEINRICH MARXAlemanha, Inglaterra (1818-1883)

ÉMILE DAVID DURKHEIMFrança (1858-1917)

MAX WEBERAlemanha (1864-1920)

Divisão do trabalho social

Fragmentação do ser genérico do homem. A divisão social do trabalho é um aspecto objetivo da realidade moderna e capitalista e coloca o homem em conflito com os outros homens e consigo mesmo, em razão da fragmentação do trabalho (práxis humana). O homem tem a capacidade de idealizar o que quer produzir, propriedade que o diferencia dos animais, mas esta é colocada em xeque na modernidade.

Especialização e interdependência entre os indivíduos. A divisão do trabalho social é fator de integração social. Nas sociedades em que predomina uma acentuada divisão do trabalho, o relacionamento entre especialidades estabelece dependência de uns indivíduos para com os outros, basicamente fundada na especialização de atividades sociais, no âmbito da sociedade, e de tarefas no âmbito da produção.

Fator de racionalização na esfera econômica porque torna o trabalho uma atividade sistemática, ou seja, deve ser realizada metodicamente. O protestantismo oferece uma base ética à divisão do trabalho ao considerar o trabalho como vocação porque seria o meio para o ser humano realizar a “vontade de Deus”. A divisão social do trabalho não é uma imposição social, mas são os indivíduos que buscam realizar suas vocações.

Inclinações política

Socialista. Prevê uma sociedade sem classes, sem propriedade privada dos meios de produção – em que o Estado desapareceria. Em determinado momento, Marx foi um político revolucionário, teórico e prático. Por causa da sua inclinação socialista foi expulso de diversos países, inclusive de sua terra natal; por isso residiu na Bélgica, na França e na Inglaterra. Marx participou de movimentos da Internacional Socialista e redigiu o Manifesto do Partido Comunista.

Defendia o corporativismo (representação política conjunta de empregados e empregadores). Não aceitava o “Estado tirano”. Desaprovava o comunismo, pois seria um retorno utópico à solidariedade mecânica, que dilui o indivíduo (ver O socialismo). Segundo Durkheim, a igualdade é um princípio que encobre as individualidades; propõe substituí-lo pelo da solidariedade: a interdependência proporciona a coesão social. Desaprovava o liberalismo, provedor de anomia.

Parecia ter simpatia por sistemas dinâmicos conduzidos por líderes carismáticos, democráticos e inovadores, que sintetizariam a convicção política com senso pragmático. Não foi liberal, liberal-conservador, social-democrata, socialista, comunista, nazifascista ou anarquista. Weber teve assento na redação da Constituição da República de Weimar, em 1918.

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Obras de destaque

1841 – Tese de Doutorado: Diferenças entre as filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro1843 – Ensaio sobre a questão judaica1843 – Crítica da filosofia do direito de Hegel1844 – Manuscritos econômico-filosóficos1845 – Teses sobre Feuerbach1846 – A ideologia alemã, com Engels.1847 – Manifesto do Partido Comunista, com Engels1847 – Miséria da filosofia1849 – Trabalho, salário e capital1850 – As lutas de classe na França1852 – O 18 brumário de Luís Bonaparte1857-59 – Contribuição para a crítica da economia política1857 – Os Grundrise1865 – Salário, preço e mais-valia (ou lucro)1867 – O Capital – crítica da economia política (Volume 1)1871 – A Guerra Civil na França1875 – Crítica ao programa de Gotha

Outros textos: Acumulação do capital; A burguesia e a contrarrevolução; Consequências sociais do avanço tecnológico; Formações econômicas pré-capitalistas.

Pós-morte – Engels publica os Volumes 2 (1885) e 3 (1894) de O Capital

1892 – Montesquieu e Rousseau: precursores da Sociologia1893 – Tese de Doutorado: Da divisão do trabalho social1893 – A contribuição de Montesquieu à constituição da ciência social1895 – As regras do método sociológico1897 – O suicídio1912 – As formas elementares da vida religiosa1913-14 – Pragmatismos e sociologia1915 – Quem quer a guerra? As origens da guerra, de acordo com documentos diplomáticos1915 – A mentalidade alemã e a guerra

Cursos publicados: Os grupos profissionais; Sociologia e filosofia; Pragmatismo; Sociologia e educação; A educação moral; Lições de sociologia; O socialismo; A ciência social e a ação; A evolução pedagógica na França

Durkheim publicou dezenas de artigos científicos em periódicos da área das ciências humanas.

1891 – Tese de Doutorado: História agrária romana e sua significação para o direito público e privado1893-98 – Séries de estudos sobre os mercados de valores, Börsenwesen: Schriften und Riden1904 – A objetividade do conhecimento nas ciências sociais1904-05 – A ética protestante e o espírito do capitalismo (Artigo)1906 – A situação da democracia burguesa na Rússia; A ética protestante e o espírito do capitalismo1909 – As relações de produção na agricultura do mundo antigo1913 – Ensaio sobre algumas categorias da ciência compreensiva1915 – A ética econômica das religiões universais1918 – A política como vocação e A ciência como vocação1919 – História geral da economia1920 – A ética protestante e o espírito do capitalismo (versão completa)Pós-morte – Economia e sociedade (iniciada em 1909)

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C A P Í T U L O 3

Tipos de ação, de racionalidade e o processo de racionalização na sociologia de Max Weber

LUCAS RODRIGUES AZAMBUJA

Para muitos comentaristas (Ritzer, 1993; Collins, 2002; Kalberg, 1980;

Schluchter, 1985; Raynaud, 1996), o tema da racionalização é central na

obra de Max Weber (1864-1920). Todavia, Weber nunca expressou uma

definição clara da noção de racionalização, nem mesmo forneceu uma teoria ge-

ral e integrada desse processo, mas, sim, apresentou uma definição clara de pelo

menos dois tipos de noções de racionalidade (com relação a fins e com relação a

valores) e analisou diferentes processos de racionalização em esferas específicas da

vida social, especialmente a religiosa, a política e a econômica.

Segundo Schluchter (1985, p. 6-9), o interesse de Weber pelo tema da racio-

nalização começa com sua preocupação inicial sobre a especificidade histórica do

capitalismo ocidental. Desde o início de sua vida intelectual, Weber defendeu a

tese de que a gênese do capitalismo não pode ser compreendida por dicotomias

como economia de troca versus economia de mercado, e também por meio do

exame de causas exclusivamente materiais e econômicas. O capitalismo era o re-

sultado de uma ampla gama de processos históricos (institucionais, legais, políti-

cos, culturais, religiosos, científicos etc.) que resultavam, de maneira poliformada,

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42 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

no estabelecimento de condutas de vida mais sistemáticas e racionais.1 Gradativa-

mente, então, o escopo de análise de Weber se ampliou do capitalismo ocidental

para o racionalismo como processo histórico geral.

Conforme mencionado, as obras de Max Weber não apresentam uma teoria

integrada do processo de racionalização ocidental, porque ele rechaçava a vali-

dade de construções teóricas gerais sobre as sociedades e sobre o dever históri-

co, pois, na sua compreensão, o processo de racionalização assumia diferentes

formas nas sociedades e instituições nas quais tomava lugar. Dessa diversidade é

que surgia o imprescindível de entender a especificidade do processo de raciona-

lização do Ocidente em vez de elaborar uma teoria geral e abstrata dos processos

históricos de racionalização. Enfim, para Max Weber, o desenvolvimento da

racionalização em diferentes esferas da vida social, em diferentes períodos histó-

ricos e sociedades, ocorria de maneira variada, não sendo expressão de uma “lei

histórica universal”. Nesse sentido, em razão dessa poliformia dos processos de

racionalização, Weber elaborou uma série de tipologias das noções de racionali-

dade e ação social, que justamente serviriam de instrumentos heurísticos2 para

compreensão dos processos de racionalização nas diferentes esferas da vida social

e instituições. Portanto, em função dessa rejeição em relação a teorias gerais e o

reconhecimento da poliformia dos processos de racionalização, é que, em Max

Weber não encontramos uma definição sistemática deste último termo e, sim,

das noções de racionalidade e ação.

Weber define Sociologia como o estudo compreensivo da ação social e expli-

cação causal do curso e efeitos desta última (Weber, 2004 p. 3). Portanto, a noção

de ação social é central para o entendimento dos fenômenos sociais na perspecti-

va weberiana, inclusive fenômenos como o capitalismo e a racionalização. Nesse

sentido, Weber define quatro tipos de ação social: 1) ação afetiva – o sentido

subjetivo da ação consiste na reação consciente de um estado emocional; 2) ação

tradicional – o sentido subjetivo consciente da ação é determinado por costumes

arraigados; 3) ação racional referente a valores – o sentido subjetivo consiste na

crença consciente no valor (ético, moral, estético, religioso etc.) de determinado

comportamento, independentemente dos resultados que possa produzir; 4) ação

1Para uma apresentação resumida da teoria de Weber sobre a gênese do capitalismo, ver Collins (2002) e Swedberg (2005, p. 21-38).2Heurístico quer dizer que serve ou ajuda na aprendizagem, no processo de conhecimento a respeito de algo.

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Tipos de ação, de racionalidade e o processo de racionalização.... 43

racional com relação a fins – o sentido subjetivo da ação é determinado pela expec-

tativa com relação a objetos ou pessoas, entendidas como meios para atingir fins

próprios (Weber, 2004 p. 15-16).

Nesta tipologia podemos identificar que todas modalidades de ação envolvem

algum tipo de sentido consciente (emoção, costume, valor, fim almejado) para

o indivíduo, mas somente nas duas últimas a ação é racional. Assim, de maneira

genérica, podemos dizer que o processo de racionalização consiste na dissemina-

ção de formas de ação social racionais nas condutas respectivas às diferentes insti-

tuições, organizações ou esferas da vida social (economia, política, religião etc.).

Neste momento cabe uma pequena observação: analisando a tipologia de ação

social de Weber é possível entender que, quando este autor fala que determinada

instituição é mais ou menos racional do que outra, ele não está se referindo que tal

instituição é melhor ou mais “evoluída” do que outra, mas apenas identificando o

tipo de ação social que constitui essa ou aquela instituição.

Por meio da tipologia de ação social weberiana, podemos identificar pelo me-

nos dois tipos de racionalidade – uma que se organiza em torno de valores, e

outra, em torno de fins, de resultados esperados e perseguidos pelo ator. Todavia,

Kalberg (1980) identifica na obra de Weber quatro noções de racionalidade, quais

sejam: 1) racionalidade prática; 2) racionalidade teórica; 3) racionalidade substanti-

va e 4) racionalidade formal.

A racionalidade prática estrutura a ação pela escolha calculada dos meios efi-

cientes para se atingir fins de natureza pragmática e egoísta. A racionalidade prá-

tica se submete à realidade tal como se apresenta e calcula os meios disponíveis

mais eficientes para se lidar com as dificuldades do presente, ou seja, é um tipo

de racionalidade que não produz uma conduta metódica e, sim, adaptativa em

relação às contingências que se apresentam.

A racionalidade teórica consiste no esforço intelectual para apreender a reali-

dade mediante conceitos cada vez mais abstratos. Não visa à organização de uma

ação propriamente, mas dotar a realidade de sentido. Ao contrário da raciona-

lidade prática que se submete à realidade, a racionalidade teórica transcende a

realidade dada e organiza os eventos aleatórios em um sentido coerente. Weber

está ciente de que, em alguns casos, o confronto teórico com a realidade pode

introduzir novos padrões de ação, porém isso nem sempre ocorre; por exemplo,

a descoberta de uma explicação matemática para determinado evento não possui

o poder de organizar a condução da rotina das pessoas, nem mesmo a do cientista

que formulou tal explicação. Portanto, a racionalidade teórica domina a realidade

Page 61: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

44 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

pelo pensamento e somente indiretamente contém o potencial de introduzir no-

vos padrões de ação.

A racionalidade substantiva implica a seleção e adequação de meios e fins ten-

do em vista um sistema de valores. Portanto, é o tipo de racionalidade presente na

ação social racional com relação a valores. Diferentemente do caráter adaptativo

da racionalidade prática, a racionalidade substantiva seleciona, mede e julga os

elementos e eventos da realidade por meio de um “critério” universal, um valor.

Nesse sentido, a racionalidade substantiva é capaz de produzir formas sistemáticas

de condução da vida na medida em que organiza a ação de acordo com um prin-

cípio ou um sistema de princípios universais, não se submetendo às contingências

e mudanças da realidade.

A racionalidade formal consiste no cálculo de adequação entre meios e fins

tendo em vista normas, leis e regulações. A racionalidade formal possui menor

capacidade de produção de formas metódicas de condução da vida, quando com-

parada com a racionalidade substantiva. A razão disso é que normas e regulações

são limitadas aos campos de atividades aos quais se referem, enquanto valores pos-

suem um caráter mais universal que submete os diferentes campos de atividade

da vida humana.

Assim, pela sistematização feita por Kalberg das diferentes noções de racio-

nalidade que encontramos na obra de Weber, podemos vislumbrar que o pro-

cesso de racionalização não consiste apenas na difusão de formas de ação social

racionais, mas também do estabelecimento de modalidades de racionalidade ca-

pazes de produzir formas metódicas de condução da vida. Vejamos essa questão

mais de perto: o aspecto comum a todas as modalidades de racionalidade é que

são processos mentais que visam dominar a realidade e ordená-la em regularidades

compreensivas e significativas. Nessa direção, pela tipologia exposta no parágrafo

anterior, podemos afirmar que existem modos diferentes de realizar esse processo

de domínio da realidade.

Entretanto, nem todos os tipos de racionalidade (prática, teórica, substantiva

e formal) são capazes de gerar estilos de vida metódicos, ou seja, regularidades

de ação racionais nos diversos campos da vida. De acordo com Weber, a racio-

nalidade prática é incapaz de gerar estilos de vida metódicos, pois está baseada

em interesses subjetivos e na adaptação contínua às contingências da realidade. A

racionalidade teórica, em função de sua característica de manipular a realidade de

modo abstrato, não possui uma capacidade efetiva de estabelecer regularidades

de ação racionais. A racionalidade formal, por seu turno, é capaz de introduzir

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Tipos de ação, de racionalidade e o processo de racionalização.... 45

ações de caráter metódico, porém tal capacidade está circunscrita aos campos

específicos da atividade humana nos quais há regulações e normas. Assim, apenas

a racionalidade substantiva é capaz de introduzir modos de vida metódicos es-

truturados a partir de um sistema de valores que organiza, avalia e hierarquiza as

diferentes dimensões da realidade social.

Portanto, ações orientadas pela racionalidade substantiva são capazes de de-

sencadear processos sociais de racionalização que resultam na disseminação de

modos de vida metódicos. Todavia, esses processos se desenvolvem plenamente,

segundo a perspectiva weberiana, somente após uma dada racionalidade substan-

tiva ser racionalizada, por meio de um processo de racionalização teórica, em um

sistema de valores capaz de organizar significativamente todos os aspectos da vida

(Kalberg, 1980, p. 1164-1169). Em suma, pelos quatro tipos de racionalidade

podemos apreender diversas formas de processos de racionalização, e somente

aquele baseado na racionalidade substantiva é capaz de produzir modos de vida

metódicos.

Até este momento, portanto, podemos afirmar que, para Weber, a racionali-

zação denota um processo de introdução gradativa de formas de ação racionais em

diferentes esferas da vida social. Tais ações racionais podem estar estruturadas

em quatro modalidades de racionalidade: prática, teórica, formal e substantiva. Nes-

sa direção, para Weber, o que é característico das sociedades modernas ocidentais é

a disseminação crescente de padrões de ação racionais estruturados em torno da ra-

cionalidade formal. Temos uma aparente contradição com o que foi até aqui expos-

to: explicitamos que Weber compreende que somente a racionalidade substantiva

possui a capacidade de introduzir padrões regulares de ação racionais e, agora, men-

cionamos que o processo de racionalização no Ocidente moderno é marcado pela

disseminação de modos de vida metódicos estruturados pela racionalidade formal.

Como isso é possível? A resposta está no fato de que, para Max Weber, o processo

de racionalização ocidental é estruturado em torno da interação e do conflito entre

modalidades de ação racional substantiva e formal. Nesse sentido, a obra de Weber

que melhor ilustra esta ideia é A ética protestante e o espírito do capitalismo (1999).

Nessa obra, Weber está interessado em demonstrar o papel do protestantismo

ascético3 (racionalidade substantiva) no nascimento do capitalismo. Esse papel na

gênese histórica do capitalismo no Ocidente não está relacionado com a consti-

3Ascético, no sentido relativo a ascese, isto é, exercício espiritual que busca elevar a alma a Deus por meio de orações, meditações, penitência e ações consideradas virtuosas.

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46 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

tuição das bases materiais do sistema capitalista e, sim, ao espírito do capitalismo

que, por sua vez, tornou possível a existência e difusão desse sistema. A ideia de

Weber de que o protestantismo, especialmente o calvinismo, cumpriu um papel

primordial no desenvolvimento do capitalismo estava calcada na sua constatação

que, nos países europeus de sistemas religiosos mistos, as pessoas que ocupavam

posições de liderança econômica – donos do capital, trabalhadores especializados

e comerciantes expoentes – eram predominantemente protestantes. Além disso,

na visão de Weber, o espírito do capitalismo não consiste em um impulso voraz de

aquisição (conduta constitutiva no que ele chamava de capitalismo aventureiro),4

mas em um sistema ético e moral que defendia o sucesso econômico por intermé-

dio do trabalho sistemático e incessante, da frugalidade e previdência (racionalida-

de substantiva). Essa base moral foi essencial, segundo Weber, para transformar a

busca do benefício econômico pessoal (racionalidade prática) em um fim legítimo,

pois cabe destacar que em sociedades cuja moral religiosa era outra (por exemplo,

católica) tal busca era vista como manifestação de um espírito avarento.

Enfim, o protestantismo ajudou na legitimação da atitude racional pela busca

da consecução do sucesso econômico pessoal, ou seja, submeteu ou transformou a

ação racional-prática com relação ao objetivo de obter vantagens econômicas em

ação racional-substantiva com relação a fins econômicos. Entretanto, a consolida-

ção e a disseminação do espírito capitalista não eram um objetivo almejado pela

ética protestante. Portanto, cabe a questão: como é possível que o protestantismo

ascético tenha ajudado a consolidar padrões de ações racional e metódica cujo

objetivo seja o benefício econômico pessoal?

Para responder a esta pergunta, em primeiro lugar, é preciso considerar que

Weber

“[...] não está interessado em investigar a influência das ideias teológicas

ou dos ensinamentos da Igreja no indivíduo. Em vez disso, vai considerar a

adoção de uma fé religiosa pelo indivíduo como ponto de partida da análi-

se. O mecanismo pelo qual a adoção de uma fé religiosa se traduz em com-

portamento prático, sugere ele, é o seguinte: os benefícios religiosos esta-

belecem ‘recompensas psicológicas’ para certos tipos de comportamento

e [...] podem levar à formação de ‘impulsos psicológicos’ inteiramente

novos.” (SWEDBERG, 2005 p. 220)

4Sobre as diversas modalidades de capitalismo definidas por Weber, ver Swedberg (2005, p. 73-83).

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Tipos de ação, de racionalidade e o processo de racionalização.... 47

Nessa direção, Weber demonstra em A ética protestante e o espírito do capita-

lismo (1999) que a religião protestante gera impulsos na direção de um compor-

tamento sistemático (racional) e de abnegação (acumulação). Em outros termos,

ele mostra como a racionalidade substantiva do protestantismo resultou num pro-

cesso de modos de vida metódicos em relação com o trabalho e com a condução

da vida econômica. Tendo em vista esse “modelo de análise”, o argumento de

Weber, resumindo grosso modo, era o seguinte: o protestantismo, especialmente

o calvinismo, sustentava a doutrina da predestinação, isto é, somente Deus sabia

quais eram os eleitos e o indivíduo não poderia fazer nada para mudar seu destino

predeterminado. Assim, essa doutrina estabeleceu uma incerteza no coração dos

indivíduos na medida em que somente Deus é que determinava sua salvação ou

danação. Isso favoreceu uma atitude na qual o indivíduo passa, então, a procurar

no mundo sinais do destino que Deus lhe reservou. “Max Weber sugere que é

assim que certas seitas calvinistas terminaram por ver no êxito econômico uma

prova dessa escolha de Deus. O indivíduo se dedica ao trabalho para vencer a

angústia provocada pela incerteza da salvação” (Aron, 2000, p. 481). O trabalho

racional, portanto, passa a ser interpretado como obediência de um mandamen-

to divino. Contudo, se essa atividade incessante e racional levasse à riqueza (e é

nesse ponto que podemos notar a convergência surpreendente entre capitalismo

e protestantismo mais claramente) era obrigação, segundo o protestantismo, que

essa fortuna não fosse usada nem para o lazer nem para artigos de luxo e nem para

qualquer outro prazer mundano. A consequência prática disso era que a riqueza

não era algo condenável em si (ao contrário do catolicismo) e, sim, o seu uso para

prazeres pessoais.

Assim, os protestantes introduziram uma ética rígida na vida econômica que

favoreceu uma atitude voltada para o trabalho constante e racional e para acumu-

lação. Portanto, para Max Weber essa ética ajudou a moldar e expandir o espírito

do capitalismo moderno e racional, ao oferecer uma alternativa à desaprovação

ética que cercava o capitalismo tradicional católico e criando ativamente uma

abordagem mais metódica para com as questões da vida econômica.

Enfim, Weber mostra como um tipo de racionalidade substantiva (o protes-

tantismo) conduziu um processo de racionalização na esfera econômica, isto é,

promoveu a difusão de regularidades de ação racionais em oposição a modos tradi-

cionais (irracionais) de ação social na economia que, no caso do Ocidente, estavam

baseados na ética religiosa católica. Nessa direção, uma vez que as bases materiais

do capitalismo moderno foram se estabelecendo no Ocidente (industrialização,

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48 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

monetarização, urbanização, força de trabalho livre, organização mercantil das

relações de troca etc.), não há mais necessidade de legitimar moralmente a ação

racional em busca do benefício econômico pessoal; a adoção dessa modalidade de

ação passa ser condição necessária para a sobrevivência individual na esfera econô-

mica, ou seja, esta última passa a ser constituída pelas suas próprias regulações (ra-

cionalidade formal). Assim, em A ética protestante e o espírito do capitalismo (1999)

podemos vislumbrar a visão mais geral de Weber sobre o processo racionalização

no Ocidente moderno, o qual se caracteriza pela difusão de modalidades de ação

racional formal a partir de processos de racionalização assentados na racionalidade

substantiva.

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C A P Í T U L O 4

O processo de estratificação social nas sociedades modernas: As visões de Durkheim, Weber e Marx

LEANDRO RAIZER

Este capítulo está estruturado em três partes, nas quais são abordadas as

principais contribuições de Durkheim, Weber e Marx para a compreensão

do fenômeno da organização e estratificação social. O objetivo é apresen-

tar elementos sintéticos acerca desse complexo e multifacetado processo, para que

o leitor possa dispor de um panorama geral que lhe permita acessar as teorias dos

autores clássicos da Sociologia.

Precisamos compreender que a maneira pela qual se estratifica uma socie-

dade depende da maneira pela qual os homens se reproduzem socialmen-

te. E a maneira pela qual os homens se reproduzem socialmente está dire-

tamente ligada ao modo pelo qual eles organizam a produção econômica

e o poder político. [...] Mas a estrutura social não se organiza apenas no

nível econômico. [...], pois não se pode compreender o processo de estra-

tificação social enquanto não se examina a maneira pela qual se organizam

as estruturas de [...] dominação (política). (IANNI, 1978, p. 11)

Page 67: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

50 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Em todas as sociedades, grupos e indivíduos relacionam-se mediados por uma

hierarquia estruturada em termos de ascendência e subordinação que, geralmen-

te, se traduz como uma distribuição assimétrica de poder, recursos, privilégios e

prestígio social.

As sociedades, ao longo do tempo e do espaço, diferem quanto aos critérios e

formas de alocação desses recursos, bem como quanto aos elementos que permi-

tem que os indivíduos se situem em um ou outro ponto da estratificação social. A

posição que o indivíduo ocupa está, na maioria das vezes, ligada ao grupo a que

ele pertence e, por sua vez, esse pertencimento influencia desde questões básicas,

como o acesso a bens e serviços, como também a possibilidade de acesso ao poder

político e o uso de recursos e símbolos culturalmente legítimos.

A noção de estratificação social é um conceito construído para entender os

processos por meio dos quais as sociedades se estruturam econômica e social-

mente. O estudo desse processo tem sido um recurso importante utilizado por

historiadores e sociólogos para entender as formas como as sociedades organizam,

em cada época e região, as diversas atividades e funções da vida social (trabalho,

cultura, religião, conhecimento, política e arte) (BOTTOMORE, 1973).

Na medida em que essas estruturas de poder político e econômico variam

de sociedade para sociedade, apresenta-se um mosaico de configurações que são

marcados pela presença de um maior ou menor grau de mobilidade e mudança

social (IANNI, 1978).

Nas sociedades nas quais predominam as castas, por exemplo, deve-se con-

siderar o tipo de relação existente entre as castas e as subcastas, tanto como a

maneira pela qual são distribuídos os atributos e os recursos ligados a elementos

étnicos, religiosos, culturais e tipo de ocupação.

Já nas sociedades de tipo estamental deve-se, sobretudo, analisar o modo pelo

qual elementos estruturais como linhagem, tradição, vassalagem e honra agem de

forma a orientar o tipo de ação e pensamento de seus membros (IANNI, 1978).

Por sua vez, a sociedade de classes

[...] se revela muito mais diretamente no nível das relações e estruturas de

apropriação (econômica) e dominação (política). Devido à acentuada se-

cularização da cultura e do comportamento, produzida no âmbito da revo-

lução industrial e urbana que se dá com a formação do capitalismo, as cate-

gorias socioculturais predominantes no pensamento e ação pré-capitalistas

(religião, raça, cor, ocupação, tradição, hereditariedade, linhagem etc). E

Page 68: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

O processo de estratificação social nas sociedades modernas 51

adquire preeminência a propriedade e o mercado (dos meios de produção

e da força de trabalho) como princípios fundamentais de classificação e

mobilidades sociais. (IANNI, 1978, p. 12)

Nas obras de sociólogos como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx,

fundadores da Sociologia, encontra-se um conjunto rico de conceitos para a com-

preensão das diversas dimensões implicadas no fenômeno da estratificação. Entre

esses conceitos destacam-se: tipos de solidariedade, classes sociais, estamentos,

grupos de interesse, lutas e conflitos. Cabe, pois, analisar mais detalhadamente a

maneira como cada um desses autores interpretava a estratificação social.

Deve-se de antemão destacar que as visões desses autores são, por diversas

vezes, contraditórias e até mesmo antagônicas. A despeito disso, o objetivo deste

texto não é o de discutir qual teoria possuiria maior ou menor validade e relevân-

cia para o entendimento do fenômeno da estratificação nas sociedades contempo-

râneas, mas sobretudo apresentar a forma como cada um desses autores entende

o fenômeno e as suas variáveis determinantes, com o objetivo de construir um

mosaico teórico que permita a análise desse fenômeno por diversos e distintos

ângulos.

Com tal objetivo, o texto apresenta uma síntese das visões de Durkheim, We-

ber e Marx sobre a estratificação social.

DURKHEIM E A ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: DA HORDA ÀS SOCIEDADES INDUSTRIAIS

Constitui uma lei da História que a solidariedade mecânica, a qual a prin-

cípio é a única ou quase, perca terreno progressivamente e que a solida-

riedade orgânica, pouco a pouco, se torne preponderante. Mas quando

se modifica a maneira por que os homens são solidários, a estrutura das

sociedades não pode deixar de mudar. (DURKHEIM, 1995, p. 15)

Como se estruturam as sociedades? O que faz os indivíduos terem consenso

sobre a vida social? Como as sociedades se mantêm coesas ao longo do tempo?

Esses e outros questionamentos são elementos centrais da teoria de Durkheim.

No centro de sua teoria encontra-se um importante pressuposto histórico: a

tendência para a diferenciação das sociedades e o surgimento da individualidade

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52 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

em meio à consolidação da solidariedade orgânica, marcada pela crescente divisão

do trabalho social.

Partindo da forma de organização da horda para o clã, para o conjunto de

clãs, para as sociedades segmentárias e, finalmente, para sociedades de solidarie-

dade mecânica e orgânica,1 Durkheim apresenta uma visão do desenvolvimento

social marcado por dois fatores principais: aumento do volume (relações sociais,

comunicação e troca entre os indivíduos) e da densidade material (demográfica)

(DURKHEIM, 1995).

Esses dois fatores estão diretamente ligados ao surgimento das sociedades

industriais, marcadas pelo aprofundamento da divisão do trabalho, nas quais a

solidariedade social se apoia não mais na semelhança entre os indivíduos, como

ocorria nas sociedades nas quais predominava a solidariedade mecânica, mas sobre

a diferenciação funcional (RODRIGUES, 2004).

Nessas sociedades cada vez mais diferenciadas nas quais ocorre uma preponde-

rância progressiva da solidariedade orgânica, cada órgão (analogia orgânica) tem um

papel que o diferencia dos demais. Os indivíduos não estão mais agrupados de acordo

com suas relações de parentesco, como ocorria nas sociedades tribais. Assim,

[...] os indivíduos são agrupados não mais segundo suas relações de des-

cendência, mas segundo a natureza particular da atividade social a que

estão consagrados. Seu meio natural e necessário não é mais o nativo, e

sim o profissional. Não é mais consanguinidade, real ou fictícia, que marca

o lugar de cada um, mas a função que ele preenche. (DURKHEIM, 1995,

p. 35)

Deste modo, com a ampliação da divisão do trabalho a sociedade tende a orga-

nizar-se por meio de distintos grupos profissionais, característica essa que confor-

ma predominantemente as sociedades industriais, nas quais os laços sociais se esta-

belecem, sobretudo, na esfera econômica (fundados nas relações de trabalho).

Deve-se destacar que a divisão do trabalho é mais do que um fato econômico;

para Durkheim, ela está diretamente ligada ao desenvolvimento crescente da soli-

dariedade orgânica nas sociedades modernas.

1Solidariedade mecânica: coesão por semelhança (por compartilhar as mesmas crenças e normas); solidariedade orgânica: por interdependência – o consenso se exprime pela diferenciação, indivíduos heterogêneos que exercem funções complementares como se fossem órgãos de um corpo harmônico (DURKHEIM, 1995; RODRIGUES, 2004).

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O processo de estratificação social nas sociedades modernas 53

É interessante notar que a divisão social do trabalho era concebida por Durkheim

como um fenômeno altamente positivo, e que aumentaria as relações de depen-

dência e cooperação entre os grupos sociais e os indivíduos. Assim, segundo ele,

a divisão do trabalho cria um tipo especifico de solidariedade social, denominada

orgânica. Essa solidariedade se assenta precisamente sobre as diferenças individuais

e gera uma complementaridade funcional entre as diferentes partes da sociedade.

Além disso, segundo Durkheim, a diferenciação social é a condição criadora

da individualidade e da liberdade. No entanto, o crescente individualismo das

sociedades modernas não era visto por Durkheim apenas de modo negativo (ao

contrário da visão de boa parte da tradição francesa); Durkheim entendia que

o fenômeno impunha também um difícil problema: como manter o mínimo de

consciência coletiva, sob pena de a solidariedade orgânica não funcionar e provo-

car a desintegração social.

Devido a isso, a relação indivíduo-coletividade torna-se bastante problemática

nas sociedades industrializadas, de tal sorte que a organização de grupos profis-

sionais que fortaleçam a integração dos indivíduos na coletividade impõe-se como

solução para o fortalecimento da coesão social – sem a qual a sociedade estaria

fadada à desestruturação moral.

Ademais, encontra-se em Durkheim uma tentativa de eliminar o conflito de

classes, entendida como sendo um elemento prejudicial para a coesão social, assim

como a anomia, derivada da desregulamentação das atividades econômicas cada

vez mais especializadas. Assim, tanto o corporativismo como o cooperativismo e a

participação nos lucros seriam uma boa saída para esse problema, além da neces-

sidade de uma reforma da regulação moral e jurídica.

Em síntese, pode-se concluir que a industrialização entendida como fruto da

divisão social do trabalho – um tipo de atividade que assume cada vez mais im-

portância em nossa sociedade – e a posição que os indivíduos ocupam nos distintos

grupos de ocupação e como esses indivíduos se relacionam (de maneira comple-

mentar ou antagônica) acaba por influenciar tanto o grau de solidariedade social

quanto a estratificação da sociedade. Assim, “[...] virá um dia em que toda nossa

organização social e política terá uma base exclusiva ou quase exclusivamente pro-

fissional” (DURKHEIM, 1995, p. 45). Por isso, argumenta Durkheim, a divisão do

trabalho não pode ficar desregulada, pois poderá levar à anomia, e ao consequente

enfraquecimento dos laços sociais de solidariedade.

Por fim, tal perspectiva encara a estratificação social nas sociedades modernas

como fruto de um amplo processo de aprofundamento da divisão e especialização

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54 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

do trabalho – processo concebido não apenas em sua dimensão econômica, mas,

sobretudo, social e moral –, no qual a organização das sociedades é explicada pelo

grau de avanço da divisão do trabalho e o consequente nível de solidariedade so-

cial advindo dela.

WEBER E A ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: CASTAS, ESTAMENTOS, CLASSES E PARTIDO

O homem não luta pelo poder apenas com o fim de enriquecer economi-

camente. O poder, inclusive o poder econômico, pode ser valorado por si

mesmo. Frequentemente a luta pelo poder é também condicionada pela

honra social que traz consigo. Nem todo poder, entretanto, tem como

consequência a honra social [...]. A ordem econômica é para nós apenas a

forma pela qual os bens e serviços econômicos são distribuídos e utiliza-

dos. A ordem social é, obviamente, condicionada em alto grau pela ordem

econômica, e por sua vez reage a ela. Assim, classes, grupos de status e par-

tidos são fenômenos de distribuição de poder dentro de uma comunidade.

(GERTH & MILLS, 1982, p. 211)

No livro Economia e sociedade Weber apresenta um amplo conjunto de concei-

tos que permite a análise da formação e da organização dos grupos e das sociedades

modernas. Antes de partir propriamente para a análise realizada por esse autor,

cabe destacar alguns elementos de sua teoria que são essenciais para compreender

como seu pensamento se articula.

Para Weber, a ação social deve ser compreendida em termos de uma ação

orientada intersubjetivamente, ou seja, que está orientada tendo em vista a ação de

outros indivíduos. Nesse sentido, Weber desenvolveu uma tipologia da ação so-

cial que abarca os pressupostos explicativos das condutas dos indivíduos. Dois

desses tipos estão relacionados com a ação racional, uma orientada por meios (va-

lores), a outra por objetivos (fins); as outras duas estão ligadas a comportamentos

tra dicionais (tradição familiar, institucional) e afetivos (emotivos, sentimentais)

(WEBER, 2004).

Com base na ação social, ou seja, partindo do sentido social que os indivíduos

atribuem a suas ações, Weber desenvolveu uma interpretação bastante particular

sobre a organização dos grupos sociais e das instituições. Tal fenômeno é resultado

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O processo de estratificação social nas sociedades modernas 55

de um conjunto de inúmeras interações de ações sociais, orientadas por sentidos

compartilhados, que criam relações sociais mais amplas e acabam por criar condi-

ções de legitimidade que consolidam tais organizações.

Para Weber, as instituições sociais, o Estado, a burocracia, as instituições religio-

sas, as instituições jurídicas e as instituições econômicas existem na medida em que

um grupo de indivíduos orienta sua ação, ou seja, lhes confere legitimidade, tendo por

base os tipos de ação social. Tal legitimidade pode estar apoiada tanto sobre aspectos

racionais legais, como é o caso das instituições jurídicas, como sobre sentidos carismá-

ticos ou tradicionais, dependendo do tipo da instituição (WEBER, 2004).

Tendo tratado da concepção peculiar de ação social e de instituições presentes

na obra de Weber, pode-se partir para a análise da estratificação social desenvolvi-

da por ele, cabendo, sobretudo, destacar os estudos sobre as sociedades de castas

e sobre o conceito de partido e de grupo de interesse.

Nessa direção, a compreensão do conceito de status é fundamental:

O status [...] é uma qualidade de honra social (ou a sua falta) e é essencial-

mente condicionado e expresso através de um estilo de vida específico. A

honra social pode aderir diretamente a uma situação de classe, e, na maior

parte das vezes, sem dúvida, também é determinada pela situação média

de classe dos membros do grupo de status. [...] Um grupo de status pode

ser fechado (status por descendência) ou aberto. [...] Uma casta é sem

dúvida um grupo de status fechado. (WEBER, 1958, p. 147)

Assim, as diferentes sociedades apresentam graus variados de abertura e fe-

chamento no que diz respeito às normas e regras, como também à posição social

e mobilidade dos indivíduos.

A sociedade de castas, por exemplo, caracteriza-se como um tipo extremo de

status fechado, no qual uma sociedade estamental (organizada em estratos sociais,

comumente nobreza, clero e servos), alcançou um elevado grau de estratificação

social com base na hereditariedade, etnia e tradição. Em geral, tais sociedades são

organizadas em quatro grupos principais: o primeiro se incumbe do ordenamento

do mundo espiritual, moral e intelectual; o segundo, do poder político e militar; o

terceiro, da organização da atividade econômica; e o quarto, dos trabalhos auxilia-

res e braçais (WEBER, 1958).

Nesse tipo de sociedade, as castas ocupam um lugar fundamental na organi-

zação social, já que o pertencimento a um ou outro desses grupos irá determinar

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56 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

não só o tipo de ocupação, mas o tipo de relações e ações que serão permitidas ou

vedadas, assim como acesso ao poder e status.

Também se encontra na obra de Weber o conceito de grupos de interesse. Esse

conceito ganha relevância, já que o pertencimento a um grupo social está ligado a

certo tipo de conduta e interesse, com sentido específico com relação a sua esfera

de atuação, desenvolvida pelos indivíduos.

Assim, pode-se identificar um grupo de interesse político como um partido,

quando seus membros agem com base em certos meios e valores comuns com-

partilhados para alcançar os fins desejados. Em outras palavras, para Weber não

há uma predeterminação da ação através de uma posição ocupada por um grupo

social na esfera produtiva. Acima de tudo, deve haver uma conduta específica e

um sentido atribuído subjetivamente à ação e compartilhado pelo indivíduo e pelo

grupo no qual está insere (GERTH & MILLS, 1982).

Destarte, o partilhamento de uma mesma situação de classe, ou seja, quando

um grupo de indivíduos detém probabilidades semelhantes de acesso a bens e

oportunidades no mercado não garante necessariamente a ação coesa de um grupo

seja pela ação comunal (na qual predominam interesses afetivos ou tradicionais

ligados ao pertencimento a uma comunidade), seja pela ação societária (que im-

plica a unidade de interesses e objetivos racionais).

Assim, na perspectiva weberiana, ao contrário da durkheimiana e da marxista,

apenas teremos a configuração efetiva de uma ação social na medida em que ocor-

re o compartilhamento de sentido, que passa a orientar de modo intersubjetivo

a ação de um grupo, classe ou estamento. Em outras palavras, apenas o pertenci-

mento ao mesmo grupo laboral ou a uma mesma classe social não assegura as con-

dições para a ação ou mobilização dos grupos sociais (GERTH & MILLS, 1982).

Nessa direção, pode-se concluir que a visão de Weber sobre o fenômeno da

estratificação social abarca um conjunto de elementos que não possuem, neces-

sariamente, uma ligação causal ou determinística entre si ou em relação a fenô-

menos sociais mais amplos, como a economia ou a religião. A visão de Weber

sobre a organização das sociedades enfatiza a existência de um amplo conjunto de

dimensões – valores; status, códigos de honra e conduta, éthos de grupo, interes-

ses, etnia – que conformam sociedades e grupos sociais marcados pela luta pela

legitimidade e pelo estabelecimento de sentidos compartilhados específicos, que

norteiam a ação social dos indivíduos.

Tal visão leva Weber a estabelecer uma diferenciação entre esferas específicas,

cada qual com lógicas e dinâmicas singulares de funcionamento:

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O processo de estratificação social nas sociedades modernas 57

O lugar autêntico das “classes” é no contexto da ordem econômica, ao

passo que os estamentos se colocam na ordem social, isto é, dentro da

esfera de distribuição de “honras”. De dentro dessas esferas, as classes e os

estamentos influenciam-se mutuamente à ordem jurídica, e são por sua

vez influenciados por ela. Mas os “partidos” vivem sob o signo do “poder”.

(WEBER, 1982, p. 227)

Podemos concluir que Weber concebe o fenômeno da estratificação social

como processo multidimensional no qual condições materiais, prestígio e poder

convertem-se em status econômico, social e político – elementos fundadores da

organização e legitimidade social.

MARX E A ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: MODO DE PRODUÇÃO, CONFLITO DE CLASSES E RELAÇÕES DE CLASSES

A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias é a his-

tória da luta de classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, se-

nhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos,

em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora

dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucio-

nária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.

(MARX; ENGELS, 1997, p. 5)

Para Marx, a estratificação social de uma sociedade está ligada, predominante-

mente, à existência de relações de classes, em geral assimétricas e contraditórias,

entre classes que desempenham funções distintas na organização da produção so-

cial. Por sua vez, a existência dessas classes está ligada à maneira como a divisão

do trabalho está organizada. Assim, a posição ocupada por um grupo ou indivíduo

na organização da infraestrutura social, ou seja, no modo de produção vigente em

cada época, é determinante para explicar o acesso a bens e serviços, status e poder

político que um indivíduo ou grupo pode dispor (IANNI, 1978; VELHO, 1966;

ARON, 2000).

Partindo de uma análise histórica do desenvolvimento dos modos de produ-

ção, Marx enfatiza o modo como as relações de produção e as relações sociais

interagem em cada tipo de ordenamento social, produzindo a mudança social.

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58 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

No feudalismo, por exemplo, predominava uma organização social estamental

que contava com duas classes principais: senhores feudais (detentores das terras)

e os servos e vassalos (trabalhadores vinculados pelo mecanismo de corveia, à ter-

ra e ao seu senhor).

Já nas sociedades nas quais predomina o modo de produção capitalista ocorre,

segundo Marx, um agravamento do conflito entre as classes sociais, expressão da

contradição entre capital e trabalho, entre os trabalhadores (proletários) e os capi-

talistas (burgueses). Esse conflito surge do adensamento das contradições entre a

massa de trabalhadores, que acaba ficando com uma pequena parte do excedente

da produção, e os capitalistas, que ficam com a maior parte deste excedente.

A gênese histórica das classes sociais no capitalismo reside, segundo a perspec-

tiva de Marx e em clara oposição à visão econômica clássica que atribuía a existên-

cia de ricos e pobres ao montante de esforço e trabalho investido individualmente,

num longo processo de acumulação primitiva de capital e expropriação das terras

comunais, até o processo que culmina na venda da força de trabalho e na transfor-

mação das relações humanas de produção em relações reificadas (MARX, 1998).

Assim, na obra de Marx encontra-se uma preocupação em explicar a reali-

dade social por meio dos conflitos estabelecidos entre as classes dominantes e as

dominadas. Em cada sociedade, segundo esse pensador, é possível identificar, de

um lado, um grupo que domina os meios de produção e detém o poder político-

-econômico e; de outro, um grupo de dominados que possuem pouco ou nenhum

bem material, a não ser seu próprio corpo e mente. Os dominantes são aqueles

que ocupam posições elevadas na estratificação social gerada a partir da divisão

social do trabalho. Essa posição social não só lhes garante acesso privilegiado à

riqueza socialmente produzida (gerada, pela produção da mais-valia, pela clas-

se trabalhadora), como também acesso ao poder político do Estado e imposição

de políticas que sejam mais favoráveis aos interesses de sua classe. Nas palavras de

Marx e Engels

[...] todas as sociedades anteriores assentavam no antagonismo entre clas-

ses opressoras e classes oprimidas. Mas para oprimir uma classe é preciso

poder garantir-lhe condições de existência que lhe permitam, pelo menos,

viver na servidão. O servo, em pleno regime de servidão, conseguiu tornar-

-se membro da comuna, do mesmo modo que o pequeno-burguês conse-

guiu elevar-se à categoria de burguês sob o jugo do absolutismo feudal. O

operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da

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O processo de estratificação social nas sociedades modernas 59

indústria, desce sempre mais e mais, abaixo mesmo das condições de vida

da sua própria classe. O trabalhador cai na miséria, e o pauperismo cresce

ainda mais rapidamente do que a produção e a riqueza (1997, p. 15).

Em sua análise da estratificação social, Marx privilegia o conceito de classes

sociais e considera a luta travada entre elas o “motor da história”, ou seja, o prin-

cípio gerador das mudanças e transformações sociais ocorridas ao longo do desen-

volvimento da humanidade (passagem do comunismo natural para o feudalismo,

mercantilismo, capitalismo e inevitável desenvolvimento do comunismo social).

A luta de classes ocorreria entre os detentores dos meios de produção (burgueses,

empresários capitalistas), de um lado e, de outro, aqueles que apenas possuem sua

própria força de trabalho como meio de subsistência (os proletários ou trabalha-

dores). Esse conflito, na concepção de Marx, seria o fundamento de toda mudança

social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar-se essa exposição sobre o modo como os autores clássicos da So-

ciologia interpretavam o fenômeno da estratificação social, cabe elencar três blo-

cos de considerações.

Um primeiro trata das semelhanças entre as visões desses autores. Como foi

apresentado, de forma geral todos eles entendem que a passagem das sociedades

antigas para as modernas envolveu um amplo processo de transformação no modo

como essas sociedades se estratificavam e se organizavam socialmente. Em geral,

os três apontam para a redução da força da religião, dos laços de parentesco e da

tradição como fundadora dessa divisão do trabalho; ao mesmo tempo em que

apontam a predominância crescente da divisão do trabalho e da racionalização na

estruturação das sociedades industrializadas.

Tais sociedades, como apontado por esses autores, passavam pelo surgimen-

to e desenvolvimento de novas forças sociais (grupos de empresários, grupos de

trabalhadores, grupos sociais, instituições) interessadas em defender sua visão e

concepção de mundo frente às aceleradas transformações fomentadas pelo desen-

volvimento da ciência, da tecnologia e da indústria.

Já o segundo bloco de considerações trata das diferenças entre suas visões.

Nessa direção, deve-se destacar tanto a posição dos autores analisados em relação

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60 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

à definição de qual seria o elemento fundador e determinante da estratificação so-

cial nas sociedades modernas; como a interpretação acerca da divisão do trabalho

e do desenvolvimento do capitalismo e suas consequências sobre as sociedades

industriais.

Tais diferenças podem ser explicadas tanto pelas singulares concepções de

cada autor sobre o homem e a sociedade, como também pelo modo como cada

um entende a problemática da mudança e da reprodução social. Durkheim, por

exemplo, considera que o processo de aprofundamento da divisão do trabalho tem

um efeito moral positivo, diretamente ligado à capacidade da sociedade de gerar um

novo tipo de coesão (pela diferença), ao mesmo tempo em que desenvolve a pos-

sibilidade de crescente individualização.

Tal perspectiva, como demonstrado, opõe-se diametralmente às visões tanto

de Weber, que identifica no processo de desenvolvimento do capitalismo e de

racionalização do mundo uma tendência ao desencantamento e racionalização

técnica extrema; quanto à de Marx, que encara o capitalismo como um modo

de produção intrinsecamente injusto, perverso e pauperizante, na medida em

que amplia, ao mesmo tempo em que concentra e centraliza, a acumulação de

capital.

Ademais, para Durkheim os problemas advindos dessa nova ordem social eram

concebidos como anomias, passíveis de serem solucionadas por meio da regula-

ção das relações de trabalho e da proposição de um novo ordenamento moral e

jurídico. Além disso, as crises econômicas, em sua concepção (diferentemente da

concepção de Marx), seriam fenômenos anômicos, e não normais. Seriam, assim,

passíveis de correção.

Já em Marx e Weber encontra-se uma visão pessimista quanto à vida nessas

sociedades, entendida por eles como marcada pelo fenômeno da luta entre grupos

de interesse e classes sociais – pela pauperização da classe trabalhadora para Marx

e pela crescente racionalização e burocratização para Weber.

Por fim, esse terceiro bloco de considerações objetiva incentivar o leitor a bus-

car saber mais sobre esse assunto, e ir além das visões dos autores expostas neste

texto. Tal argumento justifica-se na medida em que o leitor deve debruçar-se não

sobre o passado, mas sobre a estratificação e organização contemporânea de nossas

sociedades.

Nesse sentido, o seu desafio é o de responder as seguintes questões e as pro-

blemáticas daí derivadas: Quais seriam os elementos fundamentais da atual es-

tratificação social? A existência de classes? De grupos de interesse? Castas? Éthos

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O processo de estratificação social nas sociedades modernas 61

de grupos? Que elementos estruturam nossas sociedades na contemporaneidade:

valores culturais, posição de classe, pertencimento a grupos étnicos? Essas e outras

perguntas são alguns dos desafios e possíveis questionamentos que podem ser fei-

tos após a leitura dos clássicos.

Na busca dessas respostas, muitas são as incertezas e questionamentos, mas,

de fato, tem-se acesso a pelo menos uma certeza, qual seja, a de que esses autores

foram capazes de explicar muitos dos fenômenos vividos em sua época, e que

cabe a nós, partindo do caminho trilhado por eles, buscar entender – com base

em perspectivas clássicas e contemporâneas – as transformações pelas quais nossas

sociedades vêm passando.

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C A P Í T U L O 5

Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos

MARCELO MILANO FALCÃO VIEIRA

DANIEL DA SILVA LACERDA

1. PODER NAS ORGANIZAÇÕES

O interesse que o estudo do Poder desperta nos estudos de organizações é

tão grande quanto a controvérsia que existe em suas várias abordagens possíveis.

Muitos autores sequer admitem a sua existência como algo inerente às organi-

zações, interpretando-o como ações informais, ilegítimas ao desenho teórico da

organização. Na verdade, o poder é uma das categorias centrais para a análise das

organizações (CARVALHO e VIEIRA, 2007), e as questões que geralmente o

acompanham (funcional ou disfuncional, consciente ou desinteressado, repressivo

ou produtivo etc.) são apenas formas diferentes de o conceber que partem de

perspectivas teóricas distintas.

O poder pode ser definido de duas formas aparentemente simples, mas que

guardam grandes diferenças de fundo, com implicações diretas para a compre-

ensão e ação no mundo. Pode-se defini-lo como a capacidade que tem um agente

de influenciar o comportamento de outro. Essa definição tem sido a mais utilizada

para a análise das organizações formais. Ela conduz inevitavelmente à interpre-

tação da dinâmica social e das (e nas) organizações a partir de um olhar sobre

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64 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

o agente dominante na relação, ou seja, aquele que influencia. Pouco conduz

à análise do influenciado, e quando o faz o coloca invariavelmente em uma

posição de inferioridade. Outra definição de poder é de que ele corresponde à

capacidade de gerar ação, ou capacidade de agir. Tal definição estabelece o foco

da análise na relação, o que permite não só compreender a capacidade de um

agente influenciar outro, mas também a capacidade de o outro reagir. A reação

pode ser considerada uma ação em si, o que significa que o outro também tem

poder. Assim, a resistência é igualmente considerada uma expressão do poder.

Essa segunda definição tem origem na filosofia humanista e é mais difundida e

utilizada na ciência política (ver BOBBIO, 2000) do que nos estudos organiza-

cionais. Essas são as duas definições fundamentais do conceito de poder, as quais

são trabalhadas neste capítulo.

Faz-se oportuno, entretanto, contextualizar os estudos sobre poder no âmbito

dos Estudos Organizacionais. As organizações têm sido tratadas como expressões

concretas de exercício de poder. Nas análises tradicionais sobre as organizações

formais, particularmente no que se refere às organizações do trabalho e da pro-

dução, o poder remonta à época do surgimento da Administração como área sis-

tematizada do conhecimento. Nos trabalhos de Taylor (1960 [1911]) o poder já

aparecia, de forma subliminar, como variável central para possibilitar controle e

gerar eficiência. Com esse objetivo Taylor delineou a divisão do trabalho em dife-

rentes tarefas simples, o que facilitava sua execução. Ao fazê-lo, os trabalhadores

perderam poder em relação à organização, uma vez que poderiam ser substituídos

facilmente por outros, caso demonstrassem alguma resistência às demandas orga-

nizacionais.1

Hickson (1966) já chamava atenção para o fato de que as teorias sobre es-

truturas organizacionais convergem todas para uma única linha de análise, qual

seja, a especificidade da prescrição do papel social que cada indivíduo nelas de-

sempenha. Dessa forma, o exercício do poder torna-se mais eficaz e, por conse-

quência, o controle passa a ser também um conceito correlato chave nos estudos

organizacionais. Como afirma Kouzmin (1980, p. 134) “organização significa

1 À execução de tarefas simples corresponde a alienação, em função da perda do sentido do trabalho. Um operário que controla a mistura de cores em uma fábrica produtora de cerâmicas não sente ne-nhuma relação emocional com um vaso em tons de verde e vermelho, considerando-o produto final do processo produtivo. Ao ser questionado como ele se sente como alguém que faz vasos, responderá que não sabe fazê-los; ele se definirá como trabalhador que opera a máquina misturadora de cores. O trabalho composto por um conjunto de tarefas simples, cujo poder discricionário é praticamente nulo, não possui sentido em si.

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 65

um método de controle social, uma forma de impor regularidade à sociedade e

à ação coletiva”.

As formas de exercício de poder por meio das organizações do trabalho e da

produção evoluíram de formas mais visíveis para formas menos visíveis; do exer-

cício do poder diretamente sobre o trabalhador para o exercício do poder por vias

impessoais e menos visíveis, chamadas de controle das premissas cognitivas dos

indivíduos, por meio daquilo que se convencionou rotular de cultura organizacio-

nal. Essa “evolução” das formas de exercício do poder e do controle (dominação,

no sentido weberiano) é reflexo do processo de racionalização do mundo, parti-

cularmente o do trabalho. O desencantamento de Max Weber com esse processo

diz respeito à sua análise em relação com o predomínio de um tipo de racionali-

dade como orientador da estruturação e estabelecimento da sociedade moderna:

a racionalidade instrumental. Como esse tipo de racionalidade corresponde à ação

orientada pelo cálculo utilitário das consequências, há cada vez menos espaço

para julgamentos de valor sobre o bem e o mal. A ação é legítima e considerada

válida quando gera eficiência. Os julgamentos valorativos estariam, portanto, cada

vez mais escassos, pois só seriam possíveis em ações orientadas pela racionalidade

substantiva. Ela é o único tipo de racionalidade capaz de proporcionar julgamen-

tos éticos (KALBERG, 1980).

Entretanto, este não é um texto pessimista. Ao trabalhar com uma definição

de poder como a capacidade de agir, abre-se espaço para análises diferentes daque-

las recorrentes na literatura de Estudos Organizacionais, que enfatizam o controle

e as formas de dominação. Trata-se de um instrumental teórico rico para a análise

de práticas de resistência nas organizações formais, bem como para o estudo de

formas organizativas que não se estruturam a partir dos conhecimentos tradicio-

nais gerados pelas teorias da Administração (e das organizações) estabelecidas.

O objeto central se transforma. Deixa de ser o controle como manifestação do

poder e passa a ser a liberdade. Este conceito, apesar de pouco tratado nos estudos

organizacionais tradicionais, permite enxergar além da dominação e do controle,

colocando o homem no centro do processo organizativo.

Este capítulo se baseia fundamentalmente em dois autores para ilustrar as

formas de manifestação do exercício do poder nas organizações: Max Weber e

Hannah Arendt. Ambos os pensadores fundaram, partindo de perspectivas e mo-

tivações distintas, arcabouços conceituais que permitem compreender e observar

o poder e suas particularidades como objetivamente presentes nas organizações.

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66 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

1.1. Conceito de poder

O poder é mais largamente conhecido na modernidade pela definição postula-

da por Weber (2004), que engloba as várias manifestações e estudos gerencialistas

do poder:

[...] a probabilidade de que um ator, dentro de uma relação social, esteja

em condições de realizar sua própria vontade apesar da resistência, in-

dependentemente da base na qual essa probabilidade repousa. (WEBER,

2004, p. 54)

Entretanto, como será explicado, essa definição pressupõe uma visão particu-

lar de poder, que pode ser caracterizado antes a partir de elementos mais gené-

ricos. Segundo Lukes (1980, p.826), o núcleo absolutamente básico e comum a

todas as concepções de poder é “a noção da provocação das consequências, sem

nenhuma restrição ao que tais consequências poderiam ser ou o que as provoca”.

Partindo dessa definição, para dar significância ao conceito de poder, deve-se ad-

mitir uma teoria que responda ao que torna as consequências provocadas como

características de poder.

As diversas concepções de poder são divididas em duas grandes categorias,

distintas entre si e abordadas a partir de diferentes perspectivas. De um lado, a

perspectiva do poder assimétrico, bem representado pela definição de Weber, e

que envolve sempre conflitos reais ou potenciais. Segundo essa visão, o poder seria

exercido pela ação de um indivíduo ou grupo de indivíduos sobre outros, e existe

sempre uma diferença de probabilidade de condições entre o detentor do poder e

os demais participantes desse espaço social.

Em outra linha, o poder é visto como uma capacidade ou realização coletiva,

a partir da qual qualquer manifestação não coletiva é vista como alternativa ao

poder. Assim, apenas a conjunção de todos para a ação é enxergada como poder, e

uma eventual assimetria entre o suposto detentor do poder e os demais indivíduos

é caracterizada na verdade como violência.

Essas duas visões excludentes de poder não podem ser entendidas em conjun-

to, uma vez que utilizam premissas que partem de interpretações diferentes das

relações sociais e políticas: entendidas como eminentemente conflituais para uns

e harmoniosas ou comunais para outros.

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 67

1.2. Poder e autoridade

Toda teoria que trate de poder deve dar uma interpretação também à questão

da autoridade. Poder e autoridade podem ser enxergados como conceitos afins, e

abarcam estruturas análogas de concepções. Existem dois aspectos fundamentais

no reconhecimento da autoridade (LUKES, 1980, p. 831):

o não exercício do julgamento particular; •

a identificação do possuidor de autoridade como tendo direito a isso. •

O primeiro aspecto é entendido como o reconhecimento de que aquele que

outorga uma ordem o faz com pretensão reconhecida pelo comandado, que se

abstém de examinar o conteúdo dessa ordem de forma racional para seguir a de-

terminação: o questionamento dessa ordem já pressupõe a não aceitação da auto-

ridade. Ainda que possa questionar a autoridade, o indivíduo pode se submeter

a ela, considerando a existência de um poder coercivo que o incentive/obrigue a

tanto.

Já o segundo componente do conceito de autoridade conota a existência de

regras de reconhecimento da autoridade (tácitas ou formais) que revelam mu-

tuamente quem dispõe de autoridade e quem não dispõe. Essas regras podem

estar contidas 1) sobre a crença; 2) por convenção ou 3) pela imposição. No caso

das organizações, a autoridade exercida pela crença pode ser observada pelo re-

conhecimento de um perito, que pode trazer a validade de sua autoridade no

reconhecimento de seu conhecimento, independentemente do conteúdo de suas

ordens. A autoridade por convenção é observada rotineiramente quando se iden-

tifica, por exemplo, um líder de uma reunião ou o presidente eleito de um sin-

dicato. Já a concepção da autoridade pela imposição é aquela mais diretamente

ligada ao poder, pois é outorgada por quem o detém, como no caso da delegação

de atribuições do chefe para um subordinado.

Muitos pensadores julgam a autoridade obtida pela imposição como a única

forma concretamente realizada na sociedade, uma vez que o poder estaria presen-

te na determinação tanto das razões da autoridade como nas regras para reconhe-

cimento dessa autoridade. Para esses pensadores, as demais formas de autoridade

(sobre a crença e por convenção) nunca se realizaram na História, e poderiam ser

observadas a partir da perspectiva do poder simétrico quando servissem ao bem

comum (LUKES, 1980, p. 837).

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68 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Apesar da frequente coexistência, poder e autoridade são conceitos distintos.

Na sociedade romana, autoritas significava originalmente a posse de um status

especial, e o Senado era revestido dessa autoridade. No entanto, o mesmo Senado

não emanava o poder (potentas), que vinha unicamente do povo. Durante a Idade

Média, os dois conceitos se aglutinaram por intermédio da Igreja, que misturada

ao Estado se investia de poder e autoridade, e as palavras passaram a ser utilizadas

de forma indistinta. Segundo Lukes (1980), alguns autores acreditam que a distin-

ção entre autoridade e poder foi restabelecida a partir do impacto que a Revolução

Francesa causou sobre a sociedade tradicional, rompendo com a influência religio-

sa que ligava o poder político à autoridade social.

2. A PERSPECTIVA DO PODER ASSIMÉTRICO

Seguindo a abordagem funcionalista, em geral as organizações frequentemen-

te se utilizam do poder (seja de forma consciente ou desinteressada) visando obter

o consentimento, que pode servir para se vencer ou prevenir um conflito. Esse é

um dos principais motivos do estudo do poder por essa corrente teórica, e está

intimamente ligado aos interesses dos grupos (a partir da ideia básica de classe)

dentro da organização.

2.1. Categorizações dos estudos de poder

Lukes (1980) categoriza as várias concepções de poder nesse campo em três

modos distintos de concebê-los: a obtenção de aquiescência; a relação de depen-

dência; e a desigualdade. A obtenção de aquiescência (que pode ser entendida como

o controle de um sobre outros) se manifesta nas várias formas de predomínio da

vontade de uma pessoa ou um grupo sobre outro. Esse predomínio da vontade pode

ser obtido pela força ou até mesmo pela manipulação utilitária que induza o com-

portamento desejado do controlado pelo controlador. Uma manifestação ativa desse

modo de expressão pode ser vista nos estudos estruturalistas de Blau (1964), que

defende que é o poder quem determina o quão eficiente será a troca que fundamen-

ta as relações e interações humanas, seja na forma de recompensas ou punições.

Mas talvez sejam as formas passivas de poder aquelas mais representativas de

aquiescência: trazem como resultado a manutenção do status quo pela redução

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 69

do emprego do poder pelos subordinados. Os detentores de poder estabelecem

relações de tal modo que aqueles que não o detêm enxergam esse cenário como

definitivo. Assim, uma estrutura de relações já estabelecida contém uma ordena-

ção tida como imutável, uma hegemonia ideológica,2 que exclui a percepção de

alternativas.

Essa concepção do poder de controle de um ator sobre outro é bem observada

na hierarquia das organizações. Os subordinados devem, em geral, obedecer a seus

chefes que têm a priori o controle sobre seus comandados. Essa forma de contro-

le pode ser explícita (reafirmada continuamente) ou pode ser menos óbvia, por

exemplo, pelo discurso de um funcionário, independentemente de seu nível hie-

rárquico, que induza outro funcionário ou grupo a perseguir um objetivo qualquer

em prol de seus interesses (que podem ou não ser os mesmos da organização). O

controle pode ser observado também no exemplo de uma área de PMO3 estraté-

gico, comum nas organizações modernas, quando recebe a prerrogativa de definir

quais projetos serão ou não executados pelas fábricas, ainda que sejam projetos

que pertençam a diretorias hierarquicamente superiores a ela.

O poder como relação de dependência pode ser considerado um subtipo do

primeiro – obtenção de aquiescência – a não ser pela diferença de que, neste

caso, a relação em si entre os dois atores é suficiente para que um obtenha do

outro a obediência, independentemente das ações ou até mesmo da consciência

de existência dessa relação pelas partes. Em empresas as relações de dependência

são largamente encontradas. A começar pelos próprios processos organizacionais,

que são transversais a diversas áreas, e as variáveis de entrada para uma atividade

dependem sempre dos produtos de outra área. De modo menos processual, a

área de marketing, por exemplo, depende sempre da engenharia para definir os

produtos e ofertas possíveis tecnicamente de serem implantados. Em qualquer

tipo de organização (mesmo as sem fins lucrativos), os responsáveis pela manuten-

ção de equipamentos e informática gozam de poder frente aos demais membros

pela dependência que todos têm de seus serviços.

O poder provocado por uma relação de desigualdade diz respeito ao saldo final

de distribuição dos recursos que provocam um diferencial vantajoso para uma das

2 Stewart Clegg (1989) relaciona essa categoria com o conceito de hegemonia ideológica de Antonio Gramsci, que caracteriza a liderança cultural-ideológica de uma classe sobre as outras. Ver também Bourdieu (2006).3 Project Management Office – área ou prática que visa garantir a seleção dos projetos, o gerencia-mento adequado e a propagação da metodologia de gestão de projetos.

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70 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

partes, independentemente da aquiescência ou dependência entre as partes. Essa

estratificação é visualizada pelo fluxo de recursos no sistema. Em uma organiza-

ção, os membros que detêm informações estratégicas antes dos demais (ou uma

área sobre outra), a despeito do nível de aquiescência ou dependência dentre eles,

obtêm uma vantagem para movimentação interna nesse cenário. Assim como uma

área que detém maior budget orçamentário que outra área par detém também

maior poder de influência.

Como dito anteriormente, a definição de Weber – probabilidade de que um

ator esteja em condições de realizar sua própria vontade – contempla as três ca-

tegorias citadas anteriormente. O autor parte de um modelo teleológico da ação:

“Em que todos os atores estão orientados para o próprio sucesso: tendo um ob-

jetivo, trata-se de obter os meios apropriados para realizá-lo” (VIEIRA e MISO-

CZKY, 2000). O estudo da perspectiva propagada por Weber desenvolveu muitas

classificações e concepções do exercício do poder.

2.2. Dominação e legitimidade

Weber considera o poder um conceito amorfo, e por isso define um “caso

especial de poder” que chama de dominação: “A probabilidade que ordens especí-

ficas sejam obedecidas por um certo grupo de pessoas” (WEBER, 2004, p. 212).

A dominação seria, portanto, o exercício de um poder legítimo – ou, mais corre-

tamente, legitimado. Esse conceito é importante aqui na medida em que, segundo

o autor, toda organização carrega consigo sempre uma “estrutura de dominação

em seu funcionamento”, e o poder pode ser visto pelo controle sobre os meios e

métodos de produção em organizações:

[organizações pode ser vistas] como estruturas de domínio e subordinação

regional dentro de um sistema social que é um sistema mundial, isto é, que

tem limites, estruturas, onde membros se agrupam, regras de legitimação e

coerência, nos quais a “vida é composta de forças contraditórias que unem

tudo isso por tensão, e os rasga separada e eternamente da forma como

cada grupo molda para sua vantagem”. (CLEGG, 1979, p. 114)

Hardy e Clegg (1999, p. 271) mostram que essa estrutura fundamenta algumas

premissas nas organizações: as organizações em nada podem ser consideradas siste-

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 71

mas neutros ou apolíticos, pois carregam incrustados em si um histórico de conflitos

que permeia as relações atuais. Essa estrutura de dominação é concretizada a partir,

por exemplo, de formas de controle, que podem ir desde o controle simples por

supervisão até o controle tecnocrático das novas relações de trabalho.

Weber enxerga três tipos de manifestação da dominação legítima, e cada uma

delas está ligada a uma estrutura sociológica radicalmente diferente do corpo ad-

ministrativo e dos meios da administração (WEBER, 2004, p. 215):

Dominação de caráter • racional/legal – repousa na crença da legalidade das

regras estabelecidas e na autoridade daqueles que emanaram tais regras. Essa

forma de dominação está intimamente ligada à administração burocrática, e

é facilmente observada nos procedimentos internos de uma organização.

Dominação de caráter • tradicional – fundada na crença cotidiana da “santi-

dade” das tradições imemoriais e na legitimidade daqueles que exercem a

autoridade delegada por ela. Essa influência da norma social tem em seu

tipo mais “puro” o poder patriarcal, que existe em todas as unidades sociais

onde o poder é reclamado unicamente em virtude do costume implantado.

Dominação de caráter • carismático – baseada na devoção ao heroísmo ou ca-

ráter exemplar de um indivíduo e nos padrões ou ordens reveladas por ele.

Esse é o tipo mais estudado pela abordagem gerencialista de administração,

que se funda nas qualidades utilitárias que devem ser exercidas por um líder

para permitir o comando de seus liderados.

A dominação weberiana pode ser vista, portanto, como uma forma de manu-

tenção de um estado de ordem por um período prolongado. Para tanto, vale-se

principalmente da premissa de sua legitimidade, utilizada na mesma perspectiva

da administração burocrática. No entanto, a objetividade de tal conceito é cer-

tamente questionável na medida em que se abre espaço para contestação dessa

dominação.

Alguns autores da abordagem gerencialista utilizaram-se da suposta objetivi-

dade e neutralidade das estruturas de poder sedimentadas nas organizações para

reforçar a sua distinção no tocante à sua legitimidade ou ilegitimidade. O poder

legítimo seria aquele que deriva das funções hierárquicas previstas pelo desenho

organizacional, concedendo aos seus detentores influência sobre todos os subor-

dinados. De forma análoga, o poder ilegítimo seria exercido pelo uso informal

dos recursos, tido portanto como não aceito e problemático. Essa conceituação,

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72 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

certamente parcial, alicerça uma série de outras noções, como o conceito de po-

lítica – entendida pelos autores dessa mesma perspectiva por uso do poder não

sancionado ou não legítimo:

Reduzida à sua essência, portanto, política refere-se ao comportamento

de um indivíduo ou de um grupo que seja informal, ostensivamente paro-

quial, tipicamente divisivo e acima de tudo, no sentido técnico, ilegítimo

– não é sancionado pela autoridade formal e ideologia aceita, nem por uma

especialidade reconhecida. (MINTZBERG, 1983, p. 172)

Assim, o poder seria conferido funcionalmente a um grupo restrito, para que

guardassem os interesses da instituição. Qualquer articulação que se utilize de

comportamentos não sancionados por esse poder seria considerada ilegítima. Essa

visão é corroborada em estudos que sequer aprofundam o poder como tema à par-

te, tais como a liderança e a cultura organizacional, que são objetivados e geram

mecanismos de coerção tidos como neutros e inevitáveis.

Essa redução se torna problemática uma vez que ignora que os próprios geren-

tes e líderes da organização, como qualquer outro grupo, podem estar em busca

dos próprios interesses ocultos (HARDY e CLEGG, 1999, p. 271). De fato, há

mais sentido em falar de poder legitimado do que legítimo, pois a classificação

da legitimidade é sempre um julgamento de valor de um grupo ou indivíduo.

Portanto, preferimos como classificação de aderência aos objetivos da organização

as nomenclaturas funcional (delegado aos gestores que buscam os objetivos orga-

nizacionais) e disfuncional (não previsto pelo desenho burocrático). Já o processo

de legitimação do poder passa, portanto, pelo reconhecimento da autoridade, con-

forme explicado no início deste capítulo.

3. A PERSPECTIVA DO PODER SIMÉTRICO

Hannah Arendt foi uma das principais pensadoras do século XX, e conseguiu

resgatar uma dimensão política relegada a segundo plano na modernidade tardia,

que nos permite estabelecer a compreensão de um poder coletivo voltado para o

bem comum. A filósofa rompe com o uso do poder em dimensão utilitária e esta-

belece a possibilidade de alcançá-lo através de, e apenas por, uma construção do

espaço público feita pela não violência. Seguindo a proposta de Avritzer (2006),

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 73

visando entender esse processo, refaremos o percurso histórico de Hannah Arendt

no qual alguns conceitos são resgatados e reassociados, em busca do estabeleci-

mento da verdadeira ação política, que seja coerentemente institucionalizada so-

bre a legítima autoridade, e permita a refundação social.

3.1. Labor, trabalho e ação

Dentre os principais motivos que levam Hannah Arendt a um resgate histórico

da política está a crítica à modernidade e ao pensamento de Karl Marx4 (AVRIT-

ZER, 2006), para o qual apenas a transformação da natureza pode ser considerada

um ato reflexivo gerador de consciência. Esse conceito se baseia no fato de que

o homem só pode conhecer aquilo que ele mesmo faz/produz, enquanto o con-

ceito tradicional defendia uma verdade apenas possível como revelação dada ao

homem. A partir dessa motivação, a autora de A condição humana defende uma

concepção diferente para naturalidade e artificialidade, e suas consequentes rela-

ções com a política.

A distinção de naturalidade e artificialidade parte da separação de três concei-

tos fundamentais dessa teoria: labor, trabalho e ação. Para Arendt (2009), labor e

trabalho são atividades pelas quais o homem renova o ciclo natural da sua própria

vida ou transforma os objetos sociais. A filósofa resgata a distinção entre os dois

conceitos, que convergiram para o mesmo significado na modernidade, apesar de

todas as línguas europeias possuírem palavras de etimologia diferentes para desig-

nar o que, hoje, adquire o mesmo significado. O labor é a “atividade que corres-

ponde ao processo biológico do corpo humano” (ARENDT, 2009, p. 15), no qual

o homem busca responder apenas às necessidades de sobrevivência, sem nenhuma

orientação aos eventuais resultados posteriores à satisfação das necessidades em si.

Já o trabalho é a que proporciona a fabricação da “infinita variedade de coisas cuja

soma total constitui o artifício humano” (ARENDT, 2009, p. 149). O trabalho é

reconhecido pelos seus produtos, que resistem ao uso do ser humano – uma ca-

deira permanece após a conclusão do trabalho e resiste ao uso –, e por isso possui

caráter de permanência superior, por meio da durabilidade:

4 A crítica a Karl Marx em nada se assemelha à feita por autores que “decidiram se tornar antimar-xistas profissionais” (ARENDT, 2009, p. 89), mas se motivam nas premissas utilizadas por Marx – a de que ação, discurso e pensamento são estruturas funcionais assentadas no interesse social, premis-sas que foram absorvidas por ele, mas o precedem historicamente.

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74 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

É esta durabilidade que empresta às coisas do mundo sua relativa inde-

pendência dos homens que as produziram e as utilizam, a “objetividade”

que as faz resistir, “obstar” e suportar, pelo menos durante algum tempo,

as vorazes necessidades dos seus fabricantes e usuários. Desse ponto de

vista, as coisas do mundo têm a função de estabilizar a vida humana; sua

objetividade reside no fato de que – contrariando Heráclito, que disse que

o mesmo homem jamais pode cruzar o mesmo rio – os homens, a despeito

de sua contínua mutação, podem reaver sua invariabilidade, isto é, sua

identidade no contato com os objetos que não variam, como a mesma

cadeira e a mesma mesa. (ARENDT, 2009, p. 150)

O labor é um conceito muito mais ligado à necessidade do que à vontade, e

por esse motivo em muitas perspectivas ganha uma “importância” menor em nossa

escala de valores. Até mesmo a escravidão da Antiguidade era uma forma de ex-

cluir o labor de nossa vida cotidiana (e não de gerar lucros como na modernidade):

“Tudo que os homens tinham em comum com outras formas de vida animal era

considerado inumano” (ARENDT, 2009, p. 95). Assim como o esquilo persegue

suas sementes e o leão busca a sua caça, o homem labora para permitir a manuten-

ção da sua vida, seja plantando, transportando ou limpando. Foi assim que histori-

camente acompanhou a aristocracia o valor e a veneração pelo ócio. Não pelo que

o ócio representa em si, mas pelo fato de nos abster das necessidades da vida.

Já o trabalho é considerado a atividade que eleva o homem de animal laborans

a homo faber. A atividade humana permite nessa concepção a fabricação de coi-

sas a partir do uso de suas mãos como instrumentos, em lugar do uso do corpo res-

trito ao labor pela simples manutenção da vida. Essa mudança estabelece também

uma nova relação do homem com o mundo. Enquanto o labor aprisiona o homem

junto à natureza que se coloca como condição de sua existência, como provedora

das coisas boas que precisam ser usufruídas para garantir a sua sobrevivência, o

trabalho insere uma nova perspectiva nessa relação. A natureza agora é apenas for-

necedora dos materiais que, em si, são desprovidos de valor, pois é o trabalho que

confere o valor das coisas. Essa mudança, no entanto, ainda não liberta o homem

de sua maior necessidade.

A emancipação do trabalho e a concomitante emancipação das classes tra-

balhadoras em relação à opressão e à exploração certamente significaram

progresso na direção da não violência. Muito menos certo é que tenham

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 75

representado progresso também na direção da liberdade. Nenhuma violên-

cia exercida pelo homem, exceto aquela empregada na tortura, pode igua-

lar a força natural com que as necessidades da vida compelem o homem.

(ARENDT, 2009, p. 141)

Essa categoria não atinge a imanência característica do homo rationale. Exata-

mente por esse motivo, ainda foi pouco valorizada na escala de valores da socieda-

de, até que a modernidade promovesse uma forte valorização do trabalho (labor),

que passou a ocupar o centro da escala de valores antes comandada pela razão.

Para a sociedade moderna, toda ocupação deveria demonstrar sua utilidade, e até

mesmo a atividade política foi rebaixada à posição de “necessidade”.

A distinção entre trabalho manual e intelectual também é moderna. Hoje essa

é uma das mais características manifestações de valor das funções de empresas

econômicas: de um lado a operação do trabalhador executor que deve seguir im-

pensadamente as ordens prescritas; de outro, o projetista ou planejador das ações

que é em geral vinculado a um maior poder assimétrico representado por maior

cargo ou faculdade de decisão. Se nos voltarmos à Antiguidade, mesmo as ativi-

dades ditas intelectuais – como a dos escribas – eram executadas por escravos e

consideradas servis. Em contraponto, uma atividade manual como a fabricação

de uma cadeira, já menos valorizada na modernidade, tinha um componente de

durabilidade que dava projeção igual à de qualquer outro trabalho.

Apesar da evolução conceitual do trabalho frente ao labor, o uso contínuo

dos produtos desse trabalho desgasta a sua durabilidade: a cadeira um dia voltará

a ser lenha e retornará para a natureza. Assim, a busca da permanência se volta

à ação: única atividade da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar

de ser humano. A ação é a atividade humana que diferencia o homem como ser

coletivo, dotado da capacidade singular de abstrair suas relações diretas em prol

de uma construção de algo novo. A ação transcende a mera atividade produtiva, e

se localiza entre as manifestações de igualdade (sem a qual os homens não pode-

riam entender uns aos outros) e pluralidade (sem a qual não seria necessário o uso

do discurso e da ação para entenderem uns aos outros). Esse conceito, original e

central de Hannah Arendt, é inspirado nas atividades políticas da Grécia antiga,

e teria a capacidade de criar verdadeiramente a permanência, em oposição a uma

natureza sempre renovável.

A permanência à qual se refere a filósofa é a busca pela eternidade, muito mais

ligada à contemplação individual do que a imortalidade, que significa uma perene

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76 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

vida “entre o homens”. A ação é, nesse contexto, um contraste à vida natural sem-

pre renovável. Daí parte a distinção entre o natural e o artificial. A artificialidade

humana é a busca para ultrapassar e transcender a simples convivência. O objetivo

é a construção da convivência, de modo que os seres humanos possam se manifes-

tar uns aos outros como homens, e não como objetos físicos. Esse objetivo só pode

ser alcançado por meio da artificialidade produzida pela ação, pois a naturalidade

conduz o homem a uma existência limitada nesse mundo.

O ambiente para o desenvolvimento dessa ação pautada na artificialidade é

resgatado do conceito de espaço público. Esse espaço, equivalente à polis ateniense,

diferencia-se radicalmente da esfera privada (oikia ateniense), por sua vez o lugar

da tirania. O espaço público é o lugar construído em comum pelos indivíduos

onde a política está presente. É nesse espaço que a ação do homem se manifesta

quando existe para o alcance do bem comum, e é onde a política tem lugar. Por-

tanto, quando há igualdade entre homens que se utilizam do discurso para mani-

festação em um espaço público, ali se cumprem todas as condições para realização

da política por intermédio da ação humana.

3.2. Contrato e autoridade

Apesar da constituição da ação satisfazer a busca de Hannah Arendt pelo con-

ceito verdadeiramente humano de política, segundo Avritzer (2006), a autora

enxerga uma lacuna na capacidade grega de institucionalizar essa ação – individual

e humana. Essa lacuna se traduz na incapacidade grega de perpetuar a ação para

além dos limites da imprevisibilidade humana. Ou seja, a ação humana não con-

segue sozinha permanecer para além das próprias relações em que ela se sustenta,

motivo pelo qual a filósofa se volta para a busca de uma solução histórica que

permita transpor esses limites.

As fundamentações de Hannah Arendt não rejeitam ou confrontam essa im-

previsibilidade humana. Pelo contrário, de certo modo a exalta, observando ser

característica de nossa existência. Promove, até mesmo, um diálogo entre as

teorias evolucionistas (para quem a seleção de algumas das inúmeras mutações

ocasionais promove novas criações) e criacionistas (que preterem a explicação

natural para enfocar a vida como dom de Deus) ao contemplar a constituição de

nosso mundo.

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 77

É da natureza do início que se comece algo novo, algo que não pode ser

previsto a partir de coisa alguma que tenha ocorrido antes. Este cunho de

surpreendente imprevisibilidade é inerente a todo o início e a toda a ori-

gem. Assim, a origem da vida a partir da matéria inorgânica é o resultado

infinitamente improvável de processos inorgânicos, como o é o surgimento

da Terra, do ponto de vista dos processos do universo, ou a evolução da vida

humana a partir da vida animal. O novo acontece sempre à revelia da es -

magadora força das leis estatísticas e da sua probabilidade que, para fins

práticos e quotidianos, equivale à certeza; assim, o novo surge sempre sob

o disfarce do milagre. (ARENDT, 2009, p. 190-191)

Observando que ninguém pode reificar a si mesmo, a autora busca a chama-

da institucionalização na força do poder legislativo romano, que tinha um papel

muito maior na vida política de Roma do que para os gregos (para quem as leis

eram produto da fabricação e não da ação). Essa institucionalização permitiria à

ação sobreviver para além dos seus atores e da imprevisibilidade que a renovação

de gerações proporciona.

A força da promessa presente na vida política de Roma era evidenciada na

inviolabilidade dos contratos,5 tendo a faculdade de aplacar as dúvidas da imprevi-

sibilidade que a liberdade em uma comunidade de iguais proporciona.6 Deixados

em seu rumo natural, os negócios humanos só poderiam seguir a lei da mortalida-

de, e é a ação humana quem interfere nesse curso inexorável da vida e interrompe

o destino natural do processo da vida biológica. A institucionalização dessa ação

promovida pelos contratos, por sua vez, permite a continuação dos efeitos da ação

para além dos atores que interagem.

A missão de se alcançar essa continuidade é creditada ao poder, oriundo da

convivência entre os homens, que o faz pela da preservação da esfera pública:

É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial

da aparência entre homens que agem e falam [...] sem o poder, o espaço da

aparência produzido pela ação e pelo discurso em público desaparecerá tão

rapidamente como o ato ou a palavra viva. (ARENDT, 2009, p. 212-216)

5 Cuja descoberta a autora credita a Abraão no Antigo Testamento (ARENDT, 2009, p. 255)6 Hannah Arendt rejeita a individualização do conceito de liberdade, orientado pelo Liberalismo a uma satisfação autossuficiente, desconectada do projeto comum. No mundo antigo, a liberdade é um conceito coletivo, alcançável coletivamente.

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78 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Importante notar que esse “contratualismo” de Arendt é diferente, por exem-

plo, da teoria de Hobbes (1974), que defende a abdicação de todos os indivíduos

da faculdade de exercer sua força e poder em benefício de um poder público co-

mum, carregado da autorização de promulgar ordens em nome de cada um dos in-

divíduos. Apesar de considerar a igualdade entre homens do ponto de vista de seu

nascimento,7 a premissa de “estado natural” de filósofos como Thomas Hobbes

constitui indivíduos com interesses privados irredutivelmente conflitantes, que

lançam mão do contrato social para criar o caráter político do homem visando a

paz e estabilidade entre eles. Essa premissa de estado natural é fundamentalmente

diferente do caso do pensamento grego, adotado por Hannah Arendt, de que o

homem já é por natureza político, e lança mão do contrato para vincular o futuro

a um anseio do presente, em uma sociedade de iguais também no exercício da

cidadania. O contrato é manifestação potencial do poder como forma de manter

a continuidade da ação.

Esse mesmo poder não pode ser armazenado ou mantido, só existe como efe-

tivação de ato e palavra em sinergia. Até ser efetivado, ele existe como algo poten-

cial, potencialidade presente pela convivência entre os homens, que desaparece no

momento em que eles se dispersam. Nessa perspectiva, o indivíduo isolado jamais

poderia ser detentor de poder, mas sim de força. Essa força, sozinha, nunca pode-

ria estabelecer relações de poder, mas sim de violência: é possível dividir o poder

sem diminuí-lo, ao passo que a força é indivisível.

A solução de institucionalização através dos contratos vem acompanhada de

outro elemento fundamental da influência romana: Roma teve um momento

de ação com fundação que foi essencial para o estabelecimento e exaltação da

identidade de um espírito público. A fundação da cidade e o estabelecimento de

suas leis foram atos decisivos, aos quais todos os sucessivos atos deveriam ser re-

lacionados para sancionar a sua validade. Essa fundação é também uma forma de

preservar a tradição e os negócios humanos.

A disponibilidade dos indivíduos para a aceitação das bases institucionais do

poder depende do estabelecimento também da autoridade. A autoridade na relação

entre duas pessoas não reside no senso comum nem mesmo no poder de quem co-

manda, e sim na hierarquia em si, cuja validade e legitimidade ambos reconhecem

e aceitam. A autoridade prescinde portanto do uso de qualquer forma externa de

coerção: “O uso da força é sinal de que a autoridade falhou” (ARENDT, 1961, p.

7 Thomas Hobbes se contrapunha apenas à soberania dos monarcas pelos privilégios das nobrezas.

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 79

93). Para a autora, a autoridade foi instituída com a fundação, e concedeu ao mundo

a permanência e durabilidade de que os seres humanos dependiam justamente por

serem mortais. Essa separação entre a autoridade e o poder foi também reconhecida

como artifício institucional romano para garantir a supremacia do povo, verdadeiro

detentor do poder, sobre o Senado, a quem era outorgada a autoridade.

3.3. A refundação de um verdadeiro poder

Arendt observou a forma indiscriminada como os conceitos de poder e violên-

cia têm se confundido até mesmo no mundo político,8 e mostra que a acepção de

poder assimétrico alimenta os teóricos políticos tanto de direita quanto de esquer-

da, para quem “a violência nada mais é do que a flagrante manifestação do poder”

(ARENDT, 1985, p. 16).

Essas definições acompanham o nascimento do Estado Absolutista, como

quem detém a legitimidade da aplicação da violência de homens por outros ho-

mens. Foi na burocracia que esse Estado encontrou seu maior instrumento, per-

mitindo esconder a responsabilidade de sua tirania por meio da justificativa das

regras e controles absolutos. No entanto, mais uma vez foi no resgate da tradição

política da Antiguidade que a autora desvelou as influências dos revolucionários

do século XVIII para desenho de uma república onde o poder do povo sustenta

as regras do Direito.

É o apoio do povo que confere poder às instituições de um país, e esse

apoio nada mais é que a continuação do consentimento que deu origem

às normas legais. De acordo com o governo representativo, é o povo que

detém o poder sobre aqueles que o governam. Todas as instituições polí-

ticas são manifestações e materializações do poder; estratificam-se e dete-

rioram-se logo que o poder vivo do povo cessa de apoiá-las. (ARENDT,

1985, p. 17)

A autora revela, então, que o poder não precisa da justificação, e sua legitimi-

dade provém da autoridade, conforme mostrado anteriormente. Esse poder deriva

8 Partindo das definições de autores clássicos como Mills, que afirma que “toda política é uma luta pelo poder; o tipo de poder mais definitivo é a violência” (apud ARENDT, 1985, p. 14), e Voltaire, para quem o poder “consiste em fazer os outros agirem como eu quero” (idem, p. 15).

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80 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

da ação coletiva entre os homens, que se inicia com a fundação da comunidade

política: quando os atos – fundados na comunicação e troca de opiniões9 – são

usados para criar realidades pelo mútuo consentimento. Para que essa fundação

seja possível em uma sociedade que já está estabelecida, é necessário recorrer à

refundação dela.

A oportunidade de recomeçar e “refundar” as bases sociais do poder político

só é possível graças ao conceito da natalidade. A fragilidade das instituições hu-

manas e suas leis repousa na existência da natalidade, que é a realização do início

da ação. Sem a existência da natalidade, estaríamos condenados a uma simples

continuidade natural (ao ciclo concêntrico dos processos vitais). Essa consciência

de renovação desencadeia uma faculdade sempre presente de também desfazer

aquilo que fazemos (sem a qual seríamos vitimas de uma necessidade automática

regida pelas leis naturais inexoráveis), e consequentemente da possibilidade de

instaurarmos um novo começo: a refundação.

Uma refundação que se fundamente da manifestação humana coletiva não

pode encontrar limites. O poder corresponde à condição humana da pluralidade

e, assim como a ação, é ilimitado. A única condição material para o poder é a exis-

tência de outras pessoas, e onde quer que os seres humanos ajam em concerto em

uma atividade contemplativa para além das necessidades vitais e materiais, o po-

der se constituirá de forma legítima. Qualquer ação contrária a ele não será um ato

de resistência, mas um ato da força, que um ou mais homens podem exercer pela

violência. A violência pode destruir o poder, mas jamais substituí-lo. A tentativa

frustrada de substituir o poder pela violência, Hannah Arendt define (a partir de

Montesquieu) como tirania. Para a autora, nada é mais difundido na modernidade

do que a máxima de que “o poder corrompe”, fruto da dissolução da confiança que

temos no poder. No entanto, o poder só corrompe, de fato, “quando os fracos se

unem para destruir os fortes” (ARENDT, 2009, p. 215).

Hannah Arendt cita o movimento operário na modernidade como único tipo

de organização na qual os homens agiam e falavam como homens e não como

membros da sociedade (ARENDT, 2009, p. 231). Nesse sentido, além de defen-

derem seus interesses econômicos, travaram uma batalha inteiramente política,

adquirindo uma distinção própria. Ainda segundo a autora, a mola propulsora des-

sa refundação de um novo espaço público não foi a atividade do labor em si nem a

9 Habermas denominou mais tarde essa noção arendtiana de poder de “poder comunicativo” no seu arcabouço da Teoria da Ação Comunicativa.

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Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 81

rebelião utópica contra as necessidades da vida, mas sim as injustiças e hipocrisias

típicas da sociedade de classes.

De fato, o ponto de partida de Hannah Arendt para o seu resgate do poder

como capacidade de agir em concerto está nas bases totalitaristas que emergiram

no final do século XIX e se consumaram com os campos de concentração do sécu-

lo XX. Essa forma de organização rompe com todas as bases clássicas de sociedade

e impõem imensos sacrifícios à vida humana sem uma causa que pudesse justificar

o esforço do empreendimento (ARENDT, 1989). O processo que se inicia com a

compreensão desses eventos históricos que cristalizam as formas totalitárias de go-

verno, termina por descaracterizá-los como poder para categorizá-los como nada

mais que violência.

4. ONDE ESTÁ O PODER, AFINAL?

O poder assimétrico tem sido estudado a partir de Weber, tanto em sua leitura

mais interpretativista, como na leitura mais funcionalista feita por Parsons (1960)

e seus seguidores – particularmente norte-americanos – em estudos sobre burocra-

cia. Muitos autores abordam ainda a questão do poder de forma velada, incluída

em análises de cultura e liderança, por exemplo, como se o poder fosse manifesta-

ção natural dos sistemas burocráticos. Mesmo sob a ótica do poder assimétrico, a

manifestação do poder não pode ser entendida como algo “neutro” (como no caso

de papéis predefinidos) nem é uma prerrogativa de pessoas “más” (que resistiriam

a uma autoridade determinada). Da mesma maneira, a política não pode ser con-

siderada apenas um instrumento de subversão nem rótulo das pessoas que dela se

utilizam para se mover em cenários organizacionais.

Há uma questão muito importante sobre os limites do poder que, segundo

Vieira e Vieira (2003, p. 104) refere-se ao “discurso da presunção da verdade, usa-

do por quem lança mão das relações múltiplas de poder para o convencimento de

posições que nem sempre representam a natureza real dos fatos. São verdades não

legitimadas pelos fatos e pela própria percepção da realidade que se contrapõem

ao exercício do poder de convencimento”.

Já o poder simétrico, fundamentado por Hannah Arendt e encontrado princi-

palmente em estudos críticos que se baseiam na ciência política, deve ser observa-

do sempre em uma perspectiva coletiva. Assim, o poder simétrico seria analisado a

partir de manifestações coletivas contra a ordem estabelecida em uma organização,

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82 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ou manifesto em organizações que fogem da caracterização geral a elas atribuída

(como burocracias, por exemplo). Na verdade, as teorias que conceituam poder

simétrico ou assimétrico não excluem nenhum contexto específico para manifes-

tação do poder, ou seja, são independentes do objeto de estudo de aplicação da

teoria. A aceitação de uma ou outra forma de poder depende do modo como se

conceituam para os atores as relações sociais existentes. No entanto, não é possível

uma análise sob a perspectiva do poder simétrico que parta de abordagens oriun-

das das escolas de negócios, onde a perspectiva do poder é fundamentalmente a

assimétrica. O poder simétrico, como capacidade ou realização coletiva, só pode

se manifestar em um ambiente social de iguais, em que os indivíduos reconheçam

a sua pluralidade, mas nunca a ascendência unilateral de um sobre outro. Essa

premissa é incompatível com a grande maioria das organizações modernas que se

estruturam hierarquicamente e estabelecem na orientação dos resultados a quali-

ficação dos seus atores.

O poder na concepção coletiva não é propriedade de um indivíduo, mas emana

de um grupo e permanece apenas enquanto esse grupo permanecer unido. Surge

do debate reflexivo e da discussão entre seus membros, que delegam a autoridade

para um ou mais membros quando amparados por esse poder maior. Assim, toda

organização que deseje em seu estabelecimento uma relação de igualdade entre

seus membros, que fundamentem a autoridade para os atos individuais a partir da

delegação de poder de todos os membros, devem excluir de suas relações as carac-

terísticas conflituais do poder. Essas organizações não poderiam permitir o contro-

le de uns membros por outros nem estabelecer dependência entre seus membros

em função da simples relação entre eles; e não poderiam legitimar a distribuição

desigual de vantagens e recursos entre os seus atores. Essas organizações são flui-

das, e se manifestam por uma racionalidade orientada a valores, diversamente da

lógica tradicional do mercado, por exemplo.

Page 99: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos 83

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Page 102: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A T I V I D A D E S P R O P O S T A S

P A R A A P A R T E I

I. QUESTÕES PARA REFLEXÃO

Capítulo 1. O surgimento da Sociologia e da Sociologia Aplicada à Administração

1. Quais as condições econômicas, sociais e políticas que favoreceram o surgi-

mento da Sociologia como disciplina científica?

2. E para o surgimento da Administração como área de conhecimento?

3. Como a Sociologia auxilia na compreensão da sociedade atual?

4. Quais relações você estabelece entre os conhecimentos da Sociologia e a práti-

ca organizacional?

5. Como a Sociologia contribui para a formação do gestor?

Capítulo 2. Marx, Weber e Durkheim: Quadro comparativo sobre o pensamento

dos autores clássicos da Sociologia

1. Identifique, a partir da ênfase dada por texto, a que autor estamos nos referindo e a

seguir comente sobre a postura teórica de cada um deles em relação à sociedade:

a. A ação social é representada pelos tipos ideais e é caracterizada de quatro

modos distintos, a partir de motivos orientados ora pela tradição, ora por in-

teresses racionais, ora pelos afetos ou emoções. No campo real, o conjunto

complexo das ações dos indivíduos na sociedade seria configurado por uma

mescla diversificada dessas quatro características. [...] Vinculado ao concei-

to de ação social está o de relação social, que não pode ser confundido com

o primeiro. Necessário para que a análise atinja o plano sociológico, esse

conceito desdobra o significado da ação individual para o âmbito coletivo,

Page 103: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Atividades propostas para a Parte I 87

buscando compreender o sentido da ação de grupos de indivíduos em uma

direção comum (FERREIRA, 2003).

b. Toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indiví-

duo uma coerção exterior que é geral na extensão de uma sociedade dada,

apresentando existência própria, independentemente das manifestações

individuais que possa ter, é um fato social. [...] Delimitando o conceito,

os fatos sociais apresentariam três características fundamentais: a coerção

social seria o influxo exercido pelos fatos sobre os indivíduos induzindo-os

à aceitação das regras vigentes. A exterioridade se definiria em função dos

fatos existirem antes e fora das pessoas, atuando de modo autônomo. A

generalidade existiria em função de o fato se repertir, pela imposição, na

maioria ou em todos os membros da sociedade (FERREIRA, 2003).

c. A relação de exploração que existe entre os proprietários e a classe traba-

lhadora revelaria o caminho das duas classes fundamentais para a existência

do sistema capitalista. A posse dos meios de produção por parte da burgue-

sia, concretizada pela legitimação da propriedade privada sobre eles, levaria

os trabalhadores a uma única saída, a de vender sua força de trabalho no

mercado para assegurar pelo menos a sua subsistência. Esse quadro social

demonstraria outra característica relevante da existência das classes sociais

sob o regime capitalista de produção, qual seja a de elas serem comple-

mentares e interdependentes, de uma só existir em função, por causa e em

relação à outra (FERREIRA, 2003).

2. Compare as visões de Marx, Weber e Durkheim acerca da divisão do trabalho

e discuta sobre o significado, a importância e o papel da divisão do trabalho nas

organizações modernas

3. Analise as visões de Marx, Weber e Durkheim acerca do mercado. Como as

concepções de cada um contribuem para a compreensão desse conceito na

atualidade?

4. Em que medida as ideias/conceitos de cada autor se aplicam ao conhecimento

das organizações?

Capítulo 3. Tipos de ação, de racionalidade e o processo de

racionalização na sociologia de Max Weber

1. Como Weber analisa o desenvolvimento da racionalização em diferentes esfe-

ras da vida social?

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88 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

2. Como os quatro tipos de ação social contribuem para a compreensão do pro-

cesso de racionalização?

3. Diferencie as quatro noções de racionalidade.

4. Quais as principais ideias da obra A ética protestante e o espírito do capitalismo

sobre o processo de racionalização?

5. Quais as implicações do processo de racionalização para a Administração?

Capítulo 4. O processo de estratifi cação social nas sociedades modernas:

As visões de Durkheim, Weber e Marx

1. Como Marx e Weber interpretam a estratificação e organização das sociedades

modernas?

2. O que define o pertencimento às classes sociais e aos grupos de interesse para

cada um dos autores?

3. Marx, Weber e Durkheim analisam a estratificação social nas sociedades mo-

dernas, ou seja, as hierarquias sociais existentes e as divisões em grupos e classes

sociais ou econômicas. Analise a origem da estratificação social na sociedade

atual e as consequências dessas divisões nas organizações.

Capítulo 5. Poder nas organizações: Da dominação de poucos à ação de todos

1. Em uma organização sem fins lucrativos formada por associação livre (exem-

plo: centro acadêmico, associação de amigos, grupos religiosos etc.), de que

modo o poder simétrico e o poder assimétrico podem se manifestar?

2. É possível a manifestação do poder simétrico em uma empresa moderna

(exemplo: um banco, uma indústria, um prestador de serviço...)?

3. De que maneira o tamanho da organização poderia influir nas formas de

poder existentes?

4. Pense nas formas de poder assimétrico na organização que você mais fre-

quenta. São oriundas da ação coletiva de iguais ou formas de imposição?

São resultado da obtenção de aquiescência, dependência ou desigualdade?

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Atividades propostas para a Parte I 89

II. SUGESTÕES DE FILMES, VÍDEOS E DOCUMENTÁRIOS

1. DAENS – um grito de justiça

Direção: Stijn Coninx

Ano: 1993

Duração: 145 minutos

Sinopse: Apresenta a história do padre Daens, designado para assumir a igreja

da cidade de Aalst, na Bélgica. Revoltado com a situação horrível em que o povo

vivia, Daens acende seu lado revolucionário e tenta conscientizar o povo oprimi-

do contra os abusos da classe burguesa que explorava o povo em suas fábricas.

O filme se passa no final do século XIX e apresenta bem a que nível chegava a

exploração nas indústrias europeias naquele momento.

2. As vinhas da ira

Direção: John Ford

Ano: 1940

Duração: 129 minutos

Sinopse: Após cumprir pena por homicídio, Tom Joad volta para casa e lá encon-

tra a propriedade de sua família arrasada pelo clima e pela ganância dos bancos.

Com pouco potencial de trabalho no horizonte da poeira de Oklahoma, toda a

família empacota seus pertences e parte para a Terra Prometida: a Califórnia. Mas

a árdua viagem e as difíceis condições de vida que encontram não servem muito

de alívio para seus problemas, e manter a unidade familiar acaba sendo um desafio

tão grande quanto as diversidades que enfrentam.

3. Metrópolis

Direção: Fritz Lang

Ano: 1923

Duração: 153 minutos

Sinopse: Metrópolis, ano 2026. Os seres humanos foram divididos em duas castas:

os intelectuais, que moram na superfície, e os operários, que vivem nos subter-

râneos da cidade e fazem todo o trabalho duro para que ela funcione. A divisão,

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90 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

porém, é estremecida quando o filho do prefeito desce aos subterrâneos e acaba se

apaixonando por Maria, uma operária que tenta liderar seus companheiros contra

os maus-tratos a que são submetidos

4. Brazil, o Filme

Direção: Terry Gillian

Ano: 1985

Duração: 100 minutos

Sinopse: Brazil, o Filme, é uma sátira futurista na qual ilusão e realidade se mis-

turam. Sam Lowry (Jonathan Pryce) vive em um Estado totalitário, controlado

pelos computadores e pela burocracia. Às voltas com a repressão e o terrorismo,

tudo é cobrado e todos são governados pelas fichas e pelos cartões de crédito. O

computador que controla a sociedade erroneamente decreta a condenação de um

homem inocente. Nesse clima opressivo, Sam começa a investigar o que poderia

estar acontecendo de errado quando conhece e se apaixona pela bela Jill Layton

(Kim Griest), uma terrorista, amiga do homem que deveria ter sido condenado

no lugar de outro.

5. O sucesso a qualquer preço

Direção: James Foley

Ano: 1992

Duração: 100 minutos

Sinopse: Chicago. Em uma empresa que trabalha com venda de imóveis os tem-

pos estão difíceis para os corretores Shelley Levene (Jack Lemmon), Ricky Roma

(Al Pacino), Dave Moss (Ed Harris) e George Aaronow (Alan Arkin). Eles são

fortemente pressionados por Blake (Alec Baldwin), que agora chefia as vendas e

promete um Cadillac Eldorado para o melhor vendedor. Para o segundo colocado

o prêmio será um conjunto de seis facas para churrasco, e o terceiro prêmio é o

olho da rua, pois não lá há lugar para fracassados. Quem tiver desempenho mais

satisfatório vai receber as boas dicas para conseguir ir bem nas vendas, mas um

roubo deixa a situação tensa.

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Atividades propostas para a Parte I 91

6. O homem que virou suco

Direção: João Batista de Andrade

Ano: 1979

Duração: 95 minutos

Sinopse: Deraldo (José Dumont), poeta popular nordestino, chega a São Paulo

sobrevivendo apenas de suas poesias e folhetos. Tudo vai muito bem até ele ser

confundido com um operário de multinacional que matou o patrão em uma festa

na qual recebeu o título de operário símbolo. Deraldo é perseguido pela polícia e

perde sua identidade e condição de cidadão.

7. A classe operária vai ao paraíso

Direção: Elio Petri

Ano: 1971

Duração: 126 minutos

Sinopse: Adorado por seus superiores por ser um trabalhador extremamente de-

dicado e odiado pelo mesmo motivo por seus colegas de trabalho, Lulu vive entre-

gue aos sonhos de consumo da classe média, alienado em meio aos movimentos de

protesto de sua classe, até que um acontecimento põe em xeque suas opiniões.

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C A P Í T U L O 6

Socialização e cultura organizacional

SIDINEI ROCHA DE OLIVEIRA

CLÁUDIA SIRANGELO ECCEL

Ao viver em sociedade o ser humano passa a se orientar por uma série

de normas e crenças que o ligam aos grupos nos quais está inserido. A

relação que o individuo estabelece com o coletivo do qual participa

é desenvolvida durante o processo de socialização. Este texto tem por objetivo

apresentar o conceito de socialização a partir de diferentes compreensões, in-

cluindo a socialização no meio organizacional. Complementando, abordam-se os

conceitos de cultura, o que pode ser entendido de maneira simplificada como os

modos de agir, de pensar, crenças, valores etc. aprendidos durante o processo de

socialização.

1. SOCIALIZAÇÃO

A socialização é o processo pelo qual o ser humano é integrado à sociedade,

aprendendo a viver de acordo com os costumes de determinada cultura (DIAS,

2004). Desde o nascimento os indivíduos vão, aos poucos, aprendendo a compar-

tilhar valores e normas sociais característicos dos seus grupos de referência e da so-

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96 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ciedade da qual participam. O processo de socialização também implica dominar

os impulsos que não são desejáveis para determinada sociedade, podendo assim

ser entendido como uma série de ajustamentos a determinados padrões culturais.

Por meio da socialização e do desenvolvimento psicológico o indivíduo constrói

repertórios de ação e maneiras de viver e se relacionar que permitem diferenciá-lo

dos demais grupos ao mesmo tempo em que cria maior identificação com aquele

ao qual pertence.

A socialização primária inicia-se após o nascimento por meio da interação com

a família ou outros agentes próximos, nos quais a criança passa a compreender e

imitar os hábitos dos adultos, desenvolvendo habilidades básicas para agir em so-

ciedade. Vale lembrar que a função socializadora da família alterou-se ao longo do

tempo. Até o século XVII havia pouca preocupação com a preparação da criança

para a vida em sociedade, já que, em razão das altas taxas de mortalidade, as crian-

ças não eram investidas dos mesmos cuidados que hoje em dia, e sim consideradas

adultos em miniatura, sujeitas aos mesmos direitos e deveres, e, tão logo pudes-

sem ficar de pé, já poderiam produzir. Ao longo do século XIX, com a ascensão

do estilo de vida burguês é que a família passou a ser vista como a célula primária

da sociedade, centro das principais relações de afeto e cuja função é a proteção dos

individuos. Só então a infância começou a ser considerada uma fase específica da

vida humana, na qual a criança é preparada para a vida adulta. Também foi nesse

período que se instituiu a formação escolar, primeiramente para os grupos mais

elitizados e depois para toda a população.

Durkheim, em seus textos de sociologia da educação, trata de dois espaços

de socialização tradicionais: a família e a escola. Segundo ele, as gerações mais

novas não estão preparadas para a vida social, sendo necessário que as gerações

adultas as eduquem. Assim, a educação busca suscitar e desenvolver certo número

de estados físicos, intelectuais e morais, demandados pelo conjunto da sociedade

(DURKHEIM, 1978). A educação, em tal perspectiva, configura-se como uma so-

cialização metódica das novas gerações. O bom resultado do processo educacional

é marcado pela formação de um ser social totalmente identificado com os valores

da sociedade, deixando de seguir os instintos e os desejos infinitos do estado “sel-

vagem” do ser humano.

Luckmann e Berger (1983) abordam a diferença entre a socialização na família

e na escola, chamando-as, respectivamente, de socialização primária e socialização

secundária. Na primeira, a criança constrói sua base de referência para objetivar

o mundo exterior, organizá-lo por meio da linguagem e das relações, e ordenar

Page 110: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Socialização e cultura organizacional 97

ações passadas e futuras. O conhecimento primário é incorporado por meio das

linguagens oral e escrita, estabelecendo a relação do eu com o mundo exterior,

algo que se estabelece não apenas na família, mas na relação com os adultos res-

ponsáveis pela socialização. Já a socialização secundária pode ser compreendida

como a “interiorização de submundos institucionais especializados” e/ou a “aqui-

sição de saberes específicos e de papéis direta ou indiretamente enraizados na

divisão do trabalho”. É o momento da incorporação do vocabulário dentro de um

programa formalizado, veiculando uma nova concepção de mundo, que é definida

e constituída em referência a um campo especializado de atividades, adquiridos,

sobretudo, nas instituições escolares.

Na socialização secundária, na adolescência e na vida adulta, o indivíduo in-

terage com diversos atores sociais, passando a existir a capacidade (limitada e

inacabada) de incorporar espaços institucionais específicos em que o indivíduo

adquire conhecimentos especializados e papéis relacionados com seu espaço de

trabalho. Dentre os saberes específicos estão os conhecimentos profissionais e as

elaborações conceituais, dentre as quais o vocabulário, as proposições, os pro-

cedimentos, e o universo simbólico, que traduz determinada visão de mundo.

Além disso, o currículo oculto, ou seja, um posicionamento ideológico implícito

está presente ao longo de todo o percurso escolar, e revela aos estudantes o que

a sociedade espera de sua postura profissional em cada área de atuação, bem

como o comportamento de um cidadão (BRYMM et alii, 2006). Ressalta-se que

a relação que o indivíduo estabelece entre saberes de base e saberes especializa-

dos não tem uma única dinâmica, pois estão ligados a uma série de elementos da

história biográfica e da trajetória social de cada um (BERGER; LUCKMANN,

1983; DUBAR, 2005).

A compreensão da socialização como processo de construção social permite vis-

lumbrar a possibilidade da mudança social ampliando a perspectiva de Durkheim,

na qual predomina a simples reprodução do modelo de sociedade estabelecida

com a aceitação passiva do individuo, que passa a se identificar em todos os aspec-

tos com o grupo de que participa. Na visão de Berger e Luckmann, os padrões e as

crenças dos grupos da socialização primária ao se relacionarem com as instituições

de socialização secundária podem gerar conflitos, uma vez que podem apresentar

formas de atuação e concepções de mundo diferentes (DUBAR, 2005).

Berger e Luckmann, apesar de ampliar o horizonte do processo de socialização

incorporando a possibilidade de conflito entre as diferentes instituições e etapas

do processo, centram suas análises nas esferas do ensino e do trabalho, as quais

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98 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

tinham grande importância no período em que sua obra foi produzida (meados do

século XX). Nesse momento, as relações nem sempre harmoniosas entre grupos

profissionais contribuíam para que a esfera profissional fosse o principal foco de

estudo para a formação da identidade (DUBAR, 2005), fazendo com que estas

estejam no centro da preocupação destes autores.

Deve-se ainda destacar o papel da ressocialização, que representa profundas

mudanças no modo de agir, de pensar e de se relacionar do indivíduo. Tal processo

pode ocorrer por opção, quando o indivíduo busca uma mudança radical na sua

forma de vida, ou por imposição, quando é forçado por um agente externo (famí-

lia, Estado, entre outros). O processo de ressocialização ocorre, por exemplo, em

rituais de iniciação das Forças Armadas e de algumas ordens religiosas. Este rito

representa a transição do indivíduo de um grupo para outro, reforçando e desta-

cando a necessidade de lealdade para com o novo grupo, levando o indivíduo a

abandonar a sua antiga identidade e assumir a do grupo em que está ingressando.

Tais ritos normalmente envolvem três etapas: negação do antigo status e identida-

de da pessoa; degradação e desorientação (morte ritual); e aceitação do status e da

cultura do novo grupo (renascimento ritual) (BRYMM et alii, 2006).

Também como espaço específico do processo de ressocialização destacam-se

as instituições totais, descritas por Goffmann (2003) como “[...] um local de resi-

dência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhan-

te, separados da sociedade mais ampla por considerável período, levam uma vida

fechada e formalmente administrada” (p. 11).

As instituições totais – são exemplos manicômios, prisões, asilos – inibem ou

negam o contato entre o internado e o mundo exterior, visto que seu o objetivo

é separá-lo completamente do seu mundo de origem, a fim de que absorva to-

talmente as regras internas, evitando comparações prejudiciais ao seu processo

de "aprendizagem". Em razão do ambiente coercitivo, nestas instituições, teori-

camente, a ressocialização ocorreria de modo mais rápido e completo, mesmo

que não existam ritos para marcar a passagem do indivíduo de uma situação para

outra.

Atualmente, como vivemos um novo momento histórico, emerge uma nova

organização sociocultural, na qual outras instâncias, além do trabalho e das insti-

tuições de ensino, interferem no processo de socialização (DUBET, 1996). Novos

atores atuam nesse processo, formando um espaço heterogêneo em que se tem

acesso a diferentes símbolos e linguagens, que dão origem a um universo plural e

diversificado.

Page 112: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Socialização e cultura organizacional 99

Para Dubet (1996), a partir da experiência, as ações individuais e coletivas

são construídas e reformuladas levando a uma variedade de caminhos possíveis.

Tal diversidade de referências faz com que a experiência individual ou coletiva

seja formada pela combinação de diferentes modos de ação, e consequentemente

engendram diversos modos de agir, de se relacionar, de pensar simultaneamente

dentro de uma mesma sociedade. A diversidade de combinações de lógicas de

ação que organizam a experiência social do indivíduo moderno não está assentada

numa lógica única ou fundamental, ou seja, a experiência social não se configu-

ra pela unidade e conformidade, ao contrário, possibilita o desenvolvimento da

capacidade crítica para a construção do mundo. Assim, a experiência social do

indivíduo contemporâneo é inacabada, porque não há adequação absoluta entre

a subjetividade do ator e as estruturas objetivas da sociedade (DUBET, 1996). A

razão de haver uma socialização completa não decorre da busca de cada indivíduo

por uma forma de escapar do social, mas porque sua experiência se inscreve em

registros múltiplos e não congruentes, fazendo o processo seguir ao longo de toda

a vida (SETTON, 2005).

Nessa perspectiva, ganham maior destaque os grupos de referência, os meios

de comunicação de massa, os mitos e heróis da época. Os amigos e colegas normal-

mente constituem um grupo de mesma idade e status semelhante que contribuem

para o distanciamento da criança e/ou adolescente de sua família; buscando cons-

truir sua própria identidade, influenciam no estilo de vida, nas atividades sociais

e nos relacionamentos afetivos. Os meios de comunicação de massa assumiram

papel importante na socialização no século XX. A televisão, os jornais, as revistas,

as músicas, o cinema e, nos últimos anos, a internet contribuíram para a dissemi-

nação de ideias, hábitos e atitudes de grande parte dos jovens, principalmente a

partir da década de 1950. Os mitos e heróis – bandas, cantores, astros de cinema,

heróis de histórias em quadrinhos – estão relacionados com o crescimento da cul-

tura pop da segunda metade do século XX. Os valores de rebeldia em contraposi-

ção às regras, em grande parte são influenciadas pelos ídolos de uma geração, com

destaque para as atitudes dos astros da música jovem, frequentemente ícones das

“revoluções” juvenis.

Merece destaque a internet, que nos últimos anos possibilitou mais um espa-

ço de socialização por meio de redes de interação virtuais que, reconfiguram os

modos de pensamento, ação, comunicação e relacionamento. A internet alterou

as barreiras de tempo e espaço na medida em que tornou possível a interação de

indivíduos em diferentes áreas do planeta, em alguns casos em tempo real. Assim,

Page 113: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

100 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

formaram-se as chamadas comunidades virtuais que interagem por meio da troca

de textos escritos ou ligações via rede nos mais diversos idiomas, em muitos casos

adaptados para a “linguagem da rede”.

Assim, na medida em que as referências sociais e identitárias compartilhadas se

ampliam e diversificam, criam-se alternativas de escolhas possíveis aos indivíduos,

multiplicando as possibilidades de participação em grupos e espaços identidade.

Os atores sociais não estão restritos a seguir uma identificação coerente com papéis

sociais identitários e com padrões normativos institucionais atribuídos a cada um.

Além disso, não incorporam trajetórias e estruturas institucionais de modo contínuo

e linear, mas articulam uma gama variada de padrões e valores. Portanto, é possível

conceber experiências sociais com base em uma combinação de várias lógicas de

ação, que os ligam a uma variedade de espaços institucionais (DUBET, 1996). A

identidade social e individual, nos dias atuais, não acarreta uma convergência com-

pleta de postura entre indivíduo e sociedade, em que cada pessoa aceita e incorpora

integralmente os papéis propostos pelas instituições. O que se observa é uma ten-

dência à articulação e à negociação constante entre valores e referências institucio-

nais diferenciados e às biografias dos sujeitos (SETTON, 2005).

A cultura de massa, responsável pela circulação de informações, e a crescen-

te fragilidade das instituições tradicionais de educação constroem um ambiente

favorável à difusão de valores e padrões de conduta diversificados e por vezes

heterogêneos. A nova configuração cultural também aponta para o surgimento de

outras modalidades educativas, circunstanciando a particularidade do processo

de socialização na contemporaneidade. E é nesse quadro que a nova ordem cul-

tural se impõe no processo de construção da identidade e da subjetividade do

indivíduo nas formações sociais atuais. Ao dar ênfase ao caráter massivo da difusão

da informação, com enfoque na ampla propagação dos bens culturais, e ao con-

siderar a reestruturação das instâncias tradicionais da educação, chama atenção o

fato de que a pluralidade e a heterogeneidade das informações em circulação con-

tribuem para o surgimento de uma nova percepção do indivíduo sobre si e sobre

os grupos que o rodeiam; contribuem, ainda, para o surgimento de novas formas

de interação social, novas formas de aproximação e/ou afastamento entre os indi-

víduos e grupos e oferecem condições de ampliar e diversificar o conhecimento

do indivíduo sobre o mundo, aumentando suas predisposições e/ou disposições

interpretativas e reflexivas.

As novas tecnologias favoreceram a circulação e a intensidade da expansão de

novas maneiras de pensar e agir, possibilitando que uma mesma sociedade tenha

Page 114: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Socialização e cultura organizacional 101

acesso a novos modos de conceber e interpretar o mundo. Estas são apropriadas e

experimentadas de forma particular e singular, pois estão continuamente sujeitas

aos condicionamentos sociais e às trajetórias individuais ou de grupos. Trata-se de

um novo processo de socialização, no qual as experiências individuais apropriam a

heterogeneidade e a complexidade do mundo social a partir de um repertório en-

contrado, analisado e incorporado e da possibilidade de construção de um futuro.

Como foi visto, o papel da esfera laboral sempre foi marcante no processo

de socialização, sendo uma das principais esferas de relações sociais e espaço im-

portante na formação da identidade dos indivíduos. Assim, é relevante analisar

como ocorre a socialização dentro das organizações e em que medida as empresas

podem organizar ou gerenciar este processo por meio de planos e procedimentos

ligados ao seu negócio e seu posicionamento estratégico.

1.1 A socialização organizacional

Ao ingressar numa organização cada indivíduo precisa conhecer e aprender as

normas, os valores, os modos de posicionar-se e executar suas atividades de acor-

do com as expectativas e a postura da organização. Esse processo inicia-se com a

entrada do indivíduo no universo organizacional e estende-se por toda sua traje-

tória profissional na empresa. Embora alguns elementos profissionais (processo de

trabalho, normas, sistemas, entre outros) possam ser similares, cada organização

irá combiná-los de modo particular. Assim, em cada nova instituição em que o

indivíduo atua precisará compreender o que dele esperam, como deve agir e como

se posicionar nas relações que estabelecerá com grupos internos (demais setores da

organização, chefias etc.) e externos (fornecedores, clientes, usuários, acionistas e

comunidade em geral) da organização.

Este processo tende a se intensificar em momentos em que haja mudança no

status1 e papéis2 do indivíduo junto à organização. Seja no seu ingresso, quan-

do o novato tem um mundo de ações e valores organizacionais para assimilar,

levando em conta o posto em que atuará; ou em momentos de transferências

ou promoções, quando, apesar de permanecer na mesma organização, precisa

1 Status é a posição social que o indivíduo desfruta na sociedade, e se baseia fatores como nascimento, a profissão que possui, os conhecimentos que adquire, o casamento, a situação econômica etc.2 Papel social é o comportamento esperado de um indivíduo que detém certo status. Cada pessoa poderá ter vários status aos quais correspondem papéis (DIAS, 2004).

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102 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

aprender as atividades e posicionamento que o novo papel exige. Um exemplo

comum ocorre quando o funcionário de determinada empresa é promovido, a

chegada a esta nova colocação, embora não traga um aprendizado tão complexo

quanto o de seu ingresso, requer que aprenda como deve agir com relação aos

demais grupos organizacionais e sociais a partir da posição que passa a ocupar.

Nesses momentos de transição podem ocorrer conflitos de papéis (MAANEM,

1984). Ao assumir um posto de chefia, um funcionário pode ficar dividido entre

seguir o caminho que a direção lhe aponta e sua identificação com os demais

funcionários na posição que ocupava antes. Tal dificuldade pode também es-

tar relacionada com as diferentes culturas que caracterizam a organização. Por

exemplo, quando um trabalhador muda de setor ou função e continua orientado

pelos valores e regras que compartilhava com o grupo anterior, os quais podem

não ser os mesmos do atual.

Mudar de posição ou atividade pode gerar ansiedade, o que tende a diminuir

no momento em que o indivíduo aprende o que se espera dele e seu novo papel.

Porém, o aprendizado da nova função é influenciado também pela interação com

pares, superiores, subordinados, clientes e outros, os quais podem ora apoiar e

orientar o novato, ora impedir sua atuação, confundi-lo ou pressioná-lo, gerando

para o indivíduo sentimentos de realização e confiança ou de fracasso e incompe-

tência (MAANEM, 1984).

Para reduzir esta ansiedade, evitar possíveis conflitos e preparar os funcioná-

rios, tanto entrantes quanto aqueles que são promovidos, as empresas precisam

criar mecanismos que auxiliem o processo. Para Maanem (1984), numa apre-

sentação objetiva e prática das atividades das organizações, essas estratégias de

socialização podem ser escolhidas tanto consciente quanto inconscientemente: no

primeiro caso, por considerar o modelo anterior o mais adequado, ensina-se ao

novato como deve agir, isto é, busca-se adaptá-lo ao formato organizacional; no

segundo, considera-se que a pessoa deve aprender por ensaio e erro, isto é, apren-

der à própria maneira, sem orientação direta.

Um exemplo de estratégia de socialização estruturada para reduzir os anseios

do novo empregado é a integração organizacional. Antes de o funcionário ingres-

sar em sua atividade de fato, recomenda-se que lhe seja apresentado o histórico

da organização, seu(s) ramo(s) de atividade(s), como está estruturada, que tipo de

políticas orientam o funcionamento da organização etc. Parte-se da ideia de que,

ao ingressar numa organização, cada indivíduo precisa construir um conjunto de

normas e interpretações para explicar e tornar significante o mosaico de atividades

Page 116: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Socialização e cultura organizacional 103

que caracterizam aquela organização. Conhecer uma situação organizacional e

agir de acordo com ela implica que a pessoa tenha desenvolvido algumas crenças,

alguns princípios e conhecimentos, o que vai fornecer as regras básicas para viver

o seu dia a dia na organização.

Segundo Maanem (1984), muitas vezes o objetivo dessas estratégias de so-

cialização é domesticar o funcionário despindo-o de sua identidade particular e

incorporando a da organização. Cada estratégia aplicada pode ter uma oposta e/

ou também ser cumulativa, mas não necessariamente compatível em termos de

resultados. Assim, as principais estratégias seriam:

1. Estratégias formais e informais de socialização. O processo formal serve para

preparar uma pessoa a ocupar um status específico na organização, como

ser padre, soldado, executivo ou operário. Nesse processo, participam de

treinamentos específicos, realizam estudos teóricos e práticos voltados para

a aplicação prática na futura atividade. Os programas de trainee represen-

tam uma estratégia formal de socialização empregada atualmente por gran-

des empresas para preparar jovens recém-formados para assumir posições

ligadas à estratégia da empresa. Para tanto, passam por um longo período de

treinamento (de um a três anos) em que recebem aulas teóricas gerais sobre

conhecimentos técnicos e de gestão e específicas sobre setor, negócio e es-

tratégia da empresa. Paralelamente desenvolvem projetos ou circulam por

diferentes áreas, para ter um conhecimento mais amplo e detalhado sobre

as atividades da organização.

O processo informal ocorre no cotidiano do trabalho. Após ser contrata-

do ou alocado na função, o funcionário aprende como as atividades são rea-

lizadas em seu departamento. Neste caso, poderá escolher um colega como

agente de socialização (padrinho ou tutor). Como não há uma orientação

clara da organização e um controle sobre o processo, o agente escolhido

pode ser tanto um exemplo do que a organização espera quanto alguém que

passe suas impressões equivocadas sobre as atividades e a empresa. Voltan-

do ao caso dos trainees, segundo o estudo de Rübenich, Piccinini e Cavedon

(2005), mesmo dentro de um processo formal estruturado as propostas e

os objetivos estabelecidos para sua formação ao longo do programa podem

não ser incorporados de acordo com o plano da empresa. As relações esta-

belecidas entre os participantes do programa trainee e destes com os demais

trabalhadores da organização fazem os processos e informações recebidas

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104 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

nas aulas serem reintrepretados, passando a ser desenvolvidos de acordo

com o entendimento do grupo.

2. Estratégias individuais e coletivas de socialização. Nas estratégias coletivas, as

mudanças individuais são construídas sobre o conhecimento dos problemas

enfrentados por todos os membros do grupo, que buscam o consenso e uma

definição coletiva da situação. Estas estratégias são menos onerosas e mais

cômodas, pois permitem otimização de tempo e recursos; no entanto, ao

fortalecer o grupo, podem entrar em choque com os objetivos principais

da organização. Exemplo: uma escola pode direcionar o estudante para se

dedicar com afinco aos estudos, enquanto seus colegas podem estimulá-lo

ao lazer e outras atividades.

No caso da socialização individual, um único sujeito é preparado para

assumir determinadas funções na organização. Embora chegue mais próxi-

mo dos objetivos da organização, este tipo de estratégia pode representar

maior custo financeiro. Algumas vezes a tarefa de socializar alguém é dada

a um único responsável, entretanto, possivelmente essa transferência se fará

mais orientada para valores particulares dessa pessoa com a organização.

3. Estratégias sequenciais e não sequenciais de socialização. As sequenciais se

caracterizam por processos consecutivos marcados por uma série de eventos

(cursos, treinamentos, indicação de manuais, informativos [jornais internos,

e-mails, intranet], cerimônias da empresa [festas de fim de ano, reconheci-

mento por tempo de trabalho]) discretos e identificáveis por meio dos quais

um indivíduo deve passar a ocupar uma posição e exercer um papel numa

organização. Normalmente deveria passar dos elementos mais simples aos

mais complexos, mas pode ocorrer em sentido inverso ou mesclando-se.

Os processos não sequenciais de socialização são realizados num estágio

transitório, sem estruturação contínua de atividades. Atividades de treina-

mento isoladas principalmente direcionadas para a qualificação técnica de

trabalhadores podem ser consideradas não sequenciais, pois normalmente

não estão vinculadas a um programa maior de desenvolvimento.

4. Estratégias fixas e variáveis de socialização. As estratégias fixas dão ao ini-

ciante um conhecimento preciso do tempo necessário para completar de-

terminado estágio (tempo de experiência, cursos etc.). Ocorre em alguns

cargos públicos ou mercados de trabalho específicos em que é necessária

uma formação inicial extensa e apenas após a aprovação nesta etapa o indi-

viduo está apto para a atividade.

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Socialização e cultura organizacional 105

As estratégias variáveis não representam etapas bem marcadas de início

e término, dependendo de cada indivíduo. A carreira vertical com base em

resultados é um exemplo de socialização variável (promoções), pois não é

possível estabelecer um padrão temporal dos momentos de ascensão (ou

demissão).

5. Estratégias de socialização por competição ou por concurso. Consiste em se-

parar iniciantes em diferentes programas de socialização baseados em dife-

renças presumidas como habilidade, ambição ou antecedentes, fazendo-os

concorrer entre si. Uma vez desclassificado para um cargo ele o será para

sempre. Funcionários de “alto potencial” podem ser defrontados com desa-

fios maiores que os demais.

6. Estratégias de socialização através da investidura e despojamento. A sociali-

zação com base na investidura busca valorizar o indivíduo, considerando-se

sua experiência anterior, como ocorre em cargos gerenciais de nível mais

elevado. Nesses casos, a organização não deseja modificá-los, mas aproveitar

as suas habilidades.

Os processos de despojamento, por sua vez, destroem e despojam certas

características particulares do iniciante. Algumas comunidades ocupacionais e

organizacionais exigem que o indivíduo abandone grupos de referência ante-

riores, suporte humilhações e faça o trabalho de menor status aliado a salários

mais baixos, também chamados de salário inicial, e se ocupe de tarefas pouco

interessantes antes de serem considerados participantes iguais e respeitados.

São exemplos ministros religiosos, atletas e militares de carreira.

Como foi ressaltado, os grupos que compõem a organização de modo mais

ou menos consciente “formatam” o indivíduo que ingressa segundo as normas e

valores nela expressas. Ao utilizarem estratégias mais estruturadas (formais, se-

quenciais, fixas etc.), os níveis gerenciais mantêm maior controle sobre o modo

de agir do sujeito que ingressa. Entretanto, é praticamente impossível se chegar a

um controle absoluto, uma vez que a ação de grupos informais também tem forte

contribuição na ação de cada indivíduo na organização. Assim, os valores e normas

explícitas e implícitas que fazem parte da organização são desenvolvidos, alterados

e abandonados pela ação dos diversos grupos que dela fazem parte, sendo consti-

tuintes marcantes da cultura da instituição.

A socialização vivida na esfera laboral também pode ser incorporada à vida do

indivíduo fora das organizações, como ocorre com indivíduos que passam a avaliar

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106 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

atividades de lazer por meio de metas como número de filmes vistos, livros lidos,

exposições visitadas em determinado período ou o planejamento de férias como

uma série de atividades a serem cumpridas. Da mesma maneira, a vida exterior

interfere no modo como o indivíduo incorpora as normas e valores da organização.

Empresas mais flexíveis e com procedimentos menos estruturados podem apre-

sentar um desafio para pessoas que se habituaram a seguir um padrão de trabalho

baseado em aspectos formais (manuais, processos detalhados, normas de quali-

dade etc.) e o contrário, empresas com uma estrutura mais rígida de hierarquia

e processos podem ser de difícil adaptação para indivíduos mais críticos ou que

preferem relações mais informais.

Enfim, a socialização organizacional é um assunto que requer atenção tanto

de trabalhadores quanto de gestores. Da parte dos gestores, é importante a análise

constante das políticas de recursos humanos que representam momentos formais de

socialização (integração, treinamentos, avaliação de desempenho) para ver se estão

de acordo com o posicionamento estratégico adotado pela organização. Para os indi-

víduos, a compreensão da relação entre padrões e normas da organização e os modos

de agir e pensar construídos nas esferas externas devem estar em convergência, caso

contrário deverá avaliar a necessidade de adaptação aos padrões da empresa ou bus-

car trabalho numa organização que esteja de acordo com seu modo de agir.

2. CULTURA

O termo cultura é utilizado em diferentes sentidos em nosso cotidiano. As

pessoas costumam dizer “Maria tem cultura” para indicar conhecimento geral; “a

Secretaria de Cultura da cidade do Rio de Janeiro” para designar um departamen-

to; “Semana da cultura”, para promover diferentes atividades artísticas. Cultura é

mais abrangente que estas expressões, pois não representa apenas conhecimento,

não está representada apenas nas artes e não está restrita apenas a um grupo ou

departamento. A cultura é uma manifestação presente em todos os grupos sociais,

é transmitida pela herança social de uma geração a outra por meio do processo

de socialização. Para detalhar um pouco mais, vamos discutir diferentes correntes

para compreensão da cultura.

Entre os primeiros conceitos de cultura encontramos o de Tylor (1912, p.

25), vinculado ao pensamento evolucionista, que expressa cultura como “o todo

complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qual-

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Socialização e cultura organizacional 107

quer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma

sociedade”. Para esse autor a cultura pode ser analisada sistematicamente, estabe-

lecendo leis que possibilitem a compreensão de seus fundamentos e das formas

como esta é transmitida para as novas gerações. As diferenças culturais são com-

preendidas como resultado da evolução das sociedades.

Na perspectiva evolucionista, coube à antropologia ordenar os estágios evoluti-

vos do desenvolvimento das civilizações, e as civilizações europeias no século XX

foram consideradas a referência para o estágio final de evolução das sociedades.

Assim, desenvolveu-se o etnocentrismo, que significa olhar para o outro a partir

das referências daquilo que é seu, impossibilitando que o reconheça como diferen-

te, quaisquer que sejam os valores anteriormente conhecidos. Uma ilustração do

que é etnocentrismo pode ser a ideia desenvolvida pelos europeus de que os índios

eram selvagens, ao passo que se tratava de lógicas, valores, crenças e organização

social diferentes daquelas das cidades em fase de industrialização.

Já Cliford Geertz (1978, p. 24) apresenta a cultura como um sistema de signos

passível de interpretação. Para o autor, “a cultura não é um poder, algo ao qual

podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos,

as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles [sím-

bolos] podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade”.

Esta abordagem de Geertz difere da proposta de Tylor, pois não compreende a

cultura como um fenômeno natural, mas sua base é social, e a gênese está na ma-

nutenção e transmissão de conhecimentos e ações entre os atores sociais.

Segundo Geertz (1978, p. 15), “a cultura são os significados que informam as

condutas humanas e as tornam inteligíveis”. O autor também destaca que as teias

de significações originam matrizes múltiplas e distintas, que podem ser respon-

sáveis pelas práticas de um indivíduo. Assim, na sua concepção, a cultura não é

homogênea ou coerente. Ao ser formada por estruturas sociais que se entrelaçam,

dando sentido às ações humanas, cada estrutura pode ter um significado diferente

para práticas humanas, ou seja, pode haver significados diferentes para uma mes-

ma conduta dentro de um mesmo ambiente circunscrito.

Na concepção de Geertz (1978), cabe ao antropólogo interpretar a multi-

plicidade de estruturas conceituais complexas, estranhas, irregulares e implícitas,

buscando aprendê-las de alguma forma para depois apresentá-las no seu texto. O

produto de seu estudo, a etnografia, seria a tentativa de construir um texto mesmo

que composto de incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos que

retratam a visão do pesquisador.

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108 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Ainda para Geertz (1978), o ser humano atribui sentidos aos acontecimentos

que vivencia por meio de padrões culturais, que são agrupamentos ordenados de

símbolos significativos. Os indivíduos sentem, percebem, raciocinam, julgam e

agem sob a direção desses símbolos. A experiência humana é assim uma sensação

significativa, interpretada e aprendida. Geertz destaca a compreensão dos padrões

culturais, organizados por meio de símbolos sociais, que se manifestam nos com-

portamentos individuais como uma questão fundamental para a antropologia.

Para a área de Administração os referenciais da antropologia sobre cultura

contribuem para a discussão de dois temas: a cultura organizacional e a relação

entre cultura e consumo. A cultura organizacional é objeto de estudo das áreas de

estudos organizacionais e recursos humanos, que partem de autores como Schein

e Geertz para construírem diferentes correntes e interpretações sobre quão objeti-

va pode ser a compreensão do universo cultural e quanto ele é passível de controle

e gerenciamento por parte dos administradores. No que se refere à relação entre

cultura e consumo, a discussão está concentrada na área de marketing, que parte

da ideia de sociedade do consumo para compreender os valores e ações dos indiví-

duos do “mundo ocidental contemporâneo”.3 Na próxima sessão aprofundaremos

os conceitos de cultura organizacional.

2.1 Cultura organizacional

Uma organização, assim como uma comunidade, não é apenas moldada por fa -

tos concretos, mas também pelas crenças e valores que são compartilhados por

seus membros, aspectos simbólicos que fazem cada organização ser única. Para en-

tender uma cultura organizacional, é necessário compreender este universo sim-

bólico que se mostra no dia a dia por meio de atitudes, comportamentos, reações,

linguagem, vestimenta, ritos e mitos etc.

Para Barbosa (2002) o termo cultura organizacional surge em decorrência

da valorização do universo simbólico das organizações por parte dos estudiosos

3 Para saber mais sobre o tema, leia:BARBOSA, Lívia. Cultura nas organizações. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.BARBOSA, Lívia. Cultura consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2007.ROCHA, Everardo P. Guimarães. A sociedade do sonho: Comunicação, cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.

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Socialização e cultura organizacional 109

da Administração. Esse interesse começa a se delinear na década de 1960, mas

quando se observa as publicações e os aportes teóricos relacionados com o ter-

mo, nota-se que houve diferentes direcionamentos, que a autora organiza em

três períodos.

o primeiro período ocorre nos anos 1960: ligado com a corrente do desen- •

volvimento organizacional, a cultura é vista como uma ferramenta a ser

conhecida e trabalhada pelas organizações para que aprimorem seus resul-

tados, embora ainda não a relacionem com o diferencial competitivo da

empresa;

o segundo momento, que pode ser visto como uma retomada do tema e •

não como uma continuação do movimento anterior, ocorre no início da

década de 1980. Aqui são marcantes os estudos que surgem a partir do

modelo japonês (toyotismo) e a tentativa, em muitos casos fracassada, de

sua exportação para o Ocidente. A constatação de que a proposta japonesa

era mais do que uma série de procedimentos organizados leva os autores a

pensarem na relação entre a cultura de um país e os universos econômico

e organizacional. Inicia-se a discussão sobre a base epistemológica do tema,

mas esta permanece voltada para uma orientação objetiva, a fim de poder

incorporar a cultura na estratégia da organização e direcioná-la para obter

maior competitividade;

o terceiro momento inicia-se na década de 1990 e pode ser visto como •

uma resposta ao movimento anterior, embora ainda mantenha algumas ca-

racterísticas deste. Como similaridade se destaca a visão da cultura como

elemento de valor objetivo, que pode interferir no contexto, agregar va-

lor e contribuir para a competitividade da organização. Em contrapartida,

diferencia-se do momento passado por considerar a cultura um ponto es-

tratégico, definição como ativo intangível e associação com valores éticos

(BARBOSA, 2002).

Estes três momentos levam a uma corrente de estudos que entende a cultura

como uma manifestação concreta e gerenciável. Segundo este ponto de vista, as

organizações possuem uma cultura, que, uma vez conhecida – por meio de diag-

nósticos – pode ser modificada, controlada e gerenciada intencionalmente (FLEU-

RY, 1989; SCHEIN, 1985). Fleury (1989) destaca alguns parâmetros de políticas

e práticas gerenciais que conduziriam à criação de uma cultura “forte” que, segun-

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110 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

do a autora, trata-se de um universo único, capaz de superar os recortes de classe,

profissão e sexo, ou seja, de uma coesão organizacional mais potente do que ou-

tros pertencimentos. Para a autora, a obtenção de uma cultura forte e consistente

da empresa ou, pelo menos, aceita dentre as várias categorias que a compõe seria

possível por meio da captação de funcionários adequados, treinamento constante

e remuneração condizente com o status ocupado.

Schein (1985) considera que uma cultura organizacional pode ser conhecida

pelos símbolos, imagens, mitos, estórias, linguagem, rituais, cerimônias, hábitos

e valores, além dos artefatos visíveis da organização, tais como a organização es-

pacial, arquitetura, móveis e espaço físico. Destaca a importância da busca pela

construção de uma cultura, a qual seria possível por meio de: (1) homogeneidade

e estabilidade dos seus membros e (2) intensidade das experiências compartilha-

das entre os indivíduos do grupo. Assim, uma empresa com cultura forte seria

aquela com uma história longa e intensa, ao passo em que a fraca seria caracteri-

zada pela constante troca de membros e pelo não enfrentamento de dificuldades.

Neste entendimento, os elementos que compõem a cultura provaram ser aqueles

mais efetivos no seu passado e, assim, são transmitidos e mantidos no presente e

no futuro. As premissas, tendo sido consideradas válidas, isto é, bem-sucedidas ao

longo da vida da organização, serão ensinadas aos outros membros da organização

como a maneira esperada de perceber, pensar e reagir frente às situações. São estes

pressupostos que, institucionalizados, compõem a cultura da organização.

Outra perspectiva para a compreensão da cultura, baseada sobretudo na abor-

dagem interpretativa de Geertz, defende que a cultura não é passível de gerencia-

mento e controle. Nesta corrente, Thévenet (1991) põe em questão a capacidade

de transformação da cultura organizacional. Aponta que com frequência os con-

ceitos de cultura e mudança são trabalhados em conjunto, principalmente em pro-

postas das empresas de mudar a sua cultura, criar uma nova, e mesmo promover

uma revolução cultural. Thévenet (1991) destaca que a mudança nas organizações

não deveria ser tomada como um fim em si mesmo, mas um meio para a obten-

ção de outras formas de relacionamento com o ambiente interno e/ou externo.

A mudança de cultura é processo constante, visto que toda cultura em qualquer

sociedade humana se transforma ao longo do tempo, porém, não se pode gerenciar

a mudança de uma cultura, na medida em que não é possível fixar o objetivo final

nem os meios para se chegar a este futuro estado de cultura.

Para esclarecer, uma tentativa de mudança de cultura na empresa revela-se

quando seus dirigentes decidem alterar algum traço cultural por meio de ações de

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Socialização e cultura organizacional 111

comunicação, alterações físicas e nas regras de trabalho. No entanto, os resultados

advindos dessas ações são imprevisíveis, pois decorrerão dos significados que cada

grupo atribuirá à mudança. Um exemplo refere-se a uma tentativa de uma grande

indústria de promover a amizade, cordialidade e harmonia entre os empregados

por meio do lançamento de uma campanha para eleger o melhor amigo dentre os

colaboradores. Contudo, em vez de apontarem para um colega com as caracterís-

ticas definidas, o grupo indicou um empregado conhecido unanimemente como

solitário e ranzinza, indo contra o objetivo da empresa, evidenciando o quanto

o resultado de ações voltadas para a promoção de um comportamento pode ser

diferente do previsto.

Outra situação ilustrativa foi a tentativa de mudança cultural em uma grande

empresa, que teve sua composição acionária alterada após a entrada de um grupo

internacional em sua administração. A direção da empresa fez um longo e intenso

processo de comunicação dos motivos da mudança e ressaltaram as vantagens,

como uma maior autonomia. Porém, os trabalhadores seguiram por quase uma

década ressentidos da mudança e resistindo às novas regras que orientavam seu

trabalho. Houve, sem dúvida, uma mudança cultural, mas não necessariamente

aquela esperada pela diretoria, que seria de uma união e valorização da nova em-

presa, pois se construíram laços de resistência e a autonomia foi significada pelos

trabalhadores como um sentimento de falta de proteção e insegurança.

Cavedon (2003), de maneira similar a Thévenet (1991), entende que em vez

de ter uma cultura, uma organização é uma cultura. Essa mudança de enfoque tem

implicações importantes, uma vez que no caso a cultura não pode ser gerenciada

e sim compreendida, pois é a expressão dos membros da organização. Dentro de

uma mesma organização podemos encontrar diversas culturas, que dizem respeito

a diferentes grupos que se relacionam distintamente entre si e com a organização.

Cavedon (2000, p. 33-34) afirma que por cultura organizacional entende-se

a rede de significações que circulam dentro e fora do espaço organizacio-

nal, sendo simultaneamente ambíguas, contraditórias, complementares,

díspares e análogas implicando ressemantizações que revelam a homoge-

neidade e a heterogeneidade organizacional.

Para ilustrar, Craide, Cavedon e Eccel (2006) relatam pesquisa realizada em

uma empresa familiar do ramo leiteiro, a qual era composta por três setores: o

tambo, o processamento do leite e o administrativo-financeiro, que contavam com

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112 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

características de trabalho e rotinas diferentes, mas também com valores e signifi-

cações próprias, que levavam à existência de culturas heterogêneas ou diferencia-

das entre si. As autoras observaram uma coesão organizacional no que diz respeito

ao fundador, o que mantinha a empresa e os funcionários unidos. Mas, ao mesmo

tempo, havia dentre os setores conflitos de interesse e diferentes pontos de vista,

passando de uma área bastante rotinizada e ordenada, o tambo, por um ponto in-

termediário, representado pela transformação do produto, até uma grande desor-

ganização e falta de padronização na área administrativo-financeira. Vale ressaltar

que as perspectivas de homogeneidade e heterogeneidade não são excludentes,

mas refletem as diferentes identidades dos setores.

Para Cavedon (2003), a cultura organizacional se expressa com clareza em

alguns momentos específicos, tais como rituais, assim como em histórias repetida-

mente contadas ou nos mitos. Ritos e mitos são “falas dramatizadas” de um grupo

social e, portanto, são capazes de mostrar os significados ali compartilhados. Ri-

tuais são situações cerimoniosas e formais, com comportamentos e regras prescri-

tas àqueles que tomam parte, ou seja, caracterizam momentos não ordinários em

que existe um protocolo a seguir. Além disso, são momentos de expressão:

Em suma, pode-se dizer que as emoções e sentimentos que o homem pos-

sui interiormente encontram, no ritual, um lócus para a sua manifestação.

É no ritual que o homem exterioriza e corporifica os seus medos, ódios,

amores, crenças; é onde as normas, valores sociais, relações de poder que

regem toda a teia social se materializam e refletem a realidade de um gru-

po, comunidade ou sociedade, adquirindo assim legitimidade. (CAVE-

DON, 2003, p. 124)

Os rituais podem ser de diversos tipos, tais como os ritos de passagem que

marcam uma mudança de status como o casamento, ou, no espaço organizacional,

a integração de um novo funcionário; ou os ritos de degradação, que ilustram a

perda de uma posição, como é o caso de uma demissão (CAVEDON, 2003). Os

rituais servem ainda como adaptadores ou readaptadores dos indivíduos às normas

e valores do ambiente em que estão inseridos, uma vez que justificam e enobre-

cem as rotinas.

Assim, podemos pensar, por exemplo, o processo seletivo como uma espécie

de ritual nas organizações. Neste momento os indivíduos ocupam papéis previa-

mente definidos e comportam-se de uma forma prevista, ou seja, os represen-

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Socialização e cultura organizacional 113

tantes da empresa serão os avaliadores, enquanto os candidatos serão por estes

avaliados. Aos primeiros cabe apresentar de maneira interessante a empresa e as

oportunidades de trabalho e fazer perguntas, propor situações que os candidatos

deverão responder e posicionar-se a fim de tornarem-se elegíveis às vagas.

Os mitos, por seu turno, são estórias que contam como e por que aconteceram

certos fatos de importância, de forma mágica. As religiões utilizam-se largamente

desse artifício, como podemos ilustrar com o mito da criação do mundo em sete

dias. Em empresas familiares é bastante comum nos defrontarmos com o “mito

do fundador” que narra o percurso do patriarca que deu origem à corporação.

O fundador é retratado elogiosamente, como capaz de superar dificuldades, de

ser esforçado e bem-sucedido. Com alguma frequência, o fundador é apresenta-

do como um homem que iniciou humildemente um ofício e ao longo dos anos

transformou-o em uma grande empresa. Ademais, os mitos reforçam os valores a

serem seguidos pelos sucessores e funcionários (CAVEDON, 2003).

A cultura organizacional é também influenciada pelo contexto onde se insere.

Um estudo bastante conhecido acerca da influência da cultura local na organiza-

cional foi realizado na década de 1980 por Hofstede4, que entrevistou executivos

e empregados de uma mesma corporação com sedes em diversos países. O pesqui-

sador observou que havia importantes diferenças nos comportamentos e atitudes

dentro das filiais da mesma empresa, revelando a importância de se considerar a

cultura nacional em relação à corporativa (MOTTA, 1997).

Além da cultura nacional, a cultura regional, a formação étnica ou religiosa

pode influenciar a cultura de determinada organização. Em meados da década

de 2000 ocorre no Brasil uma intensa competição entre municípios para atrair

empresas por meio da isenção de tributos. Algumas indústrias de Caxias do Sul

(Rio Grande do Sul) – região de colonização italiana, com catolicismo tradicional

arraigado – abriram filiais em estados do Nordeste (Recife e Ceará) para redução

de custos. O que parecia ser um bom negócio acabou se tornando um grande de-

safio, por exemplo, no que tange a valorização dos feriados: em Caxias do Sul, o

período de Carnaval não é considerado feriado pois consideram uma festa pagã,

mas valorizam uma data cristã local, o dia de Nossa Senhora de Caravaggio, o

4 Desta pesquisa resultou uma classificação de culturas composta de quatro dimensões, a saber: in-dividualismo e coletivismo; distância do poder; nível de evitação de incertezas; masculinidade e fe-minilidade. Tal classificação, no entanto, é criticada por alguns autores como Cavedon (2003). Para mais informações ver HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work-related values. Sage Publications, Londres, 1984.

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114 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

que em termos práticos implicava apenas um dia sem trabalho. Já no Nordeste,

o Carnaval surgia como um momento de longas e intensas comemorações com as

fábricas paradas por mais de três dias. Outro ponto de conflito ocorreu por causa

da instalação da empresa em cidades onde havia pouco emprego formal e mui-

tos benefícios governamentais. Ter a carteira assinada foi visto de modo negativo

por parte dos funcionários, que, por não estarem habituados aos benefícios do

emprego formal, viam o contrato de trabalho como motivo de perda de recursos

oriundos das políticas governamentais.

As características culturais nacionais e regionais ganham ainda mais importân-

cia no contexto de fusões, aquisições, migrações e internacionalização das organi-

zações que marcam a atualidade. Ao se instalarem em países ou regiões diferentes

da sua sede de origem ou em processos de fusão de grandes multinacionais é im-

portante que os gestores estejam atentos não apenas às leis que regulam as relações

comerciais e de trabalho do local, mas também analisem os aspectos culturais da

sociedade em que estão ingressando a fim de que possam organizar suas políticas

de gestão considerando tais peculiaridades.

Um exemplo desse tipo de política voltada para a cultura tem sido a prepara-

ção dos funcionários que vão trabalhar nas filiais de sua empresa em outros países

– os expatriados5 – por meio de cursos que orientam sobre os hábitos, valores e re-

gras sociais, características das relações de trabalho, aspectos legais, econômicos e

políticos daquele país. Além disso, o funcionário e sua família recebem uma assis-

tência e orientações especiais por parte da área de recursos humanos responsável

pela gestão intercultural ou gestão de expatriados, até estarem mais familiarizados

com os modos de vida do local onde se encontram. No regresso, também é dada

assistência para que a readaptação seja facilitada.

Em suma, o estudo da cultura organizacional permite outra dimensão para

análise das relações que se estabelecem no mundo corporativo, seja no interior das

empresas ou desta com a sociedade em que está inserida.

5 O processo de expatriação é regido por um contrato formal de trabalho respeitando a legislação no qual são definidos as condições e o período de atividade no exterior.

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C A P Í T U L O 7

Controle organizacional no processo capitalista de produção

DANIELA ALVES DE ALVES

SIDINEI ROCHA DE OLIVEIRA

Na medida em que cresce a importância das organizações na sociedade

também se ampliam os estudos sobre o aprimoramento dos métodos

de gestão, buscando maior eficiência e eficácia na condução dos pro-

cessos. Entre os conceitos centrais da análise organizacional estão a coordenação

e o controle que, desde os primórdios da formação da fábrica, são tidos como as

principais formas de assegurar a continuidade da produção e aumentar o poder das

organizações sobre o trabalhador.

O controle, do ponto de vista gerencial, pode ser definido como o processo de

busca pela redução da incerteza (SILVA, 2002). O controle pode estar relacionado

com o processo de produção, com os resultados e investimentos financeiros da or-

ganização, com a organização do trabalho e com a posse dos meios de produção. O

administrador procura envolver pessoas que participam da organização, orientando-as

e preparando-as para desenvolverem suas tarefas de acordo com o plano determinado

pela gerência. Além disso, por meio de indicadores e padrões acompanha como as

atividades são realizadas, os recursos utilizados e os resultados alcançados.

O controle tem uma relação próxima com outros elementos da organização,

como a estrutura de autoridade e as relações de poder. Ao longo da história das

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116 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

organizações, o controle assumiu diferentes aspectos; embora vários mecanismos

sejam utilizados em um mesmo período dentro das organizações, alguns se apre-

sentam de modo mais marcante em cada época.

Segundo Mintzberg (1995), os mecanismos de controle são fundamentais para

que a organização alcance os objetivos propostos. O autor propõe ainda uma clas-

sificação abrangente dos mecanismos de coordenação que considera fundamentais

para a manutenção da estrutura organizacional:

a) ajustamento mútuo − onde a coordenação do trabalho é obtida pelo pro-

cesso simples da comunicação informal. O controle sobre o trabalho está

centrado nos operadores;

b) supervisão direta − o controle é alcançado pela designação de uma pessoa

como responsável pelo trabalho de outras, fornecendo instruções e monito-

rando suas ações;

c) padronização dos processos de trabalho − tal padronização é obtida antes

de o trabalho ser realizado, sem haver espaço para ajustamento entre os

trabalhadores ou supervisão direta. As etapas para a realização do trabalho

são especificadas e/ou programadas;

d) padronização dos resultados − o controle é alcançado por meio da padroni-

zação das saídas quando os resultados do trabalho são especificados;

e) padronização das habilidades dos trabalhadores − o controle é atingido por

meio da especificação do tipo de treinamento necessário para executar o

trabalho.

Na proposta de classificação do controle de Mintzberg (1995), observa-se que

predomina o modelo de organizações tradicionais, baseadas na normatização e

predefinição das formas de controle. Entretanto, ao analisar-se as organizações

contemporâneas, mais flexíveis e dinâmicas, nota-se que os modelos de controle

assumem novos formatos, de modo que se pode acrescentar dois mecanismos a

essa classificação:

f) supervisão tecnológica – embora em alguma medida possa ser a extensão

dos mecanismos de controle via padronização, as novas tecnologias da in-

formação e comunicação representam mais uma forma de controle da or-

ganização sobre o funcionário, seja pela vigilância permanente trazida pelos

acessos pessoais e registros constantes nos sistemas informatizados, seja pela

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 117

extensão do espaço de trabalho para além do local da fábrica possibilitada

por recursos, muitas vezes fornecidos e custeados pela empresa, tais como

webmail, redes internas, telefones corporativos, Webconferência, entre ou-

tros. Tais ferramentas auxiliam a organização a acompanhar como os indi-

víduos executam suas tarefas mesmo quando estão fora da organização. O

rastreamento e o controle absoluto dos trabalhadores permanentemente via

tecnologias informacionais é denominado por alguns autores coleira eletrô-

nica (SIBILIA, 2002);

g) controle psicológico ou cultural – se dá pela ampliação dos vínculos sociais

do indivíduo com a organização e pela difusão das perspectivas empresarias

na sociedade. Por meio da cultura da organização e da expansão dos discur-

sos e práticas sociais valorizadores do comprometimento e do engajamento

subjetivo dos trabalhadores,1 os valores e objetivos da organização são di-

fundidos e apropriados pelos indivíduos. O controle torna-se mais individua-

lizado, assumindo a forma de autocontrole. Essa é a forma de controle mais

difícil de alcançar, mas também é a que consegue “melhores resultados” e é

menos perceptível para o indivíduo.

Deve ser destacado que tal classificação tem apenas um caráter didático para

facilitar a compreensão sobre o tema, pois nas organizações coexistem diferentes

mecanismos de controle, que podem convergir ou divergir para o alcance dos ob-

jetivos da organização. Um exemplo seria a supervisão tecnológica, que pode con-

tribuir para reforçar a padronização de processos e facilitar o acompanhamento de

resultados, mas pode entrar em choque com a postura de supervisores habituados

com práticas em que predominam o acompanhamento direto e personalizado so-

bre seus subordinados e/ou com a cultura de trabalho da organização.

Com um enfoque distinto, o controle por parte da organização, segundo a

Sociologia clássica, pode ser abordado sob dois ângulos: o marxista e o weberiano.

Na teoria marxista a empresa é vista como uma organização ideológica central na

reprodução do capitalismo. Nesta perspectiva, a identificação do trabalhador com

os objetivos da empresa é um dos elementos de sua alienação como sujeito. Na

concepção de Karl Marx, o trabalhador assalariado é alienado na medida em que

1 Engajamento subjetivo é “uma espécie de Jano, um ‘ser’ com duas faces: a da captação da atividade subjetiva do assalariado, sob uma forma renovada de dominação, e a do sentido pessoal e coletivo dado à ação social, sob uma forma renovada de relação de emancipação” (ZARIFIAN, 2002, p. 30).

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118 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

é destituído dos seus meios de vida, dos produtos de seu trabalho e até mesmo

de sua humanidade, conforme o trabalho significativo e autônomo, considerado

a principal característica da condição humana, dá lugar ao trabalho heterônomo

e sem sentido para o trabalhador. No capitalismo o trabalho passa a ser apenas

o caminho para o atendimento material e para a realização dos propósitos dos

capitalistas:

A alienação aparece tanto no fato de que meu meio de vida é de outro,

que meu desejo é a posse inacessível de outro, como no fato de que cada

coisa é outra que ela mesma, que minha atividade é outra coisa, e que,

finalmente (e isto é válido também para o capitalista), domina em geral o

poder desumano. (MARX, 1987, p. 188)

Noutra direção está a teoria de Max Weber sobre o exercício burocrático da

dominação, que é assentado numa base legal, racional, instrumental e impessoal.

Dentro das empresas a dominação burocrática significou organização de cargos

por hierarquia meritocrática, formação de um quadro administrativo profissional

(não proprietário dos meios de produção nem dos cargos), a imposição escrita de

regras técnicas e normas visando a máxima produtividade e eficiência (WEBER,

1999). Weber previa uma sociedade cada vez mais burocratizada, cada vez mais

assentada nos estatutos legais e racionais, tendo como principal modelo o Estado

moderno. Autores contemporâneos, como Bauman (2001), defendem que as mu-

danças na ordem capitalista têm sido em direção a uma sociedade menos obcecada

pelo cálculo racional dos meios do que previa Weber e em que a ação humana é

cada vez mais afetada por “propensões afetivas”, além de ser mais livre para esco-

lher aqueles fins e objetivos prioritários diante de tantos possíveis. Outros, como

Chanlat (2000) reforçam a ideia ao afirmar que os indivíduos cada vez mais in-

corporam elementos organizacionais na vida cotidiana (gestão do tempo, da rede

de relacionamentos, das atividades de lazer), levando a racionalidade do mundo

corporativo também para a esfera pessoal e afetiva.

A seguir, busca-se descrever como estas diferentes formas de controle se ma-

nifestaram nas organizações ao longo da industrialização e de que modo elas se

manifestam nas sociedades ditas pós-industriais. Assim, pretende-se fazer um res-

gate da formação histórica da sociedade industrial, ressaltando como as mudanças

que levaram a novos modelos produtivos e técnicas gerenciais relacionam-se com

a adoção de diferentes técnicas de controle sobre os operários.

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 119

1. A NOVA DIMENSÃO DE TEMPO E ESPAÇO

Durante os séculos XVII e XVIII, o trabalhador ou o camponês tem suas ta-

refas vinculadas ao atendimento de suas necessidades de sobrevivência, havendo

pouca separação entre o tempo de trabalho e o tempo da vida. As relações sociais

e de trabalho são interligadas, o dia de trabalho se prolonga ou se contrai de acor-

do com as tarefas a serem realizadas, não existindo conflito entre o trabalhar e o

“passar o dia”. Já para quem emprega a mão de obra, a atividade humana começa

a ser vista em função do resultado que produz, e o tempo empregado no trabalho

passa a ter valor de moeda: passa-se a “gastar” tempo na realização das atividades e

o tempo ocioso é visto como tempo perdido (THOMPSON, 1979).

As atividades estão centradas no ambiente doméstico ou nas pequenas ofici-

nas, sem maiores subdivisões. O grau de sincronização requerido é pequeno e a

organização das tarefas segue sob o controle dos trabalhadores. Esse sistema de

trabalho em domicílio exige do tomador do serviço tempo de transporte e espera

dos materiais. Na natureza desses trabalhos não há cronogramas precisos, o que

representa ciclos irregulares na semana de trabalho e, consequentemente, muitas

manifestações dos mercantilistas do século XVII quanto à baixa produtividade

dos trabalhadores e atrasos de entrega. O padrão de trabalho alterna momentos

de atividade intensa e de ociosidade enquanto os homens ainda detêm o controle de

sua vida produtiva.

No século XIX, reforça-se entre os industriais o debate da necessidade de

controlar o tempo de realização das tarefas. A incorporação de máquinas e a cen-

tralização das atividades na fábrica tornam-se a forma de estabelecer o ritmo e

controlar o trabalhador. São criados mecanismos como a folha de controle do

tempo, os delatores e as multas para disciplinamento da mão de obra, habituada

a determinar seu ritmo e tempo de trabalho (THOMPSON, 1979). O relógio

configura-se como um os primeiros mecanismos de controle, pois possibilitava aos

supervisores estabelecer o tempo para execução das tarefas e a cobrança de sua

realização dentro do período estabelecido.

Pela divisão primária do trabalho, supervisão direta, aplicação de multas, in-

centivos em dinheiro, pregação e ensino formam-se novos hábitos de trabalho e

impõe-se uma nova disciplina do tempo e do espaço. A fábrica define a divisão

entre o tempo da tarefa e o tempo da família, o espaço do trabalho e o da casa

(PERROT, 1988). O controle do trabalho passa para o empregador, que vai de-

terminar que seja realizado de maneira adequada e que seja apropriadamente apli-

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120 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

cado aos meios de produção, não se desperdiçando matéria-prima e poupando o

instrumental de trabalho, de modo que só se gaste deles o que for imprescindível

à execução do trabalho (MARX, 1972).

A passagem do trabalho doméstico para o trabalho fabril foi a primeira grande

mudança na forma de controle do trabalho. A partir deste momento, o proprie-

tário passou a controlar o tempo das atividades dos indivíduos a ele subordinados

pela determinação do horário e do espaço de trabalho (THOMPSON, 1979).

Nesse processo, o desenvolvimento tecnológico – incorporação das grandes má-

quinas da Revolução Industrial – teve importância fundamental, uma vez que

justificava a necessidade de o trabalhador deixar seu domicílio e ir à fábrica para

trabalhar, pois não poderia mais atender às solicitações da produção apenas com o

uso do ferramental de que dispunha (PERROT, 1988). O relógio se torna o equi-

pamento símbolo do controle nesse período, embora nem todos tivessem acesso a

ele num primeiro momento. Para preparar os trabalhadores são criados manuais

para orientação sobre o uso racional do tempo e instituições que ensinam a impor-

tância da pontualidade e uma disciplina orientada pelo trabalho.

Perrot (1988) destaca que a incorporação dessa nova orientação não aconteceu

pacificamente. A autora destaca que na França tais mudanças foram acompanha-

das de movimentos sociais que contestavam a incorporação de novos maquinários,

ao mesmo tempo em que se faziam manifestações contra as reduções salariais e a

diminuição da mão de obra. Esses movimentos de resistência estiveram presentes

em cada uma das fases em que novos elementos de controle foram instituídos,

indicando que a ação dos trabalhadores procurava evitar, redimensionar ou mes-

mo discutir tais mudanças. A primeira manifestação dos trabalhadores contra a

mecanização do trabalho e suas consequências foi o movimento luddista, iniciado

na Inglaterra em meados do século XIX, que consistiu na destruição das máquinas

no interior das fábricas. Os empresários e a imprensa do período apontavam os

luddistas como irresponsáveis, pois estariam agindo contra o progresso, uma vez

que as máquinas permitiriam melhorar a vida dos trabalhadores dando-lhes mais

tempo livre (PERROT, 1988).

O disciplinamento do tempo e o mapeamento do espaço, obtidos pelo esta-

belecimento de horários de trabalho, pelas multas por faltas e atrasos, pela su-

pervisão direta de cada indivíduo em cada função específica, constituíram-se dos

principais dispositivos de disciplinamento dos corpos dos operários. Tal controle

ultrapassava o espaço da fábrica e se estendia à escola, à família, ao hospital (FOU-

CAULT, 1993, 2000). Contudo, romper com o padrão de liberdade de tempo e

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 121

espaço até então existente exigiu muito mais que o limite imposto pela constitui-

ção física da indústria. O saber do trabalhador foi paulatinamente sendo transferi-

do para as máquinas, que passaram a controlar o ritmo e o conteúdo das tarefas. A

doutrinação para o trabalho era reforçada pelas pregações religiosas e pelo sistema

de ensino que já orientava os jovens para um trabalho mais servil (THOMPSON,

1979). Apesar das manifestações dos trabalhadores contra a incorporação de no-

vas máquinas e a favor das greves e sabotagens (PERROT, 1988), prevaleceu o

discurso da necessidade de industrialização e maior produtividade.

2. PARCELAMENTO DAS TAREFAS E APROPRIAÇÃO DOS SABERES

A teorização sobre o controle nas empresas teve como principais precursores,

entre o fim do século XIX e o começo do século XX, Frederic Taylor e Henri

Fayol, que buscavam regras gerais de gestão do trabalho válidas para qualquer

empresa. O aprofundamento da divisão do trabalho entre concepção e execução e

a fragmentação do processo de trabalho em partes cada vez menores, na busca da

maneira mais produtiva de realizar cada gesto, popularizou as técnicas tayloristas

nas organizações, industriais e não industriais. Já Fayol (1989) deu destaque para

as atividades desenvolvidas pelo administrador, das quais o controle consistiria em

verificar se as tarefas eram desenvolvidas de acordo com o plano estabelecido e as

orientações fornecidas.

No início do século XX, seguindo a lógica da busca por maior produtivida-

de, Taylor, com seus estudos de tempo e movimento, instituiu a importância da

racionalização do trabalho do operário e do somatório da eficiência individual

(TAYLOR, 1995), defendendo para tanto a divisão das tarefas e a centralização da

unidade de comando com uma rígida supervisão no nível operacional. Confirmou

suas ideias com a utilização de ferramentas científicas para mensurar as melho-

rias alcançadas na organização, quando cada trabalhador é selecionado segundo

as habilidades requeridas pela tarefa a ser executada. Deve ser ressaltado que, em

termos teóricos, as conclusões de Taylor não eram propriamente inovadoras, pois

essas ideias já haviam sido destacadas por Adam Smith em Riqueza das nações

(1776). No entanto, a contribuição de Taylor está na vinculação desses pressupos-

tos à administração das fábricas, área de conhecimento que crescia em importân-

cia naquele período, o que favoreceu a popularização de sua proposta.

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122 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

O taylorismo, mais do que um sistema de gestão, configura-se como um mode-

lo de produção, uma vez que a “organização científica do trabalho” propicia maior

racionalização dos métodos de gestão, de controle e de integração da produção. A

concepção, o planejamento e a gestão do funcionamento do processo de trabalho

estão sob a responsabilidade dos gestores e quadros técnicos, e a operacionaliza-

ção das tarefas da produção direta de mercadorias fica a cargo dos trabalhadores.

Com a aplicação dos princípios do taylorismo, houve uma drástica diminuição da

margem de manobra do operariado nos locais de trabalho, além da redução da utili-

zação das suas capacidades em termos de habilidade e perícia profissional.

A divisão do trabalho aprofundada pelo taylorismo conduziu para uma segun-

da busca de “domesticação” e de dominação do operariado, eliminando a margem

de manobra e autonomia que a comunidade profissional operária usufruía nos

domínios das suas qualificações, competências e saberes (FERREIRA, 2002). Com

a separação espaço temporal da concepção e da gestão em relação à execução de

tarefas no processo de produção de mercadorias, desenvolvem-se os níveis hie-

rárquicos de autoridade formal, acontecendo o mesmo com a divisão social do

trabalho pela via do acréscimo da especialização dos trabalhadores na execução de

tarefas (FERREIRA, 2002).

O processo se consolidou com o “aprimoramento” dos princípios tayloristas

no modelo fordista. Se antes os operários podiam interagir de modo relativamente

livre e espontâneo fazendo valer as suas experiências, os seus conhecimentos e o

seu "saber-fazer" no processo de trabalho, a difusão do taylorismo e a introdução

da linha de montagem, primeiramente implantada na fábrica de automóveis de

Detroit em 1914, acentuaram a divisão do trabalho e a extensão da automatização

imposta pelas máquinas-ferramentas, passando a integrar também o transporte

das matérias-primas, a energia e os instrumentos de trabalho manipulados pelo

trabalhador na execução das suas tarefas (FERREIRA, 2002).

Na proposta de seu modelo de organização do trabalho, Taylor (1995) preco-

nizou o controle pela supervisão direta e especializada, bem como a padroniza-

ção de processos e habilidades dos trabalhadores. Com a incorporação da esteira

mecânica, Ford associou o controle tecnológico do tempo de trabalho e foi além,

ao envolver o funcionário no processo produtivo com altas recompensas (para o

período), complementos salariais segundo disciplina e antiguidade, e pagamento

de benefícios para evitar a sindicalização. Assim, ao comprometer os funcionários

com os objetivos da empresa, estendeu o nível do controle, que deixou de estar

vinculado apenas à execução de tarefas para abranger também o comportamento

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 123

do trabalhador (NEFFA, 1989). Nesse sentido, o controle vai além da fábrica,

vinculando-se ao “compromisso moral” que o trabalhador tem com a manutenção

do projeto de desenvolvimento pessoal e nacional.2

Como reação ao taylorismo surgiram violentos movimentos grevistas e revoltas

do operariado, em especial nos Estados Unidos. Os sindicatos alegavam o au-

mento do desemprego e do ritmo de trabalho e a expropriação do saber operário e rei-

vindicavam o controle sobre a cronometragem por representantes dos operários. Esse

controle direto sobre o corpo e o movimento dos trabalhadores também foi alvo de

críticas por teóricos, como os representantes do Movimento das Relações Humanas,3

cujas pesquisas apontaram a importância das relações sociais entre os trabalhadores

e da motivação individual para a produtividade do trabalho. Em ambas correntes

destaca-se uma concepção de indivíduo voltada para aspectos de motivação, socia-

bilidade e aspiração de que o trabalho se torne meio de realização pessoal.

O fortalecimento dos sindicatos e dos partidos operários, inspirados em ideais

socialistas ou anarquistas, forçou a concessão de ganhos atrelados ao trabalho as-

salariado por parte dos estados democráticos, especialmente na Europa. O deno-

minado Welfare State, que durou aproximadamente do período após a Segunda

Guerra Mundial até a década de 1970, inaugurou uma fase de expansão da pro-

dução industrial em massa, de presença regulatória do Estado na economia e de

expansão de direitos sociais e trabalhistas.

3. A FLEXIBILIZAÇÃO E OS CONTROLES “SUTIS”

A partir da década de 1970, o uso de novas tecnologias possibilita a obtenção

de maiores ganhos em eficiência e custos, capacidades de resposta às variações da

procura, de produtividade, de qualidade e de inovação. Novas oportunidades são

criadas, requerendo, no entanto, uma nova lógica organizacional.

As experiências das unidades de produção da Toyota, no Japão, no período de

1980-1990, orientam hoje a modernização das relações de trabalho, apontando,

segundo alguns analistas, uma superação dos antigos métodos fordista e taylorista

2 Para saber mais sobre o fordismo, ver Capítulo 13.3 Esta corrente originou-se nos trabalhos de Elton Mayo e colaboradores durante uma pesquisa sobre a relação entre a produtividade e o nível de iluminação no ambiente de trabalho, que apontou que o melhor rendimento dos trabalhadores não estava ligado a fatores físicos, mas sim às relações entre os indivíduos que participavam dos grupos de trabalho e sua motivação para as tarefas (FLEURY e VARGAS, 1983).

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124 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

que sustentaram as relações capitalistas por grande parte do século XX. A grande

empresa do padrão fordista dá lugar a empresas mais reduzidas, orientadas para

uma produção mais diversificada e realizada de maneira mais flexível (KOVÁCS,

2001). A organização do trabalho é flexibilizada como forma de garantir as varia-

ções quantitativa e qualitativa do produto, a fim de adaptá-lo à instabilidade da

demanda dos mercados.

Contudo, não há mais a predominância de um único modelo de produção,

uma vez que os sistemas de produção flexível não vêm se constituindo homoge-

neamente. A diversidade de modelos que surgem está, assim, ligada a característi-

cas culturais locais e necessidade das organizações de se manterem competitivas.

Embora os novos modelos adotados apresentem o trabalhador como elemento

fundamental para a produção, não alteram a concepção anterior de racionalização

do trabalho, mas deslocam parte da responsabilidade pelos resultados da produção

para o homem, sendo por isso considerados por muitos um neofordismo (KO-

VÁCS, 2002). Muitos trabalhadores perdem seu antigo posto no sistema produti-

vo, enquanto uma pequena minoria ganha, diante de máquinas de alta tecnologia,

a responsabilidade de fazer funcionar a cadeia industrial. O modelo adotado pela

Toyota acarretou um enxugamento radical da mão de obra, diminuindo custos

com salários. A redução do número de trabalhadores é compensado por meio da

intensificação das atividades nas chamadas ilhas de produção, onde o trabalhador

cuida de mais de uma máquina, o controle sobre o tempo de trabalho aumenta,

combinado com a integração de trabalhadores pelos vários programas de qualida-

de total (5S, ISO 9000, 9002...).

Com o enfraquecimento do sistema fordista e o desenvolvimento dos sistemas

flexíveis, o foco no contínuo aumento da produtividade e dos ganhos “flexibiliza”

também a utilização dos sistemas de controle. A supervisão direta, mais pessoal

e de escopo limitado, dá espaço às técnicas de vigilância possibilitadas pelas tec-

nologias (IRVING; RATLIFF, 1996) e a controles “mais leves”. Os mecanismos

utilizados deixam transparecer que as decisões tomadas estão mais participativas,

mas representam a transposição de um discurso que é incorporado e reproduzido

pelos funcionários que se sentem membros ativos na organização. Contudo, essas

técnicas legitimam a centralidade hierárquica pela difusão do pensamento da dire-

ção por todos os níveis, mantendo o padrão de dominação vigente (PAGÈS et alii,

1993; COURPASSON, 2000).

Neste processo, a tecnologia se torna elemento central no apoio ao desen-

volvimento gerencial permitindo possibilidades ímpares em termos de controle.

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 125

Torna-se possível o acompanhamento do funcionamento de toda a planta produ-

tiva, bem como das relações com fornecedores e clientes, independentemente das

posições assumidas no espaço ou da jornada de trabalho. Sobre os funcionários é

exercida uma vigilância permanente; ainda que o acompanhamento não seja cons-

tante, os registros e avaliações periódicas permitem identificar e avaliar a atuação

individualmente.

A utilização de tecnologias da informação e comunicação (celular, bip, e-mail

etc) leva o controle para fora das fábricas, tomando conta de outras dimensões

da vida cotidiana, família, do lazer, educação, saúde. Não apenas o tempo de

trabalho, mas também o tempo livre dos trabalhadores passa a ser objeto de

interesse das organizações. O trabalhador assume os objetivos da empresa como

se fossem seus; vê na tecnologia emprestada pela grande corporação um presente

que lhe possibilita mais flexibilidade e mais tempo livre, mesmo que represente

estar integralmente (mesmo que não continuamente) à disposição da empresa.

Quando esse ponto é atingido, a dominação se estende a todas as esferas da vida

pública e privada.

Também como forma de controle destacam-se as técnicas de participação

oriundas dos modelos japonês e sueco,4 que trouxeram a ideia de integração dos

objetivos individuais do trabalhador aos da organização por meio das contribui-

ções para melhoria contínua de processos e produtos. A participação é uma forma

de aumentar o vínculo do indivíduo com a organização. Ao ter uma de suas pro-

postas aceita e utilizada pela organização, o trabalhador se sente corresponsável

pelo resultado, empenhando-se ainda mais na busca por solução de problemas e

aprimoramento de suas atividades.

Na medida em que os meios de controle tornam-se mais sutis e são internali-

zados pelos trabalhadores, tornam-se mais complexas e individualizadas as formas

de resistência, visto que cada indivíduo reconhece sua relação com a organização e

com a tecnologia de modos diferentes. A importância crescente das competências

ligadas à intelectualidade e ao relacionamento interpessoal tornam ainda mais pa-

radoxal a relação entre controle, liberdade e resistência, pois para criar soluções,

inovar, gerar satisfação para o cliente, requer-se um indivíduo engajado e livre,

pelo menos em algumas dimensões, o que esfuma os limites entre o controle como

elemento externo e o sujeito do trabalho.

4 Para mais informações sobre os novos modelos de organização do trabalho, ler o Capítulo 14.

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126 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

4. A CULTURA COMO FORMA DE CONTROLE

Um meio de controle de caráter mais normativo é a manipulação de símbolos

da cultura organizacional, na tentativa de aproximar os valores dos indivíduos

aos das organizações. Assim, procedimentos e ações que serviram às organizações

em determinado momento passam a ser utilizados como forma efetiva de guiar

as ações, as decisões e as relações da empresa, passando a ser considerados como

norma para alcançar os objetivos propostos. Seria este um jeito mais suave de

controle organizacional, adaptado às necessidades de flexibilidade e descentraliza-

ção. Embora transpareça maior liberdade e autonomia para o trabalhador quando

comparada à supervisão direta, aumenta sua responsabilidade para o atingimento

dos resultados da empresa (SILVA, 2002).

Na década de 1970 o tema da cultura foi inserido nos estudos organizacionais,

mostrando que o controle pelos dispositivos burocráticos pode ser incrementado

se os trabalhadores se identificarem com os objetivos e valores da organização

(GOMES, 2001). Por um lado, a expressão da cultura nas organizações pode ser

responsável pela busca de homogeneidade e pelo consenso sobre determinados

modos de agir, modos de pensar e valores entre todos os membros da organiza-

ção, que asseguram uma relativa previsibilidade e controle do comportamento dos

indivíduos. As organizações são consideradas, em algumas abordagens, instâncias

de controle reprodutoras de um sistema mais amplo de controle social. Além de

produzir bens e serviços, as empresas produzem formas de comportamento e de

raciocínio que serviriam a objetivos que ultrapassam em muito suas fronteiras

(MOTTA, 1979). Como exemplo, podemos citar o padrão de produção e consu-

mo que se desenvolveu no período fordista. A proposta de Ford de pagamento por

peça, integração dos postos de trabalho pela esteira mecânica e acompanhamento

dos trabalhadores fora da fábrica, muito mais do que um modelo de organização

do trabalho contribui para a formação de uma sociedade voltada para o consumo

e para os valores e benefícios do trabalho assalariado.

Por outro lado, aspectos culturais podem ser fonte de conflito e resistência de al-

guns grupos no interior da organização. Por exemplo, pode haver desentendimento

com os trabalhadores quando uma empresa multinacional se instala em localidades

cuja cultura conflita com aquela da origem da empresa, como no caso de empresas

de origem alemã ou japonesa ao se instalarem no Brasil. O padrão mais rígido e

formal dessas corporações comumente se choca com a informalidade e pessoalidade

das relações de trabalho brasileiras. Neste caso, a proposta de mudança dos costu-

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 127

mes por parte da gerência implica algum grau de conflito, principalmente porque

tentam resolver as diferenças de interesses de grupo ou de classes sociais dentro das

organizações, privilegiando os valores do(s) grupo(s) dominante(s). O controle e a

conformidade nunca são totais, pois sempre há mecanismos de resistência, mesmo

que sutis, informais e/ou individualizados. A conformidade total pode até mesmo

comprometer a sobrevivência da organização (MOTTA, 1979).

No que se refere àquela primeira abordagem da cultura organizacional, um

exemplo histórico comumente citado na literatura é a relação entre a cultura japo-

nesa e o sucesso do modelo japonês de produção vigente a partir da década de 1970

e que fez forte concorrência às empresas americanas.5 A relação dos japoneses com a

hierarquia é considerado importante elemento do sucesso industrial e comercial do

país. A valorização da lealdade devotada à autoridade dos mais velhos e à hierarquia,

destacando em primeiro plano os aspectos da antiguidade e da senioridade, pode ser

observada tanto no âmbito das relações interpessoais como nas relações interempre-

sas no Japão (MASIERO, 1994). Além disso, na sociedade japonesa o sentimento de

pertencimento a uma empresa é muito mais relevante do que a identidade ocupa-

cional. Para explicar o fenômeno japonês e promover a mobilização dos empregados

desenvolveu-se nos EUA o conceito de cultura de empresa (CUCHE, 1999) ou cul-

tura empresarial (BARBOSA, 2002), que remete às diferentes formas de organiza-

ção simbólica do universo empresarial, diferenciando entre a realidade do universo

empresarial e a de outras organizações.6 Também com o objetivo de angariar adesão

dos trabalhadores aos objetivos da empresa este conceito passou a ser utilizado na

França, a partir da década de 1980 (CUCHE, 1999).

A cultura organizacional tornou-se, desde a década de 1990, um ativo intangí-

vel estratégico das empresas, pois assim como outros bens intangíveis (capacidade

de inovação, capital intelectual etc.), é capaz de gerar valor e riqueza no atual ca-

pitalismo, tanto quanto os principais fatores de produção: capital, terra e trabalho

(BARBOSA, 2002).

Em alguns casos, os quadros dirigentes das empresas utilizam-se de aspectos

da cultura como aliados para a manutenção do consenso. Por meio de símbolos

5 Segundo Barbosa (2002) as obras que lançaram essa temática sobre a cultura japonesa foram: The Art of Japanese Management, de Pascale e Athos (1981); Theory Z, de Ouchi (1981); Corporate Cultu-res, de Deal e Kennedy (1981) e In Search of Excellence, de Peters e Waterman (1982).6 Segundo Barbosa (2002) o termo cultura empresarial, nos últimos anos, adquiriu uma conotação polí-tica e econômica associada aos valores liberais em duas bases: a primeira seria um conjunto de reformas econômicas e institucionais para aumentar a eficiência do mercado e reduzir a intervenção do Estado, e a segunda, difundir valores e crenças que reforçam o empreendedorismo e a criação de riqueza.

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128 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

da cultura organizacional tentam aproximar os valores dos indivíduos aos das or-

ganizações. Um exemplo comum é o mito do fundador, destacado, normalmente,

como alguém empreendedor, esforçado e comprometido com a organização, além

de serem destacados também seus fortes valores morais, sua postura ética e res-

ponsabilidade para com familiares e funcionários. Na empresa, perpetuam-se as

histórias de generosidade com funcionários em momentos difíceis e de dedicação

às atividades da empresa em momentos de crise. Para manter viva a marca da em-

presa, todos devem se empenhar e dar o máximo de si.

Outra forma possível de controle pela cultura é a “empresa-família”, caso em

que a organização é referida como se fosse uma grande família, da qual todos

os funcionários fazem parte e precisam participar para fazê-la seguir crescen-

do; assim, os laços com a organização não são mais apenas profissionais, mas

também afetivos. Segundo Motta e Alcadipani (1999), ainda hoje se percebem

nas organizações brasileiras a influência da cultura paternalista cujas relações

sociais envolvem ao mesmo tempo cordialidade e afetividade, autoritarismo e

violência. Não se empenhar ao máximo no trabalho equivale a uma traição,

uma falta de reconhecimento aos benefícios possibilitados por estar vinculado à

empresa. Desse modo, a adesão à cultura da empresa é condição para pertencer

a ela, como se a cultura tivesse existência preexistente a seus próprios membros

(CUCHE, 1999).

A manipulação simbólica aproxima o indivíduo da empresa, que com ela se

identifica, estabelecendo um forte laço de dependência em que se vê vinculado à

organização pelo compartilhamento da cultura. Promover a socialização dos no-

vos membros da organização significa familiarizá-los não só com novas perspec-

tivas, mas também com novos relacionamentos, muitas vezes em detrimento de

relacionamentos antigos (MOTTA, 1979). Quando se identifica com os valores

da empresa, o trabalhador pode tomar como sua responsabilidade individual o

atendimento às metas e aos objetivos propostos e, quando não os atende, sente-se

frustrado e fracassado, entendendo como justificada as cobranças e punições que

poderá sofrer. Como exemplo desta busca por identificação aos valores da empre-

sa, a utilização da expressão “vestir a camisa” ou “suar a camisa” da organização é

frequente; além disso, cresceram atividades que reforçam a necessidade do com-

prometimento do funcionário com a organização.

Uma das metáforas utilizadas por gestores e consultores para explicar como

deveria ser o comprometimento do funcionário analisa a participação do porco e

da galinha na formação de uma empresa que produziria bacon com ovos.

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 129

P&G S.A.

Certa vez, em uma fazenda, um porco e uma galinha discutiam sobre as mazelas

que assolam a humanidade. Depois de muita conversa, chegaram à conclusão de que

o grande problema que assolava o mundo era a fome. Para solucionar o problema

decidiram que iriam formar uma corporação para fornecer algo que contribuísse

para acabar com o grande mal. No entanto, os dois animais se deram conta de que

não sabiam fazer muita coisa e de que era preciso que o produto da empresa fosse

algo que agregasse o trabalho dos dois. Pensando no assunto, decidiram que iriam

produzir bacon com ovos.

Após prepararem toda a papelada e assinarem os contratos para o surgimento

da Porco e Galinha S.A. (P&G), partiram para a produção.

A galinha logo em seguida começou a atividade: sentou-se e após alguns minu-

tos pôs quatro ovos. O porco, que não queria fazer feio, logo disse:

– Vou até a sala ao lado produzir a minha parte.

Já passava meia hora e o porco não voltava. A galinha então foi ver o que acon-

tecia, pois esperava mais agilidade no trabalho do porco para que seu empreendi-

mento desse certo. Chegando lá, ela encontra o porco morto e um bilhete: "Colega,

creio que você conseguirá fazer pelo menos 15 quilos de bacon, assim podemos

começar nosso negócio! Adeus. Assinado Porco"

Moral da história: A galinha se envolveu enquanto o porco se comprometeu. En-

volvimento é oferecer aquilo que está dentro de nossos limites, comprometimento é ir

além dos limites, implicando inclusive sacrifícios de outras esferas da vida.

Tanto no “vestir a camisa” quanto na metáfora do café da manhã são reforça-

dos valores que requerem dos funcionários mais do que dedicação e participação,

sua vinculação com a organização deve ser algo profundo e que represente fisica-

mente seu engajamento nas atividades das quais participa. Esse tipo de discurso

busca transferir o controle para uma dimensão interna do trabalhador, ou seja:

ao se sentir responsável pelo desempenho da organização, se esta não alcança os

objetivos estabelecidos o próprio trabalhador vincula o resultado à sua atuação,

aumentando a cobrança sobre sua produção para assegurar a continuidade da em-

presa. A vida particular e a vida organizacional imbricam-se de tal forma que o

indivíduo sente que sua felicidade depende da perenidade e desenvolvimento da

organização à qual está vinculado.

Funcionários que foram exemplo para a organização trabalhando além do re-

querido ou que contribuíram com alguma inovação revolucionária, jingles e mas-

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130 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

cotes que contribuíram para o sucesso da organização são invocados como referên-

cia do que se espera na atuação dos funcionários atuais.

Nesse sentido, a forma mais contemporânea de controle organizacional, mais

adequada às necessidades de flexibilidade e descentralização do que aquela vi-

gente na sociedade disciplinar7 é cada vez mais baseada na tentativa de gestão

dos aspectos simbólicos e da visão de mundo dos trabalhadores, tentando fazê-los

compartilhar dos valores culturais da empresa. Assim, o controle é internalizado

pelos funcionários que passam a reproduzir o discurso da empresa e a se cobrarem

pelo atingimento dos objetivos estabelecidos.

Um exemplo da utilização da cultura organizacional no exercício do controle

é a justificação da escuta telefônica nos atendimentos de call center em defesa do

valor da qualidade no atendimento. Embora o valor da qualidade do atendimento

possa ser compartilhado por uma parte significativa dos membros de uma empresa

de call center, a escuta se constitui de um poderoso instrumento de controle dos

supervisores sobre o trabalho dos atendentes.

No período fordista do capitalismo, sobre a ação e os corpos dos sujeitos

exerciam-se dispositivos de dominação disciplinar como a vigilância hierárquica,

as sanções, o controle do tempo, o registro dos conhecimentos (FOUCAULT,

1993). Hoje cada vez mais as empresas contam com o engajamento subjetivo

do trabalhador no controle de seu trabalho e de suas metas (ZARIFIAN, 2003),

pois nas modalidades contemporâneas de organização do trabalho se reduziram as

instâncias de supervisão e controle externo. O controle é cada vez internalizado

individualmente na forma de autocontrole, ao mesmo tempo em que é de curto

prazo, ilimitado e contínuo (DELEUZE, 1992). Pode-se dizer que o controle uti-

liza atualmente mais dos dispositivos de recompensa do que de punição.

O estímulo ao engajamento do trabalhador aos propósitos da produtividade

do trabalho de forma flexível, empreendedora e autogerenciada pode ser perce-

bido tanto nos discursos empresariais, amplamente divulgados pelas organizações

e pela mídia, forjando o que Barbosa (2002) denomina cultura empresarial, quan-

to pela adoção cada vez mais frequente de modalidades de controle da produtivi-

dade do trabalho por metas ou por objetivos. Zarifian (2002) propõe chamar esse

7 Sociedade disciplinar remete à teoria de Michel Foucault sobre os dispositivos disciplinares surgidos no século XVII que contribuíram para a docilização e controle dos corpos atrelados a determinados espaços tais como a prisão, a fábrica e a escola, cujo principal instrumento era a vigilância dos corpos. Esta imposição de controle sobre os corpos teria produzido o que denominamos força de trabalho (FOUCAULT, 1993). A organização científica do trabalho, proposta por Taylor, aprofunda as técni-cas disciplinares na fábrica.

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Controle organizacional no processo capitalista de produção 131

fenômeno de controle de controle do engajamento, cujas principais características

são a prestação de contas regular e o isolamento dos assalariados; entretanto é

raramente absoluto, por causa da utilização do computador e da segmentação do

acesso à informação (nem todos têm acesso a todas as partes do sistema e a todos

os programas com os quais a empresa opera).8

Enquanto algumas análises apontam as vantagens das novas modalidades flexí-

veis de organização do trabalho em termos de conquista de maior liberdade e au-

tonomia por parte do trabalhador, quando comparadas às modalidades tayloristas

e fordistas de organização e controle, outras correntes apontam o deslocamento

do controle para o âmbito individual, atrelando o esforço de cada trabalhador ao

atingimento dos resultados da empresa. Além disso, alguns autores afirmam que,

em alguma medida e em algumas funções e setores específicos, o controle centrali-

zado sobreviveria por meio da utilização das tecnologias da informação e de gestão

no controle a distância (SILVA, 2002).

As relações de poder e controle são frutos de uma correlação dinâmica de

forças, onde dominação, resistência, consentimento e consenso se associam de ma-

neiras variadas. Além do mais, embora as organizações utilizem elementos da cul-

tura como forma de intensificar o controle disciplinar atualmente a necessidade

de flexibilização do trabalho e descentralização do poder afetam o exercício do

controle, tornado-o mais individualizado e mais difuso. Por sua vez, a resistência

ao controle no trabalho torna-se mais fragmentada e individualizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o princípio da industrialização, o controle se desenvolve sob duas óticas.

Por parte dos empresários, defendidos pelos autores da vertente gerencialista, é

um jeito de acompanhar melhor o modo de produção assegurando o cumprimen-

to dos objetivos organizacionais (quantidade, qualidade e custos). Para os autores

críticos, que analisam as mudanças organizacionais tomando por base o trabalha-

dor, a liberdade oferecida para trocar seu trabalho por moeda representou um

meio de estabelecer uma relação em que predomina a exploração e a alienação.

Muitas foram as lutas dos operários contra a mecanização do trabalho e a apropria-

8 O autor aponta a face emancipadora da concepção de engajamento, na medida em que o trabalha-dor é cada vez mais levado a ter iniciativa, a decidir sobre sua ação, sobre a organização do tempo e, algumas vezes, do espaço de trabalho.

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132 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ção dos seus saberes, onde cada mudança representava insegurança e temor para

grande maioria da população. O trabalho, que sob diversos enfoques foi apontado

como base potencial da liberdade humana e do reconhecimento social, tornou-se

externo aos indivíduos, sob o domínio das grandes corporações.

A organização do trabalho no modo de produção capitalista pode ser entendi-

da como a manifestação concreta de como o capital atinge o seu objetivo de valo-

rização pela dominação da força de trabalho que, por não possuir o controle dos

meios de produção, oferece seu trabalho e submete-se ao assalariamento. Desde

que o processo de trabalho passou a ser controlado pela fábrica, o trabalho huma-

no passou a ser apreendido apenas como mais uma “ferramenta” necessária para

transformação da matéria-prima em produto. Nesta definição de organização do

trabalho predomina a alienação do trabalhador, uma vez que este fica totalmente

afastado da concepção e do planejamento das tarefas, restringindo-se apenas à sua

execução (MARX, 1984).

A constituição das organizacões como um espaço legítimo de relações repre-

senta a afirmação do capital sobre o trabalho. Desde então foram desenvolvidas

diferentes formas de controle para acompanhar, coordenar e doutrinar os homens.

As formas de controle, inicialmente externas, permitiam ao indivíduo manifestar-

-se, mostrar sua força como constituinte de um grupo, como ser social. Mas as es-

tratégias de controle sobre o trabalho e as de disciplinamento social atualizam-se,

revigoram-se e passam do exterior para o interior dos indivíduos. A aproximação

dos valores, as manipulações simbólicas tomam os trabalhadores individualizados

e fragmentados, dificultando a constituição de uma identidade coletiva assentada

no trabalho assalariado.

As organizações, levadas pela racionalidade instrumental e pelas categorias

econômicas cada vez mais rigidamente estabelecidas, consideram recursos as pes-

soas que as integram, isto é, “ferramentas” cujo rendimento deve ser satisfatório,

do mesmo modo que os equipamentos e a matéria-prima utilizados. A principal

causa da inversão dessa primazia das organizações sobre o homem pode ser atri-

buída, então, à subordinação do trabalho ao universo dos obje tos-mercadorias e à

racionalidade econômica (CHANLAT, 1994).

Nas ditas organizações flexíveis, o controle burocrático, exercido por meio de

regras, procedimentos, divisão formal do trabalho, hierarquia e estrutura formal

da organização, cede espaço para controles mais sutis, que têm por base a identifi-

cação. A busca pela vinculação do indivíduo à organização permite mantê-lo inte-

gralmente dedicado, fazendo os objetivos da organização tornarem-se os seus.

Page 146: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Controle organizacional no processo capitalista de produção 133

Ressalta-se que as organizações contemporâneas comumente utilizam um mix

articulado de modelos, articulando aqueles mais burocráticos, com base em nor-

mas, hierarquias e divisão do trabalho, e aqueles mais normativos, utilizando-

-se de símbolos para influenciar a visão do mundo dos sujeitos, aproximando-os

da organização, amenizando a atuação direta da burocracia. A tecnologia tem-se

apresentado como uma importante forma de supervisão nas organizações con-

temporâneas, sobretudo a tecnologia da informação. Ao vincular-se às normas da

organização, tal sistema de controle torna mais difícil ao trabalhador ultrapassar as

regras embutidas na tecnologia (SILVA, 2002).

Ainda que o controle seja uma das funções elementares do processo adminis-

trativo como meio de acompanhamento e garantia da realização das atividades, é

necessário reconhecer que os diferentes modos e técnicas empregados ao longo do

tempo, assim como reduziram a incerteza eliminaram paulatinamente o espaço

de criatividade e ação dos trabalhadores nas organizações. Para os trabalhadores,

o aprimoramento dos mecanismos de controle representou a alienação, no que se

refere à sua relação com o processo de trabalho e à perda de autonomia, com rela-

ção à organização do tempo e do espaço não produtivos da vida em detrimento da

extrema vinculação com as organizações. O comprometimento com a organização

tem sido um dos elementos centrais das atuais políticas de recursos humanos que

buscam aprofundar os meios de fazer os objetivos individuais estarem de acordo

com os da empresa, reforçando o atrelamento do trabalhador à esfera laboral. Para

os gestores, ainda que num primeiro momento pareça ser vantajoso o controle má-

ximo sobre a atividade laboral, deve ser destacado que este pode ter como resulta-

do a redução da criatividade, problemas de saúde física e psíquica para o trabalha-

dor e dificuldades de relacionamento dentro e fora da empresa, consequências que

podem ser tão negativas quanto a incerteza da perenidade da organização.

Assim, ainda que o controle seja importante para o acompanhamento das ati-

vidades e atingimento dos objetivos estabelecidos pelos representantes da orga-

nização, é necessário levar em conta as consequências que esse controle pode ter

para o trabalhador e para a sociedade.

Page 147: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 8

Os grupos nas organizações

DANIELE DOS SANTOS FONTOURA

FRANCIS MORAES DE ALMEIDA

NILSON VARELLA RÜBENICH

As experiências da vida social ocorrem sempre em grupos: família,

classe social, amigos, o que se reproduz nas organizações, nas quais

se constituem equipes de trabalho e os grupos sindicais, entre outros

(SAÏD, 1977). A influência dos grupos é crucial tanto em nível pessoal quanto

organizacional. Os conceitos desenvolvidos e o modo de agir, de se comportar,

desde decisões corriqueiras a manifestações extremas, têm origem nos grupos

a que pertencemos e são por eles moldadas (SCURO NETO, 2004). Daí a

importância do estudo dos grupos no contexto organizacional, pois, conforme

salienta Soto (2005), os grupos têm poder e podem modificar comportamen-

tos individuais.

As mudanças a que estão expostas as organizações fazem as novas formas de

gestão serem desenvolvidas e implementadas. Em um contexto empresarial com-

petitivo, de recursos escassos, centrado na especialização, o trabalho em grupo

aparece como uma alternativa para a gestão de pessoas a fim de contribuir para a

sobrevivência da organização (CASADO, 2002).

No Brasil, as discussões sobre grupos nas organizações ganham destaque a par-

tir da introdução dos pressupostos do modelo toyotista de produção e do lean

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136 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

production, focados no trabalho em grupos e se contrapondo ao funcionamento

taylorista/fordista de divisão do trabalho.

Casado (2002) observa que uma das principais características do profissional

do futuro é a habilidade de trabalhar em grupos (ou times) em virtude do advento

de modelos de organização mais integrados, nos quais informação e resultados são

compartilhados pelos membros dos grupos de trabalho.

Assim,, constata-se a relevância do estudo sobre grupos para aprofundar o

conhecimento de seu funcionamento no interior das organizações. Sendo assim,

este capítulo tem como objetivo analisar o que são grupos e qual a sua importância

para as organizações, bem como avaliar os diferentes tipos de grupos presentes no

contexto organizacional.

1. GRUPOS: ENTENDENDO CONCEITOS

Para Lapassade (1977) um grupo é constituído de um conjunto de pessoas que

se relacionam umas com as outras e que se uniram por motivos que podem ser fa-

miliares, culturais, profissionais, políticos ou esportivos, todos funcionando confor-

me processos que lhes são comuns por intermédio de leis e normas próprias. Soto

(2005) salienta que ter um objetivo em comum é essencial, caso contrário o grupo

não nasce ou desaparece. Portanto, sem finalidade, sem objetivos, não há grupo.

Em Sociologia, o conceito “grupo” implica mais que simplesmente um agrega-

do de indivíduos. Os elementos adicionais envolvidos são: (1) estrutura – intera-

ção padronizada em termos de status e papéis; (2) história – alguma frequência e

regularidade de interação ao longo do tempo; (3) interdependência – algum grau

de confiabilidade mútua entre os membros por recursos materiais ou imateriais

necessários ou valiosos; (4) identidade comum – arraigada em meios, valores, ex-

periência e objetivos compartilhados (SHOTOLA, 2000). Assim, o conceito de

grupo social é diferente de classe social, pois na última, apesar de as pessoas que a

compõe compartilharem elementos estruturais (status), história e interdependên-

cia, elas não possuem, necessariamente, identidade comum, elemento fundamen-

tal para a qualificação de um grupo como tal.1

1 Neste sentido deve-se lembrar a distinção marxista entre classe em si e classe para si. Na classe em si não há identificação entre os membros, diferentemente do que ocorre nos grupos sociais, enquanto a classe para si implica a consciência por parte dos membros do pertencimento a uma classe deter-minada, permitindo qualificá-la como um grupo social, embora de tipo específico (por exemplo, a classe dos metalúrgicos).

Page 149: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Os grupos nas organizações 137

A Sociologia norte-americana dedicada ao estudo de grupos considera, a partir

da obra de Cooley (1909), a existência de dois tipos principais de grupos. Nos

grupos primários as normas, os papéis e os status são conhecidos e aceitos por to-

dos, apesar de não serem especificados por escrito. A interação social gera laços

emocionais fortes, e suas relações se estendem por longos períodos e perpassam

uma ampla gama de atividades. O exemplo mais tradicional de grupo primário

é a família. Já os grupos secundários são maiores e mais impessoais, gerando laços

emocionais mais fracos, de menor duração e com uma gama menor de atividades

envolvidas. Os membros desse tipo de grupo se conhecem de maneira mais super-

ficial. Um exemplo deste tipo de grupo pode ser, justamente, os grupos formados

nas organizações.

A classificação proposta por Cooley (1909) guarda fortes semelhanças com

a Sociologia francesa, especialmente em sua matriz durkheimiana. Segundo esta

orientação teórica, pode-se afirmar que a densidade moral é mais pronunciada nos

grupos primários, implicando maior pressão da consciência coletiva para a coesão

social, levando os membros desse tipo de grupo a uma maior homogeneidade de

crenças e comportamentos. Os grupos primários são mais expressivos em socie-

dades que apresentam o predomínio da solidariedade mecânica, dando lugar aos

grupos secundários na medida em que a complexificação social redunda na cons-

tituição de grupos societários com o predomínio da solidariedade orgânica. Em

síntese, deve-se ter em mente que o debate sobre os grupos nas organizações, bem

como a discussão contemporânea sobre grupos sociais, está fortemente calcado na

Sociologia clássica.

Nas organizações, quanto à formalização, os grupos são classificados em for-

mais e informais. Os grupos formais são aqueles formados por decisão das or-

ganizações às quais estão vinculados (empresas, governo, escolas). Exemplos de

grupos formais podem ser uma turma de faculdade, na qual os alunos são classi-

ficados conforme critérios da universidade ou um departamento de determinada

empresa, na qual os funcionários são selecionados pela organização conforme

sua política de seleção de pessoal. Já os grupos informais são conjuntos de pesso-

as que se formam de maneira espontânea e conforme a afinidade dos membros.

É o caso dos grupos de amigos que podem ser formados dentro de uma turma

universitária ou mesmo entre membros de um departamento da organização.

Os dois grupos são distintos entre si, os grupos informais nascendo da proximi-

dade física, da semelhança social, dos interesses comuns ou problemas similares

compartilhados por seus membros. Já os grupos formais são definidos pela or-

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138 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ganização conforme seus objetivos, e são institucionalizados pela sua estrutura

(MAXIMIANO, 2006).

Na seção seguinte serão discutidos aspectos referentes ao início das dis-

cussões sobre grupos nos estudos organizacionais. Também serão apresentadas

questões sobre o funcionamento dos grupos no interior das organizações. Serão

aprofundados os conceitos de grupos formais e informais, bem como apresentados

como podem funcionar nas organizações.

2. OS GRUPOS E AS ORGANIZAÇÕES

2.1 Os primeiros estudos sobre os grupos nas organizações

Os primeiros estudos da Administração como ciência, especialmente os de

Taylor (1995), encaravam o homem como uma unidade isolada, cuja eficiência

dependia de fatores como: a) eliminação de movimentos dispendiosos e inefi-

cientes na execução do trabalho; b) fadiga; c) deficiências do ambiente físico; d)

motivações individuais.

No modelo de organização do trabalho taylorista-fordista o trabalho é dividido

entre os trabalhadores de modo que cada um cumpra exclusiva e exaustivamente

a tarefa que lhe foi designada. Há uma rígida divisão entre o pensar e o executar a

tarefa. Apesar de o resultado do trabalho ser alcançado pela soma dos esforços

de cada trabalhador, a tarefa é realizada individualmente e o objetivo de cada

trabalhador é, igualmente, individual, ou seja, a remuneração, não importando e

inclusive evitando-se interações entre os trabalhadores.

Posteriormente, experiências científicas realizadas na década de 1930 fizeram

essa visão do homem como indivíduo isolado ser questionada. Uma delas foi o expe-

rimento de Elton Mayo, no bairro Hawthorne, em Chicago, que demonstrou que a

organização técnica do trabalho não deve ser dissociada da humana. Conforme Ho-

mans (1975), a pesquisa coordenada por Mayo e desenvolvida na Western Eletric,

que tinha como objetivo verificar a influência da luminosidade na produtividade,

acabou contribuindo para o estudo sobre os grupos. Os pesquisadores identificaram

um tipo de comportamento segundo o qual os trabalhadores se agrupavam infor-

malmente a fim de se protegerem contra práticas que consideravam uma ameaça

ao seu bem-estar. Esse comportamento manifestou-se em: a) produção controlada

– havia um padrão de produção por dia considerado ideal e que não era ultrapassa-

Page 151: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Os grupos nas organizações 139

do por nenhum dos membros do grupo; b) práticas não formalizadas pelas quais os

que excediam a produção diária podiam ser punidos; c) expressões que deixavam

transparecer que o sistema de pagamento por produção em grupo não estava dando

resultados satisfatórios; d) coordenação informal por parte de indivíduos que se de-

dicavam a manter unidos os grupos de operários e a fazer esses grupos seguirem as

regras de conduta; e) preocupações fúteis relativas a promoções; f) contentamentos

e descontentamentos exagerados em relação a superiores imediatos.

Ferreira (2001) destaca que outro importante efeito da experiência de Mayo

centra-se no grupo como fator de socialização e cooperação dentro da organiza-

ção. As organizações, ao se basearem numa lógica estritamente racional, criam um

conjunto de estruturas formais com a finalidade de padronizar o comportamen-

to humano. Da mesma maneira, os membros dos grupos informais desenvolvem

também uma estrutura informal que lhes permite sobreviver na organização. Para

Lapassade (1977), foram as relações nesse grupo informal que persistiram em

meio às mudanças na estrutura formal, desempenhando um papel positivo e re-

presentando um fator de rendimento.

Para Homans (1975), uma das conclusões mais importantes das pesquisas de

Mayo é a de que grupos estão continuamente se formando entre operários indus-

triais e que esses grupos criam códigos e lealdades que governam as relações entre

seus membros.

O estudo de Brym et alii (2006) corrobora as conclusões de Homans (1975)

de que os grupos criam códigos e lealdades que influenciam as interações. Ao

investigarem o porquê de indivíduos pertencentes a grupos submeterem-se a co-

mandos perversos e seguirem instruções extremadas que vão, inclusive, contra a

vida de seus semelhantes, desenvolvendo as três explicações seguintes.

Normas de solidariedade exigem conformidade. Nas relações sociais desen-

volvem-se ideias compartilhadas – as normas de solidariedade – sobre como deve

ser o comportamento para a manutenção de tais relacionamentos. Tendo em vis-

ta que essas relações são emocionalmente importantes para o indivíduo, pode-se

prestar mais atenção a essas normas que à moralidade de nossas atitudes. Essa seria

uma das justificativas do porquê indivíduos cometem atrocidades: querer manter

a moral, a solidariedade e a lealdade do grupo.

Estruturas de autoridade tendem a tornar as pessoas obedientes. A maioria

das pessoas tem receio de contrariar chefias por temer a ridicularização, o ostra-

cismo e as punições de modo geral. Assim, quando colocado em uma estrutura de

autoridade, o indivíduo tende a obedecer àqueles que detêm o poder.

Page 152: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

140 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Burocracias são estruturas de autoridade altamente eficientes. Burocracias

são organizações grandes e impessoais, nas quais há muitas posições definidas

e distribuídas em uma hierarquia. Uma burocracia possui regras e procedi-

mentos claros e por escrito. Cada membro sabe o que deve fazer, embora

por vezes desconheça o produto final da organização. Os autores citam como

exemplo a organização nazista que tinha como objetivo exterminar os judeus

durante a Segunda Guerra Mundial. Para alcançar o objetivo, os que faziam

parte da organização tinham pequenas tarefas bem definidas, cada qual exe-

cutando apenas aquelas de sua responsabilidade. Assim, poucos se envolviam

diretamente com a morte dos judeus e a maioria desconhecia como o processo

terminava.

Mais recentemente, a partir da década de 1970, com o declínio do modelo de

produção e consumo em massa no mundo, ganha espaço o modelo de produção

japonês ou toyotismo. Trata-se do surgimento da produção flexível ou especiali-

zação flexível, caracterizada pelo trabalho em pequenos grupos compostos de em-

pregados profissionalizados, utilizando técnicas de produção inovadoras e novas

formas de tecnologia (GIDDENS, 2005).

No Brasil, a introdução do trabalho em grupos torna-se mais presente a

partir do final da década de 1980, quando há a introdução de pressupostos da

especialização flexível, ao lado de um contexto de redemocratização e abertu-

ra da economia. O trabalho em grupo pode significar, também, conferir maior

poder aos trabalhadores; além do mais, o trabalho em grupos formais tende

a possibilitar o surgimento de grupos informais, favorecendo, assim, o surgi-

mento de reivindicações, o que não era bem-visto em um cenário de ditadura

militar.

Neves e Ferreira (2001), por sua vez, salientam que as interdependências e

complementaridades das relações interpessoais e intergrupais estão, inevitavel-

mente, imbuídas de antagonismos e diversidade de interesses, de objetivos e de

estratégias. Segundo esses autores, as relações intergrupais são a fonte do conflito,

das divergências, dos antagonismos de incidência coletiva que se manifestam na

organização (departamentos, estruturas, tarefas e funções) e que remetem, muitas

vezes, para o exercício do poder nas organizações.

É importante salientar que as relações intergrupais podem ser tanto fonte de

conflitos e competição quanto de cooperação e colaboração entre os integrantes

dos grupos. Tal fato dependerá da convergência ou divergência dos objetivos e da

percepção da realidade desses grupos (SCURO NETO, 2004).

Page 153: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Os grupos nas organizações 141

A seguir, serão apresentadas as características desses grupos e como são suas

inter-relações no contexto organizacional, distinguindo entre grupos formais e

grupos informais.

2.2. Grupos formais

Os grupos formais são aqueles que contam com uma aprovação oficial e foram

organizados por uma autoridade administrativa com o propósito de atender as me-

tas da organização (SOTO, 2005). Pode-se dizer que o grupo formal por excelên-

cia são as organizações, principalmente aquelas denominadas por Max Weber bu-

rocracias. Também podem ser classificados como grupos formais os trabalhadores

de um mesmo departamento de uma organização ou outros grupos de indivíduos

designados oficialmente com o propósito de alcançar determinado objetivo.

Motta e Pereira (1986) salientam que o modo mais utilizado para tornar o

comportamento dos funcionários previsível é a formalização das relações de cada

indivíduo e cada departamento com outros indivíduos e departamentos da orga-

nização. Essa formalização se manifesta pela definição, geralmente por escrito, de

inúmeras normas organizadas como regulamentos, regimentos e estatutos.

A organização é composta de diversos grupos formais e informais. Tais grupos

formais são constituídos com objetivos específicos e regidos por normas e proce-

dimentos, porém seus membros desfrutam de certo grau de autonomia. Serão ci-

tados a seguir alguns exemplos de grupos formais designados e institucionalizados

pela administração, que tiveram destaque no contexto organizacional nas últimas

décadas. Mais do que dar ênfase para um ou outro modelo de trabalho em grupo,

pretende-se ressaltar a mudança ocorrida na organização do trabalho a partir de

sua adoção.

2.2.1. Círculos de controle de qualidade (CCQs)

Os CCQs expandiram-se no Japão no início da década de 1960 como par-

te do Sistema de Controle da Qualidade implantado nas empresas daquele país,

destinados à mobilização de recursos humanos para melhoria da qualidade e pro-

dutividade. Durante as décadas de 1970, 1980 e 1990 os CCQs começaram a ser

adotados por empresas de diversos países, inclusive na América Latina. No Brasil,

Page 154: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

142 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

a implantação dos CCQs é considerada uma reação à crise econômica e às mudan-

ças sociais pelas quais passava o país com a redemocratização política (FERRO;

GRANDE, 1997). Tais programas ganharam popularidade ao redor do mundo

por serem considerados responsáveis pelo crescimento da economia japonesa que

transformou o país em potência econômica depois da devastação sofrida pela Se-

gunda Guerra Mundial (GUIMARÃES, 2006a).

Conforme Ferro e Grande (1997), o CCQ é um pequeno grupo de 5 a 12

trabalhadores que se reúne voluntariamente e com regularidade para identificar,

analisar e propor soluções para problemas de qualidade e de produção. Podem ser

formados por membros do mesmo departamento e mesmo nível hierárquico ou

por departamentos e níveis hierárquicos distintos.

Os CCQs são criados por iniciativa da empresa e se constituem de pequenos

grupos de determinada área de atividade da organização. Há, geralmente, a pre-

sença de um supervisor e de um animador, responsáveis pelo treinamento e pela

coordenação das atividades do grupo, além da comunicação entre os membros

e a gerência. Apesar de surgir por iniciativa da empresa, os membros reúnem-se

voluntariamente fora do horário de trabalho e funcionam como instrumento para

a solução de problemas da produção, tais como qualidade e produtividade (GUI-

MARÃES, 2006a).

Guimarães (2006a) ressalta que o objetivo primeiro dos CCQs está relaciona-

do com a produção; já os benefícios aos trabalhadores seriam secundários, como a

satisfação e o orgulho de fazerem parte do grupo. É importante salientar, também,

que a implantação e o modelo de funcionamento não acontecem da mesma ma-

neira em todas as organizações, podendo haver adaptações conforme as necessida-

des da organização (FERRO; GRANDE, 1997).

2.2.2 Grupos semiautônomos

Os grupos semiautônomos (GSA) tiveram origem na década de 1970 na plan-

ta da Volvo em Kalmar (Suécia), influenciados pelos pressupostos da escola socio-

técnica e tendo como objetivo atingir as metas empresariais (MARX, 1992). Tal

modelo ficou conhecido como volvoísmo ou volvismo. Em 1974 a fábrica realizou

uma experiência considerada pioneira na inovação da organização do trabalho,

manifestando-se, inclusive, no design arquitetônico com o objetivo de facilitar o

trabalho em grupo. Este formato de funcionamento vigorou até 1977, quando a

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Os grupos nas organizações 143

organização do trabalho passou por um processo de racionalização. Exemplo mais

recente e completo do modelo sueco ocorreu, anos mais tarde, em 1989, em outra

planta da Volvo, em Uddevalla, quando o trabalho foi concebido em grupos de

trabalhadores autônomos, altamente qualificados e com participação no planeja-

mento da produção (GUIMARÃES, 2006b).

Os GSA são constituídos de um conjunto de aproximadamente 10 indivíduos

que executam cooperativamente suas tarefas sem prévia definição de funções para

os membros, responsabilizando-se pela montagem e pelo teste de um produto em

sua totalidade (MARX, 1992). Não tem acesso a decisões relativas a equipamen-

tos, programas, investimentos ou finanças, suas decisões restringem-se às tarefas

a serem executadas. Nesse tipo de organização do trabalho, o grupo escolhe um

porta-voz que será o elo entre o grupo e a supervisão. É um sistema que incentiva

a participação dos empregados no processo produtivo, no entanto, a autonomia do

grupo restringe-se a aspectos referentes à tarefa: divisão local do trabalho, ritmo,

rodízio etc. É interessante salientar que o inter-relacionamento tem como base

as relações de trabalho e não os laços de amizade (FARIA, 2004), ou seja, é um

exemplo de grupo formal.

Essa experiência do trabalho em grupos semiautônomos do modelo volvoísta

é apontada por Guimarães (2006b) como tendo colocado em prática um mode-

lo de organização do trabalho que representaria a morte da linha de montagem,

além de uma referência em termos de qualidade e alta produtividade dos carros

produzidos.

2.3 Grupos informais

Mesmo em organizações formais – escolas, Igreja, Forças Armadas, empresas

privadas ou burocracias estatais –, os grupos informais agem seguindo normas

também informais visando alcançar seus objetivos. Para Scuro Neto (2004) os

grupos informais tornam-se agentes mediadores de um processo consciente de

manipulação do comportamento individual dentro da organização. Além disso,

conforme este autor, os grupos informais:

a) desafiam e superam as premissas do processo de socialização a que os

indivíduos estiveram expostos anteriormente; b) fazem da competição in-

terna o principal fator para motivar comportamentos; c) avaliam o com-

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144 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

portamento individual em termos de sua relevância para os objetivos do

grupo; d) premiam e castigam tendo em vista as consequências para o

grupo; e) progressivamente transformam todos os procedimentos de re-

crutamento, avaliação de desempenho e exclusão em métodos de controle

social, sujeitos ao reconhecimento e à crítica do coletivo, ao qual todos os

indivíduos devem submeter-se e prestar contas (p. 237).

Por mais formalizada que seja uma organização, por mais previstas e regula-

mentadas que sejam as normas, sempre há uma série de fenômenos e processos

que escapam à organização formal e constituem os grupos informais. Para Motta

e Pereira (1986) os grupos informais contemplam todas as relações, todas as nor-

mas, todos os valores e crenças não estabelecidos na organização formal e todo

comportamento correspondente que não foi previsto pela organização. Assim, to-

das as relações sociais que não estavam previstas em normas, regulamentos ou or-

ganogramas constituem as chamadas relações informais. Algumas dessas relações

verificam-se em determinado grupo de indivíduos e na medida em que se repetem

surgem os grupos informais. Como regra geral pode-se concluir que: quanto mais

o trabalho facilitar interações entre os indivíduos, quanto mais próximos fisica-

mente estiveram entre si e quanto mais predominante for o caráter de cooperação

e não o de competição, mais propenso estará o ambiente para o surgimento de

grupos informais (MOTTA e PEREIRA, 1986).

Ainda, para estes autores, o grupo informal é um mecanismo social pelo qual

seus membros procuram atender suas necessidades. Citam, ainda, as funções de-

sempenhadas por esses grupos: a) proteger os membros contra interferências do

exterior; b) tornar o comportamento dos companheiros adequado; c) diminuir

a monotonia e a fadiga; d) satisfazer as necessidades de status; e) atender às ne-

cessidades de amizade, comunicação e aprovação e f) opor-se à ameaça de des-

personalização. É interessante ressaltar que a formação dos grupos para suprir as

necessidades descritas anteriormente acontece de modo inconsciente. Tais grupos

podem apresentar-se em diferentes tamanhos, graus de coesão e homogeneidade.

Sempre que por algum motivo esses grupos forem impedidos de se formarem, a

tendência é o aumento do absenteísmo, da rotatividade de empregados e outros

fenômenos semelhantes (MOTTA e PEREIRA, 1986).

No tocante aos reflexos do grupo informal sobre a organização formal, estes

podem ser tanto positivos quanto negativos. Motta e Pereira (1986) destacam a

importância desses grupos no processo de comunicação interna, principalmente

Page 157: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Os grupos nas organizações 145

a horizontal, e salientam que muitas novas ideias tiveram origem em conversas

nesses grupos. Entretanto, nem sempre os grupos informais são benéficos para

a organização. Exemplo marcante é quando as normas informais vêm contrariar

os objetivos da organização como no caso constatado por Mayo em seu estudo:

quando o nível de produção diário era controlado pelos trabalhadores, nenhum

membro do grupo informal poderia ultrapassá-lo.

2.4 Grupos e equipes

Apesar de alguns autores os considerarem sinônimos, nas discussões sobre os

grupos, especialmente na linguagem de negócios, têm sido utilizados também os ter-

mos “equipe” ou “time” para referir-se a grupos de trabalho formais, fazendo alu-

são aos termos utilizados na linguagem esportiva. O uso dos termos também não

é consenso entre os diversos autores.

Para Biehl (2003) um conjunto de pessoas trabalhando juntas em uma sala

constitui um grupo. Porém, para ser uma equipe de trabalho o relacionamento

entre seus integrantes deve ser composto por atitudes proativas e cooperativas.

Destaca, ainda, que a primeira etapa para que um grupo se constitua equipe de

trabalho é seus membros serem capazes de se autoavaliarem para, assim, terem

ciência do impacto das suas ações no ambiente de trabalho, diminuindo as pos-

síveis dissonâncias entre atitudes e comportamentos do indivíduo em relação às

necessidades do grupo e da organização. Sugere, para tanto, que a empresa se

utilize da aprendizagem vivencial, dos diálogos abertos e dos feedbacks 360º. O

nível de entrosamento no grupo é mais superficial, apesar dos objetivos e metas

serem comuns aos da equipe.

Além de estabelecer uma distinção entre grupo e equipe, Casado (2002) clas-

sifica as interações formais dos indivíduos nas organizações como grupo, equipe

e time. Para essa autora, o grupo prioriza as relações afetivas entre os membros,

enquanto uma equipe volta-se, primeiramente, para o resultado. Já o time reúne

aspectos emocionais valorizados nos grupos com a noção de responsabilidade pelo

resultado presente no conceito de equipe. Assim, o grupo seria formado por um

conjunto de pessoas que compartilham valores, crenças e visões semelhantes de

mundo e que apresentam uma identidade em comum. Já a equipe é o conjunto

de pessoas que partilham um objetivo comum, clara e explicitamente formula-

do. Seus membros costumam ter clareza das divisões de responsabilidade e cada

Page 158: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

146 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

um usa suas habilidades para alcançar este objetivo comum. Time, por sua vez,

seria um conjunto de pessoas com habilidades e potencialidades peculiares em

busca de um objetivo comum. Os indivíduos pertencentes a times compartilham

valores, buscam resultados comuns e têm alto grau de comprometimento com o

trabalho.

Sacomano Neto e Escrivão Filho (2000), tendo por base um estudo em quatro

organizações de grande porte, definem a equipe como um agrupamento de traba-

lhadores com diferentes responsabilidades funcionais, com objetivos estabelecidos,

certa autonomia decisória e multifuncionalidade dos postos de trabalho, admitin-

do, entretanto, a existência de variações na estrutura das equipes dependendo

da organização. Além disso, complementam que as equipes têm sido fortemente

utilizadas como uma peça para a flexibilização da organização, isto é, divide-se a

organização em subsistemas menores e autônomos, garantindo o alinhamento dos

objetivos entre as partes, os subsistemas, com o sistema maior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A influência dos grupos é crucial na vida dos indivíduos, tendo papel impor-

tante na transmissão de valores, crenças, normas formais e informais, além de

influenciarem o comportamento. Assim como a família e os amigos, os grupos

formados nas organizações têm fundamental importância para os trabalhadores,

bem como para os resultados a serem alcançados pelas organizações.

A preocupação com o trabalho em grupo nas organizações brasileiras é rela-

tivamente recente. É sobretudo a partir de uma série de mudanças políticas, eco-

nômicas e sociais ocorridas a partir da década de 1980 que a temática dos grupos

ganha destaque. A influência do modelo japonês de produção foi decisiva neste

processo.

Apesar de os grupos informais fazerem parte das relações no interior das orga-

nizações, foi apenas a partir do estudo de Elton Mayo que se admitiu sua existên-

cia e passou-se a considerar sua relevância. Os estudos de Mayo tiveram grande

importância para o desenvolvimento da temática sobre grupos nas organizações,

pois trouxeram à tona a necessidade de o ser humano se unir a outros indivíduos,

além de contribuírem para o entendimento do trabalho como sendo uma ativida-

de por essência coletiva, diferentemente da visão dos teóricos da Administração

Científica.

Page 159: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Os grupos nas organizações 147

Taylor (1995) manifestou-se avesso à inter-relação ente os trabalhadores como

tentativa de evitar o conflito e, embora não concebesse o assunto nestes termos,

como minimizar também o surgimento dos grupos informais, que conforme Mot-

ta e Pereira (1986) têm sua ocorrência favorecida pela proximidade física e rea-

lização conjunta de tarefas. No caso do taylorismo tanto quanto do fordismo, os

trabalhadores partilhavam não de um objetivo comum, mas do mesmo objetivo

individual: a remuneração. Sendo assim, não constituíam grupos, pelo menos não

grupos formais, mas sim aglomerados de pessoas. Por outro lado, embora Taylor

e Ford não admitissem, certamente havia a formação de grupos informais entre os

trabalhadores, estes sim com objetivos comuns, unidos por afinidades e partilhan-

do de uma identidade.

Independentemente da forma como esteja organizado o trabalho, é inevitável

o surgimento de grupos informais na organização. É importante para a adminis-

tração entender como surgem e como funcionam esses grupos, pois ignorá-los

seria omitir dados fundamentais que o administrador deve levar em consideração

(MOTTA e PEREIRA, 1986).

No entanto, a despeito da denominação dada aos arranjos de pessoas na or-

ganização, pode-se afirmar que o grupo faz parte do trabalho, não se sujeitando

apenas ao manejo estrutural do gestor ou de um nome que seja escolhido para

defini-lo, pois a coletividade acontecerá sempre, seja de forma espontânea (grupo

informal) ou integrada pela atividade (grupo formal) (BIEHL, 2003).

Lapassade (1977, p. 89) sintetiza a importância do tema afirmando que “uma

empresa é um ‘grupo de grupos’. Ela reúne equipes, escritórios e oficinas segundo

certas formas de organização”. Independentemente de esta organização ocorrer

formalmente, ou seja, por iniciativa da organização ao designar a formação de gru-

pos de trabalho, como no caso dos CCQs, ou pelo aprofundamento dos laços de

amizade e afinidades entre os membros desses grupos, formando assim os grupos

informais, a organização é formada pelo conjunto de todos estes grupos.

É provável que o trabalho em grupo (ou em equipe) possa potencializar con-

flitos e competição (NEVES e FERREIRA, 2001; SCURO NETO, 2004), porém

o grupo de trabalho e, principalmente, a equipe de trabalho por suas caracterís-

ticas de proatividade e cooperação pode representar importante vantagem para

a organização. Exemplo disso são os Círculos de Controle de Qualidade e os

Grupos Semiautônomos, que desde seu surgimento, há cerca de 50 anos, conti-

nuam sendo difundidos nas organizações de todos os continentes sob diferentes

nomes.

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148 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Tendo em vista a importância de se compreender as relações intergrupais no

seio das organizações, um tema relevante de estudos é a chamada cultura orga-

nizacional, que dá especial atenção aos grupos informais, buscando identificar as

normas informais de conduta, os hábitos, crenças, valores e preconceitos, cerimô-

nias e rituais, símbolos e outros comportamentos que acontecem dentro da organi-

zação. O objetivo principal para a gerência é conhecer possíveis “problemas” que

estejam prejudicando o desempenho organizacional (MAXIMIANO, 2006).

Uma analogia frequente, então, é comparar a organização a um iceberg. Na

parte visível estaria a organização formal, composta por objetivos, tecnologia, es-

trutura, competências e equipamentos. Já na parte submersa e invisível está a

organização informal, composta pelas normas de conduta, pelos grupos informais,

pela cultura organizacional, pelos sentimentos e clima organizacional, conflito e

cooperação, poder e política, ética e valores (MAXIMIANO, 2006).

Page 161: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 9

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade?

DANIELE DOS SANTOS FONTOURA

BETINA MAGALHÃES BITENCOURT

ANDREA POLETO OLTRAMARI

Foi por meio de manifestações estudantis na década de 1960 que a palavra

participação passou a ser conhecida e discutida em distintas esferas: tanto

na política e na economia, como na literatura acadêmica, e, inclusive, no

interior das organizações. O conceito de participação acabou sendo generalizado

para diversos contextos e, assim, tornou-se um termo utilizado para diferentes

conteúdos (PATEMAN, 1992), podendo ser entendida em um sentido amplo,

como participação na política de um país, e em contextos mais específicos, como

os sistemas participativos nas organizações.

Democracia Industrial, Administração Participativa, Gestão Participativa ou

simplesmente Participação, são diversas as nomenclaturas que remetem ao tema.

Assim como a diversidade de nomenclatura, há também diferentes sentidos para

os atores envolvidos (MOTTA, 1982). Além disso, para o entendimento do fenô-

meno da participação, devem ser levados em conta aspectos econômicos e cultu-

rais (DONADONE e GRÜN, 2001). A participação é inerente à natureza social

do homem, tendo acompanhado sua evolução desde os povos primitivos até as as-

sociações, os partidos políticos e as organizações (BORDENAVE, 1994). Segundo

Motta (1982) as formas de participação nas organizações ganharam importância

Page 162: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

150 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

em decorrência das novas configurações produtivas que forçaram mudanças nas

relações de trabalho.

Na década de 1980, no Brasil, entre as inúmeras mudanças de natureza orga-

nizacional verificou-se a procura por uma nova relação entre as empresas e seus

funcionários, o que proporcionou o desenvolvimento de formas de negociação e

integração entre empregado e empregador. Dentre essas formas surgem os cha-

mados sistemas participativos, que se difundiram nas organizações brasileiras nos

anos que se seguiram, resultando em uma diversidade de arranjos organizacionais

e entendimentos associados ao tema participação (DONADONE, 2002).

Neste capítulo dar-se-á maior destaque às formas de participação que se de-

senvolveram nas organizações e às discussões sobre a sua função, analisando se

verdadeiramente possibilitam maior autonomia aos trabalhadores ou é um meio

de cooptá-los para atender aos interesses organizacionais de maior produtividade

e aumento dos lucros.

1. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Pateman (1992) apresenta o conceito de democracia participativa lembrando

os teóricos contemporâneos da participação: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),

John Stuart Mill (1806-1873) e George Douglas Howard Cole (1889-1959). Se-

gundo a autora, Rousseau pode ser considerado o grande teórico da participação,

e sua obra O contrato social é essencial para a democracia participativa. Para Ros-

seau, a democracia deveria ser exercida de forma direta, em um sistema em que

os cidadãos executariam suas próprias leis.

Embora Rousseau tenha desenvolvido seus estudos com base na cidade-Estado

como sociedade ideal, é possível encontrar em sua teoria a base da função da par-

ticipação dos estados democráticos. Assim, a participação para ele se estabelece

na tomada de decisões, além de ter um caráter educativo e se fundamentar em

três funções: liberdade, integração e controle. Desse modo, a participação au-

menta o valor da liberdade para o indivíduo, além de integrá-lo na sociedade pela

igualdade econômica, mas mantendo, ainda, uma relação estreita com o controle

(PATEMAN, 1992). Por conseguinte, a teoria política de Rousseau forma a base

da teoria democrática participativa, a qual se complementa com as ideias de Jonh

Stuart Mill e George Douglas Howard Cole, estas últimas desenvolvidas num

sistema político moderno.

Page 163: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 151

Mill se posiciona contra o despotismo benevolente, pois vê a possibilidade

de desenvolvimento de um espírito-público de caráter “ativo” nas instituições

populares, mas ressalta que o sufrágio universal e a participação só têm sentido

quando as pessoas estão preparadas e, principalmente, possuem instrução para

tanto. Além disso, as pessoas aprendem o que é a democracia pela implantação

da teoria na prática, ou seja, participando. Já Cole acredita que a educação

se situa na indústria e não em uma elite supostamente mais preparada para

exercer a democracia, e quem possui a chave para a elaboração de um governo

verdadeiramente democrático é a indústria. É assim, portanto, que se pode

pensar a formação dos conselhos dentro das fábricas, com o objetivo de contro-

le da produção pelos próprios operários, educados para tal fim (PATEMAN,

1992).

Assim, as discussões sobre a democracia não se resumem a uma forma de go-

verno, mas também a um estado de espírito e um modo de relacionamento entre

as pessoas. É, então, um estado de participação que forma o conceito de demo-

cracia participativa (BORDENAVE, 1994). Além disso, é importante ressaltar

que a participação nas organizações pode ser considerada não só uma forma de

democratização das relações no local de trabalho, mas também um pressuposto

para a democratização da sociedade (LEITE, 1993).

2. DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO INDUSTRIAL

Do ponto de vista administrativo, a participação representa o fenômeno mais

importante do capitalismo do século XX. Isso se deve não só ao desenvolvimento

de novos estágios das forças produtivas, mas também às novas formas de equilí-

brio de forças entre a classe operária, o empresariado e a alta burocracia (MOT-

TA, 1982). A participação industrial consiste basicamente em dar oportunidades

às pessoas para que elas exerçam influência nas decisões que as afetam, ou seja,

configura-se como um caso distinto de delegação, pois o subordinado possui mais

liberdade de escolha e controle sobre as suas responsabilidades (McGREGOR,

1960). Sawtell (1968) complementa afirmando que participação é um proces-

so no qual os empregados auxiliam na tomada de decisões administrativas que

afetam o seu trabalho. Porém, nesse caso, o processo participativo é realizado de

maneira restrita, como será discutido posteriormente.

Page 164: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

152 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

2.1 Participação nas organizações: Origens

De acordo com Motta (1987), os ideais de participação se constituem de bases

do Socialismo utópico do século XIX. Em países como a Grã-Bretanha e a Fran-

ça, já na segunda metade do século XVIII surgiram os principais defensores dos

trabalhadores como Robert Owen (1771-1858), Charles Fourier (1772-1837) e

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Owen idealizava uma sociedade como uma

federação de comunidades cooperativas governadas pelos próprios produtores. No

entanto, as suas propostas revolucionárias não foram aceitas e, em 1824, foi para

os Estados Unidos, onde criou a comunidade “New Harmony”, a primeira expe-

riência de cooperativismo de que se tem notícia. Suas ideias serviram de inspiração

para o movimento cooperativista e, em 1833, foi fundada a Confederação Nacio-

nal dos Sindicatos, com o objetivo de unir toda a classe trabalhadora sob o sistema

capitalista. Contudo, houve um movimento contrário, formado por empregadores

e governo, que conseguiu destruir o sindicalismo baseado nas propostas de Owen

(MOTTA, 1987).

Charles Fourier, oriundo da classe mercantil, concentrou-se em idealizar uma

organização voltada para a agricultura. Concebia a coletivização do trabalho em

comunidades cooperativas autogeridas, denominadas “falanstérios”. Nessa orga-

nização, a maior parte da renda deveria servir para cobrir os custos sociais e de

produção, e o restante empregado na remuneração do talento, do capital e do tra-

balho, pois, para Fourier, não poderia existir liberdade enquanto existissem pes-

soas economicamente dependentes. Assim como as ideias de Owen, as propostas

de Fourier não prosperaram por falta de recursos para criação dessas comunidades

(MOTTA, 1987).

Outro ideólogo precursor das ideias participacionistas foi Pierre-Joseph Prou-

dhon, o único proletário dentre os intelectuais utópicos. Foi, também, o único a

propor um sistema completo de sociedade autogerida. Proudhon compreendia

que na sociedade ideal as empresas industriais seriam autogeridas e de propriedade

coletiva dos trabalhadores (MOTTA, 1987). Propunha uma sociedade em que o

sistema de coordenação funcionasse, em oposição ao sistema de autoridade vigen-

te. A proposta proudhoniana pode ser vista mais no discurso do que na prática, em

alguns pontos do sistema iugoslavo de participação existente na Iugoslávia antes

do seu desmembramento em Estados independentes (MOTTA, 1987).

No contexto organizacional, a origem da participação pode ser identificada na

Escola de Relações Humanas, introduzida por Elton Mayo nos Estados Unidos a

Page 165: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 153

partir de 1930. Com base em conceitos da sociologia industrial, tinha como obje-

tivos o aumento do interesse dos trabalhadores pelas suas tarefas, além da redução

dos conflitos fabris (CATTANI, 2006).

Para Oliveira (1991), na empresa democrática os trabalhadores sabem o por-

quê das mudanças técnicas no trabalho e participam da tomada de decisão quanto

à organização do trabalho e às novas tecnologias. Nesta definição, a democracia

não se limita ao aumento do grau de satisfação dos trabalhadores com as condições

de trabalho estipuladas pela gerência ou à possibilidade de dar sugestões sobre as

condições de trabalho, mas a garantia de que suas reivindicações serão acatadas

por partirem daqueles que têm conhecimento e experiência sobre as condições de

trabalho e produção. Complementa, ainda, que implica os trabalhadores poderem

sugerir a pauta de discussão, sinalizando problemas que identificam na empresa.

Do contrário, tem-se o que Santos et alii (2002) denomina “pseudoparticipação”,

situação em que os funcionários não participam dos processos decisórios e ainda

são persuadidos a aceitarem as decisões tomadas pela administração.

2.2 Participação: Definições e implicações

Bordenave (1994, p. 16) aborda a participação pela ótica do indivíduo: “A

participação é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de

realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo.”

Além disso, está relacionada com outras necessidades como interação com os de-

mais indivíduos, autoexpressão, desenvolvimento do pensamento reflexivo, prazer

de criar e recriar coisas e, ainda, valorização por parte de seus semelhantes.

A partir desta abordagem, a participação teria dois vieses: um instrumental

e outro afetivo. No primeiro, participa-se por ser mais eficaz realizar coisas ou

produzir com outros do que sozinho; e no segundo participa-se pelo fato de o ser

humano sentir prazer em fazer algo com outras pessoas (BORDENAVE, 1994).

No entanto, esses dois tipos de participação nem sempre coexistem, pois muitas

empresas adotam sistemas pseudoparticipativos buscando somente receber ideias

e sugestões de melhorias no processo produtivo e de redução dos seus custos na

produção.

Donadone (2002) destaca que o conceito de participação nas organizações

foi se modificando em virtude da existência de uma disputa entre os setores em-

presarial e sindical. Mesmo não havendo consenso em torno do tema, a partici-

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154 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

pação possibilitou a negociação entre os empregados e as empresas durante os

movimentos grevistas de 1978 no Brasil, garantindo benefícios mútuos, com o

reconhecimento por parte das empresas do sindicato como interlocutor dos tra-

balhadores e a utilização desse canal de comunicação como forma de resolver

conflitos trabalhistas. Posteriormente, evoluiu para uma luta simbólica em que os

diversos grupos de atores sociais buscaram legitimar sua versão de participação e

fortalecer sua posição.

Cattani (2006) define a Gestão Participativa (GP) pela ótica dos trabalhadores

ao afirmar que esta compreende as situações nas quais eles, diretamente ou por

delegação, estejam investidos da capacidade de decisão na organização do traba-

lho, eventualmente nos processos administrativos e comerciais, e, mais raramente,

na condução geral da empresa ou da instituição. Bordenave (1994) observa que a

frustração da necessidade de participar do indivíduo constitui uma mutilação do

homem social, já que alguns sistemas participativos são apenas de fachada.

Maximiano (2007) define a administração participativa como sendo uma filo-

sofia ou doutrina que valoriza a participação das pessoas no processo de tomada

de decisões sobre a administração das organizações. Afirma, ainda, que tem como

meta construir uma organização participativa em todas as esferas, o que implica

compartilhar as decisões não apenas com os funcionários, mas envolvendo, tam-

bém, os fornecedores, clientes e distribuidores. A alienação do trabalhador do

processo de participação na organização desperdiça o seu potencial, o que pode

trazer consequências indesejáveis tanto para o próprio trabalhador em termos de

motivação e satisfação com o processo e organização do trabalho, quanto para seu

empregador, que pode ver a produtividade e competitividade da organização se

reduzir (BORDENAVE, 1994; MAXIMIANO, 2007).

Os níveis de participação dos trabalhadores, segundo Bordenave (1994), vão

depender de dois fatores: a) o grau de controle dos membros sobre as decisões;

b) quão importantes são as decisões das quais o(s) sujeito(s) pode(m) participar.

Assim, considera que os graus de participação que os membros de uma empresa

possam alcançar sejam: 1) informação (os dirigentes informam os membros sobre

as decisões já tomadas; reação pode ser tolerada ou não); 2) consulta facultativa

(a administração pode, se quiser e como quiser, consultar os subordinados, solici-

tando críticas ou sugestões); 3) consulta obrigatória (os subordinados devem ser

consultados em certas ocasiões, porém a decisão final pertence aos dirigentes); 4)

elaboração/recomendação (os subordinados elaboram propostas e recomendam

medidas que a administração aceita ou não); 5) cogestão (administração é compar-

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Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 155

tilhada mediante mecanismos de codecisão e colegialidade como comitês e con-

selhos); 6) delegação (os administrados têm autonomia quanto a alguns aspectos

definidos pela administração); 7) autogestão (grau mais elevado de participação

no qual o grupo determina seus objetivos, escolhe e estabelece os meios sem refe-

rência a uma autoridade externa).

Melo (1984) classifica as formas de participação em uma organização em qua-

tro grupos: a) procedimentos de participação relativos à produtividade e à quali-

dade (como os CCQs e os GSAs); b) procedimentos de participação relativos à

segurança do trabalho (como a CIPA); c) procedimentos relativos à participação

das famílias dos operários (como visitas de familiares à organização); d) proce-

dimentos de participação relativos à institucionalização do controle do conflito

(como as comissões de fábrica).

Os tipos e graus de participação mencionados por Bordenave (1994) e Melo

(1984) incluem desde formas de participação introduzidas pela empresa, como no

caso de CCQs e GSAs, passando por uma forma obrigatória na legislação brasilei-

ra – a CIPA – até sistemas participativos entendidos como conquista dos trabalha-

dores, dos quais o melhor exemplo são as comissões de fábrica.

Há, ainda, uma forma controversa de participação que é a Participação nos Lu-

cros e Resultados (PLR), obrigatória por lei1 desde 1994 que seria um instrumento

de integração entre o capital e o trabalho e de incentivo à produtividade. Gutier-

rez (1991) a considera como um tipo de participação, classificando-a como parti-

cipação na propriedade da empresa ou na distribuição dos lucros, denominando-a

participação econômica. Salienta, porém, que mesmo nos casos em que a partici-

pação econômica é via propriedade de ações da empresa, essa não é significativa

a ponto de proporcionar ao trabalhador participação na definição das políticas da

empresa, acabando por transformar-se em salário adicional e não em participação

real, principalmente pelo fato de o trabalhador assim entendê-la. Considerando

a definição de participação conforme Melo (1984), Cattani (2006) e Maximiano

(2007), a PLR não poderia ser classificada como um tipo de participação, pois

não confere aos trabalhadores poder nas decisões de gestão ou de organização do

trabalho, funcionando apenas como forma de incentivo à produtividade.

Para Melo (1984), os objetivos de ordem econômica que levam à criação de

sistemas participativos buscam, direta ou indiretamente, o crescimento da eficiência

da empresa. No caso, podem atender a duas lógicas não excludentes entre si: a) a

1 Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000.

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156 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

participação dos empregados deve favorecer a melhoria qualitativa e quantitativa

da produção, a utilização racional da mão de obra, das matérias-primas e dos equi-

pamentos e o surgimento de novas técnicas de trabalho; b) a participação deverá

diminuir as zonas de conflito de interesse entre direção e empregados e melhorar

as relações de trabalho.

Leite (1993) e Cattani (2006) têm uma visão dicotômica da participação.

A primeira salienta que os métodos de gestão participativa podem ser aplica-

dos com interesses distintos dependendo da organização, significando desde a

possibilidade de um trabalho criativo e autônomo até um trabalho destituído

de conteúdo.

Cattani (2006) avalia que a GP pode representar uma conquista dos trabalha-

dores por ampliar sua intervenção no poder, na autoridade e no controle da e na

produção, além de ser uma possibilidade de romper com a cultura de submissão,

assumir responsabilidades de forma cooperativa e, ainda, contribuir de maneira

consciente e criativa na produção. Por outro lado, pode tratar-se unicamente de

manobra patronal com o objetivo de reduzir conflitos e gerar maior envolvimento

e dedicação dos trabalhadores que resultem em ganhos de produtividade. Nesse

caso, o patronato a concebe sob marcos predeterminados, estáveis e controláveis.

Como iniciativa patronal, a participação se refere, principalmente, a aspectos téc-

nicos da organização, concretizando-se principalmente nos círculos de controle de

qualidade, nos grupos semiautônomos, nas ilhas de produção e nos programas

de qualidade total. Isso se deve ao receio de que os trabalhadores se aproveitem de

brechas no poder hierárquico para a tomada de decisão relativa à gestão.

Por que, então, se há este “risco” de intervenção dos trabalhadores nas deci-

sões de gestão o tema da participação difundiu-se tanto? Para Faria (2009), isso

ocorre porque uma gestão autoritária por parte da gerência vai se tornando mais

um problema do que uma solução, por estimular o enfrentamento por parte dos

trabalhadores. Complementa que a gestão autoritária não existiria se a gerência

estivesse suficientemente atenta aos efeitos contraproducentes da primeira e aos

resultados positivos que uma gestão mais participativa pode trazer.

Com isso, ao falar de um modelo participativo, Maximiano (2007) cita as

características fundamentais para sua concretização: liderança, disciplina e auto-

nomia. Nas organizações nas quais é implementado, as pessoas são responsáveis

por seu próprio comportamento e desempenho, pois a disciplina deve partir do

indivíduo e não ser imposta por regras e regulamentos. Nota-se, aí, maiores exi-

gências sobre o trabalhador.

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Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 157

A gestão participativa opõe-se ainda aos modelos de produção tradicionais

como o taylorismo e o fordismo, especialmente no que tange ao princípio da sepa-

ração radical das tarefas de concepção e execução, da fragmentação e da especia-

lização das tarefas, da desresponsabilização do trabalhador com a produção e com

a empresa de um modo geral, e coaduna-se com os pressupostos da acumulação

flexível (CATTANI, 2006), caracterizada pela flexibilidade, agilidade, introdução

de inovações tecnológicas e sócio-organizacionais e maior controle sobre o traba-

lhador, embora esse controle seja realizado de modos diversos daqueles utilizados

no taylorismo/fordismo.

Assim, a participação nas empresas tem se consolidado como uma ferramenta

que tem por objetivo integrar os funcionários à gestão da empresa, mas que muitas

vezes tem se mostrado distante de seu ideal. Portanto, é importante distinguir os

tipos de sistemas participativos, bem como seus objetivos prescritos e a prática.

A seguir será discutido como se deu o processo de participação na sociedade e no

interior das organizações brasileiras.

2.3 A participação no Brasil

As discussões sobre a administração participativa no Brasil iniciaram-se com

mais intensidade a partir da década de 1980. Antes disso, o tema era pouco de-

batido tanto nas publicações da área administrativa como no interior das orga-

nizações. Na imprensa de negócios, os raros casos se resumiam a notícias sobre

empresas que adotavam "estranhas formas de gestão", como ressalta Donadone

(2002), apresentando o assunto mais como uma curiosidade do que como algo viá-

vel no gerenciamento das empresas. Do lado sindical, o quadro não era diferente:

a participação via comissões de fábrica aparecia como uma ameaça às posições dos

sindicatos. Entre os fatores que contribuíram para a mudança destaca-se o mo-

mento histórico e econômico vivido pelo país, como o autoritarismo e a repressão

do regime militar que inibiam as reivindicações referentes a problemas de relações

trabalhistas (DONADONE, 2002).

As greves trabalhistas de 1978, a recessão econômica dos anos 1980 e o fim do

regime militar induziram um número crescente de experiências associadas ao tema.

Há também o ressurgimento dos movimentos trabalhistas e sindicais, após as greves

de 1978. A perda de espaço do governo na função de mediador entre empresários

e trabalhadores levou estes últimos a vivenciarem a experiência da negociação dire-

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158 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ta, na tentativa de resolverem os embates trabalhistas. Surgem então os primeiros

representantes dos trabalhadores e delegados sindicais, são criadas comissões de fá-

brica e introduzia-se nas empresas a discussão sobre a intervenção dos trabalhadores

em assuntos referentes ao mundo fabril (DONADONE, 2002).

A forte recessão da economia brasileira entre 1980 a 1983 fez as empresas

buscarem melhorar seus índices de produtividade para poderem sobreviver numa

economia em retração e introduzirem seus produtos nos mercados externos, mais

competitivos. Esses fatos, entre outros, ocasionaram a intensificação de mudanças

técnicas e sócio-organizacionais nas empresas brasileiras. A participação surge, en-

tão, como uma forma de gestão moderna e inovadora, baseada principalmente no

modelo de gestão japonês – o toyotismo. Destacava-se a implementação de ferra-

mentas gerenciais respaldadas pela divulgação do sucesso das indústrias japonesas,

em especial no que diz respeito à conquista de consideráveis parcelas do mercado

norte-americano de automóveis, como uma referência para as empresas brasilei-

ras, que buscavam superar as dificuldades ocasionadas pela recessão (LIBONI,

2001; DONADONE, 2002).

A partir da década de 1990 a abertura comercial e o consequente aumen-

to da competição na economia impulsionam as organizações brasileiras à busca

constante por inovação e produtividade. Acostumadas a um mercado consumidor

protegido tiveram que lançar mão de diversas práticas como a reengenharia, o do-

wnsizing e a redução de níveis hierárquicos, bem como os programas de qualidade

total e a disseminação da cultura de melhoria contínua nos processos (LEITE,

1993; DONADONE, 2002). Nesse contexto, fazia-se necessária uma nova rela-

ção entre as empresas e seus funcionários, o que proporcionou o desenvolvimento

de formas de negociação e integração entre empregado e empregador até então

inéditas no país. Foram sendo implementados diversos sistemas participativos, que

se difundiram nas organizações brasileiras nos anos que se seguiram, em especial

aqueles que propunham a intervenção dos trabalhadores nos acontecimentos do

setor de produção como uma forma de aumento da produtividade e a melhoria da

qualidade dos produtos (DONADONE E GRÜN, 2001; DONADONE, 2002).

Aos poucos, a participação passou a ser associada não somente ao aumento da

produtividade, mas também à redistribuição dos processos de decisão na empresa.

O tema passou a ser tratado como envolvimento operário visando a flexibilidade

das ações e à troca de informações na empresa, tornando desnecessária a supervi-

são direta e os diversos níveis de gerenciamento que passaram a ser vistos como

fontes de engessamento das decisões (DONADONE e GRÜN, 2001).

Page 171: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 159

A participação foi gradualmente se institucionalizando nos meios empresariais,

gerenciais e sindicais brasileiros, tendo significados e reflexos distintos em cada

uma destas esferas: 1) as empresas passaram a visualizá-la como uma das possíveis

ferramentas gerenciais de aumento da produtividade; 2) a imprensa de negócios

encontrava um ótimo filão jornalístico na divulgação de inovações tecnológicas e

organizacionais, o que colaborou, de certa maneira, para aumentar as discussões a

respeito da necessidade de os gerentes implementarem programas participativos;

e 3) o meio sindical contribuiu por meio de reivindicações e da introdução de for-

mas de intervenção operária, representadas principalmente pelas comissões de fá-

brica e pelas discussões em torno dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs)

(DONADONE, 2002). A seguir, para uma análise mais detalhada são abordados

alguns dos principais modelos participativos vigentes nas organizações.

3. SISTEMAS PARTICIPATIVOS

Como sistema participativo entende-se os mecanismos e práticas que se institu-

cionalizaram nas organizações por conquista dos trabalhadores ou por decisão patro-

nal e que de algum modo aumentam a autonomia dos funcionários e dão-lhes voz

no processo decisório. Erdmann (1998) destaca algumas das formas de participação

que podem ser desenvolvidas nas organizações: Caixa de Sugestões ou Banco de Ideias

são planos para estimular o funcionário a adotar uma atitude construtiva; tem como

objetivo criar uma consciência de economia e eficiência no seu trabalho. O Programa

ou Concurso de Ideias difere do Banco de Ideias ao incentivar a participação a partir

da concorrência entre as contribuições dos trabalhadores, o que nem sempre pode

ser considerado participação, pois estimula a competição entre os funcionários. Os

Grupos de Produtividade são formados por pessoas com potencial para contribuir na

redução de custos e/ou no aumento de produtividade. Círculos de Controle de Qua-

lidade: introduzidos no Japão para resolver os problemas de qualidade. Comissão ou

Conselho de Fábrica são comitês formados por profissionais eleitos e presididos pelos

gerentes das organizações. Cogestão é a participação dos funcionários na direção efeti-

va das organizações até chegar à Autogestão, caracterizada pela ampla autonomia dos

trabalhadores e pelo poder de decisão deles na produção e na gestão.

Serão discutidos a seguir os sistemas participativos que se fizeram mais pre-

sentes no interior das organizações brasileiras desde o início da discussão sobre a

participação até os dias de hoje.

Page 172: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

160 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

a) Círculos de controle de qualidade

Na metade da década de 1980, entre as várias mudanças organizacionais asso-

ciadas às práticas japonesas de gestão da produção, introduzem-se com destaque

nas organizações brasileiras os CCQs. Com eles, o significado atribuído à partici-

pação passou a ser associado a uma ferramenta gerencial que utiliza os canais de

comunicação com a finalidade de redução de custos e integração dos funcionários

e, na maioria das vezes, também na tentativa de diminuir a influência dos sindica-

tos nos ambientes fabris (DONADONE e GRÜN, 2001).

Os CCQs são criados por iniciativa da empresa e constituem-se de um peque-

no número de trabalhadores de determinada área com a presença de um supervisor

e de um animador. Os integrantes se reúnem espontaneamente uma ou duas vezes

por semana para discutir questões ligadas à produção. Têm por objetivo envolver

os empregados no processo produtivo, estimulando formas de organização do tra-

balho e de tomada de decisão, as quais, supostamente, aumentariam a satisfação

e o saber do trabalhador. As propostas de melhoria efetuadas pelos CCQs são

enviadas a um órgão da empresa que as examina, aprovando-as ou recusando-as.

Os membros não têm autoridade para implementar suas próprias ideias.

Guimarães (2006) alerta que os objetivos propostos por seus integrantes de-

vem ser consoantes com os interesses organizacionais. Além disso, salienta que,

em vez de serem de atuação espontânea dos trabalhadores, os CCQs acabam sen-

do utilizados, muitas vezes, como forma de avaliar os funcionários. Os CCQs

também apresentam limitações que em grande parte das vezes impedem que se

alcancem objetivos preestabelecidos. Os problemas seriam oriundos da inadequa-

ção na implementação destes que, por serem estruturas paralelas com capacidade

bastante limitada de ação, atuariam apenas em caráter consultivo. Assim, seria

evidenciada uma contradição entre seu propósito e o que de fato ocorre, muitas

vezes por disputa de poder entre os participantes e os não participantes do grupo.

Há também o receio da gerência de perder poder de decisão e a falta de assistência

e apoio da própria organização. Os CCQs representam, sobretudo, respostas do

capital na busca por maior competitividade, cujos objetivos seriam melhorar a

produtividade e a eficiência além de reduzir os custos. Os benefícios aos trabalha-

dores seriam secundários. Ademais, os CCQs não teriam alterado a natureza do

processo de decisão no sentido de aumentar a democracia no interior da organi-

zação, sendo assim uma redefinição das formas de controle por parte da gerência.

Faria (2009) complementa a visão de Guimarães (2006) considerando os

CCQs uma forma de apropriação do saber do operário de maneira formal e regu-

Page 173: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 161

lamentada. Trata-se de uma estratégia dita participativa que de fato visa assegu-

rar à gerência um controle mais efetivo sobre o processo de trabalho. Considera,

ainda, que a técnica do CCQ não altera a proposta da Organização Científica do

Trabalho (OCT), pois muitas vezes as tarefas continuam individualizadas, repeti-

tivas e simplificadas.

Ao avaliar os pressupostos participativos introduzidos pelo toyotismo, Abra-

mides e Cabral (2003) alertam que atinge não somente a objetividade – base ma-

terial da classe operária –, mas também sua subjetividade, sua consciência de classe,

sua organização e seus valores. Afirmam que os CCQs e os programas de quali-

dade total são instrumentos diretos de propagação ideológica e de cooptação dos

trabalhadores ao que chamam de “envolvimento cooptado”, em que a subsunção

do trabalho ao capital é superior à existente nos processos de trabalho anteriores.

Na nova lógica organizacional, o trabalhador passa a ser o controlador de si mesmo

muitas vezes sem consciência de tal efeito.

b) Comissões de fábrica

As primeiras Comissões de Fábrica (CF) no Brasil foram criadas entre 1945 e

1947, quando ressurgiu o movimento operário e sindical nos setores metalúrgico,

têxtil e ferroviário do Estado de São Paulo. Em 1946 as CF tiveram participação

ativa em 55% das greves, o mesmo ocorrendo em 1947. A partir de 1964, a ditadu-

ra militar reprimiu tanto os sindicatos quanto o movimento operário, dificultando

suas ações e reduzindo a luta dos operários ao interior das organizações. A década

de 1970 foi particularmente difícil para os operários em função da forte interven-

ção estatal e da legislação trabalhista favorável ao patronato (FARIA, 1987).

As CF reaparecem no Brasil no bojo dos movimentos operários ocorridos no

ABC Paulista em 1978 buscando enfrentar a reação patronal e a repressão estatal.

No formato como se disseminaram no país nos anos seguintes, tiveram início em

setembro de 1980 na unidade de São Bernardo do Campo da fábrica da Volkswa-

gen do Brasil, na qual se formou uma comissão paralela, ou seja, sem a legitimação

da empresa. A partir de 1982 começou a vigorar de fato a comissão negociada e

proposta pelos trabalhadores. Nessa mesma época, em 1981, surge a comissão de

fábrica de outra montadora do ABC Paulista, a Ford, com o objetivo de garantir

um canal de comunicação mais ágil entre a empresa e seus trabalhadores (FARIA,

2004).

Para Oliveira (1991), as comissões de fábrica são uma forma que os traba-

lhadores encontraram para se contrapor, de modo organizado, à onipotência da

Page 174: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

162 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

administração na tomada de decisões que afetam a eles próprios. Segundo Faria

(1987) elas representam, pelo lado dos trabalhadores, a superação de barreiras

impostas pela estrutura sindical daquela época, como a disseminação das concep-

ções neoliberais e a constituição de um novo paradigma produtivo e tecnológico.

Já pelo lado dos empregadores, representam um canal de negociação direta, uma

estratégia capaz de conter a crescente organização operária da década de 1980.

Seriam, ao mesmo tempo, fruto do movimento operário e uma estratégia da ad-

ministração.

Atualmente são tradicionais as CF do setor metalúrgico no ABC Paulista e

emblemáticos os casos de montadoras de veículos Ford e Volkswagen, fundadas

na década de 1980 e vigentes até os dias de hoje.

c) Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

De acordo com a Norma Regulamentadora (NR) N. 5 (BRASIL, 2009), a

Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) tem como objetivo prevenir

acidentes e doenças decorrentes do trabalho, bem como tornar compatível per-

manentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do

trabalhador. Para tanto, a comissão envolve algumas atividades, como orientação

aos funcionários e à empresa sobre o uso de equipamentos de segurança, treina-

mentos de combate a acidentes de trabalho, controle das medidas de segurança,

encaminhamento de sugestões à empresa visando diminuir e até eliminar os aci-

dentes, entre outras (CARVALHO e NASCIMENTO, 2002).

A CIPA tem a função de fazer um plano de trabalho simples estabelecendo

objetivos, metas, cronograma de execução e estratégia de ação, sendo importante

que a empresa garanta aos membros da CIPA o tempo necessário para que o plano

seja elaborado e, principalmente, monitorado (BRASIL, 2009). Caso a empresa

não cumpra com estes e outros itens dispostos na NR 5, há fiscalização por parte

das Delegacias Regionais do Trabalho, vinculadas ao Ministério do Trabalho e do

Emprego, e o responsável é o proprietário legal da empresa.

A CIPA, portanto, objetiva a prevenção de acidentes e de doenças decorrentes

do trabalho, sendo obrigatória para as empresas que têm funcionários com víncu-

lo empregatício. É formada por representantes dos empregados, eleitos por voto

secreto, e do empregador, que são por ele designados (NR N. 5, BRASIL, 2009).

Devem constituir a CIPA os empregadores, ou seus equiparados, que tenham

empregados em número acima do mínimo estabelecido de acordo com a Norma

Regulamentadora N. 5, o que depende da categoria de atividade da organização.

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Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 163

Assim, as empresas com empregados em número inferior ao determinado devem

indicar um deles como responsável pelo cumprimento dos objetivos da NR, o

qual poderá definir os mecanismos de participação dos empregados por meio de

negociação interna no estabelecimento ou pelo Acordo ou Convenção Coletiva

(BRASIL, 2009).

A CIPA, portanto, configura-se como uma forma de participação, pois todos

os funcionários podem participar independentemente de filiação sindical. Além

disso, dispõe de direitos que asseguram a manutenção do seu cargo na empresa

desde o registro da candidatura até um ano após o final de seu mandato. Assim,

mesmo que o número de eleitos não se enquadre no quadro determinado pela NR

5, poderão ser adotados mecanismos de participação dos empregados pela nego-

ciação coletiva, em se tratando dos assuntos relacionados com a saúde e segurança

no trabalho (NR N. 5, BRASIL).

Porém, é importante observar que a atuação dos membros da CIPA não tem

ocorrido de forma efetiva e incisiva em algumas empresas, pois muitas vezes não

são liberados durante o horário de trabalho para realizarem fiscalizações. Além

disso, a própria NR 5 poderia ser mais ampla com relação à participação dos tra-

balhadores no processo de tomada de decisões a partir da detecção e resolução dos

problemas surgidos no local de trabalho (MORE, 1997).

d) Grupos semiautônomos

Os Grupos Semiautônomos (GSA) são formados por equipes de trabalha-

dores responsáveis por executar de maneira cooperativa as tarefas do grupo, não

havendo distinção dos membros na escolha das funções de cada um. As atividades

na organização são distribuídas entre as equipes de trabalho e estabelecidas as con-

dições para atingir os objetivos de produção. Assim, as pessoas têm a prerrogativa

de se organizar e realizar a tarefa como acharem melhor (SALERNO, 1999).

Este sistema é característico da proposta sociotécnica de organização do traba-

lho, pois contempla tanto o aspecto social quanto técnico do trabalho, ao defen-

der a ideia de que o sistema produtivo só atinge o seu máximo de produtividade

quando se aprimora o funcionamento conjunto desses dois sistemas. Para isso, são

requeridos dos funcionários os chamados operadores polivalentes, ou seja, a capa-

cidade de cooperação e de desenvolvimento de habilidades múltiplas no trabalho

(FLEURY e VARGAS, 1983).

As empresas têm maior dificuldade em implantar o sistema GSA, pois pos-

suem menos domínio sobre a complexidade, o risco e a profundidade das mudan-

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164 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ças necessárias para implantá-lo, o que dificulta a sua aceitação. Os mais expressi-

vos exemplos de GSA encontram-se na Suécia, surgidos na década de 1970 com

as primeiras experiências em indústrias como a Volvo. Esses projetos contaram

com a participação conjunta de administradores, técnicos e sindicalistas. Foram

ainda considerados uma espécie de paradigma de uma nova forma de organiza-

ção do trabalho em razão do seu caráter inovador, que permitia ao trabalhador

participar das decisões para a melhoria das condições de trabalho e, consequen-

temente, atuava no resgate de sua integridade física e psíquica (GUIMARÃES,

1995; MORE, 1997).

No Brasil, os GSA foram introduzidos na década de 1980 no impulso do mo-

delo japonês. É necessário distinguir a formação de grupos semiautônomos por

iniciativa da empresa, como ocorreu nas fábricas da Volvo, na Suécia, de expe-

riências semelhantes reivindicadas pelos trabalhadores, como ocorreu na Itália,

no caso da Fiat, por exemplo. Em ambos os casos, os resultados no sentido de

operacionalização dos GSA, conquista de autonomia e do autocontrole são muito

diferentes, pois quando propostos pela empresa são estimulados, mas quando a

iniciativa parte dos trabalhadores, as experiências são combatidas e poucas têm

êxito (GORZ, 19872 apud GUIMARÃES, 1995).

Constata-se que as empresas que adotam os GSA são geralmente transnacio-

nais e de grande porte,3 porque teriam maior acesso aos recursos financeiros para

investir em um projeto de mudança organizacional que não oferece retorno a cur-

to prazo. Além disso, as multinacionais apenas aplicariam este modelo como uma

extensão de experiências similares de suas matrizes (SIMONETTI, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões sobre a participação têm início com os filósofos clássicos, muito

associadas às reflexões sobre a democracia. Com o passar do tempo, a aplicação

do conceito de democracia, restrita ao alcance político, expandiu-se para outras

esferas fomentando as discussões sobre sua aplicação no interior das organizações,

a democracia industrial.

2 GORZ, André. Adeus ao proletariado: Para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense-Universitá-ria, 1987.3 De acordo com o estudo, são consideradas empresas de grande porte aquelas com número de fun-cionários superior a 500 ou com faturamento anual acima de R$100 milhões.

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Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade? 165

No Brasil, o tema adquire importância em um contexto de reivindicações no

cenário político que repercutiu no interior das organizações. Mesmo não havendo

consenso em torno de seu significado e alcance, a participação dos trabalhado-

res nas empresas, no Brasil, data da década de 1970. Desde então, o tema vem

ganhando destaque nas publicações acadêmicas, gerenciais e sindicais e só não

alcançou os resultados esperados em termos de proporcionar ao trabalhador maior

poder no processo decisório, por um lado, em razão dos limites colocados pela

própria classe trabalhadora, e por outro, em consequência do tradicional engessa-

mento das estruturas hierárquicas empresariais.

Para Oliveira (1991), o receio dos trabalhadores de participar na gestão é

resultado de suas vivências, pois são educados para obedecer a ordens. Soma-se a

isto o fato de não terem a experiência que lhes permita questionar a organização

do trabalho e menos ainda as gerências. Há também aqueles que fazem a opção

consciente de não participar para não terem maiores níveis de responsabilidade,

e outros, por julgarem não serem suficientemente recompensados para tal.

Além disso, o risco de abrir espaços para a discussão para que o trabalhador

contribua na gestão ainda assusta o empresariado (FARIA, 2009). Assim, os siste-

mas participativos mais difundidos têm sido aqueles que permitem ao trabalhador

intervir apenas em aspectos técnicos da produção. Portanto, difundiu-se a utili-

zação dos CCQs, GSAs, além de experiências menos impactantes no processo

decisório, como é o caso dos Bancos de Ideias e Caixas de Sugestões. Além dessas,

por imposição legal destaca-se como instrumento de participação as CIPAs e uma

forma de pseudoparticpação, a Participação nos Lucros e Resultados.

O sistema participativo que parece se relacionar mais com uma conquista dos

trabalhadores são as comissões de fábrica, que, apesar de sua importância no con-

texto político, econômico e social na década de 1980, têm seu alcance bastante

restrito nos dias de hoje a empresas principalmente de um setor e de uma região

geográfica do país.

Não apenas para as organizações a participação dos trabalhadores revela-se

importante, mas também como parte do processo de autorrealização do in-

divíduo. Conforme Bordenave (1994, p. 17), “tudo indica que o homem só

desenvolverá seu potencial pleno numa sociedade que permita e facilite a par-

ticipação de todos”. E conclui que o futuro ideal do homem só se dará numa

sociedade participativa. Além disso, segundo alerta Leite (1993), a participação

no interior das organizações tem importante reflexo na democratização de uma

sociedade.

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166 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Quando avaliadas quantitativamente, as experiências que se autointitulam

participativas têm ganhado espaço nas empresas brasileiras. Entretanto, apesar de

sua importância estar legitimada no discurso acadêmico, sindical e empresarial,

quando analisadas qualitativamente, segundo o objetivo de permitir ao trabalhador

tomar parte no processo decisório, constata-se que, muitas vezes, deixam a desejar

por revelarem-se preocupadas apenas com o aumento da produtividade. Por isso,

salvo poucas exceções, para alcançar o objetivo a que se propõe a participação dos

trabalhadores nas organizações ainda necessita passar de mito a realidade.

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C A P Í T U L O 1 0

Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais

PATRÍCIA AMÉLIA TOMEI

1. POR QUE FALAR DE INVEJA NAS ORGANIZAÇÕES?

Inveja é um sentimento perturbador que faz parte do nosso cotidiano e um

conceito pouco discutido na teoria organizacional.

Da Bíblia aos ditos populares passando por clássicos como Shakespeare e fá-

bulas de La Fontaine, a inveja sempre foi vista como um sentimento destrutivo.

Ela pode ser a causa de muitos fracassos profissionais e empresariais. Não há como

negar sua presença nas relações humanas e no ambiente de trabalho.

De acordo com o padre Jesus Hortal (2002):

A inveja é chamada de pecado destruidor porque não se conforma com

possuir mais ou melhor. Gostaria, sim, de destruir o que o outro possui.

Por isso mesmo, acaba destruindo o próprio invejoso, corroendo o seu co-

ração com o desgosto de contemplar o bem do próximo.

Observamos em artigos de Sociologia, Antropologia Cultural e Psicologia So-

cial inúmeros estudos que nos falam do conflito e de suas causas (associadas em

Page 180: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

168 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

geral a variáveis como desigualdade, status, papéis, oportunidades etc.) sem tocar

na palavra “inveja”.

A literatura comportamental evidencia que podem ocorrer conflitos sem que

haja a inveja, que por sua vez não depende da existência do conflito, mas poucas

vezes questiona se naquele conflito disfuncional, naquela hostilidade de senti-

mentos como inveja, ressentimento, competição, raiva, emulação fazem parte do

universo emocional da sociedade e da organização.

Os trabalhos que desenvolvem essa dimensão esquecida do universo organi-

zacional1 têm relacionado as manifestações da inveja nas organizações com a sua

cultura, legitimando a importância da questão como um grande desafio à gestão

organizacional.

Neste capítulo busca-se a melhor compreensão da interdependência entre a in-

veja e a cultura organizacional a partir do estudo exploratório de diferentes manifes-

tações e tipos de inveja em diferentes tipologias culturais, abrindo uma reflexão que

nos ajude a fazer inferências de como trabalhar a questão nas organizações.

2. O QUE É INVEJA?

Os gregos a representavam como um velho espectro feminino, a cabeça cer-

cada de cobras, os olhos estrábicos e fundos, a tez lívida. Um ser de magreza ex-

trema, com uma serpente nas mãos e outra lhe roendo o coração, às vezes acom-

panhado da Hidra de Lerna, monstro mitológico de sete cabeças. A imagem é

terrível, mas não poderia haver mais perfeita representação para um sentimento

tão mal-afamado como a inveja.

A origem etimológica da palavra inveja vem do substantivo latino invidia e do

verbo invidere, que significa olhar maliciosamente, ou olhar enviesado, de soslaio.

1 Para saber mais sobre o tema, leia:VRIES, M.F.R.K. “A Inveja, grande esquecida dos fatores de motivação em gestão”. In: CHANLAT, J.F. e TORRES, O.L.S. (orgs.). O indivíduo na organização – dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1992.TOMEI, P.A. Inveja nas organizações. São Paulo: Makron Books, 1994. TOMEI, P.A. Envidia en las Organizaciones – minimice sus repercusiones aprendiendo a manejarla. México: McGrawHill, 1995.TOMEI, P.A.; BELLE. F. “Análise Comparativa da Gerência da Inveja nas Organizações Brasileiras e Francesas”. Revista de Administração. São Paulo, v. 32, n. 1, jan-mar 1997: p. 5-13.

Page 181: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 169

À medida que se aprofunda o conceito, torna-se evidente que em comparação

com outros sentimentos, a inveja representa uma reação extremamente complexa,

pois se manifesta nos indivíduos por duas faces: o temor das consequências de sua

própria inveja e o medo de ser o alvo da inveja dos outros.

Freud (1916) foi o primeiro cientista a utilizar o conceito de inveja, associan-

do as origens da inveja no estado de evolução humana em que a criança toma,

pouco a pouco, consciência da diferença anatômica entre os sexos (FREUD,

1916b).

Estudos posteriores sobre o tema têm indicado, todavia, ser preciso voltar ao

estado pré-edipiano para solucionar o enigma da inveja. Não é suficiente deter-se

no triângulo mãe-pai-criança. Nesse sentido, Melaine Klein (1929) foi a primeira

cientista a considerar a inveja um conceito central em sua teoria psicanalítica.

Segundo a autora: “A inveja é um sentimento de cólera que o sujeito experimenta

quando percebe que o outro possui um objeto desejável, sendo sua reação apro-

priar-se dele ou destruí-lo” (p. 199).

Em seus trabalhos, Klein (1932; 1952; 1955; 1960) distingue cuidadosamente

inveja, voracidade e ciúme. Inveja ela descreve como “[...] o sentimento de ira por

outra pessoa possuir e usufruir de algo desejável – sendo o impulso invejoso de

retirá-lo ou estragá-lo” (p. 36).

A voracidade, segundo a autora, pode ser descrita como:

[...] uma ânsia impetuosa e insaciável, que excede o que o sujeito necessita

e o que o objeto tem vontade e capacidade de dar [...] seu propósito é a in-

trojeção destrutiva; enquanto a inveja [visa] [...] além disso, colocar o mau

estado para dentro da mãe [...] a fim de estragá-la e destruí-la. (KLEIN,

1945, p. 372)

O ciúme, por sua vez, considerado primo-irmão da inveja por serem senti-

mentos da mesma família – relacionados com a perda ou ameaça de perda –, é

uma situação que envolve três pessoas, na qual a terceira pessoa retira ou lhe é dado

o bom que, por direito, pertence ao indivíduo ciumento.

Frequentemente, esses três estados mentais são encontrados em íntima asso-

ciação. O ganho voraz pode ser uma defesa contra o tomar ciência da inveja da-

queles que têm ou são o que se desejaria ter ou ser. O amante enciumado é, com

frequência, impelido não tanto pelo amor, mas pelo ódio invejoso da capacidade

de seu amado de despertar o amor em outro.

Page 182: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

170 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Cientistas posteriores colocaram ainda mais ênfase no estragar o prazer da

pessoa invejada e no fato de que o ataque invejoso em si nada faz para obter a

qualidade ou coisa invejada para a pessoa que é invejosa.

Segundo o sociólogo Helmut Schoeck (1969, p. 12):

A inveja é uma força que se situa no coração do homem como ser social e

que se manifesta assim que dois indivíduos estão em condições de estabe-

lecer uma comparação recíproca.

O autor argumenta que o conceito de inveja foi muito reprimido nas Ciên-

cias Sociais e na filosofia moral desde o começo do século XX, provavelmente

pela dificuldade de admitir sua existência nas sociedades. Segundo a sua tese,

a inveja exerce um papel muito importante em todas as sociedades, já que po-

demos observar crimes por causa da inveja e argumentos fortes para motivar os

indivíduos a fazer o possível e o impossível para evitar serem invejados.

3. COMO A INVEJA SE MANIFESTA?

A inveja pode ocorrer de diferentes formas dependendo de como é vivenciada

pelos indivíduos, isto é, "do episódio emocional" que incluiu as circunstâncias que

levaram àquela emoção ou à sequência de emoções percebidas.

Essas emoções, no entanto, não são apenas "sentimentos" ou experiências cons-

cientes, elas incluem também outros aspectos como convenções sociais, respostas

psicológicas e podem ajudar na compreensão do comportamento dos indivíduos

(PETERS, 1972).

Nesse sentido as pessoas podem ser consideradas invejosas caso o seu compor-

tamento seja percebido pelos outros como motivado por inveja; no entanto essas

pessoas podem ter vivenciado também experiências de ciúmes ou de raiva.

Segundo a concepção kleiniana, embora a inveja seja uma emoção tão comum

é muito dolorosa, e a maior parte das pessoas fará qualquer coisa não só para não

tomar consciência dela, mas também para não se sentir plenamente responsável

por ela. Assim, em vários artigos baseados nos trabalhos de Klein2 podem-se iden-

2 Para saber mais sobre o tema, leia: SEGAL, H. Introdução à obra de Melaine Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1975.JOSEPH, B., “Envy in Everyday Life”. In: Psychoanalytic Psychotherapy, 2, 1986, p. 13-22.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 171

tificar algumas formas de manifestação da inveja contra as quais os indivíduos

desenvolvem múltiplas defesas que, em especial nos casos de ressentimento, são

reforçadas mutuamente conforme resumido no Quadro 1.

QUADRO 1 As manifestações da inveja segundo a concepção kleiniana

Manifestações Conceito

Desvalorização Ao denegrir as boas qualidades do objeto provocará menos admiração e dependência. Nessa estratégia, os indivíduos são movidos pelo desejo de vingança. Têm necessidade de provar que são tão bons senão melhores do que seu objeto de inveja. Usam a maledicência, as críticas negativas e a humilhação para aflorar os seus sentimentos.

Negaçãoe bajulação

Dificuldade de aceitar conscientemente o sentimento de inveja. Nesse caso o indivíduo tenta tranquilizar-se negando o encontro com o seu objeto de inveja, ou recorre à bajulação como mecanismo de formação racional de maneira a camuflar a si mesmo os sentimentos invejosos.

Projeção O indivíduo se vê como uma pessoa não invejosa cercada por pessoas invejosas e destrutivas, ou a identificação com o objeto idealizado via projeção e introjeção faz o indivíduo se sentir possuidor dos atributos admirados do objeto invejado.

Idealização O indivíduo procura colocar o objeto invejado fora do seu alcance. O exagero representa uma tentativa de diminuir a inveja, colocando o ser invejado acima dos mortais (mitos, heróis, super--homens etc.).

Retirada Acontece quando o indivíduo se sente incapaz de tolerar seu próprio sentimento de inveja. O que se vê nesse sentido é um ser que nem tenta entrar em competição, mas procura desvalorizar a si mesmo. Síndrome do “medo de sucesso” para não causar inveja.

Adaptado de Klein.3

Parrot (1991) retoma essas manifestações abordadas nos trabalhos de Klein, e,

numa comparação das reações típicas de inveja com as correspondentes ao ciúme,

distingue algumas emoções conforme resumido no Quadro 2.

3 Op.cit., 10.

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172 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

QUADRO 2 Reações típicas da inveja

Reação Conceito

Sentimento de inferioridade

Desespero e tristeza por nunca conseguir obter o que a pessoa invejada possui. Quando dizemos que uma pessoa é invejosa, ela entende que nós a consideramos inferior, razão pela qual nos odeia. O sentimento de inferioridade, quando não paralisa e deprime, suscita rancor e violência.

Frustração e agressão

Estudos sobre frustração e agressão mostram que o bloqueio de desejos deflagra o ímpeto de uma pessoa avançar sobre a outra.

Ressentimento Estado de ódio, de apropriar-se dos bens de terceiros, de rancor, de desejo crônico de vingança, de ver sofrer o inimigo.

Culpa Sentimento de culpa sobre desejo doente, crença de que o rancor é errado.

Negação A marca inconfessável da inveja, decorrente de sua universal execração, nos induz a evitarmos o reconhecimento de que somos detentores de um sentimento tão condenável.

Emulação Espécie de rivalidade ou competição, desejo de igualar-se aos outros, sem, contudo diminuí-los.

Adaptado de Parrot (1991).

Duffy e Shaw (2000) propõem um modelo do impacto da inveja no estudo

longitudinal de 143 grupos. No estudo, observaram que ela afeta diretamente o

desempenho do grupo e influencia indiretamente o absenteísmo e o grau de satis-

fação, aumentando a folga social4,5 e reduzindo a sua coesão e o potencial criativo.

Segundo os autores a experiência de inveja pode ser explicada mediante vários

elementos emocionais que ocorrem ao longo de eventos em que ela se manifesta.

Tais reações emocionais incluem inferioridade, ressentimento, frustração e outras

reações já citadas nos estudos de Parrot (1991), além de vergonha, depressão, in-

segurança e desejos maus em relação à pessoa invejada.

Neyrey e Rohbaugh (2001) em suas pesquisas sobre inveja apontam seis ma-

neiras pelas quais invejosos se manifestam: (1) ostracismo, (2) homicídio, (3) di-

visões, (4) disputas, (5) o olhar invejoso e (6) fofoca e calúnias.

4“Folga” social é definido como “tendência que as pessoas têm der se esforçar menos ao trabalhar em grupo do que fariam se estivessem trabalhando sozinhas”. COMER, D.R. “A Model of Social Loafing in Real Work Groups”. Human Relations, junho, 1995: p. 647-667.5 Ver LIDEN, R.C; WAYNE, S.J; JAWORSKI, R.A; BENNETT, N. “Social Loafing: A Field Investi-gation”. Journal of Management. v. 30, n. 2, 2004. Ver COMER, D.R. “A Model of Social Loafing in a Co-Operative Classroom Task. Educational”. Psychology, v. 20, n. 4, 2000.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 173

No que diz respeito ao último item, os autores confirmam os resultados da

pesquisa de Tomei (1994) enfatizando que as deficiências informativas do proces-

so de comunicação são responsáveis pela aceleração do sistema informal de comu-

nicação que surge espontaneamente da interação social das pessoas na organização

dando origem ao boato, ao rumor, às fofocas e às calúnias.

Nos contos de Chaucer (1340), por várias vezes encontramos extensas refe-

rências a fofoca, calúnias e críticas destrutivas caracterizando pessoas invejosas.

Bonder (1992), em A cabala da inveja, dedica todo um capítulo à fofoca, à

qual associa uma “transmissão mal-intencionada de informação, uma das redes

mais importantes de preservação e transporte de rancor”.

O autor, com base na tradição judaica, elabora uma classificação de três dife-

rentes formas de expressão que a fofoca assume no mundo:

1. o repassador de histórias (“sombra de má-língua”): caracterizado pelo repas-

se falsamente involuntário de informações comprometidas com interesses

escusos;

2. “má-língua”: caracterizado pela atitude do indivíduo que transmite uma in-

formação verdadeira, porém com a única intenção de difamar;

3. o caluniador, que propaga uma mentira com relação a outra pessoa.

Segundo Bonder (1992), é possível graduar esses níveis de manipulação em ter-

mos de “grau de nocividade”. Ainda segundo a tradição judaica, a hierarquia dessas

diferentes formas de intriga considera o caluniador o menos perverso, e o repassador

de histórias, o mais nocivo. Para justificar essa classificação, o autor fundamenta que

o caluniador é facilmente destruído porque “na medida em que for desmascarada a

sua mentira, a reputação do caluniado é restaurada imediatamente”.

O autor enfatiza também que a tradição rabínica reconhece que a fofoca de-

pende daquele que se presta a ouvi-la, e Bonder (1992) nos sugere educar-nos

para não ouvi-las.

Tal comportamento, embora recomendável nas organizações brasileiras, é di-

ficultado pelas práticas culturais do cotidiano, nas quais “paradas para tomar cafe-

zinho” ou “saídas para tomar um chopinho após o expediente” propiciam “falsas

intimidades” que, às vezes, em nome do social, levam as pessoas a contar histórias

como maneira de angariar simpatia, intimidade e acessibilidade.

Por fim, se aplicarmos esta tipologia do “grau de nocividade” da fofoca de Bonder

(1992) às organizações brasileiras, pode-se observar que realmente os repassadores

de histórias têm seu papel perverso diretamente proporcional ao seu poder, embora

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174 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

não se possa subestimar a interferência de um caluniador. Numa sociedade em que se

acredita que “onde há fumaça, há fogo” e na qual muitas vezes as versões valem mais

do que os fatos, nem sempre a recuperação de uma imagem é tarefa simples.

Outra classificação das manifestações da inveja, nesse caso, quanto à sua inten-

sidade foi realizada por Alberto Goldin (1994, p. 65). Segundo o autor:

Não podemos evitar que as pessoas invejem, porque seria uma intervenção

contra a emoção estrutural do ser humano. O que podemos fazer é operar

com aquela porção de indivíduos a quem o sentimento lhe excede e se conver-

te em ações concretas capazes de prejudicar a outros, que apesar de inocentes

num certo sentido são culpados de disparar estas emoções malignas.

Para operar com estas intensidades de inveja manifestada o autor analisa três

possibilidades resumidas no Quadro 3.

QUADRO 3 Manifestações da inveja segundo Goldin

Tipo de inveja Tipo de atuação

Inveja sublimada (normal): indivíduo admite seus limites e aproveita os talentos dos outros

Indivíduo normal, mas capaz de sentir em determinadas ocasiões sentimentos de inveja, aos quais controla, compreende e elabora; em alguma ocasião, reprime.

Inveja neurótica (reprimida): indivíduo que vive dominado por sentimentos invejosos

Não é motivo para considerá-lo má pessoa. É a principal vítima de sua inveja: se transforma num sujeito amargo, hostil, mal-humorado. Não consegue superar tal sentimento, gostaria de não ser assim, mas não consegue. Não tem necessariamente a aparência de um indivíduo invejoso, mas de um indivíduo neurótico. São os deprimidos, amargos, ansiosos. Diferente da inveja sublimada, neste caso, quando passam por pressões, crises e condições desfavoráveis, estes indivíduos têm alta probabilidade de apresentar um comportamento de inveja perversa.

Inveja perversa: indivíduotipicamente invejoso

Vive para bloquear todas as expressões de criatividade, de beleza ou de talento que aparecem diante de si; o sentimento de inveja é tão presente e doentio no indivíduo que se torna incurável. São pessoas incapazes de se envolver no longo prazo em um processo de trabalho. Os sentimentos violentos desse tipo de indivíduo estão mais relacionados com o sadismo que com a inveja propriamente dita. Em todos os momentos opta pela destruição dos outros em vez do próprio crescimento.

Adaptado de Goldin (1994).

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 175

A relação entre a inveja, a cultura e os valores é realizada por Joaci Góes

(2001), que afirma: “A inveja busca destruir valores” (p. 38). O autor, com base

em vasta revisão bibliográfica, aponta várias formas que explicam como a inveja

ocorre (dissimulação, silêncio, indiferença, ironia, desdém, maledicência, calúnia,

infâmia, indignação, autoridade, obediência, moralismo, deboche, ódio e deses-

pero), analisa os seus motivos. (patrimonial/material, social/status, existencial/

pessoal) e agentes (individual/privada ou pública/ coletiva) conforme resumido

no Quadro 4.

QUADRO 4 Tipos de inveja segundo Goes

Tipo Descrição

Competitiva Quando deflagra um processo de tomada de consciência e se transforma num agente propulsor de iniciativas construtivas.

Depressiva Quando paralisa o indivíduo em decorrência da percepção de uma inferioridade inelutável.

Obsessiva Quando o objeto invejado, apesar de todo o empenho do invejoso em superá-lo, parece consolidar cada vez mais sua percebida superioridade.

Maligna É a que se exprime por um sentimento de felicidade diante da miséria da pessoa invejada.

Avara Caracteriza-se por um medo doentio do crescimento dos potenciais concorrentes.

Ponte Própria dos indivíduos em crescimento. É de curta duração e rapidamente conduz a um desejo de exploração do objeto de inveja.

Patrimonial ou material

Repousa na crença de que a maior felicidade do outro advém da fruição de bens materiais que desejamos. Esse tipo de invejoso é atraído pelo ter, mais do que pelo poder.

Social ou de status

Deriva da percepção de que o outro é mais feliz do que nós, em razão de sua projeção e do seu prestígio social. O foco da inveja é o poder.

Existencial Nasce do desejo de possuirmos qualidades natas ou adquiridas, inerentes à outra pessoa. O ser, aqui, é a motivação predominante. Em sua modalidade exacerbada, desejamos ser o outro.

Adaptado de Góes (2001).

Para entender a relação da inveja com a cultura organizacional no próximo item

aborda-se de que modo ela se manifesta nas sociedades e na cultura brasileira.

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176 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

4. A INVEJA NAS SOCIEDADES E NA CULTURA BRASILEIRA

A inveja tem a ver com os valores da cultura ocidental e da civilização judaico-

-cristã, que privilegia o altruísmo e desqualifica o egoísmo. Entender diferentes

culturas é essencial para a compreensão do que pode gerar esse sentimento.

A cultura do mundo moderno não dá espaço para o fracasso, e o sucesso é

sinônimo de status, de boa condição econômica e social. Justificar o insucesso e

atribuir carreiras falidas ao “mau-olhado” ou à falta de sorte serve como explica-

ção para a o sofrimento, as injustiças e a competição predatória da sociedade e do

ambiente organizacional.

Conforme diz Mannheim (1961, p. 24):

Graças à ampliação dos meios de comunicação e à mobilidade social, os

valores de diferentes áreas são mescladas no mesmo caminho. Quando a

sociedade era mais homogênea, as autoridades religiosas e políticas ou bem

concordavam em muitos pontos ou havia um conflito violento para definir

as esferas respectivas.

Tais manifestações culturais antagônicas também se reproduzem nas diferen-

tes culturas nacionais e organizacionais, obrigando a buscar uma técnica para me-

diação da diversidade cultural definida por Fleury (2000) como “mix de pessoas

com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social”.

Essa diversidade é fundamental para a flexibilidade e a atualização, de maneira

criativa e ininterrupta, dos sincretismos e encontros entre diversas matrizes cultu-

rais de um grupo, sociedade e/ou nação.

Nas sociedades e nas organizações, o mix de culturas foi intensificado esponta-

neamente pela globalização da economia e trouxe benefícios na atração, retenção

e socialização de talentos, no atendimento de segmentos de mercado diversifica-

dos, na promoção da criatividade e inovação, na facilidade na resolução de proble-

mas e no desenvolvimento da flexibilidade organizacional.

Segundo Fleury (2000), num ambiente promotor de diversidade há de se ter

cuidado com o respeito aos valores, sentimentos e aspectos que influenciam na

seleção, manutenção e retenção do corpo funcional, entre outros fatores, quanto

ao seu comprometimento com a empresa.

Esta necessidade de diversidade contradiz o comportamento narcisista do in-

vejoso; conforme Goldin (1994), quando comenta o papel da história infantil

Branca de Neve para explicar a relação da inveja com o olhar:

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 177

[...] a madrasta se olha no espelho e se pergunta sobre quem é a mulher

mais bela, e o espelho é quem responde. [...] Os olhos e o espelho têm

relevância para compreender a questão da inveja. Em primeiro lugar por-

que o espelho mostra exatamente o que eu sou. O rosto e a imagem do

espelho são idênticos. Não é um melhor que a outra. Mas quando alguém

possui alguma coisa que eu não possuo, marca-se uma diferença. Esta é a

diferença que ameaça o invejoso. Surge então o desejo que o outro perca

tal atributo que lhe pertencia, para que, desse modo, se estabeleça nova-

mente uma igualdade (p. 64).

Apesar de ser consenso a questão da universalidade da inveja, os tipos de res-

posta a uma situação que desperta inveja são socializados de modo diferente pelos

indivíduos em função de suas histórias de vida, das características do seu incons-

ciente, dos fatores culturais, sociais, éticos, morais, políticos, religiosos etc.

Quando se analisa como os diferentes contextos sociais se comportam diante

das defesas da inveja, observa-se o papel de fatores econômicos, sociais, culturais

e religiosos.

O fator econômico-social, por exemplo, se reflete no conceito de competitivi-

dade que em um contexto recessivo dificulta a ascensão organizacional, e canaliza

o sucesso nem sempre pelas competências profissionais. Na correlação da inveja

com o fator econômico-social a subjetividade e a relatividade do conceito de jus-

tiça e de justiça social geram percepções e sentimentos diferentes. Uma situação

de privação relativa e de suposta injustiça institucional, interpessoal ou social é

suficiente para o aparecimento da inveja (NEYREY e ROHBAUGH, 2001).

Quando falta a ideia de justiça, todos os clamores podem ser julgados produtos

de inveja ou resultados do destino.

Num sentido geral, a inveja é sempre associada à escassez. Ela se orienta

em direção das coisas ou qualidades entendidas como posses. O fato de essas

coisas ou qualidades estarem sob domínio ou propriedade de outrem, ou de

que elas não estão à disposição ou não são fáceis de adquirir, estabelece as

bases da escassez.

Estudos de comunidades e tribos primitivas apresentam uma relação mais re-

cíproca do que casual entre a escassez e a inveja. Em alguns lugares, como o Haiti,

a terra é avaliada como a grande riqueza e as pessoas realmente ricas se vestem

de forma simples quando estão em lugares públicos, porque acreditam que exibir

suas posses atrai a inveja, e a inveja traz o “olho-grande”, o “olho-do-diabo”.

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178 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

No que diz respeito ao fator cultural-religioso, apesar do progresso e do desen-

volvimento a que se assiste nesta era de tecnologia, encontra-se ao lado da Ciência

mais ao alcance de todos uma coexistência de práticas, crenças, usos e costumes

de origem mágica que se estende a tudo que se julga influir na vida do homem, de-

terminando-lhe o destino. Um exemplo disso é a difusão da astrologia nas decisões

gerenciais e sua aceitação popular, assim como a repercussão que causam os fenô-

menos sobrenaturais, os acontecimentos extraordinários e suas interpretações.

No contexto socioeconômico brasileiro percebe-se que o dualismo da socieda-

de brasileira é fenômeno antigo, que tem múltiplas causas e efeitos variados. Em

verdade, é o efeito de todo um processo histórico viciado e que só tem se agrava-

do. Há várias interpretações possíveis. Entre outras, por sua abrangência, merece

ser citada a de Jaguaribe (2000, p. 24), que aponta as seguintes causas:

O instituto da escravidão, a industrialização tardia do Brasil, o processo

de crescimento populacional e de urbanização mal controlados, o mode-

lo econômico adotado, que incentiva a absoluta concentração de renda e

agrava os desvios sociais, de classes e regiões.

5. A INVEJA E A CULTURA ORGANIZACIONAL

Há várias definições para cultura organizacional. As mais clássicas foram apre-

sentadas por Pettigrew (1979) e Schein (1985).

Para Pettigrew (1979, p. 574),

cultura organizacional é um sistema de significados aceitos pública e co-

letivamente por um dado grupo num dado momento. Esse sistema de

termos, formas, categorias e imagens interpretam para as pessoas as suas

próprias situações.

Por outro lado, Schein (1985, p. 3) define cultura organizacional de modo

bem abrangente:

Conjunto de pressupostos básicos que determinado grupo inventou, des-

cobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação

externa e de integração interna, e que funcionou bem o bastante para se-

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 179

rem considerados válidos e ensinados aos novos membros como a forma

correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.

Da definição desses dois autores é possível concluir que o conceito de cul-

tura organizacional diz respeito às conclusões dos seus membros a partir de suas

experiências dentro da organização. De forma mais objetiva, é a regra do jogo, a

maneira como as coisas são feitas.

Para conhecer a cultura organizacional, é preciso decodificar as diferentes ma-

nifestações culturais.

A primeira manifestação cultural transmitida aos membros são as formas cul-

turais. As formas são referentes ao ambiente físico, aos artefatos, contos, gestos, às

lendas, à linguagem, ao mito, aos rituais, símbolos e saga que uma empresa possui

e que dificilmente é igual em outra empresa (SCHEIN, 1986).

Pode-se observar, por exemplo, que cada organização possui um símbolo que

melhor a representa e é identificado por todos os membros, ou uma lenda ou mito

ou saga ou história que é contado várias vezes, ou um ritual que caracterize a sua

cultura.

Na hierarquização da influência dessas manifestações culturais na identidade or-

ganizacional, podemos identificar quatro níveis nos quais o símbolo é a manifestação

mais superficial e os valores são a manifestação mais profunda, pois são sentimentos

inconscientes e raramente discutidos, que não são perceptíveis como os demais.

Para Hofstede (1991), os símbolos, o nível mais superficial, são palavras, ges-

tos, figuras ou objetos que trazem um significado particular e são somente reco-

nhecidos por pessoas que partilham a mesma cultura. A construção de símbolos

serve como um meio para a formação da identidade da organização. O segundo

nível é representado pelos heróis – pessoas, vivas ou mortas, reais ou imaginárias,

que possuem características altamente valorizadas na cultura e cujo comporta-

mento serve de modelo para seus seguidores. Os heróis tornam o sucesso atingí-

vel e humano, além de motivar os empregados. O terceiro nível de manifestação

são os rituais – atividades coletivas consideradas socialmente essenciais em uma

cultura. Como exemplo de rituais, o autor identifica formas de cumprimentos

e cerimônias sociais, tais como festas de fim de ano, cafés da manhã e almoços

comemorativos. Essas categorias são visíveis aos espectadores e são percebidas e

imitadas pelos membros da organização.

A categoria mais profunda de manifestação cultural dentro de uma organi-

zação são os valores – tendências amplas na preferência por certos estados ou

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relações em detrimento de outros. São sentimentos inconscientes e raramente dis-

cutidos que apontam para a conclusão de que alguém tem mais ou menos razão.

Ou seja, são as crenças e conceitos básicos numa organização.

A partir destas manifestações da cultura nas organizações, é possível identifi-

car tipologias culturais que, como definiu Freitas (FREITAS, 1991), “são modelos

que ajudam na compreensão da cultura organizacional, pois remetem às generali-

zações de um objeto” (p. 27).

Para a reflexão do papel do contexto socioeconômico-cultural-religioso nas

manifestações de inveja nas organizações brasileiras utiliza-se a tipologia cultural

de Barros e Prates (1996), que propõem a existência de um estilo brasileiro de

administrar em que são identificados traços que podem dar vazão a situações po-

tenciais de inveja, conforme resumido no Quadro 5.

QUADRO 5 O estilo brasileiro de administrar e situações potenciais de inveja

Traços Descrição Situações potenciais de inveja

Concentraçãode poder

As próprias estruturas formais favorecem aos líderes acumular poder.

Frustração, sentimento de inferioridade, desespero e tristeza por nunca conseguir o que a pessoa invejada possui.

Personalismo Muitas vezes as pessoas preferem que os líderes os tratem de forma diferenciada, personalista, em relação ao grupo.

Vergonha íntima de si mesmo, a comparação e o desejo de anulação das diferenças, éticas individualistas, injustiça, distribuição aleatória de méritos e privilégios.

Paternalismo O líder adota a postura de “pai” que tudo sabe e age de forma supridora para com os “seus”.

A busca do herói, a idealização colocando o ser invejado acima dos mortais.

Postura de espectador

Liderados tendem sempre a aguardar as soluções que virão de cima, transferindo a responsabilidade tanto por seus sucessos quanto por seus fracassos aos seus superiores.

Impotência, amargura, expectativa frustrada, raiva e ressentimento desses liderados passivos.

Formalismo Os liderados agem como se estivessem esperando pelas ordens superiores; instituem ordens, normas e controles que tendem a perpetuar a situação.

Agarrar-se ao conhecido e recusar o novo, identificando-o com o mal e pensar no homem, um invejoso de Deus, como um imitador sem criatividade.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 181

Traços Descrição Situações potenciais de inveja

Postura de evitar conflitos

Os conflitos devem ser mediados por um terceiro que mantenha boas relações com ambas as partes.

Contra a inveja existe uma virtude: a benevolência, o querer bem ao outro, o mostrar que o outro é importante para nós.A cooperação e a solidariedade como prevenção da inveja.

Flexibilidade Calcada na adaptabilidade e criatividade do povo brasileiro, possibilita a convivência pessoal dentro de um sistema hierarquizado e formal.

Pode-se fazer de tudo para despertar a inveja, mas não se pode invejar. E embora a inveja seja um sentimento execrado, louvável é a sociedade que a atiça. Manipula-se a inveja para tirar dela os maiores lucros. Mascara-se a inveja para melhor manipulá-la.

Lealdadepessoal

Há uma importante lealdade dos subordinados para com o líder, baseada na liderança carismática.

O herói, o inventor solitário, o salvador da pátria, perseverante e abnegado, no lugar das equipes e dos trabalhos coletivos.

Impunidade Como os liderados acreditam que as diferenças de direitos sempre existirão, ficando os líderes sempre à margem das punições e que a realização não vale a pena, tendem a acomodar-se evitando participar de quaisquer movimentos no sentido de evolução cultural.

Em princípio ninguém quer ser invejado, porque a inveja é ruim. Mas, ao ato prático, todos querem ser invejados, ou seja, todos querem estar em situação invejável. O valor se mede frequentemente pelo nível da inveja despertada Embora seja pecado invejar, não é pecado atiçar a inveja e servir-se dela.

As organizações brasileiras refletem as diferentes subculturas da nossa socieda-

de e vivenciam vários paradoxos e desafios, principalmente no que diz respeito às

manifestações da inveja, conforme pode ser resumido nos itens a seguir:

(a) Sucesso pelo mérito, perseverança, dedicação, obediência,

ética do trabalho, controle

Se por um lado tem-se uma sociedade que valoriza a flexibilidade e o discurso

da “malandragem”, a maioria das organizações brasileiras é mobilizada por uma

ética de trabalho árduo, de esforço e suor, que permeia todos os níveis hierárqui-

cos, desde o dono, “que é o primeiro a chegar e o último a sair”, até o funcionário

mais humilde. Esse cotidiano de trabalho é reforçado por ditos populares como

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“Deus ajuda a quem cedo madruga” e está embasado em valores como honestida-

de, honradez da palavra empenhada, tolerância, respeito aos outros e prazer em

se esforçar e em trabalhar.

Essas manifestações culturais antagônicas são minimizadas pelas estratégias de

socialização dos novos membros que integram e aglutinam lideranças com perfil

muito semelhante e com características coesas filtradas pela exigência de dedica-

ção integral, esforço árduo, horário exigente, controles formais rígidos que im-

põem sacrifícios de ordem pessoal.

Tal cultura atrai empreendedores dispostos a se dedicar.6 Quem não apresenta

esse perfil provavelmente fará parte das estatísticas de rotatividade.

Se por um lado essa cultura coesa é a “cola” que mantém a personalidade orga-

nizacional, um marco de competência e fonte de identidade (SCHEIN, 1985), por

outro ela pode se consubstanciar numa fonte de inveja obsessiva, avara e ponte.

Observa-se que, por meio de estratégias de negação e bajulação, a cultura impõe

dificuldades de aceitar o diferente ou dificulta a sucessão e o aparecimento de

subculturas por estratégias de desvalorização de quem faz sucesso com outras

competências como conhecimentos técnicos e habilidades interpessoais, mesmo

que esses aspectos sejam indiscutivelmente cruciais ao negócio.

O excesso de coesão e a homogeneização da cultura criam mecanismos de re-

jeição de pessoas que não são legítimas ao grupo e que em geral são excluídas por

maledicência, fofocas ou críticas, dificultando a inovação e a continuidade do ciclo

de vida do negócio e o processo de aprendizagem individual e organizacional.

(b) Comportamentos consumistas, profissionalismo, competitividade e inveja

Se por um lado as organizações brasileiras são permeadas por uma ética do

trabalho baseada no esforço, na disciplina e na poupança, os indivíduos que nelas

trabalham vivenciam um constante paradoxo do estímulo ao consumismo de seus

clientes.

Para se fortalecer, as organizações precisam estimular a compulsão coletiva de

consumir e para tanto utilizam a inveja patrimonial ou material como estimulante

nada desprezível, isto é, como mola do processo; contrastando claramente com o

contexto da sociedade brasileira, na qual se encontram gritante desigualdade de

6 O que confirma pesquisa feita em 2008 com 110 empreendedores apresentada em Cultura empreen-dedora, de TOMEI, P.A.; RUSSO, G.M. e BOTTINO, C.F.B. São Paulo: Office Books, 2008, onde observamos que honestidade, entusiasmo, perseverança, perspicácia, motivação, autoconfiança, dedi-cação, iniciativa, inovação e flexibilidade são os valores considerados mais importantes para o grupo.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 183

renda e bolsões de escassez. O incentivo ao “ter” em vez de ao “ser” e a utilização

da inveja como motor de um consumismo descontrolado, longe de ser um instru-

mento de democratização do consumo obriga aos indivíduos a pagar o preço do

comportamento consumista e tem como resultado inadimplências, roubos, saques

e furtos.

Conforme coloca Konder (2002):

A propriedade, que se tornou o centro da vida social, se torna um fator de

agravamento da inveja [...] É preciso enriquecer para se tornar um vencedor e

deixar quem permanece pobre como um perdedor, um derrotado. Essa hiper-

competitividade generaliza muito as condições favoráveis a um fornecimento

dessa coisa sinistra que é a inveja. Então, o pecado capital aqui se revela mais

claramente ainda do que nos outros, como pecado do capital.

(c) Inveja, ostentação, exibicionismo

Observa-se que em alguns setores da economia nacional, como no comércio

varejista, os indivíduos valorizam a simplicidade, são menos formais e sofisticados

(por exemplo, no vestir, nos ambientes físicos de trabalho, nos hábitos de consu-

mo) quando comparados com outros setores de prestação de serviços (como o se-

tor financeiro). Estes valores de ostentação e exibicionismo muitas vezes paralisam

o indivíduo diante da percepção de inferioridade gerando uma inveja depressiva.

Em setores em que se dá preferência ao pragmatismo, à praticidade, ao conteúdo,

ao durável, ao autêntico, em lugar dos rótulos e das aparências que são indicadores

significativos de status e prestígio em outros grupos, pode-se dizer que há menos

espaço para as invejas social e existencial. Portanto, em setores em que se condena

a ostentação e o exibicionismo encontram-se situações potenciais de admiração,

respeito, cooperação e solidariedade.

6. A INVEJA NAS ORGANIZAÇÕES SEGUNDO TIPOLOGIAS CULTURAIS

Para a reflexão de como a inveja se manifesta segundo a cultura organizacional

serão utilizadas duas tipologias culturais: de Sethia e Von Glinow (1985) e de

Handy (1978).7

7 HANDY, C.B. Como compreender as organizações. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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184 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Na tipologia cultural de Sethia e Von Glinow (1985), as autoras enfocam a

administração de Recursos Humanos em geral, e o sistema de recompensas, em

particular. Comparando pessoas e desempenho, quatro tipos de cultura foram

identificados, dependendo da preocupação da organização com as pessoas e com

o desempenho da empresa: Cultura Cuidadosa, Cultura Apática, Cultura Integra-

tiva e Cultura Exigente.

Em culturas paternalistas (cuidadosas), preocupadas com o bem-estar de seus

funcionários, mas que não impõe altos padrões de desempenho, os indivíduos são

mais avaliados segundo critérios de igualdade do que de equidade e têm no seu

contrato psicológico, isto é, na forma como estabelecem os modelos mentais que

caracterizam a sua inserção organizacional; valores como obediência, honestidade,

segurança, qualidade de vida e a participação de atividades comunitárias. Tem-se

uma inveja sublimada com alguns traços de inveja depressiva.

Numa cultura apática caracterizada pela indiferença que reflete um estado

de desmoralização generalizado há espaço para o individualismo, a organização

permite que os seus membros se concentrem em objetivos e interesses pessoais,

muitas vezes voltados para a segurança e a estabilidade no emprego. Há espaço

para uma inveja neurótica, depressiva e maligna.

Numa cultura exigente, agressiva, que vive de acordo com um código de so-

brevivência dos mais capazes, buscam-se desempenhos elevados com altas pres-

sões de competitividade, foco em resultado, dedicação, ousadia, pragmatismo,

entusiasmo e profissionalismo, o que pode gerar uma inveja neurótica, perversa,

maligna, obsessiva.

Numa cultura integrativa, na qual o desempenho é um valor central e a ênfase

se dá no grupo ou no sucesso da companhia como um todo e não no processo

individual, busca-se alcançar resultados pelas pessoas dando espaço para que os

indivíduos tenham uma comunicação clara, iniciativa, inovação, visão estratégica,

perseverança, autonomia, perspicácia, comprometimento, dedicação e coopera-

tividade. Esse tipo de cultura propicia principalmente uma inveja sublimada e

competitiva.

Na dinâmica de ciclo de vida organizacional, a cultura integrativa somente se

perpetua na medida em que o gerenciamento cultural evita a cultura apática, em

que os indivíduos lidam com a inveja de maneira neurótica, depressiva e maligna

refletindo seus comportamentos em práticas que buscam garantir o seu emprego

com um olhar imediatista e individualista; assim, muitas vezes levam a organiza-

ção à estagnação e ao declínio.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 185

Tal cultura de complacência, com pouca confrontação, pouca sinceridade,

que permite que os indivíduos desenvolvam estratégias de negação/fuga, baixa

assertividade, baixa cooperatividade, do tipo “mate-se o mensageiro de más

notícias”; pode existir numa organização que não convive numa arena com-

petitiva, na qual os indivíduos não conseguem sublimar e reprimir a inveja

perversa e neurótica.

Quando o ambiente impõe pressões, riscos e desafios a organização precisa

redefinir seus modelos de punições e recompensas, e de avaliação de desempenho

para evitar a acomodação.

Caso não se efetive um gerenciamento que ofereça os meios de identificação

dos esforços individuais, o grupo reage com um comportamento rotulado de folga

social, conforme encontrado nas pesquisas de Duffy e Shaw (2001): a tendência

das pessoas a se esforçarem menos ao trabalhar em grupo do que se estivessem

trabalhando sozinhas já que se sentem desmotivadas quando trabalham em grupo

e acreditam que suas contribuições individuais não serão avaliadas.

Handy (1978) afirma que regras, procedimentos, planejamento e organiza-

ção fazem parte da cultura de uma empresa. Nesse sentido, ele desenvolveu uma

tipologia cultural que considera como os canais de poder são refletidos em deter-

minados sistemas e estruturas, estabelecendo quatro tipos de cultura: Cultura de

Poder, Cultura de Papéis, Cultura de Tarefas e Cultura de Pessoas.

Numa cultura de poder em que se trabalha por precedentes, com poucas

regras e procedimentos, e os seus membros têm mentalidade política e assu-

mem riscos em prol de mais poder; temos alta centralização e portanto com-

portamentos mais individualistas. Essa centralização do poder exige que as

lideranças sejam mais autoconfiantes, comprometidas, dedicadas, ousadas para

assumir riscos, tenham iniciativa, visão estratégica, autonomia e sejam moti-

vadas e otimistas para a tomada de decisão assim como foco em resultados, já

que os membros da organização têm mentalidade política e assumem riscos em

prol de mais poder. Esse tipo de cultura propicia principalmente uma inveja

sublimada, competitiva e depressiva.

A transparência e a comunicação aberta não são evidenciadas numa organi-

zação altamente formalizada. Esses valores estão mais presentes numa cultura de

pessoa, em que há um baixo grau de formalização e centralização e predominam

os fluxos de informação e comunicação horizontais e ascendentes. Resiliência e

estabilidade emocional são fundamentais numa cultura de pessoa, em que o indi-

víduo é o ponto central e precisa se adaptar a uma estrutura enxuta.

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186 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Foco em realização tem mais a ver com uma cultura de pessoa. Nesse tipo de

cultura a baixa formalização e a baixa centralização permitem que os indivíduos te-

nham espaço para fazer a sua trajetória profissional sem tantas pressões de compe-

titividade. Neste tipo de cultura há espaço para uma inveja neurótica, depressiva

e sublimada.

Numa cultura de tarefas orientada para o trabalho ou projeto, na qual se

prioriza a rapidez de resposta e se estimula o trabalho em equipe, as pessoas

precisam de flexibilidade, capacidade de negociação, profissionalismo, inova-

ção e iniciativa para conviver com a competitividade. Valores como poliva-

lência, perspicácia, pragmatismo e entusiasmo também são necessários para

o trabalho em equipe. Neste tipo de cultura observa-se a inveja sublimada e

competitiva.

Numa cultura de papéis, na qual se trabalha pela lógica e racionalidade, se

opera um ambiente estável. Nesse contexto valores como segurança, honestidade,

obediência, cooperatividade e justiça são fundamentais.

Nas empresas nas quais se encontra um misto de cultura de papéis e cultura

de pessoa, uma combinação de lideranças fortes, não mistificadas, com uma estru-

tura hierárquica rica de relações informais, observa-se uma posição extremamente

singular para o desempenho organizacional e a gestão da inveja: a não valorização

a aspirações hedonistas conduz os indivíduos a uma ideologia na qual o sucesso

em geral está associado ao mérito e não à sorte, o que permite estratégias de iden-

tificação em que líderes de carne e osso são exemplos a seguir; são pessoas que

chegaram lá pelo trabalho e que continuam próximas fisicamente, e que podem

ser imitadas sem idealização e mistificação.

Estruturas hierárquicas fechadas e verticalizadas em geral são um catalisador

de climas de inveja destrutiva e constituem um fator desmotivador, principalmen-

te quando são encontradas em organizações em que:

(I) A proximidade física gera uma intimidade que dificulta a separação das

questões pessoais das questões profissionais.

(II) Há uma esquizofrenia entre o discurso e a prática, caracterizada por

situações de injustiça e protecionismo.

(III) As expectativas de seleção, avaliação e promoção não são claras e es-

tão pautadas em personalismos sem critérios transparentes.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 187

(IV) A comunicação interna é formal, utilizada apenas como instrumento

para dar ordens, fiscalizar e promover a operacionalização do dia a dia,

gerando espaço para delações,8 ruídos, fofocas e boatos.

(V) Não há o reconhecimento da gerência com relação aos trabalhos exe-

cutados.

(VI) Utiliza-se remuneração variável e benefícios sem definições claras dos

critérios, padrões e indicadores de avaliação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas organizações brasileiras em geral, ainda são pouco operacionalizadas es-

tratégias construtivas de fazer face à inveja, embora esse sentimento seja conside-

rado um fator de desmotivação no trabalho.

Apesar de a análise desenvolvida neste texto não permitir inferências e genera-

lizações sobre práticas gerenciais que devam se consideradas receitas e/ou modelos

para que a inveja não gere disfunções organizacionais, alguns comentários finais

podem identificar desafios e paradoxos que precisam ser considerados:

1. Aceitar que a inveja é um problema das organizações e tentar reconhecer as

condições que propiciam suas forças destrutivas e seus efeitos nos conflitos.

2. Desenvolver capacidade para reconhecer e entender essa dinâmica e saber

que seus comportamentos como distribuidores de recompensas podem in-

centivar um clima de inveja destrutiva.

3. Entender que as soluções para os casos de inveja não podem ser impostas,

já que em geral envolvem relações interpessoais e sentimentos individuais.

Em vez disso, sugere-se a realização de reuniões entre as partes na presença

de um facilitador.

4. Considerar que um processo de inveja não está encerrado quando uma so-

lução conciliatória emerge e aparentemente resolve o conflito. O acompa-

nhamento do processo é imprescindível.

8 Conforme apresentado por TOMEI, P.A. Op.cit., 4, p. 81, “é quase unânime a opinião de que o que leva os indivíduos à delação é a inveja, apesar de ela aparecer aparentemente envolta em um véu de pudor, sentido ético, moralidade administrativa e defesa dos valores normativos”.

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5. Um compromisso organizacional de mudança e de alinhamento cultural

permanente é um instrumento fundamental para lidar com a inveja nas

organizações.

6. Buscar formas de valorizar a benevolência, o querer bem ao outro, o mos-

trar que o outro é importante, o desejo de que os outros progridam, se

desenvolvam e se tornem sempre melhores.

7. Compreender que o “bem-querer”, a solidariedade e a felicidade são os me-

lhores antídotos contra a inveja.

8. Alinhar o discurso de que a empresa é uma comunidade e/ou uma gran-

de família com a prática de que as organizações, imersas no contexto da

sociedade e possuidoras de um papel econômico central e de poder decor-

rente dessa ordem, devem ser cobradas a assumir seu papel socialmente

responsável.

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Algumas reflexões sobre a inveja nas organizações segundo tipologias culturais 189

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Page 207: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A T I V I D A D E S P R O P O S T A S

P A R A A P A R T E I I

I. QUESTÕES PARA REFLEXÃO

Capítulo 6. Socialização e cultura organizacional

1. Como se pode relacionar socialização e cultura?

2. As civilizações nascem, se desenvolvem e muitas vezes desaparecem ou entram

em declínio. Como isso pode ser explicado?

3. Qual o papel dos meios de comunicação: transmissores ou destruidores de cul-

turas? Dê exemplos positivos, negativos que você observa nos meios de comu-

nicação.

4. Quais os elementos mais importantes para identificar uma cultura (no caso,

uma cultura jovem, atual)? Como se faz essa identificação?

5. A globalização pode ter reflexos na nossa identidade cultural? De que forma?

(Cite os aspectos positivos/negativos.)

6. Como o conhecimento dos conceitos de socialização e cultura auxiliam na

organização de políticas e práticas de gestão?

Capítulo 7. Controle organizacional no processo capitalista de produção

1. Ao analisar o histórico apresentado no texto, quais relações podem ser aponta-

das entre o desenvolvimento das organizações e o controle?

2. Quais inovações tecnológicas permitem aumentar o controle sobre o tra-

balho?

3. Como ocorre o controle do processo nas novas formas de organização do

trabalho? Em que esse controle difere das práticas anteriores?

Page 208: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

196 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

4. Como acontece o processo de dominação nos modelos de estruturas organiza-

cionais flexíveis?

5. A cultura organizacional contribui para o controle do trabalhador?

6. Ao envolver o indivíduo com os objetivos e valores da organização, a cultura

organizacional pode levar ao desenvolvimento de um “autocontrole” na ten-

tativa de buscar o plano organizacional traçado. Que elementos desse tipo de

controle você identifica nas organizações que conhece?

7. Quais as principais formas de resistência empregadas pelos trabalhadores para

evitar/escapar do controle?

Capítulo 8. Os grupos nas organizações

1. Para a Sociologia há diferenças fundamentais entre grupo social e classe social.

Reflita sobre os diferentes grupos sociais nos quais você interage cotidianamen-

te: em que eles diferem daquilo que pode ser considerado a classe social na qual

você se situa?

2. As pesquisas sobre o processo de socialização desenvolvidas ao longo do século

XX aplicaram com frequência as categorias de grupo primário e secundário

desenvolvidas por Cooley. Um dos principais processos sociais nos quais ocorre

a transição entre esses dois grupos nas sociedades complexas ocidentais é a ado-

lescência. A partir de sua experiência pessoal, procure descrever esse processo

de transição.

4. Quais as principais diferenças entre o conceito de grupo e de equipe de traba-

lho? Em sua opinião, quais consequências possíveis podem ser visualizadas a

partir da aplicação desses diferentes conceitos ao âmbito organizacional?

5. Atualmente algumas empresas têm utilizado o termo “times de trabalho” em

alusão ao elevado nível de integração e comprometimento necessários entre os

participantes de esportes coletivos para alcançar resultados. Em que medida é

possível transpor as características das equipes esportivas para o mundo corpo-

rativo?

Capítulo 9. Participação dos trabalhadores nas organizações: Mito ou realidade?

1. Por que a temática da participação é importante nos estudos de Administração?

2. Quais os benefícios para os trabalhadores e para as organizações quando há a

participação dos trabalhadores?

Page 209: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Atividades propostas para a Parte II 197

3. Quais são as formas de participação que podem existir em uma organização?

Defina-as.

4. Porque a gestão participativa representa uma conquista dos trabalhadores? Jus-

tifique.

5. Discuta com seu grupo de trabalho como acontece a participação nos sistemas

taylorista, fordista, toyotista.

Capítulo 10. Algumas refl exões sobre a inveja nas organizações segundo

tipologias culturais

1. Reflita sobre a fábula e analise. A partir dela busque as explicações nos concei-

tos discutidos no texto:

A INVEJA E O SAPO BARRIGUDO

Era uma vez... era uma vez um sapo barrigudo, de pele enrugada, olhos

esbugalhados e garras afiadas. Passava os dias coaxando no pântano.

Um dia, de repente, viu resplandecer no ponto alto de uma rocha um lindo

vaga-lume.

Mortificado pela inveja e impotência diante de tanta beleza, saltou até o

local onde estava o vaga-lume e o cobriu com o seu ventre gelado.

Estupefato o vaga-lume perguntou-lhe:

– Por que me cobres?

E o sapo, inflado pela inveja, respondeu-lhe:

– Por que brilhas.

2. A inveja leva a inúmeras manifestações do que existe de mesquinho na espécie

humana. Discuta em grupo onde encontrou, em qualquer organização, algu-

mas manifestações que refletem a inveja.

II. SUGESTÕES DE ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

Acessar o site e apresentar a experiência no início da aula (sobre grupos, poder

e autoridade) (Parte 1): debater e no final da aula (Parte 2) concluir:

Page 210: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

198 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Parte 1: • http://www.youtube.com/watch?v=lUrFUscpVqU

Resumo do vídeo: Um experimento sobre autoridade e obediência realiza-

das por Stanley Milgram entre 1961 e 1962 notabilizou-se por seus resultados

surpreendentes. Dois participantes eram esclarecidos de que a experiência era

sobre aprendizagem. Sorteava-se quem seria o “professor” e o “aluno” e então

o pesquisador sentava-se ao lado do “professor”, indicando-lhe que a cada res-

posta errada o “aluno”, que estava preso a uma espécie de cadeira elétrica, rece-

besse uma descarga elétrica cumulativa (de 45 volts, uma agulhada incômoda,

a 450 volts, suficientes para provocar uma parada cardíaca).

Cerca de 65% dos participantes voluntariamente eletrocutaram com até

450 volts o “aluno” da sala ao lado, que eles ouviam e podiam ver por um pe-

queno televisor no equipamento de eletrocussão.

Esta controversa experiência indica-nos que, muitas vezes, as organizações

exercem pressão sobre seus membros de modo a fazê-los se comportar de modo

diretamente contrário às suas inclinações pessoais ou ao moralmente aceitável.

Reflita sobre essa experiência com base em elementos apresentados no texto.

Caso julgue adequado, lance mão de algum exemplo ilustrativo de seu cotidia-

no de trabalho ou vida pessoal.

Parte 2: • http://www.youtube.com/watch?v=ul6u8ZfwsWk&feature=related

III. SUGESTÕES DE FILMES, VÍDEOS E DOCUMENTÁRIOS

Documentário

1. The Corporation

Direção: Claude Berri

Ano: 1993

Duração: 151 minutos

Sinopse: Considerando que desde o século XVIII as leis norte-americanas permi-

tem que corporações podem ser regidas somente por uma pessoa, o documentário

investiga seu comportamento, examinando esse modelo de organização em vários

casos.

Page 211: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Atividades propostas para a Parte II 199

2. A origem das coisas (Story off Stuff )

Direção: Annie Leonardi

Duração: 20 minutos

Sinopse: Com base nos subterrâneos dos padrões de consumo da sociedade con-

temporânea, mostra as conexões entre diversos problemas ambientais e sociais. É

um alerta pela urgência em criarmos um mundo mais sustentável e justo.

Disponível em: http://sununga.com.br/HDC/index.php?topico=display

Filmes

1. Germinal

Direção: Jennifer Abbott / Mark Achbar

Ano: 2003

Duração: 145 minutos

Sinopse: O filme retrata o processo de gestação e maturação de movimentos gre-

vistas e de uma atitude mais ofensiva por parte dos trabalhadores das minas de

carvão na França do século XIX em relação à exploração de seus patrões.

2. O corte

Direção: Costa-Gavras

Ano: 2005

Duração: 122 minutos

Sinopse: Após 15 anos de leais serviços como executivo de uma fábrica de papel,

Bruno D. é despedido com centenas dos seus colegas em decorrência do corte de

despesas. Três anos se passam sem que ele encontre um novo emprego. Agora ele está

disposto a tudo para conseguir um novo posto, inclusive partir para a ofensiva.

3. Pão e rosas

Direção: Ken Loach

Ano: 2000

Duração: 110 minutos

Sinopse: As irmãs Maya (Pilar Padilla) e Rosa (Elpidia Carrillo), mexicanas de san-

gue quente, trabalham no serviço de limpeza de um prédio comercial no centro

Page 212: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

200 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

da cidade. O destino colocou Sam (Adrien Brody), apaixonado ativista americano,

no seu caminho, o que as leva a uma campanha guerrilheira contra seus patrões. A

luta ameaça seu sustento, a família e faz com que corram o risco de serem expulsas

do país.

4. O que você faria?

Direção: Marcelo Piñeyro

Ano: 2005

Duração: 115 minutos

Sinopse: Sete executivos disputam uma única vaga em uma empresa. Eles chegam

para o teste de seleção no mesmo dia em que Madri está movimentada em razão

das marchas de protesto contra a globalização e a política monetária do FMI,

que realiza sua reunião no mesmo prédio em que estão. Logo os candidatos são

informados que serão submetidos a uma seleção diferente, chamada de Método

Grönhom. Nele o grupo é deixado a sós em uma sala, sendo submetidos a vários

testes via computador, que têm por objetivo analisar como eles interagem. De iní-

cio todos acreditam ter total controle sobre o próprio comportamento e emoções,

mas os jogos os colocam em situações-limite, o que, aliado ao fato de saberem

estar sendo observados, os leva a um nível de tensão insuportável.

Page 213: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1 1

A constituição do trabalho na sociedade moderna

SIDINEI ROCHA DE OLIVEIRA

VALMÍRIA CAROLINA PICCININI

1 Normas e valores do trabalho compartilhados pelos diferentes grupos que fazem parte da sociedade.

O trabalho é uma atividade complexa, de difícil definição e conceituação

pela variedade de objetos, eventos e situações que engloba. Parte dessa

complexidade deriva da diversidade de significados adquirida e tam-

bém do seu contexto histórico. Por sua vez, esses significados estão condicionados

à importância do trabalho para os indivíduos, à institucionalidade,1 ao reconheci-

mento por parte da sociedade do trabalho, das características da sua atividade la-

boral e das condições em que ocorre. Assim, o lugar que o trabalho ocupa em de-

terminada sociedade está fortemente relacionado com o grau de institucionalidade

e com o sentido atribuído ao trabalho para as pessoas e grupos sociais. Mesmo

quando utilizado em seu sentido econômico (trabalho remunerado) e restrito ao

contexto das organizações formais, permanece seu aspecto diversificado, ambíguo

e complexo (CATTANI, 2000).

Por sua importância como categoria de estudo, neste texto pretende-se apre-

sentar um breve histórico das concepções de trabalho ao longo do tempo e discutir

algumas interpretações e transformações sobre esta categoria na sociedade atual.

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204 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO

Nas sociedades antigas (grega e romana) o trabalho está ligado apenas à satis-

fação das necessidades básicas. No caso dos gregos, tudo que é relacionado com as

necessidades de sobrevivência não define a liberdade nem a grandeza do homem;

da mesma forma a felicidade não é alcançada por meio do acesso aos bens mate-

riais. A Concepção Clássica de trabalho não valoriza nem a tarefa nem o indivíduo

(ENRIQUEZ, 1999); ao contrário, é visto como aquilo que tortura, é degradante,

inferior e duro. O poder se baseia na força e na coerção, e as tarefas mais árduas

competem aos escravos (BORGES, 1999). Essa ideia sobre o trabalho teria se es-

palhado por todos os países latinos que se formavam e perdurado até o início do

século XV (ALBORNOZ, 1994).

Na sociedade feudal (século V ao XV) há também uma rígida hierarquia es-

tabelecida na relação com o trabalho: senhores feudais (responsáveis pela organi-

zação econômica e política dos feudos); servos e trabalhadores (garantem a sub-

sistência do feudo trabalhando e sendo fiel ao seu senhor); e a Igreja, na figura

do clero, responsável pela preservação dos valores morais e do espírito. Embora

não houvesse valorização do trabalho como forma de obtenção de riqueza, com o

crescimento das religiões cristãs é possível identificar valores positivos no conceito

de trabalho, que passa a ser percebido como um esforço físico ou intelectual dire-

cionado para algum fim, guardando a herança bíblica da punição pelos pecados.

“O significado ativo e desejado para realização de objetivos; onde até mesmo o ob-

jetivo realizado, passa a ser chamado trabalho. Trabalho é o esforço e também seu

resultado” (ALBORNOZ, 1994, p. 12). O trabalho torna-se uma das categorias

capazes de distinguir o ser humano dos animais, pois o homem, além de ser capaz

de realizá-lo, tem a possibilidade de interrompê-lo no momento em que decida

mesmo que contrarie suas necessidades, pois o “trabalhar” não está vinculado aos

seus instintos, mas à sua liberdade de ação. Entretanto é condenada a atividade

que tem por objetivo principal o lucro.

A Reforma Protestante (século XVI) representa uma mudança cultural que

transforma os valores e os comportamentos relativos ao trabalho, ao passar a dar

destaque para a vida ativa em detrimento da atividade contemplativa. O trabalho

passa a ser valorado positivamente, não só como meio que permite a obtenção de

riquezas, mas também como exercício de vida ascética. Impulsionado por esta

nova institucionalidade do trabalho na sociedade e pelo crescimento da econo-

Page 215: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 205

mia mercantil, o trabalho passa a ser visto como de grande valor para o processo

econômico, resultando na busca da produtividade crescente. O lucro deixa de ser

visto como pecado e passa ser considerado expressão de uma vida de labuta, ativi-

dade e enriquecimento que pode ser entendido como sinal de uma benção divina.

É a partir dessa mudança de compreensão em relação aos ganhos do trabalho que

se constrói a base moral capaz de dar sustentação ao trabalho como um valor,

conceito que se reforça no capitalismo.

A Primeira Revolução Industrial (1760-1850) marca a transição do capitalismo

mercantil para o capitalismo industrial. Nesse período, os economistas clássicos

(Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill) produzem estudos que apontam

mudanças relevantes com respeito a importância relativa do dinheiro, dos seto-

res produtivos e dos fatores de produção. Na era industrial, continua crescente a

valorização do trabalho, que se torna um símbolo de liberdade do homem para

transformar a natureza e a sociedade. Tal revolução no pensamento liberta os indi-

víduos dos antigos laços com a terra, pois cada um se transforma num trabalhador

livre, que oferece sua força e seu intelecto a quem lhe der emprego. Os indivíduos

que não trabalham são vistos como parasitas, delinquentes e inúteis (ENRIQUEZ,

1999). São estabelecidas leis que punem a vadiagem, e as autoridades passam a

prender aqueles que não possuem trabalho.

No período em que a Revolução Industrial encaminha-se para sua segunda

fase (final do século XIX a meados do século XX), Marx (1818-1883) desenvolve

sua obra, na qual destaca o caráter dicotômico do trabalho na sociedade moderna.

Por um lado, como o elo do homem com a natureza, que integra a sociedade e

realiza os indivíduos, o trabalho deve ser formador da própria condição humana,

expressivo, fornecedor de recompensas de acordo com as necessidades de cada

um, de conteúdo, criativo e desafiante, de controle coletivo e protegido pelo Esta-

do. Por outro lado, sob a égide da mercadoria, transforma-se numa atividade im-

posta, forçada e compulsória. É explorador, monótono e repetitivo, discriminante

e submisso, levando o trabalhador à alienação (MARX, 1998).

Considerando que o trabalho ocorre quando o homem transforma a natureza

(matéria-prima) por meio da técnica, as sucessivas revoluções tecnológicas dos sé-

culos XIX e XX tiveram impacto direto sobre o modo de o homem se organizar e

perceber sua relação com a esfera do trabalho. Porém essas mudanças não ocorrem

de maneira homogênea, elas tendem a compor um mosaico cada vez mais com-

plexo para a compreensão de como ocorre e qual a importância adquirida pelo

Page 216: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

206 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

trabalho na sociedade contemporânea. Tal diversidade multifacetada dá margem

a variadas formas de analisar, problematizar e legislar as relações que, por meio do

trabalho, são tecidas no meio social.

Para Méda (1999, p. 18), nas sociedades modernas, o trabalho é compreendi-

do como

[...] uma atividade essencial do homem, graças à qual ele é colocado em

contato com sua exterioridade, a natureza, à qual ele se opõe para criar as

coisas humanas e é com os outros e para os outros que ele realiza sua ta-

refa. O trabalho é portanto aquilo que exprime de modo mais importante

nossa humanidade, nossa condição-fim, criadora de valor, mas também

de nossa autocriação como seres sociais. O trabalho é nossa essência e ao

mesmo tempo nossa condição.

Nessa expressão se observa a congregação das matrizes cristã, marxista e hu-

manista, para as quais o trabalho é considerado a essência do homem. A vertente

cristã apresenta a valorização do esforço na realização das atividades. A humanista

associa o trabalho à criação de algo a partir do ser humano, além de reforçar sua

presença como laço social de base, meio pelo qual se aprende e se participa da

vida em sociedade. Na dimensão marxista, está expressa a conversão do trabalho

em meio de alienação e exploração (NARDI, 2006), mas também o domínio do

homem sobre a natureza, transformando-a para atender a seus interesses.

Na virada do século XIX, com o surgimento da grande empresa capitalista, da

sociedade por ações e do grande capital financeiro, a atividade laboral realizada

pelos operários constitui-se de um elemento fundamental para a manutenção do

sistema produtivo. Para os operários, o trabalho torna-se um elemento constituti-

vo e fundamental de sua personalidade. Para a sociedade, torna-se um elemento

integrador, permitindo a uma sociedade fragilizar ou reforçar laços sociais (ENRI-

QUEZ, 1999).

Já no século XX, o trabalho assume a forma de contrato, caracterizado pela

relação de emprego. O emprego é uma forma regulada de relação de trabalho, na

qual está presente um conjunto de regras e proteções que marca a atuação do esta-

do de Bem-estar Social. Nos países capitalistas avançados se estabelece o pacto so-

cial sustentado na promessa do pleno emprego e na segurança baseada nas relações

de trabalho. Mesmo que nos países em desenvolvimento uma parcela significativa

Page 217: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 207

da população siga à margem das relações contratuais formais, o emprego torna-se

a referência de relação de trabalho. “O emprego assalariado e estável coloca o tra-

balho em uma nova ordem social, a qual deveria garantir a distribuição de renda e

o crescimento econômico” (NARDI, 2006, p. 31).

O crescimento do capital financeiro introduz uma nova dinâmica na econo-

mia, indicando um uso mais estrito do tempo para produzir a valorização do ca-

pital e valorizando os empresários empreendedores e exitosos. O objetivo das

empresas que surgem consiste em dominar a natureza para extrair os recursos e

transformá-los, tendo em vista a obtenção de lucros, com a utilização da técnica

(NEFFA, 2003).

Com a influência da corrente keynesiano/fordista na economia, dos estudos

da Escola das Relações Humanas e dos trabalhos iniciais sobre psicologia orga-

nizacional, o trabalho é entendido como mercadoria num estreito vínculo com

o consumo, como provedor de salários, benefícios e assistência; de uma ampla

rede de proteção institucional que inclui garantia de estabilidade no emprego e

provedor de contatos interpessoais. Por outro lado, é visto como pobre de con-

teúdo, parcelado, monótono, mecanizado e repetitivo para a maior parte dos

trabalhadores.

Atualmente, com as transformações que afetam o trabalho – a globalização da

economia com a crescente importância do capital financeiro, a difusão das tecno-

logias de informação e comunicação, a nova divisão internacional de trabalho, a

preponderância da política econômica com traços neoliberais, a reestruturação das

empresas na lógica da racionalização flexível, bem como o desequilíbrio de forças

no mercado de trabalho e das respectivas relações – emergem visões distintas so-

bre o trabalho.

2. AS INTERPRETAÇÕES SOBRE O TRABALHO

Numa concepção ampla, Marx denomina trabalho um processo em que o

homem, com sua força, conduz, regula e controla sua interação com a natureza.

Por meio desse processo, ele é capaz de estabelecer um projeto mental para a

realização das tarefas. Segundo esta visão, concepção e planejamento são ativida-

des inerentes ao trabalho humano e os indivíduos devem tomar a si todas essas

fases até a execução.

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208 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

De modo semelhante, Dejours define o trabalho como “a atividade coorde-

nada desenvolvida por homens e mulheres para enfrentar aquilo que, em uma

tarefa utilitária, não pode ser obtido pela execução estrita da organização pres-

crita” (1997, p. 43). Salienta neste conceito duas noções propostas para carac-

terizar o trabalho: o real, que define como “aquilo que em uma tarefa não pode

ser obtido pela execução rigorosa do prescrito” (p. 43) e a dimensão humana

do trabalho: “aquilo que deve ser ajustado, rearranjado, imaginado, inventado,

acrescentado pelos homens e pelas mulheres para levar em conta o real do tra-

balho” (p. 43).

Numa expressão da ampliação da ideia de Dejours (1997) sobre a concepção

de trabalho, Kovács (2002, p. 1) destaca:

O trabalho é um termo ambíguo e complexo, significa uma atividade física

e intelectual; um ato compulsório, mas também um ato de criação que

constitui uma fonte de desenvolvimento e de satisfação; é um meio de sub-

sistência, mas, ao mesmo tempo, uma forma de autorrealização e fonte de

rendimento, de estatuto, de poder e de identidade. No entanto, frequente-

mente, as definições ignoram essa ambiguidade e complexidade.

Incorpora todas as formas de trabalho e o fato de que dele pode-se obter não

somente os meios para subsistir, mas também de criar, realizar as aspirações pes-

soais. Lembra que na sociedade industrial os conceitos de trabalho e emprego se

confundem. O trabalho remunerado com duração indeterminada possibilitou o

“[...] desenvolvimento emocional, ético e cognitivo do indivíduo e ao mesmo tem-

po conferiu um estatuto social ao trabalhador...” (p. 1). Porém, a globalização da

economia e todas as consequências advindas significaram a desregulamentação do

mercado de trabalho e maior liberdade de ação às grandes empresas que levaram

à proliferação dos empregos precários. Também reforça que certa estabilidade de

emprego e de salários são fundamentais não só para a reprodução dos recursos

humanos, mas para a reprodução social, o funcionamento do crédito, dos impos-

tos etc. Na perspectiva neoliberal o trabalho assalariado torna-se cada vez mais

restrito e ampliam-se as tarefas realizadas por trabalhadores independentes que

prestam serviços de acordo com as demandas das organizações e com contratos de

duração preestabelecida. Como a classe trabalhadora torna-se heterogênea, parte

dela é exposta a condições precárias de emprego e distancia-se da concepção de

trabalho (emprego) oferecido a uma minoria.

Page 219: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 209

Para a autora não está se verificando o fim da sociedade de trabalho nem da

extinção do seu valor, mas existe, sim, a tendência a sua diversificação, heteroge-

neidade e invisibilidade do trabalho e do emprego.

Seguindo uma abordagem psicológica em seus estudos, Morin, 2002 aponta

que o trabalho pode ser definido de várias maneiras, segundo a visão de cada indi-

víduo. Ele pode ser agradável ou desagradável, estar ou não associado a trocas de

natureza econômica, podendo ser ou não executado dentro de uma organização.

Já a noção de emprego está ligada à noção de salário e de permissão para que ou-

tras pessoas determinem suas condições de trabalho.

A fim de compreender os diferentes entendimentos dos habitantes de nações

industrializadas sobre o trabalho, entre 1978 e 1984 o grupo MOW (Meaning of

Work, 1987) desenvolveu um estudo intitulado The Meaning of Work. Esse estudo

foi realizado com 14.700 indivíduos em 8 países (Bélgica, Holanda, Inglaterra,

Alemanha [então Ocidental], Estados Unidos, Israel, Japão e a antiga Iugoslávia).

A partir das respostas foram encontrados seis padrões de definição de trabalho:

Padrão A • : o trabalho é algo que acrescenta valor a qualquer coisa; deve-se

prestar conta; recebe-se alguma compensação financeira para fazê-lo.

Padrão B • : há um sentimento de vinculação (pertença) ao realizar o tra-

balho; faz parte das tarefas do indivíduo; recebe-se alguma compensação

financeira para fazê-lo e contribui para a sociedade.

Padrão C • : outros se beneficiam com o trabalho; é fisicamente exigente; recebe-

-se alguma compensação financeira para fazê-lo; contribui para a sociedade.

Padrão D • : alguém determina o que fazer, não é agradável; faz parte das ta-

refas do indivíduo; recebe-se alguma compensação financeira para fazê-lo;

contribui para a sociedade.

Padrão E • : o trabalho é mental e fisicamente exigente; recebe-se alguma

compensação financeira para fazê-lo, mas não é agradável.

Padrão F • : o trabalho tem um horário determinado para sua realização; faz

parte das tarefas do indivíduo; recebe-se alguma compensação financeira

para fazê-lo.

Os padrões A, B e C evidenciam o caráter social do trabalho, destacando que,

além de benefícios individuais, deve trazer alguma contribuição para a sociedade.

Os padrões D e E mostram concepções negativas do trabalho, apresentando-o

como uma atividade desagradável, uma atividade que se é obrigado a realizar para

Page 220: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

210 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ganhar a vida. Já o padrão F apresenta uma concepção neutra do trabalho: uma

atividade que se realiza num lugar determinado, num horário determinado e com

uma remuneração para a tarefa.

A diversidade de padrões encontrados nos estudos do grupo MOW demonstra

a complexidade da compreensão do trabalho na sociedade atual, refletindo as di-

ferentes visões que os indivíduos podem ter a partir das suas vivências no trabalho.

Tal diversidade pode ser decorrente dos diferentes modelos de organização do

trabalho que surgem a partir da flexibilização tecnológica e da heterogeneização

da classe trabalhadora. Entretanto, ressalta-se que, por se tratar de uma pesquisa

realizada em países desenvolvidos e num período (anos 1980) em que a concepção

de trabalho estava atrelada à atividade assalariada e ao vínculo empregatício, em

todos os padrões analisados foi destacada a compensação financeira para as tarefas

realizadas, como elemento característico do trabalho.

Ao considerar esta diversidade de entendimentos, deve ser destacado que

a representação que cada indivíduo tem sobre o trabalho está relacionada com a

importância que ele assume para si e para a sociedade à qual pertence, o que

depende de sua formação, do seu grupo social, do seu histórico profissional, das

características da sua atividade laboral e das condições em que esta ocorre.

Nesse sentido, para compreensão do trabalho nos dias atuais, é preciso levar

em conta: de um lado, o trabalho como fonte de realização individual (elemento

que possibilita ao homem interagir com a natureza, transformando-a de maneira

que o resultado permita identificar-se com tal produção), o espaço de interação

social (local em que se identifica com seus pares e constrói também sua indivi-

dualidade na maneira que concebe e executa) e elemento ético e integrador da so-

ciedade (responsável pelo vínculo social estabelecido entre os indivíduos em suas

mais diversas atividades); de outro lado, o trabalho como simples valor de troca é

visto por alguns como a base para a sua sobrevivência; para outros, como um meio

de acesso a símbolos de status e participação em esferas de lazer criadas pela socie-

dade de consumo. Tal entendimento decorre do desenvolvimento do capitalismo

que se funda durante e após o esgotamento do sistema fordista, quando o trabalho

transforma-se, para muitos, em simples meio de obtenção de recursos para par-

ticipar da esfera do consumo – espaço de bens simbólicos efêmeros que reforça a

necessidade contínua de retornos financeiros crescentes –, sendo reconhecido por

aqueles que comungam desta forma de interação social. O predomínio de tal pon-

to de vista, entretanto, não elimina a importância que o trabalho mantém como

espaço de formação individual, interação e integração social.

Page 221: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 211

3. DEBATES CONTEMPORÂNEOS SOBRE O TRABALHO

Os debates a respeito do destino do trabalho têm levado a vislumbrar uma

nova sociedade na qual o trabalho não tem mais lugar central, deixando de ser a

referência na qual o homem se organiza em sociedade e constrói sua identidade

como indivíduo. Alguns autores americanos e europeus defendem a tese do “fim

do trabalho” (OFFE, 1989; RIFKIN, 1995; DE MASI 1999; 2000; MÉDA, 1999),

uma vez que as pessoas estariam encontrando cada vez menos empregos perma-

nentes, trabalhando menos horas e ocupando o tempo livre com outras atividades

fora da esfera do trabalho (lazer, família, política, religião etc.).

Entre os precursores no questionamento acerca da importância do trabalho

como atividade central da sociedade está o sociólogo alemão Claus Offe (1989).

Para o autor, o trabalho teria sido temática central da Sociologia clássica por duas

razões: 1) o tratamento que recebeu o separou de outras atividades e esferas so-

ciais, o que se tornou possível na medida em que pode ser personificado na cate-

goria social do trabalhador; e 2) a possibilidade de recompensa foi tratada teologi-

camente como um status ético que justificou a busca incessante pela acumulação

própria do sistema capitalista. A compreensão do trabalho assalariado pautou-se

na organização e na divisão do trabalho, separando-o da esfera da família e de

outras formas de associação.

Segundo Offe (1989) este modelo já teria se esgotado, apontando para o tér-

mino da sociedade do trabalho, evidenciado por diversos fatores, entre os quais

destaca: 1) o trabalho deixa de ser tratado como o mais importante princípio or-

ganizador das estruturas sociais, uma vez que as pesquisas sociais identificam que

muitos indivíduos têm se voltado para outras esferas da vida cotidiana (família,

religião etc.); 2) a vasta heterogeneidade de vínculos de trabalho (contratuais ou

não), na qual o contrato de longa duração ou da dependência em relação ao traba-

lho não mais constituiria foco da identidade coletiva e da divisão social e política;

3) o declínio da ética do trabalho, à medida que, no nível da integração social, o

trabalho como um dever ético está deixando de existir; e, por fim, 4) o trabalho

vem perdendo sua característica de se colocar como uma necessidade, no nível da

integração do conjunto social.

Para suas análises, Offe (1989) toma por base pesquisas realizadas na então

Alemanha Ocidental, que evidenciam que o foco desloca-se da atividade indus-

trial voltando-se à análise da sociedade e do espaço vital, bem como à atividade

política. Assim, a atenção dos pesquisadores rompe com a primazia da categoria

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212 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

trabalho na “determinação da consciência e das ações sociais” (p. 17). Na área de

ciências sociais, aponta a limitação dos modelos de sociedade “centradas no tra-

balho”, de tal forma que até mesmo as experiências realizadas no meio laboral e

o potencial de conflitos daí resultantes receberiam interpretações que poderiam

ser compreendidas fora do ambiente do trabalho, estando relacionadas com ou-

tras esferas da vida social como o lazer, a religião etc. Mesmo na pesquisa social

aplicada, os temas são buscados em áreas situadas à margem da esfera do trabalho,

tais como família, gênero, saúde, comportamento divergente etc. Além disso, a

contínua diferenciação interna dos trabalhadores assalariados – em que se faz

a distinção entre os mercados primário e secundário, aumento da produção fora

do sistema contratual formal, crescimento do setor de serviços – e a degradação

das instituições políticas que reforçavam a sua identidade coletiva conduzem a

uma fragmentação de objetivos, fazendo os trabalhadores terem, cada vez mais,

menos referências comuns.

Na década de 1990, Rifkin (1995), analisando o caso dos Estados Unidos,

avalia que o crescente desenvolvimento tecnológico, a busca contínua por maiores

resultados, a intensificação da competitividade e o fim do modelo de trabalho for-

dista estavam levando as organizações a buscarem por uma redução de custos via

ampliação do trabalho industrial por meio de novas tecnologias e a consequente

diminuição da mão de obra. Para o autor, ao contrário do que ocorreu em outros

períodos da história em que a aplicação de novas tecnologias em um setor resul-

tava na migração de trabalhadores para outros espaços produtivos, atualmente as

novas tecnologias estariam levando à extinção de postos de trabalho, ao aumento

do desemprego e à ocupação dos trabalhadores em postos informais ou temporá-

rios e de baixa remuneração. Com isto, cria-se uma massa de excluídos do traba-

lho de longa duração, enquanto uma elite que permanece na organização tem sua

jornada de trabalho reduzida e seu tempo de lazer ampliado.

Na França, Méda (1996; 1999), ao analisar diferentes momentos da histó-

ria do trabalho, defende que no século XXI o trabalho não constitui mais uma

categoria central para o indivíduo. A relação estabelecida entre trabalhadores e

empregadores, baseada no trabalho assalariado, deixa de constituir a base das re-

lações sociais, pois os indivíduos estabelecem vínculos em outras esferas como a

participação política e social. Esse posicionamento representa uma crítica à ideia

de que o trabalho seja a base do laço social, destacando que tal função é apenas

uma das consequências, uma vez que opera muito mais na esfera individual do

que na integração dos indivíduos em torno de um projeto comum.

Page 223: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 213

Para a autora, a redução do tempo de trabalho é uma condição necessária à

formação de outros modos de sociabilidade fora da esfera da produção, em que

será possível o desenvolvimento de um verdadeiro espaço público. Sua proposta,

como ideal normativo, é de uma sociedade que assegure a todos os indivíduos

atividades sociais (políticas, produtivas e culturais), bem como atividades privadas

(família, lazer etc). Para tanto, seria necessário superar o déficit democrático e de

emprego da sociedade atual, permitindo a cada indivíduo o acesso ao emprego

sobre uma base justa e equitativa, mas que ocupe apenas um número reduzido

de horas, permitindo tempo e espaço para que todos possam se dedicar a outras

atividades.

Embora apresentando abordagens distintas com relação às transformações em

curso e suas consequências, essas análises sobre o fim do trabalho têm sido contes-

tadas por outros autores, principalmente quando vistas sob a perspectiva de países

periféricos, como os da América Latina (ANTUNES, 1999; 2005; DE LA GAR-

ZA, 2000) e do Leste Europeu (MÉSZÁROS 2002; 2004; ZIZEK, 1999), para

os quais o trabalho continua o elemento central na vida dos indivíduos, sendo as

atividades realizadas dentro e fora dele complementares para a formação e manu-

tenção do ser humano como indivíduo e como ser social. Avaliam que a forma de

trabalho que está em declínio nas sociedades europeia e norte-americana refere-se

ao trabalho industrial assalariado. Nessas sociedades a centralidade do trabalho

está vinculada às necessidades materiais próprias da sociedade de consumo, in-

cluindo aquelas vinculadas à esfera de lazer (arte, turismo etc.). Já nas sociedades

periféricas, nas quais nem todos têm acesso aos recursos que possibilitam o consu-

mo, o trabalho seria um elemento integrador, sobretudo de grupos de indivíduos

que lutam por condições mínimas de sobrevivência. Assim, o trabalho, de modo

geral, continua sendo fundamental não só como elemento ético e integrador da

sociedade, mas também como meio de acesso ao consumo.

Antunes (1999) destaca que as teses defensoras do fim da centralidade do tra-

balho encontram seu contraponto quando se parte de uma concepção abrangente

e ampliada de trabalho. Essa concepção deveria considerar tanto sua dimensão

coletiva quanto a subjetiva, tanto a esfera da atividade produtiva quanto impro-

dutiva, tanto a material quanto a imaterial, bem como as formas assumidas pela

divisão sexual do trabalho e pelas novas configurações da classe trabalhadora etc.,

dentre vários elementos anteriormente apresentados, que permitem recolocar e

dar concretude à tese da centralidade do trabalho na formação societal contem-

porânea.

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214 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Assim, considera-se que o trabalho permanece como vetor principal da orga-

nização da sociedade e é possível dizer que mudanças neste âmbito repercutem

sobre toda a organização social, gerando impactos que se estendem para além de

tal esfera. Tais impactos assumem diferentes formas, ou seja, positivos para al-

guns poucos grupos que ocupam posições de destaque, concentrados em grandes

organizações e com incidências mais negativas sobre mulheres, minorias étnicas,

jovens e trabalhadores com mais idade, a exemplo do que já ocorreu em outros

momentos de instabilidade social, como na Europa durante os primeiros anos da

Revolução Industrial. Observa-se que as citadas transformações vêm atingindo

contingentes cada vez mais amplos de trabalhadores, o que pode ser tomado como

indicativo de tendências para o futuro próximo, com repercussão desfavorável

sobre parcelas importantes e crescentes de indivíduos e para a sociedade como

um todo.

Como visto, o trabalho no contexto da internacionalização dos mercados ad-

quire características mais complexas e heterogêneas. Os novos arranjos produ-

tivos necessitam cada vez menos de trabalho estável e cada vez mais de ativida-

des fragmentadas (terceirizadas, em tempo parcial, em domicílio etc.), em franca

expansão em todos os setores da economia. Entretanto, mesmo que o trabalho

seja reduzido, ele não pode ser totalmente eliminado. Valendo-se do esquema

interpretativo marxista, Antunes (2005) afirma que ainda é necessário o trabalho

vivo2 para o processo de criação de mercadorias, além de constituir uma forma de

ampliar ilimitadamente o trabalho morto ligado aos maquinários, de modo a in-

tensificar a extração da mais-valia num tempo cada vez mais reduzido. Segundo o

autor, a redução do número dos trabalhadores em níveis operacionais e o aumento

do trabalho intelectual e de trabalhadores mais qualificados nas plantas produtivas

seria a expressão desse fenômeno, bem como a ampliação de um novo operariado

precarizado e terceirizado, decorrente da era da empresa enxuta (ANTUNES,

2005).

Para Cattani (2000), ao ser regido pelos princípios da economia de mercado,

o trabalho permitiu não só o estabelecimento de uma relação salarial e a acumu-

lação de uma grande quantidade de bens, mas também o desenvolvimento de

forças produtivas em níveis nunca antes vistos. Ao mesmo tempo, transformou-

-se numa espécie de cimento social, no fator básico da socialização, na atividade

principal e no elemento definidor de boa parte do sentido da vida dos indivíduos.

2 Trabalho executado pelo ser humano.

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A constituição do trabalho na sociedade moderna 215

Assim, tornou-se um vetor essencial de construção identitária e de socialização e a

principal ou única maneira de se obter recursos materiais e imateriais necessários

à vida em sociedade, podendo ser fonte de satisfação, por permitir participar da

obra produtiva geral e fonte de verdadeiro prazer, por possibilitar a realização de

objetos úteis à sociedade. Por meio do trabalho o indivíduo sai da representação

e participa do mundo produzindo e criando, o que possibilita participar da vida

material e cultural.

Para De la Garza (2000), o trabalho, ainda que não tenha a centralidade de-

fendida pelos clássicos do marxismo, segue sendo suficientemente importante

para a maioria dos habitantes do mundo capitalista, permitindo que se sustente

que é um espaço de experiências que, junto a outros, contribui para a formação ou

reconstituição de subjetividades e identidades. Existem novas heterogeneidades

no contexto da vida dos trabalhadores, assim como havia em épocas passadas, mas

agora com características diferentes. Atualmente não se pode falar de uma única

classe de trabalhadores, devendo-se compreender o trabalho que está vinculado

tanto ao emprego quanto ao desemprego, entre trabalhadores estáveis e sujeitos

que vivem à margem do mercado.

O discurso de que não se vive mais numa sociedade do trabalho constituiria

uma negação teórica e prática utilizada pelos autores que seguem a vertente da

pós-modernidade, uma nova forma de acordo com o capital. Para reforçar sua

tese, De la Garza traz dados que apontam para o aumento da população economi-

camente ativa na indústria na América Latina, na Ásia e na África, que demons-

tram que a visão de fim do trabalho indica uma posição que reflete a situação de

alguns países desenvolvidos.

Kovács (2002), Antunes (1999) De la Garza (2000), e Cattani (2000), ao

ressaltarem que o trabalho continua central, reportam que ele continua a ser fun-

damental na vida dos indivíduos, tanto sob o ponto de vista econômico quanto

social, embora tenha adquirido novas “roupagens” como consequência das trans-

formações ocorridas. Também a generalização da palavra trabalho, quando utili-

zada para designar suas formas de manifestação como a do emprego ou de simples

atividades (posto, tarefa), contribuem para dificultar o debate. Contudo, o traba-

lho continua sendo categoria fundamental na vida dos indivíduos, na medida em

que, além da dimensão econômica indispensável para a satisfação de necessidades

materiais, contribui para a manutenção da ordem moral, econômica, social, jurídi-

ca, política e cultural. Ao funcionar como uma forma de regulação social, organiza

o tempo e o espaço da vida dos indivíduos, torna-se um elemento fundamental

Page 226: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

216 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

na constituição da condição humana, como fator determinante da experiência

humana na integração social e realização pessoal, bem como um legitimador das

diferentes fases da vida (estudo, trabalho, aposentadoria).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações na esfera do trabalho vêm alterando significativamente as

condições de inserção dos trabalhadores no mercado, o que se manifesta de diver-

sas maneiras: no crescimento do desemprego e na ampliação de formas ocupacio-

nais à margem da proteção social prevista pela legislação, na maior instabilidade

na ocupação, na intensificação do trabalho, na ausência de garantias ou benefícios

sociais e condições inferiores quanto à segurança e condições ambientais, situações

que dão consistência a abordagens que caracterizam esses fenômenos como sendo

manifestações de precarização do trabalho.

As razões para que isto ocorra estão na redução do trabalhador de referên-

cia ao longo do século XX: o “industrial empregado assalariado”. No século XXI

verifica-se o crescimento do número de assalariados no setor de serviços, além

da ampliação de formas flexíveis de trabalho como as terceirizações, subcontra-

tações, trabalho em horários e tempos flexíveis. Elementos como faixas etárias,

gênero e região formam uma miríade de relações de trabalho, onde se verificam

aspectos de permanência se comparados a períodos anteriores e novas situações:

as crianças são incorporadas ao mercado de trabalho precocemente em países em

desenvolvimento ou subdesenvolvidos; a dificuldade de os jovens e mais velhos se

inserirem ou permanecerem no mercado de trabalho; a influência crescente das

mulheres no mercado, mesmo em condições desvantajosas em termos de valori-

zação profissional e salários inferiores aos dos homens; aumento do trabalho em

domicílio tanto para atividades tradicionais como calçadista e vestuário até os que

implicam o uso de tecnologias avançadas como os home office; a criação de peque-

nas empresas para realizar atividades que antes eram feitas no interior das grandes

corporações; a expansão das organizações do chamado Terceiro Setor; intensifi-

cação das migrações para regiões em desenvolvimento ampliando as divergências

étnicas e, consequentemente, o surgimento de conflitos entre trabalhadores de

uma mesma classe.

Em paralelo, nota-se dificuldade de os sindicatos atenderem a um mercado de

trabalho tão díspar em que as relações de trabalho adquirem novas facetas e que

Page 227: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

A constituição do trabalho na sociedade moderna 217

coloca essas organizações de defesa dos trabalhadores numa situação de despres-

tígio, sobretudo pelas ações desenvolvidas pelas grandes corporações no sentido

de adiantar-se ao movimento sindical atendendo as aspirações dos trabalhadores

que vêem as possibilidades de permanecer no mercado formal dependente de uma

maior sujeição às normas dessas organizações.

No entanto, na medida em que o trabalho ainda se apresenta como importante

vetor da organização da sociedade, é possível dizer que as mudanças discutidas

anteriormente repercutem sobre toda a organização social, gerando impactos que

se estendem para além de tal esfera. Estes impactos assumem diferentes formas,

ou seja, positivos para alguns poucos grupos que ocupam posições de destaque,

concentrados em grandes organizações e com incidências mais negativas sobre

as mulheres, as minorias étnicas, os jovens e os trabalhadores com mais idade, a

exemplo do que já ocorreu em outros momentos de instabilidade social, como na

Europa durante os primórdios da Revolução Industrial.

Enfim, o trabalho ainda permanece, para o homem, tanto um meio de subsis-

tência e acesso aos bens de consumo quanto de expressão individual, identidade

de classe e profissão e meio de interação coletiva. Ao longo do tempo, constituiu-

-se como elemento integrador da sociedade, levando cada indivíduo a explicitar

um compromisso com os demais por meio das atividades laborais que desem-

penha. Ao mesmo tempo, essa integração pode ser vista como uma construção

teórico-ideológica, um meio de estabelecer e manter grande parte dos indivíduos

dependentes do capital, visto que, após sucessivas transformações econômicas e

sociais, o trabalho permanece predominantemente subordinado a ele.

Page 228: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1 2

Processo e organização do trabalho: Conceitos

VALMÍRIA CAROLINA PICCININI

TATIANA GHEDINE

A Sociologia do Trabalho e a Administração ocupam-se das mudanças que

ocorrem no mundo/esfera do trabalho. Nos últimos anos, a maioria delas

refere-se às tecnologias (processo) que repercutem sobre a Organização

do Trabalho, que sofre influências de inúmeros fatores e que serão apresentados

aqui.

Entender os conceitos de processo e de organização do trabalho e como eles

ocorrem dentro das organizações, além de permitir analisar melhor suas transfor-

mações ao longo da história, nos possibilita compreender as origens dos modelos

e, principalmente, o modo como estes se desenvolveram nas últimas décadas e

mudaram substancialmente as relações de trabalho na sociedade capitalista. Nesse

sentido, busca-se aqui discutir conceitos que são usados comumente nas organi-

zações e no meio acadêmico para possibilitar a compreensão deles, bem como de

suas origens e as formas que assumem, muitas delas ligadas à cultura, à tecnologia

e à legislação dos países.

Page 229: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

220 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

1. PROCESSO DE TRABALHO

O conceito de processo de trabalho cunhado por Karl Marx (1818-1883)

refere-se ao processo pelo qual o homem, por meio do trabalho, transforma as

matérias-primas (insumos) em produtos com valor de uso.1 Trata-se, assim, da

atividade realizada visando o atendimento das necessidades humanas úteis e ne-

cessárias, condição natural e eterna na vida humana, comum a todas as formas de

vida social. Segundo Marx, o processo de trabalho é composto basicamente de três

elementos:

a) a atividade adequada a um fim: o trabalho propriamente dito;

b) a matéria sobre a qual se aplica o trabalho: o objeto de trabalho, que tanto pode

ser a matéria em seu estado primário, do modo como se encontra na natureza,

como secundário, que resulta de trabalho anterior;

c) os meios de trabalho: instrumentos utilizados pelo trabalhador.

Para Marx, no processo de trabalho o homem opera uma transformação, vi-

sando determinado fim. O objeto sobre o qual o homem atua, por meio de seu

instrumental de trabalho, permite distinguir as condições sociais nas quais se reali-

za o trabalho em um dado período histórico (MARX, 1970). Portanto, para poder

realizar esta distinção entre as condições de trabalho em diferentes momentos

históricos, faz-se importante o estudo do progresso técnico, pois, segundo Marx, a

forma pela qual o homem interage com a natureza e ao produzir possibilita o seu

sustento e desvenda como se formam e desenvolvem as relações sociais e as ideias

decorrentes dessas relações. Assim, a tecnologia não apenas medeia a relação entre

o homem e o mundo externo, mas torna-se o centro das atividades humanas.

Dessa perspectiva entende-se que o processo de trabalho pode ser percebido

como um conceito geral e abstrato. Porém, ao situá-lo historicamente, passa-se a

considerá-lo um processo social, capaz de expressar as relações que os produtores

(trabalhadores) estabelecem entre si ao operarem sobre a natureza para alcançar

os meios de sobrevivência.

Nesse sentido, o processo de trabalho pode ser entendido como a representa-

ção dos processos sociais e políticos relacionados com determinado padrão tecno-

1 Valor de uso é o aspecto material de uma mercadoria, a sua capacidade para satisfazer uma neces-sidade humana e por isso está muito mais relacionada com as suas qualidades (conteúdo, o uso que pode ser feito dela) que a quantidade pela qual pode ser trocada.

Page 230: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 221

lógico, cuja modelagem é variável e está atrelada às transformações que ocorrem

nos componentes do próprio processo. As transformações que venham a ocorrer

em cada um desses elementos influenciam os demais, interferindo na organização

do processo como um todo. Contudo, essas transformações ocorrem dentro de

certas relações sociais que podem ser vistas no interior do próprio processo produ-

tivo e que definem não só as condições de trabalho e de distribuição do produto,

mas também a configuração geral das classes e a divisão do trabalho entre as dife-

rentes atividades (HOLZMANN, 2006; TRONTI et alii, 1982).

A seguir, apresentam-se alguns elementos relacionados com o processo de tra-

balho – utilizados nos diferentes tipos de indústria – que se constituíram de mode-

los seguidos em diferentes sociedades com muitos deles observados na atualidade,

modificados ou não, que possibilitam entender a evolução do trabalho.

1.1 O processo de trabalho: Da cooperação simples à automação

A história da produção capitalista inicia quando um mesmo proprietário em-

prega – num mesmo espaço – operários assalariados para produzir o mesmo tipo

de mercadorias e quando o processo de trabalho, realizado em escala, depende

da existência de um mercado mais significativo para escoar a sua produção. Isso

se torna possível no momento em que a sociedade mercantil se expande, assim

como o comércio, em diferentes sociedades. Em seus primórdios a manufatura

distinguia-se muito pouco do artesanato medieval; o que a diferencia é o maior

número de operários trabalhando simultaneamente e envolvidos no processo que

Marx denomina cooperação simples2 (MARX, 1970). Verificam-se mudanças ex-

pressivas nas condições materiais (prédios, depósitos de matéria-prima e merca-

doria, equipamentos).

Em geral, o valor dos meios de produção comuns e concentrados não aumenta

na mesma proporção das suas dimensões, e a utilidade de seus efeitos é menor que

o valor total dos meios de produção aos quais substituem, diminuindo a porção do

valor que transfere às mercadorias. Essa economia dos meios de produção diminui

o preço das mercadorias e, em consequência, da força de trabalho.

2 Exemplo de cooperação simples: na Antiguidade são as grandes obras dos egípcios, dos etruscos, que usavam seu excedente para obras suntuosas. Para construir suas imensas estátuas usavam quase unicamente o trabalho humano de que dispunham por direito exclusivo do rei ou sacerdote.

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222 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Quando a soma de forças mecânicas de operários isolados é diferente da que se

desenvolve quando trabalham em conjunto e, ao mesmo tempo, numa operação

que não pode ser dividida, um trabalhador sozinho não pode executá-lo, somen-

te depois de um tempo maior ou em escala muito inferior. Nesse caso, quando

vários indivíduos trabalham juntos buscando um objetivo comum em um mesmo

processo de produção ou em processos diferentes, mas conexos, seu trabalho toma

a forma cooperativa (MARX, 1970, p. 344). Exemplifica demonstrando que a

produtividade de 12 trabalhadores em uma hora é muito maior do que a de um só

isoladamente trabalhando 12 horas seguidas.

Assim, para Marx, a cooperação no trabalho é uma forma de organização que

assegura a coordenação da atividade conjunta dos trabalhadores no mesmo pro-

cesso de produção ou em vários processos relacionados entre si, ou seja, cria-se

uma força coletiva que permite disponibilizar melhor o tempo de trabalho (ge-

rando uma economia no tempo necessário para a conclusão de todas as tarefas) e

os meios de produção, obtendo uma redução sensível de gastos de trabalho e de

recursos por unidade de produção, além de permitir ampliar o espaço no qual se

realiza o trabalho. A coordenação dos processos de trabalho é baseada nos ofícios,

reproduzindo de certa maneira as relações entre mestre e aprendiz, presentes na

organização de produção artesanal (PALLOIX, 1982).

Segundo Marx, (1998) a manufatura está assentada na divisão do trabalho e na

especialização dos próprios trabalhadores e dos meios de trabalho em determina-

das operações de produção, ou seja, as várias atividades de trabalho, centralizadas

anteriormente nos ofícios, são separadas e reorganizadas, introduzindo com isso

a divisão do trabalho e a fragmentação das tarefas, ainda que o artesanato conti-

nuasse sendo, na época, a base do trabalho. Portanto, esse processo de trabalho

toma forma quando processos diferentes culminam em produtos distintos, neces-

sários para realizar um produto final.

A atividade manufatureira, que teve seus primórdios nas tecelagens inglesas,

é decorrente de grandes transformações tecnológicas (mecanização), econômicas

e sociais, influenciadas pela evolução do pensamento filosófico que inspiraram a

Revolução Francesa (1779) e a Independência dos Estados Unidos da América

(1776). A Revolução Industrial3 (segunda metade século XVIII na Inglaterra) re-

tira os artesãos de seus pequenos teares e os empurra para um trabalho assalariado

nas grandes e “modernas” fábricas de manufatura. Como consequência, observa-

3 Para aprofundamento das origens da Revolução Industrial veja os Capítulos 3 e 12.

Page 232: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 223

-se o surgimento do processo de desqualificação técnica e de hiperqualificação da

força de trabalho dentro da manufatura como resultado da divisão das tarefas. A

desqualificação ocorre pela diminuição do espaço de atuação e desenvolvimento

dos operários qualificados, pela retirada da autonomia e da participação do traba-

lhador capaz de “pensar” o trabalho a seu modo e, principalmente, pela divisão das

atividades que o faz perder a controle formal sobre o trabalho como um todo.

A hiperqualificação de uma minoria de operários provém da transferência de

responsabilidades do capitalista para alguns trabalhadores, com o objetivo de que,

mesmo sujeitos ao controle, estes tenham condições de sistematizar e dividir as

tarefas, e buscar adaptar os instrumentos de trabalho, de modo a aumentar a sua

eficiência.

Esta fase caracteriza-se, principalmente, pela diferenciação das ferramentas

que imprimem aos instrumentos da mesma espécie formas determinadas para

cada tarefa e pela especialização, que permite somente uma forma de uso para ca-

da uma dessas ferramentas. Com a manufatura, portanto, é introduzida a divisão

do trabalho no processo de produção.

Durante o período manufatureiro ocorrem a simplificação, o aperfeiçoamento

e a diversificação das ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas especiais do

trabalhador parcial.4 A partir desse momento, a transformação da natureza não

é mais realizada somente por um indivíduo e sim pelo trabalhador coletivo, que

agora é responsável por produzir os meios necessários à produção social (MARX,

1998; PALLOIX, 1982)

O processo de mecanização é decorrente das mudanças promovidas pela divi-

são e especialização do trabalho na manufatura. A operação de várias ferramentas,

antes manuseadas por trabalhadores, passa a ser efetuada por meio de mecanismos

de transmissão (uma fonte mecânica no lugar da energia humana). Essas alterações

no instrumental de trabalho (das ferramentas manuais para a maquinaria) deman-

dam a substituição da força humana por forças naturais (vapor, vento, água) que

sejam mais eficientes, e da rotina baseada nos conhecimentos do trabalho (mestre

de ofício), para a aplicação de outras formas (controles por meio do tempo das

máquinas). Com a mecanização, a exigência de força muscular não se torna mais

um atributo essencial ao trabalhador, visto que as máquinas e as diferentes forças

4 Trabalhador parcial é aquele trabalhador que no processo de divisão do trabalho passa a não ter mais conhecimento de todo o processo de trabalho e sim de uma parte, da qual é especialista (por exem-plo, em vez de produzir todo o sapato o trabalhador passa a fazer somente uma parte do processo, desconhecendo as demais).

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224 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

de alimentação garantem seu funcionamento, o que permite o emprego de mão de

obra com pouca ou nenhuma força muscular no processo produtivo, como mulhe-

res e crianças (MARX, 1998; PALLOIX, 1982).

Assim, o desenvolvimento da maquinaria na fábrica contribui, de um lado,

para a desqualificação maciça e perda de autonomia dos trabalhadores na pro-

dução (já que estes não têm mais o controle do processo), e de outro, para uma

“superqualificação” de poucos trabalhadores responsáveis pela inovação, organiza-

ção, regulação e pelo reparo. Ao substituir o trabalho do homem (trabalho vivo)

pelo das máquinas (trabalho morto), o processo de mecanização permite elevar a

produtividade com a redução da força de trabalho. O efeito principal decorrente

desse processo é a crescente desqualificação do trabalhador.

1.2. A automação no processo de trabalho

A automação significa uma evolução do processo mecânico, ao permitir a am-

pliação de técnicas visando o aumento da eficiência – expandir a produção com o

menor consumo de energia e de matérias-primas, de resíduos, além de diminuir

o esforço físico dos operadores –, mas eliminando trabalho vivo. Exemplo do em-

prego da automação são os computadores, os controladores lógicos programáveis

(CLP) e controle numérico computadorizado (CNC). A robótica é uma das for-

mas de automação e é usada nas industrias em geral – químicas, petroquímicas,

farmacêuticas – pelo Sistema Digital de Controle Distribuído (SDCD).

A automação – uso de técnicas eletrônicas – ao eliminar a intervenção por par-

te do trabalhador faz a sua atuação se limitar à supervisão e ao controle geral do

maquinário. Nesse sentido, o processo de trabalho pode ocorrer de duas formas:

a) descontínuo: processos mecânicos e eletromecânicos utilizados na produção

de bens de produção e de consumo duráveis (automóveis, eletrônicos, artigos

eletrodomésticos, têxteis etc.);

b) contínuo: presente na produção de bens intermediários (aço, produtos petro-

químicos e químicos, energia).

A produção descontínua caracteriza-se pela produção em série de grande

quantidade de componentes, compreendendo o ajustamento e a montagem des-

ses equipamentos por meios mecânicos. Tal produção pode ocorrer por meio das

Page 234: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 225

máquinas de transferência mecânica ou de CNC. As primeiras são utilizadas para

a produção em massa, permitindo substituir uma série de máquinas-ferramentas

que realizam operações especializadas por uma totalmente automatizada. Nesse

modelo (transferência mecânica) o movimento do produto não acabado de uma

máquina-ferramenta para outra é realizado automaticamente, sem que precise ser

retirado ou remontado a cada operação por meio de “linhas de fluxo”.5

Já as máquinas de controle numérico permitem a automatização de diferentes

fases da produção, pois por meio de um programa predeterminado é possível con-

trolar a operação de uma máquina sem que seja necessário o controle do operador.

Esse tipo de máquina-ferramenta permite diminuir drasticamente a quantidade

de trabalhadores nas fábricas, além de reduzir ainda mais as suas qualificações

técnicas demandadas no processo de trabalho, já que as atividades que realizam

são repetitivas e fragmentadas (PALLOIX, 1982). No entanto, observa-se que nas

organizações que utilizam esse tipo de máquina é exigida uma maior qualificação

dos trabalhadores, pois eles devem controlar e lidar com máquinas de extrema

complexidade e alto valor, e para tanto é requerido maior nível de escolaridade.

A aplicação do princípio de automação contínua ou em série foi desenvolvido

principalmente na produção de bens intermediários, em que o processo de trans-

formação predominante é o físico-químico, envolvendo um elevado investimento

em capital com completa utilização produtiva da maquinaria, sendo esse o seu

principal pressuposto (linhas de produção que funcionam 24 horas, sete dias na

semana). A produção funciona de forma integrada e automatizada, na qual cada

produto é o elo de uma cadeia de transformações físico-químicas que ocorrem

em tempos distintos e no qual as funções dos trabalhadores estão essencialmente

relacionadas com a manutenção e o controle geral da produção.

Na produção contínua, o processo deve ser permanentemente acompanhado

e corrigido para evitar riscos de perda de especificação dos produtos, sendo a qua-

lidade da tecnologia de controle de processo essencial. Nesse caso, a tendência é a

presença de poucos trabalhadores nas plantas de produção, os quais, em razão das

especificidades do processo e dos produtos, são superqualificados, constantemente

treinados e acompanhados de modo a garantir a qualidade dos produtos. É o caso

da indústria petroquímica de 1ª, 2ª e 3ª gerações (CASTRO, 1982; GUIMARÃES,

1995; PALLOIX, 1982).

5 Linhas de fluxo: são correias transportadoras automáticas interligadas que funcionam como esteiras que transportam os produtos não acabados nas linhas de montagem.

Page 235: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

226 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Portanto, muitas foram as transformações identificadas no processo de traba-

lho ao longo do tempo. A tecnologia permitiu tais mudanças, que provocaram

várias alterações no processo produtivo e, consequentemente, nas formas de orga-

nização do trabalho, principalmente nas últimas três décadas do século XX.

Busca-se, agora, entender o que é a organização do trabalho e como as forças

políticas, econômicas, sociais e tecnológicas têm influenciado nas práticas adota-

das pelas empresas, com o objetivo de otimizar a sua produção, sejam elas de bens

materiais ou de serviços.

2. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Um conceito abrangente de Organização do Trabalho é apresentado em No-

vick, que o compreende como “conjunto de aspectos técnicos e sociais que inter-

vêm na produção de determinado objeto, bem como a divisão do trabalho entre

as pessoas, e entre estas e as máquinas [...]. Ela é resultado de um conjunto de

regras e normas, fruto de uma construção social, histórica e portanto modificável

que determina como se deve executar a produção ou o trabalho em determinada

organização [...] dentro dessa perspectiva é uma construção social, histórica, mo-

dificável e mutável”. (NOVICK, 2000, p. 126).

Detalhando o conceito, observa-se que se aplica à política de gestão de pessoas

das organizações, pois tem a ver com suas políticas de qualificação, de remuneração,

relação com os trabalhadores e em que a tecnologia tem papel importante, pois dela

derivam as formas de organização da empresa, hierarquias e até mesmo o poder.

A partir desse conceito abrangente percebemos a reconceitualização do trabalho

humano. Na era das novas tecnologias de comunicação e informação, o conteúdo qua-

litativo do trabalho passa a ser privilegiado, transformando-se, assim, sua concepção.

A atividade laboral passa a ser uma série de aplicações de conhecimentos, em que os

indivíduos voltam suas capacidades para a programação e o controle, trazendo como

exigência pensar a formação dos indivíduos para o trabalho com base em pressupostos

pós-fordistas, sob os quais novas habilidades estão sendo demandadas.

A organização do trabalho no modo de produção capitalista é compreendida

como uma manifestação concreta de como o capital atinge o seu objetivo de valo-

rização pela dominação da força de trabalho que, por não possuir o controle dos

meios de produção, oferece seu trabalho e submete-se ao assalariamento (ROESE,

1992). Segundo Marx (1998), essa submissão imposta pelo modo de produção

Page 236: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 227

capitalista traz consigo outra consequência: a alienação do trabalhador, uma vez

que este fica totalmente afastado da concepção e do planejamento das tarefas,

restringindo-se apenas à sua execução.

Apesar de relacionar-se diretamente com o modelo de produção capitalista, a

organização do trabalho não deve ser tratada com a postura normativa das ciências

administrativas e engenharias, que a interpretam apenas como a divisão racional

do trabalho. O nível de interações existentes no centro da organização do trabalho

requer uma observação interdisciplinar com o auxílio das ciências sociais, abran-

gendo em sua análise, além do desenho das tarefas, os aspectos políticos, técnicos,

psicológicos e sociais do ambiente de trabalho (GUIMARÃES, 1995).

Nesse sentido, Dejours (1987, p. 27) define organização do trabalho como “a

divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela deriva), o

sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões

de responsabilidade etc.” Para esse autor, a organização do trabalho é entendida

como a divisão das tarefas entre os operadores, os ritmos e os modos operatórios

impostos, mas também e sobretudo, a divisão dos homens para garantir essa divi-

são de tarefas, representados pelas hierarquias, pelas repartições de responsabili-

dade e pelos sistemas de controle.

A partir dessas concepções de organização do trabalho, entende-se que ela está

ligada à estrutura de poder e de controle organizacional, ao conteúdo (por meio

do desenho de tarefas e definição de postos) e às relações estabelecidas com as

condições físicas do trabalho, as quais apresentam fronteiras difíceis de precisar.

A organização do trabalho lida com uma diversidade de elementos (tecnologia,

força de trabalho, hierarquias etc.) que irão compor todas as estruturas e relações

de trabalho nas organizações (GUIMARÃES, 1995).

Na busca por soluções para os problemas que passaram a enfrentar, dirigentes

e gestores buscaram novas formas de organização do trabalho que pudessem, cada

uma a seu tempo, atender aos interesses de uma sociedade em transformação,

onde os aspectos econômicos, políticos e as mudanças tecnológicas influenciam

cada vez mais as relações de trabalho e de poder nas organizações.

2.1. A organização do trabalho e as mudanças organizacionais

Num contexto complexo como o atual, em que as sociedades e as organiza-

ções veem-se frente a uma miríade de influências, Rondeau (1999) observa que

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228 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

elas subordinam-se às diferentes forças ambientais (econômicas, políticas, sociais,

tecnológicas) que colocam em questão a forma de concebê-las e fazê-las funcio-

nar, o que representa uma pressão importante sobre elas, que buscam sobreviver

no mercado. Uma consequência de tais esforços de ajustamento é a emergência de

novas formas de gestão e organização do trabalho.

Rondeau (1999) refere-se às Forças Econômicas, tais como a globalização

das economias e o acirramento da concorrência, como as forças que impelem as

organizações a definirem melhor a sua estratégia e a controlar seus custos. São

empreendidas medidas de ajustamento, como a flexibilização (downsizing, ter-

ceirização), que nem sempre são adotadas pelas empresas de forma racional ou

mais adequada à sua estratégia de desenvolvimento. Ela favoreceu a emergência

de uma gestão (a valor agregado) que se interroga de forma sistemática sobre cada

processo, cada atividade orientada na direção do crescimento da produtividade, da

responsabilização em todos os níveis da organização.

Acrescenta as Forças Políticas: como a desregulamentação dos mercados, a di-

minuição das estruturas de controle, antes inerentes ao Estado, que levam à reor -

ganização e comprometimento das atividades em numerosos setores industriais

com a formação de alianças estratégicas, fusões, aquisições, redes interorganizacio-

nais; novas parcerias; reestruturação; organizações virtuais, dentre outras. Como

consequência, são questionados políticas, estratégias e procedimentos, assim co-

mo a utilidade das chefias intermediárias.

Outro elemento importante refere-se às Forças Tecnológicas como as novas

tecnologias da informação e das comunicações (NTIC); grandes redes comuni-

cacionais, ERP (Entreprise Resources Planning); Gestão do Conhecimento. Es-

sas transformações decorrentes da evolução das tecnologias influenciaram pro-

fundamente o modo de organizar e gerir o trabalho por meio da reengenharia

dos processos, teletrabalho, just-in-time, entre outras. Como efeito verificou-se

o deslocamento do poder de controle da informação, que leva o acesso direto à

informação; à operacionalização da tomada de decisão; à integração do ciclo pla-

nificação – execução – controle.

Complementa com as Forças Sociais como a liberalização da economia, a

diversificação da mão de obra; a contestação das estruturas de autoridade que se

traduzem por uma modificação profunda do contrato social que liga a organização

a seus trabalhadores: demissões em massa; precarização do emprego (temporá-

rio, contratual, partilhado); polivalência funcional. Os efeitos sobre a organização

do trabalho repousam em novas formas de mobilização: práticas de habilitação

Page 238: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 229

(empowerment); práticas de apropriação (grupos autônomos); de participação nos

lucros e nos resultados, de envolvimento e comprometimento dos trabalhadores

com as metas da organização e a remuneração variável, centradas em um partilha-

mento mais equitativo (medidas de incentivos ao grupo, remuneração de acordo

com as competências, entre outras).

Enfim, tanto os aspectos positivos (menos hierarquias, maior autonomia, re-

distribuição dos lucros) como os negativos (ritmo acelerado de trabalho, empregos

instáveis) contrapõem-se e dão uma radiografia dos tempos atuais colocando em

questão as bases da organização contemporânea do trabalho. Rondeau (1999) tra-

duz essas forças em quatro grandes tendências, em termos de gestão e seus efeitos

sobre as práticas observadas:

a) orientação para o cliente: começa no início dos anos 1980 com o questiona-

mento dos modos de análise da eficiência organizacional e o reconhecimento

do cliente como fonte última da escolha de decisões organizacionais. Para isso

as organizações adotam a qualidade total e a engenharia simultânea. Nesse

caso, as práticas em matéria de organização do trabalho restringem-se aos indi-

cadores de desempenho (individual/grupal).

b) orientação para o processo: apresenta um impacto maior especialmente sobre

a emergência de Novas Formas de Organização do Trabalho (NFOT). O mo-

delo de reconcepção do trabalho é centrado na reengenharia de processos, na

contabilidade por atividade e no kaizen. Tem por consequência uma reorgani-

zação da tomada de decisão: gestão dos processos e equipes de projetos.

c) orientação para padrões de desempenho: decorrentes da mundialização das

economias, leva as organizações a adotarem práticas visando resultados mais

vantajosos pela utilização de modelos de comparação de práticas de trabalho –

padrões de classe mundial (tais como as normas ISO), melhores práticas (best

practices). Essa orientação se traduz em uma sistematização da avaliação: me-

didas de gestão; auditorias de gestão; benchmarking.

d) orientação para o feedback: resulta da constatação de que a organização pode

ser concebida como uma “organização que aprende”. O modelo de gestão é o

da organização de aprendizagem (learning organization), melhoria contínua e

vigilância organizacional. As fórmulas de gestão adotadas para a solução dos

problemas são: grupos de solução de problemas (GSP), círculos de controle de

qualidade (CCQ), aprendizagem por resolução de problemas (APP) e sistema

de avaliação de desempenho (360º).

Page 239: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

230 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Estas últimas tendências demonstram que a organização não pode mais ser

considerada uma máquina eficiente e que gerir na era do saber não significa de-

ter o controle total sobre a informação; ao contrário, é preciso ter consciência

de que a gestão se desenvolve num ambiente de incerteza e de complexidades

cada vez maiores. Os problemas de gestão aos quais se deverá fazer face serão

ligados mais à escolha da informação pertinente do que ao seu acesso. Assim,

segundo Rodeau (1999), o sucesso das organizações corresponde à massa crí-

tica de seus recursos, das especialidades e das práticas que lhes conferem es-

tabilidade e impacto, assim como à flexibilidade da qual elas são capazes para

ajustar constantemente a utilização de seus recursos segundo as necessidades

do ambiente.

A questão que aqui se coloca é: Como aliar massa crítica necessária para

desenvolver a organização e flexibilidade, já que a empresa deverá oferecer su-

ficientemente continuidade e visão para mobilizar seu pessoal sem negligenciar

a flexibilidade necessária para responder à incerteza do ambiente que o cerca.

Como conciliar continuidade e flexibilidade? As observações de Rondeau per-

manecem atuais.

Ferreira observa também que a evolução dos modelos de organização do traba-

lho e a natureza das tecnologias envolvidas estão estreitamente ligadas ao contexto

das sociedades industriais onde surgem. Os conceitos de organização do trabalho e

novas tecnologias devem ser estudados considerando a sua historicidade, compa-

rando os modelos sempre com aqueles que os precederam, pois as tecnologias e a

organização do trabalho são fatores interdependentes e intrínsecos a uma realida-

de que não pode ser desconsiderada (FERREIRA, 2002).

Como tecnologia ou novas tecnologias entende-se não somente maquinário,

ferramentas, materiais e energias empregados nos diversos processos, mas também

a energia, a informação e o conhecimento despendidos e desenvolvidos pelo ho-

mem ao longo de suas experiências (FERREIRA, 2002). Isso pode ser constatado

quando se analisam diferentes modelos de Gestão de Pessoas que encontramos

e que foram implementados no século XX. A seguir, serão apresentados esses

modelos que à sua época responderam aos interesses e necessidades das organiza-

ções e que, mesmo com variações associadas ao avanço da tecnologia e aos novos

modelos de gestão, são identificáveis em organizações que apresentam diferentes

estágios tecnológicos ou organizacionais.

Page 240: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 231

2.2. Modelos de organização do trabalho6

Os principais modelos de organização do trabalho são:

Administração Científica • (taylorismo e fordismo). Originado da experiên-

cia e estudos de Taylor e Ford no final do século XIX e inicio do século XX

nos Estados Unidos. Propõe que a concepção, o planejamento e a gestão

do funcionamento do processo de trabalho passem a ser centralizados nos

empresários, gestores e quadros técnicos, enquanto a execução das tarefas –

localizadas no processo de produção direta de mercadorias – fica a cargo do

operário. Nesse modelo de organização do trabalho, considera-se a produti-

vidade global como o resultado do somatório das produtividades individuais

e requer um grande número de atividades de suporte e controle, exercidas

por técnicos especializados, com poder hierárquico sobre os trabalhadores

diretos.

Escola Sociotécnica ou Volvismo. • Resultante das experiências desenvolvi-

das nas minas de carvão inglesas no fim da Segunda Guerra Mundial e ana-

lisadas pelo Tavistock Institut (Inglaterra), foi implantada nas montadoras

da Volvo na Suécia. Nesse modelo, o grupo de trabalho assume a respon-

sabilidade completa pela produção, sem tarefas fixas predeterminadas para

cada membro do grupo, sem que a supervisão interfira na maneira pela qual

o grupo se autoatribui as tarefas. A gerência deve agir apenas como um elo

entre cada grupo e o meio externo, de modo a permitir maior autonomia

aos trabalhadores para a tomada de decisões, como a variação no ritmo

de produção e o revezamento de funções. Essa Escola propõe, portanto,

uma configuração do trabalho que permite o desenvolvimento de capaci-

dades intelectuais e criativas dos indivíduos, aprendizado contínuo, reco-

nhecimento, estabelecimento de relações de cooperação entre funcionários,

responsabilidade e iniciativa (SILVA et alii, 2006).

• Modelo Japonês. Foi a resposta japonesa à crise de sua indústria que era

mais conhecida pela má qualidade de seus produtos e teve origem na indús-

tria automobilística após a Segunda Guerra Mundial. Apresenta um sistema

de produção mais enxuto baseado no fornecimento just-in-time, no con-

trole de qualidade total e no envolvimento dos trabalhadores no processo

6 Para aprofundar-se o conteúdo, veja os Capítulos 13 e 14.

Page 241: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

232 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

produtivo, com mão de obra qualificada e capaz de agregar maior valor ao

produto. A figura do supervisor é substituída pela do líder da equipe, e cada

uma delas é responsável por um conjunto de tarefas de produção e algumas

tarefas de controle (WOMACK, 1997), caracterizando assim maior flexi-

bilidade na organização do trabalho. Nesse sentido, o conjunto de funções

dos trabalhadores e a rotação dessas funções entre eles possibilitam que se

tornem polivalentes. Além disso, é dado um espaço de participação dentro

da empresa, por meio da prática contínua de sugestões de melhoria (kai-

zen).

Terceira Itália e Distritos Industriais. • O modelo surgiu na Itália – década

de 1970 – quando as grandes empresas passaram a diminuir sua produção e

demitir empregados e as pequenas empresas italianas começaram a desem-

penhar um papel fundamental para o desenvolvimento regional e geração

de renda (AMATO NETO, 2000). A base desse desenvolvimento foi o

modelo de organização do trabalho caracterizado pelo apoio das prefeituras

governadas pelo partido comunista, das associações comerciais e industriais

e pela cooperação entre pequenas empresas, a fim de flexibilizar o trabalho

e a produção e de inovar tecnologicamente, implicando melhoria nas con-

dições de emprego e de trabalho e na elevação dos níveis de qualificação da

mão de obra (GAZIER, 1993). É uma produção de pequeno porte realizada

por pequenas e médias empresas que se unem para buscar mercados e pro-

duzir para exportar.

• Redes de Empresas. Foram iniciadas dentro e sob a influência do modelo ja-

ponês, que procurava manter fornecedores fiéis e confiáveis. Constituem-se

a partir da transformação das formas de produção e de trabalho – decorren-

te da transição dos sistemas de produção fordistas para os sistemas flexíveis

– que se caracterizam, entre outros aspectos, pela externalização de tarefas.

A partir desse modelo desenvolveu-se a ideia da empresa em rede – divisão

do trabalho entre organizações que se especializam em determinadas fases

da cadeia produtiva; a autonomia e a capacidade de controle dependem do

porte e da posição que as empresas ocupam na cadeia produtiva.

Essa forma de arranjo empresarial constitui um espaço ampliado para a

inovação tecnológica e para a organização do trabalho com base em novos

princípios, desde que funcione com a lógica da cooperação e autonomia

ligada a uma divisão equilibrada do trabalho entre as organizações que com-

põem a rede (KOVÁCS 2002).

Page 242: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 233

• Modelo Antropocêntrico. Idealizado por estudiosos do trabalho que ana-

lisaram as práticas desenvolvidas pelas melhores empresas europeias e o

apresentaram como o modelo “ideal” de organização do trabalho. Para Ko-

vács (2002) os seus princípios fundamentais são: substituição da economia

de escala pela economia de escopo, os bens passariam a ser fabricados em

pequena escala em plantas flexíveis e direcionados para nichos de mercado;

automação flexível como apoio do trabalho e decisões humanas; organiza-

ção descentralizada do trabalho com hierarquia plana e uma ampla delega-

ção de poder e responsabilidades; divisão do trabalho minimizada, baseada

em alguma forma de desenho integrado do sistema de trabalho e todo pro-

cesso de produção orientada para o produto, com requalificação contínua

dos trabalhadores.

Considerando as tendências globalizantes de redistribuição e reestruturação da

produção, nada indica que haja prevalência de um único e melhor modelo a ser

seguido, ou mesmo a coexistência de dois possíveis modelos, mas sim de vários

modelos, dependentes de condições particulares do processo produtivo, e de seu

entorno sociocultural e socioeconômico, tanto nacionais quanto regionais, locais e

mesmo dentro das organizações.

2.3. O contexto social e as configurações da organização do trabalho

No atual contexto, a globalização – vista como uma necessidade de redistri-

buição e reestruturação da produção para sobrevivência das organizações que

alcançaram seu limite dentro do modelo fordista – não deve ser entendida como

a causa das transformações atuais, mas sim como efeito das mudanças que vieram

ocorrendo nas relações sociais de produção nas últimas décadas do século XX.

Assim, esse processo de mudanças, simplificado sobre o título de globalização,

busca justificar os novos empreendimentos do capital em nome da competitivi-

dade e da concorrência, que vieram alterar todo um conjunto de aspectos técni-

cos e sociais da organização do trabalho, afetando também a divisão do trabalho

entre as pes soas e destas com as máquinas. Isso reflete, como destaca Novick

(2000), uma alteração nos conjunto de regras e normas, fruto de uma constru-

ção social e histórica, alterando a forma de execução da produção ou a forma do

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234 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

trabalho em determinada organização (PICCININI; OLTRAMARI; ROCHA DE

OLIVEIRA, 2007).

A tecnologia, vista aqui como um dos aspectos técnicos que tornaram possí-

vel os novos empreendimentos do capital, possibilitou e continua possibilitando

a obtenção de maiores ganhos em eficiência e custos, capacidade de resposta às

variações da procura, de produtividade, de qualidade e de inovação. Em outras pa-

lavras, a grande empresa do padrão fordista, voltada para a produção em série de

produtos estandardizados num contexto organizacional hierarquizado e rígido dá

lugar a empresas mais reduzidas, orientadas para uma produção mais diversificada

e realizada de maneira mais flexível fortemente apoiada em tecnologia (Kovács e

Castillo, 1998; Kovács, 2001; Castells, 2002).

Percebe-se, assim, a organização de uma reestruturação produtiva mais des-

centralizada, por meio da externalização de partes do processo produtivo, insti-

tuindo um novo padrão de relacionamento entre grandes e pequenas empresas

(CASTELLS, 2002).

Gounet (1999) destaca que no Japão, por exemplo, as principais característi-

cas da flexibilidade voltada para a produtividade são: a cooperação entre gerência

e operadores, pela possibilidade de envolvimento e de participação dos trabalha-

dores na melhoria do processo produtivo; a entrega de insumos por fornecedores

internos (equipes) e externos (empresas terceirizadas) no momento da demanda,

permitindo a redução de estoques e a maior rotatividade de capital fixo; a com-

plementaridade entre grandes empresas e uma rede de médios e pequenos forne-

cedores de equipamentos, serviços e mão de obra, marcada pela concentração de

poder pela empresa líder/central da rede (PICCININI; OLTRAMARI; ROCHA

DE OLIVEIRA, 2007).

Na Suécia, Kovács (1999) destaca a constituição de grupos semiautônomos,

referida anteriormente, formados com a intenção de possibilitar maior autonomia

aos trabalhadores para a tomada de decisões, como a variação no ritmo de produ-

ção e o revezamento de funções, de acordo com a eficaz participação sindical na

negociação das transformações tecnológicas e organizacionais no trabalho.

Ao examinar modelos produtivos do Japão, na Coreia e na China Castells

(2002) destaca dois pontos principais para as formações que emergem: a com-

plementaridade entre pequenas e grandes empresas e a necessidade de levar em

conta elementos econômicos, técnicos e culturais para a análise dessas redes, não

sendo possível o estabelecimento de modelos de análise pré-construídos. Ressalta

Page 244: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 235

que as redes de empresas, decorrentes da externalização de partes da produção,

apresentam-se sob múltiplas configurações, desde que sejam plenamente adaptá-

veis aos sistemas de produção flexível.

Essas diferentes tendências de modelos de produção e organização do trabalho

influenciam-se, interagem e reorganizam-se originando novos modelos. Nesse sen-

tido, o sistema de produção flexível permite às grandes organizações ganhos em

produtividade via terceirização, mas não é fundamental à vitalidade e flexibilidade

das pequenas empresas, que têm como principal benefício o acesso à inovação

tecnológica e à ampliação das possibilidades de sobrevivência no mercado global,

fortemente influenciado pelas grandes empresas em rede. Já as grandes organiza-

ções concentram o poder pelo controle das iniciativas de inovação e espaço nos

mercados. Castells (2002) reforça que esses diferentes modelos não objetivam

eliminar as chamadas grandes organizações nem transferir o poder econômico e a

capacidade tecnológica para as pequenas, mas uma reconfiguração da grande em-

presa tradicional que reduz sua estrutura e torna-se mais fluida. Contudo, Picci-

nini, Oltramari e Oliveira (2007) lembram que a centralização do controle perma-

nece e, em alguns casos, se amplia por meio da divisão internacional do trabalho.

Os ganhos em produtividade são alcançados pela redução de custos da empresa

central, o que pode implicar distintas condições de trabalho para os empregados

das empresas subordinadas.

Um dos fatores que marcam o caráter das relações que se formam nas redes é o

espaço social, com destaque para as relações de trabalho e atuação governamental,

que atingem diretamente a forma de gestão da empresa e a forma de organização

do processo de trabalho.

Cabe lembrar que, quando se fala de redes de empresas, não se está trabalhan-

do com um modelo único de organização nem tratando de uma mesma forma de

relações interfirmas, mas que, em função de aspectos locais e regionais e de sua

relação com outros países, são estabelecidas diferentes estratégias de atuação no

mercado e de gestão da mão de obra (CASTELLS, 2002; PICCININI, OLTRA-

MARI; ROCHA DE OLIVEIRA, 2007). Essa relação também é expressa quando

se destaca que a organização do trabalho é o resultado de um conjunto de regras e

normas que resultam de uma construção social e histórica (NOVICK, 2000).

No que concerne à divisão do trabalho, nesse tipo de arranjo produtivo (em

redes), alguns autores convergem para o fato de que pode haver uma especializa-

ção, cabendo às empresas centrais as funções-chave, e para as empresas terceiriza-

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236 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

das ou subcontratadas, as funções mais rotineiras e complementares (KOVÁCS,

1998; ABRAMO, 1998; LEITE, 2000).

Além disso, quando se fala sobre as formas assumidas pela organização do

trabalho atualmente, sobretudo nas montadoras de automóveis, que sempre es-

tão liderando as grandes mudanças na organização da produção visando maior

competitividade, fica mais aparente o sistema Toyota como predominante no

setor, destacando-se por procurar modos mais eficazes de organizar o traba-

lho contrapondo-se ao modelo taylorista/fordista (WOMACK, JONES, ROOS)

1997.

Boyer e Freyssinet (2001), ao apresentarem estudos internacionais realiza-

dos pelo grupo GERPISA, contrapõem-se a essa leitura e apresentam outros

modelos produtivos desenvolvidos em diferentes sociedades, sobretudo na ja-

ponesa, durante o século XX. Constataram que diante da existência de uma

grande diversidade de condições macroeconômicas e sociais em que as empresas

atuam e que as leva a definir diferentes estratégias particulares, põem em causa

a existência de um único modelo, one best way. Contestam a representação de

que a indústria de automóveis teria se desenvolvido em três fases – a primeira,

artesanal, dirigida para uma clientela restrita, o que resultou em crise, levando à

segunda, marcada pela produção em massa, que permitiu a uma grande parcela

da população ter acesso a esse bem de consumo, mas que também entrou em

declínio, e a terceira, chamada lean production, que teria sido a resposta adequa-

da à crise e à nova época.

Ressaltam que mesmo a Toyota sofreu uma grande crise em 1990 e também

teve que implantar mudanças no seu modelo de produção. Também o modelo

da Ford foi de difícil aplicação fora dos Estados Unidos, e o êxito de outras mon-

tadoras sugerem que um modelo tem suas limitações dependendo das condições

macroeconômicas e sociais das sociedades em que se desenvolvem. Não se trata

de casos particulares, mas de situações que se reproduzem e permitem serem cha-

mados de modelos de produção.

Dependendo das condições do ambiente (renda nacional) e do mercado (in-

terno ou externo) a que se destina o produto (populares, esportivos, de luxo etc.),

são desenvolvidas estratégias que podem ser redimensionadas na medida em que

as condições estruturais se modificam.

Ao longo do século XX, as montadoras adotaram estratégias, voltadas ao vo-

lume, à qualidade, à inovação ou à flexibilidade e, em diferentes períodos, im-

Page 246: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Processo e organização do trabalho: Conceitos 237

plantaram modelos que levaram em conta estas especificidades como o modelo

woolardiano7 ou sloaniano.8

Enfim, retornando ao conceito de organização do trabalho de Novick, fica claro

que além dos aspectos técnicos e sociais que intervêm na produção de determinado

objeto, bem como a divisão do trabalho entre as pessoas e entre estas e as máquinas,

a organização do trabalho é resultado de um conjunto de regras e normas, frutos de

uma construção social, histórica e, portanto, modificável, que determina como se

deve executar a produção ou o trabalho em determinada organização.

Esta discussão focou-se mais no sistema automotivo, mas as Novas Tecnologias

de Informação e Comunicação (NTICS) merecem ser analisadas mais atentamen-

te, pois é decorrente dessa revolução tecnológica que a organização do trabalho se

torna cada vez mais mutável. O trabalhador tem modificado o seu papel, as orga-

nizações se concentram em grandes conglomerados e controlam a mídia impressa,

falada, escrita e virtual. Novos modelos começam a se esboçar e demonstram que

as mudanças são cada vez mais rápidas, mas no seu âmago reproduzem modelos

já existentes e que demonstraram, nas circunstâncias em que se desenvolveram,

atender aos interesses das organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste texto buscou-se analisar e discutir os conceitos de processo de

trabalho e de como ele se organiza. Partiu-se de um conceito bastante abrangente que

remonta à obra de Marx e outros estudiosos do trabalho e de como ele se realiza.

7O nome provém de Frank Woollard, chefe de fabricação da Morris, seu principal inspirador, e que redigiu a base de sua teoria implantada no período entre as duas grandes guerras mundiais. Consistia em produzir veículos diferenciados para um mercado insular e limitado, e para evitar enfrentar uma mão de obra qualificada e organizada. Concentrou-se no saber fazer (know how), tanto individual quanto coletivo, autonomia da mão de obra e de flexibilidade. O volume e os prazos eram alcançados por um sistema de remuneração por peças e acrescido por um bônus individual ou de grupo atribuído em função do volume de produção e da rapidez com que era executada a tarefa.8O nome provém de Alfred Sloan da General Motors, que deu origem e enunciou os seus princípios. O modelo é baseado na estratégia de volume e diversificação. A política de produto é multimarca e oferece gamas paralelas nas quais modelos de um mesmo nível compartilham o mesmo chassi e ofere-cem diferentes versões. Estabelece-se um compromisso entre os dirigentes e um ou dois dos maiores sindicatos em termos de um compromisso salarial. A aceitação da organização do trabalho e a paz social são asseguradas pelo crescimento do poder aquisitivo dos salários, a progressão hierárquica dos empregos, proteção social e direitos sindicais.

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238 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

O processo de trabalho é decorrente das tecnologias necessárias para o desen-

volvimento do produto industrial – matéria-prima, tecnologia e trabalho – apesar

de que esses estudos podem se aplicar a qualquer outro tipo de produção, como

nos serviços e comércio.

O conceito de organização do trabalho utilizado aqui é amplo e permite entender

como a tecnologia, a gestão e o próprio trabalho estão conectados e se apresentam de

formas distintas dependendo de aspectos econômicos, sociais e culturais.

Mesmo que alguns modelos de organização do trabalho como o taylorismo, o

fordismo e mais recentemente o toyotismo tenham se apresentado como modelos

universais, é possível dizer que nenhum representou unanimidade. O contexto eco-

nômico e as consequentes respostas das organizações permitem constatar que há

variantes que se apresentam como mais rentáveis/adequadas para as organizações.

A própria cultura de um país ou região vai se refletir na maior democracia na

indústria, como foi o caso do volvismo na Escandinávia, ou no maior autoritarismo

em alguns países asiáticos, conforme apresentado anteriormente. As políticas de

governo que incentivaram e apostaram em determinados modelos, considerando

que eles seriam a solução para problemas de produtividade e/ou rentabilidade, são

importantes na análise feita aqui. Afinal, a organização do trabalho é dinâmica e

acompanhar as diferentes facetas que apresentou desde que se buscou formas de

organizar o trabalho foi o objetivo deste capítulo.

Page 248: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1 3

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização

ROSÂNGELA MARIA PEREIRA

SIDINEI ROCHA DE OLIVEIRA

O presente texto apresenta o modelo produtivo taylorista/fordista, des-

tacando os elementos que favoreceram seu surgimento, suas principais

características e os fatores que levaram ao seu declínio. Para iniciar a

exposição parte-se de uma breve descrição histórica da organização do trabalho

no período anterior.

Na Idade Média os trabalhadores passaram a se organizar em associações, as

denominadas Corporações de Ofício. Essas associações regulamentavam e contro-

lavam o processo produtivo artesanal nas cidades, agregavam pessoas que exerciam

o mesmo ofício e eram responsáveis por determinar preços, qualidade, quantidade

de produtos, margem de lucro, aprendizado e hierarquia de trabalho. Nas Corpo-

rações de Ofício as ferramentas, a matéria-prima e os saberes estavam centrados

em uma única pessoa, o mestre artesão. Os mestres, donos das oficinas, detinham

os saberes que eram transmitidos aos aprendizes, que levavam anos em treina-

mento. Os aprendizes deveriam ser aceitos para a função e não recebiam salário

pelo seu trabalho durante o período de preparação. Após o término do período

de formação o aprendiz tornava-se auxiliar do mestre, e com o afastamento das

atividades ou morte deste último, assumia a função de mestre do ofício.

Page 249: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

240 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Portanto, apenas uma pessoa, o mestre artesão, dominava todos os processos

de produção. Ele desenhava, obtinha as ferramentas necessárias e desempenhava

as tarefas de produção. A continuidade do ofício era garantida pelos aprendizes

que, com o contato com o mestre, mantinham a qualidade do ofício. Essas rela-

ções foram se modificando ao longo do tempo, e na medida em que o sistema

capitalista foi se consolidando tal forma de relação laboral desapareceu.

Com o declínio do sistema feudal cresceram as migrações dos camponeses

para os centros urbanos aumentando a população das cidades e formando novos

grupos de trabalhadores e padrões de consumo diferentes do sistema anterior.

A produção artesanal organizada corporativamente constituiu um dos pilares

para o desenvolvimento da burguesia comercial; entretanto, contraditoriamen-

te, a organização da produção coorporativa passa a se opor aos interesses da

burguesia no que diz respeito à expansão das forças produtivas. A burguesia

comercial, tendo sua ação limitada pelas restrições impostas pelas corporações,

começou a se organizar no campo. Surgem assim os comerciantes, responsáveis

pela intermediação entre produtores e consumidores, que passam a fornecer

matérias-primas e ferramentas às famílias camponesas “liberadas” e demandan-

do produtos específicos, em parte destinados ao uso próprio e em parte para

a comercialização. Paulatinamente, os comerciantes identificam que a reunião

dos artesãos em um mesmo local poderia ampliar suas vantagens, sobretudo a

produção. Assim, surgem a manufatura e a troca do trabalho por um valor, o

salário. Aos poucos, os artesãos tornam-se trabalhadores assalariados deixando

de ser proprietários dos meios de produção (matéria-prima e ferramentas), mas

permanecem dominando o conhecimento necessário para a transformação da

matéria-prima em produto. Aos poucos, o controle do trabalhador sobre a tarefa

passa a ser visto pelos proprietários dos meios de produção como um limitador

da produtividade nas organizações, tornando-se um empecilho para o seu desen-

volvimento pleno.

No fim do século XIX, nos países centrais da Europa e nos Estados Unidos,

a divisão social do trabalho era centrada no “saber-fazer” de grupos profissionais

das indústrias mecânica, metalúrgica e têxtil, setores mais modernos da incipiente

industrialização da época. A formação desses grupos permitia aos trabalhadores

por um lado a construção de uma identidade de classe e, por outro, do ponto de

vista individual, a realização artesanal de toda a tarefa. A identidade da comuni-

dade profissional operária, por tais motivos, era muito relevante, pois garantia ao

trabalhador o controle sobre a tarefa e o ritmo de trabalho. As competências e

Page 250: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 241

qualificações dos operários eram determinantes para o funcionamento das empre-

sas, na medida em que por meio do conhecimento lideravam e decidiam sobre os

ritmos, os tempos e os movimentos necessários para executar as tarefas reportadas

à produção de mercadorias (FERREIRA, 2002).

Assim, diversas tentativas são empregadas para criar alternativas de contro-

le desse saber, bem como sobre os próprios trabalhadores. Entre elas, o controle

sobre o processo de trabalho é uma das ferramentas mais efetivas, pois permite o

controle do tempo de trabalho1 e a apropriação do saber do trabalhador.

Thompson (1998), tomando por base o processo histórico da organização do

trabalho, descreve como se dá esse movimento. Em um primeiro momento, o

tempo estava relacionado com a percepção, era o tempo não controlado dos povos

primitivos, o tempo das tarefas domésticas, intimamente associado ao cotidiano

com pouca separação entre trabalho e vida. Aos poucos se percebe uma padroni-

zação do tempo a partir dos ritmos naturais, como o observar as marés, o ciclo da

vida, as estações, mas ainda muito associado à percepção e indiferente ao tempo

relógio.

Para o autor, o condicionamento tecnológico possibilita o aperfeiçoamento

dos relógios e uma busca cada vez mais veemente pela precisão e exatidão do

tempo. A engenhosidade dos relojoeiros vislumbra a construção de máquinas

que passam a ser usadas no processo de produção. Assim, o aperfeiçoamento

dos relógios significou a inovação dos instrumentos de medição e de controle;

ao mesmo tempo, os relojoeiros se tornaram os primeiros inventores, constru-

tores e supervisores dessas máquinas. A implantação de máquinas possibilita

um melhor controle do trabalhador e parte de seu trabalho é executada por elas

(THOMPSON, 1998). A introdução das máquinas no processo de produção,

como ressaltam Thompson (1998), Marglin (1980) e Perrot (1988), representa

a imposição de uma disciplina maior aos trabalhadores, maiores possibilidades

de organização e fiscalização, bem como facilita a substituição rápida dos tra-

balhadores no processo de trabalho, uma vez que estes não necessitam mais de

experiência para controlar a maquinaria, além, é claro, de abrir a possibilidade

de redução dos salários.

1 Controlar o tempo significa diminuir a porosidade do trabalho e aumentar a produção; assim, não é de surpreender que uma das primeiras empreitadas do capital no sentido de controlar o processo de trabalho tenha se dado justamente na tentativa de controle do tempo.

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242 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

A nova orientação faz do relógio sinônimo de controle, mesmo que a incor-

poração do instrumento traga elementos divergentes. Por um lado, nem todos

tinham acesso ao saber sobre sua utilização, visto que o tempo anteriormente

era acompanhado pelos fenômenos da natureza (dias, estações). Por outro lado,

cria-se toda uma disciplina para adequar os trabalhadores a essa nova fase, ma-

nuais de aconselhamento aos trabalhadores sobre o uso econômico do tempo,

escolas nas quais os alunos são instruídos sobre a pontualidade e disciplina para

o trabalho, instalação de relógios de ponto, multa por atraso, entre outros. Vale

observar que se por um lado houve uma internalização dessa disciplina, por

outro nada disso ficou sem contestação: não era tarefa fácil mudar hábitos tão

antigos2 (THOMPSON, 1998).

Segundo Marglin (1980), historicamente, a razão do bem-sucedido surgimen-

to das fábricas está em retirar dos operários o controle do processo de produção,

transferindo esse controle aos capitalistas. Assim, entramos no segundo aspecto

aqui ressaltado, que é o controle do conhecimento sobre o trabalho. A divisão do

processo de trabalho equivale a seu controle, ou seja, o controle do conhecimento

sobre o trabalho que até então estava centrada nas mãos de poucos trabalhadores.

Portanto, fator importante para o controle do processo de trabalho é a constitui-

ção do trabalhador coletivo. Com o trabalhador coletivo o processo de trabalho é

dividido entre diferentes trabalhadores e tal organização impossibilita que o tra-

balhador domine todas as etapas do processo de produção. Assim, o produto do

trabalho não é mais produto de um único trabalhador, e sim de vários. O processo

de trabalho é também reestruturado, de modo que determinados trabalhadores

fiquem incumbidos de organizar todo o processo. Vale ressaltar que ao mesmo

tempo que eram estabelecidas novas alternativas de controle dos trabalhadores,

também estes desenvolviam suas formas de resistência.

A seguir apresenta-se um modo de organização do trabalho diretamente re-

lacionado com o surgimento da administração como área de conhecimento, que

contribuiu para alterar o processo e as relações de trabalho daquele período.

2 Perrot (1988) analisa os movimentos sociais de resistência contra a maquinaria na França, movimen-tos que eram acompanhados da luta contra a redução dos salários, contra opressão, dominação capi-talista e redução da mão de obra, tudo intimamente associado a essa nova fase do capital. Portanto, a resistência é uma constante, uma vez que a cada avanço do capital os trabalhadores arrumam formas de oposição em um processo dialético.

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Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 243

1. TAYLORISMO E FORDISMO

No início do século XX o desenvolvimento de modos de controle é levado a

novos extremos, com Frederick Winslow Taylor (1856-1915), um jovem ame-

ricano que abandonou os estudos que empreendia com o intuito de entrar na

universidade para empregar-se como operário aprendiz numa fábrica metalúrgica.

Durante o período em que atuou como aprendiz na fábrica observou que a capa-

cidade produtiva de um trabalhador de experiência média era sempre maior que a

sua produção real na empresa (PINTO, 2007). Taylor desenvolve um método de

estudo do trabalho que busca apontar cientificamente o uso eficiente dos recursos

humanos. Para ele, a racionalização poderia acabar com os “tempos mortos”3 do

processo produtivo. Seus esforços se consolidaram no “Estudo de Tempos e Mo-

vimentos”. A proposta era medir o tempo gasto em cada movimento do operário

para executar determinada tarefa durante a produção, a fim de analisá-la, separan-

do quais eram os movimentos do operário para então reorganizá-los minimizando

o tempo total necessário para a execução da atividade. Com o método, procura

substituir o empirismo no processo de produção por procedimentos sistemáticos

de análise, usando informações relacionadas com experimentos científicos.

A “organização científica do trabalho” proposta por Taylor (1995) propiciaria

maior racionalização dos métodos de gestão, de controle e de integração da pro-

dução, observando que:

A concepção, o planejamento e a gestão do funcionamento do processo de •

trabalho passam a ser centralizados nos gestores e nos quadros técnicos,

enquanto a execução das tarefas focadas no processo de produção direta de

mercadorias fica a cargo do operariado.

A seleção dos trabalhadores é pautada por uma escolha “científica” baseada •

em critérios de força, disposição e responsabilidade com o trabalho, e o trei-

namento individualizado permitiria encontrar o trabalhador mais adequado

para cada função.

A seleção e treinamento adequados visariam obter um trabalhador mais •

produtivo, o qual, remunerado por sua produção, poderia receber salários

mais elevados.

3 Interrupções, paradas, tempos de descanso e intervalos de qualquer ordem.

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244 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

O controle direto por supervisores sobre a execução das atividades garan- •

tiria a manutenção da realização das atividades de acordo com as regras

prescritas (TAYLOR, 1995).

Como se pode observar, o controle é um elemento central da proposta de

Taylor. Separa-se o controle da propriedade e o controle do trabalhador do pro-

cesso de trabalho ao dividir as tarefas de planejamento e execução; além disso,

com a figura do supervisor reforça-se o controle direto sobre a realização das ati-

vidades. Assim, com a aplicação dos princípios do taylorismo há uma drástica di-

minuição da margem de manobra do operariado nos locais de trabalho e a redução

da utilização das suas capacidades, em termos de habilidade e perícia profissional

(ANTUNES, 1995; FERREIRA, 2002; GOUNET, 1999).

O fordismo dá um novo impulso à organização cientifica do trabalho. Henry

Ford (1862-1947), também americano, ainda jovem demonstrou inclinação para a

mecânica: aos 16 anos começou a trabalhar numa oficina em sua cidade e foi bem-

-sucedido em várias invenções. Em 1885 foi para as oficinas Eagle Motor Works,

em Detroit, para consertar e estudar em profundidade motores a explosão. Seu

ideal era desenvolver um motor revolucionário e, durante anos, montou e testou

motores de combustão a alta pressão. Construiu seu primeiro calhambeque em

1894 e sua primeira fábrica de carros em 1896, em sociedade com outros cons-

trutores, os quais abandonou posteriormente. Continuou suas pesquisas pratica-

mente sozinho num galpão alugado em Detroit. Em 1903 estabeleceu, na própria

Detroit, o que seria a primeira planta da Ford Motor Company, por muito tempo

a maior fabricante mundial de veículos automotores (PINTO, 2007).

Ford continua a tendência desenvolvida por Taylor no sentido de uma maior

divisão social e técnica do trabalho; entretanto acentua e transforma essa tendência

ao utilizar a linha de montagem. Ford prioriza a visão estratégica, buscando a racio-

nalidade no uso dos recursos, principalmente dos recursos humanos. Em 1914, in-

troduz a esteira rolante na linha de montagem da fábrica de automóveis de Detroit,

que passa a determinar o ritmo de trabalho pela cadência da máquina. Portanto, se

antes da administração científica do trabalho os operários podiam interagir de modo

relativamente livre e espontâneo, fazendo valer as próprias experiências, os seus

conhecimentos e o seu "saber-fazer" no processo de trabalho, agora seguem o ritmo

da máquina. Com Ford, o homem torna-se uma extensão da própria máquina, assim

trabalhador e equipamentos vão estar intimamente associados. Tal realidade é bem

retratada por Charles Chaplin com seu operário de “Tempos Modernos”.

Page 254: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 245

Ford observou que para aumentar as taxas de lucro era necessário incrementar

rapidamente a produção em série de produtos homogêneos e uniformes. Assim, o

sistema buscava aumentar a intensidade e a produtividade do trabalho mediante a

racionalização e dividir tecnicamente o trabalho de montagem para simplificar e

facilitar a substituição dos trabalhadores de ofício por mão de obra pouco qualifi-

cada, fazendo uso de força de trabalho em grandes quantidades com salários que

possibilitassem o acesso ao consumo, a fim de obter economias de escala e reduzir

os custos unitários de produção (NEFFA, 1998).

Para Ford esse consumo seria impulsionado por salários superiores aos que

eram praticados na época. Assim, introduz o five dollars day (cinco dólares dia),

para que todo trabalhador se torne potencialmente um consumidor (LARAN-

GEIRA, 2002). Portanto, como ressalta Harvey (1996), o propósito do dia de

oito horas e cinco dólares era levar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária

à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também

para dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumis-

sem os produtos produzidos em massa que as corporações fabricavam em quanti-

dades cada vez maiores.

Para Harvey (1996), isso presumia que os trabalhadores soubessem como gas-

tar seu dinheiro adequadamente. Por isso, em 1916, Ford enviou um exército de

assistentes sociais aos lares de seus trabalhadores “privilegiados”, em sua maioria

imigrantes, para ter certeza que o “novo homem” da produção em massa tinha o

tipo certo de probidade moral, de vida familiar e de capacidade de consumo pru-

dente (não alcoólico) e “racional” para corresponder às necessidades e expectativas

da corporação.

A racionalização do trabalho e as adequações dos comportamentos social e

familiar – o proibicionismo – estão intimamente ligados. Não muito raro ocorriam

inquéritos, nos quais as famílias dos operários informavam sobre a sua vida íntima;

e paralelamente serviços de inspeção eram criados por empresas para controlar

a moralidade dos operários. Esses procedimentos, acreditavam os empresários,

faziam-se necessários para a estabilização do novo método de trabalho. Assim, os

novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de

pensar e sentir a vida.

Deve destacar o relevo com que os industriais (especialmente Ford) se in-

teressavam pelas relações sexuais dos seus dependentes e pela acomodação

de suas famílias; a aparência de “puritanismo” assumida por este interesse

Page 255: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

246 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

(como no caso do proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas; a

verdade é que não é possível desenvolver o novo tipo de homem solicitado

pela racionalização da produção e do trabalho enquanto o instinto sexual

não for absolutamente regulamentado, não for também ele racionalizado.

(GRAMSCI, 1976, p. 392)

Nesse sentido, o fordismo vai “além da fábrica”, constituindo-se num modo de

vida que se baseia na produção e no consumo em larga escala.

Cabe ressaltar que em muitos aspectos as inovações tecnológicas e organi-

zacionais introduzidas por Ford consistiam em adaptações de tendências já es-

tabelecidas. A forma corporativa de organização de negócios, por exemplo, fora

aperfeiçoada pelas estradas de ferro ao longo do século XIX e tinha chegado, em

especial depois da onda de fusões e de formação de trustes e cartéis no final do

século, a muitos setores industriais. A cadeia de montagem, por sua vez, não foi

inventada por Ford; tratava-se de uma técnica produtiva que vários industriais já

haviam começado a aplicar anteriormente com muito êxito. A separação entre

gerência, concepção, controle e execução também estava desenvolvida em mui-

tas indústrias. O mérito de Ford constituiu no uso generalizado e coordenado

dessas inovações dentro de um mesmo estabelecimento. Ford racionalizou ve-

lhas tecnologias = a esteira, por exemplo, é uma inovação de tipo mecânico que

vinha sendo usada nos elevadores de grãos dos silos e nos frigoríficos da cidade

de Chicago = e uma detalhada divisão do trabalho preexistente. Seu grande avan-

ço consiste na mecanização da cadeia, ou seja, a instalação da esteira rolante ao

processo de trabalho. Com a esteira, o ritmo de trabalho passa a ser imposto pela

velocidade de circulação do objeto de trabalho e não mais pelo trabalhador, ou

seja, o ritmo passa a ser determinado pela máquina (NEFFA, 1998). Na gestão

do processo são incorporadas as operações do transporte das matérias-primas, da

energia e dos instrumentos de trabalho manipulados pelo trabalhador na execu-

ção das suas tarefas.

Quanto à racionalidade instrumental do capitalismo – utilização da razão nos

empreendimentos humanos com o objetivo de possibilitar uma relação calculada

entre meios e fins – o fordismo, ao permitir um acréscimo da produtividade do

trabalho superior à que tinha sido conseguida pelo taylorismo, revela-se uma das

expressões mais relevantes do processo de industrialização e de urbanização das so -

ciedades, nomeadamente nos EUA e na Europa Ocidental. O fordismo se desen-

volve num contexto de forte crescimento dos EUA (1940-1950), no qual se fazia

Page 256: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 247

necessário o incremento da produção. Na Europa, o modelo fordista expandiu-se

para os países do Ocidente, ancorado no Plano Marshall e num compromisso so-

cial que garantiu aos trabalhadores a participação nos ganhos de produtividade.

Com sua expansão para a Europa, o modelo fordista tornou-se praticamente hege-

mônico no pós-guerra, permitindo um crescimento estável nos países desta parte

da Europa. Assim, apesar das bases do fordismo terem sido lançadas em 1914, só

a partir de 1930 ele se expandiu.

Foi necessário criar as condições para que o fordismo se desenvolvesse e

se tornasse hegemônico. Para Harvey (1996), o estado das relações de classe

do mundo capitalista no período entreguerras dificilmente era propício à fá-

cil aceitação de um sistema de produção que se apoiava em longas horas de

trabalho rotinizado, exigindo pouco das habilidades manuais tradicionais e

escassa ou nenhuma autonomia ao trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a

organização do processo produtivo. Ford usara quase exclusivamente mão de

obra imigrante no seu sistema de produção, e os trabalhadores se adaptaram às

exigências do fordismo. Os trabalhadores americanos, entretanto, eram hostis.

Além disso, a rotatividade da força de trabalho das empresas de Ford era ex-

tremamente elevada.

Para o autor, outra barreira importante a ser enfrentada estava nos modos

e mecanismos de intervenção estatal. As sociedades capitalistas necessitavam

conceber uma nova forma de uso dos poderes do Estado, concebendo um novo

modo de regulamentação para atender os requisitos da produção fordista; no

percurso de concepção dessa nova perspectiva de Estado, a sociedade capita-

lista deparou com o choque da depressão e o quase colapso do capitalismo na

década de 1930. Em 1945 o fordismo chega ao ápice, como regime de acu-

mulação plenamente acabado e distinto. No período pós-guerra assiste-se à

ascensão de uma série de indústrias baseadas em tecnologias amadurecidas no

período entreguerras e levadas a novos extremos de racionalização na Segunda

Guerra Mundial.

O autor ainda aponta que as condições para o estabelecimento do fordismo

como hegemônico foram dadas primeiramente pela derrota dos movimentos

operários radicais (Japão, Alemanha [Ocidental], Itália, Grã-Bretanha, França,

Países Baixos e EUA) que ressurgiram no período imediato ao pós-guerra. A

derrota desses movimentos preparou o terreno para os tipos de controle do tra-

balho e compromisso necessário ao estabelecimento do fordismo. O acúmulo

de trabalhadores em fábricas que produziam em larga escala trazia sempre a

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248 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ameaça da organização trabalhista mais forte e do aumento do poder da classe

trabalhadora – daí a importância do ataque político ao movimento operário

depois de 1945.

O Estado também precisou assumir uma série de obrigações. A produção em

massa envolvia pesados investimentos em capital fixo e requeria condições de

demanda relativamente estáveis para ser lucrativa; assim, o Estado se esforçava

por controlar os ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas

fiscais e monetárias no período pós-guerra. As políticas eram dirigidas para as

áreas de investimento público, tais como transporte e equipamentos públicos,

que eram vitais para o crescimento da produção e do consumo em massa e que

também garantiam o emprego relativamente pleno. Ao mesmo tempo os governos

buscavam fornecer um forte complemento ao salário com gastos de seguridade

social, assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal

era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos

trabalhadores na produção.

O que marca o taylorismo e o fordismo é, assim, a homogeneização e a pa-

dronização de tarefas, produtos e componentes. Ademais, vinculando a produção

em massa a um consumo em massa, Ford acreditava que o aumento da produ -

ção levaria à redução de preços, elevando o consumo e aumentando as taxas de

lucro. Assim, a autonomia e o comprometimento com o trabalho, atitudes que

caracterizam os artesãos de ofício, vão sendo substituídos pela obrigação de reali-

zação individual de um trabalho prescrito – definido até os seus mínimos detalhes

– com ritmos impostos de intensidade do trabalho, com a supervisão de um chefe

e submetido ao controle direto por parte da direção (NEFFA, 1998).

Durante os anos 1950 e 1960, o capitalismo mundial segue um período de

grande expansão econômica sob o modelo fordista, estabelecendo-se um círculo

virtuoso com grandes investimentos, expansão da produção, pleno emprego, au-

mento da produtividade, aumento real dos salários, consumo em massa e ganhos

em escala (CARVALHO NETO, 1997).

Aliado ao keynesianismo e ao Estado planejador, com suas regras e normas

na esfera do trabalho (duração de trabalho, horas extraordinárias, proibição do

trabalho infantil, salário mínimo etc.), assistência aos desempregados e acidenta-

dos, salários indiretos (pensões, auxílio doença, aposentadoria), o modelo fordista

possibilitou um razoável equilíbrio econômico por meio da proteção social e da

distribuição dos ganhos de produtividade, garantindo aumento real da renda dos

assalariados (LEITE, 1994).

Page 258: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 249

2. CRISE DO TAYLORISMO E FORDISMO

Entretanto, nem todos recebiam os benefícios do fordismo, havendo na verda-

de sinais gritantes de insatisfação mesmo no apogeu do sistema. A descoberta de

uma pobreza marcante em meio à crescente opulência gerou fortes movimentos

de descontentamento com os supostos benefícios do fordismo.

As desigualdades produziram insatisfações e tensões sociais que deram origem

aos movimentos sociais, os quais, entre outras questões, voltaram-se para a manei-

ra pela qual raça, gênero e origem étnica determinavam quem tinha ou não acesso

a emprego privilegiado (HARVEY, 1996). Assim, a incorporação das mulheres no

mercado de trabalho como assalariadas mal remuneradas é acompanhada por um

intenso e vigoroso movimento feminista. Sem acesso ao trabalho privilegiado, am-

plos segmentos da força de trabalho também não tinham acesso ao consumo em

massa. O acesso restrito a estes bens constitui-se uma fórmula que gerava grande

insatisfação.

Para o autor, a negociação fordista de salários também estava confinada a cer-

tos setores da economia e a certas nações-Estado em que o crescimento estável da

demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na tecnolo -

gia de produção em massa. Outros setores de produção de alto risco ainda de-

pendiam de baixos salários e de fraca garantia de emprego, e mesmo os setores

fordistas podiam recorrer a uma base não fordista de subcontratação.

As desigualdades salariais se mostraram particularmente difíceis de serem

mantidas porque os salários baixos não condiziam com o aumento das expecta-

tivas dos trabalhadores e porque eram alimentadas, em parte, pelos artifícios de

criação de necessidades e produção de um novo tipo de sociedade de consumo. A

publicidade e a propaganda foram utilizadas para a formação de uma sociedade

que incentivava a aquisição contínua de bens e serviços efêmeros como forma de

sustentar a produção e o crescimento econômico gerava problemas, uma vez que

apenas parte dos trabalhadores tiveram acesso a essa sociedade, como ressaltado

anteriormente. Ressalte-se que as diferenças de gênero e origem étnica geravam

desigualdades de acesso aos melhores empregos.

A partir do final dos anos 1960 começam a aparecer os primeiros sinais de cri-

se do modelo fordista, manifestando um quadro de esgotamento do padrão indus-

trial vigente. Podem ser destacados como fatores que contribuíram para a crise: a

queda na demanda por bens produzidos, o aumento dos estoques e a ampliação

dos custos de mão de obra em função dos aumentos salariais constantes.

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250 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

A saturação do mercado de bens duráveis provoca a redução do nível de in-

vestimento e a respectiva queda na produtividade, comprometida pelo escasso

investimento tecnológico. A divisão do trabalho e o parcelamento das tarefas fa-

cilitam a substituição da mão de obra no processo produtivo, o que se torna um

dos motivos das lutas operárias e da maior resistência dos trabalhadores às tarefas

repetitivas e à rígida disciplina fabril.

O movimento operário do final dos anos 1960 torna clara a vulnerabilidade

dos aparatos de produção vigentes no período frente à resistência operária. As

paralisações do trabalho, o absenteísmo,4 o turnover,5 o aumento de peças defei-

tuosas e consequentemente do desperdício – as peças defeituosas descartadas – vão

se tornando cada vez mais comuns, elevando os custos da produção. A redução

dos mercados e acirramento da concorrência contribuem para obsolescência da

automação rígida com base técnica na eletromecânica, desenvolvida sob a égi-

de do fordismo, e a maleabilidade dos aparelhos produtivos aparecem como um

requisito frente às novas exigências do mercado (LEITE, 1994). Se por um lado

o desenvolvimento da microeletrôncia viabiliza uma nova automação que libera

as empresas das amarras da produção em massa, por outro a resistência operária

atinge a espinha dorsal do modelo fordista, a organização científica do trabalho,

comprometendo o aumento da produtividade pela elevação dos ritmos de traba-

lho e impedindo a manutenção dos mesmos níveis de lucro. A organização cientí-

fica do trabalho se vê também comprometida pelos seus próprios limites técnicos.

Parcelar continuamente o trabalho e multiplicar o número de postos aumenta a

distância percorrida por um produto dentro de uma empresa até que ele chegue

a sua forma final; assim, na mesma proporção, aumenta o tempo em que o produ-

to é apenas transportado e transformado, o que traz de volta, de outra forma, os

“tempos mortos” que se pretendia eliminar (LEITE, 1994).

Os choques do petróleo (1973 e 1979) e a ascensão das taxas de juros apre-

sentam-se como fatores importantes na crise do modelo fordista, provocando

uma diminuição ainda maior nas taxas de lucro das empresas. Com a diminuição

da rentabilidade decrescem os investimentos e são inevitáveis as consequências,

tais como queda na oferta de emprego e diminuição na renda dos trabalhadores

(BOYER, 1984 apud. LEITE, 1994). Assim, na esfera econômica, os países tive-

ram altamente desequilibradas suas contas externas pelo súbito aumento dos pre-

4 Faltas ao trabalho.5 Rotatividade de pessoal.

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Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 251

ços do petróleo (PINTO, 2007). Os efeitos do primeiro choque do petróleo sobre

os trabalhadores são ressaltados por Coriat (1994), que destaca que em 1977 sob

duras críticas era denunciado nos tribunais o tratamento que as grandes empresas

impunham a seus fornecedores e empresas subcontratadas, utilizando-as como

“amortecedores” dos efeitos das flutuações conjunturais. Os quatro anos após o

primeiro choque do petróleo, num Japão sem sequer uma gota de energia própria,

a busca pela produtividade em condições tão duras conduziram aos tribunais gran-

des empresas como a Toyota Motor Company, e o que doravante seria designado

o método japonês de produção, o toyotismo ou ohnismo.

Nos anos 1970 se tornam claros os sinais de crise econômica também nos EUA

e, com a derrota na Guerra do Vietnã, a crise político-militar. Os EUA tornam-se

o maior país devedor do planeta; acrescente-se a isso a febre de investimentos não

produtivos em fusões e take overs,6 muitos deles mediante operações de alto risco.

O contexto de crise e o crescimento da concorrência das empresas japonesas nos

EUA impulsionam as empresas americanas no sentido de maior competição no

mercado externo. A crescente globalização da economia traz o acirramento da

competição internacional e da procura pelas empresas, especialmente transnacio-

nais, de novos mercados em todo o planeta (CARVALHO NETO, 1997).

O Estado de Bem-estar Social (Welfare State) entra em crise com a globa-

lização econômica, aparecendo como obstáculo à circulação de bens, capitais e

serviços. Contrapondo a concepção keynesiana de Estado como promotor e em-

preendedor do desenvolvimento econômico e social, ganha força a concepção que

defende o Estado Liberal, reduzido, intervindo minimamente na economia (CAR-

VALHO NETO, 1997; NEVES, 1998).

A retração do Estado apresenta três objetivos básicos: evitar a concorrência

entre setores público e privado, contrair os gastos públicos e reduzir a regulação

pública sobre as relações de trabalho. A obtenção desses objetivos deveria permi-

tir romper o estrangulamento do setor público, derrotar o processo inflacionário,

recompor o dinamismo das empresas e, portanto, recriar as condições para uma

nova trajetória de expansão de longo prazo, com superação dos problemas de em-

prego (DEDECCA, 1999).

Pinto (2007) aponta que a instabilidade econômica gerou grande cautela nos

investimentos produtivos industriais. Com a crise da indústria que se desenvolveu

6 Agentes especializados (raiders) desmembram empresas e vendem partes em enormes compras especulativas de ações.

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252 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

nos períodos pós-guerra sob a égide do modelo taylorista/fordista de produção, as

empresas tiveram de redirecionar suas estratégias de padronização em larga escala

para uma crescente agregação de novas tecnologias, busca da qualidade e persona-

lização de seus produtos.

Para tanto, as empresas direcionaram suas atividades à busca crescente pela

flexibilidade da produção, que lhes possibilitou produzir diferentes modelos de

produtos, mantendo ou não a larga escala. As empresas buscam atingir altos índi-

ces de qualidade dos produtos reduzindo os custos de produção, o que passa a ser

procurado também pela manutenção da “fábrica mínima”, operando com baixíssi-

ma capacidade ociosa tanto em termos de equipamentos quanto de estoques e de

efetivo de trabalhadores. Por fim, a “fábrica mínima” deveria ser capaz de absorver

as flutuações qualitativas e quantitativas da demanda de produtos, consequente-

mente a entrega rápida e concisa de produtos no momento estipulado pelo cliente,

na quantidade exata e com um controle de qualidade que garantisse o mínimo de

perda e com utilização imediata (CORIAT, 1994).

Assim, o padrão produtivo taylorista/fordista vem sendo crescentemente subs-

tituído (pós-fordismo) ou alterado (neofordismo) pelas formas produtivas flexibi-

lizadas e desregulamentadas, das quais o chamado modelo japonês ou toyotismo

(CORIAT, 1994) e a acumulação flexível (HARVEY, 1996)7 são exemplos.

A partir do final dos anos 1960, a crise do modelo taylorista/fordista de pro-

dução vem, em seu conjunto, determinar uma série de mudanças na organização

do processo produtivo no que refere às formas de gerenciamento e administra-

ção da produção, à divisão internacional do trabalho e à organização espacial da

produção. Para Antunes (1995; 1999) a crise é de grande complexidade, uma

vez que nesse mesmo período ocorreram transformações intensas – econômicas,

sociais, políticas, ideológicas – com fortes repercussões nos projetos, no conjunto

das ideias, na subjetividade e nos valores característicos da classe-que-vive-do-

-trabalho;8 alterações de ordem diversa que no conjunto tiveram forte impacto

sobre as relações de trabalho, sobre a organização produtiva, os trabalhadores e as

organizações sindicais. Assim, as transformações dão início a um processo de cons-

trução de um modelo de regulação que possa garantir a lucratividade das empre-

7 Sobre os novos modelos de produção, ver Capítulo 14.8 Antunes usa o termo classe-que-vive-do-trabalho para identificar todos aqueles que vendem sua for-ça de trabalho – tanto o trabalho produtivo quanto improdutivo (no sentido dado por Marx). Nesse contexto estão incluídos os assalariados do setor de serviços além dos trabalhadores desempregados pela vigência da lógica destrutiva do capital, que compreendem o exército de reserva.

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Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 253

sas. São colocados como desafios ao novo modelo vencer a diminuição dos ganhos

de produtividade, a redução do poder de compra dos mercados e o aumento da

competição no mercado internacional.

3. O TAYLORISMO E O FORDISMO NO BRASIL

Até a década de 1950, na maior parte do Brasil, a economia mantém seu cará-

ter agrícola com a população concentrada no meio rural, embora tenham iniciado

nos anos 1930 os ciclos migratórios em virtude do início do processo de industria-

lização no Rio de Janeiro e em São Paulo e das primeiras obras infraestruturais

necessárias para o crescimento industrial. A organização do trabalho ainda carrega

traços do período anterior e a força de trabalho vive ainda sob a influência do pe-

ríodo da escravidão.

Os primeiros movimentos voltados para a racionalização das práticas de gestão

e organização do trabalho no Brasil iniciam-se na década de 1930. Pode-se dizer,

entretanto, que nesse momento não se trata da introdução de um modelo fordista,

mas da propagação de práticas tayloristas (DRUCK, 1999).

Nesse período, que se inicia marcado pela crise do café, pela depressão de

1929 e pela Revolução de 1930, ocorre a aceleração do processo de industrializa-

ção. Deve ser destacado que a indústria nacional se desenvolve em um modelo sig-

nificativamente diferenciado do tipo de mercado industrial da Europa e dos EUA

em função do ampliado papel do Estado na economia. Tal participação foi vista

como necessária para que o país conseguisse rápido desenvolvimento econômico

por meio da industrialização, a fim de reduzir a necessidade de importações.

No início do período (1930-1937), a crise do café levou à migração massiva de

trabalhadores do campo para as cidades em busca de oportunidades nos setores de

serviços e indústria; além disso, o encerramento do fluxo de imigrantes europeus

contribuiu para a mudança no perfil do operariado, antes mais qualificado e politi-

zado. Nas indústrias ocorre alguma estruturação das relações de trabalho e o início

do desenvolvimento de funções de recursos humanos (recrutamento e seleção)

reproduzindo as relações da economia agrícola, paternalista e escravocrata, com

péssimas condições de trabalho, baixa remuneração e treinamento praticamente

inexistente.

As intervenções do Estado nas áreas política, social e econômica marcam a fase

seguinte (1937-1945). É criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e

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254 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

instituídas regulamentações sobre as condições de trabalho, organização sindical e

previdência social. A promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)

e a criação de uma área específica para a justiça do trabalho são exemplos da

formalização do papel do Estado no cenário das relações de trabalho (FLEURY e

FISCHER, 1992).

Com a reorganização e expansão do Estado surge uma demanda por habilida-

des de gestão, que, somada ao crescimento da área de administração no cenário

mundial, contribui para o fortalecimento desta no Brasil. A administração pública

ingressa em um período de racionalização, por influência das obras de Frederick

Taylor, Henry Fayol e Luther Gulick. São exemplos dessa importação de elemen-

tos da Administração Cientifica a criação do Instituto de Organização Racional

do Trabalho (IDORT), fundado em 1931; e do Departamento Administrativo do

Serviço Público (DASP), em 1938. O DASP, com base na racionalização e no

treinamento técnico, serviria como o braço administrativo do governo, por meio

da profissionalização do serviço público, implantação de um sistema de ingresso

por competição e promoção por mérito. A incorporação dos conceitos prescritivos

da Escola Clássica marca a tentativa de organização da administração do serviço

público no período (KEINERT, 1994).

Zaneti e Vargas (2007), ao analisarem a indústria paulista – mais desenvolvida no

país –, afirmam que até a década de 1940 o taylorismo e o fordismo estavam presentes

apenas no discurso das entidades de classe patronais. Esses novos modelos americanos

eram apresentados como um objetivo a ser buscado pela indústria brasileira; no entan-

to, poucas foram as iniciativas de aplicação na prática no trabalho fabril.

Na segunda metade dos anos 1950, durante a vigência do plano de metas

de Juscelino Kubitschek, ocorre um vigoroso impulso para a implementação do

modelo fordista de organização e gestão do trabalho. Esse processo, baseado na

abertura ao investimento estrangeiro direto e em investimentos públicos em infra-

estrutura, desenvolve-se principalmente nas indústrias voltadas para a produção

de bens de consumo duráveis, tendo à frente as indústrias ligadas ao complexo au-

tomotivo. São as montadoras e as indústrias de autopeças, instaladas notadamente

na região do ABC paulista, que implementam de forma vigorosa o modo fordista

de produção de mercadorias, dando início, assim, a um novo modelo de organiza-

ção produtiva no país (ALVES, 2000).

Esse modelo se expande para os demais segmentos da indústria, tendo por

suporte o programa de substituição das importações adotado pelo governo desde

os anos 1930, e seu apogeu ocorre no período compreendido entre os anos 1968

Page 264: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na organização 255

e 1973, conhecidos como os anos do milagre brasileiro. Após este período, tam-

bém a indústria brasileira passa a sentir os efeitos da crise, que já havia atingido os

países capitalistas centrais.

A partir de 1974, o projeto desenvolvimentista do país entra em declínio jun-

tamente com o esgotamento do modelo de substituição das importações, declínio

este que se manifesta com mais intensidade nos anos 1980. É justamente nesse

período que a indústria brasileira volta sua atenção, de forma mais intensa, para

o mercado externo. Esse impulso para as exportações ocorre, de um lado, pela

necessidade de geração de divisas, para saldar compromissos da dívida externa

brasileira e, de outro, em função da forte retração do mercado interno, motivado

pela crise econômica que então se verificava.

Deve ser ressaltado que no caso brasileiro o fordismo não chegou a concre-

tizar-se plenamente, não atingiu o círculo virtuoso que alcançou nos países de-

senvolvidos, ficando restrito a determinadas regiões, reduzido a ilhas produtivas.

Ainda assim, passa por um processo que acompanha a tendência internacional e

vai, também, cedendo lugar a outras formas de organização da produção.

Assim, ao contrário do observado nos países desenvolvidos, o fordismo é im-

plementado no Brasil de forma parcial. A rede de proteção social, que se expres-

sava pelo Estado de Bem-estar Social, não é implementada no país completa-

mente, tendo por consequência um processo parcial de integração dos cidadãos

ao mercado de trabalho e de consumo, levando à exclusão social um contingente

significativo da sociedade brasileira (FARIA; KREMER, 2004). Assim, o modelo

não consolidou sua hegemonia no país, fazendo o desenvolvimento das relações

e organização do trabalho não poder ser comparado a outros países sem que se

façam ressalvas sobre os aspectos da formação histórica da força de trabalho e de

como os modelos organizacionais foram aplicados.

4. O TAYLORISMO E O FORDISMO NA ATUALIDADE

O debate atual sobre o taylorismo e o fordismo versa em torno da ruptura ou

continuidade do modelo. Os defensores da ruptura do modelo fordista afirmam

que as condições de vigência do modelo estariam esgotadas em razão dos merca-

dos não mais aceitarem a padronização da produção característica do fordismo,

exigindo, portanto, produtos diferenciados de acordo com as demandas de dife-

rentes segmentos sociais (GUIMARÃES, 2006).

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256 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Para os defensores da continuidade do modelo, as novas formas de produção

não seriam capazes de romper com os princípios básicos do fordismo, entre eles a

separação entre concepção e execução. Assim, permaneceria o monopólio gerencial

em termos do controle do processo de programação da tecnologia, da pesquisa e

desenvolvimento e do processo de informação e difusão (GUIMARÃES, 2006).

Alguns estudiosos defendem que estaríamos num processo de transição do

modelo de organização do trabalho taylorista/fordista para formas mais flexíveis

de relação do trabalho. Para esses, caminhamos de uma sociedade industrial cujo

símbolo foi a indústria automobilística (GOUNET, 1999) para uma sociedade

informacional cujo símbolo seriam as telecomunicações (CASTELLS, 2002).

Assim, as discussões não são unívocas, mas como apontado por Guimarães

(2006), não podem ser abordadas em termos de uma dicotomia, sendo necessário

que se considerem os aspectos particulares de cada setor industrial, de cada região

ou país para se fazer uma avaliação mais profunda da situação atual do taylorismo.

Para Harvey (1996), entretanto, as tecnologias e formas organizacionais flexí-

veis não se tornaram hegemônicas em toda parte. A atual conjuntura se caracteri-

za pela combinação da produção fordista altamente eficiente, em geral matizada

pela tecnologia e pelo produto flexível, em alguns setores e regiões (como os car-

ros nos EUA, Japão e Coreia do Sul) e de sistemas de produção mais tradicionais

(Cingapura, Taiwan e Hong Kong) que se apoiam em relações de trabalho “artesa-

nais” paternalistas ou patriarcais (familiares). Ambos implicam mecanismos bem

distintos de controle do trabalho.

Portanto, neste início do século XXI, como aponta Holzmann (2006), apesar

das transformações recentes, os princípios tayloristas continuam a ser, total ou

parcialmente, aplicados em todos os setores produtivos mesmo quando se regis-

tram novas formas de trabalho fundadas sobre a autonomia relativa ou a poliva-

lência dos trabalhadores.

Page 266: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1 4

Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho

SIDINEI ROCHA DE OLIVEIRA

ROSÂNGELA MARIA PEREIRA

Em alguns países desenvolvidos foram deflagradas várias transformações

no processo produtivo em decorrência da resistência operária, que se

torna mais forte no final dos anos 1960, da heterogeneização do mercado

consumidor e do encarecimento da matéria-prima e da mão de obra, das novas

Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), do enxugamento de cargos,

das formas de gestão organizacional e das crises dos choques do petróleo nos

anos 1970. Esse padrão, embora apresente elementos de continuidade e descon-

tinuidade do padrão taylorista-fordista, caracteriza-se por elementos que buscam

um sistema flexível de produção. Assim, aos poucos o modelo taylorista-fordista

vai sendo mesclado ou até mesmo substituído por formas mais flexíveis de

produção.

O crescimento industrial extensivo fundado em pequenos investimentos, ins-

talações pouco produtivas, com aumento do volume da produção em razão do

incremento do número de empregados, característico do taylorismo/fordismo,

passa a ser suprimido por um crescimento intensivo que se baseia na redução da

mão de obra, no crescimento dos investimentos e no aumento da produtividade

(BAGNASCO, 1999). O uso mais intensivo dos equipamentos passa a ser fun-

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258 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

damental em um contexto marcado pela rápida e permanente modernização dos

equipamentos, produtos e processos, sendo chave do processo de racionalização

produtiva (DEDECCA, 1999).

O novo sistema substitui em grande parte a produção em massa e é caracte-

rizado pela despadronização dos produtos, pela desverticalização da atividade

produtiva e pelo surgimento de novos padrões de divisão do trabalho, seja no

âmbito da indústria ou da sociedade. Se no fordismo a meta era produzir o

máximo em grandes séries, com os novos métodos as empresas vão flexibilizar

o processo produtivo e a organização do trabalho, e sobretudo produzir em

séries restritas produtos e modelos variados. A organização da produção exige

uma organização flexível do trabalho e dos trabalhadores e a integração do

processo como um todo.

As novas tecnologias de base microeletrônica vão basear-se em duas caracterís-

ticas fundamentais: flexibilidade e integração (NEVES, 1998). As empresas pas-

sam a investir de modo permanente em programas que implementam novas for-

mas de organização do trabalho. Procuram com isso agilizar processos de decisões,

por meio de uma administração descentralizada, diminuir os níveis hierárquicos e

a preparar a mão de obra para assumir novas responsabilidades e desafios. O novo

modelo de fábrica se organiza de forma sistêmica e integrada, e a busca constante

da qualidade passa a ser também uma responsabilidade dos trabalhadores, que

assumem tarefas como a manutenção e o controle das máquinas e a solução dos

problemas (NEVES, 1998).

O uso de novas tecnologias possibilita a obtenção de maiores ganhos em efi-

ciência e custos, capacidades de resposta às variações da procura, de produtivida-

de, de qualidade e de inovação, assim como criam novas oportunidades. No en-

tanto, essas novas tecnologias requerem uma nova lógica organizacional. A grande

empresa do padrão fordista, voltada para a produção em série de produtos padro-

nizados num contexto organizacional hierarquizado e rígido, dá lugar a empresas

mais reduzidas, orientadas para uma produção mais diversificada e realizadas de

maneira mais flexível (KOVÁCS, 2001). A organização do trabalho é flexibiliza-

da como forma de garantir a variação quantitativa e qualitativa do produto, a fim

de adaptá-lo à instabilidade da demanda dos mercados. Nesse sentido, os métodos

de gerenciamento e de organização do trabalho passam a ser baseados no forne-

cimento just-in-time, no controle de qualidade total integrado ao processo e no

envolvimento dos trabalhadores no processo produtivo por meio de sistemas de

participação estabelecido pelas empresas.

Page 268: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 259

A atualização tecnológica constante, na medida em que permite a inovação de

produtos e de processos e a agilidade na comunicação e no transporte, constitui

fator estratégico para a competitividade no mercado. A produção é descentraliza-

da, por meio da externalização1 de partes do processo produtivo, instituindo um

novo padrão de relacionamento entre grandes e pequenas empresas (CASTELLS,

2002).

Contudo, não há mais a predominância de um único modelo, uma vez que os

sistemas de produção flexível não vêm se constituindo homogeneamente.

A seguir, busca-se apresentar mais detalhadamente como as novas formas de

organização do trabalho têm se constituído de diferentes contextos.

1. DO MODELO JAPONÊS À LEAN PRODUCTION

Nos anos 1970, os choques do petróleo (1973 e 1979) levaram a uma signifi-

cativa elevação nos custos de matéria-prima, energia e mão de obra. Nos Estados

Unidos, os índices de desemprego cresciam e a competitividade das indústrias se

mostrava em declínio. A resposta à crise demandava um novo padrão de produ-

ção no qual fosse possível produzir em pequenos lotes, com variedade de mo-

delos, qualidade elevada e baixo custo; fatores que assegurariam a manutenção

da competitividade. Enquanto as empresas americanas sofriam com a crise, a

Toyota no Japão passou a chamar a atenção por apresentar um desenvolvimento

na produção de automóveis que levou o país a se tornar o maior produtor de

automóveis do mundo.

O que estaria por trás desse modelo? Esta foi a pergunta feita por diversos pes-

quisadores, que buscaram compreender que elementos seriam responsáveis pelo

sucesso japonês. Descobriram que o modelo japonês se baseava na redução de

custos por meio da quase totalidade dos estoques e paradas ao longo do processo

produtivo Assim, o ocidente conheceu uma das primeiras manifestações de “em-

presa flexível”, que se popularizou como modelo japonês ou toyotismo.

Esse modelo tem como proposta uma organização da produção sob os princí-

pios de uma produção mais enxuta, definida como lean production. Este modelo

está centrado na redução ou eliminação do desperdício e melhoria contínua da

1 Deslocamento de atividades internas para outras organizações.

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260 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

produtividade e da qualidade dos produtos, a partir da organização dos traba-

lhadores no local de trabalho, o que permitiria adquirir competências e assumir

responsabilidades e iniciativas (GOUNET, 1999, KOVÁCS, 2001).

A partir do modelo japonês, o planejamento da produção – o que e o quanto

vai ser produzido – é estabelecido a partir do final da cadeia produtiva (produção

puxada). No fordismo criava-se o produto para depois pensar a quem vender, o

que levava a um vasto estoque de produtos e demandava maior número de traba-

lhadores (produção empurrada). No modelo japonês, eliminam-se os estoques e

automaticamente o pessoal “excedente” do processo produtivo. Entre as novida-

des incorporadas pelo toyotismo é possível destacar a fábrica mínima e a direção

pelos olhos,2 esse segundo princípio inspirado no modo de organização dos super-

mercados (CORIAT, 1994).

Ressalta-se também que o fordismo podia se desenvolver em uma economia

em plena ascensão, estando adequado ao incremento das quantidades, porém,

quando a demanda não cresce ou cresce debilmente, torna-se pouco eficaz. Os es-

toques se acumulam, não se encontram compradores e tais reservas trazem custos

para os produtores, o toyotismo passa a ser uma resposta à nova situação de cres-

cimento lento. O sistema produtivo japonês responde melhor às transformações

pelas quais o sistema capitalista estava passando, expresso na crise econômica e na

saturação do mercado.

Assim, o toyotismo nasce da necessidade de as empresas japonesas tornarem-

-se tão competitivas quanto as americanas. Se no fordismo a meta era produzir o

máximo em grandes séries gerando estoques para a venda futura, no novo método

a produção é puxada pela demanda. Desta forma visa combater o desperdício,

flexibilizar a organização do trabalho e, sobretudo, produzir em séries restritas

modelos variados, ou seja, procura responder à pergunta de como seria possível

elevar a produtividade quando as quantidades não aumentam. É um sistema de

organização da produção que se baseia em uma resposta imediata às variações da

demanda e exige, portanto, uma organização flexível do trabalho e dos trabalha-

2 Na administração pelos olhos a gerência pode, em qualquer instante, exercer um controle direto sobre a linha de produção e sobre os operários. Assim, um sistema que se compõe de cartazes e sinais luminosos é colocado em todas as ilhas de produção. Por meio desse sistema de sinais é indicado o que está ocorrendo no processo de produção – luz verde, normal; luz laranja, precisa de ajuda; luz vermelha de parar a linha de produção. Da mesma forma possibilita o controle dos estoques que são sinalizados de acordo com a disponibilidade de peças, permitindo que o trabalhador tenha acesso contínuo às peças necessárias para a produção.

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 261

dores e a integração das diferentes etapas do processo para que não existam para-

das e, consequentemente, perdas na produção.

Basicamente, o toyotismo se diferencia do fordismo nos seguintes aspectos

(KOVÁCS, 2001):

a) produção está diretamente vinculada à demanda;

b) trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções;

c) produção se estrutura num processo produtivo flexível, com disponibilida-

de ilimitada frente às exigências da empresa;

d) melhor aproveitamento possível do tempo de produção;

e) fornecimento just-in-time de estoques de material para produção;

f) eliminação de todas as partes que não acrescentam valor ao produto, reduzindo

ao máximo o número de pessoas, o nível dos estoques, os espaços, movimenta-

ção de materiais, os tempos de preparação e o controle burocrático;

g) melhoria contínua de processos e produtos com base no envolvimento, en-

corajamento e reconhecimento de esforços individuais e de grupo;

h) estrutura mais horizontalizada, marcada por intenso processo de terceiriza-

ção, com a integração das empresas subcontratadas numa rede hierarquiza-

da e envolvendo os principais fornecedores e clientes no desenvolvimento

dos produtos;

i) desenvolvimento de trabalho em grupos com responsabilidades no nível da

execução, permitindo maior autonomia no trabalho e aquisição de novas

qualificações; por meio dos CCQs (Círculos de Controle de Qualidade);

j) incorporação do controle da qualidade no processo produtivo e busca de

controle de qualidade desde os fornecedores: é a qualidade total sem au-

mento de custos.

Deve ser ressaltado que não apenas aspectos técnicos e de organização do

processo produtivo estavam na base deste modelo. A flexibilidade da mão de

obra representa um elemento central, principalmente no desenvolvimento das

habilidades dos trabalhadores em diferentes funções, podendo se adequar às ne-

cessidades da empresa. Para tanto era essencial a aquisição de múltiplas quali-

ficações (mecânica, eletrônica, processo produtivo como um todo, qualidade,

gestão etc.) além da disposição para auxiliar na capacitação dos colegas de traba-

lho. Busca-se o envolvimento do trabalhador com sua atividade e empresa que

se constrói com o conhecimento do produto, dos processos e da organização

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262 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

como um todo. Para chegar a esse patamar de conhecimento e flexibilidade, a

empresa precisa investir em treinamento e políticas de gestão que estimulem

a permanência do trabalhador, estabelecendo um laço de confiança mais estreito

com ele (SHIROMA, 1996).

Shiroma (1996, p. 4) afirma que neste modelo:

A cooperação entre capital e trabalho é necessária porque a própria na-

tureza do just-in-time provê os trabalhadores com maior poder, pois, ope-

rando com baixíssimos estoques, a produção fica muito mais vulnerável

às interrupções, sejam elas de origem externa – fornecedores, empresas

subcontratadas – ou interna – como quebra de máquinas, sabotagens, ope-

rações tartarugas, greves etc.

Diferente do taylorismo, o modelo japonês cria uma dependência entre ge-

rência e força de trabalho. Os operadores pela flexibilidade funcional têm maior

capacidade de interferir no fluxo da produção e são mais difíceis de serem substi-

tuídos do que operário o taylorista. No entanto, os trabalhadores também assumem

maiores responsabilidades, pois podem contribuir e alterar etapas e/ou atividades

do processo de produção, sendo também cobrados pelos erros que ocorrem.

Esta mútua dependência entre capital e trabalho permite explorar mais as

capacidades da força de trabalho, incorporando-a no processo e tornando os tra-

balhadores responsáveis pelo controle sobre o trabalho. Além disso, por trabalhar

voltada para a demanda do mercado e com estoque reduzido, estreita-se a relação

com clientes e fornecedores.

A política de gestão de pessoas tem destaque na construção desse modelo no

Japão. As grandes empresas japonesas constroem mercados de trabalho internos,

onde o recrutamento se dá pela base e os trabalhadores têm a ascensão na carreira e

salários baseados em critérios de tempo e mérito. Nesse contexto ganhou destaque

o chamado emprego vitalício, no qual o trabalhador galga todos os níveis da carreira

dentro de uma mesma organização, gozando de estabilidade em troca do compro-

metimento com a organização. Tal estabilidade no emprego configura-se também

numa estratégia da organização para manter mão de obra treinada e qualificada.

Segundo Shiroma (1996, p. 6-7):

Este sistema, que recruta supervisores entre os operários mais antigos, cria

relações de menos antagonismo no sentido vertical da pirâmide organiza-

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 263

cional (hierarquia) e amplia a competição no sentido horizontal, ao incitar

a disputa dos pares por uma vaga para promoção. No Japão, o salário não

paga apenas a força de trabalho, o valor de suas qualificações determinado

pela oferta e procura no mercado de trabalho. Dentro da política paterna-

lista da empresa, o salário é quase personalizado e aumenta acompanhan-

do as despesas crescentes que os funcionários adquirem com o casamento,

nascimento de filhos, morte de parentes etc.

No entanto, deve ser destacado que embora muito referenciado, esse modelo

não é predominante no Japão: apenas um terço da força de trabalho teve essas

condições. Os outros dois terços são compostos por mulheres, trabalhadores tem-

porários, subcontratados e os egressos de outras firmas. Esses trabalhadores não

possuem estabilidade nem carreira estruturada; sua admissão e demissão ocorre de

acordo com as mudanças econômicas e demanda das empresas. Em momentos

de baixa na oferta de postos de trabalho, os operários sofrem com a redução sala-

rial ou migram para firmas menores, em que as condições de trabalho e desenvol-

vimento profissional são inferiores, assegurando apenas a sobrevivência.

Autores críticos do modelo como Gounet (1999) e Antunes (2000), afirmam

que com o toyotismo a intensificação do trabalho atinge seu auge, aumenta con-

sideravelmente a exploração do trabalho, ou seja, a diferença entre aquilo que o

operário custa (o salário) e o que ele traz (mais-valia) e quanto mais se introduzem

novas condições de trabalho, mais se intensificam os ritmos de trabalho no chão

de fábrica. Também aumenta o recurso à subcontratação, com nível salarial 30%,

50% mais baixo para os subcontratados, horas extras ainda mais frequentes e raras

menções à melhoria das condições de trabalho, à humanização das relações sociais

e à parceria com sindicatos. Ainda como consequências negativas, ressaltam-se a

sobrecarga de trabalho, a marginalização de trabalhadores menos capazes de con-

seguir altas performances, a degradação das condições de trabalho e, em caráter

global, a intensificação da dualização e exclusão social.

Kovács (2002) observa que essa forma de organização possibilita melhorar a

competitividade pela racionalização contínua, contudo não rompe com os obje-

tivos e princípios do modelo taylorista-fordista de racionalização de tarefas, con-

trole do tempo e divisão de tarefas, a racionalização passa a ser autogerida, um

taylorismo flexível, estimulando o trabalho excessivo via autoexploração.

No Brasil, a implantação do modelo japonês ocorre apenas parcialmente.

Salerno (1993) aponta que o modelo just-in-time foi aplicado a poucos fornece-

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264 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

dores e em poucos segmentos, com destaque para o setor automotivo, destacan-

do como possíveis razões a distância entre indústrias; a concentração industrial

que limita as possibilidades de compra; o segmento controlado por apenas uma

empresa; a dificuldade para qualificação e desenvolvimento de novos forne-

cedores e a inibição das flutuações na economia ocorridas até a estabilização.

No que ser refere à organização do trabalho, o autor observa em seus estudos

a predominância da orientação individual, pouco desenvolvimento de trabalho

em grupo e predominância de relações baseadas no autoritarismo por parte dos

engenheiros.

Humphrey (1993) salienta que as limitações estavam assentadas na capacidade

dos operários e gestores de lidarem com os novos métodos, pois as empresas pre-

cisam construir uma “confiança inversa”, dos trabalhadores nos gestores, para que

houvesse um envolvimento ativo dos operários no processo. Corrobora para esse

problema a falta de qualificação e nível de instrução dos trabalhadores brasileiros,

a postura soberba dos engenheiros em aceitar sugestões vindas dos operários e o

sindicalismo de oposição que se estabelece neste período.

Em suma, aspectos históricos e culturais da formação das relações entre gesto-

res e trabalhadores no Brasil contribuíram para o desenvolvimento de um modelo

que incorpora alguns elementos do toyotismo, mas ainda marcado pela separação

entre planejamento e execução, características do taylorismo.

2. DA ESCOLA SOCIOTÉCNICA AO MODELO ANTROPOCÊNTRICO

A partir dos estudos nas minas de carvão de Durham, no norte da Inglaterra

no final da década de 1940, e da fábrica de fiação indiana de Ahmedabad no

início dos anos 1950, surgiu um novo modelo de organização do trabalho que da-

ria origem à corrente sociotécnica. Em Durham, cada mineiro executava funções

alocadas internamente em subgrupos que desenvolviam todas as atividades rela-

tivas à extração do carvão. Todos recebiam o mesmo salário e incentivos, sendo o

pagamento definido pela produção do grupo como um todo. Estes grupos tinham

significativa autonomia e alternavam papéis e turnos de trabalho com pouca su-

pervisão. A experiência permitiu a criação de uma forma de organização do tra-

balho em que a participação do indivíduo é tão importante quanto a tecnologia

utilizada (BIAZZI JR., 1994).

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 265

Na década de 1970, em decorrência das tecnologias flexíveis, surge na Volvo,

na cidade de Kalmar (Suécia), um modelo de organização que se baseia nos prin-

cípios da Escola Sociotécnica, associando as competências humanas e propondo

uma organização do trabalho mais descentralizada e participativa. Este modelo

ficou conhecido como kalmarismo ou volvoísmo, e implica desenvolver uma orga-

nização do trabalho em que o atingimento dos objetivos empresariais é concebido

num ambiente mais favorável à inserção do homem como responsável pela pro-

dução em massa de modelos diferentes (ORTSMAN, 1978; MARX, 1992). Em

vez de uma única linha de montagem, em Kalmar foi introduzido o conceito de

modularização das linhas, segundo as diferentes fases do processo de montagem,

sendo cada fase executada em prédios diferentes.

Na década de 1980, com a intensificação da competitividade e a necessidade

de maior flexibilidade, ocorre uma evolução do kalmarismo na Suécia, e o modelo

que nasceu na fábrica da Volvo se amplia para outras organizações com a forma-

ção de grupos semiautônomos. Os trabalhadores ganham liberdade para organizar

suas tarefas, rompendo com o paradigma tradicional taylorista-fordista e criando

um novo, com a valorização do fator humano, com novos princípios organizacio-

nais como autonomia, descentralização, participação e cooperação.

Marx (1992) aponta que, no caso de Kalmar, as principais características

do modelo eram: a) formação de grupos responsáveis por uma série de tarefas

da montagem permitindo a rotatividade de atividades e amplitude de tarefas;

b) os chassis dos veículos percorrem diferentes linhas controladas a distância

por computador, que permitem ao trabalhador melhores condições de trabalho

na montagem; c) a criação de estoques intermediários capazes de atender as

variações de ritmo e paradas que ocorrem nas diferentes etapas do processo de

montagem . Já em Uddevala as principais diferenças eram: a) existência de seis

plantas idênticas operadas por grupos de 10 trabalhadores que são responsáveis

pela montagem e pelo teste de um veiculo completo; b) trabalho manual aliado

a recursos informatizados que facilitam transporte, armazenagem e comunica-

ção; c) cada equipe é responsável pela qualidade do produto efetuando testes e

reparos após sua conclusão; d) as decisões sobre rotação de cargos e volume de

trabalho ficam sob responsabilidade da equipe, que deve comunicar eventuais

mudanças à engenharia e debater, caso necessário, a necessidade de alteração; e)

treinamento específico no local de trabalho para os trabalhadores, pois a maioria

não tinha experiência no setor automotivo; f) envolvimento de representantes

sindicais da cidade e do país.

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266 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Segundo Marx (1992), as peculiaridades de ambos os casos servem como

exemplo de que embora tenha surgido uma tendência ao trabalho em grupo e sua

adoção em várias empresas, estas não partem de um modelo pronto; cada organi-

zação desenvolve diferentes inovações tecnológicas e organizacionais que auxiliem

nos processos de sua planta.

Apesar dos resultados alcançados e das inovações introduzidas, posteriormen-

te com a aquisição da Volvo pela Renault o modelo foi abandonado naquela uni-

dade, mas a experiência realizada tornou-se referência para outras organizações

escandinavas e até os dias atuais é implantado de modo total ou parcial ou serve

de inspiração para a organização do trabalho de empresas de diferentes setores ao

redor do mundo.

Kovács (2002) observa que as experiências bem-sucedidas de empresas euro-

peias como a Volvo levaram um grupo de sociólogos do trabalho a pensar num

novo modelo teórico (ideal de empresa), que denominaram antropocêntrico, no

qual o fator humano seria central na organização do trabalho. Destaca como prin-

cípios fundamentais deste sistema idealizado:

substituição da economia de escala pela economia de escopo, na qual os •

bens passariam a ser fabricados em pequena escala em plantas flexíveis e

direcionadas para nichos de mercado;

automação flexível como suporte às atividades desempenhadas pelos traba- •

lhadores;

organização descentralizada do trabalho com hierarquia plana e uma ampla •

delegação de poder e responsabilidades;

divisão do trabalho minimizada, baseada em alguma forma de desenho in- •

tegrado do sistema de trabalho;

requalificação contínua dos trabalhadores orientada para o produto; •

integração de todo processo de produção de acordo com os produtos da •

empresa.

Segundo Kovács (2002), enquanto o modelo lean production enfatiza a for-

mação de redes de subcontratação de empresas, o modelo antropocêntrico estaria

vinculado à cooperação e parceria com outras empresas, numa tecnologia especifi-

camente moldada, nas competências internas e na flexibilidade organizacional que

favorecesse a coordenação horizontal, a comunicação ativa, a qualidade de vida no

trabalho e a atenção às motivações e expectativas dos trabalhadores. Este modelo

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 267

de organização do trabalho coloca a reflexão e a inteligência dos trabalhadores

no centro do processo produtivo, possibilitando que refletissem também sobre a

concepção dos produtos e dos equipamentos.

3. REDES DE EMPRESAS

As redes de empresas surgem em meio às mudanças das formas de produção

e de trabalho ocorridas nas últimas décadas do século XX, quando se inicia a

passagem dos sistemas de produção fordistas para os sistemas flexíveis. Um dos

primeiros movimentos nesse sentido surge na “Terceira Itália” na década de 1980,

onde a cooperação de pequenas empresas num contexto de estímulo à inovação

resultou, num primeiro momento,3 na melhoria nas condições de emprego (re-

muneração) e de trabalho (estrutura e organização das tarefas) e na elevação dos

níveis de qualificação da mão de obra.

Piore e Sabel (1984) ao analisarem este modelo defendem que em razão da

crise do modelo de produção em massa, as grandes corporações dariam espaço

para pequenas e médias empresas, que por possuírem estruturas melhores seriam

mais ágeis e adaptáveis às mudanças produtivas e econômicas, adotando um mo-

delo baseado no gerenciamento flexível, pequena produção e descentralização.

Assim, as relações interfirmas se baseariam na cooperação como meio de aumen-

tar a produtividade e a competitividade.

Todavia, este foi um modelo particular desenvolvido dentro de um contexto

cultural específico, que combinou o desenvolvimento organizacional e a qualifica-

ção da mão de obra que circulava dentro dos distritos industriais italianos, fortale-

cendo a competitividade interna com uma rede de cooperação.

Desse modelo, que visa aprimorar as relações entre organizações existentes nas

cadeias produtivas tradicionais, desenvolveu-se a ideia da empresa em rede, basea-

da na divisão do trabalho entre organizações que se especializam em determinadas

fases da cadeia produtiva. A autonomia e a capacidade de controle dependem do

porte e da posição que as empresas ocupam na cadeia produtiva. Essa forma de

arranjo empresarial constitui um espaço ampliado para a inovação tecnológica e

para a organização do trabalho com base em novos princípios, desde que funcio-

3 Atualmente, nas redes de microempresas italianas nem todas conseguem igual destaque, e o traba-lho, mesmo que organizado em grupos familiares, tem levado a jornadas de até 12 horas por dia.

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268 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ne com a lógica da cooperação e autonomia ligadas a uma divisão equilibrada do

trabalho entre as organizações que compõem a rede. Contudo, para que haja um

bom funcionamento, requer (KOVÁCS, 2002, p. 50):

a) relações de confiança, portanto, acordo sobre investimentos a longo prazo e

sobre repartição dos benefícios;

b) relações de interdependência suficientemente fortes para criar um senti-

mento de participação e de objetivos comuns, bem como o equilíbrio de

poder entre as organizações;

c) grau de integração que permita estabelecer contatos sólidos e um bom nível

de comunicação;

d) informação transparente e adequada para que cada organização conheça os

planos e orientação das demais;

e) institucionalização da parceria por ligações legais e sociais, reconhecimento

e explicitação de valores.

Segundo Castells (2002) as redes de empresas que se desenvolvem pela exter-

nalização de etapas do processo produtivo podem apresentar diferentes configura-

ções na relação entre pequenas e grandes firmas e não podem ser explicadas como

um único modelo de organização flexível. Para explicar sua proposta considera

além do caso italiano os arranjos desenvolvidos na Coreia, no Japão e na China.

Na Coreia, normalmente a empresa central é uma holding familiar, embora os

interesses da rede sejam mais importantes do que os da família. As pequenas e mé-

dias empresas têm menor importância no processo produtivo se comparadas com

as redes japonesas e sua relação com a empresa central é baseada na disciplina. No

interior da organização, as relações de trabalho são autoritárias, sendo valorizada

obediência dos funcionários em detrimento de processos participativos, o que re-

sulta em relacionamento conflituoso com os trabalhadores (CASTELLS, 2002).

No caso japonês existem redes horizontais (parcerias entre grandes empresas

que abrangem diversos setores) e verticais (construídas ao redor de um segmento

específico, envolvendo diversas empresas menores como fornecedores). Os forne-

cedores atendem a outros clientes apenas se tiverem permissão da matriz, visto

que as relações são de total confiança e cooperação. Enquanto as empresas centrais

da rede oferecem emprego vitalício, trabalho em equipe, autonomia, nas periféri-

cas as condições de trabalho são precárias, formando uma estrutura organizacional

e social dual.

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 269

Na China, as redes de empresas, tal como na Coreia, estão sob o controle de

famílias que atuam em diversos setores. Porém, ao contrário da experiência co-

reana, a família tem maior importância, baseando os negócios na confiança, com

pouca consideração para as normas contratuais. As relações entre empresas estão

baseadas em ligações pessoais, sendo menos rígidas do que as japonesas. As rela-

ções de trabalho estão baseadas na centralização de decisões e autoritarismo e os

trabalhadores que não pertencem à família são vistos como “estranhos”. Os com-

promissos são de curto prazo e os trabalhadores buscam criar um negócio próprio,

o que dá mais flexibilidade para os vínculos contratuais (CASTELLS, 2002).

Há ainda redes de empresas que se formam por meio do licenciamento de

marcas para franquias, que ficam subordinadas à empresa central. Estas diferentes

tendências interagem entre si, influenciam-se e reorganizam-se originando novos

modelos. Nesse sentido o sistema de produção flexível permitiria às grandes or-

ganizações ganhos em produtividade via terceirização, dado a potencial, mas não

fundamental vitalidade e flexibilidade das pequenas empresas. Para as últimas,

o principal benefício estaria no acesso à inovação tecnológica e à ampliação das

possibilidades de sobrevivência no mercado global, fortemente influenciado pelas

grandes empresas em rede. As grandes concentrariam o poder, pelo controle das

iniciativas de inovação e espaço nos mercados.

Em alguns casos o modelo que se estabelece segue organizado ao redor da gran-

de empresa, havendo pouca ou nenhuma transferência de capacidade tecnológica

e poder econômico para as empresas menores. Há uma mudança na estrutura da

grande empresa que passa a “gerenciar” também atividades externas, pois o con-

trole permanece centralizado. Pode ocorrer a externalização com a contratação de

empresas de outros países, onde os salários são menores e a legislação trabalhista

menos rígida, levando para uma nova configuração da divisão internacional do

trabalho.

Kovács (2002b) também destaca que redes de contratação podem não cons-

tituir uma ruptura com o modelo taylorista-fordista, quando um conjunto de

pequenas e médias empresas se subordina a uma empresa central ou a algumas

empresas centrais. Nesse caso, elas concentram as áreas e funções estratégicas e

o trabalho qualificado, organizado de acordo com os princípios pós-tayloristas.

Já nas empresas subcontratadas predominam as fases operacionais secundárias e

as atividades de execução rotineiras e desqualificadas, limitando-se o espaço do

trabalho qualificado ao núcleo reduzido que se dedica às funções de direção e

controle. Ou seja, a organização taylorista desloca-se do interior da empresa para

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270 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

a relação entre as empresas, criando uma divisão entre as que concebem e contro-

lam e as que executam. Essa divisão desigual do trabalho pode levar a relações de

dependência e forte segmentação no que se refere às formas organizacionais e à

qualificação dos recursos humanos.

No Brasil, nota-se ainda um tipo particular de arranjo que são as redes de far-

mácias, no caso um conjunto de pequenos estabelecimentos se associam sob um

mesmo nome a fim de obter ganhos de escala com a compra de um maior volume

de produtos e poderem concorrer com os grandes conglomerados do setor.

Assim, embora tenha ganhado espaço como estratégia de competitividade e

de cooperação entre empresas, as redes de empresas não configuram um modelo

único nos objetivos e relações estabelecidos entre os diferentes atores que partici-

pam do arranjo. Em regiões em que os trabalhadores têm alta sindicalização, ação

coletiva coesa, relações de confiança fortes, ao desenvolverem-se arranjos em rede,

as relações de trabalho tendem a ser mais respeitadas, e condições de trabalho,

melhores.

Além disso, a estratégia competitiva da empresa central e o tipo de serviço

prestado pelas contratadas interferem na relação interfirmas. De acordo com Ru-

duit (2002), estratégias competitivas voltadas predominantemente para a satis-

fação do cliente tendem a favorecer relações de maior cooperação interfirmas, e

estratégias competitivas voltadas predominantemente para a redução de custos

tendem a favorecer relações de maior subordinação da empresa contratada. Tam-

bém deve ser considerada a natureza do trabalho prestado: quanto maior a com-

plexidade técnica do serviço prestado pela empresa contratada, tanto maior serão

as chances de se estabelecerem relações de maior cooperação interfirmas.

4. O MODELO FLEXÍVEL DE ORGANIZAÇÃO NO CONTEXTO ATUAL

As transformações mais recentes ocorridas no mundo do trabalho apontam

para uma sociedade em que as empresas se tornam o centro: internacionalizam-

-se, passam a ser uma das grandes forças influenciadoras das nações-Estado. Sem

fronteiras como limite, produzem onde obtêm o menor custo e comercializam

seus produtos onde obtêm o maior lucro. Para a maior parte das grandes empresas,

sobretudo as de matriz em países desenvolvidos, já está distante o tempo da orga-

nização do trabalho marcada pela divisão rígida de funções, fragmentação de tare-

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Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 271

fas, especialização de conhecimentos, hierarquização e centralização de informa-

ções. Esta tem dado lugar a uma flexibilização funcional e numérica dos recursos

humanos como forma de superar as disfunções do sistema taylorista (FERREIRA,

2002). A evolução tecnológica e a ampliação dos canais de comunicação elimina-

ram as barreiras de tempo e espaço, tornando possível o contato em tempo real e

a transferência de informações para qualquer lugar do planeta dentro da rede de

informação criada (KOVÁCS, 2002).

O trabalho flexibiliza-se, torna-se mais um dos recursos requeridos para a pro-

dução e deve ser contratado pelo menor custo. Passa a ser comum a subcontrata-

ção de empresas para realizarem serviços não ligados às atividades para as quais

as organizações são contratadas, a contratação de trabalhadores temporários e o

ajustamento da carga horária ao trabalho demandado pela empresa. Tais mudan-

ças influenciam também os indivíduos, que deixam de se identificar como traba-

lhadores e assumem paulatinamente uma “identidade organizacional”.

Ao remodelarem-se, as organizações esbarram em algumas resistências que vão

sendo pouco a pouco suprimidas. Essas organizações buscam desenvolver estraté-

gias para que os trabalhadores se mantenham ajustados da melhor forma possível

ao cotidiano do trabalho, o que explica a ênfase dada ao comprometimento com

a organização e a cobrança por uma participação mais efetiva do trabalhador nas

decisões sobre as atividades realizadas, principalmente no que se refere à melhoria

de processos e redução de custos.

Assim, as organizações passam a requerer um trabalhador mais qualificado,

criativo, flexível, capaz de realizar múltiplas funções e disponível para mover-se

de acordo com as necessidades das empresas. Entretanto, como ressalta Kovács

(2001), a classe trabalhadora perde unidade, torna-se complexa, heterogênea, for-

mando três grupos diferenciados: a) um grupo central de trabalhadores em acordo

com as qualidades exigidas pelas empresas, constituindo uma elite salarial deten-

tora dos benefícios e de um contrato formal; b) um grupo superqualificado capaz

de adaptar-se à flexibilidade exigida pelo mercado, vendendo seu trabalho por

altos valores às empresas, capazes de se manter por conta própria e de acumular

riquezas recursos financeiros/bens para manter um padrão de vida confortável

sem os benefícios sociais antes fornecidos pelas empresas; c) um grupo integrado

por uma multidão de excluídos que luta para sobreviver adequando-se aos regimes

de trabalho disponíveis (KOVÁCS, 2001).

A organização tanto do processo de produção como do processo de trabalho

de forma enxuta e sistêmica redimenciona as relações de trabalho e as exigências

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272 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

sobre o trabalhador. A formação profissional aparece como um fator importante

a interferir na organização do trabalho. Um novo perfil de operário é requisita-

do, exigindo-se maior qualificação profissional, e a formação adquire importância

cada vez maior. As empresas investem em treinamento, procurando implementar

cursos de alfabetização, formação básica em matemática e cursos comportamen-

tais e motivacionais (LEITE, 1994; NEVES, 1998). Por outro lado, os trabalhado-

res que passam a atuar de forma indireta no processo produtivo por meio de con-

tratos flexíveis podem ficar estagnados em seu nível de formação, visto que têm

dificuldade para investimentos próprios na sua formação. Assim, no que se refere

à qualificação, a reestruturação produtiva leva a uma diversificação de situações,

havendo tanto qualificação quanto desqualificação dos trabalhadores dependendo

dos aspectos analisados (SALERNO, 2004).

Nesse contexto, os trabalhadores buscam também responder às transforma-

ções do meio organizacional, qualificando-se a fim de se tornarem capazes de ope-

rar segundo os preceitos estabelecidos pelo mercado. Da mesma forma buscam

alternativas para ingresso no mercado de trabalho aderindo à economia informal,

como autônomos ou organizando-se em cooperativas de prestação de serviços.

No Brasil, a externalização das tarefas (ligadas direta ou indiretamente ao sis-

tema de produção) tem levado à intensa disseminação de formas de flexibilização

como a terceirização, a subcontratação, o trabalho fora do sistema de seguridade

social, a flexibilização da jornada de trabalho cada vez mais expressiva em todos

os setores econômicos (agrícola, industrial e de serviços), tornando o atual cenário

propício para o surgimento de novos modelos organizacionais e relações intra e

interorganizacionais. Internamente, pela utilização de novas modalidades de con-

trato (temporário, em tempo parcial, estágios, entre outros) e vínculos (subcon-

tratados, autônomos etc.) passam a conviver trabalhadores com remuneração e

benefícios bastante diferenciados, em alguns casos, mesmo para a execução de

tarefas similares. Na relação entre as empresas, o porte, o setor de atuação e a

especialidade do serviço levam ao surgimento de relações diferenciadas: ora de

cooperação, quando são interdependentes, ora de subordinação, quando uma das

partes impõe seus interesses à outra.

No caso brasileiro, particularmente, destacam-se as cooperativas de trabalho.

Esse modelo de organização de trabalhadores tem crescido em todos os ramos de

atividade econômica, ao mesmo tempo que as cooperativas prestadoras de ser-

viços têm se disseminado mais. Nesse caso, os trabalhadores passam a concorrer

com as empresas que prestam serviços terceirizados, uma vez que representam

Page 282: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho 273

uma alternativa de menor custo para quem contrata seus serviços, em razão do

tratamento diferenciado (benefícios fiscais recebidos por lei), se comparadas com

uma empresa. Porém são temas de uma frequente discussão, pois para alguns con-

duziriam à precarização do trabalho, enquanto para outros seria uma solução para

os problemas de desemprego (PICCININI et alii, 2003).

Frente a essas transformações na organização do trabalho, na estrutura orga-

nizacional e na desregulamentação do mercado de trabalho, os vínculos empre-

gatícios tornam-se, pois, mais heterogêneos, conduzindo os indivíduos a diversas

possibilidades de ingresso no mercado de trabalho, dentro das diferentes estrutu-

ras organizacionais existentes, seja por opção ou por necessidade. Assim, é impor-

tante que trabalhadores e gestores compreendam tal variedade de caminhos. Para

os trabalhadores representa a necessidade de se preparar para uma nova realidade

organizacional, na qual novos conhecimentos e habilidades são demandados, en-

quanto para os gestores surge a necessidade de considerar a diversidade de víncu-

los de trabalho e das formas de identificação e de relacionamento do trabalhador

com a empresa na gestão de pessoas – e este é um desafio ao qual muitos já se

percebem no esforço para manter os trabalhadores estimulados e consequente-

mente motivados.

Page 283: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

C A P Í T U L O 1 5

Sociedade salarial e flexibilização do trabalho

VALMÍRIA CAROLINA PICCININI

O trabalho assalariado historicamente representa a segurança econômica

e social alcançada após muitas lutas e movimentos de trabalhadores, e

resulta de orientações políticas de Estado que levaram a um modelo

de relação trabalhista considerado o mais adequado pelos trabalhadores e pelos

teóricos do trabalho.

Esse modelo é relativamente recente. Se retornarmos à história do trabalho,

uma vez que as formas de remuneração existente ao longo dela apresentaram

características muito distintas daquela chamada sociedade salarial, veremos que

após a Segunda Guerra Mundial o mundo do trabalho nas economias capitalistas

democráticas desenvolvidas da Europa, América do Norte1 e, em menor escala,

em algumas regiões do Brasil (SINGER, 1999), estruturou um sistema de rela-

ções de trabalho2 em que prevaleceu o trabalho assalariado formal, a relação de

1 Nos países centrais constituiu-se uma verdadeira rede de proteção social, denominada Welfare State, que no Brasil não chegou a se consolidar.2 Relações de Trabalho são entendidas aqui como transcendendo a própria situação de trabalho, pois envolve um conjunto de arranjos institucionais e informais que modelam e transformam as relações sociais de produção nos locais de trabalho. Entende-se que as relações de trabalho são oriundas das relações sociais de produção entre trabalhadores e empregadores (LIEDKE, 1997; FLEURY e FISCHER, 1992). Relações Trabalhistas referem-se às relações jurídicas de trabalho, a própria legislação.

Page 284: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

276 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

emprego padrão. Isto significa: salário fixado em lei; salário direto profissional

sujeito a certas regras, acima do salário mínimo; salário indireto representado

por 13º, férias remuneradas, pagamentos de horas extras acima do valor de hora

normal, descanso semanal remunerado e um sistema de seguro social contem-

plando acidentes, desemprego, velhice etc. (SINGER, 1999). As empresas não

tinham o poder de rebaixar o trabalho, pois o Estado legislava nesse sentido, e os

trabalhadores tinham um maior domínio sobre as negociações coletivas, sendo o

controle, portanto, social (DEDECCA, 2000). Somente o Japão não se enqua-

drava nesse modelo, pois mantinha o controle sobre o trabalho pela repressão

dos movimentos sindicais e os sindicatos com atuação restrita ao interior das

empresas.

Desde os anos 1990, no Brasil inverte-se a lógica e a regulação do trabalho

se transfere do social para o privado. Cada vez mais as empresas reconstroem o

seu poder sobre as relações de trabalho na negociação direta com os trabalhado-

res ou com a anuência dos sindicatos. Progressivamente, os contratos e acordos

coletivos nacionais e setoriais são abandonados e vão-se estabelecendo os acor-

dos por empresa, conforme os interesses e necessidades desta. Isso se tornou

possível pela ameaça constante de desemprego no setor formal da economia e

pelo aumento do poder das empresas, em decorrência da mudança no modelo

produtivo internacional. No caso brasileiro, durante a última década do século

XX foram implementadas políticas liberalizantes visando sobretudo o controle

inflacionário. Os sindicatos são pressionados pelos próprios trabalhadores – te-

merosos do desemprego – a aceitarem os acordos propostos pelas empresas

no sentido de implantar a polivalência, a extensão da jornada de trabalho, o

banco de horas e a remuneração baseada na participação nos lucros e resultados

(PLR).

Nos anos 1970, cerca de 80% da População Economicamente Ativa (PEA) dos

países capitalistas desenvolvidos gozava do tipo de emprego formal ou relação pa-

drão de emprego. Isto se verificava no Brasil, na região da Grande São Paulo, onde

pouco mais de 70% da PEA tinham emprego regular com carteira assinada. Em

1998 somente 43% permaneciam com o vínculo formal de emprego (SINGER,

1999). Tais garantias, asseguradas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),

eram possibilitadas pelo empregador de grandes e médias empresas, que repassa-

vam os custos desse emprego-padrão aos seus preços e que eram bancados pelos

consumidores finais dos produtos. Esse sistema virtuoso funcionou na medida em

que os próprios benefícios trabalhistas asseguravam uma demanda relativamente

Page 285: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 277

ampla pelos produtos que sustentavam o padrão de vida dos trabalhadores. A crise

do mundo do trabalho é exatamente a destruição dessa estruturação, e, sobretudo,

da relação padrão de emprego.

Com a globalização os oligopólios multinacionais se reestruturam, terceiri-

zando para reduzir custos e reformularem inteiramente seu arcabouço. Além

disso, ocorrem fusões e aquisições consentidas e negociadas e aquisições hostis,

em que grandes empresas são adquiridas por outras de maior poder. Em sequên-

cia, partes das empresas fundidas são vendidas ou fechadas por serem considera-

das menos lucrativas (GAZIER, 1993). Essa reorganização se dá muitas vezes de

forma especulativa nas bolsas de valores. Nas aquisições, o grupo que adquire ou

negocia a compra de uma parte das ações vai comprar um volume suficiente de

ações com direito a voto para derrubar o grupo que controlava a empresa ante-

riormente (SINGER, 1999). Ao se descentralizarem, as grandes empresas ficam

menores e criam ao seu redor uma rede de pequenas e médias empresas (PMEs)

filiadas, subcontratadas, algumas vezes com posse cruzada das ações.

Grandes empresas conseguem, em função do novo quadro institucional,

entrar em qualquer país ou região com baixos investimentos utilizando os in-

centivos que os governos locais oferecem. Ao se estabelecerem nessas regiões

vão criando um cinturão de fornecedores que antes eram internos à empresa, a

empresa-rede, empresa subcontratada, parcialmente associada ou não. Quando

chega o momento do pagamento dos impostos, muitas vezes fecha e vai para

outras regiões, ou outros países, em busca de novos incentivos (PICCININI,

ROCHA DE OLIVEIRA e RÜBENICH, 2006). No Brasil, muitas saem do sul

e do sudeste e vão para o nordeste, muitas vezes empregando trabalhadores

organizados em cooperativas de trabalho. São oferecidos incentivos fiscais, os

governos dos estados nordestinos competem na oferta de mais vantagens para

atrair as empresas do sudeste e do sul. A médio e curto prazos é possível estimar

se esses incentivos trazem bons resultados para os estados, que instauram uma

verdadeira guerra fiscal para atrair indústrias e empregos que na maioria dos

casos se torna “flexível”.

1. MERCADO DE TRABALHO E O EMPREGO FLEXÍVEL

O emprego flexível representa uma mudança no sistema jurídico e social ba-

seado no emprego formal. Surge, muitas vezes, como forma de burlar a legisla-

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278 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

ção de proteção social, pela contratação de trabalhadores com menor ou maior

qualificação, que podem exercer suas funções na forma de prestação de serviços.

Com a disseminação dessas formas flexíveis a contratação tradicional se torna mais

custosa e menos competitiva; como a busca pela redução dos custos é constante, a

tendência é a de se tornar o modelo predominante de contratação.

A difusão de formas flexíveis de contrato não está presente apenas em rela-

ções de trabalho precarizadas, com o intuito de redução de custos e obtenção de

flexibilidade quantitativa, uma vez que ocorre em situações de emprego muito

diversas. O emprego flexível pode ser uma forma de inserção de trabalhadores jo-

vens em processo de qualificação, de trabalhadores que perderam sua qualificação

e não encontram outra forma de trabalho, ou de trabalhadores qualificados que

querem uma jornada de trabalho flexível e sem vínculo fixo com um empregador.

No entanto, a proteção social está fortemente vinculada ao trabalho formal, e seu

financiamento depende da manutenção de vínculos empregatícios de longa dura-

ção, pois grande parte dos recursos que sustentam os programas de previdência

social advém da contribuição de empresas e empregados e é calculada sobre folhas

de pagamento e salários. Como esta modalidade de contratação perde espaço, o

percentual da população economicamente ativa que possui vínculo empregatício

formal cai de forma constante, independentemente do fato de a economia de um

país estar crescendo ou não.

Tal fenômeno é verificado em países com diferentes níveis de desenvolvimen-

to econômico e ocorre mesmo em sociedades que tradicionalmente oferecem uma

relação de emprego estável e sindicatos atuantes. É o caso do Canadá, em que

estudiosos constatam deslocamento progressivo do emprego do setor de bens de

produção para o de serviços, dificultando a atuação dos sindicatos. Além disso,

tradicionalmente os trabalhadores que atuam no terciário são, de modo geral, mais

refratários à sindicalização (LEVESQUE, MURRAY e LEQUEUX, 1998 apud

TREMBLAY e ROLLAND, 1998). Os autores concluem que o deslocamento do

trabalhador do setor secundário para o terciário é acompanhado de uma precari-

zação intensa do trabalho, que perde seu caráter permanente, de tempo integral,

para assumir formas ditas atípicas (trabalho em tempo parcial, por tarefa, sobre

chamada, autônomo, ocasional).

Page 287: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 279

1.1. A mulher no mercado de trabalho

No Brasil, a precarização atinge, sobretudo, mulheres, jovens, etnias e raças

diferentes da branca; minorias sexuais e os de menor nível de instrução. Além

disso, grande parte dos empregos criados é em pequenas e médias empresas, as

quais usualmente oferecem menos benefícios e em que os sindicatos têm maior

dificuldade para recrutar novos membros.

As minorias étnicas e o sexo feminino são os mais atingidos pela precariza-

ção e piores condições de trabalho. As estatísticas do IBGE referentes a Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (2004-2007) demonstram que as mulheres

recebem salários 55% inferiores aos dos homens. Pelos dados de 2007, referentes

a pessoas em idade ativa, o rendimento médio das mulheres era de R$451,00 e a

dos homens era de R$819,00. Pela mesma pesquisa, enquanto o rendimento mé-

dio das mulheres era de R$660,00 o dos homens era de R$998,00, portanto a

mulheres recebem salários 66% inferiores, em média, ao dos homens. Por faixas

salariais o mesmo fenômeno se verifica. Entre as mulheres, 27,4% recebiam 1 sa-

lário mínimo, enquanto 20,3% dos homens estavam nesta situação. Com mais de

20 salários, 0,3% das mulheres para 1% dos homens.

Também em relação à informalidade as mulheres estão mais sujeitas a vínculos

precários conforme apresentado na Tabela 1.

TABELA 1. Vínculo de trabalho segundo sexo e categoria de emprego – 2006-2007

Homens % Mulheres %

Com carteira assinada 59,2 48,4

Militares e estatutários 8,1 13,7

Outros sem carteira de trabalho assinada 32,7 38

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004-2007. Tabela 4.12 – Empregados e trabalhadores domésticos de 10 anos ou mais de idade, no trabalho principal da sema-na de referência, por Grandes Regiões, segundo o sexo e a categoria do emprego no trabalho principal – 2006-2007

1.2. Os negros no mercado de trabalho

Em 2004, enquanto 19,6% dos brancos eram considerados pobres, cerca de

41,7% dos negros sofriam do mesmo problema (RADAR SOCIAL, 2006).

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280 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) cons-

tata que a taxa de pobreza entre os brasileiros reduziu-se de 33,3% em 2001

para 30,1% em 2004.3 A taxa de pobreza utilizada no estudo considera famílias

que recebam menos de um salário mínimo. O valor corresponde à população em

geral. No ano 2004, 7,1% dos homens estavam desempregados, enquanto 12,1%

das mulheres não tinham ocupação formal. A taxa de desemprego entre brancos e

negros mostra que 10,5% dos negros estavam sem emprego em 2004, e 8,2% dos

brancos estavam desempregados.

O Estado brasileiro está tomando algumas medidas para diminuir essas dife-

renças, que para muitos estão ligadas essencialmente às oportunidades diferentes

desde o ingresso no ensino fundamental. Vivemos numa sociedade que foi escra-

vista; essas marcas ainda são profundas e se manifestam, mesmo depois de gera-

ções em que, oficialmente, a prática foi abolida no país. No entanto, permaneceu

uma imagem depreciativa do ex-escravo, indiferença por parte da elite em relação

a essa maioria desprotegida, grande rigidez na hierarquia social que justifica, em

parte, a enorme desigualdade social brasileira (CARDOSO, 2008). O autor res-

salta que cada região apresentou diferentes regimes de escravidão, dependendo

muitas vezes do nível de qualificação dos escravos. Nos engenhos de açúcar distin-

guiam-se hierarquias ocupacionais decorrentes do domínio do uso do maquinário

e da produção do açúcar com nível de qualidade, o que gerava a expectativa de

serem alforriados, mas o mesmo não se verificava nos campos de produção da cana

e do algodão.

Além disso, os pequenos proprietários de escravos tinham neles sua fonte de

sustento, e como o custo de aquisição era alto eram mais bem tratados; alguns

chegavam a ter alguma autonomia e possibilidade de comprar sua alforria ao acu-

mular alguma renda decorrente de seu trabalho.

Por outro lado, como o trabalho escravo era um trabalho duro e geralmente

feito no campo foi por séculos considerado trabalho próprio de escravos e por isso

desvalorizado, uma vez que um trabalhador livre não iria fazer um trabalho para

o qual o escravo era forçado. O trabalho “limpo” em que não se sujam as mãos

era e é mais valorizado, sobretudo em regiões em que o trabalho escravo foi mais

presente. É importante lembrar que no modelo de colonização brasileira (tanto

durante o domínio português como depois) os senhores de engenho, os grandes

proprietários, tinham poder em definir a vida e a morte do escravo sem gran-

3 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Radar Social, 2006.

Page 289: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 281

des controles do Estado. De qualquer forma os representantes políticos (governa-

dores, senadores, prefeitos) eram também oriundos da classe oligarca e impunham

a sua autoridade sempre defendendo os privilégios da classe a que pertenciam.

A polícia funcionava como executora das penas infligidas aos escravos e pos-

teriormente às classes inferiores livres. O escravo era motivo de temor por parte

dos mais abonados, que temiam as possíveis revoltas que pudessem encabeçar. As

camadas mais pobres, oriundas ou não dos antigos escravos, foram submetidas a

uma ética de desvalorização do trabalho e do trabalhador, o que os impediu, du-

rante muito tempo, de serem vistos como cidadãos, com direitos e respeito pelos

que podiam dispensar a submissão ao trabalho pesado (CARDOSO, 2008).

Essa mentalidade reflete-se nas dificuldades de os oriundos dessa camada as-

cenderem socialmente, haja vista que os afrodescendentes são os que percebem

salários inferiores se comparados aos brancos. As mulheres, por exemplo, são du-

plamente atingidas se forem negras.

No que se refere ao papel do Estado na diminuição dessas barreiras, ele é deci-

sivo na condução de políticas de inserção dos trabalhadores no mercado de traba-

lho quando define os rumos das políticas públicas. Na explicação para o fenômeno

do desemprego, às vezes atribuído, exclusivamente, à inovação tecnológica e, no

caso brasileiro, à presumida rigidez das relações trabalhistas e à baixa escolarida-

de da mão de obra (PASTORE, 1994). Leite (1997) considera que estaria mais

vinculado às políticas econômicas e sociais referentes às condições de incentivo à

dinamização da economia, que foram praticamente abandonadas nas décadas de

1980 e 1990 no Brasil, tendo o controle inflacionário prioridade sobre a questão

dos níveis de emprego.

2. OS DIREITOS TRABALHISTAS E O TRABALHO FLEXÍVEL

Dedecca (2005) lembra que os direitos trabalhistas no Brasil se desenvolveram

com dificuldade e que, mesmo após a criação da CLT, os governos – inclusive o

de Vargas – sempre tomaram atitudes e coibiram os mecanismos que pudessem

tornar este sistema legítimo. O movimento sindical só adquiriu maior legitimida-

de no final da década de 1970; é importante ressaltar que grande parte de suas

reivindicações foram atendidas na nova Constituição de 1988, quando um estado

de proteção social foi desenhado. Entretanto, as eleições de 1989 apresentaram

uma bipolarização: de um lado estavam aqueles que ajudaram a construir a nova

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282 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Constituição e, de outro, os que refutavam parte significativa desse marco legal

alegando que o modelo de proteção estabelecido atendeu apenas os trabalhadores

das grandes empresas públicas e privadas e do Estado. Sugerem que a regulação

do mercado, que marcou o país desde a década de 1940, formou uma sociedade

marcada por privilégios para poucos e penúria para muitos. A reprodução desse

discurso ganhou força em países desenvolvidos desde o final da década de 1970,

onde era defendida a flexibilização e a desregulamentação como instrumentos

fundamentais para resolver problemas econômicos e sociais. No entanto, esse dis-

curso não se aplica ao Brasil, uma vez que aqui o estado de proteção social nunca

chegou a realmente funcionar (DEDECCA, 2005).

O Brasil, que sofreu um período recessivo entre 1990-1992, iniciou um pe-

ríodo de recuperação (1993-1996) com estabilização dos preços devido ao Plano

Real de 1994. No entanto, os impactos positivos foram escassos, embora tenha

ocorrido a queda da inflação, mas acompanhada da redução do nível de emprego,

sobretudo o industrial, desestimulado devido ao incentivo dado às importações.

A difusão do emprego flexível se reflete em trabalho mal pago, pouco reco-

nhecido e instável. A sua difusão é decorrente da busca da flexibilização quan-

titativa e da redução de custos pelo recurso a vínculos contratuais instáveis e à

substituição de contratos de trabalho por contratos comerciais (subcontratação).

No Brasil, o trabalho flexível sempre foi amplamente utilizado, sobretudo em

setores como o calçadista e o têxtil – vestuário e em algumas regiões (sobretudo

sul e sudeste).

Segundo Chahad (2003), atualmente o setor de serviços é onde mais se en-

contra trabalho flexível, sendo a terceirização a sua forma mais difundida e mais

expressiva nas grandes empresas, assim como a suspensão temporária do contrato

de trabalho (lay-off), modalidade agora aceita na legislação brasileira.

Neste contexto, a flexibilização adquire diferentes formas, variando de acordo

com a busca por maior competitividade, por parte das organizações. Para Pastore

(1996), é visto como forma de reduzir o desemprego e facilitar o ajuste de custo e

nível de produção pela mobilidade dos recursos humanos.

Piccinini, Rocha de Oliveira e Rübenich (2006) destacaram os modelos de

flexibilização do trabalho mais encontrados nas organizações brasileiras como

a flexibilização quantitativa externa: que pode ser caracterizada como atividades-

-meio ou atividades-fim que são deslocadas para outras organizações, por meio

de contratos comerciais que aumentam a mão de obra sem o aumento do quadro

funcional. É o caso da terceirização/subcontratação – a contratação de empresas

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Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 283

para desempenhar atividades antes realizadas pela contratante4 – e das Redes de

Empresas – divisão do trabalho entre organizações que se especializam em deter-

minadas fases da cadeia produtiva (RUDUIT, 2002). A autonomia e a capacidade

de controle dependem do porte e da posição que as empresas ocupam na cadeia.

Essa forma de arranjo empresarial constitui um espaço ampliado para a inovação

tecnológica e para a organização do trabalho com base em novos princípios, desde

que funcione com a lógica da cooperação e autonomia ligada a uma divisão equili-

brada do trabalho entre as organizações que compõem a rede. Para que alcance os

resultados almejados requer relações de confiança, interdependência, integração,

transparência de informação e institucionalização da parceria.

Entre as formas de flexibilização do trabalho que se fazem tanto interna como

externamente à empresa encontra-se o Trabalho em domicílio – acordo verbal

ou documentado em que o trabalhador é pago por peça elaborada ou beneficiada

sendo realizada no ambiente doméstico. É muito utilizado em setores tradicionais

como o calçadista e o de vestuário, em que as peças são entregues nas residências

próximas às fábricas para realização de etapas do processo de produção formada

por tarefas eminentemente manuais e de baixa remuneração. É uma atividade

descontínua relacionada com as demandas de produção das empresas, ficando o

trabalhador dependente de um ou mais contratantes (PICCININI, 1996).

Outra forma de flexibilidade corrente e em que geralmente elas se empre-

gam como terceirizadas são as cooperativas de trabalho – associação autônoma de

pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades

econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de proprieda-

de coletiva e democraticamente gerida (Organização das Cooperativas do Brasil,

2009). Apesar de largamente utilizada e prevista na legislação desde 1971, foi a

partir da Constituição de 1988 que o governo fomentou o cooperativismo, garan-

tindo a sua autogestão. A nova Constituição acolheu parcialmente a Legislação de

1971 redigida durante o período militar, que permitia intervenções por parte do

governo, o que é vedado na Constituição de 1988.

4 Os termos terceirização e subcontratação são muitas vezes utilizados como sinônimos pelas empre-sas, mas segundo Piccinini, Oliveira e Rübenich (2006) terceirização é a externalização das ativida-des-meio (segurança, vigilância, alimentação etc.) ou periféricas (transporte, contabilidade etc.). Já a subcontratação é o deslocamento de atividades-fim, seja para atender necessidades sazonais de pro-dução, típico da indústria de confecções; ou para especialização da empresa no desenho de produtos, que são continuamente produzidos por contratadas. Nesse caso, geralmente as empresas terceirizadas desenvolvem maior tecnologia e seus trabalhadores são mais qualificados.

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284 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

A flexibilização quantitativa interna permite que as empresas alterem a quanti-

dade de mão de obra sem aumentar seu quadro funcional efetivo, por meio de con-

tratos de trabalho “atípicos”, isto é, diferentes do contrato de trabalho por tempo

indeterminado, com carteira de trabalho assinada. Nesse caso se inclui o Trabalho

Temporário, reconhecido pela Lei n. 6.019 de janeiro de 1974, e que é estabeleci-

do entre organização e trabalhadores por prazo determinado. O salário deve ser o

mesmo dos efetivos, mas o trabalhador temporário deixa de receber os benefícios

de que desfrutam os efetivos permanentes. As empresas adotam esta prática para

atividades sazonais; ao receberem encomendas de grande porte que precisam ser

honradas em determinado período para limitar as horas extras; para diminuir a

influência dos sindicatos e controlar os trabalhadores permanentes com a presença

de temporários. No trabalho em tempo parcial (part-time) é permitida a contrata-

ção de funcionários para atender aos picos diários de demanda, como ocorre nas

empresas de teleatendimento, que têm o maior fluxo de ligações em determinado

período. Nesse tipo de contrato a empresa dispõe de um trabalhador considerado

mais eficiente e produtivo do que em turno integral, pois cansam menos e podem

ter outras atividades paralelas, e permite complementar a sua renda; reduz os cus-

tos da empresa, pois os encargos trabalhistas são menores, assim como o recurso

a horas extras. No trabalho de tempo compartilhado (job sharing), duas ou mais

pessoas compartilham a mesma tarefa e a remuneração. Pode ser de caráter diário,

semanal ou mensal, dependendo do produto ou serviço a ser realizado. São traba-

lhadores especializados ou qualificados que não querem ou não podem trabalhar

em tempo integral. Para a empresa possibilita reduzir o seu nível de atividade em

períodos de pouca demanda sem precisar demitir trabalhadores. Na modalidade de

suspensão temporária do contrato de trabalho (lay-off) o trabalhador é desligado

temporariamente e readmitido assim que a empresa retoma os níveis de produção

ou as atividades. Isso ocorre sobretudo em países com baixa regulamentação traba-

lhista, em que a recontratação não representa grandes custos. A empresa dispensa

ou readmite de acordo com seus critérios, independentemente dos sindicatos, po-

dendo esta dispensa ser parcial e seletiva, e geralmente os últimos dispensados são

os primeiros readmitidos. A resolução 200/98 do Codefat,5 que regula essa moda-

5 Codefat é o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT. É destinado ao custeio do Programa do Seguro-desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. A principal fonte de recursos do FAT é composta das contribuições para o Programa de Integração Social – PIS, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servi-dor Público – PASEP, pagas pelos empregadores.

Page 293: Piccinini - Sociologia e Administração. Relações Sociais Nas Organizações

Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 285

lidade no país, é utilizada sobretudo por empresas com mais de 250 empregados

e do setor de serviços. A dispensa só pode ocorrer se nesse período o trabalhador

tiver acesso ao seguro-desemprego e receba algum tipo de treinamento custeado

pelo empregador (CHAHAD, 2003). Uma modalidade que implica contratação de

estudantes de cursos de níveis médio e/ou superior são os estágios, que foram re-

gulamentados pela Lei n. 6.494 de 1977 para regulamentar o estágio de estudantes

de ensinos profissionalizante, supletivo e superior e estabelece que este somente

poderá verificar-se em unidades que tenham condições de proporcionar experiên-

cia prática na linha de formação do estagiário. O objetivo de integrar o estudante

e introduzi-lo no mercado de trabalho foi muito utilizado como forma de dispor

de mão de obra barata e qualificada, sobretudo isentando a empresa de encargos

trabalhistas. A nova lei n. 11.788 de 2008 estabelece limites e maior proteção ao

estagiário, regulando e restringindo o número de horas de trabalho a fim de per-

mitir que estude e para coibir os abusos verificados (PICCININI, ROCHA DE

OLIVEIRA e RÜBENICH, 2006).

Outra forma importante de flexibilização é a funcional, adotada pelas empresas

que desejam reorganizar e adaptar sua mão de obra ampliando as atividades execu-

tadas e fazendo a mobilidade interna dos trabalhadores, que devem poder desempe-

nhar atividades diferentes de acordo com as exigências da demanda. Identifica-se a

multifuncionalidade quando o trabalhador opera mais de uma máquina com o mes-

mo nível de complexidade. No caso da polivalência, um trabalhador ocupa diferen-

tes postos de trabalho em função das necessidades de distribuição interna de pessoal,

como ausência de funcionários. Geralmente é para operações menos complexas e se

verifica na atividade, nas funções, nos postos (MICHON, 1987).

A flexibilização externa das formas de trabalho (tempo/espaço) se dá quando

este pode ser executado em domicílio, em telecentros, desde que exista a trans-

missão de informação entre empresa e trabalhador (como telefone, pager, internet)

No teletrabalho a gestão dos horários é flexível, uma vez que não há necessidade

do deslocamento do trabalhador até a empresa. No caso, o trabalhador pode tam-

bém executar suas atividades em casa. Isto pode ser feito tanto por trabalhadores

de escritório como em atividades tradicionais como no setor de calçados e vestuá-

rio. Destacam-se também as Redes de Empresas, que funcionam como forma de

terceirizar e subcontratar outras empresas para executar uma ou várias partes do

processo produtivo.

Internamente a empresa pode utilizar mecanismos para ampliar ou reduzir as

horas de trabalho como as horas extras – que é uma das primeiras formas legal-

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286 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

mente previstas de flexibilizar o tempo de trabalho. São utilizadas para ampliar

o volume de horas trabalhadas além do estabelecido pelo contrato de trabalho. É

regulamentada pelo artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que

estabelece que a remuneração deva ser, pelo menos, 50% superior à hora normal

de trabalho, sendo limitada a, no máximo, duas horas por dia. Tem sido utilizada

como forma de completar a atividade produtiva que não pode ser desempenhada

dentro do período de trabalho normal. Permite que o trabalhador complemente a

sua renda, mas esse aumento da carga diária de trabalho se reflete na sua qualidade

de vida (CHAHAD, 2003).

Em muitos setores esta prática tem sido substituída pelo banco de horas, que

representa menor custo para as empresas. Criado para atender à sazonalidade das

demandas das organizações, quando o trabalhador ultrapassa o limite contratual de

horas trabalhadas nos momentos de pico de produção são descontadas as horas traba-

lhadas a mais quando há redução no volume de produção. A Lei 9.601 de 1998 deter-

mina que a compensação deve ser feita dentro de no máximo um ano sem ultrapassar

o limite de 10 horas diárias. Na prática algumas empresas têm utilizado o banco de

horas, mesmo sem a negociação obrigatória com os sindicatos (LESSA, 2001). Outra

modalidade de flexibilização é a jornada de trabalho flexível, em que o trabalhador

cumpre um número fixo de horas em horários determinados pela empresa e outra

parcela de forma flexível, normalmente nos períodos de entrada, saída ou almoço.

Esse tipo de flexibilização vai depender da tecnologia utilizada, do tipo de clientela e

da capacidade de operação da empresa (CHAHAD, 2003) e é mais usual em ativida-

des como criação ou pesquisa e desenvolvimento.

Os turnos de trabalho visam a maior flexibilidade na produção pela extensão

do dia de trabalho. É encontrada em setores que não podem interromper a produ-

ção (como a indústria química) e também nas empresas que não dispõem de espa-

ço físico para abrigar todos os trabalhadores de que necessita para a produção. Na

semana reduzida de trabalho os trabalhadores concentram um maior número de

horas em uma parte da semana, ficando inativos o restante do tempo. É bastante

usado no setor público e objetiva economizar energia, limpeza etc.

Piccinini, Rocha de Oliveira e Rübenich resumem as formas de flexibilização

do trabalho no Tabela 2.

A maior consequência em termos de gestão de recursos humanos é que as

chefias têm que conviver com trabalhadores “estáveis” (e benefícios amplos) e

trabalhadores “flexibilizados” (com salários e benefícios diferenciados). Isso inevi-

tavelmente se reflete na satisfação com o trabalho, a motivação etc. e é motivo de

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Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 287

muitas indagações dos gestores, que têm de conviver com os dois tipos de vínculos

dos trabalhadores. As fronteiras entre o trabalho formal e o informal se tornam

cada vez mais tênues, o novo trabalho “flexível” ou “atípico” é reconhecido em lei

e nele se eliminam os benefícios e as garantias do vínculo celetista,6 tão defendido

pelo movimento sindical brasileiro ao longo do século XX.

Outro ponto importante e que se relaciona com a aspiração de sociedade salarial,

também muito presente no século XX, foi das relações de trabalho. No Brasil e em

outros países emergentes ou subdesenvolvidos é o fenômeno da informalidade. Para

sobreviver as pessoas precisam realizar atividades que geram renda e possibilitem o

sustento próprio e da família; tais atividades representam, assim, formas de flexibilizar

o trabalho e de se isentar das contribuições exigidas por lei para os que estão vincula-

dos a uma empresa ou que se constituem como empresa.

3. O TRABALHO INFORMAL NO BRASIL

O termo informalidade pode ser apresentado de muitas maneiras. Noronha

(2003) destaca três: 1) a econômica, que considera informal ocupações periféricas

não rentáveis; 2) a legal (e portanto formal), que são aquelas situações regulares

e previstas em lei, como existência de carteira de trabalho assinada, contrato de

TABELA 2

Tipo de flexibilização Externa Interna

Tip

o d

e fl

exib

iliza

ção

Quantitativa (número de trabalhadores)

Terceirização, subcontratação, trabalho em domicílio, rede de empresas, cooperativas de trabalho

Trabalho de tempo compartilhado (job sharing), lay-off, estágios, trabalho temporário, tempo parcial

Funcional Polivalência, multifuncionalidade

Formas de trabalho (tempo/espaço)

Teletrabalho, trabalho em domicílio, rede de empresas

Horas extras, banco de horas, jornada flexível, turnos, semana reduzida de trabalho

Fonte: Piccinini, Rocha de Oliveira e Rübenich. In: O mosaico do trabalho na sociedade contemporânea. 2006.

6 Pessoa cujo vínculo de trabalho é regido pela CLT.

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288 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

trabalho coletivo, autônomo ou empregador; 3) a popular, que reconhece como

informal a ausência da carteira de trabalho.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o DIEESE (Departa-

mento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) dedicam-se a pesqui-

sar sobre a situação do emprego e desemprego. Ambos realizam pesquisas mensais

em domicílios de regiões metropolitanas do país, mas usam classificações e metodo-

logias diferentes, apesar de estarem enquadrados nos padrões mínimos internacio-

nais definidos pela CISE-1993 (Classificação Internacional da Situação de Empre-

go) que foram elaborados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), que

por sua vez classifica o emprego de acordo com o tipo de contrato estabelecido entre

o titular e outras pessoas ou organizações, analisando o grau de solidez do vínculo e

da estabilidade gerada pelo tipo de relacionamento existente.

Segundo a CISE, o empregado é o trabalhador7 que tem um emprego assalariado

– contrato de trabalho, oral ou escrito, por meio do qual é remunerado. Como empre-

gados regulares, estáveis, entende-se os que têm um vínculo contratual contínuo (pe-

ríodo maior que a duração mínima estabelecida e que varia conforme o país). O em-

pregador é o dono da empresa que contrata trabalho assalariado. Os trabalhadores por

conta própria, da mesma forma que os empregadores, trabalham por conta própria,

mas não possuem pessoas trabalhando para si de maneira contínua. O IBGE e o DIE-

ESE utilizam definições muito semelhantes às da OIT, mas separam os trabalhadores

que possuem carteira assinada, protegidos pelos benefícios da CLT, daqueles que não

a tem, o que implica lacunas na análise dos dados. Os servidores públicos, categoria

que não tem carteira assinada mas é protegida pela legislação, são classificados pelo

IBGE como “trabalhadores sem carteira”, mas gozam de todos os benefícios à seme-

lhança dos oferecidos pela CLT e possuem um vínculo indiscutivelmente sólido com

seu empregador. Outra distorção é ignorar certas categorias, como os profissionais

liberais (médicos, dentistas), os empregadores e outros autônomos que contribuem

para a previdência pública, que lhes assegura benefícios como aposentadoria e licença

saúde, mas não dá acesso a algumas outras vantagens da CLT como décimo terceiro

salário, férias e horas extras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

7 A CISE prevê uma categoria separada para trabalhador de cooperativa, pois cada membro, sem dis-tinção, participa de forma igualitária na organização da produção e na distribuição dos benefícios au-feridos pela organização. Nem o IBGE nem o DIEESE incluem tal categoria em suas classificações.

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Sociedade salarial e flexibilização do trabalho 289

Ao cabo de muitas lutas sindicais e conquistas políticas, a sociedade brasileira

buscou cada vez mais garantias de emprego e renda. A situação de flexibilização

do trabalho que se vive hoje, mais especificamente desde os anos 1990 e prevista

na legislação, embora legal e formal na medida em que elimina parte do sistema

de seguridade, reduz sensivelmente a estabilidade dos empregos e, em alguns ca-

sos, aumenta a carga de trabalho, leva à precarização do trabalho e à redução da

qualidade de vida do trabalhador.

Destacam-se nesse sentido as cooperativas de trabalho, em que raras conse-

guem se manter fiéis aos princípios do cooperativismo, por um lado resultam em

trabalhos que oferecem alternativas de ocupação e renda para seus associados, mas

por outro, em muitos casos, oferecem condições mínimas de trabalho e remu-

neração que garantem apenas a sobrevivência desses trabalhadores (PICCININI,

ROCHA DE OLIVEIRA e FONTOURA, 2004).

Não há dúvidas que muitos preferem ser “donos” do seu próprio negócio e

atuam sem registro, seja em razão da reestruturação das empresas, que buscam a

flexibilização como forma de resistir e competir num contexto de internacionali-

zação da economia, mas é inegável que o crescimento do fenômeno do trabalho

informal no Brasil ocorre paralelamente à intensificação da abertura comercial.

Assim, duvida-se que todos estes autônomos o sejam por decisão individual ou

pelo próprio espírito empreendedor, uma vez que grande parte dessa ocupação

informal vem acompanhada da precarização das condições de trabalho e de vida.

O governo Fernando Henrique Cardoso, responsável pelo principal plano de

estabilização econômica da década de 1990, buscou flexibilizar o trabalho e mu-

dar a legislação trabalhista, que na maioria das opiniões precisa ser atualizada, mas

é imposta a ideia de flexibilizar o “custo” do trabalho.

Há que se reconhecer que grande parte do trabalho sempre foi flexibilizado,

sobretudo nos setores que estavam fora do mercado formal de emprego. O go-

verno Lula, aparentemente, está diminuindo a pressão nesse sentido, tomando

medidas para estimular o emprego formal e inserir os trabalhadores autônomos

na Seguridade Social. De qualquer forma, dadas as políticas já em curso quando

da mudança do governo federal em 2002, permanece o risco de serem retiradas

as garantias trabalhistas conquistadas ao longo do século XX, principalmente as

implantadas a partir da década de 1950.

Na busca de integrar os trabalhadores informais no Sistema de Proteção So-

cial (SPS) foi aprovado o Plano Simplificado de Previdência Social (PSPS). Desde

a competência abril/2007, podem contribuir com 11% sobre o valor do salário

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290 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

mínimo os contribuintes individuais que trabalham por conta própria (antigo au-

tônomo), segurados facultativos e empresários ou sócios de empresa cuja receita

bruta anual seja de até R$36.000,00. Tal opção implica exclusão do direito ao

benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (LC 123 de14/12/2006).

A opção para contribuir com 11% decorre automaticamente do recolhimento

da contribuição em código de pagamento específico na Guia da Previdência So-

cial. Além disso, não é vitalícia, o que significa que aqueles que optarem pelo pla-

no simplificado podem, a qualquer tempo, voltar a contribuir com 20%, bastando

alterar o código de pagamento na GPS.

Em levantamento feito pela imprensa com ambulantes, vendedores autônomos

e outros, muitos declararam que tal contribuição, mesmo pequena, pesa demasiada-

mente no orçamento doméstico, ainda que reconhecendo a precariedade de viver sem

as garantias do emprego formal. Os jovens vêem como muito distante a aposentado-

ria, e a preocupação com o futuro atinge mais os que estão em idade madura.

Parte dos trabalhadores assalariados sem carteira – de médias e grandes em-

presas – estão no setor dinâmico da economia, o que significa que este tem sido

incapaz de expandir empregos de qualidade. Mesmo funcionários em funções

executivas (arquitetos, advogados, engenheiros) são demitidos e passam a prestar

serviço terceirizado como pessoa jurídica para uma organização, mas contradi-

toriamente obedecendo a normas de horário e de subordinação impostas pelas

empresas quando eles deveriam ser chefes de si mesmo.

A redução da precarização nestas atividades depende, portanto, de uma alte-

ração nas coordenadas do modelo econômico vigente. A CUT (Central Única dos

Trabalhadores)8 (2003) sugere investir nas experiências de economia solidária,

sob a condição de que os autônomos, as verdadeiras cooperativas, as microem-

presas e os pequenos produtores rurais no âmbito da agricultura familiar tenham

acesso ao microcrédito para expandir as suas atividades.

A realidade das organizações é a convivência difícil de trabalhadores de duas

categorias distintas, os empregados assalariados e com acesso a benefícios sociais

e os “flexibilizados” que, em sua grande maioria, jamais entrarão pela porta da

formalidade no trabalho. Somente políticas ativas de emprego e de inclusão social,

seja pelo ensino, seja pela qualificação e pelo aumento das oportunidades de em-

prego, poderão acenar para um futuro mais promissor para estes trabalhadores.

8 No Brasil existem duas principais centrais sindicais, a Força Sindical e a CUT. A CUT é a maior delas, congregando cerca de 70% dos sindicatos do país.

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A T I V I D A D E S P R O P O S T A S

P A R A A P A R T E I I I

I. QUESTÕES PARA REFLEXÃO

Capítulo 11. A constituição do trabalho na sociedade moderna

1. Que fatores econômicos, sociais e religiosos contribuíram para o surgimento de

diferentes concepções de trabalho ao longo do tempo?

2. Quais dessas concepções você identifica na sociedade atual?

3. Há alguma concepção que pode estar atrelada a determinado setor empresarial

ou profissão?

4. Alguns autores consideram que o trabalho é central; outros negam esta centra-

lidade. Discuta as duas posições e justifique a sua opinião a respeito.

5. Seria possível uma sociedade sem trabalho?

Capítulo 12. Processo e organização do trabalho: Conceitos

1. Quais as diferenças entre organização e processo de trabalho?

2. Como ocorre o controle do processo nas diferentes formas de organização do

trabalho apresentadas?

3. As formas de organização do trabalho impõem-se homogeneamente nos distin-

tos períodos econômicos? Por quê?

4. Como os conceitos de organização e processo de trabalho podem contribuir

para a prática da gestão?

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298 S O C I O L O G I A E A D M I N I S T R A Ç Ã O

Capítulo 13. Taylorismo e fordismo: A racionalidade técnica na

organização do trabalho

1. A partir das discussões desse capítulo, destaque como as inovações de Ford

relacionam-se com os princípios tayloristas.

2. Qual a importância do contexto social para o desenvolvimento do fordismo?

3. Como foi o desenvolvimento do fordismo no Brasil? Que aspectos diferem de

seu desenvolvimento nos Estados Unidos?

4. Podemos dizer que o fordismo acabou? Ainda é possível ver características

desse modelo nas organizações atuais?

5. Apesar de o fordismo ser um modelo, marcou um período especifico do desen-

volvimento das organizações e posteriormente deu espaço a outros. Quais as

principais contribuições desse modelo para a gestão na atualidade?

Capítulo 14. Práticas contemporâneas de produção e gestão do trabalho

1. Quais aspectos socioeconômicos contribuíram para a crise do fordismo?

2. Faça um quadro comparativo das características dos modelos japonês, italiano

e sueco.

3. Que aspectos esses modelos têm em comum e quais suas diferenças mais mar-

cantes?

4. Qual desses modelos você identifica mais comumente nas organizações brasi-

leiras atuais? Por quê?

Capítulo 15. Sociedade salarial e fl exibilização do trabalho

1. O que poderia levar ao retorno a uma sociedade salarial nos moldes encontra-

dos no modelo fordista ou em um novo modelo?

2. Os vínculos formais de emprego apresentam vantagens para as empresas? Ar-

gumente e justifique sua opinião.

3. Quais as vantagens e desvantagens da flexibilidade de emprego para o trabalhador?

4. O Estado tem possibilidades de interferir no sentido de reprimir abusos decor-

rentes de algumas formas de flexibilização do trabalho? Explique.

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Atividades propostas para a Parte III 299

II. SUGESTÕES DE ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

1 Divida a turma em pequenos grupos e solicite que cada um faça uma pesquisa

com as pessoas de sua comunidade perguntando “O que é trabalho?” e “Por que

você trabalha?”

Em aula, faça levantamento e categorização das respostas.

Discuta os resultados comparando com as diferentes concepções de traba-

lho discutidas no texto.

2. Visite empresas dos ramos industriais e/ou de serviços, observe e descreva

como é a organização e o processo de trabalho, como a tecnologia é emprega-

da, como ocorre a flexibilização do trabalho e das relações de emprego etc.

Analise de quais modelos (taylorista/fordista; toyotismo, lean production etc.)

ela mais se aproxima.

III. SUGESTÕES DE FILMES, VÍDEOS E DOCUMENTÁRIOS

Filmes

1. Tempos modernos

Direção: Charles Chaplin

Ano: 1936

Duração: 88 minutos

Sinopse: Um operário de uma linha de montagem testou uma "máquina revolu-

cionária" para evitar a hora do almoço, mas é levado à loucura pela "monotonia

frenética" do seu trabalho. Após longo período em um sanatório ele fica curado

da crise nervosa, mas desempregado. Sai do hospital para começar nova vida, mas

encontra uma crise generalizada e equivocadamente é preso como agitador comu-

nista, que liderava uma marcha de operários em protesto. Simultaneamente uma

jovem rouba comida para salvar as irmãs famintas, que ainda são menores. Elas

não têm mãe e o pai está desempregado, mas o pior ainda está por vir, pois ele é

morto em um conflito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores são

levadas a jovem consegue escapar.

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2. Ford, o homem e a máquina

Direção: Allan Eastman

Ano: 1995

Duração: 150 minutos

Sinopse: Baseado no livro de Robert Lacey, apresenta a história de Henry Ford, o

homem que criou a produção em série, revolucionando a indústria mundial, e seu

amor pelas máquinas, seu drama familiar e o relacionamento amoroso com uma

jovem funcionária.

3. Segunda-feira ao sol

Direção: Fernando León de Aranoa

Ano: 2002

Duração: 113 minutos

Sinopse: Uma cidade costeira no norte da Espanha sofre com o isolamento quando

seus estaleiros começam a ser fechados, deixando vários trabalhadores desempregados

à mercê de pequenas ocupações temporárias. Entre eles está Santa (Javier Bardem),

um machão rebelde e autossuficiente que se recusa a admitir o fracasso. Mas a verdade

é que ele e seus companheiros, dos quais ele se torna uma espécie de líder, são perde-

dores, mergulhados no alcoolismo e em crises familiares.

Vídeos YouTube

1. The Other Side of Outsourcing. Apresenta a outsourcing de atividades de TI

para a Índia. Produzido pelo Discovery e dirigido pelo jornalista Thomas Fried-

man (http://www.youtube.com/watch?v=8quDb3FIUuo)