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Poesia - Ivan Junqueira

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Arquivo disponibilizado pela Academia Brasileira de Letras em diversos volumes e diversos escritores.

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Poema

Ivan Junqueira

Ó deâmbula alma inquieta

Ó deâmbula alma inquieta,por que te moves às cegasnesse ermo que se enovelaentre o que és e o que pareces?

Por que te pões tão secreta,se debaixo de teus véustodos logo te percebemnos mil papéis que interpretas?

Por que temes, alma inquieta,esse dia em que, perplexa,souberes que não te hospedamo paraíso ou o inferno?

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Ocupante daCadeira 37na AcademiaBrasileira deLetras.

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Não te basta o que é terrestree se dá à flor da pele?Por que buscas o mistériono abismo que desconheces?

É por angústia que o anelasou só por gula das trevasque, profundas, te apetecemcomo as carcaças ao verme?

É pela luz que, feérica,confias ver entre as vértebrasda solidão que te cercadesde que ao mundo vieste?

Sê mais sábia, ó alma inquieta,e concede que te levemas águas em que navegassem bússola ou planisfério.

Sê mais sábia – e não esperaque te curem das mazelasesses deuses a quem rezase que, surdos, te desprezam.

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Ivan Junqueira

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Poesias

Luiz de Miranda

“Quatro Cantos” de Luiz de Miranda dolivro Rio de Janeiro, Canto de Amor e Esperança

I

Rio de Janeiro,caixa de esperançaonde depositotudo que tenho.Os ouvidos e duradouras

ausênciasque perpassamna memória

o que vira um enigmaque transitapor territórios inteiros

da alma.Sem retorno,

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Nasceu emUruguaiana, RioGrande do Sul,em 1945, ereside em PortoAlegre. Membroda AcademiaRiograndense deLetras. É autorde vários livrosde poesia, entreos quais sedestacam: Livrodos Meses, Amor deAmar, Livro doPampa e Trilogiado Azul, do Mar,da Madrugada e daVentania (Prêmiode Poesia daAcademiaBrasileira deLetras).

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caminham os mantossagrados das tuas ruas.Canto da cidade,de seu moinho de genteno meio sem nomeonde passamos indecifrados.Prefiro os bairrosao miolo do centro.As ruas quietasme dão mais sensibilidadee vou alumbrando o futuro,vazando os altos muros.

Procuro o que sei,mas o que desconheçoé que me surpreendee dirige o que escrevono vento tardioque me encontrae me dá novo tempo.Entre o mar e a montanha,dança a cidadepara meu cantode amor e esperança.

II

Os convivas do Riosão eternos,longe ou perto,

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vamos juntos ao desertopara lavar a almae seguir um destinoque me deramdesde o dia em que nasci,naquela Casa Pretana Rua Aquidabanà beira do Rio Uruguai,em Uruguaiana.O Rio é todo mundo.Encilho novamentemeu cavalo, chamo o cãoe vamos para a estrada,aquela que nunca termina,pois vem de ondenasce a solidão,mas germina a esperançade uma Escola de Sambaque prolonga a vidae alonga o temponaquilo que nos servede seiva verde,iluminada espuma do Rio.

Os dias são contadoscomo as estrelasque cobrem nossas cabeças.Rio de Janeiro é a residênciade tudo que amo.É a resistência

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onde refresco o corpopara a jornada que se iniciano aço da minha espada.

III

A vida inteira não é nadana longa estradaque o Rio dá aos olhosdaquilo que nunca morre,caminham a angústia e mistériona vereda da tarde.A arte nos inventae nos sustentado trigo da palavraque alumbraonde esteja.Voa esta cançãode lágrima e abandono.Nada se avista,a vista se perdena lonjurao meigo abrir dos lábios,a loucura do beijoé o que eu queroe desejo que somena noite do Rio,um pequeno amorque se adia na distância.

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IV

Tom Brasileiro,feliz sabiáque sabia mais,eternidade nas mãos.Outro igual jamais,heranças gaúchas

de pampae solidãoderramadasem tuas veias.Assim falávamose assim falaremos,a dor dos profetasem teu coraçãoentre um chopeno Luna Bare outro no Plataformaem forma tua amizadeque dorme saudadenestas minhas mãosjá velhas mas lúcidas.Tom se anunciano pó azul da poesia,naquilo que nasce

da almae se espalmana distância

que envolveo abandono.

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Tudo ressurgena alba de prataque a madrugada

desatacom seu punhal

afinado.Tudo é dor

e mistériono silêncio

de quem partequando o bar

fechasuas pesadas portas,lento arrastardiante do mare da montanha,onde o pássaro

arranhaseu vôo eterno,terno amanhecersob o leito

do amorao leste

da via-láctea.Tom é martíriode um pianoentre flores e gerâniosna agonia que se escreveo que se perdeuou deu no véuda lágrima.

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Luiz de Miranda

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Tom é o agoraque sangra na auroranos seus viésde sonho e formosura

alturaonde chega a voz de Deus.

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Poesias

Reynaldo Valinho Alvarez

Diáspora ou Aprendiz de Galego é um longo poema composto de30 estrofes em forma de soneto, escrito no idioma galaico e

acompanhado de versão em português, do próprio autor. As tradi-ções culturais da Galiza somam-se às preocupações existenciais dapoesia de nossos dias, em harmonia entre o texto e seus significados,em que transparecem a musicalidade e a beleza das imagens e metá-foras oferecidas pelo léxico galego, rico de sonoridades expressivas.A obra do autor, que tem raízes ibéricas, está integrada em três lite-raturas: a brasileira, a espanhola e a galega.

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Publicou 38 livros depoesia, ficção, ensaioe literaturainfanto-juvenil.Participou denumerosas antologias.Traduzido para osueco, o italiano, ofrancês, o espanhol, ogalego, o persa,o corso e omacedônio, foipremiado no Brasil,em Portugal, na Itáliae no México, além deeditado em Portugal,na Suécia, na Itália,no Canadá e naEspanha. O livroDiáspora ou Aprendiz deGalego reúne 30sonetos escritos emgalego e traduzidospara o português peloautor.

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A chuva que não cessa é que o prepara

A chuva que não cessa é que o preparapara a viscosa lama que há nas covas,enquanto vai, dos montes, às corcovas,em busca de uma vida estranha e rara,estimando os pardais e até a caraimagem que descobre em coisas novas,qual um peixe que põe as suas ovasnas quietas águas de uma enseada clara,e assim segue ele a crer-se invicto e forte,no caminho do sul, buscando o norte,muito certo de tudo, mas no enganoem que vão todos, até revelar-seque a cova vil é a última catarsedesse mar de paixões, o ser humano.

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Reynaldo Valinho Alvarez

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A chuvia que non cesa é que o prepara

A chuvia que non cesa é que o preparapara a viscosa lama que hai nas covas,mentres sobe dos montes as corcovas,á busca dunha vida estraña e rara,amando os gorrións e até a caraimaxe que descobre en cousas novas,cal un peixe que bota as súas ovasnas quedas augas dunha enseada clara,e así vaise el a crerse invicto e forte,no camiño do sur, buscando o norte,moi ancho de certezas, mais no enganoen que van todos, até decatarseque o foxo vil é a última catarsedese mar de paixóns, o ser humano.

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Uivam lobos até que chegue a aurora

Uivam lobos até que chegue a aurora,entre árvores sombrias, em ignotoscimos selvagens, nos rincões remotos,mais para lá, onde a saudade mora.Enquanto a noite, entre soluços, chora,os maltrapilhos fogem. Vão, devotos,cheios de medo, a murmurar seus votosde que não sofram nenhum mal nessa hora.Mude-se o olhar agora para as ruassem lobos pelas noites, mas de cruasexplosões de uma raiva que assassina.Eis aqui a colheita de perigos:são todos a fugir, não só mendigos.Mais que o lobo, é o homem que extermina.

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Oulea o lobo até que chegue a aurora

Oulea o lobo até que chegue a aurora,entre árbores sombrías, entre os cotosfragosos e altos, nos rincóns remotos,máis aló onde a señardade mora.Mentres a noite, entre saloucos, chora,foxen mendigos nos seus traxes rotos,cheos de medo, a murmurar os votosde que non sufran ningún mal nesa hora.Múdese o ollar agora para as rúassen lobos polas noites, mais de crúasexplosións dunha rabia que asasina.Velaquí a colleita de perigos:son todos a fuxir, non só mendigos.Máis cal lobo que oulea, o home extermina.

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As negras tumbas de hoje são as leiras

As negras tumbas de hoje são as leirasque hão de mostrar-se verdes amanhã.O dia estende a mão à sua irmã,a noite, em seu viajar de asas ligeiras.As palavras noturnas, verdadeiras,já não o serão mais pela manhã.Quem faz não fará mais, é coisa vã,fechada a porta muda nas soleiras.Maior do que os caprichos de alguns poucosserá o anseio dos ouvidos moucos,cansados de esperar em dias idos.Tal como existe a noite em cada cova,sempre haverá a aurora, rosa e nova,germinando nos olhos dos caídos.

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As negras tumbas de hoxe son as leiras

As negras tumbas de hoxe son as leirasque han de amosarse verdes no mañá.O día estende a man a súa irmá,a noite, que viaxa en ás lixeiras.As palabras nocturnas, verdadeiras,xa non o serán máis pola mañá.Quen fai agora, axiña non fará,cando as portas pecharen, silandeiras.Pois meirande que antollos dalgúns poucos,será a arela para ouvidos moucos,cansos da longa espera en días idos.Ao igual que unha noite en cada cova,sempre haberá unha aurora, rosa e nova,xerminando nos ollos dos caídos.

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Não pergunteis aos que andam no caminho

Não pergunteis aos que andam no caminhopor que se foram cedo de suas casase andam agora a suportar as brasasde um martírio cruel, rude e mesquinho.Antes deveis deixar de lado o vinhoe olhar bem dentro dessas almas rasas,que se arrastam na rua, aves sem asas,à procura de um pouco de carinho.Desde a aurora, a chorar. Até a noitenão há, para ajudá-las, quem se afoitee infortunadas vão, tão infelizes.Eis aí quanto horror há nessas vidas,a matar-se entre si, enlouquecidas,reabrindo as fechadas cicatrizes.

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Non preguntedes aos que fan camiño

Non preguntedes aos que fan camiñopor que se foron cedo de súas casase andan agora a soportar as brasasdun martirio cruel, rudo e mesquiño.Antes debedes pór de lado o viñoe ollar ben dentro desas almas rasas,que se arrastran nas rúas, pernas lasas,á procura dun pouco de cariño.Dende a aurora que choran. Deica a noitenon hai quen amparalas queira ou adoitee malpocadas van, tan infelices.Velaí canto horror hai nesas vidas,a matarse entre si, enlouquecidas,reabrindo as pechadas cicatrices.

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Esse passar do tempo, essa miséria

Esse passar do tempo, essa misériados dias submergidos, essas horasque escorrem devagar, essas auroras,o amanhecer tardio, essa matériafeita de lodo e espuma, essa bactériano mais fundo do estômago, essas florasde flores más, fanadas e inodoras,o sangue derramado pela artéria,todas as coisas que o caruncho come,mais o mal dentro do homem, qual a fome,vertendo-se nas taças do ódio fero,revelam cada um vivendo um drama,desde que o pare a mãe em sua camaaté que veja em si não mais que um zero.

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Ese pasar do tempo, esa miseria

Ese pasar do tempo, esa miseriados días anegados, esas horasque escorren amodiño, esas auroras,ese amencer tardío, esa materiafeita de lodo e escuma, esa bacteriano curruncho do estómago, esas florasde flores malas, feas e inodoras,o sangue derramado pola arteria,todas as cousas que o caruncho come,e aínda o mal oculto en cada home,verténdose nas cuncas do odio fero,amosan cada un vivindo un drama,dende que o pare a nai na súa camaaté que vexa en si non máis que un cero.

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Contam os ventos lendas que, na rua

Contam os ventos lendas que, na rua,não são mais que verdade. Aí vai com fomeo homem que desconhece o próprio nome,mas, com freqüência, exibe sua alma nua.Cada homem tem, na rua, o palco e atuasem atingir a glória do renomee vai comendo o seu deserto abdome,seu celeiro sem grão da vida crua.Voam pássaros livres sobre o asfalto,mas o homem segue escravo, em sobressalto,catando níqueis e fingindo o riso.Enquanto aspira os gases dos motores,deixa na rua um rastro mau de dores,abandona a esperança e perde o siso.

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Contan os aires lendas que, na rúa

Contan os aires lendas que, na rúa,non son máis que verdade. Aí vai o homeque descoñece até o propio nome,pero, acotío, amosa a súa alma núa.Cada home ten, na rúa, a escena e actúa,sen atanguer a gloria do renome,e vai coméndose o deserto abdome,hórreo baleiro da existencia crúa.Voan paxaros ceibes sobre o asfalto,mais o home segue escravo, en sobresalto,catando cartos e finxindo o riso.Mentres aspira o fume dos motores,deixa na rúa o seu ronsel de dores,abandona a esperanza e perde o siso.

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