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1 POÉTICAS AFRO-BRASILEIRAS O SIMBOLICO SAGRADO EM TRÊS OBRAS 1 Samantha Raissa Cunha da Silva (ICA - UFPA) RESUMO: Este trabalho expõe relatos de experiências vivenciados no processo de construção de três poéticas artísticas de visualidade afro-amazônica, durante a exposição Nós de Aruanda Artistas de Terreiro ocorrida na cidade de Belém-Pa. Poéticas artísticas que conectam ao universo simbólico e sagrado das religiões de matriz africana, abordando a partir dessas narrativas visuais ressignificações com a ancestralidade, pertencimentos e visualidades do estético e cultural na cosmovisão africana Deste modo estreitando outras percepções no que tange uma discussão no âmbito da antropologia visual em conexão com as artes visuais, por uma difusão da cultura afro-brasileira e africana no processo de resistência e legitimação do artista oriundo de comunidades tradicionais. PALAVRAS CHAVE: Poéticas Afro-amazônicas, Artista de terreiro, Artes visuais 1. Introdução Certamente as poéticas afro-brasileiras representam uma gama de possibilidades no que tange sua expressão no uso de diferentes linguagens artísticas. No contexto das relações afro-amazônicas mais especificamente na cidade de Belém-Pa, muitos são os artistas que vem se lançando na construção de uma narrativa de visualidade negra, deste modo difundindo a cultura afro-brasileira. Roberto Conduru, Mariano Carneiro da Cunha, Marta Salum são alguns dos pensadores que tem dedicado a realizar um trabalho voltado para as discussões sobre a artes afro-brasileira. O termo arte afro-brasileira é cunhado mais precisamente no século XX, segundo Marta Salum. Passou a ser reconhecida como qualquer manifestação plástica e visual que retome, de um lado, a estética e a religiosidade africanas tradicionais e, de outro, os cenários socioculturais do negro no Brasil. Trata-se da cultura material dos segmentos negros no Brasil, das obras representativas da cultura popular de origem africana, das releituras de arte africana tradicional. (SALUM, 2000). 1 Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA

POÉTICAS AFRO-BRASILEIRAS O SIMBOLICO SAGRADO EM TRÊS OBRAS · segmentos negros no Brasil, das obras representativas da cultura popular de origem africana, das releituras de arte

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POÉTICAS AFRO-BRASILEIRAS O SIMBOLICO SAGRADO EM TRÊS OBRAS1

Samantha Raissa Cunha da Silva (ICA - UFPA)

RESUMO: Este trabalho expõe relatos de experiências vivenciados no processo de

construção de três poéticas artísticas de visualidade afro-amazônica, durante a exposição

Nós de Aruanda Artistas de Terreiro ocorrida na cidade de Belém-Pa. Poéticas artísticas

que conectam ao universo simbólico e sagrado das religiões de matriz africana, abordando

a partir dessas narrativas visuais ressignificações com a ancestralidade, pertencimentos e

visualidades do estético e cultural na cosmovisão africana Deste modo estreitando outras

percepções no que tange uma discussão no âmbito da antropologia visual em conexão

com as artes visuais, por uma difusão da cultura afro-brasileira e africana no processo de

resistência e legitimação do artista oriundo de comunidades tradicionais.

PALAVRAS – CHAVE: Poéticas Afro-amazônicas, Artista de terreiro, Artes visuais

1. Introdução

Certamente as poéticas afro-brasileiras representam uma gama de possibilidades

no que tange sua expressão no uso de diferentes linguagens artísticas. No contexto das

relações afro-amazônicas mais especificamente na cidade de Belém-Pa, muitos são os

artistas que vem se lançando na construção de uma narrativa de visualidade negra, deste

modo difundindo a cultura afro-brasileira.

Roberto Conduru, Mariano Carneiro da Cunha, Marta Salum são alguns dos

pensadores que tem dedicado a realizar um trabalho voltado para as discussões sobre a

artes afro-brasileira.

O termo arte afro-brasileira é cunhado mais precisamente no século XX, segundo

Marta Salum.

Passou a ser reconhecida como qualquer manifestação plástica e visual que

retome, de um lado, a estética e a religiosidade africanas tradicionais e, de outro,

os cenários socioculturais do negro no Brasil. Trata-se da cultura material dos

segmentos negros no Brasil, das obras representativas da cultura popular de

origem africana, das releituras de arte africana tradicional. (SALUM, 2000).

1 Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os

dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA

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Ainda neste sentido para Roberto Conduru a expressão arte afro-brasileira aponta

Não um estilo ou um movimento artístico produzido apenas por

afrodescendentes brasileiros, ou deles representativo, mas um campo plural,

composto por objetos e práticas bastantes diversificados, vinculados de maneiras

diversas à cultura afro-brasileira, a partir do qual tensões artísticas, culturais e

sociais podem ser problematizadas estética e artisticamente. CONDURU (2007,

p.11).

Portanto este campo plural, que ressalta a estética e religiosidade de matriz

africana e do ambiente histórico, social e cultural do negro brasileiro, pode ser observado

dentro da exposição Nós de Aruanda -Artistas de Terreiro, ocorrida em Belém em sua

primeira edição no ano de 2013, na galeria Theodoro Braga dentro da fundação cultural

do Pará. Organizada pelo grupo de estudos e pesquisas Afro-amazônicos –

GEAM/UFPA, a exposição reuniu diferentes artistas ligados a comunidades afro-

religiosas como a Umbanda, o Candomblé, Tambor de Mina dentre outros segmentos.

Apresentando o universo simbólico, os sentires e a cosmologia gerada pelas religiões de

matriz africana na produção artística de artistas de terreiro em seus sentimentos Afro

Amazônicos.

Fig 1 Cartaz da mostra expositiva Nos de Aruanda – Artistas de Terreiro, 2013

Fonte: criado pelo grupo de estudos Afro amazônicos - GEAM, 2013.

A exposição reuniu um expressivo número de artistas de terreiro que apresentaram

diferentes poéticas em uma variedade de técnicas artística com abordagens que

conectavam ao cultural, político, religioso. O intuito de partir por este viés para falar da

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arte-afro-brasileira é destacado por as religiões de matriz africana possuírem uma

conexão forte com as culturas africanas afirma CONDURU, 2007.

Esta abertura foi um espaço fundamental para tornar visível produções que

dificilmente circulam no sistema das artes, haja visto que o racismo institucional e a

intolerância religiosa fazem com que a visualidade negra seja apagada, muitas vezes

usurpada em consequência ao embranquecimento, de uma lógica colonizadora euro

centralizada que nosso sistema enraizou. Este espaço também foi dado para se trocar

experiências e assim ressaltar a produção de artistas que vem trabalhando e/ou tendo a

oportunidade de tornar visível seu trabalho, destacando que Amazônia paraense está

inserida e produz relações com a identidade negra.

Portanto objetivo deste trabalho é descrever por meio de um relato de experiências

a construção de minhas poéticas artística, neste processo apresentando três narrativas

visuais vinculadas com o imaginário e simbólico das religiões de matriz africana, deste

modo estreitando relações através de uma ancestralidade negra e seus pertencimentos

com as artes visuais e alguns apontamentos para uma antropologia visual.

2. Artistas de Terreiro em exposição : O que é artista de terreiro. Quem é o artista?

O artista de terreiro vai se valer da plasticidade presente nos rituais das religiões

de matriz africana criando assim uma estética para construir suas poéticas. O termo artista

de terreiro, aqui, designa o artista que pertence à comunidade afro religiosa.

Este conceito não é corrente na literatura, hoje comum às Artes Visuais. E mais,

esta arte ou seu artista se pouco ou quase nunca emergem nas páginas dos compêndios

relativos à arte; tampouco fazem parte do sistema das artes não fazendo parte de galerias,

salões e exposições. Sobre essas estruturas do sistema artístico explica Medeiros ao dar

razão a Shigemi Inaga

Quando afirma que a história da arte opera conceitos e instrumentos que surgem

de uma dada estrutura cultural e que, por isso mesmo, nem sempre são

traduzíveis e aplicáveis a outras estruturas, fazendo com que determinados tipos

de fenômenos artísticos escapem à compreensão e, por isso mesmo, tornem-se

invisíveis nas histórias gerais da arte. [...] A história geral da arte reescrita pelos

“outros” (africanos, asiáticos e latino americanos) provoca, no máximo, aquele

interesse pelo “exótico” ainda tão típico de boa parte da intelectualidade euro-

americana – se e quando sabem falar e ler o linguajar da periferia [...] (2013, p.

114).

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Portanto, o conceito Artista de Terreiro foi construído no processo pelos

idealizadores da exposição fazendo referência à produção artística gerada de dentro das

casas de santo, sucedido da enorme plasticidade que é encontrada em seus ritos nos

espaços de terreiros como: os sons, as cores, as indumentárias sua culinária etc., de forma

que o artista se nutre deste universo e mergulha no sistema simbólico advindo destas

práticas que permite essas trocas mutuas em suas produções poéticas. O terreiro vem a

ser este espaço de referência para uma experimentação e criação se tornando um

laboratório destes processos.

Já o termo terreiro advém para os espaços de práticas dos ritos das religiões de

matriz africana, são espaços sagrados que potencializam toda a força do corpo da

comunidade e tudo que ali está presente, sobre os espaços do terreiro, ressalta Bispo

(1989, p.26)

Inclui, por força de sua extensão, o lugar onde vive o povo-de-Santo e seus

parentes, bem como outras pessoas (...). É inegável que a ampliação da força da

comunidade em um terreiro tem sua fonte de energia no todo que o compõem,

partindo daí inicialmente como núcleo de insurgência onde se materializa o axé

através do culto religioso.

Neste sentido a estrutura do terreiro não se apresenta apenas pelo espaço físico

arquitetônico, mas se constitui de todas as maneiras de comunicação dos que frequentam

e vivenciam este espaço sagrado, também apresenta relações que vão além da ligação

somente com o sagrado, em seu âmbito a função social e cultural são evidenciadas sendo

a oralidade o meio disseminador de seus ensinamentos.

Assim sendo desconstruir estereótipos dessas religiões, também é reafirmar a

cultura e história povo negro que sofre pelo desconhecimento, marginalização de suas

práticas e estética. Foi o que procurou demonstrar este evento por meio da arte.

3. Poéticas Afro-brasileiras o Simbólico Sagrado

Dentro deste contexto realizou-se poéticas artísticas para edições anuais da

exposição nos respectivos períodos de 2013, 2014 e 2016. Estas poéticas configuram

minha relação intrínseca com uma visualidade que a cada exposição pode conferir um

amadurecimento no seu desenvolvimento. O mote para o processo de construção desses

trabalhos se liga a minha experiência de terreiro nas observações do escutar e observar

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ainda quando criança. Utilizando-se de suportes que pudessem dar conta de relacionar

melhor a expressão de uma narrativa acessível ao expectador.

O primeiro trabalho intitulado Domínios Riscados - 2013, composto por cinco

registros fotográficos, realizados a partir da ação interventiva em um bosque na cidade de

Belém. Essas fotografias são de símbolos e marcas dos orixás na natureza, em alusão aos

grafismos dos pontos riscados, identificação tradicional usada na Umbanda. Os pontos

riscados são a forma de identificação de uma entidade no espaço de terreiro. Podemos

afirmar que os pontos têm origem no cosmograma Kongo.

Fig. 2 Serie Domínios Riscados, registro fotográfico de intervenção.

Fonte: Registrado por Samantha Silva e Tatyane Silva 2013.

Me aproprio desses signos de poder, utilizando de sua visualidade para dar sentido

ao trabalho poético que ora procurei realizar. Após uma curta caminhada pelo espaço veio

o momento de traçar os desenhos, foi feito em silêncio semelhante a um ritual, em

referência de demarcar ali a presença do sinal de ligação entre o terreno e o invisível,

deste modo compondo vários registros da intervenção feitos com giz branco.

Dentro do espaço que elegi, este foi escolhido por oferecer um elo com elementos

naturais que direcionam lugares de demarcação do povo de terreiro das religiões de matriz

africana dentro do espaço urbano, como resistência de suas práticas.

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Fig. 3 Serie Domínios Riscados, registro fotográfico de intervenção

Fonte: Registrado por Samantha Silva e Tatyane Silva 2013.

Por possuir uma relação com a natureza necessitando de um espaço natural é

notório a presença de uma ressignificação na utilização do espaço da cidade pelas

comunidades de matriz africana, que passaram por adaptações as condições de uso e

relações com estes espaços desde seus princípios “abafadas, precisaram se adaptar às

condições locais, se reinventar” (CONDURU 2007, p.25).

A identificação destes espaços como presença das religiões de matriz africana e

religação com a ancestralidade no espaço urbano pode ser percebido neste trabalho

utilizando-se da licença poética para se utilizar da visualidade dos pontos riscados

marcando a paisagem escolhida.

Fig. 4 Serie Domínios Riscados, registro fotográfico de intervenção.

Fonte: Registrado por Samantha Silva e Tatyane Silva 2013.

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Na edição seguinte, foi realizado a segunda poética os Símbolos Sagrados – 2014,

foi apresentado um trabalho no suporte de carimbos de borracha, evidenciando a

visualidade dos orixás a partir de suas identificações simbólicas. Foram elaborados nove

carimbos, em cada um foi representado um desenho gravado do símbolo de um Orixá.

Entre eles o Oxóssi, Ogum, Xangô, Exu, Oxumaré, Nanã, Oxum, Iemanjá e Iansã.

O panteão dos deuses africanos é bem vasto, no entanto alguns Orixás ficaram

mais popularizados dentro do culto afro-brasileiro. Os orixás são forças da natureza

cultuados dentro das religiões afro-brasileiras. Este trabalho procurou evidenciar as

mitologias dos orixás e o seu poder simbólico visual ressaltado nos carimbos.

Mais uma vez a marca, o sinal gerado pela plasticidade da simbologia afro

brasileira como elo com a ancestralidade africana é encontrada na representação de seus

deuses, esta intenção foi acionada ao perceber nas idas ao terreiro que frequento um

sistema de cores , de dias da semana dedicados a cada Orixá, as saudações diferentes para

cada momento e cada entidade, nas aberturas e fechamento de trabalhos, a corporeidade

dos filhos e filhas da casa a partir da dança de cada Orixá observando sua mão, a

marcação do seu pé. Todos esses elementos constituíram subsídios para que eu

identificasse a partir de minha vivencia na casa essa plasticidade, canalizando em uma

narrativa poética.

Fig. 5 Símbolos Sagrados, Carimbos

Fonte: Registrado por Auri Ferreira, 2014.

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O terceiro trabalho que apresento Morada dos encantados – 2016, foi realizado a

partir de uma vídeo-arte, dentro da quarta edição da exposição. Este trabalho conta com

uma narrativa visual baseada em relações visuais oníricas que tive, além de elemento da

religião de matriz africana, os componentes que aparecem são agua, a cor branca, o corpo,

a rosa evidenciando as várias moradas que o corpo pode abarcar quando se assume uma

identidade de terreiro, pois se ganha uma família espiritual. Confirma o autor ao

evidenciar que:

[...] o indivíduo se subdivide em muitos objetos. Ao renascer no culto, em vez

de se dividir, a pessoa iniciada se multiplica; em vez de se diluir em outros,

reforça os traços de sua personalidade. Assim seu corpo passa a estar ligado a

outros, a indivíduos composto de outras carnes, que devem ser tratados como ela

cuida do seu [...]. Por meio delas, se conectar a outros indivíduos, antepassados

e contemporâneos. (CONDURU, 2007, p. 30).

A partir disso podemos entender a configuração desse terceiro trabalho

metaforicamente amparado nas águas que dão lugar a morada de vários seres míticos é

usado como cenário para expressar minha ligação espiritual com a umbanda através de

entidades do domínio das águas doces – os rios. Oxum dona do ouro, das crianças, das

artes e da beleza sua cor é o amarelo o dourado pode ser conectada nestes espaços de

cachoeiras, lagos, rios e mananciais. A rosa amarela é a conexão com esse orixá, o branco

do turbante e das espumas da água que aparece no vídeo evidenciam a ancestralidade.

Fig. 6 Frame do vídeo Morada dos encantados, Vídeo-arte

Fonte: Registrado por Samantha Silva , 2016.

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A vídeo arte foi montada a partir de 3 momentos distintos, o primeiro ao identificar

o espaço de uma praia próximo da cidade, como potência e lugar de pertencimento do

povo de axé para suas oferendas e contato com o sagrado, o segundo uma resposta onírica

advinda para uma inquietação da pergunta: quais moradas eu estava e estou procurando

identificar?

O Encontro com essas imagens relacionadas em sonho tornaram-se “reais” ao

visitar uma praia de água doce identifiquei as mesmas imagens que apareceram em sonho,

soube que aquele era o momento de se fazer este registro, neste âmbito o terceiro

momento foi realizado a costura desses diferentes momentos culminando no vídeo que

aborda em segundos uma relação do meu corpo com a extensão que passei a entender

como religação com nossas divindades.

4. Pertencimentos e Visualidades em conexão com a antropologia visual

“Os 'rascunhos' da nossa infância são provavelmente os mais importantes. Serão,

um dia, os labirintos de nossa memória e os caminhos de nossa história”. Afirma Samain

(2003, p. 49), ao discorrer sobre os sentidos que pode gerar uma imagem .

A vivencia inicial quando criança apreendendo imagens do espaço de terreiro,

ficaram no meu imaginário, depois quando adulta já fazendo parte de um pertencimento

com a identidade afro religiosa passei a reconstituir minhas narrativas de memorias

visuais em expressões artísticas. Partindo da relação com uma cosmologia dos orixás,

saberes que a vivencia dentro do espaço afro religioso me proporcionou conhecer ainda

mais.

Assim sendo abrangeu plasticidades, sonoridade, visualidade, corporeidade,

memoria e ancestralidades que carrego nos meus modos de relacionar com a vida e

consequentemente vieram influenciar na minha prática artística. Encontrando uma forma

de nutrir minha relação com a criação poética de visualidade negra. Para o artista de

terreiro essa experiência vai estra pautada dentro de seu trabalho como uma fonte

geradora de suas poéticas seja ela nas diferentes linguagens que se apresentarem.

Irradiando para um contexto social, cultural e histórico que conectam com o

imaginário afro amazônico. Entende-se por este termo a presença da cultura negra na

Amazônia brasileira , advinda do processo inicial da mão de obra de escravizados

introduzidos na região norte.

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Podemos traçar alternativas a se pavimentar uma delas é com a antropologia visual

perante alguns apontamentos, sem querer aprofundar neste primeiro processo, para

entrelaçar a outros olhares para as produções aqui apresentadas. Dar conta de uma

imagem com vários significantes por meio dessa produção hibrida de expressão artística,

é alcançar diferentes perspectiva no que tange o reconhecimento de uma prática cultural

e histórica são meios de acessar e conhecer estes espaços por meio das artes, da imagem,

da religião etc.

Seguindo questões da antropologia visual o historiador Hans Belting (2005, p.73),

nos diz que “as imagens mentais são inscritas nas externas e vice-versa”. Podemos dizer

que por fazer parte de quem vive o processo as imagens mentais geradas pela percepção

dos artistas de terreiro são materializadas nas imagens externas dando força para uma

percepção mais profunda de seus fazeres poéticos. ” Essas imagens não existem só em

nossas cabeças. Elas podem ser desembaraçadas de um exercício continuo de interação

que deixou tantos vestígios na história dos artefatos”. Completa o autor. ( Id., 2005, p.

73.)

Estas mesmas questões ainda apontam possibilidades que podem dar conta de

receber esses embates para que a imagem não seja vista apenas como mero existir por si.

Belting afirma que tentamos separar a imagem do medium (para este autor a nomenclatura

quer dizer: vetor, suporte ou ainda uma ferramenta de imagens). Imagem e médium são

inseparáveis no produto. Exemplificando que “A presença e visibilidade factual das

imagens dependem de sua transmissão por um dado médium, no qual elas aparecem ou

são realizadas, seja em um monitor ou incorporadas em uma antiga estátua”. (BELTING,

2005, p.76). Uma imagem que não é igual ao suporte físico mas vai incorporar estes

elementos de uma representação.

Portanto esses apontamentos nos direcionam a entender para além de uma

representação da poética por existir, é entender que no seu processo estão envolvidos

aspectos que reforçam uma experiência neste caso uma visualidade simbólica dos sentires

que discutem a temática afro-brasileira, é uma experiência por meio de quem vive e se

relaciona com essas matrizes dando voz por meio de suas narrativas visuais.

5. Considerações Finais

Nesta correlação retomando a figura do artista de terreiro neste trabalho, eles são

criadores de imagens de pensamentos e questões que partem de seu imaginário e de suas

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relações cotidianas individuais e/ou coletivas acredita-se na potência da arte e no que está

vem a refletir, nesta atuação observa Tvardovskas: “um artista compõem imagens para

um embate: imagens - pensamento que estão destinadas a afetar o espectador com

problemas, medos, prazeres, dúvidas ou êxtases perpassados por sua visão individual”.

(2013, p.1)

No sentido de evidenciar a relação deste artista de terreiro e sua produção que

muitas vezes é inviabilizada pela academia ou quase sempre. Por isto esta produção pede

uma atenção as observações mais abertas aos amplos sentidos, é pensar o espaço de

terreiro como uma fonte propicia para se discorrer motes que geram uma discussão na

construção de uma arte afro brasileira. O espaço de terreiro as casas de culto das religiões

afro-brasileiras são entendidas como espaços de resistência e ação. Estas memórias afro

brasileiras no decorrer de sua existência quase sempre se fizeram corrompidas por conta

de um ideal euro centralizado que gerou imagens na constituição da sociedade brasileira

sobre a presença do negro caracterizada por um preconceito as culturas africanas. E não

foi diferente no campo da arte. Pois só se conhece África- o continente, não havendo

distinção de seus países povos ou línguas.

Portanto ressaltar as poéticas por quem vivencia o processo legitimador no campo

da negritude que emergem das práticas dos rituais das religiões de matriz africana

somados aos elementos amazônicos nas criações e recriações. É somar para que estas

obras religam, recriam um processo de resistência pensando neste hibrido da imagem (a

poética), o artista e do meio em consonância a “heterogeneidade e o caráter permeável

de nossa cultura que inicia na travessia no Atlântico e no limbo dos porões dos navios

negreiros”.(FERREIRA; SANT’ANA, 2013, p.2340).

6. Referências

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Ensaios, UFRJ, ano IX, n. 9, 2002, p. 166-175.

BELTING, Hans. Por uma antropologia da imagem.(2005). In: Concinnitas – Revista

doInstituto de Artes da UERJ, Rio de Janeiro, ano 6, v. 1, n. 8, jul. 2005, p. 64-78

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Marco Aurélio (Org.) Identidade Negra e Educação. Salvador: Ianamá, 1989. p. 24-32.

CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007.

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MEDEIROS, Afonso. A arte em seu labirinto, Belém: IAP, 2012.

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