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- - I UNIVERSIDADE DE SˆO PAULO FACULDADE DE EDUCA˙ˆO POL˝TICAS SOCIAIS E EDUCA˙ˆO: O PROGRAMA ALFABETIZA˙ˆO SOLID`RIA E A PARTICIPA˙ˆO DAS INSTITUI˙ES DE ENSINO SUPERIOR NA SUA IMPLEMENTA˙ˆO Gladys Beatriz Barreyro Sªo Paulo, fevereiro de 2005 Versªo corrigida, agosto de 2005

POL˝TICAS SOCIAIS E EDUCA˙ˆO: O PROGRAMA ALFABETIZA˙ˆO ...each.uspnet.usp.br/gladysb/doutorado.pdf · Programa (pró-reitores de extensªo, coordenadores, alfabetizadores, professores

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I

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO:

O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E A

PARTICIPAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

NA SUA IMPLEMENTAÇÃO

Gladys Beatriz Barreyro

São Paulo, fevereiro de 2005

Versão corrigida, agosto de 2005

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II

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO:

O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E A

PARTICIPAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

NA SUA IMPLEMENTAÇÃO

Gladys Beatriz Barreyro

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Faculdade de Educação de Universidade de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do Título de Doutora em Educação,

sob a orientação da Profª Drª Maria do Rosário Silveira Porto

São Paulo, fevereiro de 2005

Versão corrigida, agosto de 2005

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III

RESUMO

Esta pesquisa tem como objeto de estudo uma política � o Programa Alfabetização

Solidária e, em particular, a sua implementação pelas Instituições de Ensino Superior. Os

objetivos foram: A) explicar as características das políticas sociais decorrentes do contexto de

reformas e mudanças no papel dos Estados latino-americanos, particularmente o brasileiro,

políticas influenciadas pelo neoliberalismo pela via da descentralização, da privatização e da

focalização para, assim, explicar o caráter social-assistencial do Programa; B) analisar as

políticas educacionais da década, especialmente a municipalização, a implantação do Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

(FUNDEF), que excluiu a Educação de Jovens e Adultos do financiamento, e a expansão da

educação superior, para compreender o surgimento deste Programa; C) explicar, analisar e

interpretar a política na ação, mostrando como as Instituições de Ensino Superior, as quais

passavam por um processo de expansão com novas regras de avaliação, credenciamento e

reconhecimento, implementaram esse Programa, percebido, nesse novo contexto, como um

saldo positivo.

O referencial teórico escolhido teve como base o estudo das políticas sociais latino-

americanas e das políticas educacionais na década de 1990, especialmente no Brasil.

Os procedimentos metodológicos utilizados foram o levantamento de bibliografia e de

documentos produzidos sobre e pelo Programa, entrevistas com diferentes participantes do

Programa (pró-reitores de extensão, coordenadores, alfabetizadores, professores etc) e

observações de aulas.

Os resultados mostram que o Programa foi, realmente, uma política governamental de

alfabetização de jovens e adultos, apesar de se postular como não governamental. Seu

formato difundiu um modelo de implementação de políticas sociais que aplicou idéias

neoliberais adaptadas ao Brasil, tais como: financiamento público e privado, utilização de mão

de obra barata e temporária, filantropização das problemáticas sociais e terceirização na

implementação por meio de Instituições de Ensino Superior. A essas, o Programa proporcionou

o desenvolvimento de atividades como extensão e estágios, e valiosas experiências de

pesquisa, produção de materiais e envolvimento com a problemática da Educação de Jovens e

Adultos.

Palavras-chave: Neoliberalismo. Política educacional. Educação de Jovens e Adultos.

Programa Alfabetização Solidária. Instituições de Educação Superior.

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IV

ABSTRACT

The object of this research is a policy � the Solidarity in Literacy Program �and,

particularly, its execution by Higher Education Institutions. The aims were: A) to explain the

characteristics of the social policies deriving from the context of reform and changes in the role

of the Latin-American States, specially the Brazilian, policies that were influenced by neo-

liberalism that, through decentralization, privatization and targeting, acquire new forms to,

therefore, explain the social-assistant character of the Program; B) analyze the educational

policies of the decade, specially the municipalization, the introduction of the Fund for the

Maintenance and Development of Basic Education and Teacher's Valorization (FUNDEF), that

excluded the youth and adult education of the finance, and the expansion of higher education,

to understand the arising of this Program; C) to explain, analyze and interpret the politics in

action, showing how the Higher Education Institutions that went through a process of expansion

with new rules for evaluation, accreditation and recognition, implanted this Program, known, in

this new context, as a positive balance.

The chosen theoretical reference was based on the study of the Latin-American social

policies and educational policies from the nineties, especially in Brazil.

The methodological procedure used were the gathering of bibliography and documents

produced on and for the Program, interviews with different participants of the Program

(extension rectors, coordinators, teachers of reading and writing, etc) and class observation.

The results show that the Program was, indeed, a governmental policy of literacy for

youth and adults, though it claims to be non-governmental. Its shape spread a model of

execution of social policies that used neo-liberal ideas adapted to Brazil such as: public and

private finance, use of cheap and temporary labor force, the philantropization of social

problematic and outsourcing in the execution through Higher Education Institutions. The

Program gave opportunity to those institutions to develop activities such as extension and

training, and valuable experiences of research, material production and involvement with the

problematic of Youth and Adult Education.

Key words: Social policy; Educational policy; Youth and Adult Education; Solidarity in Literacy

Program; Higher Education Institutions.

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A Héctor, Luz e Fabrício, �mis amores�.

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VI

AGRADECIMENTOS A minha orientadora, Rosinha, pela paciência e encorajamento que teve com uma estrangeira que queria estudar sobre o Brasil e, perante minhas dúvidas, trouxe o exemplo, nada menos, que dos brasilianistas, dissipando imediatamente as minhas ressalvas. Pela abertura de outras perspectivas. Pela enorme paciência com o portunhol e o enorme trabalho de correção. Pelos �percursos� realizados. Ao prof. Dr. Afrânio Mendes Catani, mentor da minha viagem ao Brasil, pela confiança depositada e por tantos assessoramentos sobre os costumes e o �campo intelectual� que me foram e são de muita utilidade. Aos meus professores da Faculdade de Educação da USP com quem tanto aprendi sobre política educacional brasileira: Lisete Arelaro, Romualdo Portela, Evaldo Vieira. Muito especialmente a César Augusto Minto, que sempre foi um apoio, como é com todos os seus alunos, pela sua extraordinária dedicação e empenho como professor. Aos meus colegas, pós-graduandos durante os anos da USP: Jorge, Sabrina, Luiz, Patrícia, Alberto, Rosana G, Rosana C, Márcia e, especialmente, à amiga Andréa Barbosa, por debates, bibliografias e outros momentos compartilhados. Também pelas ajudas com a língua. À Maria Elena Proto, da embaixada brasileira em Buenos Aires, pelo apoio. À Solange e Raquel da EDA-FEUSP, sempre solícitas e positivas. Assim como a Cláudio e Edmilson da Pós. Aos participantes do Programa Alfabetização Solidária, que me permitiram coletar os dados de campo: Flávia, Rosangela, Rafaela, Maria Angélica, Naldeli, Ana Cristina. Também as (três) Denises, especialmente Denise V. que com seu velho carro me levou a percorrer salas da região do Alto Tietê. À profa. Stella, que me abriu os espaços de capacitação à pesquisa, como também a profa. Alice, que fez a mesma coisa. A Jany, a Irani, a Daniella. A todos os coordenadores, alfabetizadores e alfabetizandos que tão gentilmente responderam perguntas e aceitaram ser observados nas suas aulas. Especialmente aos alfabetizandos, que achavam uma honra minha visita, quando era justamente o contrário: eles que me permitiam ouvi-los e me confirmavam tantas hipóteses tecidas.

Aos alfabetizadores e alfabetizandos de Alagoas, com quem compartilhei situações e experiências que me marcaram e me permitiram conhecer muita coisa do Brasil, que nem brasileiros conhecem. Ao Prof. Dr. Adolfo Calderón, pela sua colaboração abrindo portas, emprestando bibliografia e discutindo idéias, mesmo com as nossas diferenças

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VII

de opinião. Ao Prof. Dr. Dilvo Ristoff, Diretor de Avaliação da Educação Superior do INEP, que me facilitou o acesso aos pró-reitores que entrevistei e com quem aprendi muito sobre a Educação Superior brasileira e a construção � empírica � das políticas educacionais. A Silvia Adoue e ao �grupo Negri� de discussão política, pelo nosso intercâmbio; sua profunda formação política teórica e prática me ajudou a esclarecer e questionar... e também pela nossa amizade. A Pedro Ortiz, cuja confiança e ajuda foram muito importantes na minha permanência no Brasil e cujo apoio de irmão não é comum encontrar em nenhum lugar do mundo. A Claisy Marinho, pelas nossas interpretações e esclarecimentos sobre teses, em linguagem psi-lacaniana, a caminho ao aeroporto, que ela nem sabe quanto me ajudaram. A Marlis Polidori, meu alter-ego brasileiro (perdão, �gaúcho�), por razões similares. A ambas, pelas experiências acadêmicas compartilhadas, que me mostraram que competência, responsabilidade, amizade e construção conjunta acontecem, além de países, formações, ideologias e gênero. A minhas amigas Maria Comito e Mirta Varela por isso, pela amizade que me acompanhou à distância. A Héctor López Girondo, porque faz tempo que percebi que eu não encararia tantos desafios sem ele, que sempre me encorajou, ajudou e topou idéias ousadas, como vir ao Brasil fazer pós-graduação. A Luz e Fabrício, filhos e talvez vítimas (ou beneficiários?) das ousadias dos pais. A minha mãe e ao meu pai, este que já não está e que teria curtido muito sua filha, doutora, com a conotação que isso tem na Argentina, e de quem sinto muita saudade. Mas como tudo isto precisa de sustentação material, também agradeço o apoio do CNPQ (1999-2000) e da CAPES (2003-2004) pelas bolsas recebidas; assim como do IIPE-UNESCO (Instituto Internacional de Planeamiento de la Educación, de Buenos Aires), pelo �Incentivo ao estudo da gestão educativa 2002�, concurso que ganhei pelo projeto de pesquisa e cujo prêmio me permitiu realizar o trabalho de campo, em 2002, em São Paulo. E ao Brasil, país extremamente preconceituoso � a favor � dos estrangeiros, a quem trata com muita generosidade, lugar onde me sinto �em casa�.

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VIII

SUMÁRIO

Pág. INTRODUÇÃO..............................................................................................................................1

CAPÍTULO 1: AS POLÍTICAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA NA VIRADA DO SÉCULO XX......................................................................................................8 O Problema da pobreza: da Assistência às políticas sociais. Breve histórico...............................................9

As políticas sociais na América Latina.........................................................................................................14

Focalização, descentralização e privatização: eixos das políticas

sociais na década de 90 na América Latina................................................................................................21

CAPÍTULO 2: AS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL NOS ANOS 90......................................35

As políticas sociais brasileiras, surgimento e características......................................................35

A reforma do Estado e as políticas sociais no governo FHC......................................................38

O combate à pobreza e a Comunidade Solidária........................................................................48

Algumas considerações sobre a Comunidade Solidária.............................................................61

CAPÍTULO 3. POLÍTICAS EDUCACIONAIS. ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL E A EDUCAÇÃO NOS ANOS 90........................................................70

Principais ações de alfabetização dos adultos no Brasil.............................................................71

O FUNDEF e a municipalização do Ensino Fundamental.......................................................... 83

A Educação Superior no Brasil: a expansão pela iniciativa privada

e a avaliação como controle de qualidade..................................................................................89

CAPÍTULO 4: O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR................................................................................ ..99

Características do Programa Alfabetização Solidária.........................................................103

Financiamento...........................................................................................................................104

Implementação..........................................................................................................................107

Principais participantes..............................................................................................................108

Gestão.......................................................................................................................................110

O Programa Alfabetização Solidária e as Instituições de Ensino Superior...................... 113

Origens......................................................................................................................................114

Papel das Instituições de Ensino Superior (IES).......................................................................116

Questionamentos......................................................................................................................117

Participação das IES privadas...................................................................................................119

Benefícios para as IES..............................................................................................................119

A implementação do Programa pelas Instituições de Ensino Superior.....................................124

Curso de capacitação ...............................................................................................................125

As viagens dos aflabetizadores e professores das IES............................................................130

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IX

Seleção de alfabetizadores.......................................................................................................133

Entidades parceiras...................................................................................................................138

Articulação com os municípios..................................................................................................150

Repasse de fundos e pagamentos............................................................................................157

A proposta pedagógica e as cartilhas...................................................................................... 160

Alunos atendidos ou alfabetizados? Continuidade dos estudos dos alunos.............................163

Analisando os dados.................................................................................................................167

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................171

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 186

ANEXO......................................................................................................................................199

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X

ÍNDICE DE TABELAS Pág. Tabela 1: Alguns Indicadores desagregados do IDH.(Brasil)......................................................49 Tabela 2: Domicílios e população abaixo da linha da pobreza,

anos 1990, 1993, 1996,1999 e 2001....................................................................50 Tabela 3: Domicílios e população abaixo da linha da indigência,

anos 1990, 1993, 1996,1999 e 2001....................................................................51 Tabela 4: Distribuição da renda dos 20 % mais ricos e nos 50% mais pobres da população (em %), anos 1960, 1970,

1980, 1990 e 2001................................................................................................52 Tabela 5: Media de anos de escolaridade da população de 25

anos e mais, segundo cor....................................................................................53

Tabela 6: População de 25 anos e mais, que não concluiu o

Ensino fundamental, segundo cor........................................................................53

Tabela 7: Taxa de desocupação de pessoas de 15 até 65 anos,

segundo cor, região e gênero...............................................................................54

Tabela 8: Programas pertencentes à Comunidade Solidária......................................................56 Tabela 9: Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais

e da população entre 15 e 19 anos, décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970.................................................................................78

Tabela 10: Taxa de escolarização,1994 e 2000..........................................................................86 Tabela 11: População analfabeta de 15 anos e mais �1996......................................................80 Tabela 12: Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais, segundo região,1996..................................................................................87 Tabela 13: Matrículas em cursos de graduação presenciais, (1995, 2002 e 2003).............................................................................................90 Tabela 14: Instituições segundo categoria administrativa (%)

1994-1998-2001.................................................................................................. 91 Tabela 15: Matrículas segundo categoria administrativa das IES

(Números absolutos e relativos)...........................................................................91 Tabela 16: Distribuição relativa do número de cursos de

graduação, segundo categoria administrativa 1995-2002..........................................................................................................92

Tabela 17: Empresas financiadoras, Municípios e Instituições de Educação Superior Participantes

e Alunos Atendidos � Programa Alfabetização Solidária,1997-2004.........................................................................................102

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Tabela 18: Empresas financiadoras, Municípios e Instituições

de Educação Superior Participantes e Alunos Atendidos, Programa Alfabetização Solidária � 2003 e 2004..............................................................................................................102

Tabela 19 : Recursos do Governo Federal para o Programa

Alfabetização Solidária 2000-2004.................................................................106 Tabela 20: Taxa de analfabetismo da população de mais de 15

anos � 1991,1996 e 2001...............................................................................168 Tabela 21: Taxa de analfabetismo da população de mais de 15

anos � 1996, 1998, 2000 e 2001.....................................................................168 Tabela 22: Taxa de analfabetismo da população de 10 a 14 anos

e da população de 15 anos e mais, segundo região, 2000.................................................................................................................169

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SIGLAS UTILIZADAS AAPAS: Associação de Apóio ao Programa Alfabetização Solidária ANDIFES: Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior ANPED: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento CEB: Câmara de Educação Básica (do CNE: Conselho Nacional de Educação) CEDAC: Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária CEPAL Comissão Econômica para a América Latina CNBB: Confederação Nacional de Bispos do Brasil CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONSEA: Conselho Nacional de Segurança Alimentar CRUB: Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras CS: Comunidade Solidária CUT: Central Única dos Trabalhadores EJA: Educação de Jovens e Adultos ENC: Exame Nacional de Cursos FHC: Fernando Henrique Cardoso FLACSO: Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério GIFE: Grupo de Industrias, Fundações e Empresas IBEAC Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitários IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES: Instituição de Ensino Superior IDH: Índice de Desenvolvimento Humano IPH: Índice de Pobreza Humana INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais �Anísio Teixeira� LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MARÉ: Ministério da Administração e Reforma do Estado MEC: Ministério da Educação MOBRAL: Movimento Brasileiro de Alfabetização MOVA: Movimento Brasileiro de Educação de Jovens e Adultos ONG: Organização Não Governamental OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PAIUB: Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PIB:Produto Interno Bruto PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNE: Plano Nacional de Educação PROGRAD: Fórum de Pró-reitores de Graduação SENAC: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESI: Serviço Social da Indústria SIAFI: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal SUS: Sistema Único de Saúde UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation USAID: United States Agency for International Development USP: Universidade de São Paulo TCU: Tribunal de Contas da União WB: World Bank

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1

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por finalidade estudar uma política que trata de uma

temática educacional, gestada no âmbito da política sócio-assistencial: o

Programa Alfabetização Solidária, desenvolvido no Brasil a partir de 1997.

Meu interesse pela interface entre assistência e educação começou na

Argentina, ao entrar em contato com um Programa desenvolvido logo após a

reforma educacional que o governo de Carlos Menem (1989-1999) propôs e

cujo estudo finalmente constituiu minha dissertação de mestrado, defendida em

julho de 20011. Lá, essas políticas eram chamadas de compensatórias.

Assim, por ocasião da minha vinda ao Brasil para realizar estudos de

pós-graduação, decidi continuar com o tema e descobrir se e em que medida

essas políticas também apareciam no Brasil. Embora não seja tão evidente,

dadas as diferenças entre os países, algumas políticas macro-educacionais

têm lógicas semelhantes. Isto se deve à influência dos organismos

internacionais de empréstimo e ao ajuste estrutural, de inspiração neoliberal,

que geram reformas nos Estados nacionais latino-americanos e outorgam às

políticas sociais características similares, tais como a descentralização, a

focalização e a privatização. A diferença apresenta-se na maneira como as

políticas são ressignificadas em cada país, segundo sua história cultural, social

e política. A classe política dos países e as suas diferenças, como mediadoras

ativas entre as recomendações e as políticas efetivas (Coraggio, 1997), assim

como as resistências (ou não) da população, condicionam o alcance e as

características das reformas.

No caso das políticas destinadas a populações específicas, essas

diferenças são substanciais. Alguns exemplos: a centralização do Plan Social

Educativo da Argentina que seleciona a população pobre a ser atingida,

visando à sua inclusão na educação com políticas específicas geradas no

próprio Ministério da Educação, e a terceirização das prestações educacionais

1 �Políticas educativas en la Argentina a fines del siglo XX: un estudio del Plan Social Educativo�. Maestría en Ciencias Sociales con Orientación en Educación, Facultad Latinoamericana de Ciências Sociales − FLACSO-ARGENTINA, Buenos Aires, 2001.

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para o analfabetismo, nas faixas de jovens e adultos, que o Programa

Alfabetização Solidária gerou apresentam, a priori, características diferentes.

Mas, a lógica final de ambas é semelhante, pois pretendem compensar, dentro

da área social, as deficiências decorrentes das reformas do Estado.

Assim, as reformas educacionais na década de 1990 são uma constante

nos países latino-americanos, contextualizadas nas reformas do Estado e,

embora tenham sua inspiração nas recomendações dos organismos

internacionais de financiamento, como o Banco Mundial, por exemplo, as

diferenças dos países imprimem características próprias às políticas.

O ponto de partida na dissertação de mestrado foi, pois, analisar o Plan

Social Educativo argentino a partir de um marco mas amplo: o das políticas

sociais latino-americanas nos anos 1990. Com esse mesmo referencial busquei

uma experiência brasileira que apresentasse elementos que pudessem guardar

similitude com a lógica geral dessas políticas: o Programa Alfabetização

Solidária. As semelhanças entre ambos são a inclusão da questão social na

política educacional e o emprego dos critérios da focalização e de seleção do

público alvo: populações pobres, carentes, analfabetas, enfim, os excluídos,

em termos utilizados na bibliografia dos anos 90. Algumas das diferenças: uma

política governamental no caso argentino e uma política que se pretendia sem

vinculação com o governo, no Brasil, embora comandada pela primeira dama.

Embora uma primeira intenção comparativa ficasse descartada por

sugestão da minha orientadora, esse foi o germe desta pesquisa. O

progressivo envolvimento no estudo do Programa Alfabetização Solidária gerou

outras descobertas e permitiu que este estudo adquirisse sua forma final.

Para explicar a gênese e a lógica de funcionamento do Programa

Alfabetização Solidária, algumas questões precisaram ser abordadas

teoricamente: a globalização da economia, o neoliberalismo econômico e suas

conseqüências no âmbito político, o �novo� modelo assistencial de política

social, as políticas adotadas pelo governo brasileiro, o modelo de execução

terceirizado das políticas sociais e as políticas de educação de adultos são

temas de abordagem imprescindível para explicar por que foi possível a

existência desse Programa (sob a forma de uma ONG) e sua continuidade,

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depois da mudança de governo, em 2003.

Assim, o primeiro objetivo desta pesquisa é explicar as mudanças nas

políticas sociais acontecidas no contexto de reformas do papel do Estado, com

ênfase nos exemplos latino-americano e brasileiro. Esse estudo das novas

características das políticas sociais nos anos 1990 no contexto latino-

americano, influenciadas pelo neoliberalismo, é indispensável, pois só a partir

dele podemos compreender as particularidades do Programa Alfabetização

Solidária, principalmente o fato de que, embora se tratando de uma

problemática educacional, de fato, na década de 1990, a alfabetização de

adultos adquiriu uma forma filantrópica. Esse contexto também permite

entender a relação público-privado, manifesta em características essenciais do

Programa, assim como o declarado não pertencimento ao governo feito pela

Comunidade Solidária, macro-Programa da área social, no âmbito do qual

desenvolveu-se o Alfabetização Solidária.

Minha escolha do referencial teórico do estudo das políticas sociais, não

muito utilizado nas pesquisas de políticas educacionais2, motiva detalhes talvez

excessivos para o leitor com conhecimentos nessa área, mas a constatação

empírica de sua pouca difusão aplicada à educação justifica essa abordagem,

a qual pode beneficiar estudos educacionais, ao permitir analisar os fenômenos

num marco mais amplo. Apenas o enfoque das políticas educacionais da

década não permitiria explicar o surgimento do Programa Alfabetização

Solidária, porque uma nova lógica é desenhada e implementada com o

Programa.

De forma complementar, o referencial de análise das políticas

educacionais, especialmente as brasileiras da década de 1990, serão

relevantes para desenvolver o segundo objetivo da pesquisa, que é analisar o

Programa Alfabetização Solidária dentro do âmbito específico da educação,

tanto como política pública de educação de jovens e adultos quanto pelo seu

apelo à participação das Instituições de Ensino Superior na sua implementação

e execução. Pretendo mostrar por que foi escolhido esse tipo de instituição e

2 Maria Clara di Pierro, em 2001, utilizou parte desse referencial (que havia empregado na minha dissertação de mestrado) para analisar as políticas de Educação de Jovens e Adultos. Cf. DI PIERRO, Maria Clara (2001)

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quais as razões que levaram a tal, hipotetizando que esse �casamento�

respondeu a interesses mútuos entre elas e o Programa.

Um terceiro objetivo da pesquisa é estudar a política na ação, mostrando

as transformações e ressignificações que as Instituições de Educação Superior

realizaram na aplicação em parceria do Programa Alfabetização Solidária e

qual a funcionalidade para elas. Para tanto, proceder-se-á à descrição, análise

e interpretação da implementação da política num universo micro.

O estudo, então, tem dois componentes importantes: o primeiro

referente à contextualização geral do Programa e o segundo quanto à sua

implementação. A didática e os métodos de alfabetização empregados na

alfabetização não foram objetos do presente estudo, que se encaminhou, como

já disse, para outro aspecto - o do Programa como política social-assistencial -,

embora possa fazer referências a eles, quando aparecer vinculação com a

temática estudada.

Procedimentos metodológicos

Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, não só para a

construção do referencial teórico, como também para descobrir se e com quais

objetivos estavam sendo realizados trabalhos acadêmicos cujo tema era o

Programa Alfabetização Solidária. No início, não havia teses e dissertações

específicas sobre esse Programa. Houve dois artigos publicados em

periódicos, dois trabalhos apresentados na ANPED (Associação Nacional de

Pós-graduação e Pesquisa em Educação) e duas teses que lhe dedicavam

algumas páginas, mas cuja temática era a educação de jovens e adultos.

Todos esses foram consultados, referenciados no texto e indicados na

bibliografia. Durante 2004, houve algumas dissertações e teses finalizadas mas

não foi possível iniciar a busca, pois provêm de instituições de todo o Brasil,

portanto nem haveria tempo disponível para a leitura, nessa fase de análise,

interpretação de dados e escrita desta tese. Mas, com certeza é um campo de

interesse para estudos futuros.

Foram ainda considerados, como fontes secundárias, os documentos

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oficiais do Programa Alfabetização Solidária, assim como as informações

disponíveis nos sites www.alfabetizacaosolidaria.org.br e

www.alfabetização.org.br. Foram estudados, também, dados sobre educação

de jovens e adultos nos municípios envolvidos nos Grandes Centros Urbanos.

Outros documentos são os artigos de revistas e de jornais, assim como as falas

pronunciadas nas Semanas da Alfabetização.

Em seguida, realizei uma pesquisa de campo, na qual foram utilizados

procedimentos qualitativos de coleta de dados. A metodologia qualitativa é

adequada, porque o interesse central é desvendar o objeto, aprofundando

quanto possível, para poder descrever e interpretar a singularidade dos

processos desenvolvidos, levando em consideração as opiniões dos diferentes

atores envolvidos (Martins, 2004). Também, permite o contato direto e

prolongado com o ambiente e as situações concretas (Viana, 2001), neste

caso, com as práticas das Instituições de Ensino Superior (IES) na

implementação de um Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos.

Os instrumentos utilizados foram entrevistas (abertas e semi-

estruturadas) e observação direta. Os entrevistados foram os Presidentes dos

Fóruns de Extensão das Instituições de Ensino Superior Públicas, Privadas e

Comunitárias; alguns dos Pró-reitores de Extensão de Instituições de Ensino

Superior (IES) públicas e privadas envolvidas com o Programa; atores

participantes na implementação do Programa pelas IES, tais como:

coordenadores gerais, coordenadores de alfabetizadores, alfabetizadores e

professores participantes de cursos de capacitação para alfabetizadores;

autoridades políticas de municípios participantes do Programa; e

alfabetizandos.

As observações foram realizadas em salas de aula e em eventos

organizados pelo Programa Alfabetização Solidária e foram registradas em

diário de campo.

Também foram aplicados questionários auto-administrados para

autoridades de escolas, associações de moradores e igrejas, nas quais

funcionavam salas de alfabetização3.

No início, a pesquisa foi pensada como um estudo de caso em que se

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pretendia realizar a coleta, compreensão e interpretação de dados sobre a

participação de três instituições de ensino superior4 na implementação do

Programa Alfabetização Solidária, com o objetivo de analisar modelos

diferentes de intervenção. No decorrer do trabalho, não foi possível

acompanhar os mesmos espaços de trabalho em todas, pois uma delas deixou

de participar do Programa nos Grandes Centros Urbanos e houve dificuldades

na realização de entrevistas e na participação em alguns espaços em outra,

interpostas pela própria Instituição. De modo que um trabalho de campo

aprofundado só foi totalmente possível numa delas5. Assim, acabei por realizar

a pesquisa mais completa nessa Instituição, sem descartar os dados das

outras, pois eram muitos e significativos, embora não permitissem caracterizar

três casos diferentes e, sim, exemplificar a implementação do Programa.

Dados quantitativos foram sistematizados para ajudar na caracterização

dos alfabetizandos. Os dados qualitativos foram organizados a partir de

categorias que emergiam do estudo. Para maior ilustração das categorias e

das análises, foram utilizados fragmentos de transcrições de entrevistas e

depoimentos, assim como extratos de documentos. No processo de análise

dos dados qualitativos utilizei a triangulação das informações, considerando o

conteúdo das observações, das entrevistas e das fontes documentais.

Na apresentação escrita foi respeitada a não identificação de atores e

instituições, pois, além dos acordos realizados com os entrevistados, a

pesquisa tem como objetivo mostrar situações, e não denunciá-las.

A apresentação dos resultados da pesquisa está organizada da seguinte

forma:

No Capítulo 1, é considerada a temática das políticas sociais latino-

americanas e as mudanças que têm ocorrido com elas, depois da crise do

3Um detalhamento maior da coleta de dados encontra-se no capítulo 4. 4A escolha das Instituições foi pragmática, baseada na possibilidade de acesso a elas; funcionam na cidade de São Paulo e num município da região do Alto Tietê, no Estado de São Paulo. Uma é pública e duas são privadas. 5Nessa Instituição aconteceu, no meio do meu trabalho de campo, em 2003, um processo seletivo para a escolha de um coordenador geral do Programa Alfabetização Solidária. Apresentei-me e fui selecionada, portanto pude conhecer por dentro a implementação do

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Welfare State e sob a influência do neoliberalismo.

No Capítulo 2, consideram-se as políticas sociais brasileiras e o

desenvolvimento do Programa Comunidade Solidária, nesse contexto.

No Capítulo 3, é abordada a questão da política educacional, sendo

apresentado um panorama das políticas de alfabetização no Brasil e as

diretrizes de política educacional do período do Governo de FHC (1995-2002),

enfatizando as políticas de educação de jovens e adultos, de alfabetização e de

educação superior, por serem pertinentes para a compreensão do Programa

Alfabetização Solidária.

No Capítulo 4, é apresentado o Programa Alfabetização Solidária e sua

implementação pelas Instituições de Ensino Superior, com a análise dos dados,

produto do trabalho de campo e sua interpretação.

Por último, apresento as Considerações Finais, nas quais, com base nos

dados apresentados no decorrer da tese, tento fazer uma análise crítica do

Programa Alfabetização Solidária.

Programa e as ações dessa instituição. Permaneci quase um ano.

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CAPÍTULO 1

AS POLÍTICAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA NA VIRADA

DO SÉCULO XX

Para iniciar o estudo do Programa Alfabetização Solidária, é preciso

situá-lo como um dos componentes da Comunidade Solidária, que se

apresentava como uma das políticas destinadas à população pobre.

Portanto, uma breve revisão da história das políticas sociais permite

situar a origem de algumas práticas que ainda se conservam na atualidade

como critérios de formulação dessas políticas ou como idéias subjacentes que

as fundamentam. A discussão de questões como assistência, beneficência e

filantropia, que se pretende fazer neste estudo, requer um breve relato sobre

sua aparição nas sociedades ocidentais, não como uma hipótese de repetição

desses fenômenos, mas pela ressignificação que eles adquirem na atualidade.

Assim, segundo Pinheiro (1995: 86-7):

As mudanças observadas nas políticas sociais da América Latina parecem ser resultado da necessidade de operacionalização do novo estado e do novo modelo econômico. Elas compatibilizam as necessidades de mudança na ordem econômica com a estrutura arcaica e conservadora das práticas políticas históricas das elites latino-americanas, pois, ao mesmo tempo em que racionalizam a alocação dos recursos, direcionam estes para os currais eleitorais.

Ainda que as políticas sociais tenham aparecido no século XIX, na

Europa, como uma forma de tentar deter as reivindicações dos trabalhadores

ou atendendo aquelas consideradas imprescindíveis para manter o controle

social, antes desse momento houve uma longa história, nas sociedades

ocidentais, de ações, medidas e políticas destinadas aos pobres.

Assim, neste capítulo desenvolverei um breve resumo histórico do

surgimento das ações destinadas aos pobres e sua mudança para políticas

sociais, a partir das lutas das classes trabalhadoras. Também, introduzirei

brevemente a temática das políticas sociais na América Latina, aprofundando

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as características que fatores econômicos e políticos (a dívida externa, o

neoliberalismo, o ajuste estrutural etc.) foram lhes outorgando na virada do

século XX, contexto no qual se insere a Alfabetização Solidária.

O problema da pobreza: da assistência às políticas sociais.

Breve histórico

Nas sociedades pré-capitalistas existia uma sociabilidade primária

familiar, de vizinhança ou de trabalho, na qual havia pessoas não integradas,

tais como órfãos, inválidos, pobres ou indigentes, os quais tentava-se re-inserir,

com recursos econômicos que provinham do próprio meio.

Por volta do ano 1000, desenvolveu-se uma sociabilidade secundária,

com o surgimento de instituições especializadas que tinham características de

proteção e integração, especialização e tecnicização (que permitia identificar e

selecionar) e uma localização num lugar (município ou hospital, por exemplo).

Os critérios requeridos eram o pertencimento comunitário ou a inaptidão para o

trabalho.

Segundo Castel (1999: 60), as questões da especialização, da

profissionalização, da institucionalização, da discriminação das populações a

atender, estruturam até hoje a organização do campo do social-assistencial.

O cristianismo medieval também estava relacionado com a instituição da

assistência, porque nele a caridade era um dos preceitos capitais e adquiria

força moral de conduta (Sposati, 1987); é esta, talvez, a origem da ligação

entre pobreza e moral. Na Idade Média, os conventos e as instituições

religiosas continuaram detendo o monopólio das práticas assistenciais. Foi

essa influência do cristianismo que consolidou o critério da incapacidade

involuntária para o trabalho e a condição de pobre como requisitos para

receber a assistência.

Por volta do século XIV, na Europa, a gestão da assistência adquiriu um

caráter local a cargo das autoridades laicas, a partir dos critérios de seleção da

população, de proximidade do beneficiário e da instituição, e de incapacidade

para o trabalho. Mas, surgiram outros, tais como a descentralização e um

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retorno às redes de proteção local para manter a filiação, alguns dos quais

voltam a adquirir relevância nas políticas sociais post-Welfare State, destinadas

à população pobre no fim do século XX.

Entre os séculos XII a XVIII, as monarquias européias estabeleceram

regulações compulsórias que impunham o trabalho em oposição à

vagabundagem, tentando estabelecê-lo como valor e a assistência como

marginal. Mas, existia uma grande população de vagabundos perseguidos pelo

poder público, porque não havia mercado de trabalho na época. Essa

população era móvel e válida para trabalhar e, portanto, privada de assistência.

A criação de Workhouses e as poor laws tentariam tomar conta dela (Polanyi,

1980).

No século XVIII, no modelo econômico emergente � o Capitalismo

Industrial �, a concepção de trabalho deixou de ser um dever religioso ou moral

e passou a ser a base da nova economia, com a criação de um mercado de

trabalho que permitia o acesso livre ao mesmo. Mas, o processo de

industrialização acabou por gerar um pauperismo de caráter massivo, devido à

sua própria lógica, que teve como conseqüência um processo de

dessocialização, produto da vida urbana e gerou um preconceito nas classes

burguesas a respeito dos trabalhadores, conotados como perigosos e

superestimados na sua quantidade. O pauperismo seria �... o ponto de

cristalização da nova questão social. O pauperismo é, antes de tudo, uma

imensa decepção que sanciona o fracasso do otimismo liberal do século XVIII�.

(Castel, 1999: 297).

O pauperismo, como nova realidade, gerou uma outra concepção: a da

beneficência privada. Essa desenvolveu-se na primeira metade do século XIX,

na França e na Inglaterra principalmente, e era baseada nas argumentações

liberais da temática social, que tentavam conter o intervencionismo estatal. Os

liberais não queriam fazer da assistência uma questão de direito, porque, de

acordo com Castel (op.cit.: 303-2), esse seria a garantia das relações de

reciprocidade entre indivíduos responsáveis e iguais na troca que o contrato

sanciona. Nesta perspectiva, a assistência é desigual, porque o indigente não

pode dar uma contrapartida igual àquilo que recebe.

Para os liberais, tentar colocar a assistência na esfera do direito seria

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inserir um problema de costumes na legislação. Esses temas estavam

incluídos nos deveres morais públicos que regulavam ações sociais sem

sanção jurídica. O liberalismo conseguiu manter essa problemática num

espaço ético, e não político. A beneficência era justificada como uma tutela às

classes inferiores, as quais era preciso guiar e proteger.

Estabeleceram-se, desta forma, políticas não estatais sobre a questão

social mediante o movimento filantrópico, o qual desenvolveu técnicas de

moralização, criação de caixas de poupança e aposentadoria voluntária,

proteção patronal e assistência aos indigentes. As caixas de poupança e as

sociedades de socorros mútuos tentavam desenvolver a previsão como valor

moral objetivo. No referente à assistência aos indigentes, o movimento

filantrópico estabeleceu princípios do tratamento científico da pobreza que até

hoje existem, tais como a análise caso a caso dos destinatários e a ajuda

sujeita à boa conduta.

Algumas atividades de proteção foram as friendly societies na Inglaterra,

sociedades nas quais se asseguravam profissões contra a enfermidade, a

velhice, o acidente, o desemprego e as caixas de previsão, de saúde e de

riscos, que os patrões criavam para seus operários.

Em síntese, o movimento filantrópico permitiu um tratamento não estatal

da pobreza e estabeleceu princípios duradouros de atendimento aos pobres,

questões ambas também renovadas nos fundamentos das políticas sociais no

final do século XX.

Estas formas de intervenção sobre o problema da pobreza (assistência,

beneficência e filantropia), sinteticamente relembradas nesta seção, visaram

enfatizar a antigüidade de práticas como a atenção a determinadas populações

não incluídas no sistema de relações econômicas de uma comunidade; a

delimitação de uma parte da população (seletividade) que era contabilizada

para ser destinatária da ajuda; a reticência liberal à intervenção do Estado nas

questões sociais e assistenciais; e a filantropia e a caridade privadas

desenvolvendo medidas consideradas como pertencentes ao âmbito da ética, e

não do direito. Todas essas questões foram reatualizadas e ressignificadas no

fim do século XX, na América Latina, e resultam importantes para o estudo da

Alfabetização Solidária.

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As práticas assistenciais mantiveram-se durante todo o desenvolvimento

dos Estados capitalistas do Ocidente, mas dois fatos de significativa

importância modificaram-nas a partir do século XVIII.

O primeiro deles foi que o capitalismo reformulou a questão social,

porque a identidade social, com a criação de um mercado de trabalho, deixou

de se basear na propriedade para se basear no trabalho assalariado, possível

pelo valor moral que o trabalho adquiriu (Castel, 1999)6.

O outro fato ocorreu em meados do século XIX e consistiu na resistência

dos operários europeus à exploração capitalista, cuja organização pôs em

perigo o status quo. Assim, fatos como a Revolução de 1848 ou a Comuna de

Paris7, ambos na França, mostram uma ameaça dos trabalhadores ao sistema

hegemônico; razão pela qual o Estado liberal sofreu modificações que o

levaram a intervir com maior ênfase nas relações sociais, começando a

desempenhar o papel de árbitro e regulando as relações entre capital e

trabalho. Deste modo, segundo Vieira (1992), desenvolveram-se as políticas

sociais como estratégias governamentais de intervenção nas relações sociais.

Para esse autor (op. cit.: 19):

A política social aparece no capitalismo construída a partir das mobilizações operárias sucedidas ao longo das primeiras revoluções industriais. A política social, compreendida como estratégia governamental de intervenção nas relações sociais, unicamente pôde existir com o surgimento dos movimentos populares do século XIX.

Uma dessas primeiras políticas sociais foi a implantação dos seguros

para os trabalhadores, com a garantia do Estado, pelo chanceler prussiano

Otto von Bismarck. Foram o crescimento da social democracia e o perigo de

uma revolução socialista que o levaram a realizar essa política. Mas, para que

isso acontecesse, houve, segundo Castel (op. cit.), uma mudança na

concepção liberal de não intervenção do Estado, para uma concepção de

6 Castel (1999), em Metamorfose da questão social, mostra a gênese dos supranumerários nas sociedades ocidentais e o ressurgimento desses excluídos pela crise do trabalho nas sociedades contemporâneas. 7Tais fatos constituíram expressões de tomada do poder e constituição do governo pelo proletariado. A comuna de Paris teve uma duração de 45 dias entre 1870 e 1871. Ver: González, (1989).

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solidariedade. Assim, o autor explica a mudança pelo clássico conceito de

solidariedade desenvolvido por Durkheim (1967), para quem os homens

estabelecem vínculos de dependência recíproca, em condições sociais

desiguais e interdependentes. O caráter orgânico dessa solidariedade permite

justificar a imposição de impostos, não como atentados contra a liberdade dos

indivíduos, mas como um meio para incluir os desfavorecidos, não mais como

tutelados senão como semelhantes, associados numa obra em comum (Castel,

op. cit.).

O seguro, primeira política social, colocava o beneficiário na ordem do

direito, por ser diferente das práticas anteriores de assistência e das tutelas,

não estando ligado à domiciliação nem à fidelidade a um patrão. �Este [o

operário] pode circular no espaço sem romper com as proteções, porque está

filiado a uma ordem jurídica, isto é, universalista�. (Castel, op. cit.: 408). O

seguro ressignifica o salário, portanto não é só a retribuição de uma tarefa, mas

também assegura direitos e permite o acesso aos subsídios por enfermidade,

acidentes, aposentadorias e ao consumo, constituindo-se num determinante

fundamental da identidade social. A condição salarial permite, pois, neutralizar

a sociedade de classes, porque é o salário que propicia o acesso a um direito.

Na primeira metade do século XX, antes da segunda guerra mundial, as

instituições típicas do seguro social se desenvolveram na Europa e adquiriram

uma estrutura definida (Isuani, 1991). Depois da segunda guerra mundial e

com a hegemonia das idéias econômicas de Keynes (pleno emprego e

intervenção do Estado na economia), as políticas sociais vão se desenvolver

com a instituição do Estado de Bem-estar Social, o Welfare State.

Na Inglaterra, por exemplo, o relatório Beveridge, de 1942, foi o início do

sistema de seguridade social que mudou a concepção restritiva dos seguros

sociais e propôs um alcance universal dos benefícios. Nesse país, os Sistemas

de Educação, Saúde e Seguro Nacional foram os três eixos da política social,

segundo a qual os benefícios eram considerados um direito dos indivíduos que

os possuíam pelo seu caráter de cidadãos. A diferença maior com relação às

políticas de assistência é que não precisavam de nenhuma forma de prova

sobre os recursos, nem pesquisa sobre os meios de vida, permitindo assegurar

um mínimo de bem-estar para todos (Marshall, 1967). São idéias universalistas

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e igualitárias que constituíram a base dos Estados de Bem-estar europeus.

Esses alcançaram uma cobertura muito ampla de situações e riscos e só muito

poucas situações ficaram fora do sistema de cobertura e eram tratadas de

modo assistencial.

O processo descrito até aqui, se for analisado segundo o alcance dos

destinatários, mostra três graus de cobertura: a universalista, que inclui toda a

população; a dirigida aos assalariados, que concerne à classe trabalhadora; e a

destinada à pobreza, que inclui os marginalizados do mercado de trabalho, os

excluídos.

Em síntese, as ações realizadas para os pobres e as políticas sociais

mostram que o maior grau de inclusão das populações foi o resultado de um

processo histórico paralelo à conversão de um estado liberal num estado de

bem-estar social, cujo objetivo foi arbitrar as relações entre capital e trabalho,

evitando o aprofundamento de lutas que pusessem em risco o sistema

capitalista no Ocidente8, mas que implicaram um grande avanço nas condições

de trabalho das populações. Sobretudo, foram conquistas que se

institucionalizaram como direitos. Esse processo avançou sobre a filantropia, a

assistência e a beneficência, que passaram a ocupar um lugar marginal nos

sistemas capitalistas avançados, prevalecendo o direito por sobre a tutela.

As políticas sociais, além disso, apresentam efeitos indiretos, tais como

assegurar a ordem e a harmonia sociais, favorecer o processo de acumulação

e permitir obter apoio político, legitimando os gastos sociais necessários para

manter a harmonia social, visando manter a legitimidade do Estado (O´Connor,

1977).

As políticas sociais na América Latina

As políticas sociais latino-americanas tiveram uma origem semelhante

às dos países europeus, começando no século XIX com a beneficência e

assistência públicas, mas adquirindo diferenças segundo os estilos políticos

8Estas referências ao Welfare State (W.S.) não aprofundam o tema, mas são relevantes para a contextualização da problemática. Sobre o W.S., ver: Esping-Andersen G.(1991), Flora P. & Heindenheimer, A. (1990), entre outros.

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dos países e das suas instituições.

No século XX, os trabalhadores foram o centro da política social do

Estado, pela extensão do voto e a organização de sindicatos de trabalhadores,

cujas lutas permitiram a sanção de leis laborais e protecionistas e de

instituições de seguridade social.

Na América Latina, o Welfare State não chegou a desenvolver-se

completamente, mas os países latino-americanos, por suas heranças de

origem e questões geo-políticas, herdaram tais processos, ainda que sem o

desenvolvimento e alcance dos países europeus e com as especificidades

próprias de cada sociedade, tanto no nível de cobertura como no grau de

institucionalização dos sistemas sociais.

Em alguns países da América Latina, grande quantidade da população

não foi integrada ao mercado de trabalho; o trabalho autônomo, a informalidade

e a precariedade laborais vêm constituindo uma população que ficou à margem

dos benefícios sociais.

A América Latina manteve, em termos gerais, uma política de perfil duplo. O seguro social para os trabalhadores do setor formal e a assistência social para os setores mais pobres da sociedade (Isuani, op. cit.: 111)9.

A cobertura das políticas sociais só teve pretensão de universalidade na

educação e na saúde públicas, tal como ocorre na Argentina, no Uruguai e no

Chile, embora nesses países o desenvolvimento dessas áreas se devesse a

uma razão de Estado, diferentemente dos benefícios conseguidos como

produto de lutas ou tensões sociais.

Ainda que não se tivesse chegado ao pleno desenvolvimento de um

Estado de Bem-Estar Social, as políticas sociais impulsionadas pelos Estados

nacionais desenvolvimentistas tiveram, na América Latina, um caráter

redistributivo. O processo de industrialização substitutivo das importações

gerou um importante acréscimo no emprego assalariado e foi o ordenador dos

processos sociais, segundo a visão desenvolvimentista do social:

9�América Latina conservó en términos generales, un doble perfil de política. El seguro social para los trabajadores del sector formal y la asistencia social para los sectores más pobres de la

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Uma visão protetora de �universalidade� e de atenção igualitária para todos inspirou tanto as políticas sociais como a criação e o funcionamento dos sistemas de seguridade social que, anos mais tarde, com a crise da década de 1980, entrariam num processo de impugnações e desmanche (Candia, 1998: 117)10.

Mas, esse modelo entrou em crise na década de 70, devido a questões

como a incorporação de novos atores sociais não representados politicamente,

a diminuição da convergência entre os empresários e os trabalhadores (Vilas,

1997), a crise fiscal e a dívida externa contraída nos anos de 1970. Apesar

disso, a pobreza diminuiu entre 1960 e 1980 pela ocupação e intervenção do

Estado, num sentido redistributivo, mediante serviços de infra-estrutura e de

desenvolvimento social e pelo caráter integrador do modelo (Vilas, op. cit.).

A virada do século XX

Além das dificuldades tradicionais dos Welfare States, tais como a

centralização administrativa, os altos custos de administração, a fragmentação,

a dispersão dos recursos e a redistribuição ineficaz, também a crise econômica

da década de 1980 e, especialmente, a escassez de recursos afetaram os

serviços sociais latino-americanos, aprofundando os problemas existentes.

Ademais, a globalização, isto é, a emergência de importantes mudanças

nos modos de produção e nos intercâmbios econômicos internacionais, a partir

da introdução de novas tecnologias, à qual tem se somado o neoliberalismo

como hegemonia ideológica, produziram muitas transformações na vida social

mundial e latino-americana11:

O modelo da acumulação flexível, que no âmbito da produção viera a

tomar o lugar do fordismo, junto com a automatização, tem permitido poupar

sociedad�. 10"Una visión protectora de universalidad y de atención igualitaria para todos inspiró tanto las políticas sociales como la creación y el funcionamiento de los sistemas de seguridad social que años más tarde, con la crisis de la década de los 80 entrarían en una pendiente de impugnaciones y desmantelamiento". 11Desenvolvi por extenso essas temáticas na minha dissertação, baseada na ampla bibliografia disponível.

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tempos de trabalho e ocupar menor quantidade de mão-de-obra. A abertura

das economias nacionais e a flexibilização trabalhista permitem que o processo

de produção seja realizado em diferentes espaços nacionais. Nesse novo

cenário, a América Latina teve que se inserir na economia global, partindo de

uma situação em desvantagem pelo seu processo de desenvolvimento

incompleto, pela sua dívida externa e pela pobreza e exclusão social.

Também a crise da dívida externa aumentou a influência dos

organismos financeiros internacionais, que condicionaram seus empréstimos à

aplicação de políticas de ajuste estrutural. Esses empréstimos de base política

incluíam a exigência da redução do papel do Estado, obrigando-o a diminuir

seu investimento no setor público para favorecer a maior participação do setor

privado, além de realizar reformas administrativas. Em conseqüência, as

condicionalidades requeridas em troca de empréstimos também chegaram ao

plano da formulação de políticas sociais.

Não apenas significava a aplicação de medidas específicas de política econômica de acordo com as exigências das instituições financeiras internacionais (...) implicava uma crescente presença dos mecanismos de regulação de mercado, como vinculação de recursos, reformulação das tarefas e funções do Estado, assim como transformações no seio da sociedade civil�12 (Sottoli, 2000: 5).

Assim, a abertura dos mercados com a respectiva diminuição da

intervenção estatal também produziu a retirada do Estado na provisão de bens

e serviços pretensamente associados à ineficiência estatal e à inflação. Essas

limitações do gasto público, que requeria o ajuste estrutural, implicaram numa

diminuição dos gastos sociais, especialmente na saúde pública e na educação:

Sobretudo reduziram-se drasticamente os gastos destinados a manutenção, novos investimentos e equipamentos (...) com o que se deteriorou de forma considerável a qualidade dos serviços sociais, especialmente na área de educação e saúde públicas. Economizaram-se, também, os custos dos servidores públicos e especialmente dos professores (...), cujos salários

12�No solamente significaba la aplicación de medidas específicas de política económica en concordancia con los requerimientos de las instituciones financieras internacionales (...) implicaba una creciente presencia de los mecanismos de regulación de mercado como asignación de recursos, una reformulación de las tareas y roles estatales, así como transformaciones en el seno de la sociedad civil�.

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foram drasticamente reduzidos...13(Stahl, 1994: 49).

Mas, o cenário composto pelas reformas, das quais uma conseqüência

foi a abertura dos mercados que trouxe um aumento das importações e a

diminuição da produção nacional, mais a incorporação de novas tecnologias

motivaram uma queda na quantidade de empregos. Esta situação, somada à

pobreza estrutural da América Latina, gerou situações de tensão, conflito e

protesto que alertaram os governos nacionais e os organismos internacionais14

sobre os riscos de desestabilização e isso derivou na necessidade de

implementar políticas que permitissem a manutenção da democracia e

garantissem a governabilidade dos Estados. Deste modo, a política social

voltou a ter �... uma função chave para contrabalançar as conseqüências

negativas dos atuais programas de ajuste estrutural�15 (Stahl, op. cit.: 49).

As políticas sociais iriam adquirir novas características, porque seriam

estabelecidas medidas compensatórias16 para proteger os pobres durante

períodos de ajuste econômico, visando aliviar possíveis tensões sociais

(Fonseca, 1997: 53). Alguns dos programas sociais implantados nos 90 na

América Latina respondiam:

A postulados teóricos semelhantes e a intenções políticas focadas numa mesma direção: desativar os conflitos sociais mais graves e gerar consenso naqueles segmentos da força de trabalho que têm pouca inserção no mercado de trabalho para que atuem como base social de apoio ao modelo neoliberal17 (Candia, 1998: 122).

13�Sobretodo se redujeron drásticamente los gastos destinados a mantenimiento, nuevas inversiones y equipos (...) con lo que se deterioró considerablemente la calidad de los servicios sociales especialmente en el área de educación y salud públicas. También se ahorró con los servidores públicos y especialmente con los maestros (...) cuyos salarios fueron drásticamente reducidos...�. 14O Banco Mundial publicou em 1988: "Protecting the poor during period of adjustment�. 15"... un papel clave para contrarrestar las consecuencias negativas de los actuales programas de ajuste estructural". 16A importância dos programas compensatórios (de caráter focalizado) também é evidente no final do governo FHC, no Brasil (por exemplo: Bolsa Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Bolsa-Alimentação, Renda Mensal Vitalícia, Benefício de prestação continuada, Previdência Rural, Seguro Desemprego etc.). Já no governo Lula, há uma tentativa de unificação de vários programas sociais no Bolsa Família, embora continue a lógica dos programas compensatórios. 17�A postulados teóricos similares y a intenciones políticas enfocadas a una misma dirección: desactivar los conflictos sociales más graves y generar consenso en aquellos segmentos de la fuerza laboral que tienen una inserción débil en el mercado de trabajo para que actúen como base social de apoyo al modelo neoliberal�.

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Com as novas orientações, eliminaram-se, reduziram-se ou se

privatizaram as instituições solidárias e coletivistas, e a cobertura das políticas

passou a afetar somente os pobres, aqueles que não se ajustavam ao

funcionamento dos mecanismos do mercado.

A conversão do tema da pobreza num problema central da questão social vincula-se a um novo paradigma do bem-estar popular (...) trata-se de substituir o cidadão e seus direitos sociais pelas lógicas de vinculação de recursos que regulam a operação do mercado18 (Candia, op. cit.: 119).

Em alguns países latino-americanos (Argentina, Venezuela) esses

pobres dos anos 1990 são os novos pobres19, os pauperizados pela

organização do trabalho pós-fordista. As causas de sua pobreza não são mais

consideradas individuais, como no começo das políticas assistenciais, mas

percebidas como naturais, porque não são produto da vontade política. Na

realidade, porém, são uma conseqüência do modelo econômico implementado

e somam-se à pobreza estrutural consolidada na região, agravando a situação.

Os novos pobres, no caso brasileiro os pobres estruturais, passaram a

se constituir na população alvo de políticas sociais, mediante programas

compensatórios e medidas de assistência, em alguns países. Em vez do

modelo de desenvolvimento social promovido nas décadas anteriores, nos

anos 1990 (e já nos 1980), a Comissão Econômica para a América Latina

(CEPAL) propôs o modelo de compensação social. Assim, os documentos da

CEPAL reconhecem que os programas de ajuste têm aumentado o nível de

pobreza e privado os grupos sociais mais vulneráveis de receber benefícios

essenciais pela contenção do gasto público. Os programas de compensação

aparecem �...destinados a contrabalançar as maiores quedas produzidas

tratando de chegar perto de níveis próximos à situação social prevalecente no

18�La conversión del tema de la pobreza en un problema central de la cuestión social, se vincula a un nuevo paradigma del bienestar popular (...) se busca sustituir al ciudadano y sus derechos sociales por las lógicas de asignación de recursos que rigen la operación del mercado�. 19No Brasil também existem novos pobres, mas não na magnitude por exemplo, da Argentina, onde, em 1980, os novos pobres eram 4,2% da população e, em 1990, eram 18,4%, crescendo 338% na década (Minujín, 1991).

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início dos anos 80�20 (Rodríguez Novoa, 1992).

O caráter compensatório das políticas sociais provém da concepção

liberal, segundo a qual pretende-se com elas compensar as desigualdades

produzidas pela política econômica (Vieira, 1992). Por isso, o liberalismo

historicamente vem compensando a desigualdade social com igualdade

jurídica, baseada no direito

Mas, as novas políticas compensatórias, da década de 90, não se

encaminham para a promulgação de direitos jurídicos, resultando medidas

emergenciais que focalizam uma população alvo. O conteúdo assistencialista

delas manifesta-se a partir da seleção dos seus destinatários, porque não

estão dirigidas aos cidadãos com direitos, senão aos pobres ou aos cidadãos

assistidos (Demo, 1995).

Em linhas gerais, as orientações das políticas sociais nos anos 1990

assinalam que:

• os recursos públicos devem ser destinados às famílias que não podem

pagar suas necessidades elementares;

• as distintas etapas da aplicação das políticas sociais (obtenção de

recursos, programação, instrumentação, avaliação, monitoramento)

podem se realizar por separado e ser desenvolvidas por empresas ou

agentes privados;

• o Estado deve deixar de ser a única fonte de financiamento dos serviços

sociais;

• a aplicação dos recursos deve ser seletiva: identificando os

beneficiários, transferindo subsídios às famílias para aumentar o poder

de compra, avaliação e medição do impacto, e não do gasto.

Na década de 1990, as políticas sociais decorrentes destas mudanças,

adquiriram certas características: descentralização, privatização e focalização

(Isuani, 1992; Draibe, 1992.; Laurell, 1995.; Grassi et al. 1994)21.

20�...destinados a paliar las mayores caídas producidas tratando de revertirlas a niveles promedio aproximados a la situación social prevaleciente al inicio de los años 80�. 21Esses autores as analisam e descrevem para o Brasil, a Argentina e o México, mas as generalizam para toda a América Latina.

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A respeito desses três eixos, nos diferentes Estados nacionais latino-

americanos:

Embora existam combinações específicas (...) a privatização tem sido o eixo com o qual começou a se transformar a seguridade social, especialmente o sistema previdenciário. De outra parte, a descentralização tem representado a estratégia predominante em termos de mudanças nas políticas sociais de caráter universalista como saúde e educação básicas, setores que mostram, em outros níveis, um avanço da dinâmica privatizadora (por exemplo, por meio da desregulamentação dos seguros de saúde ou na educação fundamental). A focalização, por seu lado, tem sido o instrumento predominante nas ações contra a pobreza22 (Repetto, 1998: 78).

Focalização, Descentralização e Privatização: eixos das políticas

sociais na década de 1990 na América Latina

Focalização

A focalização (centralizada) pressupõe a utilização dos fundos públicos,

não mais no financiamento dos benefícios universais, mas para uma porção

menor da população: os mais pobres (Coraggio, 1997).

Na década de 1970, o modelo da redistribuição com crescimento situava

o eixo das ações contra a pobreza nas causas estruturais; no final da década

de 1980 e na de 1990, emergiu o conceito de focalização, apresentada como

um sinônimo da seletividade no gasto social, coerente com a mudança de

enfoque que passou da distribuição (1970) à eqüidade e à coesão social (1980-

90) (Sojo, 1990). Desenvolveu-se a seletividade, porque se considerava que o

gasto social chegava pouco aos setores pobres, beneficiando, com os modelos

da universalização dos serviços, os setores médio e alto23. Então, como

alternativa, propôs-se focalizar o gasto na população pobre, enquanto

22�Aún cuando existan combinaciones específicas, (...) la privatización ha sido el eje con el cual se comenzó a transformar la seguridad social, en especial el sistema previsional. Por otra parte, la descentralización ha representado la estrategia predominante en materia de cambios en las políticas sociales de carácter universalista como salud primaria y educación básica, sectores que en otros niveles muestran un avance en la dinámica privatizadora (por ejemplo, vía la desregulación de los seguros de salud o en la educación primaria). La focalización, por su lado, ha sido el instrumento predominante en las acciones contra la pobreza�. 23Um argumento popularizado pela imprensa brasileira que mostra a crítica à universalidade das políticas sociais, afirma que se se jogasse o dinheiro gasto nas políticas sociais de um avião, ele teria mais chances de ser recebido diretamente pelos pobres.

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beneficiária das políticas sociais (Sojo, op. cit.).

Nas palavras de Draibe (1993: 98):

Em face das já existentes desigualdades e do agravamento da pobreza, é como se tivéssemos passado de uma concepção do tipo �dar tudo cada vez mais a todos� � uma forma de expressar a visão universalista, associada a direito social � à expressão �dar mais a quem tem menos�, modo de exprimir prioridade à população carente, seletivamente escolhida pelo foco da política e dos programas sociais.

Para Coraggio (op.cit.), a aplicação de políticas e programas focalizados

é decidida de modo centralizado, embora seja apresentada como

descentralizada: é o Estado quem destina os fundos e decide sobre os

destinatários. O autor acredita que a descentralização só se refere ao nível de

execução da proposta (desconcentração), como efetivamente aconteceu no

caso do Plan Social Educativo, política educacional compensatória na

Argentina menemista. A desconcentração também norteia as atividades do

Programa Alfabetização Solidária, como será explicado depois.

Também para a implementação das políticas focalizadas, são utilizados

procedimentos não convencionais, como fundos sociais de desenvolvimento e

inversão, que possam ser administrados diretamente pelas autoridades de alta

hierarquia, a despeito dos ministérios sociais, cujos procedimentos geram

desconfiança. Foi o caso da Bolívia (Isuani, 1992).

Para Coraggio (op. cit.), a focalização não implica só em concentrar o

gasto nos mais pobres, mas também em extraí-lo das classes médias baixas.

Ele sustenta que o ajuste estrutural, com a redução do gasto social do Estado e

da atenção à explosiva situação social, requer e extrai recursos dos não

pobres, das classes médias urbanas, apresentadas como grupos privilegiados

que usufruem de sua influência sobre o Estado. Esses são os fundos que irão

compor o gasto focalizado.

Para este autor, o Estado, mediante a focalização, provê de serviços

públicos os que não possuem recursos para acessar os serviços no mercado.

Esse raciocínio implica numa polarização: os serviços básicos gratuitos são de

menor qualidade do que os obtidos no mercado:

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A focalização pode terminar significando uma redistribuição de recursos públicos dos setores médios para os pobres, juntamente com uma redução na qualidade e na complexidade dos serviços públicos. A redistribuição reduz o ingresso real de amplas camadas médias baixas e reforça uma dinâmica regressiva que pode levá-la abaixo da linha da pobreza sem reduzir efetivamente a sua demanda por serviços públicos24 (Coraggio, op. cit.: 28).

Do ponto de vista da governabilidade e da legitimação dos estados

latino-americanos, a focalização apresenta fases problemáticas. Se as políticas

focalizadas gerassem a exclusão dos setores médios, esses retirariam seu

apoio. Sojo (op. cit.) recupera estudos25 que distinguem dois tipos de

focalização: a severa, que responde aos argumentos de eficiência e justiça

social; e a ampla, que remete a critérios de eqüidade mais abertos. Essa última

forma pretende obter o apoio político da classe média, por isso é estabelecida

nas áreas onde se superpõem os interesses dos setores pobres e dos setores

médios, para que seja possível manter a aplicação de estratégias de mudança

estrutural.

Os estudos também vinculam a focalização com a integração e a coesão

sociais. Nessa perspectiva, embora os programas focalizados sejam um

elemento importante para ganhar apoio político, é necessário levar em conta as

estruturas de poder de cada país, de modo a manter o equilíbrio político, para

não correr o risco de que os pobres fiquem isolados das alianças políticas,

quando se trocam os programas universais pelos focalizados.

Laurell (op. cit.) também analisa as políticas focalizadas da perspectiva

da legitimação. Para a autora, a estratégia de centralizar os gastos sociais em

programas seletivos dirigidos aos pobres ultrapassa o objetivo de redistribuir os

fundos públicos para financiar os benefícios sociais universais, porque abre

caminho à privatização. Os Estados costumam apresentar essas estratégias

focalizadas como a única forma de alcançar a eqüidade, utilizando os recursos

24�La focalización puede terminar significando una redistribución de recursos públicos desde los sectores medios hacia los pobres junto con una reducción en la calidad y complejidad de los servicios públicos. La redistribución reduce el ingreso real de amplias capas medias bajas y refuerza una dinámica regresiva que puede empujarla por debajo de la línea de pobreza sin reducir efectivamente su demanda por servicios públicos�.

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que antes correspondiam aos programas de corte universal, para subsidiar só

aos mais pobres, de modo a não gerar rejeição.

A autora afirma que estas políticas surgem como resposta à

pauperização provocada pelas medidas econômicas e às reações que elas têm

provocado, tanto na forma de convulsões sociais quanto de resistência política

organizada. Então, os programas são manipulados pelo poder discricionário do

Executivo e têm como objetivo "... assegurar uma clientela política em

substituição ao apoio popular� (p.173), impossível de se sustentar com a

aplicação das políticas neoliberais. Tais medidas tentariam evitar processos

políticos que anulem o projeto principal: uma economia desregulamentada de

livre mercado.

Segundo Laurell (op. cit.:172-3):

A estratégia de centralizar os gastos sociais em programas seletivos dirigidos aos pobres ultrapassa, na América Latina, o objetivo de incrementar o domínio do mercado mediante a retirada dos fundos públicos para o financiamento de benefícios sociais universais (...). Teoricamente, ninguém pode se opor a uma política que canalize recursos aos que menos ou nada têm, mas adquire um significado diverso quando, concretamente, tal política implica remercantilizar os benefícios sociais, capitalizar o setor privado, deteriorar e desfinanciar as instituições políticas.

A focalização, entretanto, não é uma estratégia radicalmente nova, como

já foi lembrado, porque constituiu a forma predominante das primeiras

estratégias assistenciais de ajuda às populações pobres, mantidas, de modo

residual, com diferentes graus de alcance, nos diversos modelos de Welfare

State. Mas, para alguns autores, ela é coerente com o novo modelo que

emergiu da crise do Welfare State (Grassi, et al. 1992, Lo Vuolo e Barbeito,

1998, Laurell, op. cit.).

Descentralização

A descentralização é apresentada como uma forma de atingir maior

eficácia e eficiência no gasto, o que permitiria unir esforços com outras

25Os artigos aos quais Sojo remete são: Nelson et al. (1989) e Besley e Kanbur (1990).

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iniciativas locais e privadas, evitando superposições, conseguindo resolver a

burocratização e outros problemas ocasionados pela centralização do poder.

Também permite introduzir mecanismos gerenciais e incentivar os processos

de privatização, deixando no nível local a decisão sobre como financiar,

administrar e produzir os serviços e, portanto, diminuir os recursos estatais

destinados aos serviços públicos (Laurell, op. cit.). Ou seja, delega poder aos

níveis locais para realizar funções do governo central.

Mas, descentralização é difícil de definir. �O conceito de

descentralização configura uma proposta de ação político-administrativa que,

dependendo do enfoque ideológico adotado, pode visar a objetivos diferentes e

até opostos de reorganização institucional� (Jacobi, 2000: 37). Segundo as

formas que a descentralização adquire − desconcentração, delegação ou

devolução −, implica maior poder político transferido. Assim,

Desconcentração é a redistribuição do poder decisório entre os diversos níveis do governo central; delegação é a transferência de responsabilidades e de poder do governo central para organizações semi-autônomas (órgãos públicos) que não são totalmente controladas pelo governo central, mas que em última instância dele dependem; e devolução é a transferência de poderes do governo central para unidades subnacionais independentes (Jacobi, op. cit.: 35, grifo meu).

Apesar da dificuldade na definição do conceito e das diferenças entre os

autores, Lauglo (1996) afirma que a descentralização está ligada a três valores:

1) a dispersão politicamente legítima da autoridade, 2) a qualidade dos serviços

prestados ou 3) o uso eficiente dos recursos; isto é, à política, à qualidade e à

eficiência.

A respeito da primeira − a dispersão política da autoridade −, a

descentralização adquire diversos significados segundo as ideologias políticas,

a saber: federalismo, localismo populista, democracia participativa e

liberalismo. Com diferentes implicações, segundo cada qual. Por exemplo, para

a democracia participativa, a descentralização implica um débil controle exterior

ao âmbito de competência, com decisões coletivas interiores, nas quais a

avaliação é concebida como um processo coletivo de participação interior e

com controle desde as bases. Para o liberalismo, porém, implica um governo

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local forte, com oferta privada e mecanismo de mercado, assim como a

participação de experts profissionais; nesta visão, a avaliação é realizada pelas

forças do mercado ou pela auto-regulação profissional, com pouco controle

estatal (Lauglo, op. cit.).

Na qualidade e eficiência, as estratégias que a descentralização

promove são similares: profissionalização, direção por objetivos, mecanismo de

mercado e desconcentração. Quando busca a qualidade, centra-se nas metas

e no processo. Quando pretende a eficiência enfatiza a utilização dos recursos.

Weiler (1996) destaca a importância das aplicações políticas da

descentralização, que estão vinculadas a dois problemas enfrentados pelos

Estados modernos: a perda de legitimidade e a multiplicidade de conflitos

gerados em conseqüência dessa perda. A descentralização é uma estratégia

para a gestão deles, porque permite a difusão das fontes desses conflitos e a

colocação de filtros de isolamento entre um conflito e o resto do sistema.

Para Weiler, a descentralização também tem um efeito de legitimação

compensatória dos desgastados Estados modernos, que sofrem perda de

legitimidade, devido à sua natureza centralizada que os distancia da base do

sistema político, ao seu monolitismo, à sua incapacidade estrutural para

responder às mudanças da sociedade e à sua administração burocrática,

impessoal, desumanizadora. A descentralização acrescentaria legitimidade ao

Estado, mostrando-o como mais atento às mudanças e às necessidades locais,

ao estar mais próximo delas. Segundo o autor (op. cit.: 224), o Estado moderno

deve reconciliar:

... os dois desafios opostos: manter, na medida do possível, o controle centralizado do sistema, e se mostrar, ao mesmo tempo, comprometido com a descentralização e obter as vantagens da legitimação derivadas dessa aparência26.

Uma das formas que os Estados parecem utilizar para recuperar parte

do controle cedido com a descentralização é a avaliação de resultados, que

aparece tanto nas reformas educacionais dos países de América Latina quanto

26�... los dos desafíos opuestos: mantener en lo posible el control centralizado del sistema y mostrarse al mismo tiempo cuando menos comprometido con la descentralización y obtener las

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nas políticas sociais neoliberais. O Estado descentraliza mas avalia de modo

centralizado.

Tanto a descentralização quanto a avaliação estão relacionadas com o exercício do poder e sempre existe a possibilidade de que o poder, perdido pela descentralização, possa ser recuperado pela avaliação27 (Weiler, op. cit.: 224).

A relação entre descentralização e democratização foi muito discutida e

defendida na década de 1980, segundo a perspectiva da democracia de base

territorial, a qual considera que o repasse de poder e recursos aos governos

locais proporcionaria a participação popular e o controle dos atos de governo28.

Arretche (1996) analisa o mito da descentralização, pela qual haveria

maior democratização, maior eficiência na aplicação das políticas públicas e

maior controle da população. Segundo ela, a realização do ideal democrático:

�... depende mais da possibilidade de que determinados princípios possam se

traduzir em instituições políticas concretas do que da escala ou âmbito de

abrangência de tais instituições� (p. 47). Também assinala que a proximidade

entre a população e o poder político local, em vez de estimular a participação,

pode derivar em clientelismo. Além disso, a descentralização, embora favoreça

a participação, não a garante nem �garante que ela seja benéfica aos

interesses dos grupos mais vulneráveis, que em geral são os mais

desorganizados e desprotegidos� (Jacobi, op. cit.: 37).

Para outros autores, não existe um acordo muito claro sobre o conceito

de descentralização e, segundo alguns, seria mais pertinente referir-se à

dialética centralização-descentralização ou levar em conta que as teses

centralizadoras ou descentralizadoras propostas para as políticas não estão

isoladas, mas são coincidentes com um projeto político de sociedade

determinado e é com relação a ele que deve ser feita a análise (Gil, 2000).

ventajas de legitimación derivadas de dicha apariencia�. 27�Tanto la descentralización como la evaluación están relacionadas con el ejercicio del poder y siempre existe la posibilidad de que el poder, al que por una parte renuncia la descentralización, lo pueda recuperar la evaluación por otra�. 28Foi essa a concepção que inspirou as propostas de descentralização surgidas no contexto das discussões que resultaram na Constituição de 1988. Então, o processo de descentralização no Brasil é mais complexo e é prévio às propostas surgidas dos organismos multilaterais de desenvolvimento (BIRD, BID etc.) como será mostrado no próximo capítulo.

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Privatização

A privatização pretende incorporar os investimentos privados em novas

atividades econômicas rentáveis e, por isso, incluir nelas as atividades próprias

do bem-estar social, com o pressuposto de que a administração privada possui

maior eficiência. Trata-se da constituição de um novo mercado, no qual a

privatização dos benefícios sociais implica num processo seletivo e numa

diferenciação da qualidade desses serviços.

A privatização é um movimento que leva à redução das funções e

atividades exercidas pelo Estado e à ampliação do mercado, num processo

que se realiza mediante venda ou outras formas, como diminuição do

investimento e do gasto estatal ou das atividades e do papel produtivo e/ou

distributivo do Estado. Também se produz um movimento de privatização,

quando coexistem com as atividades públicas outras opções no setor privado

que atendem às demandas daquelas pessoas que podem comprá-las, como é

o caso da saúde e da educação.

Os argumentos desenvolvidos em prol da privatização defendem que a

forma de gestão e administração privada é mais eficiente, devido aos

benefícios da competição, à diminuição dos custos e à introdução de inovações

tecnológicas. Mas, as objeções principais aos argumentos econômicos são a

capacidade de lobby do setor privado e a provisão de serviços a menores

custos e de baixa qualidade.

Do ponto de vista político, o liberalismo defende a primazia dos direitos

individuais e sua liberdade de escolha face à intervenção do Estado, que atua

na produção e prestação dos serviços sociais, reduzindo, assim, os estímulos

ao trabalho. Uma importante objeção a esta postura é a desresponsabilização

e a quebra do poder dos sindicatos com a subseqüente perda de salário.

Poderiam se estabelecer diferentes formas de privatização, tais como as

seguintes (Starr, apud Draibe, 1990: 44):

- a transferência (incluindo a venda) da propriedade pública de estabelecimentos, terras, empresas, infra-estrutura para a propriedade privada que vai explorá-las lucrativamente;

- a cessação de programas públicos e o desengajamento do governo de algumas responsabilidades específicas, ou restrições em volume, capacidade, qualidade em serviços publicamente

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produzidos, conduzindo a demanda para o setor privado;

- o financiamento público do consumo de serviços privados - através de contratação, reembolso ou indenização dos consumidores, tickets e vales com pagamento direto aos provedores privados etc.;

- a desregulação que permite a entrada de firmas privadas em setores antes monopolizados pelo governo.

Outra visão da temática propõe a privatização com um sentido mais

amplo, o qual envolve âmbitos privados não necessariamente vinculados ao

mercado. Tais âmbitos são os da sociedade, entendendo as bases

comunitárias, locais, de vizinhança e envolvem atividades não remuneradas,

cujas tarefas são de caráter social. Associações voluntárias, organizações não

governamentais, redes assistenciais e de solidariedade, de ajuda mútua, de

cuidados constituem uma outra via: o terceiro setor, o qual, segundo seus

promotores, seria um outro lugar além do Estado e do mercado, e cuja lógica

supõe relações não econômicas e de maior autonomia com respeito ao poder

estatal.

No Brasil, mais duas concepções podem se incluir no movimento de

privatização: a publicização, desenvolvida na proposta de Reforma do Estado

de finais da década de 1990, e a filantropia empresarial, tendência

desenvolvida em empresas que realizam ações no âmbito social29.

Com esses três eixos − focalização, descentralização e privatização − é

preciso levar em conta dois tipos de problemas que, historicamente, têm

relevância na implementação das políticas sociais. Assim, especialmente nas

políticas destinadas aos pobres, revestem-se de importância as práticas

assistencialistas e o clientelismo (Draibe, 1990; Laurell, op. cit.; Demo, op. cit.;

Repetto, op. cit.; Isuani, op. cit.), aos quais me referirei, porque serão

analisadas no Programa Alfabetização Solidária.

Assistencialismo e clientelismo

O assistencialismo reflete um aspecto de algumas políticas sociais

29Ambas as tendências serão aprofundadas no próximo capítulo.

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remanescentes do velho modelo da assistência, analisado anteriormente.

Assim, institucionaliza um indivíduo ou grupo no lugar de assistido, beneficiário

ou favorecido pelo Estado. Dessa forma, cria-se uma subjetividade, forma-se

um imaginário de assistido, em vez de um sujeito com direitos, usuário,

consumidor ou possível gestor de um serviço.

Spossati et al. (1987) refletem sobre o problema, indicando que existe

uma contradição inerente na análise das políticas sociais de caráter

assistencial, as quais apresentam um duplo caráter de exclusão e de inclusão.

Uma política assistencial, num primeiro momento, é uma forma concreta de o

sujeito cobrir suas necessidades, mas isso pode ter como conseqüência, num

momento posterior, a incorporação disso como um direito. Na concepção das

autoras �... no assistencial está contida a possibilidade de negação dele próprio

e de sua constituição como espaço de expansão da cidadania� (op. cit.: 35),

porque pode ser um espaço de lutas e confrontação que permite o acesso a

benefícios antes negados. As políticas de assistência, ainda que não

constituam um mecanismo redistributivo que mude as desigualdades sociais,

podem permitir, num processo de desenvolvimento, a integração dos

beneficiários.

A diferença entre o caráter de exclusão ou de inclusão dessas políticas

parece estar ligada, para as autoras, ao fato de elas constituírem respostas

emergenciais ou duradouras:

O mecanismo assistencial permite ainda um corte emergencial nas políticas sociais. Como formas duradouras possibilitam consagrar direitos, como respostas emergenciais podem fragmentar a demanda em graus de urgência para atendimento, instalando clientelas elegíveis. Com isto as políticas sociais se prestam a reduzir agudizações e se constituem em espaço para que o grupo no poder possa, de um lado, conter conflitos e, de outro, responder �humanitariamente´ a situações de agravamento da miséria e espoliação de grupos sociais (Spossati et al., op. cit.: 31).

Demo (1995) faz uma distinção entre assistência e assistencialismo. A

assistência é um direito que remete à sobrevivência, mas o combate à pobreza

implica outros componentes de política social, não só os assistenciais. O

tratamento da pobreza como alvo de assistência, para esse autor, é

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assistencialismo, porque banaliza o conceito de pobreza. Se esta é estrutural,

não pode ser atingida com meios conjunturais ou emergenciais. O

assistencialismo considera o problema social pela ótica da ajuda. Assim, a

pessoa que recebe benefícios é humilhada, porque provoca-se dependência,

desmobiliza-se seu potencial, escamoteia-se o contexto da desigualdade,

inventando a farsa da ajuda, pois, em vez de soluções, brindam-se

compensações. Demo considera, portanto, que, enquanto a assistência

corresponde a um direito humano, o assistencialismo mantém as

desigualdades sociais. Esse tema me parece de fundamental importância no

estudo das atuais políticas sociais, pelo perigo de se estar criando ou recriando

com elas sujeitos assistidos, e não sujeitos com direitos. Os apelos à

solidariedade, à filantropia e ao voluntariado respondem a esse modelo.

Na atualidade, a relevância dessa questão vem à tona, porque o modelo

econômico hegemônico gera desemprego e isso é contrabalançado, na melhor

das hipóteses, com a implementação de programas que outorgam pequenos

benefícios para permitir cobrir as necessidades de subsistência. Esses

programas focalizados, às vezes, exigem a contraprestação de um serviço

(comunitário, por exemplo), mas nem sempre isso acontece. Assim, esse

paliativo, surgido como resposta à crise do modelo salarial que organizava a

sociedade, está criando uma nova subjetividade que só o tempo dirá quanto

mais perto ou longe de uma subjetividade assistida poderá ser.

A respeito do clientelismo, só esboçarei as questões que são relevantes

em relação a este estudo.

A primeira delas é a relação que os sujeitos estabelecem com os

mediadores (brokers), pessoas que intervêm para, utilizando sua inserção junto

aos poderosos, obter favores. (Rouquié, 1991). Esses mediadores ou

referentes (Auyero, 1998) favorecem a resolução de problemas e atuam

permitindo �... o fluxo de bens e serviços que provêm do poder municipal e o

fluxo de apoio e votos que provêm dos �clientes´�30 (Auyero, op. cit.: 59). Assim,

30�... el flujo de bienes y servicios provenientes del poder municipal y el flujo de apoyo y votos que provienen de los �clientes��.

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quando os recursos chegam ao local, são essas pessoas que possuem a

informação e que distribuem os bens. Estabelecem uma relação personalizada

e, ao ocupar um lugar não institucional, são percebidas como sem obrigação

de proceder a tal distribuição; por isso, quem os recebe não pode invocar

direitos sobre a coisa outorgada ou o favor realizado.

No Brasil, há formas como o coronelismo, que se originou num Estado

que �... preferiu delegar seu poder a autoridades territoriais privadas em troca

da manutenção da ordem e do apoio eleitoral� (Rouquié, op. cit.: 224), porque o

poder central conferia um título militar aos senhores, confiando-lhes uma

missão. Essa matriz, adaptada ao sistema político de partidos, ainda tem sua

vigência na política brasileira31.

Outra forma que interessa destacar é a do clientelismo de partido,

especialmente as máquinas eleitorais que se estabelecem num sistema liberal

de competição política aberta, o qual troca a satisfação das demandas

particulares pelos votos:

Os serviços dispensados pela máquina política mitigam a ausência de proteção social pública. Às vezes até a máquina eleitoral se confunde com o partido oficial, canalizando sua �capacidade distributiva� através do partido. Um favor, um serviço criam laços de reconhecimento e de dependência pessoal que prendem o cidadão ao benfeitor. Um direito garantido por uma lei, impessoal na essência, oferece menos dividendos políticos. Essa é uma das razões e das modalidades do clientelismo de Estado. (Rouquié, op. cit.: 228).

No clientelismo de Estado, geralmente um organismo de ajuda social ou

o sindicato intervém na relação, mas o mecanismo constitutivo é igual. Uma

das formas do clientelismo estatal é a criação de redes de clientela através de

organismos de assistência e previsão social politizados que, com uma retórica

populista, permitem identificar as legislações sociais − que poderiam ser

impessoais e anônimas −, com o regime ou o presidente. (Rouquié, op. cit.:

229).

Por último, interessa destacar a perspectiva que analisa o clientelismo

31Foi recorrente a aparição de remanescentes do coronelismo em entrevistas com coordenadores e alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária, em municípios do

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contextualizado, relacionado com a implementação de políticas sociais no

marco da Reforma do Estado. Neste sentido, Chiara (1998: 116-7) afirma que:

Resulta perigoso centrar a crítica das políticas sociais dominantes na questão das formas clientelistas de distribuição dos recursos, sem questionar os processos �macro� que estão dando sentido a essas formações que parecem ser prévias (ainda que em menor escala) aos processos de ajuste-reforma que estamos enfrentando32.

Nesta linha, é preciso analisar o clientelismo tanto na sua forma

tradicional remanescente no sistema político da América Latina, como na sua

reatualização na forma de intercâmbio de favores, bens e serviços, no contexto

de desemprego e carências materiais ocasionado pelo ajuste e a

reestruturação econômica. Nessa perspectiva de análise, a mais atual sobre a

temática, o clientelismo �... que num primeiro momento aparece como

deferência e subordinação, é, em muitos casos, uma calculada negociação e

resistência�33(Gay, 1997: 92).

Também se sugere, numa perspectiva oposta aos tradicionais estudos

sobre o tema, que:

Sob certas circunstâncias, o clientelismo está menos relacionado com o intercâmbio de favores por votos, do que com o intercâmbio de votos pelo que atores políticos gostariam de apresentar como favores, mas os menos privilegiados demandam e reclamam como direitos34. (Gay, 1998: 15).

O clientelismo é, também, analisado como uma forma de participação,

menos abstrata que a retórica ideal participacionista que envolve as políticas

sociais e educacionais.

Enfim, neste capítulo busquei mostrar a origem das ações assistenciais

Nordeste brasileiro. 32�Resulta peligroso centrar la crítica a las políticas sociales dominantes en la cuestión de las formas clientelares de distribución de los recursos, sin cuestionar los procesos �macro� que están dando sentido a estas formaciones que parecen ser previas (aunque en menor escala) a los procesos de ajuste-reforma con que nos enfrentamos�. 33�... que a primera vista aparece como deferencia y subordinación, es, en muchos casos, una calculada negociación y resistencia�. 34�... under such circumstances, clientelism has less to do with the exchange of votes for favors, than with the exchange of votes for what political actors would like to present as favors but the least privileged elements of the population demand or claim as rights�.

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e filantrópicas, e como essas foram permanecendo apenas como marginais

nos Estados liberais ocidentais, à medida que eles iam mudando para um

modelo de Estado social, o qual incorpora direitos na forma de políticas sociais

que consideram as pessoas como cidadãos, e não como sujeitos de

assistência. Esse Estado social começou a se desenvolver na América Latina,

mas a neoliberalização da economia e as políticas de ajuste estrutural fizeram

com que as políticas sociais fossem adquirindo características compensatórias

e dirigidas apenas para os pobres, sendo organizadas em torno de certos

eixos, tais como a focalização, a descentralização e a privatização.

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CAPÍTULO 2

AS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL NOS ANOS 90

Neste capítulo realizo um breve panorama das políticas sociais

brasileiras, visando à análise de suas características no final do século XX,

para utilizar esses elementos no estudo da Comunidade e da Alfabetização

Solidárias.

Para tanto, desenvolvo as características da Reforma do Estado

brasileiro proposta no final do século XX, baseada nos documentos oficiais e

na bibliografia disponível, para mostrar o contexto de privatização no qual se

inserem as políticas sociais da época e a sustentação dos principais aspectos

que justificam, na minha análise, o surgimento desses Programas.

Por último, descrevo e analiso o Programa Comunidade Solidária,

macro-programa no qual se insere o Programa Alfabetização Solidária, como

foi dito.

As políticas sociais brasileiras: surgimento e características

Inicialmente, é necessário esclarecer que me refiro aqui às políticas

sociais como:

... políticas de governo nas áreas de atenção à saúde, previdência e assistência social, educação, habitação, saneamento, transportes coletivos urbanos, programas de suplementação alimentar − área que, grosso modo, constitui o campo do que com muita imprecisão e pouco consenso, vem sendo considerado o âmbito pertinente dos conceitos de Estado de Bem-estar social, proteção social ou Estado-Providência (Draibe, 1990:1).

Enfim, em um sentido amplo, refiro-me ao Estado que intervém no social

como regulador da relação entre capital e trabalho e como promotor de

políticas redistributivas, sendo para alguns um tipo de Welfare State (Draibe,

op. cit.) e para outros não (Montaño, 2002).

As políticas sociais brasileiras iniciam seu desenvolvimento nos anos 30,

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no governo de Getúlio Vargas e se consolidaram institucionalmente na década

de 1970, sendo a maior parte da legislação produzida nos períodos autoritários

(1930/43 e 1966/71) (Draibe, 1990: 8).

Nos anos 1970 e 1980, as políticas sociais adquiriram um caráter

assistencial, pois foi desenvolvido um esquema paralelo dirigido a grupos de

risco. Os benefícios (suplementação alimentar, creches, auxílios à habitação,

iniciação ao trabalho), finalmente, acabaram atingindo a maior parte da

população, porque o critério de seleção era a renda familiar (Draibe, op.cit.: 6).

Além disso, foram adquirindo um caráter de corporativismo e clientelismo.

Entre 1985 e 1988, com o processo de abertura política, houve

transformações políticas, sociais e econômicas, tais como a redemocratização,

a possibilidade de acesso ao poder de pessoas e grupos opositores aos

governos militares, uma mudança na política econômica orientada ao

crescimento e a pressão dos movimentos sociais sobre os órgãos

governamentais ligados às políticas sociais.

Como conseqüência, produziu-se uma modificação nessas políticas, que

implicou num modelo mais eqüitativo, reformas mais significativas no plano

jurídico-formal e ações governamentais nas áreas de saúde, previsão social e

educação (Tavares, 1999: 39). Também desenvolveram-se programas

emergentes contra a fome, o desemprego e a miséria, e se criaram e

consolidaram programas de alimentação e de saúde. Algumas das iniciativas

na saúde, educação e assentamentos agrários tiveram a participação de

grupos organizados da população. Aconteceram, também, reformas setoriais,

como a descentralização da saúde.

A promulgação da Constituição de 1988 destacou o caráter redistributivo

das políticas sociais, contemplou a expansão dos direitos sociais e afirmou o

conceito de proteção social global. Essas políticas visavam à cobertura

universal, à equivalência de benefícios, à seletividade na distribuição deles, à

intervenção comunitária e à administração democrática e descentralizada

(Valladares, 1999: 171), questionando-se, assim, seu lado assistencial.

Também houve consenso sobre a necessidade de uma descentralização

na execução e no controle dos programas sociais, visando à participação

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popular e à democratização na formulação, implementação e controle das

políticas sociais (Aureliano e Draibe, apud Tavares, 1999). A esse respeito, a

Constituição definiu as competências entre os diferentes níveis de governo na

educação e na saúde. Em outras áreas, como moradia e assistência social, as

responsabilidades foram transferidas ao nível local, podendo ser

compartilhadas com outros níveis de governo, e não mais centralizadas no

governo federal. Mas, a Constituição não legislou sobre o financiamento, nem

sobre a distribuição de recursos aos Estados e Municípios.

Apesar do avanço representado pela Constituição cidadã, esse

movimento progressista da Nova República viu se ameaçado por uma visão

ortodoxa do ajuste econômico no último período do governo Sarney, o que

levou ao abandono das reformas e a medidas de desmantelamento e redução

de gastos. Tavares (1999: 40) indica os anos 1988-1989 como o começo do

desmantelamento das políticas sociais brasileiras e 1990 como o início de uma

política social neoliberal. Nesse período, não se implementaram as mudanças

propostas na Constituição e desestruturou-se o velho modelo de políticas

sociais, sem substituí-lo por outro.

A política social no governo Collor foi congruente com a econômica, que

visava à abertura, privatização e internacionalização, refletindo, dessa forma,

as características que o neoliberalismo propõe para as políticas sociais: �...

acrescentavam-se propostas alternativas para as políticas sociais, destinadas à

privatização, focalização e seletividade das mesmas�35 (Tavares, 1999: 43).

Como foi explicado no capítulo anterior, a política social aproximou-se de uma

visão liberal, seletiva e focalizada das obrigações sociais do Estado e ficou

condicionada à política econômica. Houve redução radical de gastos sociais,

afetando os Estados e Municípios.

Os intentos de privatização das políticas sociais no governo Collor

chegaram até o envio de uma proposta de reforma constitucional, na qual

estabelecia-se que o ensino seria remunerado, a previdência seria adquirida só

pela idade, dar-se-ia incentivo à previdência privada e estabelecer-se-ia o fim

da estabilidade no setor público, entre outras medidas. Além disso, a legislação

35Texto original �... se agregaban propuestas alternativas a las políticas sociales, destinadas a

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complementar da Constituição na área da seguridade social, aprovada pelo

Congresso, sofreu restrições, modificações e vetos do governo (Tavares,

1999). Segundo Tavares (op. cit.), a descentralização foi, na verdade, uma

recentralização no âmbito federal para dispor dos recursos sociais,

estabelecendo canais de comunicação e controle diretamente às prefeituras,

sem mediação estadual, alterando a lógica da descentralização prevista pela

Constituição.

Valladares (1999: 172) lista outras características relevantes na década

de 1990, tais como:

• fomento às instituições da sociedade civil e campanhas nacionais baseadas

na solidariedade, auto-ajuda e participação comunitária;

• participação de organismos privados no combate à pobreza, constituindo o

Brasil o primeiro país de América Latina em quantidade de ONGs;

• difusão de inversões privadas de empresas, no setor social.

Entre as iniciativas originadas na sociedade civil, merece destaque o

Plano de Combate à Fome, à Miséria e pela Vida (PCFM), desenvolvido pelo

sociólogo Herbert de Souza (Betinho), que obteve recursos do governo e

mobilizou amplos setores da sociedade frente ao problema da fome e da

miséria, �... partindo da sociedade para o Estado (...) com origem na sociedade

civil, mas absorvido pelo governo federal em 1993� (Cohn, 1995: 16).

A reforma do Estado e as políticas sociais no governo

de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)

Como em outros países da América Latina, as políticas sociais no Brasil,

durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), também

apresentaram as características decorrentes do neoliberalismo como doutrina

econômica. Assim, os programas sociais foram:

... orientados pelo ideário neoliberal que se expressa pelo tripé

la privatización, focalización y selectividad de las mismas�.

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de sustentação da reforma dos programas sociais na América Latina, e particularmente no Brasil, expresso pelos princípios da focalização, descentralização e parcerias, tendo como carro chefe o Programa Comunidade Solidária (Silva, 2001: 23-4).

Durante esse governo, �... a política social aparece inteiramente

subordinada à orientação macroeconômica� (Neto, 2000: 87), sofrendo a

desresponsabilização do Estado que privatizou, descentralizou e focalizou.

Por exemplo, realizou-se uma reforma do sistema de proteção social,

baseado anteriormente no trabalho, para a renda. �...a previdência social, após

ter sido alçada ao estatuto de seguridade social em 1998, retrocede por

iniciativa do governo à concepção de seguro social� (Cohn, 2000: 185). Dessa

forma, produziu-se uma segmentação dos usuários, que obteriam acessos

diferenciados aos benefícios, pois quem mais contribuísse teria acesso a

maiores benefícios, enquanto àqueles com menores contribuições seriam

destinadas prestações desqualificadas (Neto, op. cit: 87 e Cohn, op. cit. :185).

Assim, de fato, instituiu-se um sistema dual de proteção social. De um

lado, o subsistema de proteção social relativo aos benefícios sociais

securitários � e, portanto, contributivos �; de outro, o subsistema relativo aos

benefícios sociais assistenciais � e, portanto, redistributivos, financiado com

recursos do orçamento fiscal.

Como em outros países de América Latina, o Estado brasileiro

concentrou sua atuação nas políticas de luta contra a pobreza, implementando

políticas focalizadas, emergenciais e compensatórias. Se no Brasil, a partir da

Constituição de 1988, desenvolvia-se um processo de reconhecimento e

implantação de direitos sociais, em alguns aspectos voltou-se a um caráter

filantrópico.

A maioria das políticas implementadas na área social durante o governo

Cardoso, especialmente as relacionadas com a luta contra a pobreza,

estiveram caracterizadas pela focalização. A quase exclusividade da existência

dessas políticas consolidou a concepção da responsabilidade do Estado no

campo social como responsabilidade pelos mais pobres. Assim,

... as políticas sociais acabam sendo condenadas aos limites estreitos do �alívio à pobreza�, e portanto sempre fadadas ao

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insucesso, uma vez que se constituem em políticas e programas destinados exatamente ao combate a determinadas carências a que estão submetidos os grupos sociais, produtos, por sua vez, da desigualdade gerada pelo próprio mercado e pelas políticas macroeconômicas (Cohn; 2000: 190).

Um estudo nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, em 1995, indicou os municípios mais pobres do país, baseado nos

dados do censo 1991. Esses 1070 municípios, onde habitavam 13.853.000

pessoas, foram priorizados para a realização de programas de saúde,

alimentícios, de educação básica e de redução da mortalidade infantil

(Valladares, op. cit.: 174).

A exclusiva implementação de políticas sociais focalizadas, de acordo

com Cohn (op. cit.), mostra um processo social de naturalização da pobreza e

institucionaliza, de fato, um sistema dual de proteção social, que provoca uma

diferenciação entre os incluídos no processo de globalização e aqueles

definitivamente excluídos. Nessa abordagem da pobreza, não se evidencia a

discussão sobre a desigualdade que implicaria uma redistribuição de renda,

justamente no momento mesmo em que, na América Latina aumenta essa

desigualdade.

Quanto à descentralização das políticas sociais, no governo Cardoso

continuou-se e aprofundou-se um processo de municipalização, que transferia

a execução das políticas ao nível municipal, sem contar com uma transferência

de recursos vinculados ao orçamento fiscal, dependendo aleatoriamente de

fontes de recursos instáveis provenientes do governo central. Assim, em muitos

casos, �... os municípios acabam sendo pressionados a dar conta da demanda

local sobre seus equipamentos sociais� (Cohn, op. cit.: 190), levando a uma

desobrigação de fato por parte da União.

Aliás, na descentralização, um obstáculo para a participação tem sido a

cultura política municipal que, baseada na centralização do poder que, no

cotidiano, expressa-se pelo clientelismo, nepotismo e outros ismos, dificulta a

realização de um controle social independente36, como era esperado com a

36Segundo pude corroborar empiricamente, o Conselho de Acompanhamento do FUNDEF, num município do Estado de Alagoas, estava composto por um pai (o motorista do Prefeito),

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criação de diversos conselhos setoriais.

No que diz respeito à privatização, as políticas sociais brasileiras,

especialmente as focalizadas na população pobre, apresentaram intentos de

privatização stricto sensu no início da década de 1990, que não chegaram a se

concretizar. Mas, sempre existia um processo de privatização num sentido

amplo, na intenção de passar a responsabilidade por algum aspecto da

implementação das políticas sociais para outras instâncias fora do Estado, sob

diversas formas. Algumas dessas modalidades eram constituídas por

parcerias, pela responsabilidade social empresarial, pelo terceiro setor e por

um movimento de publicização de atividades antes exclusivas do Estado.

A parceria, em especial entre a Sociedade, o Estado e o Mercado, foi

uma estratégia iniciada no final da década de 80 e, especialmente na gestão

FHC, alcançou desenvolvimento importante, ao ponto de ser assumida pela

Comunidade Solidária, como será explicado no decorrer deste capítulo.

Outro importante viés que assume o processo de privatização no Brasil é

o investimento privado na realização de ações sociais: a responsabilidade

social empresarial ou filantropia empresarial. Valladares (1999: 172) afirma

que, só em 1993, foram investidos 115 milhões de dólares em projetos sócio-

culturais, relativos a 58 programas empresariais. Esses investimentos

ocorreram �... como política da empresa e não somente como compromisso

pessoal do empresário� (De Paula & Rodhen, apud Góis, 2004: 103).

Uma amostra da importância dessas ações foi a criação do GIFE (Grupo

de Institutos, Fundações e Empresas), em 1995, por representantes de 25

grupos privados, entre os quais Volkswagen do Brasil, Victor Civita, Grupo Itaú,

Olderbrecht, Bradesco e Rede Globo. Sua intenção é atuar na área social de

modo sistemático e se apresenta como um fórum permanente de cidadania

empresarial. Em 1997, o GIFE contava com 40 associados que destinavam

cerca de 400 milhões de dólares por ano para projetos nas áreas de saúde,

educação, meio-ambiente, cultura, ciência e bem-estar social.

O GIFE tem como objetivo difundir as práticas do uso de recursos

privados no desenvolvimento do bem comum e, além dos seus projetos,

uma professora (a irmã do Prefeito) e assim por diante...

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também oferece apoio técnico a empresas que desejam investir na área social.

O grupo também se regionalizou, criando, por exemplo o GIFE-Sul, formado

pelas Fundações IOSCHPE, M.S.Sobrinho, Bradesco e Projeto Pescar e pelos

Institutos C&A de Desenvolvimento Social e Robert Levy (Carrion, 2000).

A concepção de cidadania à que se refere freqüentemente o GIFE �...

concentra-se na dimensão social de cidadania, Ou seja, dos direitos, como o

direito à educação, à saúde e ao trabalho que viabilizam o acesso do indivíduo

à condição de consumidor da riqueza socialmente produzida� (Carrion, op. cit.:

249), que, segundo a autora, não inclui a discussão do sistema econômico nem

o desenvolvimento da consciência crítica, nem tampouco a autonomia.

Trata-se da técnica ao serviço do �progresso social�, ainda que a eficácia por ela garantida seja excludente, desfiliante. O que pode também ser traduzido por questionar o modelo político de organização da sociedade sem, no entanto, questionar a estrutura econômica, que em certa medida viabiliza sua sustentação (Carrion, id. ib.).

Assim, não há uma conscientização dos beneficiados que são sujeitos

passivos dos benefícios. A questão do investimento vem ligada ao chamado

marketing social, que se baseia na difusão das ações das empresas.

Outro elemento ligado à filantropia empresarial é o voluntariado, que

recebeu muito apoio da mídia em 2001, por ser o ano internacional do

voluntariado:

Empresas brasileiras, seguindo a tendência internacional, estão deixando de praticar somente filantropia de caráter provisório para atuar em ações sociais de longo prazo. Especialistas dizem que, para o trabalho ser efetivo, as companhias não devem fazer só doações, mas estimular o voluntariado entre os funcionários (Folha de S.Paulo, caderno especial Voluntariado, p. 1, 28-10-2001).

O voluntariado desenvolveu-se não só relacionado com as empresas.

Sua promoção alcançou a mídia, sendo vinculado à implementação de muitos

projetos sociais e, inclusive, criou-se legislação sobre a questão.

Além disso, filantropia empresarial, cidadania empresarial e

responsabilidade social empresarial também dizem respeito a princípios de

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ação aplicados à própria empresa. Então:

A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes: acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, meio-ambiente) e conseguir incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos � e não apenas dos acionistas ou proprietários (FIESC-SENAI, 2002).

As empresas socialmente responsáveis incorporam nas suas atividades

questões tais como o estabelecimento de princípios ambientalistas e a

promoção da diversidade no lugar de trabalho, além de promover a realização

e o financiamento de projetos sociais exógenos às empresas e a participação

voluntária dos seus funcionários. O Instituto Ethos de Empresas e

Responsabilidade Social, fundado na década de 1990, que tem 75 associados,

representa esta tendência. Essas empresas chamam à participação para o

enfrentamento dos programas sociais e geram ações como os selos de

empresas socialmente responsáveis.

O problema não se apresenta na realização de investimentos sociais

pelas empresas, embora seja questionável eticamente sua utilização com fins

de propaganda, mas no fato de o Estado promover esse movimento,

sobredimensionando as ações e transmitindo a mensagem de que apenas com

as parcerias, a responsabilidade social e com a intervenção do terceiro setor

podem ser resolvidos os problemas sociais ou implementadas políticas sociais.

Na prática, esse movimento tende à desresponsabilização e à implementação

de práticas degradadas com menor custo, como parece ocorrer com a

Comunidade Solidária na implementação de seus Programas, em especial a

Alfabetização Solidária.

Com esta lógica privatizadora, paralelamente ao que acontecia na área

das políticas sociais, foi proposta uma reforma do Estado, pois se argumentava

que este precisava aumentar sua governança, ou seja, sua capacidade de

implementar, de forma eficiente, políticas públicas (Presidência da República,

1995).

Com esse objetivo, criou-se o Ministério da Administração Federal e

Reforma do Estado, cujo ministro, Luiz Carlos Bresser Pereira, propunha a

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superação do modelo de administração pública burocrática e a sua substituição

pela administração gerencial37. Para sua concreção, elaborou o Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado, destinado à reforma e ao �...

aperfeiçoamento da ação governamental por meio da racionalização e redução

de custos do aparelho estatal e da melhoria da qualidade dos serviços

prestados à população� (Diário Oficial da União, 08-10-97, p. 22592, seção 1).

Segundo o Plano, distinguem-se no Estado quatro setores (Bresser

Pereira, 1998).

O primeiro setor compreende o núcleo estratégico, no qual são definidas

as leis e as políticas públicas, composto pelo Presidente da República, pelos

Ministros de Estado, pela cúpula dos ministérios e pelos tribunais federais

(Supremo Tribunal Federal e Ministério Público). Nos Estados e Municípios

também existem núcleos semelhantes.

O segundo setor é aquele das atividades exclusivas do Estado: o poder

de legislar e tributar. Nele estão inclusas a polícia, as forças armadas, os

órgãos de fiscalização e de regulamentação e os órgãos responsáveis pelas

transferências de recursos (por exemplo, SUS e sistema de auxílio-

desemprego).

No terceiro setor encontram-se os serviços não exclusivos ou

competitivos do Estado, aqueles que não envolvem o poder desse, mas são

realizados ou subsidiados por ele, dado que são considerados de importância

para os direitos ou por se vincular a economias externas. Não podem ser

recompensados através da cobrança.

No quarto setor acha-se a produção de bens e serviços para o mercado,

realizada pelo Estado mediante empresas de economia mista, em setores

estratégicos ou de serviços públicos.

37O modelo da administração pública gerencial foi aplicado na Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália e nos Estados Unidos, nos anos 80 e 90, ou seja, no esplendor do neoliberalismo nesses países. Entre suas características encontram-se a orientação das ações para o cidadão-cliente, o contrato de gestão que possibilita a autonomia da burocracia estatal e do controle de resultados em vez dos procedimentos, a separação nas políticas da formulação (centralizada) da execução (descentralizada), a transferência ao setor público não estatal de atividades não exclusivas do Estado e a terceirização de atividades auxiliares. (Bresser Pereira, apud Barreto, op. cit.: 112, nota 8)

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Uma vez organizadas as atividades do Estado, Bresser Pereira (op. cit.)

também propôs o tipo de propriedade e o de administração mais adequados

para cada setor.

Assim, no núcleo estratégico e nas atividades exclusivas a propriedade

deve ser estatal. Aprovação de leis, determinação de políticas públicas e

sentenças são tarefas a serem realizadas pelo Estado via Legislativo,

Executivo e Judiciário. Mas, as entidades executoras são as agências

autônomas, cujo dirigente é nomeado pelo Ministro da área. As tarefas a serem

realizadas pelas entidades são pautadas mediante um contrato de gestão com

um dirigente. Esse contrato define os objetivos de cada entidade, os

indicadores de desempenho e garante os recursos humanos, financeiros e

materiais. Uma vez estabelecido o contrato de gestão, o dirigente tem

autonomia para gerir o orçamento e seus funcionários, contratar e pagar, assim

como realizar compras, seguindo os princípios gerais de licitação.

Na produção de bens e serviços para o mercado encontram-se as

atividades que foram privatizadas, porque supunha-se que as empresas seriam

mais eficientemente administradas pelo setor privado, inclusive com redução

de custos e de preços. Assim, muitas atividades que o Estado não mais

executaria e podiam ser controladas (ou eram do interesse de) pelo mercado

seriam transferidas para o setor privado. Mas, o Plano Diretor propõe um outro

processo: �... a descentralização para o setor público não estatal da execução

de serviços que não envolvem o exercício do poder do Estado, mas devem ser

subsidiados pelo Estado� (Presidência, op. cit.:18).

O caso das atividades não-exclusivas do Estado, na proposta reformista,

apresenta uma argumentação discursiva diferente, se comparada com outras

reformas, como a da Argentina, por exemplo. A brasileira propõe que a forma

de propriedade seja pública não-estatal, distinguindo um terceiro tipo além da

privada (que é destinada à obtenção de lucro ou consumo privado) e da pública

estatal. Essa terceira forma de propriedade inclui �... as instituições de direito

privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado,

[porque] não são privadas, e sim públicas não estatais� (Bresser Pereira, 1998:

262). É o caso das instituições que não podem gerar todas as receitas pela

venda de seus produtos e serviços, mas não devem ter propriedade estatal,

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porque não está envolvido o poder do Estado. Essa propriedade �... deve ser

pública para justificar os subsídios recebidos do Estado� (Bresser Pereira, op.

cit. 1998: 263) e para receber o controle, tanto desse como do mercado.

Segundo a proposta, o controle do Estado deve ser complementado com o

controle social direto, mediante os conselhos de administração da sociedade.

Desta forma estabelece-se �... um sistema de parceria ou de co-gestão entre o

Estado e a sociedade civil� (Bresser Pereira, id. ib.).

A proposta prevê, ainda, a conversão dos serviços não exclusivos do

Estado, como escolas técnicas, centros de pesquisa, hospitais e museus, num

tipo especial de entidade não estatal: as organizações sociais. Elas devem

celebrar um contrato de gestão com o Poder Executivo e obter a aprovação do

Congresso para receber os fundos e administrá-los.

Tem-se, com isto, que a reforma administrativa do Estado apóia-se na

publicização das atividades que não lhe são exclusivas, na terceirização de

atividades secundárias e na privatização da produção de bens e serviços para

o mercado.

Especificamente, quanto à publicização, essa reforma promove-a nas

atividades não exclusivas do Estado, transferindo para o campo público não-

estatal os serviços sociais, culturais, de proteção ambiental, de pesquisa

científica e tecnológica, com o pressuposto de que ganhariam em qualidade e

eficiência. As subvenções sociais e as dotações orçamentárias são transferidas

do poder público, porque as organizações sociais são reconhecidas como de

interesse e utilidade pública e, por isso, habilitadas a receber recursos

financeiros e a gerenciar recursos materiais e humanos cedidos pelo Estado.

Para esses fins, foi criado o Programa Nacional de Publicização e as

organizações sociais foram consideradas pessoas jurídicas de direito privado,

como associações civis sem fins lucrativos (Medida provisória nº 1591/1997).

Mas, para receber os recursos do orçamento, devem ter autorização

legislativa e estabelecer o contrato de gestão com o Poder Executivo, o único

vínculo entre elas e o Estado, comprometendo-se com o desempenho dos

serviços atinentes à sua missão social.

Depois de transformada em organização social, a instituição sai do

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âmbito estatal e passa a se reger pelo direito privado, dispondo de autonomia

financeira e administrativa (Barreto, 1998: 121). Recebe o patrimônio e o

pessoal da entidade e mantém os recursos cedidos pelo governo. Dessa forma,

pode obter recursos tanto da produção e venda de serviços ou bens, como de

doações e contribuições voluntárias, aplicações de seus ativos, royalties e

direitos autorais38.

Assim, o processo de implementação das organizações da sociedade

civil de interesse público iniciou-se com o Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado e com a intervenção do MARE (Ministério da

Administração da Reforma do Estado).

Em síntese, a proposta brasileira de Reforma do Estado se apresentou

como uma necessidade de adaptá-lo ao desenvolvimento tecnológico e à

globalização da economia mundial, mas pretendendo se situar longe da

ideologia neoliberal do Estado mínimo, hegemônica nos países vizinhos.

Propôs a superação da administração pública burocrática e a sua substituição

pela administração gerencial, construindo, a partir do conceito de público não

estatal e de publicização, uma privatização à brasileira.

Essa reforma foi destinada ao Aparelho do Estado, isto é, à

administração pública federal, estabelecendo-se

... uma comunhão artificial entre reforma administrativa do Estado e reforma do Estado, que passam a ser tidas como sinônimos, deslocando-se uma vez mais a questão social para o espaço do questionamento sobre a capacidade técnico-burocrático-administrativa do aparelho estatal... (Cohn, op. cit.: 192)

Simultaneamente à implantação desse modelo de publicização no

âmbito das políticas sociais, desenvolveu-se um movimento de saída do

Estado de alguns aspectos de suas políticas sociais pela via da Comunidade

Solidária, conforme veremos a seguir.

38Para uma descrição detalhada da conversão das instituições em organizações da sociedade civil de interesse público, requisitos e normas, ver Barreto, op. cit.: 121-5.

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O combate à pobreza e a Comunidade Solidária

A Comunidade Solidária surge como uma estratégia de combate à

pobreza nos documentos oficiais. Assim, alguns dados mostram a magnitude

da questão.

O Brasil ocupa o número 12 na medição da pobreza humana, com um

índice de 11,8% (IPH-1) entre 95 países pobres, na medição das Nações

Unidas39. É a 10ª economia mundial40 e ocupa o lugar nº 72 no Relatório de

Desenvolvimento Humano das Nações Unidas no ano 2004, entre 177 países.

Alguns indicadores desagregados permitem uma maior compreensão

desse 72º lugar.

39Apesar de a Comunidade Solidária ter se iniciado em 1995, optei por apresentar dados mais atualizados, pois os problemas continuam a existir e não se pretende aqui realizar comparações, mas contextualizar o problema. 40 World Bank, 1998.

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Se considerarmos a pobreza como a existência de famílias com uma renda

familiar per capita inferior à linha da pobreza42, em 2001, 37,5% da população

brasileira compunha-se de famílias nessa situação e 14% da população brasileira

vivia em famílias com renda inferior à linha de indigência, ou seja, que nem

cobriam apenas os gastos com alimentação. Em números absolutos, mais de 64

milhões eram pobres e mais de 22 milhões, indigentes43.

Mas, a pobreza brasileira não é um fenômeno que aumentou na década de

1990, como em outros países da região, produto da crise e das políticas de ajuste.

A percentagem da população pobre no Brasil oscila entre 40 e 45% desde a

década de 1980 e atingiu seu maior valor entre 1983 e 1984, na recessão. Houve

uma diminuição em meados da década de 1990, caindo abaixo dos 30% e 35%

respectivamente (Barros, Henriques e Mendonça, 2000:14), mantendo-se nesses

níveis aproximados até 2001, últimos dados disponíveis. Segundo dados da Cepal

para a década de 1990, abaixo da linha da pobreza estavam:

Tabela 2: Domicílios e população abaixo da linha da pobreza, anos 1990, 1993, 1996,1999 e 2001

Ano Domicílios População

1990 41% 48%

1993 37% 45%

1996 29% 36%

1999 30% 37.5%

2001 30% 37.5%

Fonte: Cepal (2004)

42A linha de pobreza é uma medida adotada internacionalmente e está baseada na renda familiar. Permite comparar as rendas das famílias, calculando uma cesta básica alimentar para um mês e estabelecendo o valor de compra dela no mercado. Esse valor multiplica-se pela quantidade de pessoas que compõem a família; assim, obtém-se a linha de indigência, que é o valor per capita que permite cobrir apenas os gastos com alimentação. Depois, multiplica-se pelo coeficiente de Engel (2.3), obtendo-se a linha da pobreza. (Lo Vuolo et al., 1999) 43 Cálculo realizado considerando o dado de população de 2001: 171.963.613 (IBGE, 2003).

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E abaixo da linha de indigência estavam:

Tabela 3: Domicílios e população abaixo da linha da indigência, anos 1990, 1993, 1996, 1999 e 2001.

Ano Domicílios População

1990 18% 23%

1993 15% 20%

1996 11% 14%

1999 10% 13%

2001 10% 13%

Fonte: Cepal. (2004)

Embora tenha diminuído na década, as cifras continuam muito altas, se

comparadas internacionalmente. Além do mais, a pobreza brasileira tem

características lamentavelmente muito originais, pois, mesmo sendo a 10ª

economia do mundo, existe uma enorme desigualdade na distribuição de renda.

O Brasil não é um país pobre, mas um país injusto e desigual, com muitos pobres (...) Apesar da evidente importância da redistribuição de renda para o combate à pobreza no Brasil, os únicos mecanismos utilizados para reduzir a pobreza, resultam essencialmente do crescimento econômico. Não podemos deixar de inferir que a ineficácia no combate à pobreza, ao longo das últimas décadas, parece estar associada, em grande medida à dominância da estratégia do crescimento (Barros, Henriques e Mendonça, 2000: 11 e 28).

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Tabela 4: Distribuição da renda dos 20 % mais ricos e dos 50% mais pobres da população (em %), anos 1960, 1970, 1980, 1990 e 2001

Ano 20% mais ricos 50% mais pobres

1960 54 18

1970 62 15

1980 63 14

1990 65 12

2001 62 14

Fontes: Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil (1996);

IBGE, PNAD, (2001) e Cepal (2003).

Dentre os 20% mais ricos, em 1990, 10% apropriavam-se de 48% do total

da renda das pessoas com emprego. Isto aumentou a concentração da riqueza,

pois a metade mais pobre da população reduziu em 12% sua participação na

distribuição de renda, no início da década de 1990, para voltar à situação de 1980

apenas em 2001. Já os 5% mais ricos subiram sua participação de 31,9%, em

1980, para 34,4%, em 1990 (Tavares, 1999:25).

Para 2001, os 20% mais ricos reduziram um pouco a renda, mas a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que se constitui de uma

coleta de dados anuais do IBGE segundo amostras representativas, mostra que

1% dos brasileiros mais ricos concentra 13,6% da renda do país.

Essas desigualdades na renda também apresentam desigualdades

regionais e estaduais. Assim, um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que,

em 2001, 29,26% da população viviam com uma renda mensal inferior a R$80,00

per capita, havendo uma grande disparidade regional e estadual. Os Estados do

Nordeste encabeçavam o ranking: Maranhão (63,72% da população do Estado),

Piauí (61,75%), Ceará (55,73%), Alagoas (55,43%), Bahia (54,80%), Tocantins

(51,17%), Pernambuco (50,95%), Paraíba (50,22%) e Sergipe (50,14), para

mencionar só os que tinham mais de 50% da sua população nessa condição. Os

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Estados que apresentavam dados mais positivos eram São Paulo (10,41%), Santa

Catarina (14,40%), Rio de Janeiro (14,68%), Distrito Federal (16,21%) e Rio

Grande do Sul (16,76%) (Folha de S. Paulo, 10-07-2001).

Os dados do Censo 2000 mostram que o Estado do Ceará era o de maior

concentração de renda44 do país, seguido por Alagoas e Pernambuco, logo atrás,

Piauí, Bahia, Tocantins. Depois Amazonas, Maranhão e Distrito Federal. Os

Estados com melhor distribuição de renda eram os do Sudeste e Sul: Santa

Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul possuíam os melhores índices45.

Além disso, a desigualdade no Brasil não é só de distribuição de renda. Os

dados mostram outras desigualdades:

Tabela 5. Média de anos de escolaridade da população de 25 anos a mais, segundo cor.

Cor Anos de estudo

Negra 4,70

Branca 6,90

Fonte. IBGE-PNAD. 2001.

Tabela 6. População de 25 anos e mais, que não concluiu o ensino fundamental, segundo cor

Cor População de 25 anos e mais sem concluir o E.Fundamental (%)

Negra 72,2

Branca 54,5

Fonte. IBGE-PNAD. 2001.

44 Índice de Gini: Ceará: 0,628; Alagoas e Pernambuco: 0,618; Tocantins, Bahia e Piauí: 0,612; Amazonas: 0,611; Sergipe, Rio Grande do Norte, Maranhão e D.F: 0,608.

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Tabela 7: Taxa de desocupação de pessoas de 15 até 65 anos, segundo cor, região e gênero.

Brasil e Regiões

Total Homens Mulheres Cor Branca

Preta e Parda

Brasil 9,9 8,1 12,3 9,0 10,9

Norte 11,7 9,2 15,1 10,4 12,0

Nordeste 8,5 7,2 10,4 8,1 8,7

Sudeste 11,2 9,2 14,1 10,1 13,5

Sul 8,1 6,7 10,0 7,5 11,1

Centro-

oeste

9,4 7,0 12,8 8,4 10,3

Fonte:IBGE-PNAD(2001).

A Comunidade Solidária

A Comunidade Solidária (C.S.) nasceu como uma estratégia do Governo

Federal para a gestão das políticas sociais e, desde o começo, apresentou-se

como algo diferente, inovador: �... não se trata mais de um sinônimo de política

governamental. Política pública é aquela que se realiza em espaço público, com o

concurso de atores governamentais e não governamentais, estatais e não

estatais� (Franco, 2000: 81).

Já desde essa afirmação de Augusto Franco (depois Diretor Administrativo

do Programa Alfabetização Solidária), é percebida a lógica da C.S., similar à da

publicização proposta pelo MARE. Dessa forma, a política social já não é

considerada privativa do Estado nem do Governo.

O Programa definiu-se como �... uma estratégia de combate à fome e à

45 Índice de Gini: Santa Catarina: 0,572; São Paulo: 0569; Rio Grande do Sul: 0,571.

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pobreza� (Pellano, Resende e Beghin, 1995: 19) e com o intuito de implementar

um novo estilo na gerência de ações públicas baseada na parceria, articulação e

coordenação das ações e na descentralização. Segundo seus criadores, a C.S.

surgiu como uma continuidade do Plano de Combate à Fome, à Miséria e pela

Vida46, baseado na experiência que o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança

Alimentar) vinha desenvolvendo. Foi instituído pela Medida Provisória nº 813, em

01/01/9547, no dia da posse do presidente Fernando Henrique Cardoso. Por esse

mesmo ato, extinguiram-se o Ministério da Integração Regional, o Ministério do

Bem Estar Social e a Legião Brasileira de Assistência Social (LBA) e incluiu-se a

assistência social no Ministério da Previdência e Assistência Social.

A Comunidade Solidária, no começo, não desenvolvia programas próprios.

Seus objetivos declarados eram a otimização na implementação dos Programas

Federais, a identificação de prioridades e a elaboração de novas propostas de

ação destinadas a grupos em situação de pobreza (Pellano et al., 1999).

No primeiro ano, a Comunidade Solidária priorizou vinte programas, os

quais receberam um selo de prioridade que os credenciava como alvo preferencial

para alocar recursos, articular-se com outros programas e níveis de ação

governamental e realizar parceria com a sociedade (Pellano et al., op.cit.: 24).

Os programas foram os seguintes:

46Inclusive, num primeiro momento, Betinho participou do Programa Comunidade Solidária, afastando-se logo depois.(Demo, 2001). 47 Depois formalizado pelo Decreto Federal nº 1366, de 12/1/95 e Decreto-ato nº 7/2/95 (Silva M., 2001: 72).

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Tabela 8: Programas pertencentes à Comunidade Solidária

Áreas temáticas Ações programáticas

Redução da mortalidade na infância

• Programa de Combate à Desnutrição Infantil (leite)

• Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs)

• Programa Nacional de Imunização (PNI)

• Programa de Saneamento Básico da Fundação Nacional da Saúde.

Suplementação alimentar • Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)

• Programa de Distribuição de Alimentos (Prodea)

Apoio ao ensino fundamental

• Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE)

• Programa de Cesta de Saúde do Escolar (PCSE)

• Programa de Cesta de Material Escolar (PCME)

• Programa de Educação Infantil

• Programa TV Escola

Apoio à agricultura familiar

• Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

• Programa de Desenvolvimento de Energia nos Estados e Municípios (Prodeem).

Geração de emprego e renda e qualificação profissional

• Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger)

• Programa Nacional de Educação Profissional (Planfor)

Desenvolvimento urbano • Programa Habitar-Brasil

• Programa de Ação social em Saneamento (Pass)

Fonte: Silva, H. (op.cit.: 109).

A Comunidade Solidária, segundo Heliana Silva, (1999: 104), foi constituída

por �... um aparato organizacional bastante singular (...) uma entidade sistêmica,

constituída de uma rede de organizações não convencionais, denominada

Comunidade Solidaria.�

A C.S. baseava sua organização em dois órgãos: o Conselho e a Secretaria

Executiva.

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O Conselho da Comunidade Solidária foi criado seguindo os moldes do

CONSEA, que fora instituído pelo governo Itamar Franco por sugestão do atual

presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, inspirado em Herbert de Souza − Betinho − e

em D. Mauro Morelli (Suplicy e Margarido Neto, 1995: 41). Mantinha a mesma

estrutura do CONSEA: 10 ministros de Estado, 21 membros da Sociedade48 (28

em 200249), escolhidos pelo Presidente. O critério foi �... juntar pessoas abertas ao

diálogo e dispostas a promover parcerias em prol do combate à pobreza e à

exclusão social, e não constituir um fórum de representantes vinculados aos

interesses de algumas instituições� (Franco, 1998: 6), sem atender,

necessariamente, a indicações de nomes elaboradas por entidades e movimentos

sociais ou de algum tipo de representação mais formal.

Os integrantes do Conselho representantes de chamada sociedade civil

foram escolhidos em seu caráter de �... líderes de ONGs, empreendedores sociais,

universitários, intelectuais, representantes da hierarquia eclesiástica, do setor

privado e do mundo da cultura� (Oliveira, 2000: 24). Da Silva e Silva (2001: 86)

critica esse procedimento, salientando que:

No lugar da interlocução política com sindicatos e movimentos populares é instituído um Conselho de notáveis � o Conselho Nacional da Comunidade Solidária −, composto por indicação pessoal do Presidente da República, cuja escolha, na maioria dos casos, recai sobre pessoas que não participam do cotidiano dos segmentos mais pobres da população. Nesse sentido, em vez de representação das diferentes forças sociais organizadas, o Conselho da Comunidade Solidária é composto por personalidades individuais e por artistas bastante populares, com possibilidades de mobilizar a solidariedade social em relação ao problema da pobreza.

Essa forma de atuar tem implicações na constituição de sujeitos sociais,

48Os integrantes do Conselho foram, em 1995: Ruth Cardoso (presidente), André Roberto Spitz, Arzemiro Hoffmann, Augusto César Franco, Denise Dourado Dora, Efrem de Aguiar Maranhão, Gilberto Gil, Hélio de Souza Santos, Herbert José de Souza, Joaquím de Arruda Falcão Neto, Jorge Eduardo Saavedra Durão, Dom Luciano Mendes de Almeida, Maria do Carmo Brandt de Carvalho, Miguel Darcy de Oliveira, Ney Bittencourt de Araújo, Pedro Moreira Salles, Regina Duarte, Renato Aragão, Romeu Padilha de Figueiredo, Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça e Sonia Miriam Draibe. (Pelliano et al., op.cit.:25) 49www.comunidadesolidária.org.br/faq_main.htm).

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desqualificando as organizações da sociedade civil e os sujeitos coletivos e

reforçando a ação isolada de indivíduos notórios (da Silva e Silva, op.cit.).

No início, a C.S. previa para o Conselho a função, não da implantação e

proposta de novos programas sociais de ataque à fome e à miséria, mas de �...

alteração da forma de gerenciamento dos programas já existentes por meio da

participação mais intensa da sociedade civil e da maior integração operacional

entre os diversos órgãos do governo federal, dos estados e dos municípios�

(Suplicy e Margarido Neto, 1995: 39).

Suas atribuições eram propositivas e comunicativas, incentivando, na

sociedade, o desenvolvimento de organizações e ações para combater a pobreza

e a fome e estimulando a parceria e a integração entre essa e os órgãos públicos.

Além do Conselho, criou-se a Secretaria Executiva da Comunidade

Solidária, um órgão governamental vinculado à Casa Civil da Presidência, que

tinha como função a interlocução entre o Conselho e o governo nos níveis federal,

estadual e municipal. Não dispunha de recursos próprios nem executava

programas e/ou projetos. Contava com o apoio técnico do Ministério do

Planejamento e Orçamento, especialmente através do IPEA (Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada).

Para Silva H. (1999: 105), este fato �... ao mesmo tempo que ganha

agilidade, se torna vulnerável na medida em que sua ação depende de insumos

pertencentes a unidades gerenciais autônomas como os ministérios, as

secretarias estaduais e municipais�.

A partir de 1996, segundo o Conselheiro Augusto Franco, a Comunidade

Solidária foi redefinindo sua identidade e perfil. A primeira Comunidade Solidária

era:

... na verdade uma estratégia executiva de articulação de ações de governo visando a convergência de programas sociais federais em áreas de pobreza focalizadas, com um chamado �Conselho Consultivo do Programa� o qual, em virtude da sua composição, deveria fornecer o apoio político necessário para que aquela estratégia governamental pudesse ser implementada. (Franco, op. cit.: 9).

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A C.S. era identificada com os programas de Cesta Básica, o que lhe trouxe

muitas críticas, principalmente por seu caráter assistencialista. Então, foi

modificada e estruturada pelos princípios da parceria entre governo e sociedade e

pelo fortalecimento da sociedade civil. No novo perfil, segundo Oliveira (op. cit.:

25-27), que era um integrante desse conselho, a C.S. pretendia três fins: promover

o diálogo público, desenvolver programas inovadores e fortalecer a sociedade

civil.

Na promoção do diálogo público, as ações consistiriam na interlocução

política entre o governo e a sociedade civil para a discussão das problemáticas

sociais do Brasil, a fim de encontrar resoluções para essas.

No desenvolvimento de programas inovadores, a proposta era a realização

de ações destinadas ao segmento jovem da população − entre 15 e 24 anos − dos

segmentos populares, baseados nos princípios de focalização, participação e

experimentação.

No fortalecimento da sociedade civil, as ações visariam à promoção do

terceiro setor, à mudança na sua regulamentação e à promoção do voluntariado, a

partir das propostas do BID nos anos 90 e com financiamento desse Banco.

Desenvolveram os programas seguintes50:

Programa Universidade Solidária

Começou em 1996. Consistia na viagem de estudantes universitários a

municípios do Nordeste, com a finalidade de realizar atividades de divulgação

sobre saúde e educação e cultura junto às prefeituras. Também tentava multiplicar

as experiências com professores e agentes locais, reforçando as capacidades do

50A Comunidade Solidária funcionou entre 1995 e 2002. Em 2000 foi fundada uma organização civil sem fins lucrativos � Comunitas �, cuja presidente, Dra. Ruth Cardoso, afirmava: �Comunitas foi criada para dar continuidade e fortalecer o trabalho iniciado pela Comunidade Solidária� (www.comunitas.org.br, acesso em 18-05-2004). Segundo informado no site, os Programas Universidade Solidária, Capacitação Solidária e Alfabetização Solidária são gerenciados por �... organizações independentes da sociedade civil�. O Programa Voluntários e a Rede de Informações do Terceiro Setor ainda continuam em funcionamento.

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lugar. Participavam estudantes, professores e o movimento social dos municípios.

Recebia financiamento de empresas públicas e privadas.

Programa Alfabetização Solidária

Começou em 1997. Foi concebido para alfabetizar jovens de 15 a 19 anos,

residentes em municípios e regiões do Norte e Nordeste e em centros urbanos,

nos quais se apresentassem altas taxas de analfabetismo. Recebia fundos de

empresas e do governo, com os quais realizava suas ações. Na implementação,

participavam, também, universidades e prefeituras municipais. Os alfabetizadores

eram escolhidos entre jovens das próprias localidades e capacitados por

professores das Instituições de Ensino Superior (parceiras do Programa). As

prefeituras participavam com a cessão da infra-estrutura (salas de aula, condução,

material escolar, merenda etc).

Programa Capacitação Solidária

Começou em 1996. Estava dirigido a jovens de 14 a 18 anos que moram

nas regiões metropolitanas. Consistia na capacitação de jovens no

desenvolvimento de habilidades e na aquisição de capacidades profissionais

específicas. Era financiado por empresas privadas e executado por ONGs, cujos

melhores projetos eram selecionados por competição. Os alunos recebiam uma

bolsa mensal de R$ 50,00.

A Comunidade Solidária realizava, também, outras ações como:

Articulação política:

Trata-se de atividades que começaram em junho de 1996, com a finalidade

de estabelecer diálogo político entre o governo e a sociedade: �...são conversas

entre o governo e representantes da sociedade civil, como sindicatos,

associações, fundações, e o chamado Terceiro Setor...� (Cardoso, R.

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www.comunidadesolidária.org). Tinha como missão discutir problemas prioritários

na ação social do Estado e criar consensos para estabelecer uma agenda social

em temáticas pertinentes à C.S.

Foram realizadas 11 rodadas entre 1995 e 2000 (Ferraresi, 2000: 83) com

os temas: Reforma Agrária, Renda Mínima e Educação Fundamental, Segurança

Alimentar e Nutricional, Criança e Adolescente, Alternativas de Ocupação e

Renda, Marco Legal do Terceiro Setor, Síntese Preliminar da Agenda Social,

Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, Por uma Estratégia em Prol do

Segmento Jovem, A Cúpula Mundial de Copenhague e A Exclusão Social no

Brasil, Estratégias Inovadoras de Inclusão no Campo da Educação: a Parceria

entre Estado e Sociedade para a Redução do Insucesso Escolar.

Programa �Voluntários�

Baseava suas ações na promoção do voluntariado, tendo colaborado na

promulgação da lei que regulamenta as atividades.

Rede de Informações para o 3º setor

Era uma rede informatizada para intercomunicar todo o terceiro setor, com

um serviço de informações a respeito de legislação, financiamentos, bolsas

disponíveis etc., para serem utilizados pelas organizações.

Algumas considerações sobre a Comunidade Solidária

A C.S. responde aos três eixos das políticas sociais latino-americanas no

combate à pobreza: a focalização, a descentralização e a privatização.

A respeito da focalização, realizava ações nas quais não estava incluída a

totalidade dos segmentos populacionais pobres, atuando fragmentariamente e

realizando ações para populações em extrema pobreza, mas de modo

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descontínuo: "Em decorrência de alcance limitado, [a Comunidade Solidária] serve

muito mais para fragmentar do que para focalizar a pobreza, na medida em que

alguns extremamente pobres são, temporária e descontinuamente atendidos"

(Silva, M., 2001: 14).

Poderia se falar em uma focalização aleatória como critério em alguns

programas, como no caso da Universidade Solidária e da Capacitação Solidária,

nas quais escolhiam-se os projetos a serem financiados mediante competição e

chegando só a alguns beneficiários. Assim, a C.S. também era fragmentária,

seguindo as características das políticas sociais brasileiras. Ante um universo tão

grande de exclusão, faz-se alguma coisa em algum lugar e durante algum tempo.

Enquanto política destinada aos pobres, a C.S. enquadrava-se nas de luta,

combate, auxílio à pobreza, ligadas às propostas dos organismos internacionais,

como o Banco Mundial (que, aliás, chama suas propostas de política de combate

à pobreza). Nessa linha, as políticas focalizadas não se dirigem à superação do

problema, mas à sua diminuição ou atenuação. Não há reversão da pobreza, mas

ajuda. Segue-se sem discutir, neste tipo de ações, o problema da desigualdade e

de concentração de renda (Cohn, op.cit.), assuntos centrais na questão social

brasileira, que nem são mencionados nos documentos da Comunidade Solidária.

A focalização une-se à filantropia e à beneficência na C.S., mediante, por

exemplo, a viagem dos estudantes das Universidades aos municípios pobres do

interior. Iniciativa interessante como programa de extensão de Universidades, mas

insuficiente como política social governamental, que, aliás, faz-nos lembrar, em

que pesem as diferenças, projeto semelhante � o Rondon � que, foi desenvolvido

pelos governos militares.

Deixa, ainda, de fora grande parte da população alvo, porque fica

subordinada à municipalização. Ao selecionar os municípios com menores índices

de desenvolvimento humano, desconsidera populações e grupos desprovidos

economicamente que moram em municípios e regiões, cujos indicadores gerais

não se encontram entre esses índices.

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No referente à descentralização, na Comunidade Solidária a implementação

dos Programas adquiriu a forma de municipalização, concordante com as políticas

do governo FHC (Comunidade Ativa, Projeto Alvorada51 etc.), que visavam à

municipalização. O município foi o eixo tanto do Programa Universidade Solidária

como do Alfabetização Solidária; isso permitia a implementação das políticas e

uma maior visibilidade e legitimação do Governo Federal no âmbito local.

Assim, com a municipalização, as políticas de luta contra a pobreza voltam

ao seu caráter originário, às redes locais de proteção. A administração local do

problema da pobreza resulta em uma estratégia mais eficiente de controle social.

Quanto à privatização, a Comunidade Solidária apresentou aspectos muito

interessantes, apelando à publicização, tal como foi definida neste Capítulo, e à

parceria, imprescindível para a eficácia de seu desenvolvimento, constituindo o

eixo estruturante de todos os programas. A parceria era estabelecida com

empresas e instituições públicas, com universidades e com organizações da

sociedade civil, e com todas elas a C.S. mantinha vínculos diferentes.

No caso das empresas, elas aportavam tanto dinheiro (como no Programa

Alfabetização Solidária e no Programa Capacitação Solidária) quanto serviços

(como no Programa Alfabetização Solidária). Das universidades, utilizava recursos

humanos com experiência e conhecimentos na área do Programa. Em outras

associações e ONGs, a colaboração se referia a infra-estrutura, materiais

didáticos, recursos humanos, espaços físicos para realizar atividades etc.

A C.S também chamava de parceria sua relação com governos estaduais e

municipais, mas, de fato, segundo entrevistas, os municípios não poderiam se

recusar a participar, por exemplo, do Programa Alfabetização Solidária. Ou seja,

de fato atuava como governo, e não numa relação igualitária de parceiro.

51O Programa Comunidade Ativa foi instituído em 1999, por decisão do então presidente FHC. Seguia as propostas do Conselho da Comunidade Solidária. Propunha o desenvolvimento das localidades pobres do país. Incluía um diagnóstico local participativo, era coordenado por uma Equipe Gestora Local e tinha um Fórum que pretendia garantir as ações, independentemente das mudanças dos prefeitos e outras autoridades locais. O Projeto Alvorada foi iniciado em 2000 e priorizava os municípios com bolsões de pobreza e com IDH menor que 0,500. Articulava 15 programas federais já existentes, entre os quais renda mínima,

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Merece destaque a parceria realizada com as empresas, pela vinculação

com a clássica filantropia: as empresas ajudavam bancando grande parte dos

custos dos programas. A reatualização desta forma de ajuda remete ao

movimento filantrópico liberal, que considera a assistência como dever moral. No

contexto de políticas neoliberais, essa reviravolta atua na contramão do

estabelecido pela Constituição de 1988, por exemplo, colocando boa parte do

financiamento da educação dos adultos (50%) como uma questão de dever moral,

de beneficência, e não de direito. Também mostra a fragilidade dessa política,

porquanto fica condicionada à boa vontade das empresas e de indivíduos.

A filantropia empresarial, topos argumentativo que baseia a atuação de

empresas em causas sociais, não é uma novidade que a Comunidade Solidária

introduziu no Brasil; já vem se desenvolvendo desde finais da década de 1980.

Mas, pela presença em vários dos programas da C.S., ela ganhou legitimidade, ao

vincular-se a uma estratégia do Governo Federal. Nesse sentido, a C.S. acabava

sendo uma coordenação da filantropia com dupla tarefa: a primeira, coletar fundos

privados e públicos, e a segunda, redirecionar esses fundos aos setores públicos

e privados, como Universidades e ONGs.

Uma segunda área de atuação da Comunidade Solidária, vinculada ao eixo

da privatização-publicização, é a do Marco Legal do Terceiro Setor. Oficialmente,

nos documentos, essas ações eram justificadas como fortalecimento da sociedade

civil52 e financiadas pelo BID. Na prática, era a aplicação do ideário do BID53 e da

Reforma Administrativa do Estado brasileiro na área das políticas sociais.

Para poder terceirizar (uma forma de privatizar) a execução das políticas,

seria preciso mudar a legislação. Assim, criaram-se as Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público, visando incluir, dentro do público, às

organizações que se dedicam ao desenvolvimento humano e social sustentável, à

alfabetização de adultos e saneamento básico. (Silva e Silva, 2001: 16-19). 52"Estimular o crescimento do terceiro setor significa fortalecer a Sociedade Civil". Ferrarezi, Elisabethe (2000). 53O documento do BID Modernización del Estado y fortalecimiento de la sociedad civil (s/d) assinala entre as ações "... fortalecimento de las organizaciones de la sociedad civil (OSC): la promoción de un marco jurídico que propicie la asociación y participación de los ciudadanos, la identificación de nuevas formas de prestación de los servicios sociales a través de los gobiernos

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promoção da assistência social, à cultura, à educação gratuita, à conservação do

patrimônio, à saúde gratuita, à segurança alimentar e nutricional, à defesa do meio

ambiente, à promoção do voluntariado, ao combate à pobreza, à promoção de

direitos, aos estudos e pesquisas (Lei 9790/99, art.3).

A criação da normativa para as OSCIPs concretizou-se na sanção da Lei

9790/99, depois de alguns anteprojetos prévios de 1998 e 199954, e foi

considerada um avanço, porque visa ao reconhecimento de instituições com

objetivos sociais e sem fins lucrativos e, especialmente, porque propõe um

controle público ao repassar fundos, condicionados ao cumprimento de metas

Lembremos que a legislação anterior, ainda vigente, pode outorgar às

Instituições o Certificado de Fins Filantrópicos e o Certificado de Utilidade Pública

Federal isentando-as de impostos. (Muitas instituições foram investigadas sob

suspeita de corrupção, como denunciou o jornalista Josias de Souza, na Folha de

S.Paulo, 18-11-2001, p.A12 e 25-11-2001, p.A7).

A nova lei estabelecia, também, o Termo de Parceria, que é o instrumento

mediante o qual o Poder Público regula a cooperação entre ele e as OSCIPs. Mas,

na prática, repassa-lhes o dinheiro para a implementação das políticas públicas55.

Com esta lei, a Comunidade Solidária não só abriu caminho para seus

Programas, mas também para uma importante mudança na concepção e

realização das políticas sociais brasileiras: a institucionalização das parcerias

entre o Estado e a sociedade, que lhe permitiu terceirizar a execução das políticas

sociais.

Destaca-se, no artigo 2º da Lei56, a exclusão de entidades como

movimentos sociais e cooperativas da qualificação de Organizações da Sociedade

locales y las organizaciones intermedias y de base; la promoción de la filantropia y el voluntariado". 54Para um aprofundamento sobre o processo de criação da lei, ver as publicações do Conselho da Comunidade Solidária financiadas pelo BID: Falcão e Cuenca (1999) e da assessora do Conselho da Comunidade Solidária, Elisabete Ferrarezi (op. cit.). 55A perspectiva aqui analisada tenta mostrar essa lei como um elemento que facilita a privatização (ou terceirização) de políticas públicas do Estado. Não implica numa desqualificação das entidades do terceiro setor, mas analisa a mudança na concepção das relações entre o público e o privado e suas conseqüências exclusivamente no meu objeto de estudo. 56 �Art. 2° - Não são passíveis de qualificação como OSCIPs, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3° desta Lei: [...] IX � as organizações sociais, X � as

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Civil e, portanto, da execução de tarefas de serviço público, evidenciando a

concepção de sociedade civil que, para a C.S., parece se limitar às ONGs57.

Então, a sociedade civil é reduzida às ONGs, sejam elas de base ou

técnicas (Jacinto, 1999). As técnicas são as que constituem o terceiro setor e as

de base, aquelas relacionadas com a comunidade. Assim, a C.S. não fazia

referência a outros movimentos sociais, nem pretendia incentivar esse tipo de

mobilização e organização. A participação da sociedade civil baseava-se no

repasse de fundos para que tais entidades executassem seus programas. Nem

sequer levava em conta a possibilidade inversa de caber-lhe decidir ou propor

ações a serem financiadas.

Enfim, a elaboração de uma legislação para regulamentar esse setor foi

uma das prioridades da Comunidade Solidária, sendo que, por essa via, o Estado

brasileiro criou também, condições necessárias para viabilizar o processo de

terceirização de políticas sociais, contando com financiamento do BID para essas

ações.

Além dos três eixos mencionados − focalização, descentralização e

privatização −, a Comunidade Solidária orientava, também, suas ações para a

solidariedade, como o próprio nome do Programa já sugere, conceito de longa

história nas políticas sociais e que foi a base da organização dos Estados de Bem-

Estar na Europa. O posterior declínio do conceito e sua volta à cena social no final

cooperativas...� 57A Comunidade Solidária utiliza-se de uma concepção de sociedade civil desenvolvida no início dos anos 90, de cunho habermasiano, segundo a qual ela seria a continuação reflexiva do Estado de Bem-estar social. Essa teoria foi desenvolvida especialmente por Cohen e Arato (2000) e �domestica� a sociedade civil, criando um espaço entre Estado e Mercado. Neste trabalho, considero sociedade civil num sentido gramsciano, como parte do Estado, diferente da sociedade política, e em luta com essa pela hegemonia. A sociedade civil para Gramsci é revolucionária, mas atua pelo consenso, pela direção e na superestrutura (Montaño 2002). A hegemonia �... é conquistada também, [...] no plano cultural, expressando, assim, a capacidade de uma classe específica para dirigir moral e intelectualmente o conjunto da sociedade, produzindo consensos majoritários em torno de seu projeto hegemônico� (Costa, 1996:4-5). Os autores citados (Montaño, op. cit. e Costa, op. cit.) analisam como o conceito de sociedade civil, que tinha um sentido oposto a militar, no Brasil, nos anos 80, e consolidou um movimento opositor, mudou esse sentido, nos anos 90, transformando-se no terceiro setor.

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do século XX devem-se ao neoliberalismo, como ressalta Demo (2001: 65):

... sobretudo em sua tática de desmonte do Estado e de chamamento da sociedade a atividades voluntárias como sucedâneo das políticas sociais (...) o discurso da solidariedade é fundamental para o neoliberalismo porque acalma os conflitos sociais, permitindo recuperar a supremacia do mercado mansamente, em clima de pretensa cooperação globalizada.

Assim, no Brasil, a solidariedade, longe do vínculo social descrito por

Durkheim (op. cit.), volta com a crise do Estado de Bem-Estar como um paliativo

para a exclusão e a pobreza. Deve, portanto, ser considerada em conjunto com a

parceria e a filantropia empresarial, que colocam os pobres como sujeitos de

caridade.

O Conselho da Comunidade Solidária é um modelo complementar à política social do governo, que está distribuída efetivamente entre seus vários ministérios. O Conselho também não visa substituir, a atuação governamental. A intenção é sim, beneficiar públicos específicos que deveriam ter sido atendidos por políticas públicas governamentais há dez, quinze anos atrás... (Cardoso, R., www. comunidadesolidaria.org.br; acesso em 2001).

[O Conselho] não é o braço do Estado para atuar na área social. É um centro de geração de estratégias inovadoras de combate à miséria, à pobreza e à exclusão social (Franco, 2000: 78).

Mas, é evidente que a Comunidade Solidária era uma estratégia do

governo. Entretanto, desvincular-se do governo fez com que ela deixasse de auto-

denominar-se Programa, o que confirmaria seu caráter governamental. A

referência como Programa aparece apenas nos primeiros documentos de 1995.

Logo após, só vai ser chamada de Comunidade Solidária. Assim, embora incluísse

órgãos públicos e o Conselho da Comunidade Solidária no desenvolvimento dos

seus projetos, passou a ser a única emissora da mensagem nos documentos

posteriores a essa data.

A Comunidade Solidária e a educação

A educação ocupava um lugar muito importante nos programas do

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Comunidade Solidária. Dois deles − Capacitação Solidária e Alfabetização

Solidária − estão baseados nela.

No caso do Programa Alfabetização Solidária, evidencia-se a interface entre

questão social e educação, porque o argumento desenvolvido e generalizado na

bibliografia sobre políticas sociais brasileiras é o de que a educação é uma forma

não assistencialista de fazer política social − um direito − contrapondo-se a outras

políticas, por exemplo, a Cesta Básica.

A primeira objeção a esse argumento é que, enquanto não se priorizarem

políticas de educação de adultos, qualquer programa, por melhor que seja, não

pode ser considerado como garantia do direito constitucional à educação.

O Programa Capacitação Solidária também se baseia na educação, mas

não concebida especificamente como um direito do cidadão, mas como um

requisito da sociedade do conhecimento. Não é o caso de negar a importância da

educação na promoção social e no acesso ao mercado de trabalho58. O que está

em discussão é o fato de que a mudança do modelo de produção fordista para o

de acumulação flexível (Harvey, 1989) gerou a diminuição da necessidade de mão

de obra e, em conseqüência, a exclusão.

Entretanto, a falácia argumentativa hegemonizada pelos organismos

internacionais de desenvolvimento (CEPAL-UNESCO, 1992 e Banco Mundial,

1986 e 1996) pretende ignorar o fenômeno do desemprego e da exclusão,

transferindo a responsabilidade ao indivíduo e apresentando-o às massas de

excluídos como um problema pessoal, decorrente da falta de conhecimentos

necessários para obter a inserção no mercado de trabalho.

Por essas razões, têm proliferado na América Latina os cursos de

requalificação e capacitação profissionalizantes59, cuja avaliação não trouxe

resultados positivos quanto à diminuição do desemprego, mas são um outro

58Minha origem numa comunidade, cuja matriz cultural está ligada à educação e à progressão social, não permite essa negação. Além da experiência de vida, inúmeros estudos constatam o fato e, inclusive, ressaltam a sua importância no final do século XX. Por exemplo, Gallart (1993) e Filmus (1997) afirmam que, na atualidade, a educação já não é um instrumento de ascensão social, mas um pára-quedas (ou salva-vidas) dentro de uma decadência geral das condições salariais. 59Em Jacinto, Claudia (1999) apresenta-se um estudo sobre tais programas.

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paliativo no alívio da pobreza. Esses cursos, geralmente, outorgam bolsas às

pessoas capacitadas, gerando uma forma de salário temporário e rotativo,

característica essa que também atinge os alfabetizadores do Programa

Alfabetização Solidária, pagos com bolsas, como veremos adiante. O Programa

Capacitação Solidária também tinha as características desses programas.

Outro fato importante na Comunidade Solidária foi a participação das

universidades nos programas, tanto no Programa Alfabetização Solidária quanto

no Programa Universidade Solidária (que não é original no Brasil pelo antecedente

do Projeto Rondon, mas apresenta se sob os argumentos de que a Universidade

deve sair para a sociedade)60 .

Essa parceria produzia uma dupla economia política: a C.S. aproveitaria o

�know how� das Universidades e essas poderiam realizar atividades de extensão

com baixo custo, como será mostrado nos próximos capítulos.

Em síntese, neste capítulo tentou-se explicar a adaptação à realidade

brasileira das características das políticas sociais, (focalização, descentralização e

privatização), no contexto do neoliberalismo.

Abordaram-se as diferentes formas de privatização desenvolvidas no país,

para a implementação de políticas sociais, especialmente as de alívio à pobreza,

pela via da Comunidade Solidária. Essa política governamental, embora auto-

distanciada do governo, foi explicada, analisada e interpretada, visando à

contextualização e compreensão do Programa Alfabetização Solidária, objeto

desta pesquisa.

60Talvez a própria pertença à Universidade de muitos membros do governo e dos criadores da Comunidade Solidária seja a origem dessa característica.

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CAPÍTULO 3

POLÍTICAS EDUCACIONAIS

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL E A EDUCAÇÃO NOS ANOS 90

O Programa Alfabetização Solidária, além de estar contextualizado nas

mudanças do papel do Estado e, portanto, das políticas sociais, deve também ser

analisado levando em conta as políticas educacionais do país, pois elas o

permeiam. Assim, a historia da alfabetização de adultos no Brasil é importante

para a compreensão do Programa, pois as políticas anteriores refletem-se nele,

para negar, inspirar ou transformar aspectos, concepções e procedimentos. Além

disso, permite compreender as razões da persistência do analfabetismo adulto no

país, no início do século XXI.

Também se destacam as políticas educativas da década de 1990,

especialmente o financiamento, a municipalização da educação básica e a

privatização do ensino superior, pois dizem respeito, diretamente, à concepção do

Programa.

Por isso, este capítulo tem duas ênfases: a) um apanhado das principais

ações de alfabetização de adultos no país e b) as mudanças nas políticas

educacionais durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),

especialmente as de educação de adultos e educação superior.

Principais ações de alfabetização dos adultos no Brasil

A primeira Constituição brasileira de 1824, ainda no Império, afirmava a

garantia de uma instrução primária e gratuita para todos os cidadãos, mas, na

prática, houve poucas ações concretas decorrentes dessa formulação. Mesmo

porque eram considerados cidadãos apenas uma pequena parte da população,

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constituída pelas elites econômicas, excluindo-se os negros escravos, indígenas e

mulheres, e esses teriam, de qualquer jeito, acesso à educação primária. Grande

parte da população ainda permanecia escrava e a tardia abolição contribuiu como

um fato que também atinge à educação: como teriam direito a ela pessoas que

não tinham direitos?

Enquanto isso, nos países europeus e americanos, a educação das massas

era priorizada, em decorrência de interesses religiosos e econômicos e as grandes

diferenças que, atualmente, apresentam os dados comparativos entre países

desenvolvidos e periféricos pode ser creditada também a essa origem histórica

diferente. Assim, já na reforma protestante, Lutero defendia a alfabetização das

massas para os fiéis terem acesso às escrituras e a igreja católica, por reação,

aderiu a esse procedimento. No século XVIII, a revolução industrial requereu a

conversão dos campesinos em operários e a escolarização contribuiu para isso,

preparando-os e disciplinando-os para o trabalho (Bowen, 1992; Querrien, 1974 e

Simon, 1974).

Em 1834, no Brasil, o Ato Adicional delegou a responsabilidade pela

educação básica às Províncias, relegando-se, assim, a instrução da população

carente às esferas com menores recursos. Na República, a Constituição de 1891

confirmou essa descentralização do ensino básico aos Estados e Municípios.

Apesar da grande quantidade de reformas educacionais desenvolvidas

durante o período republicano, não houve no Brasil a existência de um Estado

educador, cujo projeto incluísse a implantação da escola pública, universal e

gratuita, como aconteceu tanto nos países onde isto era requerido pela

necessidade de mão de obra capacitada para o capitalismo industrial, quanto nos

países do cone-sul da América Latina, por questões políticas. No período das

últimas duas décadas do século XIX e das três primeiras do século XX, as

Repúblicas latino-americanas do Sul (Argentina, Chile, Uruguai) criaram um

modelo de Estado para a construção de uma Nação. Entre as estratégias, a

educação, guiada pela idéia de formação do cidadão, foi prioritária para a

hegemonia ideológica e para a homogeneização da população imigrante. Na

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Argentina, por exemplo, entre 1915 e 1931, conseguia-se alfabetizar a maioria da

população em idade escolar. Em 1931, a taxa de escolarização da população

entre 6 e 12 anos era de 73%. (Questão que também pode explicar as diferenças

que os dados mostram, na atualidade, entre os países da América do Sul).

No Brasil, o tipo de atividade agrícola ligada à subsistência com formas

arcaicas de produção e a economia de exportação na região cafeeira, a qual se

valia de formas de produção que não requeriam mais do que mão de obra � e ela

era abundante e barata � fez com que a população tampouco percebesse a

utilidade prática da educação formal. Segundo Romanelli (1980: 60):

A forma como se instalou o regime republicano no Brasil e como se conduziram no poder as elites, em nada modificando a estrutura sócio-econômica, influiu para que, de um lado, não houvesse pressão de demanda social de educação e, de outro, não se ampliasse a oferta, nem se registrasse real interesse pela educação pública, universal e gratuita. Não é, pois, à falta de recursos materiais que se deve imputar a maior soma de responsabilidade pela ausência de educação do povo, mas à estrutura sócio-econômica que sobreviveu com a República.

Como conseqüência desses fatores � cidadania restrita e elitista,

escravidão e modo de produção agrícola �, o Brasil começou o século XX com

grande parte da sua população analfabeta, sendo que, em 1920, 72% da

população brasileira não sabia ler nem escrever.

Houve alguns intentos de combater o analfabetismo, a maioria por

interesses eleitorais, já que a Constituição republicana excluía aos adultos

analfabetos o direito de voto. A Revolução Constitucionalista de 1930, que

reformulou o papel do Estado no Brasil em oposição ao federalismo republicano, o

qual beneficiava as oligarquias regionais, derivou em um Estado ativo no plano

social. A Constituição de 1934 propôs um Plano Nacional de Educação que definiu

as responsabilidades da União, Estados e Municípios, vinculou recursos para a

educação e estabeleceu, pela primeira vez, a obrigatoriedade e gratuidade do

ensino primário extensivo aos adultos (Soares, 2002). Durante o Estado Novo

(1937-1945), uma série de Leis ampliou e melhorou o sistema primário do país e,

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segundo Beisiegel (1997: 207) �... só é possível falar da existência de uma política

de educação de jovens e adultos analfabetos no Brasil a partir da década de

1940�, quando se descobriu, pelo Recenseamento Geral, que mais da metade da

população de maiores de 15 anos era analfabeta.

Em 1947, o Ministério da Educação e da Saúde autorizou a organização de

um Serviço de Educação de Adultos no Departamento Nacional de Educação,

iniciando, assim, a Campanha Nacional de Educação de Adultos, sob o governo

Dutra (Beisiegel, op. cit.: 210). O trabalho consistiu na instalação de classes

noturnas de ensino de adultos, em áreas rurais e urbanas de todo o país, com o

objetivo de universalizar a chamada educação de base, que consistiria no ensino

dos conteúdos da escola primária. O funcionamento da Campanha baseava-se em

convênios especiais celebrados entre o Ministério da Educação e os Estados e

Territórios, correspondendo à União o planejamento, controle, orientação,

pagamento dos professores e de gastos de administração e iluminação de salas,

assim como a provisão de material de leitura. Os Estados obrigavam-se a realizar

os trabalhos de educação de adultos programados pelo Governo da União,

criando uma Comissão que fazia funcionar as classes de ensino supletivo,

estendendo essa modalidade por um largo período. Posteriormente, a distribuição

dos recursos baseou-se nas porcentagens de analfabetos registradas em cada

município, disseminando as classes em todas as regiões, e não as concentrando

nas cidades. Também, obrigou-se a criar cursos em populações e escolas rurais.

Na década de 50 desenvolveu-se a Campanha Nacional de Erradicação do

Analfabetismo, cujo Plano Piloto iniciou-se em 1958 em um município de Minas

Gerais e logo em mais 4 municípios. O Plano foi importante porque

... marcou o início de uma nova etapa nas discussões sobre a ação educativa da União junto às massas iletradas. Seus organizadores entendiam que a mera alfabetização do adultos não tinha significado. Toda a prioridade seria dada à educação de crianças e aos jovens para quem a educação ainda pudesse significar alteração de perspectivas existenciais (Beisiegel, op. cit. 220).

O Plano salientava que a mudança do meio seria um elemento importante

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para a mudança da educação e também expunha o dilema entre atenção às

grandes massas de adultos analfabetos e qualidade dessa educação.

Em síntese, até a metade da década de 1950, como assinala Haddad

(1991), o Estado brasileiro foi pouco a pouco aumentando suas atribuições em

relação à educação de adolescentes e adultos, de uma atuação do setor público

fragmentária, localizada e ineficaz, até uma política nacional, com verbas

vinculadas à atuação estratégica em todo o território nacional.

Mas, foi no final da década de 1950 que surgiram iniciativas diferentes e

diversas na educação de jovens e adultos analfabetos e, o que é mais importante,

uma nova concepção relativa a essa educação, a qual visava à incorporação da

realidade existencial desses alunos, à renovação de métodos e à inclusão do

educador e do educando num processo de participação na vida pública do país.

Segundo Haddad (op. cit.: 77-78):

Assim, as diversas propostas ideológicas, como, por exemplo, a do nacional desenvolvimentismo, a do pensamento renovador cristão, a do Partido Comunista, e outras, formuladas pelos diversos grupos de caráter reformista, conservador ou revolucionário, acabaram por ser pano de fundo desta nova forma de pensar a educação de adultos. Elevada agora à condição de educação política, por sua reflexão sobre o social, a educação de adultos ia além das preocupações existentes com os aspectos internos do processo de ensino-aprendizagem. Sem dúvida alguma, no bojo desta ação de legitimação de propostas políticas junto aos grupos populares, criou-se a necessidade permanente da explicitação dos interesses destas classes bem como das condições favoráveis à sua organização, mobilização e conscientização.

A Igreja Católica foi uma agência importante nesse processo, a partir das

atividades precursoras desenvolvidas nas arquidioceses do Nordeste brasileiro,

por meio de escolas radiofônicas que, finalmente, confluíram no Movimento de

Educação de Base (MEB). Esse Movimento estabeleceu um convênio entre a

União e a CNBB (Comissão Nacional de Bispos do Brasil), pelo Decreto nº 50.370,

de 1961, que estabelecia que o governo federal financiaria os trabalhos dessa

entidade nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

O MEB foi conduzido por leigos e apoiava-se num sistema radiofônico de

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educação que planejava, selecionava e preparava os animadores e monitores

voluntários, coordenando e executando o programa local de educação de base.

Chegou a ter 25 emissoras de rádio e 6218 escolas radiofônicas. As aulas eram

transmitidas às escolas, onde um monitor ligava os conteúdos às atividades dos

alunos, promovendo debates sobre os temas, como cooperativas, comunitarismo,

clubes de venda, visando à dinamização da comunidade e à conscientização dos

educandos. �A partir de 1962, foram progressivamente reforçadas as atividades

orientadas para a politização, a educação sindicalista e o processo de

sindicalização rural� (Beisiegel, op. cit.: 224).

Outras experiências desenvolvidas na década de 1960 também refletiram o

espírito da participação política da época, tais como: o Movimento de Cultura

Popular de Recife, os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos

Estudantes e a Campanha de Pé no chão também se aprende a ler, de Natal,

entre numerosas atividades montadas por 44 organizações de alfabetização e

cultura popular (Beisiegel, op. cit.).

O Movimento de Cultura Popular de Recife surgiu por idéia do prefeito

Miguel Arraes. Aproveitou os espaços disponíveis em igrejas, templos, clubes e

locais de associações populares para a abertura de salas de aula e baseou suas

atividades na alfabetização, na educação de base e na conscientização política

das massas, desenvolvendo, com o tempo, núcleos de cultura popular, canto,

música, artes plásticas e artesanato. Um ano depois de começado, em 1961,

contava com 58 associações de cultura popular, um teatro, uma biblioteca, um

local para o artesanato e artes plásticas, rádio e televisão (Beisiegel, op. cit.).

A Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler desenvolveu-se

em Natal. Teve origem, na ação do prefeito Djalma Maranhão, o criador do

programa, que organizou escolas de ler, escrever e contar. Ele baseou-se no

programa que 240 comitês de convenções dos bairros, principalmente na periferia

da cidade, tinham organizado para o Município. A demanda por educação era uma

das prioridades desses comitês. A abertura de Acampamentos Escolares para

crianças e logo para adultos analfabetos, a preparação de 250 professores leigos,

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a organização de estudantes de segundo grau como voluntários, a incorporação

de cursos profissionalizantes e a criação de uma praça de cultura foram as

atividades principais deste movimento, que foi suprimido em abril de 1964.

(Beisiegel, op. cit.)

O movimento de alfabetização de adultos foi tomando tal abrangência que,

em 1963, organizou-se em Brasília uma Comissão Nacional de Alfabetização para

realizar um programa de alfabetização de adultos, cuja intenção explícita era a

preparação de 4 milhões de eleitores para 1965.

O que poderia ocorrer é que para a sucessão presidencial nós poderíamos ter no processo eleitoral, já que a lei não admitia o voto do analfabeto, facilmente 5 a 6 milhões de novos eleitores. Ora, isso pesava demais na balança do poder. Era um jogo muito arriscado para a classe dominante (Paulo Freire, apud Beisiegel, 1992: 235).

Depois de muitas discussões, foi eleito o método Paulo Freire de

alfabetização, que tinha se desenvolvido no Movimento de Cultura Popular do

Recife e na Universidade Federal de Pernambuco, havendo sido utilizado por

grande parte dos movimentos alfabetizadores. Segundo Beisiegel (op. cit.: 230):

... o método Paulo Freire de Alfabetização sintetiza, de modo exemplar, as orientações e as vicissitudes da educação popular praticada nesse período. Ao realizar a alfabetização no âmbito de um processo mais amplo de discussão e reflexão crítica sobre as condições de vida coletiva das classes dominadas, o método favorecia a �politização� ou o desenvolvimento de uma �consciência de classe� entre os jovens e adultos envolvidos nos trabalhos61.

Mas essa escolha foi mais o produto do clima político e social da época, do

que do método Paulo Freire em si, uma vez que a atividade política permeava a

educação, assim como toda a vida social.

O Programa Nacional de Alfabetização foi interrompido e desmantelado

logo após a vitória do movimento que depôs o presidente João Goulart. Os seus

dirigentes foram presos e os materiais apreendidos. O mesmo aconteceu com a

61 O método Paulo Freire está descrito e analisado em Moura (1999) entre outros, além da própria obra de Paulo Freire.

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Campanha De Pé no Chão. O Movimento de Educação de Base da CNBB seguiu

funcionando, mais como um instrumento de evangelização que de educação

popular. Assim, �... a ruptura ocorrida com o movimento de 64 acabou com as

práticas educacionais de explicitação dos interesses populares que ocorriam

através de projetos, em grande parte, promovidos pelos grupos que estavam nos

setores públicos� (Haddad, op. cit.: 79-80).

O Governo desenvolvido após o golpe de 1964 apoiou a Cruzada ABC,

financiada pela USAID e pela União e Estados, e por entidades privadas e igrejas

estrangeiras evangélicas. Essa Cruzada iniciou-se em Recife, mas chegou aos

Estados de Ceará, Alagoas, Rio de Janeiro e Guanabara (Beisiegel, op.cit.).

Segundo Haddad (op. cit.: 80): �Tal cruzada, dirigida por evangélicos norte-

americanos, além de desconsiderar as experiências anteriores, servia de maneira

assistencialista aos interesses do Estado, tornando-se praticamente um programa

semi-oficial�. A Cruzada foi se extinguindo entre 1970 e 1971.

Durante essas décadas, o analfabetismo decresceu sensivelmente entre a

população escolarizável, embora em números absolutos tenha aumentado, devido

ao aumento da população. Segundo Romanelli (op. cit.), entre 1940 e 1970 a

população na faixa etária de 5 a 24 anos ultrapassou o dobro. O desenvolvimento

do processo de industrialização, à época, gerou a expansão da educação, mas

não de modo homogêneo, intensificando-se nas zonas mais desenvolvidas e

urbanizadas. Em outras regiões, não atingidas diretamente pela expansão

industrial, manteve-se a situação anterior, desconsiderando-se a obrigatoriedade

de uma educação universal e gratuita (Romanelli, op. cit.).

Quanto à alfabetização de adultos, as diversas campanhas e ações

descritas, assim como a extensão da escolaridade na idade própria e a

urbanização demográfica, resultaram em mudanças concretas, conforme se pode

constatar na tabela seguinte:

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Tabela 9: Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais e da população entre 15 e 19 anos � décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970 (%).

Década Taxa de analfabetismo (população de 15 anos e

mais)

Taxa de analfabetismo (população entre 15 e 19

anos) 1940 56,17 54,11

1950 50,48 47,64

1960 39,35 34.87

1970 33,01 27,56

Fonte: Romanelli, (op.cit.: 75).

O governo militar assumiu uma iniciativa mais importante e duradoura: o

Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) iniciado em 1967 e que

chegaria até o final do período militar, cuja responsabilidade caberia a uma

fundação � Fundação MOBRAL � especialmente organizada para esse fim. Dessa

forma, o Movimento não se vincularia diretamente ao Ministério de Educação e

Cultura (MEC). Segundo Haddad (op. cit.: 83), �... procurou-se �vender� a idéia

junto à sociedade civil�, modificando a forma de obtenção dos recursos, permitindo

a opção voluntária de 1% do imposto de renda das empresas e 24% da renda

líqüida da loteria esportiva.

O MOBRAL teve, de acordo com Haddad (op. cit.: 84), três características

básicas: 1) paralelismo com relação aos programas de educação de adultos,

criando uma estrutura que permitisse uma campanha de massa, de acordo com os

objetivos políticos propostos pelos governos militares; 2) organização

descentralizada em comissões municipais que executavam o programa nas

comunidades, providenciando salas de aula, professores e monitores, cujos

integrantes, chamados de representantes da comunidade, pertenciam aos setores

mais afinados com o governo: empresários, clero e associações voluntárias de

serviço; 3) centralização do processo educativo, que se realizava através do

MOBRAL-Central e treinava o pessoal de acordo com suas diretrizes, além de

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organizar, programar e avaliar o processo educativo. Os materiais didáticos eram

entregues a empresas privadas, que produziram cartilhas únicas de caráter

nacional, sem contemplar as particularidades regionais.

A organização incluía, também, os coordenadores regionais, que eram

treinados em encontros ad hoc:

É no quadro da difusão ideológica que se pode entender os tão discutidos encontros de supervisores, trazidos de todas as partes do país e reunidos às centenas no Hotel Nacional do Rio de Janeiro, numa aparente demonstração de desperdício de recursos. Tais encontros serviam para reforçar os laços de lealdade para com a direção do movimento (...) em clima festivo com declarações públicas dos que pela primeira vez viam o mar ou viajavam de avião ou visitavam o Rio de Janeiro62 (Paiva, apud Haddad, op. cit.: 86).

Esses supervisores eram identificados como �agentes de segurança interna

do regime� (Correia, apud Haddad, idem).

O MOBRAL foi organizado em dois programas, o de Alfabetização, �...

aligeirado e sem fundamentação pedagógica (...) sem participação dos

educadores e de grande parte da sociedade� (Haddad, op. cit.: 88); e o de

Educação Integrada, que consistia numa versão sintética dos conteúdos de 1ª à 4ª

série do primário e era a etapa seguinte ao curso de alfabetização. Em 1973, o

Programa de Educação Integrada foi reconhecido como equivalente ao ensino

primário e autorizado a outorgar certificados.

O MOBRAL perpetuou-se como educação permanente, desdobrando-se em

novos cursos pelos quais deviam passar os recém alfabetizados63, cujo objetivo,

segundo Paiva, (apud Haddad, op. cit.: 91) era continuar o papel fundamental do

MOBRAL como instrumento de legitimação do regime, modificando-se de modo

permanente para se manter institucionalmente. Desse modo, privilegiar-se-ia uma

concepção que o orientava segundo critérios políticos, desconsiderando-se as

62Não posso deixar de relacionar a similitude desse fragmento com os eventos nos quais participei no Programa de Alfabetização Solidária, o que relatarei depois. 63Por exemplo: Projeto de Atendimento às Áreas de Resistência, Projeto de Alfabetização Funcional via Rádio, Programa de Autodidatismo, Programa Cultural, Programa de

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críticas técnico-pedagógicas que marcavam o pouco tempo destinado à

alfabetização, à avaliação da aprendizagem e à necessidade de continuar os

estudos na escola integrada, e não em cursos de formação de recursos humanos.

Haddad (op. cit.: 92) assinala, ainda, que �... em absoluta oposição às

idéias produzidas pelos movimentos anteriores a 64, em especial aquelas

formuladas pelo prof. Paulo Freire, o MOBRAL buscava conciliar as classes

sociais, negando suas oposições e procurando responsabilizar o indivíduo por sua

condição social�.

Alguns dos fundamentos do MOBRAL, constantes no discurso político

transmitido nos documentos oficiais, permitem identificar algumas de suas

características, que resultarão significativas para o estudo do Programa

Alfabetização Solidária. Os eixos argumentativos visavam:

• apresentar o analfabetismo como uma responsabilidade social: �O analfabeto

não é apenas do Governo; é de toda a comunidade� (Mobral, 1977: 32).

• explicar o analfabetismo como um problema também do âmbito privado

(empresarial):

A iniciativa privada deve visar a alfabetização, não apenas como procedimento patriótico mas como investimento. Alfabetização + semiqualificação = maior rendimento, melhor salário, melhor nível social, um gerador de riquezas, um melhor consumidor. Queremos convencer o empresário brasileiro de que a expansão do seu mercado interno está em função desse padrão social, que se pretende elevar pela Alfabetização Funcional (Mobral, op. cit.: 32-3)64.

• vincular a estratégia de ação à participação da comunidade:

A comunidade: mola-mestra da operação MOBRAL (...) Convém recordar que toda comunidade que se preze não pode se sentir como peso morto num todo Nacional e que deve envidar esforços para, de maneira eficiente, tentar a solução de seus problemas e só derivar para auxílios extra-comunidade, quando esgotados os seus recursos (...). É em síntese, o que denominamos uma Comunidade-

Profissionalização, Programa de Ação Comunitária etc. (Mobral, 1977) 64Note-se, nessa extensa referência, a apelação ao argumento da Teoria do Capital Humano, vigente na época e reatualizada na década de 1990.

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Ativa65 (Mobral, op. cit.: 33).

Além dessas características já assinaladas de descentralização, de

paralelismo com o sistema formal de educação e de centralização pedagógica,

cabe acrescentar:

• a realização de convênios �... com quaisquer entidades públicas ou privadas,

nacionais, internacionais e multinacionais, para execução do Plano aprovado e

seus reajustamentos� (Lei nº 5379/1967, art. 10º) para a implementação das

ações;

• sua organização sob a forma jurídica de Fundação, mas vinculada ao governo.

O MOBRAL foi desativado no processo de democratização do país, em

1985, substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos -

EDUCAR, uma instituição de fomento de programas que daria apoio técnico a

municípios ou associações da sociedade civil e teria vinculação com o Ministério

da Educação. A Fundação Educar foi extinta em 1990, no início do governo Collor,

dando lugar, durante o mesmo governo, ao Programa Nacional de Ação e

Cidadania (PNAC), que não chegou a funcionar.

Outras experiências de alfabetização, que aconteceram desde a década de

1990 e merecem destaque, são as políticas municipais de alfabetização � como o

Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) � e as iniciativas

realizadas fora do âmbito do Estado.

O MOVA surgiu na cidade de São Paulo como uma experiência de parceria

entre entidades representantes de movimentos populares e o governo municipal,

durante a gestão de Paulo Freire como Secretário de Educação Municipal, na

administração de Luiza Erundina (1989-1992). Em 1992, as entidades populares

eram 73 e possuíam 1.000 núcleos de alfabetização, atendendo 20.000 jovens e

adultos (Pontual, 1997). Foram realizados convênios, nos quais a Secretaria

Municipal de Educação, por meio de uma equipe de trabalho, deveria gerenciar os

65Lembre-se a coincidência com o nome de um dos programas vinculados à Comunidade Solidária:

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recursos e elaborar o projeto político-pedagógico junto com os movimentos

populares e a estes caberia ceder os espaços físicos para o funcionamento das

aulas, matricular os educandos e selecionar monitores e supervisores para

participar da elaboração do projeto político pedagógico.

O projeto político-pedagógico propunha uma unidade filosófica, mas

mantinha diversas formas de atuação, para respeitar a diversidade e os ritmos dos

alunos, assim como a organização das comunidades. A proposta, em resumo, era

a seguinte:

O apoio material e pedagógico das prefeituras aos grupos populares que promovem educação de adultos deve ocorrer sob duas condições básicas: que esse apoio não implique na desobrigação do dever que a administração municipal tem de oferecer a educação de adultos pública e de qualidade, e que ele seja dado em condições que preservem a autonomia política e pedagógica dos grupos populares (Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo, apud Arelaro e Kruppa, 2002: 106).

O MOVA centrou suas ações na participação da população, visando

construir a identidade dos educandos como sujeitos de direitos. Dessa forma, as

situações próprias da instalação das salas de aulas, as formas de organização

para viabilizá-las, assim como a diversidade de idades, raça e gênero não seriam

elementos contextuais na proposta, mas parte da alfabetização como processo

mais abrangente, segundo a concepção de Paulo Freire.

O MOVA foi desenvolvido também em outros municípios ligados

principalmente a governos petistas, tais como Diadema, Mauá, Santo André, Porto

Alegre etc. Em 2003, o novo governo eleito no Brasil, do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, tinha no seu programa de governo a implantação do MOVA-Brasil

como sua principal política de educação de jovens e adultos. Embora na

experiência do MOVA-SP:

Há aspectos passíveis de universalização e outros que se referem às condições históricas particulares em que ela se desenvolveu, às características específicas dos atores envolvidos e que, portanto, não devem servir de modelo a ser copiado em todos os seus

o Programa Comunidade Ativa, destinado aos municípios mais pobres do país.

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aspectos e procedimentos. Fica evidente que o MOVA tornou-se uma idéia força, testada na sua possibilidade de realização e que precisa ser reinventada à luz das condições concretas de cada realidade e dos atores que estão envolvidos na sua promoção em cada município (Pontual, op. cit.: 27).

Por outra parte, é importante assinalar que uma característica particular do

Brasil constituiu-se das múltiplas ações realizadas em todo o território durante a

década de 1990, iniciativas essas desenvolvidas fora do âmbito do Estado por

organizações da sociedade civil, sindicatos e setores empresariais, tais como:

Movimento de Educação de Base (Distrito Federal), Sapé e Cedac (Rio de

Janeiro), Ação Educativa e Instituto Paulo Freire (São Paulo), Escolas sindicais,

Projeto Integrar, CUT, Força Sindical, além de trabalhos desenvolvidos pelo Sesi,

Senac e Telecurso 2000, e de outros movimentos e grupos sociais, como MST,

grupos de alfabetização de igrejas, iniciativas estudantis etc. (Soares, 2001).

Muitas dessas ações se deram em decorrência da Constituição de 1988,

que reconheceu explicitamente o direito à educação para todos, incluindo-se os

adultos. Além disso, colocou como meta prioritária a erradicação do analfabetismo

num prazo de 10 anos, vinculando, para tanto, 50% dos recursos aplicados à

educação.

Entretanto, não especificou as responsabilidades entre União, Estados e

Municípios, resultando que poucos municípios estabeleceram, de fato, redes de

educação de adultos (Beisiegel, op. cit.). Nos anos subseqüentes, houve, na

realidade, uma diminuição do orçamento e um descomprometimento do Estado

para com a educação de jovens e adultos, que perdeu espaço, inclusive no Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério (FUNDEF), conforme veremos a seguir.

O FUNDEF e a Municipalização do Ensino Fundamental

Já no início da década de 1990, a influência do neoliberalismo como

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doutrina econômica nos processos de ajuste estrutural na América Latina e,

especificamente, nas políticas sociais e na educação levou a priorizar o

financiamento da educação fundamental na idade própria, em detrimento da dos

jovens e adultos e de outras modalidades de ensino, entre outros ajustes

educativos.

O Ministro da Educação, José Goldemberg, em 1991, declarava que �... o

grande problema de um país é o analfabetismo das crianças e não o dos adultos

(...). Vamos concentrar nossos recursos em alfabetizar a população jovem� (Apud

Beisiegel, 1997: 240).

A priorização da educação básica de meninos e meninas, relegando a dos

adultos a segundo plano, é própria da tendência dos raciocínios do tipo custo-

benefício, os quais, embora não originais na história da educação do Brasil, uma

vez que também foram utilizados pelos governos militares, tiveram realce na

última década do século XX. Assim, transferiram-se as responsabilidades pela

educação de adultos para os Estados ou municípios, os quais têm realizado ainda

menos que nas décadas de 1940 a 1980, segundo afirma Beisiegel (op. cit).

Mas, devido à pressão dos organismos internacionais de empréstimo, o

Brasil, na condição de um dos nove países com maior número de analfabetos do

mundo (Arelaro e Kruppa, op. cit.), teve que elaborar estratégias tendentes à

reversão desse índice como uma �condicionalidade� para obter novos

empréstimos. Assim, depois de um processo de consulta participativa envolvendo

professores e sindicatos, o governo propôs, em 1994, o Plano Decenal de

Educação, que tinha como uma das prioridades o acesso ao ensino fundamental

de 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de adultos e jovens com baixa

escolarização (Haddad e Di Pierro, 2000: 121).

Esse Plano não foi levado em conta com a eleição do novo presidente

nesse mesmo ano. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-

2002), implantou-se uma reforma da educação pública, cujos pilares foram o

estabelecimento de Parâmetros Curriculares Nacionais, a implantação do Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

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Magistério (FUNDEF), o envio de dinheiro direto à escola para ser administrado

pelas associações de pais, a criação de mecanismos centralizados no Governo

Federal para avaliar todos os sistemas de ensino e a privatização da educação

superior, entre outros66. O eixo dessas reformas baseou-se na sanção da

normativa específica: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº

9394/9667 (LDB) e a Emenda Constitucional nº 14/96, com sua respectiva

regulamentação: a Lei 9424/96. Essa normativa impôs uma municipalização

compulsória (Arelaro e Kruppa, op. cit.: 99), ou seja, uma estratégia de

desconcentração baseada no repasse de recursos aos municípios, destinados à

execução de uma política: a priorização do ensino fundamental na idade própria.

Embora a LDB integre o ensino fundamental como obrigatório e gratuito

para os jovens e adultos (�inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade

própria� - Art. 4º, 1), a aprovação da Emenda Constitucional nº 14/96 desobrigou o

governo do cumprimento das disposições transitórias da Constituição de 1988,

que destinavam 50% do orçamento vinculado à educação para o combate ao

analfabetismo e à universalização do ensino fundamental, vinculando, então, 60%

para o desenvolvimento do ensino fundamental. Para viabilizar essa política, pela

mesma emenda, criou-se o FUNDEF, que reúne os recursos públicos destinados

à educação e os redistribui entre os Estados e Municípios, segundo a quantidade

de matrículas nas redes públicas de educação fundamental.

Na prática, o FUNDEF levou os Municípios a se ocuparem do ensino

fundamental, os Estados do ensino médio e a União do ensino superior. O veto

presidencial realizado em partes dos artigos da Lei 9424/96, que regulamentou

esse Fundo, implica que as matrículas contabilizadas para fins do FUNDEF sejam

66Essa reforma foi semelhante às que outros países da América Latina empreenderam nessa década. A reforma educativa argentina, por exemplo, começou em 1993 durante o governo Menem e se baseou nos seguintes eixos: transferência de escolas para as províncias (desconcentração do Estado Nacional para as províncias), avaliação centralizada do sistema educativo nacional, sanção dos Conteúdos Básicos Comuns para todo o sistema educativo e estabelecimento de políticas compensatórias centralizadas. Com as particularidades próprias de cada país, notem-se as coincidências nos eixos da reforma brasileira e de outros países como Inglaterra e Nova Zelândia. 67 Não aprofundo aqui a discussão sobre a LDB e as múltiplas mudanças introduzidas por essa legislação. Cf. Educação e Sociedade, vol 23, Número Especial. Campinas, 2002; e Oliveira e Adrião (2002 e 2001) entre outros.

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apenas as do ensino fundamental regular, excluindo a educação de adultos, a

educação infantil e o ensino médio. Assim, na prática, os Municípios tiveram que

priorizar o ensino fundamental na faixa de 7 a 14 anos, quase universalizando, no

Brasil, o ensino fundamental na idade própria, conforme mostra a tabela abaixo:

Tabela 10: Taxa de escolarização − 1994 e 2000

Ano Taxa de escolarização (Líqüida)

1994 87,5

2000 96,3

Fonte: MEC (www.mec.gov.br, acesso em 2002)

Assim, poucos Municípios têm se preocupado com a criação, melhora e

expansão da educação de jovens e adultos (EJA) no ensino regular68, sendo que

os analfabetos em idade pós-escolar continuam constituindo uma quantia

considerável da população. Quando da aprovação da emenda nº 14, em 1996,

apenas um ano antes da criação do Programa Alfabetização Solidária eram:

Tabela 11: População analfabeta de 15 anos e mais � 1996

Total da população (15 anos e mais)

População analfabeta (15 anos e

mais)

Taxa de analfabetismo

107.534.609

15.560.260

14,7

Fonte: IBGE, PNAD de 1996

Esses mais de 15 milhões de analfabetos são contabilizados segundo o

critério estatístico empregado pelo IBGE, que considera como alfabetizada a

68Embora existam muitas publicações críticas sobre o FUNDEF, achei desnecessário aprofundar aqui essa questão.

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pessoa que pode ler e escrever um bilhete simples, enquanto mundialmente é

aceito o conceito de analfabeto funcional, aplicado a todas as pessoas com menos

de quatro séries de estudos concluídas e, em países desenvolvidos, consideram-

se as oito séries da escola primária como necessárias para ser alfabetizado. Se

fosse levado em conta o analfabetismo funcional, o Brasil teria mais de 30 milhões

de analfabetos entre a população de 15 anos ou mais, segundo dados de 2000

(Inep, 2003: 7).

Haddad e Di Pierro (2001) afirmam que quase metade da população jovem

e adulta do país poderia ser considerada analfabeta, pois, segundo dados de

1996, um terço da população com mais de 14 anos não havia completado quatro

anos de estudos e dois terços não haviam completado os oito anos obrigatórios do

ensino fundamental. Relembrando, essa grande quantidade da população, que

deveria ser incentivada a continuar seus estudos, ficou fora do financiamento

propiciado pelo FUNDEF.

Além do mais, essa importante dívida social69 (milhões de analfabetos)

apresentava, na época da criação do Fundo, uma grande disparidade regional:

Tabela 12: Taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais,

segundo região � 1996

Brasil e Grandes Regiões

População Analfabeta (15 anos e mais) %

Brasil 14,7

Norte 12,4

Nordeste 28,7

Sudeste 8,7

Sul 8,9

Centro-Oeste 11,6

Fonte: IBGE; PNAD, 1996

69 O conceito de dívida social, aplicado à educação de jovens e adultos, é justificado na falta de reparação �... para os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho, empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas�. (Parecer CEB 11/2000 - Conselho Nacional de Educação, apud Soares, op.cit.: 32).

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Além dos prejuízos para a Educação de Jovens e Adultos, causados pelo

FUNDEF, o Ministério da Educação, também, desconsiderou o resultado do

Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos, realizado em Natal, em

1996, destinado a fornecer elementos para a V Confintea (Conferência

Internacional de Educação de Adultos) que seria realizada em Hamburgo, em

1997. O Seminário foi produto de vários encontros estaduais e regionais de

educadores, profissionais e instituições com representantes do setor público de

educação, universidades, ONGs, sistema S e outros. Foi uma mobilização do

Estado e da sociedade civil que resultou no surgimento dos Fóruns de EJA

(UNESCO, 2004). Ainda hoje, esse movimento tem uma destacada atuação na

realização dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos. É nesse

contexto que temos que situar o surgimento do Programa Alfabetização Solidária,

em 1997.

A não oficialização do documento produzido em Natal, a demissão da

representante ministerial e o aparecimento do Programa Alfabetização Solidária

marcaram claramente um retrocesso para os envolvidos com a EJA, ao

desconsiderar o analfabetismo funcional e voltar à concepção de alfabetização por

meio de Campanhas ou Programas compensatórios de curta duração,

descontínuos e assistencialistas, consolidando o descompromisso do Estado com

essa população.

O surgimento do Programa coincidiu com a necessidade de baixar as altas

taxas de analfabetismo que incomodavam o país no auge das medições e

rankings da pobreza. Entretanto, isto não implicou priorizar a EJA como um todo,

nem sequer os 4 anos de ensino fundamental, mas somente atender a

aprendizagem apenas da escrita e leitura de um bilhete simples. Sendo assim,

poderia se diminuir o analfabetismo a baixo custo. Além do que, uma possível

diminuição da taxa de analfabetismo tem imediatas e maiores conseqüências nos

rankings internacionais de Desenvolvimento Humano, do que um acréscimo na

escolarização de adultos, o qual demanda recursos mais substanciais. Isto porque

o IDH, como já foi explicado no capítulo anterior, está composto por três índices:

LONGEVIDADE, EDUCAÇÃO e QUALIDADE DE VIDA, todos com o mesmo

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peso.

O índice de EDUCAÇÃO está integrado pela taxa de alfabetização de

adultos e a taxa bruta de matrícula (combinada dos três níveis de ensino). Só que

a ponderação da taxa de alfabetização de adultos é de 2/3, enquanto a taxa de

matrícula combinada é de 1/3 do valor. Assim, pelo peso que tem a alfabetização

de adultos nesse índice, qualquer mudança provoca um melhor resultado na

pontuação total e pode melhorar a medição da pobreza do país no mais relevante

e popular de todas as medições: o IDH.

Por tudo isto, o Estado brasileiro não podia se omitir e criou uma proposta:

o Programa Alfabetização Solidária (que será abordado no próximo capítulo), com

o qual intentaria implementar, também, um novo modelo de política pública, com

participação de empresas no financiamento e das instituições de ensino superior

na sua execução.

A educação superior brasileira: a expansão pela iniciativa

privada e a avaliação como controle de qualidade

A universidade brasileira foi afetada por várias reformas da época, entre as

quais o projeto de Reforma do Estado − ou publicização − do Ministério da

Administração e Reforma do Estado (MARE), já descrito no capítulo anterior.

Nessa proposta, a universidade integraria os serviços não exclusivos do Estado e,

como tal, deveria ser transformada em uma Organização Social, sendo convertida

numa entidade de direito privado. Dessa forma, estaria autorizada pelo Poder

Legislativo para celebrar o contrato de gestão com o Poder Executivo, para o

cumprimento do qual receberia dotação orçamentária. Posteriores conflitos

políticos acontecidos no MARE não aprofundaram a continuidade dessas

mudanças.

O processo de privatização da educação superior foi direcionado, também,

para a expansão da oferta desse nível por meio da sua liberalização, permitindo a

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criação de novos cursos e instituições privadas, como será explicado a seguir.

O Sistema Federal de Ensino Superior está integrado por Instituições de

Ensino Superior públicas e privadas. São públicas as criadas ou incorporadas,

mantidas e administradas pelo poder público; são privadas as mantidas e

administradas por pessoas físicas ou jurídicas ligadas à iniciativa privada. Estas

distinguem-se em particulares (em sentido estrito), comunitárias, confessionais ou

filantrópicas. Podem existir IES privadas com ou sem finalidade de lucro.

A educação superior brasileira inclui apenas 9% da população da faixa

etária70 de 18 a 24 anos. A ampliação do acesso à educação superior é uma

reivindicação social há muito reclamada pela sociedade e consta do Plano

Nacional de Educação, aprovado em 2001, que propõe: �Prover até o final da

década, a oferta da educação superior para pelo menos, 30% da faixa etária de 18

a 24 anos� (PNE, 2001).

Embora, a expansão da oferta venha acontecendo de forma continuada

desde a década de 1960 (Silva Jr. e Sguissardi, 2001; Catani e Oliveira, 2000,

entre outros), houve uma explosão acelerada na década de 1990, especialmente

durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, como mostram os dados a

seguir:

Tabela 13 : Matrículas em cursos de graduação presenciais

1995, 2002 e 2003

Ano Matrículas

1995 1.759.703

2002 3.479.913

2003 3.887.77171

Fonte: INEP/MEC (2002 -3).

70Considera-se que um sistema universitário é de elite quando inclui até 15% da população da faixa etária correspondente; de massa, entre 15 e 33%; e universal, de 33 a 40%. (Nunes, 2002). 71Último dado disponível.

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Entre 1995 e 2002 duplicou-se a quantidade de matrículas em números

absolutos. Considerando a categoria administrativa das IES, pode se observar que

foram as instituições privadas as que mais cresceram:

Tabela 14 : Instituições segundo categoria administrativa (%)

1994-1998-2001

Tipo / Ano 1994 1998 2001

Públicas 25,6 21,5 11,9

Privadas 74,4 78,5 88,1

Fonte: INEP/MEC (2003)

Com efeito, as instituições privadas aumentaram quase 14%, entre 1995 e

2002, atendendo quase 70% dos alunos, conforme mostra a tabela:

Tabela 15: Matrículas segundo categoria administrativa das IES

(Números absolutos e relativos)

Ano Matriculas % Pública % Privada %

2002

3.479.913

100

1.051.655

30,22

2.428.258

69,78

Fonte: INEP/MEC (2003)

Considerando o acréscimo dos cursos de graduação, observam-se, pelos

dados seguintes, que esses cursos duplicaram no setor público e quase

triplicaram no setor privado:

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Tabela 16: Distribuição relativa do número de cursos de graduação, segundo categoria administrativa − 1995-2002

Ano Total Pública % Privada %

1995 6.252 2.782 44,5 3.470 55,5

1996 6.644 2.978 44,8 3.666 52,2

1997 6.132 2.698 44,0 3.434 56,0

1998 6.950 2.970 42,7 3.980 57,3

1999 8.878 3.494 39,4 5.384 60,6

2000 10.585 4.021 38,0 6.564 62,0

2001 12.155 4.401 36,2 7.754 63,8

2002 14.399 5.252 36,5 9.147 63,5

Fonte: INEP/MEC (2003)

Os dados das tabelas n°14 e n°16 mostram que, de uma proximidade no

número de matrículas entre o setor público e o setor privado, em 1995 (45 e 55%

respectivamente), o setor privado passou a ter uma supremacia muito grande

(63,5%), em apenas 8 anos, os do governo de Fernando Henrique Cardoso. Não

se tratou de um fenômeno espontâneo, mas induzido como política de governo,

mediante a combinação de dois elementos: sanção de nova legislação e

implementação da avaliação das Instituições de Educação Superior.

A nova legislação refere-se à regulamentação da Constituição Federal de

1988 pela LDB aprovada em 1996, a qual estabelece que: a) a educação superior

é ministrada por instituições de ensino superior públicas ou privadas, com

diferentes graus de abrangência ou especialização; e b) a autorização de

funcionamento de Instituições e o reconhecimento de cursos têm validade limitada

e são renovados periodicamente, a partir da realização de avaliações. O artigo 45

da LDB permitiu a diversificação das instituições, regulamentada pelo Decreto n°

2207/97 do Presidente da República, tornando possível a criação de diferentes

organizações acadêmicas autorizadas a ministrar educação superior. Essas novas

formas � centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos

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superiores ou escolas superiores � podem funcionar, sem precisar desenvolver as

funções indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão que as Universidades

devem cumprir, como postula a Constituição (art. 207).

A legitimação de tais formatos pelo Decreto nº 2306/97 tendeu a dissociar

essas atividades, com o intuito de ampliar a oferta de cursos de ensino e o nível

de graduação, diminuindo os custos. Os defensores desta proposta consideram as

universidades públicas como centros de excelência, onde prevaleceria a pesquisa.

Para as privadas sobraria o ensino e a extensão, setores cuja demanda as

públicas não teriam capacidade de atender. Assim, nessa concepção:

Estas atividades seriam responsabilidade prioritária das IES privadas, que, em convênio com o governo, poderiam atender tal demanda, por estarem geograficamente descentralizadas e, dessa maneira, realizando o que as instituições de natureza pública não poderiam fazer (Silva Jr. e Sguissardi, 2001: 215).

Baseados em importante pesquisa empírica, os autores mostram que, de

fato, acontece nas universidades privadas que:

O ensino continua sendo a atividade principal, secundada apenas circunstancialmente pela pesquisa. Esta, por dispendiosa, estaria sendo substituída, no setor privado, pela extensão, aqui entendida como pesquisa aplicada associada ao ensino e, em geral, desenvolvida na comunidade local em que a instituição se insere. (...) e ainda assim, desde que pudesse contar com apoio governamental e de verbas públicas (Silva Jr. e Sguissardi, op. cit.: 236-7).

Essa tendência � a relação entre universidades privadas, extensão e

convênios com o Estado � assinalada pelos autores merece destaque para fins da

análise da parceria do Programa Alfabetização Solidária com as IES, objeto deste

estudo.

Outra questão relevante nas políticas universitárias brasileiras da década,

que conduzem o processo de privatização, é a da competitividade:

Para tanto, ele [o sistema educacional] deve ser diversificado e avaliado permanentemente mediante um sistema de avaliação com incentivos e punições, uma vez que se acredita que tal sistema promoveria a eficiência, o desempenho e produtividade

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(Catani e Oliveira, op. cit.: 112).

A implementação do Exame Nacional de Cursos (ENC) � o Provão �,

introduzido em 1996 e a Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de

Graduação, em 1997, baseada na verificação em campo de três dimensões: corpo

docente, organização didática e pedagógica e instalações físicas, mostram que:

... contrariando a proposta de governo do candidato Fernando Henrique Cardoso, o foco da avaliação do ensino superior deslocou-se da dimensão institucional para a dimensão individual. (Cunha, 2003: 49).

Foi, portanto, desconsiderado o Programa de Avaliação Institucional das

Universidades Brasileiras (PAIUB) e inaugurada a tendência avaliativa do controle

centralizado, em um sistema cada vez mais autônomo e diferenciado.

O PAIUB foi uma iniciativa de avaliação das universidades públicas

brasileiras, decorrente de experiências realizadas em algumas delas e construídas

com a participação de entidades, tais como o Fórum de Reitores de Cursos de

Graduação (PROGRAD), a Associação de Dirigentes das Instituições Federais de

Ensino Superior (ANDIFES) e o Conselho de Reitores das Universidades

Brasileiras (CRUB), entre outros. Estava baseado nos princípios de globalidade,

comparabilidade, respeito à identidade institucional, não punição ou premiação,

adesão voluntária, legitimidade, continuidade (PAIUB, 1994).

Mas, ante o relaxamento legal implícito na LDB, que permitiu a ampla

abertura de novos cursos, sem muito controle quanto à qualidade e necessidade,

diga-se de passagem, canalizando a demanda por educação superior pela via da

iniciativa privada, o mecanismo estabelecido para realizar o controle de qualidade

foi a avaliação72, embora muito desacreditada pela escassa aplicação de medidas

decorrentes dos resultados nas instituições e cursos, deixando a regulação pela

via do mercado: �O resultado desses novos processos centralizados de avaliação,

72 A avaliação da Educação Superior sofreu modificações a partir de abril de 2004, com a sanção da Lei 10461, aprovada pelo Congresso Nacional, estabelecendo o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) que consta de três pilares: avaliação institucional, de cursos de

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especialmente do �Provão�; tem sido a publicação de rankings das

universidades...� (Catani e Oliveira, op. cit.: 116).

Assim, o Provão atuou como �... um regulador não tradicional da mesma

forma que �a mão invisível do mercado´ do liberalismo clássico� (Barreyro, 2004:

41). Aplicado gradativamente aos graduandos das diversas áreas, acabou por

constituir um controle que regula livremente a qualidade do Ensino Superior. O

princípio era que as IES, cujos alunos não obtivessem bom desempenho na prova,

deveriam melhorar sua qualidade, caso contrário perderiam alunos para outras

mais eficientes. Acrescentou-se a isso o efeito prático da utilização dos resultados

como um instrumento de marketing e publicidade, próprios da competitividade das

empresas privadas. Assim, faixas e cartazes apareciam nas instituições em

fachadas, documentos e espaços publicitários, informando sobre sua colocação

no ranking, como indicador de qualidade, sendo estes procedimentos mais

explícitos nas instituições privadas (Cunha, Fernández e Forster, 2003).

Dessa forma, a mão invisível do Provão, foi, na prática um regulador mercadológico e midiático porque os resultados das provas aplicadas aos alunos foram utilizados por deslocamento como �notas� dos cursos e também por deslocamento como �nota� das universidades. (...) O Provão, apesar de suas deficiências técnicas, permitia comunicar uma mensagem nos próprios códigos e linguajar da publicidade e o marketing. Embora fosse questionada tecnicamente a impossibilidade de comparações entre as notas dos diversos cursos73, e de não haver gerado o fechamento de nenhum curso, tinha um valor baseado não na verdade, mas na eficácia comunicativa dos conceitos A, B, C, D, E (código no qual eram apresentados os resultados) que constituíam uma mensagem muito clara (Barreyro, op. cit.: 41).

Assim, o controle de qualidade do sistema em expansão se produziu por

meio de um modelo de Estado avaliador que �... promove e incrementa �um

choque de mercado� em que são combinados elementos de regulação do Estado e

do mercado na reconfiguração do sistema educacional� (Catani, Oliveira e

Dourado, 2001: 108), gerando uma acirrada concorrência entre as IES, nas quais

graduação e de desempenho dos estudantes. 73 Numerosas foram as críticas à qualidade técnica do Provão tais como: Rothen (2003), Cunha (2003) e Ristoff (2002), entre outros.

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legitimam-se os procedimentos de marketing e publicidade próprios de qualquer

produto do mercado comercial, utilizando-se, para tanto, de todas as ferramentas

desenvolvidas no campo publicitário. Com isso, o dispositivo �Provão� teve grande

visibilidade midiática e a questão da imagem passou a ser relevante no mercado

da educação superior74.

Um outro aspecto destacado na divulgação das Instituições de Ensino

Superior é o da responsabilidade social, entendida não apenas como o

cumprimento da sua missão, mas como o envolvimento em atividades de cunho

social, visando contribuir para o desenvolvimento do país, no mesmo sentido que

é utilizado pelas empresas, como assinalado no capítulo anterior. Assim, em

muitas IES este quesito da responsabilidade social é um importante elemento de

marketing, uma vez que permite mostrar uma outra imagem além daquela dos fins

lucrativos, especialmente nas instituições privadas não filantrópicas e não

confessionais. Essas atividades, nas IES cuja organização acadêmica responde

ao formato de universidade, são incluídas, quase sempre, nas atividades de

extensão, as quais se referem, em geral, ao treinamento em ações que permitam

o exercício da prática profissional e o estágio na idéia de prestação de serviços,

divulgando à comunidade o conhecimento gerado nas Instituições.

As experiências de extensão universitária anteriores mais importantes que

dizem respeito ao tema desta pesquisa são o Serviço de Extensão da

Universidade Federal de Pernambuco, pela sua ligação com o Movimento de

Cultura Popular e o desenvolvimento da proposta de Paulo Freire, e o Projeto

Rondon.

Do primeiro, há referências neste capítulo, quando se falou da alfabetização

de adultos.

O Projeto Rondon foi criado por militares de orientação nacionalista e

estava ligado ao Ministério do Interior. Desenvolveu-se de 1969 até 1974, tendo

criado em 5 anos 22 campi avançados, chegando a envolver 24.963 universitários.

74Para aprofundar-se neste assunto, cfr. Sampaio (2000: 355-366), que analisa a publicidade gráfica de Instituições de Ensino Superior privadas.

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Os princípios básicos que estruturaram a proposta eram o voluntariado, o

aproveitamento do tempo livre dos estudantes nas férias, a rejeição da política

partidária e o aprendizado direto por meio da prestação de serviços. Seria um �...

programa visando a canalização da energia jovem para causas nacionalistas,

sendo imprescindível o conhecimento da realidade do país, muitas vezes

constrangedora, causando um impacto na juventude e criando um nível de

responsabilidade para a solução dos problemas da nação� (Gurgel, 1986: 115).

O desenvolvimento do Projeto Rondon ocupou o espaço vazio deixado pela

desestruturação e desestabilização dos movimentos estudantis a partir de 1964

(Gurgel, op.cit.: 114), desenvolvendo-se, inicialmente, nas férias escolares e,

depois, de modo permanente, com a criação dos campi avançados. Foi um

mecanismo que, de fato, apoiou a extensão universitária, embora suas propostas

fossem, posteriormente, muito criticadas, pela sua ligação com a ideologia do

regime militar.

Recuperar essa história parece relevante, pois, na discussão atual, a

extensão só seria importante a partir da indissociabilidade com o ensino e a

pesquisa, manifestada na Constituição de 1988. Mas, a LDB e a sua

regulamentação permitiram driblar a Carta Magna e diversificar o sistema, criando

novos formatos que evitam os altos custos da pesquisa e da extensão.

Mesmo nas Universidades, nas quais a indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão persiste, verifica-se uma crise de identidade75. É possível

perceber nos fóruns e encontros de extensão o lugar marginal que ela ocupa no

interior das Instituições e que leva essas a buscar sua legitimação através de

quantos espaços possa ocupar. Para Botomé (1996), se a inter-relação entre o

ensino e a pesquisa nas instituições fosse socialmente significativa, a extensão

não precisaria assumir o papel de realizar o compromisso social da instituição,

cumprindo funções próprias de outras organizações sociais, tais como órgãos

75Cheguei a ouvir essas opiniões nas IES: �Ninguém agüentava ele, então lhe colocaram como pró-reitor de extensão�, �Estou montando um projeto de pesquisa, quero sair da pró-reitoria de extensão, pois não tem futuro�.

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públicos, associações comunitárias, agremiações de classe etc.

Outra situação marcante, como já foi assinalado, é que, como a pesquisa

tem alto custo, a extensão oferece condições para o desenvolvimento da pesquisa

de baixo custo (Silva Jr. e Sguissardi, op. cit.), sendo funcional ao modelo de

expansão acelerada pela via privada, de finais da década de 1990.

Enfim, e para concluir, tentei mostrar, neste capítulo, alguns elementos das

políticas de alfabetização de adultos no Brasil, especialmente as recentes

mudanças no âmbito educacional produzidas durante o governo de Fernando

Henrique Cardoso, a partir da sanção da LDB. Também, que, com a aprovação

dessa norma jurídica, houve algumas conseqüências para a educação de jovens e

adultos, entre as quais a falta de financiamento para esse nível de ensino e a

necessidade de encarar os fatos (e os dados) do analfabetismo adulto com menos

custo. Paralelamente, o ensino superior brasileiro se expandiu pela via privada,

incorporando elementos de marketing e publicidade, entre os quais o da

responsabilidade social, que se junta às tradicionais ações de extensão realizadas

nas universidades brasileiras desde o segundo quarto do século XX, guiadas pela

necessidade de indissociar ensino, pesquisa e extensão, consagrada pela

Constituição Brasileira de 1988, embora nem sempre isso se dê.

Essas questões adquirem relevância e significado na análise do Programa

Alfabetização Solidária que será estudado no próximo capítulo.

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99

CAPÍTULO 4

O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Este capítulo visa analisar a implementação do Programa Alfabetização

Solidária pelas Instituições de Ensino Superior. Constitui-se de três partes: a

primeira descreve as características do Programa; a segunda explica a ligação do

Programa com as IES a partir, principalmente, dos depoimentos dos pró-reitores

entrevistados; e a terceira analisa a sua implementação pelas IES. Foi construído

a partir de documentos relativos ao Programa e com dados coletados mediante:

• Entrevistas abertas com três presidentes dos Fóruns de Extensão das

Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas, Privadas e Comunitárias

respectivamente, realizadas em 2003, em Brasília.

• Entrevistas realizadas com Pró-reitores de Extensão de oito Instituições de

Ensino Superior participantes do Programa Alfabetização Solidária, em

2003 e 2004, assim caracterizadas: duas IES públicas estaduais do

Nordeste, duas IES privadas do Nordeste, uma IES privada confessional do

Centro-Oeste, uma IES pública federal do Sudeste, uma IES privada

confessional do Sudeste, uma IES privada do Sudeste.

• Entrevistas com três participantes e ex-participantes do Conselho

Consultivo do Programa Alfabetização Solidária, entre 2002 e 2004, em

São Paulo, pertencentes a uma IES privada do Sudeste, uma IES privada

do Nordeste e uma IES pública do Nordeste.

• Entrevista com um membro da ONG Ação Educativa (especializada na

temática), em 2004, em São Paulo.

• Participação em 3 encontros promovidos pelas Instituições de Ensino

Superior para seleção e capacitação de alfabetizadores. Esses encontros

eram realizados de forma intensiva, com duração semanal, mensal ou

quinzenal. Nessa tarefa o instrumento de coleta de dados foi a observação

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100

direta, aberta, registrada em diário de campo, em 2001 e 2002, na cidade

de São Paulo e na região do Alto Tietê.

• Visitas a 19 salas de aula de alfabetização em funcionamento do Programa

Grandes Centros Urbanos, que constituíram 20% das salas de duas das

Instituições76 de Ensino Superior em São Paulo e municípios do Alto Tietê,

em 200277. Na escolha das salas foram consideradas variáveis como tipo

de instituição (igreja, escola, associação comunitária), turno (diurno,

vespertino, noturno) e outras mais pragmáticas (facilidade de acesso,

segurança etc.). Nessas visitas, foi utilizada a observação direta, com

registro em diário de campo.

• Visitas a 40 salas de aula de municípios do Estado de Alagoas do

Programa Nacional, em 2002 e 2003. Nessas visitas, a técnica utilizada foi

a de participante como observador78 (Taylor e Bogdan, 1992), tendo

alcançado o universo completo.

• Entrevistas abertas com 3 Coordenadores Gerais de Instituições de Ensino

Superior, em 2001.

• Entrevistas abertas com 15 Coordenadores dos Alfabetizadores (em São

Paulo e no Nordeste), em 2001, 2002 e 2003.

• Entrevistas abertas com 8 professores dos Cursos de Capacitação, em

2001 e 2002.

• Entrevistas com 18 alfabetizadores da cidade de São Paulo e região do Alto

Tietê (SP), cuja amostra foi constituída por aqueles que lecionavam nas

salas de aula visitadas, em 2002; e com 20 alfabetizadores do Nordeste,

em 2001, 2002 e 2003.

• Entrevistas breves a 168 alfabetizandos das salas de aula, em São Paulo,

em 2002, com o objetivo de obter dados sobre seu perfil sócio-econômico-

cultural.

76 Uma das três instituições saiu do Programa Centros Urbanos nesse semestre. 77 Os municípios da região do Alto Tietê, nos quais foram realizadas as visitas às salas de aula, têm 5,2%; 7,1%; 7,1%; 7,1%; 8.3%; 9,7%; 10,9% e 11.7% de analfabetismo. São Paulo tem 4%. (Censo 2000-IBGE). 78O fato de atuar como coordenadora da Instituição B permitiu que eu fosse participante ativa do

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101

• Entrevistas abertas com autoridades políticas dos municípios envolvidos (2

Secretários de Educação, uma assessora e uma vereadora), em Municípios

do Nordeste e da região do Alto Tietê, em 2002 e 2003.

• Questionário auto-administrado dirigido às autoridades das instituições

(escolas, associações de moradores, igrejas e paróquias), com as quais

duas das Instituições de Ensino Superior observadas estabeleciam

parcerias e nas quais eram ministradas as aulas de alfabetização, em 2002.

Foram respondidos 18 questionários.

• Participação em encontros organizados pelo Programa Alfabetização

Solidária, tais como a 2ª, 3ª, 4a. e 5a Semanas da Alfabetização, em São

Paulo, em setembro de 2001, setembro de 2002, setembro de 2003 e

setembro de 2004, com observação direta e registro em diário de campo.

Características do Programa Alfabetização Solidária79. ]

O Programa Alfabetização Solidária iniciou-se em janeiro de 1997. Foi

criado pelo Conselho da Comunidade Solidária com o objetivo de �reduzir os

índices de analfabetismo no país� (www.alfabetizaçaosolidária.org, acesso em 15-

07-2001) e guiado pelo princípio da focalização com um critério territorial,

priorizando os 32 municípios com maiores taxas de analfabetismo (acima de

55%). A meta, no seu primeiro documento, era: �em 2 anos, reduzir, o índice de

analfabetismo, pelo menos, à média nacional�80. O público alvo do programa

seriam os jovens na faixa etária de 12 a 18 anos. Desenvolveu-se um projeto

piloto no primeiro semestre de 1997, em 38 municípios, destinado a 9.200 alunos,

em parceria com 38 universidades e 11 empresas. Durante os anos seguintes, as

cifras foram:

processo, mas, aos fins da pesquisa, era observadora de situações que seriam dados da pesquisa. 79A descrição do Programa está baseada na forma que teve desde seu início até o segundo semestre de 2003. Com a criação do Programa Brasil Alfabetizado, dependente do Ministério da Educação, depois da mudança do governo, o Programa Alfabetização Solidária realizou algumas mudanças (capacitação, cadastramento de alunos etc.) e tentou implementar o Brasil Alfabetizado (que tem características diferentes) em alguns municípios. Alguns documentos internos, de 2004, parecem indicar um retorno ao modelo inicial do Programa.

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102

Tabela 17: Empresas financiadoras, Municípios e Instituições de Educação Superior Participantes e Alunos Atendidos � Programa Alfabetização Solidária

1997- 2004.

Semestre/ Ano

Municípios Participantes

Empresas Financiadoras

Instituições de Ensino Superior

Participantes

Alunos Atendidos

1°-1997 38 11 38 9.2002°-1997 120 20 80 29.4501°-1998 148 39 105 36.3502°-1998 581 45 152 200.8001°-1999 580 39 153 200.8002°-1999 866 43 173 300.0001°-2000 1005 75 174 340.0002°-2000 1016 70 177 360.0001°-2001 1248 72 176 400.0002°-2001 1487 90 204 510.0001°-2002 2010 92 204 600.0002°-2002 2010 95 204 600.000

1°e 2°-2003 - - - - 1°e 2°-2004 - - - 794.00081

Fonte: Programa Alfabetização Solidária, c. 2003, 2003 e 2004a.

A partir de 2003, nos documentos do Programa, a difusão dos dados não

aparece por semestre, mas acumulados desde 1997 até o ano respectivo (2003 e

2004), como mostra a tabela a seguir:

Tabela 18: Empresas financiadoras, Municípios e Instituições de Educação Superior Participantes e Alunos Atendidos � Programa Alfabetização

Solidária � 2003 e 2004

Ano Municípios

Participantes Empresas

Financiadoras Instituições de

Ensino Superior Participantes

Alunos Atendidos

2003 2.010 135 219 4.000.000 2004 2.050 144 209 4.900.00082

Fonte: Programa Alfabetização Solidária, 2004 e www.alfabetização.org.br (acesso em 14-01-05)

80Em 1991, a taxa de analfabetismo era 20,07% na população de 15 anos ou mais. 81Em Programa Alfabetização Solidária (2004) aparece essa cifra como previsão de alunos que seriam atendidos em 2004. 82Projeção.

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103

A quantidade de alunos atendidos até 2003, 4.000.000 de analfabetos,

mostra que o Programa Alfabetização Solidária alcançou 26% da população

analfabeta do país de 15 anos ou mais. Mas, dentre os alunos atendidos, entre 20 e 24% evadiram-se do curso (Programa Alfabetização Solidária, 2002c: 14).

As empresas referidas no quadro anterior podem incluir outras entidades,

tais como instituições, governos e organizações, conforme são mencionadas em

alguns documentos desde finais de 2002. Portanto, nem todas as entidades

pertenciam à iniciativa privada, como era implícito no discurso original.

O fato de serem apresentados somente os dados acumulados dos anos

2003 e 2004 não permite ter clareza sobre quantos municípios, empresas e IES

participaram efetivamente em cada um desses anos. Por sua vez, algumas

Instituições de Ensino Superior que apareciam no site (acessado em 1º-09-2004)

como participando do Programa, já haviam saído dele, introduzindo um viés nos

dados do último ano.

Quanto aos dados específicos do Projeto Grandes Centros Urbanos, a

quantidade acumulada de alunos que participaram era de 221.000 (do total da

projeção de 4.900.000), entre 1993 e 2004. (Programa Alfabetização Solidária,

2004).

Localização geográfica:

O Programa Alfabetização Solidária realizava suas ações, à época da

pesquisa, em três lugares:

• Nos municípios:

Implantou-se em municípios das regiões Norte e Nordeste83 do país, ao início,

e depois, em 2002, no Centro-Oeste e Sudeste, priorizando-se as cidades com

maiores índices de analfabetismo. Essa modalidade de ação era chamada de

Projeto Nacional.

83Os municípios do Nordeste e do Norte foram prioritariamente atendidos durante todo o desenvolvimento do Programa. Em 2002 eram: 1516 municípios no Nordeste, 184 no Norte, 242 no Centro-Oeste e 72 no Sudeste. (Programa Alfabetização Solidária, 2002e-folheto). Embora com mudanças nos anos posteriores, sempre foi mantida a preponderância do Nordeste

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104

• Nos Grandes Centros Urbanos,

Criado em julho de 1999, dois anos após ter se desenvolvido o Projeto

Nacional, o Projeto Grandes Centros Urbanos começou em São Paulo e Rio de

Janeiro, continuando, em 2002, em Brasília, Fortaleza e Goiás, segundo os

documentos do Programa, por existirem grandes quantidades de analfabetos

nessas cidades, considerados os números absolutos84. Mantinha as

características gerais do formato do Programa Nacional quanto à duração dos

módulos, rotatividade, bolsas e participação das Instituições de Ensino

Superior.

• Em outros países:

Finalmente, também foi desenvolvida uma linha do Programa Alfabetização

Solidária em países de língua portuguesa, tais como Timor Leste, São Tomé e

Príncipe, Moçambique e Cabo Verde. Essas ações não tiveram andamento em

2004, porque não foram apreciadas pelo Congresso Nacional. Foram

implementadas até a mudança do governo, embora no site e publicações

continuem aparecendo como se continuassem em funcionamento.

Financiamento

Segundo o Programa Alfabetização Solidária, as EMPRESAS custeariam a

metade dos gastos por aluno durante cada semestre, que era de R$ 34,00 por

mês85; portanto destinariam R$ 17,00 por aluno. Esse dinheiro era gasto, segundo

os documentos oficiais, nos salários dos coordenadores do município e dos

alfabetizadores, na hospedagem e alimentação desses durante a capacitação, na

merenda escolar e nas avaliações. Algumas empresas faziam doações de dinheiro

coletado em campanhas e promoções, e outras em serviços ou produtos de sua

marca. Por exemplo, a TELECOM disponibilizava o uso gratuito de 38 linhas

telefônicas para as comunicações entre a Coordenação Nacional do Programa, os

municípios e as universidades. As companhias aéreas TAM, VARIG, VASP, GOL

e TRANSBRASIL concediam 50% de desconto nas passagens aéreas dos

84Em São Paulo, existiam 383.000 analfabetos e no Rio, 199.000. (Inep, 2003). 85A partir de 2003 foi atualizado para R$ 42.00.

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coordenadores e alfabetizadores (Programa Alfabetização Solidária, 2001).

Não foi possível saber, com certeza, se existia ou não isenção de impostos

às empresas como contrapartida dessas doações ao Programa. Segundo uma

integrante da Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária e criadora

do Programa, �não é isenção do imposto de renda�, porém outras fontes diferiam.

Corsino (1999: 23) afirma: �Quanto às empresas parceiras, além de terem um

ganho social e político, financiando o Programa, certamente têm também uma

redução no seu Imposto de Renda�. Também Paula et alli. (2001: 2) assinalam que:

"Os parceiros do setor privado, em sua maioria, beneficiam-se de isenções de

impostos, o que torna esses recursos também de caráter público�86.

O discurso, nos documentos, destacava o caráter de doações. Por

exemplo, a Revista Escrevendo Juntos divulgava: �Ford doa recursos para Projeto

Grandes Centros� e �Parceria da Brasil-Telecom diminui distâncias� (Programa

Alfabetização Solidária, 2001: 4-5). O Projeto Grandes Centros Urbanos recebeu

uma doação de R$ 22.300,00 da empresa Ford, obtidos na realização da

�Campanha Mundo Jovem�, na qual, da venda de veículos modelo Fiesta, R$

50,00 eram revertidos ao Programa. (Programa Alfabetização Solidária, 2001: 5).

Segundo dados de 2002, os doadores foram 13.500. (Programa Alfabetização

Solidária, 2002c.: 29)

Entretanto, um folheto divulgado em 2003, com dados de 2002, informava

que uma parte das doações poderia ser deduzida: O valor investido nas ações do Programa Alfabetização Solidária poderá ser deduzido integralmente do imposto de renda até o limite de 2% do lucro operacional de pessoa jurídica. Para cada semestre de parceria, o Programa Alfabetização Solidária fornece às empresas solidárias uma prestação de contas parcial ou final, dando transparência ao uso dos recursos adotados (Programa Alfabetização Solidária, 2003b).

No caso do Projeto Grandes Centros Urbanos, as doações eram realizadas

por PESSOAS PRIVADAS que pagavam os R$ 17,00 por aluno, durante um

86Não foi possível checar essas informações contraditórias, uma vez que, durante um ano e meio, não foram atendidos meus pedidos de entrevista (feitos pessoalmente, por carta, por e-mail e até enviando o roteiro) à Superintendente do Programa Alfabetização Solidária, Regina Esteves.

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semestre, mediante a campanha adote um aluno, difundida pela imprensa e por

algumas empresas, à guisa de doação. Segundo os documentos, a essa

campanha aderiram 11.302 pessoas em 2000, das quais 92,82% renovaram ou

mantiveram as doações durante mais de um semestre: 43% doadores eram de

São Paulo, 22% do Rio de Janeiro e 6% de Belo Horizonte. (Programa

Alfabetização Solidária, 2001: 2). Essa campanha gerou críticas: �Não é ser

adotado, como pede a campanha �Adote um analfabeto�. Quem não sabe ler tem

direito a ter escola, não a ter esmola.� (Haddad, In Revista ADUSP, 2002: 79).

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO custeava a outra metade do valor dos

gastos por aluno � R$ 17,00 � em materiais didáticos, tais como canetas,

borrachas, papel pardo, dicionários, cola, papel sulfite, lápis, cadernos, cartolinas

e módulos de alfabetização. Também pela via do Ministério da Educação, os

módulos Viver, Aprender, desenvolvidos pela ONG Ação Educativa, eram

distribuídos para todos os alfabetizandos e também era entregue um módulo guia

para cada alfabetizador, para orientar o seu trabalho.

Os recursos orçamentários, advindos do governo Federal, recebidos pelo

Programa foram os seguintes:

Tabela 19: Recursos do Governo Federal para o Programa Alfabetização Solidária - 2000-2004

Ano Recursos Recebidos do

Governo Federal 2000 24.302.000 (*) 2001 79.333.638(*) 2002 107.000.000 (**)2003 30.000.000(***)2004 12.000.000(***)

Fontes: Elaboração própria com dados obtidos de SIAFI, in TCU, (2003) (*), MEC (2004) (**) e Folha de S.P. (9-9-04) (***).

Destaca-se o acréscimo de recursos recebido em 2002 (ano eleitoral) que

coincide com o maior numero de municípios (2010) atingidos pelo programa, sem

que houvesse um aumento importante na quantidade de empresas parceiras. Com

o novo governo, os recursos destinados diminuíram bastante.

Os GOVERNOS ESTADUAIS, em alguns casos, eram parceiros do

Programa, em vez das empresas, complementando o aporte do MEC, tal como no

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Ceará, Acre, Roraima, Espírito Santo e Goiás. No Ceará e em Goiás, todos os

municípios do Estado contavam com o Programa Alfabetização Solidária.

Segundo a Coordenadora do Programa: �A parceria com os governos estaduais

não estava prevista e aconteceu pelo interesse desses Estados em aderir� (2a.

semana da alfabetização, 08-09-2001). O financiamento, nesses casos, deve ter

sido com fundos públicos stricto sensu.

Implementação

O Programa Alfabetização Solidária foi organizado em módulos com

duração de seis meses: o primeiro mês era destinado à capacitação dos

alfabetizadores nas Instituições de Ensino Superior e os cinco meses seguintes

eram utilizados para a realização efetiva do curso de alfabetização, nos municípios

e cidades, devendo receber os alunos a quantidade de 240 hs/aula.

Segundo afirmado nos documentos oficiais, o Programa estava baseado na

intervenção de diversas entidades, tais como: Instituições de Ensino Superior

(públicas e privadas), municípios, ONGs e UNESCO-Brasil, com as quais

estabelecia o que o Programa chamava de parcerias.

As INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR utilizavam sua estrutura e seu

know how na alfabetização de adultos. Designavam um coordenador responsável

pelo Programa Alfabetização Solidária. A organização do trabalho no interior

dessas Instituições não era uniforme nem preestabelecida, dependendo de cada

uma. Deviam realizar cursos de capacitação a cada seis meses na cidade onde se

localizava a Instituição e, depois, acompanhar o desenvolvimento do Programa in

loco, com viagens de um ou mais professores da IES, com custos pagos pelo

Programa (passagens) e pelos Municípios (alojamento, alimentação e traslados).

70% das Instituições participantes eram privadas e 30% públicas. Do total

de IES, 30% estavam no Estado de São Paulo.

Segundo os documentos, os MUNICÍPIOS tinham como tarefa na parceria a

provisão de salas de aula, a difusão da convocatória para alfabetizadores e

alfabetizandos, a provisão das �merendeiras�, o transporte do alfabetizador até as

salas de aula e o translado e alojamento do professor da Instituição de Ensino

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Superior que mensalmente visitava o município, no caso do Projeto Nacional.

Também, era o Município que recebia o dinheiro das bolsas de merenda, de R$

2600,00 por semestre, destinadas à alimentação dos alfabetizandos. No caso dos

Grandes Centros Urbanos, era a IES quem as recebia.

A UNESCO do Brasil colaborava na organização de eventos, tais como as

Semanas da Alfabetização. Também garantiu pessoal técnico para a realização de

pesquisas ou avaliações do Programa, de caráter interno, não publicados. A

UNESCO internacional considerava-o como um dos cinco melhores Programas de

Alfabetização do mundo e o atual presidente da Unesco-Brasil, Dr. Jorge

Werthein, era membro da Associação de Apoio ao Programa Alfabetização

Solidária. Foram outorgados 7 prêmios ao Programa por essa instituição, sendo o

último em 2004.

As ONGs, num sentido amplo, participavam do Projeto Grandes Centros

Urbanos, cedendo espaços para instalação de salas de aula.

Principais participantes (Atores)

Os atores principais envolvidos no Programa Alfabetização Solidária, no

nível micro, eram os coordenadores das IES, o coordenador do município, o

monitor, os alfabetizadores e os destinatários: os alfabetizandos.

Os coordenadores das Instituições de Ensino Superior eram os

responsáveis pela implementação do Programa em seus aspectos pedagógicos.

Existia um coordenador geral e, pelo menos, um coordenador pedagógico em

cada Instituição. Também havia coordenadores de alfabetizadores, um para cada

10 salas de alfabetização.

Os coordenadores geral e pedagógico selecionavam os coordenadores do

município no Projeto Nacional e de alfabetizadores no Projeto Grandes Centros

Urbanos (que podiam ser alunos da própria Instituição). Também, organizavam a

capacitação dos alfabetizadores em suas Instituições e se ocupavam do

acompanhamento do Programa nos municípios, mediante visitas mensais. Outra

tarefa que realizavam era a ligação entre o Programa Alfabetização Solidária e a

coordenação central e operativa de Brasília e os municípios, visando à liberação

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dos pagamentos e outras questões administrativas, especialmente problemáticas.

Recebiam como pagamento R$300,0087 a cada grupo de 10 salas de aula, sendo

a acumulação de 30 salas o máximo permitido.

Os coordenadores do município eram selecionados pelos coordenadores da

Universidade de uma lista elaborada pela Prefeitura. Na prática, costumava ser

uma pessoa ligada à Prefeitura. Eles organizavam e supervisionavam a

implementação do Programa no município, agindo como um elo entre ambos, de

modo a providenciar a infra-estrutura que a Prefeitura devia fornecer (salas de

aula, transporte dos alfabetizadores às salas rurais, transporte e alojamento do

coordenador da Instituição de Ensino Superior etc.). Trabalhavam com um monitor

(que antes devia ter sido um alfabetizador no Programa), encarregado da

supervisão pedagógica das salas. Recebiam como pagamento R$ 200 no

Nordeste e R$ 300 nos Centros Urbanos, na modalidade bolsa.

Os alfabetizadores eram selecionados pelos coordenadores das IES,

devendo ser do próprio município e residir perto do lugar onde era instalada a sala

de alfabetização. Eram priorizados na seleção aqueles que tinham formação como

professores, em seguida segundo grau completo; não existindo nenhum dos dois

tipos, era selecionado quem tivesse 8ª série. Deviam ser substituídos a cada

semestre, depois de cada módulo, mas, excepcionalmente, seriam mantidos se

não existissem pessoas com formação no local. A rotatividade dos alfabetizadores

era defendida nos documentos do Programa Alfabetização Solidária sob o

argumento de que, assim, diferentes pessoas no município obteriam capacitação

nas Instituições de Ensino Superior e viajariam para fora da sua cidade, o que lhes

permitiria conhecer outros lugares do país e outras realidades. (Conselho

Consultivo das Universidades Parceiras do Programa Alfabetização Solidária,

1999). Os alfabetizadores, no Nordeste, recebiam como pagamento R$ 120,00 na

modalidade de bolsa e, nos Centros Urbanos, R$ 200,00.

No Projeto Grandes Centros Urbanos, existia também um coordenador

cultural, professor da IES, que realizava atividades no curso de capacitação.

Recebia uma bolsa de R$ 300,00 a cada 10 salas, com um máximo de 20 salas.

87Em 2003, diminuiu para R$ 250,00.

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110

Ele contava com dinamizadores culturais (1 para cada 10 salas), alunos ou

docentes da Instituição, responsáveis pelo desenvolvimento de atividades culturais

e de lazer com os alunos, na sala de aula. Esses dinamizadores recebiam uma

bolsa de R$ 150,00.

Os alfabetizandos, alvo do Programa, eram pessoas entre 12 e 18 anos,

analfabetas. Mas, na prática, não existia limitação de idade para participar. Eles

podiam pertencer ao Programa Alfabetização Solidária durante um semestre,

tempo considerado suficiente para a alfabetização, depois deveriam ser

incorporados nas redes de educação de adultos dos próprios municípios88.

Gestão

O Programa Alfabetização Solidária estava organizado como uma

Superintendência executiva. A Superintendente, desde o início, foi a Dra. Regina

Esteves. O organograma do Programa mostra a existência de 7 Assessorias e 5

Departamentos.

As Assessorias eram as de Relações Internacionais, Especial, de Dados e

Projetos, Jurídica, de Recursos Humanos, de Relações Institucionais e de

Administração. Os Departamentos, de caráter operacional, eram de Comunicação

Institucional, de Avaliação e Acompanhamento, de Articulação Institucional, de

Captação e Operacional. A Superintendente executiva mediatizava, coordenava

as ações entre os distintos setores parceiros, sendo que não existia contato direto

entre as empresas e os municípios e instituições de educação superior89, embora

vez por outra esse contato tivesse acontecido.

Até em encontros anuais, tais como as Semanas da Alfabetização,

organizavam-se instâncias diferentes para cada parceiro. Assim, na 2ª Semana da

Alfabetização, realizada de 3 a 8 de setembro de 2001 na cidade de São Paulo, a

88 Embora se manifestasse que haveria continuidade de estudos dos alunos, essa não era uma linha desenvolvida pelo Programa, pois sua inserção dependia das redes existentes nos municípios, os quais, devido às disposições do FUNDEF, não recebiam fundos para o ensino fundamental dos adultos. Assim, muitas vezes, a continuidade dos estudos ficava prejudicada pela falta de políticas voltadas à educação de jovens e adultos. 89 No início do Programa, em alguns documentos, aparecia a relação das empresas e dos municípios aos quais financiavam. Posteriormente, tanto os materiais de divulgação quanto os

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inauguração foi feita no Teatro Municipal com a presença dos empresários

doadores. No dia seguinte, foi a vez dos Reitores e Pró-Reitores no Teatro Cultura

Artística. E, no terceiro dia, o encontro dos Professores Coordenadores no mesmo

Teatro. Estrutura semelhante verificou-se na 3ª Semana da Alfabetização, em

2002, mas em outras locações.

Uma função especial no Organograma era a da Associação de Apoio ao

Programa Alfabetização Solidária - AAPAS. Criada em novembro de 1998, definia-

se como �... uma organização não governamental sem fins lucrativos e de utilidade

pública, com estatuto próprio que passou a ser responsável pela execução do

projeto� (www.alfabetizacaosolidaria.org, acessado em 3/12/2001). Definida como

um órgão colegiado, era composta por três órgãos administrativos: Diretoria,

Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal90.

Segundo era afirmado reiteradamente pela Superintendente e até pelo ex-

Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, a criação da Associação teve como

objetivo facilitar a recepção do dinheiro doado pelas empresas e seu envio aos

municípios. �A criação da entidade proporcionou maior autonomia para a captação

de recursos e agilidade no gerenciamento das atividades�

(www.alfabetizacaosolidaria.org, acessado em 3/12/2001). Apesar das afirmações,

os problemas detectados nas entrevistas, no que diz respeito a essa questão,

mostram ser tão graves quanto os das burocracias governamentais.

�A Ruth [Cardoso] ligava para as empresas, ela tinha listas e pedia

para o [projeto] piloto, primeiro. Ela mesma coordenou o projeto. (...)

eventos do Programa apenas mencionavam as empresas, sem vinculá-las a nenhum município. 90A primeira composição da AAPAS foi: Diretoria: Eduardo Eugênio Gouvea Vieira (Presidente), Regina Célia Vasconcelos Esteves (Superintendente), Augusto César Antunes de Franco (Diretor Financeiro) e José Gregori (Diretor Administrativo). Conselho Deliberativo: José Luiz Portella (Presidente), Gilda Figueiredo Portugal Gouvea, Efrem de Aguiar Maranhão, Helena Sant´Ana Sampaio, Juliana Pires da Costa, Vilma Guimarães; e como suplentes Malk El Chichini Poppovic, Manoel Dantas Barreto Filho, Guiomar Namo de Mello, Rubens Belfort Mattos Júnior, Jorge Ricardo Werthein, Tocaya Matsumura Tundisi. O Conselho Fiscal era composto por Alfredo Nagid Rizkallah, Manoel Felix Cintra Neto e João Carriello de Moraes Filho. Os demais sócios fundadores foram: Andre Beer, Antoninho Marmo Trevisan, Antônio Ermírio de Moraes, Benjamin Steinbruch, Brigitte Cecile Michele Nouailhetas Loyola, Dulce Maria Pereira, Fernando Souza Pinto, Hélio Egydio Nogueira, Luiz Fernando Furlan, Miguel Sadocco Giannini, Miguel João Jorge Filho, Nizan Guanaes Gomes, Pedro Moreira Salles, Rolim Adolfo Amaro (+) (www.comunidadesolidária.org. br/asocapoioalfasol.html, acessado em 16-07-2001).

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112

ela queria fazer uma parceria com as Universidades. A Ruth elogiava

sempre as Universidades. Ela pegou o CRUB, o Conselho das

Universidades e eram eles que coordenavam. O dinheiro era

repassado para eles e era muito complicado porque cresceu muito,

então criaram uma ONG, que é uma fundação, tem auditoria externa.

O presidente da ONG dá credibilidade, se não fosse por essa

credibilidade não funcionaria, se for o MEC que recebesse os fundos

não funcionaria�. (Coordenadora de Instituição de Ensino Superior

Pública e membro do Conselho Consultivo).

Mas, a opção por uma associação de apoio, embora a Dra. Regina Esteves

afirmasse que se tratava de uma ONG, podia se dever a questões pragmáticas, tal

como maior poder de decisão. Falconer (1999: 104) considera que esse tipo de

instituições não constitui o terceiro setor e que: ... o controle governamental é assegurado através dos seus estatutos que conferem ao poder público direitos como a nomeação de conselheiros e executivos, controle fiscal etc (...) essas entidades são criadas para tornar mais flexível a gestão das agências públicas contornando a rigidez das normas burocráticas a que estão sujeitas.

Também existia um Conselho Consultivo de Pró-reitores das Instituições de

Ensino Superior participantes, com a missão de assessorar o Programa. Segundo

alguns depoimentos de ex-membros, o Conselho não tinha nenhum poder de

decisão, somente assessorava mesmo, sendo que poucas das modificações

sugeridas por alguns membros eram levadas em consideração91. Na prática, a

presidente da AAPAS, que também era a Superintedente executiva, concentrava o

poder de decisão.

91 Entrevistei quatro membros ou ex-membros do Conselho. Evidenciava-se o papel homologador de alguns desses integrantes. Outros, de grande nome, realizavam críticas e sugestões, que nem por isso eram contempladas.

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113

O Programa Alfabetização Solidária e as Instituições

de Ensino Superior92

Origens

Existem duas versões sobre a criação do Programa Alfabetização Solidária:

a versão oficial, verbalizada por pessoas ligadas ao próprio Programa e que

funciona como mito de origem, diz que a idéia surgiu da própria primeira dama à

época, Dra. Ruth Cardoso. Como ela manifestara publicamente na imprensa, não

queria ser somente uma primeira dama, e sim continuar com suas atividades. Sua

identidade acadêmica, sua profissão de professora doutora da Universidade de

São Paulo teriam gerado a idéia de fazer das Instituições de Ensino Superior as

executoras de um dos Programas da Comunidade Solidária. Seu próprio trabalho

junto aos movimentos sociais a teria levado a idealizar esses programas

(Comunidade, Universidade, Capacitação e Alfabetização Solidárias),

terceirizando a execução em ONGs e Instituições de Ensino Superior93.

�Tendo convivido com o mundo acadêmico, tinha como ponto de

partida que a Universidade: alunos e professores, têm muito a dar.

Essas idéias que moveram estes programas Universidade Solidária,

Comunidade Solidária e Alfabetização Solidária estão sempre

apoiadas no reconhecimento e trabalho de professores universitários.

O fato de que agregamos ao mesmo trabalho Universidades privadas

e públicas é importante.� (Ruth Cardoso, 2ª Semana da

Alfabetização, 4-09-2001, grifo meu).

Segundo outras pessoas, que não pertenciam ao Programa, a idéia surgiu

dentro do Ministério da Educação, por entender que, pelo modelo criado, era

preciso uma gestão mais dinâmica, não compatível com a máquina burocrática do

92 Derivado dos depoimentos dos pró-reitores entrevistados, de membro da ONG Ação Educativa, de membro da APAAS e de declarações em eventos públicos e na imprensa. 93 �O Programa foi feito entre poucos, quase artesanalmente. Não há nele a mente do governo federal. Está baseado mais em experiências anteriores em Comunidades (...) Ainda me lembro das primeiras reuniões onde pensávamos como ia funcionar. Éramos só uns poucos. Eu pensei a articulação com as Universidades�. (Integrante da AAPAS).

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114

Ministério. Também acreditava-se que as IES públicas iriam assumir a

responsabilidade pelo Programa, minimizando a participação das privadas. Assim,

o Programa, formulado no Ministério da Educação, teria sido oferecido à já

existente Comunidade Solidária que, pelo seu modelo de gestão, facilitaria a

implementação. �Isso é um absurdo! Se não fosse o governo o Programa não teria

existido. Criamos o Alfabetização Solidária, e o governo paga 50% dos gastos

dele...� (Paulo Renato Souza, República, 2001: 41).

Em outra versão, a própria Ruth Cardoso se juntou ao ex ministro na

idealização do Programa: �Estávamos voltando de uma viagem, quando visitamos

o primeiro projeto do Universidade Solidária e falamos de fazer algo semelhante

para trabalhar com a alfabetização dos adultos�. (Paulo Renato Souza. 2ª.

Semana da Alfabetização, 4 de setembro de 2001).

Papel das Instituições de Ensino Superior

Segundo documentos do Programa Alfabetização Solidária, a função das

IES era �... treinar e capacitar coordenadores e alfabetizadores, estimular a

geração de teses, pesquisas acadêmicas e produção de material didático voltados

para a alfabetização e alojar os alfabetizadores durante o treinamento� (Programa

Alfabetização Solidária, s/d, sem número de página).

De acordo com esses documentos, no primeiro ano do Programa, o

Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) recebia e repassava

os recursos financeiros das Empresas para as Instituições participantes, antes de

ser criada a AAPAS, para facilitar o recebimento dos recursos94, como já foi dito.

O Programa Alfabetização Solidária chegou às IES por vários caminhos:

amizade e contatos pessoais ou acadêmicos, indução governamental, procura das

próprias Instituições pelo Programa ou convite.

No início, o Programa relacionou-se com as Instituições mediante contatos

pessoais com alguns professores: �Era pessoa-dependente� (Presidente do Fórum

94 Cabe salientar, segundo Arelaro e Kruppa (2002), que o CRUB já tinha tido intervenção na temática da alfabetização na falida experiência da Fundação Educar, desativada pelo governo Collor.

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de Pró-reitores das Universidades Públicas). Algumas pessoas, que tinham

relação pessoal com Ruth Cardoso ou com outros criadores do Programa, eram

convidadas e, dessa forma, o Programa ia entrando em algumas Instituições,

sendo identificado com algum professor que aderia a ele. Isto lhe outorgou um

caráter pouco institucional, principalmente em algumas universidades públicas,

chegando, inclusive, a ficar dissociado de outras experiências de alfabetização,

nessas mesmas Instituições.

�Chegou pela amizade pessoal da reitora com a Prof. Ruth Cardoso.

Conheciam-se de quando moraram na França� (Pró-reitor de

Extensão de Universidade Pública, Ceará).

Além dessa característica, uma outra forma de ingresso das Instituições foi

a pressão ou indução governamental. Vários depoimentos citam comentários

ouvidos, no sentido de que a Instituição seria bem vista nas avaliações do

Ministério da Educação; que o Ministro, na época, interessava-se pela participação

das Instituições de Ensino Superior no Programa; ou, ainda, que as Instituições,

tanto públicas quanto privadas teriam recebido sugestões no sentido de apoiar

mais o Programa. Alguns afirmavam que a Secretaria de Ensino Superior do

Ministério da Educação considerava um diferencial a participação neste Programa:

�Na minha Universidade, o Reitor recebeu pressões da irmã do

Governador, ela pediu que a Universidade apoiasse um dos

Programas da Comunidade Solidária� (Pró-reitor de Extensão,

Universidade Privada, São Paulo).

�Para as públicas talvez houve pressão, para nós houve um

incentivo, com toda certeza, houve um incentivo...� (Presidente do

Fórum de Extensão das Universidades Privadas).

O incentivo podia referir-se ao fato de a Instituição de Ensino Superior ter

que passar pelos processos de avaliação criados pela LDB, novidade para elas,

nos quais a participação em Programas, como a Alfabetização Solidária, seria um

diferencial. Mas houve casos, nos quais a procura foi da própria Instituição:

�O ex-reitor da IES, que tinha dirigido o Mobral em Fortaleza, fez

contato com o Programa Alfabetização Solidária e, em 1998,

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conseguiu fechar um convênio�. (Pró-reitor de Extensão de

Universidade Privada, Ceará).

Também houve convites às Instituições:

�Houve uma reunião da ABRUC (Associação Brasileira de

Universidades Comunitárias) na qual Dona Ruth foi e explanou como

seria o trabalho. Distribuiu-se uma carta de adesão e quem se

achava afim a isso preenchia ou não�. (Pró-reitor de Extensão de

Instituição de Ensino Superior Comunitária, D.F.)

O fato de ser um projeto da primeira dama também fez com que houvesse

uma disposição maior das IES para participar.

Questionamentos

Segundo Sampaio (1999), em algumas universidades públicas implementar

um programa relacionado com a primeira dama gerou críticas do corpo docente e

conflitos internos, questão levantada por alguns entrevistados:

�Houve resistência a toda ação que parecia chapa branca� (Pró-reitor

de Instituição de Ensino Superior Pública - Ceará).

�E tinha uma certa identificação por causa da própria figura da dona

Ruth, professora Ruth Cardoso, a presença dela no primeiro

movimento, tanto Alfabetização Solidária, como Comunidade

Solidária e, depois, as várias Solidárias que foram aparecendo, a

própria presença da mulher do Presidente da República construía

relações políticas que interferiam, chegavam à Universidade na

forma de certas induções políticas à participação� (Presidente do

Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas).

O fato de participar de um programa governamental por amizade também

acarretava �falta de engajamento e indiferença� que, em alguns casos, traduzia-se

em falta de participação. Uma Instituição decidiu tomar parte, criticamente, para

aproveitar a oportunidade de alfabetizar (Paulla et alli, 2001. 3). Em outra, pública,

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117

também houve um certo antagonismo �... o Programa é depreciado, apesar de a

instituição ter um núcleo de alfabetização de jovens e adultos�. (Coordenadora de

Instituição de Ensino Superior Pública, São Paulo).

Em algumas Instituições públicas, cujos programas de alfabetização

estavam relacionados com ONGs ou movimentos populares, houve maior

oposição crítica ao modelo e metodologia apresentados. Porém, algumas, do

Nordeste principalmente, decidiram participar.

Havia uma certa �indução governamental grande� para as Instituições

permanecerem no Programa, que as impedia de sair:

�Às vezes, a própria Universidade tinha a percepção de que ela devia

sair do Programa, havia problemas graves ou diferenças,

principalmente no nível conceitual, pedagógico e muitas vezes os

professores [falavam]: �vamos parar de trabalhar com isso, vamos

sair´. E na própria Universidade chegava uma mensagem: �Nossa,

vocês tem que colaborar, tal, né?� (Presidente do Fórum de Pró-

reitores de Extensão das Universidades Públicas).

Em uma versão diferente, oficial, foi a reticência das públicas em participar

de um programa governamental que gerou a entrada das IES privadas:

�As Universidades federais não queriam participar porque achavam

que era um programa governamental, então nós falamos: �Vamos

convidar as privadas�. Então, como elas aceitaram, algumas Federais

também� (integrante da AAPAS).

Mas, algumas instituições se posicionaram e decidiram sair do Programa

Nacional:

�Saímos do Projeto Nacional em outros Estados e permanecemos

nos grandes centros urbanos e realizando o Projeto Nacional no Vale

de Jequitinhonha [dentro do próprio Estado no qual atuava a IES]�.

(Pró-reitor de Extensão de Instituição de Ensino Superior Pública,

Minas Gerais).

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Participação das Instituições de Ensino Superior privadas

A participação das IES privadas estava baseada em outra lógica, pois, para

elas, a propaganda e o marketing eram, também, uma motivação importante:

�Houve uma percepção de que as propostas se adequavam mais às

Universidades privadas, ao interesse de imagem ou de marketing

social e se achava que essa relação com o sistema privado era... A

gente parecia o chato da história, parecia que a gente era o crítico,

enquanto que as outras eram o elogio. As privadas nunca viram nada

de crítico, marcavam uma diferença de posição bastante nítida no

nosso entendimento�. (Presidente do Fórum de Pró-reitores de

Extensão das Universidades Públicas)

Para algumas dessas instituições, o Programa Alfabetização Solidária

significava um reconhecimento, assim como a possibilidade de inserção:

Foram os primeiros Programas que consideraram as Instituições

particulares como parceiros legítimos. Isso para nós foi uma coisa

muito importante, uma abertura muito importante, porque deu para

mostrar que nós fazemos um trabalho sério, relevante. Por isso, nós

temos uma gratidão e um reconhecimento pela coragem do

Programa de estar olhando, de estar considerando. (...) Mudou

bastante, em função da participação em esses programas, a

percepção do valor das particulares, hoje já ninguém questiona.�

(Presidente do Fórum de Extensão das Universidades Privadas).

Segundo os entrevistados, e os dados o corroboraram, as IES públicas

tomavam conta de um maior número de municípios do que as privadas, porque �...

elas [as privadas] assumem para ocupar espaços: poucos municípios. Nas

públicas tem maior aprofundamento e alcance95� (Pró-reitor de Extensão de

Instituição de Ensino Superior Privada, Sergipe).

Os depoimentos acima mostram como o Programa foi útil como legitimação

das Instituições de Ensino Superior privadas, a maioria das quais nascidas na

95 Isto foi verificado tanto nas IES do Nordeste quanto nas de São Paulo. Assim, uma universidade estadual do Nordeste tinha 63 municípios e 22.500 alunos atendidos durante um semestre,

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119

época de expansão do ensino superior e da criação de mecanismos de avaliação,

reconhecimento e credenciamento de IES e cursos. Nesse momento, a

participação em um programa governamental podia induzir um diferencial.

Também havia outras legitimações que o Programa proporcionava. Assim,

uma integrante da Associação de Apoio falava do baixo clero.

�Em algumas delas as pessoas fazem mestrados que depois não

estão reconhecidos pelo MEC. Mas seus trabalhos são publicados na

Revista Científica e se fazem encontros [como as Semanas da

Alfabetização] para a divulgação. Muitas vezes não são de uma

grande qualidade teórica...� (integrante da AAPAS).

Esse �baixo clero�, como ela o chamava, era um sub-circuito que se

legitimava com o Programa.

Benefícios para as Instituições de Ensino Superior

Os entrevistados destacavam, também, que o desenvolvimento do

Programa Alfabetização Solidária nas IES gerava situações tais como: fomento às

atividades de extensão com a provisão de fundos, institucionalização das

experiências de alfabetização de jovens e adultos, pesquisas na área de educação

de adultos, marketing social e imagem pública, realização de estágios e viagens.

• Fomento às atividades de extensão

Fora um início pouco institucional ou institucionalizado devido à participação

baseada em contatos pessoais (�pessoa-dependente�), com o passar do tempo,

foi na área de extensão universitária que o Programa Alfabetização Solidária, em

geral, ficou inserido. Essa institucionalização no setor de extensão evidenciou-se

nas 4a e 5a Semanas da Alfabetização realizadas em São Paulo (em 2003 e

2004), que tiveram como convidados pró-reitores ou coordenadores de extensão

de várias IES e, em ambas as edições, organizou-se uma mesa com os

Presidentes dos Fóruns de Pró-reitores de Extensão de IES privadas e públicas.

Também foi incluída a temática da extensão em uma das publicações do

enquanto uma privada, também do Nordeste, tinha 14 municípios e 3500 alunos.

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120

Programa96. Esses fatos mostram a ligação construída pelo Programa

Alfabetização Solidária com esse setor das IES, embora isso nem sempre tenha

implicado uma articulação com o ensino e a pesquisa.

Os pró-reitores entrevistados manifestaram que, em algumas universidades

públicas, o Programa significava a existência de fundos que elas não possuíam

para a realização de atividades de extensão, permitindo desenvolver trabalhos ou

sustentar experiências prévias na área de alfabetização de adultos. A participação

no Programa permitia que as instituições pudessem apresentar �resultados

visíveis e quantificáveis� (Pró-reitor de Extensão de Universidade Pública, Ceará).

• Pesquisa e institucionalização da área de educação de jovens e adultos

Segundo opiniões manifestadas durante a pesquisa, o Programa

Alfabetização Solidária também contribuiu para desenvolver, ou ajudou no

desenvolvimento de atividades de pesquisa na área de alfabetização de adultos

em Instituições de Ensino Superior públicas e privadas.

Ações como o cadastramento do primeiro grupo de pesquisa no CNPQ

sobre alfabetização de adultos de uma Universidade Pública que possui 106.856

alfabetizandos97 e a criação de um Mestrado em Alfabetização de Adultos, assim

como o fomento de diversas publicações (livros, revistas) são produtos da

participação no Programa. �O núcleo de alfabetização de adultos existia desde

antes. O Programa Alfabetização Solidária deu uma consistência maior ao

trabalho anterior, especialmente às salas de aula nas favelas, que a Universidade

não podia manter porque não tinha fundos�. (Pró-reitor de Extensão de

Universidade Pública, Ceará)

A criação da habilitação em Educação de Jovens e Adultos em uma

Instituição privada do Nordeste é identificada como derivada da implementação do

Programa Alfabetização Solidária pelo seu pró-reitor. Verificou-se, também, a

criação da disciplina de educação de jovens e adultos no curso de Pedagogia de

algumas Instituições de Ensino Superior públicas e privadas.

96 Extensão amplia seu alcance. Programa Alfabetização Solidária (2004). 97 Produto da soma dos Programas Brasil Alfabetizado (do MEC), Alfabetização Solidária e Pronera

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Depoimentos de Pró-reitores e de um membro da ONG Ação Educativa,

que têm participado de várias bancas de defesa, registraram uma maior produção

de dissertações e teses na área. Também está se tornando freqüente a realização

de estudos de pós-graduação (doutorados e mestrados) dos próprios participantes

na execução do Programa Alfabetização Solidária em temáticas decorrentes ou

relacionadas com Educação de Jovens e Adultos e Alfabetização98. A criação de

materiais didáticos e publicações, derivadas das experiências de alfabetização,

também é mencionada como outro fato decorrente do Programa.

Entretanto, observou-se que em algumas instituições privadas, em especial

no Estado de São Paulo, nenhuma ação do tipo mencionado foi realizada, não

tendo o Programa relação alguma com a pesquisa na instituição, mantendo-se

meramente como uma atividade de extensão.

O impacto verificado foi maior nas IES, cuja região apresentava um maior

número de analfabetos e/ou que atuaram na sua própria região.

• Marketing social e imagem pública

A inserção nessa área outorgava, segundo os entrevistados, ações de

marketing social da instituição, dando-lhes visibilidade na comunidade e um

diferencial, por se responsabilizar pelos problemas sociais do país.

A visibilidade nos municípios era um outro ganho, porque atraía mais

alunos interessados em realizar estudos nessa Instituição. Deve-se, também,

considerar que, em algumas IES, o salário recebido pelos alunos que trabalhavam

como coordenadores permitia-lhes pagar a mensalidade de seu curso.

Mas essa visibilidade, em alguns casos, poderia gerar prejuízo para a

Instituição, uma vez que, em municípios muito pequenos, os atrasos nos

pagamentos das bolsas do Programa aos alfabetizadores causavam dúvidas

acerca da honestidade dos professores, gerando uma má imagem da IES

responsável, segundo vários dos entrevistados.

(Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) 98 O site do Programa Alfabetização Solidária (www.alfabetizacao.org.br) mostra a produção na área, embora ainda não tenham sido realizados estudos sistemáticos dos trabalhos do período, como de outros períodos.

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• Realização de estágios

O Programa Alfabetização Solidária também foi um marco na realização de

atividades de estágio de diversos tipos, como coordenação, capacitação e

regência de aulas, nas atividades de alfabetização propriamente ditas e nos

diversos projetos culturais do Projeto Grandes Centros Urbanos. Neste último

aspecto, houve uma gama muito variada de atividades: desde artes até educação

sexual e odontologia. Verificaram-se experiências coordenadas e ligadas com o

objetivo do Programa e outras, nas quais este era aproveitado para a realização

de estágios de qualquer área da Instituição de Educação Superior, sem qualquer

articulação com as atividades próprias do Programa. Nesse sentido, algumas

Instituições (especialmente as privadas) aproveitavam para cobrir suas próprias

necessidades de espaço para estágios sem custo algum para elas; outras, porém,

conseguiam realizar um bom trabalho de articulação. Sobre isto o Programa

Alfabetização Solidária não realizava nenhuma avaliação.

• Viagens: �turismo� solidário?

Para alguns Pró-reitores entrevistados, a participação nos eventos anuais

do Programa Alfabetização Solidária, especialmente nas Semanas da

Alfabetização realizadas em São Paulo, era um elemento fundamental na

motivação dos professores das Instituições de Educação Superior.

Tais eventos proviam de passagens o coordenador e os professores

capacitadores das Instituições que, algumas vezes, contavam com alunos para

cumprir essas funções:

�Essa é a grande motivação da Universidade Pública, muitos deles

alunos pobres da Universidade que são coordenadores no Programa

Alfabetização Solidária e esperam o ano todo para vir para São

Paulo�99. (Pró reitor de Extensão de Universidade Privada, Sergipe)

99 Apesar de ter desconfiado desse depoimento, duas horas depois escutei uma conversa de uma participante do evento que, no celular, contava sobre suas compras realizadas na cidade de São Paulo, durante a 4a. Semana da Alfabetização, no horário em que havia atividades do evento.

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Em alguns casos, as viagens eram consideradas como um elemento

compensador da mínima remuneração, recebida com atraso. Assim, tanto as idas

para São Paulo para participar das Semanas da Alfabetização quanto as viagens

para os municípios das diversas regiões eram aproveitadas por alguns

professores para ficar alguns dias a mais passeando na cidade, indo à praia ou

para ganhar as milhas das viagens de avião. Eram, também, uma motivação para

os próprios alfabetizadores, que deixavam suas cidades com o entusiasmo de

passar duas semanas estudando e conhecendo São Paulo ou na cidade sede da

Instituição responsável pelo Programa no seu município100.

Quanto às Semanas da Alfabetização, tratava-se de eventos com conteúdo

acadêmico, organizados em espaços e com programação diferentes para os

diversos setores participantes. Na 2a Semana, por exemplo, os empresários �

parceiros � tiveram um evento no Teatro Municipal de São Paulo, no qual foram

apresentados os resultados do Programa, com participação de alfabetizandos

selecionados e alfabetizadores, que sensibilizavam, com seus relatos, um

auditório composto pelos responsáveis por 80% do PIB do país.

Nos eventos destinados às Instituições de Ensino Superior havia espaços

para os Pró-reitores, nos quais eram entregues diplomas e prêmios pela

participação. Em outros espaços, havia programação para coordenadores e

professores, consistindo em palestras proferidas por especialistas, por autoridades

do Ministério e por integrantes do Programa. Nas palestras acadêmicas,

capacitavam-se os coordenadores sobre alfabetização em língua e matemática; já

os integrantes do Programa difundiam resultados e as autoridades do Ministério

apoiavam o desenvolvimento das ações. Também havia oportunidade para os

professores das Instituições de Ensino Superior apresentarem seus trabalhos, em

geral relatos de experiências, em diferentes salas temáticas.

Eram eventos nos quais contrastavam o luxo e a abundância, em locais muito

sofisticados (hotéis, teatro municipal) e comida elaborada e abundante, com os

ambientes nos quais se desenvolvia a alfabetização. Essa situação era criticada

100 Em 2003, mudou a sistemática da capacitação, que passou a ser realizada em cada município (ou grupo de municípios a cargo de uma mesma IES).

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124

pelos próprios participantes, questão que era rebatida pelas autoridades com

argumentos de que eram doações de parceiros. O contraste era realmente

enorme entre a sala de aula iluminada a lampião, com alfabetizandos reclamando

porque não recebiam a merenda prometida, e as deliciosas sobremesas dos bem

iluminados restaurantes em São Paulo. Nas sucessivas Semanas da

Alfabetização o luxo e a abundância foram diminuindo, não se sabe se pelos

comentários e críticas recebidos ou pela diminuição no repasse de recursos.

A implementação do Programa pelas Instituições de Ensino Superior

As IES foram escolhidas para a execução da parte fundamental do

Programa Alfabetização Solidária, ou seja, a pedagógica, pressupondo que elas

têm um capital acumulado de saberes e experiência requeridos para alfabetizar

adultos. Nessa gestão pedagógica, as tarefas que elas realizavam incluíam

componentes operacionais e organizacionais, tais como: curso de capacitação,

seleção de alfabetizadores e coordenadores, implementação de salas de aula em

outras instituições. Esses componentes serão analisados com base nos dados

levantados em três Instituições, uma pública (Instituição A) e duas privadas

(Instituição B e Instituição C).

As três IES atuavam tanto no Projeto Nacional, quanto no dos Grandes

Centros Urbanos. No Projeto Nacional, a Instituição A atuava em municípios dos

Estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco. As Instituições B e C atuavam no

Estado de Alagoas. No Projeto Grandes Centros Urbanos, a Instituição A atuava

na zona leste da cidade de São Paulo e as Instituições B e C em municípios da

região do Alto Tietê, na Grande São Paulo.

A participação nas atividades descritas e analisadas a seguir não teve o

mesmo nível de aprofundamento nas três Instituições, porque uma delas não

permitiu tanta abertura quanto as outras. Mesmo não contando com material

homogêneo, acho importante apresentar os resultados obtidos em todas, porque

permite analisar diferentes formas de implementação do Programa.

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125

Curso de capacitação

O curso de capacitação era um dos eixos centrais da parceria das

Instituições de Ensino Superior, porque é um dos saberes que elas deveriam

desenvolver no Programa Alfabetização Solidária e pelo qual eram convocadas.

Os cursos de capacitação observados respeitaram ou não a duração

requerida pelo Programa, de 120 horas de trabalho.

A Instituição A realizou um curso massivo, com alfabetizadores e

coordenadores de 7 municípios, destinado ao Nordeste que, embora respeitasse o

tempo estabelecido, foi mal aproveitado, devido a um planejamento que não foi

cumprido. A capacitação era realizada por alunas bolsistas que estavam

estudando em diversos cursos (Pedagogia, Letras, Geografia) sob coordenação

de uma professora da Instituição, que possuía vasta experiência na área de

educação de adultos. Essa IES foi a única das três a apresentar uma proposta

pedagógica própria que não as cartilhas da Ação Educativa, montada em fichas

com lâminas e atividades organizadas ao redor de temas motivadores, kit que era

distribuído para todos os alfabetizadores.

O curso oferecido pela Instituição B (ao qual tive mais acesso) aproximou-

se bastante da quantidade de horas previstas e aproveitou um pouco mais os

horários. Foi organizado intensivamente durante uma semana e com encontros

mensais aos sábados (manhã e tarde). As disciplinas incluídas na capacitação

foram: Língua portuguesa (18 horas), Matemática (10 horas), Planejamento e

Avaliação (16 horas), Projeto Cultural (10 horas), Arte educação (4 horas),

Educação e Cidadania (6 horas), Psicologia Educacional (6 horas) e Questões

administrativas (4 horas), somando um total de 74 horas.

Esta Instituição de Ensino Superior investiu na capacitação, contratando

professores além do orçamento que proporcionava o Programa Alfabetização

Solidária. Assim, ela conseguia não só desenvolver as áreas �prioritárias� como

língua e matemática, como também proporcionava elementos complementares

para o desenvolvimento de temas transversais e ensinava elementos de didática e

planejamento. Mas, nem todos os professores tinham experiência em educação

de adultos e, embora tivessem muito conhecimento da sua disciplina, faltava uma

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126

didática específica que pudesse permitir um maior aproveitamento do curso. No

caso do Planejamento e do Projeto Cultural, embora houvessem ensinado

conteúdos, o interesse das professoras visava mais à necessidade de conseguir

que os alfabetizadores entregassem o planejamento por escrito, outorgando,

assim, um caráter burocrático à questão.

O aproveitamento do tempo no curso também não era bom, verificando-se

atrasos dos docentes. Embora houvesse muitas questões a serem discutidas e

muitas dúvidas por parte dos alfabetizadores, essas não eram priorizadas. A

excessiva distância entre o professor da Instituição, que conhecia de forma

indireta a prática do alfabetizador, e a escassa criação de condições para realizar

a capacitação a partir da reflexão sobre essa prática faziam os encontros mensais

serem pouco produtivos. As aulas de língua portuguesa, embora ensinassem os

fundamentos da alfabetização de adultos mediante bibliografia e leitura na sala de

aula, não permitiam uma apropriação conseqüente dos conteúdos, pelas

dificuldades advindas da formação prévia dos alfabetizadores, muitos deles sem

hábito de leitura.

Para ministrar o curso, os professores recebiam uma bolsa no valor de R$

300,00 do Programa, no caso dos de Língua Portuguesa, Matemática,

Planejamento e Projeto Cultural. Mas, a Instituição outorgava verbas de extensão

para o pagamento dos outros docentes participantes e, às vezes, para completar

as bolsas das professoras coordenadoras do Programa (R$ 20,00 por hora aula).

Nesse sentido, embora essa Instituição fizesse um bom investimento e

organizasse a capacitação com seriedade e profissionalismo (especialmente se

comparada com outras experiências observadas), a falta de experiência na área,

por parte dos professores, ou de uma área de pesquisa ou núcleo de estudos

sobre educação de jovens e adultos não favorecia a formação do alfabetizador,

levando em conta, especialmente, o caráter rotativo dele no Programa.

Uma permanência maior nessa Instituição, pelo fato de desenvolver tarefas

de coordenação ali, permitiu-me observar que o curso de capacitação era mais

aproveitado, quando o alfabetizador permanecia mais de um semestre e repetia o

curso. Por isso, uma capacitação de apenas 120 horas como instrumento de

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127

formação de alfabetizadores, algum deles com apenas o ensino fundamental �

como no caso dos do Nordeste � mostrava resultados pouco convincentes na

prática: �... é uma �maquilagem�, é um curso muito curto, insuficiente para ensinar,

muito rápido e atropelado� (Professora da Universidade B).

A Instituição C realizou o curso em encontros mensais, de forma que os

alfabetizadores foram para as salas de aula depois de apenas 3 horas de

sugestões sobre como usar o módulo �Viver, aprender�, explicado por uma

professora de Língua Portuguesa da própria Instituição. As aulas seguintes de

capacitação foram ministradas por cada uma das coordenadoras, alunas ou

egressas da Instituição, com seu grupo, em dias a combinar101.

Enfim, os cursos de capacitação das três Instituições não conseguiam

preparar os alfabetizadores para desempenhar sua função. Nem aquelas que

ofereciam um curso de melhor qualidade conseguiam mostrar diferenças

significativas no desenvolvimento das aulas. Na prática, não havia grandes

diferenças entre os alfabetizadores das IES analisadas. Assim, uma capacitação

de duas semanas sem uma formação específica não os preparava para ensinar.

Os que desenvolviam melhores trabalhos independiam dos cursos, aproveitando

suas experiências prévias como professores ou suas características pessoais. A

passagem à função de professor não é fácil e, no caso dos que já lecionavam, a

passagem da criança ao adulto também não era realizada com facilidade.

A dificuldade na apropriação dos conteúdos era pior no caso dos

alfabetizadores do Projeto Nacional, cuja base de conhecimentos não era boa.

Contudo, observou-se melhor desempenho em sala de aula daqueles que já eram

professores ou que eram escolhidos pela segunda vez, realizando um segundo

curso de capacitação. Observaram-se casos aleatórios que resultaram excelentes

alfabetizadores pelo seu carisma, respeito pelos alfabetizandos e competências

pessoais, mas infelizmente foram poucos.

101Não fui autorizada pela coordenadora geral da Universidade para participar dessas reuniões. Presumo que porque seria testemunha do descumprimento de aspectos da capacitação, previstos no Programa Alfabetização Solidária.

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128

Nas IES isto era claramente percebido, inclusive a Instituição A, que

possuía um núcleo de alfabetização de adultos já antigo, achava muito difícil que o

curso pudesse dar conta de preparar eficientemente os alfabetizadores.

�São leigos, pessoal que às vezes não tem 8a. série. Faço o possível

e ensino coisas fundamentais para eles dar valor. Às vezes nem eles

mesmos sabem escrever. Ensinam como eles foram ensinados de

pequenos�. (Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Pública,

São Paulo).

Os professores dos cursos de capacitação das instituições estudadas

As Instituições A e C realizavam seu curso de capacitação com alunos ou

ex-alunos formados pela própria Instituição, os quais ministravam aulas sobre

fundamentos de alfabetização e ofereciam orientações sobre o planejamento das

aulas e o processo de ensino-aprendizagem.

O perfil desses professores era variado. Na Instituição A, tratava-se de

alunos de diversos cursos (Pedagogia, Letras, Geografia), preparados em

reuniões semanais para oferecer capacitação aos alfabetizadores. Alguns desses

alunos eram muito críticos sobre o formato do Programa e as condições precárias

do trabalho, mas, ao mesmo tempo, muito comprometidos com as suas tarefas.

Uma aluna realizava visitas para capacitar alfabetizadores a cada quinze dias,

além do que sua bolsa permitia gastar com custo de passagens. Encarava a tarefa

como uma ação militante e profissional. Não concordava com o tom filantrópico e

com algumas características do Programa; entretanto,

�Eu estava lá de 15 em 15 dias, na sala de aula uma vez por mês e

outra vez eu dava capacitação só com o grupo de alfabetizadores,

alguns apenas com 7a. série (...) Entrei não pelo dinheiro. Eu pegava

dois ônibus, ficava duas horas no ônibus Mas pensei que se eu

queria fazer alguma coisa...� (Aluna da Instituição A).

Na Instituição B, os professores capacitadores eram os mesmos que

ministravam disciplinas na graduação, alguns dos quais possuíam curso de pós-

graduação em nível de mestrado. Eram selecionados pelos coordenadores dos

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cursos de graduação, que indicavam aqueles que se interessavam pela educação

de jovens e adultos. As motivações que os levavam a trabalhar no Programa se

deviam a um interesse pessoal na temática da alfabetização, à sua formação

específica na área ou ao fato de terem sido alfabetizadores de adultos: �Para mim

é um espaço para fazer alguma coisa que eu gosto� (Professora da Instituição B).

Todos criticavam o fato de ter que trabalhar cada semestre com um novo

alfabetizador, porque os poucos alfabetizadores que permaneciam mais de um

semestre no curso apresentavam um avanço qualitativo importante. Eles

avaliavam que �no segundo semestre percebem a proposta de trabalho�. A

respeito desses, achavam que o fato de eles pertencerem à comunidade ou serem

indicados por uma associação comunitária era um fato positivo, porquanto �têm

compromisso com as pessoas porque são conhecidas�; e, também, �conseguem

falar de uma realidade mais próxima�.

Os professores também achavam que visitar os cursos de alfabetização era

positivo, mas devido à sua carga horária muito pequena no Programa, só podiam

fazer poucas visitas no caso do Projeto Grandes Centros Urbanos, tarefa que

ficava por conta das coordenadoras, alunas: �Eu trago os problemas para cá. Dirijo

o olhar da aluna e através do olhar dela, semanalmente vejo e discuto, porque não

tenho essa disponibilidade que gostaria de ter� (Professora da Instituição B).

Nesse sentido, pela operativização do Programa na IES, eram as alunas que

estavam em contato com os alfabetizadores e alfabetizandos. Assim, os

professores da Instituição realizavam sua tarefa à distância, através dos

coordenadores-alunos, sem quase ter contato com as salas de aula. De alguma

forma, o Programa terceirizava-se nas Instituições de Ensino Superior e essas nas

alunas. A divisão do trabalho era clara: o mais intelectual era realizado na IES com

segurança e a ação ficava por conta de alunos e alfabetizadores sem estudos

superiores, sem empregos fixos que, para ter um primeiro emprego ou um salário,

mesmo que precário e baixo, corriam os riscos inerentes a um trabalho noturno,

em lugares distantes e, muitas vezes, perigosos.

Na Instituição C, eram utilizados alunos ou ex-alunos, alguns dos quais com

experiência de magistério. No caso, não recebiam formação específica. Esses

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130

alunos mencionavam que, em semestres anteriores, a IES liberara os professores

de suas obrigações para administrar essas aulas, em lugar dos ex-alunos.

As viagens dos alfabetizadores e dos professores das Instituições de Ensino Superior

Uma das questões mais polêmicas do curso de capacitação acontecia no

Projeto Nacional, pois o formato do Programa Alfabetização Solidária previa que

os futuros alfabetizadores viajassem para a cidade-sede da IES, onde era

ministrado o curso. Isto fazia com que duas vezes por ano, uma a cada semestre,

futuros alfabetizadores (que não deviam ser os mesmos) viajassem em massa

pelo Brasil todo para se capacitar, com os custos de viagem (passagens de avião,

alojamento e alimentação) por conta do próprio Programa.

A coordenação do Programa remitia o dinheiro às IES depois que estas

apresentavam seu projeto de capacitação e o orçamento de alojamento e

alimentação, embora numerosos depoimentos dissessem que aconteciam

demoras nesse envio. Muitas vezes, o dinheiro chegava depois de realizado o

curso de capacitação, de modo que a própria Instituição pagava as despesas até

receber os fundos. Freqüentemente, eram as próprias coordenadoras gerais das

IES que pagavam essas despesas. O Programa providenciava as passagens,

segundo anunciado, com importantes descontos das companhias de aviação

parceiras.

Há que se registrar que, embora em cada viagem semestral devessem ser

enviados novos alfabetizadores, na prática, às vezes, alguns desses eram

inscritos novamente. Os próprios coordenadores das Instituições de Ensino

Superior criticavam:

�Esta capacitação duas vezes por ano é absurda. É dinheiro jogado

fora. Escrevemos nos nossos relatórios: �O alfabetizador deveria

permanecer um ano ou dois para fazer um bom trabalho com o

aluno´. Você capacita alguém e não lhe permite desenvolver seu

trabalho. O dinheiro deveria ser empregado em melhorar as bolsas

dos alfabetizadores [que eram de R$ 120,00] também para atrair

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131

pessoas mais formadas, que não se interessam por participar do

Programa. Com esse salário só se interessam leigos, poucos têm

magistério� (Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Pública

� São Paulo).

�A nossa instituição [Pública Federal] saiu e ia para Alagoas, a gente

não via o mínimo sentido nisso, achava que era a UFAL

(Universidade Federal de Alagoas) que devia estar trabalhando lá e

não botar todo mundo no avião e trazer para a nossa cidade, né? 20,

40 pessoas, embora a gente soubesse que do ponto de vista, quanto

experiência pessoal para essas pessoas tomar um avião, vir para cá

era importante, não tinha justificativa pedagógica� (Pró-reitor de

Extensão de Instituição de Ensino Superior Pública � Minas Gerais).

As viagens também geravam nos municípios do Nordeste situações

perversas:

�Tive que instaurar um compromisso escrito, porque as pessoas se

inscreviam como alfabetizadores para fazer a viagem. Faziam o

curso e quando voltavam ao município, desistiam. Só faziam para

aproveitar a viagem e conhecer São Paulo� (Coordenador de

município, Alagoas).

Apesar disto, a experiência que significava observar o impacto da viagem

nos alfabetizadores que saíam de pequenos municípios era comovedora:

�O Programa (...) quer dar oportunidade das pessoas conhecer São

Paulo. Andar de avião é um sonho para a pessoa que mora lá no

interiorzinho do Estado do Ceará, lá numa fazenda, no campo

mesmo, que nem viu um avião de perto. Esse intercâmbio é muito

importante. Nós temos contato com pessoas de Alagoas, de

Pernambuco e de São Paulo, esse intercâmbio de culturas é muito

importante. Ver São Paulo e sair na rua, o corre corre do dia a dia,

que as pessoas não olham para ninguém� (Coordenadora de

município, Ceará).

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132

A viagem para capacitação previa a realização de passeios culturais, para o

qual o Programa Alfabetização Solidária repassava um mínimo de dinheiro. Assim,

a Instituição A, pública, devido a atrasos e pendências, realizava o passeio

facultativamente. Aqueles alfabetizadores que podiam pagar o ônibus eram

acompanhados pelos alunos capacitadores. A Instituição B, privada, investia

recursos próprios nesses passeios, alugando ônibus e utilizando o dinheiro

repassado para a alimentação dos alfabetizadores, que assim almoçavam em

algum restaurante. Essas saídas, nas quais foram visitados Museus de Artes e de

Ciências, o Centro Histórico, Estádios Esportivos, Centros Culturais, constituíram

uma aprendizagem significativa para os alfabetizadores. Mas a Instituição C,

também privada, levava os alunos para passear de trem e metrô.

A realização de atividades culturais outorgava um sentido importante às

viagens para algumas Instituições de Ensino Superior:

�E aí a gente se sentia responsável por essas pessoas, tanto que a

Instituição de Ensino Superior se sentia na obrigação, eu me sentia,

de ampliar o Programa, ao lado daquela capacitação que era

proposta, também fazer um crescimento cultural, um dia de trabalho

em Ouro Preto, ampliar um pouco, além do que as pessoas

reivindicavam visitar shopping, as coisas muito simples, cinema,

participação em espaços culturais como cine clube para ver como

funciona, a Instituição de Ensino Superior integrava� (Pró-reitor de

Extensão de Instituição de Ensino Superior Pública, Minas Gerais).

A dedicação dos professores às atividades de acompanhamento do

Programa nos municípios do Projeto Nacional dependia bastante de cada

Instituição.

A Instituição A enviava alunas que coordenavam cada um dos municípios,

mas, como trabalhavam durante a semana, podiam viajar apenas nos finais de

semana, dificultando as visitas às salas de aula. Os professores das Instituições

privadas � horistas � não dispunham de muito tempo para realizar essas visitas.

Além disso, dependiam bastante da disposição da IES em liberá-los e de não

realizar descontos de salário pelas aulas não dadas durante essas viagens.

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Na Universidade B, era contratado um coordenador que não pertencia ao

quadro de docentes da instituição, para realizar as visitas de acompanhamento

aos municípios, enquanto seus professores só o faziam durante as férias. Essa

solução era eficiente para a Instituição, mas desvirtuava o princípio da

participação das IES e do seu know how adquirido.

A Instituição C liberava os professores para viajarem aos municípios, mas

apenas um para cada local.

As universidades públicas, cujos docentes dispõem, de acordo com o

regime de trabalho, de uma carga horária para desenvolver atividades de

extensão e de pesquisa, disponibilizavam os especialistas na área que, nesse

sentido, tinham maiores condições de se dedicar mais ao Programa. Nas privadas,

derivava-se para um professor mais ligado à área de extensão do que da

alfabetização de adultos.

Seleção de alfabetizadores

A seleção dos alfabetizadores era uma tarefa que as IES deviam realizar e

nas quais também era utilizado seu know how. Havia uma diferença grande entre

os dois projetos: o Nacional e o dos Grandes Centos Urbanos.

O Projeto Nacional escolhia os alfabetizadores nos municípios, segundo

prescrevia o Programa Alfabetização Solidária, pelo coordenador da IES

responsável. Na seleção realizada pela Instituição B, era feita uma divulgação,

havia uma inscrição e depois uma prova e uma entrevista com os candidatos.

Priorizava-se a titulação, embora esta, muitas vezes, não fosse além do ensino

médio. Na zona rural, por exemplo, nem sempre havia pessoas com essas

qualificações e eram aceitas as que tivessem cursado apenas o ensino

fundamental. Não havia interferências e indicações feitas pelas autoridades

municipais, segundo os entrevistados. Entretanto, em alguns municípios isto não

era assim. A tradição de coronelismo local, típico do Nordeste, tentava interferir,

gerando situações complicadas para as IES, como aconteceu com a Instituição A.

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134

Já nos Grandes Centros Urbanos, a dificuldade de achar emprego fazia

com que os requisitos fossem mais refinados. Um outro aspecto importante era a

inclusão dos alunos das próprias Instituições no Programa Alfabetização Solidária: Sugere-se, entretanto, que sejam priorizados os alunos do ensino superior ou médio, profissionais, estagiários e/ou voluntários. Preferencialmente com nível superior e habilitação em cursos de área de educação, no caso de nível médio, em magistério (Programa Alfabetização Solidária, s/d: 15).

Embora esses quesitos habilitassem a participação de alunos das

Instituições de Ensino Superior, diferentemente do Programa Nacional, outros tais

como: �Os alfabetizadores devem residir nas próprias comunidades onde as salas

de aula são implantadas. Devem ser uma referência ou liderança comunitária� (...)

(Programa Alfabetização Solidária, s/d: 15), restringiam essa inclusão.

Na prática, havia várias possibilidades. A Instituição A, pública, que atuava

na zona leste da cidade de São Paulo, determinou que o coordenador de grupo

escolhesse os alfabetizadores. Embora as prioridades fossem maior nível de

escolaridade, morar perto e ter disponibilidade de horário à noite, às vezes os

grupos repetiam o alfabetizador, com a justificativa de que não havia outros

interessados102. Assim, a coordenadora da Instituição manifestava que havia

professores muito comprometidos, mas que a falta de formação fazia com que não

estivessem preparados para lidar com analfabetos.

A Instituição B, responsável por municípios da região do Alto Tietê em São

Paulo, selecionava seus alfabetizadores priorizando pessoas pertencentes à

comunidade, destacando esta questão como uma decisão da IES. O Diretor de

Assuntos Comunitários justificava essa escolha por serem as ONGs e a

comunidade importantes para essa Instituição. Assim, utilizavam-se,

preferentemente, de associações de moradores e igrejas como parceiros, em vez

de escolas, na hora de instalar as salas do Programa. Para a equipe de

coordenação, esse era um elemento diferenciador e, por isso, não priorizavam os

alunos da Instituição.

102 Embora a IES dissesse priorizar esses critérios, na prática, apareciam a prima, a irmã e a amiga da coordenadora local, que não era aluna ou ex-aluna da Instituição, como nas Instituições B e C.

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135

Essa Instituição estabeleceu, como critérios para realizar a seleção de

alfabetizadores, os seguintes: pertencimento à comunidade (que às vezes era

entendido como morar perto da sala de aula), indicação pela instituição parceira

onde seriam ministradas as aulas, formação e não participação anterior no

Programa. Outros critérios extrínsecos complementavam a seleção, como o fato

de a entidade ter um local adequado e uma quantidade suficiente de alunos

inscritos (20). Ter experiência ou não como professor não era levado em

consideração como critério. O fato de não ter outro emprego era priorizado pela

facilidade para realizar a capacitação e reuniões em turnos diurnos. Portanto, a

totalidade dos escolhidos não tinha (ou não declarava ter) outro emprego,

segundo dados proporcionados pela Instituição. Mas, de fato, alguns deles

manifestaram nas entrevistas que estavam trabalhando como professores.

Em entrevistas com 30 alfabetizadores, por ocasião do curso de

capacitação, observei que 54% tinham completado sua formação no ensino

médio, predominantemente na área de magistério; 16,6% tinham estudos

universitários (completos 8,3% e incompletos 8,3%). 71% possuíam experiência

como professores, sendo 65% até 2 anos e os 35% restantes entre 2 e 8 anos.

A quase totalidade deles não trabalhava, o que permitia inferir um perfil de

�professores desempregados�, em geral com pouca pontuação para competir com

outros candidatos, questão confirmada em entrevistas: �Sou professora de 1ª à 4ª

série, trabalho no Estado, mas como perdi aula, quis participar...�

A maioria dos alfabetizadores escolhidos era novata no Programa, outros

25% já haviam trabalhado no Programa relacionados com a mesma Instituição de

Ensino Superior. Segundo as entrevistas, eles não mudavam, porque as entidades

não indicavam outros candidatos; especialmente as associações de moradores

que desejavam manter seus voluntários dentro do staff de alfabetizadores,

contrariando, desse modo, a prescrição do Programa e os próprios critérios de

seleção da IES.

Mas, nem todos eram da comunidade. Alguns deles se inscreviam na IES e

ali eram orientados a procurar instituições que queriam abrir salas de

alfabetização e que não tinham alfabetizadores.

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136

A Instituição C, também privada, apresentava uma política diferente,

selecionando apenas alunos, entre os quais a maioria havia dado ou estava dando

aulas. Um número pequeno deles tinha magistério ou era professor já formado.

Tanto nesta quanto em outras IES, as demoras nos pagamentos faziam com que

a participação de alunos como alfabetizadores, apesar de um entusiasmo inicial,

diminuísse muito: �Quase tenho que pedir por favor que participem�

(Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Privada, São Paulo).

Isto fazia, algumas vezes, com que não houvesse seleção por falta de

interessados.

Coordenador de alfabetizadores

Essa função tinha o encargo de coordenar o trabalho de 10 salas de

alfabetização no Projeto Nacional e no Projeto Grandes Centros Urbanos

No Projeto Nacional, os coordenadores eram pessoas do município, que

nem sempre tinham formação pedagógica. Geralmente, tratava-se de alguma

pessoa de confiança das autoridades municipais.

Nos Grandes Centros Urbanos, os coordenadores, na Instituição A, eram

pessoas da comunidade, que não eram nem alunos nem ex-alunos da

Instituição103.

Na Instituição B, eram escolhidos entre os alunos da própria IES. Além de

receber a bolsa que o Programa Alfabetização Solidária destinava para os que

desempenhavam essa função (R$ 300,00), eles obtinham créditos de estágio com

a prestação de serviços. Em geral, eram estudantes de letras, pois a professora

de Língua Portuguesa, que atuava no curso de capacitação, sempre difundia o

Programa entre seus alunos, que se interessavam.

À época da pesquisa, eram coordenadoras, entre 18 e 20 anos, duas das

quais com experiência de trabalho como professoras, já que atuavam na escola de

educação infantil e no ensino fundamental. Não tinham experiência de

103Não houve possibilidade de tomar contato com eles, pois a Instituição deixou o Programa Alfabetização Solidária no decorrer do trabalho de campo desta pesquisa.

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coordenação nem de trabalho comunitário. As tarefas que realizavam eram,

principalmente, o monitoramento do trabalho in situ, nas salas de aula:

�Eu visito os núcleos, procuro onde estão os problemas, passo para

os professores [coordenadores da Instituição de Ensino Superior],

problemas de aprendizagem, problemas que a professora tem, vejo

como é o ambiente que está sendo desenvolvido, as condições que

estão sendo dadas para os alunos e passo o relatório para as

professoras, e elas, através do meu, fazem os delas�.

Uma coordenadora achava limitações nas suas tarefas �Eu vejo o que

fazem mas não posso intervir, não tenho autoridade nenhuma sobre eles�.

As coordenadoras assinalavam como uma dificuldade no seu trabalho a

localização das salas: �... as dificuldades são as distâncias e a locomoção e a

segurança pública precária nos bairros104�. Também esse era um problema para

os alunos: �O caminho mesmo até chegar até lá, às vezes não tem ônibus para

eles chegarem porque é um lugar retirado. Os alunos têm que andar, porque eles

moram em lugares mais distantes�

A respeito do seu salário (bolsa de R$ 300,00) elas achavam que �... bem

pago não está, já a gente sabe que é alfabetização solidária, né? Então você sabe

que é solidária�. Embora o econômico passasse a um segundo plano: �A princípio,

não pode negar que o econômico faz um pouco, mas quando eu comecei me

envolver, vi que isso é o que menos importa. Experiência, o desafio para o

crescimento profissional até o crescimento de conhecer muito�.

Às vezes elas tentavam se justificar, quando saíam da observação das

salas nas quais participei, explicando que não tinham atribuições para corrigir um

alfabetizador, mas que só observavam e passavam seus relatórios para o

coordenador da IES.

A respeito dessas coordenadoras, pelas observações realizadas, elas

demonstravam uma maior dedicação horária ao Programa Alfabetização Solidária

104Corroborei essa situação de falta de transporte e perigo, especialmente à noite, quando funcionava uma maior quantidade de salas, em bairros muito longe e sem transporte. As coordenadoras iam de carro ou de ônibus acompanhadas pelos pais e, algumas vezes, eu me incorporava ao grupo para poder chegar a esses locais.

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do que o que formalmente elas deviam. Sobre isso, uma delas comentava que

essa maior dedicação era contabilizada como horas de estágio. Mas, de fato, era

um envolvimento de outro tipo que ela tinha com o trabalho: uma mistura de

mística, compromisso, afetividade, a �solidariedade� que preconiza o Programa.

Finalmente, a Instituição C escolheu as coordenadoras entre ex-alunas,

algumas delas formadas, com e sem experiência como professoras.

Entre os alunos das Instituições, tanto aqueles que atuavam como

professores no curso de capacitação quanto os que desenvolviam funções como

coordenadores de alfabetizadores, observavam-se dois tipos de comportamentos

no que diz respeito ao Programa: uma postura crítica dos alunos da Instituição

Pública que, apesar de não concordarem nem com o formato nem com a

concepção de Programa, participavam, porque desejavam alfabetizar adultos ou

fazer um estágio; e uma outra postura dos alunos das Instituições Privadas, de

adesão, justificada no discurso da ajuda, da solidariedade e da filantropia.

Entidades parceiras

Para a implementação das salas de aula do Projeto Grandes Centros

Urbanos, as Instituições de Ensino Superior fizeram parcerias com diversas

entidades que tinham acesso às camadas da população analfabeta, tais como

escolas, igrejas, associações comunitárias e de moradores.

Para conhecer a articulação entre essas entidades e as IES foram utilizadas

nesta pesquisa as seguintes fontes de informação: 1) questionários enviados para

as entidades; 2) observações das aulas realizadas in situ; 3) entrevistas com

autoridades dessas entidades; 4) entrevistas com adultos que freqüentavam

algumas das salas de aula. As informações foram sistematizadas pela

triangulação das três fontes: entrevistas, questionários e observações.

A Instituição B105 priorizou às que chamava de ONGs, num sentido amplo,

mas que, a rigor, eram ONGs de base, organizações religiosas (católicas e

105O estudo das entidades parceiras leva em conta somente as mantidas com a Instituição B, cujas coordenadoras apoiaram a coleta de dados realizada por questionário. As entidades parceiras da Universidade responderam ao questionário em 12 casos de 30, sendo escolas, associações de moradores, associação de mulheres e paróquias da igreja católica. Nenhuma igreja evangélica

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evangélicas) e escolas, com as quais já tinha relações anteriores na

implementação de outros projetos. Posteriormente, foram incluídas outras

associações da região (Zona Leste) e oito municípios da Grande São Paulo, na

região do Alto Tietê.

Dentre as instituições, predominavam as associações de bairro, sendo

importante também a quantidade de igrejas que participavam: respectivamente 13

associações de bairro, 6 escolas (1 delas privada), 6 paróquias da igreja católica,

3 igrejas evangélicas, um asilo e um CAMEF (Centro de Apóio ao Menor e à

Família). A IES defendia essa preferência porque

�... permite abrir salas na periferia e pelo fato de a capacitação formar

alfabetizadores do lugar que, uma vez fechada a sala, ficam no local,

capacitados. Potencialmente esse alfabetizador pode continuar a

tarefa e passar a ser uma liderança comunitária� (Coordenadora da

IES)

A parceria consistiu, por parte das instituições da comunidade, na provisão

de espaço: uma sala com móveis aptos para a alfabetização (a seleção que uma

Instituição de Ensino Superior fazia incluiu uma inspeção para comprovar a

existência de condições mínimas de funcionamento: banheiros etc.).

O contato entre as entidades e a IES para a realização da alfabetização foi

iniciativa das primeiras em alguns casos e, em outros, foi o próprio (futuro)

alfabetizador que contatou a IES, ou porque já trabalhava com alfabetização ou

para iniciar as tarefas. O jornal da cidade, a propaganda na TV local, um

conhecimento direto do trabalho da Instituição (ex-alunos, alunos) foram outras

formas pelas quais as entidades souberam do Programa Alfabetização Solidária.

As entidades participantes declaravam ter fins variados: além das escolas,

cuja atividade específica é a educação, existiam outras finalidades declaradas

relacionadas com ajuda social. Assim, as igrejas, cuja função é a evangelização,

também realizavam serviços pastorais de �ajuda aos necessitados�. As

associações comunitárias declaravam, entre suas funções: �ajuda a pessoas

respondeu ao questionário. A Instituição A tinha saído do Projeto Grandes Centros Urbanos na época, enquanto, das entidades que faziam parceria com a Instituição C, poucas responderam o

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carentes da comunidade�, �reuniões de amigos de bairro�, �promoção de festas e

reuniões� e �assistência social a crianças, idosos e adultos�, �trabalhar com os pais

em famílias desestruturadas que não têm conhecimentos�. A educação também

era mencionada como uma das funções dessas associações e, aliás, a própria

alfabetização: �Ajudar na alfabetização de adultos e adolescentes da comunidade

em geral�, �alfabetizar jovens e adultos que não sabem ler e escrever�.

As associações de bairro ofereciam, também, cursos de ginástica,

cabeleireiro, artesanato, reforço escolar para os seus associados, cobrando uma

mensalidade. Algumas delas também recebiam programas governamentais: Leve

Leite, Jovem Cidadão etc. Em geral, as atividades das associações e das igrejas

eram realizadas por voluntários. Excepcionalmente, foram incluídas entidades

como asilo e ambulatório de saúde mental, questões que serão analisadas mais à

frente.

Os motivos que as instituições declaravam tê-las levado a realizar a

parceria com as Instituições de Ensino Superior para desenvolver o Programa

podem se classificar em dois tipos:

(a) Motivos relacionados a benefícios materiais que a IES poderia trazer, tais

como:

− materiais didáticos do Programa Alfabetização Solidária (cartilhas, cadernos,

lápis etc) e merenda escolar;

− atividades extra, tais como palestras com dentistas, médicos etc., que a

Instituição de Ensino Superior levaria às entidades como parte de conteúdos

incluídos no Programa Alfabetização Solidária;

− capacitação dos alfabetizadores realizada pelos professores da IES, que

beneficiaria a formação dos voluntários que trabalham nas entidades;

− verbas para pagamento do trabalho dos alfabetizadores-voluntários;

− falta de escolas próximas impedindo à população de contar com aulas de

alfabetização.

questionário.

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141

(b) Motivos relacionados com valores, tais como:

− combate ao analfabetismo;

− demanda por cursos de alfabetização;

− necessidade de conscientizar a comunidade.

As instituições raramente declaravam ter recebido benefícios elas mesmas.

Só excepcionalmente era reconhecido algum benefício: �A divulgação da própria

comunidade no sentido de evangelização e catequistas mais preparados que mal

sabiam ler�; �Para a instituição é ver os pais dos alunos da escola, lendo e

escrevendo, participando mais na escola�. �Os alfabetizadores [que já trabalhavam

na instituição] agora estão bem preparados�. Geralmente, tendia-se a assimilá-los

aos benefícios recebidos pela população: �... as pessoas do bairro que foram

beneficiados�, �melhorou a auto-estima�, �Já temos alunos na tele-sala�.

A avaliação da parceria com as Instituições de Ensino Superior era positiva

por parte das entidades: �Excelente�. �Ótimo para quem tem tempo de ajudar�. �É

ótimo, pois só de pensar que muitas pessoas estão felizes por aprender a ler e

escrever�. �É um trabalho que enriquece o professor através de capacitações e ao

aluno através de palestras�. �Bom, mas poderia melhorar�. �É muito bom, apesar

de ter alguns critérios não muito bem esclarecidos�.

Os motivos que fundamentavam a boa avaliação eram a provisão de

materiais e a capacitação de professores.

Pelo fato de as aulas serem ministradas em instituições diferentes, o

espaço físico no qual funcionavam apresentava diferenças significativas. O espaço

das escolas era o melhor constituído para as finalidades de alfabetização. Pintado

e cuidado com carteiras novas ou em bom estado, boa iluminação, com quadros e

cartazes, e, às vezes, com desenhos infantis, por se tratar de escolas para

crianças.

Igrejas e associações, em geral, dispunham de salas para outros usos,

destinadas, no caso, à alfabetização. Em quase todas, apesar disso, contavam

com carteiras escolares; só em duas delas os alunos usavam cadeiras comuns e,

em uma, sentavam-se sobre quatro ou cinco cadeiras empilhadas para chegar à

mesa que, na verdade, era o altar da igreja. Na maioria, apesar de espaços não

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escolares, replicava-se a organização tradicional da sala, com as cadeiras em fila

orientadas para o alfabetizador e o quadro. Só em duas isso não acontecia,

porque estavam reunidos ao redor de duas mesas; nos dois casos, as

alfabetizadoras faziam com que os alunos trabalhassem em pequenos grupos,

durante uma parte da aula. Em absolutamente todas as salas de aula visitadas

havia quadro de giz, mesmo na igreja onde era usado o altar. Em algumas, não

havia cartazes do alfabeto, embora sua necessidade tivesse sido destacada no

curso de capacitação como indispensável para a construção de um ambiente

alfabetizador; só a metade tinha visivelmente exposto esse recurso didático

importante. Havia cartazes nas paredes das salas: nas escolas, relacionados com

o ensino para crianças; em algumas igrejas, frases bíblicas; em associações,

campanhas de saúde e outras temáticas de interesse comunitário. Em poucas

delas apareciam produções feitas pelos alfabetizadores ou cartazes colocados

pela professora.

Talvez porque os espaços não fossem ad hoc nem sua principal função

fosse a alfabetização, não se manifestava uma apropriação deles por parte das

alfabetizadoras nem a provisão por parte do Programa Alfabetização Solidária de

materiais visuais didáticos específicos que indicassem sua presença e

legitimassem as atividades. Assim, a alfabetização de adultos aparecia como uma

função secundária, nas escolas, igrejas e associações comunitárias, uma

atividade a mais, num espaço cedido. Não havia uma comunidade que absorvesse

o Programa, mas um Programa que chegava de uma Instituição de Ensino

Superior para ocupar um espaço que não era próprio e permanecia nele de uma

forma marginal. No caso das associações, outras atividades em andamento,

barulhentas, atrapalhavam o desenvolvimento das aulas. Nessas, a alfabetização

evidenciava-se como uma atividade não inerente à cultura e fins principais desse

lugar. Inseria-se na lógica institucional e cobria funções próprias dessa lógica.

No universo das salas visitadas, observaram-se algumas adaptações do

Programa Alfabetização Solidária. Como disse anteriormente, as escolas

ofereciam as melhores condições materiais para o desenvolvimento das aulas

pela infra-estrutura ad hoc que possuem, tanto as estaduais quanto as municipais.

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143

Também, geralmente, as autoridades escolares estavam presentes e podia

comprovar-se uma inclusão dos alunos e das professoras do Programa na

dinâmica de funcionamento escolar. Nas entrevistas com os alunos, percebia-se

que os que realizavam sua alfabetização em escolas tinham mais intenções de

continuar seus estudos e também achavam fácil a possibilidade de obter vaga e

êxito nos seus planos. Numa das escolas visitadas, as alfabetizadoras estavam

numa reunião com a diretora e todo o grupo de professoras e, em entrevista

posterior, ressaltaram a ajuda e orientação recebidas durante todo o processo.

As associações de bairro, segundo uma entrevistada, �são muito comuns

no município. Nos bairros carentes tendem a funcionar como uma articulação para

reivindicar direitos. Assim, a alfabetização ajuda, porque vai sensibilizando e

cobrando isso até na própria instituição�. Nas visitas, era evidente que a

alfabetização se incorporava nas atividades gerais, já que as recreativas e

culturais eram o eixo das instituições. Em ambas, os alunos não eram o público

alvo �ideal� descrito pelo Programa. Em uma delas constituía-se de idosos já

alfabetizados que realizavam outros cursos antes ou depois daquele: "Viemos aqui

para passar o tempo, relembrar", afirmavam. Muitos tinham alcançado a 3ª série

do antigo ensino primário106. Essa adaptação para idosos também incluía a

realização de atividades manuais, tais como confecção de cartões postais.

Em outra associação visitada, também o público alvo não era o esperado:

havia três idosos já alfabetizados e duas crianças que faziam reforço escolar com

a professora. As atividades eram individualizadas. Assim, era clara a primazia da

identidade institucional sobre os princípios do Programa Alfabetização Solidária.

Aliás, as associações dirigiam suas atividades de alfabetização para os seus

sócios exclusivamente, sem incorporar outras pessoas da comunidade.

No entanto, houve uma sala visitada, cuja atividade era estritamente a

alfabetização. Em uma sala bem diferente das usuais das associações, que

parecia de uma escola, uma alfabetizadora tinha um grupo de 18 pessoas,

106Antigamente, a educação primária obrigatória era aquela compreendida entre a 1ª e a 4ª séries. Depois, seguia o ginásio, a partir da 5ª série, que não era obrigatório. Embora as leis tenham aumentado a obrigatoriedade, persiste ainda uma divisão histórica, cultural e organizacional entre o antigo primário e ginasial (1ª etapa do ensino secundário).

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algumas já em seu 3º semestre no Programa Alfabetização Solidária. Dois grupos

de alunos predominavam: alguns que haviam chegado até 3ª ou 4ª série e outros

que tinham freqüentado a escola poucos dias ou meses. Ali o eixo era a

alfabetização, e a professora, ela mesma estudando no 3º ano do ensino médio,

replicava seu modelo de aprendizagem, ordenando: �em silêncio�, �preste

atenção�, �responda para mim�. Nesse caso, os alunos de 28 até 45 anos, alguns

deles desempregados, precisavam, sim, da alfabetização para trabalhar.

Por coincidência, em duas salas situadas em igrejas católicas aparecia a

preocupação das alfabetizadoras com a continuidade de estudos dos seus alunos.

Grande parte desse grupo havia já três anos que estava com essas professoras,

embora o Programa estivesse funcionando aí fazia dois semestres. Em uma delas,

a ressignificação do Programa Alfabetização Solidária consistia em usá-lo para

suas atividades de alfabetização funcional. A alfabetizadora fazia atividades

diferenciadas por níveis. Utilizava um livro de 3ª série e trabalhava operações

matemáticas (exercícios descontextualizados sem situações problemáticas). Sua

experiência de vários anos nesse trabalho fazia com que encarasse criticamente o

Programa. Havia vários anos que essas atividades eram realizadas na igreja,

onde, inclusive, tinha funcionado uma tele-sala que depois foi transferida para uma

escola. As professoras costumavam preparar os alunos para fazer a prova da 4ª

série, para depois encaminhá-los para uma escola. Reclamavam da falta de vagas

em escolas para receber esses alunos e mostravam alguns deles que, tendo sido

aprovados, continuavam na sala do Programa, esperando a oportunidade de

ingressar nos cursos regulares.

�Incentivamos para continuar, não é só ler e escrever, não vou

ensinar eles para aprender o nome. Mas a gente incentiva e logo

sente o bloqueio. Deram a prova, aprovaram e não têm vaga. Eu

quero ir conversar com a Secretaria do Município, ir com os alunos.

Temos 4 alunos daqui que acabaram a 4ª série, tiraram o certificado

e ainda permanecem aqui, porque não tem vaga. Fizeram o exame.

Como a sala da escola está superlotada, eles mandam os alunos

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para o Centro, mas eles são carentes e não podem custear a

condução" (Alfabetizadora).

No que diz respeito à duração prescrita pelo Programa, afirmavam: �Mas, o

que eu vou falar para ela? Não pode continuar, é só um semestre?� explicitando

um consenso implícito, quase um pacto entre muitos dos envolvidos.

Numa outra sala, a alfabetizadora falava dos alunos que podiam passar

para a 5ª série, assinalando os problemas que dificultavam essa continuidade:

turno noturno, distância do domicílio, condição feminina. �As escolas só têm

suplência à noite, os maridos107 não deixam e também é perigoso�. �Tem 5ª série,

mas à noite, então é difícil, a gente tem medo, mas dá para ir� .

Nenhuma das igrejas evangélicas respondeu ao questionário, portanto não

foi possível comprovar os efeitos da parceria com a voz direta dessa fonte, só com

as observações. Nas visitas realizadas nessas igrejas, foi relatada por uma

alfabetizadora (ela mesma membro da igreja) a existência de problemas com o

pastor que atrapalhavam o trabalho. Em um edifício muito amplo, de construção

nova e com luxo, a sala destinada à alfabetização mudou de uma confortável para

uma pequena e incômoda, argumentando-se que era devido ao custo de luz que

era gasto nas aulas. A mesma pessoa relatou a negativa do pastor em permitir o

ingresso de pessoas de fora da igreja e até sua interferência no ensino, intentando

incluir conteúdos religiosos: �O pastor anterior queria que eu ensinasse com a

Bíblia, mas este novo não intervém. Ele também restringiu só para as pessoas da

igreja�. Mesmo assim e apesar da grande quantidade de analfabetos nessa igreja,

poucos assistiam às aulas de alfabetização ministradas ali.

Uma coordenadora (aluna da Instituição de Ensino Superior, evangélica)

valorizava o caráter religioso como positivo na tarefa de alfabetização:

�Até no ensino, a gente sente, essa que ensina nas igrejas, tem uma

formação religiosa, um jeito diferente de trabalhar, você sente

107Em várias ocasiões, as mulheres entrevistadas manifestavam o poder do marido ou do pai, naturalizado nesses setores também pelas próprias alfabetizadoras. Muitas analfabetas diziam que, quando pequenas, o pai não deixara que fossem à escola e que, na época, era comum essa situação. Na atualidade, o marido-dono aparecia em vários depoimentos: �Meu marido é bonzinho, ele deixa�.

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também que é diferente por causa disso. Eu acho até interessante

essa diferença, não porque elas traspassem a particularidade delas

tudo com respeito à religião, não é isso, por exemplo, eles fazem

umas orações antes de começar, até trabalham em temas bíblicos,

acho isso interessante. Embora não todos os alunos sejam

evangélicos, participam. Faz parte da igreja evangélica, mas eles não

se opõem. Até a partir de ali trabalhar alguma atividade, acho isso

muito interessante�.

Seja como for, a quantidade de alfabetizadores evangélicos era muito alta e

havia casos nos quais suas crenças incidiam no processo de ensino-

aprendizagem. Em outros, embora o alfabetizador fosse membro da igreja, não se

observou, durante as visitas, que esse fosse o eixo central do trabalho; muito pelo

contrário, nos casos em que era professor, persistia essa outra identidade. Aliás,

se era docente do ensino fundamental, era freqüente observar a utilização de

textos mais aptos para o público infantil que para os adultos.

Notava-se, também, o desejo de ler a Bíblia e pregar como o objetivo e

grande motivação de muitos dos alunos, questão que, por favorecer o processo de

ensino-aprendizagem, pragmaticamente levava ao esquecimento, por parte dos

diversos atores entrevistados, do caráter laico da proposta de alfabetização.

Assim, a coordenadora geral da IES assinalava:

�A gente deixa claro que o espaço das salas de aula não é espaço de

evangelização. Mas tem aquelas associações de moradores,

políticas, também a gente cuida que o trabalho não se misture com

essas questões. A gente bate forte o pé para não misturar, mas

acontece�.

Uma coordenadora (aluna da Instituição de Ensino Superior) conta:

�A única dificuldade que eu senti com uma das professoras foi que

ela queria trabalhar a temática da saúde para o projeto cultural e os

alunos, em função da igreja, eles têm algum problema de ir ao

médico, eles acham que não precisam ir ao médico...�

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Um exemplo de atividade própria da instituição, na qual o trabalho do

voluntário era pago com bolsa do Programa, foi o caso do Asilo, uma instituição

beneficente para idosos que recebiam moradia, alimentação e atenção médica,

em troca de parte de sua aposentadoria. Os objetivos da instituição eram

�alfabetizar e terapia ocupacional�, questão que foi verificada na visita, destacando

como um dos motivos para estabelecer-se a parceria a provisão de �recursos e

materiais para os idosos�. Na visita, observou-se o excelente trabalho da

professora, adequando as atividades para o nível de cada participante (muitos

com sérios problemas de saúde), dois deles em claro processo de alfabetização.

Não se trata aqui de negar o direito à educação aos idosos, senão de

destacar o processo de assimilação do Programa Alfabetização Solidária que

algumas instituições realizavam, com a finalidade de obter financiamento e

materiais para suas atividades. O caso do asilo era questionado pela própria

equipe da IES: uma das professoras achava que: �só um conseguiu se alfabetizar.

A alfabetização aí está servindo à auto-estima. Enquanto coordenadora

pedagógica eu deveria atingir outro grupo�. Embora uma integrante da sua equipe,

justificasse: �quando visitamos o Asilo ficamos muito emocionados�. Quando o

semestre acabou, a parceria com o asilo não foi renovada.

Em síntese, as atividades-fim do Programa se adaptaram às demandas das

instituições conveniadas, realizando atividades de terapia ocupacional, apoio

escolar, acompanhamento a idosos, evangelização, escolarização e alfabetização

funcional, atividades importantes que deveriam ser realizadas por pessoas

preparadas para isso, e não por alfabetizadores que receberam outro tipo de

capacitação, com recursos (parte deles de caráter público) destinados para um

outro objetivo. Assim, as IES transformam-se em prestadoras de serviços,

tomando o lugar de outras agências que, por diversos motivos, não cumprem a

sua função e, ante tantas necessidades não satisfeitas, acabaram por ocupar esse

espaço, realizando tarefas que, em grande parte das vezes, afastavam-se da

finalidade do Programa.

Entretanto, há que se sublinhar que a realização de convênios com essas

entidades, pela sua localização geográfica, permitiu uma maior capilaridade do

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Programa, ou seja, o acesso das aulas de alfabetização à população em locais

distantes sem condições de sair do lugar por falta de meios de locomoção e de

recursos econômicos para pagá-los.

Mas, percebeu-se, no decorrer do trabalho de campo, que essa abertura do

Programa e das IES levava a uma aleatoriedade na distribuição das salas, na qual

não era possível observar alguma correlação entre abertura de salas e bolsões de

analfabetismo, ou coordenação com outras IES que implementavam o mesmo

Programa ou outros programas de alfabetização na região. Assim, embora as

salas tivessem funcionamento efetivo, não raro tinham poucos alunos, às vezes 3

ou 4, embora tivessem começado com mais inscritos. Talvez a participação do

poder público (municipal, estadual) ou de outros mecanismos de planejamento das

atividades, visando atingir maior eficiência, permitisse otimizar as ações. Isto,

também, era mencionado no Projeto Nacional: a coexistência de diferentes

Instituições de Ensino Superior numa região, duplicando custos, ou a coordenação

de IES de outros Estados em municípios próximos de IES sediadas no próprio

Estado. Como exemplo, pode-se citar o caso de uma Instituição com sede em um

Estado do Nordeste, que coordenava salas na sua região (atuando, também, em

outros Estados), paralelamente a outra, de um outro Estado, que atuava em

municípios limítrofes com a primeira. Aliás, o Programa Alfabetização Solidária, em alguns lugares da Zona Leste

da Capital e da Grande São Paulo, concorria com outras alternativas de

alfabetização de adultos. Assim, algumas das salas visitadas, situadas em igrejas

e associações, alternavam o financiamento das suas atividades de alfabetização,

(mas, também, de reforço e pós-alfabetização),que já realizavam anteriormente,

entre o Programa, o MOVA, o IBEAC108 (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio

Comunitário) e outra IES da região. Algumas dessas entidades, respondendo ao

questionário enviado por mim, assinalavam a �vantagem comparativa do

Programa Alfabetização Solidária� ante as outras fontes financiadoras: a provisão

de materiais e o curso da Instituição de Ensino Superior. Também, em entrevistas:

108Trata-se de uma ONG cujo objetivo é alfabetizar jovens e adultos.

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�No próximo semestre vamos sair da �Alfabetização Solidária�.

Demora muito nos pagamentos, não recebemos ainda o dinheiro da

merenda e a alfabetizadora também não recebeu a bolsa. O MOVA

também não, é muito burocrático, olha aqui todos esses papéis que

tem que preencher109�.

Até o ano desta pesquisa (2002), era possível verificar a prevalência da

Instituição C na região, na abertura de salas de aula em escolas, presumivelmente

pelo fato de a Secretária de Educação ter sido coordenadora do Programa

Alfabetização Solidária quando era professora do Departamento de Pedagogia

dessa IES. Também verificou-se em uma das escolas, no primeiro segmento da

educação de jovens e adultos, a substituição da professora, com titulação e

nomeada pelo município, por uma alfabetizadora. Dessa forma, poupava-se um

salário de R$ 1.000,00 (pago pelo município) por um de R$ 200,00 (pago pelo

Programa Alfabetização Solidária). Essa não foi uma situação generalizada,

comprovando-se apenas em uma escola.

• Dos alunos nas instituições parceiras

A faixa etária dos 168 alunos das 19 salas do Projeto Grandes Centros

Urbanos das Universidades B e C mostra que a população alvo do Programa

Alfabetização Solidária, os jovens de 14 a 21 anos, era minoritária. Prevaleciam

pessoas em idade de empregabilidade (22 até 39 anos) e idosos. A prevalência de

pessoas idosas reflete o perfil histórico do analfabetismo brasileiro110.

As pessoas, nas salas de aula da Zona Leste e de municípios do Alto Tietê

em São Paulo111, nasceram no Sudeste ou provinham do Nordeste: "Nós vamos

alfabetizar no Nordeste, mas os nordestinos analfabetos estão aqui".

(Coordenadora de Instituição C). Dentre esses, predominavam os pernambucanos

e os baianos. Mas, o Sudeste também estava altamente representado (45% dos

109Foi corroborado, com efeito, que eles trocaram o Programa Alfabetização Solidária pela ONG IBEAC no semestre posterior. Aliás, uma outra associação já tinha tido o curso da IBEAC no ano 2000. 110Das pessoas entrevistadas nas salas de alfabetização, 59% tinham mais de 60 anos. 111 A taxa média de analfabetismo da população de 10 anos e mais, na região do Alto Tietê, é 7,2%.

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150

entrevistados), com preponderância de mineiros e paulistas.

As profissões das pessoas entrevistadas mostravam a preponderância das

donas de casa (35%), seguidas por trabalhadores na ativa (27%) e aposentados

(14%). Os restantes eram estudantes, faziam bicos ou manifestavam outras

situações.

As salas de alfabetização continham maior percentagem de mulheres

(57%), principalmente quando funcionavam em horários diurnos; nos horários

noturnos predominavam os homens.

Considerando os alunos das salas situadas em escolas, aparece um perfil

mais diferenciado: tratava-se de trabalhadores na ativa, entre os quais a

quantidade de homens era igual a das mulheres, com vontade de continuar

estudando, de preferência na própria escola.

33,5% dos alfabetizandos nunca tinham ido à escola e 66,5% a haviam

freqüentado, mas muitos deles manifestavam que haviam passado por ela pouco

tempo, apenas meses. Depois de adultos, 61% não tinham ido mais à escola, 20%

haviam passado menos de 1 ano na escola e 18% mais de um ano.

24% dos alunos já tinham participado do Programa Alfabetização Solidária

mais de um semestre.

68% queriam continuar estudando depois da alfabetização, mas 27% só

continuariam se fosse mesmo no lugar onde estavam. No caso dos que

estudavam em igrejas ou associações, essa continuidade estava ameaçada,

porque só poderia ser em escolas e essas tinham unicamente turnos noturnos ou

estavam longe do local da alfabetização. O medo da violência também era um

problema. Alguns manifestavam querer realizar exames supletivos.

Observou-se que as mulheres participavam mais freqüentemente de salas

em igrejas e associações e nos turnos diurnos, enquanto o público nas escolas e

no noturno era preponderantemente de trabalhadores homens. Em comunidades

mais isoladas e com menos opções, encontravam-se públicos mais heterogêneos.

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151

Articulação com os Municípios

A relação com os municípios112 era necessária no Projeto Nacional e

aleatória no Projeto Grandes Centros Urbanos.

No caso do Projeto Nacional, o município comprometia-se a providenciar

condições para o desenvolvimento de salas de aula, recebendo materiais didáticos

e dinheiro para a compra de merenda por parte do Programa Alfabetização

Solidária. Um coordenador municipal fazia a mediação entre as Instituições de

Ensino Superior e o município para a operacionalização do Programa. A prefeitura

recebia diretamente o dinheiro das merendas. Em algumas entrevistas, os

coordenadores apresentavam problemas com os Secretários de Educação

Municipal na compra da merenda, seja por desvios da prefeitura, seja pelo atraso

na remissão dos fundos pelo Programa; em outros, as prefeituras antecipavam o

dinheiro quando o Programa não o tinha enviado. Houve uma situação na qual,

num município de Alagoas coordenado pela Universidade B, numa mesma escola,

existiam duas salas, uma de alfabetização do Programa e outra de Educação de

Jovens e Adultos, sendo que na primeira não havia merenda e na segunda sim,

porque provinham de fundos diferentes.

Era freqüente encontrar problemas locais de transporte para os

coordenadores municipais e coordenadores gerais e pedagógicos da Universidade

e para os próprios alfabetizadores (segundo manifestaram as coordenadoras

gerais das Universidades A e B). Os coordenadores municipais e das

universidades que deveriam realizar visitas mensais às salas na zona rural, às

vezes, não conseguiam fazê-lo, por falta de condução.

Tanto em municípios coordenados pela Universidade A como pela

Universidade B, aparecia a interferência da cultura política local, principalmente na

escolha de alfabetizadores, pois isto significava uma fonte de emprego importante

112O trabalho de campo no Projeto Grandes Centros Urbanos me levou a contatar com um município da Grande São Paulo, entrevistando à assessora de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação e a uma vereadora. Realizei entrevistas com coordenadores de municípios do Nordeste, dos Estados de Ceará, Alagoas e Pernambuco quando realizaram a capacitação da Universidade A, em São Paulo. Já como Coordenadora da Universidade B, fui participante observadora em 4 municípios do Estado de Alagoas, tomando contato com 4 Secretários de Educação Municipais.

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152

nessas regiões, comumente escasso, especialmente no Nordeste, Assim, em

alguns casos, as pessoas se ofereciam para serem capacitadas, interessadas no

salário, e não na alfabetização.

Houve situações nas quais autoridades do município tentaram pressionar e

interferir, embora não fosse a situação predominante:

�Há prefeitos que pressionam para que a seleção inclua seus

parentes. Eu não aceito, embora eu tinha sido ameaçada pelos

vereadores. Não posso mudar, se entrou um parente foi porque

passou na seleção. O Programa não é cabide de emprego. É o

nepotismo que todo mundo critica nas cidades e que é uma pratica

na região de vocês por ausência de concursos. É o costume de

vocês lá. Não tem emprego, então quem tem poder quer beneficiar

as pessoas que gosta. Não pode ser assim�. (Coordenadora Geral de

Instituição de Ensino Superior Pública, São Paulo, durante o curso de

capacitação).

A escassez de emprego motivava que, embora a bolsa fosse mínima,

houvesse interesse em participar. Mesmo assim, alguns alfabetizadores e

coordenadores dos municípios reclamavam do salário:

�Quando começou o Programa Alfabetização Solidária, o salário era

de R$120,00, que era um salário mínimo. Agora o salário mínimo é o

dobro, mas o Programa continua pagando a mesma �bolsa´�

(Coordenador de município, Alagoas).

A entrada das IES (coordenadoras gerais e pedagógicas, assim como

professoras) no município tinha um impacto importante, além da questão do

emprego propriamente dita. Eram pessoas que levavam um outro modelo cultural

e político, e tentavam sensibilizar os Secretários de Educação, tanto sobre a

importância da alfabetização de adultos quanto da Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Esse impacto também alcançava os próprios alfabetizadores que eram

capacitados nas cidades de origem das Instituições:

�Acho que [o Programa Alfabetização Solidária] tem mérito político,

são todas essas pessoas que ficam conscientizadas do problema.

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153

Aprendem que têm que se mexer. Nós mexemos com o Prefeito, o

Secretário da Educação. Esse pessoal pode exigir alguma coisa na

sua cidade. Eles conhecem outra realidade nas viagens e sabem que

têm que se mexer�. (Coordenadora Geral de Instituição de Ensino

Superior Pública, São Paulo).

Como mostram os fatos descritos, a realização de um convênio entre

alguns municípios e o Programa Alfabetização Solidária não significava que

houvesse verdadeiro interesse da administração municipal na existência do

Programa, limitando-se o município a realizar o mínimo indispensável, como foi

observado em 3 municípios de Alagoas, coordenados pela Universidade B.

Segundo podia se inferir em conversações informais com as autoridades

municipais, o repasse de fundos do Governo Federal aos municípios, em diversas

áreas da administração, outorgava ao Governo um poder de indução alto, porque

se sentiam pressionados a aderir a todos os programas que o Governo Federal

lhes oferecia, temendo não receber os repasses daqueles fundos pelos quais

tinham verdadeiro interesse. Ou seja, os programas constituiriam parte de um kit

repasse do Governo Federal e, por isso, as autoridades municipais priorizavam

alguns. De alguma forma, o Governo estava realizando a função supletiva que a

Constituição outorga à União, pois é claro que, em muitos municípios, a

alfabetização de adultos não é prioridade, entre outras causas porque poderia

atentar contra o próprio poder local.

A mesma situação acontecia com a Educação de Jovens e Adultos, a qual

possibilitaria a continuidade dos alunos do Programa (conforme será explicado

adiante) que era implementada com pouco interesse. Em dois municípios

coordenados pela Universidade B, o desinteresse com a EJA manifestava-se na

intenção de fechar salas por falta de alunos. Colocavam-se professores sem

experiência em educação de jovens e adultos, não se investia muito na sua

capacitação, não se articulava com o Programa Alfabetização Solidária, não se

difundia a possibilidade de os alfabetizandos ou outros adultos do município

continuarem os estudos, nem se utilizavam os canais locais de comunicação para

informar sobre a existência de cursos de educação regular para esse público.

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154

Parecia que se abriam salas apenas por pressão do Programa Alfabetização

Solidária, que queria garantir a continuidade dos estudos dos recém alfabetizados.

Uma coordenadora municipal da EJA esperava a chegada da coordenadora da

Universidade B, para reforçar a importância para a Secretária Municipal e para o

Prefeito de abrirem salas de EJA, acreditando que uma interferência externa

pudesse ajudar na solução dos problemas causados pela falta de interesse do

poder municipal.

Assim, o Programa ajudou a criar uma consciência nas pessoas sobre a

necessidade de atender à educação dos adultos. Ao mesmo tempo, embora

alguns coordenadores de Instituições de Ensino Superior apregoassem a

necessidade dessas pessoas de se articularem, era difícil e até perigoso, em

muitas localidades, pensar em se opor à ordem local. Por exemplo, em um

município de Alagoas, o prefeito era dono de uma das usinas locais de cana de

açúcar e não se preocupava com a alfabetização e Educação de Jovens e

Adultos, talvez porque não estivesse interessado em instruir sua mão de obra.

As visitas mensais aos municípios, que os coordenadores das IES deviam

realizar, visavam ao acompanhamento das atividades, segundo prescrito pelo

Programa. Assim, tinham diferentes características segundo as instituições, mas,

em geral, eram visitas de um dia, não por imposição do Programa Alfabetização

Solidária, mas pelas condições de exigüidade dessa visita. Até 2003, o Programa

emitia uma passagem por mês para cada município para um coordenador geral ou

pedagógico ou para qualquer outro professor da Instituição que participasse em

alguma ação vinculada ao Programa. Assim, era comum que a pessoa visitasse

até dois municípios por vez e se realizassem atividades conjuntas de capacitação

dos alfabetizadores, às vezes com extensão aos professores do município.

Apesar de o modelo apresentar várias possibilidades, as IES não

realizavam atividades significativas, em alguma das privadas por falta de tempo e

pela remuneração dos professores, mas também pelo pouco interesse do

município. A Universidade B anunciava uma palestra na qual podiam participar

todos os professores, não apenas os alfabetizadores, e nenhum ou todos a

assistiam, segundo o apoio e interesse das autoridades do município. Uma IES

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155

pública enviava suas alunas que eram coordenadoras dos municípios do

Nordeste; como tinham aulas e trabalho durante a semana, elas faziam as visitas

aos sábados e domingos, quando não funcionavam salas de aula. Outras

instituições (públicas, mas não só) aproveitavam o envio das passagens,

permanecendo um tempo maior, realizando trabalhos importantes de pesquisa-

ação e outras atividades de seu interesse. Essa organização gerava um alto custo

de passagens e foi reorganizada, passando a ser realizada uma visita mensal para

dois municípios pelo mesmo professor a cada vez, a partir do começo de 2003.

O aproveitamento ou não dessas condições (passagens não nominais)

dependia do interesse e/ou das possibilidades do coordenador da Instituição.

Embora pautado como requisito pelo Programa Alfabetização Solidária, não havia

um controle da realização de palestras, cursos e outras atividades. O fato de ser

um trabalho pago com bolsas, sem dúvida, limitava as exigências e formas de

controles. Geralmente, as idas aos municípios incluíam visitas a salas de aula �

quando possíveis às da zona rural � e formação continuada dos alfabetizadores �

quando possível com presença de alfabetizadores da zona rural. Para os das

salas mais distantes, podia passar um semestre sem que houvesse nenhum

contato com o coordenador da IES e/ou com o coordenador do município, sendo,

em alguns casos, apenas o ensinado no curso de capacitação a única orientação

no trabalho desse alfabetizador.

Alguns alfabetizadores, no Programa Nacional, dos municípios

coordenados pela Universidade B eram professores ativos na rede municipal,

embora isso não fosse permitido oficialmente. Em algumas regiões rurais,

lecionavam para crianças de dia e, à noite, atuavam como alfabetizadores, senão

não haveria possibilidade de abrir uma sala para adultos na região. Também

acontecia nas cidades, quando não havia outros interessados, representando, às

vezes, uma diferença qualitativa como já sublinhei: o fato de se contar com um

professor. Presumivelmente, para dar possibilidade a alguém desempregado, era

vedada a participação de pessoas com vínculo empregatício oficial.

Já no Projeto Grandes Centros Urbanos, as Instituições de Ensino Superior,

segundo os documentos oficiais, deveriam ampliar suas funções: �Além das ações

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156

de treinamento, acompanhamento e avaliação, a IES fará a identificação das

áreas a serem atendidas, bem como a articulação e mobilização das

comunidades� (Programa Alfabetização Solidária, s/d.: 14). Nesse aspecto, as

Instituições eram encarregadas de diagnósticos próprios do poder público, ao ter

que identificar as áreas a serem atendidas: Inicialmente, as IES, apresentam um estudo-diagnóstico sobre a viabilidade de mobilizar e implantar o projeto nas comunidades com as quais objetivam desenvolver o trabalho (Programa Alfabetização Solidária, s/d: 14).

Mas, essas Instituições não necessariamente possuíam conhecimentos e

informações que lhes permitissem fazer tal diagnóstico. Porque as necessidades

do município e as possíveis áreas de maior carência ou com maior número de

analfabetos não são informações necessariamente disponíveis em qualquer IES,

mas no poder público. Nas observações de campo, evidenciou-se a falta quase

total de contato com os municípios em uma das Instituições e um contato

excessivo por parte de outra, que chegava a desenvolver suas atividades suprindo

a atuação da Educação de Jovens e Adultos, como já disse. Em nenhum dos

casos, porém, era realizada a articulação proposta de forma eficiente.

O mesmo acontecia com a continuidade dos estudos. Embora o Programa

afirmasse que: �Por tratar-se de atuação em grandes centros urbanos, a IES

executora do projeto articular-se-á com instituições, na esfera governamental ou

entidades do terceiro setor, objetivando a abertura de salas de aula ou

encaminhamento de alunos do Programa Alfabetização Solidária para turmas de

ensino supletivo já existentes na localidade onde estiverem atuando� (Programa

Alfabetização Solidária, s/d.: 14), no caso dos Grandes Centros Urbanos, ficava à

mercê da IES a realização de contato com o poder público e pressupunha-se a

existência de vagas, apesar do descaso com as políticas de educação de adultos

na década.

Mas, a participação do município não era um elemento imprescindível nos

Grandes Centros Urbanos, como foi mostrado, já que as Instituições

implementavam as salas de aula, realizando seus próprios convênios com

associações de moradores, empresas, igrejas etc. Nesse caso, eram elas que

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tinham um papel mais importante no desenvolvimento do projeto. Assim, tanto

para a determinação das necessidades educativas quanto para a continuidade dos

estudos, o poder público não foi considerado um ator importante nos Grandes

Centros Urbanos. Além disso, o Programa Alfabetização Solidária não exigia a

participação dos municípios, como no caso do Programa Nacional. Deixava,

assim, à boa vontade e ao interesse das IES a detecção das necessidades de

alfabetização e de continuidade de estudos e/ou de inserção no sistema formal.

Repasse de fundos e pagamentos

Existe consenso entre todos os participantes ouvidos sobre o péssimo

funcionamento do repasse dos fundos do Programa Alfabetização Solidária para

as Instituições conveniadas, destinados à contratação dos diversos serviços

necessários aos traslados de alfabetizadores para a cidade-sede de cada

Instituição (hotel, comida, transporte), como também para os pagamentos das

bolsas de coordenadores e alfabetizadores e para a merenda dos alfabetizandos

nos municípios do Projeto Nacional.

�É inacreditável, eu mando um relatório, eles dizem que não

receberam. Para quantas pessoas em Brasília eu tenho que mandar

os papéis, mando para uma e a outra disse que não recebeu?

Depois falam que essa pessoa não trabalha mais lá. Tinha que

receber faz três meses o pagamento da merenda e então não

recebe. A infra-estrutura do Programa em termos de pagamento

deve ser melhorada. Atendem, fica meia hora esperando no telefone

e depois cai a ligação. Essa burocracia deixa a desejar�.

(Coordenador Municipal, Alagoas).

O depoimento anterior resume muitos do mesmo tom. Embora a complexa

prestação de contas pudesse motivar alguns problemas, especialmente nos

municípios com falta de prática nesse tipo de tramitação, existia consenso que era

a própria gestão do Programa que provocava complicações difíceis de serem

resolvidas. Existia uma enorme rotatividade de atendentes na sede do Programa,

em Brasília, grande tempo de espera nas ligações e altíssima perda de papéis

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(notas fiscais, recibos etc.) enviados pelos coordenadores para a prestação de

contas.

�[O Programa] cresceu muito quantitativamente e não se prepararam.

É uma questão de gestão, não conseguem dar conta desse número

imenso de municípios, Instituições de Ensino Superior, alunos�

(Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Privada, São Paulo,

membro do Conselho Consultivo do Programa Alfabetização

Solidária).

�Eles mudam muito de atendente. Esse ano já houve três pessoas

responsáveis pelos meus municípios. Com cada uma tive que

começar de novo e mandar de novo toda a documentação. Acho que

os atendentes não agüentam tantas reclamações� (Coordenadora de

Instituição de Ensino Superior Privada, São Paulo)

Os contínuos atrasos, especialmente nos pagamentos das bolsas que, nos

municípios do Programa Nacional, eram a única fonte de recursos de muitos

alfabetizadores, geravam desconfianças113 generalizadas quanto ao Programa e

às Instituições nos municípios, entre coordenadores e alfabetizadores:

�O Programa Alfabetização Solidária saiu do município X porque a

coordenadora da Instituição foi perseguida e insultada pelas

alfabetizadoras. Elas não acreditavam mais que o Programa atrasava

nos pagamentos e achavam que era ela quem havia ficado com as

bolsas�. (Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Pública,

São Paulo).

�[Os atrasos] Fazem parte da estrutura deles. O dinheiro do curso de

capacitação ainda não chegou [o curso acabou fazia um mês]. E eu

estou expondo meu nome...� (Coordenadora de Instituição de Ensino

113 Até 2003, o dinheiro das bolsas dos alfabetizadores dos municípios era depositado na conta do coordenador do município que se encarregava de pagá-los. Embora houvesse mudanças, realizando-se o pagamento pelo Correio dirigido a cada alfabetizador, erros freqüentes de nomes, alteração de municípios e de documentos pessoais não resolveram, na prática, os problemas na logística dos pagamentos.

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Superior Privada, São Paulo e Membro do Conselho Consultivo do

Programa).

Essas situações comuns levaram a Coordenadora Geral de uma Instituição

de Ensino Superior a falar do assunto durante um Curso de Capacitação:

�Os coordenadores [municipais] não são responsáveis [pelos

atrasos]. Sua função é ser o mediador entre a cidade, a prefeitura e o

Programa. A função deles é coordenar vocês, arrumar a compra da

merenda. São agentes político-pedagógicos, são pessoas

responsáveis, sérias, que querem o bem estar. Devem ter

tranqüilidade, eles não recebem o dinheiro antes, quando o dinheiro

não chegar o problema é de Brasília [sede do Programa

Alfabetização Solidária]� (Coordenadora Geral de Instituição de

Ensino Superior Pública, São Paulo).

A conseqüência desta situação foi, para alguns, a diminuição do interesse

por participar do Programa Alfabetização Solidária, em algumas Instituições:

�No início tínhamos muitos alunos interessados, mas agora preciso

pedir como favor pessoal para eles participarem do Programa por

causa da falta de pagamentos�. (Pró-reitor de Instituição de

Educação Superior Privada, Sergipe).

�Não priorizamos alunos de determinados cursos. Aquele que tem

interesse entra. Já não tem tanta demanda de alunos devido aos

atrasos� (Coordenadora de Instituição de Ensino Superior Privada,

São Paulo).

Presenciei, também, a suspensão do funcionamento do Programa em

alguns municípios do Projeto Nacional, pela ação de alfabetizadores e autoridades

municipais que se negavam a continuar, até a normalização dos pagamentos.

Assim como problemas no desenvolvimento das ações:

�O atraso nos pagamentos não nos permite exigir mais no trabalho,

inclusive quando faço reuniões no município, as pessoas não podem

vir porque não têm dinheiro para pagar o transporte desde a sua

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localidade até o centro do município� (Coordenadora de Instituição de

Ensino Superior Pública, São Paulo).

Esses problemas operacionais geraram a inclusão da questão no espaço

próprio das Semanas da Alfabetização, nas quais foram organizados

atendimentos especiais para as Instituições, verificando-se uma enorme

quantidade delas com problemas.

Ainda assim, e com a própria sugestão de mudança realizada pelo Tribunal

de Contas da União, até outubro de 2004 continuavam os inconvenientes114.

Em algumas IES, muitas coordenadoras acabavam gastando seu próprio

dinheiro, que jamais era recuperado:

�Se acontecer um imprevisto durante o curso, o Programa não cobre

gastos de médico ou dentista e, nas Universidades públicas, é difícil

recuperar o gasto, as coordenadoras se envolvem e acabam

gastando dinheiro do seu bolso�. (Coordenadora de Instituição de

Ensino Superior Pública, São Paulo).

Assim, enquanto o Programa Alfabetização Solidária se orgulhava de não

ter criado estrutura burocrática com alto custo, nem na coordenação central nem

nos Estados � se comparado com outras políticas como o Mobral �, os problemas

operacionais perenes não eram resolvidos, começando a se naturalizar e a serem

considerados próprios da lógica da solidariedade.

A proposta pedagógica e as cartilhas

As salas de aula visitadas mostravam influência do material didático

enviado pelo Programa Alfabetização Solidária para cada um dos alunos e um

livro orientador para o professor.

No início, o Programa não propôs diretrizes pedagógicas:

�Não era uma autonomia para respeitar a diversidade institucional.

Era: �Cada um faz como quer´. Era um �pode tudo´ que pegou muitas

instituições sem experiência. Então, não havia parâmetros de

114Em 2003, o Tribunal de Contas da União publicou os resultados de uma auditoria realizada sobre a Ação Alfabetização Solidária de Jovens e Adultos. Dentre eles, assinala-se a de

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qualidade nem de formação� (Assessora da ONG Ação Educativa).

Para suprir essa falta, o Conselho Consultivo do Programa115 elaborou

princípios orientadores para elaboração da proposta político-pedagógica. O

Ministério da Educação encomendou à ONG Ação Educativa a produção de

módulos para concretizar a proposta curricular, que foram pagos com fundos do

FNDE. Sendo o único material produzido, ele foi absorvido, criando indução.

Na prática, essa influência era independente do tipo de curso de

capacitação realizado. O material Viver, Aprender tinha um caráter orientador, e

não obrigatório. Segundo os documentos do Programa Alfabetização Solidária, a

proposta de alfabetização garantia autonomia pedagógica às Instituições de

Ensino Superior. Esse dado resulta de importância, pelo fato de garantir uma

descentralização pedagógica que diferencia o Programa de experiências como o

MOBRAL, cujo material didático era obrigatório116.

Como a centralização no MOBRAL aconteceu devido ao controle

ideológico, barrando as pedagogias alternativas que o governo havia proibido,

poderia se achar um absurdo repetir a dose na hora atual. Mas, a centralização

pedagógica é uma característica das políticas latino-americanas, tanto nas

reformas educacionais (da mesma maneira que nos países centrais), quanto em

políticas compensatórias focalizadas. Essa centralização se reflete numa política

como o Plano Social Educativo que descentraliza (ou desconcentra) as questões

administrativas, mas mantém o controle sobre os livros que distribui e as

propostas pedagógicas que sustenta. Por isso, é necessário ressaltar essa

característica do Programa: o reconhecimento da autonomia e os saberes das

Instituições de Ensino Superior envolvidas. Entretanto, devido ao alto custo da

necessidade de melhorar a gestão interna do Programa (TCU, 2003). 115O Conselho consultivo estava integrado, em 1999, por professores das seguintes instituições:Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Sergipe, Universidade Salgado de Oliveira, Universidade São Marcos, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de Cruz Alta, Universidade Braz Cubas, Pontifícia Universidade Católica de minas Gerais, Universidade de Cuiabá, Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Universidade do Vale de Itajaí, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Houve mudanças periódicas. 116�Nossa determinação é no sentido de que o material didático do MOBRAL/Central seja obrigatoriamente usado. Qualquer outro material, desde que devidamente ouvido o MOBRAL/Central, poderá ser usado, a título de complementação� (Mobral, 1973: 45).

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produção de material didático e do tempo envolvido para isso que, nas IES

privadas se traduzem em recursos econômicos extras, seria de se esperar que o

material disponibilizado pelo Programa, de bom nível, diga-se de passagem, fosse

adotado pela maioria das IES envolvidas. Portanto, uma autonomia relativa...

Mesmo assim, a liberdade metodológica permitiu o desenvolvimento ou a

aplicação de materiais ou metodologias próprias (por exemplo: Unicamp e USP,

entre outras), ou ainda algumas propostas regionais que incorporavam a cultura

local, assim como a criação de novas propostas:

�Achamos que, por estar atuando na área de alfabetização de

adultos desde 1993 e por ser uma Universidade não devemos

apenas replicar métodos de alfabetização senão com a metodologia.

Nós estamos desenvolvendo [uma metodologia própria] e chamamos

de Comunidade Educativa, mas não é fácil de incorporar no formato

deles�. (Pró-reitor de Instituição de Ensino Superior Privada, Distrito

Federal).

Mas, na maior parte das Instituições, a existência de um material distribuído

pelo Programa, de fato, atuou como um modelo a ser utilizado. Além do mais, a

questão de falta de recursos para realizar e, principalmente, reproduzir materiais

didáticos fazia com que os alfabetizadores, com as características descritas

(leigos, formação aligeirada, sem prática pedagógica), utilizassem esse recurso

quase como único. Isto é criticado pela própria Ação Educativa, porque:

�Foi um erro do Ministério. Éramos cientes de que aconteceria.

Embora avaliamos que seria apropriado segundo uma lógica

autoritária, tecnicista, éramos cientes de que poderia contribuir na

formação de educadores, prevalecendo os efeitos positivos�.

(Assessora da ONG Ação Educativa).

Na precariedade existente na formação dos alfabetizadores e, em geral,

nas atividades de alfabetização, pelo menos no Programa Nacional, a existência

desses materiais, de boa qualidade, foi um benefício, frente às limitações que

houve no desenvolvimento de propostas pedagógicas próprias das IES.

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Alunos atendidos ou alfabetizados? Continuidade dos estudos dos alunos.

Segundo idealizado pelo Programa Alfabetização Solidária, os

alfabetizandos podiam participam de um único módulo de 6 meses, que era a

duração estimada para a alfabetização:

�[O aluno que consegue se alfabetizar nesse período] não é um

aluno que nunca freqüentou a escola e passa quatro meses lendo e

escrevendo, não... O aluno alvo é esse que já conhece algumas

letras do alfabeto, que conhece alguns números, faz alguns cálculos

mentais, que compra, que vende, que conhece dinheiro. Não sabe

registrar, não sabe pôr no papel, mas vivem. Têm uma vida normal,

não sabem ler e escrever, é isso que não sabem�. (Coordenadora de

Município, Estado do Ceará).

De fato, muitas pessoas permaneciam mais um semestre no Programa:

�Essa pessoa faz mais de um semestre, ele está conosco dois

módulos. Ele sai pronto também, mas aí a aprendizagem é mais

lenta, tem que repetir, um reforço, porque a gente não reprova, só

um reforço. Ele tem que passar um pouco mais de tempo, não da

para ele fazer em 5 meses, quem nunca fez escola, não pode sair

lendo e escrevendo� (Coordenadora de Município, Estado do Ceará).

�Não, em 6 meses não conseguem, não, só alguns� (Alfabetizadora

do Projeto Grandes Centros Urbanos, São Paulo).

Mas, o Programa acabou reconhecendo esse aspecto, questionado por

todos. Assim, na Segunda Semana da Alfabetização, em 2001, houve uma

mudança no discurso, admitindo-se a escassez do prazo para conseguir a

alfabetização:

�Ela [Ruth Cardoso] sabe que não se alfabetiza nesse tempo, acho

que não pensou nisso, mas na sensibilização. Eu agora estou

contente que a Superintendente reconheceu esse fato�

(Coordenadora Geral de Instituição de Ensino Superior Pública, São

Paulo).

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164

Foram os coordenadores das IES que colocaram essas questões ao

Conselho Consultivo do Programa e geraram a modificação de sua concepção.

Mas, não foi aceita uma prorrogação do prazo para alfabetização, produzindo-se

diversas situações:

(a) A consideração do semestre na Alfabetização Solidária como um início

de um processo de alfabetização, que deveria ser continuado nas redes formais

de educação de jovens e adultos.

Decorrente desta situação e com as sugestões de alguns dos membros do

Conselho Consultivo, aconteceram várias ações que visavam à continuidade dos

estudos, até a criação do Programa Recomeço que propunha a inserção dos

alunos nas redes municipais, criando estruturas de Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Como os municípios deviam destinar seus recursos advindos do FUNDEF

para o ensino fundamental na idade própria, não havia recursos próprios (em

alguns, escasso interesse) para desenvolver salas de EJA.

Assim, o Programa Alfabetização Solidária, embora se auto-definisse como

ONG, conseguiu a abertura de linhas de crédito do Ministério da Educação para

realizar cursos profissionalizantes (www.alfabetizaçaosolidaria.org), os quais,

finalmente, derivaram na criação do Programa Recomeço, em 2001. O MEC

destinava R$ 230,00 por aluno/ano, enviado diretamente às Prefeituras, causando

um acréscimo de 70,47% no orçamento educacional desse Ministério para a EJA,

em 2002 (Ação Educativa, 2002). Foi um Programa ligado ao Projeto Alvorada,

desenvolvido só em municípios com IDH baixo. Antes do Recomeço, durante

2001, houve um projeto de ação emergencial, que, com recursos do FNDE,

repassou fundos para a EJA

Segundo o Programa, citando dados do Censo Escolar, as matrículas da

Educação de Jovens e Adultos cresceram 254,75% nos municípios nos quais se

desenvolvia o Programa, e 41,25% nos restantes do Brasil (Programa

Alfabetização Solidária, 2003). Como esses municípios possuíam IDH menor,

conclui-se que nos demais não haveria percentagem de analfabetos similar que

permitisse realizar essa comparação com validade estatística; sem negar a

louvável evidência do crescimento das matrículas.

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165

O Programa Recomeço tinha caráter facultativo: os municípios não seriam

obrigados a adotá-lo, a não ser que estivessem interessados. Além disso, o

Recomeço, de fato, baixava o custo-aluno do FUNDEF (que para o ensino

fundamental era de R$ 418,00/438,00 por aluno/ano, para 2002), para R$ 230,00

por aluno/ano117.

A observação de campo em municípios do Nordeste corrobora a dificuldade

dos alfabetizandos na continuidade dos estudos, pela falta de fundos ou de

interesse das prefeituras em solicitá-los, dado o caráter facultativo desses

projetos. Assim, as prefeituras pediam ou não, sem nenhum ônus. Observou-se,

também, a abertura de salas acompanhadas de políticas inadequadas de seleção

e capacitação de professores. Os critérios de seleção adequados, embora

existissem, eram desrespeitados, sendo escolhidas pessoas �que votaram no

prefeito�, e não pelo mérito. Seja por essa causa ou não, a preparação recebida,

muitas vezes, não bastava para mudar um perfil assumido de professor de

crianças, no melhor dos casos.

Apresentavam-se casos de adultos que voltavam às salas do Programa

Alfabetização Solidária, preferindo perder a possibilidade de aprofundamento e

certificação de estudos, mas sendo tratados como adultos, tanto pessoal quanto

profissionalmente. Ainda assim, em algumas salas rurais existiam boas

articulações entre o Programa e a EJA municipal, derivadas de iniciativas próprias

dos atores participantes, em especial de alguns coordenadores das IES, que

tentavam articulá-los � Programa Alfabetização Solidária e Educação de Jovens e

Adultos � com as Secretarias de Educação municipais, embora nem sempre

houvesse disponibilidade de tempo para essas tarefas nas visitas aos municípios

ou interesse em envolver-se na política local. A diversidade de perfis dos

117 O Recomeço financiou um valor mínimo, tomando como referência a quantidade de alunos (jovens e adultos) matriculados nos cursos presenciais no ensino fundamental das escolas estaduais e municipais cadastradas no Censo Escolar, durante os anos 2001 e 2002. Os recursos disponíveis foram R$ 250.000.000,00 durante 2001.Outras fontes de recursos até 2003 eram o FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação), que permitia o repasse às prefeituras de R$ 1.800,00 por sala de Educação de Jovens e Adultos implantada com prévia aprovação do projeto apresentado pela Prefeitura. Ainda o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) financiava cursos profissionalizantes.

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166

coordenadores das IES não previa que todos eles tivessem conhecimentos de

política educacional.

Apesar dos inconvenientes para concretizar a continuidade de estudos dos

alunos, a aceitação da necessidade de mais do que seis meses para a

alfabetização, mudou o perfil do Programa: Os documentos mais recentes do Programa Alfabetização Solidária, já demonstram uma alteração significativa em seus propósitos, o que aliás pode ser evidenciado em algumas de suas características ao longo dos seus anos de existência. De um programa de combate ao analfabetismo passa a fomentador da rede de educação de jovens e adultos (Machado, 2001: 93).

(b) A permanência de alunos durante um segundo semestre, às vezes

novamente contabilizados ou com caráter de ouvintes. A participação dos alunos durante mais de um semestre era fato corrente

em observações, tanto no Nordeste quanto em São Paulo, sendo que também

aparecia em entrevistas com alfabetizadores e pró-reitores de vários Estados.

Intuitivamente ou com conhecimento da dificuldade de os adultos reiniciarem seus

estudos com outras pessoas e metodologias diferentes, os alfabetizadores não

consideravam a saída dos alunos como algo positivo. Então, estes eram mantidos,

contabilizados novamente ou inscritos com caráter de ouvintes (desde 2002)

durante um segundo semestre, às vezes, ou períodos maiores. Assim, os

alfabetizadores adaptavam o Programa, questão que, de fato, era �tolerada� por

coordenadores municipais e das Instituições de Ensino Superior118.

E, realmente, ninguém que presenciasse o quanto custava às pessoas

tomar a decisão de voltar para a escola, voltar do trabalho começado na

madrugada e sentar-se numa cadeira para estudar, para dar apenas alguns

exemplos, poderia ter coragem de não tolerar essas situações num afã legalista

ou burocrático.

118 Até a implantação do Programa Brasil Alfabetizado, em 2003, a inscrição dos alunos com dados pessoais e número de documento não era realizada por Sistema Computacional.

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167

(c) O registro nas estatísticas do Programa Alfabetização Solidária dos

alfabetizandos como alunos atendidos, e não como alfabetizados.

Ao chamá-los de alunos atendidos, está se mencionando quem, de alguma

forma, passou pelo Programa, sem se qualificar se foi alfabetizado, evadiu-se ou

continuou estudando119. As cifras destacadas, 4.000.000 de alunos atendidos,

embora importantes em quantidade, não dizem respeito à qualidade, ou seja, não

é afirmado se os alunos foram ou não alfabetizados. O eufemismo indica que

apenas se deu atenção. Além disso, existem dúvidas sobre a metodologia de

contagem dos alunos nos cursos, pois, de fato, permaneciam mais de um

semestre e eram re-inscritos, como já foi explicado.

Analisando os dados

Apesar dos comentários triunfalistas nos documentos do Programa

Alfabetização Solidária, uma vez divulgados os dados do Censo Demográfico de

2000 sobre alfabetização de adultos, as cifras não foram tão importantes conforme

se esperava. O Programa Alfabetização Solidária atribuiu-se um grande êxito,

embora não tenham sido cumpridas as expectativas da Conferência Internacional

de Educação para Todos, na Tailândia, em 1990, que propunha, como meta, a

diminuição pela metade do número de analfabetos dos países em

desenvolvimento. Assim, os documentos destacam a redução do número absoluto

de analfabetos, de 19.233.758, em 1991, para 16.284.889, em 2000 (IBGE, 2001),

embora não se possa atribuir necessariamente ao Programa � que começou em

1996 � essa redução, pois, entre 1991 e 1996 o analfabetismo já havia diminuído.

Assim, se for considerada a taxa de analfabetismo da PNAD (Pesquisa Nacional

de Amostra de Domicílios) correspondente a 1996, por exemplo, a diminuição é

bem menos significativa, como mostra a tabela seguinte:

119 Seria necessário divulgar na internet e nas revistas do Programa os dados de matrícula inicial, matrícula final e aproveitamento, que aparecem em outros documentos, mais específicos e com menor difusão.

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168

Tabela 20: Taxa de analfabetismo da população de mais de 15 anos

1991,1996 e 2000.

Ano Censo 1991 PNAD 1996 Censo 2000 Analfabetos

(%) 20,07 14,7 13,6

Fonte: Inep (2003:7) e Programa Alfabetização Solidária (2003)

Além disso, documentos120 do Programa Alfabetização Solidária

apresentam apenas os dados dos Censos Demográficos de 1991 e 2000, que

destacam uma diminuição mais significativa. Seus gráficos mostram a diminuição

do analfabetismo, considerando pessoas de 10 anos e mais, o que é bom, mas

seus resultados não podem ser conseqüência apenas do Programa, senão de

outros que atingiram o ensino fundamental na época.

Se se considerarem apenas os dados da PNAD, as percentagens seriam as

seguintes:

Tabela 21:Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais, 1996, 1998, 2000 e 2001

ANO 1996 1998 2000 2001

% Analfabetismo na população de 15 anos ou mais

14,7

13,8

12,9121

12,4

Fonte: Inep, (op.cit. : 7) PNAD 1996, 1998, 2000 e 2001

Assim, não foi tão bem sucedida a estratégia de diminuir o analfabetismo,

como assinala o Relatório Mundial da Educação de 2000, elaborado pela

UNESCO, segundo o qual o Brasil tem 2% dos analfabetos do mundo.

Também, a desigualdade regional continuou a ser significativa, apesar da

priorização das ações nos municípios do Norte e Nordeste, como mostra a tabela

a seguir:

120Os documentos são: Avaliando 2, (2002d) e Trajetória 2003, 7 anos (2003).

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169

Tabela 22: Taxa de analfabetismo da população de 10 a 14 anos e da população de 15 anos e mais, segundo região � 2000

Brasil e Grandes

Regiões População de 10 a 14 anos População de 15 anos e

mais. Brasil 7,2 13,6 Norte 12,0 16,6 Nordeste 15,2 26,2 Sudeste 2,4 8,1 Sul 1,5 7,7 Centro-Oeste 2,7 10,8

Fonte: IBGE, Censo demográfico, 2000.

Os dados anteriores mostram uma diminuição do analfabetismo das

crianças, possivelmente devido à priorização ao ensino fundamental na idade

própria, e a prevalência do analfabetismo em regiões como o Nordeste e o Norte.

Assim, não foi atingida a meta do Programa, de reduzir regionalmente os índices à

média nacional (�em 2 anos, reduzir o índice de analfabetismo, pelo menos à

média nacional�) como era sua proposta em 1996. E, também, não se cumpriram

as expectativas de reduzir para um dígito a taxa de analfabetismo.

Os dados não surpreendem, pois são uma armadilha para quem pensa que

o analfabetismo pode ser solucionado emergencialmente, rapidamente e com

baixo custo, prescindindo de uma educação que inclua a universalização da

educação básica para todos, com qualidade, e a formulação de políticas de

educação de adultos estáveis, a longo prazo, isso tudo num projeto do país que

inclua o desenvolvimento social e humano pois �...não pode haver democracia

educacional sem democracia social� (Haddad, 2002122).

Concluindo, este capítulo apresentou o Programa Alfabetização Solidária.

Na primeira parte, segundo o desenho dos seus responsáveis, baseado na

participação de diferentes atores em sua implementação e com dados que

permitissem visualizar seu alcance. A partir daí, a intenção foi apresentar esse

121Discorda do dado do Censo 2000, pois o dado foi obtido pela PNAD de 2000. 122 Palestra proferida em 4º Congresso Nacional de Educação �Educação, Democracia e Qualidade Social�. Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. São Paulo, 25-04-2002.

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170

Programa em sua implementação prática, segundo a experiência de algumas

Instituições de Ensino Superior que intervieram na sua operacionalização. Para

poder analisar qual a importância e impactos no interior das Instituições de Ensino

Superior, relevou-se a voz dos Pró-reitores de Extensão de Instituições diversas,

públicas e privadas, do Sudeste, do Nordeste e do Centro-Oeste do país. Para

também enxergar e analisar a implementação no nível micro, evidenciando a

efetiva chegada do Programa pelas IES aos municípios, foram descritos e

analisados aspectos da ação de três Instituições que participaram do Programa

nos Projetos Nacional e Grandes Centros Urbanos. Essas análises mostram as

dificuldades da implementação, em contraponto com os documentos oficiais do

Programa, que apresentam uma visão extremamente positiva. Finalmente,

analisaram-se os dados de analfabetismo na década, para inferir o possível

impacto numérico do Programa.

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171

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário, aqui, retomar algumas questões que foram debatidas durante

o trabalho para poder, a partir delas, inferir algumas considerações.

O Programa Alfabetização Solidária e as características das políticas

sociais

O Programa Alfabetização Solidária surgiu como uma parte da Comunidade

Solidária, macro-programa de origem governamental, constituindo-se em uma

mudança na implementação das políticas sociais do país e foi conduzido pela

então primeira dama.

Por se vincular à Comunidade Solidária, que foi uma política governamental

de alívio à pobreza, leva a marca dela: as novas características que adquiriram as

políticas sociais na América Latina na década de 1990. Essas características �

focalização, descentralização e privatização � apresentam-se no Programa

Alfabetização Solidária, adaptadas às particularidades do país. Também há outras

características dessas políticas sociais no Programa: a precarização dos

empregos com a utilização de bolsistas e a promoção do primeiro emprego.

O Programa focalizou os analfabetos de 18 a 24 anos como população-alvo

e territorialmente os municípios com menor IDH. Também focalizou a continuidade

de estudos e estimulou o financiamento federal para a criação de salas de

Educação de Jovens e Adultos, nos municípios do Programa que apresentassem

projetos para tal. Nesse sentido, relembrando Coraggio (op.cit.), foi uma

focalização centralizada, pois era o Programa quem decidia quais municípios e

que público seriam incluídos.

A descentralização se fez presente no Programa, adaptada à forma que ela

adquiriu no país durante o governo FHC: desconcentração pela via da

municipalização. Assim, a execução do Programa era realizada sem intervenção

dos Estados, tomando como unidade o Município, escolhido para sua aplicação e

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172

que deveria colaborar, provendo a infra-estrutura para a operacionalização do

Programa. Ou seja, os municípios seriam executores, desconcentrariam

atividades, mas sem poder de decisão sobre aspectos fundamentais do Programa.

Ademais, a participação dos municípios, como foi mostrada no capítulo 4, permite

constatar o caráter de política governamental do Programa Alfabetização

Solidária.

Quanto à privatização, o Programa Alfabetização Solidária assumiu uma

forma de privatização à brasileira, a qual chamou de parceria, que consistiu na

inclusão de diferentes atores no financiamento e implementação da política, com

destaque para dois deles: as empresas e as universidades. As empresas

financiando-o parcialmente por meio de doações e as IES públicas e privadas

desenvolvendo as atividades do Programa. Ou seja, privatização (filantrópica) no

primeiro caso e terceirização no segundo123. A participação de entidades, tais

como associações, igrejas etc., também foi uma forma de terceirização de

atividades.

No caso das empresas e das IES privadas, a participação no Programa

Alfabetização Solidária lhes permitiu desenvolver o marketing da responsabilidade

social, embora se configurasse como envolvimento do privado no social. Além

disso, a conversão do Programa numa ONG, a Associação de Apoio ao Programa

Alfabetização Solidária � AAPAS, também é mais uma amostra desse espírito de

desestatização, pois permitiu implementar atividades quase voluntárias e sem

vínculo empregatício, ensaiando modelos de flexibilização trabalhista na

implementação de uma política de governo.

Essa forma de privatização que o Programa Alfabetização Solidária utilizou,

chamada de parceria por ele mesmo, envolvia diferentes participantes, embora

parceria implique um nível de participação de todos na tomada de decisões, o que

não foi verificado no Programa, como explicado no capítulo 4, sendo, por isso,

mais adequado falar em terceirização.

Também é necessário ressaltar que o financiamento privado, por empresas

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173

e pessoas físicas sem o correspondente retorno, outorga-lhe um matiz filantrópico,

pois depende-se da boa vontade dessas em colaborar. Nesse sentido, a

campanha realizada pelo Programa adote um aluno é um exemplo.

Empregabilidade temporária e voluntariado involuntário

O Programa Alfabetização Solidária foi uma política implementada pela

Comunidade Solidária. Esse pertencimento e relação com a Comunidade Solidária

não deixaram o Programa incólume, mas outorgaram-lhe algumas características

que não são necessariamente educacionais.

Assim, a mudança dos alfabetizadores, que não podiam ser os mesmos a

cada módulo, respondia à lógica da Comunidade Solidária, e não da educação,

porque facultaria a participação de um maior número de pessoas em um emprego

temporário, provavelmente com a intenção de fornecer algum tipo de experiência

de trabalho aos jovens de setores desfavorecidos, especialmente no caso dos

municípios do Norte e Nordeste. Esse era um dos objetivos da Comunidade

Solidária que desenvolvia o Programa Capacitação Solidária para alcançar esse

fim, conforme assinalado no capítulo 2. Desta forma, o desempenho de tarefas de

alfabetização, como se verificou em muitos casos, tiraria o jovem da inexperiência

e lhe proporcionaria seu primeiro emprego (e talvez o único).

A mudança de alfabetizador a cada seis meses também evitaria a criação

de um vínculo empregatício, o que geraria um maior custo, como se mostrou no

capítulo 4, por exemplo, com a escola que trocou professor por alfabetizador,

reduzindo gastos. Ante os questionamentos a esse critério, um argumento

desenvolvido pelo Programa é que, assim, dar-se-ia oportunidade de receber

capacitação para mais pessoas, fornecendo uma qualificação para um maior

número124. Mas, para isso, bastaria que a Comunidade Solidária desenvolvesse

um programa específico de capacitação, com caráter rotativo ou, simplesmente,

colocasse essas pessoas no programa já existente: o Capacitação Solidária!

123Ainda assim, grande quantidade de recursos provinham do poder público. 124Poderia se sintetizar que o critério utilizado é: �pouco, mas massivo�.

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174

Outro argumento sobre a mudança de alfabetizador, divulgado pelo

Programa, é que, dessa forma, mais pessoas poderiam viajar para as cidades de

origem das IES, propiciando maior integração e conhecimento das diferentes

regiões. Sem questionar a validade da viagem como experiência de aprendizado,

que acho positiva, por que ligá-la com um programa de alfabetização? Por que

não criar um programa Viagem solidária ou Integração solidária, por exemplo? O

custo que demandava transladar pessoas de municípios do Nordeste, Norte e

Centro-oeste para as cidades do Sul e Sudeste (predominantemente São Paulo,

que contava com o maior número de IES participantes), se fosse empregado no

município de origem e destinado à educação de adultos e à formação de

professores seria muito mais proveitoso e intrinsecamente educativo.

Enfim, os critérios aqui apontados não são propriamente educacionais, pois

não implicam a realização de um bom trabalho de educação de jovens e adultos,

antes respondem a uma outra lógica. Não é valorizada a experiência, pois quando

a pessoa estava começando a adquiri-la, devia ser substituída por outro

alfabetizador, e começava tudo de novo. Esse tópico � a experiência � é muito

importante no sucesso de qualquer tarefa educacional e ainda mais no caso da

alfabetização, que requer não só de um professor experiente, mas, também,

especializado em educação de adultos, ensino cujas especificidades são

diferentes daquelas das crianças. Aliás, até nas recomendações do Banco

Mundial é valorizada a experiência docente.

Portanto, no caso do Programa, a prevalência de políticas precárias de

emprego rotativo, desenvolvidas em muitos países da América Latina como parte

de políticas compensatórias ao modelo de Estado e não muito bem sucedidas

(capítulo 2), ou seja, a prevalência dos objetivos de inclusão e empregabilidade

temporária não poderia ser, no meu ponto de vista, o que deveria nortear um

programa de alfabetização, que demanda muito tempo e recursos para ser

eficiente. A conseqüência é uma falta de identidade pedagógica no Programa.

A manutenção dessas características no formato do Programa desde 1997,

apesar de todas as opiniões contrárias manifestas, mostra que não é um acaso

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175

nem um erro de concepção, senão uma questão central, explicada pela indução

de um novo modelo de intervenção na questão social, que desresponsabiliza o

Estado, precarizando suas políticas e reduzindo seus custos às expensas da

qualidade. Assim, argumentos propagandísticos sobre o custo do Programa, R$

34,00 por aluno por mês, não seriam viáveis, se esse critério fosse alterado.

As Instituições de Ensino Superior também foram favorecidas com o

predomínio da lógica da Comunidade Solidária, uma vez que podiam desenvolver

atividades intrínsecas a elas, tais como extensão e estágio dos alunos, com

economia de tempo e baixo investimento de recursos próprios.

Entretanto, a modalidade de bolsa como forma de pagamento, além de

evitar a criação de vínculo e estar invariavelmente abaixo dos salários de mercado

referentes às funções de alfabetizador e coordenador, era irrisória para o trabalho

que demandava o Programa e convertia os participantes em quase voluntários,

�involuntariamente�.

Todas essas situações, aliás, eram toleradas em meio de um discurso que

usava e abusava de argumentações filantrópicas, sobre a alfabetização como um

problema de todos, a solidariedade e a participação. Assim, a filantropia seria a

forma da solidariedade neoliberal e a participação da sociedade civil, o emprego

precário dos alfabetizadores.

Programa governamental ou participação da sociedade civil?

O Programa Alfabetização Solidária desenvolveu a estratégia de se

apresentar como desvinculado do governo, especialmente depois da criação da

Associação de Apoio (AAPAS): �Não somos governo�. (Ruth Cardoso, 2a Semana

da Alfabetização, 08-09-2001).

O Programa proclamou esse caráter não governamental, obtido pela sua

vinculação com a Comunidade Solidária que, em vários documentos, afirmava sua

independência do governo (capítulos 2 e 4). Mas, sem ligação com o governo não

poderia ter-se formulado um programa que propunha uma alfabetização em 6

meses, com rotação de alfabetizadores e pagando salários na modalidade de

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176

bolsa, contando com o apoio financeiro de empresas e dispondo de Instituições de

Ensino Superior para implementá-lo, aliás, com fundos públicos e privados. Além

disso, a participação ativa e pública nos Programas da Comunidade Solidária e o

exercício da presidência do Conselho da C.S. pela primeira-dama, Dra. Ruth

Cardoso, são provas do envolvimento com o governo, pois estava ocupando esse

lugar por ser primeira-dama, e não por ser antropóloga social e professora da

Universidade de São Paulo.

Mas, não é aplicável à Dra. Ruth Cardoso o conceito tradicional de primeiro-

damismo, porque a sua própria trajetória profissional outorgava à Comunidade

Solidária características profissionais, e não ostensivamente clientelísticas e

assistencialistas, como é de praxe no primeiro-damismo na América Latina. Antes,

era um primeiro-damismo politicamente correto, baseado no prestígio profissional.

A negação do caráter governamental da Comunidade Solidária e de seus

Programas tinha outra intenção: era uma estratégia de diferenciação e de

separação do governo que visava fomentar a terceirização das políticas sociais,

seguindo a lógica da reforma do estado e a criação de um espaço público não

estatal. Por isso, sua apresentação como componente do terceiro setor, as

apelações à participação da sociedade civil e a apresentação do Alfabetização

Solidária como uma ONG.

Essa estratégia, que propunha a participação da sociedade civil entendida

como terceiro setor, era priorizada por alguns organismos internacionais, em

especial o BID, e tinha a intenção, evidenciada nos discursos, de colocar a

Comunidade Solidária no lugar do Estado na criação e, principalmente, na

execução das políticas sociais. Assim, no Alfabetização Solidária, a participação

da sociedade civil na execução do Programa pode ser entendida como a utilização

de alunos ou alfabetizadores temporários, pois não se pode chamar de terceiro

setor às Instituições de Ensino Superior, que são órgãos federais ou estaduais ou

empresas privadas.

Por tudo isso, pode-se dizer, concordando com Di Pierro (op. cit.) que o

Programa Alfabetização Solidária era uma ONG chapa branca. Pois podia contar

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177

com o prestígio da primeira dama e o poder do governo para solicitar não apenas

doações econômicas e participação de empresas e instituições, como também

para divulgar e induzir um modelo de política social baseado na delegação das

funções sociais do Estado às instituições da sociedade civil/terceiro setor. Isto,

além de ilusório, dadas às cifras de população envolvida que não poderiam ser

atingidas pelo terceiro setor, não cumpria a função supletiva da União para com a

educação (LDB. Art. 8, §1º). Assim, a indução aos municípios para participarem,

como foi descrito no capítulo 4, não teria efeito, se não se tratasse de um

Programa governamental.

Neste sentido, a difusão do modelo de terceirização de programas de

alfabetização pelo governo FHC foi exitosa e continua vigente. Mas, também, foi

inconseqüente, por não se preocupar em estabelecer medidas concretas para a

continuidade de estudos dos alfabetizados (ou atendidos). Assim, o discurso

adotado pelo Programa Alfabetização Solidária assumindo um caráter de ONG,

não governamental mas recebendo apoio do governo, é funcional, pois o

Programa desresponsabilizou-se pela continuidade dos estudos dessas pessoas.

Política de educação de jovens e adultos?

O Programa Alfabetização Solidária leva as marcas da história das políticas

e programas de alfabetização no país, na qual a intervenção do Estado sempre foi

importante, pois, ainda que as iniciativas tivessem surgimento na sociedade civil,

acabaram vinculadas a ele ou financeira ou administrativamente, como aconteceu

com movimentos ligados à igreja católica ou da década de 1960. Neste sentido, o

Alfabetização Solidária apresenta a ambivalência de ser um programa

governamental que passa a se converter numa ONG.

Essa história mostra uma oscilação entre considerar a alfabetização de

adultos como uma questão social ou como uma política educacional, refletida na

maior ou menor ligação com o Ministério da Educação, como aconteceu com a

Campanha Nacional de Educação de Adultos e com a Fundação Educar, ligadas

ao Ministério da Educação, e com as propostas da década de 1960, de um lado e

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o MOBRAL, de outro. O Programa Alfabetização Solidária foi gestado pela

Comunidade Solidária, sendo assim tratado na esfera social-assistencial do

governo.

As experiências de educação e alfabetização de adultos no Brasil, relatadas

no capítulo 3, também mostram o quanto essas demoraram a ser incorporadas

como direito, com a Constituição de 1988, e que rapidamente as intenções de

priorizar a erradicação do analfabetismo foram sepultadas pelas políticas

neoliberais de educação. Mesmo que a LDB de 1996 tenha incorporado a

educação de jovens e adultos à educação básica, o FUNDEF a excluiu do

financiamento e, portanto, deixou-a fora das prioridades educacionais.

Mas, os compromissos internacionais levaram à necessidade de criar ações

que atendessem à reversão das cifras alarmantes do país, quanto ao

analfabetismo. A lógica de ajuste das políticas sociais e, especialmente,

educacionais do governo FHC implicou na criação de uma alternativa com menor

custo. Assim, a educação de jovens e adultos, conceito superador da mera

alfabetização e que reconhece a necessidade de educação formal durante um

período maior que o da alfabetização (pelo menos 4 anos), foi desconsiderado.

Concentraram-se, então, os esforços governamentais, visando à redução do

analfabetismo, na formatação de um programa instalado na órbita social-

assistencial do governo � a Comunidade Solidária �, e não na educacional,

utilizando-se da figura da esposa do Presidente, que tinha uma trajetória

profissional e acadêmica ligada a movimentos sociais, para mobilizar outras

instâncias e instituições e, assim, fugir do modelo de instalação de uma rede de

educação formal de jovens e adultos que implicaria num maior custo. Não

priorizando a alfabetização funcional, pois apenas ser alfabetizado já podia

mascarar as estatísticas internacionais (IDH), voltou à cena a idéia de Programas

de Alfabetização com caráter compensatório, no sentido da CEPAL.

Devido, porém, às próprias pressões internas das Instituições de Ensino

Superior parceiras, que contestavam os 6 meses como um tempo possível de

alfabetização, foi instituída a continuidade pela via do Programa Recomeço que,

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mais uma vez, priorizava o menor custo, porque não era instalado universalmente

para todos os municípios, mas apenas para os que apresentassem projetos. Além

disso, permitia baratear o custo-aluno previsto pelo FUNDEF (capítulo 4).

Pode-se dizer, então, que já na própria aparição do Programa Alfabetização

Solidária há um viés: talvez uma questão estatística � as cobranças internacionais

� tenha se sobreposto à questão ética: o direito à educação do contingente de

analfabetos. Em várias regiões, aliás, nem haveria interesse ou necessidade

econômica de contar com mão de obra mais qualificada.

Assim, a política de educação de jovens e adultos do governo FHC foi uma

política de alfabetização comandada pela primeira dama, que se utilizava de

parceiros, em especial Instituições de Ensino Superior e empresas doadoras,

constituindo um mix apresentado discursivamente como novidade, embora ambas

já tivessem participado de ações semelhantes em passado recente. Em

entrevistas na época do governo FHC, aparece mencionada a questão da

credibilidade que a primeira dama outorgava ao Programa: levando as pessoas

privadas a doar na campanha adote um aluno do Programa Alfabetização

Solidária e as empresas a dar dinheiro para os vários programas solidários.

A participação das empresas era destacada até nos materiais de divulgação

do Programa, beneficiando-se do marketing de responsabilidade social que este

lhes provia. A outorga do selo de empresa solidária mostra isso (ver anexo).

Entretanto, lembremos que as empresas já haviam participado do MOBRAL,

interessadas na formação de mão de obra.

Quanto às universidades, já haviam sido parceiras no Projeto Rondon, com

a participação dos alunos e a criação de campi avançados, tendo desenvolvido,

inclusive, ações de alfabetização de jovens e adultos, em algumas regiões.

Assim, o Programa Alfabetização Solidária, que se apresentava como uma

novidade absoluta, tinha uma boa dose de Mobral e outra de Rondon, às quais

apimentou com as noções de responsabilidade social e de sociedade civil125.

125Logo depois de estarem escritas essas observações, aconteceu o re-lançamento do Projeto

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Outro aspecto a ser lembrado é que os programas governamentais, além

de serem ações concretas, podem criar ou induzir subjetividades, com seus

discursos e ações e, nesse sentido, o Alfabetização Solidária mostrou ser possível

prescindir da figura do professor alfabetizador de adultos. Colocou, na prática, a

idéia de que a alfabetização de adultos não é uma tarefa profissional, ou seja, não

precisa ser desenvolvida por um docente especializado em alfabetização de

adultos, nem sequer por um professor lato sensu, contra tudo o que tem sido

desenvolvido na bibliografia especializada sobre a temática. Pois, qualquer

pessoa, com um mínimo de treinamento, poderia realizar essa função.

Essa inclusão de pessoas quase sem experiência, em vez de professores,

pretende ser justificada com experiências que mostram ser possível alfabetizar

com leigos. Tanto nas ações pioneiras de Paulo Freire quanto em iniciativas da

sociedade, como os múltiplos MOVAS e ONGs, utilizam-se dessas figuras. Mas, o

Programa Alfabetização Solidária recuperou esse aspecto de uma forma

descontextualizada, pois não incluiu (embora propusesse no discurso,

retoricamente) a participação da sociedade na proposta. Assim, nem o

desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa (seleção do universo vocabular

a partir da imersão na cultura), nem uma finalidade de mudança social e das

condições de vida � que era o grande motivador das populações na época do

desenvolvimento das experiências pioneiras de Paulo Freire e da participação

popular dos MOVAS, guiados por um ideal de transformação ativa da sociedade �

foram retomados pelo Programa. Essa eleição de leigos, então, parece estar

regida pelo princípio do baixo custo e de filantropia.

A participação das Instituições de Ensino Superior

A IES representou no Programa Alfabetização Solidária uma agência

prestadora de serviços. O grau de autonomia que possuía era relativo ao trabalho

Rondon em janeiro de 2005. Em 31-01-05, a Dra. Ruth Cardoso, em caráter de presidente da ONG COMUNITAS, publicou no jornal O Estado de São Paulo um artigo no qual criticava esse lançamento e propunha o Comunidade Solidária e, particularmente, o Programa Universidade Solidária como modelo superador ao Projeto Rondon.

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de capacitação e acompanhamento, mas condicionado ao formato do Programa:

duração do curso, seleção de alfabetizadores, permanência desses e dos

alfabetizandos. Esses elementos fixos do Programa eram parte do trabalho e um

condicionante na formulação do dispositivo pedagógico, limitando as

possibilidades das IES de desenvolverem sua proposta.

As IES, contra o afirmado discursivamente, não parecem ter sido escolhidas

para participar do Programa devido à sua experiência com educação de adultos

apenas, mas, também, por serem instituições de prestígio, dedicadas ao ensino,

além de se espalharem pelas várias regiões do país e conseguirem atingir maior

quantidade de pessoas. Nesse sentido, teriam infra-estrutura e condições de

desenvolver as funções requeridas pelo Programa.

Esse, por sua parte, permitiu a muitas Instituições sensibilizar-se pela

problemática do analfabetismo no país e desenvolver ações em prol da

alfabetização de jovens e adultos. Permitiu, também, que aquelas nas quais

existiam experiências anteriores (núcleos de pesquisa, ações de alfabetização,

especializações) aprofundassem e recebessem estímulos, legitimação e

financiamento indireto de atividades concretas de alfabetização. O fato de existir

esses esquemas prévios ligados à alfabetização de adultos gerou experiências

sérias e positivas.

Para outras Instituições, o fato de implementar políticas de alfabetização

teve fins de legitimação interna de suas próprias atividades. Nessas, o Programa

serviu para o desenvolvimento das necessárias atividades de extensão,

obrigatórias no caso das Universidades, financiadas (parcial ou totalmente) por

meio das bolsas para alfabetizadores e coordenadores. Permitiu, também,

atividades de estágio, obrigatórias para os alunos, sem que a instituição tivesse

que realizar investimentos ou criar projetos próprios para esse fim.

Para o Programa Alfabetização Solidária, a participação das Instituições de

Ensino Superior como implementadoras era um beneficio completo por seu

prestígio. Nos grandes Centros Urbanos, aliás, o fato de os alfabetizadores serem

universitários, a priori, trazia uma confiança maior no Programa, embora nem

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sempre fossem alunos das licenciaturas com algum tipo de formação docente ou

garantissem melhor qualidade do que um voluntário comum. Além disso, como foi

dito, essas eleições favoreciam o barateamento de custos de salário e resolviam o

problema do vinculo empregatício, pois não seriam professores contratados para

esse fim quem ministrariam as aulas.

As IES podiam decidir a proposta pedagógica a ser desenvolvida por elas,

pois, embora o Programa provesse de materiais pedagógicos, era permitida a livre

escolha da metodologia que cada instituição desejasse. Mas, as IES não podiam

realizar mudanças ou adaptações do formato original do Programa, apesar das

inúmeras críticas sobre a duração dos módulos, a rotatividade dos alfabetizadores

e a não permanência dos alunos, evidenciadas inúmeras vezes em encontros,

entrevistas e visitas e, segundo numerosas fontes, questionadas no Conselho

Consultivo do Programa. Assim, cabe perguntar se as IES se sentiram feridas na

sua autonomia. Na prática, as instituições transgrediam parcialmente tais

princípios, permitindo, por exemplo, a permanência dos alunos ou dos

alfabetizadores no Programa.

Outra questão é por que as Instituições aceitaram participar nestas

condições. Possivelmente, foi devido aos benefícios que obtinham (financiamento

com bolsas para atividades de extensão, viagens, melhor imagem institucional nos

novos processos de avaliação iniciados pelo MEC) que contrabalançavam esses

problemas. Mas, penso que não era só isso, haja vista a produção importante de

teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso, de diferentes níveis de

qualidade; a criação de disciplinas, cursos de especialização e mestrado na

temática de educação de adultos, tanto nas instituições públicas quanto privadas,

os quais permitiram um avanço na consolidação da temática e foram

proporcionados pela participação no Programa. Some-se a isso a questão da

responsabilidade social que aparecia muito claramente na fala dos alunos

alfabetizadores e coordenadores.

Finalmente, houve um ganho para as IES privadas em termos de marketing,

pois, no contexto das políticas de expansão desse nível de ensino, como foi

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explicado no capítulo 3, a participação no Programa outorgou-lhes legitimação,

pela visibilidade dessas ações no interior e no exterior das Instituições,

divulgando-as por sua responsabilidade social, e não apenas como empresas

lucrativas interessadas somente nos seus alunos como clientes.

Participação das ONGs, via IES

As Instituições de Ensino Superior, para a execução do Programa,

implementavam salas de aula em vários locais. Além de escolas, a escolha incluía

ONGs de base: instituições sem fins lucrativos, religiosas ou de reivindicação de

direitos, predominantemente igrejas e associações de moradores dos bairros.

Essas entidades transferiam sua identidade institucional à implementação do

Projeto, influindo na sua execução.

As escolas apresentavam-se como o melhor local para o desenvolvimento

das aulas, embora outros elementos, como a situação geográfica e o fato de

disponibilizar seu espaço físico só no noturno, não lhes permitisse cumprir com a

intenção de levar o Programa aos bolsões de analfabetismo.

As igrejas, especialmente as católicas, mostravam uma tradição de

alfabetização importante na hora do desenvolvimento das propostas, assim como

bastante conhecimento sobre as dificuldades na continuidade dos estudos e

iniciativa para tentar articular com o poder público a continuidade do processo de

alfabetização. As pessoas que freqüentavam as igrejas evangélicas contavam

com uma alta motivação para a alfabetização, pelo seu desejo de poder ler e, às

vezes, pregar a Bíblia, só que, por ser esse o único objetivo, em geral

manifestavam a intenção de não continuar seus estudos além das possibilidades

oferecidas pelas próprias igrejas.

Já as associações de moradores apresentavam outras particularidades.

Nelas era mais perceptível a incidência de sua identidade institucional sobre as

atividades de alfabetização, inclusive usufruindo e adaptando a alfabetização aos

seus fins e financiando outras atividades com fundos destinados à alfabetização.

Em síntese, a abertura de salas de aula em ONGs e demais instituições da

comunidade mostra que, embora fosse conseguida a capilaridade necessária,

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perdia-se o cumprimento do objetivo do Programa.

Também foi notória a falta de articulação do Programa com o poder público,

tanto na detecção dos locais com maiores necessidades, quanto na viabilização

da continuidade dos estudos dos recém alfabetizados. Não seria possível

pretender que as IES cumprissem essas funções específicas do poder público, o

responsável pela educação de jovens e adultos, segundo a Constituição Federal.

Direito ou assistência?

Mesmo levando-se em conta os possíveis ganhos proporcionados pelo

Programa Alfabetização Solidária, esse não deixou de banalizar a educação de

jovens e adultos, considerada como direito de cidadania. Essa solidariedade que

seu próprio nome implica introduziu elementos filantrópicos, beneficentes e

assistenciais.

Filantrópicos, ao reatualizar o modelo de doações privadas para o

financiamento de um programa que deveria atender um direito consagrado pela

Carta Magna.

Beneficentes, ao divulgar com seu discurso da ajuda junto à IES e a seus

alunos, uma argumentação que justificava o sacrifício desses para ajudar os

analfabetos, desenvolvendo um trabalho semi-voluntário que compensaria aquelas

injustiças. Isso poderia criar uma subjetividade assistida, tanto no alfabetizando

quanto no próprio alfabetizador, o qual imprimiria à sua tarefa o sentimento de

ajuda, de solidariedade, tratando seus alunos como pobres, coitados, vítimas, e

não de acordo com suas potencialidades como sujeitos. Por conta disso, muitas

vezes não reclamavam do valor da bolsa ou das condições de trabalho.

A adoção de analfabetos, por sua vez, induzia uma subjetividade tutelada.

Um adulto adotado implica uma visão construída não a partir da igualdade, mas da

superioridade do adotante. Parece significar que a igualdade legal é inferior à

desigualdade de renda. Mas esse sujeito não precisa de tutela, nem de

assistência, mas sim de oportunidades educacionais que o diferencie apenas na

aplicação de estratégias pedagógicas específicas para alfabetizar adultos.

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O Programa também induzia uma subjetividade assistida nos destinatários

da alfabetização e filantrópica nos doadores, empresas e pessoas físicas,

estudantes e professores. Pensando na história brasileira esta é uma das piores

conseqüências dos programas compensatórios.

À guisa de conclusão

O Programa Alfabetização Solidária foi uma política governamental de

alfabetização de jovens e adultos que desconsiderou a Educação de Jovens e

Adultos, concepção que vinha sendo construída pela sociedade nas últimas

décadas, e alterou a reparação histórica proposta pela Constituição de 1988 (Art.

208°).

Difundiu um paradigma de terceirização de políticas sociais e educacionais,

promovendo, também, outros valores neoliberais nas políticas sociais

(flexibilização trabalhista, filantropização etc.) e realizando uma adaptação própria,

brasileira, desses. Utilizou-se das Instituições de Ensino Superior: as privadas,

que estavam num processo de ampliação e ajuste às novas normas de avaliação

e credenciamento; as públicas, que, em geral, não tinham financiamento para

atividades de extensão. Foi muito eficiente e inteligente, pois conseguiu tirar

proveito e articular necessidades variadas das diversas Instituições participantes.

Mas, não conseguiu milagres, como pretendia no seu primeiro documento:

reduzir o analfabetismo à média nacional, pois isso só é possível com políticas de

longo prazo, e não emergenciais.

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A N E X O

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