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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
MARCO AURÉLIO FERREIRA
COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS:
UM ESTUDO SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2018
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
MARCO AURÉLIO FERREIRA
COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS:
UM ESTUDO SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP), sob orientação do Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho. Área de Concentração do Programa: Signo e significação nos processos comunicacionais. Linha de Pesquisa: Dimensões políticas na comunicação.
SÃO PAULO
2018
2
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura_______________________________ Data____________________________________ e-mail ___________________________________
383
Ferreira, Marco Aurélio. Comunicação em rede e alternativas
democráticas: um estudo sobre junho de 2013 e novas formas de atuação política / Marco Aurélio Ferreira. – São Paulo, 2018.
105f.; 30cm.
Orientador: Prof. Dr. Eugênio RondiniTrivinho.
Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, jun 2018.
Área de concentração: Dimensões Políticas na Comunicação.
1. Comunicação. 2. Redes. 3. Junho de 2013. I. Trivinho, Eugênio Rondini. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. III. Comunicação em rede e alternativas democráticas.
CDD ......
3
MARCO AURÉLIO FERREIRA
COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS: UM ESTUDO
SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA.
Tese apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP).
Aprovado em: ___ /___ /___
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Presidente da Banca - Profº Drº Eugênio Rondini Trivinho
_________________________________________________
Membro Interno - Profª Drª Christine Pires Nelson de Mello
__________________________________________________
Membro Interno – Profª Drª Helena Tania Katz
__________________________________________________
Membro Externo - Profª Drª Ângela Pintor dos Reis
__________________________________________________
Membro Externo- Profº Drº Luciel Henrique de Oliveira
4
DEDICATÓRIA
À minha esposa Rebeca.
Às minhas filhas Camila,
Lívia e Laura.
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que me concedeu o dom da Vida e me proporcionou
capacidade física e mental de chegar até este momento, com saúde, lucidez e muita
perseverança para vencer todos os obstáculos.
À minha família, especialmente à minha amada esposa Rebeca, que esteve
ao meu lado cada segundo dessa caminhada, dando-me força e coragem, me
proporcionando esperança de vitória e que tudo daria certo. E às minhas filhas
Camila, Lívia e Laura que, com seus olhares e carinhos, me fortaleceram na jornada
do estudo, leitura e escrita da Tese.
À minha mãe Irene, guerreira e vencedora, que lutou muito para nossa
formação; que abriu mão de sua própria vida em prol dos filhos. A meu pai Júlio que,
mesmo ausente do plano material, tenho a certeza de que está a meu lado em todos
os momentos. Aos meus queridos irmãos Júlio, Carlos Henrique e Sérgio Eduardo,
que sempre torceram por mim. Pelas minhas cunhadas, sobrinhos e sobrinhas. À
minha sogra Vera Lúcia, que sempre esteve presente nos momentos necessários de
ajuda.
Ao Instituto de Pesquisas Econômicas - IPEFAE, que me auxiliou no decorrer
desse caminho. Em especial aos diretores: professores Luís Evaristo e José
Antônio, que Deus levou antes de eu terminar meus estudos. Aos amigos de
trabalho Bruna Stremel, Maríucia Franco e Raul Valim, serei eternamente grato por
estarem ao meu lado nos momentos em que necessitei.
Ao Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino - FAE, a todos
os colaboradores, professores e à Reitoria, em especial ao nosso Reitor Prof. Dr.
Francisco Arten, a quem devo meu total respeito e agradecimento.
A meu orientador, Professor Eugênio Trivinho, um ser humano ímpar, de uma
capacidade e sabedoria inigualável, dando subsídios e orientações no decorrer de
toda a construção desta Tese. Você foi e sempre será um verdadeiro mestre, que
consegue aglutinar conhecimentos e transmitir aos seus alunos e orientandos.
6
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial aos que
participaram deste projeto de aprendizado e na construção deste trabalho, o próprio
professor Eugênio Trivinho e Oscar Cesarotto e Lucrécia Ferrara.
À minha querida Cida Bueno, uma pessoa que sempre me acolheu com muito
carinho e zelo; sempre com as mãos estendidas para auxiliar no que fosse preciso.
Meu caminho ficou muito mais tranquilo com a sua presença. Você sempre será
especial.
A todos os colaboradores da PUC/SP que, direta ou indiretamente, me
proporcionaram momentos de aprendizado nessa casa.
Às professoras Ângela Pintor e Christine Mello, que participaram da minha
qualificação, sendo de fundamental importância para o meu crescimento e o
aprofundamento e fechamento deste trabalho.
Aos meus amigos Leandro, Marcelo, Rafael, Hugo, Maria Isabel e Júlio Valim,
que por diversas vezes fizeram parte dessa caminhada, sempre a meu lado nas
viagens intermináveis, congressos e eventos. Ao prof. Camilo, pela presteza na
correção gramatical.
Aos meus colegas da ABCiber - Associação Brasileira de Pesquisadores em
Cibercultura: Claúdio, Deusinrey, Érico, Janaína, Letícia, Marcos e à professora
Claudia.
7
RESUMO
As ideias geradas em qualquer localidade logo acedem ao espaço virtual.
Disseminam-se e se concretizam em diferentes lugares, seja uma sala de empresa,
um chão de fábrica, um pátio de escola, um cômodo da casa ou, ainda, as ruas e
espaços públicos das cidades. Na virada do século, diversas manifestações
reivindicatórias de grandes proporções tomaram as ruas de centros urbanos em todo
o mundo e um elemento inédito pode ser percebido entre seus agentes: a
associação intensiva das redes de comunicação, cuja marca característica versa
sobre a abundância e aceleração da circulação de informações. Em meio a tantas
transformações e novidades, entretanto, as tecnologias de informação e
comunicação digitais permanecem, em certa medida, cercadas por incógnitas a
respeito de suas potencialidades, propriedades e funções no contexto da
democracia contemporânea; além das consequências culturais de sua aplicação,
motivo pelo qual se expressa a urgência da necessidade de refletir sobre sua
natureza e forma de participação nas dinâmicas coletivas, mobilizações políticas e
movimentos sociais. Esta pesquisa analisa o papel desempenhado pelas redes de
comunicação digitais nas manifestações ocorridas na cidade de São Paulo, em
junho de 2013, a fim de delinear, analisar e compreender algumas das
características desse modelo exitoso na difusão de informações, convencimento e
engajamento de manifestantes não vinculados diretamente a coletivos político-
culturais ou membros dos movimentos sociais. Em suma, propõe-se investigar como
e porque as TICs utilizadas em redes digitais de comunicação assumiram papel
preponderante nas disputas de junho e levantar interpretações acerca de sua
natureza e de questões comunicacionais da sociedade contemporânea. A
metodologia do trabalho assume formulação híbrida entre pesquisa bibliográfica,
análise documental e, consequentemente, articulação conceitual, a partir das quais
foram realizadas as análises.
Palavras-chave: ação comunicativa; TICs; dromocracia cibercultural; junho de 2013.
8
ABSTRACT
The ideas generated in any locality soon accede the virtual space. They
spread and are concretized in different places, be it a business room, a factory floor,
a schoolyard, a family house or even in streets and public spaces. At the turn of the
century, several large-scale protest demonstrations took the streets of urban centers
around the world and an unprecedented element could be perceived among its
agents: the intensive association of protesters with communication networks, which
have as main characteristic the abundance and high-speed circulation of information.
However,in the midst of so many transformations and novelties, digital information
and communication technologies remain, to some extent, surrounded by unknowns
about their potentialities, properties and functions in the context of contemporary
democracy, as well as the cultural consequences of their application, reason which
expresses the urgency to reflect on its nature and form of participation in collective
dynamics, political mobilizations and social movements. This research analyzes the
role played by digital communication networks in protests occurred in the city of São
Paulo in June 2013, in order to delineate, analyze and understand some of the
characteristics of its successful way to disseminate information and its power to
persuade and engage citizens that were not previously linked to cultural-political
groups or social movements. In sum, it is proposed to investigate how and why the
ICTs used in digital communication networks have assumed a preponderant role in
June’s disputes and to raise interpretations about their nature and the issues
ofcommunicationin contemporary society. The methodology of the work assumes
hybrid formulation between bibliographic research, documentary analysis and,
consequently, conceptual articulation, from which the analyzes were carried out.
Key-words: communicative action; ICTs; cyberculturaldromocracy; June 2013.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Datena surpreendido na 1ª enquete ........................................................ 74
Figura 2 – Datena novamente surpreendido na 2ª enquete ..................................... 74
Figura 3 - PM quebra vidro da própria viatura .......................................................... 75
Figura 4 – Tag #MOBAjuda ...................................................................................... 77
Figura 5 – Capa da Folha do dia 14 ......................................................................... 78
Figura 6 – Destruição do totem promocional da Coca-Cola ..................................... 81
Figura 7 – Vídeo Anonymous Brasil – As cinco causas............................................ 83
Figura 8 – Entrevista de Bruno Teles à Mídia Ninja, exibida no Jornal Nacional ...... 85
Figura 9 – Matéria do The Guardian sobre a Mídia Ninja ......................................... 86
Figura 10 – Capa da Folha de São Paulo com fotografia da Mídia Ninja ................. 87
Figura 11 – Comparativo de engajamento Mídia Ninja X Mídias Tradicionais .......... 88
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Blog
Broadcast
Estadão
Folha
G1
GCM
Metrô
MP
MPL
PM
Post
SPTRANS
Streaming
TIC
TUMBLR
Twitcasting
Publicação eletrônica com características de diário
Método de envio simultâneo de mensagem a todos receptores
Jornal O Estado de São Paulo
Jornal Folha de São Paulo
Portal de notícias Globo
Guarda Civil Municipal
Companhia do Metropolitano de São Paulo
Ministério Público
Movimento Passe Livre
Polícia Militar do Estado de São Paulo
Publicação de texto e/ou imagem em website, blog e rede social
São Paulo Transporte S.A.
Transmissão contínua ou fluxo de mídia
Tecnologia da Informação e Comunicação
Plataforma de blogging
Transmissões de videostreaming ao vivo, por meio da rede social
Twitter ou plataforma semelhante
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 - A TECNOLOGIA DIGITAL COMO ARENA POLÍTICA ................... 18
1.1 Poder e ação digitalizados ..................................................................................... 20
1.2 A política das Tecnologias da Informação e Comunicação .............................. 23
1.3 A comunicação em rede na reconstrução da democracia ................................ 29
CAPÍTULO 2 - GLOCALIZAÇÃO E TRANSPOLÍTICA: DA UTOPIA À ATOPIA .... 33
2.1 Experiência glocal e bunkerização .......................................................................... 34
2.1.1O mal-estar além do desprazer ......................................................................... 37
2.2 Realidades forjadas: individualização e existência além do espaço ................. 42
2.3 Sujeitos glocais, democracias em dispersão ......................................................... 44
CAPÍTULO 3 - DEMOCRACIA, AÇÃO COMUNICATIVA E CIBERCULTURA ....... 51
3.1 Transformação da sociedade burguesa e inflexão da modernidade .............. 52
3.2 Verdade, consenso e ação .................................................................................... 54
3.3 Da ação comunicativa às redes de comum ação ............................................... 57
3.3.1 Movimento Passe Livre ...................................................................................... 58
3.3.2 Mídia N.I.N.J.A. ................................................................................................... 62
CAPÍTULO 4 - ATOS E VERSÕES: ANÁLISE DE UMA DISPUTA NARRATIVA .. 66
4.1 Narrativas de junho: confronto entre versões dos fatos....................................... 66
4.2 Faces da internet: mapeamento de público e características de utilização ..... 89
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 95
12
INTRODUÇÃO
Entre 2009 e 2011, Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Islândia foram palco de
insurgências políticas que surpreenderam o mundo. As manifestações de
semelhante natureza, desde então, proliferam-se, sendo registradas em várias
partes do planeta – não obstante as insurgências apresentassem diversos motivos,
diferentes graus de violência, inúmeras e confusas reivindicações. No entanto, pode-
se dizer que havia características comuns a todas elas? A começar pela formada
organização e velocidade no levante destes eventos, haveria fundamentadas
suspeitas de que a comunicação em rede, estabelecida em espaços virtuais, fora
elemento determinante para o sucesso das mobilizações, ao lado de tantos outros
fatos borbulhantes nos acontecimentos históricos.
Os precursores desses movimentos sociais mobilizados e difundidos em
redes de comunicação, a despeito de seus contextos culturais e institucionais
profundamente contrastantes, e ainda que sem a complexa dimensão obnubilada
pelo frescor das ações, talvez tenham esboçado nova configuração de atuação ao
transporem o debate organizado no ciberespaço para o espaço urbano, isto é, ao
conduzirem o assunto político à realização, com a ocupação de praças públicas
simbólicas como materialização tanto de debates quanto de protestos, da entoação
de slogans em Túnis à utilização de panelas e frigideiras ou tambores em Reykjavik.
A radicalidade desse deslocamento, contudo, talvez porte, para além do vislumbre
da novidade pontual de uma pequena revolução, a presença disseminada ou
generalizada de outra matriz de reflexão cuja formulação não dicotômica propõe o
desafio de lidar com o vivido, porém, inominável, enquanto fato histórico ainda em
curso e, por isso, pouco compreendido. Aprimorando o interesse investigativo
desenvolvido no decorrer da pesquisa, dessa forma, esquadrinha-se a seguinte
suposição: as metamorfoses dos comportamentos humanos no novo século
inspiram a tatear quais seriam as formas assumidas por uma comunicação não
fundamentada numa estrutura dual, de composição polarizada entre emissores e
receptores de informação, mas operada primordialmente na base de atuação
híbrida. Em outras palavras, se a dicotomia entre realidade e virtualidade pode saltar
à vista como elemento de destaque. No primeiro contato, todavia, trata-se aqui de
tema complementar à comunicação que se materializa em redes descentralizadas.
13
Reconfigurando o espaço de atuação democrática, portanto, os atuais
agentes possivelmente tenham se orientado rumo a uma inédita maneira de pensar
as sociedades contemporâneas, cuja matriz dispensava as previstas estruturas
unilaterais de ação. Na passagem da esfera social uniforme para a pluralidade,
Um espaço público híbrido, constituído por redes sociais digitais e
por uma recém-criada comunidade urbana, estava no cerne do
movimento, tanto como ferramenta de autorreflexão quanto como
afirmação do poder do povo. A falta de poder transformou-se em
empoderamento. (CASTELLS, 2013, p. 44).
Dessa forma, supõe-se que ao movimento das transformações
comunicacionais experienciadas pela sociedade, em virtude da evolução
tecnológica, pertenciam igualmente uma disposição para renovados modos de
conexão, na medida em que comunidades virtuais interconectadas possibilitaram a
diferentes grupos e indivíduos associarem-se em fluídas matrizes de resistência,
ampliando vozes, discursos, reivindicações, palavras de ordem, deixando de
constituir massas silenciosas e oprimidas.
Para Hard e Negri (2005), esses acontecimentos evidenciariam o nascimento
de um novo proletariado, cuja crescente mobilidade o tornaria cada vez mais
globalizado, tal como o capital. Estes autores apontam a multidão como o novo
agente político que surge dentro do sistema globalizado e que seria o responsável
por uma revolução em curso. Nesse contexto, se a multidão seria a síntese da
potência criativa do indivíduo e o poder das massas desejantes, numa inédita forma
de oposição ao sistema capitalista vigente, estaria ela avançando em seu
desenvolvimento e se tornando poderosa à medida que munida de ferramentas
tecnológicas de informação e comunicação? Seria possível cogitar, a partir desse
empoderamento, a constituição de uma sociedade civil sem fronteiras, ou essa
compreensão, ao avançar pelo tempo, resultaria apenas em projeções ou previsões
precipitadas? E como ela se organizaria, isto é, quais seriam suas formas de
atuação?
Muito se especula sobre o tema e, embora seja ele foco de variados olhares e
reflexões, é ao mesmo tempo cenário que se modifica constantemente, mediante
14
incontáveis novos eventos que ocorrem dia após dia, sobretudo, em grandes centros
urbanos. Contudo, se a investida sobre o acontecimento vivo e fugaz é prenhe de
incertezas, porta também a rara oportunidade da revelação ou descoberta, ainda
que igualmente provisória. Dessa forma, inserida na fluidez dos acontecimentos,
esta pesquisa se propõe justamente a percorrer as transformações comunicativas
instauradas pela revolução digital nas democracias contemporâneas, tendo como
objeto-alvo os levantes de junho de 2013, uma vez que, a exemplo do que ocorreu
em mais de 90 países, o Brasil também foi surpreendido com as multidões nas ruas,
bradando frases de ordem e gritos de indignação.
Em junho daquele ano, a partir da reivindicação do passe livre, iniciada na
cidade de São Paulo, milhões de brasileiros foram às ruas em mais de 350 cidades
do país, pleiteando o respeito à sua cidadania, uma vez que em seus protestos
deixavam claro que direitos valem muito mais que alguns centavos, em frases de
ordem como: “não é só pelos 20 centavos”. Assim, as reivindicações se estenderam
além da questão do transporte público: a ocasião trouxe à tona cobranças pela
qualidade dos serviços de educação, saúde, segurança, direitos humanos e, mesmo
na mobilização contra a realização da Copa do Mundo no país, para que os gastos
públicos fossem justos e transparentes. Entretanto, essas manifestações não eram
lideradas por grupos ou partidos políticos, embora estes compusessem parte dos
movimentos, e ainda assim preservavam alguma coerência de reivindicação e, o
mais curioso, uma organicidade. O primeiro questionamento que se apresenta versa
genericamente sobre como acontecimentos de tal natureza podem ocorrer, ou seja,
quais suas formas de articulação e processualidade. Um passo adiante nesse
interesse de investigação e chega-se, portanto, à proposta de engajamento à
orientação reflexiva sobre o junho de 2013 para suas dimensões comunicacionais,
ou os aspectos comunicativos das ações reivindicatórias do período, isto é, para a
força de atuação emergida da transformação contemporânea nas formas de se
comunicar. Nesse contexto, o desenvolvimento tecnológico alcançou importância
decisiva em relação aos desdobramentos dos lances jogados na sociedade em
processo de digitalização.
As tecnologias capazes de realizar interconexão global de pessoas,
instituições e nações possivelmente foram desenvolvidas, em larga medida, para
15
atender interesses mercadológicos e necessidades burocrático-administrativas. No
entanto, outra face, não planejada, das transformações empreendidas nesse projeto
foi a diminuição das barreiras comunicativas – geográficas, econômicas e sociais –
que dificultavam a organização política livre de mediações, com seu consequente
desdobramento em ações concretas. As transformações observadas no jogo político
estabelecido pelo Estado de direito democrático e social, desencadeadas pela
revolução digital na comunicação e, dessa maneira, o contexto em relação ao qual
se articula uma emergente reflexão acerca do fenômeno recente dos levantes
sociais, tão significativos quanto instantâneos, protagonizados por indivíduos
comuns, munidos de telas, câmeras e uma rede de conexões. Entretanto, se um
componente das modificações resultadas do avanço da capacidade de traduzir o
mundo em bits foi a democracia reconfigurada, especula-se - não sem razão - que
esse cenário transformado procurava um agente páreo a suas incitações.
Parte da novidade que envolveu as grandiosas mobilizações sociais, portanto,
revelou-se na presença de um agente intimamente conectado às redes digitais de
comunicação. Nesse contexto, o caráter contestador e também reivindicatório dos
protestos, em relação a determinados modi operandi sistêmicos, revelou de maneira
ampliada o desejo de participação na vida pública, traduzido pelo fenômeno do uso
politizado das mídias interconectadas em redes, isto é, a apropriação das mídias
digitais para finalidades comunicativas, acessadas pela internet como meio de
organização e ação políticas praticadas democraticamente sem intermediação
institucional. Dessa forma, as redes digitais possivelmente assumiram enorme
potencial transformador em relação à vida pública, operando como catalizadoras da
organização e manifestação das demandas políticas encontradas nas sociedades
abafadas pela dominação do discurso burocrático e dos interesses mercadológicos.
Em contraposição à aparência de normalidade harmônica oficialmente
propagada, pode-se, dessa maneira, supor que a comunicação imediata entre
cidadãos catalisou o poder de estimular o caráter dinâmico e divergente da
convivência humana, contestando a hegemonia coercitiva das esferas estatal e
econômica exercida sobre as relações sociais, cuja colonização pretendia manter o
mundo da vida sob controle, em todas as dimensões – das relações domésticas às
comunitárias. Mas, se o cenário dessas reivindicações, que denotam profundas
16
transformações nos parâmetros análise da sociedade contemporânea, por vezes
emerge como promessa de libertação ou ruptura com a opressão estatal, ao mesmo
tempo traz consigo a incerteza de que a comunicação digitalizada em redes de
contatos será suficiente para promover a liberdade necessária à manutenção da
convivência participativa, haja visto sua origem no seio do capitalismo avançado e
sua eficácia e controle.
Em relação ao tema, alguns conceitos centrais do pensamento de Jürgen
Habermas talvez ainda possam auxiliar na elaboração de uma perspectiva de
interpretação dos recentes acontecimentos: as reflexões habermasianas acerca da
mudança estrutural da esfera pública, acompanhada da expansão da racionalidade
técnica e da sua colonização do mundo da vida, na medida em que apresentam um
roteiro crítico da história de formação da esfera pública de produção e circulação de
ideias, em um momento antecedente à revolução digital, operavam como referencial
de norteamento das transformações conjunturais modernas, estabelecedoras de
outra forma de relação com o bem público, isto é, uma vivência política moderna.
Entretanto, seriam essas reflexões ainda integralmente válidas como parâmetro para
análise atual e proposição normativa para a sociedade digitalizada do século XXI?
As transformações atuais acontecem em grande velocidade e permitem que,
no mesmo passo, fenômenos significativos cresçam em curto espaço de tempo.
Assim, a despeito da rapidez com que vê despontar outros comportamentos, formas
de interagir, signos, simbologias e narrativas, a sociedade absorve as modificações
derivadas dessas transformações e exibe para olhos curiosos e cuidadosos novas
incógnitas sobre sua composição. Diversificadas abordagens intentam abarcar nas
novas atitudes proporcionadas pela comunicação digital os desdobramentos de
outro mundo a despontar junto ao milênio. Na esteira das tentativas de produzir
interpretações, significados e sentidos para a cultura, que a partir de fragmentos
analógicos tem tracejado sua composição digital, encontra-se esse trabalho de
percorrer diagnósticos, teorias e registros dos acontecimentos, a coletar pistas de
um quebra-cabeça e reordená-las na forma de uma interpretação para a sociedade
pautada na comunicação digital em rede, e uma perspectiva de compreensão para
os acontecimentos de junho de 2013.
17
CAPÍTULO 1
18
CAPÍTULO 1 - A TECNOLOGIA DIGITAL COMO ARENA POLÍTICA
A incidência cada vez mais pregnante das realidades
tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social,
e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem
na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica
como um dos mais importantes temas filosóficos e
políticos de nosso tempo. (LÉVY, 1993, p. 07).
O debate sobre o desenvolvimento das tecnologias no contexto das
sociedades humanas envolve ampla gama de temas, já que, quando se pensa nas
formas pelas quais as relações e comportamentos humanos têm se transformado ao
longo do tempo, as mais diversas elaborações técnicas sempre participaram e
contribuíram para a informação dos ambientes sociais entre multifacetados
panoramas históricos. Assim, ao introduzir o pensamento nesse debate, uma
pluralidade de formas da tecnologia como componentes sociais torna-se evidente,
desde aquelas que envolvem técnicas de manipulação material – que em sua
abstração última resultam nos conhecimentos da química, física, medicina, biologia,
entre outras – até aquelas que absorvem conhecimentos e estratagemas de
atividades humanas mais específicas, como a arte de comunicar. Neste trabalho, o
enfoque dado à tecnologia elege uma vertente específica da sua manifestação,
relacionada às tecnologias concernentes às atividades de comunicação e, entre
estas, as realizadas por meio de ferramentas digitais. Se, por um lado, portanto,
definem-se as tecnologias de comunicação digital como objeto de interesse desta
investigação, a perspectiva com que se realizará a aproximação ao objeto ainda
reserva múltiplas possibilidades de abordagem. Sobre tecnologias de comunicação
digital, pode-se avaliar, por exemplo, seu aspecto técnico, o impacto econômico, as
possibilidades educacionais, políticas públicas, big data, revolução comportamental
etc. Entretanto, ao se abordar as tecnologias da comunicação digitais, esta pesquisa
estabeleceu como horizonte de análise seu aspecto político.
19
Definidos, desse modo, objeto e forma de abordagem, a questão inaugural
deste capítulo propõe investigação sobre o que vem a ser o aspecto político de uma
tecnologia, ou rigorosamente especificado, o aspecto político da tecnologia de
comunicação digital. As atividades desdobradas pretendem registrar e delinear uma
possível forma de observação dessas transformações das relações sociais que
configuram as democracias do período contemporâneo da história ocidental e
inauguram caminhos para outras formas de comunicação. Nesse contexto, portanto,
embora o pensamento grego ainda seja um marco de referência para os debates
sobre filosofia política, haja visto a densidade de suas reflexões e a contribuição que
ainda hoje oferecem à reflexão teórica, depois de séculos de desenvolvimento
técnico e do advento de tecnologias digitais, capazes de realizar atividades de
outrora com velocidade, precisão e eficiência jamais vistas, essas reflexões
demandam atualizações e reavaliações constantes, de modo que, em pleno século
XXI, o que seria isso que ainda se nomeia democracia? Como seria pensá-la nos
dias atuais de maneira pertinente e em relação à tradição do pensamento político
grego? É certo que quaisquer respostas a essas questões conduzem a inúmeras
outras indagações, tais como, em relação ao propósito aqui estabelecido: se as
tecnologias de comunicação digital inauguraram modos de atuação política
favoráveis à vida democrática, como o foram as manifestações de junho de 2013; e
se o ciberativismo pode ser interpretado como aperfeiçoamento, transição formal ou
algum outro movimento de atualização da democracia, como se observa nas ações
de coletivos jornalísticos e de cobertura dos eventos do período.
Os levantes recentemente ocorridos em todo território brasileiro inviabilizam,
em suma, a abordagem do conceito de democracia pura ou redutivamente, segundo
a matriz de sociedades cujas tecnologias se restringiam a técnicas analógicas e não
eletrônicas, uma vez que isso implicaria certo descarte de transformações sociais
consideráveis das quais as tecnologias são materialização. Se em seus aspectos
biológicos a evolução da espécie ocorre lentamente, por outro lado, o
comportamento e a convivência societal humanos se mostram bem mais suscetíveis
às transformações e interações que os artifícios tecnológicos promovem. Assim, a
proposta que se inaugura nesta etapa da argumentação da pesquisa é avaliar a
configuração dessa democracia, um formato de organização política em elaboração
desde a virada do século, num tempo em que o mundo só existe como uma grande
20
metrópole, ou aldeia global, e a economia, a arte, o entretenimento etc, falam um
mesmo idioma graças às Tecnologias de Informação e Comunicação, TICs, à
aceleração dos processos sociais, à virtualização das relações humanas e a uma
improvável digitalização do pensamento.
1.1 Poder e ação digitalizados
Democracia, aristocracia, monarquia, plutocracia, tirania e tantas outras
formas de organização política têm em comum seu principal objeto de reflexão, o
poder. No entanto, embora seja ele uma rede de práticas e alianças inerentes a
qualquer governo, não se concretiza igualmente a todo momento: ao longo do tempo
histórico, pode-se notar suas transformações – no decorrer do século XX, com a
diluição de sua substancialidade hegemônica, o poder deixou de ser identificável,
localizável e conquistável, para se tornar “potencialidade, possibilidade que não
sabemos se vai realizar-se ou não” (RIBEIRO, 2001, p. 72). De alguma forma, nessa
transformação, o poder absorveu a fluidez dos novos tempos e se reconfigurou na
passagem de uma feição substantiva para uma dinâmica verbal, deixando, assim,
um pouco de lado sua significação política tradicional – deslocando-se do espectro
da forma política relacionada a grupos para a ação política individual. A
representação na política é um exemplo importante que revela essa transição da
compreensão de poder. Se na democracia antiga um cidadão iria à Ágora inúmeras
vezes ao ano e acumularia horas de participação nas deliberações da cidade, a
polis, o “dever cívico” do cidadão moderno resume-se a poucos cliques na urna
eletrônica, a cada quatro anos. Dessa maneira, o Estado de hoje, para os cidadãos
comuns, assemelha-se mais a um prestador de serviços, cuja moeda de pagamento,
os impostos, garantem direitos, ou apenas benefícios consumíveis, e a obediência
da lei reduz-se a requisito básico para a negociação. A relação com a coisa pública
reserva aos cidadãos atuais. Portanto, a participação social de um cliente e não
mais de agente, e “não acreditamos nem nas democracias, que o Estado somos
nós” (RIBEIRO, 2001, p. 14). Assim, já não se leva em consideração o poder de
determinação coletiva das relações e atividades públicas; apenas o poder de ação
individual no interior de sociedades fortemente marcadas pela lógica mercadológica
21
– isto, ao menos, até o surgimento de outras formas de organização e participação,
talvez proporcionadas pelas TICs. Precipitado, portanto, seria concluir que a
dissolução do poder e sua decantação a um substrato individual, significaria o
consequente fim da política ou a completa alienação social. Mais sensata seria a
hipótese de que talvez as novas formas de participação política se confundam às
tradicionais, tornando a ação pública uma forma híbrida entre os interesses que o
cidadão individual persegue e os movimentos coletivos de confluência e divergência
atualizados à velocidade de curtidas e compartilhamentos virtuais.
A mudança de registro do exercimento do poder e de sua expressão, desse
modo, a despeito dos aspectos aparentemente desfavoráveis ou mesmo
ameaçadores do laço social, ao mesmo tempo aponta características de
comportamento e de vivência política trazidas pelo novo milênio. Ao contrário dos
movimentos de centralização vividos em épocas da história antiga, medieval e
moderna, e infelizmente ainda com frequência resgatados por regimes ditatoriais, os
estados atuais surgiram como rearranjo da coalisão das forças sociais
(transformadas pelo desenvolvimento do sistema capitalista e ascensão dos ideais
liberais) e formalização da fragmentação do poder, disseminado entre grupos civis
econômicos, científicos, religiosos, militares, entre outros. Se observada no escopo
desse mesmo movimento de pulverização do poder, essa transformação do grande
poder, condensado em instituições, no poder-ação, aponta possivelmente um inédito
fenômeno da atividade política e, junto a ela, uma outra possibilidade de análise,
mais alinhavada à fluidez dos tempos e à dinamicidade de cidadãos
tecnologicamente cercados e hiperconectados.
Assim se entende melhor que hoje o poder se converta numa rede,
na qual – em vez de um único e grande povo – se articulam
subpovos. Numa rede, ou num verbo, o mais importante são não
lugares, mas ligações, aquilo que com muita oportunidade os
internautas chamam de links. (RIBEIRO, 2001, p. 72).
Na medida em que permitem aos cidadãos comuns articularem-se em redes de
comunicação, dessa modo, as TICs parecem operar como ferramentas de
organização de uma forma de poder, inexistente ou subpresente nos paradigmas de
reflexão da política de outros tempos, de tal forma que atualmente, “A filosofia
22
política não pode mais ignorar a ciência e a técnica”, uma vez que, ao se abordar o
tema, é cabível considerar que a técnica é “uma questão política, mas é ainda, e
como um todo, uma micropolítica em atos” (LÉVY, 1993, p. 09). As tecnologias de
comunicação em rede traduziriam, nesse sentido, a organização de um poder
independente das instituições – o poder do povo, ainda que prenhe de contradições,
ou poder de grupos internacionalizados – e resultam num elemento estrangeiro à
velha política, ainda indômito.
Se em relação aos usos coletivos as TICs poderiam representar uma
saudável ameaça, em prol da democracia, à hegemonia de determinação política do
Estado, ao mesmo tempo poderiam desempenhar um papel cada vez mais
preponderante à eficácia e subsistência das instituições públicas, uma vez que o
tamanho das populações e a possibilidade de integração entre elas intensificou a
particularização definidora de nichos e, ao mesmo tempo, elevou o fluxo
informacional necessário ao Estado, a fim de que este defina estratégias de ação
para as diversas esferas sociais em políticas públicas efetivas. Dessa maneira, a
capacidade das tecnologias atuais de difusão e de computação de informação
tornou-se obrigatória à administração pública, na medida em que restou como o
único recurso capaz de avaliar as exigências dos grandes públicos e respondê-las
em tempo hábil, dado a velocidade das transformações, as especificidades e
quantidade dos novos agentes sociais. Nesse contexto de desenvolvimento técnico,
os agentes individuais adquiriram potência de ação ao absorver a complexificação
tecnológica e tornar suas ideias, informações e atividades, fatos de conhecimento
público, facilmente intercambiável e disseminado pelos infinitos nós das conexões
virtuais: eis a gênese da fusão antitética de uma espécie de sentimento comum aos
anseios individuais, espelhada nas origens da comunicação digital.
Enquanto a TV fornecia uma espécie de espírito coletivo para toda a
gente, mas sem qualquer contribuição individual, os computadores
eram espíritos privados sem contribuições coletivas. A convergência
de ambos oferece uma possibilidade nova, sem precedentes: a de
ligar indivíduos com as suas necessidades pessoais a mentes
coletivas. Esta nova situação é profundamente criadora de novos
poderes; tem repercussões sociais, políticas e econômicas.
(KERCKHOVE, 2009, p. 71).
23
Assim, os agentes políticos digitais, em certa medida ainda incompreendidos e
talvez por isso temidos, que compõem um cenário ainda pouco assimilado e, pelo
mesmo motivo, igualmente ameaçador, representam, nessa perspectiva, a mais
perfeita sincronia entre as transformações ocorridas no âmbito das TICs e no
universo das formas de vivência do espaço público, além de uma saudável
expressão da rearticulação de forças populares em contrabalanço aos poderes das
instituições sociais.
1.2 A política das Tecnologias da Informação e Comunicação
Na configuração da política atual não é possível negligenciar o papel
desempenhado pelas tecnologias informacionais e de comunicação. No entanto, em
relação ao tema, restam questões tão fundamentais quanto ainda vagas: como
pensar a formação de uma tecnologia no bojo das dinâmicas sociais e como,
estando voltada ao manejo e intercâmbio de informações, ela desempenha papel
político? Se a abordagem da proposta aqui desenhada pretende se aproximar do
debate sobre tecnologia, todavia, não se trata de uma explanação técnica com vistas
a mensurar a potência dessas ferramentas ou validá-las em sua capacidade de
arregimentação; tampouco, descobrir formas ou aspectos de politização imanente,
senão, que examinar os possíveis motivos delas operarem, no atual contexto, como
ferramentas que permitem grupos com pouco alcance discursivo ou baixa
disseminação pública abalarem as estruturas cristalizadas do poder político
institucional.
As menções feitas à tecnologia geralmente apelam para uma vaga ideia
daquilo que porventura a caracterizaria. Por exemplo, algo não natural ou um
conjunto de procedimentos que resultam num efeito ou, ainda, um instrumento e os
processos por ele permitidos – às gerações atuais recorrentemente associados a um
artifício eletrônico. O tema é, de fato, complexo e de difícil definição, de modo que
uma série de teóricos sobre ele se debruçaram sem jamais obter consenso. Como
elencado por Cupani (2017), se por um lado Carl Mitcham define tecnologia como
fabricação de artefatos, por outro, Henryk Skolimowski a entende como uma faceta
do conhecimento humano endereçada a criar uma realidade conforme nossos
24
propósitos. Da mesma maneira, pode-se encontrar no pensamento de Ian Jarvie a
ideia da tecnologia como conhecimento que funciona, know-how; enquanto para
Frederick Ferré ela é uma implementação prática da inteligência e para Heidegger a
colocação da Natureza como um recurso à disposição do homem. Sob outro viés,
Mário Bunge a entende como o campo de conhecimento relativo à produção de
artefatos, compreendendo sua operação, ajustamento, manutenção e
monitoramento à luz de conhecimento científico. Jacques Ellul como a totalidade dos
métodos a que se chega racionalmente e que têm eficiência absoluta em todo
campo de atividade humana, num dado estágio do desenvolvimento. Numa
perspectiva culturalista, a tecnologia é ainda definida por Albert Borgmann como o
modo de vida próprio da Modernidade e por Andrew Feenberg como a estrutura
material da Modernidade.
Ante tal amplitude de abordagens e afirmações, ao passo que nenhuma delas
é enganosa, por certo também são insuficientes para definir completamente o
conceito, de tal modo que, para o propósito das reflexões, avante a tecnologia será
tratada como uma realidade multifacetada que compõe uma forma de mentalidade,
ou seja, como uma experiência da vida moderna que se concretiza ora como um
objeto, ora como conhecimento, ou um modo de apreensão da realidade, e ora
como uma forma específica de procedimento ou atividade, já que compõe o
dinâmico e complexo tecido social e o transforma, ao mesmo tempo que dele
resulta. Em complemento à essa perspectiva, como propõem Mitcham e Mackey
(1983), um outro aspecto relevante e paradoxalmente negligenciado da tecnologia,
resulta da volição ou projeção da vontade humana, pois a despeito da neutralidade
projetada sobre os artifícios tecnológicos,
As pretensas “necessidades técnicas” na maior parte do tempo são
apenas máscaras de projetos, de orientações deliberadas ou de
compromissos estabelecidos entre diversas forças antagonistas, das
quais a maior parte não tem nada de “técnica”. (LÉVY, 1993, p. 18).
Numa sintética perspectiva histórica, a Tese da complexidade da tecnologia e
de seu multifacetado escopo se tornaria evidente, ao observar que as infraestruturas
de comunicação e as tecnologias intelectuais sempre foram elementos fundamentais
da cultura, cujas evoluções resultavam inevitavelmente em distintas formas de
25
organização econômicas e políticas. Dessa maneira, seria possível notar uma
relação direta entre o advento de tecnologias da comunicação e a reordenação dos
modos de organização sociais, onde ambos operam dialeticamente movimentos de
determinação e transformação. Como exemplo concreto dessa dinâmica, pode-se
observar a seguinte síntese apresentada por Pierre Lévy.
O nascimento da escrita está ligado aos primeiros Estados
burocráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de
administração econômica centralizadas (imposto, gestão de grandes
domínios agrícolas etc.). O surgimento do alfabeto na Grécia antiga é
contemporâneo ao aparecimento da moeda, da cidade antiga e,
sobretudo, da invenção da democracia: tendo a prática da leitura se
difundido, todos podiam tomar conhecimento das leis e discuti-las. A
imprensa tornou possível uma ampla difusão de livros e a existência
de jornais, base da opinião pública. Sem ela, as democracias
modernas não teriam nascido. [...] A mídia audiovisual do século XX
[...] participou do surgimento de uma sociedade do espetáculo.
(LÉVY, 2011, p. 62).
Se essa relação entre tecnologia e sociedade for considerada como
expressão de uma faceta, ao mesmo tempo ela se apresentaria como inexorável,
pois pertencente ao âmbito da produção humana. Assim, embora houvesse a
construção de um discurso que pondera sobre o rigor lógico e necessário dos
procedimentos técnicos, a tecnologia resultante jamais estaria livre da
intencionalidade própria das atividades humanas. Entre elas, a capacidade de
virtualizar.
Algo peculiar ao comportamento humano é sua capacidade de agir de
maneira reflexiva. Desse procedimento que cria artes, filosofias e religiões, teria
origem também o virtual, ou os processos de virtualização, pois nesse registro o
virtual não seria algo ilusório ou imaginário, mas algo latente, isto é, algo que
reuniria condições de realização e confrontaria o estado atual da realidade: assim
como na linguagem há uma base material de veiculação, os sons e os signos
veiculados pelo ar e outros suportes (folha, madeira, pele, muro etc), no virtual isso
analogamente se repetiria, pois ele “não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e
atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes” (LÉVY, 1996, p. 15). Dessa
26
forma, haveria todo um vasto universo de informações que circulariam pelo espaço
virtual e elas corresponderiam à produção semântica da linguagem, no entanto, com
origem e dependência da existência de coisas reais (físicas) como telas, cabos,
processadores, elétrons e, sobretudo, pessoas.
[...] o virtual, rigorosamente definido, tem somente uma pequena
afinidade com o falso, o ilusório ou o imaginário. Trata-se, ao
contrário, de um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo
processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a
platitude da presença física imediata. (LÉVY, 1996, p. 11).
Essa proposição, uma vez que desmistificaria a condição etérea do virtual e
sua oposição a uma espécie de realidade restrita à concretude, confluiria para a
perspectiva de politização (ou repolitização) dos meios tecnológicos, pois buscaria
resgatar seu aspecto ferramental e, portanto, de uso humano em vista de alguma
finalidade – cuja natureza inevitavelmente abarca intencionalidades, interesses,
ideologias. Assim, a virtualização pensada à montante, ou seja, a partir do atual, ou
real, e seu processamento nessa espécie de abstração material, descortinaria um
panorama de análise instigante, de que as TICs, na transição do século passado ao
XXI, foram paulatinamente colonizadas e apropriadas majoritariamente pelos
interesses comerciais e, em certa medida pelo Estado, no trato de informações
populacionais e de fiscalização. Entretanto, esse movimento, que possivelmente
teve origem numa correspondente hegemonia concreta (não-virtual) da ordem
mercadológica e normativa das relações sociais, passou a sofrer a ameaça de sua
primazia, também virtual, na medida em que os movimentos sociais e grupos das
chamadas minorias estenderam sua atuação a esses domínios: a virtualização das
demandas sociais concretas teria inaugurado a disputa por espaços até então
instrumentalizados em certa harmonia, uma vez que a divulgação de atos públicos e
de notícias e informações extra oficiosas, por exemplo, atribuíam às TICs uma forma
de utilização ou possibilidade de uso – ou, mais precisamente, um significado –
danoso à ordem social vigente e prejudicial ao interesse de seus beneficiários.
O virtual, portanto, seria esse ato de operar no plano da comunicação (com o
outro ou consigo mesmo) as experiências apreendidas do real-atual e, isto feito,
sempre tendo em vista a transformação de algum aspecto desse mundo atual.
27
Nesse sentido, por exemplo, a fala em seu aspecto semântico, ou propositivo, ou
especulativo, seria virtual, enquanto que em seu aspecto físico corresponderia à
realidade atual; os bits ordenados e interpretados por uma máquina computacional
seriam virtuais e reverberariam as apreensões culturais da realidade sobrepostas às
manifestações do aspecto eletrônico da natureza.
A serviço das estratégias variáveis que os opõem e os agrupam, os
seres humanos utilizam de todas as formas possíveis entidades e
forças não humanas, tais como animais, plantas, leveduras,
pigmentos, montanhas, rios, correntes marinhas, vento, carvão,
elétrons, máquinas etc. [...] a técnica é apenas a dimensão destas
estratégias que passam por atores não humanos. (LÉVY, 1993, p.
14).
Deste modo, o universo que envolve as comunicações digitais em todo seu
processo, embora crie, popule e explore uma camada virtual de comunicação,
composta desde mensagens curtas grafadas em dispositivos eletrônicos na forma
escrita a imagens em movimento full HD e cálculos de ordem estratosférica, esse
universo assentado na computação de informações figuraria como expressão
legítima do virtual, inclusas suas características de fisicalidade e vontade política, já
que “não há informática em geral, nem essência congelada do computador, mas sim
um campo de novas tecnologias intelectuais, aberto, conflituoso e parcialmente
indeterminado” (LÉVY, 1993, p. 09).
A proposição do caráter político da tecnologia, não por uma configuração
própria senão que pela utilidade e especialização que a ela se atribui, talvez soasse
a ouvidos pouco habituados como novidade e abordagem excêntrica. Contudo, isso
apenas revelaria e endossaria a forma da política que se realiza por meio das
tecnologias, pois “Os dirigentes das multinacionais, os administradores precavidos e
os engenheiros criativos sabem perfeitamente [...] que as estratégias vitoriosas
passam pelos mínimos detalhes ‘técnicos’” (LÉVY, 1993, p. 09), já que a relação
entre sucesso da empreitada e conhecimento profundo dos detalhes operacionais de
execução das tarefas adverte sobre a necessidade de domínio e atenção sobre
qualquer pormenor técnico porque “[...] são todos inseparavelmente políticos e
culturais, ao mesmo tempo em que são técnicos.” (LÉVY, 1993, p. 09). Na medida
28
em que se torna óbvia a “política da tecnologia”, a democracia reconfigura-se no
reino das TICs como uma espécie de forma ampla de governo sociotécnico, que
encerra a efetiva construção da esfera pública e seleção de seus agentes a redutos
especializados:
[...] a instituição contemporânea do social se faz tanto nos
organismos científicos e nos departamentos de pesquisa e
desenvolvimento das grandes empresas, quanto no Parlamento ou
na rua. Ao lançar o catálogo eletrônico ou trabalhar nas
manipulações genéticas, contribui-se da mesma forma para forjar a
cidade do mundo quanto votando. (LÉVY, 1993, p. 198).
Assim, pesquisas científicas, projetos de implementação de tecnologias e produtos
criados pela indústria, dos bens primários aos intangíveis, resultam em definição e
modificação de comportamentos, modos de relação e capacidade de ação, e
revelam, por isso, sua natureza política. Portanto, propostas de pesquisa e
realização de novas tecnologias, ainda que sejam deliberadas nos gabinetes de
secretarias ou nas salas de gerência, têm a capacidade de transformar somente um
pequeno nicho ou grupo, mas, também, uma sociedade inteira – o que significa, em
tempos de hiperconexão, o mundo todo.
O fato da própria tecnologia possuir uma perspectiva política imanente, na
medida em que favorece indivíduos ou grupos, em maior ou menor escala e grau,
não garantiria a manutenção da perspectiva ideológica originariamente a ela
atribuída, o que em outras palavras significaria que, assim que detectada e
compreendida, ainda que parcialmente, se tornaria um campo de disputa intencional
e ideológica, cujo desfecho poderia resultar tanto na sua restrição de acesso e
funcionalidade, como, inclusive, eliminação. Dessa maneira, o impasse que se
desenharia seria o da longa contradição entre os ideais de emancipação e liberdade,
melhor absorvidos por regimes democráticos, e as práticas de controle e submissão,
historicamente recorrente entre as mais distintas civilizações, ambos materializados
na dominação da técnica, pois, se de fato as inovações técnicas “[...] abrem novos
campos de possibilidades que os atores sociais negligenciam ou apreendem sem
qualquer predeterminação mecânica” (LÉVY, 2011, p. 62), seria boa prática manter
ativa a observação crítica e comprometida com um horizonte de ações voltadas à
29
convivência. Em resumo, Pierre Lévy adverte em seu comentário sobre a política
inerente aos meios tecnológicos, que anteriormente a um engajamento cego e
irreversível às tecnologias já produzidas, em desenvolvimento ou ainda em fase
proposição, “[...] urge imaginar, experimentar e promover, no novo espaço de
comunicação, estruturas de organização e estilos de decisão orientados para um
aprofundamento da democracia.”(LÉVY, 2011, p. 62).
1.3 A comunicação em rede na reconstrução da democracia
As mobilizações recentes possuem características muito próprias,
determinadas pelos contextos geográficos, econômicos, históricos, políticos, sociais
e culturais nas quais se formam e desenvolvem. Entretanto, o elemento comum a
todas é que elas “representam uma nova forma de política que surgiu ao longo das
últimas décadas: uma política baseada na disseminação viral de ideias e ideologias,
e em formas de ação política guiadas mais como franquias que como operações
partidárias tradicionais, minuciosas” (CHATFIELD, 2012, p. 139). Nesse sentido,
pode-se supor que esteja em processo de formação um outro modo de ação coletiva
pública, cuja concretização aponta, também, para a formação de uma nova forma de
conduta de seus partícipes, ambos talvez melhor adequados à realidade política do
mundo interconectado.
O cenário político em várias ocasiões é, para além de golpes de Estado,
também palco de manobras e atentados contra autoridades, como estratégia de
apropriação do cargo alvejado. Todavia, as mobilizações fermentadas, fomentadas e
propagadas pelas redes virtuais não apresentam a mesma disposição, pois no
contexto da politização cultivada no ciberespaço já não se trata de uma disputa por
posições consolidadas, senão que da abertura para uma nova maneira de convívio
social, como o defendido por Habermas na ação comunicativa, cuja atualização
remonta, a seu modo, ao lema revolucionário dos primeiros movimentos populares
que clamavam por ideais humanitários de liberdade, igualdade e fraternidade. Vem
de encontro a esta hipótese, a constatação de que
Está claro o movimento social e cultural que o ciberespaço propaga
[...] não converge sobre um conteúdo particular, mas sobre uma
30
forma de comunicação não midiática, interativa, comunitária,
transversal, rizomática. Nem a interconexão generalizada, nem o
apetite das comunidades virtuais, nem tampouco a exaltação da
inteligência coletiva constituem os elementos de um programa
político ou cultural no sentido clássico do termo. E, ainda assim,
todos os três talvez sejam secretamente movidos por dois “valores”
essenciais: a autonomia e a abertura para a alteridade. (LÉVY, 1999,
p. 132).
Neste ponto, torna-se importante ressaltar que se a mobilização de ativistas
interconectados a redes digitais é motivada menos pelo comum engajamento em um
conteúdo específico, que pela forma como se envolvem nos debates reivindicatórios,
embora tal movimento, quando considerado como um todo, não deixa, por isso, de
apontar para um horizonte distante e, talvez, idealizado de uma ordenação pautada
pela justiça.
Se existe falta de clareza sobre como construir essa convivência social
idealizada num plano teórico, tomada como objetivo último da transformação
política, no entanto, não se pode censurar essas atividades promovidas e divulgadas
pelas redes digitais quanto à falta de um motivo, ou mesmo de um objetivo próximo.
Evidente que está em jogo a consolidação da democracia, mas uma democracia
liberal e efetiva, cuja condução dos processos deliberativos esteja, pelo menos
virtualmente, disponível à participação de todo cidadão. Talvez seja,
paradoxalmente, essa reivindicação à participação efetiva na condução dos
processos concernentes à vida pública a motivação do espanto gerado pela cultura
dos cidadãos digitais e da preocupação em absorvê-la no interior da estrutura
abalada de uma insustentável democracia, desenhada bem antes da revolução
elétrica e a altos custos imposta em tempos de revolução digital. Por isso, acima de
tudo,
Se quiséssemos identificar um objetivo unificador do movimento, ele
seria a transformação do processo político democrático. Imaginaram-
se muitas versões diferentes de democracia, assim como formas de
atingi-las... Essa era uma clara manifestação do caráter
autorreflexivo de um movimento que estava reinventando a política e
não cairia na tentação de se tornar outra força nessa área, ao
31
mesmo tempo que recusava a marginalidade de uma voz crítica sem
influência na sociedade em geral. (CASTELLS, 2013, p. 114-115).
Assim, cultivada com base na horizontalidade necessária à consolidação da
vida pública democrática, a cultura digital concretizaria uma forma de convivência
estabelecida sob outra ordem de relações constituídas entre pares e entre sujeitos e
instituições, cuja violação atentaria, antes de tudo, à própria necessidade
comunicativa dos agentes sociais e, talvez, da condição humana: com uma clara
intenção participativa, sem, todavia, pretensão de exercer o controle hegemônico e
totalitário sobre a esfera pública. Os cidadãos comuns poderiam encontrar nos
meios digitais um espaço acolhedor de suas opiniões, recebidas sempre
criticamente, conforme critérios de razoabilidade esperados de uma proposição
política consistente e compartilhável. Todavia, ainda que os benefícios e esperanças
trazidos pelas possibilidades de comunicação, engajamento e expressão
proporcionados pelas TICs sejam tão diversos quanto inegáveis, por outro lado,
talvez cobrem da integridade humana e societária um preço alto, muitas vezes
intencionalmente ocultados a fim de que não sujem o brilho sedutor da novidade e
dos circuitos dourados dos milhões de microchips espalhados pelo globo.
32
CAPÍTULO 2
33
CAPÍTULO 2 - GLOCALIZAÇÃO E TRANSPOLÍTICA: DA UTOPIA À ATOPIA
É certamente esse presenteísmo que, de diversas
maneiras, permite compreender a transfiguração do
político, marca essencial da pós-modernidade. O
instante, a oportunidade, o momento vivido, representam
a alternativa absoluta à filosofia da história ou do
progresso lentamente elaborada ao longo da
modernidade. (MAFFESOLI, 1997, p.190).
Da manufatura de ferramentas rudimentares até os ultramodernos
smartphones, o desenvolvimento de diversificadas técnicas tem acompanhado os
processos de modificação de comportamentos e atribuído novas realidades à vida
humana em seus mais diferentes aspectos. Entretanto, as mudanças que a recente
evolução das tecnologias de informação e comunicação provocaram na cultura,
aparentemente ainda foram pouco assimiladas pelos indivíduos contemporâneos;
talvez pelo frescor das novidades. Se as características próprias de uma época,
caracterizada pela conectividade ilimitada, o acesso a um turbilhão de informações e
a impressão de livre circulação por múltiplas realidades são capazes de atualizar um
tempo histórico, em constante transformação, por outro lado, complementar, talvez
também apontariam mudanças que reconfiguram a própria noção de sujeito –
agente e experienciador de um novo tempo. Dessa maneira, dada a amplitude e
importância que esse debate assume hodiernamente, vislumbra-se a necessidade
emergente de articular ideias e forjar conceitos capazes de apreender esses
fenômenos. Nesse intento, glocalidade e transpolítica são os alicerces da reflexão
desdobrada a seguir, além do derivado processo de bunkerização, a fim de esboçar
um quadro de referência em relação ao qual seja possível delinear elementos
convergentes de subsídios para a avaliação crítica dos efeitos colaterais da
comunicação digital em rede – indesejáveis se referenciados à premissa da
liberdade – e sustentar uma possível interpretação da condição dos indivíduos
interconectados e seu modo de atuação em um tempo marcado pela hiper
exposição mediática.
34
Uma análise consistente a respeito de qualquer fenômeno social da
atualidade provavelmente não deveria passar ao largo das profundas alterações
causadas pelo desenvolvimento da comunicação, uma vez que não é mais possível,
sem prejuízos, dissociar a lógica tecnocomunicacional – e a difusa violência de sua
realização – do cenário social-histórico contemporâneo. Assim, a abordagem
doravante delineada se pautará numa reflexão sobre os multifacetados aspectos que
as recentes transformações oriundas das possibilidades comunicativas provocam na
cultura, bem como seus desdobramentos, através da reformulação da experiência
tempo-espacial.
2.1 Experiência glocal e bunkerização
Na caminhada em direção ao cenário atual, palco dos acontecimentos e
mobilizações sociais, salta aos olhos, de pronto, a constatação de uma marca
peculiar e distintiva, hoje em dia, das relações humanas: a interconexão mundial –
numa superestimada palavra, a globalização. Todavia, uma particularidade desta
recente condição de hiperconectividade ultraespacial é a paradoxal condição glocal
dos seus agentes. Isto é a experiência de estar, ao mesmo tempo, em contato com
as ocorrências locais, próprias de um corpo físico, e aquelas desdobradas em
qualquer lugar do planeta, à medida que as tecnologias da comunicação elevaram
exponencialmente a capacidade humana de explorar e constituir diferentes domínios
da cultura, ainda que simulada ou virtualmente. Assim, a configuração glocal da
experiência da vida contemporânea torna-se inquestionável à quase totalidade da
população mundial, mas, somente enquanto experiência, pois, por outra parte, seu
modo de apropriação simbólica e suas consequências são necessariamente
delineados em conformidade a posicionamentos e interesses políticos. Essa
ambigüidade, própria ao conceito glocal, permite que se o compreenda, por isso, de
um ponto de vista corporativo e estatal, para o qual “(…) o glocal representa a
empiria do modelo de mundo realizado, seus interesses e sua ideologia objetivados
na infraestrutura tecnológica disponível, suas tendências e horizontes transnacionais
constatáveis em todos os setores”, tanto quanto, em contraponto crítico, no âmbito
das ciências humanas,
35
[...] o glocal configura prisma conceitual para [...] realizar-se o
mapeamento e a dissecação da natureza, dos fundamentos e das
consequências desse mundo no âmbito social-histórico, bem como,
com base nisso, estabelecer-se os pontos de tensão teórica em
relação ao modus operandi da civilização contemporânea.
(TRIVINHO, 2007, p.283).
Portanto, a perspectiva aberta pela concepção prismática do termo, conquanto
opera como referencial crítico e permite avaliar os múltiplos aspectos da novidade
de uma época caracterizada pela experiência glocal, balizará a análise aqui
empreendida.
Essa perspectiva crítica de abordagem do fenômeno da glocalidade, embora
seja fundamental a qualquer reflexão cultural contemporânea é, ainda, por vezes
negligenciada. Motivo pelo qual o alerta de Virilio (1995) a respeito dos malefícios
que, por ventura, derivam de um engajamento ingênuo às maravilhas das redes de
informação amplamente desenvolvidas. Porém, talvez por sua magnitude, avessas
ao controle, sobretudo público – torna-se preponderante à reflexão atual, ao apontar
para o fato de que “não há nunca aquisição sem perda. A aquisição da informática
ou da telemática se traduzirá necessariamente por uma perda. Se nós não
testemunhamos a perda, a aquisição será sem valor” (VIRILIO, 1993, p. 19). A partir
dessa observação, levanta-se o enigma de qual seriam, então, as perdas adquiridas
com os avanços telecomunicacionais.
O novo cenário dinâmico, pelo qual transitam os cibernautas, a princípio,
causa uma transformação da experiência espacial e gera uma instabilidade ou
suspensão da noção clássica de lugar, extrapolando as barreiras da localidade ou
não localidade, criando uma forma de situação não referenciada no tempo-espaço.
Uma espécie de experiência do não lugar, de existência atópica: já não se pode
mais afirmar categoricamente o lócus de origem e fruição das informações
experimentadas e, por consequência, o ponto espacial onde se está situado – em
relação a orientação apreendida e vivida pela própria consciência. Essa suspensão
da experiência do espaço, contudo, se por um lado é tomada entusiasticamente
como a superação de uma limitação física permitida pelo avanço tecnológico, não
36
deixa de gerar, por outra parte, um inédito modo de limitação, cujas consequências
talvez sejam desastrosas ao sujeito contemporâneo, uma vez que nesse processo
[...] sua verdade não é local (as imagens e as mensagens
transmitidas pela mídia põem qualquer pessoa em relação com o
mundo inteiro) mas seu sentido imediato (o tipo de relação que eles
permitem estabelecer) é mais individual do que coletivo. [...] Cada um
está ou acredita estar em relação com o conjunto do mundo.
Nenhuma retórica intermediária protege mais o indivíduo de uma
confrontação direta com o conjunto informal do Planeta ou, o que dá
no mesmo, com a imagem vertiginosa de sua solidão. (AUGÉ, 1997,
p.149).
Assim, a possibilidade de acesso a um turbilhão de informações e realidades
de toda sorte, a partir de um único ponto geográfico, constituída pelo avanço das
tecnologias instantâneas de comunicação, aparentemente criou um espaço de
empoderamento individual, em certa medida real, em uma sociedade há séculos
marcada pelo poder do conhecimento. Entretanto, se observados os efeitos
colaterais dessa mudança de fruição do tempo e do espaço, provocada pela
hiperexposição às mídias, sem dúvida a condição glocal dos agentes
contemporâneos também deu origem a novas formas de conduta e comportamento,
que potencializaram seu processo de isolamento, operando a partir de um
individualismo hedonista e imediatista, cujo efeito mais cruel é a adesão a uma
“espiral sígnica da visibilidade mediática” que leva ao enclausuramento consentido
em busca da auto realização, a qual se desdobra inevitavelmente numa “melancolia
do único” (TRIVINHO, 2011, p.121).
A configuração desse comportamento contemporâneo circunscreve, assim,
uma contraditória condição de um sujeito que busca a sua máxima individualização
por meio do consumo desenfreado da pluralidade de signos despejados
cotidianamente nas infovias e, excitado pela velocidade de seu desejo, perde-se dos
contatos reais, isolando-se em sua tela. Entretanto, se alçada a um plano histórico
de referência, essa contradição se mostra assustadoramente coerente à
movimentação de um século marcado por guerras reais ou virtuais – tal como a
Guerra Fria – e o enclausuramento gerado pelo medo dissipado e intensificado
37
geração após geração, ante a impotência que a sofisticação das formas de
extermínio impôs aos indivíduos. A eles, restou como alternativa cômoda e segura,
proteger-se do conflito fadado à derrota atrás de uma boa conexão e exercer sua
vivência simulada. Por isso,
Se o século XX, em que se originou e se consolidou a civilização
mediática, foi, de ponta a ponta, assolado pelo flagelo e pelo
fantasma bélicos, o glocalciberespacial cumpre, nesse aspecto, a
mímesis cultural figurada (lisa, sem estrias) de seu próprio tempo.
Se, a rigor, o fenômeno glocal nem sempre se conformou,
fisicamente, como bunker (…), o bunker, por sua vez, se tornou a
imagem mais acabada (ou, ao menos, mais recentemente definida)
do fenômeno glocal. (TRIVINHO, 2007, p.308).
Ressalte-se, aqui, a precisão dessa imagem sintetizadora da condição de um
indivíduo que retrocede ante o conflito desigual com forças políticas inapreensíveis
e, voluntariamente, constroi seu próprio bunker, de maneira prazerosa e quase dócil,
como forma de exercer seu micro poder, mas, também, de sobreviver. Todavia, ela
provocaria, ao menos, assombro em qualquer pessoa acostumada a tempos de paz,
ou por eles desejosa, fato que talvez revela com surpresa as marcas indeléveis de
um passado recente belicoso; um presente aparentemente estagnado e um futuro
temeroso. O processo de bunkerização, portanto, traduz a potencialização do
indivíduo ante as possibilidades de experimentação de inumeráveis realidades, ao
mesmo tempo que sua factível condição de prisioneiro.
2.1.1 O mal-estar além do desprazer
A criação de inúmeras teorias e recíprocas técnicas de domínio da natureza,
inclusas as tecnológicas, pode ser pensada, num plano psicanalítico, como um
movimento correspondente de realização do ideal de onipotência e onisciência,
corporificados pelo humano na figura de seus deuses. Assim, o mal-estar causado
pela repressão imanente da civilização, ao mesmo tempo que impulsionou a
humanidade na busca pela satisfação do desejo interrompido, permitiu, por meio da
cultura, o desenvolvimento do homem em direção ao seu paraíso perdido e, dessa
forma, “O ser humano tornou-se, por assim dizer, uma espécie de deus protético”
38
(FREUD, 2010, p.34). No entanto, não se pode perder de vista que o motivo da
continuação de sua caminhada persiste, pois, a despeito de todos seus feitos “[...] o
homem de hoje não se sente feliz com esta semelhança” (FREUD, 2010, p.34). Mas,
se a lógica da ideologia dominante afirma que essa condição seria o bastante, ainda
que insuficiente, para sustentar a felicidade individual, desejo primitivo comum, tal
como apontado por Freud, por que ela ainda não foi alcançada ou sentida? A fim de
delinear uma abordagem concisa sobre o escopo da felicidade inatingível, buscada
por diferentes meios, a clínica lacaniana fornece profundas reflexões a respeito das
relações entre a imagem do outro, a falta e o desejo.
A felicidade, ou a satisfação que proporciona um estado de felicidade, é
sempre uma experiência organizada por uma instância produtora de sentido,
comumente enunciada por sujeito. Assim, um momento central do pensamento
lacaniano consiste na análise desse objeto-sujeito que opera nessa categoria. Sua
formulação postula a presença de uma duplicidade da existência do eu, manifestada
na imagem de si denominada Eu e pertencente ao domínio do Imaginário, e no
núcleo verdadeiro do sujeito manifesto no Real. A gênese dessa formação é
sintetizada naquilo que Lacan chamou de estádio do espelho. O que o estádio do
espelho expressa, portanto, é a condição fragmentada de manifestação de si, por
um lado, e a busca da unidade na compreensão de si apreendida pela imagem do
outro presente no espelho, mas também nela projetada por intermédio do espelho.
Do outro lado do espelho, temos a imagem completa. A criança
antecipa, em frente do espelho, uma completude que ela não tem.
Obviamente, aqui se estabelece uma Gestalt, a partir dessa imagem
de um outro completo. A partir dessa imagem no espelho, a criança
pode ter uma imagem de si mesma como completa. (VIVIANI, 2000,
p.48).
Contudo, interessa notar que essa autoimagem é necessária como momento do
processo de individualização e inserção na trama sócio simbólica, pois é a partir da
simulação de si que se estabelece um núcleo produtor de sentido: a produção
imaginária resulta dessa guinada da experiência auto erótica de um ser
fragmentado, à nomeação totalizante de um corpo próprio experimentado na
imagem refletida no espelho ou na superfície do lago.
39
A colocação da formação da identidade autônoma a partir do estádio do
espelho traz, ainda, um paradoxo fundamental, pois é no bojo da própria identidade
que se concretiza a alienação do sujeito. Em outras palavras, se o processo que
estabelece o Eu possibilita a sua inserção na trama de significantes produzidos no e
pelo Simbólico – o domínio do espelho –, realiza isso, no entanto, a partir da captura
de uma imagem que sufoca a expressão do sujeito pertencente à esfera do Real e,
assim, essa instância do Eu se torna lugar privilegiado de alienação. Pois se, por um
lado se acredita que o
[...] Eu é o centro de nossa autonomia e auto-identidade. No entanto,
[...] a verdadeira função do Eu não está ligada à síntese psíquica ou
à síntese das representações, mas ao desconhecimento de sua
própria gênese e à projeção de esquemas mentais no mundo”
(SAFATLE, 2010, p.30).
Portanto, em contraposição à ideia hegemônica elaborada por certa vertente
psicanalítica de que o reconhecimento do eu como entidade autônoma é
fundamental ao processo de formação da identidade e, consequente situação na
trama social, esse Eu irradiador de sentido – produto imaginário de significantes
culturais – sintetizado pela apreensão da imagem do outro torna-se, na verdade,
obstáculo do gozo, isto é, da imersão no Real; o que não implica, sumariamente, na
invalidação de toda e qualquer noção de sujeito, senão que aponta para a
necessidade de se buscar o núcleo desse agente composto por camadas de
identidades.
Mesmo portando um certo índice de indeterminação, esse sujeito existente no
Real pode ser pensado a partir daquilo que o constitui essencialmente, isto é, seu
desejo. Pois de certo que, embora não se possa definir de maneira empírica ou
conceitual sua natureza, também não se pode negligenciar a experiência que cada
um tem daquilo que faz de si e dos outros seres moventes. Assim, aquilo que habita
o cerne da ideia de sujeito e o mobiliza é o que Lacan chama de desejo. Entretanto,
o que caracteriza esse desejo é na verdade um elemento negativo, a saber, a falta;
mas
[...] esta falta não é falta de algum objeto específico, vinculada à
pressão de alguma necessidade vital, tanto que o consumo do objeto
40
não leva à satisfação. A falta é aqui um modo de ser do sujeito, o que
levará Lacan a falar do desejo como uma “falta-a-ser”. Um modo de
ser que demonstra que essa indeterminação fundamental do sujeito
moderno, essa liberdade manifestada pela ausência de essência
positiva que faz com ele nunca tenha correlação natural com
atributos físicos, nunca seja completamente adequado às suas
representações, imagens e papéis sociais. (SAFATLE, 2010, p.33-
34).
Pode-se afirmar, por isso, que o desejo é essa manifestação de um princípio que
busca suprir-se, pois se fundamenta na falta de algo e tem como especificidade,
enquanto desejo puro, ou seja, a própria fonte do desejo, não se realizar em relação
a nenhum objeto, motivo pelo qual sempre se renova. Dessa maneira, é apenas no
reconhecimento do outro, como instância diferente de si e também portadora do
desejo faltante que o sujeito se desvencilha da imagem do espelho e encontra o
caminho para o conhecimento de si.
Por fim, compreende-se que há uma estrutura de autorreconhecimento e
formulação da experiência que se desenrola através da identificação de si na
imagem do outro e que, no entanto, a história desse reconhecimento não cria senão
um Eu que afasta o sujeito do conhecimento de seu desejo essencial. Desse modo,
a infelicidade não resultaria propriamente da impossibilidade de satisfação do
desejo, ou libido, pela falta do objeto, senão que pela própria natureza do desejo.
Nesse contexto, a única esperança de felicidade restaria na mais terrível das
possibilidades que seria a compreensão e realização do Real, o gozo, alcançado
somente através da libertação da imagem especular.
Pensar a sociedade do espetáculo em sua relação com a psicanálise é
transitar pelos efeitos da espetacularização das imagens e, logo, olhar para o
impacto da sua ação no campo do Imaginário. A lógica dessa relação resulta de que,
a partir da experiência do sujeito ante sua imagem no espelho, pode-se dizer que
“[...] do lado do corpo fragmentado, temos o Real. Do outro lado, temos o lugar da
imagem. Esse lugar da imagem é o campo do Imaginário” (VIVIANI, 2000, p.48).
Contudo, na medida em que a hiperexposição à imagem transforma a experiência
do mundo em uma experiência da imagem e não do vivido, já que “Tudo o que era
41
diretamente vivido se esvai na fumaça da representação” (DEBORD, 2003, p.13), o
desvencilhamento da sedução da imagem narcísica operante na formação do Eu
torna-se mais complexo, pois tem, contra si, todo um aparato social de reforço
dessa sedução. Dessa maneira, na cultura do espetáculo, a tela opera como o
espelho totalitário de propagação de uma única imagem e da síntese unitária do
humano – enquanto cerne do desejo –, onde a possibilidade interrompida de
realização da felicidade ou satisfação do prazer, tributários da civilização, encontram
satisfação plena, mas simulada, no discurso estrangeiro corporificado pelas mídias:
Os pseudo-acontecimentos que se amontoam na dramatização
espetacular não foram vividos pelos que deles são informados e,
além disso, perdem-se na inflação da sua substituição precipitada a
cada pulsão da maquinaria espetacular. [...] Este vivido individual da
vida quotidiana separada permanece sem linguagem, sem conceito,
sem acesso crítico ao seu próprio passado, que não está consignado
em nenhum lado. Ele não se comunica. Está incompreendido e
esquecido em proveito da falsa memória espetacular do não-
memorável. (DEBORD, 2003, p.126-127).
Por isso, a estratégia de colonização do imaginário com imagens da sucesso
profissional, financeiro, afetivo e pessoal, no âmbito individual e no coletivo,
econômico, político, educacional, cultural, somada ao reforço do horizonte de
endeusamento do humano confirmam, na repetição e consumo exaustivo, a exitosa
tarefa de interromper o acesso ao Real pelo domínio do significante e a projeção do
imaginário forjado e imposto: na sociedade do espetáculo, a reiteração da imagem
não apenas revela o sequestro do espelho, como esconde que na sua obliteração
reside a ocultação de existências sufocadas, à beira da morte. Em atenção a essa
patologia cultural e, como consequência da clínica psicanalítica lacaniana, portanto,
talvez seja um primeiro passo para a efetivação de um processo de cura, resgatar a
tragicidade da condição humana, através da retomada da consciência de si como
portador de um desejo essencial que jamais se satisfará, nem nos pobres mortais
tampouco nas figuras artificialmente construídas, pois “todos compartilhamos da
suprema provação [...] não nos momentos brilhantes das grandes vitórias da tribo,
mas nos silêncios do nosso próprio desespero” (CAMPBELL, 2001). Entretanto, que
essa consciência da incompletude desesperadora, de um ser nem tão onipotente,
42
preso a sua condição terrena e deveras frágil ante às forças colossais da natureza,
não assuma a forma de uma autoflagelação ou vitimização passiva, mas a da
aceitação da fluidez da existência e da abertura para as múltiplas possibilidades de
compreensão de si, ampliação do simbólico e libertação do real.
2.2 Realidades forjadas: individualização e existência além do espaço
Uma vez observadas as transformações comportamentais dos indivíduos
contemporâneos, cabe ainda indagar sobre as alterações sociais herdadas da
revolução telecomunicacional. Em outras palavras, uma perspectiva desdobrada de
uma das faces do processo de glocalização permite esboçar um quadro identificador
de algumas das suas consequências para as comunidades locais e mundiais,
causadas pela substituição da perspectiva do espaço real pela do tempo imediato e,
por consequência, o quanto essa mudança pode ser estratégica para a realização
de objetivos político-econômicos nos tempos atuais. Isto, pois, um operador central
dessa movimentação aponta para a constatação de que: “o estreitamento das
distâncias transformou-se numa realidade estratégica com consequências
econômicas e políticas incalculáveis, pois equivale a negação do espaço” (VIRILIO,
1996, p.123).
Desse modo, o efeito gerado a partir do encurtamento da distância foi o
contraposto balanço da separação dos sujeitos, uma vez que a apreensão do outro
ficou sujeita à simulação da sua presença, isto é, reduzida ao contato virtual. Em
outras palavras, a despeito de um ganho em comunicabilidade, o imperativo da
materialidade ainda perdura, fazendo valer a regra de que “Só há presença
verdadeira no mundo – no mundo que é próprio da experiência sensível – pela
intermediação do ego-centramento de um presente-vivo, ou seja, através da
existência de um corpo próprio vivendo aqui e agora” (VIRILIO, 1993, p.104).
Portanto, entre as perdas angariadas em troca dos benefícios da comunicação
imediata figura a transformação dos comunicadores em imagens simuladas de si,
cuja função de comunicação é cumprida, porém, sem se abster do peso da
ausência, que só se supera ante uma presença verdadeira; isto, porque
43
[…] a partir do momento em que o extremo distanciamento espacial
dá lugar, subitamente, à extrema proximidade do tempo real das
trocas, instala-se simultaneamente uma separação irredutível.
Apesar da ausência de intervalo devido à inexistência do espaço real
do encontro, a interface de signo nulo das ondas eletromagnéticas
que permite a telecomunicação impede a confusão habitual do aqui e
agora, uma vez que a instantaneidade da interatividade não elimina
jamais a distinção entre o ato e o agir à distância. Dá-se o mesmo no
caso de uma tele-existência em comum, independentemente do grau
de proximidade dos tele-atores reunidos à distância. (VIRILIO, 1993,
p.104).
Embora o vácuo gerado por essa separação, isto é, a manutenção das
relações de comunicação livres do ônus da presença física, possa sugerir e, em
certa medida concretizar como benefício colateral dessa dura sentença de solidão,
proveniente do isolamento físico, a diminuição das cobranças, julgamentos e
expectativas próprios à tradicional convivência social, todavia, não despressuriza
completamente os seres humanos, na medida em que os oferece como recompensa
a possibilidade do exercício, ainda que virtual, de micro poderes, os quais conduz os
indivíduos à máxima realização de si, como projeto de sucesso, ainda e sempre,
socialmente constituído.
Esse movimento de isolamento e centralização do indivíduo sobre si mesmo,
no entanto, não poderia ser atribuído às tecnologia de comunicação, pois representa
um processo iniciado, desde séculos passados, com a formação da ideologia
burguesa: a marca particular da dromocracia cibercultural consiste, como em outros
âmbitos, na pura potencialização das ações humanas, aqui sintetizada pela
acentuação do individualismo despolitizado ante um tecido social viscoso e de difícil
apreensão, transformado paulatinamente pelo desenvolvimento da técnica. Dessa
forma, a conjunção das transformações sociais no contexto da cibercultura inaugura
uma aceleração do processo de individualização na configuração política de uma
sociedade dromocrática, para qual o hiperindividualismo torna-se característica
inerente à medida que
[…] coincide não apenas com a internalização do modelo do homo
oeconomicus que persegue a maximização de seus ganhos na
44
maioria das esferas da vida (escola, sexualidade, procriação, religião,
política, sindicalismo), mas também com a desestruturação de
antigas formas de regulação social dos comportamentos, junto a uma
maré montante de patologias, distúrbios e excessos
comportamentais. (LYPOVESTSKY, 2004, p.56).
A constituição de um comportamento hiperindividualista, portanto, é ainda
perfeitamente ajustável à configuração da sociedade glocal, inaugurada pelos
avanços das tecnologias em geral e, nesse contexto, em especial, das tecnologias
de comunicação. Por se tratarem de técnicas criadas e manipuladas por pessoas, no
entanto, mantém sua propriedade intencional e, com isso, a contradição de, ao
mesmo tempo, engendrar consequências atrativas ao desenvolvimento de outros
modos de ordenação e estratégia políticas, abertas pela fragmentação social.
2.3 Sujeitos glocais, democracias em dispersão
Um primeiro passo em direção ao cenário atual, em que se desenvolvem as
movimentações sociais, possivelmente poderia caminhar direção à hipótese primeira
de que a marca peculiar das relações contemporâneas passa pela interconexão de
dispositivos em âmbito mundial. Todavia, uma particularidade desta configuração
globalizada, acerca de sua natureza comunicacional, aponta para a condição glocal
dos seus agentes, isto é, a experiência de estar, ao mesmo tempo, em contato com
as ocorrências locais, próprias de um corpo físico, e aquelas desdobradas em
qualquer lugar do planeta, à medida que as tecnologias da comunicação elevaram
exponencialmente a capacidade humana de explorar e constituir diferentes domínios
da cultura, ainda que simulada ou virtualmente. Dessa forma, a configuração glocal
da experiência da vida torna-se inquestionável à quase totalidade da população
mundial, mas somente enquanto experiência, pois, por outra parte, seu modo de
apropriação simbólica e suas consequências são necessariamente delineados em
conformidade a posicionamentos e interesses políticos. Assim, essa ambiguidade
própria ao conceito de glocal permite que se o compreenda de um ponto de vista
corporativo e estatal, para o qual “(…) o glocal representa a empiria do modelo de
mundo realizado, seus interesses e sua ideologia objetivados na infra-estrutura
45
tecnológica disponível”, tanto quanto, em contraponto crítico, no âmbito das ciências
humanas,
[...] o glocal configura prisma conceitual para [...] realizar-se o
mapeamento e a dissecação da natureza, dos fundamentos e das
consequências desse mundo no âmbito social-histórico, bem como,
com base nisso, estabelecer-se os pontos de tensão teórica em
relação ao modus operandi da civilização contemporânea
(TRIVINHO, 2007, p. 283).
Portanto, na esteira da perspectiva aberta pela concepção prismática do
termo que se pode avaliar criticamente os múltiplos aspectos da novidade de uma
época caracterizada pela experiência glocal, em acordo a qual se desenvolve a
análise aqui empreendida.
As inesperadas consequências do projeto de dominação da natureza por
meio do desenvolvimento da técnica são, ao menos desde o começo do século XX,
objeto de pesquisa das ciências humanas. Importantes análises debruçaram-se
sobre o perigo da organização de sistemas políticos totalitários ante as promessas
que a intervenção técnica poderia proporcionar com suas formas de planejamento
social. Entretanto, para além desses alertas sobre o risco que a democracia sofre
quando submetida ao controle total mediante planejamento racionalizado de
conflitos, as estratégias de controle seguiram seu curso junto aos desdobramentos
da história. Sofisticaram-se e ampliaram-se, de modo a serem, hoje em dia,
dificilmente apreendidas em sua completude. Assim, potencializado pelo
aprimoramento das tecnologias de comunicação, o planejamento social deu forma a
uma inteligência dromocrática, a qual continua exercendo sua capacidade de
dominação, mas, agora, não mais como ações pontuais ou determinadas em relação
a projetos específicos, senão que
[...] como um assalto permanente ao mundo e através dele, como um
assalto à natureza do homem. O desaparecimento da fauna e da
flora, a anulação das economias naturais, são apenas a lenta
preparação de destruições mais brutais. Fazem parte de uma
economia mais vasta, a do bloqueio, do cerco, isto é, das estratégias
de inanição. (VIRILIO, 1996, p.69).
46
Inanição perfeitamente adequada a um contexto de populações concentradas
em grandes cidades e, em números estratosféricos, que chegam a alcançar dezenas
de milhões, para as quais talvez não houvesse recursos físicos de controle, a
despeito do desastroso prejuízo que sua eliminação causaria aos próprios
beneficiários dessa dominação.
Uma característica de destaque da configuração política das sociedades
dromocráticas (TRIVINHO, 2007) – democracia das sociedades globalizadas e
comunicacionais – contudo, revela o curioso fato de que as práticas desse controle
não são identificáveis a nenhum agente individual, pois este se dissipa na imensidão
vazia da glocalidade, assim como aquelas se espalham por todos canais causando,
com sua onipresença, a impressão de estarem em lugar nenhum. Dessa maneira, a
violência política na sociedade dromocrática torna-se impalpável ou invisível, uma
vez que resulta da própria existência das tecnologias de informação e comunicação
que controlam os sujeitos, tendo como braço mais desenvolvido o ciberespaço. No
âmbito da transpolítica exercida no interior da cibercultura, portanto, o poder
exercido sobre o indivíduo
Trata-se de uma violência mais que sofisticada, porque light em sua
forma ultra-avançada de realização, agora capitaneada pelo virtual
[…] e (ainda, trata-se) de uma violência mais que legítima,
metalegítima, dir-se-ia melhor, porque transpolítica: ela não se
efetiva através da política institucionalizada ou do aparelho do
Estado, não passa por nenhuma forma de representação política ou
simbólica, nem precisa acompanhar-se de discurso legitimatório
estruturado. (TRIVINHO, 2007, p. 351-352).
Por isso, frente ao inevitável engrandecimento da tecnocultura, a antiga união
entre política e técnica atinge um grau de sofisticação e efetividade preocupantes, à
medida que escapa a qualquer forma de regulamentação coletiva e se constitui,
novamente, uma ameaça aos governos democráticos.
Nesse contexto de dromocracia cibercultural, as categorias tradicionais de
análise política tornam-se, assim, estéreis, pois seu objeto de pesquisa transpassa
as antigas instituições desenvolvidas desde o iluminismo e dá forma a um conjunto
complexo de movimentações que compõem um novo modo de ação, originando na
47
sociedade tecnocomunicacional uma nova forma de operação, a transpolítica. Em
sínTese,
[…] o conceito de transpolítica abrange, a rigor, todos os
acontecimentos e fatos, situações e circunstâncias, fenômenos,
processos e tendências sociais, econômicos e/ou tecnológicos,
sejam duradouros, sejam transitórios, sempre de alcance
macroestrutural, cuja natureza, dinâmica e consequências escapam,
inteira ou parcialmente, à jurisdição das instituições políticas
consolidadas na trajetória de realização do iluminismo francês e do
liberalismo inglês nos últimos séculos. (TRIVINHO, 2007, p. 187-
188).
Enquanto forma inapreensível de controle, desse modo, a transpolítica se
exerce imbricada aos equipamentos tecnológicos, às redes de comunicação, aos
inumeráveis signos que percorrem as linhas de comunicação da sociedade tecno
aparelhada e se revigora, atualiza e fortalece a cada novo bit intercambiado entre os
sujeitos eletronicamente domesticados. Não obstante, sua perpetuação, enfim, ainda
dá sinais de longa vida
[...] porque os seus elementos estruturais – a saber, a amplitude
internacional, acontecimento fora de controle, erosão da força pública
do Estado e da política instituída, velocidade tecnológica, violência
objetiva (concreta ou simbólica) do arranjamentobsociotécnico,
conteúdo de terror, incerteza – constam [...] multiplamente
rearticulados e revigorados (TRIVINHO, 2007, p. 187).
Um último ponto a ser ressaltado, em relação a aspectos da configuração
transpolítica dos tempos atuais, aponta para algumas semelhanças existentes entre
os processos vividos pelos colonizados do passado, cujas características gerais
passavam pela “[…] experiência da aceleração da História, estreitamento do espaço
e da individualização dos destinos” (AUGÉ, 1997, p. 158), e a condição
experimentada pelos cidadãos da sociedade dromocrática cibercultural; isto, pois,
dificilmente se poderia aderir ingenuamente ao entusiasmo propagado acerca do
desenvolvimento tecnológico e seus derivados comunicacionais, ignorando seu
potencial estratégico, uma vez observado que também a era tecnocomunicacional.
48
[...] é marcada por três excessos: um excesso de acontecimentos que
torna a História dificilmente pensável, um excesso de imagens e de
referências espaciais cujo efeito paradoxal é fechar em nós o espaço
do mundo, em excesso de referências individuais, entendendo por isto
a obrigação que os indivíduos têm de pensar por si mesmos sua
relação com a História e com o mundo diante do enfraquecimento do
que Durkheim chamava de “corpos intermediários” e da impotência
confirmada dos grandes sistemas de interpretação. (AUGÉ, 1997, p.
158-159).
Dessa maneira, a constatação de macro movimentos análogos aos ocorridos
em outros momentos da história revela que, se por um lado a disputa pela
emancipação dos sujeitos e a constituição de sociedades igualitárias ainda está em
curso, por outro, talvez também esteja longe de sua realização, dados os
desdobramentos que o imperativo da técnica é capaz de produzir no coração dos
tempos pós-modernos.
À guisa de conclusão, é de fundamental importância ressaltar que a história
sempre pertenceu à experiência localizada do tempo e do espaço, e isto é o que lhe
atribui toda riqueza que possui. Contudo, pela primeira vez, em virtude da
mundialização e da virtualização, tudo se passa sob a égide de um tempo único, o
imediato. Disso se deveria questionar se essa predominância de uma só experiência
do tempo, um tempo forçadamente universal (semelhante ao tempo neutro das
ciências exatas) e reduzido ao instante, não expressaria uma nova forma de tirania,
ao negar aos indivíduos a possibilidade de construção da história coletiva, e mesmo
se isso não é interessante como forma de controle social. Por outra parte, seria
demasiado simples atribuir toda a responsabilidade pelos atuais desdobramentos
políticos aos media, pois, isso não faria senão ocultar o dado fundamental de que os
sujeitos são ativos e participativos da construção de sua história, ainda que
passivamente. Essa constatação da centralidade da configuração política e dos
desdobramentos dos movimentos históricos nos indivíduos é ponto de partida de
qualquer mudança possível, pois
[...] os media não criam nada que já não tenha sido previamente
estruturado – mesmo em sua fase embrionária – por fatores múltiplos
do contexto social-histórico imediato e mediato – mediado ou não
49
pela comunicação –, seja no âmbito das relações sociais, seja na
dimensão da interioridade psíquica das individualidades. (TRIVINHO,
2000, p.40).
Desse modo, se é evidente que o estado de dromocracia cibercultural
instaurado em âmbito global dá origem a uma forma de ação transpolítica, cuja
realização inaugura uma nova forma desterritorializada de colonização, por outra
parte também é claro que a possibilidade de transformação desse cenário passa,
necessariamente, pelo levante em direção à constituição da história, individual e
coletiva, cuja realização não poderia mais prescindir da potência que a
tecnocomunicação reserva àqueles que a dominarem.
50
CAPÍTULO 3
51
CAPÍTULO 3 - DEMOCRACIA, AÇÃO COMUNICATIVA E CIBERCULTURA
E quanto mais se prejudica a força socializadora do agir
comunicativo, sufocando a fagulha da liberdade
comunicativa nos domínios da vida privada, tanto mais
fácil se torna formar uma massa de atores isolados e
alienados entre si, fiscalizáveis e mobilizáveis
plebiscitariamente”. (HABERMAS, 1997, p. 101-102).
O desenvolvimento de tecnologias capazes de realizar a interconexão global
de pessoas, instituições e nações foi impulsionado, em larga medida, por interesses
mercadológicos e necessidades burocrático-administrativas. Ao depender de
interconexões mais velozes e, em maiores distâncias, para otimizar seus processos
de produção e circulação de valores, a face complementar desse projeto de
supressão de barreiras – geográficas, econômicas e sociais – teve como efeito
colateral, no entanto, a diminuição dos entrepostos que dificultavam a organização
política livre de mediações. Assim, se essa abertura de novos canais de
comunicação potencializou a vazão de informações, possibilitou ao mesmo tempo
que grupos e organizações ampliassem seu espectro de difusão e essa abertura
alimentou extraordinários ciclos de ações concretas e debates, a ocupar as ruas,
praças, sites e redes sociais do globo.
As transformações observadas no jogo político estabelecido pelo Estado de
direito democrático e social é, em síntese, o contexto em relação ao qual se articula
neste capítulo, uma reflexão acerca do fenômeno recente dos levantes sociais, tão
significativos quanto instantâneos, protagonizados por indivíduos comuns munidos
de telas, câmeras e uma rede de conexões. Para tanto, o pensamento
habermasiano acerca da mudança estrutural da esfera pública, acompanhada da
expansão da racionalidade técnica e sua colonização do mundo da vida, bem como
a aposta numa forma de racionalidade comunicativa em contraposição ao status quo
da modernidade, serão o arcabouço teórico norteador do exame doravante
desenvolvido. Se alguns conceitos centrais do pensamento de Jürgen Habermas
podem auxiliar a elaboração de uma perspectiva de interpretação dos recentes
52
acontecimentos, todavia, poderiam incidir negativamente se isentos de crítica. Em
outras palavras, ressalte-se que as reflexões habermasianas acerca da mudança
estrutural da esfera pública, acompanhada da expansão da racionalidade técnica e
da sua colonização do mundo da vida, bem como a aposta numa forma de
racionalidade comunicativa em contraposição ao status quo da modernidade, são
um parâmetro possível de norteamento das transformações conjunturais modernas,
que estabeleceram uma outra forma de relação com o bem público, isto é, uma
vivência política moderna. Entretanto, talvez já não seriam integralmente válidas
como parâmetro de análise e proposição normativa para a sociedade digitalizada do
século XXI.
3.1 Transformação da sociedade burguesa e inflexão da modernidade
Inserido na tradição marxista cultivada pelo Instituto para Pesquisa Social de
Frankfurt, Habermas apresenta em seus textos a preocupação de construir um
posicionamento teórico crítico, fazendo frente às transformações sociais provocadas
pela crescente expansão das relações capitalistas em todos os âmbitos da vida e
contrapondo à barbarização das ações humanas o resgate do projeto de
emancipação inaugurado pelo movimento Iluminista francês, fundamentado na
autonomia da razão. Por isso, no bojo da sua crítica ao esvaziamento e
domesticação da vida pública, provocados pelo avanço da racionalidade técnica, ou
instrumental sobre a política e, na insistência quanto ao potencial libertador do
esclarecimento, é que se pode perceber, com maior acuidade, o alcance das ideias
expostas na sua Teoria do Agir Comunicativo.
O pano de fundo da análise habermasiana sobre o estado da ordenação
social vigente e o correspondente modo de conduta ante sua reconfiguração é a
transformação ocorrida na sociedade burguesa a partir das últimas décadas do
século XIX, em virtude do domínio da técnica e da violenta expansão mercantil.
Dessa abordagem histórica, destaca-se a mudança estrutural das esferas
componentes do jogo político e a consequente alteração qualitativa do projeto social
que, segundo o pensador, desviou-se do caráter emancipatório incutido no projeto
do esclarecimento.
53
A análise habermasiana sobre a mudança estrutural da esfera pública
apresenta uma fundamental esquematização das relações de poder em operação
nas sociedades burguesas: a organização social burguesa, formulada a partir das
transformações histórico-políticas difundidas pelo movimento Iluminista, deu origem
a uma esfera política intermediária entre o Estado e a iniciativa privada, a saber, a
chamada esfera pública, cuja atividade autônoma exercia oposição ao controle
político hegemônico da sociedade, sobretudo pelo Estado, já que, teoricamente, o
mercado se configurava por uma certa condição igualitária de produção e trocas
entre todos indivíduos. Assim, a esfera pública, de caráter liberal, era um âmbito de
atividade social pautada pela autonomia de pensamento e livre circulação de ideias,
cultivada nos cafés e publicações/folhetins, composta por agentes privados, mas
que exercia, contudo, função pública, na medida em que pautava o debate em torno
dos interesses comunitários e organizava, ainda que de modo potencial e fugaz,
uma opinião pública consensual. Entretanto, o fino equilíbrio presente nesse arranjo
passou por um processo de decomposição ao longo do século XX, no qual a esfera
pública liberal foi se dissolvendo em meio à emergência de um contingente
populacional crescente e uma correlativa democracia organizada, implementada em
prol do planejamento e maior controle social, e do fortalecimento do discurso
econômico adotado na legitimação de deliberações hostis aos interesses coletivos.
Desse modo, em meio a essas transformações, o Estado, para além de instância de
asseguramento dos direitos individuais, tornou-se provedor de benefícios. Os
espaços de debates foram invadidos pela propaganda e pela publicidade; o público
produtor de reflexões sucumbiu ao consumo das ideias; a instituição do tempo livre
assaltou a atividade literária e, nesse movimento, a esfera pública sucumbiu ao
esvaziamento de sua força motriz, uma vez que a circulação de ideias em prol de
debates minguava no mesmo passo que as correntes de informação e negócios
prosperavam. Nessas circunstâncias, então, o “consenso estipulado no raciocínio
público dá lugar ao acordo não publicamente conquistado ou imposto” (HABERMAS,
1984, p. 273) e a vida pública reduz-se às atividades estatais e mercadológicas, ao
controle, produção e consumo.
Nesse novo cenário, o mundo da vida – em síntese, as manifestações
espontâneas inalienáveis e imediatamente exercidas pelos sujeitos viventes –
passou a ser tratado não mais em suas peculiaridades naturais, subjetivas e sociais,
54
senão que se tornou, ante a racionalidade instrumental, sistema. Portanto, na
modernidade, a sociedade torna-se material de manipulação do Estado e da
Economia, com vistas à agremiação de poder e dinheiro e, ante este diagnóstico,
Habermas aposta na racionalidade comunicativa como forma de contraposição à
burocratização e economicização do mundo da vida, implementadas pela linguagem
técnica.
A análise sobre o movimento de formação da esfera pública e sua teorização
sobre o agir comunicativo, todavia, não poderia prever, à distância de ao menos três
décadas, a proliferação do modelo rizomático de convivência. Por isso, na intenção
de aproximar esses debates circunscritos antes da revolução digital à dinâmica dos
fenômenos atuais, especificamente os acontecimentos de junho de 2013, adiante
são desenvolvidas reflexões, hipóteses e especulações a respeito do modelo
analógico que fundamenta a teoria da comunicação habermasiana para, em
seguida, considerando a emergência de outro paradigma, retomar a análise da
formação da esfera pública, a fim de ponderar sobre as configurações que ela tem
assumido em meio às transformações que a comunicação em rede impulsionou.
3.2 Verdade, consenso e ação
O que fundamenta a aceitação e, talvez, adesão, a qualquer forma de
conduta pública é a compreensão da lógica mobilizadora dessas ações. Dito de
outro modo, o consentimento e participação em um propósito ou causa se realiza em
face à compreensão da sua verdade. Entretanto, se o problema da ação se inicia na
verdade de sua legitimação, ao menos outras três problemáticas derivam desse
escopo: as bases filosóficas de fundamentação do conceito verdade, o formato das
relações ou dos inter-relacionamentos produtores de uma compreensão fenomênica
compartilhada e os agentes de todas essas ações.
Para além da rígida dualidade postulada entre verdade ou falsidade do
discurso, Habermas complexifica o seu modo de apreciação da comunicação,
levando em conta a contextualização e transitoriedade, sem, contudo, abrir mão da
possibilidade de formulação de um conhecimento verdadeiro – ou melhor,
55
temporariamente verdadeiro. Isto, pois, como ressalta Reese-Schäfer, no âmbito da
convivência democrática,
Comunicação é mais complexa do que execução direta. Ela pode
reconhecer o outro como participante da comunicação e, ainda
assim, reservar-se o direito de aceitar ou contestar suas
enunciações. Isso constitui sua superioridade em relação a outras
formas de ação. Ela é mais adequada à complexidade de relações
reais de vida do que qualquer intervenção direta. (REESE-
SCHÄFER, 2010, p. 47).
Desse modo, complexificando os esquemas de avaliação da verdade,
Habermas apresenta uma teoria da ação comunicativa estruturada em duas
dimensões, grosso modo, sintetizada na forma referencial discursiva e no seu
conteúdo semântico. Desviando-se de alguns modelos filosóficos clássicos da
verdade fundamentados na correspondência da ideia ao objeto, com a decorrente
capacidade humana de apreensão objetiva, neutralidade e universalidade, o filósofo
centraliza na ideia de consenso a análise da verdade e, assim conduz o debate ao
plano da veracidade de um discurso, ao invés de ater-se na fundamentação objetiva
da verdade, isto é, independente dos discursantes. Ao mesmo tempo, aponta para
as condições de produção e normatização que envolvem a elaboração
argumentativa, a despeito dos valores e ideologias difundidos por seu conteúdo.
Uma importante consequência dessa reformulação é que uma análise científica da
legitimidade das argumentações não se restringe jamais à lógica própria dos
discursos justificativos e/ou reivindicatórios, senão que será avalizada, ao largo das
disputas interpretativas, com base nos elementos fundamentais da produção do
discurso determinados pela comunidade discursiva, como formação sócio-histórica,
estrutura político-econômica, organização jurídico-administrativa e cultural, uma vez
que
“[...] para as ações serem coordenadas pela formação linguística de
um consenso, a prática comunicativa cotidiana precisa estar inserida
no contexto de um mundo da vida determinado por meio de tradições
culturais, de ordens institucionais e de competências. (HABERMAS,
2012, Vol. II, p. 477).
56
Essa alteração, contudo, à medida que vincula a veracidade da fala a um
plano referencial coletivamente referendado, implica numa certa limitação do
conhecimento possível e, por conseguinte, das possibilidades de afirmação
verdadeira, pois se realiza em relação a estruturas condicionadas, isto é, temporais
e não-universais.
Essa perspectiva de análise, portanto, sofre em certa medida com uma
possível generalização da relatividade que envolve um discurso verdadeiro,
gerando, em última instância, a impossibilidade de determinação da verdade ou
falsidade de todo e qualquer discurso elaborado. De fato, há uma certa amenização
no rigor dual de certificação da veracidade, embora isto não se constitua
propriamente uma objeção, pois coerentemente com sua contraposição às
teorizações metafísicas e objetivistas de análise da verdade, Habermas encontra
nesse “afrouxamento” a falibilidade e possibilidade do erro necessárias à validade
das teorias científicas e à criticidade do agir comunicativo, libertando o discurso do
perigo da totalização pretensamente objetiva e o dispondo ao compartilhamento de
toda sociedade – estendendo-o, inclusive, à apreciação das gerações vindouras.
Dessa maneira, uma vez que o discurso verdadeiro tem origem na interação
comunicativa entre no mínimo dois sujeitos e não mais se pauta na verdade avaliada
por correspondência da ideia ao objeto, a qualidade da relação entre os
interlocutores demanda o reconhecimento mútuo da legitimidade das assertivas,
analisadas sempre em referência ao arcabouço do conhecimento produzido ao
longo da história do pensamento. Por isso, Habermas afirma que numa ação
comunicativa, os discursantes “referem-se não mais diretamente a algo no mundo
objetivo, social ou subjetivo, mas relativizam suas enunciações diante da
possibilidade de que a validade delas seja contestada por outros atores”
(HABERMAS, 2012, vol. I, p. 168). E, é justamente a prática da contestação que
reestabelece o rigor de avaliação da veracidade, pois se pauta em critérios de
verificação razoáveis solidificados ao longo da história do pensamento científico,
como a inteligibilidade, a correção (normativa) e a autenticidade.
Aquela relativização da verdade, portanto, encontra um certo limite,
estabelecido por um plano referencial menos rígido, porém, nem tão fluído, porque
elaborado coletivamente ao longo de toda a produção intelectual da humanidade.
57
Esse esquema elimina a pretensão de controle fundamentada na apropriação do
objeto, ao mesmo tempo que coloca no centro das determinações verdadeiras a
interlocução, fundamentando na racionalidade comunicativa a única fonte legítima
de deliberação das ações sociais. É desse modo que a ação comunicativa
constituiria, para Habermas, forma de resistência à
[...] penetração de formas da racionalidade econômica e
administrativa em esferas de ações que resistem à transferência para
os meios “dinheiro” e “poder”, uma vez que se especializam na
tradição cultural, na integração e na educação social, ficando na
dependência do entendimento como mecanismo de coordenação da
ação”. (HABERMAS, 2012, v. II, p. 597).
Esse sistema de troca de informações e, mais amplamente considerado
sistema de vida, ou de hábitos de convivência, encontraria na ação comunicativa o
expediente de interlocução adequado para promoção da coesão social,
fundamentada no consenso.
3.3 Da ação comunicativa às redes de comum ação
A recolocação habermasiana da reflexão sobre a verdade no plano do
consenso, isto é, da produção humana de discursos considerados verdadeiros ao
invés da correspondência direta do discurso à realidade hipostasiada, apresenta ao
pensamento político contemporâneo uma outra base para pensar a articulação
social, engajada aos debates epistemológicos da virada do século (fenomenologia,
filosofia analítica, estruturalismo, perspectivismo etc). Todavia, sua teoria
comunicativa talvez se encaminhe à obsolescência, na medida em que não pôde
vislumbrar a revolução vindoura, tampouco a potência que a digitalização somou à
humanidade, sobretudo em seu aspecto comunicacional. Em outras palavras, após
toda a desconstrução e ressignificação operadas em relação ao conceito de verdade
(motor da ação), a possibilidade de sua produção coletiva, por meio do discurso,
tornou as informações circuladas na esfera pública foco central de produção da
realidade e, por conseqüência, disputa de poder. Ante essa configuração, Habermas
propõe um modelo bidirecional de comunicação, capaz de promover a harmonia
58
política por meio do consenso, cujo funcionamento torna-se incompatível ou
inadequado aos procedimentos desencadeados pela revolução digital da
comunicação, que dissolveu o modelo tradicional emissor/receptor e instaurou redes
de informação fluidas, rizomáticas e efêmeras.
Nesse cenário emergente, agremiações independentes se organizam,
produzem e circulam informações a partir de outra lógica comunicativa,
fundamentada na estruturação complexa de esquemas não centralizados de difusão
de informações e conteúdos. Articulação aparentemente exitosa, dada a atuação
que tem alcançado nas disputas argumentativas envoltas às insurgências recentes.
A esse respeito, é tomada em consideração a ascensão das manifestações do
Movimento Passe Livre e o aumento de seu poder de influência e barganha quando
acompanhados da cobertura jornalística do coletivo Mídia Ninja.
3.3.1 Movimento Passe Livre
As manifestações que se iniciaram com reivindicações do MPL e se
desdobraram em gritos vagos contra a corrupção tiveram destaque pela enorme
proporção e reboliço alcançados no junho de 2013. Porém, denominados levantes
de junho de 2013, na tentativa de abarcar o conjunto dos acontecimentos do
período, o rótulo esconde a pluralidade de condutas, atitudes e comportamentos que
protagonizaram os conflitos e reposicionaram a comunicação em rede na dinâmica
da sociedade brasileira deste século. A fim de contextualizar a origem dessa batalha
digitalizada e construir uma interpretação fundamentada dos eventos, portanto,
resulta em importante contribuição a recuperação da origem dos protestos
relacionados ao transporte, liderados por coletivos e agremiações autônomos.
A retrospectiva dos acontecimentos encontraria um marco significativo uma
década antes do junho 2013: na cidade de Salvador, em agosto de 2003, quando
jovens organizados em torno de grêmios e entidades universitárias estudantis
paralisaram entre agosto e setembro, quase diariamente, as principais vias de
Salvador, a fim de reivindicar a redução da tarifa de ônibus, a meia-passagem aos
finais de semana e a criação de um Conselho Municipal de Transporte. Essas
mobilizações sobreviveram às duras repressões e, a propósito da visibilidade que
59
tiveram, se disseminaram para outras capitais, eclodindo em 2004, em Florianópolis.
Na ocasião, o movimento saiu vitorioso após dias de confronto com as autoridades
locais, que se viram obrigadas a revogar reajuste de 15,6%.(FALCÓN; RIZÉRIO;
QUERINO, 2013).
No ano seguinte, 2005, a tentativa de aumento no preço da passagem trouxe
os manifestantes de volta às ruas de Florianópolis. Entretanto, havia uma
incrementação fundamental: após as revoltas recém passadas, coletivos e
agremiações militantes do direito ao transporte público organizaram Plenária
Nacional, na qual batizaram o Movimento Passe Livre e fortaleceram formas de
articulação do grupo. Nesse mesmo ano, significativa movimentação eclodiu
também em Vitória, no Espirito Santo. Já no período sequente, 2006, pessoas de
mais de 10 cidades brasileiras se encontraram na Escola Nacional Florestan
Fernandes, no Estado de São Paulo, para realizar o terceiro encontro do movimento.
Em todas essas ocasiões, a cobertura midiática dos protestos e pautas levantadas
foram contrárias aos manifestantes, dando voz reiteradamente apenas às
autoridades e brigadas militares locais (MPL-SP, 2013).
A despeito das dificuldades de difusão de seu posicionamento e inserção no
debate sobre as decisões concernentes ao transporte, o Movimento Social pelo
Passe Livre foi paulatinamente se organizando e descobrindo formas de chegar até
diferentes públicos, contrários ou simpatizantes a sua causa. Na cidade de São
Paulo, o MPL inaugurou atividades de rua em 2005, quando o Terminal Bandeira e
Lapa foram ocupados pelos membros do coletivo, em sua maioria estudantes. De lá,
até 2013, houve momentos em que o movimento esteve centrado em trabalhos de
base, como estudo de legislações e projetos de transporte, e na reestruturação
interna, em 2010, quando ainda aconteceram duas manifestações em virtude do
aumento do preço da passagem acima da inflação. Entretanto, talvez o momento
que descortinou a necessidade de ampliação de comunicação tenha transcorrido
nas mobilizações contra o aumento, no ano de 2011, ocasião em que ficou clara a
possibilidade e a necessidade da pauta do transporte aglutinar as mais diversas
lutas, uma vez que todos aqueles que vivem na cidade tinham suas vidas, direta ou
indiretamente, afetadas pelo aumento (LUCAS; TOLEDO, 2011).
60
Um breve levantamento das manifestações sugere que, nos primeiros 10 dias
de protestos, o MPL tinha uma adesão relativamente constante às atividades de rua,
em torno de 5 mil pessoas – enquanto apresentava 10 mil curtidas em sua página na
rede social Facebook, e gozava de pouquíssimo espaço de divulgação de suas
pautas entre os veículos que realizavam a cobertura dos acontecimentos. Embora o
movimento, à época, tenha definido estratégias de articulação que ainda não
incorporavam a utilização de redes digitais, reconhecia por meio de um integrante
porta-voz os potenciais da ferramenta:
Acho que a internet é uma ferramenta; a gente tem em vista que a
internet, como qualquer meio de comunicação, como o jornal, como a
panfletagem, é uma ferramenta; sendo uma ferramenta, ela pode ter
características que auxiliam em algumas coisas ou não, mas ela
atende a interesses. Você instrumentaliza. A ferramenta é um
instrumento, algo que alguém utiliza, ou seja, o que você tem nisso, a
internet serve pra facilitar golpe de pauta? Serve. Ela serve pra evitar
golpe de pauta? Também. Ela serve pros interesses das pessoas.
Acho que ela ajuda a popularizar, ajuda a divulgar, mas ela não é a
única das coisas; tem manifestação com 5 mil pessoas antes de ter o
Facebook tão forte. (ESPÍRITO SANTO, 2014, p.113).
Ressalte-se, contudo, que em relação aos anos anteriores, o coletivo já
demonstrava maior capacidade de comunicação e articulação, e a situação
possivelmente tenha assumido nova configuração devido à utilização que passaram
a fazer, de redes de comunicação digitais, para divulgação de atividades e
conteúdos. Essa adesão de utilização de ferramentas digitais para tal finalidade
ocorreu em meio ao processo de mobilizações em curso, como revela Lucas:
[...] o Primeiro Ato, ele é constituído na prática; ele é construído a
partir das panfletagens dos alunos nas escolas deles, de alunos
falando assim: “É isso ai, é contra o aumento da passagem, a gente
vai fazer um ato agora; a gente vai fazer um ato semana que vem.” A
gente fala que beleza, a gente ajuda a organizar. (ESPÍRITO
SANTO, 2014, p.114).
61
Portanto, a divulgação inicial, ainda que sob outra perspectiva, operava por
redes de comunicação que, no entanto, funcionavam de modo analógico, através de
contatos em grêmios estudantis, diretórios acadêmicos e panfletagem. A
incorporação de ferramentas digitais obviamente não criou ou levantou uma causa,
uma movimentação, tampouco uma manifestação do porte dos acontecimentos de
junho. Porém, aparentemente contribuiu muito para que as pautas do coletivo
fossem arrastadas a outro patamar de atuação.
[...] só pensando no Facebook, o número de acessos com a luta de
2013, a luta contra o aumento e a proporção que ela tomou e tudo
mais, tem um pulo de 10 mil curtidas no Facebook para 300 mil, 295
mil, atualmente. Então, tem um grande volume de acessos sim.
Agora, no pico, a gente tem atualmente a gente tem visualização de
290 mil pessoas; no pico da luta contra o aumento, no final dela, dia
19, a gente tinha, aproximadamente, 8 a 10 milhões. Teve um
crescimento muito grande. (ESPÍRITO SANTO, 2014, p.120).
O acesso a um público de tal magnitude dificilmente resultaria sem o
empenho e engajamentos dos membros do MPL. A questão que se desdobra,
portanto, não passa por investigações a respeito de legitimidade, validade ou
pertinência dos pontos debatidos e reivindicados pelo movimento e o consequente
potencial de persuasão que estes causariam. Senão, que pelo interesse em
compreender quais outros entre tantos atores daqueles acontecimentos
desempenharam ações que colaboraram preponderantemente para essa vertiginosa
ascensão. À luz desses pensamentos e especulações, a tão impressionante quanto
estrondosa difusão da revolta do MPL possivelmente demandaria um caminho de
análise capaz de fornecer interpretações para a capacidade exponencial de
estabelecimento de pontos de rotas e fluxos de informação, de onde nascem os nós
da comunicação em rede, a fim de esboçar uma conjectura plausível de como no
intervalo de duas semanas, o movimento social que acumulava 10 anos de ativismo
e angariava a média de 5 mil manifestantes em seus últimos protestos, levou para
as ruas de São Paulo pelo menos 200 mil cidadãos indignados com a falta de
diálogo público.
62
3.3.2 Mídia N.I.N.J.A.
Como exemplo desse novo fenômeno e material de fundamentação das
ideias levantadas adiante, é possível acompanhar, então, as ações desse coletivo
jornalístico que desempenhou papel central nas manifestações de junho: o Mídia
NINJA – acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Em site próprio,
o coletivo apresenta uma percepção, ao que tudo indica, concatenada à reflexão
sobre a atual configuração das análises em comunicação: “A Internet mudou o
jornalismo e nós fazemos parte dessa transformação. Vivemos uma cultura
peertopeer (P2P), que permite a troca de informações diretas entre as pessoas,
sem a presença dos velhos intermediários”(MIDIA NINJA, 2015). Note-se,
entretanto, em que pese a definição do termo, a cultura peer-to-peer, embora opere
com duas pontas de conexão, diferencia-se sobremaneira do tradicional paradigma
emissor/receptor, uma vez que sua dinamicidade – derivada da possibilidade digital
de reprodução quase infinita – permite que cada ponta dessa conexão seja, ao
mesmo tempo, ramal de outras conexões. E no bojo dessa transformação
tecnológica, o que faz o Mídia NINJA? De certo modo, apenas jornalismo tradicional:
levantamento de informações, materiais de pesquisa, fontes, entrevistas, checagem
de versões, publicação etc. À diferença, talvez, na forma de fazê-lo.
Em meio aos protestos de junho, a cobertura jornalística do Mídia NINJA
destacou-se como fonte de informação alternativa a algumas das vias da imprensa
tradicional, parcialmente bloqueadas por interesses extrínsecos à ação de informar e
promover debates públicos. Além disso, contudo, a força do coletivo parecia residir,
em sua adesão, aos acontecimentos não apenas como um olhar estrangeiro,
distanciado ou suspostamente imparcial, mas como agente desses acontecimentos,
revelando proximidade ao público manifestante – mais em relação aos
comportamentos que a uma concordância de pautas. Sintetizado por um dos
idealizadores do coletivo, Bruno Torturra, “A rede e a rua se fundiram”(BRESSANE,
2013). As equipes que realizaram a cobertura dos eventos por vezes se formaram e
dispersaram ao tempo de duração da bateria da câmera ou celular e, ainda que
precariamente organizadas, por participarem dos fatos e os contarem em tempo real
do ponto de vista daqueles que ocupavam as ruas, atraíram a atenção desse
mesmo público, mais habituado a se informar e consumir conteúdos por meio de
63
streamings digitais. Portanto, além do jornalismo realizado na medida em que se
veiculavam as informações sobre os acontecimentos, o coletivo inventou uma outra
forma de fazê-lo, porquanto que equipado de dispositivos digitais hiperconectados e
fomentados pela lógica rizomática de comunicação. À diferença do tradicional
processo jornalístico, composto por longa cadeia de produção, que vai da apuração
dos fatos, levantamento de dados, produção de matérias e publicação, o Mídia
NINJA se amparou em um modelo de ação que os organiza como
Uma rede de comunicadores que produzem e distribuem informação
em movimento, agindo e comunicando. Apostamos na lógica
colaborativa de criação e compartilhamento de conteúdos,
característica da sociedade em rede, para realizar reportagens,
documentários e investigações no Brasil e no mundo. Nossa pauta
está onde a luta social e a articulação das transformações culturais,
políticas, econômicas e ambientais se expressam. (MIDIA NINJA,
2015).
O estabelecimento da comunicação em rede, por si só, talvez não resultasse
em atividade de impacto no debate público, já solidamente estabelecido e
gerenciado por grandes veículos de comunicação. Entretanto, associado a essa
outra forma de produzir narrativas no tempo mesmo do acontecimento e
antecipando a interpolação seguinte de um discurso interpretativo organizado sobre
os fatos, o coletivo também contava, desde sua origem, com renovada forma de
participação na criação narrativa, segundo a qual, mais por afinidade de inclinação
que por deliberação hierárquica e burocrática, incontáveis cidadãos passaram a
compor o quadro de jornalistas do coletivo, bastando estarem dispostos a registrar e
se inserirem ativamente nos protestos, pois, para o coletivo, “o cidadão que se vê
como um veículo ou faz parte de uma rede de midialivrismo, não está em um
protesto apenas para fazer o registro. Ele é um corpo da multidão e a comunicação
é uma das formas de mobilizar e organizar” (MIDIA NINJA, 2015).
Fazendo-se presente no local do acontecimento, o coletivo inseriu no universo
dos meios de comunicação digitais, dessa maneira, outra perspectiva de operação
para a veiculação de informação jornalística, a qual aparentemente passou a
integrar um quadro mais complexo de constituição de visões de mundo. Expressado
64
em outras palavras, ao conectar as redes digitais preexistentes à redes analógicas
de articulação, ação e difusão de informações, o coletivo talvez tenha contribuído
para a ocupação politizada da capacidade narrativa das redes digitais de
comunicação. Dessa forma, pode-se dizer que o coletivo seguiu com sucesso as
diretrizes de seu próprio projeto, uma vez que “A Mídia NINJA surge em março de
2013, com o objetivo de realizar uma disputa de sentidos e imaginários na
comunicação brasileira” (MIDIA NINJA, 2015).
O êxito de tal propósito pode ser notado na mudança do discurso das
autoridades paulistas e do tom empregado nas coberturas jornalísticas de grandes
veículos. Mas, talvez tenha alcançado seu ápice na alteração da agenda
presidencial, que cancelou viagem diplomática ao Japão a fim de tratar dos assuntos
em pauta colocados pelos manifestantes e lidar com a explosão de protestos em
todo o território.
65
CAPÍTULO 4
66
CAPÍTULO 4 - ATOS E VERSÕES: ANÁLISE DE UMA DISPUTA NARRATIVA
Desde os primeiros atos organizados pelo Movimento Passe Livre na cidade
de São Paulo, ainda especificamente relacionados ao aumento do preço da
passagem de ônibus, houve intensa cobertura tanto dos grandes meios de
comunicação quanto de veículos independentes. Entretanto, a cronologia da
cobertura dos acontecimentos permite observar que, a despeito do inicial tom crítico
e censurador dos protestos, o viés narrativo propagado pelos grandes grupos de
comunicação sofreu paulatina transformação, à medida que se deparou com uma
inesperada coleção de informações e discursos produzidos por anônimos cidadãos
de alguma forma atuantes nos protestos. Adiante, portanto, estão organizados
documentos produzidos no período, de forma a observar a reorientação das versões
dos fatos elaborados e difundidos pelas corporações midiáticas, ante a articulação
de manifestantes e divulgação de seus pontos de vista por meio de blogs e redes
sociais. Como representantes dos veículos de grande alcance na cidade de São
Paulo foram selecionados, prioritariamente, conteúdos publicados pelo portal de
notícias G1, do grupo Globo, o grupo jornalístico Folha de São Paulo e o grupo
jornalístico Estado de São Paulo. Entretanto, outros meios expressivos constam
pontualmente em coberturas complementares. Por outra parte, dada a organização
incipiente da comunicação estabelecida via redes sociais e plataformas de streaming
de vídeo dos manifestantes, um mosaico de fontes foi rastreado e selecionado para
formação do panorama do debate que foi se articulando ao longo dos dias de
protesto. O acompanhamento feito a seguir se restringe à cobertura dispensada aos
protestos durante o mês de junho de 2013.
4.1 Narrativas de junho: confronto entre versões dos fatos
Os registros iniciais de protestos ocorridos em São Paulo, concernentes ao
preço da passagem, datam de 06 de junho de 2013, quando manifestantes
caminharam do centro da cidade até a Avenida Paulista, onde houve confronto entre
policiais e participantes do protesto. O portal G1 divulgou o acontecimento por meio
67
da reportagem: “Manifestantes depredam estação de Metrô, banca e shopping na
Paulista” (MORENO, 2013),na qual se atribui ao protesto a responsabilidade por
deixar destruição e sujeira na localização e arredores, enfatizando ações do dia
como atos de vandalismo e não reportando nenhuma fala direta dos manifestantes,
apenas relatando que representantes do Movimento Passe Livre se diziam "não
responsáveis pelos atos de vandalismo". Somente veiculada em versão online, a
Folha de São Paulo seguiu a mesma linha e, na matéria jornalística intitulada
“Protesto contra aumento do ônibus termina em confronto no centro de SP”,
também não reportou nenhuma fala direta dos manifestantes; apenas
"Organizadores disseram que parte dos manifestantes pichou alguns
estabelecimentos e ruas durante o protesto, mas argumentou que não era possível
controlar toda a multidão. Segundo eles, cerca 6.000 participaram do protesto. Já a
PM aponta que eram cerca de 2.000 manifestantes" (FOLHA DE SÃO PAULO,
2013). No dia seguinte, o portal G1 publicou uma longa matéria sobre os danos
patrimoniais sofridos pelo Metrô e estabelecimentos após a manifestação
(DOMINGOS, 2013). Apesar de citar a crítica dos manifestantes à atitude da Polícia
Militar, como na fala de Altino de Melo Prazeres, presidente do Sindicato dos
Metroviários, detido na manifestação: “A polícia perdeu o controle de si mesma. Fui
perguntar para um policial se as pessoas poderiam sair do shopping e fui detido.
Isso é um absurdo. Em nenhum momento houve, por nossa parte, do sindicato,
alguma atitude que tenha depredado o sistema. Temos o interesse de defender o
patrimônio público”, disse o presidente do sindicato". A matéria foca mais nos
prejuízos materiais e a iminência de novos atos: "Os protestos de quinta-feira
deixaram um rastro de destruição e sujeira na Avenida Paulista. O vandalismo
atingiu as estações do Metrô, o Shopping Paulista, bases móveis da PM, bares e
bancas de jornais da região. O Movimento Passe Livre (MPL), que organizou a
manifestação, convocou para o fim da tarde desta sexta um novo ato, com
concentração no Largo da Batata, em Pinheiros, na Zona Oeste. O Metrô disse que
pretende processar os responsáveis pelos danos. Pelo levantamento da companhia,
R$ 68 mil serão gastos com a compra dos vidros das estações e R$ 5 mil com
lâmpadas danificadas durante o protesto." O Estado de São Paulo, em matéria
intitulada “Manifestação contra aumento da tarifa de ônibus fecha vias em São
Paulo” (SANTOS; DEIRO; CUDISCHEVITCH, 2013) também se focou, sobretudo,
68
nos danos materiais causados, a despeito da motivação dos manifestantes:
"Estudantes disseram ao Estado, por telefone, que colocaram fogo em uma catraca
de ônibus no cruzamento da via com a Av. Vinte e Três de Maio." Embora o ato
deste dia havia sido anunciado pelo MPL, em nenhum momento algum integrante do
coletivo foi procurado para expor sua versão dos fatos e o coletivo se posicionou
oficialmente em seu blog (MPL-SP, 2013b), no qual reforçou que exerciam o legítimo
direito de se manifestar e que os atos violentos foram uma reação à brutalidade da
PM: "A população que já revoltada com o abusivo aumento das tarifas reagiu e
revidou a agressão dos policiais – que, vale a pena lembrar, são os policiais que
possuem armas e bombas. Ontem, a PM feriu dezenas de pessoas. As imagens
dessa repressão brutal podem ser vistas em toda a mídia e em vídeos nas redes
sociais. A truculência da PM é um fato conhecido até mesmo pela imprensa, que
diversas vezes tem seus cinegrafistas e repórteres vítimas dessa violência." A nota
emitida pelo MPL nota a presença de indivíduos que, ainda sem a força de um
movimento organizado, já começavam a registrar os protestos e a ação policial por
meio de seus celulares e redes sociais.
No dia seguinte, foi convocada uma passeata com origem no Largo da Batata
e caminhada em direção à marginal Pinheiros. Novamente houve confronto com
policiais e, nesse momento da história das manifestações, o foco da imprensa
parecia estar nas depredações e nas falas de policiais e órgãos do Estado. O portal
G1 enfatizou a ação da Polícia Militar, cedendo espaço para explicação das ações
da corporação na figura de dois coronéis. Um deles, "O coronel da PM Yeros
Aradzenka, responsável pela operação, explicou que as bombas de efeito moral
foram usadas em dois momentos, para evitar prejuízo ao fluxo de carros na Marginal
Pinheiros"; e o outro, O coronel Reynaldo Simões Rossi, responsável pela operação
na região da Paulista, por sua vez, disse que “permitiu, após uma longa negociação,
que o grupo entrasse na avenida para garantir o direito de manifestação, com a
ressalva de que não se repetissem os atos de vandalismo ocorridos no dia anterior.
Cerca de 350 policiais militares participaram da operação na região da Paulista,
segundo o coronel", na reportagem: “Após fechar Marginal Pinheiros, ato contra
tarifa volta à Avenida Paulista” (MORA, 2013a). O Movimento Passe Livre,
organizador da manifestação, assim como nenhum manifestante individualmente foi
ouvido nesta reportagem. Apenas instituições como o Metrô e a SPTrans,
69
reforçando os danos causados pelos protestos: "O Metrô estima que o prejuízo
provocado pelos manifestantes seja de R$ 73 mil. Pelo levantamento da companhia,
R$ 68 mil serão gastos com a compra dos vidros das estações e R$ 5 mil com
lâmpadas danificadas durante o protesto. A SPTrans informou que 12 ônibus foram
depredados e outros 53 pichados durante o protesto na quinta-feira." A Folha de São
Paulo cedeu espaço de fala para o diretor de um colégio particular, no bairro de
Pinheiros, que dispensou seus alunos mais cedo: "Como não tínhamos segurança
da dimensão que isso poderia tomar, resolvemos garantir tranquilidade de pais e
alunos". E para a mãe de uma aluna: "A fonoaudióloga Ana Barion, 39, só
conseguiu buscar a filha de nove anos às 17h, pouco antes do protesto. "Fiquei
preocupada. Protestar é justo. Quebrar tudo, não.", através da matéria “Novo ato
contra tarifa faz até colégio fechar mais cedo” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013g).
Novamente não foram ouvidos nenhum manifestante ou representante do
Movimento Passe Livre. Em outra reportagem, “Protesto contra aumento das
passagens fecha a av. Faria Lima” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013h), o jornal
divulgou fala de um manifestante apenas em relação aos acontecimentos da
Avenida Paulista, do dia anterior: "Segundo Marcelo Hotmimsky, 19, um dos
organizadores da manifestação, os atos que ocorreram na Paulista foram
consequência da repressão policial. "A partir do momento que a polícia reprime, a
situação fica incontrolável. Os manifestantes foram atingidos por bombas e balas de
borracha. Eles apenas se defenderam". O Estadão não publicou nenhuma notícia
em seu portal de notícias sobre o ato do dia 07, apenas divulgando na madrugada
do dia seguinte uma pequena entrevista com o prefeito da cidade com o título
“Haddad vai pedir ajuda de Dilma para baixar passagem” (RODRIGUES, 2013b), na
qual ele expõe sua disposição em rever o preço da passagem: "Tirando aí os atos
de violência completamente injustificáveis, eu penso que esse fenômeno
relativamente novo tem um fundamento interessante, que dialoga com a questão da
mobilidade urbana, da emissão de carbono, com a questão social. Apesar de estar
dialogando com uma agenda importante, o movimento está defasado no que diz
respeito ao debate público, porque os prefeitos já estão fazendo uma proposta
concreta de subsídio à tarifa de ônibus a partir da municipalização da Cide, que é o
imposto sobre gasolina."
70
A próxima ocasião em que os manifestantes tomaram as ruas da cidade foi na
terça-feira, dia 11 de junho. O G1 publicou um resumo dos dias anteriores e a
cobertura dos protestos do dia na reportagem: “Saiba mais sobre os protestos em
SP contra aumentos de ônibus e Metrô” (G1, 2013a), a qual contava apenas com
uma fala do governador do Estado, Geraldo Alckmin: "Para o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, interromper o trânsito em vias importantes é “caso de
polícia”. A afirmação foi dada em entrevista à Rádio França Internacional (RFI), em
Paris. “Uma coisa é movimento, tem que ser respeitado, ouvido, dialogado. Isso é
normal e é nosso dever fazê-lo. Outra coisa é vandalismo; é você interromper
artérias importantes da cidade, tirar o direito de ir e vir das pessoas, depredar o
patrimônio público que é de todos. Isso não é possível, aí é caso de polícia e a
polícia tem o dever de garantir a segurança das pessoas." Em outra reportagem
divulgada ao final do dia, “Protesto contra tarifa tem confronto, depredações e
presos em SP”, o veículo enfatizou os confrontos ocorridos, cedendo novamente
espaço para uma curta fala de um coronel da Polícia Militar. "Acredito que foi o dia
mais violento, pela intensidade e pela animosidade dos manifestantes, o ânimo
deles, desde o início, de insultar os policiais", afirmou o tenente-coronel Marcelo
Pignatari, da PM. Segundo o oficial, os manifestantes atiraram fogos de artifício e
coquetéis molotov contra os policiais. "Pessoas que querem defender uma ideia
contra o aumento da tarifa não trazem esses acessórios", disse". Um pequeno
depoimento de um manifestante: "Um integrante do Movimento Passe Livre que se
identifica apenas como Marcelo disse que os ataques começaram após a repressão
policial contra os manifestantes no Parque Dom Pedro. "Antes disso, houve alguns
pequenos focos de conflito sem importância. Não teve nada disso antes de a polícia
iniciar a repressão", afirmou. De acordo com ele, o movimento se dividiu em vários
grupos e passou a atuar sem um comando central. Ele disse que O MPL não
assume a responsabilidade pelos ataques a ônibus e prédios públicos. "Com mais
de 15 mil pessoas, não dá para controlar", e voltou a citar a mesma argumentação
do governador de São Paulo sobre a diferenciação entre manifestação e
vandalismo. Apenas na noite posterior, dia 12, houve uma publicação no portal do
grupo Globo relatando agressão da PM em detenção do jornalista Pedro Nogueira, a
partir de vídeo independente divulgado na plataforma YouTube, na qual consta
posicionamento da PM, relato de fala de um familiar e afirmação da diretora da
71
instituição onde o jornalista trabalhava (MORA, 2013b). O portal do grupo Folha, na
reportagem: “Em Paris, Alckmin, Haddad e Temer criticam destruição durante
protesto” (ROCHA, 2013) enfatizou apenas o posicionamento das autoridades
políticas, evidenciando em suas falas a pouca abertura para um diálogo com as
reivindicações que vinham sendo pleiteadas pelos manifestantes. Nessa publicação,
foi dado espaço para o argumento do prefeito de que: “A liberdade de expressão
está sendo garantida, mas as pessoas não estão fazendo uso adequado dessa
liberdade de expressão. Os métodos não são aprovados pela própria sociedade”. Na
mesma inclinação, foi selecionada uma fala do, na ocasião, vice-presidente Michel
Temer, segundo o qual “A liberdade que a Constituição garante é a liberdade de
expressão, não a de agressão”. Quanto ao governador, publicou-se uma fala mais
severa do governador Geraldo Alckmin, cujo texto dizia: “É intolerável a ação de
baderneiros e de vândalos destruindo o patrimônio público e devem pagar por isso.
É patrimônio coletivo. Destruir ônibus, que é exatamente para servir a população, é
inaceitável”. Na publicação “Manifestantes fecham pista da Paulista e voltam a entrar
em confronto” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013f), o jornal cede espaço para falas de
um motorista de ônibus. "Eu estava com 15 passageiros; o pessoal de capuz
ameaçou atear fogo. Pedi para o pessoal sair e aí eles destruíram todo o ônibus.
Meteram pedra de cima abaixo", disse o motorista de um veículo da linha 435, da
EMTU (Diadema-25 de Março)"; e para o tenente-coronel da operação de dispersão
da manifestação: "Enquanto eu negociava com dois que diziam ser líderes do
movimento, outro grupo começou a agredir os policiais. Eu mesmo levei uma
paulada na perna", disse o tenente-coronel Marcelo Pignatari, comandante da
operação." Ainda, em outra reportagem, “Repórter da Folha é detido durante
protesto na av. Paulista, em SP” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013j),o veículo divulga
apenas a detenção de um funcionário, reservando quase metade da publicação para
falas do repórter. O Estadão, por meio da reportagem: “Manifestantes entram em
confronto com a PM no 3º protesto contra a alta na tarifa de ônibus em SP” (TAU,
2013) cobriu uma sequência de acontecimentos do dia, reportando-os por intervalo
de minutos das 14 horas e 30 minutos até às 0 horas e 10 minutos do dia seguinte.
Por esses trechos, é possível notar que, até então, apesar da violência e caos
causados pelo enfrentamento entre manifestantes e policiais, a grande mídia
continuava focando suas pautas nas ações depredatórias atribuídas aos
72
manifestantes e aos posicionamentos da polícia militar, prefeitura e governo do
Estado, além de instituições, dando pouco espaço para os manifestantes e suas
reinvindicações. Enquanto isso, cada vez mais pessoas filmavam e compartilhavam
os atos de protesto e as ações policiais na internet. A viralização desses vídeos foi
fundamental na divulgação dos novos atos, tanto quanto para atrair mais
participantes. Ante tal situação, o Ministério Público de São Paulo se posicionou e
convocou reunião com organizações civis contrárias ao aumento da tarifa do
transporte público e a presença do Secretário Municipal de Transportes, de
representantes da Secretaria Estadual de Transportes, além de membros do próprio
MP.
Na noite seguinte, 12 de junho, no Jornal da Globo, Arnaldo Jabor utiliza sua
coluna televisa para destacar atos de violência da parte dos manifestantes,
posicionar-se contrário às pautas reivindicadas em torno do transporte público e
criticar duramente as manifestações:
Mas afinal, o que provoca um ódio tão violento contra a cidade? Só
vimos isso quando a organização criminosa de São Paulo queimou
dezenas de ônibus. Não pode ser por causa de vinte centavos. A
grande maioria dos manifestantes são filhos de classe média, isso é
visível. Ali, não havia pobres que precisassem daqueles vinténs não.
Os mais pobres ali eram os policiais apedrejados, ameaçados com
coquetéis molotov, que ganham muito mal. No fundo, tudo é uma
imensa ignorância política; é burrice misturada a um rancor sem
rumo. Talvez seja influência da luta na Turquia, luta justa contra o
islamismo fanático, mas aqui se vingam de que? Justamente, a
causa deve ser a ausência de causas. Isso. Ninguém sabe mais
porque lutar, em um país paralisado por uma disputa eleitoral para
daqui há um ano e meio. O governo diz que está tudo bem, apesar
dos graves perigos no horizonte, como inflação, fuga de capitais,
juros e dólar em alta. Porque não lutam contra o projeto
constitucional 37, a PEC 37, por exemplo, que será votada dia 26 no
Congresso para impedir o Ministério Público de investigar? Talvez
eles nem saibam o que é a PEC 37, a lei da impunidade eterna.
Esses caras vivem no passado de uma ilusão. Eles são a caricatura
violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50, que a velha
73
esquerda ainda defende aqui. Realmente, esses revoltosos de classe
média não valem nem vinte centavos. (JABOR, 2013a).
O dia 13 de junho amanheceu com a manchete: "Governo de SP diz que será
mais duro contra vandalismo" (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013a) estampada na capa
da Folha de São Paulo. No editorial, o jornal se refere aos manifestantes como
"jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária, que
buscam tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar
em ônibus e trens superlotados" e que a reinvindicação da gratuidade no transporte
público seria uma fachada: "O irrealismo da bandeira já trai a intenção oculta de
vandalizar equipamentos públicos". Por fim, cobram do poder público um ponto final
nas manifestações: "No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a
força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis. Como em
toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o maior incentivo à
reincidência".
No mesmo dia 13, o portal G1 noticia o ato marcado para aquela mesma
tarde e as novas estratégias da polícia: “Estamos infiltrando policiais nos protestos e
rastreando a web para identificar os manifestantes que cometeram vandalismo”, diz
o delegado-assistente da seccional, Luis Francisco Segantin Jr., que também é
responsável pelo setor de inteligência da delegacia (TOMAZ, 2013a). De fato, os
protestos que aconteceram no final daquele dia, foram marcados por intensa
repressão policial. O jornal O Estado de São Paulo realizou cobertura minuto a
minuto, onde se pode notar a violência dos confrontos daquele dia de ato (TAU,
2013c). Jornalistas e manifestantes foram revistados. Muitos que portavam vinagre
foram detidos. Por volta das 19h, a polícia inicia ação planejada de dispersão dos
manifestantes usando bombas de gás e balas de borracha. Nos vídeos
compartilhados nas redes sociais, manifestantes afirmam que a agressão da polícia
começou sem motivo. Na ocasião uma repórter da Folha de São Paulo foi atingida
no olho por uma bala de borracha. Vários membros da imprensa relataram
agressões e prisões. As estimativas do dia 13 de junho chegaram a mais de 200
detidos e inúmeros feridos. Até aquele momento das manifestações, pela redução
da tarifa do transporte público, foi a repressão mais brutal da Polícia Militar. Durante
o ato, o apresentador do programa televisivo Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes,
74
José Luiz Datena, apresentou uma enquete ao vivo e, ao perceber o apoio dos
internautas e telespectadores ao protesto, demonstrou constrangimento e
impaciência. Solicitou que a pergunta fosse reformulada e a enquete refeita,
suspeitando mal-entendido na colocação da questão. Entretanto, o resultado foi
semelhante e a pesquisa foi retirada da edição daquele programa.
Figura 1 – Datena surpreendido na 1ª enquete
Figura 2 – Datena novamente surpreendido na 2ª enquete
Fonte: YOUTUBE, 2013d.
75
Na noite do mesmo dia, o então prefeito Fernando Haddad reitera para o
Estado de São Paulo que não há possibilidade de reverter o aumento da tarifa: "Não
pretendo rever o preço do transporte público, porque o esforço que foi feito ao longo
do ano para que o reajuste da tarifa fosse muito abaixo da inflação foi enorme. Ele
vai significar investir mais 600 milhões em subsídios" (RODRIGUES, 2013a). A
violência e a repressão brutal da polícia militar na noite de 13 de junho foram
amplamente registradas e compartilhadas nas redes sociais. Os vídeos destoavam
de versões contadas pela polícia e passaram a servir como denúncia dos abusos,
gerando crescente indignação. Uma publicação de grande impacto na credibilidade
do discurso de criminalização de manifestantes por atos de vandalismo foi a
postagem de um vídeo amador, registrado por smartphone, no qual é possível notar
um policial militar em serviço, quebrando um dos vidros da própria viatura numa
tentativa frustrada de gerar falsas provas da violência praticada pelos protestantes.
Essa publicação foi replicada em redes sociais e, somente na plataforma de
broadcast de vídeos YouTube, somou em uma das replicações mais de 100 mil
visualizações (TOMAZ, 2013b; YOUTUBE, 2013e).
Figura 3 - PM quebra vidro da própria viatura
76
Fonte: G1, 2013.
Diante da repercussão cada vez maior que os conteúdos alternativos
passaram a gerar, em desconstrução das versões oficiais divulgadas nos grandes
veículos de comunicação, é possível observar a adesão à narrativa dos
manifestantes na medida em que suas narrativas, paulatinamente, recebem espaço
nos mesmos veículos.
Nesse contexto, outros sites foram criados para reunir essas denúncias, como
os Tumblr intitulados: O Que Não Sai Na TV, que reúne relatos de pessoas que
participaram ou passaram nos locais de manifestação pela redução da tarifa de
transportes em São Paulo, e o Feridos No Protesto, que além de expor os danos
físicos sofridos pelos manifestantes, em decorrência de ações da PM, ainda
organiza relatos de participantes dos protestos e divulga informações úteis. Dessa
forma, em prol da elaboração de uma rede de apoio mútuo, variados conteúdos
passaram a ser compartilhados na internet, a fim de garantir a integridade dos
manifestantes, como um mapa colaborativo do protesto, com sinalização de
unidades da polícia, locais seguros e pontos de atendimento de vítimas, assessoria
jurídica básica com disponibilização de advogados e modelo de habeas corpus, e
divulgação de tags para serem utilizadas como apoio durante os protestos.
77
Figura 4 – Tag #MOBAjuda
Fonte: feridosnoprotestosp.tumblr.com
As manchetes do dia 14 de junho trazem estampados os conflitos e
confusões da noite anterior. A Folha de São Paulo, pela primeira vez, traz como
matéria principal de capa a reportagem: "Polícia reage com violência a protesto e SP
vive noite de caos". Nos cadernos internos e na internet constam ainda outras
matérias como: "Em protesto, sete repórteres da Folha são atingidos; 2 levam tiros
no rosto" e "PM usou gás lacrimogênio vencido para dispersar manifestação em SP".
78
Figura 5 – Capa da Folha do dia 14
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2013b.
Diferentemente do que vinha fazendo até então, o portal G1 publicou uma
matéria intitulada: "Veja relatos de participantes de protesto em SP – Multidão do ato
de quinta é diversa e não representa só um grupo", onde diferentes manifestantes
deram um pequeno depoimento sobre porque aderiram aos protestos: "Também
acompanhava o grupo a cineasta Caru Souza, de 33 anos. ‘Encontrei a Lia no metrô
Sumaré e combinamos de vir. Há uma mobilização intensa pela internet; não há
quem não saiba, quem não tem uma opinião sobre isso’, afirmou Caru." (MORENO;
79
STOCHERO, 2013). Nessa publicação é possível observar que muitos dos
participantes tiveram nessa manifestação seu primeiro engajamento em protestos.
Dessa forma, o apoio à manifestação aumentou e, para tanto, também foi decisiva a
viralização dos vídeos da brutalidade policial da noite anterior. O Estado de São
Paulo noticia que "Atos são marcados em 27 cidades no exterior em apoio aos
protestos no Brasil", reforçando o poder das redes sociais e a Folha de São Paulo
diz que "Maioria da população é a favor dos protestos, mostra Datafolha". Ainda
assim, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ainda tenta manter seu
posicionamento; reforça que não irá recuar no aumento da passagem e que
"possíveis abusos serão investigados" (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013e).
No dia 15 de junho, a Folha de São Paulo noticia que "Após violência,
manifestantes de SP ganham apoio de instituições", onde relata que "O centro
acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do largo São Francisco, da USP,
promoveu encontro com estudantes da própria instituição, além de PUC, FGV e
Mackenzie, em que decidiram pela criação de um centro de apoio jurídico aos
detidos nos protestos." A ação reforça o impacto das denúncias sobre a conduta
policial feita principalmente via vídeos compartilhados em redes sociais.
Um novo ato é marcado para o dia 17 de junho e, nesse momento,
manifestações relativas ao transporte público, especificamente aos preços das
passagens, já se espalham por todo o país. Sob o impacto da brutalidade policial
dos dias anteriores e após reunião com os líderes do MPL, o secretário de
Segurança Pública proíbe a utilização de balas de borracha e a presença da Tropa
de Choque na manifestação. Uma das líderes das manifestações falou, em
entrevista ao Fantástico, sobre as motivações do movimento. “A gente propõe à
cidade a tarifa zero, que seria o transporte público gratuito e de qualidade e as
pessoas também terem mais controle politico sobre o que é sistema de transporte na
cidade. O sistema de transporte, como está colocado hoje, não serve para garantir o
direito do cidadão. Ele serve para garantir o lucro dos empresários que vivem disso”,
diz Mayara Vivian. Segundo o Datafolha, cerca de 65 mil pessoas foram as ruas de
São Paulo. O ato seguiu pacífico na maior parte do tempo e, de acordo com a Folha
de São Paulo, ao longo do percurso, manifestantes pediram para que bandeiras de
partidos políticos fossem guardadas (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013c).
80
Nesta noite, Arnaldo Jabor faz novo pronunciamento no Jornal da Globo, se
retratando e mostrando uma mudança de posicionamento em relação as
manifestações:
À primeira vista esse movimento parecia uma pequena provocação
inútil que muitos criticaram erradamente, inclusive eu. Nós temos
democracia desde 1985, mas democracia se aperfeiçoa, senão
decai. Entre nós, quase tudo acabava em pizza ou em paralisia
entre os três poderes. O Brasil parecia desabitado politicamente.
De repente, apareceu o povo. De repente, o Brasil virou um mar.
Uma juventude que estava calada desde 1992; uma juventude que
nascia quando Collor caía, acordou. Abriram os olhos e viram que
temos democracia. Mas, uma república inoperante. Os jovens
despertaram porque ninguém aguenta mais ver a República
paralisada por interesses partidários ou privados. Só há dois
perigos: a tentação da violência e o vazio. Se tudo virar batalhas
campais, a coisa se destrói. Se virar um movimento abstrato,
genérico demais, tudo se esvai. É preciso uma política nova, se
reinventando, mas com objetivos concretos. Como, por exemplo, a
luta contra o projeto de emenda constitucional 37, o PEC 37, que
será votada na semana que vem para limitar o Ministério Público,
que defende a sociedade. Se tudo correr bem, estamos vivendo um
momento histórico lindo e novo, os jovens terão nos dado uma
lição. Democracia já temos; agora temos que formar uma
República.” (JABOR, 2013b).
No dia seguinte, 18 de junho, o portal G1 publicou notícia sobre
pronunciamento da presidenta com o título: “Dilma defende protestos e diz que
governo ouve 'vozes pela mudança’” (MENDES, 2013), expressando abertura do
governo federal para diálogo com as manifestações reivindicatórias. Ainda no
mesmo dia, novo ato reúne cerca de 50 mil pessoas. De acordo com o Estado de
São Paulo, o protesto acabou com lojas saqueadas no centro da cidade, a prefeitura
e o Teatro Municipal depredados, além de 47 detidos. Quase no final do ato, um
grupo de manifestantes colocou fogo em um totem da Coca-Cola, localizado no
cruzamento entre a Av. Paulista e a Consolação. A ação, no contexto de execução,
assumiu forte carga simbólica e foi transmitida ao vivo pela Mídia Ninja.
81
Figura 6 – Destruição do totem promocional da Coca-Cola
Fonte: MEDIUM, 2014
Durante a transmissão, o cinegrafista entrevista manifestantes, dá
informações sobre a repressão policial e noticia o que presencia. Em um momento
da transmissão é possível ouvir gritos que clamam "queima, queima!", vindos de
alguns manifestantes. Muitos se juntam e começam a destruir o totem da Coca-Cola.
Alguns outros manifestantes tentam apaziguar a situação. Gritos de "Foda-se o
sistema" são ouvidos e, na seqüência, podemos ver o totem sendo destruído com
mais veemência até ser ateado fogo. Durante toda a transmissão, a postura do
cinegrafista é de relatar os ocorridos, sem se unir aos gritos e a destruição, mas se
aproximando da ação para retratá-la (YOUTUBE, 2013b). Os eventos desse dia
foram transmitidos ao vivo pela conta de @Phillipex7, através do TwitCasting Live
(TWITCASTING LIVE, 2013), uma plataforma japonesa de twitcasting, e, ao todo,
alcançaram mais de 100 mil visualizações (MEDIUM, 2014).
82
Nesta mesma noite, um outro vídeo tomou as redes sociais. Anonymous
Brasil, um grupo hacker, divulgou um vídeo chamado: "As cinco causas", em que
defendem motivos para que a população continue saindo às ruas. De máscara e voz
digitalmente alterada, dizem:
Seremos simples e diretos. As mídias de rádio e TV dizem que não
temos uma causa específica. Isso pode enfraquecer o movimento.
Só a diminuição do valor das passagens do transporte público não
nos satisfaz, mas realmente temos que saber por onde começar um
novo Brasil. Então, vamos levantar causas diretas e sem polêmicas
de cunho religioso e ideológico. Sem bandeiras partidárias ou
subjetividades. Vamos todos levantar causas de cunho moral que
são unanimemente aceitas. E vamos levantar poucas por hora para
que não se dispersem. Chamaremos elas de As Cinco Causas. As
cinco causas são: 1. Não a PEC 37; 2. Saída Imediata de Renan
Calheiros da Presidência do Congresso Nacional; 3. Imediata
investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa, pela
Polícia Federal e Ministério Público Federal; 4. Queremos uma lei
que torne corrupção no Congresso crime hediondo; 5. Fim do Foro
Privilegiado, pois ele é um ultraje ao artigo 5 da nossa Constituição.
Repitam, alardem, gritem, retuítem, compartilhem. Baixem o vídeo e
postem em suas contas para que não seja retirado do ar. Verás que
um filho teu não foge à luta. (YOUTUBE, 2013a).
O vídeo rapidamente viralizou e atingiu 1 milhão e 800 mil visualizações. Muitos
manifestantes passaram a reproduzir as causas em suas reinvindicações nos
protestos.
83
Figura 7 – VídeoAnonymous Brasil – As cinco causas
Fonte: YOUTUBE, 2013a.
Após intensificação dos protestos e danos provocados pelos conflitos
ocorridos nos atos, no dia 19 de junho, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito
Fernando Haddad anunciaram a revogação do aumento do preço das tarifas do
transporte público e redução para o valor anterior de R$ 3,00. Ante tal circunstância,
o Movimento Passe Livre decidiu ainda manter o ato marcado para o dia seguinte,
20 de junho, como forma de comemoração do sucesso dos protestos e êxito na
reivindicação principal: "Vamos manter o ato para comemorar e também em
solidariedade às outras cidades que ainda querem a revogação do reajuste", disse
um dos integrantes do movimento, o estudante Caio Martins, de 19 anos, ao Estado
de São Paulo (DUAILIBI; GALLO, 2013). Mesmo com as tarifas do transporte no
mesmo patamar dos anos anteriores, a população retornou às ruas, indicando que,
para além da questão daquelas reivindicações, havia uma série de outros temas de
preocupação da sociedade paulistana. Assim, no dia 20 de junho, cerca de 100 mil
pessoas se reúnem na Avenida Paulista com reinvindicações variadas: contra a
corrupção, cura gay, PEC 37, entre outros. Espalhados por todo o país, os
noticiários contabilizam mais de 1 milhão de manifestantes e, nesse momento,
84
então, a reportagem publicada pelo Estadão, intitulada: “As faces de mais um dia de
protestos”, cede espaço para os variados motivos que faziam aqueles manifestantes
aderirem ao protesto (RIZZO et al, 2013). Diversos relatos de intolerância com a
queima de bandeiras de partidos políticos e movimentos sociais, como na matéria do
Estado de São Paulo, onde uma jovem chamada Marina se mostrava indignada:
“‘Vivemos em um país democrático e isso não deveria acontecer. Queimar uma
bandeira é queimar um ideal de uma pessoa’, disse a jovem, que aparentava ter 20
anos." (TAU, 2013b). Em nota no Facebook, o MPL afirmou que é "um movimento
social apartidário, mas não antipartidário" e repudiou os "atos de violência
direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje (quinta), da
mesma maneira que repudiamos a violência policial". No dia seguinte ao ato, o MPL
anunciou a suspensão de novas manifestações em São Paulo. A Folha de São
Paulo publicou, no dia 21 de junho, uma matéria em que cita o depoimento de um
dos membros do movimento: "A gente acha que grupos conservadores se infiltraram
nos últimos atos para defender propostas que não nos representam", disse Rafael
Siqueira, 38, professor de música e ativista do MPL desde 2006. De acordo com ele,
o recuo do movimento foi decidido no final da noite de ontem, por consenso, após os
incidentes na Paulista." Mesmo com a retirada do Movimento Passe Livre, as
manifestações continuaram, cada vez com focos mais variados.
A essa altura dos protestos, embora a pauta do transporte tivesse chegado
provisoriamente a um acordo, as ruas continuavam a refletir o fluxo de informações
e mobilizações instaurado nas redes sociais. Dessa forma, na noite do dia 21 de
junho, a presidenta Dilma Rousseff havia cancelado evento diplomático com o Japão
e foi à rede nacional realizar pronunciamento, com o objetivo de ressaltar que estava
atenta ao clamor das ruas e repudiava uma minoria violenta (TAU, 2013d). Como
contrapartida às manifestações que tomaram as ruas de inúmeras cidades no país,
a maior autoridade do Executivo federal se posicionou aberta ao diálogo e anunciou
um pacto pela melhoria nos serviços públicos.
Após o fim do período hoje conhecido como as jornadas de junho, a Mídia
Ninja continuou atuando na cobertura de manifestações, atos, eventos e debates de
diferentes naturezas. Em julho de 2013, um caso ficou emblemático. O Papa
chegava ao Brasil para uma visita e alguns membros da Mídia Ninja foram presos
85
enquanto trabalhavam cobrindo as manifestações. Uma grande comoção popular
ocorreu na frente da delegacia para a soltura dos midiativistas, o que denota o
alcance que suas transmissões estavam tomando. Na mesma noite, o estudante
Bruno Teles é preso no Rio de Janeiro, acusado de portar explosivos em uma bolsa
que ele afirmava nunca ter carregado. Em depoimento à Mídia Ninja, ainda na
delegacia, Bruno pede para que os ativistas enviem imagens da manifestação que
comprovem sua inocência. Várias pessoas enviam suas imagens do dia em questão
e a Mídia Ninja consegue montar um vídeo que mostra com clareza que Bruno é
inocente e revela a infiltração de agentes da polícia como início da confusão na
manifestação. Bruno Teles, então detido no presídio de Bangu, é liberado. Naquela
noite, o Jornal Nacional, da Rede Globo se retrata: "Ao contrário do que tinha sido
divulgado em várias notas oficiais das Policias Militar e Civil, Bruno Ferreira Teles
não portava explosivos no momento da prisão” — William Bonner, no Jornal
Nacional. Além disso, pela primeira vez, imagens feitas pela Mídia Ninja estampam o
jornal mais assistido do país.
Figura 8 – Entrevista de Bruno Teles à Mídia Ninja exibida no Jornal Nacional
Fonte: BARREIRA, 2013.
86
A partir dessa situação, a Mídia Ninja passa a tomar um espaço cada vez
maior como uma plataforma de comunicação, ganhando matérias na imprensa
tradicional, como a do dia 28 de julho de 2013, na Folha de São Paulo: "Grupo Mídia
Ninja se projeta ao cobrir protestos ao vivo" (SÁ, 2013). Na matéria, comentam a
situação emblemática da queima do totem da Coca-Cola: "Praticamente sem
concorrente, acompanhou de celular na mão os confrontos entre a Tropa de Choque
e os manifestantes na rua Augusta, perto da avenida Paulista. O fenômeno "ninja"
nasceu naquele momento, quando ele calcula ter alcançado 100 mil espectadores".
Em agosto de 2013 é a vez do jornal inglês The Guardian, com a manchete "Brazil’s
ninja reporters spread stories from the streets" (WATTS, 2013), em tradução livre
para o português, "Repórteres ninjas do Brasil espalham histórias das ruas", onde
discorrem sobre como o coletivo de jornalistas, munidos de celulares com câmeras
está dando voz aos descontentes com a política local.
Figura 9 – Matéria do The Guardian sobre a Mídia Ninja
Fonte: THE GUARDIAN, 2013.
Em agosto de 2013, os idealizadores do Mídia Ninja, Bruno Torturra e Pablo
Capilé, são convidados a uma noite de sabatina no programa Roda Viva, da TV
Cultura, para conversarem sobre sua atuação e esclarecerem tópicos concernentes
87
ao que chamaram de "novo jornalismo", como evidente interesse de jornalistas e
comunicadores que já estavam estabelecidos nas mídias tradicionais e realizavam a
comunicação e debate à maneira tradicional, embora repleto de controvérsias. Além
disso, outro novo patamar de participação foi alcançado pelo coletivo, ao projetar
nacionalmente os registros realizados por jornalistas colaboradores da Mídia Ninja,
que, na ocasião, passaram a estampar capas de jornais da mídia tradicional.
Destaca-se, entre as publicações, o caso abaixo, da capa da Folha de São Paulo, do
dia 15 de dezembro de 2014,na qual se apresenta o registro de uma manifestação
do grupo Levante Popular da Juventude.
Figura 10 – Capa da Folha de São Paulo com fotografia da Mídia Ninja
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2014.
88
A capacidade de comunicação e influência construída pelo coletivo
jornalístico, no decorrer dos meses pós manifestações, resultou em números talvez
inimagináveis até mesmo para os seus participantes. Em 2017, a Mídia Ninja atingiu
níveis de engajamento nas redes sociais maiores do que veículos tradicionais
alcançaram. Entre eles, as revistas Veja, IstoÉ, Época, os jornais a Folha de São
Paulo, o Estado de São Paulo, o Globo e os portais de internet UOL e BBC Brasil.
As métricas foram computadas pelo próprio coletivo e, de acordo com a Mídia Ninja,
o ranking foi elaborado com base nos números do engajamento, obtidos através da
"soma das curtidas, dos comentários e dos compartilhamentos de todos os usuários
que usufruem do conteúdo, mas, também, o constroem ativamente, a partir da
republicação e colaboração." (MEDIUM, 2017).
Figura 11 – Comparativo de engajamento Mídia Ninja X Mídias Tradicionais
Fonte: MEDIUM, 2017.
89
4.2 Faces da internet: mapeamento de público e características de utilização
A partir de pesquisa realizada pelo IBOPE, no dia 20 de junho de 2013,
apontamentos sobre posicionamentos dos manifestantes permitem compreender
algumas características do perfil do público dos protestos (IBOPE, 2013). Note-se
que a data das entrevistas corresponde a data posterior ao anúncio de revogação do
aumento da passagem, momento em que a narrativa dos manifestantes sobre seus
motivos de protesto e formas de atuação conquistou espaço e adesão pública.
Dessa forma, 46% dos entrevistados nunca haviam participado de manifestações e,
entre a maioria deles, 66%,independente das circunstâncias do protesto,acreditavam
que as depredações de bens públicos e privados nunca são justificadas. Com
relação ao policiamento e ações de intervenção militar, 57% dos manifestantes
consideraram as abordagens muito violentas, enquanto 24% afirmaram que houve
violência, mas, sem exageros. Já a principal pauta das reivindicações, redução das
tarifas do transporte público, na data da entrevista, apresentava adesão de 46% dos
manifestantes para a resolução do governo arcar com os custos da mudança,
enquanto outros 29% acreditavam que os custos deveriam ser repassados
exclusivamente aos empresários e, ainda, 21% acreditavam que os gastos deveriam
ser divididos entre ambos. Todavia, a despeito das divergências, 94% dos
manifestantes acreditavam que os protestos iriam conseguir promover as mudanças
reivindicadas.
Em outro amplo mapeamentorealizado ainda com certa proximidade ao
período dos protestos de 2013, o relatório TIC de 2015, elaborado pelo Comitê
Gestor da Internet do Brasil, de recorte voltado à análise dos usos da internet,
divulgou resultados relevantes sobre hábitos dos usuários da rede. A pesquisa
revelou que 59% dos domicílios da região sudeste possuíam ao menos 01
computador (CGI, 2016, p. 307) - considerando-se computadores de mesa/desktop,
computadores portáteis/laptops e tablets –, sendo que 51% portadores de dispositivo
móvel (CGI, 2016, p. 311) e que 47% possuíam mais de um tipo de computador
(CGI, 2016, p. 309). Quanto ao acesso à internet, 60% dos entrevistados afirmaram
ter fácil acesso, havendo em 83% dos domicílios a possibilidade de uso por qualquer
morador a qualquer momento (CGI, 2016, p. 314). Quando questionados sobre a
frequência de uso, 86% dos usuários afirmaram acessar a rede todos os dias ou
90
quase todos os dias, com baixíssima variação de porcentagem em relação à faixa
etária (CGI, 2016, p. 330).
Em relação aos usos da internet, os números mantêm semelhante alto
patamar na região sudeste. Entre os entrevistados, 86% enviaram mensagens por
WhatsApp, Skype ou chat do Facebook e 78% deles utilizaram redes sociais, como
Facebook, Instagram ou Snapchat. Em contraposição, pode-se notar que o meio
outrora hegemônico de correspondência pela internet, o e-mail, registrou utilização
de 64% dos entrevistados (CGI, 2016, p. 336). Ainda em relação às atividades
realizadas por intermédio da internet, 67% assistiram a vídeos, programas, filmes ou
séries on-line como no YouTube ou no Netflix (CGI, 2016, p. 339). 52% afirmaram
que leram jornais, revistas ou notícias on-line e 34% que acompanharam
transmissões de áudio ou vídeo em tempo real (CGI, 2016, p. 340). Especificamente
quanto aos conteúdos veiculados nas plataformas digitais, 38% dos entrevistados
utilizavam a Internet para postar textos, imagens ou vídeos que eles próprios
criavam e 67% deles utilizavam a internet para compartilhar conteúdo na Internet,
como textos, imagensou vídeos (CGI, 2016, p. 343).
Quanto às formas de utilização, 30% dos usuários de Internet utilizaram a
rede apenas pelo telefone celular e 60% usaram a rede tanto pelo computador
quanto pelo celular (CGI, 2016, p. 349). Entre aqueles que possuem celular próprio,
60% assistiram a vídeos pelo dispositivo, 61% compartilharam fotos, vídeos ou
textos pelo celular e 57% deles acessaram redes sociais, como Facebook,
Instagram ou Snapchat pelo aparelho móvel (CGI, 2016, p. 381), sendo que 72%
possuem conexão 3G ou 4G (CGI, 2016, p. 385). A medição da frequência de
acesso à internet via telefone celular, revelou, ainda, que 85% dos entrevistados
afirmaram fazê-lo todos os dias ou quase todos os dias (CGI, 2016, p. 387).
Dessa forma, os dados revelados pelo relatório do Comitê Gestor da Internet
reforçam, sobremaneira, a suposição de que a internet ocupou espaço definitivo nas
formas de comunicação dos cidadãos contemporâneos e se tornou um meio de
grande importância.Como tal, a rede tem sido deliberadamente utilizada para
consumo, divulgação e compartilhamento de conteúdos diversos, tendo sido
provavelmente também bastante utilizada como ferramenta de contato, localização e
organização entre os protestantes durante as manifestações de junho, assim como
91
possivelmente passaram a compor o conjunto de hábitos adquiridos pelos mesmos e
incorporados em seu cotidiano.
92
CONCLUSÃO
As manifestações que marcaram o mês de junho de 2013 ocuparam seu
espaço na história da política brasileira e, já nos anos subsequentes,sem grandes
esforços se pode notar a intensificação dos debates em torno de questões de
natureza coletiva, as quais se pluralizaram em temáticas e ocorrências desde o
período. As formas de participação social, nos dias atuais, desse modo,
aparentemente apresentam características inauditas atreladas à expansão e
realização de atividades coletivas em meios digitais, cuja relativa novidade talvez
ainda reserve pequenas margens para atuação livre de mediação institucional.
O desenvolvimento dos artifícios tecnológicos e a invenção de variadas
aplicações para eles têm supostamente forjado renovados espaços para trocas, nos
quais as pessoas não somente consomem informações, narrativas e simbologias,
mas, também, as produzem. Dessa forma, neste momento histórico onde
provavelmente pela primeira vez as redes digitais se encaminharam e se
conectaram às ruas, cidadãos-multimídias tornaram-se interlocutores com um peso
nunca por eles atingido enquanto cidadãos comuns, tendo capacidade de construir
ou reproduzir opinião e compartilhá-la na quantidade proporcional de seu círculo de
influência no ambiente virtual, ou na valorização que seus pares atribuem ao seu
post. Por isso, as redes digitais demonstram o enorme potencial transformador da
tecnologia em relação à vida pública, operando como catalizadoras da organização
e manifestação das demandas políticas encontradas nas sociedades, por vezes
abafadas pela dominação do discurso burocrático e dos interesses mercadológicos.
A respeito dessa discussão, pode-se observar a forma como transcorreu a
disputa narrativa dos eventos de junho, retratada nos noticiários e meios de
divulgação de conteúdos jornalísticos. Desde o início dos atos chamados pelo
Movimento Passe Livre, até o momento em que autoridades, agentes públicos,
grupos midiáticos e membros da sociedade civil, de maneira geral, passaram a ouvir
as reivindicações bradadas pelos manifestantes nas ruas da cidade de São Paulo,
houve ao menos duas semanas de intensos protestos nas quais nem os integrantes
do MPL, nem os próprios cidadãos que participavam das manifestações obtiveram
voluntariamente convite ou espaço para exposição de seus motivos reivindicatórios,
93
para além dos questionamentos sobre os confrontos com policiais e ações de
violência decorrentes, ou versões sobre os acontecimentos conflituosos – e a
despeito dos oito anos de existência do movimento em São Paulo. Dessa forma,
pode-se supor que, nesse período, o discurso amplo e pluralizado sobre a pauta
estava aparentemente interditado e restrito à versão oficial daquilo que
representavam as mobilizações, reiteradas vezes divulgadas pelos grandes veículos
de comunicação, quando não reduzida a atos de vandalismo, apenas como
protestos de pessoas descontentes com o alto preço da passagem, que ignoravam
anos sem reajuste e o valor que fora somente corrigido em relação à inflação. Nesse
contexto, talvez não resulte em posicionamento desmedido inferir que um debate
socialmente necessário, porque relativo a pautas diretamente relacionadas à
totalidade da população de uma cidade, tal como o preço da passagem do
transporte público e, generalizando o tema, o deslocamento ou o acesso das
pessoas à cidade, dificilmente encontraria espaço em um cenário onde não havia
disposição voluntaria ao diálogo, nem de parte das autoridades locais, nem mesmo
da imprensa. Assim, a capacidade de arregimentar milhares – ou milhões, pós
protestos dos transportes – de manifestantes nas ruas foi, aparentemente, requisito
obrigatório para constranger agentes públicos ao diálogo com a sociedade. Nesse
contexto, as redes de comunicação digitais foram ferramentas fundamentais para
realizar uma espécie de “drible” nas vias consolidadas de disseminação de
informações, de organização de ações coordenadas e de gestão de debates de
interesse público. Valendo-se dessas ferramentas, os cidadãos do ainda jovem
século, ao que tudo indica, estabeleceram uma forma de comunicação alternativa e,
de certa forma, paralela aos modos convencionais de troca de informações, com
alcance suficiente para mobilizar parte significativa da população da cidade de São
Paulo – e enquanto comunicadores glocalizados, de diferentes partes do mundo.
Assim, em contraposição à aparente normalidade social harmônica
oficialmente propagada, a comunicação imediata entre cidadãos, supostamente
expõe o caráter dinâmico e divergente da convivência humana, e atribui poder aos
cidadãos comuns para reivindicar a participação efetiva na condução dos processos
concernentes à vida pública, contestando uma provável hegemonia coercitiva das
esferas estatal e econômica, exercida sobre as relações sociais, cuja colonização
manteria o mundo da vida sob controle, em todas as dimensões – das relações
94
domésticas às comunitárias. Não obstante, a forma desse modo de organização
alternativo às relações institucionais, provavelmente indicaria a aposta numa outra
lógica de convivência, sustentada, haja visto sua própria natureza liberal, por
relações horizontais que exigem um movimento de reconhecimento das
argumentações alheias, anterior a sua verificação, à semelhança do ocorre no
âmbito da ação comunicativa. No entanto, para além da lógica analógica dual do
convívio, a relação rizomática estabelecida entre seres digitais comunicantes revela
um movimento contínuo de agremiação e dissolução de pessoas em movimentos
coletivos, pautados mais num imaginário ou expressão simbólica que num discurso
logicamente estruturado e cartesianamente comprovado. Ante esse cenário, resta
saber, talvez, até que ponto os espaços virtuais e a comunicação em redes
manterão essa fluidez e a liberdade necessárias à manutenção da convivência
participativa e se,nesses moldes, conseguirão levar adiante a forma democrática de
convivência ou o processo radical de reestabelecimento da democracia,
possivelmente assentados pelos tempos vindouros sobre a disposição para a
coletividade, a despeito da burocratização e do controle da participação social. Se
conduzidas de encontro a essas características, as transformações atuais
presumivelmente se colocariam na esteira de uma suposta retomada do projeto do
esclarecimento, pautado, contudo, não mais por uma razão funcionalista ou uma
racionalidade comunicativa, senão pela comunicação descentralizada, estabelecida
pelas redes híbridas e operando de acordo com parâmetros de relacionamento e
convivência balizadores da cultura digital.
95
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