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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Gerson da Silva Mercês
A confissão sacramental na Igreja Católica e o aconselhamento psicológico
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2012
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Gerson da Silva Mercês
A confissão sacramental na Igreja Católica e o aconselhamento psicológico
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clinica, sob a orientação da Professora Doutora Marília Ancona Lopez.
SÃO PAULO
2012
MERCÊS, Gerson da Silva.
A confissão sacramental na Igreja Católica e o aconselhamento psicológico; Gerson da Silva Mercês, orientação Marília Ancona Lopez. São Paulo, 2012.
90 fls.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica
“Sacramental confession in the Catholic and psychological
counseling”
1. Confissão sacramental, 2. Teologia católica, 3. Aconselhamento psicológico, 4. Aconselhamento espiritual.
I. LOPEZ, Marília Ancona, orient.
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Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, meu Pai, a Quem entreguei toda a minha
vida e meu ministério sacerdotal.
À Província dos Capuchinhos de São Paulo, especialmente a Frei Sermo
Dorizotto, quem sempre me incentivou a estudar, e a Frei Airton, atual Ministro
Provincial.
Um agradecimento especial à Profa. Dra. Marília Ancona Lopez, pela maneira
carinhosa com que me acolheu para o Curso de Mestrado e pelas orientações
recebidas durante a elaboração desta dissertação.
À PUC-SP, ao programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica,
especialmente aos professores Ida Kublikowski, Marlise Aparecida Bassani, Elisa
Maria de Ulhoa Cintra, Gilberto Safra e Rosa Maria Stefanini de Macedo pelo
privilégio de conhecê-los e frequentar suas aulas, nas quais pude adquirir muitos
conhecimentos. A todos meu eterno agradecimento.
A meus confrades Frei Juca, Frei Anderson, Padre Demetrius, Frei Nilton, Frei
Sérgio e Frei Armando pelo carinho fraterno, apoio e incentivo com que sempre me
presentearam.
Ao Santuário Nossa Senhora de Fátima e São Roque e à Paróquia São
Francisco de Assis por toda paciência e compreensão durante todo tempo de
estudo.
À Heloisa Angeli, Luiz Forti, Samuel, Letícia Torres, Maria Auxiliadora,
Teresinha e Luciana pelo apoio e a valiosa colaboração nos momentos mais difíceis.
A meus pais e meus irmãos que sempre me deram força e me incentivaram,
principalmente minha irmã Telma Mercês que foi a maior incentivadora.
Aos colegas do Curso de Pós-graduação em Psicologia Clínica, que
peregrinaram comigo em busca do conhecimento: Telma, Renata, Padre Anselmo,
Ivone, Patrícia, Rubia, Pastor Merlington, Pastor Felipe, Beatriz, Marília, Padre João,
Simone, Aline, Marta, Tereza, Padre Vanildo, Carine, Rafaela, Lénia, Guilherme,
Diogo e Eliane.
E à todas as pessoas que direta ou indiretamente participaram deste
momento muito importante de minha vida, meus sinceros agradecimentos. Estarei
sempre em comunhão mediante minhas orações.
5
“A confissão sacramental na Igreja Católica e o aconselhamento psicológico”
RESUMO
O objetivo desta dissertação foi refletir sobre o aconselhamento espiritual e a
confissão sacramental na perspectiva do aconselhamento psicológico desenvolvido
na abordagem centrada na pessoa. Para atingir essa meta apresentei a história da
confissão desde seu surgimento, sua evolução histórica e sua relação com o
aconselhamento espiritual. Num segundo momento, abordei a confissão sacramental
à luz da teologia católica, salientando as atitudes básicas que o confessor deve
adotar. Em seguida, busquei compreender o aconselhamento espiritual e a
confissão como relações de ajuda que se aproximam à relação entre conselheiro e
cliente, proposta pela abordagem centrada na pessoa para o aconselhamento
psicológico. Na conclusão, apresento os ganhos que os conhecimentos
desenvolvidos na área do aconselhamento psicológico podem trazer para o trabalho
do conselheiro espiritual e do confessor.
Palavras chave: Confissão sacramental; Teologia católica; Aconselhamento
psicológico; Aconselhamento espiritual.
6
“Sacramental confession in the Catholic church and psychological counseling”
ABSTRACT
The objective of this dissertation was to reflect on spiritual counseling and
sacramental confession in the perspective of psychological counseling developed in
the person-centered approach. To achieve this goal presented the history of
confession since its inception, its historical evolution and its relationship with spiritual
counseling. Secondly, presented the sacramental confession to the light of catholic
theology, emphasizing the basic attitudes that the confessor should adopt. Then, I
tried to understand the spiritual counseling and confession as aid relationship that
approximate the relationship between counselor and client proposal by the person-
centered approach for psychological counseling. In conclusion, I present the gains
that the knowledge developed in the area of counseling can bring to the work of
spiritual counselor and confessor.
Key Words: Sacramental confession; Catholic theology; Psychological Counseling;
Spiritual Counseling.
7
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1 – A CONFISSÃO SACRAMENTAL NA IGREJA
CATÓLICA NAS IDADES ANTIGA E MEDIEVAL E APÓS O CONCÍLIO
VATICANO II ............................................................................................................. 19
1.1 O sacramento da confissão para a Igreja Católica .............................................. 22
1.2 A confissão nos dois primeiros séculos do cristianismo ..................................... 24
1.3 A confissão do século III ao século V ................................................................. 25
1.4 O Edito de Milão ................................................................................................. 27
1.5 O retorno da prática penitencial ......................................................................... 29
1.6 A reforma carolíngia da penitência ..................................................................... 30
1.7 A práxis penitencial entre os séculos XI e XIII .................................................... 31
1.8 Confissão e penitência do IV Concílio de Latrão ao Concílio de Trento ............. 33
1.9 A confissão do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano II ................................. 35
1.10 A confissão após o Concílio Vaticano II ........................................................... 36
1.11 A dimensão da cura espiritual pela confissão .................................................. 40
CAPÍTULO 2 – A TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA CONFISSÃO ..................... 41
2.1 O sacramento da confissão ................................................................................ 41
2.2 O perdão na teologia católica ............................................................................. 46
2.3 Exame de consciência e contrição ..................................................................... 47
2.4 Confissão ........................................................................................................... 48
2.5 A satisfação ........................................................................................................ 50
2.6 Absolvição .......................................................................................................... 52
2.7 Quatro atitudes fundamentais do confessor ....................................................... 54
2.8 A atitude de pastor ............................................................................................. 54
2.9 A atitude de médico ............................................................................................ 55
2.10 A atitude de teólogo ......................................................................................... 55
2.11 A atitude de advogado e juiz ............................................................................ 56
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CAPÍTULO 3 – O ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E O
ACONSELHAMENTO ESPIRITUAL ........................................................................ 57
3.1 Aconselhamento psicológico .............................................................................. 57
3.1.1 Relação entre o conselheiro e o aconselhado ................................................. 58
3.1.2 Crescimento psicológico no aconselhamento ................................................. 60
3.2 Aconselhamento espiritual ................................................................................. 63
3.2.1 O surgimento do aconselhamento espiritual ................................................... 64
3.2.2 Aconselhamento espiritual no Evangelho........................................................ 64
3.2.3 O conselheiro espiritual ................................................................................... 66
3.2.4 Os quatro objetivos específicos do aconselhamento espiritual ....................... 68
3.2.5 O tempo e a duração do aconselhamento espiritual ....................................... 71
3.2.6 Atitudes essências no aconselhamento espiritual ........................................... 72
CAPÍTULO 4 – APROXIMAÇÃO DE CONHECIMENTOS DO
ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO PARA A PRÁTICA DA DIREÇÃO
ESPIRITUAL E DO ATENDIMENTO DA CONFISSÃO SACRAMENTAL ............... 74
4.1 Apropriação de alguns conceitos do aconselhamento psicológico ..................... 74
4.2 O ambiente facilitador do desenvolvimento humano .......................................... 76
4.3 A confiança no ser humano ................................................................................ 78
4.4 Aceitação positiva .............................................................................................. 79
4.5 A congruência .................................................................................................... 80
4.6 A empatia ........................................................................................................... 81
4.7 A escuta .............................................................................................................. 82
4.8 Especificidades do aconselhamento psicológico, da direção espiritual
e da confissão sacramental ....................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85
9
INTRODUÇÃO
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”
Fernando Pessoa
O que me motivou a dissertar sobre esse tema “A confissão sacramental na
Igreja Católica e o aconselhamento psicológico” foram as experiências que vivi na
Igreja Católica durante a adolescência, em minha cidade natal, Pé de Serra, no
interior da Bahia, e tantas outras experiências vividas ao longo de minha caminhada
eclesial, sobretudo em uma experiência missionária no Acre e, atualmente, como
sacerdote. Aos catorze anos comecei a participar dessa mesma Igreja por iniciativa
própria, pois meus pais nunca foram de frequentá-la assiduamente.
Eu morava num povoado, no qual conhecia todas as pessoas, inclusive seus
problemas e dificuldades. As pessoas sofriam muito em decorrência da grande
estiagem que todos os anos assolava aquela região árida e seca.
A única pessoa com quem eu conversava e partilhava minhas angústias e
dificuldades era minha mãe, embora com algumas restrições, porque ela era muito
reservada e tímida.
Eu sempre me perguntava: Por que as pessoas sofriam tanto? Não existia
naquele povoado, ou mesmo na cidade, uma pessoa de confiança ou um psicólogo
com quem as pessoas pudessem partilhar seus problemas. A única pessoa de
confiança era um padre, que raras vezes ia celebrar a missa e atender às
confissões.
Quando o padre sentava no confessionário, logo se formava uma longa fila de
pessoas para se confessar, e eu percebia que a maioria delas saía daquele local
com um semblante suave, leve, cheio de esperança, parecendo que tinham tirado
um grande peso de seus ombros.
Ele ouvia pacientemente os fiéis e lhes dava uma palavra de conforto e
ânimo. Geralmente as pessoas o procuravam para falar de seus problemas, não
porque acreditassem que estavam em pecado, e sim porque era a única pessoa em
quem confiavam e também porque acreditavam que jamais quebraria o sigilo
daquela conversa tão confidencial.
Aos catorze anos comecei a fazer o curso de preparação ao Crisma em
minha cidade, e me aproximei mais da Igreja Católica. Nunca tinha me confessado
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e, a cada dia que passava, ficava ansioso para que esse dia chegasse e eu pudesse
entender porque as pessoas saiam do confessionário mais tranquilas e serenas.
Finalmente, chegou o dia tão esperado. Nessa manhã, fui à cidade muito ansioso,
entrei na fila da confissão, enorme como sempre, e quando chegou minha vez, com
as mãos trêmulas e sem respirar direito, eu não sabia o que falar para aquele padre.
Ele pediu para eu ficar tranquilo e após um tempo contei-lhe minha história
longamente, pois eu era o último da fila. Falei de meus pecados, da identificação
que tinha com minha mãe, enfim contei-lhe toda minha história.
O padre ouviu-me atentamente e pediu que eu o procurasse no outro dia para
conversarmos com mais tranquilidade. Na manhã seguinte, lá estava eu
conversando com ele. Foi um dia muito feliz, pois partilhei tudo o que estava
guardado em mim. Senti muita confiança e ele ouviu-me pacientemente.
Quando terminei de lhe contar toda minha história em seus mínimos detalhes,
finalmente ele me disse que eu estava passando pela crise da adolescência, que
aquelas crises que eu vivia faziam parte dessa fase e que na medida em que eu
crescesse, amadureceria e lidaria melhor com a situação. Era tudo o que eu queria
ouvir. Saí dali muito mais tranquilo e pensando seriamente em todas as palavras e
conselhos que me dera. Parecia que tinha encontrado um grande amigo, dizia a mim
mesmo que suas orientações seriam seguidas ao pé da letra.
Ao chegar em casa, minha mãe percebeu que eu estava muito mais calmo e
me perguntou o que havia acontecido. Falei tudo o que tinha dito ao padre e lhe
disse que tinha achado alguém para falar de minha vida. Pela primeira vez partilhei
minha vida com outra pessoa e ouvi vários conselhos. Aquilo foi para mim uma lição,
um momento de amadurecimento e crescimento pessoal e espiritual.
No dia seguinte, ao alvorecer, fui para a roça trabalhar, pois precisava ir à
cidade às nove horas para fazer a Primeira Comunhão. Ao terminar a tarefa que
minha mãe tinha me dado no dia anterior, peguei minha bicicleta e me dirigi para a
cidade. Quando passava em frente à casa da minha tia, a bicicleta quebrou e eu
fiquei desesperado, pensando que perderia a hora. Enquanto consertava a bicicleta,
meu amigo Miguel perguntou se eu não gostaria de ser padre, pois eu estava muito
envolvido com a Igreja. Disse também que no seminário eu teria oportunidade de
estudar, algo que eu gostava muito de fazer, embora no momento eu não estivesse
estudando, pois tinha que trabalhar para ajudar minha família, já que meu pai estava
no Estado de São Paulo cortando cana para nos ajudar a sobreviver.
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Quando finalmente cheguei à cidade, vi que todos os meus colegas estavam
com um traje especial para a ocasião e eu não. Senti uma tristeza muito grande,
mas, ao mesmo tempo, sentia-me feliz porque estava realizando meu sonho de fazer
a Primeira Comunhão. Fiquei tranquilo, pois embora as pessoas olhassem para mim
com estranheza, o padre sabia de minhas dificuldades e não se importava por eu
não me apresentar igual aos outros. Quando terminou a missa todos foram tirar fotos
para registrar aquele momento tão importante, eu peguei a minha bicicleta e voltei
para casa com o sentimento de missão cumprida. Ao retornar ao trabalho, comecei a
pensar na pergunta que meu colega havia feito anteriormente, se eu queria ser
padre e ir para o seminário estudar. Meu sonho era mesmo voltar a estudar.
Nessa época eu tinha concluído o antigo primário com muito sacrifício porque
para chegar até o local das aulas, enfrentava um sol escaldante. Não raras vezes
tinha que sair correndo porque apareciam cobras que devoravam os inúmeros ratos
que andavam por lá. Tínhamos aula debaixo de uma árvore. Era muito sacrificado
estudar, mas, mesmo assim, eu tinha conseguido concluir a quarta série do primário
e orgulhava-me disso. Conversei com minha mãe sobre o desejo de ir para o
seminário, ela disse que apoiaria minha decisão e que eu teria que aproveitar a
ausência de meu pai para que ele não me impedisse.
Na semana seguinte, fui à cidade e perguntei ao padre se ele me aceitaria no
seminário. Ele respondeu que eu aguardasse e que me chamaria quando houvesse
vaga. Fiquei muito ansioso esperando seu chamado, mas, ao mesmo tempo, sofria
por ter de deixar minha mãe e meus dois irmãos mais novos, que dependiam de mim
para viver. Minha mãe, embora triste por minha saída de casa, incentivava-me a
seguir meus objetivos. Ela dizia sempre que não podia me oferecer um futuro melhor
e que meu coração era minha razão. Essa fala de minha mãe me deixava tranquilo e
esperançoso. No vigésimo quinto dia de espera, minha avó veio até minha casa com
um recado do padre dizendo que eu deveria me apresentar no seminário. No dia
seguinte, senti alegria e tristeza ao mesmo tempo. Sabia que estava dando um
grande passo em minha vida, mas estava deixando minha família pela primeira vez.
Rapidamente arrumei minhas roupas e fui para a cidade conversar com o padre.
Não sabia o que me aguardava, porém tinha esperança de poder estudar e realizar
minha vocação.
Ao chegar ao seminário, esse padre deu-me três funções: cuidar da mãe dele
que estava doente, trabalhar na secretaria paroquial e auxiliar o sacristão. A
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princípio estranhei o trabalho, mas logo fui me familiarizando. Tanto na secretaria
paroquial quanto na sacristia, eu via o quanto as pessoas procuravam o padre para
se confessar. Todos os finais de semana formavam-se longas filas no
confessionário.
Após seis meses no seminário, comecei a estudar. Seis meses depois, no
entanto, tive que sair do seminário por não aguentar cuidar de uma senhora idosa e
doente, ser sacristão, trabalhar na secretaria paroquial e ao mesmo tempo estudar.
Tranquei a matrícula e voltei para casa com um sentimento de frustração muito
grande. Ao chegar em casa encontrei meu pai que ficou contente por me ver de
volta, pois ele dizia que não era essa a vontade dele para minha vida; desejava que
eu fosse advogado.
Minha mãe ficou muito triste intuindo a minha frustração. Fiquei seis meses
sem estudar e somente no ano seguinte retomei aos estudos. Todos os dias
caminhava, juntamente com minha irmã, nove quilômetros à noite para ir à escola.
Enfrentávamos muitas dificuldades, pois meu pai não queria que nós estudássemos,
dizia que uma vez que os outros irmãos não puderam estudar, nós também não
poderíamos. Foi uma época muito difícil, na qual eu enfrentei a reação de meu pai e
o percurso longo e perigoso que tinha que percorrer todas as noites. Chegávamos
em casa a uma hora da manhã e às cinco horas levantávamos para trabalhar na
roça cuidando dos animais. No entanto, enfrentei tranquilamente tudo isso e não
desisti. Considerei todo esse sacrifício como uma aventura.
Com o que aprendi no seminário fundei uma comunidade no povoado onde
morava, e me tornei uma espécie de líder. Fui presidente de associação,
conselheiro, professor e com isso tive que amadurecer muito jovem, devido ainda à
responsabilidade para com minha família na ausência de meu pai, que todos os
anos passava oito meses em São Paulo cortando cana. Embora estudando, não
saía de minha cabeça a ideia de voltar para o seminário.
Tinha decidido ferrenhamente que seria padre. Quando conclui a oitava série
fui à cidade de Salvador e conheci os frades capuchinhos. Fiquei encantado ao vê-
los de hábito marrom e barbas enormes. Então, decidi ser capuchinho. Apresentei-
me no seminário e deixei meu endereço. Certo dia, recebi uma carta convidando-me
para participar de um encontro de discernimento vocacional. Logo confirmei minha
presença. Durante o encontro, percebi o quanto as pessoas procuravam os
capuchinhos para se confessar. Vários frades atendiam durante o dia todo. Aquilo
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me chamou muito a atenção. Para minha surpresa, quem assessorou o encontro foi
uma psicóloga. Eu nunca tinha conhecido uma psicóloga, e sempre ouvia falar que
psicólogo cuidava de loucos.
A princípio fiquei muito assustado, mas logo fui me familiarizando com os
colegas e até com a psicóloga. No último dia, ela conversou individualmente com
todos os participantes e quando chegou minha vez, mesmo estando assustado
contei-lhe toda minha história e apresentei os motivos pelos quais desejava entrar no
seminário. Ela ouviu atentamente e disse que parecia que eu estava querendo entrar
no seminário para estudar e depois abandoná-lo e que, na realidade, eu queria me
aproveitar do seminário.
Fiquei muito chateado com essa fala e tentei argumentar, mas não a
convenci. Sai daquela sala sentindo-me um lixo, muito frustrado. Não queria mais
conversar com ninguém e comecei a me perguntar por que ela tinha chegado a essa
conclusão a meu respeito. Eu jamais pensaria aquilo, pois não era essa minha
intenção. Quando chegou a vez de falar com o frei responsável pelos aspirantes ao
seminário, contei minha história e disse o que a psicóloga havia dito. Ele ficou
comovido com minha história e surpreso com a avaliação da psicóloga. Voltei
daquele encontro para casa muito triste.
Seis meses mais tarde, fui convidado para participar do segundo encontro
vocacional. Nele, o frei com quem havia conversado anteriormente, disse que
embora percebesse sinal de vocação em mim, não poderia me aceitar no seminário
porque eu tinha apenas a oitava série do antigo ginásio e eles só aceitavam jovens
que tinham terminado o antigo colegial e, de preferência, com nível superior. Mais
uma vez, a porta se fechou para mim.
No final daquele ano, meu irmão, que já estava em São Paulo trabalhando,
voltou para visitar a família e convidou-me para vir para cá com ele. Como em minha
cidade não havia Ensino Médio e eu não tinha condição financeira para estudar em
outra cidade, resolvi vir com ele para São Paulo, para trabalhar e estudar. Tomei um
ônibus e, durante a viagem eu sentia que estava dando um grande passo na vida e
que teria muitos desafios a enfrentar. Também prometia a mim mesmo que não
desistiria de meu sonho de ser religioso capuchinho.
Quando o ônibus chegou em São Paulo fiquei surpreso ao ver tantas pessoas
que desembarcavam naquela Rodoviária do Tietê, trazendo em suas bagagens o
sonho de uma vida melhor sem ter noção, muitas vezes, dos desafios a serem
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enfrentados. Ao chegar à casa da minha irmã fui muito bem acolhido. Ela me
perguntou o porquê eu de não ter entrado no seminário. Não tive palavras para
responder, estava surpreso e perplexo com tudo o que eu estava vendo em São
Paulo: a chuva torrencial, casas submersas nos alagamentos, grandes
congestionamentos, prédios tão altos que pareciam desaparecer nas nuvens, os
aviões que cruzavam aquelas nuvens parecendo pássaros, as grandes indústrias
com suas chaminés levando ao ar tanta fumaça e o número de pessoas que
transitavam pelas ruas. Tudo aquilo era novidade para mim e passava na minha
cabeça como se fosse um filme. No dia seguinte, saí sozinho à procura de trabalho e
logo o encontrei em uma construção civil.
Nesse mesmo dia, na construção, eu e mais cinco colegas caímos de um
andaime de cinco metros de altura. Eu não me machuquei, mas, um dos colegas
faleceu naquele momento, e três foram levados ao hospital em estado grave. Eu
tomei como um milagre o que aconteceu comigo. Acreditei que, pelo fato de querer
ser padre para ajudar as pessoas, Deus me livrou da morte naquele acidente.
Eu morava com meu irmão e dois colegas de trabalho em um quarto
pequeno, trabalhava de dia e cursava o Curso Colegial, no supletivo, à noite. Tinha o
desejo de terminá-lo, voltar para a Bahia e entrar no seminário. Comecei a
frequentar a igreja do bairro onde morava e fiz amizade com algumas pessoas. Logo
fui me envolvendo nos trabalhos pastorais da igreja. Embora fosse muito bem
recebido naquele local, sofria por tudo ser diferente de minha cidade.
Certo dia, fui ao escritório da empresa em que trabalhava e ao passar em
frente a uma igreja, entrei para fazer uma oração. Logo percebi que aquela igreja era
dos capuchinhos pela fila de pessoas que procuravam o confessionário, pois é uma
tradição desses frades passarem longas horas no confessionário aconselhando aos
seus fiéis.
Procurei um frade capuchinho e contei-lhe minha história. Pensei que nunca
seria aceito pelos capuchinhos de São Paulo, pois considerava que, se na Bahia era
difícil ingressar, em São Paulo eles seriam ainda mais exigentes. Deixei meu
endereço com o frade, sem muitas esperanças de ser chamado. Para minha
surpresa, duas semanas depois fui convidado para o encontro vocacional e tanto na
entrevista com a psicóloga, quanto com o animador vocacional contei novamente
minha história e demonstrei o desejo de me tornar um religioso capuchinho. Para
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minha surpresa, passei na avaliação e fui aceito no seminário. Percorri todas as
etapas de estudos com muita persistência, força de vontade e perseverança.
Quando terminei o terceiro ano de Teologia, fui convidado por meu superior
para uma experiência missionária na cidade de Plácido de Castro, no Estado do
Acre. Lá amadureci muito e, sobretudo, aprendi a lidar com a complexidade do ser
humano. Éramos quatro colegas frades e, na divisão de nossas funções, coube a
mim cuidar dos povos ribeirinhos que moravam às margens do Rio Abunã, que
divide o Brasil e a Bolívia. Para visitar essas comunidades ribeirinhas viajava dezoito
horas de barco ou dez horas a pé dentro da floresta. Era uma verdadeira aventura.
Eu tinha a ajuda do exército de fronteira, que dirigia o barco para nos levar até às
comunidades mais distantes.
A primeira viagem foi muito interessante e alguns fatos me chamaram a
atenção. Eu, o motorista do barco e mais três soldados do exército saímos da cidade
de Plácido de Castro às seis horas da manhã de terça-feira, em direção à
comunidade mais distante da Bolívia. Após andarmos sete horas em território
boliviano, sem encontrar uma pessoa, a hélice do barco quebrou e para nossa sorte
vimos uma fumaça saindo da floresta. Fomos em direção a ela e encontramos uma
cabana na qual morava um senhor que dizia residir ali desde 1943. Ele havia saído
do Rio de Janeiro com medo da Segunda Guerra Mundial, e ali trabalhou como
seringueiro no auge do ciclo da borracha.
Quando me apresentei e disse que era religioso capuchinho ele começou a
chorar sem parar. Eu fiquei muito assustado porque ele não tinha alguns dos dedos
dos pés e das mãos. O soldado me disse que era hanseníase. Ele tinha noventa e
seis anos e disse que Deus tinha me mandado à sua casa porque ele estava
chegando ao final da vida e não queria morrer sem se confessar, de preferência com
um capuchinho, porque quando morava no Rio sempre se confessava com os
capuchinhos, com os quais tinha muita afinidade.
Fiquei muito preocupado porque eu ainda não era sacerdote e só o ministro
ordenado pode ouvir confissão, mas me lembrei que numa situação desse tipo o
leigo pode ouvir a confissão e apresentá-la num momento oportuno a um sacerdote.
Coloquei-me à disposição desse senhor para ouvi-lo. Não tínhamos almoçado e o
mau cheiro exalava de suas feridas. Comecei a me perguntar o que fazer naquela
situação. Não podia seguir viagem e nem voltar, tinha de permanecer ali e esperar
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os colegas chegarem. Nesse compasso de espera, esse senhor contou-me toda sua
história de sofrimento e aventura naquela floresta.
Quando anoiteceu armamos nossas redes e fomos dormir. Esse ancião
sentou-se a meu lado e passou a me pedir conselhos. Logo me perguntei o que
aconselhar a um homem com noventa e seis anos e com sua experiência de vida.
Enquanto ele me falava, ora chorava, ora ria, ora se calava e sempre demonstrava
sua alegria por poder ter se confessado. Quase à meia-noite disse-me com voz
trêmula as palavras que o velho Simeão disse no templo quando tomou Jesus em
seus braços: “Agora posso ir em paz porque meus olhos viram a salvação”.1 Fiquei
com medo que ele morresse na rede e perguntei se estava bem. Ele disse que sim,
que aquele dia foi o mais feliz de sua vida porque encontrou alguém para partilhar,
ouvir, escutar, acolher e entender suas dificuldades e fazê-lo retomar sua amizade
com Deus. Disse-me ainda que estava “saboreando” aquela paz interior.
O dia começou a amanhecer e os soldados voltaram da cidade com a nova
hélice. Consertamos o barco e me despedi desse idoso que me pediu uma bênção.
Prosseguimos a viagem e depois de dois dias, chegamos à comunidade: um
povoado e uma capela na qual realizamos a celebração litúrgica e os batizados.
Retornei à cidade e comecei um trabalho de aconselhamento pastoral, pois tive a
percepção da necessidade de partilha entre as pessoas. Elas não tinham o costume
de conversar sobre suas angústias com um religioso, era o momento de mudar essa
situação. Esse trabalho tomou uma grande proporção, formavam-se filas de pessoas
para partilharem suas experiências de vidas tão sofridas.
Ao longo de minha caminhada religiosa, especialmente em minha própria
terra natal, conheci as histórias sofridas de muitas pessoas, sobretudo de mulheres
maltratadas por seus maridos, de crianças abusadas por seus pais, de jovens sem
perspectivas de vida, e percebi que só o fato de conversarem com um padre já era o
bastante para se sentirem bem.
Eu percebia que buscavam uma forma para desabafar sobre seus problemas
e pedir conselhos. Sempre observava também como as pessoas saíam tranquilas e
serenas do confessionário. Assim, descobri que a melhor maneira de atender a
tantas situações de miséria era ouvir e acolher a pessoa como ela é, ajudá-la a
1 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 2, vers. 20-21.
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entender suas dificuldades, seus limites, e aquilo que teria feito de ruim para si e
para os outros.
Quis ser um escutador e ajudador na direção espiritual e no aconselhamento
pastoral. Procurava estabelecer um vínculo de confiança, em que o protagonista era
o próprio indivíduo necessitado, pois minha melhor atitude era escutar e respeitar a
pessoa que escancarava sua vida para mim.
No decorrer do trabalho pastoral, procurei direcionar os casos mais
específicos em matéria de pecado para os sacerdotes, que poderiam absolvê-los. As
pessoas, percebendo nossa disposição de ouvir seus problemas e pecados,
começaram a nos procurar cada vez mais. Atendíamos desde pessoas simples às
mais ilustres da cidade, éramos reconhecidos pelas autoridades da cidade que nos
agradeciam por ajudar as pessoas.
Nessa trajetória, percebia, cada vez mais, que os conhecimentos de Teologia
que havia adquirido, não respondiam a todas as inquietudes humanas. A partir daí
decidi estudar também Psicologia, buscando luz para esse trabalho.
Ao pensar nos vários modos de aproximação do sacerdote com seu povo,
percebi que o melhor lugar para que a relação se estreite é o confessionário. Ele é
um lugar de encontro, de contato consigo mesmo, de partilha, de desabafo e de
empatia. Meu professor de Psicologia Pastoral, no Curso de Teologia, afirmava que
o confessionário era um lugar privilegiado de acolhida, compreensão e perdão, e
dizia que o confessionário era um lugar terapêutico e que todos os sacerdotes
deveriam se aperfeiçoar nos conhecimentos de Psicologia, porque no confessionário
apareceriam inúmeras situações nas quais esses conhecimentos poderiam ser úteis.
Dizia também, que grande parte das pessoas que procuravam a confissão o fazia
por não poder procurar um psicólogo.
Para compreender melhor essa relação entre a confissão, o aconselhamento
espiritual e o aconselhamento psicológico propus-me a desenvolver esta
dissertação, refletindo sobre essas três ações, tendo por eixo minha própria prática.
Assim, em um primeiro momento, apresento a história da confissão
mostrando sua evolução e a relação com o aconselhamento espiritual. Em seguida,
apresento a confissão do ponto de vista da Teologia e as atitudes básicas do
confessor. No capítulo seguinte, discorro sobre o aconselhamento psicológico e o
aconselhamento espiritual para, no capítulo final, refletir sobre as possíveis
contribuições do aconselhamento psicológico para a prática do aconselhamento
18
espiritual. Embora a reflexão se desenvolva centrada em minha prática, ela
possibilita mostrar os ganhos que os conhecimentos de Psicologia, notadamente do
aconselhamento psicológico, podem trazer para o trabalho do confessor e do
conselheiro espiritual.
19
CAPÍTULO 1 – A CONFISSÃO SACRAMENTAL NA IGREJA CATÓLICA NAS
IDADES ANTIGA E MEDIEVAL E APÓS O CONCÍLIO VATICANO II
“Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados” (Tg 5, 16-17).
A vinda de Jesus Cristo ao mundo e sua ação libertadora são significadas de
modo abrangente pelo perdão dos pecados. As palavras de Jesus aos que foram
curados “vai e não peques mais”, “os teus pecados estão perdoados”, no conjunto
de suas práticas e de suas atitudes de reconciliar pessoas e situações, criaram
condições para que as primitivas comunidades cristãs se inspirassem para
prosseguir anunciando a boa nova como perdão oferecido gratuitamente por Deus.
Ser cristão significa aderir com fé ao projeto salvífico de Jesus que morreu pelos
pecados do mundo. Assim, foram surgindo na comunidade cristã os vários sinais e
gestos significativos do perdão que com o tempo passaram a ser denominados em
síntese em sacramento da reconciliação, da penitência ou mais popularmente da
Confissão Sacramental. “Pelo sacramento da penitência, o Pai acolhe o seu filho
que regressa; Cristo coloca sobre os seus ombros a ovelha perdida, conduzindo-a
ao redil; e o Espírito Santo santifica de novo seu templo ou passa a habitá-lo mais
plenamente”.2
Antes de Jesus iniciar sua vida pública e começar seu ministério, apareceu
um homem extremamente rigoroso consigo mesmo e com os outros, chamado João
Batista. Ele convidava todos à conversão e à “metanóia”, ou seja, uma mudança na
direção de vida, de atitude e de comportamento, a uma transformação do coração:
confessar os pecados para receber o perdão de Deus, não por uma absolvição, mas
pelo batismo que significava uma vida nova.
Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: “Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo”. Os moradores de Jerusalém, de toda a Judéia, e de todos os lugares em volta do Rio Jordão, iam ao encontro de João. Confessavam os próprios pecados, e João os batizava no Rio Jordão.3
2 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 16. 3 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 3, vers. 1-2.
20
Jesus, ao se encontrar com aquele que profetizava Sua vinda, recebe o
batismo não porque ele precisasse de perdão dos pecados, uma vez que não os
tinha, mas para que cheio da força e do Espírito de Deus pudesse iniciar sua vida
pública no cumprimento da vocação que o Pai lhe dera, conforme relata o
evangelho de Lucas.
Jesus foi à cidade de Nazaré, onde se havia criado. Conforme seu costume, no sábado entrou na sinagoga, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor”. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então Jesus começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir”.4
Após a leitura desse texto do livro do profeta Isaías, Jesus, usando as
palavras de seu precursor, convida o povo à conversão e anuncia a chegada do
Reino de Deus. Em seus ensinamentos, Jesus mostrava uma atitude de
misericórdia para com os pecadores que iam a seu encontro pedindo perdão e, às
vezes, mostrava-se severo, exigente, quase impiedoso com os de coração
petrificado e empedernido: “Se a tua mão ou teu pé são para ti ocasião de pecado,
corta-os e atira-os para longe de ti” (Mt 18,8).5 Ao mesmo tempo em que tinha uma
atitude de misericórdia para com os pecadores arrependidos, para com os fariseus
apresentava dureza e rejeição, a ponto de excluir a possibilidade de conversão e
de perdão, chamando-os de “serpentes e raça de víboras”. Para com os
pecadores que reconheciam sua fraqueza ou que simplesmente ouviam a palavra
de Deus, Jesus se mostrava cheio de ternura, compaixão e misericórdia. Jesus
convida Mateus para ser seu apóstolo e vai almoçar em sua casa. Mateus era tido
como grande pecador e, por ser cobrador de impostos, era detestado e
considerado impuro pela sociedade.6 Ao curar um paralítico, Jesus diz: “os teus
4 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 4, vers. 15-21. 5 ROUILLARD, Philippe. História da penitência das origens aos nossos dias, p.11. 6 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 9, vers. 9-10.
21
pecados estão perdoados”.7 Durante uma refeição na casa de Simão, o fariseu,
Jesus perdoa a mulher conhecida como pecadora que lhe mostrou carinho, afeto e
hospitalidade.8 Jesus, ao se encontrar com Zaqueu, que era cobrador de impostos
e considerado pecador, convidou-o a descer da árvore e foi até sua casa
demonstrando perdão e acolhimento.9 Em certa ocasião, disse a Pedro que se
deve perdoar até setenta vezes sete.10
Jesus perdoou Pedro após ter sido negado três vezes por ele, e até o último
instante, Jesus concede o perdão e a chave do paraíso ao malfeitor transformando
em “bom ladrão”, o qual acabava de professar sua fé e sua confiança no momento
final da sua vida pregado naquela cruz.11
A preocupação de Jesus era procurar quem estava perdido, devolver a
dignidade às pessoas para que vivessem na fé e no amor. Jesus não deixou de
cuidar do ser humano cativo pelo pecado, humilhado, caído, fragilizado e excluído
dizendo-lhe: “os teus pecados estão perdoados”. Jesus vai buscar as ovelhas
desgarradas trazendo-as em seus ombros como um pastor cuidadoso e as coloca
no aprisco para que elas possam se integrar ao rebanho.
Para o cristianismo, o ser humano reconhece e se declara pecador, ou seja,
os erros que comete não são simples falhas, mas sim pecados, rupturas
conscientes com Deus, com o próximo e consigo mesmo, porém, os pecados
podem ser perdoados por meio do arrependimento e da confissão. “À pessoa que
demonstra arrependimento e conversão, Deus concede o perdão mediante o sinal
da absolvição, e assim se realiza o sacramento da penitência”.12
7 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 5, vers. 18-20. 8 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 7, vers. 45-48. 9 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 19, vers. 1-10. 10 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 18, vers. 22-23. 11 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 23, vers. 39-43. 12 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 16.
22
1.1 O sacramento da confissão para a Igreja Católica
A confissão é um sacramento da Igreja Católica, em que a pessoa
reconhece seu erro, após um exame de consciência e arrependimento, perante um
sacerdote, que age na pessoa de Cristo e absolve-lhe os pecados por ser ministro
da reconciliação. “O sacerdote representa Deus e anuncia a absolvição do pecado
à pessoa arrependida. Como mediador entre Deus e a pessoa, ele transmite um
forte sentimento de segurança: de certa forma o próprio Deus está pessoalmente
presente na confissão”.13
Na bíblia, Jesus deu autoridade e poder aos doze apóstolos para perdoar os
pecados.
Jesus disse de novo para eles: “A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.” Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: “Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados”.14
Jesus transmite seu poder de perdoar pecados para os apóstolos que, por
sua vez, o transmitem para a Igreja. “A missão confiada por Cristo aos apóstolos é
o anúncio do reino de Deus e a pregação do Evangelho tendo em vista a
conversão”.15 Seguindo a bondade e misericórdia infinita de Deus, a Igreja, desde
sua origem, é impelida a levar a seus fiéis o sinal do perdão de Deus por meio do
sacramento da confissão.
Na Igreja primitiva havia duas formas ou atitudes distintas de agir diante do
pecado: a preventiva e a curativa.
13 RUTHE, Reinhold. Aconselhamento – como se faz? p. 34. 14 BÍBLIA, N. T. João. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 20, vers. 21-23. 15 JOÃO PAULO II. Carta apostólica Misericórdia Dei sobre alguns aspectos da celebração da penitência, p. 1.
23
Forma preventiva: a comunidade ressentia uma forte obrigação de assegurar sua impecabilidade, que convinha não só a seus chefes (2 Cor 11, 28), mas a todos os membros, evitando ocasiões de pecado (1 Cor 8, 11s), aconselhando e exortando (1Tim 5, 11. 14; Judas 22), rezando uns pelos outros (Tiago 5, 16; 1 Jo 5, 16s). Forma curativa: a comunidade sentia-se obrigada a expulsar de seu meio o pecador endurecido, pela consciência que tinha a santidade da Igreja; com isto evitava a contaminação dos demais membros, e buscava a correção do pecador, fazendo-o cair na conta de seu estado de pecador.16
Nessa linha de pensamento com relação ao pecador, a Igreja procurava agir
com misericórdia, tentando evitar que o pecador cometesse falhas. Mas quando
esse mesmo pecador endurecia o coração, a Igreja sentia-se obrigada a expulsá-lo
da convivência dos demais fiéis, a fim de evitar que o pecado proliferasse na
comunidade.
A história da Igreja no que se refere à confissão apresenta muitas mudanças
ao longo do tempo, no que concerne às maneiras diversas de levar o pecador ao
arrependimento e à mudança de vida, absolvendo seus pecados e reintegrando-o na
comunidade. “No início do cristianismo, o batismo era a única forma de
reconciliação, com a qual se cancelavam os pecados cometidos antes da iniciação
cristã”.17
Não existia uma forma sistemática para a confissão. As pessoas não tinham
consciência do que era pecado, já que não havia uma moral sistematizada na Igreja
para orientar os fiéis em relação às faltas ou desobediências aos ensinamentos
cristãos, o que se pregava era que o cristão jamais podia pecar. Tinha que ter uma
vida santa, sem cometer nenhum pecado porque o perdão era tão inacessível.
Naquele período, o pensamento cristão era marcado pelo testemunho do
martírio, que consistia na fidelidade a Jesus e não admitia quedas ou fracassos. “Por
muito tempo, discutiu-se na Igreja se seria possível que alguém que no batismo
havia se decidido totalmente por Cristo, mas abjurado dessa decisão por ter
cometido um delito, poderia ser aceito novamente”.18 Seguir a Jesus implicava em
um compromisso radical e total, mesmo que custasse a própria vida. A confissão, tal
como o batismo, era ministrada apenas uma vez.
16 MIRANDA, Mário de França. Sacramento da Penitência. O perdão de Deus na comunidade eclesial, p. 15. 7 BERNARDINO, Angelo. Dicionário Patrístico de Antiguidades Cristã, p. 1133. 18 GRÜN, Anselm. Penitência celebração da reconciliação, p. 17.
24
1.2 A confissão nos dois primeiros séculos do cristianismo
No primeiro século do cristianismo, a confissão dos pecados era feita diante
da comunidade reunida. O fiel, em meio à assembléia, fazia sua confissão pública e
lhe pedia perdão. “Há grande probabilidade de que os pecados que exigiam
confissão fossem pecados chamados mortais, que separam a pessoa da
comunidade, corpo de Cristo, principalmente adultério, homicídio e idolatria”.19 As
pessoas que cometiam tais pecados tinham que se submeter a esse rito de
penitência público, perante o bispo, que as absolvia e lhes dava uma penitência,
impedindo esses fiéis de participar da celebração eucarística. Dependendo do
pecado, eles podiam ser expulsos.
Os fiéis que recebiam a penitência do bispo, após a confissão pública,
ficavam excluídos da comunidade por um longo período. Vestiam trajes especiais
que evocavam a penitência e, nas celebrações, tinham um lugar próprio na igreja.
Além disso, ficavam impedidos de desempenhar algumas funções públicas.
Terminada a penitência eram readmitidos pelo bispo. “Em seguida, viria a
reconciliação, geralmente ocorrida na Quinta-feira Santa, na qual o bispo impunha
as mãos sobre o penitente e declarava sua reincorporarão na comunidade e o
cancelamento dos pecados cometidos”.20
A penitência, desde essa época, exige o esforço constante do cristão para se
manter na santidade e na perfeição, para vencer as fragilidades e os fracassos da
vida.
A penitência implica esforço ou ascese, na conversão, na reconciliação e no perdão. Todos esses elementos pertencem à estrutura interna do ser cristão, já que não há verdadeira fé sem vontade de conversão, reconciliação e perdão, nem podem ser vividos estes aspectos se não há verdadeira fé.21
O Pastor de Hermas22 em Roma, por volta do ano 150, afirma em um tratado
sobre a penitência que “Para os cristãos que tiverem cometido uma falta grave
19 REGIDOR, José Ramos. Teologia dos Sacramentos da Penitência, p. 170. 20 TRIPIER, Pierre. A reconciliação, p. 92. 21 SAMANES, Cassiano Florestán; ACOSTA, Juan José Tamayo. Dicionário de Conceitos fundamentais do Cristianismo, p. 602. 22 O Pastor de Hermas é uma obra literária cristã do século II dC e considerada como parte do cânon bíblico por alguns dos padres da Igreja no período inicial do Cristianismo. Embora os primeiros
25
depois do batismo, Deus, em Sua misericórdia, concede uma segunda tábua de
salvação, um segundo batismo: a metanóia ou penitência, a qual, como o batismo,
pode ser usada só uma vez”.23 Para Hermas, o cristão após receber o batismo não
podia mais pecar, mas se pecasse existia uma segunda possibilidade de perdão.
“Porque o Senhor, que conhece os corações e que conhece tudo antecipadamente,
previu a fraqueza dos homens e a grande malícia do diabo, e previu que este
causaria o mal aos seus servos e se obstinaria contra eles”.24
Tertuliano, monge austero que viveu em Cartago no final do século II, dizia
que para os penitentes receberem o perdão dos pecados e a reconciliação era
necessário exomologese, termo grego que significa reconciliação. Afirmava ainda
que "o penitente tinha uma segunda chance e afirmava que Deus se apressou em
voltar à Sua misericórdia. Ele rasgou a sentença pronunciada em sua cólera anterior
e se comprometeu a perdoar à sua obra e à sua imagem”.25
1.3 A confissão do século III ao século V
Observando a história da Igreja, esses três séculos foram marcados por
perseguições aos cristãos. Os imperadores romanos, sobretudo Décio (201-252),
Valeriano (253-260) e Diocleciano (284-305), tentavam conter o avanço do
cristianismo e obrigavam os cristãos, sob pena de morte, a negarem sua fé em
Jesus e a cultuarem as divindades pagãs. Muitos cristãos não obedeciam aos
imperadores e eram martirizados, enquanto outros, para poupar suas vidas, seguiam
suas ordens. Mas queriam permanecer no cristianismo, mesmo cometendo
apostasia, coisa que era inadmissível para os cristãos, em consequência da teologia
do martírio que prevalecia naquele momento. Professar a fé em Jesus significava ser
firme até a morte. “Essas perseguições trouxeram como consequência uma séria de
apostasias, ou seja, o abandono da fé, a negação da mesma ao invés de
cristãos devotassem grande respeito ao Pastor, eles não o consideravam no mesmo nível que os textos chamados "divinos" e sim como uma obra apócrifa. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pastor_de_Hermas>. Acesso em: 20/06/2012. 23 Ibid., p. 24. 24 Ibid., p. 117. 25 Ibid., p. 118.
26
testemunhá-la. Diante de tal fato, fez-se necessário uma renovação da prática da
confissão”.26
Nesse período, prevalecia a teologia do martírio e não lhes era permitido
negar a fé cristã em hipótese alguma, mesmo que lhes custasse a própria vida.
Morrer por causa da fé era um ato de grande heroísmo. Muitos santos mártires
reverenciados pela Igreja Católica morreram nessas perseguições e esses deveriam
ser seguidos como exemplo.
Na perseguição de Décio, surgiu na Igreja uma discussão sobre o que deveria
ser feito com os cristãos que cometiam apostasia, pois havia duas maneiras de agir:
uma delas era impiedosa e irredutível conhecida como o novacionismo, fundada por
Novaciano, que pregava uma Igreja dos puros, não admitindo o perdão de cristãos
apóstatas e sua readmissão na Igreja Católica. Para Novaciano, os apóstatas
deveriam ser submetidos a um regime de penitência até a morte, sem que lhes fosse
assegurado o perdão da Igreja, nem mesmo nessa hora. Novaciano foi visto como
antipapa. Foi excomungado da Igreja pelo Papa Cornélio e pouco tempo depois foi
assassinado pelo imperador Valeriano.
Paralelamente ao novacionismo, surgiu outro movimento, fundado por
Montano, que se apresentava contrário à mundanização da Igreja. O montanismo
era rigoroso, exigia jejuns prolongados e negava o perdão de faltas graves mesmo
aos novos convertidos, após o batismo, com confissão e arrependimento.
No século III a Igreja era governada pelo Papa Cornélio. Ele era
misericordioso com os cristãos apóstatas dos quais cuidava e tratava com solicitude,
aplicando penitências brandas para que pudessem ser inseridos novamente na
comunidade cristã, ao contrário de Novaciano e Montano.
Para resolver o que fazer com os cristãos apóstatas, um concílio regional foi
convocado pelo bispo Cipriano em 251. Essa assembléia conciliar reuniu quarenta
bispos e elaborou uma orientação prática sobre como agir com os pecadores. “O
concílio decidiu que os cristãos que sacrificaram realmente aos deuses deviam
entrar em penitência e que seriam reconciliados só na hora da morte; os que tinham
recebido um certificado de sacrifício, sem terem sacrificado, seriam reconciliados
imediatamente”.27 Com a decisão tomada nesse concílio, surgiu, então, uma reflexão
26 FARIAS, Henrique de Moura. Excurso Histórico sobre o Sacramento da Penitência. In: Atualização, 76/77, p. 81. 27 Ibid., p. 28.
27
teológica pertinente no seio da comunidade cristã: qual o poder ou função da Igreja
no que se refere ao perdão dos pecados?
Os pecados são perdoados por Deus ou por homens? Como podem homens perdoar pecados em nome de Deus? Enfim nesse cisma houve a oposição entre duas visões da Igreja: deve-se conservar, a todo custo, a ideia de uma Igreja de puros, de fiéis e, por isso, pouco numerosa, ou suas portas devem ser abertas e deixar entrar todos os que quiserem sendo pouco exigentes a respeito das condições de admissão e de reintegração?”28
1.4 O Edito de Milão
Em 313, o Imperador Constantino publicou o Edito de Milão, que concedeu
liberdade de culto aos cristãos. O número de cristãos aumentou significativamente,
embora muitos desses recém chegados não tivessem muita convicção do que era
ser cristão. As perseguições cessaram, e o cristianismo foi oficialmente reconhecido
e aceito como a religião oficial do Império. Ser cristão, que anteriormente era um
perigo e uma ameaça ao império, passou a ser uma vantagem. Esse crescimento e
abrandamento moral provocaram duas reações.
Por um lado, os fiéis sedentos de uma vida mais austera, centrada na
radicalidade evangélica e uma vivência religiosa mais distante do mundo iniciaram
os mosteiros de vida contemplativa em que se isolavam do mundo. Abraçar esse
estilo de vida significava um segundo batismo, fugir do pecado, viver sempre em
estado de graça.
Por outro lado, a igreja elaborou um itinerário de penitência e reconciliação
para os muitos cristãos que tinham cometidos pecados graves. Era possível fazer
uma confissão pública na Igreja ou confessar em segredo ao bispo durante uma
celebração litúrgica. Esse dava duras penitências que consistiam em “abster-se de
carne, viver na continência e não exercer funções públicas. Assistiam à missa de
domingo, em grupos, perto da porta da igreja, mas não podiam comungar”.29
Terminando esse rito penitencial, o fiel não estava livre totalmente do pecado, até
sua morte ele tinha que se sujeitar a uma série de proibições impostas pelo bispo,
28 Ibid., p. 29. 29 Ibid., p. 30.
28
conforme o pecado cometido. Tratava-se de interdições que eram impostas durante
as penitências e, também, depois da reconciliação, por todo resto da vida. “Era-lhes
proibido, seja durante como depois da penitência, prestar serviço militar, exercitar
cargos públicos e atividades comerciais, apresentar-se ao tribunal civil, receber as
ordens sagradas”.30 A absolvição do bispo não significava o total livramento do
pecado, e sim integrar-se na “ordem dos penitentes”, composta por pecadores que
viviam em constante penitência.
Frente às exigências tão radicais e, para nós hoje tão incompreensíveis,
muitos fiéis preferiam permanecer no pecado, sem ingressar na “ordem dos
penitentes”. Esperavam até a última hora de sua vida para pedir a reconciliação,
fazer a confissão e receber a absolvição dos pecados. Uma vez que não tinham
mais como pecar, e a igreja não podia recusar o perdão. Enfim, a penitência se
tornou o sacramento das pessoas idosas ou doentes e dos agonizantes. “Para esses
penitentes da Undécima hora não havia mais grande perigo de recairem em pecado;
para eles a reconciliação era a segurança da salvação na outra vida”.31 Mas, se por
acaso, o doente recuperasse a saúde era obrigado a entrar na “ordem dos
penitentes” e a cumprir com todas as exigências prescritas pelo bispo até que esse
lhe desse a absolvição.
A penitência tinha um caráter eclesial e seu objetivo principal era preservar a
integridade da comunidade mais do que absolver o pecado do penitente. O pecador
tinha que sofrer até o fim de sua vida por seus erros.
É difícil compreender como os bispos, conscientes de sua função pastoral, não tenham posto em questão, em nome do Evangelho, o postulado da não reiteração da penitência e que não tenha conseguido introduzir uma nova pastoral da reconciliação ou do perdão, deixando assim grande número de suas ovelhas fora do aprisco, num deserto penitencial e sacramental”.32
Em suma, a mentalidade cristã dos primeiros séculos do cristianismo foi
marcada pelo ideal do martírio. Nessa época, para quem não era martirizado, seguir
Jesus consistia em viver a radicalidade e abandonar, com firmeza, o pecado que
separava o ser humano de Deus.
30 REGIDOR, José Ramos. Teologia dos Sacramentos da Penitência, p. 174. 31 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das Origens aos nossos dias, p. 32. 32 Ibid., p. 34-35.
29
No final do quinto século, as pessoas não mais procuravam a confissão
devido o rigor com que os pecadores eram tratados, e por haver conversões em
massa ao catolicismo por exigência dos imperadores cristãos, fazendo com que
esse sacramento perdesse o sentido religioso e deixasse de existir.
1.5 O retorno da prática penitencial
No final do século VI, a prática penitencial foi retomada com o surgimento do
movimento monástico na Irlanda e na Inglaterra, que logo se espalhou por toda
Europa, introduzindo um novo sistema penitencial mais brando voltado para a
direção espiritual. As pessoas confessavam seus pecados aos monges e
sacerdotes, e recebiam deles uma penitência, cuja duração, poderia ir de alguns
dias a vários anos, era proporcional à gravidade das faltas. Cumprida a penitência, o
pecador se apresentava de novo a seu confessor e recebida dele o perdão,
considerado mais como uma absolvição pessoal do que uma reconciliação eclesial.
“Cada pessoa tinha um pai espiritual para confessar as suas culpas e partilhar todas
as emoções do coração”.33
Quando a pessoa recebia a absolvição, não estava mais obrigada a cumprir a
penitência e não sofria mais proibições, se cometesse novamente algum pecado,
podia voltar, pedir nova penitência e absolvição de seus pecados. “Para aqueles aos
quais o retorno se tornava penoso ou impossível, a reconciliação era dada
imediatamente após a confissão dos pecados, assumindo o penitente a
responsabilidade de cumprir a penitência imposta”.34
Para exercerem bem sua função, os confessores dispunham de pequenos
livros chamados penitenciais. Eles indicavam de uma maneira bem detalhada quais
penitências deviam ser impostas às faltas ou pecados do penitente. “Para que os
confessores estivessem em condições de assegurar penas adequadas aos
pecadores, foram redigidas listas de tarifas chamadas ‘livros penitenciais’. Havia
uma grande série deles, que se multiplicavam de acordo com as diversas regiões,
nações e povos”.35 O penitencial mais conhecido é o de São Finnian (549) que não
33 GRÜN, Anselm. Perdoa a ti mesmo, p. 98. 34 ANJOS, Márcio Fabri. Teologia dos sacramentos penitência e unção dos enfermos, p. 35. 35 MIRANDA, Mario de França. Sacramento da Penitência o perdão de Deus na Comunidade Eclesial, p. 31.
30
se contentava em fixar tabelas de pecados ou punições, mas fazia “muitas
observações espirituais e pedagógicas sobre a misericórdia de Deus, sobre a cura
dos vícios pela prática das virtudes opostas a eles e sobre uma pastoral de ajuda
aos pecadores”.36
A penitência tarifada trouxe a possibilidade de repetir a confissão, ou seja, o
cristão que recaísse em pecado poderia novamente se penitenciar e ser absolvido.
Ele confessava seus pecados e recebia a penitência de acordo com sua gravidade.
Havia a possibilidade de comutação se a penitência fosse longa demais. Ela poderia
ser substituída por outra mais curta, porém, mais rígida. O delito podia também ser
resgatado por uma soma de dinheiro. Outra forma de comutação era a de mandar
celebrar certo número de missas ao invés de cumprir a penitência estabelecida.
Havia, ainda, um outro meio de comutação: “pagar a uma outra pessoa, para que ela executasse a penitência imposta. Tal prática era justificada pelo texto bíblico de São Paulo aos Gálatas: ‘Carreguem os fardos uns dos outros, e assim vocês estarão cumprindo a lei de Cristo’ (Gál 6,2). Com freqüência os pobres e os monges faziam penitência no lugar de pecadores ricos.37
Não demorou a aparecerem abusos de toda espécie e foi preciso um esforço
muito grande por parte dos bispos para eliminá-los e reaver o sentido da confissão
que tinha perdido o significado de reconciliação com Deus. A penitência tarifada,
seguia a lógica “olho por olho, dente por dente”, ou seja, conforme o pecado, a pena.
1.6 A reforma carolíngia da penitência
Na época do imperador Carlos Magno (768-814) e dos papas Adriano I e
Leão III, e com a colaboração dos bispos, a igreja passou por uma grande reforma,
sobretudo no que se referia à confissão. Corrigiram-se os desvios da penitência
tarifada e restabeleceu-se o antigo sistema da confissão comunitária e pública. A
primeira correção consistiu na redução dos excessos das comutações penitenciais,
pois elas eram uma tentação para os monges e para os pobres que recebiam
dinheiro dos ricos para fazer penitência em seu lugar. Para eliminar todos os abusos
36 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das Origens aos nossos dias, p. 37. 37 MIRANDA, Mario de França. Sacramento da Penitência o perdão de Deus na Comunidade Eclesial, p. 32.
31
da penitência tarifada foi convocado um concílio em Charlon-sur-Saône (813). Lá se
decidiu pelo abandono da “penitência tarifada mandando queimar todos os livros
penitenciais e restituir a penitência como um processo de conversão e de penitência,
um sentido eclesial, que estava muito atenuado”.38
A tentativa carolíngia de restabelecer a antiga disciplina penitencial pública e
canônica não surtiu muito efeito. Ela propunha que os pecados públicos tivessem
penitências públicas, embora essas não tivessem o mesmo sentido eclesial dos
primeiros séculos, quando toda a comunidade participava da cura do pecador com
suas orações. Para os pecados privados, a penitência deveria ser privada.
Essas práticas penitenciais foram muito questionadas, o que levou o
magistério eclesiástico e os teólogos a discutirem o sacramento da penitência e a
refletir sobre sua natureza com o objetivo de modificar seus ritos, que não tinham
mais sentido bíblico e não levavam o pecador a um arrependimento profundo de
seus pecados e mudar de vida, de atitude e de espírito, ou seja, a uma verdadeira
metanóia como ensina o mestre Jesus de Nazaré.
1.7 A práxis penitencial entre os séculos XI e XIII
Na práxis penitencial tarifada, após a acusação dos pecados por parte do
penitente, o sacerdote impunha uma penitência a ser cumprida num período de
alguns dias, semanas, meses ou anos. Terminado o tempo estabelecido da
penitência, o fiel voltava para receber a absolvição após a confissão e assim, aos
poucos, vai surgindo a confissão auricular. “No início do século XI todo rito da
confissão tem lugar na Igreja, diante do altar, estando o ministro sentado, e o
penitente de joelhos”.39
Aconselhava-se que a confissão fosse feita na casa do sacerdote ou do
monge, que tinham tempo e lugar apropriados para ouvir o penitente e dar-lhe os
conselhos necessários para que não cometesse tais pecados. Para que a pessoa se
sentisse à vontade ao falar de seus pecados a seus confessores, exigia-se um
espaço favorável ao diálogo entre o penitente e o confessor. Entretanto, a partir do
século XIII apareceu o confessionário como existe atualmente. Desde que seu uso
38 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das Origens aos nossos dias, p. 42. 39 REGIDOR, José Ramos. Teologia dos Sacramentos da Penitência, p. 33.
32
entrou em vigor, introduziu-se a imposição das mãos, que consistia num gesto em
que o confessor punha a mão sobre a cabeça do penitente enquanto o ouvia e dava-
lhe os conselhos necessários. Enquanto mantinha as mãos estendidas sobre a
cabeça do penitente fazia a seguinte oração: “Deus, pai de misericórdia, que, pela
morte e ressurreição de Seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito
Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e
a paz. (Amém). E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. (Amém)”.40
Para pedir e obter o perdão de Deus e expiar faltas muito graves, o cristão da
Idade Média tinha formas extraordinárias de confissão e penitência que, muitas
vezes, levavam os bispos e padres a reagirem, e os teólogos a refletirem: “quem tem
o poder de perdoar os pecados?”
Quem ainda não sonhou com poder confessar-se diretamente a Deus e obter dele o perdão, sem passar pelo sacerdote? No Pai-nosso, Cristo nos diz que nos dirijamos diretamente a Deus, pedindo-lhe que nos perdoe nossas dívidas e nossas faltas. Conhecemos três versões desse pedido: ‘perdoa-nos as nossas dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores’ (Mt 6,12); ‘perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aos nossos devedores’ Lc 11,4); ‘perdoa-nos nossa ofensas como nós também perdoamos aos que nos ofenderam’. Nessa oração elementar do cristão, Jesus não liga nosso perdão a um procedimento penitencial junto a um ministro autorizado, mas ao perdão que nós mesmos concedemos ou recusamos àqueles que nos ofenderam. Em todos os tempos houve cristão que sentiram mais atração por essa via evangélica do que pelos caminhos complicados e laboriosos da penitência eclesial.41
Na Idade Média, a Igreja ensinava que a recitação do Pai-nosso, incluindo o
perdão ao próximo, era um meio eficaz e suficiente do perdão das faltas menos
graves, chamadas veniais e cotidianas. Alguns bispos e sacerdotes recomendavam
que os pecadores confessassem as faltas graves a um sacerdote, para receber a
absolvição, e as faltas brandas a um leigo, para receber a ajuda de seus conselhos
e de sua oração. Embora o leigo não tivesse o poder de dar a absolvição
sacramental, podia interceder a Deus pelo pecador que tinha confiado nele.
40 ANJOS, Márcio Fabri. Teologia dos sacramentos penitência e unção dos enfermos, p. 39. 41 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das origens aos nossos dias, p. 45.
33
Confessai vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos os outros, a fim de serdes curados. Essas palavras significam que devemos confessar as nossas faltas cotidianas a nosso próximo, e acreditamos que, por sua oração cotidiana seremos salvos. Quanto às manchas devidas a uma lepra mais grave, segundo a Lei, confessá-las-emos ao sacerdote, e confiaremos em seu julgamento para sabermos como e durante quanto tempo deveremos trabalhar para nos purificarmos delas.42
No missal romano, uma das formas do ato penitencial do começo da missa
diz: “Confesso a Deus todo-poderoso e a vós, irmãos e irmãs, que pequei muitas
vezes por pensamentos e palavras, atos e omissões, por minha culpa, minha tão
grande culpa. E peço à Virgem Maria, aos anjos e santos e a vós, irmãos e irmãs,
que rogueis por mim a Deus nosso Senhor ”.43
Embora houvesse a possibilidade do penitente confessar-se a um leigo,
mesmo que não recebesse a absolvição, a Igreja afirmava que o próprio Jesus
confiou aos apóstolos e a seus sucessores o poder de perdoar ou reter os pecados,
como afirma o texto bíblico: “Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você
ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no
céu”.44 Jesus disse de novo para eles: “A paz esteja com vocês. Assim como o Pai
me enviou, eu também envio vocês. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles,
dizendo: Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem,
serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão
perdoados”.45
1.8 Confissão e penitência do IV Concílio de Latrão ao Concílio de Trento
Tanto no contexto do IV Concílio de Latrão (1215) quanto do Concílio de
Trento (1545-1563), houve movimentos espirituais que renovaram e transformaram a
prática penitencial, com o intuito de voltar à dimensão evangélica de se reconciliar
com Deus e ter uma vida autenticamente cristã. Alguns desses movimentos
espirituais romperam com a Igreja Católica e se tornaram heréticos, enquanto outros
exerceram um papel fundamental na renovação espiritual da Igreja como: a Ordem
42 Ibid., p. 134-135. 43 MISSAL ROMANO, p. 506. 44 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 16, vers. 19-20. 45 BÍBLIA, N. T. João. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 20, vers. 21-23.
34
dos Franciscanos, fundada por São Francisco de Assis que, sem se opor à riqueza
da Igreja vivia em pobreza radical no contato com o povo do campo e das periferias
da cidade, de forma humilde e fraterna, à maneira dos primeiros cristãos; a Ordem
dos Dominicanos, também chamada de ordem dos pregadores, fundada por São
Domingos de Gusmão, que tinha como objetivo combater os movimentos heréticos
mediante suas eloquentes pregações. Tanto os Franciscanos quanto os
Dominicanos usavam o confessionário para orientar e alertar os cristãos quanto aos
perigos das heresias, que a cada momento surgiam em forma de novos movimentos
contrários à Igreja.
O Concílio de Latrão tomou várias medidas para aprimorar a vida penitencial,
não só dos monges e das ordens mendicantes, como também dos leigos,
determinando “que todo fiel deve confessar todos os seus pecados ao menos uma
vez por ano [...] que o cristão deve confessar-se ao seu sacerdote, isto é, ao seu
pároco ou ao capelão de sua comunidade”.46 A confissão obrigatória anual era tão
rigorosa que se o cristão não a fizesse ficaria excomungado e não poderia mais
entrar na igreja, nem mesmo teria o direito a um sepultamento cristão. No entanto, a
principal preocupação do Concílio era usar a confissão como um meio de pressão
pastoral sobre os cristãos, para, assim, assegurar a fidelidade dos mesmos para
com a Igreja Católica, livrando-os das inúmeras heresias existentes, que surgiam
constantemente. “Quem não se apresentasse todos os anos, para a confissão e a
comunhão não podia ser considerado cristão verdadeiro”.47
Os lugares mais procurados para a confissão pelos penitentes eram os
conventos dos franciscanos e dominicanos, que se tornavam diretores espirituais.
Os dominicanos eram admirados por suas eloquentes pregações e pelo combate às
heresias, que confundiam a vivência de fé dos cristãos. Os franciscanos, que eram
simples, humildes e acolhedores, tinham uma grande devoção à humanidade e
paixão de Cristo, assim como pelo sofrimento que Ele suportou na cruz, a fim de
resgatar os seres humanos e pagar o preço dos seus pecados.
46 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das origens aos nossos dias, p. 56. 47 Ibid., p. 58.
35
A partir do século XIII, a confissão frequente, acompanhada da direção espiritual, foi o fator mais importante da vida espiritual dos cristãos fervorosos, especialmente no mundo feminino; ela foi também a ocasião de formação da consciência cristã e estimulou muito fiéis a procura da perfeição [...] Em suma, num jogo de equilíbrio que se verificou ao longo dos séculos, o sacramento da penitência assumiu, na vida dos cristãos, o lugar central que normalmente competia à eucaristia [...] a generalização dessa obrigação, antes já em vigor em várias dioceses, modificou a vida religiosa e psicológica dos homens e das mulheres do Ocidente, nos países protestantes, e até o século XX, nos que permaneceram católicos.48
1.9 A confissão do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano II
No Concílio de Trento, o sacramento da penitência “foi definido como tábua
de salvação aos que pecaram. É um sacramento verdadeiro, instituído por Cristo,
distinto do batismo e necessário”.49 Os conciliares procuraram dar definições sólidas
ao sacramento, como resposta à reforma protestante que contestava a Igreja
católica, sobretudo no que se referia ao sacramento da confissão e à sua eficácia
bíblica. Os reformadores fizeram uma série de orientações aos fiéis: que se
confessassem todos os anos e sobre como uma boa confissão deve ser feita.
Escolher com cuidado o sacerdote com o qual confessar-se habitualmente; deve rezar por ele e não temer estabelecer como uma amizade toda santa e toda espiritual. Deve evitar confissões muito genéricas, que não levam ao compromisso de uma vida melhor, e dar exemplos reais e concretos de suas faltas.50
A confissão anual tinha um papel importante na vida dos cristãos porque os
obrigava a melhorar de vida, romper uma relação adúltera, restituir o que tinham
roubado e ter uma consciência tranquila para superar os desafios da vida. A
confissão era auricular onde sacerdote, sentando no local adequado, ouvia o fiel de
joelhos, e após a confissão, dava os conselhos necessários para se livrar das faltas
cometidas.
48 Ibid., p. 60-62. 49 REGIDOR, José Ramos. Teologia dos Sacramentos da Penitência, p. 234. 50 ROUILLARD, Phillippe. História da Penitência das origens aos nossos dias, p. 69.
36
1.10 A confissão após o Concílio Vaticano II
A segunda metade do século XX foi marcada por uma rápida e profunda
transformação do sacramento da penitência, passando por uma renovação e por
uma prática pastoral que “exigia renovação da celebração do sacramento da
penitência, de modo que respondesse mais o seu verdadeiro significado, tendo
presentes as condições mudadas dos tempos”.51 O penitente passa a se confessar
após o exame de consciência, arrependimento e propósito e se apresenta diante de
um ministro da reconciliação que o ajuda a reconciliar-se e a reatar a amizade com
Deus, rompida pelo pecado.
O sacerdote deixa de ser um juiz e passa a ser ministro da reconciliação e um
pai que deve acolher o penitente como filho espiritual.52 Santo Afonso Maria de
Ligório (1696-1787) já havia refletido sobre essa dimensão da confissão, mas que
não fora assumida por todos os confessores. Ligório aconselhava que eles ouvissem
os penitentes com misericórdia e dessem a direção espiritual necessária para que o
fiel se arrependesse de verdade de seus pecados e vivesse em santidade. Para
Ligório, os padres “são os dispensadores das graças divinas e os consócios de
Deus”.53
O Concílio Vaticano II reafirma essa teologia da reconciliação, sendo que “os
sacerdotes são ministros do sacramento da penitência e que os bispos são os
moderadores de toda a disciplina penitencial”.54 Para o papa Bento XVI:
Cada sacerdote se torna ministro da Penitência pela configuração ontológica com Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, que reconcilia a humanidade com o Pai; contudo, a fidelidade na administração do Sacramento da Reconciliação está confiada à responsabilidade do presbítero.55
Orienta o pecador a reconciliar com Deus e viver livre do fardo do pecado
como diz Jesus: “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o
51 REGIDOR, José Ramos. Teologia dos Sacramentos da Penitência, p. 273. 52 GAUME, Padre J. Manual dos Confessores, p. 3. 53 ECCLESIA UNA. Excelência do poder sacerdotal – Santo Afonso. Disponível em: <http://beinbetter.wordpress.com/2009/10/23/excelencia-do-poder-sacerdotal-santo-afonso>. Acesso em: 25 nov. 2012. 54 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEM GENTIUM. n. 28, p. 79. 55 Discurso do papa Bento XVI aos participantes no curso anual sobre o foro íntimo promovido pela penitenciaria apostólica. Roma, 11 de março de 2010.
37
peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam
de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso
para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve”.56
A grande riqueza trazida pelo Concílio Vaticano II (1965) quanto ao
Sacramento da Penitência, foi a necessidade da confissão detalhada, a fim de
buscar a reparação dos danos causados pelos pecados e não mais um ato legalista,
ritualista e mecânico, incapaz de levar o fiel a um profundo arrependimento de seus
pecados para viver na liberdade dos filhos de Deus e não mais aprisionado pelos
pecados que levam à escravidão, uma vez que Deus nos fez livres e o seu
julgamento é suave .
O sacramento da penitência foi restaurado não só para a pessoa em
particular, mas também para toda a Igreja. “Por esta renovação litúrgica do
sacramento da penitência, a confissão dos pecados tornou-se uma forma da Igreja
louvar a misericórdia de Deus, superando a mentalidade de um tribunal
sacramental”.57 O que realmente iniciou o movimento de renovação penitencial na
Igreja foi a descoberta e a valorização da pessoa humana, mergulhada numa
realidade na qual o casuísmo, o legalismo e o jurisdicismo não mais levavam a
pessoa a uma experiência de Deus por meio de uma verdadeira reconciliação que
brota do coração e um retorno para os braços do pai como fez o filho pródigo. “O
sacramento da penitência constitui um meio de santificação. Por ele, os homens
podem possuir os mesmos sentimentos de Cristo”.58 Para Bernardino Leers:
Ouvir confissões, como a tradição dizia, não é receber pacotes de frutos podres ou trouxas de roupas sujas, mas receber pessoas que, pecadoras, querem reconciliar-se com Deus e com a comunidade. À frente do ministro não está uma lista de pecados que ele tem que pesar na balança, mas está um pecador que quer libertar-se deles e talvez não saiba como mudar de vida, esperando ajuda pelo amor de Deus. A história que ele conta usa palavras conhecidas, ouvidas mil vezes no serviço de reconciliação; mas é sempre outra história, de outra pessoa. Mesmo se fosse a mesma pessoa que volta, sua história é nova, apesar das velhas recordações.59
56 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 11, vers. 28-30. 57 HARING, Bernhard. Livres e fiéis em Cristo. Teologia moral para os sacerdotes e leigos. Vol. 2. p. 391. 58 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEM GENTIUM, n. 42, p. 128. 59 LEERS, Bernardino. O Ministério da Reconciliação: Uma ética profissional para confessores, p. 95.
38
Com essa nova mentalidade em relação a confissão e à forma de ver o
pecador, com mais humanidade, levando em consideração sua dimensão humana e
psicológica, o confessor deixa de ser um juiz que determina a sentença conforme o
pecado e que faz do pecador um réu e, sim procura entender a dimensão humana e
psicológica do penitente buscando devolver-lhe a dignidade que foi perdida com o
peso do pecado. O confessor ouve o dilema do penitente, mesmo que já tenha
ouvido em outros momentos tais pecados, e lhe dá os conselhos necessários para
amenizar seu sofrimento. O confessor ajuda o penitente a reatar sua amizade com
Deus que foi rompida pelo pecado. Nesse sentido, a “confissão tem uma dimensão
vertical-transcendental que liga o penitente a Deus, restituindo-lhe a Vida Nova da
Graça [...] O filho, que se afastara da casa do Pai, que deserdara, é recebido
novamente pelo Pai, reintegrado”.60 Felipe Aquino (membro da Comunidade Canção
Nova) afirma que:
a reconciliação com Deus tem como conseqüência, por assim dizer, outras reconciliações capazes de remediar outras rupturas ocasionadas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no íntimo mais profundo de seu ser, quando recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos que, de alguma maneira, ofendeu e feriu; reconcilia-se com a Igreja; e reconcilia-se com toda a criação”.61
Um dos mandamentos da Igreja exige confessar-se ao menos uma vez por
ano. Se esse mandamento for seguido à risca, “o sacramento da penitência tornar-
se-á mero cumprimento de um dever, enquanto na verdade, o ideal é a pessoa
aproximar-se deste sacramento quando se sentir necessitada do perdão de Deus e
da reconciliação com Ele e com os outros, seus irmãos”.62 Todo cristão é chamado,
pelo sacramento da penitência, para ser testemunha do amor misericordioso de
Deus, manifesto em Jesus, que perdoava a todos que pediam perdão a Ele.
60 RIBÓLLA, José. Os Sacramentos trocados em miúdo, p. 231. 61 CANÇÃO NOVA. A confissão e seus efeitos - Este sacramento nos reconcilia com a Igreja. Disponível em: <http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?id=&e=11962>. Acesso em: 22 nov. 2012. 62 BORTOLINI, José. Os Sacramentos em sua vida, p. 93.
39
Pela confissão dos pecados cometidos, o penitente toma distância dos mesmos, focaliza-os melhor e começa a libertar-se desse passado [...] A qualquer um que carrega o seu fardo faz bem encontrar alguém de confiança para aliviar a dor, a pressão, a preocupação, o remorso, para não envenenar sua vida toda. Também em termos psicológicos, o convite de Jesus a uma graça: ‘vinde a mim vós todos que estais oprimidos e sobrecarregados e eu vos aliviarei’ (Mt 11,28). Pela partilha de suas aflições, o penitente não só reconhece seu estado real de infiel, mas já começa seu processo de libertação em vista do amor, da misericórdia e do perdão de Deus, como personificados na conduta do ministro.63
No confessionário o pecador se reconcilia com Jesus Cristo e experimenta
Seu amor por meio do perdão misericordioso e passa a viver em paz:
O Sacramento da reconciliação é o lugar onde o pecador experimenta de maneira singular o encontro com Jesus Cristo, que se compadece de nós e nos dá o dom do seu perdão misericordioso, nos faz sentir que o amor é mais forte que o pecado cometido, nos liberta de tudo o que nos impede de permanecer em seu amor, e nos devolve a alegria e o entusiasmo de anunciá-lo aos demais de coração aberto e generoso.64
É também no confessionário que o pecador se entrega ao julgamento
misericordioso de Deus, e sente a bondade do Pai todo-poderoso, que nunca negou
Seu perdão ao pecador arrependido. A confissão é tida como uma segunda
ressurreição na qual o pecador ressurge para a vida nova em Deus que “pela morte
e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo
para a remissão dos pecados”.65 O confessor deve transmitir confiança ao penitente,
dar-lhe uma direção espiritual e orientá-lo que volte a fazer sua confissão tantas
vezes quanto necessitar.
O confessor deve ser um pai espiritual, um verdadeiro guia para todos os fiéis que se aproximem dele na confissão sacramental. Ele exercerá a direção espiritual, mais ou menos intensa, de maneira que as almas se sintam capazes de abrir espontaneamente o seu espírito a ele, para obter benéficos efeitos espirituais.66
É necessário fazer uma distinção entre confissão e direção espiritual. A
confissão consiste em que o fiel acuse seus pecados após um exame de
consciência e demonstre um verdadeiro arrependimento de suas faltas para receber
a absolvição. Para que o penitente possa fazer um verdadeiro exame de consciência
63 LEERS, Bernardino. O Ministério da Reconciliação: Uma ética profissional para confessores, p. 132. 64 DOCUMENTO DE APARECIDA, n. 254, p. 118-119. 65 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 36. 66 MARCHIORO, Raimundo. A Confissão Sacramental,Estudos sobre o Sacramento, p. 94.
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o sacerdote deve fazer algumas reflexões e observações, o que se pode chamar de
uma pequena direção espiritual. “A direção espiritual propriamente dita pode-se fazer
durante a confissão, mas é mais conveniente distingui-la, especialmente, se há
outros fiéis que aguardam a confissão”.67
1.11 A dimensão da cura espiritual pela confissão
O confessor deve conhecer o estado emocional e espiritual dos penitentes, o
que, para o Padre Marchioro, significa agir como médico, dar o remédio necessário
para curar suas “enfermidades”, entendidas no campo espiritual.
O confessor, como médico das almas, deve procurar conhecer o estado de ânimo subjetivo, espiritual, psicológico e físico dos penitentes, para compreender a causa dos males da sua alma, para aconselhar os relativos remédios específicos, sejam naturais ou sobrenaturais, e impedir assim a recaída no pecado.68
No entanto, o confessionário, após o Concílio Vaticano II, passou a ser o
lugar onde o penitente encontra uma palavra de conforto para aliviar seu sofrimento
e curar suas enfermidades espirituais por meio dos conselhos, da direção espiritual e
da absolvição do sacerdote. Na confissão a pessoa recebe a direção para viver uma
espiritualidade mais profunda e consistente para amar a Deus que diz: “Eu quero
misericórdia e não sacrifício: porque eu não vim chamar os justos, e sim os
pecadores”.69
67 Ibid., p. 95. 68 Ibid., p. 96. 69 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 9, vers. 11-13.
41
CAPÍTULO 2 – A TEOLOGIA DO SACRAMENTO DA CONFISSÃO
“Não pequeis. Que o sol não se ponha sobre o nosso ressentimento”. (Ef. 4,26-27)
O sacramento da confissão foi instituído pela Igreja Católica com o objetivo de
fazer com que o cristão que cometeu algum pecado após o batismo rompendo sua
amizade com Deus, tivesse a oportunidade de se reconciliar com Ele, consigo
mesmo e com a Igreja voltando assim à comunhão com Deus. É o segundo
mandamento da Igreja Católica que ensina que todo cristão deve confessar-se ao
menos uma vez por ano.
2.1 O sacramento da confissão
Para a Igreja Católica a Confissão é um sacramento pelo qual “o sacerdote
representa Deus e anuncia a absolvição do pecado à pessoa arrependida; por ser
um mediador entre Deus e a pessoa, ele transmite um forte sentimento de
segurança: de certa forma o próprio Deus está pessoalmente presente na
Confissão”.70 Pelo Sacramento da Confissão, o homem recebe vida nova em Cristo,
mergulha em Seu grande mistério de amor, experimenta Sua misericórdia infinita e
percebe que sua vida está em “vaso de argila”,71 ou seja, a qualquer momento pode
morrer e se apresentar ao Criador com os seus pecados e falhas para o julgamento
final. Esse encontro faz com que ele tome consciência de que sua vida encontra-se
escondida com Cristo em Deus e está numa morada terrestre sujeito a sofrimentos,
à doença e à morte. “Esta nova vida de filhos de Deus pode se tornar debilitada e
até perdida pelo pecado”,72 mas Jesus instituiu o Sacramento da Confissão para que
os homens caídos e fracassados “pudessem reconciliar com Deus tantas vezes
quantas tenham pecado”.73 Uma vez que o homem se concilia com Deus, com a
Igreja e com os irmãos, “adquire a paz de consciência derivado do conhecimento de
estar reconciliado com Deus e com a Igreja e de ter vivido etapa importante e eficaz
70 RUTHE, Reinhold. Aconselhamento - como se faz? p. 34. 71 BÍBLIA, N. T. II Coríntios. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 4, vers. 7. 72 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 391. 73 EICHER, Peter. Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia, p. 675.
42
na luta contra o pecado”74 que é, “antes de tudo, uma ofensa a Deus, uma ruptura
da comunhão com ele”.75
O Mestre Jesus, que perdoou os pecados de todos aqueles que se
apresentaram a Ele com um coração arrependido, instituiu o Sacramento da
Confissão e delegou aos sacerdotes que Sua obra de cura, perdão e salvação
permanecesse sempre no meio do seu povo até o fim dos tempos. Assim, o
Sacramento da Confissão e da Unção dos Enfermos são considerados como os
sacramentos da cura. Com a absolvição, dada pelo sacerdote, o penitente recebe a
cura de sua alma, ferida pelo pecado, reconciliando-se com Deus e com a Igreja “a
qual colabora para a sua conversão com a caridade, exemplo e orações”.76
No Sacramento da Penitência, os fiéis que confessam seus pecados ao ministro legítimo, arrependidos e com o propósito de se emendarem, alcançam de Deus, mediante a absolvição dada pelo mesmo ministro, o perdão dos pecados cometidos após o batismo e ao mesmo tempo se reconciliam com a Igreja à qual ofenderam pelo pecado.77
Esse sacramento é chamado de conversão porque é o convite de Jesus à
conversão, o caminho de volta para os braços do Pai do qual a pessoa se afastou
pelo pecado. Chama-se também Sacramento da Penitência porque o penitente
recebe uma satisfação ou penitência, sendo que ele faz um esforço pessoal de
conversão, de arrependimento para se sentir perdoado e não mais repetir tal pecado
confessado ao sacerdote. É ainda chamado de Sacramento da Confissão porque o
penitente confessa seus pecados diante do sacerdote que o ouve, aconselha e
absolve, procurando fazer com que o penitente evite o pecado e possa viver em
estado permanente de graça, perdão e paz. É também o sacramento do perdão
porque, pela absolvição sacramental do sacerdote que age “in persona Christi”,
Deus concede o perdão e a paz. E por fim é chamado de Sacramento da
Reconciliação porque dá ao pecador o amor de Deus que reconcilia e faz recuperar
a paz e a amizade com Deus rompida pelo pecado. “O penitente perdoado
reconcilia-se consigo mesmo no íntimo mais profundo de seu ser, onde recupera a
própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos que de alguma maneira
74 REGIDOR, José Ramos. Teologia do Sacramento da Penitência, p. 337. 75 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 398. 76 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM, n. 11, p. 43. 77 HORTAL, Jesús. Os Sacramentos da Igreja na sua Dimensão Canônico-Pastoral, p. 123.
43
ofendeu e feriu; reconcilia-se com a Igreja; e reconcilia-se com toda a criação”.78 O
Sacramento da Reconciliação traz consigo uma verdadeira “ressurreição espiritual”,
uma restituição da dignidade e dos bens da vida dos filhos de Deus, entre os quais o
mais precioso é a amizade de Deus que sempre abraça o pecador arrependido e lhe
dá o bálsamo do perdão. Por esse sacramento, “o Pai acolhe o seu filho que
regressa; Cristo coloca sobre os seus ombros a ovelha perdida, conduzindo-a ao
redil; e o Espírito Santo santifica de novo seu templo ou passa a habitá-lo mais
plenamente”.79
O sacramento da confissão exige conversão interior, mudança de vida, de
comportamentos, de atitudes, exige “metanóia” que é entendida como a mudança de
direção.
A penitência interior é “rasgar o próprio coração é transformar o coração de
pedra em coração de carne” e revestir-se da graça de Deus. É também uma
reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma conversão para Deus de todo
coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal e a tudo aquilo que
ofende a Deus.
Essa conversão do coração vem acompanhada de uma dor e uma tristeza
profunda que é chamada de aflição do espírito e arrependimento do coração. O
coração do homem apresenta-se pesado, endurecido e petrificado. É preciso que
Deus dê ao homem um coração novo conforme diz o profeta Ezequiel. “Darei para
vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de
vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”.80 Deus dá a força ao
homem pecador para recomeçar e assim poder descobrir a grandeza de seu amor
em seu coração, experimentando o peso do pecado distanciando-se dele.
O coração humano converte e transforma- se quando olha para aquele que foi
transpassado por seus pecados, dando Sua vida para redimi-los. “Fixemos nossos
olhos no sangue de Cristo para compreender como é precioso a seu Pai porque,
derramado para a nossa salvação, dispensou ao mundo inteiro a graça do
arrependimento”.81 É o Espírito Santo que faz com que o homem reconheça seu
pecado e Aquele que concede a graça do arrependimento e da conversão fazendo
78 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 405. 79 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 16. 80 BÍBLIA, A. T. Ezequiel. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 36, vers. 26. 81 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 395.
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com que ele volte para os braços de Deus. “O Sacramento da Penitência é sinal de
conversão interna da pessoa. Esta não deixa que ele aconteça em si, mas ela
própria o realiza participando ativamente”.82
A conversão realiza-se na vida cotidiana por meio de gestos de reconciliação,
pela confissão das faltas aos irmãos, pela correção fraterna, pela revisão de vida,
pelo exame de consciência, pela direção espiritual, pela aceitação dos sofrimentos
tomando a cruz cada dia e seguindo a Jesus que é o caminho mais seguro da
penitência e do perdão. A Igreja Católica propicia tempos litúrgicos fortes de
penitência e conversão: Quaresma e Advento. Esses tempos são particularmente
apropriados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, à confissão individual
e comunitária, às peregrinações em sinal de penitência e conversão, ao jejum, à
esmola, à partilha fraterna e às obras de caridade. “Penitência e remissão dos
pecados vão unidas na mensagem cristã, desde o começo da pregação de Cristo
até a ascensão”.83 O povo de Deus usa muitas maneiras para praticar a penitência
tendo em vista a paixão de Cristo e a liturgia da Igreja Católica.
De muitas variadas maneiras o povo de Deus pratica e realiza esta contínua penitência. Participando da paixão de Cristo pelos seus sofrimentos e convertendo-se cada vez mais ao evangelho de Cristo pela prática das obras de caridade e misericórdia, torna-se no mundo o sinal de conversão a Deus. A Igreja o expressa em sua vida e o celebra em sua liturgia, quando os fiéis se reconhecem pecadores e imploram o perdão de Deus e dos irmãos, como sucede nas celebrações penitenciais, na proclamação da Palavra de Deus, na oração e nos elementos penitenciais da celebração eucarística.84
Na Escritura Sagrada, encontram-se vários exemplos de pessoas que
reconheceram seu pecado e voltaram para os braços de Deus. O mais conhecido é
o do filho pródigo85 que abandonou a casa paterna exigindo a parte de sua herança,
gastando tudo numa vida desenfreada. Ao acabar o dinheiro passou por várias
humilhações, não podendo se alimentar com a comida dos porcos que cuidava;
refletiu sobre seu erro e pecado, decidindo voltar e pedir perdão ao pai. Retorna
para casa arrasado, fragilizado e arrependido e é recebido com festa pelo pai que o
82 EICHER, Peter. Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia, p. 675. 83 HORTAL, Jesús. Os Sacramentos da Igreja na sua Dimensão Canônico-Pastoral, p. 123. 84 Presbiteral, p. 97. 85 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 15, vers. 11-24.
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abraça, veste a melhor túnica, coloca um anel em seu dedo e faz um grande
banquete celebrando seu arrependimento e retorno para casa. Esse exemplo bíblico
mostra que só o coração de Cristo, que conhece as profundezas do amor de um pai,
pôde revelar o abismo de Sua misericórdia de uma maneira tão simples, bela e
humana. Assim, o perdão “brota do coração paterno e da situação de penúria em
que o filho se encontrava. O perdão é dado por quem é maior do que a ofensa,
respeita a vida e se compadece de quem fizera o mal e estaria a merecer um
castigo”.86 Na concepção da teologia católica, “o perdão é, sem dúvida, uma das
mais altas virtudes do espírito humano e, por isso mesmo, uma virtude de difícil
exercício”.87
No entanto se, por um lado, o perdão não comporta cobranças ou desprezo,
por outro lado, ele deve operar uma conscientização no faltoso, sem lhe tirar a
alegria da festa e gratidão pelo dom da vida. Resumindo, o perdão, para quem o dá,
é gesto de grandeza; para quem o recebe, é convite e obrigação para se refazer dos
passos mal dados. Nesse sentido, quem perdoa deixa a ofensa para trás, aponta
para novos horizontes, releva o acontecido e propõe um novo relacionamento.
“Perdoar é continuar a se doar através e para além do mal experimentado, para que
o outro se sinta amado e resgatado em sua culpa”.88 Existem duas orações
conhecidas que, neste contexto, ilustram a dimensão do perdão: a de São Francisco
que diz: “É perdoando que se é perdoado”, e a de Jesus, no Pai-nosso: “Perdoai as
nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido”. Foi justamente
isso o que Ele fez na cruz, rezando por seus algozes: “Pai, perdoa-lhes, porque não
sabem o que fazem”.89 Diante da nobreza do perdão de Deus dado no
confessionário pelo sacerdote mediante o arrependimento do pecador, pode-se dizer
que “ninguém é tão santo que não tenha que pedir perdão, nem tão ofendido que
não possa oferecê-lo. Quando perdoamos, nosso coração se engrandece; quando
somos perdoados, nossa vida se enche de felicidade”.90
86 TONIN, Neylor J. Tudo é Graça, p. 149. 87 Ibid., p. 150. 88 Ibid., p. 151. 89 BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 23, vers. 34-35. 90 TONIN, Neylor J. Tudo é Graça, p. 152.
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2.2 O perdão na teologia católica
Na teologia católica, negar o perdão é pecado que é, antes de tudo, uma
ofensa a Deus, uma ruptura da comunhão com Ele que deu a vida ao homem,
demonstrando Sua bondade infinita e instituiu o Sacramento da Confissão na Igreja
para que os penitentes retomem a comunhão com Deus rompida pelo pecado.
“Com o seu pecado, o pecador não só ofende a Deus e a certas pessoas
determinadas, mas também à comunidade eclesial”.91 É também um atentado à
comunhão com a Igreja, que é o corpo místico de Cristo. Assim, a conversão traz
simultaneamente o perdão de Deus e a reconciliação com a Igreja, expressados e
realizados no Sacramento da Confissão pelo sacerdote, que recebeu de Jesus essa
autoridade de perdoar os pecados por ser ministro da reconciliação e absolver em
nome da Trindade e “in persona Christi”.
O cristão não vive isolado de seu relacionamento com Deus. Toda salvação
tem uma dimensão comunitária, assim como a reconciliação, porque se realiza pelo
ministério da Igreja transmitida ao sacerdote “que recebeu a missão e o ministério de
proclamar a misericórdia de Deus, de convidar à penitência, de suscitar e promover
a conversão, celebrando a reconciliação e dando testemunho de uma vida
reconciliada”.92
Segundo a teologia católica, o Sacramento da Penitência foi instituído por
Jesus para todos os membros pecadores da sua Igreja, antes de tudo para aqueles
que, depois do batismo, cometeram pecados graves e com isso perderam a graça
batismal e querem retornar. Também “foi para tornar a salvação mais fácil que o
Filho de Deus estabeleceu a confissão e o Sacramento de Penitência”.93
Para que o pecador tenha esse encontro com Deus Santificante e encontre a
graça do perdão no confessionário, é preciso ter algumas atitudes fundamentais:
contrição ou exame de consciência, confissão dos pecados, propósito, satisfação ou
penitência reparadora e absolvição.
91 HORTAL, Jesús. Os Sacramentos da Igreja na sua Dimensão Canônico-Pastoral, p. 124. 92 PALUDO, Faustino. Deixai-vos Reconciliar, p. 98. 93 DELUMOEAU, Jean. A Confissão e o Perdão, p. 50.
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2.3 Exame de consciência e contrição
O penitente, ao buscar o perdão de Deus pelo Sacramento da Confissão,
deve ter consciência de ser frágil, de ter cometido erros, desviando-se do projeto de
Jesus Cristo. Então é preciso colocar-se humildemente diante de Deus e fazer uma
séria revisão de vida, para descobrir seus pecados, falhas e imperfeições. A essa
atitude o catecismo da Igreja Católica chama de exame de consciência. Após essa
revisão, o penitente percebe que nem sempre foi fiel aos preceitos divinos e é
tomado por um sentimento de arrependimento, ao qual chamamos de contrição. Ele
se reconhece pecador, arrepende-se e propõe-se a mudar de vida, e a converter-se.
O exame de consciência e contrição consistem na “dor da alma”, no propósito
de não mais pecar e na “detestação do pecado cometido, com a resolução de não
mais pecar no futuro”.94 Para alcançar o “reino anunciado por Cristo só se pode
chegar mediante a ‘metanóia’, isto é, através da íntima mudança do homem todo,
pelo qual ele começa a pensar, julgar e dispor a sua vida levado por aquela
santidade e caridade de Deus, que foram manifestadas nos últimos tempos”.95 O
exame de consciência e contrição brotam do amor de Deus que perdoa os pecados,
desde que o pecador tenha a firme resolução de recorrer à confissão no momento
apropriado e oportuno.
O exame de consciência e contrição nascem da consideração do peso do
pecado ou do temor da condenação eterna e de outras penas que ameaçam o
pecador. Esse abalo de consciência pode ser o início de uma evolução interior que
será concluída sob a ação da graça, pela absolvição sacramental que liberta o
penitente “dos conflitos mais íntimos, ajudando-o a progredir na perfeição”,96 na
santificação e na busca profunda do perdão de Deus.
Para Haring, “o verdadeiro exame de consciência é sair das trevas para ser
iluminado pelos resplendores da luz divina. Por isso mesmo, examinar a consciência
é estar pronto a apresentar humildemente, diante do Senhor, as faltas cometidas”.97
Na contrição o penitente “arrepende-se profundamente por ter enveredado por
94 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 400. 95 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 14-15. 96 REGIDOR, José Ramos. O sacramento da Penitência, p. 333. 97 HÄRING, Bernardo. Confissão Sacramento da Alegria, p. 36.
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outros rumos, afundando-se no vazio. Assim, acordado pelo Espírito de Deus para a
graça, resolve se corrigir”.98
2.4 Confissão
À medida em que o penitente faz a contrição ou exame de consciência e tem
uma atitude de contrição, descobre quais são seus pecados, arrepende-se e faz o
propósito de não mais pecar. Para demonstrar arrependimento e acusar os pecados,
faz a confissão ao sacerdote, demonstrando um verdadeiro arrependimento, a dor
de ter cometido tais pecados, a angústia de ter ofendido a Deus, o pesar pelo mal
que fez ao próximo que é Sua imagem e semelhança. Reconhece o mal que fez a si
mesmo, aos outro e a Deus. Humanamente falando, a acusação causa libertação e
facilita a reconciliação com seu semelhante.
Também a acusação faz o homem encarar os pecados dos quais se tornou
culpado e lhe causou dor e sofrimento, assumindo a responsabilidade por eles,
abrindo-se de novo a Deus. Falar todos os pecados para o sacerdote constitui uma
parte essencial do Sacramento da Penitência. Na confissão, os penitentes devem
enumerar todos os pecados mortais de que tem consciência depois de se examinar
seriamente, mesmo que esses pecados sejam muito secretos.
Quando os cristãos se esforçam para confessar todos os pecados que lhes vêm à memória, não se pode duvidar que tenham o intuito de apresentá-los todos ao perdão da misericórdia divina. Os que agem de outra forma, tentando ocultar conscientemente alguns pecados, não colocam diante da bondade divina nada que ela possa perdoar por intermédio do sacerdote. Pois, “se o doente” tem vergonha de mostrar a ferida ao médico, a medicina não pode curar aquilo que ignora.99
Segundo o mandamento da Igreja católica, todo cristão chegado à idade
adulta, ou seja, quando passa a ter consciência de seus atos, é obrigado a
confessar seus pecados graves, dos quais tem consciência, pelo menos uma vez
por ano. Apesar de não ser estritamente necessária a confissão das faltas
cotidianas, a Igreja recomenda sempre um exame de consciência (contrição) para
98 SILVA, José Ariovaldo. Deixai-vos Reconciliar, p. 30. 99 Ibid., p. 40.
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ter certeza de que está em estado de graça para a qualquer hora encontrar-se com
Deus.
Na celebração da missa, existe um momento apropriado para esse momento
de exame de consciência que é o Ato Penitencial. A confissão regular ajuda o cristão
a formar a consciência, a lutar contra as más tendências, a se deixar curar por Cristo
que sempre cura a ovelha ferida com o bálsamo do perdão e a progredir na vida do
Espírito que santifica o homem, tornando-se assim mais próximo de Deus Pai
misericordioso.
A confissão constitui um parte essencial do Sacramento da Penitência. Trata-se de um gesto profundamente simbólico e expressivo na celebração do sacramento. A este gesto temos que garantir toda a sua significação sacramental. Por ele, à luz da misericórdia de Deus, a pessoa reconhece humildemente, e de forma bem concreta, as faltas, e confessa tudo o que há de perverso em sua vida. É a expressão pessoal e concreta de uma sincera conversão, mudança de rumo, mais do que mera informação formal de pecados ao confessor. Há pessoas que acrescentam a este gesto até mesmo uma atitude corporal muito expressiva: confessam-se de joelhos. Por esta atitude, mostramos que, pelo pecado, abandonamos o Pai, como o filho pródigo. Muitos então se confessam de joelhos exatamente para simbolizar “que o pecado nos jogou por terra.100
A confissão exige do penitente a vontade de abrir seu coração ao ministro de
Deus que é o sacerdote; “e, da parte deste, um julgamento espiritual pelo qual,
agindo em nome de Cristo, pronuncia, em virtude do poder das chaves, a sentença
da remissão ou da redenção dos pecados”.101
Em certas situações, levando em consideração o momento de dificuldade do
penitente, o sacerdote aproveita para dar a direção espiritual, fazendo com que o
penitente aproveite da contrição para progredir espiritualmente e assim fazer a
experiência amorosa de Deus.
Para que o penitente tenha uma boa contrição, o sacerdote ajuda-o fazendo
uso de alguns textos bíblicos que evocam uma catequese moral dos evangelhos e
dos textos do apóstolo Paulo. Esse primeiro passo é fundamental para uma boa
confissão. Sem esse primeiro passo, os demais ficam comprometidos. Aconselha-se
100 SILVA, José Ariovaldo. Deixai-vos Reconciliar, p. 31. 101 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 15.
50
que, “ao manifestar a sua contrição, é bom que o penitente utilize uma oração
composta de palavras da Sagrada Escritura prevista pelo ritual”.102
2.5 A satisfação
A satisfação consiste na reparação dos danos provocados pelos pecados, por
isso “o penitente acolhe e aceita humildemente a sugestão, dada pelo confessor,
dos meios eficazes e pedagógicos para reparar o dano causado e corrigir”.103 A
satisfação não é um castigo, ou seja, o penitente aceita a satisfação com alegria e
humildade, com o intuito de esquecer o que passou e integrar-se novamente no
mistério da salvação, lançando-se para frente com um coração arrependido e
perdoado por Deus que “sente um grande prazer na penitência dos grandes
pecados”104 para reparar a miséria humana e não mais cometer tais pecados.
“Através das obras opostas ao pecado, que o penitente aceita realizar, ele
manifesta, ou simboliza, sua disposição de enveredar por um novo rumo, diferente
do rumo do pecado em que havia entrado”.105
Muitos pecados prejudicam o próximo e é preciso reparar esse mal de tal
forma que a pessoa prejudicada perceba que seu agressor está arrependido de
verdade, quer reparar seu erro e reatar a amizade. O pecado fere e enfraquece o
próprio pecador, como também suas relações com Deus e com o próximo. Portanto
a absolvição tira o pecado, mas não sana todas as desordens que ele causou, não
cura a ferida, coloca o remédio que alivia a dor, mas a cicatriz é curada com o
tempo. Uma vez liberto do pecado, o pecador deve, ainda, recobrar sua saúde
espiritual e psicológica afetada pelo pecado e aceitar “a satisfação das obras
penitenciais dolorosas em reparação do pecado”.106 Essa satisfação tem valor
salvífico e é a suprema manifestação do amor para com Deus e os irmãos que foram
ofendidos pelo pecado. Cumprir a satisfação é uma verdadeira conversão; é reparar
o dano que causou pelo pecado.
102 BENTO XVI. Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, p. 90. 103 SILVA, José Ariovaldo. Deixai-vos Reconciliar, p. 31. 104 DELUMEAU, Jean. A Confissão e o Perdão, p. 35. 105 SILVA, José Ariovaldo. Deixai-vos Reconciliar, p. 31. 106 REGIDOR, José Ramos.Teologia do Sacramento da Penitência, p. 335.
51
A verdadeira conversão se completa pela satisfação das culpas, pela mudança de vida e pela reparação do dano causado. As obras e a medida da satisfação devem adaptar-se a cada penitente para que cada um restaure a ordem que lesou e possa curar-se com o remédio adequado. É necessário, por conseguinte, que a satisfação imposta seja realmente remédio para o pecado e, de algum modo, renovação de vida.107
A satisfação pode ser entendida como penitência reparadora ou expiação.
Penitência porque geralmente o sacerdote dá uma penitência para o pecador
conforme a gravidade do pecado e o grau de arrependimento. Expiação porque
exige sacrifício por parte do pecador para cumprir tal penitência imposta pelo
sacerdote. Para dar a penitência, o confessor deve levar em consideração a situação
pessoal e psicológica do penitente, procurando seu bem espiritual, não impondo
penitência impossível de ser cumprida gerando no penitente escrúpulo ou peso de
consciência. Isso porque já houve por parte do penitente um grande sacrifício em
expor sua vida para uma pessoa que, muitas vezes, não conhece ou com quem não
tem afinidade. Muitas vezes a confissão se torna um grande sacrifício para a pessoa
porque ela não tem facilidade de falar de si para o outro, principalmente
desconhecido.
Em determinada situação, o confessor, levando em consideração a gravidade
e a natureza dos pecados cometidos, traduz a penitência em oração, obras de
misericórdia, serviço ao próximo em privações voluntárias, sacrifícios e
principalmente na aceitação paciente da cruz de Cristo que deve carregar no
cotidiano da vida. Tais penitências o ajudam a se assemelhar a Cristo que expiou os
pecados da Humanidade sem murmurar, aceitando o sofrimento como expiação de
seus pecados. Permite ao homem tornar-se herdeiro e co-herdeiro de Cristo Jesus
que sofreu, morreu e ressuscitou dos mortos para lhe garantir a vida eterna.
Mas nossa satisfação, aquela que pagamos por nossos pecados, só vale por intermédio de Jesus Cristo, pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, “tudo podemos com a cooperação daquele que nos dá força”. E, assim, não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa “glória” está em Cristo...em quem oferecemos satisfação, “produzindo dignos frutos de penitência”, que dele recebem seu valor, por Ele são oferecidos ao Pai e graças a Ele são aceitos pelo Pai.108
107 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 15. 108 Ibid., p. 403.
52
Finalmente, a satisfação é uma forma de o penitente associar seu sofrimento
ao sofrimento de Cristo - que, mesmo não tendo pecado, aceitou o projeto de Deus
em morrer na cruz para salvar o homem do pecado e da morte - para eliminar os
pecados e não mais os cometer. Aceitar a satisfação é a forma de transformar o
coração petrificado e engessado para acolher o perdão de Deus. “A aceitação das
obras penitenciais dolorosas em reparação do pecado é sinal e manifestação do
afastamento do pecador de seu pecado e do pecado do mundo que ele, pecando,
aceitou ou desencadeou e reforçou”.109 É rasgar o coração e não as roupas. É
demonstrar interiormente que mudou de vida e não mais vai permanecer no pecado.
É voltar para Deus com um coração arrependido e transformado. É tomar
consciência de que precisa mudar como diz o profeta Joel:110 “Voltem para mim de
todo coração fazendo jejum, choro e lamentação. Rasguem o coração, e não as
roupas! Voltem para Javé, o Deus de vocês, pois ele é piedade e compaixão, lento
para a cólera e cheio de amor, e se arrepende das ameaças. Quem sabe, ele volte
atrás e se arrependa, deixe para nós bênção, oferta e libação de vinho para Javé, o
Deus de vocês”. Aceitar a satisfação é voltar para Deus de onde veio com um
coração purificado e um espírito liberto do egoísmo e da maldade. É ter a certeza do
amor incondicional de Deus que ama o pecador e abomina o pecado. É sentir o
peso do pecado que dói no fundo da alma e corrói a consciência como a ferrugem. É
sentir a dor do pecado que é igual a uma espada de dois gumes bem afiada que
penetra até o mais profundo da alma.
2.6 Absolvição
Depois da confissão e da conversa com o penitente, o sacerdote dá a
absolvição “que quer dizer dissolução, soltura, libertação que, em nome de Jesus, o
sacerdote libera o confessando de sua culpa transmitindo-lhe o perdão de Deus”.
Consiste em o pecador manifestar seu arrependimento e conversão ao sacerdote
pela confissão sacramental. “Deus concede o perdão mediante o sinal da
absolvição, e assim se realiza o Sacramento da Penitência”.111 Através desse sinal,
109 REGIDOR, José Ramos. Teologia do Sacramento da Penitência, p.335. 110 BÍBLIA, A. T. Joel. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 2, vers. 12-14. 111 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 15.
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Deus reata a aliança rompida pelo pecado e concede o perdão e a salvação ao
homem pecador arrependido, desejoso de voltar para o caminho do Senhor. Pela
absolvição, o Pai acolhe seu filho que regressa arrependido dando-lhe o ósculo da
paz e acolhe novamente na comunidade dos reconciliados.
A absolvição é entendida também como uma “ação do sacerdote simbólico-
sacramental pela qual, em virtude do mistério pascal e pela ação do Espírito Santo,
na mediação eclesial, o penitente é reconciliado com Deus e com a Igreja”,112 aos
quais feriu com o pecado. No momento da absolvição, o ministro da reconciliação
estende a mão em direção à cabeça do penitente e faz a seguinte oração: “Deus,
Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o
mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda,
pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.113 Terminada essa oração, o penitente
diz Amém, confirmando o perdão de Deus que veio por meio da absolvição. “Ao
receber a absolvição mediante o sacerdote, o coração do penitente se enche de paz
por Cristo vir a seu encontro de braços abertos, com infinito amor”.114 Essa oração
pronunciada pelo sacerdote tem uma densidade bíblica e teológica porque,
primeiramente, proclama o nome de Deus misericordioso que sempre perdoou ao
pecador arrependido e revelou-se ao mundo como Pai bondoso. Segundo, porque
fala de Jesus que, despojou-se de si e rebaixou-se até a morte e, com sua atitude
humilde e obediente, morreu pelos pecados da Humanidade para libertá-la e
resgatá-la do poder das trevas, conduzindo-a ao caminho da luz e da verdade. Com
sua morte, Jesus demonstrou Seu amor incondicional para com a Humanidade caída
e fracassada pelo pecado e, com sua ressurreição, reconciliou o mundo inteiro. E,
por fim, essa oração fala do Espírito Santo que foi enviado por Deus para o perdão
dos pecados e fortalecer o penitente para não mais pecar e permanecer na
presença do Criador. A oração da fórmula é acompanhada pelo importantíssimo
gesto da imposição das mãos, sinal da transmissão do Espírito Santo para o perdão
dos pecados. Essa oração também pode ser entendida como a oração da cura
interior, porque o penitente chagado pelo pecado sente a cura de Deus e o bálsamo
112 SILVA, José Ariovaldo . Deixai-vos Reconciliar, p. 32. 113 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 61. 114 HÄRING, Bernardo. Confissão Sacramento da Alegria, p. 61.
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do perdão. “O rito da absolvição ajuda o confessando a acreditar realmente no
perdão de Deus”.115
2.7 Quatro atitudes fundamentais do confessor
Diante do pecador, o confessor deve ter algumas atitudes e posturas
importantes para que o penitente se sinta à vontade e haja eficácia na celebração do
perdão. Ele não presta um serviço ao penitente, mas celebram juntos o perdão de
Deus e é por isso que ele é chamando de ministro da reconciliação. “Cabe ao
ministro ouvir, compreender e iluminar com a Palavra de Deus para construir uma
caminhada reconciliadora. Uma pessoa, quando se sente escutada e respeitada,
entra em relação com o outro e se abre ao ponto de vista do outro”.116
2.8 A atitude de pastor
A primeira atitude é o serviço de pastor “chamado às vezes também “função
de pai” que consiste na boa acolhida para as pessoas, mostrando a capacidade de
ouvir, compreender, estimular, ser sinal da misericórdia infinita de Deus que não
rejeita ninguém”.117 Diante do penitente, o confessor deve mostrar-se disposto em
qualquer momento porque o pai sempre está atento às necessidades de seus filhos
e o pastor à disposição para curar a ovelha ferida. A acolhida é imprescindível no
momento da confissão para que o pecador se sinta à vontade e veja no sacerdote a
pessoa de Cristo que acolheu a todos, principalmente os pecadores. “Quando o
confessor acolhe o penitente e o conduz à luz da verdade, desempenha uma função
paterna, revelando aos homens o coração de Deus Pai, e tornando-se a imagem de
Cristo Pastor”.118
O atendimento da confissão exige, entre outras condições, um estado de
equilíbrio por parte do confessor para poder ouvir tranquilamente a inquietude do
povo. Diante de tanto sofrimento e exigências da confissão, ele precisa se cuidar
para que seus humores ou más condições de saúde não se extravasem sobre os
penitentes. Em atendimentos prolongados, sobretudo nos tempos litúrgicos em que
115 GRÜN, Anselm. Penitência Celebração da Reconciliação, p. 50. 116 PALUDO, Faustino. Deixai-vos Reconciliar, p. 96. 117 ANJOS, Márcio Fabri. Teologia dos Sacramentos Penitência e Unção dos Enfermos, p. 37. 118 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 18.
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as pessoas procuram muito o confessionário, é preciso exercitar a paciência para
atender bem os penitentes e não perder a calma.
2.9 A atitude de médico
A segunda atitude consiste em ser médico que ajuda a fazer um bom
diagnóstico da vida do penitente sob o ponto de vida espiritual, mostrando-lhe que o
pecado o fez adoecer espiritualmente, mas que está ali para passar a “receita” para
curar sua doença. A postura do sacerdote, muitas vezes, influencia na procura do
penitente para receber esse sacramento. Para que ele possa desempenhar fiel e
retamente seu ofício de médico das almas, é preciso saber “discernir as
enfermidades espirituais aplicando-lhes os remédios convenientes”.119 Frente à
pessoa ferida e machucada, o acolhimento é imprescindível porque “a pessoa do
pecador arrependido necessita de alguém que o acolha, escute seu pedido de
perdão, dialogue, interpele e proclame o perdão de Deus e da comunidade
eclesial”.120 No momento da confissão, o “saber escutar faz curar as feridas, afastar
os males e elevar a auto-estima do outro"121 que está fragilizado e abatido pelo
pecado ou sentimento de culpa e é por isso que a “ação do confessor vai além da
ação de outros especialistas dedicados à cura das feridas e à recomposição das
relações quebradas”.122
2.10 A atitude de teólogo
A terceira atitude é a do teólogo que é extremamente importante, pois se trata
de elucidar alguns pontos de compreensão da vida em Deus quando necessário.
Geralmente as pessoas se apresentam confusas em relação à concepção de
pecado, têm dificuldade de distinguir o que é pecado e o que não é pecado,
perdendo assim o referencial de Deus. No atendimento da confissão o conhecimento
da teologia é imprescindível para ajudar as pessoas a entenderem o que é pecado e
119 ANJOS, Márcio Fabri. Teologia dos Sacramentos Penitência e Unção dos Enfermos. p. 38. 120 PALUDO, Faustino. Deixai-vos Reconciliar. p. 98. 121Boletim Informativo da Causa de Beatificação e Canonização de Frei Damião de Bozzano. Ano I, n. 2. Outubro-novembro-dezembro – 2011. 122 PALUDO, Faustino. Deixai-vos Reconciliar, p. 98.
56
o que não é pecado. Sempre aparece no confessionário situações e perguntas
existenciais que a teologia pode dar respostas mais convincentes.
2.11 A atitude de advogado e juiz
Nessa atitude, o padre exerce a função de advogado e juiz, pois à sua frente
encontra-se um penitente com a sua consciência ética que o próprio Deus respeita e
entende. O sacerdote deve agir como Jesus que não julgou e nem condenou
ninguém, apenas abominou o pecado, mas demonstrou amor pelo pecador. A figura
do padre “advogado e juiz” é fundamental para fazer o penitente ter a consciência do
que é pecado, ajudando-o a reparar seus danos. Diante dessa excessiva
culpabilização, o padre precisa, “no rito da absolvição, ajudar o confessando a
acreditar realmente no perdão de Deus”123 e superar o remorso que atormenta sua
consciência.
Após a confissão, o sacerdote desfruta de um prolongamento espiritual pelo
momento celebrativo, por ter conhecido e ajudado alguém que estava carregando
um fardo muito pesado, fazendo jus às palavras de Jesus: “Venham para mim todos
vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei
descanso”.124 Por outro lado, ele se compromete com o sigilo sacramental que é
obrigado a guardar, preservando a identidade da pessoa por toda a vida.
O sacerdote, ao “celebrar o Sacramento da Penitência, cumpre o ministério
do bom pastor, que busca a ovelha perdida; do bom samaritano, que cura as feridas;
do pai que espera o filho pródigo e o acolhe ao voltar; do justo juiz, que não faz
acepção de pessoas e cujo julgamento é justo e misericordioso ao mesmo tempo”.125
Deve ainda, como ministro do perdão de Deus, unir à intenção e ao amor de Cristo
um profundo conhecimento da Sagrada Escritura, da Teologia, da Moral, da
Psicologia e do comportamento cristão e ter experiências das coisas humanas,
respeito e delicadeza diante da pessoa ferida pelo pecado, paciência para conduzir
o penitente à cura e plena maturidade, exercendo o papel de mestre e, em muitas
situações, de conselheiro e pai espiritual.
123 GRÜN, Anselm. Penitência Celebração da Reconciliação, p. 50. 124 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 11, vers. 28-29. 125 RITUAL DA PENITÊNCIA, p. 16.
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CAPÍTULO 3 – O ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO E O ACONSELHAMENTO
ESPIRITUAL
“A força mais poderosa do universo é o amor”.
Carl Rogers
O presente capítulo discorrerá, sobre a conceituação e diferenciação entre o
aconselhamento psicológico e o aconselhamento espiritual.
Ressalte-se aqui que apenas o profissional da Psicologia é quem pode atuar
em aconselhamento psicológico. Todavia, no âmbito do aconselhamento espiritual,
também padres, religiosos, ou pessoas leigas, poderão atuar, desde que tenham
sido devidamente preparados para essa função específica.
3.1 Aconselhamento psicológico
O aconselhamento psicológico é compreendido nesta dissertação, como uma
relação de ajuda tendo por base a perspectiva psicológica humanista na perspectiva
de Rogers, ou seja, a abordagem centrada na pessoa. É definido como “uma relação
interpessoal na qual o conselheiro ajuda a alguém a entender e resolver problemas
existências”126 que surgem no decorrer da vida de todo ser humano. O homem, em
sua relação com o outro e com o mundo, tem necessidade de partilhar seus desejos,
dores, angústias, dúvidas, conflitos e sofrimentos para se conhecer melhor e poder
escolher de forma autêntica entre as várias possibilidades que se encontram abertas
à sua existência. “Dessa forma, além de relacional, o homem é um ser dinâmico e
criativo que não está fechado em si mesmo. Seu modo de ser – a existência – é um
contínuo sair para fora em direção à decisão, à ação e auto-construção”.127
O aconselhamento psicológico é uma relação de ajuda, que tem como
objetivo o crescimento do ser humano na interação com o mundo, consigo mesmo e
com os outros, diferenciando-se, transformando-se em uma pessoa singular.
Pessoa capaz de transformar a si mesmo, bem como a realidade a sua volta.
126 GIORDANI, Bruno. La relación de ayuda: de Rogers a Carkhuff, p. 21. 127 PEREIRA, Leidilene Cristina. A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento espiritual, p. 15.
58
Forghieri concebe o aconselhamento psicológico como
a relação entre duas ou mais pessoas por meio de uma conversação, na qual a presença de um aconselhador torna-se existencialmente terapêutica para uma ou várias pessoas, que são os aconselhados. Constitui-se, portanto, de uma relação interpessoal que requer a presença genuína do aconselhador, manifestada por ele mediante diferentes atuações, tais como o fornecimento de informações ou esclarecimentos sobre assuntos que preocupam o aconselhando, o exame e a reflexão a respeito de situações conflitantes vivenciadas por ele e das várias perspectivas sob as quais elas podem ser consideradas; o reconhecimento e a exploração de recursos e capacidades pessoais do aconselhando no sentido de desenvolver sua própria liberdade para se confrontar com suas dificuldades do momento e procurar resolvê-las ou ultrapassá-las, ajudado inicialmente pela presença do aconselhador.128
No processo de aconselhamento, o conselheiro exerce o papel de auxiliar e a
pessoa busca encontrar seu próprio caminho em direção a uma vida plena. “Durante
o aconselhamento, o conselheiro é um auxiliar no processo, ele percebe os
elementos da vida apresentados pelo aconselhado, e os devolve, para que ele
possa refletir sobre os mesmos e, por sua vez, fazer o que considerar necessário”.129
Dessa forma, o conselheiro esforça-se para ajudar a pessoa a “tornar-se cada vez
mais consciente de si mesmo, de seu espaço vital, de sua própria estrutura de
referência”.130
3.1.1 Relação entre o conselheiro e o aconselhado
A relação entre o conselheiro e a pessoa que o procura deve acontecer livre
de pressões, em um diálogo no qual o aconselhado possa se expressar livremente.
Tal relação cria condições facilitadoras para a ocorrência de transformações.
Tanto Forghieri como Rudio131 afirmam que esse tipo de relação de ajuda
pode acontecer em um único encontro ou estender-se por mais encontros. Afirmam
que, mesmo em um único encontro, o conselheiro pode “facilitar ao cliente uma
128 FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Aconselhamento Terapêutico: Origens, Fundamentos e prática, p. 1. 129 PISANESCHI, Vandro. Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática da direção espiritual, p. 20. 130 BENJAMIN, Alfred. A Entrevista de Ajuda, p. 57. 131 FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Aconselhamento Terapêutico: Origens, Fundamentos e prática, p. 127; RUDIO, Franz Victor. Orientação não-diretiva na educação, no aconselhamento e na psicoterapia, p. 14.
59
visão mais clara de si mesmo e de sua perspectiva ante a problemática que vive”.132
Um único encontro pode assumir, também, características de uma triagem na qual é
feito um encaminhamento para outro profissional se necessário, ou novos encontros
são combinados, se houver interesse. Em situações específicas, a pessoa poderá
ser encaminhada para um diretor espiritual que poderá ajudá-la a reelaborar
questões desse universo.
Durante o processo de aconselhamento, o conselheiro busca “construir o
outro como parceiro de encontro, legitimá-lo como interlocutor de mesmo nível e não
necessariamente concordar com ele”.133 A pessoa tem o direito de construir sua
própria história, percorrer seu próprio caminho, tomar suas decisões. Nesse
contexto, cabe ao conselheiro aceitar seu cliente, da maneira como ele se
apresenta, sem julgamento e sem impor caminhos a serem seguidos.
Por sua atitude, o aconselhador expressa a sua confiança de que o aconselhando é realmente capaz de autocompreensão e de encontrar a resposta para as dificuldades. Pela aceitação do aconselhando e pelo respeito à sua integridade como um indivíduo autônomo e independente abstém-se de qualquer intervenção para dirigir a situação de aconselhamento, tal como estabelecer os objetivos do aconselhamento, sugerir, persuadir, inquirir, fazer interpretações, delinear tópicos para descrição e introduzir os seus valores.134
Cabe ao conselheiro compreender os motivos que levaram a pessoa a buscar
ajuda e criar condições facilitadoras para que ela possa construir um novo caminho.
Nessa dinâmica, é importante que a pessoa se sinta acolhida, para encontrar
maneiras de vencer as dificuldades que a tem impedido de viver uma vida plena.
Quando o conselheiro é aceitador e empático nessa relação, ele pode criar
possibilidades de mudanças autênticas, duradouras e sólidas em seu aconselhado.
O cliente modifica-se e reorganiza a concepção que faz de si mesmo; desvia-se de uma idéia que o torna inaceitável aos seus próprios olhos, indigno de consideração, obrigado a viver segundo as normas dos outros. Conquista progressivamente uma concepção de si mesmo como uma pessoa de valor autônomo.135
132 Ibid., p. 76. 133 AMATUZZI, Mauro Martins. O resgate da Fala Autêntica: Filosofia da Psicoterapia e da Educação, p. 53. 134 SCHEEFFER, Ruth. Aconselhamento psicológico: teoria e prática, pp. 56-57. 135 ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa, p. 67.
60
No aconselhamento, as pessoas “buscam encontrar um amigo que lhes
mostre que ainda vale a pena enfrentar a vida, e continuar buscando a felicidade”136
e assim “reencontrar o ‘amor deslumbrado’, a força motriz do seu caminho e
direção”.137
O conselheiro, ao ajudar a pessoa a se encontrar consigo mesma e conhecer-
se melhor cria condições facilitadoras para que ela possa viver em plenitude. Ele
ajuda o cliente a “descobrir o que há de positivo nele e a reconstruir a confiança em
si mesmo. Vale aqui o princípio de que uma pessoa só pode estimar a amar a si
mesma, se encontra alguém que a aprecie e a aceite com amor”.138
Quando o conselheiro acredita em seu cliente, leva-o a crer que o homem é
essencialmente positivo, apto para se desenvolver e superar as barreiras
encontradas ao longo de sua caminhada e assim “efetivar-se, no sentido da auto-
realização, autonomia e maturidade”.139
3.1.2 Crescimento psicológico no aconselhamento
De acordo com Rogers, existem condições que facilitam o crescimento
psicológico do cliente e que dependem de atitudes específicas do conselheiro. São
elas: a aceitação positiva, a congruência, a compreensão empática e a escuta.
Rogers entende por aceitação positiva a capacidade do conselheiro em
acolher e aceitar o cliente da maneira como ele se apresenta. Aceitá-lo
incondicionalmente sem julgá-lo ou impor caminhos a serem seguidos, mas
demonstrando que está disposto a estar junto dele, acompanhando-o em suas
escolhas. O conselheiro coloca-se ao lado de seu cliente demonstrando interesse e
respeito por sua história de vida. É preciso que ele acolha e compreenda os motivos
que levaram a pessoa a pedir ajuda e mostre que ambos podem construir um novo
caminho. Com essa atitude, o cliente “modifica-se e reorganiza a concepção que faz
de si mesmo; desvia-se de uma idéia que o torna inaceitável aos seus próprios
136 PISANESCHI, Vandro. Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática da direção espiritual, p. 23. 137 JORDÃO, Marina Pacheco. Reflexões de um terapeuta sobre as atitudes básicas na relação terapeuta-cliente. In: ROSENBERG, Rachel (Org.). Aconselhamento psicológico centrado na pessoa, p. 52. 138 GIORDANI, Bruno. La relación de ayuda: de Rogers a Carkhuff, p. 34. 139 RÚDIO, Franz Victor. Orientação não-direteiva na educação, no aconselhamento e na psicoterapia, p. 20.
61
olhos, indigno de consideração, obrigado a viver segundo as normas dos outros”.140
Em outras palavras, a aceitação positiva incondicional significa respeitar a maneira
singular do cliente, sem ter a pretensão de mudá-lo.
A segunda condição é a congruência que pode ser entendida como o
reconhecimento dos sentimentos do conselheiro para com a pessoa e sua
comunicação, de maneira adequada, sincera, genuína e autêntica. A congruência
facilita o diálogo e gera um clima de confiança; “com a palavra congruência
queremos dizer que os sentimentos que o conselheiro está vivenciando são
acessíveis à sua consciência, que é capaz de viver estes sentimentos, senti-los na
relação e capaz de comunicá-los, se isso for adequado”.141 O conselheiro reconhece
seus sentimentos mais profundos e estabelece uma comunicação no momento
adequado, imprescindível na relação de ajuda.
Quando a pessoa sente que está diante de um conselheiro autêntico e
presente na relação estabelece-se um clima de confiança que possibilita o
surgimento do novo. O cliente percebe que ele também pode ser autêntico e não ter
medo de expressar seus sentimentos.
A congruência gera na pessoa uma atitude de aceitação de si mesma e
assim, ela passa a se ouvir e a respeitar seus sentimentos provocando
transformações significativas em sua própria vida. “À medida que estas
transformações vão se operando, torna-se mais consciente de si, se aceita melhor,
adota uma atitude menos defensiva e mais aberta, descobre que afinal é livre para
se modificar e para crescer nas direções naturais do organismo humano”.142
A terceira condição é a empatia que pode ser entendida como a
possibilidade de compreender o outro a partir dele mesmo. O conselheiro procura
“compreender as experiências e as vivências do aconselhado, tentando perceber o
mundo fenomenológico do aconselhado como ele o percebe, e expressa a sua
compreensão de maneira empática”143
Na compreensão empática, o conselheiro demonstra sensibilidade em relação
aos sentimentos do aconselhado tentando compreendê-lo a partir dele mesmo.
140 Ibid., p. 23. 141 ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. De pessoa para pessoa: O problema do ser Humano – uma nova tendência na psicologia, p. 105. 142 ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa, p. 66. 143 SHEEFFER, Ruth. Teorias de Aconselhamento, p. 57.
62
Como diz Sheeffer “o aconselhador continuamente procura compreender as
experiências e as vivências do aconselhando, tentando perceber o mundo
fenomenológico do aconselhado como ele o percebe, e expressa a sua
compreensão de maneira empática”.144 Para Rogers, a empatia é:
a capacidade de perceber o quadro de referência interno do outro com precisão e com os componentes e significados emocionais que a ele pertencem, como se aquele que percebe fosse a outra pessoa, mas sem jamais perder a condição do ‘como ser’.145
Rogers está indicando que o conselheiro não toma para si a vida da pessoa,
mas sente com ela sem, no entanto, identificar-se com ela. Para tanto, o conselheiro
deve colocar entre parênteses seus julgamentos pessoais e procurar entender o
cliente a partir de sua própria experiência.
Há uma metodologia fenomenológica nesse tipo de aconselhamento, pois o conselheiro é convidado a colocar entre parênteses seus julgamentos pessoais e entender o cliente a partir da sua própria experiência e vivenciar com ele a problemática trazida durante o aconselhamento, ou seja, a necessidade de um despojamento e suspensão de julgamento para entrar em contato com o outro, captando-o, reconhecendo-o e comunicando-se.146
Rollo May afirma que essa postura é um exercício de amar:
É impossível conhecer-se outra pessoa sem que a amemos, no sentido amplo da palavra. Mas essa situação significa que ambas as pessoas serão transformadas pela identificação resultante do amor. O amor possui uma tremenda força psicológica. É a força mais poderosa disponível no campo da transformação da personalidade.147
144 SHEEFFER, Ruth. Teorias de Aconselhamento, p. 57. 145 ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. De pessoa para pessoa: O problema do ser Humano – uma nova tendência na psicologia, p. 107. 146 MORATO, Henriette Tognetti Penha. Abordagem centrada na pessoa: teoria ou atitude na relação de ajuda? In: Rachel Lea ROSENBERG (Org.) Aconselhamento psicológico centrado na pessoa, p.36. 147 MAY, Rollo. A arte do Aconselhamento, p. 71.
63
Benjamin ensina que a compreensão empática é:
a mais significativa, embora simultaneamente a mais difícil. Trata-se de compreender com a outra pessoa. É necessário deixar tudo de lado, menos nosso senso comum de humanidade, e somente com ele tentar compreender com a outra pessoa como ela pensa, sente e se vê o mundo ao seu redor. Significa nos livrarmos de nossa estrutura interna de referência, e adotar a do outro. A questão é não discordar ou concordar com ele, mas compreender o que é ser com ele.148
Outra condição indispensável para o aconselhamento é a escuta. Na escuta o
conselheiro adentra o mundo da pessoa e conhece seu quadro referencial. Para
tanto é preciso colocar-se em uma postura de abertura para o outro a fim de oferecer
uma escuta sincera e interessada. É preciso ouvir o que o outro diz, estar atento a
todos os seus gestos e posturas e deixar-se impactar pelo outro.
Essas atitudes do conselheiro criam condições para que amplie sua
percepção a respeito de sua problemática e desenvolva seus próprios recursos e
capacidades pessoais, no sentido de assumir a responsabilidade por suas escolhas.
É importante que o conselheiro desenvolva seu equilíbrio interior, buscando
maturidade afetiva e psicológica, evitando identificar-se com o cliente ou buscar
suprir suas carências pessoais na relação de ajuda. “Se não tiver um bom
conhecimento de si, de suas incoerências, de seus medos e inseguranças, não
poderá estar disponível para perceber seu mundo e o do seu cliente”.149
3.2 Aconselhamento espiritual
O aconselhamento espiritual, para a Igreja Católica, é uma relação de ajuda
estabelecida entre o conselheiro espiritual e a pessoa que o procura. Visa a construir
um caminho de crescimento espiritual duradouro. Ele pode ser exercido “por
pessoas idôneas e preparadas pela comunidade, não havendo a necessidade de ser
um sacerdote ordenado pela Igreja Católica”.150
O aconselhamento espiritual, quando conduzido por um sacerdote, não
envolve necessariamente a confissão, a não ser que a pessoa a solicite. Nesses
casos, o sigilo é imprescindível. O sacerdote tem por obrigação guardar o sigilo sob
148 BENJAMIN, Alfred. A entrevista de Ajuda, p. 67. 149 CAMARGO, Ismênia. A formação do conselheiro. In: ROSEMBERG, Rachel Lea (Org.), Aconselhamento psicológico centrado na pessoa, p. 58. 150 CONNLOY, William. A prática da direção espiritual, p. 129.
64
pena de excomunhão e ele não pode, em momento algum fazer alusão ao pecado
que foi confessado, nem mesmo com o próprio penitente. Já o aconselhamento
espiritual não está submetido ao sigilo como a confissão, mas o conselheiro
espiritual deve respeitar o sigilo ético. Nesse processo, o conselheiro espiritual pode
“fazer referência aos diálogos periodicamente”,151 para ajudar a pessoa.
3.2.1 O surgimento do aconselhamento espiritual
A prática do aconselhamento espiritual na Igreja Católica é muito antiga e
remonta ao século XVI, no clima da Reforma Católica.152 Tem por objetivo educar as
consciências e transmitir modelos dos comportamentos aceitos e esperados de um
cristão. No início do século seguinte houve um florescimento de publicações que
orientavam os confessores a darem aconselhamento espiritual no confessionário.
Essa orientação permaneceu até a metade do século XX, período assinalado pela
crise da figura tradicional do conselheiro espiritual como conseqüência do processo
de secularização, das mudanças na vida religiosa sacerdotal e do desenvolvimento
das ciências humanas e sociais, entre elas a Psicologia. No Concílio Vaticano II, em
1965 a prática do aconselhamento espiritual foi retomada focada em duas
perspectivas: a teológica e a existencial. Na vertente teológica, o aconselhamento
espiritual procura sistematizar uma reflexão a respeito do discernimento vocacional
tendo como objetivo o acompanhamento dos religiosos no desenvolvimento das três
dimensões: tornar-se pessoa, ser cristão e exercer o exercício vocacional. Já na
perspectiva existencial, o aconselhamento espiritual atende a todos, sobretudo os
leigos que buscam ajuda do padre em momentos de dúvida, dor, angústia ou por
aspirarem a um desenvolvimento espiritual.153
3.2.2 Aconselhamento espiritual no Evangelho
No Evangelho encontra-se, da parte de Jesus, dois modos de realizar o
aconselhamento espiritual. O primeiro denomina-se direção espiritual sistemática e o
151 SZENTMÁRTONI, Mihály. Caminhar juntos: Psicologia pastoral, p. 71. 152 A Reforma Católica, também chamada Contra Reforma foi uma reação da Igreja Católica contra a expansão de outras religiões principalmente o protestantismo fundado por Lutero. 153 PEREIRA, Leidilene Cristina. A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento espiritual, p. 34.
65
segundo, direção espiritual ocasional; o primeiro está voltado em especial para os
seus discípulos e o segundo, para as pessoas em geral.154
O aconselhamento espiritual brota da vertente existencial e apóia-se sobre o
exemplo deixado pelo próprio Cristo conforme narra o Evangelho. Ele se encontrava
com as pessoas oprimidas, doentes, angustiadas e solitárias dizendo: “Venham para
mim todos vós que estais cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei
descanso”.155 Nessa perspectiva evangélica “o aconselhamento espiritual consiste
em ajudar o indivíduo em seu processo de crescimento na relação com Deus e apoio
na certeza de que Deus se comunica com os homens por meio das diversas
situações vividas”.156 Dessa forma, o aconselhamento espiritual configura-se como
“ajuda oferecida a um cristão que quer se comunicar com Deus” e aumentar sua
intimidade com Ele. “Ajuda essa que capacita este outro a prestar atenção à
comunicação pessoal de Deus com ele, a responder a esse Deus pessoalmente
comunicante, a aumentar a sua intimidade com ele e a viver as consequências
desse relacionamento”.157 O aconselhamento espiritual pode ainda ser entendido
como maneira específica de “ajudar o outro a encontrar-se consigo mesmo, com os
outros e com Deus para ter uma vida humana e espiritual de qualidade”.158
Nesse contexto, dentro de uma visão católica, Deus vem ao encontro do ser
humano, a todo momento e manifesta suas experiências concretas e cotidianas para
estabelecer com ele uma relação de comunhão e, para testar sua perseverança,
permite que viva desilusões para elevar sua alma e centrá-la nEle, o único que pode
preencher um coração vazio e satisfazê-lo por completo. Ele permite essas
provações “por que vos ama e quer vos fazer empregar essas múltiplas dificuldades
como trampolins para vossa perfeição”.159
A pessoa pode encontrar Deus de diversas formas; entre elas a sós, na
companhia de outras pessoas e nos atos litúrgicos. “Cada pessoa, homem ou
mulher, encontra Deus em sua própria experiência, quer essa experiência ocorra
154 CORTI, Renato; MOIOLI, Giovanni; SERENTHÀ, Luigi. A direção Espiritual Hoje: discernimento cristão e comunicação interpessoal, p. 35.
155 BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. Bíblia sagrada: Edição Pastoral. Trad. de Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 11, vers. 28-29. 156 BARRY, Willian A. A direção Espiritual e o encontro com Deus: uma indagação teológica, p. 21. 157 BARRY, Willian A; CONNOLLY, Willian J. A Prática da Direção Espiritual, p. 22. 158 SCIADINI, Frei Patrício. A pedagogia da Direção Espiritual, p. 14. 159 CALLENS, L. J. A Pedagogia do Espírito Santo, p. 64.
66
comunitariamente num culto litúrgico, quer na companhia de uma ou duas outras
pessoas”.160 Na medida em que a pessoa entra em contato com suas experiências
olhando-as sob a perspectiva da fé, sente o desejo de viver de um jeito novo. Isso
porque a fé não nasce por conta própria, necessita ser apresentada, ensinada e
partilhada.
Seguindo esse raciocínio, o Papa Bento XVI161 afirma que a fé, embora seja
um ato pessoal deve ser vivida comunitariamente porque ninguém se salva sozinho
e é difícil perceber os sinais de Deus de uma maneira solitária. Deus nos faz
convites todos os dias e fala constantemente em muitos momentos de nossa vida. É
preciso que o homem mergulhe em suas próprias experiências de fé para perceber a
voz de Deus que o chama todas as horas a viver plenamente. Sendo assim, é
justamente o conselheiro espiritual que tem essa função específica: a de ajudar o
homem a fazer esse mergulho interior.
A tradição católica afirma que a fé cristã foi revelada por Jesus e confiada à
Igreja Católica. E no aconselhamento espiritual a fé é um elemento fundamental
porque as coisas que são ditas e as experiências narradas durante o
aconselhamento só são compreendidas à luz dessa mesma fé, a qual leva o ser
humano a perceber a presença do Espírito Santo e a ação transformadora de Jesus
em sua vida. Nesse caso, tanto o conselheiro espiritual quanto o aconselhado
partem da fé, ou seja, de um universo comum de crenças e valores que ampara toda
a relação de ajuda, convergindo para aquilo que creem pela luz dessa fé, sem
necessitar de prova concreta.
3.2.3 O conselheiro espiritual
O aconselhamento espiritual é entendido como um serviço em que o padre
conselheiro ou leigo assiste às pessoas. Para assumir responsabilidade, ele deverá
ter passado anteriormente por uma preparação humanista, ética, espiritual e
teológica.
160 BARRY, A; CONNOLLY, Willian J. A Prática da Direção Espiritual, p. 22. 161 BENTO XVI. Carta Encíclica sobre a esperança cristã, n. 48.
67
Para Danon o conselheiro espiritual
não é simplesmente o confessor, é o fruto de uma longa evolução e de uma original colaboração entre teologia e ciência do comportamento, entre religião e ciência. Nos Estados Unidos o conselheiro espiritual trabalha em estreita colaboração com os serviços de higiene mental e com as comunidades religiosas locais e oferece uma válida contribuição ao enfrentar e, sobretudo, ao prevenir muito sofrimento social, problemas ligados à droga, ao álcool, conflitos familiares, violência, depressão, suicídio, delinquência juvenil e outros. Além dos lugares de culto (igrejas, sinagogas), atua no âmbito dos hospitais, presídios, universidades, quartéis, escola primária e secundária.162
Nessa concepção de ajuda o aconselhamento espiritual combina a
experiência de fé com a compreensão das complexidades do existir humano, uma
vez que se utiliza de uma diversidade de métodos para ajudar as pessoas a lidarem
com seus problemas, crises existenciais e espirituais. Desempenha também, uma
função reparadora, necessária quando o crescimento das pessoas é comprometido
ou bloqueado por dificuldades inerentes à vida. Finalmente, configura-se como uma
relação em que se dá o desenvolvimento de aptidões e potenciais de enfrentamento,
por parte do aconselhado, tendo sempre em vista seu crescimento espiritual.
O aconselhamento espiritual visa ajudar as pessoas a lidar construtivamente com seus problemas imediatos, tomar decisões, encarar responsabilidades e corrigir comportamentos prejudiciais a si mesmas e às outras, bem como expressar, experimentar e, consequentemente, resolver sentimentos, atitudes e autopercepções que bloqueiam o crescimento.163
É imprescindível ao conselheiro espiritual o testemunho de vida, ou seja,
irradiar o amor de Deus em sua vida. Exemplo disso é Madre Tereza de Calcutá que
dizia: “continue dando Jesus ao seu povo não pelas palavras, mas pelo seu exemplo
– por estar enamorado de Jesus – por irradiar a santidade Dele e espalhar Sua
fragrância de amor onde quer que o Senhor vá”.164 Dessa forma, o conselheiro é um
“dom espiritual, verdadeiro carisma, concedido pelo Espírito de Deus para o
crescimento e o progresso do Reino de Deus. Sem dúvida, habilidades, técnicas e
destrezas aprendidas facilitam esse dom, mas não o substituem”.165 O dom para o
162 DANON, M. Counseling: uma nova profissão de ajuda, p. 206. 163 CLINEBELL, Howard J. Aconselhamento Pastoral: modelo centrado em libertação e crescimento, p. 33. 164 MADRE TEREZA DE CALCUTÁ. Carta de Madre Tereza para o padre Dom Kribs, in: KOLODIEJCHUK, Brian. Madre Tereza venha ser minha luz, p. 281. 165 HOUDEK, Frank J. Guiados pelo Espírito: Direção espiritual em perspectiva inaciana, p. 129.
68
aconselhamento espiritual precisa estar acompanhado de algumas características
importantes; conhecimento de Deus “que desafia a pessoa a mudar; hábito de leitura
da Bíblia como fonte de oração; conhecimento do verdadeiro Deus e da Fé da Igreja,
sólido conhecimento de Teologia; estudo da história e da espiritualidade;
familiaridade com a Psicologia”.166
O conselheiro espiritual também necessita de uma direção espiritual
constante a fim de manter viva a sua experiência junto de Deus, evoluindo no
caminho da própria santidade. Quanto mais ele evolui, mais estará preparado para
ajudar outras pessoas a fazerem suas experiências de fé e a percorrerem seu
caminho de santidade.
3.2.4 Os quatro objetivos específicos do aconselhamento espiritual
O processo de aconselhamento espiritual possui quatro objetivos específicos:
teografia, mistagogia, educação da consciência e nova vida em Cristo.
A teografia e a mistagogia estão próximas e são entendidas como uma
espécie de ajuda que uma pessoa presta a outra para procurar entender a escrita de
Deus em sua história pessoal e também, reconhecer a capacidade da pessoa para
conduzir a outra à experiência pessoal com o mistério de Deus. No coração de cada
homem existe a marca indelével de Deus e o conselheiro espiritual precisa deixar
claro para o aconselhado que Deus escreve em cada coração humano uma história
de amor: “Não há dúvida de que vós sois uma carta de Cristo, redigida por nosso
ministério e escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas
de pedra, mas em tabuas de carne, isto é, em vossos corações”.167 Para fazer com
que o aconselhado perceba a história de amor escrita em cada coração e mergulhe
no mistério de Deus, o conselheiro espiritual faz uso da teografia e da mistagogia.
166 SZENTMÁRTONI, Mihály. Caminhar juntos: Psicologia pastoral, p. 100. 167 BÍBLIA, N. T. II Coríntios. Português. Bíblia sagrada: Edição Pastoral. Trad. de Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 3, vers. 3-4.
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Como teógrafo e mistagogo, o diretor espiritual ajuda quem o procura a perceber e localizar em sua vida os sinais da presença de Deus, a descobrir e tornar mais consciente na história da experiência espiritual de cada pessoa a maneira pela qual é encaminhada por Deus, ou a maneira segundo a qual Deus, que pelo Espírito Santo revelou seu mistério na história de Jesus Cristo, se manifesta na história do dirigido. A atenção do diretor deve estar voltada para essas duas histórias e para a progressiva fusão de seus dois horizontes.168
Exercer a função de teógrafo e mistagogo implica reconhecer e aceitar que o
verdadeiro conselheiro espiritual é o Espírito Santo, pois é Ele quem sonda e
conhece as profundezas do coração humano. É necessário permitir que o Espírito
Santo de Deus tenha livre acesso ao coração do aconselhado pois “o diretor
colabora com o orientando e com o Espírito de Deus para descobrir avaliar e
incentivar a direção iniciada pelo amoroso e sempre presente do Espírito de
Deus”.169 Dessa forma o aconselhamento espiritual envolve conselheiro e
aconselhado na presença do Espírito Santo.
Para a teologia católica a consciência moral possui papel preponderante na
vida humana e é por ela que o homem percebe a vontade de Deus em sua vida e
torna-se capaz de amá-lo segui-lo, obedecê-lo, depositando Nele toda sua
confiança.
Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe soa no coração: faze isto e evita aquilo. De fato o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa a sua voz. Pela consciência se descobre, de modo admirável, aquela lei que se cumpre no amor de Deus e do próximo.170
Não são todas as pessoas que têm a percepção dessa voz interior e os
“preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e
inconfundível”.171 Algumas pessoas, muitas vezes, atribuem a Deus vontades
próprias e objetivos pessoais que acreditam vir da voz interior e provocam nas
pessoas, principalmente subordinados danos irreversíveis. O conselheiro espiritual
deve estar atento, no momento do aconselhamento, à essa voz interior percebendo
168 MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã, pp. 163-164. 169 HOUDEK, Frank J. Guiados pelo Espírito: Direção espiritual em perspectiva inaciana, p. 18. 170 CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES, n. 16, p. 157. 171 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 518.
70
se ela brota da experiência de Deus ou das próprias experiências do aconselhado. A
consciência é um sacrário inviolável que só Deus pode adentrar. Ninguém, por mais
que tenha conhecimento, espiritualidade, fé, mística pode penetrar na consciência
do outro.
Nessa perspectiva, o conselheiro espiritual tem a missão de mostrar ao
aconselhado a palavra de Deus e suas implicações bem como a tradição católica,
sempre respeitando seu nível de maturidade, suas experiências de fé e sua história
de vida. Ele pode partilhar suas convicções sem impô-las, deixando livre a escolha
do aconselhado quanto à assimilação e aceitação do que é proposto para que ele
possa fazer seu próprio caminho porque “este processo garante a liberdade e gera a
paz no coração”.172
A nova vida em Cristo consiste em que o conselheiro favoreça ao
aconselhado um encontro pessoal com Jesus Cristo. Quanto mais o conselheiro e
aconselhado tiverem afinidade e comunhão com Deus, mais frutuoso será a
aconselhamento.
A comunhão com Cristo, mais do que uma simples sintonia intelectual ou afetiva comum à ideia, uma causa, uma utopia, é a experiência do fato de uma associação e participação pessoais, afetivas e efetivas, no mistério de sua pessoa e do seu destino; sua fé, sua esperança e seu amor na entrega de sua vida ao Pai e aos seres humanos se tornam nossa fé, nossa esperança e nosso amor.173
O catolicismo ensina que quanto mais perto do coração de Deus a pessoa
estiver, quanto mais mantiver uma amizade livre e sincera com Jesus, mais ele
sentirá o amor do próprio Deus, tornando-se capaz de amar o outro.
Sendo assim, o conselheiro espiritual parte do princípio de que quanto mais
ele tem intimidade com Jesus, mais consegue se libertar de uma vida medíocre e
mesquinha para viver de um jeito novo fazendo com que sua vida seja sinal da
presença de Jesus no mundo. Buscar a santidade e fazer com que o aconselhado
seja contagiado por essa santidade deve ser a meta constante do conselheiro.
172 Ibid., p. 482. 173 MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã, p. 160.
71
3.2.5 O tempo e a duração do aconselhamento espiritual
O aconselhamento espiritual é um processo continuo. O conselheiro deve
deixar claro para o aconselhado que não há prazo estipulado para o término do
referido processo, embora “cada um seja livre para terminar a relação no momento
que julgar mais conveniente”.174
Dessa forma, tem-se que nos primeiros encontros do aconselhamento
espiritual deve-se combinar junto à pessoa a periodicidade dos encontros, local,
horário e tudo o que for necessário para o bom andamento do aconselhamento.
Caso não haja empatia e disponibilidade de ambas as partes, não se aconselha
iniciar a orientação.
Recomenda-se que nas primeiras reuniões da orientação seja feita uma
triagem para avaliar a necessidade ou não de encaminhamento da pessoa para um
possível atendimento psicológico, psiquiátrico ou outro, a fim de que possa ser feito
um trabalho em conjunto, visando à melhora da pessoa. Aconselha-se também que,
a priori, os encontros sejam semanais. A posteriori, depois de estabelecida a aliança
de trabalho “o mais indicado é que eles se tornem quinzenais ou no máximo
mensais” 175 e que cada encontro dure uma hora.
Durante o aconselhamento espiritual, o aconselhado narra sua vida,
experiências cotidianas, sonhos e esperanças. Nesse diálogo, com o auxílio do
conselheiro ele começa a perceber a ação de Deus ao longo de sua história, ou
seja, como Deus fala por meio daquelas experiências. Com o auxílio do
acompanhando e na presença do Espírito Santo, novas experiência vão surgindo e
mudanças começam a acontecer. “Novas percepções surgem de encontros, de
leituras, da beleza da natureza, de uma celebração que toque fundo a pessoa, de
ocasiões de conflito ou crise pessoal. A verdade ou presença da realidade misteriosa
é clara e exigente”.176
O conselheiro espiritual é convidado a discernir com a pessoa a voz de Deus
e auxiliá-la a escolher os passos que quer dar para progredir no caminho de amor
com Deus e assim “ajustar a vida a esse novo compromisso. Valores, necessidades,
relações e trabalho têm de ser ajustados radicalmente para se harmonizarem com a
174 HOUDEK, Frank J. Guiados pelo Espírito: Direção espiritual em perspectiva inaciana, p. 25. 175 LAIRD, Rebeca J. Como encontrar um diretor espiritual, p. 202. 176 HOUDEK, Frank J. Guiados pelo Espírito: Direção espiritual em perspectiva inaciana, p. 45.
72
qualidade de experiência de conversão”.177 Na continuidade, deve estar à disposição
para que a pessoa o procure sempre que necessitar. Ele é convidado a caminhar ao
lado do aconselhado, para auxiliá-lo a continuar percebendo a ação amorosa de
Deus em sua vida.
Também cabe ao conselheiro espiritual estar atento à relação estabelecida
junto a pessoa, pois poderão ocorrer processos transferências quando o
aconselhado “liga ou transfere ao diretor imagens, sentimentos, lembranças e
experiências que pouco ou nada tem a ver com ele”.178 Por sua vez, o conselheiro
também pode desenvolver esse processo em relação a pessoa, quando observa que
isso está acontecendo, deve tomar alguns cuidados como “reduzir a frequência dos
encontros e tornar o fenômeno explícito, fazendo com o aconselhado uma
abordagem direta sobre o problema”.179
Quando o aconselhado corresponde ao aconselhamento ele começa a
desenvolver uma maior “sensibilidade às realidades dos outros seres humanos”,180
maturidade espiritual e afetiva, amadurecimento da fé e profunda comunhão com
Deus. Finalmente, o aconselhamento espiritual “deve fazer crescer uma pessoa que
assume Jesus Cristo, a Igreja e a vida concreta de cada dia, que tem uma identidade
cristã e social no ambiente em que vive, tornando-se assim fermento de
transformação”.181
3.2.6 Atitudes essências no aconselhamento espiritual
Algumas atitudes são essenciais no processo do aconselhamento espiritual.
A primeira delas é a atitude de acolhida. O conselheiro espiritual deve favorecer um
ambiente acolhedor para que a pessoa se sinta livre para expressar seus
sentimentos sem restrição ou medo. A postura de acolhida é imprescindível, pois
sem ela todo o trabalho pode ficar comprometido.
A segunda atitude é a da escuta. O conselheiro espiritual deve deixar claro
para a pessoa que ela está sendo plenamente ouvida. “A escuta permite que o outro
177 Ibid., p. 47. 178 Ibid., p. 47. 179 SZENTMÁRTONI, Mihály. Caminhar juntos: Psicologia pastoral, p. 98-99. 180 HOUDEK, Frank J. Guiados pelo Espírito: Direção espiritual em perspectiva inaciana, p. 146. 181 SCIADINI, Frei Patrício. O que é, como se faz direção espiritual, p. 119.
73
se estruture: é falando que alguém se apropria de sua existência; para que o apelo
de Deus possa crescer e produzir frutos”.182
A terceira atitude é a de confiança na relação que se estabelece entre as
pessoas envolvidas. Ela é transmitida pelo conselheiro quando a pessoa percebe
que ele está sendo coerente, autêntico e está interessado pela orientação. Quanto
mais houver coerência, tanto da parte do conselheiro espiritual como da pessoa,
melhor será a confiança que se estabelece entre ambos.
A quarta atitude diz respeito à liberdade que possibilite que tanto o
conselheiro espiritual como a pessoa falem sobre o que realmente pensam, numa
atitude madura de sinceridade. O conselheiro espiritual expressa sua opinião, mas
não deve impô-la ou esperar que a pessoa o obedeça.
A quinta atitude refere-se à solicitude. Consiste em um processo de estar a
sós com Deus para ouvir sua voz e manter uma profunda intimidade com ele. Não
significa que o conselheiro espiritual deva estar solitário e isolado, mas que ele
cultive o silêncio e a contemplação. A solicitude deve ser praticada reservando um
“momento de oração sem palavras, através de leituras sagradas, seguidas por um
espaço aberto para ouvir a voz de Deus ou sentir a presença de Deus ou um
chamado para esperar”.183
A sexta atitude refere-se à caridade, como condição fundamental em qualquer
relação de ajuda cristã. Aqui o conselheiro espiritual se dispõe a ajudar a pessoa
com amor e empatia. Ele precisa demonstrar amor, atenção e compreensão
acolhendo como irmão aquele vem lhe pedir ajuda.
182 MONDONI, Danilo. Teologia da Espiritualidade Cristã, pp. 160-161. 183 NOUWEN, Henri. Direção espiritual: Sabedoria para o caminho da fé, p. 146.
74
CAPÍTULO 4 – APROXIMAÇÃO DE CONHECIMENTOS DO ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO PARA A PRÁTICA DA DIREÇÃO ESPIRITUAL E DO
ATENDIMENTO DA CONFISSÃO SACRAMENTAL
“Perdoar tampouco significa voltar a ser o que era antes da ofensa”.
Miguel Lucas
Durante o processo de pesquisa, fui me apropriando de conhecimentos do
aconselhamento psicológico percebendo o quanto dava sentido e importância à
minha prática como confessor e diretor espiritual de vários grupos, movimentos e
pastorais da Igreja católica. Tal aproximação fez com que compreendesse minha
experiência como confessor e diretor espiritual de uma nova maneira e,
consequentemente, minha prática foi mudando.
No entanto, o uso de alguns termos e conceitos psicológicos pode não
corresponder exatamente ao rigor teórico que é utilizado na abordagem psicológica
porque a aplicação de conceitos de uma área do conhecimento em uma outra exige
transformações, pois eles são inseridos em um novo contexto. Na medida em que a
apropriação de alguns conceitos de Psicologia foi tomando fôlego ao longo da
pesquisa, fui mudando o modo de entender a confissão, e de atuar na direção
espiritual em minha prática pastoral. Os conhecimentos adquiridos ressoaram em
mim, abrindo novos caminhos, alternativas e modos de aplicá-los à minha prática,
possibilitando refletir sobre eles. Acredito que essa apropriação de alguns conceitos
do aconselhamento psicológico possa ser útil para aqueles que se dedicam à prática
do aconselhamento espiritual.
4.1 Apropriação de alguns conceitos do aconselhamento psicológico
Alguns conceitos da abordagem centrada na pessoa mostraram-se
compatíveis com os conceitos da religião católica, facilitando um diálogo
harmonioso. Nessa abordagem, o que mais me chamou a atenção foi a visão de
homem apresentada por Rogers o qual:
75
expressa a sua crença no homem como um organismo vivo, global, com capacidade de crescimento e desenvolvimento de suas potencialidades próprias. Tal processo é inato e admitido como tendência atualizadora, ou seja, direcionado para o crescimento. Acredito que para Rogers essa tendência atualizadora seja o próprio sentido de vida, de existência e de caráter evolutivo.184
Dentro dessa concepção de homem, todas suas forças precisam, para atingir
a plenitude de seu desenvolvimento, encontrar-se nele. Não vêm de fora, estão
dentro do homem, basta ele acreditar em si e colocar-se no mundo como um
organismo vivo capaz de mudar e transformar. No entanto, faz-se necessário que o
aconselhamento psicológico mostre condições para que o aconselhado possa tomar
consciência de si mesmo e consiga desenvolver todas as potencialidades e
capacidades em seu crescimento pessoal. Esse crescimento é facilitado por um
ambiente acolhedor que possibilite que sua vida siga rumo à plenitude. Ele necessita
de “um movimento de sair de si, um projetar-se, um devir, um incessante tornar-se,
um contínuo processo de vir a ser”.185
A teologia católica ensina que Deus criou o ser humano à sua imagem e
semelhança conforme narra o livro do Gênesis. 186 No paraíso o homem gozava de
uma santidade original a tal ponto de possuir uma comunhão plena com Deus, não
estando sujeito a dor, sofrimento e morte. Isso fazia com que o homem tivesse pleno
domínio de si mesmo.187 Com o pecado original, essa comunhão e liberdade foram
rompidas e afetaram a natureza humana a tal ponto de ser expulso do paraíso e ter
que enfrentar a dor, o sofrimento e a morte. Mesmo assim ele continuou imagem e
semelhança de Deus, mas tendo uma inclinação para o pecado. O papel do
confessor e diretor espiritual é de grande relevância nesse momento para poder
fazer com que o homem possa reatar a amizade com Deus rompida pelo pecado por
meio da absolvição e ter consciência de que a vida tem sentido e vale a pena ser
vivida, mantendo uma perfeita comunhão com Deus. Nessa perspectiva, a
abordagem centrada na pessoa auxilia a valorizar o bem que existe no homem para
184 MORATO, Henriette Tognetti Penha. Abordagem centrada na pessoa: teoria ou atitude na relação de ajuda? In: ROSENBERG, Rachel Lea (Org.). Aconselhamento psicológico centrado na pessoa, p. 37 185 BOAINAIM JR, Elias. Tornar-se transpessoal: transcendência e espiritualidade na obra de Carl Rogers, p. 34 186 BÍBLIA, A. T. Gênesis. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 1, vers. 26-31 187 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, p. 108.
76
que ele possa se desenvolver como pessoa inserida no mundo. Sugere que, na
prática pastoral, o confessor tenha uma visão positiva em relação ao ser humano. A
teologia católica ensina que, com a vinda de Jesus, a comunhão com Deus foi
restabelecida, mesmo o homem tendo que sofrer consequências do pecado original. 188
Essa visão católica apresenta uma diferença substancial em relação à visão
da Psicologia Humanista, pois afirma uma inclinação para o pecado. Na visão
católica, o homem mantém sua essência positiva e seu livre arbítrio, mas sua
natureza é marcada e incitada ao pecado. O apóstolo Paulo expressa claramente
essa dualidade entre a predisposição do homem para o mal ao afirmar: “O querer o
bem está em mim, não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que quero, e sim o mal
que não quero. Ora, se faço aquilo que não quero, não sou eu que o faço, mas é o
pecado que mora em mim”.189
Para a Psicologia Humanista, o homem busca o bem e alcança-o por conta
própria, na medida em que vive um ambiente que favorece esse desenvolvimento.
No entanto, esse desenvolvimento não acontece da mesma maneira com todas as
pessoas, varia de acordo com cada pessoa e com a interação com o meio em que
está inserido. Rogers afirma que, para haver esse desenvolvimento, o homem
necessita “que se efetive a capacidade de compreender e resolver problemas, o
homem necessita como condição imprescindível, de um clima permissivo, onde
tenha liberdade experiencial para as elaborações interiores convenientes”.190
4.2 O ambiente facilitador do desenvolvimento humano
Para a Psicologia Humanista um ambiente facilitador e empático cria
condições para o desenvolvimento humano. Para a teologia católica existem outros
fatores relevantes que o homem deve se esforçar para alcançar para seu
desenvolvimento espiritual. Ele deve esforçar-se para saber lidar com todos os seus
desejos e inclinações para o mal que nem sempre o conduzem para o caminho do
bem. Assim, o homem vive numa guerra constante para alcançar o bem e eliminar o
188 Ibid., p. 115. 189 BÍBLIA, N. T. Romanos. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 7, vers. 18-19. 190 ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa, p. 77.
77
mal. O homem vive numa “luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as
trevas. Bem, mais ainda. O homem se encontra incapaz, por si mesmo, de debelar
eficazmente os ataques do mal”.191
A teologia tradicional católica foi influenciada por Santo Agostinho que foi
buscar no filósofo Platão argumentação para o dualismo que dizia que o corpo é a
prisão da alma. Para Santo Agostinho, a pessoa deveria lutar constantemente contra
o mal que há em seu corpo para libertar a alma. Esse dualismo, ou seja, a luta do
bem contra o mal aparece muitas vezes no aconselhamento espiritual e
principalmente na confissão. Os grupos católicos de cunho tradicionalista e
ultraconservador vivem esse dilema constante entre o bem e o mal. A partir de
minha experiência como confessor e diretor espiritual, percebo que essa concepção
aparece muitas vezes em meu atendimento pastoral e não é tarefa fácil convencer a
pessoa que o bem sempre vence o mal e Deus é bom e misericordioso. Para
alcançar o bem, o homem necessita do auxilio de Deus para viver plenamente.
Embora ele deseje fazer o bem, nem sempre consegue buscá-lo por sua limitação
humana e, sem o auxilio de Deus, é quase impossível alcançá-lo, só com a força do
Espírito Santo.
Se, para o catolicismo, o homem é marcado por uma desordem interior que a
todo momento é incitado ao pecado, consequentemente, para o mal e vive nessa
guerra constante, para a abordagem centrada na pessoa a vida humana é um fluxo
contínuo para o bem e para o desenvolvimento. Essa abordagem enfatiza que o
homem desenvolve as potencialidades para o bem e considera que a inclinação e
predisposição para o mal não fazem parte de sua natureza, ao contrário do
catolicismo que ensina que o homem mantém sua predisposição e potencialidades
para o mal, mesmo querendo fazer o bem. Para a teologia católica, a vida é
apresentada como uma luta constante, mas vitoriosa em Cristo, conquistada
mediante esforço e do auxilio da graça de Deus. Sem a graça de Deus e a força do
Espírito Santo, é impossível o homem alcançar seu pleno desenvolvimento.
191 CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES, n.13, p.155.
78
4.3 A confiança no ser humano
A aproximação na abordagem centrada na pessoa auxiliou-me a
compreender que é preciso acreditar e confiar no ser humano e em suas
possibilidades de mudança e desenvolvimento. Essa confiança afetou
significativamente minha postura e atitudes em meu atendimento pastoral como
confessor e diretor espiritual. Anteriormente não me sentia confortável frente a
algumas experiências de fé e maneiras de vivenciar o catolicismo trazidas pelas
pessoas que me procuravam. Chegava a acreditar que algumas pessoas eram
incapazes de alcançar seu desenvolvimento por valorizar o mal em sua vida,
bloqueando a possibilidade de uma mudança radical para o bem e para ação de
Deus. Eu não encontrava argumentos para ajudar essas pessoas a se
desenvolverem e acreditarem em suas potencialidades. As leituras do
aconselhamento psicológico forneceram elementos suficientes para que eu pudesse
ajudar as pessoas a crescerem na fé e discernirem o caminho a ser percorrido. Pude
começar a mostrar às pessoas a importância de valorizar as experiências de fé e as
possibilidades de acreditar em sim mesmo para mudarem e progredirem
espiritualmente. A figura de um Deus punitivo e juiz foi, aos poucos, se
transformando em um Deus acolhedor.
Estudando o aconselhamento psicológico, pude perceber também que, na
direção espiritual e na confissão, o conselheiro e o confessor precisam acreditar na
pessoa e encorajá-la a fazer mudanças concretas em sua vida, principalmente do
ponto de vista espiritual, na maneira de experimentar Deus e vivenciar seu perdão.
Quando o conselheiro ou o confessor internalizam uma confiança no ser humano
tornam-se mais autênticos na relação de ajuda e tanto ele como as pessoas que o
procuram são beneficiados.
Para o cristianismo, o homem é um ser relacional e necessita do encontro
com os outros, que são imagem e semelhança de Deus, para fazer a experiência de
Jesus que veio ao mundo para se relacionar fraternalmente com o ser humano e
devolver a vida e a dignidade a quem as tinha perdido por sua limitação humana.
Nessa perspectiva, a direção espiritual e a confissão assumem um caráter de uma
relação de confiança um no outro e em Jesus, que favorecem o desenvolvimento
pleno do ser humano. Para as pessoas que têm uma experiência profunda de fé
dentro do catolicismo, viver em pecado é muito angustiante e precisam de um ritual
79
para ter a certeza de que seus pecados foram perdoados por Deus. Com a
imposição das mãos pelo sacerdote e a oração da absolvição, a pessoa sente que
foi perdoada por Cristo, eliminando assim o seu remorso.
4.4 Aceitação positiva
A Psicologia Humanista afirma a necessidade de aceitar incondicionalmente o
outro a fim de ajudá-lo a desenvolver suas capacidades próprias.
O encontro de Jesus com a samaritana192 no poço de Jacó mostra a
aceitação positiva de Jesus querendo aproximar-se da samaritana. Aceita-a como
ela é e inicia um diálogo fraterno. A samaritana, ao se sentir acolhida por Jesus,
estabelece certa confiança e interessa-se por sua mensagem de amor,
demonstrando muito interesse e respeito, chamando-o de mestre e reconhecendo
Jesus como profeta. Com a atitude carinhosa de Jesus, a mulher percebe que sua
história de vida pode mudar e refazer-se de uma maneira diferente. O encontro de
Jesus com a samaritana estabeleceu uma relação de amor e ajuda, por meio da qual
ela sentiu-se à vontade para dialogar com Jesus, sentir firmeza em suas palavras.
Jesus foi coerente consigo mesmo ao mostrar a situação de pecado em que aquela
mulher vivia, mas apontou a possibilidade de uma vida nova.
O encontro de Jesus com a samaritana é semelhante ao momento da
confissão em que o sacerdote se coloca ao lado do pecador em uma atitude de
aceitação deixando-o à vontade para falar dos seus pecados e do mal que eles têm
lhe causado. O sacerdote, ao ouvir com amor e consideração positiva, demonstra
interesse e, ao perceber arrependimento por parte do pecador, transmite o perdão –
absolvição – mostrando-lhe a possibilidade de viver plenamente.
Muitos autores do aconselhamento psicológico também entendem a aceitação
positiva como uma atitude amorosa em relação ao aconselhado e se coloca a seu
lado com o intuito de ajudá-lo a desenvolver seus potenciais. Mesmo assim há
limites no aconselhamento psicológico para a aceitação positiva; “a aceitação
incondicional do cliente por parte do terapeuta não significa que ‘tudo é aceitável’.
Na realidade, tal fato quer dizer que, embora o terapeuta se proponha a aceitar
192 BÍBLIA, N. T. João. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 4, vers. 1- 42.
80
incondicionalmente o cliente, isso só é possível dentro de certos limites”.193 Existem
diferenças significativas entre a aceitação no aconselhamento psicológico, na
direção espiritual e na confissão. Para o conselheiro psicológico, os limites da
aceitação estão discriminados no código de ética do psicólogo; para o diretor
espiritual, os limites estão contidos na Escritura Sagrada e na tradição da Igreja
Católica e, na confissão, os limites estão no sigilo sacramental e no código de direito
canônico. Essas diferenças dos limites de aceitação no aconselhamento psicológico,
na direção espiritual e no Sacramento da Confissão são decorrentes, em parte, da
visão de ser humano no catolicismo e na Psicologia Humanista. No aconselhamento
psicológico, o homem é aceito incondicionalmente porque acredita-se que ele tem a
plena capacidade de alcançar seu desenvolvimento, enquanto que para o
catolicismo o homem é inclinado para o pecado e necessita de uma educação para
sua consciência, razão pela qual o diretor e confessor apontam os valores cristãos e,
havendo necessidade, mostram desvios e erros.
Na direção espiritual e na confissão, “acolher não significa concordar com
seus erros e pecados, porque isto implica em prejuízo para o próprio orientando”.194
Na direção espiritual e na confissão, apenas o erro não é aceito, mas a
pessoa é aceita, amada e acolhida com o intuito de ajudá-la a fazer a profunda
experiência do Deus amoroso e misericordioso.
4.5 A congruência
A congruência é a possibilidade de reconhecer os próprios sentimentos numa
relação de ajuda e expressá-los de forma adequada, transparente e sincera,
“decorre de um modo de ser genuíno, verdadeiro. Ou seja, é a correspondência que
deve existir entre o que o conselheiro sente, pensa e expressa”.195 Esse conceito
pode ser de grande auxilio na prática da direção espiritual e da confissão. No início
de meu exercício ministerial e antes de saber o que significa ser congruente e sua
importância na relação de ajuda, eu considerava que deveria ser imparcial frente ao
193 SOUZA, Lizete Quelha. A Abordagem centrada na pessoa e a experiência religiosa: uma discussão da relação Eu-Tu como fator de transcendência na psicoterapia, p. 28. 194 PISANECHI, Vandro. Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática da direção espiritual, p. 78. 195 GOUVÊA, Lilia Ransan. Aconselhamento Religioso á luz da teoria de Kierkegaard sobre as estações na estrada da vida, p. 24.
81
aconselhado, e acreditava que expressar meus sentimentos poderia prejudicar o
processo de direção espiritual e o atendimento da confissão.
À medida que fui me apropriando desse conceito e aplicando-o em minha vida
pastoral, fui percebendo o quanto fazia bem às pessoas e a mim mesmo. Sentia-me
mais livre e à vontade, mais transparente e sincero comigo mesmo. Sendo
congruente, percebia que estava inteiro na relação de ajuda e, muitas vezes, as
pessoas agradeciam minha postura por demonstrar sinceridade, coerência e
transparência. Ser congruente na direção espiritual e na confissão exige caridade
fraterna porque o diretor ou o confessor, tal como o conselheiro psicológico, não
pode falar tudo que vem à sua cabeça, e nem sempre a pessoa está preparada para
ouvir e, o que for dito, deve sê-lo de uma maneira amorosa e caridosa.
Em suas relações, Jesus sempre demonstrou congruência e foi transparente
com aquilo que ensinava e fazia. Ele não forjava nada para agradar às pessoas,
apenas era sincero em sua missão e assumia todas as suas consequências. Do
mesmo jeito que não havia falsidade e fingimento na vida e na missão de Jesus, o
mesmo deve acontecer na vida e missão do diretor espiritual e do confessor. Quanto
mais o diretor espiritual e o confessor são congruentes na relação de ajuda
espiritual, mais eles comunicam o amor de Deus pelas suas atitudes, sendo que
suas palavras são mais assertivas e coerentes, fazendo com que a pessoa se
espelhe em suas vidas e assim desenvolva para o bem e para a vivência madura
dos ensinamentos de Jesus.
4.6 A empatia
No aconselhamento psicológico, a atitude empática requer do conselheiro não
só conhecer o problema da pessoa que pede ajuda “mas sim que os compartilhe
com ela, que entenda como ela reagiu e sentiu o que passou, as atitudes que tomou
e o que resultou disso tudo para ela”.196 Empatia não é apenas observar o que
acontece com a pessoa, e sim colocar-se em seu lugar e senti-la como se fosse seu
o problema que ela está enfrentando.
196 LARRABURE, Melissa Guerra. Semelhanças e diferenças entre o atendimento psicológico e o atendimento religioso: “os últimos passos de um homem”, p. 17.
82
No atendimento pastoral, quando eu me propunha a ser empático deixei de
lado momentaneamente meus próprios referenciais, para me colocar no lugar do
outro e entendê-lo a partir de seu contexto e referências, consegui entender melhor
a situação das pessoas que, por sua vez, sentiam-se mais acolhidas e valorizadas.
O conceito cristão que mais se aproxima da empatia é o da compaixão, que significa
“sofrer com o outro ou sentir as mesmas dores”, ou seja, colocar-se em seu lugar
para entender seu sofrimento e assim poder ajudá-lo.
Para o catolicismo, compreender empaticamente auxilia na superação do
egoísmo, pois possibilita sair do próprio mundo interior para se colocar no mundo do
outro, sentindo seus sofrimentos e suas necessidades. Quando a pessoa percebe
que o conselheiro ou confessor estão tendo uma atitude empática, ela sente mais
liberdade para partilhar seu sofrimento e o que está sendo narrado repercute na vida
do conselheiro ou confessor.
A Bíblia apresenta algumas passagens em que Jesus teve uma atitude
empática, colocando-se no lugar das pessoas, não permanecendo alheio e
indiferente ao sofrimento do outro como quando “chora a morte do seu amigo
Lázaro”197 e o ressuscita.
No entanto, o conselheiro ou o confessor precisa colocar-se no lugar do outro
para entender e sentir como se fosse ele, mantendo-se em um movimento de
imersão no mundo do outro sentindo como ele, e ao mesmo tempo de
distanciamento, para poder ajudá-lo e para não tomar como seus os problemas do
outro.
4.7 A escuta
A escuta é uma atitude imprescindível tanto na relação de ajuda psicológica
quanto na espiritual. Essa escuta deve ser sincera e interessada para que a pessoa
se sinta valorizada. Numa relação de ajuda, tanto na direção espiritual como na
confissão, a escuta tem uma dimensão curativa. O diretor e o confessor devem ter
paciência, para escutar a pessoa e aguardar sua vez de falar e saber o que falar.
197 BÍBLIA, N. T. João. Português. Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. Trad. Vários autores. I. Ed. São Paulo: Paulus, 1990. Cap. 11, vers. 34-37.
83
Em meu atendimento pastoral, acreditava anteriormente que, por ser
sacerdote e líder espiritual, numa relação de ajuda eu deveria falar o máximo e o
outro deveria ouvir meus conselhos e orientações para tentar resolver seus
problemas. Essa minha atitude foi mudada completamente com o desenvolvimento
desta dissertação, pois percebi que escutar ajuda mais do que falar. Não foi fácil
fazer essa mudança. À medida que tomei consciência de que as pessoas precisam
falar de si, partilhar seus problemas, contar seus pecados a alguém que lhe
transmite segurança, sigilo, mudei minha postura. Tanto na direção espiritual como
na confissão minha primeira atitude frente à pessoa é: “Em que eu posso ajudá-lo?
Sinta-se à vontade para falar tudo aquilo que o está incomodando e provocando dor
e sofrimento. Nós somos irmãos e a minha função aqui é para escutá-lo e ajudá-lo
da melhor forma possível.” Com essa nova postura, passei a perceber o quanto as
pessoas se sentiam à vontade para partilhar seus sofrimentos na direção espiritual e
contar seus pecados na confissão. Com essa minha nova maneira de agir, senti que
estava sendo muito mais útil e as respostas das pessoas se tornaram muito mais
significativas.
4.8 Especificidades do aconselhamento psicológico, da direção espiritual e da
confissão sacramental
O aconselhamento psicológico, a direção espiritual e a confissão
sacramental são tidos como "relação de ajuda". E, embora possam se
complementar, cada um deles tem suas especificidades.
O aconselhamento psicológico é caracterizado como uma relação de ajuda
tendo por base os conceitos e os valores da perspectiva psicológica humanista. É
definido como uma relação interpessoal na qual o conselheiro ajuda alguém a
entender e a buscar soluções para resolver problemas existenciais que surgem no
decorrer da vida, tendo como meta o crescimento do ser humano na interação
consigo mesmo, com o outro e com o mundo.
A direção espiritual é uma relação de ajuda estabelecida entre o diretor ou
confessor, que visa a construir um caminho de crescimento espiritual em direção a
Jesus. Ela tem por base os ensinamentos de Jesus e se configura como uma
experiência de encontro e partilha.
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No caso da confissão, confessa-se ao sacerdote que “age na pessoa de
Cristo” para absolver, confirmar o perdão de Deus tendo como objetivo reatar a
amizade da pessoa com Deus, mergulhar em suas profundezas e experimentar Seu
amor misericordioso.
As três práticas caracterizam-se como dimensões de ajuda, relacionadas
com o ouvir, escutar e acompanhar aquele que buscou ajuda. No seu ponto de
partida: a concepção de ser humano. É essa a diferença fundamental da qual
decorrem outras diferenças que distinguem cada uma dessas práticas. Para além
dessas distinções, encontra-se em todas elas a mesma motivação: a de se voltar
para o outro e ajudá-lo em seu desenvolvimento.
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