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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
DIRCEU DINIZ BEMFICA JUNIOR
O SOM DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: A MEDIDA SOCIOEDUC ATIVA DE
INTERNAÇÃO REPRESENTADA PELO ADOLESCENTE NELA INSER IDO
CURITIBA
2016
DIRCEU DINIZ BEMFICA JUNIOR
O SOM DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: A MEDIDA SOCIOEDUCA TIVA DE
INTERNAÇÃO REPRESENTADA PELO ADOLESCENTE NELA INSER IDO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Professora Mestre Andrea Luiza Curralinho Braga.
CURITIBA
2016
DIRCEU DINIZ BEMFICA JUNIOR
O SOM DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: A MEDIDA SOCIOEDUCA TIVA DE
INTERNAÇÃO REPRESENTADA PELO ADOLESCENTE NELA INSER IDO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Serviço Social.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Curitiba, 16 de novembro de 2016.
Dedico o testemunho do meu trabalho a
quem sofre as agruras de uma sociedade
excludente. A quem não se encaixa nos
padrões sociais. Àqueles e aquelas que
mesmo estando feridos e feridas se
resignam e lutam incansavelmente por
seu espaço e pela construção de uma
sociedade mais humana. À minha mãe,
Maria Odete da Cruz Diniz Bemfica,
minha maior representação de amor.
AGRADECIMENTOS
A minha história, em consonância com a música “Caminhos do Coração”, do
saudoso Gonzaguinha, se traduz nas marcas das lições diárias de outras tantas
pessoas. E neste espaço, gostaria de expor para elas, um simples, mas sincero
agradecimento.
Agradeço a minha super orientadora, professora Andrea Luiza Curralinho Braga,
por abraçar comigo este trabalho, pela presteza e generosidade, pelas contribuições
enriquecedoras e por me fazer acreditar que seria possível. Agradeço a professora
Ilda Lopes Witiuk, pela oportunidade de aprender muito com os seus ensinamentos
através da pesquisa de iniciação científica desenvolvida em conjunto. Agradeço a
professora Solange Fernandes, pelas aulas reflexivas de tirar o fôlego, você é
demais! Agradeço a professora e coordenadora Márcia Terezinha de Oliveira, por
proporcionar o suporte necessário durante essa trajetória, sempre tão compreensiva
e disposta a nos ajudar. Agradeço ao Curso de Serviço Social e aos demais
professores, os debates construídos em sala de aula me permitiram um reencontro
comigo mesmo, ensinando-me pensar criticamente, a ser autônomo e protagonista
da minha história. Agradeço ao Paulo Roberto Lima Garcindo Fernandes de Sá, meu
irmãozinho do coração, que com ternura, me despertou para lutar pelos meus
sonhos. Agradeço a minha irmã Telma Diniz Bemfica Nesi, pelo apoio em todas as
fases da minha vida, você é parte do que eu sou, amo-te! Agradeço ao meu
cunhado, Delcio Luiz Nesi, por estar sempre disposto a contribuir com a nossa
família. Agradeço ao meu pai, Dirceu Diniz Bemfica, expressão legítima da classe
trabalhadora, a qual me inspira e tem responsabilidade pela conclusão desse curso.
Agradeço a minha irmã Tania Diniz Bemfica, por ser quem és: o avesso, a contra-
mão. Aquela que nos lembra que podemos ser quem quisermos. Agradeço aos
educadores sociais do Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais, aprendo
muito com vocês e tenho orgulho de pertencer a uma equipe unida e comprometida.
Em especial, ao meu amigo Fernando Jendik, pelo apoio e incentivo durante as
minhas ausências. Agradeço a assistente social Maria Celeste, do Centro de
Socioeducação Joana Miguel Richa, pelo material emprestado para a execução
desse trabalho.
Meu agradecimento especial para os adolescentes entrevistados, sem os quais essa
pesquisa não seria possível. Grato!
O diálogo (ao contrário das conversações
íntimas nas quais almas individuais falam
de si mesmas) ... refere-se ao mundo
comum que permanece inumano num
sentido muito literal, enquanto os homens
não fazem dele um objeto permanente de
debate. Pois o mundo não é humano por
ter sido feito pelos homens e tampouco se
torna humano porque a voz humana nele
ressoa, mas somente quando se torna
objeto de diálogo. Por mais intensamente
que as coisas no mundo nos afetem, por
mais profundamente que elas possam nos
emocionar e nos estimular, só se tornam
humanas para nós quando podemos
debatê-las com nossos semelhantes.
Hannah Arendt
(apud Telles, 1999, p.45)
RESUMO
A pesquisa em tela discorre sobre a medida socioeducativa de internação representada pelo adolescente nela inserido. Nesse sentido, procurando oportunizar a fala dos adolescentes em conflito com a lei e possibilitar seu protagonismo na luta pela efetivação dos direitos apregoados no Estatuto da Criança e do Adolescente, e reafirmados no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, apresenta resultados de uma pesquisa exploratória, descritiva e de campo. Dessa forma, além de constituir referencial teórico mediante a pesquisa bibliográfica, a pesquisa de campo possibilitou através da entrevista semi-estruturada norteada pelo questionário, maior aproximação com a realidade do sistema socioeducativo. O método adotado na pesquisa configura-se como crítico-dialético, logo buscou-se apreender as múltiplas determinações que incidem na efetividade ou não da medida socioeducativa. Buscando responder ao objetivo geral e aos objetivos específicos da pesquisa, realizou-se resgate histórico da evolução jurídica dos direitos da criança e do adolescente, apresentou a política de atendimento que rege o sistema socioeducativo e elucidou as representações sociais construídas pelos adolescentes privados de liberdade acerca da medida socioeducativa de internação. A sistematização dos dados configurou-se como qualitativa com a técnica da análise de conteúdo. Inferiu-se que os aspectos pedagógicos apregoados pelas legislações hodiernas ainda não superaram velhas concepções no que se refere ao tratamento dispensado para adolescentes em conflito com a lei. Ademais, verificou-se que o ato infracional está intrinsecamente ligado as expressões da questão social. E, por fim, as potencialidades dos instrumentais técnico-operativos ainda não têm sido exploradas, restando seu uso para a manutenção da lógica do Estado hegemonizado por uma classe dominante.
Palavras-chave : Criança e Adolescente. Medidas Socioeducativas. Representação Social.
ABSTRACT
The screen survey discusses the socioeducative measure of hospitalization represented by the adolescent in it. In this sense, seeking to make the speech of the adolescents in conflict with the law and enable their protagonism in the struggle for the effectiveness of the rights proclaimed in the Statute of the Child and the Adolescent, and reaffirmed in the National System of Socio-Educational Assistance, presents the results of an exploratory, descriptive research and field. Thus, in addition to being a theoretical reference through bibliographic research, the field research made possible through the semi-structured interview guided by the questionnaire, a closer approximation to the reality of the socio-educational system. The method adopted in the research is configured as critical-dialectic, so it was sought to apprehend the multiple determinations that affect the effectiveness or not of the socio-educational measure. In order to respond to the general objective and the specific objectives of the research, a historical rescue of the legal evolution of the rights of the child and adolescent was carried out, presented the service policy that governs the socio-educational system and elucidated the social representations built by adolescents deprived of their liberty about Of the socio-educational measure of hospitalization. The systematization of the data was configured as qualitative with the technique of content analysis. It was inferred that the pedagogical aspects touted by current legislation have not yet overcome old conceptions regarding the treatment of adolescents in conflict with the law. In addition, it was verified that the infraction act is intrinsically linked to the expressions of the social question. And, finally, the potentialities of the technical-operative instruments have not yet been explored, remaining their use for the maintenance of the logic of the state hegemonized by a ruling class. Keywords: Child and Adolescent. Educational measures. Social Representation.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Quadro comparativo: Código de Menores X ECA ................................... 26
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. artigo
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ed. edição
EJA Educação de Jovens e Adultos
f. folha
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
n° número
p. página
PNBEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor
PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná
SAM Serviço de Assistência ao Menor
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SIU Segundo Informações do Usuário
trad. tradução
vol. volume
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 14
2 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN TE 17
2.1 ANTECEDENTES: DA CONCEPÇÃO NIILISTA DA CRIANÇA À DOUTRINA
DA SITUAÇÃO IRREGULAR .................................................................................... 17
2.2 MUDANÇA DE PARADIGMA: DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ..... 24
3 POLÍTICA DE ATENDIMENTO PARA O ADOLESCENTE EM CONFL ITO
COM A LEI NO BRASIL ............................... ............................................................ 27
3.1 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA PERSPECTIVA DO ECA.............. 27
3.2 A CONSOLIDAÇÃO PEDAGÓGICA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO NA PERSPECTIVA DO SINASE ...................................................... 31
4 A VOZ DO ADOLESCENTE PRIVADO DE LIBERDADE ULTRAPASS A O
LIMITE DOS MUROS ............................................................................................... 34
4.1 ANTECEDENTES: QUANTO À ABORDAGEM DOS SUJEITOS DA
PESQUISA ................................................................................................................ 35
4.2 O CENTRO DE SOCIOEDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS ........... 38
4.3 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA ................................ 40
4.4 PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO PERSONIFICADA NA FIGURA DA CADEIA
43
4.5 INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO: O QUE SE ESPERA DOS
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI? ....................................................... 46
4.6 QUESTÃO SOCIAL E VIOLÊNCIA............................................................... 50
4.7 A PRESENÇA DA FAMÍLIA NA EXECUÇÃO DA PRÁTICA
SOCIOEDUCATIVA .................................................................................................. 55
4.8 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO DA
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO ..................................................... 57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ........................................... 61
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO ............................ ........................................................ 70
ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DA DIREÇÃO DO CENTRO DE SOCIO EDUCAÇÃO
DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS ........................... ....................................................... 71
ANEXO 3 – AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE JUSTIÇA, TRA BALHO E
DIREITOS HUMANOS .............................................................................................. 72
ANEXO 4 – AUTORIZAÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA V ARA DA
INFÃNCIA E JUVENTUDE .............................. ......................................................... 73
ANEXO 5 – TERMO DE COMPROMISSO DE UTILIZAÇÃO DE DAD OS (TCUD) . 74
ANEXO 6 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O MENORES
ENTRE 16 ANOS COMPLETOS E 18 ANOS INCOMPLETOS ..... .......................... 75
ANEXO 7 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O MAIORES
DE 18 ANOS DE IDADE ............................... ............................................................ 79
14
1 INTRODUÇÃO
O trabalho em tela suscitou reflexão sobre os direitos da criança e do
adolescente na particularidade da execução da medida socioeducativa de
internação. Partiu-se da premissa que, os direitos da criança e do adolescente,
assim como os direitos em geral, são contruções sócio-históricas, e por isso,
resultam do processo de luta e conquista de diversos atores sociais em um cenário
permeado por projetos societários em disputa.
A Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, a qual fora denominada de Estatuto da
Criança e do Adolescente, introduziu um marco no universo jurídico das crianças e
adolescentes, materializando a Doutrina da Proteção Integral em detrimento dos
vestutos primados da arcaica Doutrina da Situação Irregular.
O Estatuto compreendeu a situação da criança e do adolescente na condição
peculiar de desenvolvimento e, dessa forma, negou os estigmas atribuídos pelos
dispositivos legais anteriores, enquanto infância “perigosa” ou “em perigo”, a qual
incidia sempre na marginalização e na exclusão.
Nessa perspectiva, toda criança e todo adolescente se configuram como
sujeito de direitos e devem gozar de todas as facilidades e oportunidades, de modo
que a família, a sociedade e o Estado assegurem com absoluta prioridade a
proteção integral dos seus direitos.
Viabilizando uma reflexão acerca dos rebatimentos da medida socioeducativa
de internação, este trabalho expressou uma singela contribuição à luta pelos direitos
da criança e do adolescente. Ademais, propiciou um reencontro com a práxis do
pesquisador, uma vez que possui inserção profissional nesse contexto.
Em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida
socioeducativa de internação é caracterizada pela privação de liberdade direcionada
a adolescentes em conflito com a lei, cujos atos infracionais praticados são
caracterizados pela reincidência ou grande potencial ofensivo.
Ao estabelecer as medidas socioeducativas como resposta para o ato
infracional, o Estatuto considera que a melhor forma de colaborar com o adolescente
em conflito com a lei é contribuir em sua formação, adotando metodologias
pedagógicas e viabilizando o acesso às políticas sociais básicas em um sistema
amplo de atendimento e garantia de direitos. Nesse sentido, o adolescente em
15
conflito com a lei deve ser subsidiado para superar a sua situação e retornar à
sociedade com condições objetivas de transformar a sua história.
Diante do exposto, este trabalho foi norteado pelo objetivo geral de elucidar
as representações sociais construídas pelos adolescentes privados de liberdade
acerca da medida socioeducativa de internação. Nessa perspectiva, ressalta-se que,
o conceito de representação social, neste trabalho, expressa, de acordo com Paulilo
(1999), o sentido atribuído pelo sujeito ao mundo e à vida que nele vivem.
Os objetivos específicos deste trabalho consistiram no resgate histórico da
evolução jurídica dos direitos da criança e do adolescente e na apresentação da
política de atendimento, a qual orienta a aplicação e execução das medidas
socioeducativas no Brasil.
O método sustentado na pesquisa configura-se como crítico-dialético, que
segundo Richardson (1999), estrutura-se em três princípios: a tese, a antítese e a
síntese. Em consonância com o autor (1999), a tese refere-se a um argumento que
se expõe para ser questionado, a antítese é o argumento oposto à proposição
apresentada na tese e a síntese é uma fusão das duas proposições anteriores.
Nesse sentido, o conhecimento oriundo da razão dialética nega a aparência,
entendendo que, o que está dado não passa de abstrações, e, portanto, a
compreensão de um fenômeno social pressupõe sucessivas aproximações com a
realidade mediatizadas pelas suas determinações, sejam elas: históricas, sociais,
econômicas, políticas e/ou culturais.
Todavia, a bibliografia deste trabalho não comporta apenas autores adeptos a
esse método, entendendo que em conformidade com Yazbek (2010), a reafirmação
das bases teóricas do projeto ético-político, teórico-metodológico e operativo,
centrada na tradição marxista, não pode implicar na ausência de diálogo com outras
matrizes do pensamento social. Nessa perspectiva, em que pese o trabalho esteja
alicerçado pelo método crítico, não desconsidera as ricas contribuições de autores
divergentes, procurando sempre, é claro, manter um posicionamento coerente.
Ressalta-se também, que, a pesquisa se caracterizou como exploratória,
descritiva e de campo. Dessa forma, o trabalho foi organizado em três seções.
A primeira seção expressa resultados de uma pesquisa exploratória
bibliográfica, resgatando a concepção de criança no devir da história, buscando
apreender os determinantes que inviabilizavam uma compreensão de criança como
16
sujeito de direitos e como essa compreensão foi auferida e materializada nas
legislações contemporâneas.
A segunda seção apresenta resultados de uma pesquisa exploratória e
descritiva, referentes as principais legislações que norteiam a aplicação e a
execução das medidas socioeducativas no Brasil, destacando o propósito dessas
normatizações.
A terceira seção configura-se como pesquisa de campo, orientada por um
questionário, seguindo critérios de uma entrevista semi-estruturada. De acordo com
Minayo (2004), a entrevista semi-estruturada consiste em um instrumento
privilegiado na coleta de dados, na medida em que a fala pode ser reveladora de
condições estruturais, de valores, normas e símbolos.
Entendendo que a dimensão total da realidade é inalcançável, visto as
múltiplas determinações que a compõe, a pesquisa de campo apresenta resultados
em um recorte regional e temporal. Isto posto, ressalta-se que, a pesquisa reúne um
conjunto de vivências e experiências de seis adolescentes inseridos na medida
socioeducativa de internação, no Centro de Socioeducação de São José dos
Pinhais, no mês de setembro de 2016.
A sistematização dos dados qualificou as representações sociais construídas
por esses adolescentes, mediante análise de conteúdo. Conforme Bardin (2006), a
intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção (ou eventualmente, de recepção).
Importante ponderar que, a sistematização dos dados por estar em
consonância com o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa, objetivou
responder o seguinte problema: Como o adolescente privado de liberdade
representa a execução da medida socioeducativa de internação?
Para problematizar essa questão, foram utilizadas categorias refletindo as
mediações com a realidade a ser desvelada. Nesse sentido, elencou-se: a privação
de liberdade, os instrumentais técnico-operativos, a questão social e violência, a
participação da família no processo socioeducativo e o exercício profissional do
assistente social no âmbito da medida socioeducativa de internação.
Diante do que foi apresentado, resta saber: como o adolescente privado de
liberdade representa a medida socioeducativa de internação?
17
2 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESC ENTE
A seção em tela objetiva preceder resgate histórico do atendimento, da
promoção e da defesa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Nesse
sentido, apresenta-se resultados de uma pesquisa exploratória dos documentos que
versam a gênese do direito da criança e do adolescente no universo jurídico,
reunindo conteúdos que explicitam a legislação mais significativa e contemporânea.
Desta forma, consagra-se na presente análise um recorte temporal dos direitos da
criança e do adolescente, destacando-se a profunda e significativa mudança
auferida pelo marco legal em nosso ordenamento jurídico - Lei n° 8.069/1990, mais
popularmente conhecida por Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
2.1 ANTECEDENTES: DA CONCEPÇÃO NIILISTA1 DA CRIANÇA À DOUTRINA
DA SITUAÇÃO IRREGULAR
O debate que se pretende discorrer inicia-se partindo do pressuposto dos
projetos societários em disputa na tessitura social. Parafraseando Bobbio (1988), os
direitos não se constituem como um dado, contudo, configuram-se como construção
histórica suscetível tanto a progressos, quanto a retrocessos.
Nessa perspectiva, olhar para a história dos direitos da criança e do
adolescente pressupõe inseri-la no âmbito dos conflitos e lutas de classes que
envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo, considerando a
articulação e confronto do econômico e político, do público e privado, do poder
clientelista/autoritário e do movimento pelos direitos de cidadania.
Com o propósito de melhor raciocinar sobre o tema da criança e adolescente
no que se refere a evolução jurídica dos direitos conquistados por esses sujeitos,
cumpre conceituar quem são. À priori, deve-se ajuizar que as nomenclaturas criança
e adolescente nem sempre existiram, haja vista se conformarem como categorias
socialmente e historicamente edificadas. Contudo, apresenta-se a definição
conforme a legislação hodierna incita.
_______________ 1 Em conformidade com Liberatti (2012), entende-se por concepção niilista da criança o contexto
sócio-histórico em que ela não era considerada no mundo jurídico.
18
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n° 8.069
de 13 de julho de 1990, no art. 2°, considera-se criança a pessoa que possui idade
inferior a 12 (doze) anos completos e adolescente a pessoa com 12 (doze) anos
completos e 18 (dezoito) anos incompletos.
O ecoar dos interesses da criança e do adolescente nem sempre
encontraram dimensão suficiente para que o som fosse visibilizado. Conforme ilustra
Paula (2002):
Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos, como se fossem elementos de uma mesma simbiose onde os benefícios da união estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos (PAULA, 2002, p.11).
Nesse sentido, crianças e adolescentes nem sempre foram considerados no
mundo jurídico, sendo compreendidos até os séculos XVII e XVIII como adultos em
miniatura.
Na sociedade medieval, (...) o sentimento da infância não existia. Os familiares e a comunidade eram responsáveis pela educação e desde cedo a criança era introduzida em compromissos e atividades correspondentes à vida adulta (ARIÈS, 1981, p. 156).
O Brasil Colonial fora marcado também, por essa indiferença em relação à
infância, visto que:
As primeiras crianças chegadas ao Brasil vieram na condição de órfãs do rei, com a incumbência de casar com os súditos da coroa. Nas embarcações, além de obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos, eram deixadas de lado em caso de naufrágio (DEL PRIORE, 2000, p.19)
Ainda, considerando a deficiência de proteção social às crianças e
adolescentes, Costa (1985) elucida que, desde o princípio da colonização brasileira,
já convivíamos com crianças indígenas peregrinando pelas cidades ou sob o
cuidado da Igreja Católica. Segundo o autor (1985), esses sujeitos sem alma2 foram
retirados do seio de suas famílias para conviver com os colonizadores, ao qual não
se adaptavam e encontravam nas ruas sua sobrevivência.
Nesse sentido, considera-se que a situação das crianças empobrecidas no
Brasil remonta ao período colonial, cujo atendimento de suas necessidades fora
_______________ 2 Em conformidade com Costa (1985), a expressão denota o contexto sócio-histórico onde os
indígenas eram considerados pelos colonizadores como sujeitos sem alma. Dessa forma, os colonizadores viam a necessidade de catequisá-los, impondo novos valores e crenças amparados na cultura européia.
19
delegado à Igreja Católica. Em consonância com Costa (1985), a instituição típica de
atendimento aos doentes, aos pobres, aos idosos, aos órfãos e às viúvas e outros
desamparados foram as Santas Casas de Misericórdia, cuja origem remonta ao
século XVI.
As Santas Casas eram auxiliadas no seu trabalho de atendimento à pobreza pelas irmandades, confrarias, ordens e outras organizações de caráter religioso que proliferavam intensamente no Brasil durante a colônia. (DEL PRIORI, 2000, p.24).
Nas primárias décadas após a Independência do Brasil, viabiliza-se mediante
a Igreja Católica, um sistema de atendimento à infância desamparada, denominada
Roda de Expostos. De acordo com Marcílio (1997), esse sistema seria um meio
encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o
bebê que não havia condições de ser cuidado, contribuindo para sua sobrevivência.
Ainda segundo a autora (1997), a roda de expostos, permitia que a criança
fosse acolhida em família substituta. Contudo, muitas vezes, a compaixão era
substituída pela utilidade, visto que, quando adultos, a força de trabalho gerada pelo
reconhecimento se caracterizava melhor que a escrava.
De acordo com Brugner (1996) apud Bitencourt (2009), foi somente no século
XIX que a criança passou a ser considerada indivíduo de investimento afetivo,
econômico, educacional e existencial. Nesse sentido, constatava-se a primeira
concepção de criança como pessoa, entretanto o avanço foi rudimentar, uma vez
que havia resquício da coisificação pré-existente.
Até o final do século XIX a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da igreja. Somente no início do século XX, a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuem para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaços para uma concepção de reeducação, baseada não somente nas concepções religiosas, mas também científicas (DAY, 2003, p. 11).
Nota-se que foi na relação com o adulto e a sociedade que a concepção de
criança fora sendo construída, e a partir dessas relações foram sendo elaboradas
representações da ideia de infância. Segundo essa lógica, infere-se o ofuscamento
da relação da criança com a realidade social mais ampla, pois a criança é
considerada em sua condição mais geral, não levando em conta suas singularidades
de acordo com as experiências vivenciadas em suas realidades particulares.
Conforme Neto (2010), verifica-se na história da criança brasileira a
preponderância da hegemonia adultocêntrica, que segundo o autor:
20
baseia-se na linha tradicional fundada nas raízes da formação sócio-histórica brasileira, caracterizada pelos seus aspectos filantrópico e caritativo, onde a ação se configurava como uma benesse do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo dominante – uma linha dominadamente “tutelar”, isto é, assistencialista e repressora (NETO, 2010, p.6).
Corroborando com essas afirmações, considera-se que, o lugar das crianças
e adolescentes na sociedade brasileira fora sendo construído considerando as
classes sociais nas quais estivessem inseridas. Lopes; Ferreira (2010), esclarece
que, os filhos dos fazendeiros de café eram tratados como pequenos reis, com
poderes, inclusive, sobre os escravos adultos. Em contrapartida, ainda segundo as
autoras (2010), a vida dos menores pobres e escravos se caracterizava pela cruel
separação de seus pais e parentes, obrigando-os a prover seu próprio sustento.
No século XIX, com a eclosão da Revolução Industrial, banalizou-se o
trabalho infantil, tornando-o conveniente para os empregadores, uma vez que
pagavam menos por essa força de trabalho. Neste período, consoante a Lopes;
Ferreira (2010), aumentou-se o número de crianças e adolescentes em situação de
rua, e nesse ambiente ficaram sujeitos à criminalidade, inclusive como
protagonistas, na busca pela sobrevivência.
O século XX foi caracterizado pelo alargamento de entidades assistenciais de
atendimento às crianças órfãs e também àquelas, hoje, imputadas a autoria de ato
infracional. Nessa conjuntura, de acordo com Costa (1985), a pressão das entidades
católicas junto aos movimentos sindicais denunciava a exploração da força de
trabalho infantil, provocando o Estado na produção de políticas que atendessem o
contexto permeado pela infância desamparada.
Em 12 de outubro de 1927 foi promulgado o 1° Código de Menores,
conhecido por Código Mello Mattos, a primeira política pública direcionada à
infância. Entretanto, o referido Código carregava consigo aspectos higienistas e
disciplinares subsidiando as instituições via Poder Judiciário.
O menor era visto como ameaça social e o atendimento a ele dispensado pelo poder público tinha por fim corrigi-lo, regenerá-lo pela reeducação, a fim de devolvê-lo ao convívio social desvestido de qualquer vestígio de periculosidade, cidadão ordeiro, respeitador da lei, da ordem, da moral e dos bons costumes (COSTA, 1985, p. 14)
Segundo Rizzini e Pilotti (2009), os bem-nascidos podiam ser crianças e viver
sua infância; os demais estavam destinados ao aparato jurídico-assistencial, o qual
21
objetivava educá-los ou corrigi-los, visto suas condições de menores abandonados
ou delinquentes3.
A ingerência do Estado se exerce como uma forma de estigmatização, sem
alterar a lógica de manutenção da criança no trabalho e sem combater o clientelismo
e o autoritarismo. Conforme ilustra Rizzini e Pilotti (2009), as novas práticas
implicam na instalação de Centros de Recepção e Triagem para diagnóstico,
dividindo os meninos e meninas atendidos em carenciados, por um lado, e de
conduta antissocial, por outro.
Nesse sentido, os mecanismos de poder4 dirigiam-se àqueles indivíduos
considerados pelos valores sociais como anormais, objetivando identificá-los e
modificá-los e, especialmente, controlá-los. Como expõe Foucault5 (2012), fabrica-se
indivíduos pela disciplina, tomando-os como objetos e como instrumentos de seu
exercício, concomitantemente.
O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar: um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam (FOUCAULT, 2012, p. 165).
Ressalta-se nessa conjuntura, a apologia do trabalho como solução para os
fenômenos sociais pelos quais os indivíduos eram culpabilizados. Segundo Behring;
BOSCHETTI (2011), o período que vai de meados do século XIX até a terceira
década do século XX é caracterizado pelo predomínio do liberalismo, tendo o
trabalho como mercadoria e sendo regulado pelo livre mercado. Nesse contexto,
predomina-se o individualismo, que conforme a autora (2011):
Para os liberais considera-se o indivíduo (e não a coletividade) como sujeito de direito, de modo que os direitos civis foram os primeiros a ser reconhecidos pelo Estado liberal do século XVIII, pois a liberdade de ir e vir,
_______________ 3 Optou-se nesse trabalho em manter as expressões originais pelas quais se caracterizavam os
diferentes contextos da realidade das crianças e adolescentes. A originalidade das expressões se traduz na história, a qual não pode e não deve ser apagada, mas contada e transformada.
4 Em conformidade com Foucault (2013), em Microfísica do Poder, o poder é uma prática social e, como tal, constituída historicamente. De acordo com autor (2013), o poder intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e controlando minuciosamente gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos.
5 Conforme Machado (1988), o método de Foucault é geralmente conhecido por “arqueologia do saber”, resultado de um processo, também histórico, para se chegar a verdade. Nesse sentido, indo de encontro ao método da pesquisa em tela, a verdade para Foucault é uma produção, e, por isso, suas análises focam em como se produz a verdade. Levando-se em conta os aspectos subjetivos, Foucault desconsidera os determinantes objetivos e estruturais que incidem nos fenômenos sociais apregoados na pesquisa. No entanto, elegeu-se o autor no presente trabalho, por reconhecer suas ricas contribuições que explicam a manifestação do poder em uma sociedade disciplinar.
22
de adquirir e comercializar propriedade era um requisito fundamental para instituir a sociedade de classe (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.61).
Isto posto, infere-se que os liberais naturalizavam a miséria e compreendiam-
na como resultado da incapacidade humana, dada a liberdade como discurso
falacioso de um Estado hegemonizado por uma classe dominante6, tendo amparo e
sustento na exploração da força de trabalho dos indivíduos. Ademais, ainda em
conformidade com a Behring (2011), não se deviam despender recursos com os
pobres, dependentes ou passivos, mas vigiá-los e puni-los.
No que se refere ao caso específico das políticas dirigidas à infância, prevaleceu, no Brasil [...], “a necessidade” de controle da população pobre, vista como “perigosa”. Manteve-se, pois, o abismo infranqueável entre infâncias privilegiadas e menores marginalizados. Impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais, destinadas a compensar a ausência de uma política social efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de desenvolvimento para crianças e adolescentes de qualquer natureza (Rizzini; Pilotti, 2009, p. 16).
Em 1942, período gestado pelo autoritarismo do Estado Novo, foi criado o
Serviço de Assistência ao Menor – SAM, vinculado ao Ministério da Justiça e
equivalente ao Sistema Penitenciário destinado aos adultos. Segundo Costa (1990),
esse serviço foi responsabilizado pelas famílias quanto ao crescimento dos índices
de abandono e autoria de atos infracionais, uma vez que, mediante internação,
acabavam sendo retirados do seio de suas famílias e inseridos em um regime
disciplinar e educativo centralizador.
A Lei n° 4.513 de 1964 estabeleceu a Política Nacional do Bem-Estar do
Menor – PNBEM. A abordagem correcional-repressiva, que representava a criança e
o adolescente como ameaça social cedeu espaço para o enfoque assistencialista,
que os representava como carentes.
Em consonância com Costa (1985), o assistencialismo dirigia-se à criança e
ao adolescente perguntando pelo que ele não é, pelo que ele não sabe, pelo que ele
não tem, pelo que ele não é capaz. Dessa forma, a noção de periculosidade cedeu
espaço para a noção de privação.
Contudo, destaca-se que a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor -
FUNABEM, órgão nacional de execução da política supracitada, conforme elucida
_______________ 6 De acordo com Marx (1976), os pensamentos da classe dominante são também, em todas as
épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa sociedade é também a potência dominante espiritual.
23
Costa (1985), herdou do órgão antecessor prédios, equipamentos, materiais e
sobretudo pessoal – e, com esse pessoal, a cultura organizacional do passado.
Sendo assim, manteve-se resquícios das mesmas práticas de atendimento das
décadas anteriores, pautadas pelo continuísmo.
Em 1979 instituiu-se o 2° Código de Menores, configurado como a extensão
da filosofia menorista do Código de Mello Mattos, do início do século XX, a qual
considerava em situação irregular aquelas crianças e adolescentes em situação de
abandono ou delinquência. De acordo com Silva (2010), em 1979, quando de sua
promulgação, comemorava-se o Ano Internacional da Criança, fruto de uma
mobilização mundial que exigia atenção especial aos direitos das crianças e dos
adolescentes. No entanto, esses direitos não estavam assegurados na legislação
nascente.
O “novo” Código, lançado em um momento de contestação política e respaldado na Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBM), representava os ideais dos militares que estavam em crise. Não correspondia aos interesses das forças políticas e da sociedade civil e nem representava os interesses das crianças e dos adolescentes, os quais permaneciam confinados nas instituições totais e submetidos ao poder discricionário do Juiz de Menores (SILVA, 2010, p.32)
Ao discorrer sobre os avanços e retrocessos do direito da criança e do
adolescente, Silva (2011) afirma que, as críticas feitas ao Código de Menores de
1979 podem ser agrupadas em duas. Conforme a autora (2011), a primeira delas é
que crianças e adolescentes chamados, de forma preconceituosa, de menores eram
punidos por estar em situação irregular, pela qual não tinham responsabilidade, haja
vista a deficiência de suportes e políticas públicas. A segunda era referente às
crianças e adolescentes apreendidos por suspeita de ato infracional, os quais eram
submetidos à privação de liberdade sem o devido processo legal7. Nesse sentido,
era regulamentada a criminalização da pobreza8.
Em síntese, a construção dos direitos da criança e do adolescente revelam as
contradições do Estado, resultante da condensação de forças constitutivas de sua
_______________ 7 Em consonância com o art. 5°, incisos LIV e LV, da Constituição Federal do Brasil de 1988, o
princípio do devido processo legal assegura o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais. Dessa forma, se no processo não forem observadas as regras basilares, ele se torna nulo.
8 Como já foi exposto, desde o final do século XIX já se faziam presentes as subjetividades que constituíam o dispositivo de periculosidade. De acordo com Foucault (2012), esse dispositivo surge junto à sociedade disciplinar, afirmando que tão importante o que um indivíduo fez, é o que ele poderá vir a fazer. Nesse sentido, esse instrumento desqualifica e menoriza certas identidades.
24
estrutura. De acordo com o exposto no presente tópico do trabalho, infere-se que as
categorias crianças e adolescentes ganham visibilidade a partir do controle social
formal realizado pelo Estado, mediante instituições de atendimento às crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, cujo objetivo não se
concentrava na proteção desses sujeitos, mas da própria sociedade.
A cidadania da criança e do adolescente foi incorporada na agenda política
muito recentemente, em função da luta de diversos atores sociais no bojo da
elaboração da Constituição de 1988, assuntos pautados no próximo tópico.
2.2 MUDANÇA DE PARADIGMA: DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
Como já se constatou, as políticas traçadas pelo Estado no que se refere ao
atendimento de crianças e adolescentes não apresentam uma constante, haja vista
a convergência de diversos setores, quais sejam: jurídico, policial, científico ou
religioso. Pressupõe-se então que, os direitos não resultaram e não resultam de
mera concessão, antes precedem da luta dos diversos atores sociais9 no âmbito da
sociedade civil e do Estado permeado por interesses em disputa.
Nessa perspectiva, ressalta-se a política brasileira na década de 1980, a qual
intencionava o exercício da democracia, da cidadania e da regulamentação do
Estado de direito, haja vista ter sofrido as agruras de um Estado autoritário e
repressor. Conforme Silva (2010), o Brasil vivia um clima de ebulição com o
processo de transição político-democrática e pelas lutas por direitos trabalhistas,
sociais, políticos e civis.
Em consonância com Liberati (2012), no final da década de 1980, o estudo da
Convenção sobre os Direitos da Criança, orientada e subsidiada nos documentos
internacionais para um atendimento qualificado a esses sujeitos, fez mobilizar a
_______________ 9 Em que pese não seja foco do trabalho aprofundar-se nos movimentos sociais que contribuíram no
avanço das políticas públicas e sociais destinadas para crianças e adolescentes, não poderia deixar de mencionar o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que segundo Richard (2015), esse movimento junto aos movimentos sociais que reivindicavam a derrocada da Ditadura Militar, incidiu na materialização de um novo olhar para a situação da infância no Brasil. Amparado por legislações internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Declaração dos Direitos da Criança de 1924, Pacto de San José da Costa Rica de 1969, Regras Mínimas de Beijing de 1985; esse movimento promoveu o empoderamento dos jovens em situação de rua para que percebessem que a realidade em que estavam inseridos não era natural, mas fruto de um sistema que a produz.
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sociedade civil, de onde nasceu o Fórum Nacional de Entidades Não
Governamentais de Direitos da Criança e do Adolescente/Fórum DCA.
Esse Fórum foi um dos principais articuladores perante o Congresso Nacional, que, em trabalho de Constituinte, acatou emenda popular, com centenas de milhares de assinaturas, introduzindo na nova Constituição os princípios e normas de proteção à infância sugeridos pela citada Convenção (LIBERATI, 2012, p.40).
Nesse sentido, os princípios apregoados pela Convenção materializaram-se
no art. 227 da Constituição Federal do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988,
consagrando a Doutrina da Proteção Integral, cujo alicerce é o reconhecimento da
condição peculiar de desenvolvimento das crianças e adolescentes.
No dia 13 de julho de 1990 foi promulgada a Lei n° 8.069 de 1990,
denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, popularmente conhecida como
ECA. O Estatuto supracitado regulamentou o art. 227 da Constituição Federal de
1988, trazendo uma completa transformação para o tratamento legal da matéria.
De acordo com Liberati (2012), a Doutrina da Proteção Integral preconizou
que o direito da criança e do adolescente não deveria ser exclusivo de uma
categoria de criança e de adolescente, a qual incidia em estigmatização, mas
deveria contemplar todas as crianças e adolescentes, sem distinção.
A Doutrina da Proteção Integral afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade especial de respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade. O que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos (COSTA, 1992, p.17).
Assim sendo, o novo ordenamento jurídico rompeu com a doutrina até então
vigente no Código de Menores, substituindo as concepções nela subjacentes,
infância “em perigo” ou “perigosa”, para elevar a criança e o adolescente à condição
de sujeito de direitos.
Dessa forma, o ECA apresentou profunda e significativa mudança no que se
refere ao conteúdo, ao método e a gestão do atendimento às crianças e aos
adolescentes. Segue abaixo um quadro que Brancher (2001) apud Liberati (2012)
resume as principais inovações trazidas pelo ECA, comparando-as com a legislação
anterior.
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TABELA 1: Quadro comparativo Código de Menores X EC A
ASPECTO CÓDIGO DE MENORES ESTATUTO
Doutrinário Situação Irregular Proteção Integral
Caráter Filantrópico Política Pública
Fundamento Assistencialista Direito Subjetivo
Centralidade Local Judiciário Município
Competência Executória União/Estados Município
Decisório Centralizador Participativo
Institucional Estatal Cogestão c/ Sociedade Civil
Organização Piramidal Hierárquica Rede
Gestão Monocrática Democrática
Fonte: (BRANCHER 2001 apud LIBERATI 2012, p.56).
Verifica-se no quadro que o novo diploma legal se caracterizou pela
interdisciplinaridade que foi dada ao tema, levando em consideração a complexidade
da dinâmica social e a dificuldade de enfrentar os fenômenos sociais partindo de
ações fragmentadas e desarticuladas. O ECA, além de positivar ordinariamente
direitos reclamáveis, estabeleceu novas formas de buscar a efetividade dos direitos
arrolados. Dessa forma, previu a articulação entre o Estado e a sociedade civil, em
um sistema amplo de viabilização, atendimento e garantia de direitos.
São diretrizes da política de atendimento: I- municipalização do atendimento, criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas segundo leis federais, estaduais e municipais; III- criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; IV- manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos de direitos da criança e do adolescente; V- integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescentes a quem se atribua autoria de ato infracional; VI- mobilização da opinião pública no sentido de indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade ( art. 88, BRASIL, 1990).
Nessa perspectiva, assegurando inúmeras prerrogativas e mecanismos de
proteção, visto a condição da criança e do adolescente como pessoas em
27
desenvolvimento, o ECA apregoou a solidariedade e corresponsabilidade para o
alcance de resultados sinergéticos na garantia dos direitos da criança e do
adolescente, determinando no art. 4° que, é dever da família, da sociedade e do
Estado, colocar crianças e adolescentes a salvos de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
3 POLÍTICA DE ATENDIMENTO PARA O ADOLESCENTE EM CON FLITO COM A
LEI NO BRASIL
O texto que se segue sistematiza conteúdos de pesquisa exploratória e
descritiva acerca da responsabilização de adolescentes em conflito com a lei pelo
viés da Doutrina da Proteção Integral. Nesse sentido, apresenta-se as principais
legislações que norteiam a aplicação e a execução das medidas socioeducativas no
Brasil, ressaltando que o exposto não se destina meramente a descrever os direitos
e as regras contidas nas legislações, mas sim explicar o propósito das normas ali
estampadas para que se possa compreender o alcance da prática pedagógica da
medida socioeducativa. Dessa forma, este conteúdo visita os critérios normativos
afetos à aplicação e execução das medidas socioeducativas, destacando seu
manuseio à luz dos escopos próprios do Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE.
3.1 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA PERSPECTIVA DO ECA
Considerando os projetos societários divergentes disputando a legitimação,
estabelecer juízo sobre o ato infracional e as medidas socioeducativas implica
considerar que essas categorias foram socialmente e historicamente construídas.
Nesse sentido, o caráter pedagógico que rege as medidas socioeducativas decorreu
da luta pelos direitos das crianças e adolescentes, no âmbito da sociedade civil e do
Estado, entendendo que crianças e adolescentes eram invisíveis, estigmatizados,
marginalizados e excluídos nas legislações anteriores.
Assim sendo, à priori, o surgimento da pretensão socioeducativa se dá com o
episódio de sua suposição legalmente instituída – a prática de ato infracional por
adolescente. Em consonância com Veronse e Lima (2009), entende-se por ato
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infracional a conduta praticada por criança ou adolescente análoga ao crime ou
contravenção penal. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – semi-liberdade; VI – internação (art. 112, BRASIL, 1990).
À posteriori, considerando a condição peculiar de desenvolvimento do
adolescente, o art. 112 do ECA translada as garantias do Direito Penal, propiciando
como resposta ao ato infracional, em vez da rigidez das penas criminais, medidas
socioeducativas predominantemente pedagógicas.
o Estatuto acredita que a melhor forma de intervir nesse adolescente em conflito com a lei é incidir positivamente na sua formação, servindo-se, para tanto, do processo pedagógico como um mecanismo efetivo, que possibilite o convívio cidadão desse adolescente em sua comunidade (VERONSE e LIMA, 2009, p.36).
As medidas socioeducativas, na concepção dessas autoras (2009), objetivam
superar velhas concepções autoritárias de defesa social e de caráter retributivo,
entendendo a emancipação humana e a promoção de alternativas educativas e
sociais, a melhor forma de superação da violência, das quais os adolescentes são
mais vítimas do que autores.
A execução das medidas socioeducativas deve estar amparada no bojo de
um procedimento coerente as determinações constitucionais e às previsões
específicas do ECA. Nesse sentido, o art. 111 do Estatuto dispõe que, são
asseguradas ao adolescente, entre outras as seguintes garantias:
I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III – defesa técnica por advogado; IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento (art. 111, BRASIL, 1990).
Constatada a autoria e materialidade do ato infracional, o art.112 do ECA
apresenta enquanto propostas de responsabilização do adolescente em conflito com
a lei, as medidas socioeducativas de advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e, por fim, a
internação.
29
Na aplicação da advertência, acontece o primeiro contato do adolescente com
a autoridade competente. Em conformidade com o art. 115 do ECA, a medida
socioeducativa de advertência constitui-se por um viés admoestador, uma vez que a
autoridade competente tem a pretensão de expor para o adolescente os seus
direitos e deveres na sociedade em que vive.
Nessa perspectiva, Liberati (2012) elucida que:
por ser singela, a medida socioeducativa de advertência não é menos importante que as demais. A presença da autoridade, alertando o jovem para as consequências do ato indesejado que praticou, irá contribuir, sobremaneira, para sua socioeducação (LIBERATI, 2012, p. 120).
No que se refere ao ato infracional com reflexos patrimoniais, dispõe o art.116
do Estatuto que a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente
restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o
prejuízo da vítima.
Deduz-se entao, que, o referido artigo apresenta três hipóteses de satisfação
da obrigação, quais sejam: a devolução da coisa, o ressarcimento do prejuízo e a
compensação do prejuízo por qualquer meio. No entendimento de Liberati (2012), a
medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano propicia o restabelecimento
com a sociedade dos vínculos que foram partidos em virtude do ato praticado.
O ECA, apresenta também, como resposta ao ato infracional, a medida
socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, sendo descrita nos termos
do art. 117. Conforme a literatura, a responsabilização do adolescente nesse âmbito,
consiste na cultivação de atividades gratuitas de interesse geral, junto a órgãos
governamentais, programas comunitários, entidades sociais entre outros. Ressalta-
se o parágrafo único do artigo supracitado, quando determina que a medida esteja
em consonância com as aptidões do adolescente, devendo ser cumprida durante
uma jornada não superior a 8 (oito) horas semanais, sem prejuízo da frequência
escolar ou jornada de trabalho do adolescente.
Dispõe o art. 118 do ECA, que a medida socioeducativa de liberdade assistida
será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Nesse sentido, Volpi (1997) entende
que, sua aplicação ocorrerá sempre que houver necessidade de proteção, inserção
comunitária e fortalecimento de vínculos familiares, acompanhamento da frequência
escolar e encaminhamento para o mercado de trabalho.
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O art. 120 do ECA determina a medida socioeducativa de semiliberdade,
caracterizada pela privação parcial de liberdade do adolescente. Nos termos do
Estatuto, a medida socioeducativa de semiliberdade pode ser determinada desde o
início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de
atividades externas, independentemente de autorização judicial. O parágrafo 1° do
mencionado artigo, determina que sejam obrigatórias a escolarização e a
profissionalização, devendo sempre que possível ser utilizados os recursos
existentes na comunidade.
Apresentando-se como a mais austera das medidas socioeducativas, a
internação nos termos do art. 121 do ECA, constitui como medida privativa de
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, da excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Quanto à abrangência de tais princípios, Ishida (2010) esclarece que:
a brevidade implica a conclusão de que a medida deve perdurar apenas o necessário à readaptação do adolescente ao convívio social, limitando-se assim, a três anos ou à ocasião em que o reeducando complete vinte e um anos de idade; a excepcionalidade significa que a internação só tem lugar quando as demais medidas mostram-se ineficazes; e, enfim, o respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento reclama a manutenção das condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, “garantindo seu ensino e profissionalização” (ISHIDA, 2010, p.240-241).
Ainda, à luz do princípio da excepcionalidade, de acordo com o Estatuto, a
medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, neste último, não mais do que três meses (art. 122, BRASIL, 1990).
No entendimento de Volpi (1997), os que forem submetidos à privação de
liberdade só o serão porque a sua contenção e submissão a um sistema de
segurança são condições necessárias para o cumprimento da medida
socioeducativa. Em outras palavras, a contenção não é em si, a medida
socioeducativa, é a condição para que ela seja aplicada.
Nesse sentido, para aqueles privados de liberdade, o ECA determinou na
forma do art. 124 os seus direitos, marcando assim, uma grande conquista nesse
novo cenário de deveres e garantias. São direitos do adolescente inseridos na
medida socioeducativa de internação:
31
I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II – peticionar diretamente a qualquer autoridade; III – avistar-se reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação processual, sempre que solicitar; V – ser tratado com respeito e dignidade; VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII – receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos; IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização e profissionalização; XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; XIII – ter acesso aos meios de comunicação social; XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença. E desde que assim o deseje; XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guarda-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade [...] (art. 124, BRASIL, 1990).
Nessa perspectiva, segundo a literatura, as medidas socioeducativas rompem
com a lógica punitiva e fomenta ações pedagógicas inscritas no campo da garantia,
promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Ressalta-se que, como
sugere Maior (2006):
[...] imagina-se que a excelência das medidas socioeducativas se fará presente quando propiciar aos adolescentes oportunidade de deixarem de ser meras vítimas da sociedade injusta em que vivemos para se constituírem em agentes transformadores desta mesma realidade (MAIOR, 2006, p.379).
Em outras palavras, a excelência das medidas socioeducativas se fará
presente quando propiciar ao adolescente em conflito com a lei condições objetivas
de revitalização e reconstrução de seu projeto de vida, mediante o acesso as
oportunidades conquistadas enquanto direito e positivadas nos termos das
legislações concernentes aos direitos da criança e do adolescente.
3.2 A CONSOLIDAÇÃO PEDAGÓGICA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO NA PERSPECTIVA DO SINASE
Reafirmando os direitos e garantias previstas na Constituição Federal de 1988
e no Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei n° 12.594 de 18 de janeiro de 2012,
conhecida como Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE,
dispõe desde a parte conceitual até o financiamento do sistema socioeducativo,
definindo papéis e responsabilidades. De acordo com Digiácomo (2016):
o objetivo do SINASE é a efetiva implementação de uma política pública especificamente destinada ao atendimento de adolescentes em conflito com a lei e suas respectivas famílias, de cunho eminentemente intersetorial, que ofereça alternativas de abordagem e atendimento junto aos mais diversos
32
órgãos e equipamentos públicos (com a possibilidade de atuação, em caráter suplementar, de entidades não governamentais), acabando de uma vez por todas com o isolamento do Poder Judiciário quanto ao atendimento desta demanda (DIGIÁCOMO, 2016, p.13).
Nessa perspectiva, o SINASE se correlaciona e demanda empreendimentos
dos variados espaços das políticas públicas, e sua efetividade pressupõe as
imperativas articulações entre os sistemas de proteção social que em torno dele
gravitam, quais sejam: o sistema educacional, o sistema de justiça e segurança
pública, o sistema único de saúde e o sistema único de assistência social.
Dessa forma, infere-se que a efetivação dos direitos fundamentais dos
adolescentes inseridos na medida socioeducativa se traduz na filosofia pedagógica
da medida, considerando os dispositivos constitucionais, estatutários e legais
referentes ao processo socioeducativo.
Isto posto, a execução da medida tem como parâmetro culminante as
determinações esboçadas na sentença, as quais em consonância com Brasil (2012),
encontram amparo nos objetivos de responsabilizar o adolescente pelas
consequências lesivas do ato infracional e integrá-lo socialmente mediante a
garantia de seus direitos individuais e sociais.
Com efeito, o desenrolar da execução da medida socioeducativa de
internação obedece às seguintes orientações:
I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida; VI – individualização (idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente); VII - mínima intervenção (necessário para a realização dos objetivos da medida); VIII - não discriminação do adolescente; IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo (art. 35, BRASIL, 2012)
Diante do exposto, verifica-se que o SINASE se alicerçou, sobretudo, na
busca pelo enfrentamento das situações de violência que abarcam os adolescentes
em uma dupla face: como adolescentes em conflito com a lei ou como vítimas de
violações de direitos. Como sugere Brasil (2006), criam-se condições possíveis para
que o adolescente em conflito com a lei deixe de ser considerado um problema para
ser compreendido como uma prioridade social em nosso país.
Contudo, ainda de acordo com Brasil (2006):
para reverter essa realidade ainda são necessárias grandes mudanças, como o reordenamento institucional das unidades de internação; ampliação do sistema em meio aberto; organização em rede de atendimento, pleno funcionamento do sistema de defesa do adolescente em conflito com a lei;
33
regionalização do atendimento; municipalização do meio aberto; capacitação dos atores socioeducativos; atendimento integrado com as demais políticas; ação mais efetiva dos Conselhos Estaduais e Municipais; ampliação das varas especializadas e plantão institucional; maior entendimento da lei e atendimento estruturado e qualificado aos egressos (BRASIL, 2006, p.22).
Nessa perspectiva analítica, objetivando a inclusão social do adolescente em
conflito com a lei pela via do acesso às políticas públicas, o SINASE materializa-se
como construção sócio-histórica imbuída de processo de luta em prol dos direitos da
criança e do adolescente, com vistas na contribuição por uma nova cultura no trato
do ato infracional.
Corroborando com os pressupostos supracitados, Brasil (2012) adverte para o
fato de que a inserção do adolescente na medida socioeducativa de internação não
deve ser deve orquestrada pela privação dos direitos, exceto o direito de ir e vir.
Nesse sentido, elenca entre outros direitos:
I – ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial; II – ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação de liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência; III – ser respeitado em sua personalidade, intimidade, liberdade de pensamento e religião e em todos os direitos não expressamente limitados na sentença; IV – peticionar, por escrito ou verbalmente, diretamente a qualquer autoridade ou órgão público, devendo, obrigatoriamente, ser respondido em até 15 (quinze) dias; V – ser informado, inclusive por escrito, das normas e organização e funcionamento do programa de atendimento e também das previsões de natureza disciplinar; VI – receber, sempre que solicitar, informações sobre a evolução de seu plano individual, participando, obrigatoriamente, de sua elaboração e, se for o caso, reavaliação; VII – receber assistência integral à sua saúde, conforme o disposto no art.60 desta lei; e VIII – ter atendimento garantido em creche e pré-escola aos filhos de zero a cinco anos” (art. 49, BRASIL, 2012).
Importante ponderar que, em que pese o SINASE, assim como ECA,
expressem avanços conquistados no campo dos direitos da criança e do
adolescente, estes dispositivos legais estão submetidos à estrutura social capitalista.
Assim sendo, deve-se sempre vislumbrá-los com consciência crítica, uma vez que
contribuem para o processo de reprodução social.
Em consonância com Silva (2011) a medida socioeducativa de internação
disposta nas legislações supracitadas deve ser problematizada, já que:
A relação pobreza/delinquência foi adaptada para pobreza/infração, está atualizada na ordem do dia, na medida em que a essência do paradigma da situação irregular (criminalização da pobreza) foi prolongada na atual
34
legislação, com a diferença de que o aprisionamento está legitimado pelo devido processo legal (SIVA, 2011, p. 232).
De acordo com o exposto, indubitavelmente as legislações hodiernas acerca
da responsabilização de adolescentes pela autoria de ato infracional traduzem-se
em um progresso no que se refere aos direitos de crianças e adolescentes,
entretanto, o atendimento qualificado à condição de pessoa em desenvolvimento
deve perpassar os trâmites processuais.
Isto posto, faz-se necessário compreender a situação do adolescente
enquanto sujeito de direitos, que necessita de proteção da família, da sociedade e
do Estado. Nesse sentido, deve-se atentar para que o adolescente não careça de
ser privado de liberdade para que possa gozar das políticas públicas a ele
destinadas. Do contrário, a privação de liberdade travestida de aspectos
pedagógicos apenas reafirmará a exclusão e marginalização dos dispositivos
disciplinares antecedentes.
4 A VOZ DO ADOLESCENTE PRIVADO DE LIBERDADE ULTRAPA SSA O
LIMITE DOS MUROS
Objetivou-se nesta seção a sistematização dos dados levantados na pesquisa
de campo. Em consonância com o objetivo geral e os objetivos específicos da
pesquisa, a pesquisa de campo possibilitou uma aproximação com a realidade do
Sistema Socioeducativo reunindo um conjunto de vivências de 6 (seis) adolescentes
inseridos na medida socioeducativa de internação no Centro de Socioeducação de
São José dos Pinhais, que mediante entrevista semi-estruturada, tendo o
questionário como instrumento norteador, relatam as representações sociais
construídas acerca da medida.
A sistematização dos dados configura-se como terceira etapa da pesquisa,
apresentando dados qualitativos com a técnica de análise de conteúdo. Nesse
sentido, a pesquisa qualifica as vivências dos sujeitos, buscando atrelar a questão
do significado à determinantes históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais,
entendendo que em consonância com o método crítico-dialético, adotado na
pesquisa, o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações (Marx,
1983).
35
Isto posto, desvelar a execução da medida socioeducativa de internação,
apreendendo-a em suas condicionalidades materiais, requer conforme Guerra
(2010), captar o movimento do objeto, a sua lógica de constituição, percebendo o
que o objeto é e como chegou a ser o que é. Assim sendo, a sistematização dos
dados elenca categorias para explicar o seguinte problema da pesquisa: “como o
adolescente privado de liberdade representa a execução da medida socioeducativa
de internação?”.
São questões norteadoras: “Como o adolescente privado de liberdade
representa os aspectos pedagógicos da medida socioeducativa de internação?”,
“Como o adolescente privado de liberdade representa as motivações que ensejaram
a prática de ato infracional?”, “Como o adolescente privado de liberdade representa
a atuação do Serviço Social na instituição?”.
4.1 ANTECEDENTES: QUANTO À ABORDAGEM DOS SUJEITOS DA
PESQUISA
A escolha do Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais como lócus
da pesquisa se justifica devido a unidade supramencionada abarcar adolescentes
oriundos dos principais Centros de Socioeducação de Curitiba e Região
Metropolitana, reunindo um conjunto de vivências heterogêneas do ponto de vista da
execução da medida socioeducativa de internação. Entende-se por vivências
heterogêneas as experiências dos adolescentes imbuídas das particularidades de
cada Centro de Socioeducação no que se refere a cultura institucional, estrutura
física, projeto político-pedagógico, recursos materiais, humanos e financeiros,
número de adolescentes, bem como suas demandas específicas, e qualificação dos
profissionais envolvidos. Ademais, a escolha do Centro de Socioeducação de São
José dos Pinhais, resulta, também, como contribuição profissional, visto que o
pesquisador possui inserção profissional neste contexto, atuando como Educador
Social desta unidade.
Em conformidade com a metodologia da pesquisa, submetida e aprovada
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCPR e pela Secretaria da Justiça, Trabalho
e Direitos Humanos, as entrevistas foram previamente agendadas com o diretor da
unidade e os adolescentes convidados à participação. Além disso, embora
custodiados pelo Estado e autorizadas pela promotora de justiça da comarca
36
competente, as entrevistas foram previamente autorizadas pelos responsáveis legais
daqueles menores de 18 (dezoito) anos de idade.
Em que pese a escolha dos adolescentes entrevistados ter sido realizada de
forma aleatória, ressalta-se duas observações. A primeira refere-se a leitura do
pesquisador, entendendo que a pesquisa de campo deveria contemplar 1 (um)
adolescente de cada uma das 6 (seis) casas de internação definitiva da unidade10,
enriquecendo a pesquisa ao reunir adolescentes que representassem a unidade em
seu conjunto. A segunda diz respeito ao aceite do adolescente em participar da
pesquisa, uma vez que se respeitou a autonomia do adolescente em dizer sim ou
não.
Importante ponderar que as entrevistas foram direcionadas para os
adolescentes inseridos na medida socioeducativa de internação definitiva, uma vez
que de acordo com o objetivo precípuo da pesquisa, desvelar as representações
sociais construídas pelos adolescentes privados de liberdade acerca da medida
socioeducativa de internação, requeriu-se um tempo mínimo de cumprimento da
medida, para que fosse assegurada sua inclusão na dinâmica institucional. Não
sendo possível, portanto, a participação daqueles inseridos na medida em caráter
provisório, cujo prazo, segundo Brasil (1990), deve corresponder, no máximo, a 45
dias.
As entrevistas ocorreram em um sábado do mês de setembro de 2016,
entendendo que o sábado possui uma rotina menos densa na unidade, visto que
não há cursos profissionalizantes e atendimentos técnicos. Cada entrevista durou
em média 45 minutos, e estas ocorreram em uma sala privativa onde os
adolescentes são atendidos pelos técnicos da unidade. Por se tratar de uma unidade
de internação, visto que os adolescentes ali inseridos não podem sair sem
autorização judicial, sob pena de responsabilização penal e administrativa dos
funcionários daquele contexto, durante a entrevista ficou um educador social
plantonista do lado de fora da sala, observando o pesquisador e o sujeito da
pesquisa durante todo o tempo através de uma vidraça. Ressalta-se também, que, o
_______________ 10 Em que pese o Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais abarque um conjunto de 8 (oito)
casas, sendo 7 (sete) casas destinadas à internação definitiva e 1 (uma) casa destinada à internação provisória, ressalta-se o contexto da pesquisa, no qual em setembro de 2016, 6 (seis) casas estavam sendo utilizadas para o atendimento de adolescentes inseridos na internação definitiva.
37
educador social ficou do lado de fora demonstrando respeito ao sigilo das
informações prestadas pelo sujeito da pesquisa durante a entrevista.
A abordagem iniciou-se pela apresentação da pesquisa, dos seus objetivos e
de sua relevância para a política de atendimento ao adolescente em conflito com a
lei. Devido o pesquisador estar inserido neste contexto e ser conhecido pelos
sujeitos da pesquisa, deparou-se com o seguinte questionamento do primeiro
adolescente entrevistado: “o que eu falar não vai me empenhar no meu relatório,
né?11”.
Entendendo este primeiro questionamento que demonstrava um receio em
compartilhar a realidade pelo medo de ser responsabilizado pelo prolongamento da
duração da medida socioeducativa muito mais como uma questão ética do que fonte
de informação, fez-se necessário elucidar qual a relação do pesquisador com a
universidade e com o trabalho de educador social, explicitando quais são as
atribuições do educador social e do assistente social, aproveitando o ensejo para
desmistificar qualquer representação negativa da obtenção dos dados.
Evidenciando que naquele momento estava desconstruindo qualquer
conhecimento acerca da realidade local e que a intenção era reconstruir esse
conhecimento junto aos adolescentes, convidou-os para caminharem juntos nesse
desafio.
Reafirmando os compromissos éticos mediante termo assinado e garantia de
preservação da identidade dos entrevistados, a caracterização dos adolescentes se
fará de maneira genérica evitando possíveis identificações por excesso de
informações. Nesse sentido, os nomes dos sujeitos da pesquisa serão substituídos
aqui pelas letras iniciais do alfabeto – adolescentes (A, B, C, D, E, F).
As falas dos adolescentes entrevistados serão preservadas em sua
integralidade. Ressalta-se que, em conformidade com Cardoso (2008), nos
instrumentais, devemos ter um cuidado especial com as falas literais dos usuários
por que optamos registrar e preservar. Nesse sentido, sugere o autor (2008) que,
_______________ 11 Expressão utilizada pelos adolescentes referindo-se ao prejuízo do relatório elaborado pelo técnico
de referência e remetido para o Juiz da Vara da Infância e da Juventude. Ressalta-se que o relatório supracitado discorre sobre a avaliação dos adolescentes durante a inserção na medida socioeducativa, a qual tanto pode resultar em permanência deste adolescente na medida socioeducativa de internação quanto progredir para outra medida socioeducativa ou ser liberado definitivamente.
38
após colocar a fala da pessoa entre aspas, acrescentamos a sigla SIU, que se
traduz em “segundo informações do usuário”.
Em consonância com Silva (1995) quando afirma que, as narrativas não
apenas nos ajudam a dar sentido ao mundo, a torna-lo inteligível, elas contribuem
para constituí-lo e a nós; do ponto de vista de metodologia empreendida na presente
pesquisa, preservar a fala dos sujeitos da pesquisa consistiu em perpassar a mera
coleta de informações e dados, mas aproximar-se da realidade observada
desvelando a elaboração, organização e representação do mundo da privação de
liberdade, através da linguagem.
Ademais, o uso das narrativas objetivou dar transparência àquilo que
costumeiramente procura-se ofuscar, a voz excluída por estar situada nas baixas
camadas da estratificação social em uma sociedade, que segundo Minayo e Souza
(1998), é constituída por estruturas de dominação.
Conforme Foucault (2013), os saberes dominados apresentam um padrão de
cientificidade abaixo do nível requerido, tornando-os inferiores na escala hierárquica
do conhecimento. Contudo, neste trabalho, a construção do conhecimento a partir
da fala dos adolescentes em conflito com a lei pretende ir de encontro aos discursos
unitários e hierarquizantes engendrado nas relações de poder constituídas sócio-
historicamente.
Dessa forma, apresentando uma série de palavras que emergiram nas
entrevistas, bem como os significados correspondentes, objetiva-se valorizar o
discurso dos entrevistados, entendendo que, de acordo com Iamamoto (2004),
temos o desafio de atribuir visibilidade e transparência a esses sujeitos de direitos.
Ainda, de acordo com Foucault (2013), todas aquelas coisas que constituem o
ordinário, o pormenor insignificante, a obscuridade, os dias sem glória, a vida
comum, podem e devem ser ditas, - mais, escritas.
4.2 O CENTRO DE SOCIOEDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
À priori, antes de adentrar as falas dos sujeitos da pesquisa, procura-se tecer
uma breve contextualização do lócus da pesquisa. Nesse sentido, as informações
extraídas resultam das notícias encontradas em site de busca.
39
O Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais, localizado no município
de São José dos Pinhais, no Estado do Paraná, configura-se em uma unidade de
atendimento destinado a adolescentes em conflito com a lei inseridos na medida
socioeducativa de internação provisória ou definitiva. Em conformidade com os
dados divulgados pela Agência Estadual de Notícias do Paraná (2016), a unidade foi
inaugurada aos 23 dias do mês de fevereiro de 2016 com capacidade para atender
78 adolescentes.
Com mais de 4,2 mil metros quadrados de área construída, ainda de acordo
com a Agência Estadual de Notícias do Paraná (2016), o Centro de Socioeducação
de São José dos Pinhais objetivou suprir a falta de vagas existentes na região, o que
estava acarretando em uma violação de direitos – a superlotação das unidades.
Nesse sentido, a unidade recebeu adolescentes dos principais Centros de
Socioeducação de Curitiba e Região Metropolitana, visando desafogar a demanda e
propiciar um atendimento qualificado segundo as diretrizes que regem o Sistema
Socioeducativo materializadas no SINASE.
Em consonância com a Resolução n° 46/1996 do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, quando determina que sejam construídos
espaços residenciais com capacidade não superior a 15 (quinze) adolescentes, o
Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais possui um sistema de casas, no
qual 7 (sete) casas possui 10 (dez) alojamentos individuais e 1 (uma) casa possui 8
(oito) alojamentos individuais.
Considerando disposto em BRASIL (2006), no que se refere aos parâmetros
arquitetônicos para unidades de atendimento socioeducativo, a unidade dispõe de 2
(duas) escolas com 8 (oito) salas de aula cada uma, 1 (um) ginásio poliesportivo, 1
(um) campo de futebol, espaço ecumênico, setor de saúde, salas privativas de
atendimento técnico (Psicologia e Serviço Social), setor de serviços (cozinha,
lavanderia, almoxarifado, garagem, depósitos de resíduos) e setor administrativo.
A unidade conta com uma equipe multidisciplinar, composta por: 52
(cinquenta e dois) educadores sociais distribuídos em 4 (quatro) plantões de 12
(doze) horas, 3 (três) psicólogos, 2 (duas) assistentes sociais, 1 (um) terapeuta
ocupacional, 1 (uma) enfermeira, 2 (duas) técnicas de enfermagem e 1 (um)
dentista.
Conforme o art. 222 do Código de Normas e Procedimentos das Unidades de
Atendimento Socioeducativo do Estado do Paraná (2016), as unidades
40
socioeducativas devem garantir as políticas sociais básicas para os adolescentes
nela inseridos. São assistências básicas do adolescente: I – material; II –
educacional; III – cultural, esportiva e de lazer; IV – saúde; V – social; VI – religiosa e
VIII – jurídica.
Em suma, o Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais objetiva a
execução da medida socioeducativa de internação, e de acordo com o Relatório de
Ações do Departamento Socioeducativo do Paraná (2015), se configura como uma
das vinte e sete unidades de atendimento socioeducativo do Estado do Paraná.
4.3 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Considerando este o momento primordial da pesquisa, destacando as
representações sociais construídas pelos adolescentes acerca da medida
socioeducativa de internação, iniciou-se uma aproximação com os sujeitos da
pesquisa.
Ressalta-se que os dados referentes à caracterização dos entrevistados
visam apenas fornecer subsídios para a aproximação com a realidade a ser
observada, não tendo a pretensão de reduzir a história e trajetória desses sujeitos a
um determinado perfil social e econômico. Nesse sentido, o pesquisador reconhece
a riqueza que cada ser humano carrega consigo no que se refere as suas vivências
e experiências enquanto ser humano singular e sujeito social, entendendo que os
dados apresentados não se traduzem na biografia dos entrevistados.
Adolescente A: Natural de Piraquara/PR, 18 (dezoito) anos de idade, negro,
solteiro e sem filhos. Morava com a tia e duas primas, cuja renda familiar somava R$
1.200,00. Parou de estudar em 2013, não concluindo a 5° série. Está inserido na
medida socioeducativa devido a um roubo de carga. Segundo relata, já teve 20
(vinte) passagens pela polícia devido aos atos infracionais referentes ao tráfico de
entorpecentes, porte ilegal de arma e 14 (quatorze) roubos. Neste último, a maioria
de carros. Já esteve inserido na medida socioeducativa de semiliberdade, contudo
ficou um dia e fugiu.
Adolescente B: Natural de Fazenda Rio Grande/PR, 16 (dezesseis) anos de
idade, branco, solteiro e sem filhos. Morava com a mãe, o padrasto e 2 (dois)
irmãos. Conforme relata em entrevista, seu pai já é falecido havendo sido
41
assassinado devido o envolvimento com o crime. Sua mãe e seu padrasto estão
autônomos. Ela trabalha como manicure e ele como motorista. De acordo com o
sujeito da pesquisa, possuem renda familiar de até R$ 3000,00. Estava estudando
anteriormente à inserção na medida socioeducativa pelo EJA12, na 7° série. Está
inserido na medida devido o cometimento de ato infracional qualificado como
homicídio. Afirma que já teve duas passagens pela polícia, uma por pichação e outra
por estar fazendo uso de maconha e desacato. Já esteve inserido na medida
socioeducativa de prestação de serviços à comunidade.
Adolescente C: Natural de Curitiba, 17 (dezessete) anos de idade, negro,
casado em união estável e possui um filho de 1 ano de idade. Declara que a renda
familiar somava R$ 1300,00 e que estava estudando anteriormente à inserção na
medida socioeducativa pelo EJA. Timidamente, relatou só saber escrever seu nome.
Afirma também que, estava trabalhando com a colocação de mármore. Está inserido
na medida devido o roubo de 2 (dois) carros, tráfico de entorpecentes e tentativa de
suborno. Explicita que já esteve inserido na medida socioeducativa de liberdade
assistida em 2013.
Adolescente D: Natural de Curitiba/PR, 18 (dezoito) anos de idade, negro,
solteiro e sem filhos. Morava com o pai, mãe, avó e tio. Declara que a renda familiar
somava R$ 2000,00 e que anteriormente à inserção na medida socioeducativa,
estava estudando no 1° ano do Ensino Médio. Está inserido na medida devido ao ato
infracional qualificado como latrocínio. Afirmou não ter passagens pela polícia
anteriormente.
Adolescente E: Natural de Joinville/SC, 18 (dezoito) anos de idade, branco,
solteiro e sem filhos. Morava com a mãe, padrasto, irmão e sobrinha. Relata que seu
pai já havia falecido, haja vista ter sido assassinado devido ao envolvimento com o
crime. De acordo com o sujeito da pesquisa, possuía renda familiar de R$ 4500,00 e
parou de estudar em 2015 na 1° série do Ensino Médio. Anteriormente à inserção na
medida socioeducativa, estava trabalhando na área de construção civil, como pintor
de casas. Está inserido na medida devido ao cometimento de ato infracional
_______________ 12 De acordo como o Ministério da Educação (2016), a Educação de Jovens e Adultos, popularmente
conhecido como EJA, destina-se aos jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade própria. Prevê oportunidades educacionais adequadas às suas características, interesses, condições de vida e de trabalho mediante cursos e exames no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
42
qualificado como homicídio e já havia tido passagem pela polícia por roubo, tráfico
de entorpecentes, 2 (duas) receptações de carro, porte ilegal de arma e 3 (três)
homicídios. Segundo relata, já havia sido inserido na medida socioeducativa de
internação outras duas vezes, além de ter sido inserido nas medidas
socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida.
Adolescente F: Natural de São José dos Pinhais/PR, 16 (dezesseis) anos de
idade, branco, solteiro e sem filhos. Morava com a mãe, padrasto e 4 irmãos.
Declarou que a renda familiar era de R$ 3000,00 e que parou de estudar na 5° série
em 2014. Está inserido na medida devido aos atos infracionais qualificados como
homicídio e porte ilegal de arma. Afirmou ter outras 4 (quatro) passagens pela
polícia e ter sido inserido anteriormente nas medidas socioeducativas de prestação
de serviços à comunidade e liberdade assistida.
De acordo com o exposto, verifica-se que a média da renda domiciliar per
capita desses adolescentes é de R$ 410,31; valor este, três vezes inferior à média
paranaense, que segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE (2015), é de R$ 1241,00. Ressalta-se que todos os adolescentes relataram
morar em casa alugada e no caso dos dois adolescentes que afirmaram estar
trabalhando anterior à inserção na medida socioeducativa, contribuíam com as
despesas da família.
Observa-se também, que, a maioria dos adolescentes entrevistados não
chegaram a concluir o ensino fundamental, demonstrando a fragilidade dos vínculos
com o processo de escolarização. Se já não estavam evadidos da escola,
apresentavam idade que não condizia com a regularidade nos estudos do ponto de
vista ano/formal.
Também, constata-se que, em que pese 3 (três) adolescentes estejam
inseridos na medida socioeducativa de internação devido o cometimento de ato
infracional qualificado como homicídio, 2 (dois) homicídios derivaram do
envolvimento com o tráfico de entorpecentes.
E o fato de 5 (cinco) adolescentes afirmarem que já haviam sido inseridos em
outras medidas socioeducativas anteriormente denota a fragilidade dessas medidas
do ponto de vista da efetividade, as quais serão melhor discutidas no decorrer do
trabalho.
43
4.4 PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO PERSONIFICADA NA FIGURA DA CADEIA
Entendendo que, de acordo com Paulilo (1999), as representações sociais se
originam do anseio que as pessoas têm de dar sentido ao mundo e à vida que nele
vivem, neste tópico procura-se tecer discussões sobre o significado que os
adolescentes privados de liberdade no Centro de Socioeducação de São José dos
Pinhais atribuíram à execução da prática socioeducativa enquanto compreensão do
novo que se apresenta.
Partindo do pressuposto da concepção sugerida por Minayo e Souza (1998)
ao afirmar que o ser humano, enquanto unidade dialética, sintetiza em seus
componentes psíquicos e emocionais as representações que elabora do mundo e
das relações estabelecidas, enquanto ser corpóreo e sujeito social, buscou-se
apreender dos discursos dos adolescentes entrevistados, em uma perspectiva de
totalidade13, os determinantes que envolvem o universo da privação de liberdade.
Nesse sentido, compreende-se que esses determinantes estão imbuídos de
finalidade e são responsáveis pela efetividade ou não da medida socioeducativa de
internação, restando saber se a privação de liberdade superou ou não os aspectos
higienistas e disciplinares e passou a ser condição para um trabalho eminentemente
pedagógico.
Considerando os tempos históricos da representação social, frisa-se que as
representações construídas pelos adolescentes acerca da medida socioeducativa
estão em constante processo de reconstrução, uma vez que por estarem ainda (na
data da entrevista) inseridos na medida, apresentam uma instabilidade na
formulação do juízo de suas representações.
O tempo histórico das representações sociais trabalhado nessa pesquisa é
denominado por Spink (1993) apud Paulilo (1999) como o tempo vivido, o qual
abarca o processo de socialização, as disposições adquiridas em função da
pertença a determinados grupos sociais.
_______________ 13 De acordo com Lukács (1979), a totalidade não é a soma das partes, mas um grande complexo
constituído de complexos menos complexos. Ainda segundo o autor (1979), cada parte deste complexo constitui-se em um outro complexo que se articula aos demais por meio de múltiplas mediações. Isto posto, neste trabalho, a medida socioeducativa de internação apresenta-se constituída de múltiplas determinações, só restando apreendê-la em sucessivas aproximações com a realidade.
44
No que se refere ao significado atribuído à medida socioeducativa de
internação, todos os entrevistados disseram que estavam presos e que o Centro de
Socioeducação se configurava em uma cadeia.
Procurando compreender junto a esses adolescentes a personificação da
medida enquanto cadeia, perguntou-se aos mesmos a razão desse atrelamento.
Seguem as respostas:
ADOLESCENTE A: “Um lugar assim para deixar nóis mais revoltado. A maioria dos caras que deixam a gente assim acha que a gente vai mudar. Deixa a gente trancado”. ADOLESCENTE B: “Não posso sair desse quadrado”. ADOLESCENTE C: “Fico atrás das grades, pra mim é cadeia”. ADOLESCENTE D: “Tô privado de liberdade. Nóis precisa dos outros pra tudo. Os educador que passa café, blinda14, dentária15, banho, tira pra atividade, conversar com a técnica”. ADOLESCENTE E: “Não é pra ajudar nóis, é pra piorar. Ficar trancado. Um lugar pra aumentar mais o ódio do cara, pra sair mais revoltado”. ADOLESCENTE F: “Tô privado de liberdade. Fico na capa16”.
Em que pese o art. 112 do ECA translade as garantias do Direito Penal,
apresentando uma proposta pautada em princípios pedagógicos, fica evidente que
as velhas concepções no que se refere aos modelos de tratamento à crianças e
adolescentes em conflito com a lei não foram rompidas.
As representações elaboradas pelos sujeitos da pesquisa evidenciaram que
as práticas pedagógicas ainda não superaram as experiências de sofrimento e
revolta, demonstrando que a institucionalização ainda carrega consigo as
representações de marginalização e exclusão.
Destaca-se que, mesmo diante do caráter prático das vivências relacionais
dos adolescentes com os profissionais da instituição, os conteúdos majoritariamente
representados pelos adolescentes não significam necessariamente o reflexo da
realidade da práxis dos profissionais em questão.
Nesse sentido, ressalta-se que, a questão do adolescente em conflito com a
lei inserido na medida socioeducativa de internação, perpassa por diversos
segmentos sociais. Se a política ainda é executada de forma rudimentar, faz-se
necessário uma reflexão da corresponsabilidade apregoada pelo ECA, em seu art.
4°, ao afirmar que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
_______________ 14 Suporte que comporta a refeição. 15 Escova de dente. 16 Porta do alojamento.
45
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos [...] das
crianças e dos adolescentes.
De acordo com Abdalla (2013), as representações devem ser percebidas
como elementos da dinâmica social, ou seja, estão determinadas pela estrutura da
sociedade onde se desenvolvem.
Isto posto, resgata-se o que já foi exposto no presente trabalho: em que pese
o ECA apresente uma proposta pedagógica de atendimento ao adolescente em
conflito com a lei, representando uma conquista histórica no ponto de vista dos
direitos da criança e do adolescente, o Estatuto está em conformidade com os
processos de modernização liberal17.
O ECA apresenta elementos de uma conquista tardia das lutas sociais, mas também representa, fundamentalmente, os instrumentos de controle do capital, do direito penal, das ideologias que sustentam as leis e os direitos (SILVA, 2011, p.231).
Retomando o pressuposto do presente trabalho, quando afirma que, no seio
da sociedade convergem diferentes projetos societários em constante disputa,
infere-se que a demonização do adolescente em conflito com a lei faz parte do
processo de manutenção do Estado hegemonizado pela classe dominante, a qual
segundo Sales (2007), é orquestrado pela segregação racial, desprezo da massa
despossuída e naturalização das grandes distâncias sociais em termos de condição
de vida.
Assim sendo, a representação social dos adolescentes personificando a
instituição como cadeia expressa uma sociedade e um Estado, exclusores da
relação a determinadas identidades.
Antes de oferecer políticas sociais, se gasta com aparatos repressivos, não porque sejam mais caros ou mais baratos, mais porque são mais eficazes do ponto de vista higienista. A culpabilização individual faz com que não reste alternativa senão a de terminar com aqueles que provam ser incapazes de pertencer à sociedade de consumo (COSTA, 2010, p.74).
A banalização da violência das relações sociais, restringindo a violência à
concepção criminal, tem propagado o apelo à ampliação do sistema punitivo,
_______________ 17 Em consonância com Behring; Boschetti (2011), o liberalismo é caracterizado pela centralidade no
trabalho como mercadoria, sendo regulado pelo livre mercado. Nesse sentido, apregoa o individualismo, entendendo os sujeitos individuais e não os sujeitos coletivos como sujeitos de direitos. Assim sendo, o liberalismo está sempre se reinventando, desmantelando direitos que foram conquistados com muita luta, propagando as expressões da questão social como resultados da incapacidade humana.
46
reforçando a representação negativa das instituições de atendimento socioeducativo
e ofuscando a conscientização da violência como um fenômeno mais amplo. O
alarme do crescimento vertiginoso do número de infrações da população juvenil tem
despertado na sociedade solicitações de medidas punitivas, que se materializam nos
vários projetos de lei e de emendas à Constituição que tramitam no Congresso
Nacional.
De acordo com Volpi (2001), existe em relação aos adolescentes em conflito
com a lei, um tríplice mito, quais sejam: o hiperdimensionamento do problema, pela
periculosidade do adolescente e pela impunidade.
Segundo o autor (2001), os dois primeiros fatores decorrem da manipulação
dos dados oficiais, o qual afirma que cada vez tem um número maior de infrações
cometidas por adolescentes em relação aos adultos. A representação de
impunidade está atrelada à interpretação, dominante junto ao senso comum, de que
o ECA, é demasiadamente brando no que se refere à responsabilização.
Diante do exposto, verifica-se que a representação social construída pelo
adolescente inserido na medida socioeducativa de internação perpassa a práxis dos
profissionais envolvidos, sendo determinada também, pelas concepções e condições
oferecidas pelo Estado no que se refere à execução da medida socioeducativa e
pelas representações e práticas da sociedade acerca do adolescente em conflito
com a lei.
4.5 INSTRUMENTAL TÉCNICO-OPERATIVO: O QUE SE ESPERA DOS
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI?
Considerando o fazer profissional como uma atividade não-neutra e que, de
acordo com Mészaros (2011), o próprio fazer é a força de transformação da
realidade, encontrou-se na categoria instrumental técnico-operativo, uma reflexão de
como o conteúdo e a direção social no uso dos instrumentais podem impactar na
vida dos adolescentes inseridos em medidas socioeducativas.
Em conformidade com Trindade (2011):
Ainda que as chamadas técnicas sociais apareçam como instrumentos de aplicação imediata, portadores de um poder de racionalização das ações sociais que prescinde de qualquer definição política, seu caráter social está presente desde a sua formulação. É diante das exigências de controle dos conflitos sociais, que se torna necessário o desenvolvimento de uma racionalização da intervenção social (TRINDADE, 2001, p.06).
47
Nesse sentido, os resultados dos empreendimentos interventivos condensam
as finalidades atribuídas às técnicas. Isto posto, considerando o Plano Individual de
Atendimento - PIA como um instrumental técnico-operativo de suma importância
para um atendimento qualificado para o adolescente em conflito com a lei,
perguntou-se para os adolescentes como eles colaboraram com a sua construção e
qual a importância atribuída a esse plano.
O intuito consistia, a partir das representações elaboradas pelos
adolescentes, em verificar a potencialidade do instrumental, uma vez que negando a
neutralidade técnica, pudesse percebê-lo como um meio de superação, ou não, de
uma determinada realidade social, uma vez que o PIA enquanto instrumental,
expressa valores e imagem da sociedade que se deseja materializar.
De acordo com Brasil (2006), o PIA constitui-se em uma ferramenta de
acompanhamento das metas e compromissos pactuados com o adolescente e sua
família durante a medida socioeducativa. Ressalta-se também que, o PIA é
elaborado por equipe multidisciplinar, não se configurando como atributo de um
único profissional.
A elaboração do PIA se inicia na acolhida do adolescente no programa de atendimento e o requisito básico para sua elaboração é a realização de diagnóstico polidimensional por meio de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família, nas áreas: jurídica, saúde, psicológica, social e pedagógica (BRASIL, 2006, p.60).
Nesse sentido, compreende-se o PIA enquanto instrumental capaz de
perpassar o imediatismo da regulação das relações sociais, oportunizando a partir
do princípio da individualização, no conhecimento das condições objetivas de vida
do adolescente, auferindo possibilidades reais para a reconstrução de seu projeto de
vida.
Relata os adolescentes:
ADOLESCENTE A: “Coloquei que queria arrumar um trampo e estudar. Coloquei mais coisa da família, que queria ter mais convivência com meu filho. Não lembro o que mais, já faz uns 4 meses. Só falei com o técnico uma vez sobre o PIA. Não é importante porque a gente pode tá mentindo (risos)”. ADOLESCENTE B: “Falei que queria tirar a tatuagem do rosto. Tirar o flagrante, né? (risos). Os cara me conhecem pela tatuagem. Falei também que queria estudar, trabalhar, arrumar namorada e ficar sussegado. É importante porque é o que você tá pretendendo para sua vida lá fora quando sair daqui e a juíza lê”. ADOLESCENTE C: “Só falei sobre o PIA uma vez. Disse que queria voltar a estudar e terminar. Arrumar um trabalho, fazê curso, sair da minha vila”. ADOLESCENTE D: “Coloquei lá que queria fazer curso para arrumar serviço, distanciar de certas amizades na rua. Coloquei que queria casar,
48
comprar uma casa, tirar carteira de motorista e ajudar minha mãe. É importante porque o juiz avalia o pensamento daqui pra frente”. ADOLESCENTE E: “Ah... falei que queria continuar do mesmo jeito, apoiando a família, continuar trabalhando, saber aproveitar a vida de outro jeito e dar orgulho pra minha mãe. É importante enquanto tá preso porque na rua cai no esquecimento deles. Só incentiva aqui, na rua não tem incentivo”. ADOLESCENTE F: Falei sobre o PIA duas vezes. Uma quando tinha que colocar os plano e depois quando o técnico trouxe pra mim ler. Coloquei lá que queria arrumar um trampo de meio período e no outro estudar. Também coloquei que queria ajudar a família e aqui dentro ter educação. Só lembro disso”.
Verifica-se via sistematização dos dados da pesquisa que o PIA se traduziu
na incorporação da moralidade propagada pelo conservadorismo liberal, pautado
pela centralidade no trabalho e na família, negando a composição ontológica do real
como totalidade, referendando uma racionalidade que não considera as
determinações sócio-históricas que incidam na prática de ato infracional, e,
tampouco, em sua superação.
Os discursos quase que uniformes referenciam, como exposto pelo
ADOLESCENTE D, ao que se espera deles, não cabendo nas falas espaço para
exposição do como e por que fazer, e, tampouco, quem é que está falando? Qual a
sua história? Qual a sua realidade de vida? Conforme Neto (2010):
É preciso retirar a criança e o adolescente do nicho da sacralização e da idealização em que muitas vezes nosso discurso os entroniza, para lutar mais concreta e criticamente pela retirada deles dos círculos da demonização a que estão condenados, como “anjos caídos”, acusados de traírem o modelo adultocêntrico, racista, machista, homofóbico, eurocêntrico, elitista-corporativo, assistencialista-repressor, que se quis impor a eles. Tudo isso, justificando relações interetárias18 injustas, estruturalmente de dominação, que resultam sempre em discriminações, abandonos, explorações, violências e opressão (NETO, 2010, p.22).
Ademais, conforme relatado pelos ADOLESCENTES A, C e F, o instrumental
não se apresentou com a importância atribuída por Brasil (2006), quando determina
que a evolução ou crescimento pessoal e social do adolescente deve ser
acompanhado diuturnamente, no intuito de fazê-lo compreender onde está e aonde
quer chegar.
Diante do exposto, consoante a Sales (2007), é necessário, portanto,
compreender a situação da infância e da adolescência como expressão da questão
_______________ 18 Neto (2010) entende que as relações interetárias são uma construção cultural, que se inicia antes
mesmo do nascimento, quando os pais criam expectativas para o desempenho de papéis e responsabilidades socialmente atribuídos a crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos.
49
social19, logo em conexão com os demais desafios societários do país, assegurando-
lhe a centralidade e visibilidade devidas.
Desta forma, o PIA enquanto instrumental técnico-operativo objetivando
fomentar a execução da medida socioeducativa sob prática pedagógica com
possibilidades reais de superação das condições objetivas de vida do adolescente
em conflito com a lei, necessita contextualizar qual adolescente está se referindo,
possibilitar uma reflexão sobre as condições em que vive e quais as possibilidades e
oportunidades reais de superação de sua condição. Do contrário, conforme sugere
Trindade (2001), o instrumental configurar-se-á como mero mecanismo regulador e
moralizador das relações sociais, nos moldes adequados aos interesses
dominantes.
Nessa lógica, questiona Muller (2002): “se nos perguntássemos quem é a
criança no Brasil de hoje, necessariamente teríamos que apontar divergências entre
elas, em função das diferenças entre as suas realidades de vida”.
Ainda, referente a execução da prática socioeducativa, ressalta-se as
condições em que elas ocorrem e que podem contribuir para a elaboração de
representações sociais que divergem dos discursos apregoados por uma
socioeducação ideal e incidir na reincidência da prática de ato infracional.
Nesse sentido, aproveita-se o ensejo para refletir acerca das medidas
socioeducativas nas quais os adolescentes foram inseridos anteriormente. Infere-se
a fragilidade dessas medidas quando os 5 adolescentes evidenciaram que não
houveram impactos para a sua vida, denotando que as medidas apresentavam
propósitos pedagógicos e recursos materiais, humanos e financeiros escassos.
Nas palavras dos adolescentes:
ADOLESCENTE B: “aquele castigo não mudou nada, só ia lá para plantar as coisas, tomate, pode pá20?”. ADOLESCENTE C: “cumpri seis meses de L.A, não mudou nada. Ia naquele baguio21 lá, o CRAS, a mulher só perguntava como tava, o que eu tava fazendo da vida, só desbaratinava22”. ADOLESCENTE F: “na L.A ofereceram curso, mas tinha que colocar o nome para ser sorteado. Pra mim que não ia dar boa23, nem fui mais”.
_______________ 19 De acordo com Iamamoto (2001), a questão social expressa, portanto, desigualdades econômicas,
políticas e culturais de classes, mediatizadas por disparidades de gênero, características étnico-raciais e formações regionais.
20 Entendeu? 21 Local. 22 Blefava. 23 Não iria dar certo.
50
Em consonância com Silva (2011), antes de crianças e adolescentes serem
sujeitos jurídicos, eles precisam de proteção, de assistência e de cuidados
especiais, o que segundo os relatos não foram assegurados. De acordo com os
adolescentes, as medidas socioeducativas anteriores revelaram ênfase no sujeito
jurídico e não no sujeito de direitos, demonstrando que se configuraram como ações
focalistas, cumprindo-se as determinações da lei enquanto responsabilização dos
sujeitos, não promovendo condições reais de práticas educativas e sociais que
impactassem a vida desses adolescentes. Além disso, mostraram que não existem
oportunidades para todos, indo de encontro ao que o Paradigma do
Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (1990) explicita: “toda pessoa nasce com um potencial e tem
direito de desenvolvê-lo. Para desenvolver o seu potencial as pessoas precisam de
oportunidades”.
Nesse sentido, indaga-se: o que se espera dos adolescentes em conflito com
a lei? Reforçar a ideia de que não há nada a se fazer com os “bandidos” a não ser
mantê-los afastados ou extirpá-los? Ou propiciar um atendimento qualificado
oportunizando condições reais de superação de sua condição e contribuir com a
sociedade no sentido de promover novas formas de solução de conflitos? Deve-se
ter cuidado com a resposta, pois ela pode revelar o quão criminosa a humanidade
consegue ser.
4.6 QUESTÃO SOCIAL E VIOLÊNCIA
Objetivando se aproximar da realidade que envolve o ato infracional, buscou-
se na categoria questão social, aportes históricos e teóricos que pudessem explicar
o fenômeno da violência. Entretanto, ao estabelecer juízo sobre a violência, deve-se
situá-la como um fenômeno mais amplo que a violência criminal, uma vez que em
concordância com Guarinello (2007), antes de se tornar um fato sociológico, a
violência se configura como um fato antropológico, a qual se desvenda e se constrói
na diferença.
Destarte, parte-se do pressuposto que a violência criminal se constitui como
um dos vários conceitos empregados à violência, ressaltando que um fenômeno
51
pode ser violento, todavia, não ser concebido como tal, levando-se em consideração
os processos de formação sócio-históricos de uma determinada cultura.
Nessa perspectiva, se faz necessário inserir no debate, colocando em
evidência, a violência social traduzida na falta de acesso às políticas sociais básicas,
aprofundada pela questão social das sociedades capitalistas e que segundo Neto e
Moreira (1999), o senso comum nem chega a compreendê-la como manifestação de
violência, mas sim como pura e simples incompetência de governantes e
responsáveis.
A naturalização da violência social da sociedade capitalista, necessária para a
manutenção do próprio sistema, entrelaça-se com a individualização, de modo que
os fenômenos sociais são representados como um fracasso pessoal. Nesse sentido,
em conformidade com Costa (2010), vulgariza-se a violência das relações sociais,
naturaliza-se o crime e propaga-se, enquanto solução, o apelo à ampliação do
sistema punitivo.
No que se refere as motivações para o ato infracional pelo qual estão sendo
responsabilizados através da inserção na medida socioeducativa de internação, os 6
(seis) adolescentes evidenciaram o ato infracional como produto da questão social
na sociedade capitalista.
Através dos discursos auferidos mediante entrevista, verificou-se que a
dicotomia exclusão/inclusão reverberaram na prática de ato infracional. Conforme
Costa (2010), na sociedade capitalista as desigualdades sociais se agudizam devido
o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer seus desejos. Se de um
lado a sociedade do consumo exclui, do outro lado a criminalidade inclui.
No intuito de ascender socialmente, a criminalidade tem cooptado jovens
oriundos de uma realidade socioeconômica menos abastada e sem acesso às
políticas sócias básicas. Consequentemente, a institucionalização dos adolescentes
em conflito com a lei tem se traduzido, segundo Costa (2010), na escola e no refúgio
dos excluídos do consumo: negros, imigrantes, moradores dos bairros
estigmatizados. Ademais, conforme sugere a autora (2010), tem consolidado o
estigma, demonstrando que a criminalidade anda junto com a pobreza, com o baixo
nível de escolaridade, com a baixa ou nenhuma renda e com as etnias não-brancas.
Corroborando com os pressupostos supracitados, inferiu-se mediante
sistematização dos dados da pesquisa que, a média da renda domiciliar per capita
desses adolescentes é de R$ 410,31; valor este, três vezes inferior à média
52
paranaense, que segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE (2015), é de R$ 1241,00. Ressalta-se que a maioria dos adolescentes
entrevistados não chegaram a concluir o ensino fundamental, demonstrando a
fragilidade dos vínculos com o processo de escolarização. Constata-se também que,
em que pese 3 adolescentes estejam inseridos na medida socioeducativa de
internação devido o cometimento de ato infracional qualificado como homicídio, 2
homicídios derivaram do envolvimento com o tráfico de entorpecentes.
Diante do exposto, assiste-se um estado de risco pessoal e social oriundo de
uma forte resistência em assegurar direitos reclamáveis, o que significa segundo
Sales (2007), desatar os nós das âncoras dos direitos sociais, deixando os
trabalhadores navegarem nas áreas da imprevisibilidade, do desemprego estrutural,
do trabalho temporário, da falta de acesso aos serviços sociais.
Importante ponderar que o envolvimento de adolescentes com o tráfico de
entorpecentes, nada mais é do que uma expressão da questão social. A associação
desses adolescentes com o tráfico, à princípio, proporciona o acesso ao consumo e
permite uma identidade que antes não se conhecia.
Para esses jovens, o tráfico representa a possibilidade de atingir um status social e obter respeito da sociedade. O traficante é visto como um indivíduo respeitado, que possui poder e dinheiro, algo quase inatingível em uma comunidade socioeconomicamente vulnerável. No imaginário de vários jovens, é o traficante quem zela pelo bem-estar da comunidade, na medida em que faz benfeitorias (muitas vezes substituindo o papel do Estado). (ABRAMOVAY, 2003, p. 55-56).
Todavia, como nota-se a partir das falas dos próprios adolescentes
entrevistados é que não há maneira segura de entrar nesse universo sem se
deparar envolvido com a criminalidade de modo geral. Infere-se desse contexto a
necessidade de portar armas de fogo para impor seu domínio sobre determinada
comunidade, bem como a luta por espaços de venda de drogas, ocasionando, por
exemplo, nos homicídios pelos quais são responsabilizados com a medida
socioeducativa de internação.
Segundo o relato desses adolescentes:
ADOLESCENTE B: “Temos que eliminar os inimigo. Se a gente não mata, eles mata nóis”. ADOLESCENTE C: “Lá na vila é assim: tem a parte de cima e a parte de baixo. Quem tá ganhando menos dinheiro vai e mata os que tão ganhando mais. As vezes é bom nóis cair preso que daí nóis não morre”. ADOLESCENTE D: “É até melhor tá preso do que tá morto”.
53
ADOLESCENTE E: “Lá fora é guerra. Os cara faz casinha, mó trairagem. Daí a gente se vinga. Nessa vida não dá pra confiar em ninguém, por isso sempre falo que tenho conhecido e não tenho amigo”.
De acordo com os sujeitos da pesquisa, existem “guerras” pelo comando do
tráfico nas comunidades. Consequentemente, essas rivalidades acentuam a
violência entre os opositores em um processo que pode levar até a morte.
Buscando enfatizar o envolvimento desses adolescentes com a criminalidade,
verificou-se que todos os entrevistados apontaram as drogas como um dos
principais problemas enfrentados por eles. De acordo com as entrevistas, a prática
de roubos e o envolvimento com o tráfico de drogas pode estar relacionado com o
financiamento do próprio vício. Nesse sentido, infere-se que a dependência química
dos adolescentes em conflito com a lei acaba virando questão de segurança pública
em vez de saúde pública.
Porém, no âmbito da exclusão social, a prática de ato infracional é um
caminho para o consumo para o qual o Estado não oferece meios legítimos.
ADOLESCENTE C: “A ideia era não faltar dinheiro. Com o trabalho eu só conseguia pagar o aluguel, a água. Eu queria comprar coisas para a casa, um carro, roupas para mim, para minha mulher e meu filho. ” ADOLESCENTE D: “não tava conseguindo arrumar um serviço e não queria ficar dependendo da mãe porque já gasta demais com meu tio que tem problema mental. Fui de embalo ganhar uma grana e comprar minhas coisas”.
A regra é clara: consumir se torna sinônimo de existir. Dessa forma, o
consumo das mercadorias perpassa as necessidades materiais, sendo condição
para ganhar visibilidade e existência na sociedade.
Logo, o ato infracional não se configura como resultado de um mau
funcionamento da engrenagem social, e, tampouco, de fatores externos à
sociedade. A questão do ato infracional deriva da distância entre aqueles que
desejam e os que podem satisfazer seus desejos, demonstrando que as
oportunidades igualitárias não passam de uma falácia e que as pessoas não são
efetivamente livres para determinar seu próprio destino.
Nessa perspectiva, quando perguntado para os adolescentes o que mais os
agradava dentro da instituição, apesar da situação de privação de liberdade,
verificou-se que, em que pese todos considerem a instituição como uma cadeia, e,
por conseguinte, qualifiquem-na como algo ruim, é nesse espaço que 5 (cinco) dos
adolescentes entrevistados encontram oportunidades que julgam não conseguirem
54
fora da instituição, demonstrando a clara injustiça social que páira sobre suas
realidades de vida.
ADOLESCENTE A: “O que mais me agrada é as oportunidade, tipo os curso. Porque lá fora é mais difícil. Nóis não corre atrás”. ADOLESCENTE B: “ As conversa, brincadeira entre os adolescente, as atividades. Lá fora eu era mais fechadão”. ADOLESCENTE C: “Atividade diferente, tipo videogame e pá”. ADOLESCENTE D: “É que se eu não tivesse caído preso, acho que eu já tinha ido pá fita”. ADOLESCENTE E: Nada. ADOLESCENTE F: “Os curso. Saber que você vai ter certificado”.
Todavia, verificou-se que as ofertas dos cursos profissionalizantes
disponibilizados não estão em concordância com o Brasil (2012), quando determina
que seja levado em consideração as aptidões e interesses dos adolescentes. Os 6
(seis) adolescentes relataram que foram inseridos nos cursos, não considerando
suas sugestões, o que inviabiliza a possibilidade de utilização na vida egressa.
Isso evidencia a precarização dos direitos, criando-se um impasse na
cidadania dos adolescentes. Nesse sentido, enseja a necessidade de refletir sobre o
desafio de trabalhar a autonomia do adolescente em um cenário que não a favorece,
dadas as determinações conjunturais postas.
Importante considerar o discurso do ADOLESCENTE A, quando coloca a
inexistência das oportunidades fora da instituição e ao mesmo tempo se culpabiliza
por não acessá-las, o que demonstra as representações de culpabilização do sujeito
pelas suas condições de vida, tão propagadas pelo capitalismo ao estabelecer a
meritocracia como um dos seus pilares.
Quanto ao ADOLESCENTE B, ressalta-se a expressão “lá fora eu era mais
fechadão”, revelando que seu processo de socialização estava fragilizado e ao se
deparar com os seus pares, sentiu-se acolhido e construiu relações de
pertencimento. Em relação ao ADOLESCENTE D, destaca-se as representações
elaboradas acerca da instituição e da liberdade. Conforme expõe, uma vez fadado à
morte, a liberdade torna-se um preço justo a ser pago pela oportunidade de
sobreviver, mesmo que confinado.
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4.7 A PRESENÇA DA FAMÍLIA NA EXECUÇÃO DA PRÁTICA
SOCIOEDUCATIVA
A Constituição Federal de 1988 apregoa que a família, juntamente com o
Estado e a sociedade civil, assumem a responsabilidade de garantir os direitos
fundamentais das crianças e dos adolescentes. Ademais, em conformidade com
Brasil (2006), a participação da família torna-se fundamental para a consecução dos
objetivos da medida socioeducativa aplicada para o adolescente. Segundo a
literatura:
As práticas sociais devem oferecer condições reais, por meio de ações e atividades programáticas à participação ativa da família no processo socioeducativo, possibilitando o fortalecimento dos vínculos e a inclusão dos adolescentes no ambiente familiar e comunitário. As ações e atividades devem ser programadas a partir da realidade familiar e comunitária dos adolescentes para que em conjunto – programa de atendimento, adolescentes e familiares – possam encontrar respostas e soluções mais aproximadas de suas reais necessidades (BRASIL, 2006, p. 55).
Dada a responsabilidade e importância da família no processo
socioeducativo, perguntou-se para os adolescentes como compreendem a
participação de suas famílias durante a inserção na medida socioeducativa, levando
em consideração quem visita-os, qual a periodicidade das visitas e como participam.
De acordo com os sujeitos da pesquisa:
ADOLESCENTE A: Recebo visita uma vez por semana. Só quando tá chovendo que não. Quem vem mais é meu irmão e minhas prima. É importante porque eles dá conselho. ADOLESCENTE B: Minha mãe e meus irmão vem um domingo sim e outro não. É importante por causa dos conselhos pra gente ficar de boa. E a juíza vê que a família não abandona a gente. ADOLESCENTE C: Tiro visita todo domingo. Minha mãe é a única que nunca me abandona. Fico mais feliz, fico sabeno as coisas da rua, o que tá aconteceno lá fora. ADOLESCENTE D: Tenho visita uma vez por semana. Vem meu pai e minha mãe. É importante porque eles dão apoio, força. Falam pra mim ficar de boa, tranquilo, não ficar fazendo bagunça. ADOLESCENTE E: Minha mãe vem de quinze em quinze. Ela me segura para não perder a cabeça aqui dentro. Esqueço um pouco da maldade que tenho. ADOLESCENTE F: Todo domingo minha mãe ou meu irmão vem me visita. É bom pra matar a saudade, saber notícias, se tá tudo bem.
À priori, antes de tecer considerações sobre as falas dos entrevistados,
ressalta-se que de acordo com Sarti (2008), quando o assunto é família, cada
pessoa possui a sua concepção, dotada de particularidade, pois é uma realidade
que nos é muito próxima e que se confunde com nossa identidade pessoal. Nesse
56
sentido, deve-se compreender que não se pode falar de família, e sim de famílias,
haja vista as singularidades que compõe as múltiplas realidades de arranjos
familiares, socialmente e historicamente construídos
Consoante à Brasil (2006), a família não é estática e suas funções de
proteção e socialização podem ser exercidas nos mais diversos arranjos familiares e
contextos socioculturais, negando-se, assim, a ideia de modelo familiar “normal”.
À posteriori, cabe situar o papel que a família ocupa na parceria com o Estado
e a sociedade civil na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, sem
deixar de compreendê-la como matéria das políticas públicas, cujas demandas
devem ser encaradas como foro privilegiado da intervenção do Estado na garantia
dos direitos sociais, uma vez que em conformidade com o art. 226 da Constituição
Federal de 1988, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Isto posto, apreendendo as famílias como espaços que sofrem mudanças e
que são permeadas por conflitos de diversas ordens, essas instituições requerem
condições objetivas para assumir os compromissos estabelecidos pelo Estado.
Partindo desses pressupostos, segundo os relatos, verifica-se a participação
da família se materializar em conselhos, trocas de afetos e socialização de
informações nas visitas semanais, demonstrando que a concepção do senso comum
de que os adolescentes em conflito com a lei não são assistidos pela família não
passa de uma falácia, evidenciando mais uma vez que a problemática do
adolescente em conflito com a lei está na precarização da oferta das políticas sociais
básicas.
Entretanto, infere-se que há uma fragilidade no trabalho com as famílias, uma
vez que em conformidade com Brasil (2006), tudo que é objetivo na formação do
adolescente é extensivo para a sua família. Nesse sentido, compreende-se no
discurso dos adolescentes que a participação se esgota no ato de visita-los,
demonstrando pouca contribuição para além desse espaço.
Diante da presença maciça das famílias durante o cumprimento da medida socioeducativa, devemos ressaltar que a família deve fazer parte desse processo sendo valorizada e fortalecida em seu protagonismo familiar. Ou seja, deve ser estimulada a assumir seu papel de sujeito crítico, autônomo e com habilidade para intervir de maneira positiva junto ao adolescente na elaboração de um projeto de vida (SILVA, 2011, p. 30).
Em suma, o relato dos adolescentes elucida a importância desse laço durante
o processo de internação, o qual incide em sua reinserção social, conservando
identidades e pertencimentos. Ademais, conforme disposto em Brasil (1990), a
57
convivência familiar configura-se como um direito fundamental e se faz
indispensável ao pleno desenvolvimento dos adolescentes inseridos na medida
socioeducativa de internação.
Dessa forma, é imperativo a qualificação do trabalho com as famílias,
ampliando o seu espaço, no sentido de possibilitar que ela contribua com o
adolescente e, inclusive, faz-se necessário o encaminhamento dessas famílias para
políticas que favoreçam melhores condições para quando chegar o momento de
acompanharem os adolescentes do lado de fora da instituição.
4.8 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO DA
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO
Em conformidade com o Código de Ética do Assistente Social (1993), o
Serviço Social se inscreve na luta pela efetivação dos direitos sociais e humanos, e
pela construção de uma sociedade com valores democráticos e emancipatórios.
Nesse sentido, em consonância com Iamamoto (2010):
a luta pela afirmação dos direitos é hoje também uma luta contra o capital, parte de um processo de acumulação de forças para uma forma de desenvolvimento social, que possa vir a contemplar o desenvolvimento de cada um e de todos os indivíduos sociais (IAMAMOTO, 2010, p.01).
Isto posto, entendendo a importância desse profissional em um contexto
permeado por violações de direitos, resultado de um sistema que fragmenta os
fenômenos socias na perspectiva de ofuscar seus determinantes, perguntou-se para
os adolescentes como compreendem a atuação do Serviço Social na instituição. De
acordo com os adolescentes:
ADOLESCENTE A: Converso bastante com ela. Quer que a gente sáia daqui com emprego, matriculado na escola. Programa as atividade, as externa. Explica as coisas. ADOLESCENTE B: Ajuda eu a se controlar. Dá conselho para arrumar emprego lá fora, estudá. Sem a ajuda dela na rua nóis não pensa em fazer isso. ADOLESCENTE C: Vê o que nóis qué da nossa vida. Qué vê nóis bem. ADOLESCENTE D: Tenta vê se nóis tá preparado pra sair. Se tá disposto a mudar. Avalia nosso comportamento. ADOLESCENTE E: Encaixa a gente nos curso. Incentiva a voltá estudar. Encaixa serviço quando sair daqui. ADOLESCENTE F: Tá aqui para ajudar pensar nos plano. Escreve o relatório.
58
Diante do exposto, verifica-se que as representações sociais construídas
pelos adolescentes acerca do exercício profissional do assistente social, muito
embora, reduzam as atribuições do profissional ao plano imediato, são estabelecidas
de forma positiva e revelam um profissional presente e preocupado com as suas
demandas.
Entretanto, algumas representações precisam ser desconstruídas, como as
expostas pelos ADOLESCENTES D, o qual entende o exercício profissional como
atividade policialesca, no sentido de mensurar até que ponto o adolescente está
preparado para ser desligado da medida, mediante a avaliação de seu
comportamento.
Importante ponderar que, de acordo com Faleiros (2010), o Judiciário, assim
como outras áreas de atuação, expressa domínios estruturados pelas políticas e
instituições, articulados aos modos de produção, normas, funções, hierarquias e
relações de poder.
Nesse sentido, torna-se imprescindível a presença desse profissional imbuído
de conhecimento crítico, o qual mediante a apreensão das múltiplas determinações
que compõe a totalidade da realidade social, possa viabilizar o acesso as políticas
sociais básicas para os adolescentes e para as suas famílias, no sentido de
oportunizar condições objetivas de superação de suas condições materiais de vida.
Como já fora exposto, mesmo que os instrumentais técnicos-operativos sejam
operados por equipe multidisciplinar, encontra-se uma oportunidade do profissional
assistente social expressar a imagem de sua profissão pautando suas ações no
sentido de defender os compromissos apregoados no Código de Ética (1993) e no
Projeto Ético-Político, promovendo a emancipação humana, a equidade e a justiça
social.
Em conformidade com Iamamoto (2004), no âmbito da execução da medida
socioeducativa, os assistentes sociais são chamados para colaborar na
reconstrução das raízes sociais da infância e juventude e na luta pela afirmação dos
direitos sociais e humanos.
O conhecimento das condições de vida dos sujeitos permite ao assistente social dispor de um conjunto de informações que, iluminadas por uma perspectiva teórica-crítica, possibilitam apreender e revelar as novas faces e os novos meandros da questão social, que desafia a cada momento o desempenho profissional: a falta de atendimento às suas necessidades na esfera da saúde, da habitação, da assistência; nas precárias condições de vida das famílias; na situação das crianças em situação de rua; no trabalho
59
infantil; na violência doméstica, entre inúmeros outros exemplos (IAMAMOTO, 2004, p.272).
No entanto, em um cenário permeado pela ideologia que criminaliza a
pobreza, caracterizando-a como produto do fracasso pessoal, muitos adolescentes
não têm adquirido visibilidade no espaço público. Nessa perspectiva, um dos
desafios do assistente social consiste, conforme Iamamoto (2004), em atribuir
visibilidade e transparência a esses sujeitos de direitos, elucidando o seu modo de
vida, cultura, padrões de sociabilidade, dilemas de identidade e suas necessidades.
Em que pese, os direitos sociais estejam proclamados no ordenamento
jurídico, nem sempre são passíveis de efetividade, uma vez que dependem de
vontade política e de decisões governamentais. Assiste-se com o avanço do
conservadorismo liberal o desmantelamento dos direitos conquistados e a
subordinação dos direitos sociais à lógica orçamentária. Em conformidade com
Iamamoto (2004), ao invés do direito constitucional impor e orientar a distribuição
das verbas orçamentárias, o dever legal passa a ser submetido à disponibilidade de
recursos.
Nessa conjuntura desfavorável, o assistente social é chamado para
implementar e viabilizar direitos sociais em um contexto cujas condições e meios de
trabalho são cada vez mais escassos para operar as políticas. Contudo, os
profissionais encontram em seu Código de Ética (1993) instrumentos que
perpassam os limites estanques impostos pela burocracia. De acordo com o
documento, um desses instrumentos consiste na instrumentalização de informações
para os usuários (Brasil, 1993).
Consequentemente, a socialização de informações ao tornar límpido para o
sujeito que busca os serviços, o real significado social e implicações de suas
demandas, contribui no ponto de vista de Lacerda (2014), no desenvolvimento de
experiências que possibilitem a apreensão do real para além do singular e na
percepção da luta de classes tornando as práticas sociais emancipatórias.
Em resumo, o profissional assistente social é de suma importância no corpo
técnico da execução da medida socioeducativa de internação. Inerente a sua
profissão, cabe a ele dissociar as ações e situações que explicam e determinam a
vida dos adolescentes em conflito com a lei.
Atribuindo visibilidade às relações de trabalho e aos meios de sobrevivência,
as relações intrafamiliares que envolvem afetividade, apoio, abandono, rejeição e
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violência, bem como identificar o processo de construção de identidades e
representações, fazem do trabalho do assistente social dispor de um ângulo de
observação diferenciado. E, por isso, oportuniza ao sujeito a possibilidade de
reconstrução de seu projeto de vida mediante o acesso aos direitos sociais e
humanos.
61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo se caracterizou pela importância do debate acerca dos
direitos da criança e do adolescente. Como fora exposto, esses direitos se
comparados à história são muito recentes e, decorreram de um processo de luta na
tessitura social permeada por antagonismos e contradições.
Verificou-se que, à priori, para o universo jurídico, crianças e adolescentes
eram invisibilizados, uma vez que este, se destinava a proteger os adultos.
Consequentemente, crianças e adolescentes, desde o período colonial, viviam à
margem da sociedade, processo esse, resultante da história e das formas de
sociabilidades instituídas por uma estrutura elitista e eurocêntrica.
Foi na relação entre o adulto e a sociedade que as representações de infância
foram sendo construídas, e essa relação passou por múltiplas metamorfoses: do
sistema caritativo destinado àqueles considerados abandonados ao confinamento
em instituições totais para aqueles considerados perigosos.
Desse processo de estigmação derivou o Código de Menores de 1927,
destinado à infância “em perigo” ou “perigosa”. Nesse sentido, verifica-se que a
primeira política pública direcionada às crianças e adolescentes, selecionava seu
público, abarcando aspectos higienistas e disciplinares.
Esse processo se adensa com o predomínio do conservadorismo liberal, o
qual considerava, e ainda considera, o indivíduo, e não a coletividade, como sujeito
de direitos. Nessa perspectiva, para o liberalismo, a miséria decorria da
incapacidade humana, e, consequentemente, àqueles considerados improdutivos
eram submetidos ao aparato jurídico-assistencial. O objetivo desse aparato pautava-
se pela identificação, modificação e pelo controle daqueles considerados “anormais”.
Isto posto, verifica-se que os dispositivos desenvolvidos se sustentavam pela
criminalização da pobreza, não protegendo as crianças e adolescentes, mas a
sociedade hegemonizada por uma classe dominante.
A cidadania das crianças e dos adolescentes configura-se como conquista
tardia nos marcos da transição político-democrática e das lutas por direitos
trabalhistas, sociais, políticos e civis.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n° 8.069 de 13 de
julho de 1990, se traduziu na regulamentação das previsões legais estabelecidas na
62
Constituição Federal de 1988. Foi nesse contexto que se respeitou a condição
peculiar de desenvolvimento das crianças e adolescentes, atribuindo a elas todas as
facilidades e oportunidades, asseguradas pela família, sociedade e Estado, em um
sistema amplo de viabilização, promoção e garantia de direitos.
Na particularidade do fenômeno da violência, o ato infracional praticado por
adolescente, reverberou em práticas pedagógicas executadas através de medidas
socioeducativas. A internação, configurando-se como a medida mais austera, haja
vista privar o adolescente de liberdade, além de fomentar práticas restaurativas,
deve assegurar para esse adolescente todas as políticas socias básicas, a fim de
contribuir com a revitalização do seu projeto de vida.
Diante do exposto, a pesquisa de campo objetivou ao se reunir um conjunto
de experiências e vivências de 6 adolescentes inseridos na medida socioeducativa
de internação, no Centro de Socioeducação de São José dos Pinhais, em atribuir
visibilidade àqueles que devido a situação de privação de liberdade, suas vozes não
ressoam para além dos muros. Muito se discute, hoje, em repeitar o local de fala dos
sujeitos, e, dessa forma, este trabalho procurou dar voz para os protagonistas dos
direitos apregoados no Estatuto da Criança e do Adolescente e reafirmados no
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Inferiu-se, mediante as representações sociais construídas por esses
adolescentes, que os aspectos pedagógicos da medida socioeducativa de
internação ainda não superaram as velhas concepções de tratamento para os
adolescentes em conflito com a lei.
Isto posto, o problema da pesquisa foi respondido: as representações
elaboradas pelos sujeitos da pesquisa personificaram a medida na figura da cadeia,
manifestando sentimentos de sofrimento e revolta, típicos das instituições do
passado que marginalizavam e excluíam crianças e adolescentes em situação
“irregular”.
O conceito de representação adotado na pesquisa foi encontrado nas
análises teóricas de Paulilo (1999), a qual esclarece que as representações sociais
situam-se na interface entre o individual e o coletivo, articulando elementos
individuais e sociais. Nesse sentido, a personificação da medida socioeducativa de
internação enquanto cadeia, condensa as representações determinadas também,
pela estrutura social onde se desenvolvem.
63
Isto posto, fez-se necessário compreender que o processo de formação
sócio-histórico da cultura brasileira tem sua gênese na exclusão social de certas
identidades. Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído, este não
alterou a lógica de estruturação da sociedade pautada pela hegemonia do
conservadorismo liberal, mas apenas se traduziu em um instrumento de manutenção
da reprodução social. Nesse sentido, o controle social da pobreza foi legitimado pelo
devido processo legal.
Corroborando com estes pressupostos, verificou-se através do processo de
caracterização dos adolescentes entrevistados, que a privação de liberdade tem
perfil e está intrinsecamente relacionada com a baixa ou nenhuma renda, com a
baixa escolaridade, com a fragilidade do acesso à cultura, ao esporte e ao lazer. Ou
seja, a precarização da oferta dos serviços públicos de qualidade revitimiza na forma
de violação de direitos, os adolescentes inseridos na medida socioeducativa de
internação.
A violência aparece como uma das manifestações da questão social,
revelando a convulsão das baixas camadas da estrutura social clamando por
visibilidade. No entanto, essa violência social é naturalizada e necessária para a
própria manutenção do sistema capitalista vigente.
A fragilidade das medidas socioeducativas, no que se refere aos recursos a
elas dispensados, não alcança a prática pedagógica. Logo, não possibilitam
oportunidades reais de superação das condições em que vive o adolescente em
conflito com a lei. A centralidade no sujeito jurídico ofusca a visibilidade do sujeito de
direitos.
Ademais, as potencialidades dos instrumentais técnico-operativos ainda não
têm sido exploradas, restando seu uso para a manutenção da lógica do Estado
hegemonizado por uma classe dominante.
Ainda há muito o que se fazer para assegurar os direitos da criança e do
adolescente. E diante dessa conjuntura, só nos resta a seguinte reflexão já
apontada no trabalho: o que esperamos dos adolescentes em conflito com a lei?
Se a resposta for positiva, no sentido de oferecer a eles oportunidades para
que possam recompor os vínculos que foram partidos, deve-se lutar com eles e não
para eles.
64
Se a resposta for negativa, no sentido de mantê-los meramente afastados do
convívio social ou exterminá-los, deve-se rever a moralidade tão propagada nos dias
atuais – o cidadão de bem.
Em suma, ressalta-se as contribuições da pesquisa no processo de formação
profissional, uma vez que mediante o método crítico, possibilitou para o pesquisador
sucessivas aproximações com a realidade, desmistificando qualquer naturalidade do
que está posto, e fomentando soluções que promovam transformações sociais.
Contudo, faz-se necessário ponderar a dificuldade de pensar essa temática
ao se deparar inserido nesse contexto, quando a sensação era de estar trabalhando
24 horas em um ambiente que condensa histórias e trajetórias permeadas de
violência.
Nesse sentido, reconhece que ainda poderiam ser problematizadas outras
questões neste trabalho. Um dos pontos que despertou curiosidade para ser
tematizado em outra ocasião consiste na linguagem dos adolescentes, a qual
usualmente, lexicalmente apresentam um significado, mas ao serem empregadas
entre os adolescentes, ressignifica as palavras em uma transgressão que os
dicionários não recobrem.
65
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70
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO
Observação: devido ao fato da entrevista configurar-se como semi-estruturada, as
perguntas abaixo, endereçadas para os adolescentes, serviram apenas como ponto
de partida para que o diálogo fosse estabelecido. Sendo assim, outras indagações
foram surgindo decorrentes de suas respostas.
1-) Caracterização dos adolescentes
a-) Idade
b-) Cor
c-) Município de residência
d-) Composição familiar
e-) Renda familiar
f-) Estava estudando?
g-) Estava trabalhando?
h-) Motivo da inserção na medida socioeducativa:
i-) Motivação para o ato infracional:
j-) É reincidente?
2-) Quanto à medida socioeducativa de internação
a-) O que significa socioeducação para você?
b-) Como é estar aqui dentro? Qual a sua rotina?
c-) Você colaborou com a construção do PIA (Plano Individual de Atendimento)?
Como? Qual importância você atribui para a esse Plano?
d-) Apesar da situação de privação de liberdade, há alguma coisa que lhe agrada no
Centro de Socioeducação?
e-) Você possui vínculos familiares? Quem vem visita-lo? Qual a importância da
participação familiar no processo socioeducativo?
f-) Como você compreende a atuação do Serviço Social na instituição?
75
ANEXO 6 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O MENORES
ENTRE 16 ANOS COMPLETOS E 18 ANOS INCOMPLETOS
Eu _________________________, estou sendo convidado como voluntário a
participar do estudo A medida socioeducativa de internação representada pelo
adolescente nela inserida e que tem como objetivo compreender a aplicação da
medida socioeducativa de internação tendo como referência a análise dos
adolescentes nela inseridos. Entendemos que dar voz aos adolescentes privados de
liberdade é possibilitar a construção conjunta das formas de enfrentamento as
violações de direitos a que estão sujeitos na sociedade contemporânea. E no que se
refere a medida socioeducativa de internação, reconhecer o olhar daqueles que nela
estão inseridos é elucidar as representações sociais construídas pelos adolescentes
de modo a contribuir para a política de atendimento ao adolescente em conflito com
a lei no sentido de propor um (re) encontro com as práticas profissionais.
PARTICIPAÇÃO NO ESTUDO
A minha participação no referido estudo será de responder as perguntas feitas pelo
entrevistador no que se refere as minhas características físicas e socioeconômicas,
meu entendimento sobre Socioeducação, minhas experiências e rotinas no Centro
de Socioeducação de São José dos Pinhais, bem como meu projeto de vida. Fui
informado de que terei minha identidade preservada e responderei as perguntas em
uma sala destinada para esse fim com a duração aproximada de 45 minutos.
RISCOS E BENEFÍCIOS
Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como a contribuição para a política de atendimento ao adolescente em conflito com
a lei com reflexo no aprimoramento dessa política. Fui alertado também que, é
possível que aconteçam os seguintes desconfortos ou riscos como
constrangimentos e lembranças que provocam tristeza, dos quais medidas serão
tomadas para sua redução, tais como paralisação parcial ou total da entrevista,
sendo que tenho consciência que poderei desistir de participar a qualquer tempo.
76
SIGILO E PRIVACIDADE
Estou ciente de minha privacidade respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer outro
dado ou elemento que possa, de qualquer forma me identificar será mantido em
sigilo. Os pesquisadores se responsabilizam pela guarda e confidencialidade dos
dados, bem como a não exposição dos dados de pesquisa.
AUTONOMIA É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre
acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação. Também fui informado de que posso recusar a participar do meu
representado no estudo, ou retirar o consentimento a qualquer momento, sem
precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa, este não sofrerá qualquer
prejuízo à assistência que vem sendo recebida.
RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO No entanto, caso ocorra qualquer despesa decorrente da participação na pesquisa,
tais como transporte, alimentação entre outros, bem como a do/a meu/minha
responsável legal, haverá ressarcimento dos valores gastos em espécie.
De igual maneira, caso ocorra algum dano decorrente da minha participação no
estudo, serei devidamente indenizado, conforme determina a lei.
CONTATO Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são Dirceu Diniz e Andrea
Braga, respectivamente discente e docente da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná e com eles poderei manter contato pelo telefone (41) 3753-2000 (local de
trabalho do discente – de segunda a sexta das 7h às 18h) e (41) 3271-2179 (local de
trabalho da docente – de segunda a sexta das 14h às 22h).
O Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) é composto por um
grupo de pessoas que estão trabalhando para garantir que seus direitos como
participante de pesquisa sejam respeitados. Ele tem a obrigação de avaliar se a
pesquisa foi planejada e se está sendo executada de forma ética. Se você achar que
77
a pesquisa não está sendo realizada da forma como você imaginou ou que está
sendo prejudicado de alguma forma, você pode entrar em contato com o Comitê de
Ética em Pesquisa da PUCPR (CEP) pelo telefone (41) 3271-2292 entre segunda e
sexta-feira das 08h00 as 17h30 ou pelo e-mail [email protected].
DECLARAÇÂO Declaro que li e entendi todas as informações presentes neste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e tive a oportunidade de discutir as informações
deste termo. Todas as minhas perguntas foram respondidas e eu estou satisfeito
com as respostas. Entendo que receberei uma via assinada e datada deste
documento e que outra via assinada e datada será arquivada nos pelo pesquisador
responsável do estudo.
Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.
Dados do participante da pesquisa
Nome: Idade:
Dados do represável pelo participante da pesquisa
Nome: Telefone:
Local, _____ de _____________ de _____.
78
Assinatura do participante da pesquisa Assinatura do Pesquisador
Assinatura do responsável legal do participante
da pesquisa
USO DE IMAGEM Autorizo o uso de minhas respostas para o questionário para fins da pesquisa,
sendo seu uso restrito a construção do saber acadêmico.
Assinatura do participante da pesquisa Assinatura do Pesquisador
79
ANEXO 7 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O MAIORES
DE 18 ANOS DE IDADE
Você está sendo convidado como voluntário a participar desse estudo. A medida
socioeducativa de internação representada pelo adolescente nela inserida tem como
objetivo compreender a aplicação da medida socioeducativa de internação tendo
como referência a análise dos adolescentes nela inseridos. Entendemos que dar voz
aos adolescentes privados de liberdade é possibilitar a construção conjunta das
formas de enfrentamento as violações de direitos a que estão sujeitos na sociedade
contemporânea. E no que se refere a medida socioeducativa de internação,
reconhecer o olhar daqueles que nela estão inseridos é elucidar as representações
sociais construídas pelos adolescentes de modo a contribuir para a política de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei no sentido de propor um
(re)encontro com as práticas profissionais.
PARTICIPAÇÃO NO ESTUDO A minha participação no referido estudo será de responder as perguntas feitas pelo
entrevistador no que se refere as minhas características físicas e socioeconômicas,
meu entendimento sobre Socioeducação, minhas experiências e rotinas no Centro
de Socioeducação de São José dos Pinhais, bem como meu projeto de vida. Fui
informado de que terei minha identidade preservada e responderei as perguntas em
uma sala destinada para esse fim com a duração aproximada de 45 minutos.
RISCOS E BENEFÍCIOS
Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como a contribuição para a política de atendimento ao adolescente em conflito com
a lei com reflexo no aprimoramento dessa política. Fui alertado também que, é
possível que aconteçam os seguintes desconfortos ou riscos como
constrangimentos e lembranças que provocam tristeza, dos quais medidas serão
tomadas para sua redução, tais como paralisação parcial ou total da entrevista,
sendo que tenho consciência que poderei desistir de participar a qualquer tempo.
80
SIGILO E PRIVACIDADE
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou
qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será
mantido em sigilo. Os pesquisadores se responsabilizam pela guarda e
confidencialidade dos dados, bem como a não exposição dos dados de pesquisa.
AUTONOMIA É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre
acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação. Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo,
ou retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por
desejar sair da pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho
recebendo.
RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO No entanto, caso ocorra qualquer despesa decorrente da participação na pesquisa,
tais como transporte, alimentação entre outros, bem como a do/a meu/minha
responsável legal, haverá ressarcimento dos valores gastos em espécie.
De igual maneira, caso ocorra algum dano decorrente da minha participação no
estudo, serei devidamente indenizado, conforme determina a lei.
CONTATO Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são Dirceu Diniz e Andrea
Braga, respectivamente discente e docente da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná e com eles poderei manter contato pelo telefone (41) 3753-2000 (local de
trabalho do discente – de segunda a sexta das 7h às 18h) e (41) 3271-2179 (local de
trabalho da docente – de segunda a sexta das 14h às 22h).
O Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) é composto por um
grupo de pessoas que estão trabalhando para garantir que seus direitos como
participante de pesquisa sejam respeitados. Ele tem a obrigação de avaliar se a
pesquisa foi planejada e se está sendo executada de forma ética. Se você achar que
81
a pesquisa não está sendo realizada da forma como você imaginou ou que está
sendo prejudicado de alguma forma, você pode entrar em contato com o Comitê de
Ética em Pesquisa da PUCPR (CEP) pelo telefone (41) 3271-2292 entre segunda e
sexta-feira das 08h00 as 17h30 ou pelo e-mail [email protected].
DECLARAÇÂO Declaro que li e entendi todas as informações presentes neste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e tive a oportunidade de discutir as informações
deste termo. Todas as minhas perguntas foram respondidas e eu estou satisfeito
com as respostas. Entendo que receberei uma via assinada e datada deste
documento e que outra via assinada e datada será arquivada nos pelo pesquisador
responsável do estudo.
Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.
Dados do participante da pesquisa
Nome: Telefone: e-mail:
Local, _____ de _____________ de _____.
Assinatura do participante da pesquisa Assinatura do Pesquisador