Por trás das ondas da Rádio Nacional - Miriam Goldfeder

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  • col6gicas e sociais das classes medias baixas, nao mais, no entanto, no sentido compensat6rio ou simplesmente evasivo, mas como elementos de aprofundamento ou mesmo de intensitical(ao destas tensoes. Estas interpretes traduzir!lm para 0 plano existencial, enquan to ideologia e para 0 nlvel cultural, enquanto manifestac;ao, 0 clima qe inseguranc;a sociallegado, quer num plano mais amplo pelos efeitos da Segunda Guerra, quer no plano nacional pelos anos de ditadura representados pelo Estado Novo. Elas canalizaram, num sentido nao mals narcotizador ou idealizado, mas pr6ximo de uma perspectiva crftica, urn outro plano das representac;oes sociais, aquele que dizia respeito a urn vazio mais profundo porque universal, insuperavel pela via meramente consoladora. Nao queremos com isto negllr 0 papel especifico exerci!lo pelas interpretes, enquanto preenchedoras de urn a lacuna gerada pelas insatisfac;oes sociais mais latentes, cotidianas; 0 que pretendemos e inseri-Ias numa dimensao mais ampla, como recodificadoras de uma pef~pectiva humanista nova, pr6pria de seu tempo; localiza-Ias na sua tentativa de recuperac;ao dos valores human os dispersos, quer por urn mundo conflituoso, quer pelos efeitos mais concretos de uma sociedade injusta e desigual.

    Nivelar asduas imagens sem atentar para a sua peculiaridade seria no entanto cair em generalizac;oes precipitadas. Pretendemos demonstrar que, de forma peculiar a cada urn a, em graus diferentes de profundidade, elas foram capazes de superar os quadros mais redun,dantes da produc;ao cultural de massa.

    NORA NEY

    A especificidade desta interprete em relal(ao a D.alva de oliveira residiria-no fato de pertencer a uma falxa 124

    ,de produl(ao e consumo que poderfamos considerar marginal em relal(ao aquela diretamente comprometida com os mecanismos de comunicac;ao de massa. Enquanto a outra cantora (Dalva) pertencia a urn nlvel totalmente integradq a estes mecanismos, Nora, peJas pr6-prias caracterfsticas de seu estilo, desenvolveu uma imagem sofisticada que, em primeira instAncia, na" seria diretamente assimilavel pelo consumo popular, nem passlvel de se apresentar como urn slmbolo idolatravel.

    Em depoimento a n6s prestado (outubro/76) ela assim se definiu:

    Eu nunca fui uma cantora das massas. Nunca fui cantora do povilo . .sou cantora de disco ( ... ),

    Indagada sobre como se localizava frente a Emili-nha e Marlene, prosseguiu:

    A minha massa nilo era a mesma da Emilinha e da Marlene. Era diferente. Eu tinha uma comunica~ilo de massa. Mas nilo aquela que elas tinham; elas eram bern populares mesmo, atingiam principalmente empregadas domesticas etc. Eu ja nilo era, eu tinha urn outro tipo de publico, apesar de que, os maiores fils meus cram ospresos e as senhoras de vida de mais liberdade, de lugares proprios (sic) ( ... ) elas eram minhas fils, se s~ntiam dentrodaquilo que eu dizia, que eu cantava ... ~

    Se, por urn lado, portanto, seu estilo e repert6rio se aproximavam de urn publico com urn nlvel de problematicas profundas e de exig6ncias superiores no plano cultural, seja a classe media, seja a classe media alta, por, outro elas eram capazes de atender as expectlltivas de camadas que por sua condic;ao existencial se destacayam do conjunto de indivlduos de seu setor social.

    A ruptura realizada por Nora Ney no quadro de valores dominantes se dava em varios pianos, como vimos, quer em relac;ao a simbologia pessoal que difundia,

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  • ~I

    quer em rela~ao a sua atua~ao enquanto interprete. Apesar de participar do esquema de divulga~ao encabe-~ado pela Revista do Radio, ela 0 fez quebrando os pa-droes eticos referendados pela moral dominante naquele meio de comunicallao.

    A interprete se apresentava como uma imagem so-frida, carregada, triste, nao construlda, mas decorrente de uma existancia marcada por uma vida problematica e contradit6ria. Uma 'Emilinha as avessas', Nora derru-bava os mitos sobre os quais esta ultima se assentava: a felicidade conjugal, a preserva~ao moral, a indissolubi-lidade do casamento, opondo'a eles, valorescomo a libe-ra~ao e luta pelos direitos fundamentais da mulher. As reportagens acerca de seu tumultuado desquite, das amea~as que recebia, de suas tentativas de suicldio, in-duzidas pelo marillo, publicadas na Revista do Radio com~ementavam a visao combativa da interprete. Nao se projetava, assim, nenhuma imagem consoladora ou evasiva, pelo contrario, um lado 'nao-idealizado', des-mistificador e crltico em rela~ao a urn universe de valo-res padronizados e conservadores.

    Nora Ney, por outro lado, relutava em participar dos mecanismos de divulga~ao e .promo~ao ligados ao meio radiofOnico. Nao possula urn fil-clube organizado e em seu depoimento descreveu as razoes porque acabou nao aderindo a estes esquemas:

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    ( ... ) 'Uma vez elas flZeram 0 Canora (Clube dos Admira dores de Nora). Mas eu sou muito exigente com esta' questilo de fiiclube. Elas falaram: vamos alugar uma sala. preparar sua promo~iio. Ta 6timo. fa~o questiio de pa-gar. Mas tem urna coisa. nesta sala voces podem preparar as coisas para mim. ache) muito bom. maravilhoso. mas terilo que fazer 0 seguinte: voces vilo ter nesta sala aula de alfabetiza~ilo para quem nilo souber ler. nem escrever; aprender corte e costura. cozinhar etc. Se quiserem assim

    1

    eu apoio este fii-clube. se quiserem fazer isso eu topo. Al . de~apareceram e nilo apareceram mais.'

    c:~mprometida com movimentos ligados a propa-ga~ao da cultura popular, conscientizadora (participou em 1963 do Centro Popular de Cultura do Rio de Janei-ro, da grava~iio de urn disco onde interpretava numa d~s faixas, a musica. de Carlinhos Lyra, 'Joao da Silva'), Nora Ney tentou eVldentemente ampliar a dimensao das organiza~oes de fils e dirigi-las num outro sentido. A in-terprete prosseguiu em seu depoimento:

    'Eu nilo gosto de me situar como mito. Neste tipo de til. clube 0 artista e um mito. ~u sou igwll a todas as pessoas. Eu querla .fazer 0 til-clube Junto com elas. participar. dar al~o de mlm. como cultura. mas niio queria ser 0 Idolo. Alu\s. Haroldo Barbosa disse para mim: 'voce vai ser um ~uc~so, mas nunca ser~ um Idolo. porque voce nio tem m~rtorme~te este ~plrtto. 0 .que eu tinha queria distri-bUlr. querta alfabetizar. eu tmha esta id6ia dentro de mim.' .

    Sua marginalidade em rela~ao as formas integrado-ras do radio'e sua recusa em tornar-se urn Idola confee-cionado segundo as exigancias do mercado fizeram dela urn elemento de corrosao. Se por urn lade Nora se opu-nha aos mecanismos que tencionavam transforma-Ia em urn Idolo popular, por outro sua eficacia se assentaria s~bre ~ p61~ diverse: no atendimento as necessidades

    . slmb6bcas~ seJ8: de u!ita classe media problematizada, com 0 vazlo pSlcol6glCO legado .por uma sociedade ba-se~~a e'!1 valores frageis, seja dos setores margi!1ais: os 'prlslonelros, as prostitutas e as boamios. Ela abriria as-sim para nlveis sociais diversos, diferentes possibilida-des de identifica~ao.

    . Carregando atnis de si urn sentido tragico de vida, Nora Ney abriu espa~o para a veicula~ao de perspectj-. vas inovadoras e crlticas. Seu repert6rio, absolutamente

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  • 1f1 !

    integrado com a sua imagem carregada e problematica, redefinia m usicalmente as Iinhas diretoras de seu mode-10 de vida.

    REPERTORIO

    Se algum elemento tem a capacidade de explicar 0 significado e a fun\tao da interprete Nora Ney na decada de 50, este elemento e constituido pelo conjunto das suas interpreta\toes, quer pelo seu estilo, quer pelo cortteudo veiculado.

    Tradutores de um clima marcado pela angustia existencial pr6pria de um~ epoca em que a relativa falta de conturba\tOes sociais mais profundas nao apontava para as classes medias alternativas de vida mais amplas, compositores como Luis Bonfa, Antonio Maria, Lu-piscinio Rodrigues se fariam porta-vozes musicais do que se denominava comumente a 'fossa e a dor-de-coto-velo'LHerdeiros, por outro lado, de um clima de desilu-sao e inseguran\ta absorvido por uma gera\tao de p6s-guerra, nossos compositores 'intimistas' trariam para a tematica musical a visao ~egativa, pessimista e sobretu-do sintetica da existencia, rompendo com isto urn qua-dro da ptoducao musical marcado por uma visao roo. mantica e idealizada do mundo e ao.mesmo tempo peJa redundancia no tratamento das tematicas.

    Nora Ney incorporou essas perspectivas inovado-ras, de quebra da imobilidade e do conformismo exis-tencial, assumindo Iiteralmente a ideologia implicita

    . neste genero de produ\tao musical. Musa inspiradora de alguns compositores, muitas vezes roi interprete de can-\toes especialmente compostas para sua voz e estilo, mais' tarde recuperadas pela Bossa-Nova.

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    Te~t~remo~ atrav.es de uma amostragem destas compOSl\toes, nao reahzar uma analise profunda, mas perceber como eJas confirmaram e enriqueceram a ima-gem difundida pela cantora. 'Bar da Noite' de Bidu Reis e Haroldo Barbosa, de uma certa forma viria localizar 0 .espar;o tipi:o de fr~i\tao da imagem de Nora Ney, 0 lu-gar da evasao margmal, com urn leve aceno 'populista':

    'Gar~om apague esta luz Que eu q uero ficar sozinha Gar~om me deixe comigo Que a magoa que eu tenho e s6 minha (oo.) Bar tristonho slndicato Dos s6cios da mesma dor Bar que e reduto barato Dos fracassados do amor.'

    As.barreiras sociais e 0 conservadorismo moral, tao combatidos pela cantora, serao recodificados em 'Pre-conceito' de Antonio Maria e Fernando Lobo, lan\tado em 23.1.51:

    'Por que voce me olha Com estes olhos de ternura Por que voce diz meu nome Por que voce me procura Se as nossas vidas juntas Terilo sempre urn inesmo fim So existe urn proconceito muito forte Separando voce de mim.'

    A quebra dos valores consoladores, a visilo tragica e desiludida e a incapacidade de se vislumbrar uma saida existencial encontraram em 'Ninguem me ama', de Fer-nando Lobo e Antonio Maria, lan\tada por Nora em 26.8.52, a sintese perfeita:

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  • , I'

    'Ningucm me ama Ningucm me quer Ningucm me chama De meu amor A vida passa E eu sem ninguem ( ... ) Vim pela noite tilo longa, De fracasso em t'racasso E hoje descrente de tudo Me resta 0 cansa~o, Cansa~o da vida, cansa~o de mim V clhicc chegando 'E eu chegando ao tim Ninguem me arna, ninguem me queroo.'

    Poucas composic;oes como esta teriam colocado abaixo a mitologia da felicidade e do .happy-end; Nora Ney gravou deniro da mesma perspectiva, outros 'en-saios sobre a solidao humana': 'Onde anda voce', de an-tonio Maria e Dias Lima e 'De Cigarro em Cigarro', de Luis Bonfa, lanc;ado em 23.1.53. A primeira:

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    (oo.) 'Fui como um resto de bcbida Que voce jogou fora E na hora, larto de mim me esqucccu Eu fui .mais uma ta~a desprezada Quis ser tudo e nilo fui nada Ninguem c mais triste do que eu.'

    Trecho da composic;ao de Bonfa:

    'Vivo s6 sem voce Que nao posso esqucccr Um momento siquer Vivo pobre de arnor A espera de algu6m E este alguem nilo me quer Vejo 0 tempo passar, 0 inverno chegar

    S6 nilo vejo voce Se outro am or em meu quarto bater Eu nl!o vou atender.'

    'Se eu.morresse amanha', de Antonio Maria lanc;a-da em janeiro de 1955, referenda finalmente os ~esmos sintomas:

    'De que serve viver tantos anos sem am or Se viver c juntar desenganos de am or Se eu morresse amanhii de manhii Niio faria falta a ninguemoo.'

    Nora Ney simbolizaria assim uma possibilidade. de corrosao e desvio ainda que restrita na sua forma domi-nante ao nivel etico e individual, formando com Dalva de Olivei~a uma corrente 9ue pretendeu romper de algu-ma manelra com 0 morahsmo conservador latente neste plano da produc;ao simb6lica.

    DALVA DE OLIVEIRA

    Dalva de Oliveira guardava uma peculiaridade em relac;ao a Nora N~y e as demais interpretes aqui analisa-da~: sua dupla dlmensao: por um lado colocando-se como uma interprete integrada nos mecanismos de di-vulgac;ao radiofOnica e por outro, situarido-se marginal-mente em relac;ao ao quadro de valores dominantes di-vulgados pelos mesmos. Um elemento essencial marca-v~ d~sta forma ~ diferenc;a entre as duas inter1'retes: 0 pubhco. Os seguldores de Dalva de Oliveira se situavam nas camadas inferiores da populac;ao, as baixas classes medias e 0 operariado; paralelamente, no entanto aten-dia. as faixas marginalizadas, prostitutas e presidlarios, fenomeno semelhante ao queocorria com a interprete

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  • ~ I

    Nora Ney. Dalva atuaria nestes diversos niveis conco-mitantemente, atraves de uma coerencia relativa entre a sua imagem, estilo e repert6rio.

    Atendendo a expectativas que se assemelhavam a-quelas que caracterizavam Nora, a fun\tao exercida por Dalva parece-nos no entanto particular. A partir de urn estilo interpretativo-popular, com uma voz aguda, pro-jetada (ao.contrario do intimismo da voz de Nora Ney), a interprete se tornava permeavel a urn consumo nao so-fisticado, mas ao mesmo tempo mais exigente em rela-\tao ao conteudo das mensagens transmitidas.

    Ela tam bern encontraria as bases de sua eficacia numa situa\tao de inseguran\ta e insatisfa\tao social la-tentes nos setores medios e baixos da: popula\tao, ja desi-ludidos com as perspectivas que a 'sociedade parecia Ihes oferecer. Dalva nao Ihes vinha fornecer consolo, ela in-tensificaria, a nosso entender, estas problematicas seja atraves de sua imagem,. seja do seu repert6rio. Simboli-zou, a nosso entender,' urn desvio na forma pela qual eram canalizados dominantemente os anseios psicos-sociais da massa excluida; representou a outra face, nao mais a busca dos mecanismos ilus6rios mas a procura da identifica\tao no plano das contradi\toes reais.Esta pos-tura foi assumida, no entanto, mantendo-se as condi-\toes de idolatria peculiares ao radio das grandes massas. A interprete era urn mito popular, sem no en tanto se in-vestir do carater predominantemente comp~nsat6rio, tipico destas formas de manifesta\tao. Inumeros ras-clubes comprovavam a sua rela\tao com os modelos de comportamento 'idolatricos'; a cantora possuia uma le-giao de seguidores, qu~ apesar das suas constantes e lon-gas ausencias (Dalva fez inurn eras excursoes ao exterior, da America Latina a Europa), continuavam mantendo sua fidelidade atraves da propaga\tao da imagem da can-tora pelo Brasil. 132

    Por outro lado, Dalva rom pia a barreira do mora-lismo conservador (como Nora) apresentando ao nlvel pessoal urn quadro de valores desviantes: separada do marido (Heriveito Martins) e dos filhos, depois de urn perturb ado processo, a interprete assumiu publicamente uma vida privada liberal e despreocupada com os pre-conceitos rigidos da moral dominante. Paralelamente, incorpora toda a carga emocional resultante desta situa-\tao, elaborando uma imagem angustiada, sofrida, que canalizava num estilo interpretativo dramatico e carre-gado. 0 'existencialismo' que marcou Dalva de Oliveira sofreu uma simplifica\tao em rela\tao ao quadro difundi-do por Nora Ney. Nao e mais uma visao sintetica, mas uma exacerba\tao da solidao humana, uma quebra da vi-sao romantica; tratava-se de urn realismo negativista le-va do as ultimas conseqllencias. As contradi\toes psicol6-gico-emocionais subiam a tona de forma concreta, clara, poimlarizada e principalmente redundante.

    REPERTORIO

    o repert6rio da interprete caminhava na dire\tao acima exposta. 0 cotidiano solitario receberia urn trata-mento catartico. 'Saia do meu caminho' de Cust6dio Mesquita e Evaldo Rui, gravada em 9.2.55 exempli fica:

    'Junte tudo que e seu Seu amort seus trapinhos J unte tudo 0 que e seu E saia do meu caminho ...

    N ada tenho de meu Mas prefiro viver sozinha ( ... ) Fracassei novamente Pois sonhei mas sonhei em vao ( ... )'

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  • I ,

    'Niio tem mais tim' de Herva cRena Cordovil, gra-vada em 28.1.58 refor~a a problematica:

    'N ao tern mais lim Este tormento que 0 nosso romance Deixou em mim Nao tern mais lim Este silencio que paira no ar Ao redor de mim .. .'

    Niio havia espa~o para 0 mito da felicidade, para o happy-end; a exacerba~iio do sofrimento encontra em 'Tudo Acabado' de J. Piedade e Oswaldo Martins, gra-vada originalmente em 11.3.50 um exemplo caracterlsti- . co: '

    'Tudo acabado entre n6s . JA nio hA mais nada, Tudo acabado entre n6s Hoje de madrugada Voce chorou eu chorei Voce partiu e eu liquei Se voce volta outra vez, eu nao sci...'

    Os amores desfeitos e as desilusoes amorosas, tema-ticas de penetra~iio e assimila~iio imediata, recebiam um tratamento dramatico no repert6rio de Dalva de Olivei-ra. 'Teus Chimes' de Leny Martins e Aldo Cabral, gra-' vado originalmente em 3.12.57, levava as ultimas conse-qUancias esta visao tragica da relalfao sentimental:

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    'Condeno os teus chimes, que marcararn 0 nosso amor

    Razao dos meus queixumes, causa cruel desta dor

    Condeno os teus chImes, que me crucilicaram e dilaceraram .

    o cora~ao, ctcrna imensidao, da minha .solidao

    Olhando 0 meu passado M uito triste vejo entao o livro desfolhado que s6 me foi iluslio e lembro 0 nosso amor Urn sonho encantador Naquele tempo linda Que eu julgava inlindo ... Ma minha vida em calma No embara~ado espelho de minh'alma .. .'

    Esta composi!;iio, marcada pela redundancia, rimas evidentes, simbologias elementares, exacerbou 0 genero sobre 0 qual Dalva baseava sua imageni e repert6rio. No en tanto, a interprete nao se destacou somente pela sua redundancia. A corrosao que julgamos ter instalado no plano dos idolos musicais, trazendo a tona um outro nivel de problematicas, uma maneira realista de perce-ber a existencia, teriam tornado Dalva um p610 equi-Iibrador no campo acima citado. Valvula de escape das ansiedades dos setores men os favorecidos, cia viria com-plementar 0 espa~o de atendimento as expectativas deste publico carente de canais de identiticalfiio e projC!;iio simb6licos. .

    Nora Ney e Dalva de Oliveira, em diferentes nlveis, abriram, acreditamos, canais de manifestalfao e exacer-balfao das contradi~Oes sociais constantemente narcoti-zadas pelo conjunto da produ~ao radiofOnica. Elas de-monstraram a necessidade inerente a Cultura de Massa de realizar uma diversiticalfao em torno das suas produ-Ifoes, isto e, de nao apresentar propostas compactas mas permeaveis a um conjunto de''Valores desviantes de sua tonica global.

    Dalva, Nora, compositores como Antonio Maria e Lupiscinio Rodrigues representaram uma contesta~iio interna as manifestalfoes de massa, ao romperem com

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    !

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    I[

    uma func;iio mascaradora, buscaram uma soluC;iio viavel para os impasses culturais latentes no periodo.

    Ainda que a proposta de ruptura niio ultrapassasse o nivel existencial, esse novo humanismo propagado en-contrava sua raziio de ser numa epoca em que os valores da dernocracia e da participac;iio popular se propaga-yam, ganhando urn pesocada vez maior.

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    PARTICIPACAO POPULAR

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  • I \

    Delineamos ate 0 presente momento 0 universo ideol6gico em torno do qual se travavam as questoes re-lativas a produciio radiofOnica dos an os 50. Chegamos a algumas consideracoes basicas entre as quais aquelas re-lacionadas com 0 carater de classe a partir do qual se de-finiam os valores veiculados: a sua pertinencia ao lugar social ocupado pelas classes medias enquanto setores produtores destas manifestacoes.

    Constatamos que, paralelamente, esta producao atingia de forma abrangente grupos sociais pertencentes as outras faixas mais desfavorecidas na escala social: classes medias baixas, classe operaria e mesmo setores marginais, excIuldos da participacao s6cio-economica.

    Desta forma, percebeu-se que a ideologia tlpica de urn setor impregnava outras camadas que, desagregadas de urn sistema de valores pr6prios se vi am identificadas num universo de slmbolos que nlio lhes era diretamente organico. .

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  • Outrossim, e isto nos parece fundamental, este pro-cesso que poderfamos denominar a princlpio como MA NIPULATORIO nao se efetivou de forma unidimensio-nal, absoluta; pelo contrario, ele conteve, dentro de si, propostas que, dentro de certos limites, se constitulram num desvio, numa digressao em relacao aos padroes de-finidos. Isto significa que esta producao se viu obrigada a articular valores e nocoes que encontrassem ressonan-cia concreta nas camadas consumidoras, isto e, que fos-sem capazes de efetuar um atendimento mlnimo dos an-seios psicossociais destes setores. Mais ainda, esta pro-ducao era veiculada de forma a possibilitar uma mar-gem de participacao por parte dos seus consumidores, a preservar um mlnimo de autonomia e espontaneidade por parte dos mesmos.

    Neste capitulo da dissertacao, pretendemos enfocar a questao a partir do outro p610 da producao cultural de massa: 0 publico que a con some, suas necessidades e ex-pectativas, suas formas de preservacao de identidade.e autonomia e, antes de tudo, 0 significado de sua presen-ca no consumo dos mecanismos ligados a este nlvel da producao simb6lica.

    A categoria con sumo passaria a sofrer um trata-mento naos6 enquanto objeto para que se dirige um dis-curso, mas de sujeito capaz de altera-lo, de dar-lhe senti-do e de reinterpreta-lo, guardadas as devidas propor-cOes. De certa forma, os setores responsaveis pela pro-ducao cultural na decada (e mesmo anteriormente) se preocuparam emfornecer um espaco onde a manifesta-cao do publico estivesse assegurada. 0 que se revela, no entanto, e que esta possibilid\lde de participacao en con-trava limites definidos pelo campo da producao simb6li-ca, que nao deviam extra polar os estreitos domlnios per-mitidos pelos sistemas de comunicacao vigentes.

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    Assim, podemos destacar 0 AUDITORIO como um dos espacos ba"sicos de manifestacao espontanea e autonoma de anseios e expectativas dos setores sociais que dele se utilizavam, seja como meio de evasao, seja como expressao de padroes esteticos.

    A existencia desta brecha, atraves da qual foi possl-vel dar ao sujeito consumidor urn papel significativo no conjunto da produCao, altera sobremaneira a analise dos efeitos sociais da cultura de massa no perlodo.

    A presenca direta do ouvinte-espectador desenca-deava processos que se apresentariam em outras cir-c'lnstancias velados, porque impllcitos e, portanto, nao passi~eis de um desnudamento por parte do observ\ldor. Com IstO queremos nos referir a algumas relacoes basi-cas desencadeadas nestes sistemas comunicativos.

    Estas relacoes, ainda que nao imediatamente pollti-cas, refletem um mecanismo mais amplo, redefinindo 0 nivel da pratica simb6lica. Elas serao reanalisadas quando de suas manifestacoes impllcttas, qu"ica possui-doras de uina fon;;a maior.

    Uma das expressoes basicas dos mecanismos de co-municacao se expressa na funcao de MANIPULACAO que exerce sobre seu consumidor que se opoe, e se colo-ca contraditoriamente as manifestacoes de ESPONTA-NEIDADE e AUTONOMIA por parte dos mesmos.

    Escolhemos inicialmente 0 audit6rio para este tipo de abordagem, porque nele esta relacao se mostra mais desmistificada e vulneravel a percepl;ao. E no espaco dos PROGRAMAS DE AUDITORIO, organizados em funl;ao da presenca do publico, calcados em parte na forl;a comunicativa do animador que as relal;oes produ-c!lo/consumo se fazem de forma direta.

    Varios problemas podem ser debatidos a partir da sua localizacao como objeto tie analise. Cum pre desta-car, inicialmente, a importancia da presenca concreta do

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  • !

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    consumidor na pr6pria elaboraltao da produltao cultu-ral, ou seja, os efeitos que poderia ter sobre a forma de atualtao dos mecanismos de comunicaltao de massa.

    Esta participa\tiio direta provocara 0 desencade~mento de urna serie de normas aos produtores, a parttr da pr6pria estruturaltao da programaFao q~e deveria acoinpanhar urn ritmo e urn 'crescendo suficlentes para provocar uma realtao empatica, urn efeito de adesao. A produltao se pretendera condutora da opiniao, do gosto e da sensibilidade do publico. Paralelamente esta pre-senlta direta do receptor deveria tam bern exercer uma altao impositiva, na medida em que Ihe eram dadas oportunidades de reivindicaltoes diretas, de expressao de opiniao e de preferancia.

    A partir dai e que a dialetica MANIPULA-CAO/ESPONTANEIDADE (AUTONOMIA) se des-nuda e se confronta abertamente; trata-se de urn jogo de fo'rltas: ao mesmo tempo que ao setor produ~or ~sta aberta diretamente uma oportunidade de domimo e 11~posiltao controle e manipulaltao, para 0 setor consuml-dor da ~esma forma, a de participaltao e manifestaltao espontanea e autonomas.

    Duas programaltoes serviriam-nos de base para esta analise: 0 Program a Cesar de Alencar, levado pela Ra-dio Nacional, aos sabados Ii tarde, que chegou a ter, quando de seu apogeu, 6 boras de duraltao, e 0 Progra-rna Manoel Barcelos, que ia ao ar as Sas-feiras, das 10h ate as 14b, no periodo de sua maior duraltao.

    Sao significativos porque se constituiam e se estru-turavam objetivamente para urn audit6rio embora, ob-viamente, visassem urn consumo do ouvinte de radio, como de resto, pretendia toda a programaltao da Radio Nacional. 142

    Tanto 'Manoel Barcelos' quanto 'Cesar de Alen-car' poderiam ser qualific~dos como urna programaltao de variedades: eram estruturados em quadros humorfsti-cos, musicais, reportagens (caso do 'Manoel Barcelos'), parada de sucesso ('Cesar de Alencar) e com UlI\a atra-Itao final fixa (na d~~ada de 50) - Emilinha no programa de Cesar e Marlene no programa de Barcelos.

    Havia urn objetivo claramente definido, comercial, de angariar publico independente de urn projeto defini-do de programaltao e mesmo em detrimento da qualida-de da mesma. 0 unico 'projeto' implfcito neste tipo de programa seria uma estrutura interna que tencionava canalizar as energias. a animosidade e a simpatia para 0 final do programa, onde a atraltao, na maioria da, vezes, a grl\nde responsavel pela vinda do publico ao audit6-rio, era apresentada: Marlene ou Emilinha. A partir dai se desencadeava uma realtao, por vezes violenta, de apoio ou repudio que del,1lonstrava 0 grau de identifica-Itao que aquele tipo de espectador encontrava naqueles mitos.

    Assim, se possibilitava uma margem de autono~ia por parte dos manipulados, embora sua participaltao se fize.se em termos de uma resposta aos estfmulos previa-mente definidOs.

    E fundamental perceber-se a relaltao direta entre os efeitos provocados por este tipo de programaltao aonde o lDOLO apresentava-se enquanto imagem viva e os va-lores atraves dos. quais ele se impunha, seja atraves das revistas especializadas (Revista do Radio principafmen-te) ou mesmo atraves do materialdisc6fi1o. Existia, por-tanto, uma continuidade simb6lica entre a elaboraltao das imagens dentro e fora do palco. A eficacia relativa desta produltao se basearia, a nosso ver, na constancia de penetraltao desses valores atraves dos varios mecanis-mos da comunicaltao de massa.

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    o audit6rio passava a ser para 0 publico 0 espaeo do desvendamento visual e da confirmaeao das expecta-tivas em relaeao aos modelos propostos. Neste espaeo, os setores 'excluldos' de urn mercado material e mesmo simb6lico se viam socializados compensatoriamente, isto c, se viam ilusoriamente participantes de urn univer-so que, a nlvel do real,Jhes estava definitivamente fecha-do '.

    Que a Revista do Radio proporcionava-lhes urn mesmo sentido ilus6rio poderlamos dizer e constatar mais adiante; no entanto, 0 audit6rio permitia uma pre-senea (e ao ouvinte uma participapaeao imaginaria) que produzia urn efeito especlfico. 0 audit6rio propicia ao espectador sentir-se urn sujeito capaz de alterar 0 curso da programaeao, capaz de, seja gritando, aplaudindo ou vaiando, realizar processos evasivos vetados em outros generos de produeao cultural. Desta forma, a evasao, enquanto forma de liberaciio de tensoes, permitiria, para este setor exlculdo das oportunidades que se ofereciam para a sociedade em geral, realizar urn momentiineo e instavel equillbrio 'psicoI6gico'.

    A Iiberaeao propiciada pela manifestaeao publica em audit(lrio poderia ser percebida enquanto sintoma de uma insatisfaeao social latente que se canalizaria por esta via 'manipulada', pelos meios de comunicaeao de massa. Ao mesmo tempo, a necessidade de participaeao e integraeao sociais se ve parcialmente satisfeita, mesmo que pudesse ser alegado, na forma mascaradora da pro-dueiio cultural para as grandes massas.

    Varias problematicas se colocariam em discussao a partir dal: a caracterlstica duplamente funcional da pro-gramaeao de audit6rio; 0 ~Ivel psicol6gico e social, e a

    l. Vcr MICELI, Sergio, op. cit., pag. 218.

    144

    dimensao propriamente ideol6gica desta participaeao, isto C, 0 grau de autonomia e espontaneidade contido neste tipo especlfico de produeao cultural. Esta ultima problematica iiltroduz evidentemente a sua contraparti-da, isto C, a capacidade manipuladora inerente a esses velculos de comunicaeao. Mais ainda, coloca-nos a pr6-pria questao da passagem de urn universo controlador para outro cujo grau de autenticidade comecava a se manifestar.

    o grau de manipulaeao dos comportamentos nao chegava na epoca ao nlvel do atual, aberto e expllcito; no entanto, a opiniao sofria sempre uma condueao deli-mitada, a partir da qual, a pr6pria interiorizaeao destes valores forjados tornava espontiinea a manifestaeao.

    Nossa intencao nesta fase da dissertaeaoc tentar discutlr as questoes levantadas a luz de acontecimentos concretos, a saber, de eventos que corroborariam as hi-p6teses posslveis acerca deste espaeo de manifestacao, 0 audit6rio.

    Paralelamente, tentaremos abordar outros espaeos que tornavam posslveis a participaeao (ainda que relati-va) do receptor: as colunas reservadas aos leitores, na Revista do Radio e as organizaeoes denominadas fas-c1ubes. Na impossibiJidade de uma analise direta do publico que consumia a producao simb6lica quer Iigada a Radio Nacional quer a outros eanais de comunicac!io, fomos obrigados a nos restringir aos dados encontrados. No entanto eles nos pareceram suficientes para levantar as questoes basicas a respeito do grau posslvel de parti-cipaeiio do receptor dos bens simb6licos gerados pela cultural de massa dos anos 50, os Iimites desta aeao e a capacidade de controle por parte da produeao a eles des-tinada.

    -145

  • r I

    MANIPVLACAo VS ESPONTANEIDADE CAVBI; 0 tDOLO FABRICADO .

    o evento Caubi aparece como exemplo/limite da capacidade de constru~ao de urn Idolo a partir de urn plano deliberadamente artificial'.

    Esta artificialidade evidentemente nao poderia for-mular-se sobre Q nada, isto e, nao se colocava como va-zia de sentido. Ela foi construlda sobre urn mlnimo de identidade posslvel estabelecida entre a imagem e 0 re-ceptor (receptora, no caso), isto e, sobre uma recompen-sa ainda que ilus6ria c;compensat6ria produzida sobre 0 publico fruidor do objeto.

    o desnudamento dos mecanismos publicitarios, a manipula~ao levada as ultimas conseqUencias, bern como 0 risco latente destes esquemas produzirem efeitos incontrolaveis de maniresta~ao espontl1nea sao, a nos-so ver, os aspectos relevantes a serem detectados na ami-lise deste fen6meno.

    A partir de uma campanha publicitaria imensa, co-piada daquelas empregadas nos Estados Unidos, o.em-presario de Caubi. Di Veras, constr6i rapidamente a imagem de urn grande cantor, de urn Idolo para urn publico feminino as custas de artificios altamente dis-pendiosos.

    De inlcio eram pagas freqiientadoras para chorar, gritar, desmaiar, ou agarrar 0 Idolo, invadindo 0 audit6-rio.

    2, Os dados sobre 0 itinerario da ascensilo de Caubi foram extraldos de reportagens da Revista do RAdio. do depoimento jA citado de Floria-no Faissal e de uma entrevista concedida pelo cantor' Televisilo Ban-' deirantes. em setembro de 1976. para urn especial sobre os 40 anos da RAdio Nacional.

    146

    Desta forma" visava-se nao s6 elabOl:ar uma ima-gem de falsa idolatria como tambem estimular a adesao dos ouvintes que porventura estivessem hesitantes em rela~ao Ii imagern criada. 0 apice desta encena~ao ocor-reu quando 0 empresario chamou rep6rteres e jornalis-tas estrangeiros; vesiiu Caubi com urn 'smoking' alinha-vado e contratou urn grupo de mo~as para 'rasga-lo' em publico. Esta cena foi fotografada, reprisada nas fuas e Caubi aparecia em todos os jornais e revistas internacio-nais e do pals como uma figura que provocava rea~oes histerias e violentas, portanto, como urn modele 'alem do humano' capaz'de desen.cadear crises emocionais, tal seu 'poder de empatia'.

    , Evidentemente, esta manipula~ao dos efeitos de mistifica~ao acaba surtindo os resultados desejados, provocando uma frui~iio.que pouco a pouco arrebatava doses de espontaneidade.

    lmpoe-se atravesde artificios, urn padrao de com-portamento em resposta a urn padriio de imagens. No entanto, este padrao-mode!o teria que responder a a!gu-rna expectativa concreta desta massa consumidora com-posta basicamente por urn setor feminino de c!asse me-dia baixa e operaria.

    Pode-se recuperar vestigios desta ansiedade em co-lunas que a Revista do Radio dedicava ao cantor, com-pletando a sua imagem-mito. Nestas co!unas permitia~se Ii fii incursionat no universo humane de seuldo!o, com-pondo desta forma a dup!a-imagein: do inacesslve! e do posslvei-rea!, condi~iio para que urn mlnimo de proje~iio se estabele~a.

    o mode!o de conduta representado al t~sta-se, revi-sa-se e reitera-se, bern como 0 mecanisme que 0 tornou posslve!, vale dizer, a auto-realiza~ao: esta, inacesslve! para 0 sec comum, passa a ser uma posslve! imagina~iio

    147

  • r c~paz de desencadear ~onhos projetivos, compensat6-nos.

    'Urn Olimpo de vedetes domina a cultura de mas~a, mas se comunica pela cultura de massa, com a humanidade c~r~ente. Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, dlVma e humana, efetuam a circula~i!o permanente entre o mundo da proj~i!o e 0 mundo da identifica~i!o.' 3

    Os idolos provocam assim uma relaltiio de identida-de, porque dotados de uma carga real e projetiva ainda que sua auto-realizaltao esteja absolutamente alem do mundo concreto das suas massas consumidoras, social-mente excluldas.

    . Oesta forma, as revistas especializadas, entre as quais, a Revista do Radio, vao complementar as ima-gens, fornecendo ao fruidor 0 lado real, humano, co-mum dos mesmos.

    o idolo Caubi e forjado em funltao de urn espalto ainda parcialmente 'vago' para 0 preenchimento de ex-pectativas, a figura masculina com capacidade de sedu-Itao. Numa seltao criada em 1958, pela Revista do Ra-dio, Caubi responde, junto com Emilinha, a perguntas remetidas por supostas tas. Uma grande percentagem das questoes girava em torno de seu posslvel casamento, de romances que Ihe eram atribuldos.

    A imagem Caubi e arquitetada no sentido de des-pertar ansiedades remotas, Isto e, irrealiza veis, mas que encontram urn posslvel ao menos a nlvel onlrico. A ta sonha urn dia casar-se; seus padroes etico-morais se bali-zam por este projeto maior; 0 Idolo aparece como 0 ou-tro ideal. f: evidente a impossibilidade da realizaltao do projeto.

    3 MORIN. Edgar, op. cit., p. 83. 4 Revista do Radio, juIho/agosto/I958 - coluna Caubi Responde.

    148

    Perguntas como: Voce manteria urn romance comi-go? Marcarias urn encontro comigo? sao tao constante5 como as respostas evasivas e difusas que nao quebravam a esperanlta, nao assc;guravam nada e mal acenavam com possibilidades. E no entanto esta sensaltao de insta-bilidade e inacessibilidade que assegurava a sobreviven-cia da imagem.

    A diferenlta essencial do idolo masculino e que na medida em'que 0 seu publico e 0 mesmo que consome 0 idolo feminine ele age num outro sentido; visa antes de mai~ n::tda preencher urn vazio psicol6gico criado por frustraltoes e angustias emocionais (e ate sexuais), com funltao compensat6ria porque permite a catarse. As rna-nifestaltoes ostensivas, quase histericas, quando da pre-senca concreta do cantor demonstravam a preexistencia deste vazio que necessitava de alguma forma ser preen-chi do. Ha urn componente Iiberador na resposta ao ape-10 que a imagem do cantor emite, apelo revestido de componentes afetivo-sexuais. Trata-se tambem de urn modelo compensat6rio, evidentemente, mas que atua num outro nlvel; consola substituindo a imagem do 'principe encantado' tao reiterada pelo restante da pro-dultao simb6lica.

    o que particulariza 0 fenOmeno Caubi, e por isso 0 inserimos nesta parte da dissertaltao, e primeiramente a premeditaltao dos valores que iriam compor seu modelo, isto e, sua caracterlstica explicitamente 'construlda'. Subjazia, portanto, uma f6rmula manipulat6ria que 56 obtem urn grau relativo de eficacia porque se expoe dire-tamente ao mercado, porque seu consumo e direto. 0 componente visual e fundamental para a composiltao da imagem, na medida em que M necessidade de se criar uma empatia global. Para tanto, 0 espalto do audit6rio era imprescindlvel quer para a campanha publicitaria, quer para a penetraltllo eficaz do mito.

    149

  • r

    Havia, assim, urn projeto intencionalmente mani-puJador que, no enta-nto, s6 encontrava ressonAncia quando obtinha uma resposta espontAnea (ainda que in i-cialmente conduzida). Para tanto ele teria que sair do circuito meramente 'controlador' para conservar sua le-gitimidade, ele deveria necessariamente preencher os es-pacos psicossociais e simb6licos preexlstentes nas ca-madas consumidoras; ele deveria fornecer para a cama-da que 0 consumia urn minimo de atendimento as suas nece~sidades de participaciio social.

    Isto pode explicar a passagem do estagio de urn publico meramente conduzido para urn publico que conseguia colocar autonomamente suas pretensoes ou ao menos expressar espontaneamente suas preferencias. Estes efeitos se realizavam como tais na medida em que se desenvolviam em bases hist6rico-sociais precisas: a mobiJizaciio se dava para uma classe excluida das possi-bilidades de consumo oferecidas pel a sociedade e neces- . sitava de formular sua integraciiomesmo atraves de es-truturas evasivas e imaginarias. A integraciio ou sociali" zaCiio real niio ocorria e nlio existiam alternativas cultu-rais a partir das quais este setor se identificasse de forma 'niio compensat6ria'; isto e, a estrutura simb6lica care-cia de projetos alternativos viaveis para estas camadas sociais.

    Este setor feminino marginalizado, alvo de dupla exclusiio (problema que abordaremos adiante, com maior profundidade) enquanto classe e enquanto gene-ro, necessita, sob risco de permanecer em constante de-sequiJibrio psicossocial, de urn minima de atendimento as suas ansiedades atraves da criaciio destes canais de expansao e 'participaCiio'.

    A funciio primordial do iudit6rio, ao permitir urn cortejo direto e visual com 0 mundo 'mitol6gico' (atra-yeS da revista que fornece 0 lado 'humano') e expressiva 150

    porque desencadeia uma evasao objetiva e permite u.ma manifestaciio 'qualitativa' de expansao nlio s6 energlca, mas tambem de expressao de opinilio e gosto. A sua for-ca esta nesta margem de espontaneidade obtida pela pr6pria intensidade que a participacao coletiva permite.

    A manipulacao direta (forjamento de idolos, como Caubi) sempre corre riscos de perder seu controle sobre a opiniao de urn publico que possui urn espaco para tra-duzir suas opcoes (seja em forma de gritos, vaias, aplau-sos) e que gradativamente passa a reivindicar uma aeilo autonoma. .

    Enos limites desta autonomia que reside 0 poder de controle dos meios de comunicaclio - .problema que sera anaJisado com mais detalhes quando enfocarmos as for-mas de repressoes explicitas (e ostensivas) do radio na decada de 50. Assim, este audit6rio sera responsavel pela manutenciio da audiencia deste genero de progra-mas, na medida em que 0 som emitido por !=les sera cau-sa de mobiJizaciio de ouvintes, ate que este som ultra-passe as balizas do toleravel para a produciio radiofOni-ca. Aqui ele encontra seu limite.

    A RESPOSTA FRUIDORA-o SENTIDO DA ILUsAo

    UtiJizamo-nos das colunas da Revista do Radio que eram dedicadas as opinioes daqueles que se id~~ificavam enquanto fiis, isto e, o~ .inco!porados fr~l1tlvamenteaos mecanismos de partlclpacao cultural hgados ao chamado lazer suburbano. .

    E significativa a constataciio da pouca permanencla e freqiiencia destes espacos ded~cados a respos~a d? c?n-sumidor. Estas colunas, 'Galena das Fan ... atlcas. e 0-piniao dos Fas', aparecem com certa freqllencla em

    151

  • r

    1954. Ainda em 1952, uma coluna marca nipida apari-cao, 'A Voz do Povo'. Uma outra, 'Cartas dos Fas', per-manece durante toda a decada, mas era baseada em soli-citacoes mais do que expressao de opinioes ou preferen-cias.

    Estas colunas devem ser diferenciadas. Enquanto Que a 'Voz do Povo' era escrita a partir de entrevistas com elementos poplilaJ:es, a 'Galeria' e 'Qpiniao' s6 tra-ziam a ia ardorosa, expressando sua preferencia, muitas vezes chefes de ias-clubes e elementos de alguma forma Iigados aos Jdolos. Evidentemente, a Revista deveria re-ceber um grande numero de cartas para as colunas, sen-do que a selecao deveria ser feita a partir do pr6prio conteudo' e nlvel das mesmas. Assim, as que foram publicadas, marcadas por uma redundancia significati-va, eram na maio ria expressao de elementos ja bastante compromissados com os esquemas de divulgaciio.

    'A Voz do Povo', titulo significativo para a epoca, 1952, teve importancia por duas razoes basicas: porque trazia. a opiniao direta do sujeito que era interroglldo nas ruas; e, porque atestava. pela sua curtlssima dura-cao, 0 caniter da Revista, restritivo a participaciio popu-lar.

    o que pudemos extrair desta coluna foi uma certa avalialtiio dos setores sociais Iigados ao consumo radio-fOnico, as classes medias baixas, e classe operaria para as quais 0 radio se constitula.em um meio decomunica-cao fundamental. 0 que se extrai de maior importancia de algumas entrevistas e que 0 Radio era basicamente encarado enquanto elemento de lazer para todas as ca-madas. Nao se fala em seu carater informative ou mes-mo educativo.

    Um ascensorista ao ser indagado de suas preferen-cias (ao que parece a unica questao que era colocada pela Revista) aponta os 'alegres' 'Cesar de Alencar' e 152

    'Balanca mas nao cai' da Radio Nacional enquanto que um vendedor ambulante (22.4.52) declara que '0 radio e a diversao dos quenao tem fortuna'. Assim, pode-se perceber 0 carater de preenchimento do espaco de lazer ocupado pelo radio, de ~orma hegemonica, isto e, como uma das unicas e mais fortes alternativas a preencher 0 vazio cultural destes setores urbanos despriviJegiados economica e socialmente.

    Outras entrevistas, como a de um cafeteiro ambu-lante e de uma 'baiana doceira' (sic) revelam uma fun-cao mais particular, a de manutencao de lacos sociais originais, desatados quando do deslocamento para os setores urbanos. Assim, a audicao de 'Alm'as do Sertlo', de Renato Mutce, da Radio Nacional (preferencia do primeiro entrevistado) e do programa de Luis Gonzaga, da Mayrink (resposta do segundo) atestam 0 papel 'res-socializador' do pr6prio radio. 0 programa de Murcc, dedicado a poesia e musicas sertanejas e 0 de Gonzaga as milsicas e valores nordestinos iriam produzir um publico que, excluldo da participaltiio mais ampla do novo meio urbano e rompidas definitivamente as Iiga-coes com as regioes de origem, se utiIizava do radio co-mo um veiculo cultural, destinado a tornar mais equi-Iibrada sua integra!(io nas novas relac5es sociais.

    o operario que responde que 'gostaria de freqnen-tar audit6rios, mas e um simples operario, que ganha pouco e as entradas custam caro' atesta que para certos setores a possibiIidade de contato direto com as meca-nismos de difusiio, de manifestacao e de expanslp estava vedada.'

    5 De inlcio, gratuito, 0 ingresso do programa de audit6rio passou a sor pago (5 mil reis ou 5 cruzeiros atuais, segundo Cesar de Alencar, que declarou ser barato na epoca) e mais tarde usou-se deste artificio, au-mento de pr~ do ingresso, para uma sel"'ido social dos freqUentadores de audit6rio.

    153

  • r ... Ele representa urn ouvinte compuls6rio, na impos-

    slblhdade de tornar-se urn espectador voluntario,.o que no mais atesta a visao do 'radio, diversao dos que nao tern fortuna', alternativa exclusiva para 0 lazer das clas-ses desfavorecidas. Realmente, a curta duralfao da colu-na nos impede de realizar urn diagn6stico maior das ex-pectativas de urn publico determinado em relalfao a ra-diodifusao. 0 que se pode constatar e a necessidade que esta faixa possuia de oncontrar uma oPlfao cultural de preenchimento de seu espalfo entre trabalho, de lazer,e que na maio ria das vezes requeria urn lugar de evasao de suas angustias cotidianasum lugar que pudesse of ere-cer-lhes urn mlnimo de compensalfao psicossocial. uma integralfao i1us6ria na sociedade consumidora.

    A& colunas 'Galeria das Fan ... aticas' e 'Opiniao dos Fas' ja denotam uma perspectiva bern mals 'consentida' e integrativa. Nao ha escapat6ria, quem esctevia ja se considerava uma parte dos mecanismos da cultura de massa, se localizando como urn elemento participativo das decisoes que norteavam a produlfao radiofonica mu-sical, compensando desta forma os seus sentimentos de inferioridade social e, portanto, de exclusao s6cio-economica.

    A coll!na nao dei~a~~ de s~r, no entanto, urn espalfo de expressao desta oplmao fruldora, e para 0 pesquisa-dor uma fonte de avalialfao das expectativas que circun-davam 0 mundo das fan ... aticas'. . . No numero relativo a 13.2.54 (Galeria das Fan ... a-

    t1cas), uma ra de Piedade (suburbio) de 16 an os escreve:

    154

    ... S.ou fit da inimitavel. Angela Ma~ia. Urn dia. Angela Mafia sem conh~r-m~ deu-me urn abra~o e urn beijo; nos tornamos amlgas. lDseparaveis.' 'JIi imaginaram que maravilha se 0 Jorge Goulart fosse casado com a minha Angela?'

    'Quando encontrar urn am or, deixo tudo por cleo Mais por enquanto continuo ajudando Angela.'

    Percebe-se nitidamente urn processo substitutivo do mundo real da ra suburbana pelo ideal, pelo 'Olim-po' dos mitos. 0 mlnimo contado com este universo mi-tol6gico l~e per,mite uma compensalfao temporaria, po-rem, suficlente para Ihe fornecer urn equillbrio i1us6rio, que Ihe permitia realizar os seus ideais romanticos 0 mito da felicidade conjugal. entre outros. na pessoa dOs seus idolos. 0 individuo se apossa das imagens como suas (!ntimas, diretas) e assim anula seus projetos, (tem-porana.mente), em funlfao da realizalfao dos projetos de seus mltos. .

    Uma fa de Nelson Gonlfalves (27.2.54 Galeria das Fan ... aticas) escreve:

    'Lurdinha, me desculpe. Sou fii somente como cantor. As ~an~oes que mais aprecio: 'Camisola do Dia', 'Louquinha para Casar'.'

    A fa justifica seu amor, pede 'desculpas' a esposa, nao pretende criar atritos que rompam com 0 equiIfhrio conjugal; e evidente a i1usao de sua participalfao no mundo real do Idolo, da importancia de sua presenlfa (nele). Como no primeiro caso, 0 unive'rso ideol6gico nao ultrapassa a visao do mundo romantico, da realiza-lfaO amorosa pelo casamento. As duas musicas predile-tas atestam as bases valorativas nas quais se assentava a eficacia das imagens. Urn outro sintoma da anulalfao do individuo enquanto ser voltado para seus problemas reais podemos encontrar nas respostas das ras !tos mo-delos femininos .

    No numero de 2/1/54 - (Galeria das Fan ... aticas), Regina. de Rio Comprido, conta que foi se despedir no Galeao quando Marlene foi a Paris:

    155

  • r 'Foi triste, tive a impressao. de que nao veria Marlene de volta. E scm cia cu nao podcria vivcr.'

    o que significa que sem a imagem d~ Marlene, iSlO e. sem a compensa~ao cotidiana, sem a proje~ao d~ suas e"pectativas de realiza~ao social, urn tipo determmado de grupo feminino para quem. as alternativas c()n~~etas eram poucas, se veria desprovldo de urn fator eqUlhbra-dor. A quase declara~ao amorosa se completa:

    'Se fosse morrer atropelada, preferia ser debaixo do carro de Marlene.'

    As mesmas esperan~as da realiza~ao do mito da fe-licidade atraves de seus ldolos se repetem (30.1.54 - Oa-leria das Fan ... aticas) - uma fa ardoroslssima de Bill Farr, de 16 an os, morauora no suburbia de Deodoro:

    'Apesar de gastar dele gostaria que fizesse as pazes com Mary Goncalves e se casassein.'

    A proj~ao nltida se mistura com uma sensa~ao real:

    'Quando 0 vejo, dll uma vergonha c urn medo incrlveis. Nao que elc seja urn tarado,. mas a emocao de ve-Io me deixa tao transtornada que fujo.'

    De certa forma, urn outro campo era preenchido, aquele do apelo sexual projetado pelas imagens idolatra-das, embora nao seja esta fun~ao aquela cumprida fun-damentalmente pelos meios de comunica~ao de massa naquele perlodo.

    Uma frase encontrada na mesnia coluna (13.3.54) atesta bern os pares que compunham 0 universo simb6li-co de uma camada suburb ana. Urn fa de Dalva de Oli-veira declara, ao expressai sua admira~ao peJa cantora:

    156

    'il preciso ter muita classe para passar por tudo que ela passou e ainda continuar brilhando.'

    ,

    J ! 1

    (referindo-se as separa~oes do marido e filhos etc.), 0 que ja atesta urna certa abertura moral da consumidora de Dalva, que, como ja analisamos, projetava uma ima-gem mais liberalizadora. Uma informa~ao da revista: a fa foi tumbeira de 'Los Aztecas'; trata-se de urn publico marginal e, portanto, mais liberal.

    'La em casa nao podemos dispensar 3 coisas: Dalva, Gc-tulio e Flamengo.'

    A difusa perspectiva ideol6gica destas camadas consumiJoras permitia que estas integrassem dentro de uma mesma dim en sao uma' variabilidade de expectati-vas e projetos. A identifica~ao, num mesmo espa~o. do fato polltico. futebollstico e radiof6nico poderiam ser sintomas da complementariedade destas fun~oes.

    A coluna 'Opiniao dos Fas' define uma forma de participa~ao diferenciavel da 'Oaleria das Fan ... aticas'. Apesar das duasexpressarem as rivalidades existentes na divisao do Olimpo das estrelas, isto e. nelas as prefe-rencias se manifestavam, criticando as oposi~oes - Mar-lene x Emilinha - preocupa~ao constante), a 'Opiniao dos Fas' trazia uma proposta inais crltica,.guardados os limites. evidentemente.

    A col una possibilitava. por exemplo, crlticas do publico em rela~ao ao tratamento dado nos audit6rios. No dia 4.3.52 urn leitor dec1arou:

    'Manoel Barcelos deveria ter mais consideracao com 0 publico que freqfienta 0 audit6rio. N6s pagamos Cr$ 5,00 de ingresso e ainda temos que subir pelo elevador de car-ga. Somos rebaixadose 0 ajudamos pagando 0 ingresso. Ele sera prejudicado.'

    Outro (30.1.54) apontava irregularidades e dispari-dades dos resultadosapresentados pela 'Parada de Su-cesso'; pesquIsas desonestas.

    , 157

  • De qualquer forma, Iimitadas ou nao, as crlticas desta coluna se constitulam num espa~o posslvel (evi-dentemente censurado e Iimitado pela pr6pria revista). Apareciam crfticas ao programa 'Cesar de Alencar' (17.2.53) sobre a improvisaltao de alguns quadros, a mo-notonia do programa e ate posi~oes (24.2.53) a respeito do baixo nlvel das programa~oes radiofOnicas,

    Nao faltavam, evidentemente, posturas mais con-servadoras que os pr6prios meios de comunicaltao: crfti-cas de uma professota mineira (17.3.53) as:

    'ccnas deprimentcs das novelas e dos espetaculos teatrais, tais como adulterios, lutas entre 'desajustados','

    Outros (8.4.52) fazem amealtas a Matlene:

    'Marlene faz mal em tirar fotografias de maillot: .... trate de mudar de vida, senao ...

    A existencia, portanto, deste espalto destinado a opiniao publica permite uma manifestaltao que, mais in-centivada (a coluna durou de 52 ao inlcio de 54, nao apareceado com muita freqUencia) poderia ter se con-vertido num espa!;o critico, onde 0 pr6prio rAdio se ve-. ria colocado numa posi~ao de reu em julgamento, 0 que poderia ter contribuldo para sua pr6pria reformulaltao. No entanto, a produltao radiofOnica provavelmente nao tinha condi!tOes de comportar uma posiltAo aherta de contestaltao (por parte de seu publico) que pudesse des-vendar os artitlcios de seus mecanismos internos.

    OS CONCURSOS RADIOFONICOS A FRAU DE E 0 ENQODO

    o concurso 'Rainha do RAdio', como jA vimos em capitulo anterior, promovido pela Revista do RAdioe 158

    inicialmente decidido atravCs do voto popular, tomou-se, a partir de 1949, urn pleito forjado, comprado pelas grandes firmas patrocinadorasj fato desconhecido do grande publico.

    Desta forma, uma massa i1udida com seus poderes de decisao e de escolhil sobre aqueles que julgavam ser a Rainha ou Rei do rAdio, comprava votos, propagandea-va-os na medida em que the estava aberto urn canal de participa~ao e urn poder de interferencia nos mecanis-mos da comunicaltiio de massa Iigados ao radio. Este con-curso sintetizava, a nosso ver, uma vertente da radiodi-fusao francamente mistificadora e propagadora de fal-sas expectativas.

    f: significativo notar-se que a rivalidade Marlene x Emilinha, depois alimentada pela RAdio Nacional eRe-vista do RAdio, surgiu espontaneamenie, quando as 'e-leitoras' de Emilinha depois de uma 'campanha exausti-va' viram sua candidata perder para urna obscura candi-data, Marlene. A percep~ao do ENGODO desencadeia uma realtao violenta. Essa, no entanto, nao se amplia nem se 10caIiza em rela~ao aos mecanismos que provo-caram a perda da participa~ao espontAnea..t nao se criti-cava a farsa, mas a candidata vencedora . .t; assim que a pr6pria RAdio Nacional, atravCs de sua eficiente porta-voz. a Revista do RAdio, consegue abafar urn possivel desnudamento de seus artitlcios promocionais, canali-zando as manifesta!tl>es em dir~o a uma rivalidade que permanece durante anos como ponto de divisao do gos-to e preferencia populares. ,

    Abafado, portanto, 0 conhecimento do mecanismo 'fraudulento' deste 'microssistema eleitoral', desnudava-se 0 carAter redutor e i1us6rio a que 0 publico se via sub-metido. 0 leitor ouvinte era Iiteralmente enganado na sua ingenua pretensao a participaltao em termos de de-cisao. Suas reais preferencias nao chegavam a ser ~e-

    159

  • monstradas, a 'via eleitoral' esbarrava nos interesses co-merciais da Radio e da Revista.

    Nao querendQ superestimar 0 papel de urn concur-so para elei

  • I I

    I

    I ,

    I

    i' , ,

    Entendemos que estas formas elementares e frufdas de articulacao de 'preferencia comuns' atestavam antes de mais nada, a capacidade de certos setores da popula-cao de demonstrar seus padrOes de escolha atraves de propostas de organizacao.

    Com is so gostarlamos de propor a analise destas form as de agJutinacao de. ideanos comuns enquanto sin-tomas de uma possibilidade de articulacao do conjunto dos val ores diluldos que marcavam as necessidades sim: bolicas daqueles grupos.

    o ta-clube, enquanto vinculo estabelecido entre in-divlduos, contem, como todas as manifestacoes de res-posta aos estlm ulos propostos pela producao da cultura de massa, uma dupla dimensao: aquela que the possi bili-ta uma expressao autentica de ansiedades psicossociais e simbolicas.

    Os eieitos desta dupla localizacao poderiam, gros-so modo, ser qualificados como desmobilizadores em ultima instancia, se pensarmos a mobilizaCao como uma capacidade de aglutinacao de forcas em torno de interesses exclusivamente de classe, politicos por exce-lencia. No entanto, e a especificidade destas formas di-fusas de organizacao que pretenderlamos captar atraves do enfoque de sua dupla dimensao.

    A primeira, que pertenceria ao espaco das praticas 'controladas', e, portanto, manipuladas, poderia ser pensada nas duas formas sob as quais se expr~ssa: aque-la imediatamente explicita e aquela que subJaz a estas form as de participacao, ou seja, a implicita.

    A manipulacao e impifcita quando se mascara, nao sendo imediatamente percebida pelos agentes que a so-frem (e, por vezes, pelos ql/e a realizam). Trata-se, gros-so modo, da propria razao de existencia destas micro-organizacoes, em torno de um valor mitologico, cons-truldo e forjado, em primeira instancia, por organism os 161

    externos ao grupo fruidor. Como ja vimos, 0 mito vai reiterar modelos de ser e pensar, nao imediatamente or-ganicos aos set ores que 0 consomem.

    Esta dimensao mascaradora e que em ultima ins-tancia lancarja as bases de um imobilismo politico, de-sencadeia uma aglutinacao natural, que amda que se realize sob bases, a primeira vista, frageis, desvenda uma capacidade intrinseca, de mobil!zacao social. Esta fO,rma de conjugaciio de forcas se re~hzara e.m ~orn? de pnnci-pios comuns, muitas vezes rlgldos e hlerarqUlcos. Com? exemplo poderiamos enfocar 0 fa-clube central de Em!-linha Borba, no Rio de Janeiro. Fundado em 1952, Sl-tuado a Av. Franklin Roosevelt ou Av. Pres. Roose-velt 137 - 119, na Esplanada do Castelo, possula uma estr'utura centralizada, dividida em diretoria social, cul-tural e bibliotecaria. 0 fa-clune estabelecia normas para 0 ingresso das associadas, que deveriam p~~encher urn requisito bas,ico: se.r ,fa incondicion~l ?e ~mlhnha. A 'fidelidade' e pre-requlSlto para a pertmencla do grupo das fruidoras do mito; outra condicao esta relacion~d.a a contribuicao monetaria: a socia pagava CrS 25,00 de JOla e CrS 5,00 mensais para pertencer a organizacao. Ha~ia, as-sim urn criterio de selecao previo que afastava, obvlamen-te, ~rtos setores totalmente desprovidos em termos econe-micos.

    De uma certa forma, 0 fii-clube tenta elevar urn se-tor da massa consumidora a uma situacao de elite privi-legiada (dentro do conjunto d~s setores exduldos ou do-minados). 0 acesso direto ao Idolo, 0 faz destaoar-se da massa fruidora e eJcger-se como sujeito participante das discussoes inerentes aquele produto simbolico. Ao ta-clube cabia urna' serie de tarefas, das quais passava a de-pender parcialmente a eficacia da imagem mitificada. i\ssim, ele se ve como urn agente capaz de controlar de-

    -163

  • i ~

    cisoes a r~~pcito dos mecanismos internos que regiam a reprodu

  • de canais de manifestacao. Enquanto se mantiveram abertos foram capazes de orientar as ansiedades e ex-pectativas das camadas sociais para as quais outras vias de participacao nao se encontravam em disponibilidade aparente.

    Quando nos referimos a setores, queremos identifi-car aque1es que, marginalizados e exciuldos socialmente, ainda guardavam uma especificidade: eram constituldos na sua grande parte por um largo contingente feminino. o sentido mais amplo desta caracterlstica sera alvo de nossa pr6xima discussao.

    o POBLICO FEMININO Embora aparentemente a producao da Radio Na-

    cional, na decada de 50 (e de resto tambem em outras e-pocas), parecesse ser dirigida a um publico disperso em genera e qualificacao socio-economica, torna-se evidente que seus produtos simb6licos possulam 'endereco certo'. Do ponto de vista s6cio-economico', pudemos constatar que as classes medias baixas e as demais categorias si-tuadas na base da piriimide social constitulam 0 publico dominante, 0 que nao signitica, entretanto que nao existissem outros setores minoritarios atendidos. Os pri-meiras, entretanto, eram os que determinavam 0 carater desta producao, impondo um padrao de consumo e de legitimidade simb6licos.

    o que queremos no momenta discutir mais porme-norizadamente e a dominiincia neste grupo hegemonico, de consumidores pertencentes ao setor feminino, can ali-zador de valores especificos e de formas de fruicao pecu-liares. A demanda feminina visaria, a nosso ver, -reorde-nar os ape los simb6licos que, embora teoricamente diri-gidos para UIll publico disperso, encontravam sua razao 166

    de ser nos eleitos provocados sobre este receptor especi-fico.

    A Revista do Radio ocupa um espaco analogo; sua demanda essencial era constitulda por mulheres que ocupavam posic5es subaltern as na estrutura social. Os seus padr5es informativos se norteavam, dessa forma, para este tipo de publico. Tomemos, inicialmente, esta Revista para avistarmos 0 qu.adro de ~alo~es e, portan-to de alendll11ento a expectatlvas que msplrava. Pode-se di~er que uma publicacao como a Revis~a, do Ra?io, que formulava seu conteuJo sobre temas baslcos, tals como lares felizes (casamentos bem rea liz ados), possibilidade de conjuga

  • gama variada de esposas perfeitas, maridos insubstitul-veis, paixoes duradouras, apresenta urn 6timo social positivo, idealizado, vendendo para a mulher excluld~ uma imagem do real de c1asse media, como padriio uni-versal de felicidade.

    Com iSla queriamos atentar para 0 modelo predo-minantemente integrador como a mulher enquanto con-sumidora I! enxergada e a forma como se pretendia in-corpora-Ia aos meios de comunicaciio de massa.

    o audit6rio e 0 fii-c1ube, como vimos, no entanto, abririam urn espaco de participaciio para estes setores. Neles se manifestariam as ansiedades e expectativas da mulher duplamente excluida: quer dos beneffcios que a sociedade de consumo (nos Iimites da epoca) pudesse Ihe oferecer, quer de quaisquer outros canais de expressiio e expansiio de suas necessidades rea is ou mesmo simb61i-cas.

    Desta forma, it cultura de massa do perlodo cumpre urn pape! ate certo ponto ambiguo: conservador porque propunha II mulher excluida urn papel de mera observa-dora das possibilidades de ascensiio e realizaciio indivi-dual das classes medias, atraves da propagaciio de hori-zontes que se localizavam bern alem das possibilidades reais das classes subalternas. Desta forma, reiteravam a passividade e 0 imobilismo social atraves da visiio misti-ficada que vendi am deste mundo idealizado e ao mesmo tern po concreto. Por outro lado, ela of ere cia os canais atraves dos quais podiam expressar-se estes setores, niio a nivel reivindicat6rio, no sentido politico como vimos, mas atraves de uma autonomia relativa de representa-coes simb6licas.

    Por que esta dupla altc:rnativa podia coexistir em relw;ao a estes setores femininos? A situaciio subalterna do ponto de vista social e etico seria capaz, a nosso ver, de gerar uma tal insatisfaciio destes grupos dominados, 168

    que necessariamente deveria desencadear, seja urn pro-cesso meramente compensat6rio, seja de participaciio atraves dos canais que se Ihe of ere cess em. Como tudo parece indicar, as opcoes que se colocaram para o_pr~enchimento do tempo de lazer destas camadas nao lam muito alem destes mecanismos oferecidos pela cultura de massa.

    Tanto 0 Idolo de radio, enquantoum modelo de vi-da, quanto a novela como modelo de mundo, ofereciam a est a plateia feminina urn painel diversificado (e difuso) de projetos, provocando em contra partida efeitos tam-bern diluidos. Atendendo a expectativas variaveis, esta produciio proporcionava para urn publico feminino, uma vivencia imaginana, ora coercitiva e conservadora, ora marcada por uma profundidade psicol6gica e emo-cional.

    A analise dos idolos de radio permitiu-nos perceber que a cultura de. massa pOd~ desempe~har P!lpeis c~~tradit6rios e mUltas vezes aClOnar reacoes PSlcossoclals alem das previstas pelos seus produtores. Paralelamente, a procura de urn espaco de participaCiio, 0 programa de audit6rio, permitia it mulher de suburbia expressar sua condiciiomarginai atraves de uma simbologia autO no-rna e espontanea, rompendo os padroes de comporta-mento sancionados pela sociedade.

    Enquanto 0 homem suburbano se excl~la destas manifestacoes, seja por encontrar outr?s canals de eva-siio e participaciio como 0 futebol, seJa por ~m cons-trangimento que 0 impedia de se expor pubhcamente num local como 0 audit6rio, a mulher ocupava este es-paco integralmente. La, ela manifestava seu l.~d~ e!ll~cional, intuitivo, embotado por urn trabalho dlano 11l~1ltado e muitas vezes estafante (relembramos que a malO-ria ocupava funcoes de empregadas. domesti.cas, ~omerciarias e operarias). Este setor femmmo defima asslm sua

    - 169

  • ,-I

    forma de participacao na vida social, 0 seu modo de in-tegrar;;ao no mundo mistificado do Radio, ocupava as-sim urn papel no conjunto da produr;;ao cultural que lhe permitia uma dose de interferencia, ainda que de peque-no vulto e submetida a con troles externos.

    A mobilizar;;ao em torno do fa-clube, mesmo feita em nome de uma ar;;ao assistencialista e parcialmente manipulada, comprovava uma potencialidade e disposi-r;;ao destes set ores femininos a uma organizar;;ao pr6pria. Ali a mulher inferiorizada cultural e socialmente, encon-traria sua forma de atuar;;ao e uma das poucas oportuni-dades de pertencer a urn grupo organizado em funcao de objetivos comuns.

    A Radio Nacional, a Revista do Radio e os meca-nismos criados ao seu redor foram capazes desta manei-ra de, em dimensoes diversas, criar canais de expressao, manipular;;ao, ou mesmo atendimento de expectativas latentes em determinados setores femininos, de forma a constituJr-se numa das poucas formas de produr;;ao sim-b6lica abertas para 0 consumo dos mesmos.

    A AGRESSAO EXPLtCITA OU IMPLtCITA - OS LIMITES DA PARTICIPACAo

    A agressao poderia ser considerada, a nosso ver, ~umo elemento definidor de certas manifestaciies da cultura de massa. 0 nlvel na qual se da, e 0 modo pelo qual se expressa, marcariam as caracteristicas basicas de algumas dessas manifestar;;oes. A agressividade impllcita e aquela que pode ser detectada no quadro de valores e nos efeitos provocados pel a pratica da cultura de massa nos meios sociais em que peJ;letra. A mistificacao no seu sentido mais amplo pode sei encarada enquanto funr;;ao inerente a determinados produtos culturais. Ela se cons-titui num ate agressivo na medida em que 0 fate real se 170

    veria encoberto por uma nuvem imaginaria deforman-do, para 0 grupo social ao qual se dirige, aspectos da rea Ii dade, apresentando-os idealizados.

    A compensar;;ao simb6lica como efeito do ate misti-ficador, realizaria sua funr;;ilo alienante, ao desviar 0 su-jeito consumidor das reais contradir;;iies de sua pratica concreta, apresentando solur;;iies para ele posslveis no imaginario, mas irrealizaveis no plano do real. Apresen-ta assim para urn setor, em nosso caso, para a c1asse me-dia baixa e operaria, camadas socialmente exc1uidas, ai-ternativas, desligadas de seus interesses de c1asse, per-ten centes ao universe de valores de urn outro setor, a classe media. Oferece para uma camada da sociedade ideais de mobilidade social, economica, incompatlveis com a situar;;ilo de exc1usao que tipifica estes setores si-wados na base inferior da escala social. Existe, portanto, urn senti do de agressilo quando a producilo cultural cumpre seu papel de apropriador de parte da conscH!n-cia social das camadas dominantes. Nilo que este papel se exerr;;a de forma monolltica ou totalizadora; ele com-porta, em si, contradir;;oes, como ja tentamos demons-trar. No entanto, e necessario se colocar que como uma das formas de uma classe dominante perpetuar seu dominio, a violencia e a agressilo se fazem sentir em to-dos os niveis: des de aquele que se desenvolve no plano da miseria (para os grupos 'eliminados' dos beneficios que uma sociedade em vias de industrializar;;ilo como a nossa na decada de 50, poderia oferecer) ate aquele que se da no plano do terror e da violencia fisica; seja no pla-no da violencia intelectual e de redur;;ilo da ativil:lade da consciencia. 11

    II GOLDMANN. Lucien - A Criardo Cultural na Sociedade Moderna. Sao Paulo. Difusil.o Europeia do Livro. 1972. p. 29.

    i 71

  • r !

    Goldmann, referindo-se as sociedades industrializa-das (Europa Ocidental, principalmente), afirma que 'longe de ficarem circunscritas ao seu pr6prio domlnio, a redw,;ao do campo de consciencia e a diminui~ao da sua atividade tern, por conseqUencia e por seu turno, re-percussoes sobre 0 conjunto da vida humana, a medida em que impedem os individuos de se interessarem ~elos problemas da organiza~ao economica, social e politlca e os levam a preocupar-se mais e mais, senao mesmo ex-c1usivamente, com os problemas de consumo e sobre-tudo com questoes de estatuto social e prestigio'. "

    Dadas as condi~oes hist6ricas onde se situava nosso objeto de analise, poderiamos adiantar que 0 papel da violencia intelectual ainda deveria ser considerado rela-tivamente inferior aquele exercido nas sociedades mais desenvolvidas, onde a questao das condi~oes precarias de vida de uma larga fllixa da popula~ao ja estariam a primeira vista superadas. No ~aso brasileiro, o~ proble-mas relativos ao bem-estar sOCIal nilo estavam slquer em vias de resolu~ao, exercendo desta forma uma pressao importante sobre as consciencias dos setores dominados. Ao mesmo tempo, 0 sistema de domina~ao politica ba-seado num atendimento parcial das expectativas e numa tentativa de legitima~ao atraves de urn paternalismo as-sistencialista, evitava que as form as de agressao simb61i-ca se efetivassem de forma drastica ou radical. 0 risco da perda de legitimidade impoe, portanto, Iimites a ca-pacidade de agressao dos mecanismso de comunica~ao vigentes, 0 que os distanciaria de Tormas atuais de vio-lencia na cultura de m-assa.

    A violencia 'explitica encontrou tam bern urn campo de atuacao na radiofonia da,decada de 50. Ela desenca-

    12 GOLDMANN, Lucien. op. cit" p, 30,

    172

    r !

    dean a situa~oes de controle da participa~ao publica e de Iimita~oes de suas manifesta~oes espontaneas, a segunda diretamente decorrente da primeira.

    o controle da participa~ao pode ser detectado atra-yeS das form as de condu~ao da programacao de audit6-rio pelos denominados 'animadores'.

    A manipulacao direta constituia-se inicialmente numa maneira de conduzir a opiniao e a forma de parti-cipa~ao publica. 0 programa de audit6rio e 0 espa~o onde este pmcesso encontrava possibilidades de se de-senvolver, sendo contradit6ria e concomitantemente 0 lugar de manifesta~ao espontanea deste mesmo receptor _entregue a manipula~ao e controle. Mas, nesta con com i-tancia, nesta permeabilidade destes mecanismos a uma participa~ao do publico, e que vai residir a eficAcia e a permanencia deste genero de produ~ao cultural. Porque atende, como ja vim os anteriormente, necessidades de evasao psicossocial de setores cuja marginalidade s6cio-economica e cultural os impede de buscar outras alter-nativas de desempenho social.

    o audit6rio servia, portanto, inicialmente, como elemento motivador da audiencia radiofOnica, como mobilizador das expectativas dos radiouvintes. Ele era dirigido para uma participacao ativi, a estrutura da programacao tendia a conduzir 0 publico a urn entusias-mo crescente. Dec1ara Cesar de Alencar:

    'Ora, se eu rnesrno escalava 0 prograrna, se eu tinha a pre-tensao de dizer que ele ia nurn crescendo, evidenternente que 0 publico tam born ia nurn crescendo, voce ia apelan-do para 0 publico e 0 publico vinha.' II

    Assim, 0 audit6rio era diretamente incitado a parti-cipacao, dele dependia a eficacia da programacao. Cesar

    13_ Entrevista, 9JJtubroj 1976 - Radio Federal de Niter6i.

    -173

  • .-

    de Alencar declara que a Radio Nacional possuia urn placar luminoso dizendo: Silencio/ Aplausos.

    ( ... ) 'mas eu nilo usava isto, eu me rebe!ava contra 'isso, achava que era urn neg6cio for~ado, queria ver como 0 publico reagia e deixava 0 publico muito II vontade.' ..

    No entanto, este 'muito it vontade' possuia seus Ii-mites bern definidos. Ele absolutamente nao podia im-pedir que a programac;ao seguisse seu curso normal, nao deveria se transformar num ponto de ruptura ou mesmo de digressao.

    'Tinha uma hora que ficava assim, muito vio!ento e eu era obrigado a parar 0 programa, nilo havia interferencia de terceiros, nem de autoridades, a Radio N aciona! tinha a sua fiscaliza~ilo normal... Eu brincava, quando eu via que nile dava pc eu dizia: Opa, parem 0 programa. Voces que-rem parar ou querem que a gente continue 0 program a? Voces vilo ficar em silcncio?' "

    Assim, a 'brincadeira' do animador consistia numa ameac;a velada, numa agressao indireta que se comple-mentava, em bora Cesar 0 negue, pela repressao direta realizada por 'elementos da seguranc;a do radio'.

    Em entrevista a n6s concedida, Manoel Barcelos 16 denunciou a presenc;a de policiais it paisana que retira-yam as fas mais afoitas. Havia, portanto, formas impli-citas e explicitas do exercicio do controle sobre as rea-c;oes espontaneas de agrado ou desagrado do publico consumidor. A espontaneidade encontra, assim, as bar-reiras que Ihe indicam.os limites alem dos quais suas ma-nifestac;oes tornavam-se intoleraveis para 0 sistema.

    14. Entrev"la. out/76 - Radio Federal' de Niter6i. 0 letreiro apareee a partir de 195M. por ordem de Floriano Fai"a!.

    15. EntreVlSl outubro/76. 16. htre'ISta. outubro/76.

    174

    A situac;ao repressiva se concretiza em 1958, quan-do Floriano Faissal impede definitivamente 0 contato direto entre 0 publico e os artistas, instituindo 0 usa do vidro que separava os do is mundos. Essa decisao foi apoiada por imimeras alas entre as quais a Revista do Radio, numa visao claramente elitista (que no mais tam-bern era a da Radio N acional) e depreciativa de seu pr6-prio mercado consumidor, que afinal1he garantia a exis-tencia.

    A denominac;ao 'macacas de audit6rio' se bern que rejeitada (hipocritamente, a nosso ver) por alguns ele-mentos pertencentes ao meio radiomnico, denotava cla-ramente a visao que os pr6prios meios elaboravam de seu publico. De conotac;ao classista e racista ('macacas' porque a maioria dos componentes do publico era de cor negra) 0 termo dado por Nestor de Holanda e en-campado pe\os meios de comunicac;ao de massa, visava j ustificar medidas repressivas a partir de uma definic;ao pejorativa e desniveladora. A partir da imunidade que Ihes concedia esta classificac;ao, a Revista do Radio e se-tores da Radio Nacional desencadearam uma propagan-da antiparticipac;ao espontanea e pr6-repressao.

    Renato Murce (em entrevista a n6s concedida em outubro de 1976) assim. definia 0 publico:

    'Era urn publico muito heterogeneo. Havia muita gente boa, evidentemente, mas uma minoria .. .'

    E e evidentemente a 'maioria' que vai desencadear urn processo de contensao por parte da direc;ao da Ra-dio (Floriano Faissal) para que os canones do born com-portamento social e, portanto, da participac;ao limitada fossem assegurados.

    Ja em 1953 se iniciavam as primeiras manifestac;oes contrarias a participac;ao efusiva das plateias nos audi-

    -175

  • tori os. " Para 0 autor da coluna, Anselmo Domingues, a solucao estaria nas maos dos proprios animadores. E comenta que Cesar de Alencar teria dito num clube de Copacabana:

    'Hoje, felizmente estamos livres daquela plateia tenebrosa do audit6rio da NaeionaL.'

    Dia 19 de dezembro do mesmo ano, 0 colunista fa-lava sobre a intervencao da policia num program a onde fas de Emilinha e de Marlene entraram em luta corpo-ral. N a semana seguinte (26 de dezembro) comentava-se que a ordem tinha sido parcialmente restabelecida. Es-tas manifestacoes de repudio a participacao coletiva vao se espacando, ate transformarem-se numa especie d(l propaganda organizada.

    Em seu numero de 23 de novembro de 1957, a Re-vista do Radio retomava atraves da ultima pagina, ain-da escrita por Anselmo Domingues, essa campanha pr6-controle das participacoes do audit6rio:

    'Os gritos nao resolvem ... Esta prevaleeendo a mania de medir 0 agrado do artista pel os gritos que ele reeebe.'

    o 'editorialista' fala do esforco de Paulo Gracindo para controlar os excessos dos espectadores quando Caubi entra em cena:

    '0 C aubi tern beirado 0 preeipfeio do ridfeulo.'

    Assim, ele deixa claro que as proprias formas de motivacao do publico provocavam as reacoes ruidosas que, no entanto, acabavam 'atrapalhando' 0 andamento normal da programacao.

    Em principios de 1958 desencadeava-se uma cam-panha mais organizada em'funcao da 'moralizacao' do

    17 9 de Junho de 1953, Revisla do Radio, h' 196.

    176

    programa de audit6rio. 0 editorial da Revista d,? Ra~io de 31 de maio, 'Macacas nao' atesta bern os prmclplos desta posicao. Comentava a majoracao dos .i~g~essos n.a Radio Nacional para os program as de audltono, POSSI-bilitando assim, 'manter 0 nivel das freqUentadoras'. Pergunta~a-se se :com ~ continua~~o. d~ majoracao s6 a classe rica podera frequentar aud!~onos,. acresce?tando-se entretanto: 'infelizmente a platela seleclOnada e a pro-videncia possivel' ... 'forcando 0 preco a Nacional forca a freqiiencia. Pareee ruim mas e necessario'.

    Desta forma, quando os setores subaltemos da po-pulacao abrem seu espaco de participaca,?, criand~ simbolos e valores proprios, atraves dos quais se mam-festam {a vaia, 0 grito, 0 contato direto e forcado com 0 Idolo manifestado pela tentativa de puxar-lhe ~s cabelos ou rasgar suas roupas), quando sua espontaneldade pa-rece representar urn perigo, escapar. ao controle d?s meios de produo;iio simb6lica, sao aClonados mecams-mos punitivos e excludentes.

    Assim, a ideia generalizada de que ~ma mass~ .anar-quica e desorganizada possa tomar-se vlOlenta val mfor-mar os agentes produtores da cultura, como .de ~esto ~s proprias visoes mais eruditizadas da producao slmb6h-ca. Assim, a ideia da selecao nivelada da camada consu-midora comeca a tomar corpo para aqueles que, na pro-cura de uma efetividade no con sumo de seus produtos, veem seus consumidores assumirem papeis que nao lhes estavam nem nunca estiveram reservados: os de agentes culturais. Quando entao os consumidort:s deixam de exer-cer urn papel meramente passiv~, de objeto pata 0 qual se dirige a'mensagem, digerida sem provocar. uma con-trapartida criativa, quando 0 receptor tenta Imp,?~ sua forma de consumo, as suas condicoes para legltlmar uma determinada pratica simb6lica, a partir dal sao de-cretados os limites de sua participacao.

    - 177

  • 1

    A classe media conservadora, detentora dos pressu-post?S ide?16gicos que conduziam a radiodifusao, pre-tendla, aSSlm, anular os posslveis desvios aos padroes es-tabelecidos e legitimados de postura cetico-moral. 'Bri-gar e berrar', em publico, eram atitudes que depunham contra uma imagem de radio que deveria interessar ao co.nj~nto d~s classes sociais. Isto criava para a pr6pria Radio NaclOnal urn problema contradit6rio: agradar as mass~s e controhi-Ias concomitantemente, sem perder a capacldade de penetra~ao e legitimidade. Varias sao as formas encontradas pela imprensa para refor~ar as solu-~oes impostas pela emissora: a Revista do Radio lan~a mao de recurs os pouco sutis, publicando a 8 de fevereiro de 1958 uma materia 'Os Dez Mandamentos para as Fas' e~clarecendo muito bern sua posi~ao em rela~ao a necessldade de controle das' massas. 1

    Sao estas as norm as 'sugeridas':

    I: Elevar 0 nome do astro preferido ... 2. Apla'udir, sim, vaiar nunca. 3. Sempre que 0 artista estiver cantando, silencio!

    Nada de gritos histericos. 4. Cuidado com as faixas, nao enfaixe demais 0 seu

    idolo. E mais cautela com os dizeres das faixas _ Olhar a reda~ao, a ortografia, 0 portugues.

    5. Espere 0 seu ldolo na porta do radio mas ... deixe que ele saia livremente e apenas bata palmas.

    6. Nada de rasgar a roupa dos ldolos. As roupas cus-tam caro.

    7. Se voce gosta do artist a que esta cantando ... silen-cio!

    8. Quando voce passar por,um cantor ou cantora que nao e de seu agrado, fique caladinha.

    9. Pode entrar para os f'iis-clubes de seus ldolos, mas lembre-se ... olhe os seus afazeres de casa.

    178

    10. E finalmente respeite as fas que sao fas dos outros.

    o autoritarismo revestido de 'falso paternalismo', que se revel aria nesta serie de normas de comportamen-to, representava bern 0 esplrito e ideologia manipulat6-ria e repressiva. Ha uma clara demonstra~ao de qual deve ser 0 espa~o ocupado pelos fruidores da fun~ao cultural, limitado, colaborador, referendador nunca contestat6rio ou critico (a vaia, que representaria evi-dentemente uma manifesta~ao de desagrado era reitera-damente condenada). Ate mesmo as expressoes consen-tidas de aprova~ao deveriam guardar seus limites: 'Nada de gritoshistericos'.

    Abaixo a ignorancia, viva a colabora~ao, eram le-mas atraves dos quai8 a Revista do Radio desnuda'va sua visao a respeito do papel cultural de seu publico, apontando-Ihe 0 seu verdadeiro lugar: 0 de massa mani-pulada. Segundo a revista, os seguintes artistas haviam 'aprovado' os 10 mandamentos: Emilinha, Caubi, Ange-la Maria, Dalva de Oliveira, Francisco Carlos e Ivon Cury, curiosamehte, os mesmos que haviam estimulado aquele genero de manifestacao.

    Se por urn lado, desvendavam-se os 'horizo~tes ideol6gicos' dos canais de comunica~ao como a Revista do Radio (que poderia ser consider ada a porta-voz da dire~ao da Radio N acional), por outro podemos atestar o grau de corrosao e desvio que represent~vam es~as ma-nifesta~oes de audit6rio (e de rua). Elas mterfenam na programa~ao, impediam que corresse normalmente, ul-trapassavam os limites do toleravel mes~o para.a,!u~les cuja sobrevivencia das i!Uagens, dependla da partlclpa-~ao de.ste publico.

    . Por parte das praticas culturais percebe-se clara-mente uma inten~ao de arregimentar estes setores so-mente namedida em que se.portassem como mere cola-

    j79

  • r boradores e pudessem ser assim utilizados. Quando esta funl;iio niio e mais cumprida satisfatoriamente, eles dei-xam de ser incorporados aos mecanismos de participa-Ciio simb6lica. Desvendavam-se al os limites das mani-festacoes.

    As oposil;oes a programal;oes de audit6rio assu-mem no entanto uma diversidade de facetas frente aque-Ie determinado genero de produl;iio cultural. Estas pos-turas niio fazem mais do que revelar, de uma forma ou outra, uma tentativa de combate por parte da chamada critica especializada as form as da produl;iio cultural consideradas espurias em nome de uma pretensa legiti-midade simb6lica. Esta crltica se fazia sob duas formas basicas, seja em oposil;ao a pr6pria espontaneidade da participacao popular, seja As praticas que a provoca-yam; discutia-se quer 0 'baixo nlvel da produl;ao' quer 0 'baixo nivel do consumo'. Enq uanto a primeira partia, como ja vim os! de uma posicao excludente; a segunda tentava denunclar 0 grau de manipulacao existente nesta producao. Nao encontramos, no entanto, uma crltica anti-repressiva contra as atitudes policialescas dos pro-dutores que impediam as Iivres manifestacoes.

    o jornal 0 DlA de 9 de janeiro de 1954 publica uma reportagem sobre Marlene e Emilinha, constituin-do-se numa das unicas defesas encontradas em relacao a espontaneidade dos ms. Assim se manifestava:

    'Na maioria gente humilde. que vern do subUrbio, de bairro modesto e ate mesmo de favela para 0 reboli~o dos audltorios ... E gente que sabe amar com paixiio e se habi-luou a ad\Tlira~ilo incondicional. num descontrole da. emo~oes bern brasileiras.'

    Esse artigo, que pretendia contestar 0 grau de ma-nipulal;ao a que eram submetidos os freqUentadores de auditorio. acaba assumindo uma daspoucas defesas na 180

    epoca, da livre manifestacao dos sentimentos dos ms. Outro, com uma posiCao absolutamente dubia, acaba por justificar a repressiio ao audit6rio (atestando que ela realmente acontecia). 18 A reportagem 'Emilinha prova seu cartaz' tenta narrar os acontecimentos que marca-ram um aniversario da cantora

    'Nilo se pode cercear a expressilo dos fils.'

    ressalvando, no entanto, que niio critica a atitude dos di-retores da N acional rep rim indo 0 abuso do publico na consagracao de seus Idolos.

    'Elas gritavam alem da conta ... embora testemunho in-substitufvel da vontade popular.' 'Nilo nos cabe 0 direito de achar que a medida e arbitrA-ria. porque outros nilo acham. Sempre fomos a favor da livre expansao dos fas dos audit6rios. pois faze-las calar e comportar-se ... provoca recuo dos admiradores.'

    A posiCiio dubia e incoerente atesta 0 poder que a Radio Nacional dispunha sobre a crltica dita especiali-zada, que chegava, no entanto, a expressar a. seu temor pela perda da hegemonia da radio.

    Estas posicoes difundidas nos meios jornalisticos, que reconheciam 0 papel da participaciio do espectador nos mecanismos da radiodifusao, niio se propunham, no entanto, a defende-Ias. A unica oposiCao permanente, que nao chegava, no entanto, a perceber a dimensao e importancia do program a de audit6rio enquanto forma de manifestacao, era feita por Edgar de Alencar, 0 Dig, no jornal 0 DIA. A crltica era feita a propria produ\tao dos program as de audit6rio, radionovelas, humorismos e as real;oes do publico. De certa forma, esta oposiCao se norteava por uma tentativa de fazer ver a necessidade de

    18 27.9.53, de Juan Lope Revista Cena Mud .

  • T I

    I se prop agar valores cultos e de se elevar 0 nlvel geral dos ouvintes.

    Dia 6 de janeiro de 1954. Dig comentava em sua co-luna que '0 radio melhoraria se diminulssem programas de audit6rio e cessasse a loucura coletiva das plateias ... se 'Julio Louzada parasse de explorar as cren~as alheias' (a respeito do programa 'Hora da Ave Maria') etc."

    Assim. criticava-se as formas desnudadas de explo-rac;iio e manipula~iio. mas incluia-se nelas uma crltica elitista as manifesta~oes das classes baixas que fugiam. evidentemente. aos pad roes eticos referendados pela c1asse media.

    Esta intensa campanha promovida pela imprensa fortaleceu os dirigentes da Radio N acional e. em 1958. como vim os. Floriano Faissal toma atitudes definitivas para interromper 0 ascenso das manifesta~oes das pla-teias. Atraves de uma sel~iio previa '0 ele tenta 'proibir a entrada das macacas de audit6rio. ou pelo menos im-pedir que se manifesta~sem durante a programa~iio. In-troduz 0 letreiro. ja citado. 'Silencio/ Aplauso. com vis-tas a comandar a forma delas se portarem no audit6-rio. "

    o epis6dio Caubi. ja citado. havia provocado a ira definitiva da dire~iio e 0 vidro que separava 0 palco da plateia passaria a fazer parte definitiva da programa~iio. o ruldo. quando existisse, deixaria de incomodar 0 ou-vinte e os produtores da Radio Nacional. Contraditoria-mente, a mesma emissgra que se utilizava da plateia como arma publicitaria, passa a reprimir ostensivamen-te suas rea~oes.

    19 Entrevisla concedida iI aut ora em ~bril/77, no Rio de Janeiro. 20 Ignoramos os meios; as informacoes foramenos assim concedidas, em

    entrevista realizada com Floriano Faissa1, abril de 1977. 21 Idem .

    182

    As divergencias internas entre grupos pertencentes a Radio Nacional comprova que mesmo ao nlvel do projeto cultural que Ihe era subjacente niio estavam_ defi-nidos os limites da participa~iio popular, em rela~ao ao grau de manipula~iio e autonomia.

    Tentaremos propor algumas reflexoes a respeito dos fen6menos anteriormente referidos a luz deinte~preta~oes realizadas por .Sergio Miceli. op .. cit., a partlf do texto de Pierre Bourdleu 'La ReproductIOn (elements pour une theorie du systeme d'enseignement). "

    A 'proibi~iio' as formas de manifesta~iio autoritaria e, conseqilentemente. Ii ~xistencia mesma da pr~gram~~iio de audit6rio revelana uma outra faceta da vlolencla simb6iica: aquela ligada Ii coaliziio detentora da produ-~iio cultural dominante. "

    'A cultura da coalizilo dominante, nas condi~oes propi-ciadas por um Mercado m~terial e simb6lico nilo-unificado nao conta com os mstrumentos adequados II imposl~iI~' generalizada de seu arbitrario cl;lltural c, p~r este motivo nilo encontra os meios necessarlos II c~nsohda~ilo da legitimidade simb6lica da domina~ilo que exer ce.'

    Para 0 autor (Miceli). a industria cult~ral adq~ir.e urn peso simb6lico estrategico. embora restnto aos IUn!-tes em que se move: t.al fa~o e inteirame!1te ~ompen~ado do ponto de vista soclO16g1CO pela expenencla de satlsfa-zer a demand a simb6lica dos menos favorecidos. '4 Ha-veria. porfanto. quase que uma inte~~iio de aiio ped~g6gica por parte desta coaliza~iio. cUJa execu~ao es!ana a cargo das 'mass media' com baixos custos relatlvos.

    22 Paris, Minuit, 1970. 23 MICELI. Sergio. op. cit . p. 184. 24 Ibidem. p. 184.

    183

  • elevado rendimento simb6lico e duravel repercussao. Segundo podemos inferir, se aceitar-mos as proposiltoes acima descritas, existiria uma tentativa de imposi\tiio de urn arbitrario cultural qominante, redefinido pelos ca-nais competentes, desfigurando e encobrindo, no entan-to, esta rela,.iio de violencia simb6lica. No entanto, como ja foi colocado, a pr6pria necessidade de atendi-mento a demandas simb6licas de setores marginalizados passa a impor desvios neste sistema de comunicaltao que, imediatamente, coordena sua altao no sentido ree-quilibrador do conjunto das praticas culturais.

    Estas atitudes corretoras dos desvios parecem ter ocorrido com