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POR UMA EDUCAÇÃO PELA NÃO VIOLÊNCIA* ADRIANE VALÉRIA KISZKA SCHEFFER** MARIA DA GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO TIGRE*** RESUMO Este trabalho se propõe a discutir alguns dos fatores que têm contribuído para o aumento de manifestações violentas no interior das escolas e a provocar uma reflexão acerca de como a educação escolar pode atuar na construção de uma cultura da paz e da não violência. A intenção foi possibilitar mudanças na práxis educativa proporcionando aos alunos melhoria da auto estima e a formação da cidadania e aos professores o reconhecimento das necessidades de mudanças em suas práticas pedagógicas do cotidiano. A pesquisa foi realizada em uma escola estadual do ensino fundamental, na cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná, abrangendo alunos de 5º e 6º séries e professores onde momentos de reflexão foram utilizados para abordar o tema proposto. As ações educativas (debates, produções, dilemas morais, etc.) favoreceram a construção coletiva de normas de conduta e convivência social. As fragilidades da escola foram repensadas e analisadas pelo coletivo proporcionando resultados significativos no âmbito escolar. Refletir e debater a violência e a indisciplina presente na escola, buscando compreender seus significados e sentidos, mostrar de forma positiva o respeito e a tolerância para uma cultura da não violência incorporada no cotidiano escolar como suporte para a construção de regras de convivência entre os alunos, são o foco central do presente trabalho. Palavras-chave: violência; indisciplina; educação para a paz. _____________________________ *Texto elaborado como condição sine qua non para a conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional, turma de 2007, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa **Especialista em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e Professora Pedagoga da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná. ***Mestre em Educação, professora de Didática da Universidade Estadual de Ponta Grossa, professora orientadora do Programa de desenvolvimento Educacional.

POR UMA EDUCAÇÃO PELA NÃO VIOLÊNCIA* ADRIANE VALÉRIA ... · incivilidade, indisciplina e violência, mas não se pode dizer o mesmo em relação ao dia a dia escolar. Neste,

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POR UMA EDUCAÇÃO PELA NÃO VIOLÊNCIA*

ADRIANE VALÉRIA KISZKA SCHEFFER**

MARIA DA GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO TIGRE***

RESUMO

Este trabalho se propõe a discutir alguns dos fatores que têm contribuído para o aumento de manifestações violentas no interior das escolas e a provocar uma reflexão acerca de como a educação escolar pode atuar na construção de uma cultura da paz e da não violência. A intenção foi possibilitar mudanças na práxis educativa proporcionando aos alunos melhoria da auto estima e a formação da cidadania e aos professores o reconhecimento das necessidades de mudanças em suas práticas pedagógicas do cotidiano. A pesquisa foi realizada em uma escola estadual do ensino fundamental, na cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná, abrangendo alunos de 5º e 6º séries e professores onde momentos de reflexão foram utilizados para abordar o tema proposto. As ações educativas (debates, produções, dilemas morais, etc.) favoreceram a construção coletiva de normas de conduta e convivência social. As fragilidades da escola foram repensadas e analisadas pelo coletivo proporcionando resultados significativos no âmbito escolar. Refletir e debater a violência e a indisciplina presente na escola, buscando compreender seus significados e sentidos, mostrar de forma positiva o respeito e a tolerância para uma cultura da não violência incorporada no cotidiano escolar como suporte para a construção de regras de convivência entre os alunos, são o foco central do presente trabalho.

Palavras-chave: violência; indisciplina; educação para a paz.

_____________________________

*Texto elaborado como condição sine qua non para a conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional, turma de 2007, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa **Especialista em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e Professora Pedagoga da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná. ***Mestre em Educação, professora de Didática da Universidade Estadual de Ponta Grossa, professora orientadora do Programa de desenvolvimento Educacional.

ABSTRACT

This paper aims to discuss some of the factors that have contributed to the increase of violent demonstrations inside the schools and lead a discussion about how the school can act in building a culture of peace and nonviolence. The intention was to allow changes in educational practice giving studentes self esteem and improving trainig for teachers of citizenship and the recongnition of the need for changes in their tesching practices of daily life. The study was conducted at a state school of elementary school in the city of Ponta Grossa, in the state of Paraná, covering studentes from 5 and 6 series and moments of reflection where teachers werw used to adress the theme. The educational activities ( discussions, productions, moral dilemmas, etc.), favored the collective creations of Standards of conduct and social coexistence.The weaknesses of the school were reviewed and analyzed by the colletive providing significant results in school. Reflect and discuss the violence and indiscipline in the school, seeking to understand its meaning and direction, in a positive way to show respect and tolerance for a culture of nonviolence incorporated into the school routine as support for the construction of rules of coexistence among studentes, are the central focus of this work.

Keywords: violence,indiscipline, educations for peace.

INTRODUÇÃO

Este artigo constitui-se na reflexão sobre a violência e indisciplina no interior

da escola e é resultado do trabalho de conclusão do PDE- Programa de

Desenvolvimento Educacional.

Uma das maiores fragilidades que as escolas vêm enfrentando, nos dias de

hoje, é a violência em suas diferentes formas de manifestações. A existência de

conflitos coletivos, sociais, familiares resultam em respostas violentas no ambiente

educativo.

O trabalho teórico iniciou através da realização de um grupo de estudo com o

tema violência no decorrer do ano de 2007.

Após diagnosticar o problema enfrentado no cotidiano escolar procedeu-se a

Proposta de Implementação na escola. A proposta foi desenvolvida respeitando a

carga horária estipulada pelo programa sendo de 32 horas de implementação.

A implementação deu-se em uma Escola Estadual do município de Ponta

Grossa, que oferece cursos de ensino fundamental de 5º a 8 séries tendo como

mantenedora o Governo do Estado do Paraná.

Atende crianças desde situação econômica de classe média baixa até classes

bem desfavorecidas, em sua maioria; está situada em bairro comercial porém a

participação da comunidade no ambiente escolar é nula. Os alunos matriculados são

em torno de 800 e as classes são superlotadas (atendendo em média de 35 a 45

alunos por sala de aula). Por ser escola de 5º a 8º séries, os alunos em sua maioria

são adolescentes apresentado condutas típicas da faixa etária, sendo grande o

índice de violência escolar.

A escola pretende resolver os conflitos em situação de diálogo, de defesa dos

valores da solidariedade e democracia, dando oportunidade de opinar, submetendo

suas idéias ao juízo de outrem, ouvindo o parecer e opiniões de seus semelhantes,

e com isso, desenvolvendo nos alunos a competência para discernimento entre o

bem e o mal.

1-Violência e Indisciplina escolar: alguns conceito s

O atual modelo de sociedade se pretende democrática e inclusiva trazendo a

tona um desafio aos profissionais da educação, cuja preocupação primordial é a

construção de uma escola de qualidade, cumprindo as normas legais estabelecidas

com a formação da cidadania e preparo dos estudantes para o mundo do trabalho e

para a vida em sociedade.

A convivência humana pressupõe diálogo, ação cooperativa e participativa de

toda comunidade escolar na resolução dos conflitos cotidianos e na busca de

soluções para os problemas que envolvem violência e indisciplina na escola.

SCHILLING traz algumas definições do termo violência e incita-nos a pensar sobre

como ela se reflete na escola contemporânea: a violência do desemprego, da

corrupção, da fome, das paixões, do preconceito, do racismo, da discriminação,

entre outros.

As diversas manifestações da violência implicam atores (sujeitos) diversos e

acontecem sob formas variadas (violência física, psicológica, emocional, simbólica),

exigindo respostas diferentes mas que se relacionam entre si de maneiras

peculiares, porém, em todos os casos há agressores específicos e há vítimas.

Segundo Yves Michaud (1989, p.13) “(...) há violência quando, numa situações de

interação, um dos vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou

esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas, seja em sua integridade física,

seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações

simbólicas e culturais”.

Nessa definição, o autora introduz a violência social, a violência entre as

pessoas de uma sociedade. Propõe uma definição ampla. A violência é

compreendida além da violência física e é vista como psicológica ou oral, com danos

a pessoa ou a sua extensão: família, vizinhança, bens. Nesse caso, a discriminação,

por exemplo, é uma violência. Atinge a integridade moral de uma pessoa, afeta sua

participação simbólica e cultural na sociedade.

Chauí (1999), contrapõe violência e ética e ressalta que a:

“(...) violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos”.

Essa definição é ampla e moderna: incorpora como violência, indo além da violência

física, a violência psíquica contra alguém. Ações que comportam humilhação,

vergonha, discriminação, são consideradas hoje condutas violentas.

Além da violência interpessoal ou intersubjetiva, incorpora a violência social,

supondo toda a dimensão estrutural da violência, própria da sociedade: podemos,

portanto, falar da violência da fome e da miséria, da exclusão. Propõe que existe

violência quando tratamos sujeitos, seres livres, racionais e sensíveis como coisas.

Segundo Estrela (1994), a escola como um sistema aberto em interação com o

meio, não pode ficar imune às tensões e desequilíbrios da sociedade, por isso a

indisciplina que perturba a vida de muitas escolas é o reflexo dos conflitos e

violência desse meio.

É necessário que o professor compreenda sua verdadeira missão para atingir

um trabalho educativo satisfatório, visto que ele é o personagem principal na tarefa

de educar, o indicador do processo, o incentivador do aluno e o conscientizador da

família. Por isso é necessário que o educador saiba conduzir o processo de

construção da disciplina ideal, envolvendo o aluno, a escola, a família e sociedade

tendo em vista ser um trabalho coletivo.

No plano conceitual, sabe-se que é bem demarcada a linha divisória entre

incivilidade, indisciplina e violência, mas não se pode dizer o mesmo em relação ao

dia a dia escolar. Neste, nunca se sabe ao certo o que separa os atos de incivilidade

dos de indisciplina nem onde estes terminam para começarem os atos violentos.

(Aquino, p.10,2003 )

Vejamos a idéia de La Taille:

Disciplina remete a regras. Com efeito, a pessoa disciplinada segue determinadas regras de conduta. Logo, disciplina corresponde ao que chamamos de moral: o respeito por certas leis consideradas obrigatórias. Portanto, a pessoa indisciplinada transgride as leis que deveria seguir(...).A indisciplina pode, às vezes, vir em decorrência de bons motivos éticos. Se as regras não fazem sentido (e há muitas nas escolas) e se derivam de

valores suspeitos ( como a subserviência cega à autoridade), a indisciplina pode se justificar eticamente,(...). Há indisciplina eticamente válidas, desobediências legítimas, graças às quais, aliás, a sociedade acaba por evoluir. Mas pensemos agora nas formas de indisciplina que ferem as leis morais, estas definidas como garantias de respeito a direitos legítimos. Transgressões deste tipo também podem acontecer nas salas de aula. Por exemplo, o insulto, a agressão física, o tratar o professor como se fosse um objeto, não ouvi-lo, fingindo que não está presente, que não existe ( La Taille, 2001,p. 90-91).

A indisciplina, de acordo com o autor citado, poderia ter dois significados

opostos: um ato imoral, porém ético, ou um ato imoral e, ademais antiético. O que

importa é a motivação que se desobedece, ou seja, a razão subjacente à conduta

transgressiva. Se o ato indisciplinado aspirar outros horizontes (uma vida melhor; em

termos éticos), ele terá sua legitimidade garantida; se ele nada aspirar ou tão

somente recusar princípios validades, perderá sua legitimidade. Em outras palavras:

é na imbricação da conduta levada a cabo (a dimensão moral) com o tipo de vida

que se almeja (a dimensão ética) que encontramos a linha divisória das

“indisciplinas”.

Entende-se por indisciplina os comportamentos disruptivos graves que

supõem uma disfunção da escola. Os comportamentos indisciplinados simplesmente

obedecem a uma tentativa de impor a própria vontade sobre a do restante da

comum idade. Se for um aluno, dizemos que é difícil, indisciplinado, diferente... Se

for um professor, dizemos simplesmente que é autoritário. Também se entende por

indisciplina as atitudes ou comportamentos que vão contra as regras estabelecidas,

as normas do jogo, o código de conduta adotado pela escola para cumprir sua

principal missão:educar e instruir. Então, muitas vezes, o problema consiste em que

não existem tais normas, a escola funciona de acordo com um código não escrito,

conhecido somente por poucos, o qual não é divulgado entre os professores ou

entre os alunos e as famílias que fazem parte dela (Casamayor, p. 22, 2002).

Tomar a indisciplina e outros comportamentos disruptivos como fenômenos

complexos ditados pelo novos tempos pedagógicos significa conceber a relação

professor-aluno como necessariamente conflitiva.

Parece razoável pensar que estamos diante de novos desafios educacionais,

que essa disciplina que aparece como impossível é, na verdade, uma nova

encruzilhada educativa.

Daí o inegável fato de que a educação contemporânea tem priorizado o

domínio disciplinar-atitudinal em detrimento do âmbito propriamente pedagógico-

intelectual.

Foi Foucault (1987) um dos autores que melhor desvendou essa engenharia

normativa das instituições sociais, a partir da hipótese de uma “sociedade

disciplinar” marcada por práticas difusas de vigilância (hierárquica, contínua e

silenciosa) e “punição” (corretiva, diferenciadora e normalizadora).

Vasconcelos (1995), oferece um quadro pitoresco das condutas corriqueiras

dos alunos tidos como indisciplinados. Note-se que se trata de um universo de fato

paralelo das práticas escolares, em que hábitos dissonantes de parte do alunado

ganham o estatuto de figura, e não mais de fundo, do cenário pedagógico na

atualidade.

Conversas paralelas, dispersão; professor entra em sala e é como se não tivesse

entrado; dá lição e a maioria não faz; quando vem professora substituta, é dia de

fazer bagunça; alunos não trazem material; se negam a participar da aula; parece

que nada interessa; saem no corredor na mudança de professor; fazem bagunça

em sala quando não tem ninguém; irmãos entram no meio da aula para pedir

material, lanche, dinheiro; riscam carteiras até estragar ( ex: com estilete); colocam

tachinha na mesa do professor ou dos colegas; ficam comendo durante a aula;

mascam chiclete; ficam de boné durante a aula; não vão de uniforme; pintam

carteiras com líquido corretor; escrevem nas paredes; destroem trabalhos de alunos

de outros períodos fixados nos murais; sentam de qualquer jeito na carteira; roubam

material do colega; passam a perna no colega; entram sem pedir licença; querem ir

toda hora ao banheiro; respondem ironicamente; saem quando toca o sinal e o

professor ainda está explicando; no meio da explicação, se levantam e falam com o

outro(VASCONCELOS,p.13,1995).

2- A violência, um fenômeno interpessoal

De acordo com Fernández (2004, p.29), todos nós somos passíveis de

cometer uma agressão, mas o fenômeno de violência interpessoal no âmbito da

convivência entre escolares transcende o fato isolado e esporádico, convertendo-se

em um problema escolar de grande relevância, porque afeta as estruturas sociais

pelas quais deve ser realizada a atividade educativa. A responsabilidade da

agressividade pode ser compartilhada, já que a confrontação se origina em

necessidade de ambos os contendores; entretanto a violência envolve o abuso do

poder de um indivíduo ou de um grupo sobre outro indivíduo fraco e indefeso. A

violência implica a existência de uma assimetria entre os indivíduos que se vêem

implicados nos eventos agressivos.

Por outro lado, cada sociedade atribui aos comportamentos de seus membros

certos valores e significados que atravessam as próprias atribuições morais com que

os indivíduos julgam os fatos. O conceito de violência também se submete aos

valores e aos costumes sociais, o que não deixa de aumentar a confusão para

localizar-se conceitualmente nesse assunto. O que para nós é perseguição,

intimidação e destruição dos direitos humanos, pode ser considerado como ritual

inofensivo por grupos sociais, nos quais, por princípios religiosos ou culturais,

mulheres e homens, adultos e crianças, ricos e pobres não gozem dos mesmos

direitos. Entretanto, a partir de uma posição psicológica social, é necessário deixar

claro que, além da justificativa cultural ou tradicional existe violência quando um

indivíduo impõe a sua força e seu status contra outro indivíduo, de forma a

prejudicá-lo, maltratá-lo ou abusar dele física ou psicologicamente, direta ou

indiretamente, sendo a vítima inocente de qualquer argumento ou justificativa que o

indivíduo violento apresente de forma cínica e indesculpável.

O que se pode afirmar com toda segurança é que a violência tem todas as

possibilidades de aparecer em um clima no qual as normas são arbitráveis,

elaboradas à margem da participação dos alunos, inconsistentes e pouco claras,

sem que os implicados em seu cumprimento saibam quando são obrigatórias e

quando podem deixar de ser cumpridas, porque não existe clara definição sobre até

onde vai a liberdade individual e até onde a liberdade de cada um deve limitar-se

diante da ordem e do direito dos demais. Isso ocorre por duas razões básicas: o

marco cultural não oferece critérios de referência para elaborar padrões claros de

convivência e há inconsistência na aplicação das normas, o que impede saber o que

será considerado como correto ou incorreto.(Fernández,2004)

Os maus modos, os insultos, a provocação que precede uma briga, a própria

briga, a intimidação e, em geral, o comportamento de abuso social de certos

estudantes perante outros, até mesmo com relação aos próprios professores, são

um problema que sempre existiu e até agora não fomos suficientemente sensíveis à

sua importância e às suas conseqüências. A sociedade tem sido muito tolerante

diante dos comportamentos e das atitudes que os mais fortes demonstram ante

aqueles que ocupam um lugar de submissão a este poder, sem apresentar o fato de

forma concreta.

A mídia apresenta a violência como algo imediato, cotidiano e freqüente. Os

mais violentos têm capacidade de ganhar e de sobressair-se sobre os demais, e

essas ações se concentram na realidade da ação, são o mundo tal e qual. Apesar

disso, consideramos que as seqüências violentas dos programas de televisão têm

um dever moral perante seus espectadores visto que:

- a televisão é o primeiro provedor de informações e transmissor de valores;

- promove o imediatismo e a proximidade dos fatos violentos, até convertê-los

em cotidiano;

- mantém um padrão passivo da violência como meio de resolver conflitos e

de adquirir o poder.(Melendo,1997)

3- A violência no interior da escola

A problemática da indisciplina e da violência nas escolas está, sem dúvida,

relacionada também com a impunidade, com o aumento exorbitante da ocorrência

de situações de violência real e com a maneira como tais tipos são apresentados

pelos meios de comunicação de massa.

De acordo com Silva (2004), além da impunidade, há outros fatores que

concorrem para o aumento dos índices de violência. Dentre eles, temos a

morosidade do sistema judiciário, a ineficácia das instituições criadas para

recuperação dos sujeitos violentos, transformadas, ao contrário, em verdadeiras

escolas formadoras de criminosos, a falta de escolaridade, a situação econômica e

seus correlatos, como o desemprego, a falta de perspectiva, a estagnação social, o

uso de drogas lícitas e ilícitas como válvula de escape, dentre outros fatores. Além

disso, mais um fator de promoção da violência é a maneira como ela tem sido

veiculada pelos meios de comunicação: é transmitida na forma de espetáculo, o que

tem contribuído para a banalização deste fenômeno.

A violência passa a ser vista como algo comum e até certo ponto como um

fenômeno normal e natural. O uso da violência como único meio para a resolução de

conflitos interpessoais, é como se o homem deixasse de utilizar exatamente o

instrumento que o diferencia dos outros animais, a capacidade de dialogar e

passasse a fazer uso unicamente da violência física.

Outro aspecto que, sem dúvida, contribui para o aumento dos índices de

indisciplina e de violência nas escolas relaciona-se com o fato de a maioria dos

educadores se encontrarem desorientados quanto aos objetivos da educação

formal. Eles não sabem mais quais atividades devem desempenhar na instituição

escolar. Isto talvez esteja ligado às inúmeras mudanças ocorridas nas últimas

décadas no tocante à política educacional orientadora dos estabelecimentos de

ensino e, sem dúvida, à maneira como o educando tem sido concebido ultimamente.

Até a década de 1970, o professor tinha clareza quanto ao papel a ser

desempenhado por ele, qual seja: transmitir as informações contidas nos livros

didáticos, cujo teor dizia respeito aos conhecimentos produzidos ao longo da história

da humanidade.

Outra causa que sem dúvida contribui para o aumento da indisciplina e da

violência nas escolas foi a falência das formas tradicionais de se impor disciplina. As

formas empregadas, dentre outras, era a de advertir verbalmente, fazer uso da

ameaça de delação aos pais, de encaminhamento à direção (para aplicação de

advertência, suspensão e até expulsão da escola), aplicar pontos negativos, diminuir

a nota obtida na prova, colocar de castigo na sala, impedir a participar no recreio e

nas aulas de educação física ou em outras atividades sabidamente desejadas pelas

crianças e adolescentes.

Observa-se hoje, que essas sanções parecem não mais funcionar, pois os

alunos não lhe dão mais importância, isto é, elas não se revestem de valor para

eles. Ao contrário, algumas são até vistas como prêmios, como a de ficar fora da

sala de aula, pois assim, além de se livrar de uma atividade enfadonha (no caso, a

aula), o aluno poderá envolver-se com atividades que chamam a sua atenção e lhe

propiciam grande satisfação, com a de ficar jogando futebol na quadra. Em alguns

casos, eles consideram preferível ficar de castigo próximos à sala da diretoria a

permanecer na aula

Para outros a violência constitui um fenômeno tão abrangente que simples

conflitos de opinião são considerados como manifestações de violência. Contudo,

pode-se afirmar que, na maioria das visões que se tem do fenômeno, o que está

presente, como marca constitutiva, é a tendência à destruição, ao desrespeito e à

negação do outro, podendo a ação situar-se no plano físico, psicológico ou ético.

Como não poderia deixar de acontecer, o crescimento da violência urbana é

acompanhado de um significativo aumento de manifestações violentas no interior da

escola. Estando a violência presente na rua, nas relações de trabalho, na mídia, não

seria de se esperar que ela estivesse ausente no espaço escolar. Pais e educadores

têm manifestado uma grande preocupação com as freqüentes expressões da

violência no interior das escolas, tais como: depredação dos prédios e materiais

escolares, as brigas e agressões entre alunos e os adultos que trabalham nas

escolas e a violência familiar, que apesar de estar localizada, quase sempre, fora

dos muros escolares, interfere significativamente no trabalho que aí se realiza.

Esta crise reflete-se, no enfraquecimento do papel desempenhado pela

escola na sociedade. E expectativa de muitos pais e alunos continua sendo a de que

a escola proporcione às crianças e aos jovens o acesso a uma “ vida melhor”,

através de suas funções clássicas: a transmissão dos saberes historicamente

construídos e de uma disciplina que lhe seja útil para o desempenho de uma

profissão no futuro. Este discurso enfrenta, no entanto, sérias contradições. Se de

um lado, no imaginário popular, a escola promete ascensão social e respeitabilidade,

de outro a realidade desmente essa promessa, contribuindo para a falta de

perspectivas presentes, hoje em nossa sociedade e, em especial, entre os jovens.

Cresce a distância entre as expectativas dos indivíduos e a realidade.

Segundo NASCIMENTO, é possível que, no interior das escolas, esta cultura

da violência surja como uma não explícita de resistência ao julgamento escolar e/ou

protesto contra o mau exercício, pelo adulto de sua função. Não raro, o sistema

escolar, através de uma prática que privilegia o desempenho individual, coloca o

sujeito, seja professor ou aluno, a uma situação de solidão e competição, que pode

reforçar aquele modelo de sociedade que se tem desenvolvido nos últimos anos.

Neste campo, constata-se que a avaliação dos resultados escolares e as notas,

constitui um ponto de conflitos particularmente significativo no cotidiano escolar.

4-Por uma educação pela não violência

Conforme relata Fernández (2004,p.21), o centro do ensino é um organismo

vivo, dotado de movimento, atividades, relações e desenvolvimento humano. Em si

mesmo, isso envolve conflitos. O conflito é parte do processo de crescimento de

qualquer grupo social do ser humano; o importante é ser capaz de “ tratar esse

conflito” para o bem do maior número de pessoas. Pretender que um centro de

ensino se mantenha em calma contínua é alienar-se da realidade escolar. Por isso,

os conflitos e o mau comportamento devem ser admitidos como parte da vida

cotidiana da escola e como elemento de responsabilidade profissional, ou seja, em

aspecto da profissão e nem tanto um impedimento para o desenvolvimento da tarefa

docente.

Por conseguinte, deveríamos abordar a “filosofia de convivência” baseada na

dinâmica do conflito, em que as relações interpessoais e a organização escolar

tiverem o papel essencial. O transcendente é encontrar esse equilíbrio que nos

permita o desenvolvimento pessoal com “o que fazer” educativo.

As reflexões apontam para a complexidade de se estabelecer caminhos

possíveis para o enfrentamento de questão da violência na escola, dada a sua

abrangência. No que se refere ao trabalho que se realiza no interior da escola,

promover uma educação que enfatize os valores humanos e sociais, a resolução de

conflitos através do diálogo e a construção da justiça constitui um passo importante

para se enfrentar com determinação os desafios de superar a violência escolar.

Vivenciar valores como a amizade, a solidariedade, a justiça, exercitar o diálogo e a

participação nas diferentes instâncias escolares, cuidar do espaço físico e dos

materiais escolares, promover atividades extra-classe, intensificar as relações com

as famílias, zelar pelo bom relacionamento interpessoal, garantir espaços de

reflexão coletiva sobre a prática educativa constituem algumas das estratégias

pedagógicas para o enfrentamento da violência escolar e a construção da paz.

Dar voz aos estudantes, discutir com eles sobre suas próprias expectativas,

desvendar os ingredientes ideológicos da tarefa educacional, desenvolver formas

participativas de construção de normas são fatores que podem contribuir,

significativamente para a construção de um ser social capaz de falar, de respeitar,

de lutar pela justiça, de construir a paz. Para se enfrentar uma cultura da violência, é

necessário trabalhar por uma cultura da paz que enfatize os valores sociais e

humanos, a ética, a solidariedade, o respeito aos direitos humanos no dia a dia.

5. Algumas premissas pedagógicas fundamentais

5.1.O conhecimento: que é o objeto exclusivo da ação do professor. O âmbito de

atuação do professor é essencialmente pedagógico. Portanto ater-se ao seu campo

de conhecimento e suas regras particulares de funcionamento, nunca à moralização

dos hábitos, é uma medida fundamental.

5.2. A relação professor-aluno: que é o núcleo do trabalho pedagógico, uma vez que

o aluno é nosso parceiro, co-responsável pelo sucesso escolar. Mas é fundamental

que seja preservada a distinção entre os papéis de professor e aluno.Não se pode

esquecer nunca que é dever do professor ensinar, assim como é direito do aluno

aprender.

5.3.A sala de aula: é o contexto privilegiado para o trabalho, o microcosmo concreto

onde a educação escolar acontece de fato. É lá também que os conflitos devem ser

administrados, gerenciados.

5.4.Contratos pedagógicos: trata-se da proposta de que as regras de convivência,

muitas vezes implícitas, que orientam o funcionamento da sala de aula.

6. O QUE SE PODE FAZER?

Democratizar a escola é a linha central de todas as intervenções para diminuir

a violência em seu ambiente. A mudança na prática do sistema de ensino deve levar

à eliminação das barreiras muitas vezes não percebidas, entre os alunos e a escola.

Num trabalho que envolve ações de curto, médio e longo prazos de maturação, as

violências geradas pelo próprio sistema escolar devem ser questionadas e

subvertidas pelos seus atores.

7. UMA EXPERIÊNCIA DE SUCESSO

Segundo Aquino(2003), é passada da hora, pois, a necessidade de uma

revisão paradigmática dos valores que parecem embasar as ações/relações

constitutivas do fazer escolar contemporâneo, principalmente no que se refere às

prescrições disciplinares.A disciplina escolar é resultado tão somente de acordo

entre as partes. De outra forma, a disciplina escolar remete às pautas de convívio,

esboçadas a partir das rotinas, das expectativas e dos valores característicos das

relações escolares, os quais balizam o que fazemos e o que pensamos sobre o que

fazemos no dia a dia. Uma espécie de norte e, ao mesmo tempo, de combustível

das relações, ambos deflagradores dos laços de respeito e parceria entre alunado e

agentes escolares. Daí a proposta do contrato pedagógico.

Em linhas gerais, tal proposta implica desde o estabelecimento dos

parâmetros de conduta para ambas as partes até, principalmente, a explicitação

contínua dos objetivos, limites e horizontes da relação, sob pena de, caso contrário,

colocar-se em risco sua potência ou validade.

Também denominados “combinados” ou tão somente “acordos”, os contratos

visam à partilha da responsabilidade pelas decisões acerca das rotinas de trabalho e

das regras de convivência, a partir da tematização das exigências e condições

mínimas de funcionamento da relação professor-aluno em determinado enquadre

institucional.

Estabelecer um plano contratual significa organizar conjuntamente as rotinas

de trabalho pedagógico ( “o que” será feito) e de convivência escolar (“como” será

feito). Mas não se trata de regras fixas. Elas devem estar sempre abertas à revisão.

No meio do caminho, é inevitável recordar, ou mesmo reformular, as cláusulas. Isso

porque o grupo-classe passa por diferentes etapas progressivas no que se refere à

validação e à tomada de consciência quanto às regras de ação e de convívio: da

imposição ao consentimento e, por fim,à autodisciplina.

Uma vez ultrapassada a celebração inicial do contrato, o próximo passo

remete à implantação paulatina das rotinas de trabalho acordadas anteriormente. É

hora também de o professor antecipar-se aos alunos, não devendo esperar

anuência imediata da parte deles. Eles farão sua parte se o professor cumprir com o

que foi acordado. Trata-se de um momento ainda marcado pela reação ás atitudes

do professor. Também a relação com o campo de conhecimento será marcada pela

forte presença docente, tida como fonte externa de controle. Ou seja, os alunos

sabem o que deve ou não ser feito, mas quem inicia a ação e supervisiona o

cumprimento das regras ainda é o professor.

A terceira e última etapa do processo aponta para o consentimento voluntário

e o engajamento efetivo dos alunos em relação às regras de funcionamento do

grupo-classe. Trata-se do auge da intervenção escolar, ou seja, o momento em que

eles sabem o que deve ser feito e fazem-no por vontade própria, encarando tais

regras como parte de seu repertório pessoal e, por conseguinte, dispensando o

professor da função de supervisão coletiva.

Por essa razão, é desejável que se possa propor, discutir e definir

coletivamente desde os itens programáticos, o cronograma de atividades, as tarefas

decorrentes, as escolhas metodológicas, os critérios de avaliação, até, e

principalmente, as regras comuns de conduta em sala de aula. Se tais regras

devidamente acordadas, não haverá legitimação posterior

Dito de outra forma, a disciplina escolar remete às pautas de convívio,

esboçadas a partir das rotinas, das expectativas e dos valores característicos das

relações escolares, os quais balizam o que fazemos e o que pensamos sobre o que

fazemos no dia-a-dia. Daí a proposta do contrato pedagógico.

É desejável que se possa propor, discutir e definir coletivamente ( mas em

cada disciplina em específico) desde os itens programáticos, o cronograma de

atividades, as tarefas decorrentes, as escolhas metodológicas, os critérios de

avaliação, até, e principalmente, as regras comuns de conduta em sala de aula.

Burlas das cláusulas contratuais inevitavelmente despontarão no processo,

sejam elas individuais ou coletivas, seja de modo aberto ou velado

O rompimento dos pactos contratuais pode dar-se diante de quatro situações

específicas:

- Ambigüidade das regras: a transgressão ocorrerá quando as cláusulas não

estiverem suficientemente claras.

- Rigidez excessiva das regras: quando as cláusulas não se ajustam às

possibilidades factuais dos implicados, precisam ser adequadas a realidade do

grupo. Devido a flexibilização, pode ser o momento de repactuá-las.

- Indisposição de algum aluno:esta possibilidade de burla se dá quando, por alguma

razão incontrolável, os alunos têm uma predisposição muito negativa em relação ao

professor e resolvem sabotar as regras acordadas, como uma afronta pessoal.

- Ausência de lastro ético do professor:devido ao baixo acometimento ético-

profissional do professor, indica sua falta de autoridade moral para fazer valer os

acordos.

Porém, a exeqüibilidade dos contratos exige a contrapartida de todos os

envolvidos. Isso porque a visibilidade do aluno quanto ao seu papel é diretamente

proporcional à do professor quanto ao dele.

Por último, a definição das sanções. As sanções não podem, jamais, ser

tomadas como mecanismos de exclusão compulsória. Ao contrário, as penalidades

devem portar um caráter inclusivo e sempre de reparação ao andamento acordado

pelo grupo.

As sanções devem ser advertidas e previsíveis, deve haver clareza para

todos os alunos quanto à sua pertinência. As sanções devem ter como objetivo o

retorno ao grupo, por essa razão, elas devem ser discutidas publicamente e

aplicadas exclusivamente com vistas à solidificação dos acordos coletivos.

7.1.As assembléias de classe

Yves de La Taille , um dos estudiosos brasileiros da psicologia moral, propõe

uma inquietante reflexão que, por si só, justificaria a relevância e emergência da

educação em valores. Diz ele:

Parece certo que, hoje, vivemos um momento de certo “mal estar” ético: a despeito das claras conquistas democráticas em quase todo o planeta, há queixas generalizadas sobre violência, desrespeito ao espaço público, vandalismo, individualismo, desonestidade, ego[ismo etc(...) Daí a necessidade, reivindicada por muitos, de retomar a discussão do “contrato social” entre os indivíduos, discutir valores e princípios e incluí-los claramente nos projetos educacionais.No mundo todo, discute-se a volta da educação moral nas escolas ( 1998,p.7).

No Brasil da última década, assim como em outros países com conjunturas

sócio-econômicas diversas, uma crescente preocupação com uma educação em

valores ( às vezes sob o timbre de “educação moral”, outras vezes sob o de

“educação para a cidadania”, ou ainda “educação para a paz”) tem despontado

como fonte de inspiração para uma série de iniciativas, seja na esfera das práticas

escolares, seja no terreno das políticas públicas.

O que parece estar em pauta quando se evoca a idéia de educação em

valores é a dimensão propriamente atitudinal imanente ao trabalho educativo, e não

apenas os conteúdos morais a serem veiculados nas disciplinas. Ou seja: educar em

valores engloba diferentes dimensões, desde o ideário pedagógico corrente na

instituição até as atitudes cotidianas dos agentes escolares, passando pelas

estratégias de problematização pedagógica dos conflitos testemunhados no dia-a-

dia do alunado. Isto porque não basta veicular abstratamente conceitos e valores

democráticos, é preciso que eles sejam incorporados ao convívio intra-escolar, entre

os pares da ação escolar. É necessário que a educação em valores se materialize,

portanto em ações concretas.

No caso particular de uma educação em valores democraticamente orientada

( sinônima de educação moral),Parece haver um certo consenso quanto aos seus

objetivos:

A educação moral pode ser um âmbito de reflexão que ajude a detectar e criticar os aspectos injustos da realidade cotidiana e das normas sociais vigentes; construir formas de vida mais justas, tanto nos âmbitos interpessoais como nos coletivos; elaborar autônoma, racional e dialogicamente princípios de valor que ajudem a julgar criticamente a realidade; conseguir que os jovens faças seus aqueles tipos de comportamentos coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram; fazer com que adquiram também aquelas normas que a

sociedade, de modo democrático e visando à justiça lhes deu. Dito de outro modo, a educação moral quer colaborar com os educandos para facilitar o desenvolvimento e a formação de todas aquelas capacidades que intervêm no juízo e na ação moral (Puig Rovira, 1998b,p.17).

Desse modo, temos um quadro paradigmático da educação em valores.

Dentre seus objetivos, destacam-se:

- Atribuir igual importância aos âmbitos cognitivo, afetivo e moral do aprendizado

escolar.

- Abordar temas curriculares contextualizados segundo os dilemas da cidadania

contemporânea, em particular aqueles relativos aos direitos humanos (preconceito,

desigualdade, injustiça,etc.).

- Propor sistematicamente a vivência de situações-problema, do ponto de vista do

convívio democrático, como disparadoras da construção das competências e

habilidades, ambas ancoradas, por sua vez, em valores universalmente desejáveis,

tais como eqüidade, solidariedade e justiça.

- Gerenciar os conflitos escolares numa perspectiva dialógica e de respeito mútuo, a

partir de trocas significativas entre os membros da comunidade escolar.

- Desenvolver a tomada de consciência e a capacidade autônoma de escolhas, no

que se refere ao universo não apenas do juízo moral, mas também da ação moral, o

que se traduziria numa apropriação mais significativa e conseqüente das ações

escolares por parte de seu alunado.

- Vivenciar, enfim, o próprio espaço escolar ( e em especial, a sala de aula) como

local privilegiado de participação democrática ativa e, ao mesmo tempo, de

legitimação dos fundamentos que regem o modo de vida democrático.

Avançando a discussão sobre a educação em valores , destacam-se dois

mecanismos procedimentais no que se refere à consecução de seus propósitos: o

contrato pedagógico e as assembléias de classe, estas como concebidas por Puig

Rovira (2002ª e b, 2001,2000, 1998 a e b).

A bem da verdade, trata-se de práticas de valor intimamente relacionadas e

recíprocas: as assembléias figuram como sustentação dos contratos e vice-versa.

Segundo Puig, as escolas devem ser tomadas como “comunidades

democráticas”, uma vez que se trata de um espaço social regido pelos critérios

próprios dos sistemas democráticos, cuja expressão máxima seriam as assembléias

de classe.

Herdeira das experiências de vanguarda da década de 1960, a proposta das

assembléias ressurge revigorada, dessa vez relativizando a escola como espaço de

otimização do ideário democrático. Isso porque o contexto escolar é sinônimo de um

espaço social em construção, com seus avanços e retrocessos próprios, visto que a

escola é “ um teatro de lutas e um espaço de compromisso em favor da democracia.

O futuro da escola não está escrito em nenhuma essência intrínseca nem em

nenhuma lei social inexorável. O futuro dependerá do trabalho que sobre ela levem a

cabo os implicados, desde a administração, até os alunos e alunas(Puig

Rovira,2001,p.59).

Para Puig, as assembléias de classe são momentos institucionais

privilegiados de diálogo, um dos valores democraticamente desejáveis e factíveis no

cotidiano escolar. Sua marca principal é o protagonismo e seu alvo, a co-autoria pela

construção dos valores e das atitudes características da convivência democrática.

No entendimento de Puig, as assembléias representam o momento institucional em

que o grupo-classe viabiliza a auto-reflexão, a tomada de consciência sobre si

mesmo e a conversão em tudo aquilo que seus membros consideram oportuno.

Uma assembléia de classe é, portanto, um evento escolar organizado para

que o grupo-classe ( incluídos os professores)possa discutir as questões que lhe

pareçam pertinentes ou necessárias, a fim de otimizar a ação e a convivência

democráticas. Para alcançar tal objetivo, a organização das assembléias prevê,

segundo Puig (2002b,p.28-29):

- Destinar uma pequena parte do tempo semanal a esse tipo de reunião, de maneira

que todos considerem a assembléia como uma atividade habitual da sala de aula,

que podem usar para alcançar diversas finalidades.

- Dispor o espaço da sala de aula, ás vezes, de forma distinta do habitual para

favorecer o diálogo e para fortalecer, com esse simbolismo, a atitude de cooperação

entre todos os seus membros.

- Interromper o trabalho individual da aula e modificar, de certo modo, os papéis de

alunos e professores de maneira que sua participação seja mais igualitária, embora

não idêntica nem com igual responsabilidade.

- Empregar o tempo atribuído à assembléia para falar juntos de tudo o que ocorre à

turma, ou de tudo aquilo que qualquer um de seus membros considera importante e

merecedor da atenção dos colegas.

- Dialogar com a disposição de se entender, de organizar o trabalho e de solucionar

os conflitos de convívio que possam apresentar-se.

- Dialogar, portanto, com a vontade de mudar o necessário para que a vida da turma

seja otimizada, e fazer isso com a vontade de se comprometer pessoalmente nessas

mudanças.(...)

- Finalmente, o modo de realizar as assembléias de sala de aula depende da idade

dos alunos. É evidente que as assembléias não podem ser realizadas do mesmo

modo na educação infantil ou no ensino médio. Sua necessidade e utilidade podem

ser parecidas, mas a maneira de concretizá-las varia em função da especificidade

própria de cada idade( Puig Rovira,2002b,p.28-29).

Além de tais pressupostos táticos, a assembléia de classe, na condição de

reunião centrada no diálogo, conta com diferentes funções. Esclarece Puig:

Em primeiro lugar, ela cumpre um claro papel informativo: tanto os professores, de maneira vertical, como os alunos, de maneira horizontal, podem utilizá-la para dar a conhecer tudo aquilo que considerem relevante(...).A assembléia é também uma reunião destinada à análise do ocorrido: é o tempo que se dedica a descobrir o sentido do vivido, as causas dos problemas ou as dificuldades que perturbam as tarefas escolares(...)Em terceiro lugar, na assembléia, por um lado decide-se e organiza-se o que se quer fazer e, por outro lado, regula-se a vida da turma. Projetos de trabalho e diretrizes de convivência são os dois resultados dessa função(...) Muitas vezes, as assembléias servem também como encontro catártico, como lugar para os participantes desabafar, para dizer tudo e, conseqüentemente, para um recomeço mais tranqüilo(...) Por último, as assembléias são, simplesmente, uma possibilidade para que todos digam o que desejam (IBID.,p.30-31).

No que diz respeito ao desenvolvimento das assembléias de classe, Puig

propõe três momentos claramente diferenciados: a preparação, o debate dos temas

e a aplicação dos acordos.

O primeiro momento, a “preparação”, é destinado a estabelecer os temas que

demandam debate. A classe deve contar com uma lista especialmente dedicada aos

itens passíveis de assembléia.A assembléia é presidida pelos encarregados, os

quais têm diferentes tarefas: iniciar a discussão, dar a palavra, anotar os nomes dos

que querem intervir e redigir os acordos em um papel que posteriormente será

exposto na sala.Desta feita, a assembléia converte-se num espaço de livre

participação do alunado.

O segundo momento da assembléia, o “debate dos temas”, constitui o núcleo

dessa prática educativa baseada no diálogo. Provavelmente uma das questões

prioritárias é conseguir uma certa ordenação na consideração dos temas, assim

como não perder de vista o objetivo que em cada caso se pretende. Um debate é

um intercâmbio de opiniões, razões e propostas sobre um tema visando alcançar

uma solução satisfatória para todos.A qualidade do diálogo é um dos objetivos

essenciais das assembléias de classe.

O terceiro momento da assembléia, a “aplicação dos acordos”, tem como

principal objetivo fazer com que os acordos se traduzam e se cumpram no cotidiano

da classe. Os resultados que costumam ser obtidos nas assembléias são de três

tipos: análise de certas situações difíceis; acordos e planos de ação; normas de

comportamento e propostas de trabalho.

No que concerne aos resultados formativos das assembléias de classe, Puig

aponta as seguintes capacidades: colocar-se no lugar dos outros companheiros e

imaginar como se sentem, expressar a opinião própria de forma respeitosa e

compará-la com a dos demais, entender quais situações são problemáticas e

comprometer-se com sua melhoria, ou defender uma postura pessoal oferecendo

razões para tal.

Ainda Puig destaca como desdobramentos das assembléias: a participação e

o interesse por tudo o que afeta o grupo, a colaboração entre os membros da classe,

a ajuda mútua, o reconhecimento e o apreço entre os participantes, o respeito aos

acordos coletivos e a atitude de sinceridade. Finalmente, questões afeitas à

solidariedade, igualdade, respeito às diferenças, amizade, confiança ou

responsabilidade são dimensões de valor bastante apropriadas para trabalhar nas

assembléias.

Para o autor, se as assembléias facilitam a formação de capacidades morais

e a aquisição de atitudes e valores, além de ser um bom momento para otimizar a

vida do grupo-classe, é evidente que os educadores devem atentar a ambas

finalidades. Ou seja: devem permitir que sejam focalizados os temas que interessam

ou preocupam o grupo-classe, mas, além disso, devem valer-se dessa oportunidade

para desenvolver capacidades morais desejáveis e criar hábitos orientados para o

fortalecimento do modo de vida democrático.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construir um caminho que busque reforçar a função “formadora” da escola,

voltada para a aprendizagem escolar e cultura dos valores humanos , concebida

como um dos instrumentos de formação cultural e inclusão social e para a

construção do sujeito ético, político e social, constitui um grande desafio para

educadores.

A grande preocupação é que jamais conseguiremos acabar com os

fenômenos da indisciplina e da violência nas escolas. Porém, esses fenômenos é

que nos levam a modificar, construir novos conhecimentos e respeitar ainda mais o

outro.

As soluções para os problemas de violência são muito fáceis de serem ditas,

mas extremamente difíceis de serem executadas. Uma solução está na

democratização das relações escolares, mas como conseguir colocar em prática tal

princípio?

Não se pode esquecer que as soluções para a diminuição dos fenômenos de

violência extrapolam a competência da instituição escolar.São fenômenos

produzidos, basicamente, por fatores sociais mais amplos. A instituição educativa é,

portanto, reflexo da sociedade em que vivemos, com seus problemas e com a sua

beleza.

A intenção maior desta implementação foi ao tomar como base o diagnóstico

inicial do problema em questão, que se agrava no cotidiano escolar, poder auxiliar o

corpo docente nesta árdua tarefa das relações humanas.

Por se tratar de alunos ( pessoas), seres em permanente transformação,

diferentes entre si ( em suas ações e reações) e que constantemente procuram e

transformam o mundo, não se pode partir da idéia de que uma medida implantada

em determinado contexto, só porque obteve bons resultados, funcionará para todos

ou em outras ocasiões.

Isto posto, a implementação apresentou algumas soluções que podem ser

implantadas na escola, pois a educação deve procurar formar indivíduos que tenham

suas condutas guiadas por valores alicerçados na dignidade do ser humano. Isto

implica o desenvolvimento de valores morais, como a justiça, o respeito mútuo, a

solidariedade e o diálogo. Tais medidas são indispensáveis à existência e

consolidação de uma escola democrática.

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