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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
Por uma História das “Lojas com História”
O caso da Farmácia Barreto
Luís Miguel Correia Freitas
Dissertação
Mestrado em Museologia e Museografia
Dissertação orientada pela Profª. Doutora Alice Nogueira Alves
2019
1
Declaração de Autoria
Eu Luís Miguel Correia Freitas, declaro que a presente dissertação de mestrado intitulada
“Por uma História das Lojas com História – O caso da Farmácia Barreto”, é o resultado da
minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes
consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes
documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo
do trabalho segundo as normas académicas.
O Candidato
Lisboa, 29 de outubro de 2019
2
Resumo
Em 2015, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou a implementação de um
projeto pioneiro para a salvaguarda do comércio tradicional, ao qual deu designação de
“Lojas com História”. Encaradas como um elemento distintivo da cidade, procuraram
criar-se condições que garantissem a sustentabilidade destes espaços e do seu património
integrado, através do seu reconhecimento e valorização com vista à permanência destes
negócios que, gradualmente, têm vindo a desaparecer.
Nesta dissertação de Mestrado em Museologia e Museografia, pretendemos
apresentar a constituição de todo o projeto, usando como caso de estudo a Farmácia
Barreto. Com esse objetivo, começamos o nosso estudo com a descrição do início do
projeto, referindo o conjunto de critérios que definem os parâmetros para a classificação
das lojas, as várias equipas envolvidas no seu desenvolvimento e o fundo municipal
previsto para ser usado em obras de conservação e restauro dos múltiplos elementos
constituintes do espaço. Posteriormente, referimos outras iniciativas com carácter
análogo que decorreram em várias cidades portuguesas, para mostrar como o projeto
lisboeta se tornou referência na manutenção do comércio tradicional nacional, alargado a
vários pontos do país.
Refletindo sobre a possibilidade de encarar a Farmácia Barreto como um museu-
vivo, entendendo-a como uma extensão do Museu da Farmácia, a esta análise vamos
juntando considerações sobre património integrado e a Lei n.º 42/2017, que veio
introduzir importantes medidas na salvaguarda do comércio tradicional, criando
condições favoráveis à sua manutenção, através da introdução de benefícios para
proprietários, arrendatários e, acima de tudo, para os espaços comerciais.
Na parte final, dedicámos um capítulo exclusivo à Farmácia Barreto, que integrou
o primeiro conjunto de lojas classificadas pelo projeto “Lojas com História”. Procurámos
traçar a história centenária deste espaço, relevando a opinião do proprietário sobre a
importância do projeto na cidade e, mais concretamente, da sua loja, e de que modo encara
as questões relacionadas com a sustentabilidade da sua farmácia numa possível lógica de
musealização.
Palavras-chave: Comércio tradicional; Lisboa; Lei n.º 42/2017; Património
imaterial; Património integrado
3
Abstract
In 2015, the Lisbon city council announced the establishment of a pioneer project
for the protection of traditional commerce, called “Lojas com História” (shops with
history). Considering the traditional shops as a distinctive element of the city, the project
intended to create ways to maintain their sustainability and their presence, through their
recognition and by adding value to these places that are gradually disappearing.
On this Museology and Museography master thesis, we intend to present the
whole project, using Farmácia Barreto a case study. With this purpose, we begin our work
by presenting the project’s idea, mentioning the criteria that define the different items for
the shops’ classification, the multiple teams involved in its development and the
municipal funding assigned to works of preservation and restoration of the shops’
elements. Secondly, we present other initiatives with the same characteristics that have
been developed in different Portuguese cities, showing how this project in Lisbon has
become a reference in the maintenance of traditional commerce in Portugal.
Facing the possibility of considering Farmácia Barreto as a living museum or as a
branch of Museu da Farmácia, we develop some reflections about integrated heritage and
specifically about the Portuguese law (Lei n.º 42/2017) that has introduced important
measures to protect traditional commerce, creating a prosperous environment through the
introduction of benefits to the owners, tenants and, above all, to the shops themselves.
In the final part, we dedicate a chapter of this work to our case study, the Farmácia
Barreto, which has been part of the first group of classified shops of the “Lojas com
História” project. We intend to present the history of this centenary place, highlighting
the owner’s opinion on the importance of the project to the city, and specifically the
impact on his business, showing his concerns about the sustainability of this pharmacy
by looking at it as a living museum.
Keywords: Traditional commerce; Lisbon; Lei n. º 42/2017; Intangible heritage;
Integrated heritage
4
Aos meus avós
Francisco e Graça,
Maria do Carmo e Manuel
5
Agradecimentos
A realização desta dissertação de mestrado tornou-se possível graças a variados
apoios e incentivos aos quais gostaria de agradecer nesta secção.
Em primeiro lugar, agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Alice
Nogueira Alves, por toda a disponibilidade, paciência, orientação e constantes incentivos
para a concretização deste trabalho. Desde a primeira conversa, algures em fevereiro de
2018, que mostrou o seu parecer sincero e positivo sobre a possibilidade de desenvolver
o tema que aqui apresento, o que me motivou sempre durante toda esta fase.
Agradeço igualmente a João Neto, diretor do Museu da Farmácia, pelo constante
apoio durante a concretização do trabalho, pela troca de ideias e por todos os conteúdos
a que me deu acesso.
A José Pedro da Graça Silva, diretor e proprietário da Farmácia Barreto, pela
clareza e pela inteira e total disponibilidade para consulta de todas as fontes que nos
permitiram traçar a história e missão do seu espaço, e à qual dedicamos uma secção como
o nosso caso de estudo.
Agradeço igualmente ao meu grupo de amigos, cuja lista extensa não poderei
replicar, mas que deram sempre uma palavra de encorajamento ao longo de todo este
processo e que muitos desabafos ouviram, nem sempre positivos.
Consciente de que este trabalho não seria possível de ser concretizado sozinho,
agradeço especialmente aos meus pais, irmã, e avós, pelo constante e incondicional apoio,
incentivos, amizade e paciência que lhes foram praticamente incumbidos durante esta
missão, e que foram de extrema importância para levar a bom porto a realização do
anterior e do presente ciclo de estudos.
Por fim, o meu agradecimento mais profundo estende-se à minha companheira de
vida: Helena Almeida Santos. Acreditando sempre um no outro, agradeço-te por teres
sido a pedra basilar na superação de todos os obstáculos académicos e de vida que estes
últimos dois anos proporcionaram. A tua clareza e constante positivismo foram sempre
motivadores e tornaram possível a realização dos nossos mestrados.
6
Índice
Introdução ......................................................................................................................... 9
1 - “Lojas com História” ................................................................................................. 13
1.1 - Questões de base: da ideia à conceção ............................................................... 13
1.2 - A criação do programa ....................................................................................... 14
1.3 - Critérios de atribuição da distinção “Lojas com História” e normas de
concretização .............................................................................................................. 15
1.3.1 - Critérios de atribuição ................................................................................. 15
1.3.2 - Normas de concretização ............................................................................ 17
1.4 - Fundo Municipal – “Lojas com História” .......................................................... 18
1.5 - Grupo de trabalho e conselho consultivo – competências e funções ................. 25
1.5.1 - Grupo de Trabalho ...................................................................................... 25
1.5.2 - Conselho Consultivo ................................................................................... 29
2 - Questões de salvaguarda de património .................................................................... 32
2.1 - Definição de património integrado ..................................................................... 32
2.2 - A Lei n.º 42/2017 – Proteção do comércio tradicional ...................................... 33
2.3 - Divulgação do projeto “Lojas com História” ..................................................... 37
2.3.1 - A exposição “Lojas com História” .............................................................. 38
2.3.2 - A publicação “Lojas com História” ............................................................ 39
2.4 - A atualização do projeto a nível nacional .......................................................... 40
2.4.1 - “Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa” ............................... 40
2.4.2 “Porto de Tradição” ....................................................................................... 42
2.4.2.1 - Regulamento “Porto de Tradição” ........................................................... 42
2.4.3 - “Lojas Memória/Associações Memória” – Viana do Castelo ..................... 47
2.4.3.1 - Critérios do projeto “Lojas Memória/Associações Memória” ................. 48
2.4.4 - “Rede de Lojas com História” ..................................................................... 49
2.4.5 - “Lojas com História” – Silves ..................................................................... 50
2.4.6 - “Lojas com História” – Braga ..................................................................... 51
2.4.7 - “Lojas com História” – Funchal .................................................................. 52
2.4.8 - “Comércio com História” ............................................................................ 53
3 - Farmácia Barreto – da origem aos dias de hoje ........................................................ 58
3.1 - O Museu da Farmácia e a missão partilhada com a Farmácia Barreto .............. 64
4 - Considerações finais .................................................................................................. 70
Anexos ............................................................................................................................ 84
Apêndices ....................................................................................................................... 94
7
Índice de figuras
Figura 1 – Logótipo oficial do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Lisboa………………………………………………………………….p.14
Figura 2 – Montra da Farmácia Barreto, com a identificação do projeto “Lojas com
História”……………………………………………..…………………………….....p.24
Figura 3 – Constituição, em grupos, dos membros e órgãos participantes do Grupo de
Trabalho e Conselho Consultivo do projeto “Lojas com História” de Lisboa……….p.29
Figura 4 – Capa da publicação “Lojas com História”, que reúne os espaços classificados
à data do seu lançamento …………..……………………………………………...…p.39
Figura 5 – Logótipo da iniciativa Círculo das Lojas Tradicionais de Lisboa………..p.40
Figura 6 – Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Silves ……………………………………………………………..…...p.50
.
Figura 7 – Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Braga………………………………......................................................p.51
Figura 8 – Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal do Funchal ………………………………………………..………….......p.52
Figura 9 – Logótipo da plataforma “Comércio com História”, promovido Estado
Português, através da Direção-Geral das Atividades Económicas…………………..p.53
Figura 10 – Esquema representativo das três vertentes do projeto “Lojas com
História”..………………………………………………………………………....….p.56
Figura 11 – Revista Universal Lisbonense (1845, n.º37, p.443), contendo a designação
de “Botica do Sr. Carlos Garcia Barreto”……………………………………………p.59
Figura 12 – Rótulo de Vinho de Extracto de Figados de Bacalhau………………….p.60
Figuras 13 e 14 – Rótulos de produtos produzidos na “Pharmacia Barreto”………..p.61
Figura 15 – Fachada da Farmácia Barreto. Outubro de 2019……………………….p.63
Figura 16 – Balcão de atendimento da Farmácia Barreto, incorporando o mobiliário
original do século XIX………………………………………………………………p.64
Figura 17 – Boiões de farmácia de finais do século XIX pertencentes ao espólio da
Farmácia Barreto ………………...…………………………………………………..p.66
Figura 18 - Espaço do antigo laboratório da Farmácia Barreto, que se pretende adaptar
ao desenvolvimento de atividades……………………………………………………p.68
8
Índice de anexos
Anexo 1 – Panfleto do projeto “Lojas Memória”....……………………………….…p.84
Anexo 2 – Documentação referente à Farmácia Barreto……………………………..p.85
Documento 1 – Circular n.º 34/81………………………………...………………p.85
Documento 2 – Requerimento n.º 55.352…………………………………………p.86
Documento 3 – Autorização de venda de marcas sob outro domínio……………..p.87
Documento 4 – Carta da alteração de propriedade da Farmácia Barreto para Alina
Bagorra……………………………………………………………...…………….p.88
Documento 5 – Carta a solicitar comprovativo da posse da sociedade da Farmácia
Barreto a Alina Bagorra…………………………………………………...............p.89
Documento 6 – Carta a solicitar a Alina Bagorra informação sobre produtos que se
deixaram de produzir………………………………………………………….…. p.90
Documento 7 – Carta com a resposta sobre os produtos deixados de produzir.......p.91
Documento 8 – Documento atestando a transferência da quota para José Pedro da
Graça Silva da Codifar………………………………………………………….....p.92
Documento 9 – Documento comprovativo da inscrição da Farmácia Barreto na
Associação Nacional das Farmácias………………………………………….…...p.93
Índice de apêndices
Apêndice n.º 1 – Entrevista ao Dr. José Pedro Silva………………………………..p.94
Apêndice n.º 2 – Entrevista ao Dr. João Neto………………………………………p.106
Acrónimo
CML – Câmara Municipal de Lisboa
9
Introdução
[…] o património passou a ser aceite de uma forma alargada e como fator
de dinamização social, económica e ambiental de um dado território. (Chamusca
et. al., 2017, p. 65)
Até meados dos anos oitenta do século XX, o comércio português tinha
maioritariamente pequenas dimensões, focando-se na especialização e na qualidade
(Chamusca et. al., 2017, p. 65). Gradualmente, começou a observar-se uma maior
segmentação, em que múltiplos serviços comerciais se congregam num espaço único,
cuja acessibilidade acaba por ser facilitada, aliando a isto um maior horário de
funcionamento. De igual modo, verificaram-se alterações aos hábitos de consumo na
segunda metade do século XX, que resultaram do surgimento destas grandes superfícies
comerciais. Num outro olhar, verificou-se que o comércio dito “tradicional” foi
gradualmente caindo no desaparecimento, dispersando-se.
Com estas alterações dos hábitos nas grandes metrópoles, os pequenos espaços de
comércio tradicional foram caindo no esquecimento, ou extinguindo-se, por serem
“incapazes de lidarem com factores tão distintos como as grandes mudanças no mercado
imobiliário, as alterações dos padrões de consumo ou a crise económica” (Alemão, 2017).
Para proteger estes estabelecimentos, várias foram as iniciativas de regulamentar
edifícios de interesse histórico, cultural ou social, através dos programas PROCOM e
URBCOM1. A viragem maior deu-se com a aprovação da Lei n.º 42/2017, que prevê um
regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos com interesse histórico-
cultural e social local, promovendo alterações à Lei n.º 6/2006 (aprovação do Novo
Regime de Arrendamento Urbano) e ao Decreto-Lei n.º 157/2006, que aprova o regime
jurídico das obras em prédios arrendados.
O programa “Lojas com História” de Lisboa, entendido como pioneiro, surge
como “resposta a um sentido de urgência na preservação e dinamização deste
património”, que ao proteger o comércio, “está a preservar também aquilo que faz desta
1 “Criados legalmente em 1994 e 2000 [respetivamente] […] foram relevantes porque forneceram um
avultado apoio financeiro a um conjunto alargado de projectos para modernizar os estabelecimentos
comerciais, reabilitar as áreas centrais das cidades e elaborar acções promocionais, com o objectivo de
solidificar a posição destas áreas enquanto destino comercial”. (Guimarães, 2015, p.4)
10
uma cidade única e cada vez mais valorizada e procurada a nível internacional”.
(Bértholo, 2017, p.4)
O mote de salvaguarda – “preservar inovando” (CML, 2015,p.20) - surge cerca
de dez anos após a publicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, enquadrado
pela Lei nº6/2006 e pelo Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, do Decreto-
Lei nº157/2006, que “não contempla qualquer norma que vise especificamente a proteção
do comércio local e tradicional” (CML, 2016,p.87), nem se mostra capaz de assegurar a
manutenção do comércio local e tradicional, alocado em edifícios passíveis de demolição,
remodelação ou restauro, lacuna essa que apenas será colmatada pela aprovação da
referida Lei n.º42/2017, já num momento posterior à implementação do projeto “Lojas
com História”. Tanto um como o outro levaram a que um pouco por todo o país tivesse
sido lançado o alerta de que é necessário preservar as lojas históricas, tão representativas
para as cidades em que se inserem.
A dissertação de mestrado que aqui apresentamos tem como objetivo apresentar e
explorar o projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa,
utilizando como caso de estudo a Farmácia Barreto, uma das lojas classificadas nesse
âmbito.
A concretização deste trabalho tem como âmbito congregar a informação
disponível sobre este projeto, de modo a podermos traçar um percurso cronológico e
concreto sobre o seu aparecimento, realização e resultados. Como as fontes documentais
consultadas revelaram algumas debilidades e muita fragmentação, ordenámos e
trabalhámos a sua informação no decurso deste trabalho de modo a apresentarmos uma
narrativa coerente.
Uma vez que este projeto é pioneiro, sendo constantemente atualizado em termos
de espaços classificados, as fontes consultadas para a realização deste estudo foram
sobretudo legais. Neste sentido, as nossas pesquisas foram orientadas de modo a
podermos traçar uma linha cronológica sobre a metodologia aplicada à constituição do
programa, recorrendo a decretos-lei municipais e nacionais – disponíveis em Diário da
República online - a deliberações e propostas disponíveis nos vários boletins municipais
da Câmara Municipal de Lisboa, mas, também, a artigos de jornais e de opinião sobre o
projeto, apresentando de igual modo algumas considerações ao longo do texto sobre as
várias decisões tomadas.
Para uma melhor sistematização da informação aqui apresentada, numa primeira
fase, refletimos sobre as questões inerentes ao funcionamento intrínseco ao projeto. Para
11
tal, recorremos à estruturação em vários subcapítulos, de modo a podermos seguir uma
via cronológica dos acontecimentos que levaram à aprovação e início do projeto.
Posteriormente, e para enquadrar as “Lojas com História” no âmbito português,
procurámos apresentar iniciativas semelhantes que surgiram posteriormente em várias
cidades do país, de forma a perceber a relevância que o projeto teve em termos nacionais
e que de forma exponencial, acabou por se disseminar no panorama nacional, o que nos
levou a considerações maiores sobre o comércio tradicional em Portugal.
Intermediando as duas fases do trabalho, pareceu-nos importante apresentar
algumas considerações sobre a salvaguarda de património. Partindo da proposta de
definição de património integrado de Virgínia Glória do Nascimento e Alice Nogueira
Alves (2016), e considerando como basilar a Lei n.º 42/2017, que introduziu medidas
com vista à salvaguarda do património que se refere ao comércio tradicional, procurámos
relevar a importância de salvaguardar as lojas e as entidades com interesse histórico e
cultural, dando destaque ao modo como o programa “Lojas com História” acabou por dar
um lugar privilegiado ao que constituí estes espaços comerciais, e que aqui entendemos
como o seu património integrado. Para o desenvolvimento destas questões foram
consultadas as teses de mestrado de Virgínia Glória do Nascimento, intitulada O Mosteiro
de Santa Clara do Funchal entre e além muros : a musealização de um monumento em
funcionamento e de Maria Teresa de Figueiredo Crespo, com o nome Interpretação e
comunicação do património cultural integrado em contexto museológico: o caso do
Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades de Faria, que nos auxiliaram na tomada
de consciência sobre as questões de património integrado aplicadas a edifícios de
diferentes tipologias e usos, como é o nosso caso de estudo.
Para a elaboração do capítulo dedicado à Farmácia Barreto, que surge como
exemplo de uma loja classificada, mas também pela necessidade que sentimos de dar voz
a um dos lojistas cujo espaço terá sido distinguido, consultámos vários documentos
originais e duplicados e a troca de correspondência arquivada na farmácia, que refletem
a história do espaço. Esta informação foi complementada pelas entrevistas realizadas a
José Pedro Graça da Silva, proprietário da Farmácia Barreto, e a João Neto, diretor do
Museu da Farmácia e Presidente da Associação Portuguesa de Museologia. Nestas
conversas, procurámos perceber as colaborações mútuas entre estes espaços, mas, acima
de tudo, e de forma mais ampla, perceber quais os contributos que a iniciativa trouxe ao
espaço e, representando uma entidade museológica, de que forma a APOM encarou esta
iniciativa, através de pareceres sobre os casos concretos das farmácias distinguidas.
12
Como veremos, a escolha deste tema prende-se com a permeabilidade que o
projeto “Lojas com História” tem, através da metodologia criada e aplicada nas
classificações atribuídas aos espaços comerciais em termos museológicos. Por um lado,
encontramos uma vertente altamente vocacionada para a conservação e salvaguarda
destes espaços e do seu património, procurando torná-los intocáveis de forma a não causar
nenhum prejuízo à sua classificação. Por outro, teremos de atentar a realidade que estes
espaços têm, indubitavelmente, de serviço à sociedade, que pode ser repensado se
procurarmos a sua musealização, podendo esta vir a ser a via para a sua sustentabilidade.
No caso da Farmácia Barreto, o desafio é possível através do desdobramento ou
extensão do seu espaço numa reserva visitável, ou mesmo na sua constituição como um
prolongamento do Museu da Farmácia, passando a ser considerado como um museu-vivo.
Neste sentindo, propomo-nos a refletir sobre a tangibilidade e possibilidade que o projeto
encerra em si relativamente às questões museológicas, como a necessidade de olhar para
estes espaços como reservas visitáveis, mantendo a sua missão de servir a sociedade.
13
1 - “Lojas com História”
Considerando o comércio local e tradicional como uma marca identitária da
cidade, o projeto “Lojas com História” surge como um meio de combate aos sucessivos
encerramentos de espaços comerciais históricos através de um sistema que protegesse os
comerciantes, os proprietários de imóveis, e, acima de tudo, as lojas e a importância que
estas têm para a memória coletiva (Bértholo, 2017, p. 4).
1.1 - Questões de base: da ideia à conceção
As lojas com História são estabelecimentos comerciais com particularidades a
nível do ofício que nelas é praticado, pela singularidade de serem pioneiras no seu ramo,
pela sua permanência ou por serem as últimas onde esse ofício ainda é desenvolvido.
Possuem aspetos singulares em termos decorativos, arquitetónicos, sendo espaços que
respondem às necessidades das populações nos sítios onde estão instaladas.
Se o comércio local é considerado marca identitária da cidade, a questão de
autenticidade da cidade é elevada exponencialmente, uma vez que há uma procura na
manutenção e permanência deste comércio tradicional, que tem vindo a desaparecer
gradualmente. Esta (im)permanência inscreve-se nas dinâmicas socioculturais de cada
bairro, de cada freguesia, sendo uma marca da passagem do tempo.
Para a concretização do projeto, foi criado um conjunto de critérios de atribuição
para os espaços selecionados, segmentados em três aspetos, todos eles com a mesma
importância:
- A atividade
- O património material
- O património cultural e histórico (Bértholo, 2017, p. 6).
As distinções atribuídas às lojas têm como âmbito o seu destaque em termos de
prestígio e pretendem ser motores de divulgação, através da publicação de conteúdos
online referentes aos espaços, bem como da sinalética colocada nas lojas para que estas
sejam reconhecidas. Essencialmente, pretende-se demarcar aquilo que é identitário na
capital portuguesa.
14
1.2 - A criação do programa
A Deliberação nº 99/CM/2015, de fevereiro, publicada no 4.º suplemento do
Boletim Municipal n.º 1097, apresenta o fator “diferença” como um distintivo que cada
cidade e região deverá possuir, tornando-as mais atrativas por razões várias. Neste
sentido, o comércio de uma cidade, caracterizado pela sua pluralidade e elemento
diferenciador, assume um papel identitário na evolução da cidade de Lisboa.
É através desta Deliberação que vemos aprovado o programa “Lojas com
História” e a constituição de um grupo de trabalho. Neste processo foram envolvidos
vários organismos da Câmara Municipal de Lisboa, entre os quais destacamos os pelouros
da Economia e Inovação, do Urbanismo e Cultura, e os Serviços da Direção Municipal
de Economia e Inovação, a Direção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão
Urbanística, e, ainda, a Direção Municipal de Cultura.
Encarando o comércio tradicional como acima mencionado, e caracterizando-o
como propulsor para a criação de empregos, o referido grupo de trabalho deve ser
“composto por elementos dos Serviços Municipais, envolvidos em razão de matéria da
matéria – economia, cultura e urbanismo – e elementos externos da equipa da Faculdade
de Belas-Artes da Universidade de Lisboa…” (CML, 2016, p. 89), operando na
dependência direta da vereadora do pelouro da Economia e Inovação e articulando o seu
trabalho com os vereadores da Cultura e do Urbanismo. Este grupo tem com objetivo a
concretização de diversos pontos que desenvolveremos posteriormente.
Figura 1 – Logótipo oficial do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Lisboa (Câmara Municipal de Lisboa, 2019)
Tendo em conta a Lei n.º 42/2017, que definiu o “Regime de reconhecimento e
proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local”,
que vem alterar o panorama sobre a proteção e salvaguarda destes espaços comerciais
tradicionais, com características únicas e diferenciadoras relativamente à sua atividade,
15
conforme veremos mais à frente, Lisboa terá sido a cidade pioneira relativamente à
concretização destas medidas.
1.3 - Critérios de atribuição da distinção “Lojas com História” e normas de
concretização
Após um intenso trabalho de pesquisa documental e de trabalho de campo em
Fevereiro de 2016 a CML aprovou os critérios de atribuição da distinção “Lojas com
História”, e as competências do grupo de trabalho e do conselho consultivo. pela
Deliberação n.º 66/CM/2016 (Proposta n.º 66/2016). (CML, 2018)
1.3.1 - Critérios de atribuição
Com vista à integração de lojas no programa, foi decidido que o processo poderia
ser realizado através de seleção pelo grupo de trabalho, validado pelo Conselho
Consultivo, ou através de candidatura. Para que possam ser distinguidas, as lojas deverão
ser avaliadas segundo um conjunto de critérios – com pontuação atribuída – tendo como
requisito cumprir obrigatoriamente um critério em cada núcleo, e mais de 50% dos
critérios, no total dos três núcleos. A cada critério é atribuído 1 ponto, à exceção do ponto
1.1, em que se atribuí 1 ponto por cada 25 anos de atividade, até um máximo de três
pontos.
Os critérios que se apresentam de seguida dividem-se em três categorias:
Atividade, Património Material e Património Cultural e Histórico. Dentro de cada uma
destas tipologias, encontram-se subcategorias com descrições específicas sobre o que
cada uma objetiva.
1. Atividade
1.1 Longevidade reconhecida (aplicável a lojas com mais de 25 anos de atividade);
1.2 Significado para a história comercial da cidade (objetivo de premiar a inovação
no negócio e/ou produtos, em todas as épocas, e a resistência dos últimos
representantes de atividades e ofícios);
1.3 Existência de oficinas e/ou produção própria (produção local e saber fazer. Não
aplicável à restauração);
1.4 Produção nacional (premiar e incentivar o recurso a produtos e matérias-
primas nacionais. não aplicável à restauração);
16
1.5 Produto identitário e/ou existência de marca(s) própria(s).
Os principais objetivos desta categoria prendem-se com o funcionamento e
desenvolvimento das lojas ao longo do seu tempo de existência, destacando-se pela
longevidade e permanência – atribuindo-se pontos extra no caso de existirem ofícios
manuais, que resultaram na produção de marcas próprias.
2. Património Material
2.1 Património artístico e/ou projetado
2.1.1 Projeto de espacialidades
2.1.2 Mobiliário e iluminação
2.1.3 Suportes de comunicação
2.1.4 Decoração
2.1.5 Projeto total
2.2 Espólio/Acervo
2.2.1 Utensílios e/ou matérias-primas
2.2.2 Elementos documentais
2.3 Salvaguarda e divulgação
2.3.1 Salvaguarda
2.3.2 Divulgação
Para a segunda tipologia, as lojas são avaliadas pelas suas características
arquitetónicas e estilísticas, em conjugação com a atividade que desenvolvem. Nesse
sentido, são também apreciados aspetos como a salvaguarda e a conservação, destacando-
se a sensibilização para a arquivística, documentação e organização dos acervos e
espólios.
3. Património cultural e histórico
3.1 Lojas de referência
3.1.1 Coesão e proximidade
3.1.2 Significado para a história, cultura e memória coletiva dos cidadãos
17
3.2 Salvaguarda e divulgação
3.2.1 Salvaguarda
3.2.2 Divulgação
Por fim, a terceira faceta dos critérios pretende ajuizar de que forma as lojas se
tornaram marcos na memória coletiva dos cidadãos, através de análise sociológica e
cultural. Apela-se, portanto, ao registo documental de todos os conteúdos que contribuam
para a valorização do espaço, ajudando-o na sua promoção. (2017c, Proposta nº 632/2016,
anexo I, pp. 1-3)
1.3.2 - Normas de concretização
As normas de concretização pautam-se por uma seriação de regras que o programa
se propõe a cumprir, que passam pela identificação e proteção de espaços comerciais
pelas suas características distintivas no panorama que constituí a identidade de Lisboa.
Nesse sentido, estes deverão diferenciar-se suas pelas peculiaridades arquitetónicas e/ou
decorativas, que devem conservar na sua identidade – permanecer inalteráveis/pouco
alteradas – não tendo sido alvo de manutenção de modernização. Estas lojas deverão
igualmente destacar-se pela particularidade do ofício que nelas é praticado, muitas vezes
pioneiro, podendo mesmo constituir-se como os últimos espaços que conservam um
ofício e/ou a manufatura de determinado trabalho, como referimos anteriormente. Em
alternativa, podem estar associadas à venda a retalho, restauração e bebidas, ou à
prestação de um serviço pessoal.
Apresentado a 1 de abril de 2016, o Projeto de Lei n.º 155/XIII, denominado
“Regime de classificação e proteção de lojas e entidades com interesse histórico e
cultural”, visava definir um regime de classificação e de proteção de estabelecimentos e
entidades de interesse histórico e cultural. Para tal, pretendia atribuir às câmaras
municipais a classificação destes espaços através de critérios definidos. Devendo também
definir o regulamento dos critérios, tendo por base a “[…] existência de valores de
memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou
exemplaridade dos elementos a classificar; a presença de traços que constituam elementos
estruturantes da identidade e da memória coletiva local, regional ou nacional”. (Projeto
de Lei n.º 155/XIII, p. 2)
18
Este projeto acabou por definir um regime de classificação e proteção dos espaços
com interesse cultural e histórico, procurando alterar a Lei n.º 6/2006 (NRAU), revista
em 2012 e em 2014, que não contemplava a proteção do comércio local e tradicional, e o
Decreto-Lei nº157/2006, de 8 de agosto, o “Regime Jurídico das Obras em Prédios
Arrendados”, que apresentava lacunas ao nível da salvaguarda do comércio em caso de
demolição e remodelação. Volvido praticamente um ano desde a apresentação do
programa, esta foi uma das primeiras medidas que teve como objetivo reforçar a
importância dos municípios na seleção, distinção e proteção de estabelecimentos e
entidades de interesse histórico e cultural.
Após a aprovação do projeto e dos respetivos critérios e normas de concretização,
e através da Resolução da Assembleia da República n.º 100/2016, aprovada a 8 de abril
de 2016, foi decidido alterar-se o regime jurídico de arrendamento urbano, “[…]
garantindo […] a fixação de regras que permitam a viabilização do funcionamento das
lojas históricas”. (CML, 2016b, p. 2) através de pontos como:
• Criação de critérios de classificação de “loja histórica”, que deverão ser aplicados
a estabelecimentos e serviços em articulação com as autarquias locais,
reconhecendo estes espaços e valorizando-os;
• Criação de um programa de apoio às lojas históricas, articulando-o com as
respetivas autarquias;
• Incentivo e divulgação dos espaços, incluindo-os em roteiros turísticos.
Esta medida foi fundamental para o desenrolar do programa, uma vez que veio
suportar e garantir condições de apoio à sustentabilidade destes espaços.
1.4 - Fundo Municipal – “Lojas com História”
Considerando que os critérios definidos são cumpridos, e tendo em conta a
necessidade apontada relativamente à criação de um fundo municipal que estabeleça os
termos de atribuição para o apoio financeiro, foi proposta à Câmara Municipal de Lisboa
a criação de um fundo municipal “Lojas com História”2, no valor de 250.000,00€,
2 O valor do mesmo é definido anualmente em sede de orçamento municipal (CML, 2017, p. 356).
19
integrado no Orçamento de 2016. Este fundo procurava “… dotar o Município de um
instrumento financeiro que fomente e salvaguarde as características genuínas deste
importante comercio, de cariz local – “Lojas com História”, o qual necessita de
regulamentação”. (CML, 2016b, p. 3).
Em reunião extraordinária, realizada no dia 20 de julho de 2016, a Câmara decidiu
submeter para aprovação a deliberação que lhe tinha sido proposta – n.º 382/CM/2016 –
que previa a criação deste fundo. Nesta ocasião, foi também aprovado que os projetos
referentes ao “Regulamento do Fundo”, bem como os referentes à atribuição desta
distinção, ficassem disponíveis para consulta pública (CML, 2016b, p. 2).
Esta proposta monetária (Anexo I), juntamente com o “Regulamento de atribuição
da distinção ‘Lojas com História’” (Anexo II) foram submetidos para consulta pública,
durante o período de 30 dias, tendo sido publicadas no Suplemento n.º 1 ao Boletim
Municipal n.º 1171.
No “Regulamento do Fundo Municipal ‘Lojas com História’” (Anexo I)
encontramos reforçada a ideia de que é por meio dos municípios que a regeneração urbana
e a dinamização do comércio, especialmente o tradicional, deverá ser promovida.
Percebemos a intenção da Câmara em garantir às lojas distinguidas medidas de apoio e
divulgação que envolvam o seu espólio móvel, documental e fotográfico através deste
fundo municipal, podendo este ainda ser submetido a uma avaliação em termos
museológicos. De igual modo, tem como ambição a criação de uma marca identitária,
com selo, guia impresso e website próprios referentes à marca “Lojas com História”,
sendo estas concretizações efetuadas por uma equipa de apoio aos proprietários dos
espaços em questão.
Com um valor anual de 250 mil euros, e inscrito no orçamento municipal, o fundo
municipal “Lojas com História” prevê várias medidas de comparticipação do valor,
através de serviços prestados nos espaços, que poderão ser divididos da seguinte forma:
Arquitetura e Restauro:
1. Conservação de fachadas e elementos decorativos arquitetónicos, ficando
expressamente estabelecido no presente Regulamento a isenção de taxas
urbanísticas aplicáveis, previstas no Regulamento Municipal de Taxas
relacionadas com a Atividade Urbanística e Operações Conexas;
a) Obras de alteração necessárias à melhoria do desempenho ou à requalificação
20
do estabelecimento;
b) Recuperação ou restauro de equipamentos ou objetos decorativos identitários
da loja.
Cultura:
c) Produção de iniciativas culturais ou de material promocional que visem divulgar
as lojas.
Economia e comércio:
d) Estudos e consultoria no domínio do marketing, modelo de negócio ou
assessoria jurídica para desenvolvimento de modelos de negócio;
e) Modernização, mudança de uso ou outras despesas, consideradas elegíveis
pelo Grupo de Trabalho criado no âmbito do Programa Lojas com História,
nomeado pelo Despacho n.º 48/P/2016, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim
Municipal n.º 1161, de 19 de maio, mediante critérios previamente definidos.
(CML, 2016b, pp. 4-5)
Para serem elegíveis a este apoio, os candidatos poderão ser proprietários dos
estabelecimentos comerciais ou titulares de outro direito que lhes confira autoridade sobre
a exploração do espaço, ou o proprietário de direito real sobre o imóvel onde se localiza
o espaço comercial, desde que legítimo para promover o apoio – nomeadamente na
conservação de fachadas e elementos decorativos e arquitetónicos3. Caso a candidatura
seja proposta pelos segundos mencionados, que não coincidam com os primeiros, deverá
possuir documento comprovativo da autorização destes.
As candidaturas são avaliadas duas vezes por ano, em junho e em dezembro, sendo
referentes aos pedidos efetuados nos seis meses anteriores. É válida uma candidatura por
ano civil, podendo existir várias anuais por parte dos candidatos elegíveis, desde que
comprovem documentalmente a execução dos projetos realizados.
Assim que instruído o pedido, é avaliado pelo grupo de trabalho, que tem em conta
o volume de negócios do ano anterior (dando primazia a quem não excedeu os 500 mil
euros na área da restauração e os 150 mil euros para as restantes áreas de negócio). É este
grupo que elabora a proposta de atribuição do apoio monetário, submetendo-a ao
3 Para consulta dos documentos necessários a serem entregues na candidatura, consultar 1º Suplemento ao
Boletim Municipal nº1171, p. 6
21
presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ao vereador com competência na área da
economia ou do comércio.
É igualmente necessária a apresentação do comprovativo da despesa ou do
relatório do orçamento, podendo o valor referente ao apoio atingir até 80% das despesas
consideradas elegíveis, com um teto máximo de 25 mil euros.
O pagamento é efetuado numa só tranche, até ao limite máximo previamente
mencionado, mediante comprovativo da despesa e da sua liquidação. Caso o apoio
concedido tenha por base um orçamento apresentado, o pagamento efetua-se da seguinte
forma:
• 70% através de apresentação de comprovativo de adjudicação das intervenções a
realizar a terreiros;
• 30% mediante apresentação do comprovativo da despesa e respetiva liquidação.
Os valores atribuídos serão concedidos pelos serviços da autarquia volvidos 30
dias da receção de toda a documentação necessária. A divulgação dos espaços elegidos
será feita em Edital, publicado no Boletim Municipal, no site e no Facebook oficiais da
autarquia. O regulamento proposto entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação em
Diário da República.
No Anexo II, encontra-se o “Regulamento de Atribuição da Distinção ‘Lojas com
História’”, apresentando a importância da preservação e manutenção do comércio
tradicional como marca identitária da cidade de Lisboa, pelas características únicas e
diferenciadoras da intrínseca atividade económica. Neste sentido, a Câmara, e de acordo
com as normas anteriormente referidas, propôs a distinção a um primeiro grupo de lojas,
numa classificação que tem em conta aspetos como a atividade, a permanência, a
preservação dos seus elementos patrimoniais, culturais e históricos. Este anexo tem como
objetivo estabelecer as regras relativas à candidatura e à respetiva atribuição da distinção
“Lojas com História”, reconhecendo o seu valor e a sua contribuição para a cidade de
Lisboa. Neste contexto, são apresentados em esquema de dicionário alguns elementos que
compõem o programa e as respetivas definições ou características de cada um.
a) “Lojas com História” - Lojas que correspondem a espaços comerciais com
particularidades arquitetónicas e/ou decorativas relevantes, e para as quais se
exige a conservação da identidade arquitetónica e decorativa nas operações
urbanísticas, nomeadamente as que visam a sua modernização ou alteração do
22
uso, bem como as lojas que são únicas no quadro das atividades económicas,
muitas delas pioneiras, e por vezes associadas ao seu uso original e
especializadas na venda a retalho, restauração e bebidas ou na prestação de um
serviço pessoal. Outras ainda, por serem as últimas do seu ramo de negócio ou
que introduziram novos conceitos na sua atividade para responder às
necessidades do público, e/ou que mantêm oficinas de manufatura dos seus
produtos.
b) Comércio tradicional – ou comércio de rua, comércio nos pequenos
estabelecimentos situados fora de grandes superfícies e especializado na venda
de um produto.
c) Critérios para a atribuição da distinção Lojas com História – tal como definidos
na Deliberação da Proposta n.º 66/2016, publicada no Boletim Municipal n.º
1049/2016.
d) Grupo de Trabalho – composto por representantes das áreas da economia e
inovação, urbanismo e cultura, nomeados pelo Despacho n.º 48/P/2016,
publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1161/2016.
e) Conselho Consultivo – foi criado um Conselho Consultivo das Lojas com
História, para apoio ao desenvolvimento do trabalho, constituído por
associações representativas e personalidades com forte ligação à cidade, à sua
história e ao seu comércio. (CML, 2016b, p.10)
As lojas elegíveis para esta categorização deverão dedicar-se ao comércio da rua
e estarem inscritas nas divisões 47, 56, 95 ou 96 da “Classificação Portuguesa das
Atividades Económicas” (CAE), revista pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de
novembro, excetuando-se as seguintes classificações, e cita-se:
• A subclasse 47111 (comércio a retalho em supermercados e hipermercados);
• A subclasse 47783 (comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico, em
estabelecimentos especializados);
23
• A subclasse 47810 (comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de
venda de produtos alimentares, bebidas e tabaco);
• A subclasse 47820 (comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de
venda, de têxteis, vestuário, calçado, malas e similares);
• A subclasse 47890 (comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de
venda, de outros produtos);
• A subclasse 47910 (comércio a retalho por correspondência ou via internet);
• A subclasse 47990 (comércio a retalho por outros métodos, não efetuado em
• estabelecimentos, bancas, feiras ou unidades móveis de venda);
• A subclasse 56210 (fornecimento de refeições para eventos);
• A subclasse 56290 (outras atividades de serviço de refeições);
• A subclasse 96030 (atividades funerárias e conexas);
• A subclasse 96040 (atividades de bem-estar físico);
• A subclasse 96092 (atividades dos serviços para animais de companhia). (CML,
2016b, p. 11)
As lojas que façam parte de estruturas comerciais (centros e galeria comerciais)
não poderão ser alvo desta distinção.
A candidatura pode ser proposta por qualquer organismo, público ao privado,
sendo comunicada ao responsável da exploração e ao titular do direito real do imóvel e
ao arrendatário, no caso de nenhum destes explorar o espaço. Caso nenhum seja o
promotor da candidatura, esta só é válida com a sua autorização. Para tal, é necessário o
preenchimento de um formulário disponível no website “Lojas com História” e no website
da Câmara Municipal de Lisboa ou, ainda, no Balcão Iniciativa Lisboa.
Para a formalização da candidatura, é necessária a identificação do seu promotor,
que deverá aglutinar uma memória descritiva e justificativa tendo em conta a
caracterização da atividade comercial, a descrição do património material, cultural e
histórico, a história da loja e a importância para as dinâmicas económico-sociais e
culturais da capital. Deverão ainda ser incluídas fotografias antigas e atuais da loja,
datadas e legendadas.
A análise destas candidaturas é competência do Grupo de Trabalho, através dos
critérios definidos para a atribuição da distinção. Cabe ainda a este organismo a
deslocação ao local, entrevistando o promotor da candidatura e a constituição de uma
24
análise que tenha em conta os critérios e a respetiva pontuação atribuída, verificando se
a loja tem ou não potencial de ser distinguida.
A aprovação ou reprovação da proposta é feita pelo presidente da Câmara
Municipal de Lisboa ou do vereador com competência atribuída na área do comércio ou
economia, depois da submissão do processo pelo grupo de trabalho e após consulta ao
conselho consultivo do programa “Lojas com História”. Neste contexto, é feita a audição
dos promotores da candidatura. As decisões são posteriormente comunicadas aos
interessados num prazo de 10 dias.
A distinção é realizada de acordo com os critérios aprovados e a cada espaço é
dada uma placa identificativa da atribuição, sendo anualmente promovida a divulgação
conjunta das distinções conferidas. Posteriormente, os espaços classificados são
divulgados nos meios online mencionados, podendo ser incluídos roteiros turísticos ou
outros. Tem a validade de dois anos, podendo apresentar-se nova candidatura a partir
desse momento. Caso os espaços comerciais sofram alterações nesse período, que criem
prejuízo face aos critérios definidos, perdem a distinção dada pelo grupo de trabalho.
Também foram previstos mecanismos de proteção e apoio ao comércio local e
tradicional através de benefícios ficais, como a isenção de taxa administrativa para obras
comprovadas de reabilitação e de ocupação de via pública – contempladas no
“Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Atividade Urbanística e
Operações Conexas”.
Figura 2 – Montra da Farmácia Barreto, com a identificação do projeto “Lojas com
História”. (Luís Freitas©, 2019)
25
1.5 - Grupo de trabalho e conselho consultivo – competências e funções
1.5.1 - Grupo de Trabalho
No 4.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1200, de 16 de fevereiro de 2017,
observamos a cronologia relativa à constituição do Programa:
A Deliberação n.º 99/CM/2015 (Proposta n.º 99/2015) publicada no 4.º
Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1097, de 27 de fevereiro de 2015, […]
aprovou o Programa “Lojas com História” e constituição do Grupo de Trabalho;
A Deliberação n.º 66/CM/2016 (Proposta n.º 66/2016) publicada no 4.º
Suplemento ao Boletim Municipal n.º 1149, de 25 de fevereiro de 2016, que
aprovou os critérios de atribuição da distinção “Lojas com História” e as normas
de concretização do referido programa;” (CML, 2017, p. 354)
Nesta ocasião, também foi recomendada a criação de um gabinete sediado na
Câmara, que trabalharia para além do grupo de trabalho e do conselho consultivo,
apoiando juridicamente as lojas nos processos de candidatura e nas questões de
salvaguarda e restauro do património integrado, ajudando igualmente os proprietários no
que toca à valorização dos espaços como referimos anteriormente (merchandising,
vitrinismo, publicidade exterior, acolhimento a clientes). O aconselhamento estendeu-se
e procurou que a instituição camarária dispusesse de meios de apoio à divulgação da
iniciativa e à salvaguarda de um património que começava agora a reafirmar-se e a ser
reconhecido no panorama lisboeta (CML, 2017b).
Ao grupo de trabalho foram atribuídas 12 competências especificas sobre os
procedimentos a aplicar:
1. Caracterização, mapeamento e definição de critérios para uma classificação de
“Lojas com História” da cidade de Lisboa, de acordo com elementos
urbanísticos, culturais e económicos, incluindo as oficinas (dentro e fora das
lojas) existentes na cidade que trabalhem artes e ofícios ligados ao comércio de
manufatura ou que, não estando ligadas ao comércio, tenham potencial para
fazer parte deste projeto e desenvolver a sua atividade;
26
2. Levantamento e elaboração da proposta de atribuição da distinção a um
primeiro grupo de “Lojas com História” existentes na cidade nos termos dos
critérios mencionados no número anterior.
3. Apreciação de todos os processos de atribuição da distinção “Lojas com
História”, de acordo com a metodologia definida para o efeito, propondo a
decisão final aos Vereadores com competência nesta matéria;
4. Abertura de processos de distinção, por iniciativa própria, dos Vereadores com
competência ou do Conselho Consultivo.
5. Apresentação propostas de novas medidas de apoio e incentivo às lojas
distinguidas;
6. Emissão de parecer positivo não vinculativo no âmbito de operações
urbanísticas que tenham impacto direto sobre as lojas distinguidas.
7. Propor à Direção Municipal de Cultura a abertura de procedimentos de
classificação do imóvel, mobiliário, outros elementos do espólio e/ou de bens
imateriais como de Interesse Municipal;
8. Propor a implementação de novas medidas de divulgação e promoção das lojas
distinguidas pelo Programa, que possam abranger o comércio tradicional em
geral;
9. Desenvolvimento e aplicação de uma marca ativa e identitária de comércio da
cidade de Lisboa – “Lojas com História” – a partir da qual diversos conteúdos
serão produzidos;
10. Promover uma rede de parcerias que visem apoiar a continuidade das
atividades comerciais, do património e da artes e ofícios correlacionados,
propondo a celebração de protocolos de colaboração com associações e
entidades;
11. Acompanhar as lojas distinguidas pelo Programa e centralizar o apoio
necessário, nomeadamente nas áreas de restauro de espaços, mobiliário e
património artístico; modernização e divulgação; design de comunicação;
produto e interiores e aconselhamento sobre candidaturas a programas de
financiamento.
12. Gerir a comunicação com lojas, incluindo o endereço de email
[email protected] e o sítio da internet. (CML, 2016a, p. 94)
27
Pela leitura destes pontos, percebemos que este grupo de trabalho ficou
responsável por tomar todas as providências relativamente ao cumprimento e manutenção
do programa “Lojas com História”, e de ter em consideração os novos espaços que fossem
passiveis de ser caracterizados com a distinção, devendo estes localizar-se na cidade de
Lisboa, estar ligados a uma produção de manufatura e ser igualmente comerciais,
cumprindo os critérios mencionados. Em paralelo, poderão surgir novos espaços que
pelas características mencionadas sejam passiveis de serem distinguidos.
O grupo de trabalho deverá igualmente propor medidas de apoio e incentivo, tendo
em conta não só a profissão desenvolvida, mas, igualmente, o seu espólio, materiais e
património imóvel, numa vertente de valorização deste comércio tradicional que se
pretende distinguir. Depois de classificados, deverá ser providenciado um
acompanhamento a nível da preservação, manutenção e até modernização, caso se
aplique, podendo ser subsidiados para o efeito.
Por fim, o grupo de trabalho terá a cargo a responsabilidade da comunicação
através do website e endereço de e-mail criado para o efeito.
Para a composição deste grupo, e dada a multidisciplinariedade necessária para
levar a cabo a sua missão, foi necessário hierarquizar funções. Nesse sentido, foi divido
da seguinte forma:
- Coordenador – a designar pelo Vereador com o pelouro da Economia e Inovação;
- Representantes da Direção Municipal de Economia e Inovação e/ou das
respetivas unidades orgânicas – a designar pelo Vereador com o pelouro da
Economia e Inovação;
- Representantes da Direção Municipal de Urbanismo e/ou das respetivas unidades
orgânicas – a designar pelo Vereador com o pelouro do Urbanismo;
- Representantes da Direção Municipal de Cultura e/ou das respetivas unidades
orgânicas – a designar pela Vereadora com o pelouro da Cultura.
- Outros membros cujo contributo seja considerado necessário, a mobilizar para
ao efeito. (CML, 2016a, p. 95)
Esta orgânica será posteriormente avaliada pelo trabalho desempenhado,
correspondendo ao coordenador a tarefa de promover e articular todos os serviços do
município envolvidos, internos e externos ao programa.
28
A vertente visual e de consultoria estratégica, mas, acima de tudo, definidora dos
critérios de distinção coube ao grupo constituído por Álbio Nascimento, Frederico
Duarte, Guilherme Sousa e Isabel Lopes de Castro, designers ligados à Faculdade de
Belas-Artes da Universidade de Lisboa, cujas funções desempenhadas foram
propulsionadas pela autarquia (Pincha, 2017a).
A escolha deste grupo deve-se, segundo Frederico Duarte, a Graça Fonseca,
vereadora da Economia até novembro de 2015, que viu a potencialidade do programa
“Lojas com História” para lá da vertente patrimonial, sendo o design o fio o condutor para
relevar aspetos relativos ao mobiliário e aos produtos vendidos e/ou produzidos nestes
estabelecimentos.
No seguimento de projeto, o grupo de designers assumiu que tinha havido um
gradual desinteresse por parte dos lisboetas relativamente a estes espaços, e que o
programa visava valorizar parte da história e identidade da cidade de Lisboa,
evidenciando o seu uso quotidiano ou esporádico (Pincha, 2017a).
Nesse sentido, o grupo iniciou os seus trabalhos por uma busca intensa de
potenciais lojas históricas na cidade de Lisboa, seguindo o grande princípio de que as
“Lojas com História” nunca poderiam ser vistas pela lente da autenticidade ou identidade,
mas com vista a se conhecer as suas próprias dinâmicas históricas, mais ou menos felizes.
Esta ideia foi aplicada às 81 lojas caracterizadas até março de 2017.
29
Figura 3 – Constituição, em grupos, dos membros e órgãos participantes do
Grupo de Trabalho e Conselho Consultivo do projeto “Lojas com História” de Lisboa
(Câmara Municipal de Lisboa, 2019)
1.5.2 - Conselho Consultivo
Aprovado o programa e a criação do versátil grupo de trabalho, cujo labor assenta
na “Atividade, Património Material e Património cultural e histórico”, foi criado em
simultâneo um conselho consultivo das “Lojas com História”, com o objetivo de apoiar
o desenvolvimento do trabalho. Este conselho, constituído por associações
representativas e personalidades com ligação à cidade, à história e ao comércio, reunidas
através de convite, foi ouvido relativamente à proposta de definição dos critérios a aplicar
às lojas passiveis de serem distinguidas, apreciando todas as propostas neste âmbito, bem
30
como incentivando e apoiando as lojas distinguidas, sempre que solicitado pelos
vereadores com os pelouros referidos.
Os seus membros são convidados pelos vereadores com os pelouros da Economia
e Inovação, Urbanismo e Cultura, não obtendo remunerações relativas aos trabalhos
desenvolvidos. A constituição de critérios definidores que visem as classificações
excluem, a priori, possíveis favorecimentos durante a análise de candidaturas, uma vez
que cada espaço comercial deverá obter um número de pontos, atribuídos nos critérios.
No âmbito da definição das “Lojas com História”, considerou-se que a idade de
um espaço deveria ser um dos primeiros fatores a ter em conta. Para além desse, à data
do lançamento da plataforma tinham sido seccionados vinte critérios em três grandes
categorias – Atividade, Património Material e Património Cultural e Histórico (muito dele
imaterial). Muitas vezes, os espaços escolhidos foram reflexo do fator antiguidade e por
serem exemplares quase únicos de ofícios e/ou espaços que gradualmente têm vindo a
desaparecer. Apesar da predominância dada a este aspeto, Isabel Lopes de Castro admite,
inclusivamente, que não interessava musealizar as lojas; o principal objetivo era a
descoberta, ou redescoberta, dos espaços pelas suas características muito típicas, onde
ainda se vendiam bens (Pincha, 2017a). Este relega-nos novamente para a clara missão
deste projeto que, através da criação de um sistema rígido e fechado de medidas que
possibilitam a classificação e divulgação das lojas históricas, acaba por criar uma questão
dúbia, tendo em consideração esta distinção com a vivência destes espaços.
De facto, os critérios que visam a atividade comercial e o património procuraram
proteger o que é antigo, de produção ou manufatura nacional, bem como o que
consideraremos como património integrado. Para a sua concretização, atribui-se esta
responsabilidade de salvaguarda aos municípios, que devem criar condições aos
proprietários dos espaços para eles poderem garantir a sua permanência e manutenção da
sua atividade.
Esta visão leva-nos a questionar de que forma é que este projeto não encerra em
si mesmo uma vertente museológica. Se estamos perante um movimento de proteção de
património e da sua divulgação, procurando redescobrir estas lojas através do que têm de
tradicional, ou diferente, não estaremos a tentar preservar este património material e
imaterial?
E não será este o papel dos museus? De facto, também aqui estamos perante uma
estrutura que pretende ser o principal promotor de salvaguarda de objetos, divulgando-os
e estando ao serviço da sociedade.
31
Consideramos ser totalmente paradoxal existirem condições do projeto “Lojas
com História” para a possível consideração museológica destes espaços, e,
simultaneamente, negar-se esta vertente que o programa parece encerrar em si. Se o
projeto pretende ser um importante veículo de proteção e promoção do comércio
tradicional, que gradualmente tem vindo a desaparecer pela incapacidade de sustentar e
acompanhar a sociedade atual, é possível olhar para este projeto como um meio de
ressuscitar estes espaços, mesmo que isso implique a sua musealização.
Estas questões têm também em conta o lado dos empresários, cuja oportunidade
de verem os seus negócios redescobertos, com um olhar dos clientes mais disponível para
o que é identitário e característico, são elevadas pelo reconhecimento que os espaços
obtêm no momento das distinções, o que os levará a preservar essa identidade, através do
seu “congelamento”, mesmo que este seja adaptado à função de uso do espaço comercial.
32
2 - Questões de salvaguarda de património
2.1 - Definição de património integrado
As várias propostas de alargamento da definição de património integrado –
sugeridas nas Cartas de Veneza, Granada e Cracóvia (Nascimento & Alves, 2016) têm
tido como principal âmbito a valorização dos elementos existentes no interior de edifícios,
sejam estes classificados ou não, e de monumentos.
No caso português, é através da criação do Instituto Português do Património
Arquitetónico e Arqueológico (IPPAR), em 1992, que vemos uma maior preocupação
com esta definição e com o que ela acarreta. Nessa altura, considerando bens culturais
móveis integrados como as partes integrantes e acessórias, foi criado um Departamento
de Património Integrado, que compreendia um departamento de Conservação e Restauro
e outro de Património Integrado. Este departamento teve como principais objetivos
orientar a política de restauro de bens móveis, ou do património artístico móvel
imobilizado – integrado – instalado em imóveis classificados, promovendo igualmente a
sua conservação e restauro, desde que se encontrasse em imóveis da responsabilidade do
IPPAR ou que estivessem classificados como monumento nacional. Este património
deveria ser estudado e valorizado museologicamente, podendo criar-se circuitos de visita
com esse objetivo. Nesta fase, verificou-se um grande esforço de preservar elementos
interiores – “pinturas murais, os revestimentos azulejares, os cadeirais e arcazes das
igrejas, os altares, os tectos em caixotões e respectivas pinturas, os elementos decorativos
sobre estuque e em pedra, os órgãos e os vitrais […] e mobiliário integrado” (Decreto-
Lei n.º 120-97, 1997, p. 2427). Na sua génese, estes elementos são associados a igrejas
ou palácios, uma grande fação dos imóveis tutelados pelo IPPAR, que sempre os
considerou como o património integrado de valor, desenvolvendo várias intervenções de
larga escala neste contexto.
Mais tarde, em 2005, é noticiado que a Câmara Municipal de Lisboa estava a
promover a reabilitação de igrejas e monumentos do centro histórico da cidade. Nesta
fase, procurou priorizar-se o restauro do património integrado destes edifícios, como foi
o caso da Igreja de Santa Catarina, bem perto da Farmácia Barreto, sobre a qual falaremos
mais à frente.
Em 2016, Virgínia Glória do Nascimento e Alice Nogueira Alves viriam a propor
uma aceção do que é património integrado como “todos os bens de valor cultural,
33
materiais ou imateriais, que em conjunto constituam a identidade patrimonial de um
edifício” (Nascimento & Alves, 2016). Transportando esta proposta para a concretização
do projeto “Lojas com História”, observamos que há uma evidente ligação entre ambas,
uma vez que o programa procura proteger espaços que têm significância histórica para a
cidade, pelas características do seu espaço, mas, também, pelo que representam. Não
sendo per si monumentos, são lojas representativas da memória coletiva. Esta
classificação tem em grande conta aquilo que consideramos como o património integrado
das lojas.
De facto, os critérios do programa são claros e têm em conta aspetos dedicados ao
património constituinte dos espaços comerciais – avaliados até pelo mobiliário,
iluminação e decoração e pela sua respetiva salvaguarda. Neste sentido, o fundo
municipal prevê intervenções de conservação e restauro no mobiliário, em elementos
decorativos, não causando prejuízo aos pontos atribuídos nos critérios.
Que o conceito de património evoluiu e passa a integrar estabelecimentos
comerciais, isso parece pacifico…Que o valor do que se pretende manter é mais do
que físico, isso parece evidente. (Chamusca et. al.,2017, p. 67)
Se, por um lado, ao longo do tempo os espaços têm sofrido alterações para
acompanhar exigências inerentes aos ofícios - ou até porque a concorrência se tornou
mais agressiva e é necessário adaptar-se às exigências do próprio tempo - por outro,
observamos uma corrente amplificada pelas iniciativas “Lojas com História”, à qual se
vieram juntar outras, entre as quais é importante referir o projeto “Porto com Tradição”,
“Lojas com Memória” ou, ainda, num sentido mais amplo, o projeto “Comércio com
História”, que querem preservar estes espaços-memória, tendo em conta a sua
longevidade e o ofício, bem como tudo aquilo que compõe estes espaços – o seu
património integrado. Em seguida veremos a ligação entre estes programas e o que agora
estudamos.
2.2 - A Lei n.º 42/2017 – Proteção do comércio tradicional
Amplificando a iniciativa “Lojas com História”, que nos parece inteiramente
ligada ao que designamos por património integrado, como vimos no ponto anterior, em
34
2017 observa-se uma alteração legislativa de extrema importância para a salvaguarda do
comércio tradicional em termos nacionais.
Através da Lei n.º 42/2017, que atribui responsabilidades e define critérios e
medidas de proteção para as “lojas com história”, o “comércio tradicional”, e as
“entidades de interesse histórico e cultural ou social local” (Lei n.º 42/2017, 2017, p.
2993), observamos que foram aprovadas um conjunto de medidas que visam defender os
interesses dos proprietários de espaços tidos como de comércio tradicional, mas também
os proprietários de imóveis onde estas atividades funcionam.
A primeira caracterização, de “loja com história”, é definida como um
estabelecimento comercial com especial valor histórico cuja preservação deva ser
acautelada.
Por “comércio tradicional”, entende-se a atividade comercial desenvolvida em
estabelecimentos pequenos localizados fora das grandes superfícies comerciais, cuja
especialização se prende na venda de um produto ou serviço.
“Estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local” são as lojas
com história ou estabelecimentos de comércio tradicional em funcionamento, cuja
atividade e património material ou imaterial sejam referências nas funções económicas,
culturais ou sociais do local em que se encontram. Esta última definição abarca também
os espaços com e sem fins lucrativos (associações, coletividades) que sejam igualmente
referência nos campos acima apresentados.
Esta lei procurou atribuir aos municípios a responsabilidade de levarem a cabo
medidas de proteção do património, devendo para tal inventariar e reconhecer os
estabelecimentos de interesse, comunicando essa informação ao Estado. Posteriormente,
é responsabilidade das vereações aprovar regulamentos que reconheçam os atributos dos
espaços, salvaguardando-os, não só relativamente ao seu património, mas, também,
através de condicionamentos a intervenções urbanas e em imóveis em cujas lojas
consideradas se inscrevam. Por fim, deverão ser criadas medidas de apoio e de incentivo
à proteção e salvaguarda dos espaços considerados.
Ao Estado foi atribuída a competência da criação de programas anuais de
incentivo e apoio à preservação dos estabelecimentos de interesse, articulando-se com as
autarquias, podendo integrar os espaços comerciais em programas mais abrangentes e
criar e atualizar um inventário nacional dos espaços de interesse histórico e cultural – algo
que viria a acontecer com o projeto “Comércio com História”, a que nos referiremos em
seguida.
35
Como critérios para o reconhecimento do interesse histórico cultural ou social
local, foram definidas as três grandes fações com subdivisões que elencámos
anteriormente: a atividade, o património material e o imaterial (ver 1.3.1).
A atividade deve ponderar elementos como a longevidade (exercida com o
mínimo de 25 anos), a significância local e objeto identitário, reconhecendo-se
testemunhos históricos locais e a importância cultural ou social; e ainda, a vertente
pioneira do negócio, podendo esta resultar na manutenção de produção em manufatura
No património material evidencia-se a “presença de património material íntegro
ou de elementos patrimoniais originais e de interesse singular, designadamente
arquitectura; elementos decorativos e mobiliário; elementos artísticos, designadamente
obras de arte.” (Lei n.º 42/2017, 2017, p. 2994), e o acervo dos espaços, composto por
bens materiais e documentos considerados como essenciais para a história da atividade.
No caso do património imaterial, considera-se o espaço como possível referência
local, podendo ser reflexo de uma identidade urbana geográfica, mas, também, a
salvaguarda de bens patrimoniais e documentos que testemunhem o património
intangível, ou, por fim, a necessidade de valorização do património imaterial a residentes
e visitantes.
O reconhecimento dos espaços e deste conjunto de caraterísticas é da competência
das câmaras municipais, após audição da junta de freguesia onde o espaço comercial se
circunscreva. A candidatura é feita de forma oficiosa ou mediante requerimento,
apresentado pelo titular do estabelecimento, por um órgão da freguesia respetiva ou por
uma associação de defesa do património cultural. Em seguida, fica sujeita a consulta
pública durante 20 dias. Os pedidos diferidos deverão conter, cumulativamente: o
elemento referente à longevidade, e pelo menos um dos elementos dos pontos referentes
à atividade; e, no mínimo, um elemento dos pontos da alínea referente ao património
material, ou de entre os pontos referentes ao património imaterial.
Neste caso, o reconhecimento é válido pelo período mínimo de quatro anos, e
renovado por períodos iguais, podendo a Câmara Municipal recuar na decisão, caso os
espaços e entidades sofram alterações que sejam prejudiciais à manutenção e
permanência dos critérios de reconhecimento. Sem causar prejuízo aos pressupostos
exigidos para este processo, podem ser desenvolvidas atividades que tenham em vista a
manutenção da vitalização do imóvel por iniciativa própria ou de terceiros.
Em termos benéficos, os estabelecimentos ou entidades reconhecidas ficam
protegidos através de três medidas:
36
• Proteção prevista no regime jurídico do arrendamento urbano;
• Proteção prevista no regime jurídico das obras em prédios arrendados;
• Possibilidade de integrar programas municipais ou nacionais de apoio.
Aos proprietários dos imóveis onde os espaços se localizam é concedida a
possibilidade de beneficiarem de isenções ou benefícios fiscais, concedidos pelas
autarquias. Aos arrendatários é dado o direito de preferência na transmissão onerosa do
imóvel ou partes do mesmo, nos quais estejam instalados. Isto beneficia o arrendatário na
medida em que dispõe de 30 dias para exercer o seu direito de preferência caso exista a
venda do imóvel, podendo este período ser maior, se assim for estipulado. Os municípios
têm automaticamente direito de preferência relativamente a este ponto.
Por fim, os arrendatários localizados nos estabelecimentos ou entidades
reconhecidas poderão realizar obras indispensáveis de conservação e salvaguarda do
locado, após terem sido interpelados para o fazer, caso o senhorio não as tenha ordenado
em tempo razoável.
Com maior vigor, esta Lei veio introduzir alterações importantes relativamente ao
Decreto-Lei n.º 157/2006, que aprovou o regime jurídico de obras em prédios arrendados:
• Os critérios definidos para a denúncia de contratos no caso de existirem obras de
remodelação ou restauro não se aplicam nos estabelecimentos ou entidades
situadas nos locados reconhecidos pelos municípios como de interesse histórico e
cultural ou social local;
• Caso se proceda a intervenções profundas de remodelação ou restauro do imóvel,
e nos mesmos existam estabelecimentos ou entidades de interesse histórico e
cultural ou social local reconhecidos, é da responsabilidade dos municípios a
salvaguarda da atividade e do património material existente no locado, devendo,
se necessário, condicionar algumas matérias nos termos das obras.
• Os imóveis que possuam estabelecimentos ou entidades reconhecidas, e que
sejam passiveis de ser demolidos, só poderão ser demolidos se, em caso de ruína,
não exista outro modo de salvaguardar ou deslocar o estabelecimento, ou ainda,
quando o motivo da ruína é superior ao que poderá ser exigido em termos de
conservação ao proprietário. Só as demolições estritamente necessárias são
autorizadas, e, caso as ruínas sejam provocadas por incumprimentos da
37
salvaguarda e manutenção da conservação dos espaços, tanto do arrendatário
como do proprietário, são aplicadas coimas, dependendo da parte culposa (Lei n.º
42/2017, 2017, pp. 2995-2996).
Partindo do ponto em que são criadas ou alteradas as condições legais e os critérios
específicos para proteger e salvaguardar espaços a que se encontram muitas vezes
associados ofícios em via de desparecer, observamos uma viragem do ponto de vista
social relativamente ao que poderá ser considerado como “seu”. Se uma loja, como é o
caso de uma drogaria, a título de exemplo, estiver no mesmo bairro durante 50 anos, um
possível residente na área irá associar o seu crescimento a este lugar específico, tornando-
se uma memória e, simultaneamente, como um representante coletivo de determinado
lugar.
Da análise efetuada, observamos que a Lei n.º 42/2017 introduz um conjunto de
medidas de extrema valência para os proprietários de espaços classificados, sendo um dos
principais atributos a possível sustentabilidade do espaço através da manutenção dos
contratos de arrendamento, atribuindo e até partilhando com os municípios, e em maior
escala com o Estado, o dever de criar condições e medidas para a salvaguarda do comércio
tradicional.
2.3 - Divulgação do projeto “Lojas com História”
De certo modo, poderemos verificar que a Lei n.º 42/2017 veio estabelecer uma
vertente de proteção por parte do Estado, distribuindo também responsabilidades pelos
municípios na criação de medidas que visem a proteção do comércio tradicional.
Se tivermos em conta a já referida definição de património (Nascimento & Alves,
2016), que considera que todos os elementos, sejam estes de caráter material ou imaterial,
fazem parte da identidade de um determinado edifício em cujo contexto teriam sido
criados, e ao encarar o comércio local como marca identitária da cidade, o projeto “Lojas
com História” encerra em si uma ideologia de preservação de tudo aquilo que compõe a
loja: o ofício, o espaço, mas também os seus elementos materiais e imateriais.
Constituídos os critérios, as equipas de trabalho e toda a estrutura necessária para
que o projeto entrasse em ação foram distinguidas, no ano de 2016, 63 estabelecimentos,
de vários ofícios, de entre 100 pré-selecionados (Sousa, 2017). Posteriormente. o
processo de cada loja foi carregado numa base de dados, com registos fotográficos e
38
documentais sobre o espaço classificado, sendo atribuída a cada uma placa distintiva que
deve ser colocada na parte frontal de cada estabelecimento4 (Urbact, 2017).
Com esta distinção, as lojas ganham vários tipos de benefícios, como é o caso de
uma maior visibilidade pública, o que constitui um estímulo para os espaços comerciais
atualizarem os seus métodos de trabalho, para se posicionarem no mercado. Para isso, o
fundo municipal tem como função apoiar monetariamente a conservação e restauro do
espaço, mas também dinamizar e incentivar práticas comerciais e culturais.
Invoca-se também uma vertente de salvaguarda do património imóvel e integrado,
que se considera como uma marca identitária da cidade de Lisboa. No seguimento, os
espaços classificados beneficiam de redução ou isenção nas taxas municipais, sendo este
um esforço da Câmara no combate à especulação imobiliária e ao aumento que se verifica
gradualmente nos arrendamentos a espaços comerciais, dando seguimento ao que foi
estabelecido na Lei n.º 42/2017.
2.3.1 - A exposição “Lojas com História”
Para fomentar a divulgação deste projeto e dos seus resultados, no dia 7 de
setembro de 2017, foi inaugurada uma exposição organizada pela autarquia de Lisboa,
que decorreu no n.º 134 da rua da Conceição, e esteve patente até 25 de novembro do
mesmo ano; composta por peças como fotografias, cartazes e objetos antigos,
provenientes dos 81 estabelecimentos classificados à data pelo programa “Lojas com
História”.
O principal objetivo desta exposição foi apresentar a atividade de cada uma das
lojas classificadas, recorrendo a vídeos documentais, com testemunhos, sobre os
respetivos ofícios. Em 2017, Miguel Marques dos Santos, responsável pela exposição,
mencionava que a mostra se destinava “ao grande público” (Pinto, 2017), sublinhando
esta ideia de divulgação generalizada.
Composta por dois pisos, a mostra ocupou várias salas temáticas, com objetos
representativos ou da posse dos espaços classificados. No rés-do-chão estiveram
representadas as pastelarias e cafés mais emblemáticos da cidade de Lisboa (Pastéis de
4 63 lojas distinguidas em 28 de julho 2016 (Boletim Municipal n.º 1171 -2.º Suplemento)
19 lojas distinguidas em 16 março 2017 (Boletim Municipal n.º 1204 – 4.º Suplemento)
Conjunto das 82 lojas - ratificação em 17 agosto 2017 - (Boletim Municipal n.º 1226 – 3.º Suplemento)
39
Belém; A Carioca; Manuel Tavares; Conserveira de Lisboa; Casa Pereira da Conceição).
No piso de cima, na sala “Lisboa Vaidosa”, ficaram as sapatarias, as luvarias, as
chapelarias, as óticas e as ourivesarias – os objetos essencialmente ligados à moda. Na
sala “Lisboa à Mesa” estavam cartazes e peças de restaurantes e bares de Lisboa. Na sala
“Em Tudo tem Remédio”, objetos do Hospital das Bonecas, mas também de farmácias
classificadas. Numa outra sala, a “Sopa de Letras”, representam-se duas livrarias. De
seguida, nos “Vícios de Lisboa” estavam representadas as tabacarias e casas de Jogo. “De
Tudo um Pouco” foi o nome escolhido para a sala que acolheu ofícios variados: A
Espingardaria Central A. Montez, a Florista Pequeno Jardim, a Primeira Casa das
Bandeiras. Na “Lisboa dos Ofícios” figuraram as lojas com associações a fábricas ou
oficinas (Pinto, 2017).
2.3.2 - A publicação “Lojas com História”
Lançado nos Paços do Conselho a 22 de novembro de 2017, o livro “Lojas com
História” é mais um dos elementos divulgadores do programa homónimo, que a par do
website (www.lojascomhisoria.pt) e da página de Facebook e Instagram do projeto, bem
como da exposição anteriormente referida, visa apresentar os cerca de 80 espaços
classificados à data do seu lançamento.
Figura 4 – Capa da publicação “Lojas com História”, que reúne os espaços
classificados à data do seu lançamento.
Publicado pela editora Tinta da China, esta monografia pretende dará conhecer
todos os espaços classificados, dando-lhes destaque pela informação escrita
40
sinteticamente sobre a história de cada um, ilustrada com registos fotográficos antigos e
atuais.
Se, como Fernando Medina afirmou na altura do lançamento do livro em 2017, o
que estava em causa no programa “não é uma realidade museológica mas uma aposta
num futuro vivo”, num “exercício difícil entre a preservação patrimonial e a vitalidade
económica, que acrescenta densidade ao programa” (CML, 2017d), a verdade é que
volvidos dois anos o programa se mantém vivo.
Todos os anos são várias as classificações de novos espaços, numa luta hercúlea
com a pressão e a especulação imobiliária, na procura de se protegerem espaços que
gradualmente vão desaparecendo para dar lugar a outros, perdendo-se assim o
denominado comércio tradicional.
No lançamento do livro, José Sarmento de Matos e Raquel Henriques da Silva,
membros do Conselho Consultivo do Programa “Lojas com História”, elogiaram a
dinâmica exigente de preservação de elementos que se encontram em constante mutação,
e, nas palavras da historiadora, o “resultado de dois anos de trabalho das equipas deste
programa” (CML, 2017d).
2.4 - A atualização do projeto a nível nacional
2.4.1 - “Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa”
Figura 5 – Logótipo da iniciativa “Círculo das Lojas Tradicionais de Lisboa” (Círculo
das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa, 2015)
Se o programa “Lojas com História” começava a dar os primeiros sinais em 2015,
parece-nos de extrema relevância apresentar uma iniciativa que surgiu quase em
simultâneo, fora da alçada da Câmara Municipal de Lisboa e que, pelas similaridades
encontradas, poderá ter servido como referente para o que se viria a desenrolar no projeto
agora estudado.
41
Por ideia de um grupo de cidadãos, foi decidido criar-se uma plataforma
denominada “Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa”, que procurou
promover e preservar a memória e história das lojas classificadas. Para isso, apenas era
necessária a aprovação de 4 dos 6 elementos que compunham o júri, e cumprir os critérios
de elegibilidade simples, criados para o efeito:
1. Ser uma referência histórica e/ou artística e/ou vernacular e/ou espaço c/
particularidades arquitectónicas e/ou decorativas relevantes.
2. Vender/produzir artigos e serviços de excelência, não obrigatoriamente de luxo.
3. Manter a mesma actividade desde há pelo menos 50 anos, c/ou s/ o mesmo
proprietário/ gerência, sob ou não a mesma marca ou firma comercial.
4. Centrar a sua actividade na cidade de Lisboa.
5. Assumir um compromisso ético e/ou ambiental
Ou
Ser uma “loja única”:
• Em cuja actividade é a única de porta aberta;
• Loja indissociável do próprio local (ex. retrosarias da Rua da Conceição);
• Loja onde tenham ocorrido factos históricos, documentados/vox populi. (Círculo
das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa, 2015)
Foi também sugestionada a criação de um sistema de mecenato para apoiar as
obras de conservação e restauro e a criação de um autocolante identificativo a ser
colocado nas montras, exibindo que os espaços se inserem no “Círculo” (Soares, 2015).
Esta iniciativa procurou igualmente criar roteiros dos espaços comerciais, com visitas
guiadas, alertando e divulgando a existência e a necessidade de salvaguardar estas lojas.
Numa primeira fase, foram 21 as lojas que integraram o projeto, consideradas até como
reservas visitáveis (Coelho, 2015). Hoje, são já perto de 65, tendo em conta que algumas
das lojas classificadas por esta iniciativa ou até pelo programa “Lojas com História”
acabaram por encerrar.
42
2.4.2 “Porto de Tradição”
No seguimento do lançamento do projeto de Lisboa, o Porto promoveu um
programa denominado de “Porto de Tradição”, que tem por objetivo classificar lojas
históricas de interesse socioeconómico, histórico ou cultural, com ou sem fins lucrativos,
para a cidade, sendo um reflexo da memória e identidade coletiva para o Porto.
Com esse objetivo, foi criado um grupo de trabalho em julho de 2016, constituído
por membros representantes dos pelouros da Cultura, Urbanismo, Habitação e Ação
Social, bem como por elementos das Faculdades de Arquitetura, Letras e Belas-Artes da
Universidade do Porto, pela Associação dos Comerciantes do Porto, pela Associação
Nacional de Proprietários e pelo Departamento Municipal de Turismo e Comércio da
Câmara Municipal do Porto.
Este grupo de trabalho ficou incumbido de conceber e propor critérios que
levassem à distinção dos estabelecimentos comerciais ou entidades de interesse histórico,
cultural, ou social, tendo em conta elementos urbanísticos, arquitetónicos, históricos,
artísticos e económicos, entre outros.
Em março do ano seguinte, foi criado um grupo de terreno, composto por
membros das Faculdades de Letras e Belas-Artes da Universidade do Porto, do Instituto
Superior de Ciências Empresariais e do Turismo e da Divisão Municipal de Comércio da
Câmara Municipal do Porto, que teve como principal objetivo testar e condensar os
critérios que o grupo de trabalho definiu para o reconhecimento dos espaços.
Entretanto, a Lei nº. 42/2017 veio alavancar aquilo que já era defendido no projeto
de Lisboa e o que se começava a desenrolar no Porto, tendo como objetivos gerais a
proteção através de lei do arrendamento urbano e da legislação das obras em prédios
arrendados, e a abertura do acesso a programas de apoio aos estabelecimentos
considerados de interesse histórico, cultural ou social local.
2.4.2.1 - Regulamento “Porto de Tradição”
Em janeiro de 2018, a Câmara Municipal do Porto submeteu para apreciação
pública o regulamento do projeto “Porto de Tradição”. O documento, disponível para
consulta pública (Câmara Municipal do Porto, 2018), tem como objetivo estabelecer os
critérios mínimos para o reconhecimento dos estabelecimentos comerciais pelo seu
43
interesse histórico, económico ou social local, tendo como missão a salvaguarda dos
imóveis e das características que tornam estes espaços únicos e diferenciadores, onde a
sua história se cruza com a da própria cidade.
Foi também neste regulamento que ficou aprovado que os municípios tenham a
autonomia para criar os critérios gerais de reconhecimento das entidades comerciais,
definir outros, tendo em conta especificidades locais, criar programas de apoio monetário
e definir critérios de avaliação de vários elementos, distintos dos previstos na lei, tendo
em conta a realidade e especificidade local de cada município.
Foi ainda prevista a criação de um regulamento que permita a densificação dos
critérios, através de outras medidas face ao que é previsto na Lei n.º 42/2017 para os
estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local.
Desta forma, o regulamento dividido em artigos pretende criar parâmetros sobre
os quais todo o programa se deve basear. São apresentados os critérios mínimos para o
reconhecimento e proteção dos espaços comerciais, relevando questões de urbanização,
edificação e utilização para um imóvel que seja também reconhecido.
Semelhante à disposição lisboeta, os seus critérios dividem-se em duas tipologias
distintas: os estabelecimentos comerciais e as entidades de interesse histórico e cultural
ou social local da cidade5.
Para os estabelecimentos comerciais, os espaços são avaliados tendo em conta:
1. Critério da atividade:
- Longevidade reconhecida, valorizando-se os anos de existência do espaço, desde
a data de abertura, em exercício no mesmo local, independentemente da gerência
e funcionários, ou titulares diferentes a explorarem o espaço;
- Continuidade na família/empregados, destacando a permanência geracional da
loja/empresa, independentemente da localização;
- Produção, critério em que é valorizada a localização dos produtos
manufaturados, mas também a existência de oficinas/manufatura associados aos
espaços comerciais, devendo estar na proximidade e ser visitáveis.
5 A avaliação é realizada através de um sistema de pontuação de 0 a 5, onde cada um dos pontos tem em
conta as especificidades dos critérios. As respetivas caracterizações e avaliações poderão ser consultadas
no Anexo I do regulamento (Câmara Municipal do Porto, 2018).
44
- Marca e produtos identitários, valorizando-se marcas próprias (aplicadas a um
produto ou serviço, devidamente registadas) e produtos identitários6;
- Viabilidade económico-financeira da atividade comercial no estabelecimento,
avaliada através dos resultados líquidos dos últimos 5 anos, mas, também, pela
solvabilidade do negócio, medida pelo rácio de autonomia financeira apresentado
no último exercício fiscal.
2. Critério Património Material
- Arquitetura e imagem interior, valorizando-se a qualidade e integridade de
elementos como mobiliário, decoração e arquitetura.
- Arquitetura e imagem exterior, valorizando-se a qualidade dos elementos
exteriores, como fachada, montra, letreiros.
- Espólio, valorizando-se os materiais constituintes dos espaços comerciais, em
quantidade e qualidade, raridade, antiguidade, salvaguarda e divulgação. Estes
materiais poderão ser documentos relativos à história dos estabelecimentos. Na
salvaguarda e divulgação, entende-se aquilo que terá sido realizado para proteção
e difusão do património material (restauro, conservação, manutenção, arquivo).
3. Critério Património Imaterial
- Representação social, valorizando-se o reconhecimento, notoriedade e
significado do estabelecimento para a história, arte e cultura da cidade. Nos
critérios para as entidades de interesse histórico e cultural ou social local da
cidade, existe apenas uma diferença no de atividade, em que se valoriza a
longevidade reconhecida de igual modo, acrescentando-se o objeto identitário que
enaltece os produtos/práticas/atividades, que vela pela sua especificidade,
diferenciação e qualidade, tornando-se numa identidade própria, promovendo
assim práticas sociais que se tornam em tradições culturais, recreativa,
desportivas. Para além disso, valoriza-se a oferta de atividades que tenham
contributos sociais de coesão aos níveis da freguesia, da cidade ou dos concelhos.
6 São considerados identitários os produtos que, pela sua especificidade, originalidade e qualidade, tenham
contribuído de alguma forma para a identidade própria da cidade e continuidade da atividade. Marca própria
é a utilização pratica de uma denominação aplicada a um produto, desde que devidamente registada.
Adaptado de (Câmara Municipal do Porto, 2018), Artigo 2. º - Critérios para o Reconhecimento e Proteção.
45
Aqui são tidos em conta a dimensão da atividade, o número de pessoas que usufrui
do estabelecimento e a sua área de alcance.
Também neste caso, para que a candidatura seja válida, o titular do
estabelecimento ou da entidade, o órgão da freguesia ou da associação de defesa do
património cultural, deverão candidatar-se através de um requerimento que deverá conter
vária documentação, de forma resumida:
a) Breve memória descritiva e justificativa, apresentando uma breve descrição do
espaço a reconhecer como de interesse histórico e cultural ou social local, uma
caracterização do seu património material, cultural e histórico, e uma apresentação
da história específica do espaço, justificada com elementos de interesse para a
dinâmica económica, social e cultural da cidade do Porto;
b) Escrituras da constituição da sociedade;
c) Escrituras de arrendamento comercial;
d) Informação Empresarial Simplificada dos últimos 5 anos;
e) Fotografias antigas dos espaços interiores e exteriores (fachada);
f) Elementos históricos do espaço – noticias de jornal, reportagens, rótulos, ou
mesmo referências disponíveis na internet que mencionem o espaço;
g) Registos de marca, identificados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial
e /ou pelo Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia;
h) Elementos artísticos: projetos de arquitetura e design, desenhos, logótipos,
sinalética, obras de arte, projeto global ou programa decorativo;
i) Bens materiais e documentos relativos à manutenção, conservação, restauro ou
armazenamento de elementos materiais e imateriais do espaço.
No caso das atribuições concedidas, foram igualmente previstas medidas para os
imóveis que tenham em conta as condições necessárias para a manutenção e preservação
dos estabelecimentos ou entidades. Aos espaços classificados, é atribuída uma placa
identificativa, cabendo à Câmara Municipal do Porto a divulgação atualizada do
reconhecimento através do seu site na internet e de publicações várias.
Relativamente aos estabelecimentos e entidades reconhecidas, as medidas de
proteção que o município teve em conta foram as seguintes:
46
a) Incentivos fiscais aplicados à zona histórica do Porto;
b) Isenção de taxas de publicidade e ocupação do domínio público;
c) Formação e consultoria direcionada para a atividade comercial;
d) Criação de ferramentas de visibilidade e de divulgação com vista à
sustentabilidade das lojas que integrem “Porto com Tradição”;
e) Criação de roteiros temáticos culturais afetos ao programa.
Também neste caso, o reconhecimento e proteção tem a validade de quatro anos,
renovado automaticamente por períodos iguais. A consagração é revogada caso exista
prejuízo face aos critérios de atribuição aplicados aos estabelecimentos classificados.
A avaliação de cada espaço é feita de forma singular. Em cada candidatura são
analisadas as evidências e a documentação apresentada e feitas visitas e entrevistas nos
locais, inquéritos com pontuação e fichas de caracterização. A conivência destes
elementos resulta na proposta que é apresentada a uma comissão de acompanhamento,
correspondente, como é o caso do grupo de trabalho do projeto “Lojas com História”.
Os espaços a serem reconhecidos deverão obter pontuação na atividade, ter uma
longevidade reconhecida e viabilidade económico-financeira, ou pelo menos um dos três,
bem como um elemento em cada um dos critérios relativos ao património material e ao
imaterial. A pontuação deverá ser no mínimo 26 valores para os estabelecimentos
comerciais, 19 para as entidades de interesse histórico e cultural ou social local, devendo
o estabelecimento ter as situações fiscais regularizadas em ambos os casos.
Após o lançamento do programa, aprovado em setembro de 20187, e no
seguimento da proposta de Lisboa, também a cidade do Porto promoveu uma exposição
intitulada “Lojas do Porto – História e Identidade”, em dezembro de 2018, patente até
abril do ano seguinte. Promovida no Arquivo Municipal/Casa do Infante, teve como
objetivo divulgar e valorizar os 70 estabelecimentos classificados à data da mostra,
7 O programa esteve disponível durante 2 anos para consulta pública, e gerou alguma controvérsia: embora
promovido antes e após a aprovação da Lei n.º 42/2017, é criticada a dureza dos critérios, que densificam
o que está previsto na Lei – especificamente pela viabilidade socioeconómica que é um dos critérios de
exclusão do reconhecimento para integrar “Porto com Tradição”. Esta vertente é defendida por Rui Moreira
que sustenta especificamente que este ponto surge como meio de abolir a concorrência desleal entre lojas.
(Viana, 2019)
O motivo para a consulta pública de 2 anos é justificado pela Câmara Municipal do Porto, ao declarar que
“..o processo de criação de Regulamento se iniciou em janeiro de 2018. Voltou à reunião de Executivo em
maio, após terem sido ponderadas e incluídas algumas das pronúncias apresentadas durante o primeiro
período de consulta pública. Decorrido este período de consulta pública foram recebidos novos
contributos", o que justificou a abertura de um terceiro período de discussão pública (Câmara Municipal do
Porto, 2019).
47
reforçando a ideia de que o comércio tradicional é representativo da história da cidade.
Partindo de documentos do Arquivo, e juntando alguns objetos das lojas classificadas,
procurou ser o primeiro veículo de divulgação da importância da salvaguarda do comércio
tradicional.
Em junho de 2019 foi criado o “Fundo Municipal de Apoio aos Estabelecimentos
e Entidades Reconhecidas ao Abrigo do Programa ‘Porto de Tradição’”, sendo este um
complemento previsto no regulamento do programa, que tem como principal objetivo
contribuir para a preservação e conservação de elementos dos espaços classificados,
através de obras de manutenção no interior e/ou exterior do edifício, ou para a renovação
e apoio ao desenvolvimento das atividades comerciais. Superior ao valor do programa
“Lojas com História,” para o “Porto com Tradição” estão previstos 525 mil euros, já
integrados no orçamento de 2019.
Por esta altura, já foram reconhecidos 81 estabelecimentos comerciais como
integrantes do programa “Porto com Tradição” (Agência Lusa, 2019).
2.4.3 - “Lojas Memória/Associações Memória” – Viana do Castelo
Em Viana do Castelo foi anunciada a criação de um programa homólogo em maio
de 2017, com o fim de promover espaços comerciais (lojas, cafetarias, restaurantes, etc.)
que fossem marcas identitárias da cidade, dada a sua singularidade e valor reconhecido,
garantindo medidas de apoio à sustentabilidade e promoção dos estabelecimentos. Este
programa tem por base a Lei n.º 42/2017, procurando reconhecer e proteger os
estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local.
Contando com o apoio da Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC)
e da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT), foi
estabelecida uma parceria com a empresa GLOBSPOT, Unipessoal Lda. que, durante o
mês de junho de 2017, realizou um levantamento primário de todos os estabelecimentos
do concelho que pudessem obedecer aos critérios mínimos para a classificação. No mês
seguinte, um membro da empresa deslocou-se aos estabelecimentos, de forma singular,
para uma apreciação aprofundada. Para a promoção deste projeto, a Câmara Municipal
de Viana do Castelo disponibilizou um folheto relativo ao tema, apresentando e
explicando sucintamente os objetivos do programa (Anexo 1, Figura 1).
48
Em junho de 2018, foi apresentado o projeto que almeja o reconhecimento destes
espaços pela sua atividade numa sessão aberta ao público, tendo por base aspetos de
longevidade, permanência familiar no negócio, o espólio constituinte do mesmo, mas,
também, aspetos únicos e distintos de interiores e exteriores. Nesta sessão, foi
reconhecida a necessidade de ser criado um regulamento que estabelecesse os critérios
para o reconhecimento dos espaços, contemplando a criação de um fundo de apoio à
manutenção e sustentabilidade das entidades comerciais.
De igual modo, outras duas propostas foram aprovadas: a criação de um gabinete
de apoio às Lojas Memória, a fim de ajudar os espaços classificados; e para a divulgação,
a inserção destes espaços em plataformas digitais e a criação de roteiros turísticos para os
cidadãos e turistas da região (Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2018).
A 3 de janeiro de 2019, foi aprovado o regulamento que definiria os critérios de
atribuição da classificação “Lojas Memória”, que esteve disponível para consulta pública
durante o período de 30 dias, não tendo sido registada nenhuma sugestão.
2.4.3.1 - Critérios do projeto “Lojas Memória/Associações Memória”
Com critérios semelhantes aos de “Porto com Tradição”, a metodologia da
primeira fase deste programa difere no que toca à amplitude de espaços. Para que sejam
elegíveis à distinção, as lojas deverão cumprir determinados requisitos definidos pelo
Regulamento n.º 101/2019:
a) As lojas deverão dedicar-se à atividade de comércio e serviços, não estando
incluídas em estruturas comerciais (centros e galerias comerciais ou comercio
integrado), e ter pelo menos um dos seguintes CAE:
a. Subclasse 45 (comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis
e motociclos);
b. Subclasse 47 (comércio a retalho, exceto de veículos automóveis e
motociclos);
c. Subclasse 56 (Restauração e similares);
d. Subclasse 79 (Agências de viagem, operadores turísticos, outros serviços
de reservas e atividades relacionadas);
e. Subclasse 94 (Atividades das organizações associativas);
49
f. Subclasse 95 (Reparação de computadores e de bens de uso pessoal e
doméstico)
g. Subclasse 96 (outras atividades de serviços pessoais) (Regulamento n.º
101/2018, 2019b).
No programa “Lojas Memória/Associações Memória” existem critérios para as
tipologias comerciais8, tal como no programa homólogo portuense, de carácter similar
aos projetos anteriormente apresentados.
As propostas podem ser submetidas em formulário próprio disponível no website
da Câmara Municipal de Viana do Castelo (http://www.cm-viana-castelo.pt) a título
singular ou coletivo, público ou privado, devendo o requerente submeter uma memória
descritiva, justificando a apresentação da candidatura, tendo por base os critérios e
respetiva pontuação, acrescentando igualmente documentação e referentes pictográficos
relativos à história do espaço.
As candidaturas são avaliadas por um grupo de trabalho, que permite a adição de
elementos externos – peritos – e que, após visita ao local e análise dos elementos que
consideram relevantes à avaliação e respetiva atribuição pontuação, analisam a
candidatura, devendo para o efeito reunir-se no mínimo, uma vez por ano.
É decisão final do presidente da Câmara Municipal, ou de um vereador nomeado,
a atribuição da distinção à respetiva candidatura. Para tal, os espaços deverão obter uma
pontuação de 23 pontos ou superior, devendo possuir 25 anos de atividade no mínimo e
cumprir um dos pontos relativos à atividade e outro relativos ao património.
A atribuição é válida pelo período de quatro anos, renovada automaticamente se
não se verificar prejuízo relativo aos critérios de atribuição subjacentes aos espaços, tal
como nos outros casos que temos vindo a analisar.
2.4.4 - “Rede de Lojas com História”
No seio das iniciativas que gradualmente ganharam força em 2017, relativamente
à proteção do comércio tradicional, também em Coimbra a presidência camarária propôs
a criação da “Rede de Lojas com História”, que tem como objetivo a inventariação e
8 Na avaliação dos critérios, foi estabelecido um sistema de pontuação para cada um dos parâmetros e
respetivos pontos. As descrições pormenorizadas e respetiva tabela de pontos poderão ser consultados em
(Regulamento n.º 101/2019, 2019b)
50
reconhecimento dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico, cultural ou social
da cidade.
Dois anos volvidos, esta iniciativa parece ter caído por terra, sem se ter verificado
nenhum avanço concreto.
2.4.5 - “Lojas com História” – Silves
Figura 6 – Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Silves (Câmara Municipal de Silves, 2017)
Não ficando indiferente às iniciativas do centro e norte do país, a autarquia de
Silves procurou também dar o seu contributo em 2017. Nesse sentido, em setembro desse
ano, foi lançada uma publicação com o nome “Lojas com História”, que apresentou os 15
estabelecimentos mais antigos do concelho, que à data exerciam ainda atividade. Para
além da longevidade, os espaços variados, entre os quais se encontravam uma relojoaria,
uma retrosaria, uma mercearia e papelaria, entre outros, foram reconhecidos pela sua
longevidade com mais de 25 de anos de existência e pela sua significância histórica ou
comercial, produção própria ou manufatura, e elementos móveis e decorativos de
interiores e exteriores.
No portal da Câmara Municipal de Silves foi disponibilizada esta publicação que
inclui os 15 espaços distinguidos pela tipologia do ofício, morada, contactos e a data de
fundação, ali caraterizados como “Museu Vivo”, constituindo-se como “lojas que
continuam a exercer a sua atividade segundo práticas e modelos que os tempos modernos
fizeram cair em desuso” (Câmara Municipal de Silves, 2017).
51
2.4.6 - “Lojas com História” – Braga
Figura 7 – Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal de Braga (Portal da Regeneração Urbana, 2018)
Em fevereiro de 2018 a cidade de Braga divulgou o seu projeto homónimo ao de
Lisboa, “Lojas com História”. Numa sessão pública, promovida pela Associação
Comercial de Braga, foram apresentados para consulta pública 46 estabelecimentos
passíveis de reconhecimento, de entre 125 passíveis de serem classificados.
Para a concretização do projeto, foi nomeado um grupo de trabalho liderado por
José Alberto Rio Fernandes, que procurou destacar os espaços pela sua especificidade em
termos de ofício, tendo em conta a sua antiguidade– 25 anos de existência no mínimo –
mas, acima de tudo, procurando justificá-los como marcas da memória coletiva dos
bracarenses.
A iniciativa promovida pela Associação Comercial de Braga visa a promoção e
dinamização destes espaços e a sua preservação através de incentivos e benefícios – acima
de tudo fiscais – para que estas permaneçam “vivos”.
Promovido em novembro do mesmo ano, o XV Concurso Municipal de Fotografia
teve como foco o programa “As Lojas com História”, objetivando “…despertar o
interesse e a sensibilidade dos concorrentes em particular e dos munícipes e cidadãos
em geral relativamente às Lojas com História na perspetiva de realçar a sua importância
histórica, cultural e social” (V.N, 2018), sendo igualmente um meio de promoção não
só artístico, mas essencialmente centrado nos espaços classificados pelos seus aspetos
históricos, culturais e decorativos.
Em agosto de 2019, foi noticiado que as 44 lojas classificadas à data se poderiam
candidatar nos serviços da autarquia à isenção de IMI (Imposto Municipal sobre
52
Imóveis), sendo este um dos principais benefícios fiscais do programa bracarense até à
data (MadreMedia/Lusa 2019; Rito, 2019).
2.4.7 - “Lojas com História” – Funchal
Figura 8– Logótipo do projeto “Lojas com História”, promovido pela Câmara
Municipal do Funchal (Câmara Municipal do Funchal, 2018)
No verão de 2018, a cidade insular promoveu uma iniciativa semelhante às que se
tinham já despoletado no continente. Aprovado o regulamento em julho do mesmo ano,
tendo por base os das outras iniciativas, que se propõem a realizar a inventariação e o
reconhecimento dos estabelecimentos e entidades já mencionadas, a sua comunicação ao
Estado, a aprovação de regulamentos que reconheçam e protejam estes espaços, bem
como a criação de medidas de apoio à sua sustentabilidade. O regulamento apresenta
também algumas semelhanças com os analisados anteriormente.
As candidaturas são feitas a título individual ou coletivo à junta de freguesia ou à
associação de defesa de património cultural, devendo ser apresentada documentação
escrita e iconográfica sobre a história do espaço, desde a sua fundação aos dias de hoje,
documentação comprovando a regularidade fiscal, e ser comprovada a produção e
existência de marcas próprias que, acima de tudo, “comprovem a memória coletiva dos
cidadãos” (Regulamento n.º 460/2018, 2018). Cabe ao grupo de trabalho – constituído
por quatro elementos internos e três externos – a análise da candidatura, propondo ou não
a atribuição da distinção. A avaliação é feita através de sistema de pontuação semelhante
aos já referidos (Capítulo 1.3.1 - Critérios de Atribuição da Distinção), devendo os
estabelecimentos obter no mínimo 15 pontos para puderem ser classificados
(Regulamento nº460/2018, 2018).
Após a proposta da decisão ser definida, fica disponível para consulta pública
durante o período de 20 dias. No caso do reconhecimento, a classificação é válida pelo
53
período de 4 anos, renovados automaticamente. Em caso de prejuízo dos critérios de
classificação, a decisão poderá ser revogada.
Como benefícios, os estabelecimentos ficam protegidos pela lei relativamente ao
arrendamento urbano e às obras em prédios arrendados. Os proprietários dos imóveis
poderão ainda beneficiar de isenções fiscais.
Aprovado o regulamento, foi submetido à Assembleia Municipal. No dealbar do
ano de 2019, o município classificou seis “Lojas com História” de entre 40 pré-
selecionadas (Pires, 2019), procurando desta forma dinamizar o comércio tradicional da
cidade da ilha madeirense. Foi também prevista a possibilidade destes espaços se
candidatarem a um apoio monetário até março, que previa pequenas obras de conservação
e reparação. Em maio, estes espaços receberam as placas distintivas (Rocha, 2019), marca
tradicional que o programa de Lisboa promoveu e que se alargou a muitas outras
iniciativas já apresentadas. Nesta distinção, foram também estimadas 125 novas lojas do
Funchal que pudessem ser classificadas, estando em análise oito candidaturas (Rocha,
2019).
2.4.8 - “Comércio com História”
Figura 9 – Logótipo da plataforma “Comércio com História”, promovido Estado
Português, através da Direção-Geral das Atividades Económicas (Comércio com
História, 2019)
Gradualmente, tem-se verificado o papel e valores económicos que as “Lojas com
História” têm tido nas suas cidades. Como vimos, cabe a cada município, caso assim o
pretenda, adotar medidas do ponto de vista político para a dinamização e preservação
destes espaços, que, para além de criarem oportunidades de emprego, também se têm
tornado focos de atração. Este efeito poderá ser disseminado em todo o território nacional,
54
nomeadamente em zonas de baixa densidade populacional. Nesse sentido, cabe aos
municípios:
• “Proceder ao inventário e reconhecimento” dos estabelecimentos e entidades com
interesse histórico-cultural ou social, tendo em conta o interesse nas atividades
desempenhadas ou sobre o património material e imaterial;
• “Comunicar ao Estado” o levantamento dos espaços de interesse identificados;
• “Aprovar regulamentos municipais” com vista à proteção e reconhecimento dos
estabelecimentos e entidades de interesse reconhecido.
Por outro lado, o Estado deverá, através dos membros do Governo responsáveis
pelas áreas do comércio, urbanismo e cultura, assegurar políticas anuais que envolvam
programas de apoio e incentivo à proteção de estabelecimentos e entidades com interesse
histórico, cultural e social. Com esse objetivo, deverá articular-se com as respetivas
autarquias locais, estando estas envolvidas ou não em programas mais abrangentes de
apoio e salvaguarda de comércio tradicional, e, através de processos de seleção, promover
a aplicação de fundos comunitários com este objetivo.
Neste âmbito, “Comércio com História” é uma plataforma que visa reconhecer a
importância do comércio tradicional a nível nacional sob o lema “de portas abertas para
o futuro […] a história do comércio confunde-se com a história das cidades” (Vídeo
promocional do projeto “Comércio com História, 2019). Nesse sentido, são congregadas
cerca de 140 lojas históricas classificadas ao longo dos vários municípios, através das
iniciativas promovidas relativamente à proteção, sustentabilidade e divulgação do seu
comércio tradicional.
Este é um projeto que surge no seguimento das recomendações da Resolução da
Assembleia da República n.º 100/2016 de 06 de junho de 2016, que visou a definição de
critérios de classificação de “loja histórica”, permitindo a criação desta tipologia
específica, cabendo aos municípios as respetivas classificações.
Neste contexto, tornou-se imperativo aos municípios a inventariação e o
reconhecimento dos espaços comerciais de interesse, comunicando essa indicação ao
Estado, e a aprovação de regulamentos municipais que visem a sua classificação e
proteção. Por outro lado, o Estado tem atribuídas as responsabilidades de visar a
existência de programas de apoio e incentivo à proteção de estabelecimentos e entidades
de interesse histórico e cultural ou social local – denominadas aqui como Comércio com
55
História – com a respetiva articulação com os municípios, e de criar o inventário nacional
dos estabelecimentos que aqui apresentamos.
Em maio de 2019 realizou-se a apresentação da plataforma Inventário Nacional
Comércio com História (https://www.comerciocomhistoria.gov.pt), que reúne os
estabelecimentos reconhecidos das cidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Funchal e Fundão
- deixando curiosamente de fora as cidades de Silves e Braga, com iniciativas já em
andamento relativamente à atribuição da classificação, como vimos.
Esta uma medida teve como principal objetivo congregar as lojas e entidades
classificadas, consideradas como um marco relevante do património cultural e imaterial
do país. Esta plataforma apresenta a localização e pequenas características dos espaços
consagrados, caraterizando a sua tipologia, tornando-se num meio privilegiado de
divulgação por se tratar de um órgão estatal, promovido pelo programa Simplex+9.
Considerada como um meio de promoção das cidades portuguesas a nível nacional
e internacional em termos turísticos (Publituris, 2019), pretende-se expandir esta medida
a dispositivos móveis com a criação de uma aplicação, a fim de se puderem traçar
percursos turísticos, ou geolocalizar as lojas já classificadas.
Sendo a criação do inventário uma das principais funções dos municípios ao
atribuir as distinções, e a posterior comunicação ao Estado, cabe ao último a manutenção
da plataforma que lançou. Nesse sentido, foi promovida em setembro deste ano uma
sessão de informação com vista à otimização da inserção dos dados junto dos municípios
(CCDRLVT, 2019).
Estas iniciativas, que gradualmente foram surgindo, mostraram-se eficazes no
reconhecimento dos espaços de comércio tradicional de importância para as suas
localidades. Poderemos igualmente entendê-las como um meio que vem tentar impedir
o gradual desaparecimento destes espaços nas malhas urbanas, algo que parece
desenvolver-se em termos globais, mais especificamente onde a especulação imobiliária
mais se faz sentir.
Se, por um lado, parecem existir estes projetos soltos, que vêm no seguimento
da ideia das “Lojas com História” de Lisboa, e têm em conta as indicações dadas pela
Lei n.º 42/2017, deveremos estar cientes que poderá não ser o meio privilegiado de
prevenção ao encerramento dos espaços, algo que gradualmente se tem verificado na
9 Este programa “Tem como objetivo central tornar mais simples a vida dos cidadãos e das empresas na sua
interação com os serviços públicos, contribuindo para uma economia mais competitiva e uma sociedade
mais inclusiva”. (iSIMPLEX, 2019c)
56
cidade de Lisboa (Antunes, 2017). Se a intenção da Câmara Municipal de Lisboa não era
constituir estes espaços como museus-vivos, ou como um museu ampliado ao ar livre
composto por lojas históricas, necessitamos de refletir a dinâmica do projeto e a
transformação que provocou nas lojas classificadas. Não estando suficientemente
protegidas legalmente, não existe uma estrutura de suporte que apoie estes espaços
comerciais suficientemente. Isto poderá ser contornado se as lojas se ligarem a
associações representativas do seu ofício, ou numa escala diferente, a entidades
museológicas.
Sendo o projeto “Lojas com História” uma iniciativa que pretende preservar as
lojas classificadas, poderemos questionar se a musealização que o programa
tendencialmente parece colocar não deverá ser repensada. Ao criar uma conjuntura que
tendencialmente vise a musealização, estaremos a entrar na dinâmica do intocável, da
aura que nos museus existe face às suas coleções. Isto é contracorrente quando ocorre
num espaço que tem a necessidade quotidiana de servir a sociedade, de forma comercial.
As lojas classificadas, funcionando ao serviço da sociedade e devendo-lhe a sua
sustentabilidade, poderão refletir o possível alargamento das suas missões, embora não
nos pareça possível, nem viável, que todos estes espaços possam seguir a via da
musealização. Com custos associados ao trabalho de fotografar, inventariar e divulgar o
espaço, desenvolvendo até ações sobre a sua história e a sua atividade, esta vertente
poderá não ser compatível com a capacidade financeira e humana de todos os espaços
classificados. Para se alcançar este objetivo, será necessário o apoio de estruturas maiores
que suportem estas lojas, ou talvez selecionar apenas as que reúnam estas características
e sejam representativas de determinado ofício, por exemplo, para ali poderem ser
promovidas nesta dinâmica.
Figura 10 – Esquema representativo das três vertentes do projeto “Lojas com História”.
Classificação pelo projeto
“Lojas com História”
Museus-vivos ou
reservas visitáveis Custos associados
57
Uma loja que seja classificada pelo projeto “Lojas com História”, ou por outros
homólogos, passa a ter acesso a um conjunto de benefícios, conforme observámos.
Criadas as condições dos projetos, que tendem a descair para uma possível vertente
museológica – embora negada – deveremos observar caso a caso esta possibilidade.
Exemplifiquemos com uma mercearia, de pequenas dimensões e recursos, mas
com espólio consideravelmente importante, e que pretende entrar nesta dinâmica: que
implicações existem em termos financeiros para estas atividades? Caberá ao respetivo
gabinete municipal a divulgação deste espaço, ou o apoio através dos existentes fundos
municipais que permitam ações semelhantes às que a Farmácia Barreto pretende
desenvolver, sobre as quais falaremos em seguida. É possível que a mercearia integre uma
lógica de reserva visitável?
O projeto “Lojas com História” parece fortalecer esta ideia, da existência de
espaços intocáveis e que devem permanecer o mais inalteráveis possível. Isto acaba por
ser contraditório no âmbito das lojas, que têm a necessidade contínua de servir as
populações, de serem vistas e usadas, numa lógica funcional e não sobre a aura do
intocável que os museus colocam nos seus objetos.
Deveria ser revista esta problemática do projeto tender para uma vertente
museológica e afirmar que não pretende seguir este caminho, mesmo existindo espaços e
condições para o desenvolver, ainda que não sejam espaços per si voltados para serem
musealizados. Integrando uma lógica de roteiro, ou promovendo ações de
consciencialização junto dos proprietários destes espaços e das comunidades que habitam
em seu redor, acreditamos que sim, que isto é possível sem se criarem simulacros desses
mesmos espaços comerciais. Nas variadas tipologias de lojas que encontramos no projeto
(mercearias, tabacarias, pastelarias, livrarias, etc.), poderemos pensar que pelas
dimensões ou condições destes espaços, não é possível normalizar a vertente
museológica. No entanto, uma estratégia bem delineada, poderia ser fundamental para a
implementação de um projeto com esta dimensão.
A Farmácia Barreto, como espaço privilegiado pelas suas características e missão,
ao funcionar numa lógica de proximidade ao cliente e, querendo divulgar o seu espaço e
espólio, deverá extrapolar o distanciamento existente entre visitante-coleção,
promovendo a aproximação destas duas vertentes da sua atividade, podendo integrar uma
lógica extensiva ao Museu da Farmácia, conforme analisaremos.
58
3 - Farmácia Barreto – da origem aos dias de hoje
Pese embora na publicação Lojas com História se diga que não é possível recuar
nos antecedentes desta farmácia antes de 1876, data em que um italiano a terá fundado,
denominando-a de Farmácia Francesa, procuraremos aprofundar um pouco mais a
história deste espaço.
É no século XIX que se dá uma das grandes transformações no panorama nacional
na área das farmácias: o fim das boticas nos conventos, decorrente da extinção das ordens
religiosas em 183410. Se numa primeira fase a vertente boticária é separada entre a
conventual e a laica, a extinção das ordens leva a que o monopólio fique na mão dos
segundos. Outra alteração no paradigma farmacêutico, deve-se ao gradual processo de
industrialização, que levou à multiplicação de novas farmácias, que se vão dispersando
pelo país para chegarem a cada vez mais estratos populacionais. Progressivamente, a
profissão de farmacêutico notabiliza-se ainda durante o século XIX, com a criação da
Sociedade Farmacêutica Lusitana, em 1835, e, no ano seguinte, com o aparecimento de
um curso superior farmacêutico (Dias, 1989, p.34). Para além da sua função comercial,
historiograficamente falando, estes espaços foram importantes sítios de reunião
sociopolítica, espalhados por todo o país, atuando à margem do regime, conforme
veremos.
A data exata da origem da Farmácia Barreto não é certa. A sua criação é por vezes
atribuída a Carlos Gomes Barreto – um dos fundadores da referida Sociedade
Farmacêutica. Outra hipótese também colocada é a de que a farmácia seja herdeira de um
antigo botequim/boticário do século XVIII existente na Rua do Loreto – local onde a
farmácia está instalada desde a sua fundação - uma vez que algum do espólio ainda hoje
presente, composto por boiões e frascos, é contemporâneo a esse período.
Tido como “habil pharmaceutico", Carlos Gomes Barreto trouxe para a sua botica
em Lisboa algumas garrafas de gás hidrogénio líquido portátil, uma novidade à época,
com aplicabilidade na iluminação, inclusivamente na sua farmácia.
O Sr. Barreto tem, desde a noute de hontem, alumiado a sua Botica, rua
direita do Loureto nº. 65, com este liquido por elle mesmo preparado, e alli poderá
10 Distinguimos este como um dos momentos-chave, uma vez que “em alguns casos, as boticas constituíam
importantes fontes de receita…[chegando] a deter monopólios para o abastecimento local ou a certos
hospitais. […] Critica-se até que este monopólio, que empobrecia os farmacêuticos laicos pela abertura ao
público e respetiva reputação existente junto dos conventos. (Basso e Neto, 1994, pp. 19-20)
59
o público observar os resultados de um invento, que vai desde já mudar o systema
de iluminação. (Revista Universal Lisbonense, 1842, p.340)
A designação de “botica” é ainda aplicada em 1845, num anúncio da produção e
venda de chocolates medicinais. (Revista Universal Lisbonense, 1845, pp.443-44). Na
segunda metade do século XIX, Carlos Garcia Barreto, provavelmente filho ou neto do
hipotético fundador, era o proprietário da botica, que mais tarde se viria a chamar
“Pharmacia Barreto”.
Figura 11 – Designação de “Botica do Sr. Carlos Garcia Barreto”, em 1845 (Revista
Universal Lisbonense, 1845, p. 443).
Entre 1883 e 1887, o nome que surge associado à direção do espaço é o de Caetano
José da Silva. A partir do ano seguinte, com o nome “Antiga Farmácia Francesa, Farmácia
Barreto – Silva & Tedeschi”, viria a partilhar a sua gestão com Luís Maria e Maria
Mendes Tedeschi, seus proprietários, até ao fim da primeira década do século XX.
(Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa – Farmácia Barreto, s.d)
60
Figura 12 – Rótulo de Vinho de Extracto de Figados de Bacalhau11.(Luís
Freitas©, 2019)
A partir 1912, conseguimos traçar um percurso mais específico dos vários
proprietários deste espaço: nesse mesmo ano, a casa pertence à Firma Martins & Ribeiro,
e toma posse João Vicente Ribeiro Júnior, que lidera o espaço entre 1915 e 1921, com
direção técnica assumida por Alberto Magalhães entre 1916 e 1920 (Carneiro,2015, p.35).
Em 1922, ficam à frente do negócio António Carrilho e Manuel Joaquim de
Oliveira, com a sociedade Oliveira & Carrilho. António Carrilho, que abandonaria a
direção da farmácia em 1923, foi um dos Fundadores do Grémio Alentejano – que mais
tarde originaria a Casa do Alentejo, provável razão pela qual durante este período o
estabelecimento acolhe no seu interior várias tertúlias de um grupo de alentejanos. É
também durante estes anos que se torna comum a existência de um gabinete onde um ou
mais médicos davam consultas no interior das farmácias. Comum seria também a
presença de laboratórios para o processo de criação de produtos, resultando em marcas
próprias ou não.
Nos anos de 1924 e 1925, Manuel Joaquim de Oliveira, tenente-coronel e
farmacêutico, fica com a exclusividade da direção, e nessa ocasião é instalado o
laboratório para a manipulação de medicamentos. Neste contexto se estabeleceu um
11 A fotografia deste rótulo, que ainda existe no espólio da Farmácia, mostra-nos duas questões importantes.
A primeira é a designação da Farmácia, aqui denominada por Antiga Farmácia Francesa, na posse de Silva
& Tedeschi. A segunda é o facto de se tratar de uma produção própria da Farmácia Barreto.
61
contrato com o professor Costa Simões, entre 1936 e 1938, para que ali pudesse produzir
as suas especialidades, sendo este revogado quando Costa Simões procedeu à criação do
Laboratório LAB.
Por requerimento datado de 28 de setembro de 1940, foi realizado um pedido à
Direção Geral de Comércio para a concessão do registo de marca, em nome do
proprietário (Anexo 2, Documento 2). Isto vem reforçar a utilização do laboratório para
a manipulação e produção de fármacos.
Figuras 13 e 14 – Rótulos de produtos produzidos na “Pharmacia Barreto” (Luís
Freitas©, 2019)
Manuel Joaquim de Oliveira também foi dirigente do Sindicato dos Farmacêuticos
e um ativista antirregime salazarista, situação que lhe valeu a sua deportação para Angola.
À data do regresso, em 1960, o negócio encontrava-se em insolvência e já não teve
possibilidades de lhe dar continuidade (Bértholo, 2017, p.243).
Manuel Joaquim de Oliveira, português, farmaceutico, residente em
Lisboa, Avenida de Roma nº50, 2º, proprietário dos registos das marcas Nºs
32.900.44.486, 44.487, 51.301, 55.110, 55.111, e 55.355, pelo presente
documento cede pela quantia de Setecentos Escudos (700$00) á Farmácia
Barreto, Limitada, sociedade industrial portuguesa, estabelecida em Lisboa, Rua
do Loreto, 24 a 30, todos os direitos e obrigações sobre os referidos das marcas
62
Nºs 32.900, 44.486, 44.487, 51.301, 55.110, 55.111, e 55.355, podendo a mesma
Farmácia Barreto, Limitada, desde este momento dispôr das marcas Nºs 32.900,
44.486, 44.487, 51.301, 55.110, 551111( deverá ser 55.111) e 55.355, como de
coisa sua e própria bem como fazê-las averbar em seu nome onde lhe convier.
Lisboa, 15 de Dezembro de 1960
(Anexo 2, Documento 3)
Seguiram-se na direção, Alina Marques Bagorra, ainda em 1960, filha de um dos
credores envolvidos no processo de insolvência, que estaria “estabelecido numa drogaria
na vizinha”, na Praça Luís de Camões, e era fornecedor de produtos químicos para o
laboratório da farmácia (Carneiro, 2015, p.35).
Depois deste período, aos poucos o processo de fabrico e manipulação de
medicamentos na farmácia foi caindo em desuso, dado o gradual aparecimento dos
laboratórios industriais que serviam as farmácias.
A 24 de março de 1980, a Direção de Serviços de Farmácia e Medicamentos,
solicita a Alina Marques a seguinte informação, que nos mostra o abandono gradual da
produção de medicamentos naquele espaço:
Acuso a recepção da carta de V. Exª, de 23 de Fevereiro de 1980 e cumpre-me
informar que de acordo com o solicitado, foi dada baixa nos registos destes Serviços do
produto Prurigal. Tendo em atenção o teor da carta acima referida, solicita-se o favor
de informar concretamente quais os produtos que essa farmácia deixou de preparar.
(Anexo 2, Documento 6)
A resposta surge numa carta datada sete dias depois, informando, através de
catálogo, a lista de produtos que a farmácia teria deixado de produzir (Anexo 2,
Documento 7). A adesão de Portugal à CEE foi outro dos momentos que levaram ao
término deste processo, dadas as regulamentações e regras rígidas que a partir daí foram
impostas relativamente à produção de medicamentos.
63
Figura 15 – Fachada da Farmácia Barreto, na. Outubro de 2019. (Luís Freitas©, 2019)
Em 1986, José Pedro Graça da Silva, atual diretor da Farmácia Barreto, adquiriu-
a a Alina Bagorra, numa altura em que a farmácia passava por momentos conturbados em
termos financeiros. Através da sociedade da qual fazia parte, houve um esforço primário
em restabelecer financeiramente e conferir estabilidade à farmácia. No final da década de
oitenta, e enquanto sócio maioritário, investiu no espaço o que veio a possibilitar a
realização de intervenções de conservação e restauro no pavimento12, no mobiliário e no
espaço do antigo laboratório, já no início da década seguinte, data em que a farmácia se
inscreveu na Associação Nacional das Farmácias (1991).
Na entrevista que lhe realizámos (Apêndice n.º 1) José Pedro Silva afirma que há
um aspeto-chave na história da sua farmácia, que tem vindo a ditar a sua resistência: o
facto de não apostar no livre-serviço, mas sim numa dinâmica de aconselhamento,
fortemente centrada na relação com o cliente e com a sua identificação com o
estabelecimento e os seus empregados.
Ao longo dos últimos anos, tem-se observado uma corrente em que as farmácias
procuraram assemelhar-se às parafarmácias, ou apostar no livro-serviço e, por isso
mesmo, necessitam forçosamente de comunicar os seus produtos numa lógica mais
agressiva. Nesse sentido, o caminho que seguiram foi o da modernização. Somando a isto
uma maior literacia do cliente e a dispensabilidade do vendedor ter conhecimentos sobre
o assunto, o resultado foi a redução do custo de produção e de formação dos vendedores,
12 Estas obras foram realizadas pela empresa Linha Mármore, que, em 1995, terá apresentado um novo
orçamento à Farmácia para a remoção e colocação de pavimento novo, conforme correspondência
arquivada, datada desse ano.
64
beneficiando muito este setor mais comercial face às farmácias que de certa forma
seguiram a linha defendida pelo proprietário da Farmácia Barreto. Como o próprio indica,
estas farmácias foram resistindo, não só pela aposta na dinâmica cliente-funcionário,
como pela escolha de produtos específicos, que lhes criaram mais-valias, mas igualmente
pelo “património, ou seja, o modelo da farmácia, o design, os móveis antigos, toda a parte
de tradição [que] veio a permitir-nos alocar-nos como um produto diferente do produto
normal” (Apêndice n.º 1).
Figura 16 -Balcão de atendimento da Farmácia Barreto, incorporando o mobiliário
original do século XIX. (Lojas com História – Farmácia Barreto, 2019)
3.1 - O Museu da Farmácia e a missão partilhada com a Farmácia Barreto
Um outro momento importante na história da Farmácia Barreto deu-se durante o
processo de criação do que viria a ser o Museu da Farmácia. Inaugurado em 1996, resultou
de uma iniciativa que ganhou expressão nos anos oitenta do século XX. Num processo
liderado por José Carlos Salgueiro Basso, e alinhando a vontade política e financeira da
direção da Associação Nacional das Farmácias – à data presidida à data por João Cordeiro
– é a partir de 1981 que se inicia o processo de constituição do espólio do museu. Em
maio deste ano, e através da circular n.º 34/81 (Anexo 2, Documento 1) enviada a todas
as farmácias associadas, apelava-se à possível contribuição com objetos, documentos e
mobiliário, através da doação destas peças, numa tentativa de se salvaguardar um
património que gradualmente estava em desaparecimento, apontando já à possível
constituição do “Museu e biblioteca de Farmácia de Oficina”.
65
A multiplicidade de contribuições excedeu as expectativas, contando com 172
peças reunidas até ao fim desse ano. Apoiado por Guerreiro Gomes, da Farmácia Mendes-
Gomes, uma figura fundamental nesta primeira fase, o processo estava iniciado. O
trabalho de preenchimento das fichas de registo das peças, elaborado em conjunto com
Salgueiro Basso, cuja aprendizagem foi feita no Museu dos CTT, terá sido fundamental
para registar todo o material que gradualmente ia chegando à Associação.
Nos anos seguintes, a coleção começou a expandir-se rapidamente, almejando-se
que o futuro museu tivesse como principal propósito a apresentação da evolução da
profissão farmacêutica. Nesse sentido, e gradualmente com os contributos de Paula Basso
e João Neto, diretora-adjunta e diretor do museu nos dias de hoje, foi-se constituindo
aquilo que viria a ser o atual Museu da Farmácia. Nesta fase, como vimos, foi feita uma
recolha que incidiu sobretudo sobre o espólio que as farmácias portuguesas tinham. Em
1996, no momento da sua inauguração, o museu possuía cerca de 9 000 objetos – cerca
de 95% doados, muitos deles pelos associados da ANF (Machado e Martins, 2015,
pp.195-200).
Estes objetos ficaram expostos no que corresponde hoje ao piso 0 do museu,
dedicado às farmácias em Portugal. Nos anos seguintes, inicia-se a constituição do espólio
internacional do Museu, através da compra em leilão ou a colecionadores privados de
peças que fossem representativas da história da Farmácia, existentes um pouco por todo
o mundo. Em 2002 é inaugurado o primeiro piso, inicialmente delineado para ser um
espaço de exposições temporárias, com uma coleção substancial de peças da história da
Farmácia e da Saúde. Oito anos depois, a cidade do Porto inaugurou o segundo espaço do
museu, constituindo-se como uma continuação da proposta lisboeta.
Enquadrando uma das missões da Farmácia Barreto com a principal missão do
Museu da Farmácia, isto é, a fixação da memória e do património farmacêutico –
exponenciado pela existência de um espaço museológico, considerado a pedra basilar – a
Farmácia contribuiu com a doação de um espólio substancial de material de laboratório
que ainda hoje se encontra exposto no museu (Apêndice n.º 2). João Neto, diretor do
Museu, afirma que há um reverso na colaboração: se por um lado o museu tem a dimensão
histórica preservada e comunicada, por outro, a farmácia histórica é representativa de um
espaço preservado, mas ao serviço da sociedade, mostrando a importância da memória
histórica dos pontos de vista arquitetónicos, científicos, mas, acima de tudo, da
importância do papel do farmacêutico na sociedade.
66
Deveremos refletir, no entanto, sobre a possibilidade de ver a Farmácia Barreto
como uma extensão do Museu da Farmácia, como se de um museu vivo se tratasse.
Neste sentido, devemos realçar que a farmácia, embora não seja um espaço
museológico, se pretende dinamizar nesse sentido. Se por um lado as farmácias se
apresentam reconstituídas no museu de forma intocável, sem a envolvência do imóvel
onde estariam alocadas, preservadas em condições idílicas, as farmácias históricas, como
a Farmácia Barreto, estão inseridas em imóveis, muitos deles classificados. São espaços
vivos, representativos de um ofício e de um saber que continua ao serviço da sociedade.
“Se o museu reconhece e é fruto da comunidade que lhe dá vida” (VV.AA, 2010, p.318),
também as “Lojas com História” são espaços que vão sobrevivendo pelas comunidades
que se revêm na missão destes espaços e que continuam a servir-se deles, havendo uma
ligação intrínseca de dependência entre ambos. O património cultural, sendo ele imóvel,
móvel ou imaterial é encarado como uma parte da memória coletiva, e estando a sua
aceção em constante mutação, tem sentido a necessidade de abarcar um maior conjunto
de bens, gerando por vezes novas tipologias museológicas. Havendo uma noção do
património que congrega a estreita ligação entre pessoas e lugares, que é aquilo que
acreditamos que fortaleça a memória-coletiva, torna-se imperativo encontrar soluções
viáveis à salvaguarda destes espaços.
No caso da Farmácia Barreto, houve uma resistência à pressão da modernização,
na crise económica que durou entre 2008-2009 até 2015. A farmácia acabaria por ser uma
das vozes que se juntou à discussão do encerramento de algumas lojas históricas na cidade
de Lisboa, levando ao surgimento do projeto “Lojas com História”. Esta resiliência veio
a mostrar-se eficaz, quando, anos mais tarde, surgiu o reconhecimento do comércio
tradicional, que posteriormente levou à classificação da própria farmácia como “Loja com
História”, sendo um dos primeiros espaços a ser distinguidos em Lisboa.
Figura 17 – Boiões de farmácia de finais do século XIX pertencentes ao espólio da
Farmácia Barreto. (Luís Freitas©, 2019)
67
Para João Neto, que para além das funções de Diretor do Museu da Farmácia,
assume a presidência da Associação Portuguesa de Museologia, o aparecimento deste
programa surgiu como uma necessidade. Embora as classificações já existissem, em
termos municipais através, por exemplo, da classificação de imóveis, as distinções das
atividades históricas surgem como um meio de combater o desaparecimento da identidade
das cidades – remontando a ideia do comércio como sua marca identitária. No caso das
farmácias, a perda destes espaços representa a perda de um património único, porque não
existe uma farmácia igual a outra e, como o próprio afirma, “desaparecer, é desaparecer
para sempre. É colocar em extinção uma parte da nossa história” (Apêndice n.º 2).
Nas entrevistas que realizámos, percebemos que os apoios deveriam ser maiores
em termos fiscais, de modo a que houvesse um reinvestimento em obras de conservação
e restauro, em ações de divulgação, ou apelando à participação maior das populações
junto dos espaços classificados da sua área habitacional, João Neto e José Pedro Silva
gostariam de ver mais iniciativas conjuntas com associações ligadas aos ofícios, que
visassem a continuidade destes espaços. Apontam que não há meios próprios e que falta
know-how para, por exemplo, se poder desenvolver uma linha de merchandising, ou ter
alguém que dedique inteiramente a apoiar as ideias e a candidatar a projetos ou
financiamentos.
Embora os apoios existam, por parte do gabinete do projeto “Lojas com História”
e de associações que funcionam em conjunto com a iniciativa, José Pedro Silva considera
que este trabalho deveria ser desenvolvido, ou pelo menos apoiado, pelas associações
representativas dos ofícios, neste caso, pela Associação Nacional das Farmácias. Não há
meios, nem tempo, ou até conhecimentos para poder desenvolver estas candidaturas,
especialmente quando falamos de estabelecimentos pequenos, sem um número
significativo de colaboradores. Por outro lado, João Neto defende que a participação da
Associação, através do museu, poderá ser o apoio principal, numa lógica de consultadoria
histórica, ou que pode funcionar numa dinâmica interdisciplinar com as farmácias, de
recomendação mútua, em que o museu aconselha outros espaços considerados “vivos”,
dada a continua atividade que desenvolvem as farmácias históricas.
É consensual entre os dois entrevistados que, embora as lojas estejam
classificadas, não se sabe o que irá acontecer no futuro. Não existindo garantias da
continuação do projeto, pela possível mudança política, estes espaços podem vir a cair no
esquecimento, arrastados pelo desaparecimento do projeto “Lojas com História”. Nesse
sentido, apela-se a uma dinâmica entre as associações representativas e os espaços para
68
desenvolverem ações conjuntas com vista à sua divulgação que, constituindo marcas
identitárias da cidade, não só devem como necessitam de ser apoiados.
Figura 18 – Espaço do antigo laboratório da Farmácia Barreto, que se pretende adaptar
ao desenvolvimento de atividades. (Luís Freitas©, 2019)
No caso concreto da Farmácia Barreto, existe a ambição de se transformar o local
onde outrora operou num laboratório em espaço de exposições temporárias, ou para a
realização de atividades, workshops, e, em simultâneo, desenvolver as tarefas de
fotografar, inventariar e até de expor todo o espólio existente. Neste sentido, parecem
reunir-se aqui algumas condições favoráveis para podermos encarar este espaço
comercial como extensão ao Museu da Farmácia, numa lógica museu-vivo:
• A vontade do proprietário em tornar o seu espaço numa reserva visitável,
possível através das infraestruturas de que dispõe;
• O apoio direto do Museu da Farmácia
• O acesso ao fundo municipal do projeto “Lojas com História”, que prevê o
suporte de ações semelhantes às que se pretendem desenvolver.
Se é através do sentido comunitário que atribuímos aos objetos “valores para além
do seu valor utilitário” (Marques, 2013, p.245), com vista à preservação de um passado
que se pretende apresentar, e procurando uma orgânica de inventariação, estudo e
divulgação do seu espólio, é possível que a Farmácia Barreto encerre em si uma dinâmica
de reserva visitável, usufruindo das suas potencialidades em termos de infraestrutura,
espólio e conhecimentos. Cumulativamente com os planos de significância histórica e de
memória, e aliando a vontade de fixar o espaço no tempo, poder-se-á expandir até esta
69
vertente, como é sugerido por José Pedro Silva, resultando na criação da marca
“Farmácias com História”, que englobaria todos os espaços desse âmbito já classificados
pelas várias iniciativas municipais, com vista à criação de uma dinâmica de museus-vivos,
podendo este ser um meio de promoção que contribuíra também para o aumento da
rentabilidade destes espaços – valorizando um património que, no fundo, é de todos.
Essa é uma missão que passará por todos nós: estabelecer ligações a estes espaços
sejam elas afetivas, emocionais e/ou de memória. Em conjunção com a sua maior abertura
à receção de pessoas, dando-lhes a conhecer o backstage da atividade, esta iniciativa
gerará mais-valias em termos económicos, mas também para as pessoas, de uma forma
didática, alimentando uma relação emocional que na ótica de José Pedro Silva, “[…] pode
ajudar-nos a sobreviver. […] A farmácia é um espaço de qualidade. Se nós a essa
qualidade, gerarmos uma forte relação emocional, é garantia da nossa sobrevivência”.
(Apêndice n.º 1)
É através da memória coletiva, com objetos e ideias fixadas na comunidade, que
estes espaços poderão integrar a dinâmica museológica. O sentimento de pertença que
estes espaços assumem, por estarem ao serviço da comunidade e por haver um contacto
quotidiano com eles, contribui de forma significativa para a sua continuidade no tempo.
Transferindo a missão do Museu da Farmácia de preservação e transmissão do seu
património, na busca de se salvaguardar a história da profissão farmacêutica, para um
espaço como a Farmácia Barreto, poderemos alargar este âmbito, neste caso a um espaço
que se tornou uma marca representativa do seu ofício, e que, de forma similar aos museus,
produz significância cultural. Esta significância, mantida em grande parte pela memória
coletiva, gera uma permanência da importância histórica que o espaço assume e que tem
mantido até agora, podendo este ser o veículo que garanta a sua sustentabilidade para
gerações futuras.
Lutamos contra a standardização do modelo de farmácia, num modelo
padrão atípico: por isso, é urgente a classificação destes espaços de comércio
tradicional e histórico. (Carneiro, 2015, p.35)
70
4 - Considerações finais
O projeto “Lojas com História”, desenvolvido pela Câmara Municipal de Lisboa,
está enquadrado por uma legislação própria e é suportado em maior força pela Lei n.º
42/2017. Fortalecido por iniciativas semelhantes, constituiu-se como o primeiro grande
passo dado com vista à proteção do comércio tradicional em Portugal.
Se, por um lado, estas iniciativas vieram dinamizar e tentar colocar um travão no
encerramento e consequente desaparecimento dos espaços e das memórias, foi através do
enquadramento legal, monitorizado pelos critérios que os vários municípios criaram
relativos às iniciativas que têm como objetivo a salvaguarda do comércio tradicional, que
temos vindo a observar a ambição de se valorizar o património integrado e imaterial das
lojas ao longo dos últimos anos.
Os regulamentos criados visaram estabelecer um conjunto de critérios que os
espaços deverão cumprir e, através do seu sistema de pontuação, é imposta uma análise
que deverá ser criteriosa para a atribuição das distinções. Na pior das hipóteses, as
classificações poderão fragilizar outros negócios iguais sem distinções atribuídas, ao
prolongar a existência de espaços que, embora distinguidos, estão condenados ao
desaparecimento pelo fracasso financeiro e pela falta de adequação à evolução dos
tempos.
Em 2017, apelou-se a que todos os espaços classificados, dos mais distintos e
economicamente mais abastados, até aos mais pequenos e de memória mais local e
popular, tivessem o mesmo tratamento, a fim de se garantir a sua manutenção e
preservação, devendo os programas promover e valorizar os espaços distintos ao longo
da cidade (Chamusca et al.,2017, p. 67).
Poderemos equacionar a eficácia deste programa, apresentando dois exemplos
opostos.
No verão de 2018, em carta enviada à Câmara Municipal de Lisboa, Fausto Roxo,
proprietário da Pastelaria Suíça, anunciava o encerramento do espaço. Era uma das lojas
cujo processo de classificação ao programa “Lojas com História” se encontrava em
andamento, o que terá caído por terra dadas as “várias vicissitudes, que tiveram […]
impacto negativo na exploração comercial da Pastelaria Suíça, impossibilitando a sua
viabilidade, subsistência e continuidade no futuro” (Lopes, 2018). Por compra de um
fundo de investimento, também a Joalharia Correia, entretanto deslocada, e a loja de
decoração Ana Salgueiro encerrariam portas. Justificando a negociação para a cessão de
71
atividade como motivo de exclusão da classificação, de modo a não se criar especulação
ou arma de negociação, estas lojas encerrariam portas não existindo qualquer
desenvolvimento de outra atividade no espaço até então.
Por outro lado, a 6 de janeiro de 2017, o jornal Público noticiava o encerramento
da Tabacaria Martins (Pincha, 2017b), loja classificada na primeira fase do projeto “Lojas
com História” de Lisboa, e com mais de 140 anos de existência. O proprietário do imóvel,
– classificado como de Interesse Público desde 1967 –, não renovou o contrato do espaço,
e o prédio foi vendido a um investidor estrangeiro para a construção de apartamentos de
luxo. Horas depois da publicação, o mesmo jornal escreveria outro artigo relativamente
ao retrocesso na decisão, tendo a proprietária sido contactada por um dos representantes
do fundo imobiliário a garantir que o espaço não só ficaria onde sempre esteve, como
seria assegurada a sua manutenção e de outros espaços comerciais também ali existentes.
Este foi um exemplo de enorme conflito de interesses, uma vez que terá sido a
Câmara Municipal de Lisboa a autorizar o projeto de renovação do imóvel, que não
contava à priori com a permanência da tabacaria (Pincha, 2017c). Por outro lado, a
proprietária da tabacaria fez inclusivamente saber que teria sido convidada para uma
cerimónia a fim de receber um galardão, algo que nunca aconteceu, e que a Câmara nada
teria feito para travar o desaparecimento do espaço, até ter sido dado destaque na
comunicação social ao caso, que levantou polémica e que acabou por se revelar eficaz
para o espaço distinguido, garantido a sua permanência.
Parece-nos justo considerar que a posição tomada pela Câmara Municipal de
Lisboa face ao primeiro exemplo terá sido a mais correta, uma vez que seguiu os critérios
definidos no seu projeto, pese o facto de um dos espaços icónicos da restauração da Baixa
de Lisboa ter desaparecido. No outro caso, e uma vez que falamos de investimentos
financeiros que põem em causa a atividade destes espaços, observamos que houve um
especial cuidado na tabacaria, que não só foi incorporada no projeto de renovação do
imóvel – mantendo a sua traça original – mas que levantou uma maior onda de
solidariedade para com os espaços classificados.
Em maio de 2017, abordava-se a importância da preservação de um património
que se deveria de considerar para lá do edificado e do material, sendo património gráfico
e de equipamento, mas também o saber refletido no ofício.
Observamos assim que, acima de tudo, o projeto “Lojas com História” veio
mostrar de que forma é que a cidade terá sido enriquecida ao longo dos tempos através
de uma marca que se quer identitária: o comércio tradicional. (Sousa, 2017). Mas será
72
que poderemos seguir uma lógica, semelhante à da Farmácia Barreto, de musealizar estes
espaços?
As lojas não são monumentos imutáveis, e a sua actividade comercial está
na linha da frente de qualquer iniciativa que não as pretenda museificar. (Sousa,
2017)
Como vimos, foge-se à questão de se musealizarem estes espaços que se parecem
querer intocáveis, cujas dinâmicas muitas vezes centenárias se deverão manter as mais
autênticas possíveis, mas, em simultâneo, acusa-se muitas vezes as lojas de não se
renovarem às exigências dos tempos (Sousa, 2017). Para além de isto ser contraditório, é
em simultâneo problemático.
Numa fação, vemos que há esta grande vontade do intocável, do very typical que,
apesar de não se integrar nos objetivos do programa, acaba por o fazer, numa contradição
grande relativamente ao que considera original e representativo. Tendencialmente, o
projeto parece ter seguido esta via. Observemos como exemplo a Farmácia Barreto que,
embora não seja um espaço museológico, pretende dinamizar-se numa lógica extensiva
ao Museu da Farmácia. Em ambos os casos, o serviço à sociedade é fundamental,
funcionando na farmácia uma dinâmica comercial, que pode encarar esta faceta
patrimonial que se procura, ao apresentar um património histórico, integrado e artístico
que cada vez mais se pretende divulgar, por se considerar representativo. Por outro lado,
e citando Guilherme Sousa, “As Lojas com História têm de ser mais do que museus vivos
ou espaços de nostalgia […] Têm de ser lojas como sempre foram” (Sousa, 2017). Ao
analisarmos o programa e o seu contexto geral vemos que nunca se procurou considerar
as lojas como museus, vivos ou não, mas as condições acabaram por o levar a este ponto,
criando questões paradoxais quando aos possíveis modelos para o seu desenvolvimento
futuro.
Neste âmbito, devem ser considerados aspetos referentes aos imóveis, ao espólio,
e à sua representação. Procura-se o que é original. O próprio fundo municipal é claro na
sua missão13, buscando criar condições para que as lojas permaneçam o mais inalteradas
possível, salvaguardando-as e a todos os bens que lhe sejam inerentes.
13 “[…] instrumento financeiro que fomente e salvaguarde as características genuínas deste importante
comércio, de cariz local – “Lojas com História”. (CML, 2017b, p. 3)
73
A Farmácia Barreto tem uma clara missão de levar para fora das suas portas a sua
identidade e os seus bens. A vontade expressa de inventariar o espólio e de criar
iniciativas que mostrem o ofício, levam-nos a crer que a sobrevivência ou a possível
sustentabilidade destes espaços tenha de passar por um processo dinâmico de se
apresentar de outras formas, sob um outro olhar, podendo esta ser uma fonte imediata ou
não de rentabilidade.
Como os museus, o programa “Lojas com História” é visto como um mecanismo
que funciona ao serviço e com os cidadãos. Se o património é entendido como universal,
humanitário, também aquilo que as lojas detêm na história que carregam, material e
imaterial, e por servirem diariamente as populações que ali se reconhecem, poderá ser
entendido numa lógica de disposição ao serviço de todos, não devendo desaparecer. Neste
âmbito, a lei nem sempre impediu que vários espaços já classificados fossem encerrando,
por serem “incapazes de lidarem com factores tão distintos como as grandes mudanças
no mercado imobiliário, as alterações dos padrões de consumo ou a crise económica”
(Alemão, 2017).
Poderemos considerar este projeto como uma alavanca económica a estes
espaços? Acreditamos que sim. Principalmente pelas rápidas e múltiplas classificações
que foram surgindo na cidade, muitas vezes representando uma luta contra o seu
encerramento14. Se neste contexto são dados benefícios fiscais aos proprietários dos
imóveis e aos seus arrendatários, procura reduzir-se nas contribuições de forma que as
lojas sejam sustentáveis, dependendo, naturalmente, de outros fatores externos.
A divulgação destes espaços no website do projeto, nas redes sociais, na exposição
organizada e na monografia dedicada ao tema são outro meio que visa alertar para a sua
existência, e acaba por os favorecer, sendo uma das facetas que o programa oferece aos
espaços que classifica15. O fundo municipal contemplado anualmente e destinado a apoiar
projetos de conservação e restauro, e outras iniciativas que os espaços procurem
desenvolver, é mais um apoio para as lojas que, muitas vezes sem recursos próprios,
procuram no fundo um suporte para projetar o seu negócio.
14 Das 180 lojas do grupo de 300, com levantamento feito por parte da autarquia de Lisboa, passiveis de
serem incluídas no programa, as mesmas começaram a receber notificações com ordem de despejo, logo
em 2017. (Antunes, M., Ferreira, J.A., 2017) 15 Mais recentemente, o website “Lojas com História” lançou uma série documental de vários episódios,
que visa apresentar alguns dos espaços classificados, com o olhar de quem exerce os ofícios. Disponível
em: http://www.lojascomhistoria.pt/documentarios
74
Relativamente à questão se a musealização destes espaços poderá ser o caminho,
não lhe poderemos responder concretamente, mas das reflexões que fizemos em torno
deste assunto, parece-nos que sim. Teremos de atentar a multiplicidade de espaços
classificados e perceber o potencial de cada um, caso a caso. Certamente haverá lojas que
tenham as condições necessárias – financeiras, espaciais, ou até humanas – para
desenvolver iniciativas que visem a possibilidade de tornar estes espaços em reservas
visitáveis. No entanto, atribuir a mesma importância a todos ou apenas a alguns destes
ofícios é dúbio, porque cada espaço terá uma determinada relevância no seu contexto
histórico, social e local.
A Farmácia Barreto reúne praticamente todas as condições necessárias à
concretização de iniciativas práticas que visem uma maior divulgação da sua atividade.
Não estando ainda numa época de mais-valia, torna-se imperativo o apoio por parte das
associações representativas (humano, financeiro, entre outros) para a concretização destas
ações. Conforme José Pedro Silva menciona, e subscrevendo a sua ideologia “quanto
mais abrirmos o nosso espaço às pessoas, maior é a relação. […] Uma pessoa que venha
aqui dentro […] que tenha uma experiência […] de ver fazer ou fazer […] cria um laço
emocional com o espaço, que nos pode ajudar a sobreviver” (Apêndice n.º 1).
Os vários projetos aqui mencionados garantem as distinções por vários anos,
renovadas automaticamente sem prejuízo aos critérios considerados. Mas a garantia que
estas iniciativas permaneçam é incerta.
Paralelamente às distinções, aos apoios, existe o lado humano, o lado da memória.
E estes espaços entram na memória-coletiva das pessoas que habitam nas suas
proximidades ou que quotidianamente têm contacto com eles, pela simpatia dos
funcionários, pelos produtos comercializados, pela empatia estabelecida com o espaço,
ou pelo seu património integrado. Não garantir a permanência destes espaços, ou mesmo
deste projeto ou de outros semelhantes, é apagar memórias. É um processo que cabe a
todos nós, apoiar as lojas com história e contribuir da melhor forma para a sua
sustentabilidade, mas, acima de tudo, caberá aos municípios e aos respetivos governos
que se forem sucedendo a sua permanência, dando continuidade à linha proposta de
salvaguarda do património, inovando-o.
75
Fontes
Arquivo documental da Farmácia Barreto
Bibliografia geral
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76
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Outubro de 2019)
84
Anexos
Anexo 1 – Panfleto do projeto “Lojas Memória”, de Viana do Castelo
Figura 1 – Panfleto informativo sobre os objetivos do projeto “Lojas Memória”, de
Viana do Castelo (Câmara Municipal de Viana do Castelo, s/d)
85
Anexo 2 – Documentação relativa à Farmácia Barreto, proveniente do seu Arquivo
Documental
Documento 1 – Circular n.º 34/81, enviada pela Associação Nacional das Farmácias a
todos os seus associados, dando conta da renovação do edifício onde se encontra hoje a
Associação, e, em maior destaque, apelando à doação de algumas peças que constituem
hoje o espólio do museu da Farmácia. maio de 1981 (Martins, 2015, p. 196).
86
Documento 2 – Requerimento n.º 55.352, enviado ao Ministério do Comércio e
Indústria, solicitando o registo de marca em nome de Manuel Joaquim de Oliveira,
proprietário da Farmácia entre 1924/1925 e 1960. 28 de setembro de 1940.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
87
Documento 3 - Documento original, datado de dezembro de 1960.
Apresenta a venda de marcas, autorizando a proprietária seguinte, Alina Marques
Bagorra, a comercializar as marcas sob outros domínios. 15 de dezembro de 1960.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
88
Documento 4 – Carta redigida ao Diretor dos Serviços Técnicos da Direção-Geral de
Saúde, a dar conhecimento da alteração de propriedade da Farmácia Barreto para Alina
Marques Bagorra. 13 de março de 1961.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
89
Documento 5 – Carta enviada pela Direcção-Geral de Saúde, a Alina Marques Bagorra,
solicitando o documento comprovativo da sua posse da sociedade da Farmácia Barreto.
23 de março de 1961.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
90
Documento 6 – Carta enviada pela Direção de Serviços de Farmácia e Medicamentos, a
solicitar à proprietária Alina Bagorra Marques informações sobre os produtos deixados
de produzir. 24 de março de 1980.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
91
Documento 7 – Resposta de Alina Marques, à carta enviada pela Direção de Serviços de
Farmácia e Medicamentos, a apresentar todos os produtos que a Farmácia Barreto teria
deixado de produzir em forma de catálogo. 31 de março de 1980.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
92
Documento 8 – Documento assinado e datado de 1988, referente à transferência da
quota de Alina Marques para José Pedro da Graça Silva, relativamente à percentagem
da Codifar. 15 de fevereiro de 1988.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
93
Documento 9 – Documento atestando a inscrição da farmácia como associada na
Associação Nacional das Farmácias. 24 de junho de 1991.
Fonte: Arquivo Documental da Farmácia Barreto
94
Apêndices
Apêndice I - Entrevista ao Dr. José Pedro da Graça Silva, diretor e proprietário da
Farmácia Barreto, realizada a 12 de setembro de 2019 na Farmácia Barreto, Lisboa.
Luís Freitas – Estou aqui com o Dr. Pedro, proprietário da Farmácia Barreto. Nesse
sentido, gostaria de lhe fazer algumas questões. Primeiro, perceber o porquê da compra
da farmácia e em que estado a encontrou? Como é que o Dr. Pedro chega até esta
farmácia?
José Pedro Silva – Eu comprei esta Farmácia em 1986/1987 talvez, numa altura em que
as farmácias eram propriedade dos farmacêuticos, e onde o número de farmacêuticos que
desejava farmácias era muito superior ao número de farmácias que eram oferecidas para
o mercado. Eu tive conhecimento da venda desta farmácia através do próprio contabilista
da farmácia. O próprio contabilista desta farmácia, que era amigo de família, um dia, em
conversa ocasional, indica-me que esta farmácia ia ser vendida, ou estava vendida, ou
estava apalavrada, melhor dizendo, e é a partir dessa informação que eu venho visitar a
farmácia, como cliente normal. Apaixonei-me por todo o mobiliário, toda a história da
farmácia, todo o património que ela tinha, e, é a partir daí, que eu tento abordar a
proprietária na altura, para saber como era – se tinha realmente já feito o negócio, etc. Na
altura o promitente comprador falhou, e falhou com a senhora várias vezes, e ela acabou
por desistir do negócio com o outro comprador e colocou-me a mim a hipótese de eu a
querer comprar pelo valor que tinha alocado ao outro comprador, ao outro promitente
comprador. E foi assim que eu acabei por comprar esta farmácia na altura.
Luís Freitas – E de que forma é que quis colocar o seu cunho na farmácia enquanto
proprietário? Ou seja, houve alguma mudança significativa quando assumiu a direção?
José Pedro Silva – Sim. Havia informação que eu não tinha sobre esta farmácia enquanto
negócio, por inexperiência, por alguma ingenuidade minha. Esta farmácia estava falida,
como muitas outras na época, e, sobretudo, porque se adivinhava o principal cliente da
farmácia, que neste caso era uma instituição, era a Caixa Geral de Depósitos, que estava
já de saída daqui da zona, para o Campo Grande, para onde depois foi. Há uma série de
informação que eu não tenho conhecimento mesmo, nem sequer o contabilista tinha
95
conhecimento disso, mas naquela altura já havia a informação de que a saída da CGD iria
provocar uma situação económica ainda pior à Farmácia.
Quando eu cheguei, primeiro, isto era uma sociedade, e como sociedade eu não podia
fazer grande intervenção porque tinha uma sócia. Na altura fizemos uma modernização,
um “lavar de cara”, como a gente costuma dizer, mas não houve nenhuma intervenção
forte precisamente porque era uma sociedade e a sociedade não queria colocar dinheiro
que a farmácia não estava a produzir, ou não estava a produzir em quantidade suficiente
para grandes alterações. Recorde-se que, nessa altura, haveria talvez aqui na zona talvez
12 ou 14 farmácias, o que era muitíssimo. Por isso mesmo, o negócio que assentava
essencialmente na prescrição de um centro de saúde e de centros de saúde privados
ligados à CGD, ligados à Casa da Imprensa, que eram o segundo sistema de saúde,
acabavam por se dispersar por todas estas farmácias. Não era negócio só de uma farmácia.
Como tal, os proveitos, os rendimentos não eram assim tantos. Por isso mesmo, não havia
capital disponível por parte da sociedade para investir em obras ou remodelações, ou etc.,
isto na primeira fase, em que eu a comprei.
Mais tarde, quando eu já tinha uma posição bastante maioritária na sociedade, já lhe tentei
incutir o meu cunho mais pessoal, na manutenção - numa primeira fase – de tudo o que
existia, para que não se degradasse e não se deteriorasse tanto, ou mais. Numa segunda
fase, numa paixão pela história da farmácia e pela farmácia, que fez com que esta se
mantivesse.
Isto acabou ser por associado a outros fatores externos, como as crises económicas, as
crises sobre a farmácia, nomeadamente entre 2009 e 2011, mas, também, associado a isso
tudo, algum património acabou por não ser tocado, nem foram feitos grandes
investimentos.
Vamos lá ver, numa altura em que as farmácias todas começaram a fazer obras de
remodelação e apostar no livre serviço, eu entendi que não era esse o caminho de uma
farmácia como a minha. Ou seja, não era uma farmácia muito centrada num bairro, muito
centrada em clientela de bairro, não seria o livre serviço o melhor caminho, daí nunca
termos apostado o que parecia ser – estou-lhe a falar dos anos noventa.
Quando aparecem as parafarmácias, houve uma tentativa das farmácias se assemelharem
a estas, por acreditarem que isso era a forma moderna de negociar, ou moderna de fazer
comércio. Eu acreditei sempre que fosse ao contrário. Eu apostei numa farmácia de
aconselhamento, numa farmácia cuja principal vertente fosse a relação com o cliente,
neste caso com o utente, com a identificação com ele, e com a farmácia criar uma mais
96
valia, não no produto, mas no aconselhamento. Nesse modelo de farmácia, fazia todo o
sentido manter a farmácia como estava, e não apostar que as pessoas, pura e
simplesmente, pegassem no produto, fossem à caixa, pagassem e saíssem. Contra muitas
correntes que na altura disseram que não, que o destino da farmácia não iria passar por
aí. Na realidade, essa decisão de manter todo esse modelo de farmácia veio a mostrar-se
ser altamente eficaz com a classificação das “Lojas com História”, ou melhor, quando o
Estado reconhece a atribuição ou reconhece valor no comércio tradicional… Primeiro a
câmara, que reconhece valor nesse ato, por pressão da opinião publica, e quando o Estado
reconhece valor nesse ato e nessas lojas, nós acabámos por ser das primeiras a serem
incorporadas no processo. Nós já tínhamos um património histórico que andávamos a
trabalhar de forma subtil, em forma de gestão de influência para que isso acontecesse, e
chamando à atenção nomeadamente, a opinião pública, através de programas na televisão.
Na altura em que saiu a lei da alteração dos contratos de arrendamento comercial, toda
essa pressão acabou por ser altamente positiva, porque veio depois a resultar, primeiro na
iniciativa camarária, e depois na iniciativa inclusive do ministério da economia
Luís Freitas – A Lei n.º 42/2017, que veio dar, de certa forma, uma proteção não só aos
arrendatários, mas aos próprios proprietários dos imóveis, com apoios fiscais, com
isenções de taxas…
José Pedro Silva – Isso mesmo, e por aí fora…
Luís Freitas – E diga-me uma coisa, durante os anos noventa, há esta vontade do Dr.
Pedro de lutar contra uma corrente de modernização. Sentiu que essa luta foi eficaz,
mesmo durante os anos da crise que se fizeram sentir? Nós temos o resultado
posteriormente, não é, com a classificação…
José Pedro Silva – É muito subjetivo. O comércio, como muitas outras atividades, tem a
influência de modas. As modas de dispensa de medicamentos e de produtos de higiene…
é curioso porque assistimos a outra nova [moda]…o cliente habitual estava habituado a
confiar muito na farmácia e no farmacêutico, ou no pessoal que estava na farmácia – ainda
hoje confia muitíssimo. O que acontecesse é que passámos de um cliente que não estava
informado, para um cliente muito mais informado, muito mais letrado, com muito mais
formação, e esse novo cliente quer um bocadinho ser senhor do seu processo de escolha,
97
ou seja, enquanto na farmácia tradicional ele chegava à farmácia e dizia “eu tenho o
cabelo oleoso” -vamos pegar num produto típico de higiene -, ele hoje vai a um
supermercado, ou a uma parafarmácia, ou mesmo à farmácia e diz “eu quero o produto
‘x’ porque li, estudei, vi na televisão, tive mais informação de que esse produto é para o
acne, para o pé de atleta, que é para isso”. Por outro lado, o facto de ele escolher, torna o
livre serviço mais fácil, porque ele nem sequer tem de falar com ninguém, tem que pegar
no produto que ele acha que é o bom, e pagar na caixa. A atividade do comércio tem forte
poupança de recursos, nomeadamente fora da farmácia, por não ser obrigado a ter os
mesmos padrões de formação do que dentro da farmácia, essa é a forma mais fácil de o
fazer, ou seja, se eu colocar o produto à disposição, o cliente serve-se, paga na caixa. O
funcionário da caixa não precisa de ter formação nenhuma, nem precisa de saber o que é
o produto que está ali, simplesmente tem de receber o dinheiro pelo ato.
O custo de produção é muitíssimo inferior ao custo de produção da farmácia. O custo do
ato de venda do livre serviço tem um custo muitíssimo inferior ao custo de produção do
ato de venda, de qualquer produto na farmácia, em que eu aconselho, em que eu lhe faço
perguntas, em que eu gasto tempo. Ao mesmo tempo, tenho um pessoal completamente
diferente. Enquanto num lado tenho pessoal qualificado, formado, com critério de
responsabilidade, no outro não. No outro tenho uma pessoa que a única responsabilidade
que tem é receber o dinheiro.
Este diferente paradigma cai em valor do livre serviço. Como é que nós aqui o
contrariamos?
Em determinada altura, verificámos que não conseguíamos competir com o preço,
nomeadamente com o livro serviço. As cadeias de livre serviço são demasiado fortes para
nós conseguirmos competir com elas. Por isso, o negócio do preço passou a ser para nós
completamente secundário, verificámos que por aí não ganhávamos o campeonato. Um
laboratório apostado no livre serviço (exemplos: Reckitt, Procter & Gamble) que estão
fortemente enraizados na grande superfície, nomeadamente em outras áreas de cosmética,
em outras áreas de produtos de higiene, que apostam fortemente na publicidade como
forma de vender os seus produtos. As verbas que eles alocam a esse negócio, dessa forma,
à publicidade, ao criar no cliente a necessidade ou desejo de comprar o produto, não o
apostam numa farmácia onde eu tenho pessoal diferenciado, a recomendar produto.
Então, esses géneros de produtos, para nós, acabam por ser secundários face a outro tipo
de produtos que apostam mais na sua farmácia, ou laboratórios ou marcas, que apostam
mais na nossa formação e no nosso desenvolvimento no ato da venda.
98
O que é que aconteceu na prática? Uma escolha de produtos, uma escolha de
procedimentos que até ao momento se tem revelado altamente eficaz.
Luís Freitas – E como conseguiu combater, durante os anos da recessão?
José Pedro Silva –Consegui-me manter à tona da água durante todos os anos da crise e
da recessão. Ou seja, de uma forma ou de outra, passámos de ter um produto de massa
para um produto de aconselhamento, passámos a fazer escolhas em que nós criássemos
mais valia ao produto, e não ser o produto a criar mais-valia a nós, e na identificação
nossa, e aí foi muito importante ou é muito importante o nosso património, ou seja, o
modelo da farmácia, o design, tudo isso, os móveis antigos, toda a parte de tradição, veio
a permitir-nos alocar-nos como um produto diferente do produto normal, que é o livre
serviço, e que as outras farmácias todas depois acabaram por aí. O nosso cliente manteve-
se fiel a nós, não o perdemos. Nós perdemos alguns produtos, pela razão do preço, não
perdemos o cliente porque o cliente se continuou a identificar-se connosco.
Luís Freitas – E serem um fator distinto, digamos, pela preservação. Relativamente a
isso, eu sei que poucos anos ou durante os primeiros anos que está na direção da farmácia,
o Dr. Pedro teve um papel muito ativo junto do Museu da Farmácia, na constituição do
museu, nomeadamente na doação de algum material. De que forma é que a farmácia
contribuiu?
José Pedro Silva – Eu penso que a farmácia tem uma história, e a história da farmácia
deve servir não só como um arquivo museológico, devendo ser um ato de reflexão,
primeiro sobre o que era e os caminhos que poderemos seguir.
Numa altura, eu pensei que era extremamente importante fixar o património, e fixar o
património tem a ver, neste caso, com haver uma entidade que nos pudesse ajudar, mais
tarde, a levantar a nossa memória ou a fixar a nossa memória. E aí o museu da Farmácia
seria a pedra basilar para todo esse projeto da fixação da memória da farmácia. A memória
de como chegámos até cá, mas também dar-nos pistas de que como evoluir de uma forma
diferente. Nessa altura, tínhamos um enorme património em termos de património, porque
aqui como está na história, houve vários laboratórios e tínhamos aqui um grande
património, e oferecemos grande parte desse património ao Museu da Farmácia,
nomeadamente na área de material laboratorial (setor onde está uma colega a manipular).
99
Eu penso que o Museu da Farmácia pode – deve – servir como motor para o
desenvolvimento e para a fixação desta memória coletiva, que é toda a área museológica
que as farmácias ainda hoje possuem, ou seja, primeiro a classificação das farmácias, e
das pessoas que querem manter todo este património, mas, em segundo, eu penso que
cabe ao museu o dever da proatividade na fixação, no enraizamento, e na criação de valor
de todo este património.
Luís Freitas – Avançando um pouco. A recessão surge, a farmácia volta dar a volta e a
manter-se por cima, e, em certo momento, Portugal começa a ter uma grande procura e
um grande boom turístico, e devido à falta de proteção por parte da lei, há muitos espaços
que começam a encerrar e como disse, por pressão pública, começam a surgir umas vozes
que querem estes espaços de comércio tradicional – e que encaram o comércio tradicional
como marca identitária da cidade. Como é que esta iniciativa veio até a si, ou como é que
o Dr. Pedro foi ao encontro desta iniciativa surgia? Porque o programa começa a ser
falado em 2015, não é…?
José Pedro Silva – Nessa altura nós já tínhamos tentado algum lobby junto da Câmara,
junto de outras entidades, para a proteção destes espaços, sem grande influência porque
não havia um organismo com quem discutir. O encerramento de algumas lojas históricas
na cidade criou grande indignação na opinião pública, e nós fizemos juntar a nossa voz a
essa indignação, de que a cidade não se estava a proteger. Na realidade, o valor económico
dado pelo mercado aos espaços, às zonas e ao imobiliário, foi de tal modo alto com o
boom turístico, que, em prol do dinheiro, se esqueceram muitas coisas. Quando a opinião
publica começa a reagir, nomeadamente os meios de comunicação social, que começam
a dar voz a este processo de indignação, as câmaras acordaram para o assunto, e depois
os governos acordam para o assunto em período eleitoral. E é nesse sentido que nós fomos
bafejados por três ou quatro fatores perfeitamente fora do nosso controlo, que foi as datas
dos contratos de arrendamento, foi a lei que saiu… é curioso como uma simples lei, feita
por um governo, pode fazer tanto mal a um património. Chamando as coisas pelos nomes,
a lei da Assunção Cristas foi péssima para todo o comércio tradicional.
Luís Freitas – A lei do arrendamento urbano não dava qualquer proteção…
100
José Pedro Silva – Não dava qualquer proteção até que a Assembleia resolveu legislar
sobre o assunto e tomar a seu cargo essa proteção, porque as alterações que foram
provocadas e a caducidade dos contratos de arrendamento foram altamente nefastos para
todo o comércio tradicional. O valor da renda condiciona a atividade económica
completamente. Ou seja, sobretudo num mercado como é o mercado da farmácia, em que
as margens estão controladas, o negócio está totalmente espartilhado pelo Estado, e
totalmente controlado pelo Estado, eu não posso vender café até às 22h a um preço ou a
aspirina depois das 22h a outro preço completamente diferente. Isto não funciona bem
assim. As nossas margens não se prendem com outro tipo, são margens totalmente
regulamentadas, à exceção de um nicho de mercado que não é de certeza o grosso do
nosso negócio. Por isso mesmo, o fator renda é um custo que pode ter um peso entre nós
termos um negócio viável, ou termos um negócio completamente inviável.
Luís Freitas – E como é que o programa “Lojas com História” chega até esta farmácia,
para além de toda a pressão que já se estava a fazer?
José Pedro Silva – Nós somos dos primeiros a ser classificados, e ao ser classificados,
fruto de algumas investigações da Câmara. Ao sermos classificados, nós aderimos de
imediato, como é lógico, só tínhamos a ganhar com isso. É curioso que nesse campo
concreto, mesmo a parte legistaltiva era extremamente confusa, e tivemos alguns
problemas com a interpretação da lei: Não estava claro ou não se tinha ainda criado
jurisprudência para ser fazer o assentamento da interpretação da lei. Tivemos algum
tempo difícil, mas como eu costumo dizer, até ao momento estamos assim. Ou seja, não
está assente, ainda, o que é que acontece após dez anos após a entrada em vigor do
programa.
Luís Freitas – Não há garantias de nada…?
José Pedro Silva – Não há garantias de nada. E o não haver garantidas de nada, implica
muito com quem está no governo, se é a direita, se é a esquerda, se é uma coligação de
esquerda ou se é uma coligação de direita. Eu temo, e é um dos temores que tenho, é que
quando a direita voltar ao poder, o programa “Lojas com História”, pura e simplesmente
acabe, esquecido, botado às calendas, porque outros valores mais altos se levantam, neste
caso os valores do arrendamento.
101
Luís Freitas – Acha que isso é uma possibilidade?
José Pedro Silva – Muito real. Acho que é uma possibilidade muito real. Nada disto é
garantido. Ou seja, eu acredito muito realmente que a não haver pressão da opinião
publica, como a lei está atual, poderá acabar a todo o momento.
Luís Freitas - Mas a lei agora, e desde 2017 para a frente tem vindo a dar alguma
proteção… De que forma é que o Programa, para além da distinção e da divulgação da
farmácia, trouxe algo de novo aqui para a Farmácia?
José Pedro Silva - O programa traz muitas coisas. Vamos ver. O programa traz muitas
coisas e traz bastantes auxílios. Nós, enquanto farmácia, não nos soubemos organizar, e
o tempo vai correndo, para sermos uma componente forte no programa. O que é que eu
quero dizer com isto? O programa prevê incentivos, inclusivamente financiamentos. Mas
nós, enquanto empresa, não somos uma empresa tão grande, que consiga ter pessoal
alocado ou disponibilizado para fazer solicitar esses apoios, esses projetos. Aí penso que
a Associação tem andado a leste da farmácia, e com outras preocupações.
Luís Freitas – A associação…
José Pedro Silva – Nacional das Farmácias. A Associação Nacional das Farmácias devia
liderar os projetos. E os projetos deviam ser colocados pelas farmácias com o apoio
técnico da Associação Nacional das Farmácias; em vez de sermos uma loja com quatro
ou cinco funcionários, a tentar candidatar-se a um projeto, porque é muito difícil.
Qualquer candidatura feita por uma farmácia isolada, é extremamente difícil. Pior ainda
será o projeto feito pela drogaria ou pela Ginjinha ou pela Tendinha, porque não têm
know-how suficiente para fazer essas coisas, por muito simples que sejam, não são
práticas, não são funcionais, não é chegar lá e dizer “eu pretendo fazer isto, tem aqui um
orçamento”, não, precisa-se de orçamentos, de uma série de papelada para a qual nós não
estamos, primeiro, ginasticados, segundo não temos o know-how para o fazer. E aí
pensamos que as associações do sector, talvez até a própria UACS - União de Associações
do Comércio e Serviços, poderá dar uma ajuda. No nosso caso concreto das farmácias,
tendo nós uma Associação, isso deveria ser um tema forte da Associação.
102
Luís Freitas – Até porque o próprio programa tem um fundo municipal que prevê valores
a serem atribuídos para obras de conservação, restauro…
José Pedro Silva – Há um fundo municipal, há um fundo nacional do Ministério da
Economia, para modernização do comércio, com prioridade para as lojas de comércio
tradicional. Há imenso dinheiro nesta área, imenso dinheiro para pagar. Agora nós temos
de o saber ir buscar. E para ir solicitar esses apoios, e nos candidatarmos a isso, nós
precisamos de ajuda. Resumindo: eu não posso estar a sobreviver numa época de
sobrevivência, em que ainda andamos, ainda não estamos num processo de grande mais
valia, a contratar técnicos para me fazerem uma candidatura, técnicos a pedirem
orçamentos, isso é completamente impossível. Por isso é que era importante haver por
parte das nossas associações – primeiro da Associação Nacional das Farmácias – depois
quiçá pela UAC, o desenvolvimento de um gabinete para nos ajudar nessas candidaturas
e nesses projetos. Porque vontade – e eu creio que vontade política e autárquica parece
haver, ou pelo menos dizem que há, até prova em contrário.
Luís Freitas – Ao longo destes 30 anos, em que tem estado na direção da Farmácia, e
preservando este património da maneira que é possível, houve alguma obra de maior neste
espaço, que levasse à própria conservação do mobiliário, limpeza de algumas peças,
arrumação…?
José Pedro Silva – Em 1990, tivemos uma intervenção assim, que visou mais os
equipamentos, que são uns equipamentos que temos, em que houve um restauro de algum
mobiliário. Mesmo antes da classificação, começámos todo o processo de recuperação da
sala de atendimento, da sala de espera. Aí houve intervenção inclusivamente com
profissionais da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva (FRESS), que nos ajudaram com
esse restauro. Isso foram as grandes intervenções que tivemos. Atualmente, estamos no
processo do restauro do laboratório, desta área laboratorial. Queremos abri-la ao público,
ou queremos abri-la em períodos específicos ao público, mas voltamos sempre ao tema.
Precisamos de pessoal para nos ajudar a recuperar todo este património, mais
“armazenado” do que exposto para visão. Temos ideias, muitas. Temos a ideia de
conseguir restaurar este laboratório, de aqui fazer workshops. Eu penso que as “Lojas
com História” deverão mostrar a frente, mas também deverão mostrar um bocadinho a
retaguarda daquilo que é o que está por trás do que as pessoas veem. E nesse sentido, a
103
visita a armazéns, no nosso caso aos laboratórios, o poder perceber um bocadinho do
comércio, para além de uma enorme curiosidade que as pessoas têm penso que é didático.
E esse didático vai criar-nos mais valor. Ou seja, quanto mais as pessoas nos conhecem e
se reconhecem, repare: as farmácias tinham mais do que agora um conceito de
propriedade, ou seja, aquela era a minha farmácia, eu vou ali, vou aquele café, têm
determinados conceitos que geram empatias e uma relação emocional com o espaço. Eu
acredito que quanto mais abrirmos o nosso espaço às pessoas, maior é a relação. Ou seja,
uma pessoa que venha aqui dentro ao laboratório, que tenha uma experiência aqui dentro,
de ver fazer ou fazer, um creme, uma pomada, uma coisa relativamente simples, cria um
laço emocional com o espaço, que nos pode ajudar a sobreviver.
Luís Freitas – E acha que esse poderá ser um dos caminhos a traçar para a sobrevivência
ou para a sustentabilidade da farmácia?
José Pedro Silva – A farmácia tem imensos fatores que lhe são alheios na sua
sobrevivência. Não é uma forma de garantir, mas é a forma de produzir um produto de
qualidade. A ver se eu consigo identificar mais… A farmácia é um espaço de qualidade.
Se nós a essa qualidade, gerarmos uma forte relação emocional, é garantia da nossa
sobrevivência.
Luís Freitas – A farmácia torna-se uma memória coletiva para quem cá passou, cá
esteve…
José Pedro Silva – E esta é a solução, a razão, que eu penso de todo o comércio
tradicional. De outra forma, quando eu era pequeno o meu pai levava-me à Tendinha, ali
entre o Rossio e o Arco Bandeira, a comer uma sandes de queijo fresco. Quando eu hoje
passo pela Tendinha, eu tenho essa memória. Mais do que a memória da casa, eu tenho a
memória de lá ter ido meu pai comer uma sandes de queijo fresco e beber um capilé.
Essas empatias e emoções são afloradas quando eu entro num estabelecimento. Quando
eu passo por lá, faz-me ir até lá. E se for preciso a comer ou a beber. A parte da
rentabilidade económica poderá ter que passar por outras coisas. Mas a sobrevivência do
espaço enquanto espaço na memória-coletiva por isso mesmo, pela criação de uma
relação emocional com o espaço.
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Luís Freitas – Só tenho a agradecer, pela informação muito útil e informativa.
José Pedro Silva – Há um trabalho aqui que é um trabalho não intelectual, mas físico, de
fotografar, agendar, inventariar tudo isto, que é necessário ou eu queria aqui fazer, criando
também uma área de exposição para trazer as pessoas aqui para dentro, porque eu não
tenho tempo suficiente para isto, porque tenho um negócio para gerir. Tenho de pagar
cinco salários, e é importante que eu pague os cinco salários.
Quando comecei a procurar parceiro, que seria o parceiro mais lógico foi o Museu da
Farmácia. E o Museu da Farmácia acariciou o projeto logo desde o início, e disse “sim”,
vamos desenvolver. O tempo é que não é compatível com as coisas. Provavelmente vamos
ter de encontrar outros parceiros. Já tentei um outro, também não funcionou. A minha
ideia era estabelecermos contactos com outras entidades, com outras universidades,
criarmos uma bolsa, qualquer coisa, que nos ajudasse a fazer isto, podendo fazer este
inventário.
Mas isto está demasiado lento para o meu gosto, de todo o envolvimento com o museu
da Farmácia. Tivemos uma reunião grande, duas reuniões mais pequenas ali no museu,
para definição de projetos, definição de objetivos. Passa-se um ano e as coisas continuam
paradas, e as coisas não se compadecem com isso, isto é uma empresa privada, não é uma
empresa institucional, eu aqui não ganho proveniente de uma associação que me pague.
Todos os dias fazemos o nosso ordenado. O que é que quero dizer com isso? Quero dizer
que, primeiro vamos ter de estar ali fora, porque ali fora é onde se ganha o dinheiro, mas,
segundo, a valorização do nosso património – por isso comecei por aí e falei à pouco
nisso – eu penso que a valorização do nosso património devia de ser altamente acarinhada
pela Associação Nacional das Farmácias, porque é o património da farmácia.
Existindo neste momento quatro farmácias classificadas em Lisboa, creio eu, e mais duas
no Porto ou três, ou quatro, eu penso que a Associação já deveria de ter criado um
departamento que nos ajudasse na criação e no desenvolvimento do projeto.
Nós temos projetos muito concretos – a criação de uma identidade própria do grupo, a
criação de material do grupo, quer de merchandising, quer de história, material do grupo,
integrado nisto - ideias de projetos de livros, tudo ligado a isto, mas que até ao momento
não resultou nada.
Neste momento ando à procura de um fotógrafo. Precisamos de fotografar uma série de
coisas para memória futura. É extremamente importante fixar, e marketizar o conceito de
Farmácias com História. A marca “Farmácias com História”, ligadas ao museu, e daí a
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importância do museu para nos dar o avale científico. É extremamente importante para a
nossa sobrevivência, enquanto opinião pública, enquanto opinião política, enquanto valor
económico. Era importante desenvolver a marca “Farmácias com História”, para depois
fazer marketing. Mais do que as Lojas – no sentido amplo do termo - com História,
seríamos as “Farmácias com História” ligadas ao museu, ou seja, nós seríamos um
conceito que já existe há imenso tempo, que é o dos museus-abertos, museus-vivos, onde
as pessoas podem entrar.
Isso é importante na sobrevivência da memória coletiva da cidade, mas, também, da
sobrevivência daquele espaço em termos económicos. Gostava imenso de ter uma vez por
mês, duas vezes por mês, tours guiados às farmácias com história, visitando duas, três,
farmácias, três, quatro, farmácias, vendo como fazer, como manipular, sendo recebidos.
Isto faz-se nos EUA, com alto valor acrescentado, com alto rendimento. Se temos o
original, nem sequer precisamos de cenários de cinema…porque é que não o fazemos?
Porque é que não somos capazes de dar a volta a este texto?
E aí penso que a farmácia teria muito a lucrar com isto, digo eu.
Acaba por ser complicado porque as pessoas dizem que “sim!”, “sim!”, “sim!”, “sim!”, e
não fazem nada, é muito complicado.
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Apêndice II – Entrevista ao Dr. João Neto, Diretor do Museu da Farmácia e Presidente
da Associação Portuguesa de Museologia, realizada a 12 de setembro de 2019 na
Associação Nacional das Farmácias, Lisboa.
Luís Freitas – Estou aqui reunido com o Dr. João Neto, diretor do Museu da Farmácia,
que autorizou a gravação desta entrevista.
João Neto – Confirmo a autorização e a transcrição para o trabalho do Luís Freitas
Luís – Dr. João, relativamente ao museu. Nós sabemos que o mesmo inaugura em 1996.
Gostaria que, se possível, fizesse uma breve contextualização sobre a sua construção, ou
que nos falasse do surgimento da ideia para o museu, e como foi concretizado, em termos
práticos.
João Neto – O museu é uma ideia antiga, que remonta a meados do século XX, uma vez
que houve sempre a ideia de um dia se fazer um museu ligado à Farmácia. Isto porque
em Espanha sempre houve um museu da farmácia, e em Portugal, os professores das
faculdades, sobretudo da Faculdade de Farmácia de Lisboa e do Porto ficaram com essa
ideia.
Era uma ideia vinda da Academia, que só teve expressão depois de ter sido feito um
Congresso Internacional em 1972, um Congresso dos Farmacêuticos Mundiais, em que
foi feita uma exposição, surgindo novamente a questão de se concretizar um Museu da
Farmácia. No entanto, quem tinha esta ideia estava ligado à Faculdade, ou à Ordem dos
Farmacêuticos, e para avançar com esta ideia, era necessário dinheiro e vontade política.
E essa vontade política só surgiu depois em 1981, quando o Dr. José Carlos Salgueiro
Basso, disse na reunião de direção, que era presidida pelo Dr. João Cordeiro, que a
modernização das farmácias teria de ser acompanhada por um processo de preservação
do património farmacêutico.
Para esta aquela direção, naquela altura, formadas maioritariamente pela Faculdade de
Farmácia do Porto onde tinham uma unidade curricular em que o professor lhes falou da
importância da preservação do património, esta ideia fez sentido.
A partir de 1981, dentro da ANF [Associação Nacional das Farmácias], liderado pelo Dr.
José Carlos Salgueiro Basso e depois com outras pessoas que se foram juntando ele, uma
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das mais importantes o Dr. Guerreiro Gomes, da Farmácia Mendes-Gomes aqui de
Lisboa, começaram a criar-se condições para se fazer um museu.
A primeira parte do museu estava claramente objetivada para a salvaguarda do património
farmacêutico da possível destruição que modernidade pudesse causar. Esse facto fez com
que eu e a Dr.ª Paula Basso, enquanto estudantes de História passássemos de uma forma
muito pontual a ajudar o projeto, e em 1990 passámos a integrar os quadros da ANF, já
com ideia de irmos mesmo trabalhar para o museu. Nessa altura, e uma vez que a Dr.ª
Paula Basso já tinha acabado a cadeira de especialidade em Museologia com a Dr.ª
Natália Correia Guedes, já havia condições.
Posteriormente, o primeiro trabalho teve duas dimensões: criar a coleção e criar a
componente arquitetónica e da museologia do museu. O arquiteto desta casa, Martins
Garrido e o designer, Cruz Carvalho no início estavam a pensar fazer o edifício, já com
uma pequena parte dedicada ao Museu da Farmácia –de 150 m2 – que corresponde ao
local onde temos hoje as Farmácias [Piso 0 do Museu]. Só que, entretanto, os meus
estudos e os da Dr.ª Paula foram avançando cada vez mais e nós ficámos responsáveis
por criar mesmo o museu.
Esta não deixa de ser a primeira parte da história do museu. Claro que, depois da
inauguração, que foi um tremendo sucesso, importante porque as pessoas viram de que
forma valorizámos as suas doações, porque o Museu tinha nessa altura 9000 peças e
sensivelmente mais 95% eram peças- E foi nessa altura que nós começámos a comprar
nos leilões e a colecionadores privados mais peças, mas sempre e apenas na perspetiva
do património farmacêutico português, sobretudo na farmácia do século XVII e XVIII,
porque tínhamos a Farmácia Barbosa dessa altura, e queríamos que ela ficasse o mais
próximo da realidade. A partir daí, começámos a fazer.
Ainda em 1996, e com o sucesso, eu falei com a direção, e sobretudo com Dr. João
Cordeiro, para que o museu pudesse dar o salto, que era um salto para uma outra
dimensão, que era a dimensão da história do mundo. Isso foi possível, foi à reunião da
direção, acharam interessante, e, logo a seguir a termos inaugurado – 1997, 1998 –,
começámos já a delinear o que seria a coleção futura do museu. Aí, a nossa questão foi
colocar referências sobre a história da farmácia e da saúde no mundo. Começámos a
colecionar, e foram momentos muito intensos porque nós queríamos mesmo ter uma
excelente coleção. Havia mesmo vontade da direção que percebeu, quando o museu foi
aberto, ultrapassou – e isso é um trabalho muito da grande da Dr.ª Paula e meu – uma
coleção fechada e exclusiva, que era essa a intenção da ANF, só para associados e seus
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amigos, mas à medida que fomos abrindo as portas ao público, eles começaram a perceber
que o museu era uma realidade que agradava a mais pessoas para além daquelas daquela
classe. Isso foi muito importante porque a missão era, claramente, a de preservar o
património, mas começou-se a perceber que era um projeto fortemente marcado de
marketing da profissão, do valor da farmácia e do valor do medicamento como elemento
científico para a cura, e não tanto aquele valor comercial que naquela altura estava
associado, que era a Farmácia vista por terceiros como um bom negócio. O museu veio
ajudar a mostrar que não estávamos a falar apenas do negócio mas sim de um espaço
científico, de uma plataforma de ciência para curar as pessoas, e isso ajudou bastante
depois à outra parte, da coleção internacional, inaugurada em 2002, que preencheu a nossa
sala de exposições temporárias no 1º andar, porque tínhamos pensado este andar como
espaço de exposições temporárias. Em 2002 já tínhamos peças suficientes para fazer uma
boa exposição sobre a história do mundo. Claro que à medida que o sucesso se foi
desenvolvendo, maior era a facilidade de apostar numa coleção internacional, por isso
apostámos bem e fortemente numa coleção internacional da história da farmácia e da
saúde.
Luís Freitas – Percebemos que há aqui duas fases: a primeira, com a reunião do espólio
das farmácias portuguesas, e a segunda, com a aposta da internacionalização escolhendo
a evolução da farmácia um pouco por todo o mundo. Concentrando agora na primeira
fase, relativamente às farmácias portuguesas: podemos dizer que os associados tiveram
um papel bastante ativo para a constituição do espólio ligado às farmácias portuguesas?
João Neto – Os associados sempre tiveram uma ligação forte porque sempre estiveram
envolvidos no projeto do museu.
Luís Freitas – De que forma?
João Neto – Portanto, no início a pressão era “dêem-nos peças”. Depois numa outra
dimensão, “continuem a suportar financeiramente o museu”, porque os projetos só podem
ter sucesso se os associados virem que é de interesse para eles, e a terceira é que eles
agarraram também o próprio museu como parte do seu marketing. Porque quando as
próprias farmácias traziam grupos de amigos, que traziam também as escolas perto delas,
também passaram a ser parte integrante do que é o “serviço educativo” e a divulgação do
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papel do farmacêutico e do seu património junto da sociedade. Portanto, os associados e
as farmácias perceberam que o museu era essencial na sua relação com a sociedade, e
sobretudo juntou-se também o aspeto de uma sociedade próxima deles, mas também com
a realidade política. O museu era utilizado pelos farmacêuticos que tinham cargos de
direção nas concelhias, ou nos conselhos, ou então pela própria direção da ANF.
Luís Freitas – E de que forma, neste caso específico – e eu sei que há uma relação de
proximidade grande entre a Farmácia Barreto e o Museu da Farmácia - é que a Farmácia
que está mais perto do museu e é classificada como “Loja com História” contribuiu para
o Museu?
João Neto – A Farmácia Barreto, contribuiu, como tantas outras, que acreditaram no
projeto, com a doação de peças e de apoio financeiro via ANF. Mas com a Farmácia
Barreto tínhamos aqui outra ligação. Se, por um lado, tínhamos aqui a história preservada
e comunicada sob o ponto de vista histórico sobre o papel que elas tinham, a Farmácia
Barreto era uma farmácia histórica ainda em atividade. Portanto, a proximidade dava-nos
estas duas dimensões: por um lado, um conjunto de peças das farmácias que eram
património, que estavam preservadas e guardadas, e, por outro, era uma necessidade ter
uma farmácia história preservada, mas que estivesse ao vivo e a funcionar para a
sociedade. Portanto, aqui as duas dimensões que o património histórico podia ainda ter.
Por um lado, estar no museu, por outro, estar ativo junto das populações. Claro que ambos
os lados tinham um papel muito importante que era relembrar a memória histórica das
farmácias, quer do ponto de vista arquitetónico, quer do ponto de vista científico, quer do
ponto de vista da comunicação do papel do farmacêutico na sociedade.
Luís Freitas – E acha que o facto da Farmácia Barreto, à semelhança de outras farmácias,
que se têm preservado ao longo do tempo, resistindo às renovações…essa resistência tem
sido um motivo para a sua sobrevivência, ou para a sua continuidade, ou mesmo para a
sua sustentabilidade? Ou acha, porventura, que se essas farmácias tivessem integrado uma
lógica de renovação, como aconteceu com muitas outras, essa teria sido uma via que as
tinha levado para um caminho menos promissor do que aquele que podem agora encarar?
João Neto – Muitas das farmácias que desapareceram, em muitos dos casos, não era pelas
pessoas não gostarem do aspeto da farmácia, aquele sabor do antigo. Era claramente pela
viabilidade das farmácias, da necessidade que as farmácias têm de comunicar os seus
110
produtos, e de fazer uma ligação forte entre aquilo que as pessoas vêm na comunicação
social e aquilo que podem encontrar na própria farmácia. Isso é muito difícil, muitas vezes
juntar esta comunicação ou a necessidade de comunicar os produtos de uma forma muito
mais agressiva numa farmácia que tenha uma estrutura arquitetónica antiga. É preciso ter
um grande sentido do valor do património e da história da sua farmácia para conseguir
conjugar muitas vezes esta sustentabilidade. Porque é difícil fazer a união das
necessidades da comunicação atuais com a preservação. Há farmácias que conseguem, há
outras que não conseguem mesmo, porque a pressão económica é muito grande. Se tu
tiveres um bocadinho mais à vontade nessa pressão económica, se calhar tens uma
almofada ainda que te permite manter esse lado. Se isso um dia pode ser mais uma
vantagem…já o está a ser, porque a nova lei não permite que estas atividades económicas
sejam desalojadas. Aqueles que apostaram num sentido histórico da sua atividade, estão
a ter um benefício. Podem ter este grande benefício, se o espaço não for deles já estão a
ganhar. A perda dessa ligação histórica se calhar pode torná-las num ponto turístico
agradável, em que a pessoa possa entrar. Se a pessoa entrar e comprar depois um produto,
a farmácia já está a ganhar algo mais.
Luís Freitas – Já está a ganhar mais valia nesse sentido…
João Neto – Exatamente. Agora, que é um esforço muito grande e que devemos de apoiar
em todos os sentidos aqueles que acabam por preservar a sua história, que é uma história
que já não é deles, é uma história do seu bairro, e da sua cidade. A perda destas atividades
históricas, ou deste património histórico, pode descaracterizar as cidades. Eu disse isto
uma vez numa entrevista, se nós tirarmos este património destas atividades, é a mesma
coisa que estarmos a tirar da sequência do ADN de uma pessoa determinados elementos
- a pessoa fica descaracterizada. Na nossa cara começa a desaparecer a orelha, os olhos,
porque o bocado do DNA que constitui o nosso corpo foi retirado. É isso que queremos
nas nossas cidades? Nas nossas vilas? Portanto, há aí todo um projeto da questão
urbanística e de gestão das cidades, e se devem ou não colocar de uma forma tão liberal
esta questão. Graças a Deus que Lisboa teve essa visão, e teve essa questão, que foi as
Lojas Históricas.
Luís Freitas – Gostaria agora de falar exatamente sobre isso. Sabemos que o programa
Lojas com História surge em 2015 com o objetivo de proteger o património que
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gradualmente estava a desaparecer. Essa iniciativa depois expandiu-se, em cidades como
o Porto, Braga, Silves ou na Madeira… há até uma plataforma estatal que reúne algumas
lojas classificadas.
Enquanto Presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), que está
debruçada sobre estas questões de salvaguarda de património, considera que este é um
programa que tem tido sucesso? Ou surgiu como uma necessidade?
João Neto – Surgiu como necessidade, claramente. Lojas classificadas ou espaços
classificados já existiam na cidade, havendo edifícios classificados como património
municipal. Como atividade histórica, deve-se à pressão que obrigou à existência desta
iniciativa. Houve a consciência de que de um momento para o outro, o que era a cidade,
o que era o AND da cidade podia rapidamente desaparecer, porque saía fora do controlo.
Estamos a falar de negócios entre particulares. Se não houvesse uma legislação que
protegesse a cidade e o seu património, o encerramento de mais espaços era ainda mais
acentuado. Podia realmente haver um sentido comercial dos recursos financeiros que as
pessoas lhe passavam a ter pelo trespasse, mas a verdade é que, numa visão mais alargada,
a cidade ficava sem uma parte histórica que é a sua mais-valia. São estes pequenos
momentos da história que permanecem na cidade que a caracterizam. É muito interessante
que uma pessoa tenha uma loja de uma marca conceituada, que exista em Budapeste ou
em Helsínquia, etc., mas depois elas são todas iguais. Numa farmácia elas nunca são todas
iguais. A perda das farmácias, neste caso específico, é perder um património único,
porque não há nenhuma igual à Farmácia Barreto. Pode haver parecida, mas igual a ela
não há. Ela foi feita para ali, foi concebida arquitetonicamente e o próprio planeamento
do seu espaço de organização funcional foi feito para ali. Desaparecer é desaparecer para
sempre, é colocar em extinção uma parte da nossa história. Da história de Lisboa e da
nossa cidade.
Luís Freitas – E acha que o programa tem feito o suficiente pelas farmácias, ou olhando
de um ponto de vista mais alargado, pelas lojas?
João Neto – Não, sinceramente… tem um papel importante, atenção. Se não houvesse,
era uma limpeza. Ficava tudo com uma ótima decoração, com luzes da última geração,
“já está!” e era um novo espaço. Julgo que os proprietários deveriam ter mais benesses
em termos fiscais, se os seus lucros fossem aplicados na preservação ou em iniciativas
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que pudessem manter o sentido da história daquele espaço. Isto quer dizer o seguinte: se
uma parte dos lucros da farmácia fosse aplicada no trabalho de conservação e restauro
dos móveis, do espaço público ou do laboratório, ou se o proprietário fizesse uma linha
de cosmética com uma decoração semelhante àquele que a farmácia tinha no início do
século, ou se existisse uma iniciativa junto com o Museu da Farmácia que a pessoa
sentisse o reviver da história, o investimento nestas partes devia ser mais majorado. Ou
seja, as pessoas deviam sentir que estavam a fazer parte de um plano importantíssimo
para a história da sua cidade.
Luís Freitas – E acha que isso não acontece?
João Neto – Eu julgo que o valor que é ganho pelo mecenato, ou pelos impostos, não é
assim tão importante, deveria ser mais, deveria ter um peso mais forte nos resultados, ou
nos benefícios que o proprietário daquele espaço deveria ter. Porque a pessoa tem de
sentir que valeu a pena. Não é apenas pela pessoa entrar e sentir que é bonito, é ela
perceber a sua história e aquilo que está a fazer pela história é ser importante para todos.
Luís Freitas – Ou seja, gostaria de ver concretizadas algumas medidas que visassem,
neste caso, o sentimento de memória-coletiva que as pessoas têm pelos espaços.
João Neto – Até mesmo para as pessoas que têm estes espaços históricos possam até ficar
mais sensibilizadas em investir, em saber mais da sua história, dos produtos que lá eram
vendidos, da comunicação visual e arquitetónica que esses produtos poderiam ter, ou a
forma de comunicar podia ser… isso tudo desenvolvia todo um conjunto de iniciativas
paralelas. Eu não estou a ver um farmacêutico com tempo ou na farmácia do género
“deixa cá ver que tipo de produtos eu tinha ou eram comercializados”. Se calhar ele até
tem, mas podia pagar a um historiador ou a um designer para o fazer…
Luís Freitas – Pegando nisso, eu estive à conversa com o Dr. Pedro [diretor e proprietário
da Farmácia Barreto], e falámos exatamente dessa situação, porque não há tempo e o
orçamento também tem de ser gerido para a sustentabilidade da farmácia… O Dr. João
não acha que essa podia ser uma iniciativa que passasse pela própria Associação Nacional
das Farmácias? Dando aqui um apoio às lojas ou neste caso, às farmácias classificadas?
É porque as farmácias estarem a contratar alguém para algo tão específico…
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João Neto – Há determinadas situações que a Associação já o fez, através do museu. Ao
longo da nossa história o museu foi utilizado para dar pareceres ou para fazer pequenas
investigações, ou, até mesmo, para fazer avaliações do próprio património das farmácias.
Fazer esse trabalho que possa dar origem a produtos comercializados, não sei se
deveríamos ser nós, ou se nós poderíamos ser apenas os consultores para que a farmácia
que queira desenvolver uma determinada comunicação com base na sua história,
contratando terceiros, verificando se a verdade histórica está lá. Eu acho que aí, se calhar,
o museu podia ser uma boa alavanca em termos de consultadoria, e aí sim, como nós
sabemos para outras coisas. Agora, intervir diretamente nessa parte, não sei se nós
deveríamos fazer isso. Se me disseres assim, se o Dr. Pedro lhe fizer um conjunto de
sabonetes a dizer “Farmácia Barreto”, reminiscentes do século XX, a loja do museu da
Farmácia não os poderia vender? Claro, claro que podia ter, porque não? Desde que
tivesse lá a identificação “Farmácia Barreto”
Luís Freitas –Acha que é possível, estabelecendo uma pareceria. O museu seria a
alavanca para chamar à atenção ou para divulgar estas farmácias?
João Neto – Mas isso nós sempre fizemos. Tivemos no nosso site um roteiro dito
“Michelin” que mostrava as farmácias históricas, ou farmácias com história, ou farmácias
que tinham uma arquitetura de tal forma diferente, que merecessem estar nesse guião, e
nós fazíamos essa divulgação. Quando nós atingimos esta dimensão internacional, as
farmácias para nós tornaram-se os nossos expetores de comunicação, porque a pessoa que
entra na Farmácia Barreto se calhar pode tecer considerações sobre o espaço, e alguém
indicar “olhe, se quiser conhecer mais farmácias ou conhecer a nossa história, suba um
pouco mais a rua e veja o Museu da Farmácia”. Isto pode acontecer na Farmácia Barreto,
mas se calhar não acontece na Farmácia Camões porque é uma farmácia moderna. Numa
farmácia moderna, uma pessoa não vai imediatamente perguntar onde é que pode
conhecer farmácias antigas. Agora, na Farmácia Barreto pode porque o ambiente
transporta para uma história. Para nós, é importante que essas farmácias existam, porque
põem ao vivo e a cores o que é a missão do museu.
Luís Freitas – E acha que, num futuro, e resistindo à modernidade, estas farmácias
conseguem ser sustentáveis e manter esta linha, que têm mantido de resistência à
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modernização, às crises económicas? Acha que há a possibilidade destas farmácias
históricas se manterem de pé?
João Neto – Neste momento julgo que sim [reticente]. Julgo que há uma maior
consciencialização da importância da preservação do património destas atividades
económicas. Se calhar, se me fizesses essa pergunta em 2006, em 2008, eu ia dizer que
não. A nova lei as que protege e preserva, e que não deixa de lhes dar algum dinamismo,
é uma grande ajuda. Se me perguntares se as farmácias vão ter algum futuro como elas
estão neste momento? Isso já não sei. O conceito de farmácia vai-se alterar muito com
estas novas tecnologias…
Luís Freitas – Como já está, com as parafarmácias, com o livre serviço…
João Neto – Eu não vou por aí… a minha questão é a seguinte: se tu hoje consegues e
estás a pensar já em imprimir medicamentos em máquinas 3D, e as impressoras do futuro
podem imprimir tudo e mais alguma coisa, não sei se vais ter a necessidade de ir buscar
o comprimido ou se vais à farmácia apenas buscar substâncias, para depois levares para
casa. Depois de ires ao médico, imprimes em tua casa.
Eu acho que o que vai acontecer no futuro, e que é a minha esperança, é que a saúde seja
muito preventiva. Creio que, num futuro muito próximo, vamos ter sensores no nosso
corpo, que hoje já existem nos soldados das tropas especiais, muitos deles já têm esses
sensores, ou os astronautas, que te estão a dar informações sobre o teu estado de saúde,
tendo leituras quase imediatas. Isso pode permitir o que acontece na farmácia oriental:
aos primeiros alertas de que há um desequilíbrio, se calhar já não precisas de tomar o
medicamento para aquela doença, porque a doença já está instalada, mas sim tomar
substâncias que ajudem imediatamente a estabilizar o teu corpo, para evitar a instalação
total da doença. Eu julgo que a farmácia vai ter este desafio, e pode ter este lado mais da
prevenção.
Luís Freitas – Mais do que a cura, a prevenção…
João Neto – Exatamente. Ela vai estar sempre ligada à cura, mas essa longevidade pode
estar muito ligada a esses sensores. E tu vais-me dizer assim: “Então, mas desculpe lá,
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que ideia tão maluca, está-me a falar de um Serviço Nacional de Saúde, dum quartel
general, que recebe os impulsos de 10 milhões de portugueses?” Se calhar não, mas se
calhar as farmácias vão ter algo que a pessoa ao passar ou indo lá, pare e imediatamente
o meu sensor emite para um recetor na farmácia aqueles dados.
Sobre a pergunta que me fizeste há uns tempos atrás. Pode o museu trabalhar em conjunto
com as farmácias, de estabelecer aqui uma ligação entre espaço-vivo museológico?
Claramente, e essa foi uma boa pergunta que me fizeste.
O museu tem a obrigação, e as farmácias históricas também devem ter essa obrigação de
manter essa ligação forte, não apenas de estar perto, mas de ter iniciativas conjuntas em
que a pessoa possa sentir esse trabalho em equipa. O sucesso do museu ou de uma
farmácia histórica passa exatamente pela capacidade de trabalho conjunto, e de ações
estratégicas - de conjunto, para as pessoas terem essa consciencialização do património
farmacêutico, e isso é muito importante. Se devemos fazer algo mais com as farmácias
históricas? Sim, claramente, e tu sabes que o museu fez estes caminhos passando por
várias farmácias históricas para as pessoas sentirem que aquelas farmácias têm uma
história e que essa história está ligada ao museu, e isso, para mim, é uma estratégia muito
importante. Isso ajuda, ajuda a criar essa consciência da história.
Luís Freitas – Portanto, a inclusão das farmácias ou a criação de roteiros com as mesmas,
a divulgação de iniciativas das próprias farmácias…
João Neto – Exatamente.
Luís – Também passa um bocadinho por aí a sua sustentabilidade… serem espaços vivos,
de memória, que preservem o que lá está, e que relembrem às pessoas como é que as
coisas eram feitas.
João Neto – Exatamente, porque a pessoa pode até dizer que depois de perceber a
importância da farmácia, aqui da zona, até pode optar por ir àquela farmácia, porque para
além da simpatia, eles precisam de ser ajudados, precisam de apoio. A entrada dessas
pessoas nessas farmácias, é uma forma de apoiar as farmácias, mas também a sua história
e o seu património. Ao reconhecer esse valor, colateralmente estão a prestar valor ao
Museu da Farmácia.
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Luís Freitas – Há uma consciencialização das pessoas nas farmácias históricas e no
Museu da Farmácia para esta necessidade, deste património, que deve ser preservado ao
máximo
João Neto – E não passa exatamente daquilo que estávamos a falar, e sobre o que e tu me
fizeste essas perguntas exatamente. Passa pelas pessoas sentirem. As pessoas só
defendem aquilo que conhecem. Depois de sentirem. Por muita tecnologia que possamos
ter, e que a tecnologia dê estímulos, a química que é criada no nosso cérebro perante algo
que queremos aprender, porque é bonito, porque nos sentimos bem, é imensa. E aquilo
com que as pessoas se sentem bem, com que aprenderam, que tem um lado positivo, mais
facilmente depois poderão defender. Isso não é com folhetos, não é com roteiros no site,
é criar esses caminhos para levar as pessoas, porque a química e as cargas elétricas
emocionais, só essas é que podem levar o ser humano a compreender, a compreender e a
defender.
O Museu acaba por ser a realidade aumentada a sério. Uma pessoa que venha da Farmácia
Barreto – primeiro vê aquele espaço – e depois chega ao museu, acaba por ter uma
realidade aumentada, de como seria aquela farmácia e vice-versa. Uma pessoa que saia
aqui do museu e entre na Farmácia Barreto já leva a realidade aumentada. Isso é
importante, porque neste caso, e as farmácias aqui da zona têm a proximidade, mas é uma
possibilidade. Se me perguntares “e os outros?”. Não tens outro setor económico com
esta ligação. Tu tens o museu das mercearias? Zero. Tens o museu da carpintaria? Não
tens. E se tu fores ver - e aí as pessoas podem até dar um maior valor à existência do
museu – todas as atividades que existiram e que são precisas para que as pessoas vivam
na cidade, se tu reparares, só existe um museu exclusivamente ligado àquela atividade, a
uma atividade, que é a farmácia, que todas as outras não têm.
A valorização do nosso património histórico não é igual ao numérico da nossa história.
Nós temos 900 anos de história, mas depois, aa realidade portuguesa que valoriza esse
património é muito reduzida. Não é 900%, é 1%, ou 10%, que valorizam o património
histórico, e temos essa falta. Infelizmente, o que está a acontecer, é que a preservação da
história está a ser comida pelas necessidades do turismo, e por uma visão neoliberal de
que o património é mais um elemento para criar riqueza, e só vale para criar riqueza. O
património só pode ser interessante se vender, tem que vender, a todo o custo, porque
estamos numa sociedade extrema de consumo, e tudo é quantificável para venda. Até a
vida humana. E isso é um problema.
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Luís Freitas – Certo, e em entrevista ao Dr. Pedro falávamos sobre isso: há a lei, há o
programa, há as distinções. E daqui a dez anos? Porque as atribuições são feitas e têm a
validade de quatro anos, renovam-se automaticamente – e ainda sem perceber quantas
vezes se podem renovar – e depois? Se Portugal continuar com este boom turístico – mais
concretamente Lisboa – o que é que poderá acontecer a estes espaços?
Eu encaro este programa, estas medidas, e estas coisas, como uma necessidade de uma
resposta quase imediata ao que está a acontecer, e não como como uma prevenção, ou
seja, não se preveniu e estão a concretizar-se ações numa lógica de prevenir
consequências ainda maiores, porque há muitos espaços destes que já fecharam.
A Tabacaria Martins – não sei se sabe – esteve em vias de fechar, mas alguém se lembrou
de falar com proprietário do fundo imobiliário e apelar à importância da tabacaria.
João Neto – Mas foi a pressão da comunicação social.
Luís Freitas – Também, também…
João Neto – Mas, Luís, a importância da existência destas leis, e sobretudo essa
consciencialização por parte das autarquias, devia começar até por um primeiro poder que
são as juntas de freguesia. A própria junta de freguesia devia imediatamente dizer o que
é que é importante na sua freguesia. Aí é que devia de começar a primeira aprovação: sim
ou não? Eu quero ou não quero? É importante ou não que a tabacaria, que a farmácia ‘x’,
ou aquela sapataria deva ficar…? Independentemente se eu sou ou não amigo das pessoas.
Eu pessoalmente acho que a primeira linha de aprovação deveria ser pela junta de
freguesia. A câmara só vinha dar o reforço ou vá lá, o complemento jurídico para que
aquilo ficasse não digo totalmente fechado, mas fechado e com os apoios necessários para
os proprietários. Mas a primeira linha de aprovação deveria ser muito mais fácil, deveria
ser ao nível da junta de freguesia.
Luís Freitas – E não considera que isso possa cair numa lógica de influências e benefícios
de um espaço perante o outro, de alguém ser amigo do proprietário do espaço…
João Neto – Por isso é que tem de haver um bom regulamento, tem DE haver um bom
regulamento para que a junta de freguesia, ao dar o seu aval, imediatamente perceba que
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está a dar o seu aval a um projeto e não a umas pessoas. Mas, para mim, a primeira linha
de aprovação, deveria ser totalmente a junta de freguesia. É a microdinâmica. Nestas
novas dinâmicas, deve haver uma dinâmica de preservação de proximidade, percebes? A
meu ver, isto deveria começar logo aí, porque depois era possível gerir melhor essa
realidade, a sua história, a nível micro.