Upload
lauro-portela
View
341
Download
57
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Esta dissertação faz uma releitura do coronelismo, entendendo-o como uma figuração específica da Primeira República (1889-1930), em que a emergência dos poderes locais, ocasionada pelo federalismo implantado com a proclamação da República, ditou a nova realidade política, com interesses pulverizados em vinte unidades federativas. Observa-se que o ordenamento político definido pelo presidente Campos Salles (1898-1902), conhecido como “política dos governadores”, deu estabilidade política à República brasileira – estabilidade apoiada nos estados, decorrente das novas pressões e relações de interdependências entre os indivíduos envolvidos no jogo político. Como estratégia metodológica, traço um quadro das pressões políticas que atuaram sobre os indivíduos, ligados entre si por teias de interdependências, cuja distribuição supõe um equilíbrio das tensões, antagônicas e contrabalançadas, conseqüentemente, instáveis e móveis. Demonstro, também, que a “política dos governadores”, ou o apoio do Executivo Federal aos chefes políticos estaduais, e vice-versa, norteou arranjos e disputas em Mato Grosso, mas que isso não foi tudo, tendo em vista que o fortalecimento dos poderes locais por meio de promoções da Guarda Nacional (1831-1918), composta por civis, cuja estrutura militarizada reproduzia a hierarquia social, forneceu ao “coronel”, sua maior patente, grande peso nas relações políticas locais, e, por extensão, nacionais. A inexistência de partidos nacionais como canais de resolução das grandes questões do país, permitiu que os interesses regionais invadissem a política nacional. A “política dos governadores” foi responsável pelo congelamento dos meios legais de exercício do poder nos estados. Em Mato Grosso, a emergência dos poderes locais foi responsável pela “Revolução de 1892”, e a “política dos governadores” resultou em duas outras “revoluções” (1899 e 1906, esta última com o assassinado de um presidente do estado), uma sublevação contra o governo (1901) que foi debelada, e uma duplicidade de governo com luta armada disseminada pelos municípios do interior (1916) com intervenção federal (1917).
Citation preview
LAURO VIRGINIO DE SOUZA PORTELA
UMA REPÚBLICA DE MUITOS CORONÉIS E POUCOS ELEITORES :
coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930)
Cuiabá
Fevereiro de 2009
LAURO VIRGINIO DE SOUZA PORTELA
UMA REPÚBLICA DE MUITOS CORONÉIS E POUCOS ELEITORES :
coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges.
Cuiabá
Fevereiro de 2009
LAURO VIRGINIO DE SOUZA PORTELA
UMA REPÚBLICA DE MUITOS CORONÉIS E POUCOS ELEITORES :
coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930)
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges
___________________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Canavarros
____________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Nanci Leonzo
Cuiabá
Fevereiro de 2009
Aos meus pais Zito e Ivani; aos meus avós,
Pedro e Aurília, e Ana e Renato, o qual não
conheci; e a todos aqueles que são capazes de
realizar sonhos.
AGRADECIMENTOS
O maior prazer obtido em cada trabalho científico concluído é o crescimento que
alcançamos em vários sentidos. Cresce o conhecimento; cresce a contribuição científica;
crescem as amizades conquistadas; e cresce a lista daqueles a que temos que agradecer pelo
apoio e auxílio.
Assim, deixo aqui registrados, primeiramente, os meus agradecimentos ao Prof. Dr.
Fernando Tadeu de Miranda Borges, meu orientador, que me apoiou e acreditou em meu
trabalho de pesquisa, contribuindo com indicações para leitura, argumentos e na correção
final. Se o texto ficou agradável para a leitura, foi graças às suas contribuições quanto à forma
a ser seguida; caso contrário, assumo aqui todas as responsabilidades.
Agradeço também ao Prof. Dr. Otávio Canavarros e ao Prof. Dr. Pablo Diener, os
quais aceitaram o convite para a banca de qualificação, e, no caso do primeiro, para a banca
de defesa. Aos dois devo agradecimentos pela leitura e correção de meus textos e idéias,
contribuindo sobremaneira para a aplicação do método e revisão da literatura. Agradeço de
maneira especial à Prof.ª Dr.ª Nanci Leonzo, do Departamento de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que aceitou o convite para fazer parte desta
banca de argüição desta dissertação.
Devo imensos agradecimentos à Prof.ª Dr.ª Marinete Covezzi, do Departamento de
Sociologia e Ciência Política da UFMT, minha primeira orientadora em projetos de pesquisa e
que muito me auxiliou nas questões levantadas, bem como na organização de meu projeto.
Além disso, devo a ela muitas indicações de leituras e no levantamento de textos raros. Sem
sua atenção e paciência, esta pesquisa jamais teria sido realizada.
Agradeço também à Prof.ª Nathália Maria Dorado Rodrigues, a quem devo, além da
agradável companhia em leituras e discussões acadêmicas, a correção do texto, e a avaliação
do estilo de minha redação.
Igualmente devo agradecimentos aos amigos e, atualmente, colegas de trabalho do
Arquivo Público de Mato Grosso, em especial ao funcionário Iverso Magalhães, cuja
digitalização de alguns números de jornais muito me facilitou a coleta de materiais. Agradeço
também às funcionárias e queridas amigas Elair Brito, Meliane Marques e Marielle Jacarandá
pela leitura de alguns capítulos, me salvando do uso de formas demasiadamente rebuscadas de
escrita; e ao igualmente amigo Marcus Vinício Arruda e Silva. Do mesmo modo, agradeço
aos funcionários Luzinete Xavier, Aroldo Ramos Cruz, Odenil Santana da Silva, Waltemberg
de Souza Santos e Hilário Noriyuri Teruya Júnior, aos quais devo a indicação e acesso de
documentos.
Ao Arquivo Público de Mato Grosso, nas pessoas de José Roberto Stopa, ex-
superintendente, e de Cláudio Borges Alves, atual superintendente, bem como da gerente de
Digitalização e Microfilmagem, Regina Auxiliadora Nunes de Figueiredo, devo o apoio e
cooperação para completar meus estudos.
Devo agradecimentos também ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em História
da Universidade Federal de Mato Grosso, e a todo o seu corpo docente, os quais durante estes
dois anos me proporcionaram a chance de aprender mais e de amadurecer profissionalmente.
Ao meu primo Hélio Coelho agradeço o apoio na pesquisa e aquisição de livros raros
encontrados nos sebos paulistanos. Sem a sua ajuda jamais conseguiria levar adiante este
projeto de pesquisa, tendo em vista a dificuldade em se obter títulos mato-grossenses em
Mato Grosso.
Por fim, e não menos importante devo agradecimentos especiais aos meus pais, Zito e
Ivani Portela, pelo apoio financeiro e, principalmente, pelo incentivo proporcionado durante
estes dois anos de Mestrado.
Aqueles a quem não citei, igualmente agradeço e quero que se sintam lembrados.
Na Bruzundanga, como no Brasil, todos os representantes do povo, desde o vereador até ao Presidente da República, eram eleitos por sufrágio universal, e lá, como aqui, de há muito que os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador – “o voto.”
Lima Barreto, Os Bruzundangas A rememoração dos episódios mais importantes da Proclamação da República e dos seus primeiros governos explica as deficiências do regime, ensejando a deformação republicana que faria da fraude a sua razão de vida e teria nela a razão de sua morte. Assim como foi inevitável a distribuição dos Estados e influências por um grupo de homens que não tinham o prestígio dos chefes tradicionais, os primeiros Presidentes da República viram-se levados a permitir que êles organizassem, então, o seu prestígio de qualquer maneira. A isso chamou-se a Política dos Governadores. As bancadas cujo reconhecimento era determinado pelos governadores; as Salvações e tôda a série de fraudes e violências que mutilaram o ideal republicano, desinteressando o povo da prática democrática e revoltando os moços que acabaram pegando em armas contra o governo. Esta a seqüência dos acontecimentos da Primeira República que assomam, escurecendo o brilho de realizações incontestáveis de grandes homens que, contudo, não exerceram a democracia. Foi assim que caminhamos para 1930.
Hélio Silva, 1889: A República não esperou o amanhecer.
PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Uma República de muitos coronéis e poucos eleitores: coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930). 2009, 152 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação Mestrado em História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.
RESUMO
Esta dissertação faz uma releitura do coronelismo, entendendo-o como uma figuração específica da Primeira República (1889-1930), em que a emergência dos poderes locais, ocasionada pelo federalismo implantado com a proclamação da República, ditou a nova realidade política, com interesses pulverizados em vinte unidades federativas. Observa-se que o ordenamento político definido pelo presidente Campos Salles (1898-1902), conhecido como “política dos governadores”, deu estabilidade política à República brasileira – estabilidade apoiada nos estados, decorrente das novas pressões e relações de interdependências entre os indivíduos envolvidos no jogo político. Como estratégia metodológica, traço um quadro das pressões políticas que atuaram sobre os indivíduos, ligados entre si por teias de interdependências, cuja distribuição supõe um equilíbrio das tensões, antagônicas e contrabalançadas, conseqüentemente, instáveis e móveis. Demonstro, também, que a “política dos governadores”, ou o apoio do Executivo Federal aos chefes políticos estaduais, e vice-versa, norteou arranjos e disputas em Mato Grosso, mas que isso não foi tudo, tendo em vista que o fortalecimento dos poderes locais por meio de promoções da Guarda Nacional (1831-1918), composta por civis, cuja estrutura militarizada reproduzia a hierarquia social, forneceu ao “coronel”, sua maior patente, grande peso nas relações políticas locais, e, por extensão, nacionais. A inexistência de partidos nacionais como canais de resolução das grandes questões do país, permitiu que os interesses regionais invadissem a política nacional. A “política dos governadores” foi responsável pelo congelamento dos meios legais de exercício do poder nos estados. Em Mato Grosso, a emergência dos poderes locais foi responsável pela “Revolução de 1892”, e a “política dos governadores” resultou em duas outras “revoluções” (1899 e 1906, esta última com o assassinado de um presidente do estado), uma sublevação contra o governo (1901) que foi debelada, e uma duplicidade de governo com luta armada disseminada pelos municípios do interior (1916) com intervenção federal (1917). Palavras-chave: Coronelismo; Primeira República (1889-1930); cultura política; Mato Grosso
PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Uma República de muitos coronéis e poucos eleitores: coronelismo e poder local em Mato Grosso (1889-1930). 2009, 152 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação Mestrado em História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.
ABSTRACT
This dissertation redefines the concept of coronelismo, understanding it as a specific figuration of the Brazilian First Republic (1889-1930), when the emergence of local interests, caused by the federalism implanted when the Brazilian Republic was proclaimed, set the new policy reality, with local interests sprayed for twenty federals States. The new political order defined by president Campos Salles (1898-1902), called “política dos governadores” (“policy of governors”), which stabilized the Brazilian Republic – supported stability in the states, brought about by new pressures and relationships of interdependence between individuals involved at Brazilian politics. As a methodological strategy, I trace a framework of political pressures which has influenced the individuals, which was linked by webs of interdependence, whose distribution assumes a balance of tensions, which are antagonistic and balanced, consequently, unstable and mobile. I show, also, that “política dos governadores”, or the support of Federal Executive Branch to state political leaders, and vice versa, guides thru alliances and political disputes, because strengthening of local interests through the National Guard (1831-1918), composed of civilian, that its military structure reproduced the social hierarchy, provided the “Colonel”, its greatest post, power in local, and national political relationships. The absence of national parties as channels for discussion of national issues has enabled local interests invaded the national policy. The “política dos governadores” was responsible for the “freezing” of legal means of exercising power in the states. In Mato Grosso, the emergence of local interests was responsible for the “Revolution of 1892”, and the implantation of the “política dos governadores” results two other “revolutions”: in 1899 and 1906, when a president of state was murder, and a riot against state government in 1901, what was rebelled, and double government with war sprayed through interior cities in 1916, ended with federal intervention in 1917. Keywords: Coronelismo; First Republic (1889-1930); civic culture; Mato Grosso
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Percentual das patentes de oficiais da Guarda Nacional que
compunham as mesas das seções eleitorais da Comarca da Capital …………… 70
Quadro 2 – Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1894 das dez seções
eleitorais da Comarca de Cuiabá, compreendendo as paróquias da Sé e São
Gonçalo de Pedro II, de Santo Antônio do Rio Abaixo, Chapada, Nossa Senhora do
Livramento, Brotas e Guia ………………………………………………………... 106
Quadro 3 – Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1906 do município de
Cáceres …………………………………………………………………………… 109
Quadro 4 - Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1905 do Município de
Rosário do Rio Acima …………………………………………………………….. 110
Quadro 5 - Relação de profissões da revisão do alistamento eleitoral de 1912 do
Município de Santo Antonio do Rio Abaixo ………………………………………. 111
Quadro 6 – Eleitores votantes e eleitores alistados em relação às populações
absolutas de Cuiabá e Mato Grosso ……………………………………………... 113
Quadro 7 – Profissões exercidas por governadores, deputados estaduais,
senadores e deputados federais por Mato Grosso (1890-1930) ………………... 123
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 – Dona Marianinha ………………………………………………………… 64
Fig. 2 – O Coronel Ponce ………………………………………………………… 65
Fig. 3 – A reposição da legalidade em 1892 ……………………………………… 78
SUMÁRIO
RESUMO …………………………………………………………………………………. 7
ABSTRACT …………………………………………………………………………….… 8
LISTA DE QUADROS ………… ………………………………………………………… 9
LISTA DE IMAGENS …………………………………………………………………….. 10
INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………………. 12
1 CORONELISMO: federalismo e emergência dos poderes locais ………………... 28
2 A GUARDA NACIONAL E SUA FORÇA “ELEIÇOEIRA” ……………………….. 53
3 A FORÇA DAS ARMAS: o coronelismo e as “revoluções” em Mato Grosso .. 77
4 ELEIÇÕES: o demos e a polis locais ………………………………….…… 102
4.1 O demos, o povo que votava ………………………………………….. 102
4.2 A polis local, a busca do consenso entre notáveis …………………… 120
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………... 133
6 FONTES E REFERÊNCIAS ………………………………………………… 136
Introdução
O coronelismo é um fenômeno característico da Primeira República brasileira (1889-1930).
Faz parte do folclore político nacional com seus coronéis vestindo casaca ou terno de linho,
calçando botina, de rosto sisudo enfeitado por um vistoso bigode (símbolo de sua virilidade),
arrematando rebanhos de eleitores, trocando favores, distribuindo cargos, exercendo poder em um
determinado município do interior. Representa tudo o que existe de mais atrasado na política
brasileira, sendo até hoje um termo utilizado.
O fenômeno foi consagrado na literatura nacional por Jorge Amado em seu romance
modernista da segunda fase Gabriela, Cravo e Canela, que foi lançado pela primeira vez em 1958.
O livro tem como cenário a cidade baiana de Ilhéus, na década de 1920, no auge do cacau, e traz,
além dos triângulos amorosos e intrigas de alcova, personagens políticos da Primeira República: o
coronel Bastos e Mundinho Falcão. O primeiro é um típico representante do coronelismo:
machista, impetuoso e com visão estreita para as oportunidades econômicas. O segundo é portador
de uma visão política mais adiantada, voltada para o progresso econômico.1 Contudo, ambos
fazem parte do jogo, dos acordos, das relações de poder típicos do período.
Com a proposta de enriquecer o debate sobre a Primeira República, bem como sobre a
cultura política do período, esta dissertação tem como objeto o coronelismo em Mato Grosso entre
1889 e 1930. Como o fenômeno do coronelismo não se restringiu apenas à literatura brasileira,
sendo objeto de estudos na academia, realizo primeiramente uma discussão com os principais
autores que se debruçaram sobre o assunto.
Victor Nunes Leal foi o primeiro intelectual a se debruçar sistematicamente sobre o
coronelismo. Seu único livro, Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo
no Brasil, lançado pela primeira vez em 1949, é uma referência importante. Contudo, não é do
coronelismo especificamente que o livro trata, mas da tutela do município e como isso interferiu na
1 JORGE AMADO. Gabriela, Cravo e Canela. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
13
estrutura política da Primeira República brasileira. “O coronel entrou na análise por fazer parte do
sistema”, asseverou seu principal prefaciador Venâncio Filho.2
Para Leal, o coronelismo é uma relação de compromisso entre o poder privado
decadente (representado pelos coronéis) e o poder público (o Estado) paulatinamente
fortalecido – na medida em que centraliza estruturas administrativas que historicamente
estiveram nas mãos dos poderes locais: as eleições, o orçamento, o monopólio da violência
etc. Esse compromisso se fundamentava nos votos que o coronel arregimentava em troca dos
favores que o Estado colocava à sua disposição – empregos, cargos públicos, benefícios na
aplicação da lei nos municípios. Essa relação só foi possível, segundo Leal, com a instituição
da República, a 15 de novembro de 1889, que inaugurou uma base representativa ampla (todo
cidadão, sem ter que comprovar renda, excetuando-se as mulheres e os analfabetos, exercia o
direito de votar) num contexto de estrutura social e econômica inadequada.
A análise de Vítor Nunes Leal não considera o eleitor, principalmente aquele das áreas
rurais do interior do Brasil, como tomado por vontade própria. Para Leal importa “a influência
política dos donos de terras, devido à dependência dessa parcela do eleitorado, conseqüência direta
da nossa estrutura agrária, que mantém os trabalhadores da roça em lamentável situação de
incultura e abandono.”3
O coronel é o chefe político local por ser proprietário de terras, ou seja, um latifundiário.
Neste sentido, estão a ele tutelados clientes, funcionários, agregados rurais e outros, que
invariavelmente votam com ele. Seu poder político consiste, portanto, em utilizar-se de seu
prestígio (afinal é ele quem provê as necessidades imediatas dessa população no município) e
mando para manipular o eleitorado em troca da complacência do Estado.4
A obra de Leal é um avanço importante em relação às análises do cenário político brasileiro
produzidas na primeira metade do século XX. Esse autor rompe com a tradição “feudalista” cujo
maior representante é Nestor Duarte, autor de A Ordem Privada e a Organização Política
Nacional publicada em 1939, para quem há uma relação contraditória entre a ordem privada,
fundada na família patriarcal, compreendendo tantos os membros consangüíneos como os
agregados e escravos, e o Estado, que “há de resignar-se a viver dela e a apoiá-la”5. Interpretação
esta que também é encontrada em Oliveira Viana, em sua obra Populações meridionais do Brasil.
2 LAMOUNIER, Bolívar. Vítor Nunes Leal: Coronelismo, enxada e voto. In: MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico, 1. 3 ed. São Paulo: SENAC, 2001, p. 276 3 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: O Município e o Regime Representativo no Brasil. 6.ª ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1993, p. 253. 4 Id., ib., p. 53-54. 5 DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 71.
14
Paulistas, fluminenses, mineiros, de 1920, para quem o latifúndio mono-cultor é o centro de
gravitação desta sociedade,6 sendo o “clã rural”, disperso e concentrado nos latifúndios auto-
suficientes em torno do grande senhor da terra (por isso, patriarcal), que ele considera ser a única
forma de associação desta sociedade, que invade, inclusive, a dinâmica urbana, a qual, nas palavras
de Oliveira Viana,
todas essas outras formas de solidariedade social e política – os “partidos”, as “seitas”, as “corporações”, os “sindicatos”, as “associações”, por um lado; por outro, a “comuna”, a “província”, a “Nação” – são, entre nós, ou meras entidades artificiais e exógenas, ou simples aspirações doutrinárias, sem realidade efetiva na psicologia subconsciente do povo.7
Mais tarde esta ênfase na organização familiar seria seguida por Maria Isaura Pereira de
Queiroz, principalmente em O mandonismo local na vida política brasileira, de 1956.8
Esta autora, em seu artigo O coronelismo numa interpretação sociológica, publicado na
coleção História geral da civilização brasileira, cuja primeira edição é de 1975, e que foi
desenvolvido a partir de suas conclusões do livro de 1956, considera o coronelismo como um
fenômeno datado, sendo uma forma assumida do mandonismo local brasileiro restrito à Primeira
República. Entendendo que o mandonismo local teve várias formas desde a Colônia, sua
interpretação reflete, pois, uma relação de clientelismo entre o chefe político (o coronel) e aqueles
que o cercam: a família, principalmente, seus empregados, seus dependentes etc. O coronel era por
estes reconhecido como tal, e destes dependia o seu prestígio, numa relação de troca. Em suas
palavras,
a localização sócio-econômica tendo por ponto de referência o “coronel” não era, porém, peculiar apenas aos indivíduos das camadas inferiores, mas se estendia a todos os escalões sociais. Todo “coronel” era integrante em nível elevado de um grupo de parentela mais ou menos vasto; e os grandes “coronéis” se constituíam realmente em chefes supremos tanto de toda a sua parentela quanto das parentelas aliadas, podendo transbordar perfeitamente sua autoridade de âmbito local ou regional, ultrapassar o estadual e se apresentar ao nível até nacional. O “coronel” como chefe político nacional teve em Pinheiro Machado seu representante mais acabado.9
Portanto, seguindo as considerações de Nestor Duarte acerca da organização social
brasileira focada na família, o coronel é assim reconhecido como chefe de uma parentela. Não é
unicamente a expressão do poder político, mas a expressão de uma rede de relações de dominação
6 OLIVEIRA VIANA. Populações meridionais do Brasil. Paulistas, fluminenses, mineiros. Brasília: Senado Federal/Conselho Editorial, 2005, p. 116. 7 Id., ib., p. 345. 8 Ver CARVALHO (2005b), José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. In: ______. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 140. 9 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira: Brasil republicano. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 156-157.
15
que ultrapassa o político, atravessando a estrutura sócio-econômica, como um todo. Contudo, a
força política provinha dos eleitores controlados por um coronel – direta ou indiretamente –, ou
através de uma família que tinha no coronel o cume em sua hierarquia.
O voto é algo a ser barganhado, numa relação de reciprocidade de dom e contra-dom. A
autora não descarta que o uso da coerção fosse recorrente, contudo, era evitado pelos coronéis que
conquistavam seus eleitores através de favores e proteção.10
Assim o coronel deve, acima de tudo, possuir a capacidade de prestar favores. É daí que
extrai o seu prestígio perante o eleitorado, considerando o voto um bem a ser barganhado.11 Neste
sentido, a fortuna pessoal é fundamental – e esta poderia ser conseguida através da herança
(principalmente terras), do casamento ou mesmo do comércio. E, neste sentido, as atividades
comerciais pareciam concorrer para um maior prestígio ao coronel do que a posse de terras.12
A autora entende que a decadência da sociedade coronelística se deveu à urbanização que,
tendo início em meados do século XIX no sul do Brasil (hoje sudeste e região sul) e principalmente
nas regiões de lavoura do café, pôs fim à dominação política proveniente da parentela, base de
sustentação do coronelismo.13
É explícito que tanto para Victor Nunes Leal, quanto para Maria Isaura Pereira de Queiroz,
o voto é a chave para se compreender o coronelismo. Por isso, de acordo com esses autores, era
comum aos coronéis recorrerem a falseamento das eleições, na arregimentação de eleitores, na
coerção para afastar os eleitores da oposição etc.
O brasilianista coreano radicado nos Estados Unidos Eul-Soo Pang, em seu Coronelismo e
oligarquias. 1889-1945 – fruto de sua pesquisa sobre as disputas políticas no interior da Bahia –
discorda da afirmação de Leal de que a posse da terra era a base do poder dos coronéis. Segundo o
autor,
a afirmação de que a propriedade da terra é condição sine qua non para a aquisição e exercício de poder político, constitui-se num exagero. Na realidade, durante a Primeira República, a posse de terras e os padrões de distribuições, ou títulos de posse, tiveram pouca influência no florescimento do coronelismo.14
Para Pang, o coronelismo é “um exercício de poder monopolizante por um coronel cuja
legitimidade e aceitação se baseiam em seu status, de senhor absoluto, e nele se fortalecem, como
10 QUEIROZ, op. cit., p. 163-164. 11 Id., ib., p. 171. 12 Id., p. 173-174. 13 Id., p. 181. 14 PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias. 1889-1943. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 46-47.
16
elemento dominante nas instituições sociais, econômicas e políticas.”15 Portanto, para o
brasilianista, o exercício de poder do coronel está relacionado ao seu prestígio.
Pang também concorda com Maria Isaura Pereira de Queiroz (e com toda a tradição
historiográfica com ênfase no patriarcalismo, principalmente Oliveira Viana) ao fundamentar o
coronelismo no exercício de poder dentro da organização da família extensa, ou o clã, cuja forma
de poder era o patriarcalismo, contrapondo a organização familiar, ou o clã, ao Estado. Segundo o
autor,
em muitos municípios do interior, o estado não possuía meios de fazer cumprir a lei e o funcionamento da justiça; esses vazios foram rapidamente preenchidos pela justiça de Salomão do patriarca e de seus exércitos particulares. Na prática, os grupos armados sob o comando de um fazendeiro escapavam ao controle das autoridades reais ou imperiais, que se viram forçadas a dar-lhes um status legal, ou quase legal, como unidades militares.16
Muito embora o exercício de poder do chefe desta família tenha sido baseado na troca de
favor em relação aos seus membros e aos outros indivíduos da sociedade brasileira, Pang não vê
como característica desta sociedade o patrimonialismo, embora o deixe implícito. Em suas
palavras, “a legitimidade desse tipo de controle era obtida pela habilidade do chefe do clã em
dispensar favores aos seus membros.” Assim, “o poder de extrair votos por parte da oligarquia
familiocrática baseava-se, por sua vez, em sua habilidade em conquistar a lealdade social e política
de seus dependentes.”17 Trata-se, como se pode ver, de uma relação patrimonial, ainda que de
maneira incipiente, onde o peso da comunidade doméstica (a família, mas também os agregados e
outros dependentes sócio-econômicos do chefe familiar) e do reconhecimento e exercício do poder
patriarcal ainda estejam presentes. Mas já existe a dominação exterior a esta família.
De maneira diferente a esta corrente “feudalista”, Raymundo Faoro, em seu monumental
Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro, cuja primeira edição data de 1958,
compreende o Brasil como uma sociedade patrimonial, com um estamento burocrático, dissociado
do restante da nação, que domina a vida política.18 Faoro não estudou especificamente o
coronelismo, pois sua análise compreende um recorte temporal que vai do período colonial até a
Revolução de 1930 e o governo Vargas (1930-1945).
Neste sentido, não há um patriarcalismo dominante na sociedade; existe, sim, como é por
definição de Max Weber, o Estado patrimonial, uma não distinção entre o que é público e privado,
em que “a administração política é tratada como assunto puramente pessoal do senhor, e a
15 PANG, op. cit., p. 20. 16 Id., ib., p. 25. 17 Id., p. 40-41. 18 CARVALHO (2005b), op. cit., p. 141.
17
propriedade e o exército de seu poder político, como parte integrante de seu patrimônio pessoal,
aproveitável em forma de tributos e emolumentos.”19 Segundo Faoro, há uma relação íntima entre
a formação de um estamento burocrático e o desenvolvimento mercatilista no Brasil. Assim,
o patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia. Daí se arma o capitalismo político, ou capitalismo politicamente orientado, não calculável nas suas operações… A compatibilidade do moderno capitalismo com esse quadro tradicional, equivocadamente identificado ao pré-capitalismo, é uma das chaves da compreensão do fenômeno histórico português-brasileiro, ao longo de muitos séculos de assédio do núcleo ativo e expansivo da economia mundial, centrado em mercados condutores, numa pressão de fora para dentro.20
Nas décadas de 1960 e 1980, alguns estudos parecem ter se inspirado na corrente
patriarcalista, que enfoca o exercício de poder na estrutura da família brasileira. São os casos de
Roberto Cavalcanti de Albuquerque e Marcos Vinícios Vilaça, em Coronel, Coronéis,21 de 1965,
em que entrevistam aqueles a quem chamam de “coronéis” nordestinos na década de 1960, e,
particularmente, de Ibarê Dantas, autor de Coronelismo e dominação, de 1987. Estes autores, que
trabalham com o coronelismo em Pernambuco, transpõem as características daquela sociedade
coronelística da Primeira República brasileira para os hodiernos coronéis nordestinos.
Em especial, para Ibarê Dantas, o coronelismo se constituiu a partir de três dimensões:
econômico-social, baseada na grande propriedade de terra; a ideológica, que é um conjunto de
idéias e representações que reforçam os laços sociais de lealdade e de submissão; e, por fim, a
política, que se prende ao controle das massas e à legitimação da sociedade política.22
Para o autor, a dimensão política do coronelismo apresenta quatro fases: 1900-1930, 1930-
1945, 1945-1964 e de 1964 em diante. Assim, discordando dos autores que dão ênfase ao controle
da prática eleitoral por parte dos chefes políticos locais, Dantas caracteriza o coronelismo como o
controle das massas e legitimação da sociedade política através do uso da força de milícias pelos
proprietários rurais, e não através do controle dos votos dos eleitores.23
Durante a Primeira República, o sufrágio eleitoral para todo cidadão do sexo masculino,
maior de 21 anos e alfabetizado, tornou-se apenas uma formalidade, o que, para Dantas, fazia com
que a decisão final dependesse da capacidade dos coronéis de impor sua vontade. Em sua análise,
19 WEBER, Max. Sociologia da dominação. In: ______. Economia e sociedade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999, p. 253. 20 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 10 ed. São Paulo: Globo / Publifolha, 2000, p. 367. 21 ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & VILAÇA, Marcos Vinícios. Coronel, coronéis. 2. ed. Brasília: Editora da UnB, 1978. 22 DANTAS, Ibarê. Coronelismo e Dominação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, PROEX/CECAC / Programa Editorial, 1987, p. 15-16. 23 Id., ib., p. 16.
18
“a supremacia de um chefe político municipal sobre outros na Primeira República […] não estava
correlacionada com o número de votantes, mas antes com a capacidade de controlar e impor a
coerção.”24
Um ponto chave para a argumentação de Dantas é a compreensão de que o coronelismo se
estrutura a partir da instituição da “política dos governadores”, a qual estabeleceu vínculos entre o
governo federal e os estados – relações estas hierarquizadas de acordo com sua capacidade de
influência, ou seja, medida pelo tamanho da respectiva bancada no Congresso Federal.25
Há que se levar em conta as contribuições que estes autores deram aos estudos acerca do
fenômeno do coronelismo. No entanto, vejo que, com exceção de Raymundo Faoro que produziu
uma obra mais ampliada, há uma ênfase em apenas algumas características desta sociedade
coronelística: no controle eleitoral, na posse de terras, na coerção, etc.
No que diz respeito aos estudos que têm como temáticas a Primeira República em Mato
Grosso e o coronelismo, cabe ressaltar a escassez das análises acadêmicas. Dos três únicos estudos
acadêmicos (entre dissertações e teses) que se ocuparam das relações políticas no período da
Primeira República em nível estadual, dois deles privilegiam o exercício do poder dos coronéis
com base na estrutura sócio-econômica. Estes autores procuram demonstrar que as disputas pelo
poder político nos respectivos estados se explicariam, unicamente, como reflexo das estruturas
sócio-econômicas.
Valmir Batista Corrêa, em sua tese de doutoramento Coronéis e Bandidos em Mato Grosso
(1889-1943), defendida em 1981, afirma que
as circunstâncias que couberam para agravar as disputas políticas e a violência em toda sociedade regional, refletiram uma situação de crise da economia do estado. Houve, portanto, uma relação de causa e efeito entre crise econômica e a crise de legitimidade de poder do regime republicano em Mato Grosso, nas suas primeiras décadas de vigência.26
Para Corrêa as disputas políticas em Mato Grosso se tornaram uma alternativa econômica
de sobrevivência para bandos armados e coronéis, constantemente indenizados pelo estado por
suas ações armadas.27
E, muito embora não deixe de considerar o cenário político nacional, sua análise
compreende a ação armada dos coronéis como expressão única do personalismo, não dando uma
atenção maior ao modo como os atores políticos constroem suas alianças em nível estadual e
24 DANTAS, op. cit., p. 23. 25 Id., ib., p. 20-21. 26 CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso (1889 – 1943). 1981. 216 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo, São Paulo, p. 198-199. 27 Id., ib., p. 62.
19
nacional, por esse motivo o uso da violência é naturalizado como característica peculiar à
população mato-grossense do período por ele estudado.
Maria Manuela Renha de Novis Neves, em Elites Políticas: competição e dinâmica
partidário-eleitoral (caso de Mato Grosso)28, procurou dividir os grupos políticos de acordo com
suas atividades econômicas. A autora insiste em afirmar a hegemonia da facção açucareira sobre
outros grupos econômicos ligados a atividades rurais ou urbanas. Em suas palavras: “perceber a
hegemonia da facção açucareira é um recurso importante para apreender mais claramente a lógica
interna das oligarquias mato-grossenses.”29 Para a autora, o único momento de cisão dentro dessa
“facção açucareira” seria em 1906, quando “boa parte do apoio usineiro vai para a Coligação.”30
Seu livro é fruto de sua dissertação de Mestrado em Ciência Política intitulada Elites Política
Matogrossenses: competição e dinâmica partidário-eleitoral (1945-1965) pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, defendida em 1988, segunda a qual Neves procura
construir o quadro político-partidário entre 1945 e 1965 baseada no processo de formação e
consolidação da oligarquia mato-grossense.
O mais recente estudo que trata da Primeira República em Mato Grosso é de João Edson de
Arruda Fanaia que, em sua tese de doutoramento Elites e práticas políticas na Primeira República
em Mato Grosso (1889-1930) defendida em 2006, analisa as várias estratégias (além da prática da
violência, o clientelismo, as alianças nos âmbitos estadual e nacional) utilizadas pelos atores
políticos de Mato Grosso envolvidos nas disputas do campo político no estado durante a Primeira
República. Seu maior mérito consiste em não isolar as disputas locais do contexto político
nacional, enfocando as relações de influência e a capacidade de construir alianças de políticos
mato-grossenses junto a lideranças políticas nacionais ou ao próprio governo federal. Deste modo,
para Fanaia,
os distintivos níveis de instabilidade política presentes no Estado resultaram diretamente do modus operandi das suas elites. A inserção das disputas regionais no contexto mais amplo onde o estadual e o nacional se interrelacionavam e se complementavam, adicionou ingredientes explosivos aprofundando as rupturas.31
Embora represente uma ampliação dos estudos sobre a Primeira República em Mato
Grosso, aproximando sua análise das considerações a respeito da instituição da “política dos
governadores” e seu peso na política local, seu trabalho se prende ao universo da elite política e 28 NEVES, Maria Manuela Renha de Novis. Elites Políticas: Competição e Dinâmica Partidário-Eleitoral (Caso de Mato Grosso). São Paulo: Vértice, 1998. 29 Id., ib., p. 83. 30 Id., p. 99. 31 FANAIA, João Edson de Arruda. Elites e práticas políticas na Primeira República em Mato Grosso (1889-1930). 2005, 292 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 270.
20
suas práticas, não privilegiando, pois, as relações entre os chefes políticos locais e o eleitorado, as
forças paramilitares e as mobilizações de jagunços nos momentos de uso da violência como meio
coercitivo (uso este que não foi raro). Sua maior contribuição é percepção da existência do espaço
do consenso, ou acordo, entre os membros desta elite política analisada pelo autor.
De modo geral, os três autores não tratam especificamente o fenômeno do coronelismo.
Apreendem o coronelismo, tal como a historiografia nacional, sem dar atenção, por exemplo, à
Guarda Nacional, que entendo como de fundamental importância para o fortalecimento de uma
cultura política personalista e patrimonialista durante a Primeira República.
No caso específico da falta de referência à antiga milícia, merece destaque o fato de ter sido
Maria Isaura Pereira de Queiroz quem assinalou que, embora dela advenha a denominação de
coronel, a milícia havia sido extinta pouco depois da proclamação da República, quando na
verdade sobreviveu mais 29 anos após a queda do Império.32 Este ponto de vista provavelmente
tenha valido a Eul-Soo Pang quando este autor declara que “o cerne do coronelismo não tem
relação com o papel dos comandantes da Guarda Nacional.”33 Partindo deste pressuposto,
nem Roberto Cavalcanti de Albuquerque e Marcos Vinícios Vilaça, em 1965, ou Ibarê Dantas,
em 1987, citam a milícia em suas análises.34 Dos autores analisados apenas Victor Nunes Leal
parece reconhecer na antiga milícia uma instituição onde os interesses públicos e privados se
misturam, transferindo aos proprietários rurais a responsabilidade policial.35 No entanto, todos
tratam o coronelismo de maneira bastante reducionista.
Deste modo, para Victor Nunes Leal, o coronel tem seu exercício de poder baseado na
posse da terra; para Maria Isaura Pereira de Queiroz, é a posse de bens de fortuna: terra, comércio,
herança etc. e a chefia de uma parentela; Eul-Soo Pang via o poder do coronel ligado ao seu
prestígio e honra pessoais que são tradicionalmente reconhecidos numa estrutura patriarcal de
sociedade; para Ibarê Dantas é a capacidade de impor a coerção. Essa generalização e
reducionismo levaram estudiosos do coronelismo a observarem o fenômeno nos dias atuais, como
já foi dito a respeito de Dantas e Vilaça e Albuquerque. O próprio Victor Nunes Leal temia o
retorno do coronelismo à política brasileira ainda na década de 1940.36
Muito mais que estas características, que são válidas na análise do coronelismo, mas que,
no entanto, não dizem o suficiente, pois se tratam de características observáveis desde o período
colonial, é necessário, portanto, que se estabeleçam as teias de interdependências que dão sentido à
32 QUEIROZ, op. cit., p. 156. 33 PANG, op. cit., p. 20. 34 VILAÇA & ALBUQUERQUE, op. cit. e DANTAS, op. cit. 35 LEAL, op. cit., p. 160-161. 36 LAMOUNIER, op. cit.
21
formação específica e temporalmente estabelecida a que chamo de coronelismo. Assim, procuro
nesta dissertação estabelecer os contrastes e funcionamentos desta sociedade coronelística
(federalizada e sem partidos nacionais) remetendo-me sempre à experiência política brasileira
anterior: a monarquia (centralizada e com partidos nacionais). É nesse jogo de idas e vindas que
busco construir o meu objeto.
Em minha análise, o fenômeno do coronelismo tem balizas temporais rigorosamente
definidas: inicia-se com a proclamação da República em 1889, se estruturando no governo de
Campos Salles (1898-1902) e termina com a Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República
e sua experiência federalista. Deste modo, o coronelismo deve ser definido pelo federalismo
implantado a 15 de novembro de 1889 e, principalmente, pelo arranjo político orquestrado por
Campos Salles que deu feição e estabilidade à República brasileira por mais de trinta anos,
estabelecendo novas relações de interdependências entre poder local (os coronéis, em si, e os
chefes políticos locais), entre o conjunto dos estados, e o governo federal. O espaço geográfico do
coronelismo é, pois, local: municipal e estadual. Mas sua influência é nacional.
A principal questão que procuro responder é o que une esses indivíduos singulares que se
vêm envolvidos nesta figuração. Neste sentido, analiso como algumas instituições e práticas
exerceram pressão sobre as escolhas que os indivíduos fizeram. Importa compreender as disputas
políticas em nível estadual e os reflexos da implantação e rotinização da República no jogo político
local, baseando-me na maneira como as relações políticas foram ordenadas com a instituição da
República, em 1889, e, mais especificamente, a partir do governo do presidente Campos Salles
(1898-1902), que, segundo Renato Lessa, em seu ensaio A invenção republicana: Campos Sales,
as bases e decadências da Primeira República brasileira (1889-1930), rotinizou a República,37
dando forma e organização ao novo regime.
Do ensaio de Lessa, além de suas considerações a respeito da rotinização das instituições
republicanas, utilizo também os termos polis e demos38, que o autor, por sua vez, emprestou de
Wanderley Guilherme dos Santos em seu artigo O século de Michels: competição oligopólica,
lógica autoritária e transição na América Latina.39 Compreendendo polis o conjunto de atores
políticos os quais, além de deterem o direito político de votar (direito este restrito, à época, aos
cidadãos do sexo masculino, alfabetizados e maiores de 21 anos), ocupavam com freqüência e de
fato posições privilegiadas na estrutura de poder. Eram oficiais da Guarda Nacional, intendentes,
37 LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Sales, as bases e decadência da Primeira República Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1999. 38 Id., p. 27. 39 SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O século de Michels: competição oligopólica, lógica autoritária e transição na América Latina. In: Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 28, n. 3, 1985, p. 283-310.
22
vereadores, juízes de paz, governadores/presidentes de estado, secretários de estado, deputados
estaduais e/ou federais, senadores e ministros.
Por sua vez, demos diz respeito à diminuta parcela da população brasileira que participava
do processo político através das eleições. Eram representados pelos pequenos comerciantes
urbanos, os empregados nas casas comerciais, pelos agregados e camaradas das áreas rurais, pelos
trabalhadores ocupados em ofícios mecânicos, tais como os marceneiros, arrieiros, serralheiros,
latoeiros, tanoeiros etc., encontrados geralmente nos poucos centros urbanos de Mato Grosso, à
época, e (por que não?) também do Brasil.
Conseqüentemente, chamo de subdemos àquela parcela da população que, sendo composta
por cidadãos, não tinha prerrogativas de participação na vida política nacional. São estes os
analfabetos, os mendigos, os clérigos submetidos a voto de obediência em mosteiros, as praças de
pré e as mulheres – embora não haja menção contrária à sua participação na Constituição de 1891.
Eram cidadãos que pagavam impostos e serviam ao país, mas que não participavam das eleições. A
utilização de tais termos permite a distinção entre aqueles que exerciam o poder no âmbito
municipal, estadual e federal dos eleitores que apenas exerciam seu direito de voto.
Em relação aos objetivos desta dissertação, não se trata de fazer aqui uma abordagem a
respeito da formação de uma elite política, como o fez José Murilo de Carvalho em A construção
da ordem: a elite política imperial a respeito da elite política brasileira do Império40; trata-se sim
de apreender esta sociedade coronelística que se originou da implantação e da rotinização da
Primeira República brasileira, definindo, pois, as relações entre os indivíduos que participavam das
estruturas de poder da política em Mato Grosso, cujas interdependências entre eles deram origem a
um conjunto de práticas e representações específicas àquela figuração no caso do campo político
local.
Tomo aqui de empréstimo o conceito de campo político de Pierre Bourdieu, que é definido
como um espaço autônomo da esfera da vida social, construído historicamente, onde se
manifestam as relações de poder entre os indivíduos os quais se vêm nele envolvidos, gerando
produtos políticos, problemas, programas, e sendo estruturado através da distribuição desigual de
capital político41 – que “é uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no
reconhecimento”42. O que para esta dissertação em particular, nas palavras de Pierre Bourdieu,
40 Ver CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. In: ______. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 11-246. 41 BOURDIEU, Pierre. A representação política: elementos para uma teoria do campo político. In: ___. O Poder Simbólico. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 163-164. 42 Id., ib., p. 187-188. (Grifos do autor)
23
o campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos discursos que eles produzem, tem sentido senão relacionalmente, por meio do jogo das oposições e das distinções.43
No que diz respeito à documentação, como toda pesquisa em história, foram necessárias
minuciosas buscas por fontes em periódicos, livros de leis, relatos, relatórios e mensagens de
presidentes de província e de estado, além de biografias. Estas fontes podem ser encontradas no
Arquivo Público de Mato Grosso, no portal do Center for Research Libraries, no site da Fundação
Casa de Rui Barbosa e no site do Senado Federal.
A maior parte da documentação, encontrada no acervo do Arquivo Público de Mato
Grosso, consiste em artigos publicados em periódicos, que deve ter um tratamento especial. O
artigo de Tânia Regina de Luca intitulada História dos, nos e por meio dos periódicos aponta para
uma ampliação do uso dos periódicos como fontes históricas.44 Segundo de Luca, no contexto da
historiografia mundial, a crítica ao positivismo efetuada pela Escola de Annales, na década de
1930, ampliou as possibilidades historiográficas no que diz respeito aos objetos e uso das fontes. A
partir de então, de acordo com a autora, não era mais apenas história política – centrada no Estado
–, nem os documentos oficiais – impedimento para um uso de fontes como os periódicos.
No Brasil, o jornal continuou sendo uma fonte suspeita. A autora expõe as considerações
de José Honório Rodrigues e Jean Glénisson, os quais compartilham a opinião de que o uso do
jornal requer cuidados, principalmente no que diz respeito àqueles que produziam os jornais.45
Deste modo, citando a avaliação acerca do uso da fonte impressa periódica realizada em
fins de 1960 por Ana Maria de Almeida Camargo, figuram poucos, porém importantes autores que
se valeram dos periódicos como fontes primárias: Gilberto Freyre (pioneiro neste sentido), Emília
Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, Stanley J. Stein, Nícia Vilela Luz e Leôncio Martins
Rodrigues obtiveram dos jornais dados de natureza econômica ou demográfica.46
Estes deslocamentos que abriram caminho a uma história “por meio” da imprensa e mesmo
uma história “da” imprensa, possibilitaram que, a partir da década de 1970, o próprio jornal se
tornasse objeto de pesquisa. Tânia Regina de Luca cita os trabalhos de Arnaldo Contier, Imprensa
e Ideologia em São Paulo, lançado em 1973, que analisa o vocabulário dos principais jornais de
São Paulo entre 1827 e 1835, sendo sua principal contribuição ao campo da semântica; das autoras
Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado, de 1980, O bravo matutino – fruto das dissertações de
43 BOURDIEU, op. cit., p. 179. 44 DE LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos.” In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 111-300. 45 DE LUCA, op. cit., p. 116. 46 Id., ib., p. 117.
24
mestrado de ambas, defendidas em 1974 –, que a partir da análise dos editoriais do jornal O Estado
de S. Paulo levantam um panorama da ideologia liberal no Brasil durante o período de transição da
Primeira República até a Crise de 1929 e os movimentos de 1930 e 1932; e, ainda da década de
1970, o trabalho de Vavy Pacheco Borges, Getúlio Vargas e a oligarquia paulista, que investiga as
relações entre a oligarquia paulista e Getúlio Vargas entre 1926 e 1932 por intermédio dos
principais periódicos de São Paulo: O Estado de S. Paulo, Correio Paulista e Diário Nacional.47
A organização e disponibilização dos acervos constituídos principalmente por periódicos
corroboraram sobremaneira para a ampliação das produções historiográficas que utilizam os
periódicos. O exemplo citado por de Luca48 é o dos arquivos Edgard Leuenroth, na Unicamp,
Mario Pedrosa e do Movimento Operário Brasileiro, reunidos no Centro de Documentação e
Memória da Unesp, que abrangem temas e assuntos relativos ao movimento operário no Brasil,
encontrados em panfletos, jornais e revistas.
Acervos como estes permitem ainda pesquisas em outros temas, pois abrangem períodos
bastante elásticos. Deve-se atentar para o fato de que nos jornais estão o cotidiano e as pressões
vivenciadas nas cidades e por todos os movimentos sociais, as migrações, as mensurações de força
etc.
No caso dos periódicos utilizados como fontes nesta dissertação, trata-se de hebdomadários
e diários de forte fundo político-partidário, resguardada as especificidades da vida partidária
durante a Primeira República em Mato Grosso, cuja duração efêmera das agremiações determinava
o início e o fim das publicações. É fundamentalmente uma história por meio da imprensa, através
da qual se davam os embates partidários.
Embora o número de periódicos que circularam no estado fosse bastante considerável,
tendo em vista a existência de folhas hebdomadárias nas principais cidades e vilas mato-
grossenses, me ative nas discussões de algumas delas, principalmente as que circulavam em
Cuiabá, pois as notícias do interior, pela própria centralidade política da capital do estado, eram
reproduzidas nas folhas hebdomadárias cuiabanas. Eram elas: O Matto-Grosso, fundado ainda no
Império, mas que, após a proclamação da República passa a ser o órgão oficial do Partido
Republicano, circulando em Cuiabá até 193549; Quinze de Novembro, jornal fundado pelos
membros do Partido Republicano Nacional, cuja única referência para pesquisa foi publicada pelo
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, em 1926; A Reacção, jornal fundado pelo coronel
Generoso Ponce durante seu auto-exílio no Paraguai, circulando de 1902 a 1903; O Estado, órgão
47 DE LUCA, op. cit., p. 118. 48 Id., ib., p. 119. 49 MENDONÇA, R., op. cit., p. 38-39.
25
do Partido Republicano Constitucional, circulando entre 1900 e 1905; A Colligação, órgão
fundado pela Colligação Matogrossense e que circulou entre 1905 e 1908; O Republicano, órgão
do Partido Republicano Conservador, que circulou de 1917 ao fim da Primeira República; e,
finalmente, A Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, fundada durante o governo do general
Antônio Maria Coelho como folha de editais e notícias oficias, das quais constam informações a
respeito da Guarda Nacional, eleições, atos, decretos, leis, atas da Assembléia Legislativa etc.,
circulando até os dias de hoje com o nome de Diário Oficial.
Como asseverou Tânia Regina de Luca, deve-se tomar o cuidado de observar as
motivações das notícias, os significados que os discursos adquiriram, a sua linguagem – sem nunca
perder de vista o grupo responsável pela linha editorial e o público a que se destina. No caso dos
periódicos mato-grossenses, as relações diretas com os partidos locais, bem como por seu conteúdo
fundamentalmente político, fizeram dos periódicos que circularam em Mato Grosso durante a
Primeira República uma fonte privilegiada.
O meu interesse em pesquisar nestes periódicos consistiu, além da informação quanto ao
alistamento eleitoral, nomeações e promoções da Guarda Nacional ou mesmo a aprovação de atos,
decretos, leis etc., no acompanhamento dos embates partidários do campo político mato-grossense,
atentando principalmente às questões que diziam respeito às alianças, cisões, tensões e disputas
entre os indivíduos envolvidos no jogo político em Mato Grosso.
Mas os periódicos não consistiram nas únicas fontes utilizadas. Foram pesquisadas também
obras biográficas, produzidas ao longo das décadas de 1940 e 1950, tais como Pedro Celestino50,
Joaquim Murtinho51, ambas de Virgilio Corrêa Filho, Generoso Ponce, um chefe, de Generoso
Ponce Filho52,e Antônio Paes de Barros e a Política em Mato Grosso, de Antônio Fernandes de
Souza,53 e o Dicionário biográfico mato-grossense,54 de Rubens de Mendonça. Os políticos
biografados atuaram na política dos últimos anos do Império – como é o caso dos três primeiros – e
nas duas primeiras décadas da República.
São obras comemorativas de centenários de nascimento, como são os casos dos três
primeiros biografados; ou respostas à falta de “exatidão histórica”55, como é o caso da biografia
escrita por Antônio Fernandes de Souza em relação à obra filial de Generoso Ponce Filho; ou
ainda, que apresenta uma rápida cronologia de indivíduos considerados importantes para a
memória local, como é o caso de Rubens de Mendonça. Na verdade esta produção biográfica
50 CORRÊA FILHO, Virgílio. Pedro Celestino. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1945. 51 Id. (1951). Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1951. 52 PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: PONGETTI, 1952. 53 SOUZA, Antônio Fernandes de. Antônio Paes de Barros e a Política em Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2001. 54 MENDONÇA, Rubens de. Dicionário biográfico mato-grossense. 2 ed. Goiânia: Editora Rio Bonito, 1971. 55 SOUZA, A. F., op. cit., p. 13.
26
local foi um meio de enaltecer estes indivíduos como “valorosos e destemidos” mato-grossenses o
que, nas palavras de Osvaldo Zorzato, em sua tese de doutoramento Conciliação e identidade:
considerações sobre a historiografia de Mato Grosso (1904-1983), “as representações do passado
de que lançam mão os historiadores locais não visam a conhecê-lo, mas sacralizá-lo, cultuá-lo e,
em alguns casos, apaziguá-lo.”56
Assim, o recurso a biografias deve ser cercado de cuidados rigorosos, pois além de
exprimirem uma “ilusão biográfica” por tentar dar coerência às diversas temporalidades
vivenciadas pelo indivíduo, também são uma representação de quem biografa. Quem biografa deve
ser tratado como um “editor” que busca construir através de seu discurso um indivíduo coerente,
seja escrevendo de si mesmo ou de outro.57
A noção de verdade que permeia a pesquisa científica passa, na análise das biografias, a se
vincular à subjetividade deste indivíduo: não se exprime a verdade no sentido de “verdade factual”,
objetiva, total, científica; mas no sentido de multiplicidades e de valor individual. Portanto,
exprimindo a sua sinceridade.58 É neste sentido que estas obras biográficas serão tomadas aqui.
Estendo os mesmos cuidados aos relatos concebidos pelas testemunhas deste momento
histórico, pois, do mesmo modo que as biografias, estes relatos produzem os mesmos efeitos de
coerência e linearidade. Deste modo, os testemunhos de Vital Batista de Araújo, em Reflexões
críticas sobre a Revolução de Mato Grosso59, de João Francisco Novaes Paes Barreto, em As
Revoluções de Mato Grosso e suas causas60, e do então coronel Dantas Barreto, em Expedição a
Matto-Grosso: A Revolução de 190661 não devem ser considerados com a verdadeira versão dos
fatos narrados, mas como fontes de informações cuidadosamente cotejadas, desconsiderando todo
e qualquer julgamento de valores contidos em tais textos.
Faço uso também de algumas das imagens publicadas na citada biografia de Generoso
Ponce, analisando-as, embora de maneira licenciosa, de acordo com o método de interpretação
proposto por Erwin Panofsky: primeiro, uma descrição pré-iconográfica – factual e expressional;
depois, uma análise iconográfica, em que são estabelecidos os significados secundários, ou os
significados de temas e conceitos historicamente variáveis; e, por fim, a interpretação iconológica,
56 ZORZATO, Osvaldo. Conciliação e identidade: considerações sobre a historiografia de Mato Grosso (1904-1983). 1998, 181 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998, p. 149. 57 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In. ______(org.). Escrita de Si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 14-17. 58 Id., ib., p. 14. 59 ARAÚJO, Vital Batista de. Reflexões críticas sobre a Revolução de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2002. 60 BARRETO, João Francisco Novaes Paes. As Revoluções de Mato Grosso e suas causas. Cuiabá: IHGMT, 2005. 61 BARRETO, Emigdyo Dantas. Expedição a Matto-Grosso: A Revolução de 1906. São Paulo: LAEMERT & Cia., 1907.
27
ou o estabelecimento dos significados intrínsecos dos objetos analisados.62 Busco, portanto, nestas
imagens referências à cultura política mato-grossense do período estudado.
Para melhor compreensão dos resultados da pesquisa, esta dissertação está dividida em
quatro capítulos. No primeiro, intitulado Coronelismo: federalismo e emergência dos poderes
locais, tendo em vista o método figuracional de Norbert Elias aqui empregado, busco apreender a
maneira como a polis local estabeleceu os nexos com o novo regime proclamado a 15 de
novembro de 1889, apresentando as respostas dadas às principais questões colocadas a partir do
abandono da rotina institucional monárquica e a implantação da rotina republicana. Deste modo,
federalismo, eleições estaduais para o governo das antigas províncias, constituição de partidos
republicanos e a “política dos governadores” constituem a nova realidade política brasileira com a
emergência dos poderes locais e o marco inicial do coronelismo.
No segundo capítulo, denominado A Guarda Nacional e sua força “eleiçoeira”, analiso,
por um lado, a Guarda Nacional, ou milícia cidadã, enquanto instrumento de manipulações
eleitorais (seja de afastamento, seja de cooptação do demos local), demonstrando o quanto a
pertença aos quadros de seu oficialato era de fundamental importância para a garantia das vitórias
nas eleições e para a construção das trajetórias políticas dos chefes políticos locais, os coronéis; e,
por outro, demonstro que a estrutura militarizada reforçou as características personalistas e até
mesmo patrimonialistas da sociedade mato-grossense, bem como da brasileira.
No terceiro capítulo, chamado A força das armas: o coronelismo e as “revoluções” em
Mato Grosso, discuto o significado que a palavra “revolução” tomou em Mato Grosso, dando
ênfase na participação de oficiais da Guarda Nacional nos conflitos armados, bem como na
maneira como alguns fatores da política nacional influenciaram nos conflitos armados: a
participação do Exército na política, as dissensões na política nacional, e, de maneira determinante,
a “política dos governadores.”
Por fim, em Eleições: o demos e a polis locais, procuro identificar a polis e o demos locais,
traçando as relações entre ambos e mesmo os mecanismos de exclusão e controle dos cidadãos
eleitores. Neste capítulo demonstro as razões das dificuldades do estabelecimento de acordos
políticos entre os indivíduos que constituíam a polis mato-grossense, enfatizando, neste ponto, a
influência que alguns fatores (a extinção dos antigos partidos monárquicos de âmbito nacional; a
adoção do federalismo; a influência da Guarda Nacional etc.) tiveram na emergência de uma
ordem política fraturada, em cuja violência havia se configurado como meio de se alcançar o
poder.
62 PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia. In: Significados nas Artes visuais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 31-47.
1 Coronelismo: federalismo e emergência dos poderes locais
Nesta dissertação, procuro apreender as relações desta sociedade coronelística,
incorporando em minha concepção de coronelismo as três noções desenvolvidas por Norbert
Elias em sua sociologia figuracional. São elas: figuração, interdependência e equilíbrio das
tensões. Todas interligadas.63
Para Elias, figuração constitui-se em uma formação social na qual os indivíduos
singulares estão ligados uns aos outros por teias de interdependências, e cuja distribuição
nessas teias supõe um equilíbrio das tensões, que são ao mesmo tempo antagônicas e
equilibradas, conseqüentemente instáveis e móveis.64
Segundo Elias, uma figuração pode se tratar de jogadores em jogo de futebol, ou em
um jogo de xadrez; dos habitantes de uma aldeia, ou de uma cidade; de grupos reduzidos, ou
de milhares ou milhões de pessoas. O importante é compreender as interdependências que
unem os indivíduos em um processo contínuo de relações em cadeia, e interpenetração.65
Elias, em seu A sociedade de corte, fala, ao representar estas relações, do tabuleiro de xadrez:
“como em um jogo de xadrez, cada ação decidida de maneira relativamente independente por
um indivíduo representa um movimento no tabuleiro social, jogada que por sua vez acarreta
um movimento de outro indivíduo – ou, na realidade, de muitos outros indivíduos.”66
Com base nestas noções, a compreensão do coronelismo enquanto figuração pressupõe
relações de interdependências estabelecidas entre indivíduos singulares, e cujo equilíbrio das
tensões permite a reprodução destas relações e a visualização da respectiva posição de cada
um desses indivíduos na formação social. A decisão, portanto, de um coronel, a aliança entre
políticos, o ápice de um pleito eleitoral dependem de toda uma cadeia de interdependências, e
63 ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. São Paulo: Edições 70, 1980, e id. A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 64 Id. (1980), ib., p. 140-145. 65 Id. 66 Id. (2001), op. cit., p. 158.
29
tem peso nas decisões, alianças e nas disputas desencadeadas a partir de um “movimento de
peças.”
Neste sentido, o que se deve ter em mente não é o coronel em si: à frente de milícias
de jagunços ou reunindo o seu rebanho eleitoral; mas exatamente as relações de
interdependência que ligam o coronel aos jagunços, o coronel aos eleitores, e o coronel aos
chefes políticos (entendendo os coronéis também como chefes políticos locais ou estaduais),
em níveis local, estadual, ou nacional, exercendo pressão sobre as alianças, as disputas, os
rompimentos etc., em um processo de interpenetração.
Como já foi dito, os autores que se debruçaram sobre o fenômeno do coronelismo, tais
como Victor Nunes Leal, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Eul-Soo Pang, Ibarê Dantas, para
citar aqueles tratados aqui, têm uma característica em comum ao expor a respectiva definição
acerca do coronelismo: partem de uma das características do coronelismo, a meu ver, de
maneira reducionista.
Por um lado, algumas práticas parecem ter caracterizado a política brasileira desde o
Império, ou antes, principalmente no que diz respeito às eleições, como pode ser visto da obra
de José Murilo de Carvalho, Cidadania no Brasil: longo caminho, segundo o qual “as
eleições eram freqüentemente tumultuadas e violentas”, sendo que “às vezes eram espetáculos
tragicômicos”, surgindo inclusive várias especialistas em burlar o sistema.67
Não se pode negar, por outro lado, a hegemonia das elites agrárias, ainda mais quando
se leva em consideração a estrutura sócio-econômica do Brasil da época. Por isso, somando-se
aos latifundiários, observam-se, no jogo político, comerciantes e alguns poucos profissionais
liberais (médicos e advogados) ligados diretamente às atividades agrárias; além de militares
do Exército – este um fator desestabilizador da República68 – girando em torno dessas elites.
O que mudou a partir de 1889, com a República? Mudam as relações políticas; muda,
pois, a figuração. Saem de cena os presidentes de província, entram os presidentes de estado
eleitos. Intensificam-se as disputas pelo poder em nível local: municipal ou estadual.
Emergem os poderes locais, as “notabilidades de aldeia” ou os coronéis da Guarda Nacional e
seus aliados, no cenário político brasileiro, onde pululam os interesses das representações
estaduais no Congresso Nacional, disciplinadas apenas no governo de Campos Salles.
Essas novas relações pressupõem novos equilíbrios de poder que mudam as pressões
sobre os indivíduos, bem como a sua importância, e somam novos “jogadores” ao tabuleiro
67 CARVALHO (2005a), José Murilo de. Cidadania no Brasil: longo caminho. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 33. 68 Ver Id. (1977). As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: Boris. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 181-134.
30
político. Concordo com Elias quando este diz que o equilíbrio de poder perpassa todas as
relações humanas, sendo, pelo menos, bipolar, ou, o que é mais comum, multipolar. Neste
sentido, o poder não é algo que se detém, mas algo que se exerce, sendo “uma característica
estrutural das relações humanas – de todas as relações humanas.”69
Considerando que as relações políticas estabelecidas entre políticos, eleitores,
agregados, comerciantes, proprietários etc., que se estendem desde o mais interior dos
municípios, sobe ao nível estadual, e chega ao nível federal, são dotadas de regras – mesmo
que não se apresentem escritas –, cabe, portanto, ao pesquisador apreendê-las de maneira
inteligível, estabelecendo, deste modo, as teias de interdependências que ligam os indivíduos
uns aos outros e os equilíbrios das tensões que determinam as suas posições no jogo.
Elias concebeu dois modelos de jogos que pressupõem figurações diferentes: o da
“competição primária sem regras”, e o do “processo de interpenetração com normas.” Este
último subdividido em: “jogos de duas pessoas”, “jogos de muitas pessoas a um só nível”,
“jogos multipessoais a vários níveis”, e o “modelo de jogo de dois níveis” de “tipo
oligárquico” e de “tipo democrático crescentemente simplificado.”70
Tomando um destes modelos de análise, o coronelismo se encaixaria no modelo de
jogo de dois níveis de tipo oligárquico. Nesta figuração, formam-se dois níveis de jogadores
interdependentes. Entretanto os confrontos se encontram no nível secundário (aqui neste
estudo, estadual). É, pois, inviável a um indivíduo orientar a suas decisões baseado em sua
superioridade ou interesses particulares. As orientações advêm de fora para dentro e no
sentido inverso à figuração, configurando-se em alianças, disputas, embates, confrontos
armados nos diferentes níveis de interpenetração.
Contudo, cabe aqui tratar do coronelismo sem reduzi-lo a modelos construídos, os
quais, sem perder sua validade, não dão conta da figuração cujas especificidades são
historicamente construídas. Ainda mais quando se leva em consideração uma cultura política
personalista e patrimonialista, entendendo aqui por cultura política, tal como a definiu Serge
Berstein, em seu artigo A cultura política, como sendo o conjunto de códigos e referências
simbólicas no seio de um partido político, de uma família ou de uma sociedade, sem que isso
signifique reduzi-la a uma ideologia ou a uma tradição, caracterizando-se por seu caráter
plural.71
69 ELIAS (1980), op. cit., p. 81. (Grifos do autor) 70 Id., ib., p. 77-112. 71 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa: editorial Estampa, 1998, p. 350.
31
Sobre este conceito, os estudiosos americanos Gabriel Abrahan Almod e Sidney
Verba, ao contrário de Berstein, definem a cultura política como “o conjunto de atitudes,
normas, crenças, mais ou menos largamente partilhadas pelos membros de uma determinada
unidade social.”72 No livro The civic culture, publicada na década de 1960, os autores
americanos emprestam da Antropologia o conceito de cultura, entendida como “uma
orientação psicológica em relação aos fatos sociais.”73 Almod e Verba dividem as sociedades
em três tipos de culturas políticas: a cultura política paroquial, característica encontrada em
sociedades simples, sem um desenvolvimento das instituições políticas; a cultura política da
sujeição, típicas de sociedades com baixa participação política, em que as estruturas
administrativas têm o papel de responder às necessidades coletivas; e, por fim, como
realização e conquista da sociedade ocidental, a cultura política da participação, em que há
uma ampla participação social em cujo sistema político as percepções, sentimentos e
avaliações estão distribuídos equilibradamente entre as diferentes estruturas de input e
output.74
Berstein refuta a interpretação de Almod e Verba, os quais, em primeiro lugar,
apresentam uma idéia de homogeneização da cultura política nacional de um povo, sendo esta
transmitida por herança de geração em geração; e, em segundo lugar, o valor positivo visto
por Almod e Verba que, ao hierarquizar as culturas políticas das diversas nações,
supervalorizam as democracias liberais do Ocidente, vistas como o modelo acabado de
sociedade moderna.75
Para Berstein a cultura política é “um corpo vivo que continua a evoluir, que se
alimenta”, e que, sem ser de forma alguma isolada,
se enriquece com múltiplas contribuições, as das outras culturas políticas quando elas parecem trazer boas respostas aos problemas do momento, os da evolução da conjuntura que inflecte as idéias e os temas, não podendo nenhuma cultura política sobreviver a uma contradição forte com as realidades.76
72 SANI (2007b), Giacomo. Cultura Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 306. 73 ALMOD & VERBA apud KURSCHNIR, Karina & CARNEIRO, Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da política: cultura política e Antropologia política. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil, n. 24, 1992, jun.-dez. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/269.pdf>. Acesso em: 9/ago./2008. p. 4. 74 KURSCHNIR & CARNEIRO, op. cit., p. 6. 75 BERSTEIN, op. cit., p. 352-353. 76 Id., ib., p. 357.
32
Segundo Berstein, as transformações em uma cultura política implicam as respostas
que uma sociedade dá aos problemas que se lhe apresentam e às grandes crises de sua história.
No entanto, estas transformações não são imediatas e podem levar gerações. E isto por que
é necessário o espaço de pelo menos duas gerações para que uma idéia nova, que traz resposta baseada nos problemas da sociedade, penetre nos espíritos sob forma de um conjunto de representações de caráter normativo e acabe por surgir como evidente a um grupo importante de cidadãos.77
Deste modo, são necessários vetores como, por exemplo, a família, a escola e o
exército, que servem como canais de integração e socialização destas representações. É por
isso que, no caso específico do coronelismo, é preciso que se leve em consideração a Guarda
Nacional como instituição civil de estrutura militarizada, que reunia todo cidadão eleitor, e
que, a meu ver, exatamente por sua existência ao longo de quase nove décadas (1831-1918),
foi fundamental na socialização de uma cultura política fundada no patrimonialismo, como o
define Max Weber, e no personalismo, no sentido que Sérgio Buarque de Holanda dá ao
termo, ou seja, numa relação pessoal, passional e irracional da sociedade brasileira78.
Estas características da cultura política brasileira, reforçadas pela Guarda Nacional,
explicam a maneira como se deram as disputas políticas em Mato Grosso durante a Primeira
República, bem como o uso da violência como meio de se alcançar o poder no estado. E,
como já mencionei, foi a falta de atenção a estas instituições que transformou as análises
historiográficas do coronelismo como fenômeno político brasileiro em algo tão reduzido a
domínios familiares, feudos políticos, ou mesmo em prestígio individual.
Devem ser considerados ainda o federalismo implantado a 15 de novembro de 1889 e
a “política dos governadores” que rotinizou a política nacional a partir do governo do
presidente Manuel Ferraz de Campos Salles (1898-1902), que representou o estabelecimento
de uma ordem política capaz de pôr fim ao caos institucional que durou os dez primeiros anos
de funcionamento da República (1889-1898), denominado por Renato Lessa de “anos
entrópicos.” Segundo este autor, o objetivo deste “pacto” foi afastar as disputas políticas do
cenário federal, relegando-as aos estados, de modo a permitir que o presidente da República
pudesse administrar os negócios da nação sem as influências políticas.
Entretanto, e como asseverou Lessa, esse afastamento não ocorreu, pois os interesses
dos poderes locais fizeram parte da constituição do cenário político durante toda a Primeira
77 BERSTEIN, op. cit., p. 355-356. 78 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra / Instituto Nacional do Livro – MEC, 1971, p. 30-31.
33
República, sendo responsável pelo fim desta primeira experiência republicana brasileira, em
1930.79
Renato Lessa se opõe à idéia de que a proclamação da República se deu como o
resultado das transformações econômicas ocorridas em fins do século XIX, o que,
conseqüentemente, em fins da década de 1920, levariam ao fim da Primeira República. Este
ponto de vista é defendido, por exemplo, por Fernando Henrique Cardoso, em seu artigo
publicado na década de 1970 e intitulado Dos Governos Militares a Prudente – Campos
Sales, e por Maria do Carmo Campello de Souza, em O processo político-partidário na
Primeira República, também publicado em forma de artigo em meados da década de 1980.
Estes autores consideram a implantação da República como resultante de um processo
de transformações estruturais ocorridas nas últimas três décadas do Império: expansão da
lavoura de café no noroeste paulista, trabalho assalariado, imigração, expansão do mercado
interno, e urbanização.
Souza enfatiza o federalismo contido na Constituição de 1891 como o reconhecimento
da diferenciação de desenvolvimento econômico de cada uma das unidades produtoras.80 O 15
de Novembro, neste sentido, não foi senão a interpelação do Império em favor de um regime
político que acomodasse essas transformações econômicas. Nas palavras de Cardoso,
o radicalismo da oficialidade jovem – fosse qual fosse sua vinculação familiar direta – não poderia expressar-se e encontrar eco, se não tivesse havido a expansão do café, a urbanização, os surtos de expansão do mercado interno e, como catalisador de tudo isso, a ideologia militar de participação ativa na vida pública.81
Para o autor, a espada – ciosa de participação política durante nos anos finais do
regime monárquico – se levantou contra o Império para derrubá-lo, em 1889, de
conformidade com as necessidades de reformas institucionais que abrangesse as mudanças na
estrutura sócio-econômica.
A implantação da República foi dirigida pela oligarquia ligada ao café e pelo grupo
militar “recém-chegado à arena política”82. Assim, a forma republicana veio dar forma
jurídica às necessidades dessa oligarquia cafeeira. Para a autora “a proclamação republicana
79 LESSA, op. cit., p. 197. 80 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. 14 ed. São Paulo: Difel, 1984, p. 163-164. 81 CARDOSO, Fernando Henrique. Dos Governos Militares a Prudente – Campos Sales. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 30. 82 SOUZA, M. C. C., op. cit., p. 166.
34
pode, assim, ser vista como uma fórmula de sobrevivência utilizada pela sociedade agrária,
cabendo-lhe o monopólio do uso do poder em nome da nação.”83
A ampliação da base representativa do novo regime, ainda é Souza quem o diz, foi
necessária para garantir a legitimidade das unidades produtoras de café (São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro) diante dos outros estados federados.84 A opção pelo presidencialismo
marcaria a hegemonia da oligarquia agrária. Contudo, com relação ao federalismo, ou seja, o
reconhecimento da autonomia dos estados foi necessário estabelecer os nexos entre os estados
e a União. A “política dos governadores” instituída no governo Campos Salles (1898-1902)
foi providencial neste sentido.
O arranjo institucional da “política dos governadores” operado por Campos Salles foi,
pois, a afirmação desta nova elite no poder, ciosa em assegurar seus privilégios. Os anos
iniciais da República foram de agitações militares (deodorismo, jacobinismo), de dissensões
estaduais e de oposição no Legislativo – o qual, com a Carta de 1891, se igualam em poder ao
Executivo.85
Campos Salles, portanto, conduziu o “pacto oligárquico” de modo a verticalizar a
ordem política, afastando as dissensões estaduais e a oposição do Legislativo (tornando-o
submisso). As disputas políticas foram relegadas para os estados, nos quais, o reconhecimento
federal paralisou a sucessão no poder. O Presidente ficou livre para encaminhar as grandes
questões.86
E, muito embora Cardoso detalhe a operacionalização desse “pacto” realizada por
Campos Salles87, considera-o um arranjo político, “um estado de espírito que outra coisa não
é senão o Grande Clube Oligárquico.”88
Assim, os estados economicamente fortes, principalmente os sustentados pela
oligarquia cafeicultora (Minas Gerais e São Paulo), seguidos de perto pelo Rio Grande do Sul,
passaram a dominar o quadro político nacional. Aos estados menores coube apenas seguir a
orientação federal sob pena de sofrerem intervenção.89
Cardoso se fundamenta, no entanto, no fato de se confrontarem, desde o início da
República, uma corrente “industrializante” e uma mais conservadora, ligada à lavoura de
83 SOUZA, M. C. C., op. cit., p. 169. 84 Id., ib. 85 CARDOSO, op. cit., p. 48. 86 Id., ib., p. 49. 87 Id., p. 48. 88 Id., p. 47. 89 SOUZA, M. C. C., op. cit., p. 185-186.
35
café.90 Visto desse modo, os governos militares de Deodoro e Floriano Peixoto atendiam a
uma economia ligada a setores industrial-financeiros urbanos – prova disso foi o
encilhamento, ou a emissão desenfreada de papel moeda pelo ministro da Economia Ruy
Barbosa, durante o Governo Provisório, dos primeiros anos da República. Neste sentido, os
governos paulistas de Prudente de Morais (1894-1898) e de Campos Salles (1898-1902)
representam um “contra-ataque da burguesia agrário-exportadora.”91 Seguindo nessa linha de
pensamento, a decadência da Primeira República se deveu ao embate entre a oligarquia ligada
à lavoura de café e à burguesia urbana – representada pelas dissidências na política
oligárquica, pelo tenentismo da década de 1920, e pela Aliança Liberal de 1930.92
Souza, por sua vez, afirma que não houve contradição. Para a autora, ao analisar o
processo político-partidário, o desenvolvimento urbano-industrial não seria antagônico ao
setor exportador, ou seja, às oligarquias agrárias ligadas à lavoura de café. Pelo contrário, “os
interesses urbano-industriais se beneficiavam do quadro montado para atender as
reivindicações da atividade exportadora”93. À decadência da Primeira República corroborou a
necessidade de pôr fim à forma federativa. Assim, a
crise institucional [dos anos 20] dizia respeito, em grande medida, à necessidade de reformulação das relações do Estado com um organismo econômico que passava a exigir atuação não somente sobre alguns focos regionais mas sobre as exigências de seu conjunto.94
Mesmo com esta divergência, e como já foi dito, os dois autores consideram que a
implantação da República, em 1889, e sua decadência, em 1930, podem ser explicadas a partir
das transformações das estruturas econômicas ocorridas desde as últimas décadas do Império.
Não se pode discordar totalmente dessa explicação. Entretanto, ela não permite a
compreensão da complexidade das relações entre os estados e o governo central do ponto de
vista da “política dos governadores” instituída por Campos Salles.
A “política dos governadores” não deve ser tratada obrigatoriamente como um reflexo
das necessidades de afirmação política da oligarquia cafeeira. Nem a decadência da Primeira
República deve ser compreendida como resultado da dinamização urbano-industrial operada
na economia a partir dos anos 1920. Ao nível institucional, a Primeira República se apresenta
de maneira bem mais complexa no que tange às relações entre os estados e o poder central.
90 CARDOSO, op. cit., p. 37. 91 Id., ib., p. 36-37. 92 Id., p. 50. 93 SOUZA, M. C. C., op. cit., p. 220. 94 Id., ib., p. 226.
36
Longe de reduzir a mudança de regime em 1889 a um tratamento estrutural, Renato
Lessa considera-a como “uma aventura, não contraditada por qualquer esforço sério de
restauração monárquica.”95 O que intriga o autor, neste ponto, é o fato de um regime
septuagenário ter desaparecido em apenas 24 horas, sem, no entanto, ter-se erigido,
imediatamente em seu lugar, uma ordem política capaz de dar curso à República que se
implantou em seu lugar no Brasil.96 Para o autor,
a ilusão da simplicidade deu curso à indigência analítica. A exposição de oligarcas agrários, seus assalto ao Tesouro, as falcatruas eleitorais, o folclore coronelista, tudo isso deu alento à surrada hipótese de que o exercício do poder político é um efeito do predomínio econômico e social.97
Renato Lessa procura analisar a implantação da Primeira República a partir dos seus
fundamentos institucionais. No entanto, não nega a hegemonia das elites agrárias na política
brasileira, “mesmo porque não havia outra elite disponível, com recursos competitivos, para
ocupar o governo.”98 Sua explicação se baseia no modo pelo qual a ordem política foi
imaginada por Campos Salles a partir dos problemas que se lhe apresentaram em determinado
momento. Sua preocupação implica em uma solução para a pluralidade de sentidos que tomou
a República. Assim, a ordem orquestrada por Campos Salles (chamada por Lessa de “Modelo
Campos Sales”) com a instituição da “política dos governadores” impôs um sentido único ao
regime republicano a partir de 1898, tornando-se em uma fórmula que perdurou como modus
operandi (ou como “procedimentos”, como prefere Lessa99) por toda a Primeira República.
A intenção de Campos Salles, ao formular tal ordenamento, era tornar o Executivo
Federal uma entidade despolitizada, livre das paixões políticas, cuja missão era única e
exclusivamente administrar os assuntos de importância nacional de ordem administrativa,
acima dos interesses políticos. Por isso sua aversão ao espírito de facção, ao partido,
constituindo o que Renato Lessa denominou de “valores subjetivos.”100
Mas como essas transformações institucionais devem ser analisadas do ponto de vista
local? Nesse caso, é a partir da emergência dos interesses locais que se deve compreender a
chegada da República a Mato Grosso, e a maneira como os indivíduos nela tomam parte com
impressionante fervor, mesmo quando rezavam o credo monarquista. E é isto que pretendo
apresentar neste capítulo.
95 LESSA, op. cit., p. 19. 96 Id., ib., p. 38. 97 Id., p. 17. 98 Id., p. 25. 99 Id., p. 145-146. 100 Id., p. 172.
37
Neste sentido, o centralismo monárquico, a existência de partidos de âmbito nacional
(Partido Liberal e Partido Conservador) e o fato destes serem os partidos da ordem são
condições que permitem explicar o distanciamento entre a política na Corte e a polis local,
bem como o rápido adesismo com que foi recebida a República em Mato Grosso. A questão
se torna ainda mais pertinente quando se leva em consideração que a notícia da Proclamação
chegou à capital da província sete dias após as comemorações do aniversário de d. Pedro II, e
na mesma madrugada de 8 para 9 de dezembro de 1889 em que foi oferecido um sarau em
comemoração à vitória eleitoral dos liberais sobre os conservadores – realizado na residência
de José Baptista de Oliveira Sobrinha, em homenagem ao então deputado eleito à Assembléia
Provincial e capitão da Guarda Nacional Generoso Paes Leme de Souza Ponce.101
As trajetórias de indivíduos que tiveram suas carreiras políticas construídas, em Mato
Grosso, nos dois regimes demonstram a limitação imposta à polis mato-grossense durante o
Império. O distanciamento da vida na capital do Império – e centro político nacional – não era
só físico, era também político. O máximo que se aspirava galgar era à deputação provincial
e/ou à chefia local de um dos dois partidos.
Generoso Ponce é exemplar, neste sentido. A despeito de suas relações com os
presidentes de província – geralmente oriundos de outras regiões do país, e, por isso, alheios
aos problemas locais –, e de sua reconhecida chefia política em Mato Grosso, foi eleito duas
vezes deputado da Assembléia Provincial pelo Partido Liberal, sem nunca ter sido indicado
para qualquer exercício legislativo na Corte como representante de sua terra natal.
Infelizmente, pouco se conhece sobre sua deputação. Sabe-se que foi eleito pela primeira vez
em 1882, e que sua segunda eleição aconteceu em 1889, mas que não chegou a exercer por
causa da queda da Monarquia. Contudo, seus horizontes políticos foram ampliados somente
na República, quando se elegeu senador por duas vezes, entre 1894-1898 e 1898-1902, e foi
presidente do estado entre 1907-1908.102
Os nomes dos candidatos liberais e conservadores indicados para o Senado ou para a
Câmara dos Deputados eram escolhidos no Rio de Janeiro. Quase nunca os pleiteados eram
provenientes de Mato Grosso. Os interesses partidários nacionais sobrepujavam os interesses
políticos locais. E os mato-grossenses que mais tinham influência nos partidos monárquicos
eram aqueles que moravam e conviviam na Corte, junto à polis nacional, como Joaquim
Murtinho e Antônio Azeredo.
101 MENDONÇA, Estevão. Datas Matogrossenses. 2 ed. Cuiabá: Estado de Mato Grosso/Casa Civil, 1973, p. 300-1. 102 PONCE FILHO, op. cit.
38
A adesão imediata ao novo regime, segundo Fernando Antonio Faria, deve ser
compreendida dentro da
contradição existente entre os compromissos reformistas, em especial o referente à autonomia provincial, e a pressão exercida pelo último gabinete nas eleições para as duas câmaras, visando à formação, a qualquer custo, de uma expressiva maioria situacionista, dentro de um contexto global de desgaste acelerado das instituições imperiais em províncias de primeira grandeza no cenário nacional.103
Em primeiro lugar, a situação era reforçada pelo centralismo do Império, que, embora,
por um lado, solidificasse a existência de partidos políticos nacionais como canais de acesso e
de resolução das questões do mundo político do país; impossibilitava, por outro, a ascensão
dos poderes locais à política nacional. E, em segundo lugar, o Império tinha a “cabeça
grande” e quase não tinha “braços e pernas.”104 A vida política nas províncias era, nos dizeres
de José Murilo de Carvalho, “um mundo sem direitos civis e em que os direitos políticos eram
tutelados pelos senhores de terra.”105
Deve-se ter em mente que, durante o regime monárquico, a chave da organização do
Império era o Poder Moderador – atribuição “inviolável, irresponsável e inimputável” do
Imperador, prescrito na Constituição de 1824. Cabia a ele a nomeação do presidente do
Conselho de Ministros, o qual constituía o governo e chamava as eleições legislativas, que
eram vencidas por seu partido. Estas eleições eram realizadas nas províncias sob o controle
dos presidentes de província nomeados a partir da Corte pelo partido do governo. A
manipulação eleitoral era a regra: utilizava-se do funcionalismo público, dos juízes de paz,
dos oficiais da Guarda Nacional, dos delegados de polícia, dos cabalistas etc., ou seja, dos
poderes locais. Tudo para impedir o exercício do voto da oposição, ou mesma falsear as atas
eleitorais, garantindo as maiorias ou unanimidades de Câmaras de Deputados.106
Estes potentados locais constituíam a polis das províncias: ocupavam cargos públicos,
elegiam-se ou faziam eleger juízes de paz, deputados provinciais, vereadores das câmaras
municipais etc. Controlavam, pois, a vida pública local, obtendo vantagens para si e seus
aliados, promovendo dificuldades para a oposição e para os inimigos políticos. Deles
103 FARIA, Fernando Antônio. Partido Liberal e Política Regional: as eleições no ocaso do Império. Disponível em: <ww.rj.anpuh.org/Anais/2004/Simposios%20Tematicos/Fernando%20Antonio%20 Faria.doc>. Acesso em: 24/abr./2008. 104 CARVALHO (2002), José Murilo de. Entre a Autoridade e a Liberdade. In: ______ (org.). Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 29. 105 Id. (2005c). Federalismo e centralização no Império Brasileiro: história e argumento. In: ______. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 2005, p. 179. 106 LESSA, op. cit., p. 141; CARVALHO, 2005, op. cit., p. 32-33.
39
dependiam o demos e o subdemos com quem se relacionavam e de quem obtinham apoio
eleitoral em troca de favores, proteção, cargos etc.
Esse distanciamento entre o governo imperial e cidadãos foi a grande razão das
queixas de Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, como ele mesmo
demonstrou em seu Ensaio sobre direito administrativo, publicado pela primeira vez em
1862. São notáveis em seu texto as suas considerações acerca do quanto a influência dos
poderes locais era nociva à administração provincial, e o quanto as lutas políticas (“paixões” e
“odiosidades”, em suas palavras) entre potentados locais prejudicavam o bom funcionamento
das instituições públicas. Seu apoio à Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840, que pôs
fim à autonomia dada às províncias pelo Ato Adicional, de 1834, centralizando mais ainda o
Império, provinha, em parte, deste ponto de vista. Segundo Uruguai,
a administração é por muitos considerada como um simples e cego instrumento da política para montar e desmontar partidos e influências eleitorais. Os presidentes são por via de regra escolhidos e demitidos por considerações meramente políticas. Por isso os que presidiram durante uma eleição ficam gastos e são logo retirados. A nomeação dos presidentes e outros funcionários administrativos, e o que é mais, dos juízes, é unicamente considerada pelo lado político. Os que pertencem à mesma parcialidade acham-na sempre excelente. Os adversários políticos, sempre péssima.107
Relatos de viajantes que estiveram em Mato Grosso em meados do século XIX
apontam para essa atmosfera política relatada por Uruguai. Em 1886, em passagem por
Cuiabá, Herbert H. Smith havia notado essa característica da política local. Em suas palavras,
a população lavra politica e vive do dinheiro que o estado paga. Um emprego, um empreguinho publico que seja, é o objecto de todas as luctas e de todos os calculos. Os dois partidos principais, o liberal e o conservador, se contrapõem reciprocamente como o proprietário e o que nada tem.108
Mato Grosso acompanhava o ambiente político do Rio de Janeiro. Às quedas de
gabinetes ocorridas na Corte, seguia-se, por um lado, a queda de “quem está em cima da
escada” indo ao “chão toda a massa até o ultimo escriturario”, por outro lado, a oposiçaõ que
estava alijada do poder, “atira-se aos degráos, e trepa, depressa quanto pode, para as alturas.”
E todo esse movimento girando em torno do presidente de província, “um reisinho em terra
grande” 109.
107 SOUSA, Paulino José Soares de (VISCONDE DO URUGUAI). Ensaio sobre direito administrativo. In: CARVALHO, José Murilo de. Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 96 (nota 16). 108 SMITH, Herbert H. Generalidades sobre Cuyabá. In: ___. Do Rio de Janeiro a Cuyabá: notas de um nativista. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1922, p. 323. 109 Id., ib.
40
Além do cargo de presidente de província, o comando da Guarda Nacional era um
posto importante para a garantia das vitórias eleitorais. Consoante ao revezamento de
conservadores e liberais no governo de Mato Grosso, a partir de 1870, alternaram no comando
superior da milícia da província ou da comarca da capital, com raras exceções, Antônio de
Cerqueira Caldas, o Barão de Diamantino, pelo lado dos conservadores, e Firmo José de
Mattos, o Barão de Casalvasco, pelo dos liberais.110
A influência de oficiais da milícia cidadã sobre a qualificação do eleitorado foi
relatada por Augusto Leverger, o Barão de Melgaço, em 1866 (em pleno esforço de guerra
contra a República do Paraguai), segundo o qual,
infelizmente he pessima a qualificação que serve de base á designação dos guardas de que se devem compôr os ditos Corpos. Tem sido geralmente postergados os preceitos da Lei relatvos ao alistamento de passar a administração a V.Exª. tenho tido de attender a incessantes reclamações justificadas, para a dispensa de guardas, huns por falta de idade, outros por causa de molestias incuraveis, outros por serem filhos unicos de viuvas, amparo de pais sexagenarios ou irmãos menores de [idade]; e creio que não poucas tem sido e continuão a ser apresentadas a V.Ex.ª. Ao mesmo tempo deixarão de ser qualificados ou forão contemplados na reserva homens que nenhuma causa legal exclue do alistamento no serviço activo. He isto consequencia de principalmente ter sido convertida a Guarda Nacional em instrumento de manejos eleitoraes. Com rarissimas excepções, os Officiaes imcumbidos da qualificação, alistão, sem distincção, o maior possivel numero de individuos sobre quem possão exercer influencia para levarem ás mezas parochiaes as listas que se lhes distribuem. Attenda V.Ex.ª a que não alludo a huma ou outra das parcialidades que se alcunhão politicas. Em ambas nota-se igualmente a incuria de huns e o mesquinho espirito de partido de outros.111
A Guarda Nacional era responsável, na província de Mato Grosso, desde o fim da
guerra contra o Paraguai, por manter a ordem e a autoridade, exercendo o papel de polícia. 110 Veja CARDOSO JUNIOR, Francisco José. Relatorio apresentado a Assemblea Legislativa do Mato Grosso pelo exm. sr. tenente coronel Francisco José Cardoso Junior, no dia 20 d'agosto de 1871. Cuiabá: Typ. de Souza Neves & Comp.a, [1872], p. 19; REIS, José de Miranda da Silva. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso na primeira sessão da 20.ª legislatura, no dia 3 de maio de 1874 pelo presidente da provincia, o exm. sñr. general dr. José de Miranda da Silva Reis. Cuiabá: Typ. da “Situação” de Souza Neves & C.a, [1875], p. 43; FONSECA, Hermes Ernesto da. Falla com que o excellentissimo senhor general Hermes Ernesto da Fonseca abrio a 1.ª sessão da 21.ª legislatura da Assembléa Provincial de Mato-Grosso no dia 3 de maio de 1876. Cuyabá: Typ. da “Situação”, 1876, p. 15; PEDROSA, João José. Relatorio com que o exm. snr. dr. João José Pedrosa, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 2.ª sessão da 22.ª legislatura da respectiva Assembléa em 1.º de outubro. Cuiabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1879, p. 163; BARÃO DE BATOVY. Relatorio com que o exm. sr. general barão de Batovy, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.ª sessão da 25.a legislatura da respectiva Assembléa no dia 1.º de outubro de 1884. Cuyabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1884, p. 27; REGO, Francisco Raphael de Mello. Relatorio com que o exm. sr. coronel Francisco Raphael de Mello Rego, presidente da provincia, abrio a 27.ª sessão da Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso em 20 de outubro de 1888. Cuyabá: Typ. da “Situação”, 1888, p. 15. 111 LEVERGER, Augusto (Barão de Melgaço). Relatório apresentado ao Ill.mo e Ex.mo Sr. Tenente Coronel Albano de Sousa Osório, Vice-Presidente da Província de Matto Grosso, pelo Presidente Chefe d’Esquadra Barão de Melgaço ao entregar a administração da mesma Provincia. 8 de maio de 1866. Cuiabá: Typ. de Sousa N.es & C., 1866, p. 11-2.
41
Não raras vezes, os seus exercícios exigiam o afastamento dos cidadãos de suas roças e
famílias, inclusive para as distantes regiões fronteiriças, como mencionou Augusto de
Leverger o qual, em 1856, informava que
a necessidade de reforçar a guarnição de diversos pontos da fronteira obrigou[-o] a chamar a serviço de destacamento até 235 Guardas Nacionaes, para substituirem a força de linha, nos lugares d’onde foi preciso fazel-a retirar para o mancionado fim. Tenho muito em vista os inconvenientes que resultão do dito serviço, e farei por alliviar a Guarda Nacional deste onus tão longo como o permitirem as circunstancias.112
Como será visto no próximo capítulo, desde sua reforma com a Lei n. 602, de 18 de
setembro de 1850, havia perdido sua estrutura democrática que a caracterizou desde sua
criação, em 1831. Já no final do Império e início da República, havia se tornado uma força
“eleiçoeira”, cuja estrutura e hierarquia procuravam reproduzir em suas patentes e cargos a
hierarquia social; e de cuja pressão sobre os cidadãos eleitores retirava as maiorias eleitorais.
Por isso a necessidade de se ter no comando superior da milícia alguém da total confiança do
presidente de província.
Entretanto, essas práticas – características profundas desta cultura política – não vão
desaparecer com a queda do Império. As manipulações das eleições e dos postos da Guarda
Nacional, a distribuição de cargos públicos, a tutela dos direitos políticos etc. continuaram a
existir ao longo da Primeira República.
Nesse quadro, a única mudança foi a saída de cena do presidente de província, que era
nomeado a partir do centro político nacional, para o aparecimento do governador/presidente
de estado, eleito pelo voto dos cidadãos. Mudança promovida pelo federalismo implantado na
República, e que serviu para solidificar ainda mais a influência dos poderes locais sobre a
vida política e social das unidades federadas.
Neste sentido, o federalismo inserido na República, sem a existência daquilo que
Uruguai chamou de “uma educação que nos habilitasse praticamente para nos governarmos
nós mesmos,”113 significou, no momento mesmo em que a rotina política do Império havia
sido abandonada, o fortalecimento dos potentados cujo exercício de poder, anteriormente, se
restringia ao seu município, ou, no máximo, à respectiva província.
À extinção dos dois partidos monárquicos – o Liberal e o Conservador – seguiu-se a
montagem de partidos estaduais únicos, ou predominantes. Em outras palavras, a
112 LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia de Mato Grosso, o chefe de divisão Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 4 de dezembro de 1856. Cuiabá: Typ. do Echo Cuiabano, 1856, p. 9. 113 SOUSA, op. cit., p. 429.
42
Proclamação da República representou a emergência ao cenário político nacional destes
interesses locais, o país real, sem intermediação dos políticos nacionais, dominado por aquilo
que Zacarias de Góis chamou de “segunda ordem”,114 distribuída nas vinte unidades
federativas que formavam a República brasileira, a partir de 15 de novembro de 1889.
Como já foi dito, os partidos no Império tinham o importantíssimo papel de
estabelecer um espaço único de discussões e resoluções de questões, servindo de barreira,
juntamente com o centralismo do Império, contra os interesses e as lutas entre facções locais.
Este é um ponto fundamental na análise do federalismo implantado em 1889 no Brasil, ainda
mais quando se observa que o modelo de inspiração foram os EUA.115
Lá o problema havia sido colocado pelos founding fathers à nascente República norte-
americana, e está no cerne da representação política. Em uma obra de importante referência,
problemas que ameaçavam a União em relação aos estados em diversos campos como
segurança, comércio, indústria, política etc., James Madison tratou deste ponto
especificamente no capítulo 10 d’O Federalista, intitulado Utilidade da União como
preservativo contra as facções e insurreições. A questão estava em encontrar um meio de
permitir a maior participação civil sem, no entanto, transformar a política nacional no espaço
de resolução dos interesses privados. Esses interesses para os founding fathers tinham seu
significado relacionado ao de espírito de facção – “uma reunião de cidadãos” movidos por
paixões ou interesses contrários aos de outra facção.116 Levando-se em consideração as
dimensões territoriais e populacionais dos EUA, apenas o controle e canalização destes
interesses salvariam a União da fragmentação. A solução proposta por James Madison
repousava na idéia de “representação política” como alternativa à democracia.117
O governo representativo, que para Madison era sinônimo de república, permitia
agregar um número maior de cidadãos participando da vida pública, ao mesmo tempo em que
se tinha, com a eleição de representantes através do voto, um filtro contra a diversidade de
interesses. Isso permitia também um controle sobre as facções, “sendo menos provável a
combinação de interesses para uma efetiva ação facciosa.” O ponto chave estava no empate de
114 CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: a política Imperial. In: ______. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 399. 115 CARVALHO (1990), José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 24-29. 116 MADISON, James. “Utilidade da União como preservativo contra as facções e insurreições.” In: HAMILTON, Alexandre; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. In: WEFFORT, Francisco C. Federalistas. São Paulo: Victor Civita, 1973. (Os Pensadores, 29), p. 101. 117 Para autores como James Madison democracia nada mais era que “ um pequeno número de cidadãos, que se reúnem todos e governam por si mesmos.” Ver MADISON, op. cit., p. 103.
43
forças como meio de equilíbrio e controle de uma facção em relação à outra. Mas isto exigia
uma ampla participação dos cidadãos na vida pública, acompanhada da existência de partidos
políticos capazes de canalizar estes interesses.
Esta noção de representação política se contrapunha àquela formulada pelo inglês
Edmund Burke, para quem os representantes deveriam gozar de autonomia de seus
representados, deixando de lado os interesses particulares, abraçando o bem geral. Esse
pensamento está sintetizado em seu Discurso dirigido aos eleitores de Bristol, de 1774,
segundo o qual
o Parlamento não é um congresso formado por embaixadores de interesses diferentes e hostis, que cada um deve sustentar como agente e advogado contra outros agentes e advogados. O Parlamento é uma assembléia deliberativa da nação, com um interesse, o interesse do todo – onde os preconceitos locais não devem servir de guia, mas sim o bem geral, que resulta do juízo geral do todo. É verdade que os senhores escolhem um membro; mas ele, uma vez escolhido, não é um membro de Bristol, é um membro do Parlamento.118
Este tipo de representação como relação de confiança119 entre representantes e
representados, em que os primeiros deveriam ser sensíveis às aspirações e problemas destes
últimos, mesmo que estes não se manifestassem para tanto, foi denominada por Renato Lessa
de “representação altruística” ou “representação burkeana”, que fundamentou, em primeiro
plano ou na superfície do arranjo político institucional da Primeira República brasileira, a
“política dos governadores” implantada pelo presidente Manuel Ferraz de Campos Salles
(1898-1902), como um meio de proteger o Poder Executivo dos interesses particulares,
concentrando as suas ações nas grandes questões nacionais.120
Mas se o federalismo implantado no Brasil sofreu, através de Ruy Barbosa,121 uma
influência direta dos EUA, como explicar a proliferação de interesses locais e a
preponderância do que Madison chamou de “espírito de facções”? A resposta a esta questão
pode ser encontrada nos mecanismos de fortalecimentos destas facções e na continuidade de
uma cultura política fundamentada no patrimonialismo e no afastamento do demos da vida
pública.
Quando, na madrugada de 9 de dezembro de 1889, a República aportou na capital da
então província de Mato Grosso, encontrou a política local dividida em dois partidos cuja
118 BURKE apud PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e idéias. In: Lua Nova, São Paulo, n. 67, 2006, p. 31. 119 COTTA, Maurizio. Representação Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 1102. 120 LESSA, op. cit., p. 121 CARVALHO (2005c), op. cit., p. 173.
44
direção e distribuição de encargos e cargos emanavam da capital do Império. Esta superficial
divisão do mundo político escondia a divisão do mundo real.
Nas palavras de um contemporâneo desses acontecimentos, em 1890, o povo mato-
grossense, durante o regime decaído, e “na vida social”, “encarava a seus adversarios politicos
como inimigos pessoaes, salvando-se poucas excepções”; e que “a divergencia de opiniões
separáva os nossos homens em dous campos como que belligerantes: pareciam mais romanos
e carthaginezes do que matto-grossenses dispostos a bem do seo torrão natal.” Os embates
eram muito mais pessoais que políticos, “compreendendo pouco a nobre lucta pelas ideas e
sabendo menos defende-las no campo das discussões abstractas e philosophicos.” Sendo que,
através dos jornais, estes indivíduos “pensavam unicamente nos meios de descubrir defeitos
phisicos ou domesticos em seos adversarios, e muitas vezes a iventa-los mesmo.”
A esperança, é nosso articulista anônimo que o diz, residia na notícia de transformação
política do país, na tão esperada autonomia provincial. Entretanto, em sua opinião, o governo
do general Antônio Maria Coelho havia derrotado todas as aspirações na “confraternização da
familia matto-grossense.”122
O abandono da rotina institucional do Império, que ordenou a política nacional por
sete décadas, não foi acompanhada da invenção de outra rotina que desse direção à vida
política nacional. Assim,
o Brasil acordou sem Poder Moderador, em 16 de novembro de 1889. Isto é, sem ter qualquer resposta institucional a respeito de si mesmo: quem faz parte da comunidade política, como serão as relações entre polis e demos, entre o poder central e as províncias, como se organizarão os partidos e se definirão as identidades políticas. Enfim, sobre quem deverá mandar.123
Esses anos iniciais do novo regime em Mato Grosso são exemplares neste sentido. As
questões da política local, tendo como representantes seus indivíduos oriundos
exclusivamente do estado, passaram a ser discutidas no parlamento nacional. E, mais grave
ainda, tendo em vista a deficiência orçamentária do estado, o que dificultava a manutenção de
uma força pública capaz de obstar qualquer intervenção federal através do Exército, as
questões da política nacional ganharam como palco Mato Grosso, principalmente, através de
militares do Exército lá destacados.
O apoio ao general Antônio Maria Coelho no dia 9 de dezembro por parte de
conservadores e liberais, respectivamente, escondia as divergências históricas do campo
político local. Ao receberem primeiro a notícia de que a indicação para o governo provisório 122 ESTUDOS políticos, III. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, Cuiabá, 15 de novembro de 1891, n. 651, p. 3. 123 LESSA, op. cit., p. 70-71.
45
no estado recaiu sobre o velho general, os conservadores, maioria na Câmara municipal de
Cuiabá, aclamaram-no governador do estado seguindo “a população desta Capital, que o
acclamou seu Governador”124. Posteriormente, Antonio Maria Coelho, em missiva oficial ao
Coronel Sólon Sampaio Ribeiro, reconheceu que governava por “aclamação da Assembleia
Legislativa, povo, guarnição e funccionarios publicos d’esta Capital, a que adheriram todos os
Municípios do Estado”125.
Nesse jogo de cena, a polis local, dividida, buscava o apoio daquele que legitimamente
– por escolha do governo provisório e pela “aclamação popular” – exercia o poder no estado
para ocupar os cargos públicos e postos de comandos da Guarda Nacional. Parecia a
continuidade dos antigos embates políticos da época do regime recém derrubado.
Assim, a população figura presente nos textos contemporâneos como legitimadora de
uma nova ordem amplamente apoiada. As manifestações de rua, pouco ou nada comentadas,
que deveriam suceder as transformações políticas como estas encontraram apenas liberais,
conservadores e, entre os de uma e outra parcialidade, funcionários públicos – interessados na
manutenção de seus empregos.
Isto está claro em um depoimento posterior, segundo o qual
no dia 9, pelas 10 horas da manhã, o povo em massa, sem distincção de cor politica, acclamou no paço da camara municipal o general Antonio Maria Coelho para governador do Estado, não sò porque espalhara-se q’ elle tinha sido nomeado para esse cargo pelo governo provisorio, como porque era o official de maior patente que havia em Matto Grosso.126
O “povo” “sem distincção de cor política” tratava-se evidentemente daqueles poucos
que participavam da vida política local, da polis, ou seja, daqueles que ocupavam algum cargo
político de mando, ou daqueles que, por exercerem o direito de votar, buscavam desfrutar das
vantagens do estado (empregos públicos e vantagens na aplicação da lei), que compreendia o
demos. E continua o mesmo artigo descrevendo a aclamação “popular” de Antônio Maria
Coelho:
A ascensão do general á suprema administração do Estado foi favoneada [sic.] por todos: –Pelos antigos liberaes porque viam nelle um homem tão considerado como digno de toda a estima, pela sua seriedade, pelo seo patriotismo na quadra dolorosa da guerra do Paraguay e pela sua influencia militar devida a alta collocação que tinha no exercito. Antigo liberal, o general não podia infundir suspeita alguma aos seus velhos correligionarios.
124 Moção de Manoel Xavier Castello, João Sant’Iago Arinos e Indalecio Francisco Nunes a Antonio Maria Coelho, governador de Mato Grosso, Cuiabá, 13 de Dezembro de 1889. 125 CORRÊA, Valmir Baptista, op. cit., nota 3, p. 69. 126 ESTUDOS politicos, II. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 08 de novembro de 1891, n. 650, p. 3. (Grifos meus)
46
–Os da parcialidade conservadôra por seo tempo, estavam satisfeitos com a escolha do general para chefe do Estado: –fora das posições officiaes, que pouca ou nenhuma esperança tinham de conquistar, visto que a poucos mezes subira o partido da opposição ao poder e alem disso – o que é mais – fraco e em completo aniquilamento; – somente uma mudança de systema governamental seria capaz de fasê-los brotar á superficie politica. É verdade que não podiam contar com a bôa vontade de um seo adversario, que o era o general, todavia, estavam mais animados do que nos ultimos dias da monarchia.127
Sobre os resultados da queda do Império, em primeiro lugar, nota-se que o abandono
da rotina institucional monárquica refletiu em Mato Grosso como uma confusão de apoios.
Acostumados aos ditames emanados do centro de decisões políticas no Rio de Janeiro, e em
busca de uma situação mais confortável na estrutura de poder, os conservadores foram
capazes de apoiar um liberal. Ou, de outra forma, em busca de se sustentar como governador,
um liberal foi capaz de aceitar o apoio conservador e afastar da estrutura de poder seus ex-
correligionários liberais.
A formação dos novos partidos republicanos irá seguir esta configuração. Realizada a
adesão ao novo regime – pois “de um dia para o outro, de 8 para 9 de Dezembro, o povo
Matto-grossense abraçou com ardôr os principios republicanos”128, o que representava o fim
do tempo em que “eram impostas as candidaturas dos nossos representantes em ambas as
casas do parlamento nacional”129 – era necessária a organização de novos partidos.
A 30 de janeiro, Antônio Maria Coelho fundou o Partido Nacional, que, sob sua
chefia, não durou muito tempo em sua conformação original devido à heterogeneidade de
seus membros. Esse partido era integrado por ex-conservadores e republicanos históricos de
Cuiabá, entre outros: José da Silva Rondon (republicano histórico), Antônio de Cerqueira
Caldas (Barão de Diamantino, e chefe dos conservadores), Ernesto Frederico de Oliveira
(conservador), Antônio de Paula Corrêa e Veríssimo Xavier Castello (conservadores) – entre
os nomes principais.
Descontente, Joaquim Murtinho publicou, a 15 de abril de 1890, n’O Mato Grosso um
protesto contra a fundação de um partido pelo próprio presidente do estado “criado com o
nome de Partido Nacional, nome que nada significa, é um partido que poderá apresentar-se
com o título de republicano, mas cujo fundo, cuja organização, cuja vida é, sem dúvida,
menos democrática do que qualquer dos antigos partidos monárquicos”; e completa: “um
127 ESTUDOS politicos, II, op. cit. 128 Id., ib. 129 CANDIDATURAS impostas. In: O Matto-Grosso, Cuyabá, 23 de abril de 1893, n. 681, p. 1.
47
partido republicano é criado pelo povo; o partido que aí tendes foi criado pelo
Governador.”130
Em julho de 1890, fundava-se o Partido Republicano que reunia os ex-liberais,
republicanos históricos e ex-conservadores descontentes com a chefia de Antônio Maria
Coelho. Generoso Ponce, como chefe dos liberais, tomou a frente do partido que reunia
políticos como Antônio Corrêa da Costa, Manuel Murtinho, Pedro Celestino Corrêa da Costa,
Virgílio Alves Corrêa, e, posteriormente, José da Silva Rondon.131
Em segundo lugar, sem o controle exercido por partidos políticos nacionais na geração
legitima de atores políticos rompiam-se as relações entre o centro político e a representação
mato-grossense. Em palavras mais claras, não se sabia quem exercia o poder em Mato Grosso.
E na dúvida, todos requeriam para si a prerrogativa de tal exercício, que seria reconhecido e
legitimado pelo Governo Federal.
A metade dos deputados e a maioria dos senadores eleitos para o Congresso
Constituinte a 15 de setembro de 1890 eram apoiadas pelo governador Antonio Maria Coelho
– nomeado pelo governo provisório e em exercício até 9 de dezembro 1890. Isto pode ser
observado dos parlamentares mato-grossenses signatários da Constituição de 1891: com
exceção do senador Joaquim Murtinho e do deputado Antônio Azeredo, que pertenciam ao
partido de oposição ao general Coelho, assinaram a Constituição de 1891 como representantes
oficiais os senadores Aquilino do Amaral e Pinheiro Guedes e o deputado Caetano Manoel de
Faria e Albuquerque.132 Entretanto, sem ter recebido a notícia de sua demissão, o general
encaminhou as eleições para a Assembléia Constituinte estadual, eleita em 3 de janeiro de
1891, com uma bancada totalmente favorável a seu governo, sob a abstenção eleitoral da
oposição.
Quando o general foi destituído do cargo pelo governo provisório, a pedidos de
Generoso Ponce, Antônio Azeredo e Joaquim Murtinho (este médico particular do
generalíssimo Deodoro da Fonseca e do marechal Floriano Peixoto), a maioria da
representação mato-grossense no Congresso Federal se viu fazendo oposição ao governo do
estado, cuja nomeação recaiu sobre o coronel do Exército Frederico Sólon de Sampaio
Ribeiro, o qual, cercando-se dos membros do Partido Republicano, chefiado por Generoso
Ponce, assumiu o exercício a 16 de fevereiro de 1891, passando, por motivos de saúde, o
130 MURTINHO, Joaquim Duarte. Manifesto aos cidadãos. In: O Matto-Groso, Cuiabá, 15 de julho de 1890, n. 597, p. 2. 131 GAZETILHA. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 27 de julho de 1890, n. 599, p. 1. 132 BRAZIL. Constituição dos Estados Unidos do Brazil. fl. 8. In: Constituição de 1891: Exposição virtual (Fundação Casa de Rui Barbosa <http://www.casaruibarbosa.gov.br/>). Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br /expo/pdf/constituicao_1891.pdf>. Acesso em: 28/dez./2005.
48
governo a José da Silva Rondon. Este, como vice-governador nomeado por Deodoro,
governou de 1.º de abril a 6 de julho do mesmo ano, quando assumiu o governo, também
designado pelo governo federal, o coronel do Exército João Nepomuceno de Medeiros Mallet,
até a posse da Assembléia Constituinte composta unanimemente por membros do Partido
Republicano, eleita a 28 de maio, cuja investidura se deu no dia 15 de agosto, com a eleição
indireta de Manuel Murtinho como presidente do estado – eleição esta não reconhecida pelos
membros do Partido Nacional, que tentaram sustentar a legitimidade da Assembléia eleita a 3
de janeiro.
A duplicidade de governo e a impossibilidade de se promover qualquer acordo para a
partilha dos cargos representativos junto à Constituinte do estado endossada pelo coronel
Medeiros Mallet e rompida pelo Partido Nacional em fins de junho de 1891,133 levou o estado
ao extremo da luta armada, em meados de 1892.
É neste ponto que as clivagens políticas nacionais e estaduais se embaralham, sem
encontrar um eixo sobre o qual girar. Os anos iniciais da República foram de muitas
perturbações da ordem política, as quais colocavam em risco a própria sobrevivência do novo
regime. Foram, na definição de Renato Lessa, “anos entrópicos”134. A constituição do
Governo Provisório (1889-1891) era bastante heterogênea, compondo-se: de militares –
Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Eduardo Wandenkolk; de republicanos históricos –
Quintino Bocaiúva, Campos Sales, Aristides Lobo, Demétrio Ribeiro; de republicanos de
última hora – Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa; de positivistas – Benjamin Constant,
Demétrio Ribeiro; de liberais – Quintino Bocaiúva, Campos Sales, Aristides Lobo, Rui
Barbosa.135 À esta heterogeneidade seguiram-se as clivagens no campo político durante os
governos sucessivos – Deodoro da Fonseca (1891), Floriano Peixoto (1891-1894), Prudente
de Morais (1894-1898): “militares x civis; militares jacobinos x legalistas; exército x marinha;
federalistas x hiperfederalistas.”136
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 aumentou ainda mais a incerteza. “O País
tinha Constituição, sem ter partidos, sem saber quem eram seus representantes e com sérias
dúvidas a respeito da real existência de governo.”137 A Carta republicana trouxe consigo
alterações profundas, se comparada à tradição institucional brasileira no Império. O
Legislativo não dependeria mais do Poder Executivo para se compor, gozando de autonomia
133 QUEBRAMENTO de accôrdo. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de junho de 1891, n. 631, p. 1. 134 LESSA, op. cit. 135 CARONE, Edgard. A República Velha (Evolução política). 4ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977, p. 26. 136 LESSA, op. cit., p. 102. 137 Id., p. 93.
49
em relação a este. A opção pelo federalismo, encerrada na Constituição, desnacionalizou a
política, aumentou o peso dos interesses locais para a composição de coalizões políticas
nacionais, o que tornou a dinâmica política imprevisível. Por outro lado, mesmo optando pelo
presidencialismo, a política não contaria com um ente regulador máximo, antes exercido pelo
Poder Moderador. A ausência de partidos nacionais, como já foi dito, prejudicou a articulação
do Poder Executivo com o Poder Legislativo. A política tornou-se, portanto, incerta,
conflitiva e fragmentada nas vinte unidades federativas.138
Deste modo, ambos os grupos que disputavam a hegemonia na política mato-grossense
buscavam um elo de apoio com o governo federal. Isto ficou claro após o “Golpe de Lucena”
que, a 3 de novembro de 1891, dissolveu o Congresso Nacional.
Logo após a renúncia de Deodoro, a 23 de novembro de 1891, os membros do Partido
Nacional, tendo como órgão o Quinze de Novembro acusaram o governo Manuel Murtinho de
prestar apoio ao golpe dado por Deodoro, pois “a sua vida sempre dependeo do incondicional
apoio ao nefasto governo do General Deodoro.”139 Por seu turno, através do órgão O Matto-
Grosso, os membros do Partido Republicano em resposta afirmaram que:
Para o nosso proposito n’aquelle editorial era sufficiente tomar a dissolução como um facto, sem entrar na apreciação de seu merecimento, porque nosso único objectivo era inquirir do rumo que levaria o partido nacional com o desapparecimento da corporação [o Congresso] depositaria de todas as suas esperanças.140
Neste trecho se apresenta ambiguamente o interesse na dissolução do Congresso como
meio de afetar a existência do partido opositor. Certamente os membros do Partido Nacional
utilizariam o apoio ao golpe para explorar o suposto desprestígio de Manuel Murtinho junto
ao governo de Floriano Peixoto, vice-presidente da República e presidente em exercício.
Quando o movimento armado explodiu em Corumbá, a 22 de janeiro de 1892,
apoiaram os revoltosos do Partido Nacional os militares de baixa patente das guarnições
militares sediadas naquele município. Para insuflar o povo contra o situacionismo, foram
distribuídos panfletos os quais afirmavam que “o Dr. Manoel José Murtinho, elevado ao alto
cargo de governador pelo governo do general Deodoro, não pode mais inspirar confiança ao
138 LESSA, op. cit., p. 143. 139 SEDIÇÃO militar. Quinze de Novembro, Cuiabá, 7 de fevereiro de 1892, n. 108. In: Revista do Instituto Historico de Matto-Grosso, Cuiabá, n. 16, ano 8, 1926, p. 139-140. 140 PARTIDARISMO. O Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de dezembro de 1891, n. 655, p. 2. (Grifos meus)
50
heroico povo de Matto-Grosso.” Ao fim, davam-se vivas “a Nação Brazileira!”, “ao Estado de
Matto-Grosso!”, “a soberania do povo!” e “ao Exercito e Armada!”141
A “Revolução de 1892”, como ficou conhecida a deposição de Manuel Murtinho, será
tratada com maior profundidade em outro capítulo, no entanto, exemplifica o quadro de
instabilidades e incertezas que compunham os anos iniciais da República em Mato Grosso e
no Brasil.
Manuel Murtinho foi deposto, a 1.º de fevereiro de 1892, por uma força apoiada pelo
sobrinho do ex-governador Antônio Maria Coelho. Seu retorno ao poder somente se deu em
maio do mesmo ano. Os revoltosos esperavam o apoio de Floriano Peixoto. Refletia-se em
Mato Grosso as revoltas militares que sucederam a ascensão de Floriano Peixoto e as suas
intervenções nos estados que prestaram apoio a Deodoro da Fonseca e seu golpe.
Quando Floriano assumiu a presidência da República, apenas dois governadores não
sofreram com sua intervenção por terem recusado apoio a Deodoro: Lauro Sodré, no Pará; e
Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul.142 O apoio a Manuel Murtinho, provavelmente,
adveio pelo fato de ser sobrinho de Antônio Maria Coelho o capitão Aníbal da Motta, um dos
líderes militares que comandaram a sublevação de Corumbá, num momento em que o general,
e ex-governador de Mato Grosso, se opôs a Floriano Peixoto, sendo um dos signatários do
“Manifesto dos 13 Generais”, de março de 1892.
Em terceiro lugar, outras relações indiretas com o poder central se configuraram com o
fortalecimento das chefias políticas locais, como vozes dos interesses locais junto ao governo
federal. Se antes, os partidos monárquicos serviam como filtros, agora os coronéis locais
tinham livre acesso ao gabinete do presidente da República ou seus intermediários para relatar
suas queixas ou conseguirem apoios contra seus opositores.
Foi graças a este canal que Joaquim Murtinho conseguiu a nomeação de um militar
liberal como primeiro governador de Mato Grosso. Como Antonio Maria Coelho se saísse
“arredio”, aliando-se aos ex-conservadores, pôde, juntamente com Generoso Ponce e Antônio
Azeredo, pedir sua demissão. Tal acesso ao governo central seria impensável no regime
decaído.
Essa emergência dos poderes locais, sem que, no início da República, tivessem sido
criados mecanismos para disciplinar ou depurar sua influência, possibilitou a extensão das
lutas políticas locais ao cenário político nacional. Permearam-se novas relações políticas entre
141 A REVOLUÇÃO. Quinze de Novembro, Cuiabá, 7 de fevereiro de 1892, n. 108. In: Revista do Instituto Histórico de Matto-Grosso, Cuiabá, n. 16, ano 8, 1926, p. 144. 142 CARONE, op. cit., p. 64.
51
os níveis locais e nacionais, cuja influência passou a ser determinante para a nova dinâmica
política do país.
Em verdade, essa nova dinâmica fez com que os indivíduos envolvidos no jogo
político tivessem que redefinir suas estratégias para alcançarem o poder. De outra forma,
pode-se dizer que novas pressões políticas atuaram de maneira determinante nas ações destes
indivíduos. A República proclamada a 15 de novembro de 1889 provocou todas essas
transformações quando inverteu a fórmula do Império: ao invés da centralização político-
administrativa, o federalismo – sem que, no entanto, se resolvessem questões importantes
como partidos, governos, representação política etc.
Por fim, quando falo em emergência dos poderes locais, refiro-me principalmente aos
oficiais da Guarda Nacional, cujo ingresso no oficialato, durante o Império, dependia da
anuência da polis nacional, na Corte. Esses oficiais tinham como principais atividades
econômicas a agropecuária e o comércio. Eles formavam a elite econômica de Mato Grosso, o
que é extensivo a todo o Brasil da época.
Durante a República o acesso ao oficialato será facilitado, sendo o comando superior
da milícia exercido geralmente pelo chefe político do partido situacionista – quando não
existissem impedimentos como o exercício do mandato de deputado federal ou senador. A
organização da Guarda Nacional seguirá a rede de apoios e alianças nos municípios, cabendo
o comando dos batalhões e esquadrões aos chefes políticos municipais.
Estando a Guarda Nacional subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, é de se concluir que havia entre o governo federal e os situacionismos estaduais
uma relação de compromisso – como Victor Nunes Leal havia descrito em seu famoso
clássico sobre o assunto.143 Por um lado, a reserva em relação à análise de Leal, está no fato
de que, para um estado como Mato Grosso, onde a organização de uma força policial que
garantisse o monopólio da violência foi dificultada por sua escassez de recursos financeiros, a
Guarda Nacional funcionou como apoio fundamental para as vitórias eleitorais, pois o demos
coincidia com o efetivo em todo o Brasil, e nas lutas armadas, fornecendo homens para os
batalhões “revolucionários” dos coronéis.
Por outro lado, o que corrobora este ponto de vista, para um indivíduo que desejasse
ingressar na vida política, pelo menos em Mato Grosso, a Guarda Nacional era passagem
obrigatória. É por isso que, entre 1889 e 1918 (ano em que a Guarda Nacional foi
oficialmente extinta), todos os presidentes do estado, com exceção de seis, eram coronéis da
143 LEAL, op. cit.
52
milícia cidadã. Este fato demonstra a pressão que ela exercia sobre as eleições e sobre as lutas
armadas no estado, pois o último movimento armado que envolveu situacionismo e oposição
aconteceu em 1916, durante a “Caetanada”, no governo de Caetano Manuel de Faria
Albuquerque (1915-1917), e que culminou com a intervenção federal em 1917. Após 1918, a
solução de impasses eleitorais passou a ser negociada.
Portanto, essas novas pressões, com peso demasiado dos interesses locais na vida
política nacional marcará a política brasileira durante a Primeira República (1889-1930),
constituindo-a em uma figuração específica. Se nos primeiros anos do novo regime o peso dos
interesses locais gerou incertezas, pois estes não tinham sido ainda “disciplinados”, a “política
dos governadores”, instituída durante o governo Campos Sales (1898-1902) para despolitizar
o Executivo Federal, trouxe estabilidade à República, legitimando o exercício do poder
oligárquico nos estados – exercício este que cada vez menos necessitava da anuência do
demos através da prática democrática do voto,144 o qual era cada vez mais excluído e/ou
controlado por mecanismos fraudulentos ou o uso de instrumentos como a Guarda Nacional.
Foi o federalismo que possibilitou o controle da vida política nacional pelos poderes locais,
retirando do centro político nacional a capacidade de gerar atores políticos legítimos.
É a essa nova figuração que chamo de coronelismo.
144 LESSA, op. cit.
2 A Guarda Nacional e sua força “eleiçoeira”
Se, por um lado, o federalismo aumentou o peso dos poderes locais na política
nacional, por outro, a Guarda Nacional legitimou o exercício dessas influências políticas nos
municípios, e, por extensão, nos estados – transformando-se em um vetor145 ou canal de
socialização e fortalecimento de uma cultura política fundada no personalismo e no
patrimonialismo. A nomeação e/ou promoção de oficiais para postos e cargos da milícia
cidadôa ou cidadã, como também era chamada, configurou-se numa prática de
reconhecimento dos aliados políticos, da mesma forma que as demissões e/ou punições, como
práticas aplicadas contra a oposição, num meio de afastar os inimigos do exercício do poder.
A falta de referências acerca da Guarda Nacional e sua importância durante a Primeira
República devem-se, como foi mencionado na introdução, a autores os quais, tais como Maria
Isaura Pereira de Queiroz146 e Eul-Soo Pang,147 enfatizam a influência política local baseado
na chefia da parentela ou das oligarquias familiares, excluindo qualquer importância que
pudesse ser atribuída a instituições cujo acesso era controlado pelo Estado central, como meio
de legitimar politicamente o exercício do poder local, seguindo a tradição “feudalista” de
Nestor Duarte148 e Oliveira Viana.149
Estas análises chegaram a influenciar memorialistas mato-grossenses, como foi o caso
de Lenine de Campos Póvoas no livro O Ciclo do Açúcar e a Política de Mato Grosso no qual
afirma que “o título de Coronel era dado geralmente a uma pessoa que atingia a certa idade,
destacada posição social e, por vezes, ostentava sólida situação financeira” sendo antes “um
sinal de respeito e da estima que lhe votavam os seus concidadãos.” E mesmo notando que
“esses postos vinham desde Tenente, passando por Capitão, Major, Tenente-Coronel e
145 BERSTEIN, Serge, op. cit., p 356. 146 QUEIROZ, op. cit. 147 PANG, op. cit. 148 DUARTE, op. cit. 149 OLIVEIRA VIANA, op. cit.
54
Coronel, conforme a idade e a projeção social que ia granjeando, com o decorrer dos anos,”150
Póvoas, num sinal de pesquisa muito pouco aprofundada, não foi capaz de ligar estas patentes
à existência da Guarda Nacional.
Quando foi criada, pela lei de 18 de agosto de 1831, a Guarda Nacional permitia
(enquanto instituição adaptada do modelo liberal francês – tornando, assim, realidade as
aspirações dos liberais da “nação em armas”151) uma democratização do acesso ao seu
oficialato. Como força concebida para defender “a Constituição, a Liberdade, a
Independência, e a Integridade do Império”, bem como “manter a obediência às leis,
conservar, ou restabelecer a ordem e a tranqüilidade publica e auxiliar o Exército de Linha na
defesa das fronteiras e costas”152, a milícia cidadã manteve, até 1850, o estatuto democrático
herdado da sua congênere européia.
Mas como o Brasil possuísse uma estrutura social que fosse de encontro com a da
francesa do mesmo período, sua reforma em meados do século XIX deixou evidente na
corporação os traços da sociedade brasileira da época, que, nos dizeres de José Murilo de
Carvalho, era hierarquizada “pela escravidão, pela cor, pelo sexo, pela ocupação, pela
educação.”153
Até 1850, o oficialato era preenchido democraticamente pelo voto de seus integrantes
– ou seja, todo cidadão livre com idades entre 21 e 60 anos.154 A influência francesa tendia
para “um igualitarismo racial e social numa quebra do status quo”155, o que contrariava os
pilares sobre os quais descansava o Império. Em verdade, pelo fato de a Guarda Nacional de
1831, com seu caráter democrático, permitir a coexistência de negros e brancos, levava os
temores de uma ascensão social impensável, pois um ex-cativo, se eleito como oficial, poderia
comandar seu ex-senhor.156
No entanto, com a Lei n. 602, de 19 de setembro de 1850157, que a reformou, seu
oficialato passou a se aristocratizar. Segundo artigo 9.º §§ 1.º e 2.º, eram alistados para os
serviços da Guarda Nacional os cidadãos brasileiros com idades entre 18 e 60 anos e aqueles
150 PÓVOAS, Lenine C. O Ciclo do Açúcar e a Política de Mato Grosso. 2ed. Cuiabá: IHGMT, 2000, p. 53. 151 CASTRO, Jeanne Berrance de. A Guarda Nacional. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de & CAMPOS, Pedro Moacyr (dir.). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 275. 152 Id., ib., p. 277. 153 CARVALHO (2005c), op. cit., p. 181. 154 CASTRO, op. cit., p. 278. 155 Id., ib., p. 279. 156 Id., p. 282-284. 157 IMPERIO DO BRAZIL. LEI N. 602, DE 19 DE SETEMBRO DE 1850. Dá nova organisação á Guarda Nacional do Imperio. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=80189>. Acesso em: 25/mai./2008.
55
que, estando dentro desta faixa-etária e sendo filhos-famílias, possuíssem em suas respectivas
famílias renda superior a 200 mil réis divididas entre seus membros.
Outra inovação se referia à vitaliciedade do seu oficialato, previsto em seu art. 71. O
governo a havia previsto em 1832, mas as influências partidárias nas províncias conseguiram
alterar as medidas imperiais. Com a lei de 1850, a questão se resolvia, e por duas razões: por
um lado, tratava-se de um mecanismo de proteção da milícia, resguardando-a das mudanças
de governos; por outro, havia um cunho econômico, já que as nomeações e posses de patentes
rendiam muito aos cofres públicos.158
E esse fator econômico era levado em consideração, ainda mais quando se observa
que, sendo gratuitos os serviços prestados pela Guarda Nacional, e suas patentes pagas,
geravam uma forma de renda para o Estado imperial, o qual economizava na manutenção de
uma força policial profissional e permanente, pois encontrava na milícia um instrumento de
manutenção da ordem bastante eficaz e barato. Entre os anos fiscais de 1866-1867 e 1868-
1869, por exemplo, chegou-se a arrecadar cerca de 114:000$000 (cento e quatorze contos de
réis).159
Mas a principal modificação ocorreu nos meios de acesso ao seu oficialato. Abolido o
sistema democrático que caracterizou seus primeiros anos, optou-se pela nomeação com
indicações sempre influenciadas pelas divisões político-partidárias do mundo político da
época. O que continuaria após a Proclamação da República. Perdia-se, com isso, seu caráter
municipalista dos primeiros anos, subordinando a força diretamente aos presidentes de
província e, acima destes, ao Ministério da Justiça, que atuava, a partir de então, de maneira
absoluta, sem as intermediações locais. 160
O golpe final, que descaracterizaria a organização inicial da milícia, foi dado com a
Lei 2.395, de 10 de setembro de 1873. Com a nova reforma, desmobilizava-se a Guarda
Nacional, tornando seus serviços necessários apenas em momentos de maior comoção
nacional, ou na defesa interna e externa da nação, segundo julgamento das autoridades
provinciais e, em maior instância, imperiais. Os guardas nacionais ficavam obrigados apenas a
uma reunião anual.161
O período compreendido entre 1850 e 1918 (quando foi extinta legalmente; ou 1922,
quando desapareceu por completo) marca a transformação da Guarda Nacional em milícia
eleiçoeira. Foi quando a milícia se impregnou efetivamente das influências políticas, apesar
158 CASTRO, op. cit., p. 282. 159 Id., ib., p. 285. 160 CASTRO, op. cit., p. 282. 161 Id., ib., p. 298.
56
das medidas contrárias, e passou a ser utilizada para fins eleitorais – o que se tornaria muito
mais agudo a partir de 1889, já na República.
É importante anotar que, para a província de Mato Grosso, durante décadas, a Guarda
Nacional teve o importante papel de manutenção da ordem pública, além de serviços na
vigilância das fronteiras e na defesa externa. Durante a campanha militar contra a República
do Paraguai (1864-1870), a Guarda Nacional teve importante papel na defesa da capital, que
ficou por conta, em 1865, do 3.º batalhão, estacionado nas colinas do Melgaço (antiga
sesmaria onde hoje está a cidade de Barão de Melgaço), sob o comando de Augusto Leverger,
para barrar qualquer tentativa de avanço paraguaio contra Cuiabá.162 Como agradecimento à
iniciativa de Leverger, em 1866, o Imperador concedeu ao velho bretão o título de barão de
Melgaço.
São comuns os comentários nos relatórios dos presidentes da província de Mato
Grosso acerca da atuação policial da Guarda Nacional. Em 1863, por exemplo, o conselheiro
Herculano Ferreira Penna informava em seu relatório a dispensa, por ordem do governo
imperial, dos guardas nacionais, cujos vencimentos eram “pagos por conta do Ministerio da
Guerra”, do serviço de policiamento nas vilas de Poconé e Diamantino. Naquele mesmo ano,
informava que “achando-se reduzida a Força de linha existente na Capital a ponto de não
poder ter a menor folga do serviço da Guarnição”, determinou que, gratuitamente, “a Guarda
Nacional passasse a fazê-lo nos domingos de conformidade com a disposição do art. 86 da Lei
de 19 de Setembro de 1850.”163
Não faltaram evidentemente as influências políticas locais em sua estrutura – como o
demonstrou o já citado relatório apresentado por Augusto Leverger em 1866. Estas
influências locais foram responsáveis pela completa desorganização da milícia na província, o
que, em grande medida, justificam as reformas efetuadas pelo governo imperial, em 1850 e
1873.
O coronel João José da Costa Maciel, então presidente da província, reclamava, em
maio de 1850 (portanto, antes da Lei n. 602 daquele ano), do mau estado a que havia chegado
a força,
o que he devido ás frequentes e annuaes reformas que tem soffrido na sua officialidade em virtude de leis provinciaes sanccionadas contra a explicação
162 LEVERGER, Augusto. Oficio reservado de 11 de Março de 1865 do Chefe de Esquadra Augusto Leverger ao Presidente da Província, Alexandre Manoel Albino de Carvalho. (Manuscrito). Arquivo Público de Mato Grosso, Lata 1865 A. 163 PENNA, Herculano Ferreira. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso pelo exm.o conselheiro Herculano Ferreira Penna, em 3 de maio de 1863. Cuiabá: Typ. do Matto-Grosso, 1864, p. 11-12.
57
do aviso do ministerio do imperio de 4 de novembro de 1843, que declarou á presidencia que a assembléa provincial nada podia legislar ou reformar sobre a guarda nacional por não ser dos objectos de sua competencia, especificados nos arts. 10 e 11 do acto adicional.
Eram os poderes locais, quase inalcançáveis pelo Estado imperial nas províncias. Segundo
consta no relatório do mesmo presidente, o resultado era a falta de disciplina da força que,
anteriormente, “tinha chegado nesta província a hum alto gráo.”164
Contudo, é notável o crescimento do número de guardas nacionais qualificados para o
serviço ativo ou da reserva. Entre 1852 e 1878, o efetivo total passou de 3.643 para 7.082, no
caso do serviço ativo; e de 620 para 2.536, da reserva.165 Um crescimento de 194,4% e
409,0%, respectivamente. Em 1876, o total de guardas no serviço ativo já chegava a 7.075, e
o da reserva, 2.382166. Não há dados sobre o número de guardas nacionais posteriores à
proclamação da República para Mato Grosso, no entanto, estes últimos números somados
representavam 13,16 % da população livre (homens e mulheres), baseado no Censo de 1872,
que constava como sendo de 53.750167. Infelizmente, não existem referências a respeito do
eleitorado anteriores a 1881, quando foi aprovada a Lei Saraiva que reduziu o número de
eleitores a 0,8% da população nacional. No entanto, os 13,16 % são condizentes com o
percentual da população livre que votava em todo o Brasil, à época.168 Ainda mais quando se
leva em consideração que a população votante, ou o demos, deveria ser também qualificada
para a Guarda Nacional, conforme art. 9.º, § 1.º da lei de 1850.
A organização da Guarda Nacional também oferece muitas informações a respeito de
seu uso político. Em 1876, durante o governo do conservador Hermes Ernesto da Fonseca, em
Mato Grosso, a milícia esteve organizada por comarcas. Deste modo, eram seus comandos
superiores a cidade de Cuiabá, a Vila do Diamantino, a Vila do Rosário, a cidade de Poconé, a
cidade de São Luiz de Cáceres, a cidade de Mato Grosso (Vila Bela da Santíssima Trindade),
a Vila de Santa Cruz de Corumbá, a Vila de Miranda e a Vila de Santana do Paranaíba.169
164 PIMENTEL, João José da Costa (CORONEL). Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Mato Grosso na abertura da sessão ordinaria em 3 de maio de 1850, pelo exm. sr. presidente da provincia, coronel João José da Costa Pimentel. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1850, p. 7. 165 LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia de Mato Grosso, o capitão de mar e guerra Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 3 de maio de 1852. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1853, p. 10; e PEDROSA, João José. Relatorio com que o exm. snr. dr. João José Pedrosa, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.ª sessão da 22.ª legislatura da respectiva Assembléa no dia 1.º de novembro. Cuyabá: Typ. do Liberal, 1878, p. 60. 166 FONSECA, Hermes Ernesto da. Mappa demonstrativo da Guarda Nacional do serviço activo da Provincia de Matto-Grosso. In: ______, op. cit., (Anexo n. 3 – Guarda Nacional). 167 IMPERIO DO BRAZIL. DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Recenseamento Geral do Império de 1872. Rio de Janeiro, Typ. Leuzinger / Tip. Commercial, 1876, p. 46. (Mato Grosso, 21). 168 CARVALHO (2005a), op. cit., p. 39. 169 FONSECA, op. cit.
58
Em 1878, com a mudança na situação política, foram declaradas “nullas diversas
nomeações de officiaes, como contrarias á disposição da mencionada Lei de Setembro de
1873”, além de serem “reintegrados no exercicio de seus postos” o tenente-coronel Antonio
Romualdo da Silva Pereira, chefe do Estado-maior do Comando Superior; o tenente-coronel
Francisco Xavier Castello, comandante do 8.º batalhão de infantaria; o tenente-coronel Andre
Gaudie Nunes, comandante do 5.º batalhão de infantaria; e o tenente coronel José Leite
Galvão, no do 1.º batalhão da reserva.170
No ano seguinte, o mesmo presidente da província anunciava a reorganização da
Guarda Nacional em Mato Grosso em três comandos superiores: o 1.º Comando Superior
abrangendo as comarcas de Cuiabá e Alto Paraguai Diamantino; o 2.º, as de Corumbá,
Miranda e Santana do Paranaíba; e o 3.º, a de São Luiz de Cáceres.171 A única mudança nesta
organização ocorreria em 1884, quando, ainda durante a hegemonia liberal, o 1.º Comando
Superior da capital, que compreendia as comarcas de Cuiabá e do Alto Paraguai Diamantino
foi dividido entre essas duas mesmas comarcas, ficando a Guarda Nacional com quatro
comandos superiores.172 Esta organização parece ter continuado até fins do Império, conforme
pode ser observado no relatório do coronel Francisco Raphael de Mello Rêgo, datado de
1888173, alcançando a República, pois, em 1893, seria criado mais um comando superior na
comarca de Nioaque, cujo comando recairia sob o chefe político do Partido Republicano e
“amigo” dos correligionários cuiabanos na região: o coronel João Ferreira Mascarenhas,
“prestigioso chefe politico naquelle municipio.”174
É importante lembrar que, em 1893, os membros do Partido Republicano já haviam
depurado a política local, afastando do cenário político todos os membros do Partido Nacional
– derrotados em luta armada, em 1892, pelo coronel Generoso Ponce. Era, pois, necessário
garantir a hegemonia política naquela região – aliás, bastante afastada de Cuiabá, o centro
político de Mato Grosso –, além de legitimar na chefia política um “amigo”, alguém que havia
tomado parte da “Revolução de 1892” ao lado de Ponce175.
170 PEDROSA (1878), op. cit., p. 60. 171 Id. (1879), op. cit., p. 163. 172 D’EÇA, Manuel de Almeida da Gama Lobo Coelho (BARÃO DE BATOVY). Relatorio com que o exm. sr. general barão de Batovy, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.ª sessão da 25.ª legislatura da respectiva Assembléa no dia 1.o de outubro de 1884. Cuyabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1884, p. 27-28. 173 RÊGO, Francisco Raphael de Mello. Relatorio com que o exm. sr. coronel Francisco Raphael de Mello Rego, presidente da provincia, abrio a 27.ª sessão da Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso em 20 de outubro de 1888. Cuyabá: Typ. da “Situação,” 1888, p. 15-16. 174 GUARDA Nacional. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 29 de outubro de 1893, n. 708, p. 2. 175 MENDONÇA, Rubens de. MASCARENHAS, João Ferreira. In: ______. Dicionário biográfico mato-grossense. 2 ed. Goiânia: Editora Rio Bonito, 1971, p. 95.
59
A organização definitiva da Guarda Nacional, em Mato Grosso, apenas se daria em
1897, quando o governo federal, por meio do Decreto n. 2.697, de 3 de dezembro daquele
ano, instituiu apenas um comando superior, sendo subordinados a este nove brigadas de
infantaria, com 27 batalhões do serviço ativo e nove da reserva; duas brigadas de artilharia,
com 2 batalhões; e quatro esquadrões de cavalaria, com oito regimentos – todos distribuídos
pelas comarcas de Cuiabá, Livramento, Rosário, Diamantino, São Luiz de Cáceres, Corumbá,
Santana do Paranaíba, Miranda e Nioaque.176
Esta divisão de brigadas e esquadrões coincide com a das seções eleitorais, que
respeitavam os limites das comarcas – como na época do Império. O que reforça a hipótese de
que a preocupação em organizar a milícia cidadã tinha um fundo puramente eleitoreiro – até
porque a última apresentação pública da Guarda Nacional se deu, em Cuiabá, no ano de 1890,
para a “grande parada no dia 15 de Novembro, anniversario da consagração da Patria
Brasileira”, tendo que se apresentar “os officiaes convenientemente uniformisados e os
guardas com uniforme pardo”, devido à “ordem do General de Divisão Governador do
Estado.”177
Havia ainda outra razão para a organização da Guarda Nacional em apenas um
comando superior, sediado na capital do estado de Mato Grosso. Com a Proclamação da
República, e abandonado o rígido centralismo que caracterizou o regime monárquico
brasileiro, o poder passou a ser exercido pelos partidos únicos estaduais (os Partidos
Republicanos), o que, no caso de Mato Grosso, significava centralizar a política em Cuiabá.
Sem a anterior influência dos presidentes de província, por meio dos quais o partido
situacionista, a partir do Rio de Janeiro, influenciavam na política provincial, a polis mato-
grossense ficava livre para gerir as influências políticas nas comarcas do estado por
intermédio das nomeações da Guarda Nacional.
Deve-se, também, levar em consideração o capital político, gerado, dentro do campo
político, na distribuição desigual “dos instrumentos de produção de uma representação do
mundo social explicitamente formulada”, o que é também uma forma de capital simbólico, ou
seja, um
crédito firmado na crença e no reconhecimento ou, mais precisamente, nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa – ou a um objecto – os próprios poderes que eles lhes reconhecem. […] O
176 BRAZIL. DECRETO N. 2.697, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1897. Reorganiza a Guarda Nacional do Estado de Matto Grosso. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1897. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 898. (Partes 1 e 2) 177 GUARDA Nacional: ordem do dia. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de Outubro de 1890, n. 66, p. 3.
60
poder simbólico é um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce, um crédito com que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que ele lhe confia pondo nele a sua confiança. É um poder que existe porque aquele que lhe está sujeito crê que ele existe. […] O kred, o crédito, o carisma, esse não-sei-quê pelo qual se tem aqueles de quem isso se tem, é o produto do credo, da crença da obediência, que parece produzir o credo, a crença, a obediência.178
Assim, fazer parte da Guarda Nacional conferia ao indivíduo esse reconhecimento
político. É por isso que, durante o período republicano e mesmo antes, durante o Império, as
trajetórias políticas em Mato Grosso tinham na milícia cidadã uma passagem obrigatória, pelo
menos até 1918 – sendo possível estender a outros estados, pois a invocação da patente de
coronel ocorreu em todo o Brasil. Portanto, ser tenente, capitão, major, tenente-coronel ou, no
topo da pirâmide, coronel representava o acúmulo de capital político, dessa autoridade, desse
crédito.
Neste sentido, o posto de comandante superior representava a chefia política
reconhecida e legitimada em todo estado, e, conseqüentemente, os comandos das brigadas e
regimentos corresponderiam à chefia nas comarcas, e os de batalhões e esquadrões nos
municípios e paróquias, numa escala hierárquica que ia do nível paroquial e municipal ao
estadual.
Isto explica, já na República, as sucessões de comandantes do comando superior da
Guarda Nacional da capital e, após 1897, do estado de Mato Grosso – numa continuidade do
que acontecia durante o Império. Apenas como exemplo, entre 1889 e 1906 o comando
superior trocou de mãos por três vezes. Durante o governo do general Antônio Maria Coelho,
exerceu o comando superior da capital o tenente-coronel José Joaquim Graciano de Pina. A
16 de agosto de 1890, no auge da conturbada disputa entre os partidos Nacional e
Republicano, e como um claro apoio do chefe do governo provisório o marechal Deodoro da
Fonseca aos republicanos, foi nomeado o coronel Generoso Ponce para o exercício do
respectivo comando superior, que apenas o assumiu em fevereiro de 1891 – depois da
demissão de Antônio Maria do cargo de governador do estado. Seu comando no posto seria
interrompido temporariamente em 1897, por causa da incompatibilidade entre a Guarda
Nacional e sua situação como senador da República, conforme informou em Ordem do Dia n.
11, de 5 de abril daquele ano, assumindo o comando interinamente o coronel Antônio Leite de
Figueiredo, aliado político.179 Sua demissão do cargo só ocorreu em 1899, depois de ser
derrotado em armas pelo coronel Antônio Paes de Barros. Derrota esta que obrigaria Ponce a
178 BOURDIEU, op. cit., p. 187-188. 179 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de Abril de 1897, n. 1.116, p. 4.
61
se afastar da chefia política no estado até 1906, quando, também com a ajuda de um
movimento armado que ficou conhecido como “Revolução de 1906”, derrotou Antônio Paes
de Barros, assassinando-o em julho daquele ano.
Em específico, havia um claro reconhecimento da chefia política de Generoso Ponce
em Mato Grosso, desde a época do Império, quando ainda pertencia ao Partido Liberal.
Durante a República, ele próprio tomaria a iniciativa da fundação do Partido Republicano,
cuja reunião de convocação para a formação da agremiação política aconteceu em sua
residência.180 Sua chefia foi enfatizada logo após sua vitória armada sobre os membros do
Partido Nacional (na “Revolução de 1892”), quando houve, em reconhecimento a sua
liderança política e em “tributo de gratidão”, o propósito de se erguer uma estátua em sua
homenagem.181 O intento não foi adiante. Contudo, sabe-se que os seus amigos ofereceram
duas telas pintadas a óleo encomendadas ao pintor correntino José Maria Hidalgo: uma
tratava-se do seu retrato eqüestre, denominada O Coronel; a outra, A reposição da legalidade,
das tropas e oficialidade reunidas no largo da Matriz (atual Praça da República) logo após o
Te Deum, em maio de 1892.182
Levando para o nível local tem-se, por exemplo, a votação que ocorreu em Santo
Antônio do Rio Abaixo a 22 de outubro de 1893 por ocasião da morte no dia 14 do mesmo
mês do chefe político do Partido Republicano local, o comendador Joaquim José Paes de
Barros – pioneiro no uso da máquina a vapor para o fabrico de derivados da cana-de-açúcar.
A região do rio Cuiabá Abaixo concentrava a produção açucareira de Mato Grosso, e era onde
os Paes de Barros mais possuíam propriedades e usinas de açúcar, e, naturalmente, grande
número de agregados e camaradas. A chefia política do velho usineiro se devia a esta
influência econômica e social.
Convocada por “alguns cidadãos dos mais influentes daquella localidade”, foram
escolhidos alguns dos principais nomes para o diretório a partir do qual foi eleito o novo chefe
político do partido. Por “votação unanime”, foram designados o tenente-coronel Antonio Paes
de Barros, o tenente-coronel Joaquim Paes de Barros (estes dois filhos do comendador
falecido), o major-fiscal Emiliano Angelo de Oliveira Pinto (sogro daquele primeiro), o
tenente Manoel Francisco d’Amorim, o tenente Manoel Francisco de Arruda Pinto, o capitão
João Pedro de Arruda, e o major Severo José da Costa e Silva.183
180 GAZETILHA. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 27de julho de 1890, n. 599, p. 1. 181 A ESTATUA do Coronel Ponce. In: O Matto Grosso, Cuiabá, 3 de setembro de 1893, n. 700, p. 3. 182 PONCE FILHO, op. cit., p. 122. 183 DIRECTORIO politico. In: O Matto Grosso, Cuyabá, 29 de outubro de 1893, n. 708, p. 1.
62
A presidência do diretório republicano na paróquia de Santo Antonio do Rio Abaixo
recaiu sobre o major Severo José da Costa e Silva. E muito embora a patente de major fosse
inferior a de tenente-coronel, sua nomeação se justificava pelo fato dele já ter exercido, em
1891, o comando interino do 3.º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional em Santo Antônio
do Rio Abaixo,184 subindo de posto, um ano depois, quando assumiu o comando do 7.º
Batalhão da Reserva da mesma paróquia, já com a patente de tenente-coronel.185
Quanto aos filhos do comendador e usineiro Joaquim José Paes de Barros, o mais
provável era que tenham sido preteridos na votação por nunca terem exercido, até aquele
momento, nenhum posto de comando dentro da estrutura da Guarda Nacional, o que
ocorreria, no caso do então tenente-coronel Antonio Paes de Barros, ou Totó Paes, somente
um ano depois, quando assumiria o comando do 2.º Corpo de Cavalaria da comarca de
Cuiabá, na paróquia de Santo Antônio do Rio Abaixo186. Também não há registros de que
tenham se desentendido a respeito da escolha do diretório, o que denota o reconhecimento dos
herdeiros de Joaquim José Paes de Barros da chefia política de Severo José da Costa e Silva.
Esta ênfase na chefia individual revela um culto à personalidade, ou aquilo que Sérgio
Buarque de Holanda tão bem definiu a respeito de colonizadores ibéricos como “vontade de
mandar e a disposição para cumprir ordens.”187 Assim, os postos de oficiais superiores e
inferiores e de guardas nacionais, ao que tudo indica, suscitam uma íntima relação entre os
comandantes e seus comandados, e, respectivamente, um reconhecimento de quem manda e
de quem obedece, reproduzindo na milícia a hierarquia e a estrutura social da época.
Essa sociedade coronelística é, pois, fundamentada no patrimonialismo, numa
extensão do mando doméstico (patriarcal) para o mando público (patrimonial). É, segundo
Sérgio Buarque de Holanda, a herança da Antiguidade Clássica romana cujo núcleo familiar
dilatava-se até os escravos, mercê da qual os filhos se tornavam apenas membros livres,
subordinados ao pater-familias, ou patriarca. Herança que, recebida por espanhóis e
portugueses, foi, por estes últimos, transmitida ao Brasil.188 Paralelamente à sociedade de que
se trata aqui, a família, ou parentela189, alcança desde os parentes mais distantes até os
agregados, os funcionários das casas comerciais e os camaradas das fazendas, ou, como se
184 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 1.º de Dezembro de 1891, n. 246, p. 3. 185 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de setembro de 1894, n. 633, p. 2. 186 EDITAES. Guarda Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de novembro de 1894, n. 661, p. 3. 187 HOLANDA, op. cit., p. 11. 188 HOLANDA, op. cit., p. 49. 189 QUEIROZ, op. cit.
63
pôde observar, aos comandados nos batalhões e companhias da Guarda Nacional – não se
limitando ao simplesmente doméstico como o entenderam autores ligados à tradição
“feudalista” da historiografia nacional.
Deste modo, torna-se representativo da cultura política desta sociedade apoiada no
exercício do poder de um coronel o já citado retrato eqüestre de Generoso Ponce, pintado a
partir de uma fotografia, provavelmente, entre 1893 e 1894. Há registros de que o autor, José
Maria Hidalgo, esteve em Cuiabá no início da década de 1890, como consta em anúncio de
1890190 e no lançamento de impostos sobre indústria e profissões de 1892,191 ambos
publicados na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso.
O quadro original, que seu filho Generoso Ponce Filho exageradamente descreveu
como “quase em tamanho natural”, encontrava-se na sala de visita da casa de residência do
coronel Generoso Ponce, em Cuiabá, figurando ao fundo, pendurado destacadamente na
parede entre dois espelhos do tipo toucador e dois quadros menores; ao centro posa dona
Marianinha, segurando com ambas as mãos um leque fechado, em uma postura altiva, de
senhora absoluta do lar e esposa dedicada ao marido – o qual, na fotografia aparece sobre sua
cabeça, parece reafirmando a hierarquia social da época que colocava o homem como a
cabeça da casa. Ainda na sala, de teto forrado e piso de ladrilho, disposto em círculo, um
belíssimo mobiliário entre cadeiras e sofás, tendo ao centro um tapete de pele de onça, que,
simbolicamente, na residência deste chefe político local, reduz o maior felino das Américas,
particularmente do Pantanal mato-grossense, a um adorno doméstico. Domesticado tal qual a
política nas mãos do coronel Ponce.
A fotografia, que foi publicada, em 1952, na biografia de autoria de seu filho em
homenagem ao centenário de nascimento do pai coronel, mede 15,0x10,5 cm e está impressa
em papel couchet tendo abaixo os seguintes dizeres: “Dona Marianinha. Em sua sala de
visitas, em Cuiabá, a espôsa dedicada, a corajosa companheira de Ponce, em suas lutas.”192
(ver Fig. 1)
190 A PEDIDOS. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 25 de agosto de 1890, n. 603, p. 4. 191 COLLECTORIA das rendas do Estado – Lançamento de impostos. In: Gazeta Official do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 11 de Outubro de 1892, n. 336, p. 4. 192 PONCE FILHO, op. cit., p. 286.
64
Fig. 1 – Dona Marianinha.
65
Fig. 2 – O Coronel Ponce.
66
A única referência mais completa deste quadro é uma fotografia em preto e branco
medindo 14,5x10,5 cm impressa em papel couchet que, como a fotografia de dona
Marianinha, também foi publicada na mesma biografia, trazendo abaixo da imagem o
seguinte texto: “O Coronel Ponce. Generoso Ponce, montando o seu famoso ‘Crioulo’,
quando passa em revista as fôrças patrióticas vencedoras, depois da entrada triunfal de 7 de
Maio. Quadro do pintor espanhol José Hidalgo, quase em tamanho natural.”193 (ver Fig. 2)
Para dar cor ao retrato em preto e branco baseio-me nos decretos n. 1.167 de 1890, n.
1.087 de 1892 e n. 1506 de 1893 que regulamentaram o plano de uniformes da Guarda Nacional
na República.194
No retrato eqüestre, Ponce se encontra aparatosamente fardado e montado em um cavalo
preto – que segundo seu biógrafo trata-se do “Crioulo” –, passando em revista as forças patrióticas
por ele comandadas na “Revolução de 1892.” Entretanto, o enquadramento, o fundo em branco,
ou vazio, e a cauda do animal (que quase alcança o chão, como um cavalo selvagem) levam a
acreditar que se trata de um cavalo de gabinete, e que a cena foi encomendada a um fotógrafo.
Corrobora com esta hipótese o anúncio do retratista correntino nos jornais de 1890, que “propõe-
se a tirar retratos a oleo e a crayon, bastando para isso que se lhe seja enviada uma photografia de
qualquer tamanho.”195
Contudo, o arreamento do animal é o previsto para o 1.º uniforme. A manta e a capelada
possuem galões com quatro cordões de ouro, além do emblema da Guarda Nacional com um
ramo de fumo e de café e um globo no centro, bordado a ouro. O peitoral, o rabicho, as rédeas, e a
cabeçada de um preto envernizado com rosetas de couro branco. Apenas a estrela dourada no
centro desta roseta, sobre um fundo escuro, destoa do que está especificado em lei, e que deveria
ser um globo de ouro.
Deve-se observar a postura de Ponce e seu gesto além de seu olhar que projetam para fora
do retrato uma sensação de cumprimento, de saudação, muito embora o coronel se encontre só na
cena. Seu cavalo parece marchar, mantendo uma pose de desfile, com pescoço arqueado, o que
valoriza a destreza do cavaleiro. Tem a postura do chefe militar comandando sua tropa,
193 PONCE FILHO, op. cit., p. 104. 194 BRAZIL. DECRETO N. 1.167, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1890. Approva o plano de uniformes feito para a Guarda Nacional da Capital Federal. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 534-5. (Partes 1 e 2); Id. DECRETO N. 1.087, DE 18 DE SETEMBRO DE 1892. Modifica o plano de uniformes para os officiaes do estado-maior do commando superior e das brigadas da Guarda Nacional da Capital Federal. In: ______. Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, p. 819. (Partes 1 e 2); e Id. DECRETO N. 1.506, DE 9 DE AGOSTO DE 1893. Altera o plano de uniforme da Guarda Nacional da Republica. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 534-5. (Partes 1 e 2). 195 A PEDIDOS, op. cit.
67
empunhando seu brioso uniforme de campanha – pois, trata-se do 3.º uniforme – aos seus
comandados. Onde ele está não há mais ninguém. Ele é absoluto.
É possível argumentar que se trata de um retrato por ele mesmo encomendado, fruto
da vaidade pessoal de alguém que alcançou a mais alta patente da Guarda Nacional. Mas,
trata-se de um retrato oferecido pelos amigos, como já foi mencionado, o que significa dizer,
que é o reconhecimento da autoridade por parte dos outros – daqueles que estão sendo
cumprimentados – da chefia política de Generoso Ponce. No caso, não se trata do herói
militar, pois a espada está na bainha, mas da representação de um autêntico chefe político. O
retrato justifica a imagem que durante muito tempo foi projetada da milícia cidadã que,
segundo Castro, era a “de uma força de oficiais sem soldados, de chefe políticos
aparatosamente fardados”196.
Além do mais, a cena e o gesto lembram muito o quadro A Proclamação da
República, de Henrique Bernardelli, concluído em 1892. É provável que o próprio Ponce, ou
algum de seus amigos, tenha tido contato com esta obra de propaganda republicana, que
procurava enfatizar a liderança de Deodoro da Fonseca no movimento que culminou com a
proclamação da República. Corrobora com esta suspeita o fato de Ponce, mesmo portando
uma espada, ter erguido o chapéu. No caso de Deodoro, a espada está ausente, por isso o boné
é empunhado. Certamente o coronel mato-grossense copiou o gesto, reafirmando seu feito
militar e comparando-o com a proclamação da República, pintada por Bernardelli.
Neste quadro, como afirma José Murilo de Carvalho, está presente o “deodorismo”
com seu ponto de vista “estritamente militar, corporativo”197, defendido por setores militares,
principalmente oficiais de altas patentes que lutaram na guerra contra o Paraguai, os
tarimbeiros, sem qualquer formação superior, desvinculados do grupo dos positivistas – cujo
núcleo era formado, no Exército, pelos oficiais de baixa patente ligados à Escola Militar,
particularmente, Benjamin Constant198.
Segundo Carvalho,
o quadro é totalmente dominado pela imagem eqüestre do marechal, que ocupa todo o primeiro plano. As outras figuras aparecem ao fundo e em postura secundária. Lá estão Benjamin Constant, em pé de igualdade com Quintino Bocaiúva, ambos a cavalo, e, a pé, Aristides Lobo. O estilo do quadro é o da clássica exaltação do herói militar, elevado sobre os comuns mortais montando fogoso animal. É a exaltação do grande homem vitorioso, fazedor da história. A ênfase personalista é ainda maior do que a do quadro de Pedro Américo sobre a proclamação da Independência. Aí a figura de Pedro I
196 CASTRO, op. cit., p. 298. 197 CARVALHO (1990), op. cit., p. 40. 198 Id. (1977), op. cit., p. 210.
68
aparece interagindo com várias outras. Há ação coletiva no quadro de Pedro Américo, ação que está ausente no de Bernardelli, talvez mesmo porque houvesse menor necessidade de afirmar o papel do primeiro imperador nos acontecimentos. Só falta ao quadro de Bernardelli a espada, o símbolo da ação militar. Mas a falta se deve certamente ao fato de ter Deodoro posado para o quadro. A 15 de novembro, ele não levava espada, apesar de depoimentos em contrário. Representá-lo erguendo a espada coruscante, como queria o major Jacques Ourique, seria violar por demais a verdade dos fatos. Já bastava a dúvida sobre o sentido do gesto de erguer o boné.199
A partir deste ponto de vista, é necessário levar outra questão em consideração: a afirmação
de uma versão dos fatos retratados. Primeiramente, por que o já mencionado fundo vazio
demonstra que, ao contrário do quadro de Deodoro, não era necessário sustentar nenhuma
versão sobre a verdade histórica dos fatos. Pelo menos por que não se ouviam, até aquele
momento, vozes discordantes da liderança e vitória no campo militar do coronel Ponce.
Depois, por ter se servido de uma fotografia, Hidalgo não teve a pretensão de retratar nada
que fugisse do que foi fotografado. Por isso o fundo branco e o cavalo de gabinete – o que,
comparativamente com fogoso cavalo do quadro de Bernardelli, não enfatiza o ato expresso
pelo cavaleiro que o conduz. Por fim, não há ação coletiva, nem mesmo nenhuma referência
topográfica que indique o lugar onde a ação se dá – no caso d’A Proclamação da República
tem-se ao fundo o Campo de Santana. A única referência é o chapéu que pode ser do
comando superior da Guarda Nacional da capital. Mas trata-se, sem dúvidas, de uma
representação do personalismo, encarnado pela figura eqüestre do coronel Generoso Ponce,
reconhecido e legitimado por seus amigos e correligionários.
Visto deste modo, poder-se-ia comparar o coronel deste período histórico do Brasil
com o caudilho – chefe político-militar das repúblicas hispano-americanas do século XIX.
Contudo, é preciso pontuar as diferenças.
Embora coronéis e caudilhos sejam expressões locais de exercício do poder e
encontrem na estrutura militar sua espinha dorsal,200 ambos estão histórica e geograficamente
separados. O fenômeno do caudilhismo faz alusão aos chefes militares dos exércitos que
lutaram pela independência das colônias da América espanhola. O caudilhismo tem como
marcos temporal os anos da consolidação da independência daquelas colônias, por volta de
1820, e o período das unificações nacionais já na década de 1860.201
Os caudilhos, líderes ou chefes locais, segundo Mabel Oliver, “valiam-se do seu
magnetismo pessoal na condução das tropas, que haviam recrutado geralmente nas áreas
199 CARVALHO (1990), op. cit., p. 40. 200 OLIVER, Mabel. Caudilhismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 156. 201 Id., ib.
69
rurais e mantinham como reses requisitadas, seja contra o ainda mal consolidado poder
central, seja contra os seus iguais, com o apoio dos senhores locais.” Exerciam, pois, um
“poder carismático, […] ao mesmo tempo de forma autoritária e paternalista, e retribuindo
com a adesão incondicional dos seus homens (e respectivas mulheres).”202
Entretanto, o caudilhismo foi encarado como um empecilho à unificação e à
construção de um Estado-Nação de fundo liberal, cedendo espaço, não sem lutas, aos
governos centrais, já na segunda metade do século XIX.203
Em relação ao coronelismo, enquanto figuração específica da Primeira República
brasileira, este está vinculado à existência da Guarda Nacional subordinada desde sua criação
ao Ministério da Justiça, ou seja, ao poder central, que nomeava e demitia seus oficiais –
muito embora se tratasse de uma forma de exercício do poder local, ou seja, em uma das
formas assumidas pelo mandonismo local ao longo da história do Brasil204.
Outra característica era a relação existente, no Brasil, entre os coronéis e outros
oficiais da Guarda Nacional com as eleições regulares. É esta relação que caracterizou a
Guarda Nacional como força eleiçoeira ou eleitoreira, ou seja, como instrumento utilizado
pelas facções políticos para a prática de manipulações eleitorais. E isso por meio das
composições das mesas eleitorais que eram responsáveis pelas atas de apuração dos votos.
Mas esse uso como instrumento de manipulação eleitoral não é originalidade da
Primeira República. Como vem sendo enfatizado neste capítulo, desde o Império os pleitos
eleitorais são fraudados, sendo apenas aperfeiçoada a despeito das legislações em sentido
contrário.
Em relação à questão eleitoral é necessário pontuar a influência do caráter eleiçoeiro da
Guarda Nacional durante o período aqui estudado. Nas eleições realizadas em Mato Grosso é
patente o alto índice de participação de oficiais superiores na organização das mesas eleitorais –
responsáveis pela condução do processo eleitoral nas seções, e, nestas, pelas atas das eleições.
Começando por 1897, durante o pleito que elegeu Campos Sales e Rodrigues Alves
para presidente e vice-presidente da República, respectivamente, de um total de 96 cidadãos
das mesas das dez seções da capital, 56, ou 53,33%, eram oficiais da Guarda Nacional.205
Em 1902, nas eleições para presidente e vice-presidente da República – momento de
consolidação da “política dos governadores” –, dos 68 cidadãos entre presidentes, membros e
suplentes das mesas das nove seções eleitorais da comarca da capital: 47, ou 69,11%, eram
202 OLIVER, op. cit., p. 156. 203 Id., ib., p. 157. 204 QUEIROZ, op. cit., p. 154. 205 EDITAL. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 10 de Abril de 1897, n. 1.117, p. 3-4.
70
oficiais; um, ou 1,48%, era general do Exército; e os outros 20 cidadãos restantes, ou 29,41%,
não indicavam possuir patente alguma.206
No ano seguinte, no pleito para deputados, senador ao Congresso Nacional e vice-
presidente da República, para as mesmas mesas das nove seções eleitorais, de um total de 74
cidadãos para os mesmos cargos acima citados, 46, ou 63,89%, são de oficiais da milícia
cidadã, o restante não informa possuir qualquer patente.
Em 1907, entre os nomes listados da 2.ª, 3.ª e 4.ª seções eleitorais para constituírem as
respectivas mesas eleitorais para as eleições para presidente e vice-presidentes do estado de
Mato Grosso, num total de 15 cidadãos, 11, ou 73,33%, apresentam patentes de oficiais da
Guarda Nacional.207
Nas eleições para presidente e vice-presidentes do estado, em 1911, dos 15 nomes
constantes na listas das mesas da 2.ª, 3.ª e 4.ª seções eleitorais do 1.º distrito da capital
publicadas pela Gazeta Official, todos eram oficiais da Guarda Nacional.208
No ano em que a Guarda Nacional foi extinta pela Lei, nenhum dos 25 nomes
indicados para comporem as mesas eleitorais apresentaram patentes.209
Levando-se em consideração apenas as patentes dos oficiais que constituíram as mesas
das seções eleitorais da comarca de Cuiabá nos pleitos acima citados, verifica-se um aumento
de algumas delas, como indica o quadro 1 com base nas mesmas eleições acima citadas:
Quadro 1 – Percentual das patentes de oficiais da Guarda Nacional que compunham as mesas das seções eleitorais da Comarca da Capital.
PATENTE 1897 1902 1903 1907 1911 1918 N.º % N.º % N.º % N.º % N.º % N.º % Coronel – – – – – – – – – – – – Ten.-Cel. 1 1,79 6 12,77 2 4,55 3 27,27 2 13,33 – – Major 10 17,86 8 17,02 5 11,36 – – 1 6,67 – – Capitão 18 32,14 26 55,32 23 52,27 8 72,73 11 73,33 – – Tenente 16 28,57 3 6,38 7 15,91 – – 1 6,67 – – Alferes 11 19,64 4 8,51 7 15,91 – – – – – – Total 56 100,00 47 100,00 44 100,00 11 100,00 15 100,00 – –
Fontes: As composições das mesas eleitorais foram publicadas na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, de Cuiabá, em “Edital”, a 10 de Abril de 1897, sob o n. 1.117, p. 3-4; em “Eleição para Presidente e Vice-Presidente da Republica”, a 12 de Fevereiro de 1902, sob o n. 1.857, p. 3; em “Editaes”, a 21 de fevereiro de 1907, sob o n. 2.612, p. 3; em “Eleições Estadoaes”, a 21 de fevereiro de 1911, sob o n. 3.228, p. 4; e em “Editaes”, a 14 de fevereiro de 1918, sob o n. 4.248, p. 5-6.
206 ELEIÇÃO para Presidente e Vice-Presidente da Republica. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de Fevereiro de 1902, n. 1.857, p. 3. 207 EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de fevereiro de 1907, n. 2.612, p. 3. 208 ELEIÇÕES Estadoaes. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de fevereiro de 1911, n. 3.228, p. 4. 209 EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 14 de fevereiro de 1918, n. 4.248, p. 5-6.
71
Nota-se que há uma concentração na patente de capitão. Isso se deve ao fato de ser esta a
maior patente dentro de cada companhia e/ou esquadrão de um batalhão. Assim, na medida em
que se tinha um número de batalhões equivalente ao das seções eleitorais, deduz-se que a maior
quantidade de capitães se deve a uma necessidade de se obter maior influência junto ao eleitorado
em cada mesa eleitoral. Isto explica a presença em menor peso de tenentes e alferes: patentes
inferiores e sem voz de comando num batalhão. Também chama a atenção a ausência completa de
coronéis nos dados levantados. Esta ausência se deve ao fato de que o indivíduo, ao atingir a
patente de coronel, preferisse se candidatar à deputação estadual ou à presidência do estado,
valendo-se da influência que a patente conferia a eles junto às respectivas companhias. E este
controle era fundamental. Por isso, próximo às eleições ou após as mudanças de situacionismos,
são comuns as nomeações de novos oficiais para os postos da Guarda Nacional em todo estado.
Em setembro de 1890, o então governador do estado de Mato Grosso, General
Antônio Maria Coelho, nomeou, “ex-of. da autorisação que lhe concede o artigo 49 da lei n.
602 de 19 de Setembro de 1850”, 21 oficiais para o 2.º Batalhão de Infantaria da Capital: três
para o estado-maior (um tenente-secretário, um tenente quartel-mestre e um tenente ajudante),
e 18 (seis capitães, seis tenentes e seis alferes) distribuídos em seis companhias.210 As
nomeações ocorreram alguns meses antes das eleições para a Assembléia Constituinte
Estadual de 1891, que se realizou, sob os cuidados de Antônio Maria, a 3 de janeiro.
Em julho de 1894, através de decretos do Ministério da Justiça, foram nomeados
oficiais para a maioria dos batalhões (inclusive estados-maiores) das comarcas de Cuiabá, S.
Luiz de Cáceres, Alto Paraguai Diamantino, Corumbá, Santana do Paranaíba e Miranda.211
Em complemento a estas, houve mais nomeações para a comarca de Santana do Paranaíba.212
Essas nomeações ocorreram a alguns meses antes das eleições para presidente e vice-
presidentes do estado e para a vaga de deputado federal que ocorreram no início de 1895,
elegendo, no caso destas últimas, pelo Partido Republicano, o Dr. Antônio Corrêa da Costa.
O mesmo acontece quando se observam as derrubadas de situacionismos durante as
“revoluções”. Assim, após a derrota do coronel Generoso Ponce para Antônio Paes de Barros,
em abril de 1899, por decretos de 9 e de 23 de setembro do mesmo ano, foram promovidos a
oficiais da Guarda Nacional 61 cidadãos nos 10.º, 11.º e 12.º batalhões de Infantaria, todos na
210 ACTO N. 337. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuyabá, 20 de setembro de 1890, n. 59, p. 1. 211 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de setembro de 1894, n. 633, p. 2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 6 de setembro de 1894, n. 634, p. 2; e GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de setembro de 1894, n. 635, p. 2. 212 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de setembro de 1894, n. 638, p. 3.
72
comarca do Alto Paraguai Diamantino.213 Em 1901, por decretos do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores datado de 22 de junho daquele ano, cerca de 400 novos oficiais foram
promovidos para os batalhões e esquadrões das comarcas de Cuiabá, Miranda, Nioaque, Santo
Antônio do Rio Abaixo, Corumbá.214 Assina como comandante superior interino da Guarda
Nacional do estado o coronel Antônio Paes de Barros.
As nomeações e promoções somente eram efetuadas por decreto do Ministério da
Justiça, mesmo quando eram realizadas sobre proposta dos respectivos comandantes das
companhias, batalhões ou brigadas. Neste sentido, é possível considerar que havia um
compromisso entre os governos estadual e federal. É este reconhecimento e apoio por parte do
governo central que fortalecia nos executivos estaduais os respectivos situacionismos nos
estados. Em troca, a política oficial no estado elegia candidatos fiéis ao governo federal –
tendo sob controle todo o processo eleitoral, desde a constituição das mesas eleitorais até o
reconhecimento dos vencedores, incluídas aí as degolas.
É a esta relação de compromisso e apoio recíproco entre situacionismos estaduais e
governo federal que se chamava “política dos governadores.” É claro que as manipulações das
nomeações e promoções da Guarda Nacional não significavam o controle total do processo
eleitoral. No entanto, o uso da milícia como instrumentos para esta finalidade era
fundamental, tendo em vista o volume de nomeações e promoções, e as situações em que
estas se davam. Por isso tantos coronéis foram eleitos como presidentes do estado, tendo-a
como passagem obrigatória em suas trajetórias políticas. Geralmente começavam no comando
de uma companhia, como capitães; depois como major de um batalhão ou esquadrão;
alcançando, pari passu com a sua ascensão política, a patente de tenente-coronel, no estado-
maior de uma brigada ou regimento; até finalmente alcançar a patente de coronel, quando já
eram considerados chefes políticos municipais ou do estado.
Foi assim com o coronel Generoso Ponce, sucedendo-o o coronel Antônio Paes de
Barros, depois o coronel Pedro Leite Osório, o coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa – que
213 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 18 de Novembro de 1899, n. 1512, p. 2. 214 GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 25 de Outubro de 1900, n. 1.654, p. 2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 3 de setembro de 1901, n. 1.987, p. 1-2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 5 de Setembro de 1901, n. 1.788, p. 2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de setembro de 1901, n. 1.789, p. 2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 10 de setembro de 1901, n. 1.790, p. 2; GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de setembro de 1901, n. 1.791, p. 2. A imprecisão nos números se deve à ilegibilidade de algumas linhas devido à destruição de partes do jornal.
73
não chegou ao comando superior, mas, aliado que era de Ponce conseguiu essa patente
provavelmente por sua atuação na “Revolução de 1906.”
Fica claro, deste modo, que a Guarda Nacional ajudou a fortalecer, como já foi dito,
uma cultura política baseada no personalismo e, por extensão, no patrimonialismo. Estimulou
da mesma forma a troca de favores, como se pode ver dos comprovantes de pagamento dos
emolumentos no valor de 100$000 (cem mil réis) de promoções da milícia em nome da casa
comercial Firmo & Ponce, da qual o coronel Generoso Ponce era sócio: o de alferes da 1.ª
Compnhia do 5.º Batalhão de Infantaria do cidadão Manoel José do Couto215; o de tenente da
3.ª Companhia do mesmo batalhão do alferes José Felippe da Cruz216; o de alferes da 5.ª
Companhia do mesmo batalhão do cidadão João José Rodrigues Fontes217; e o de tenente da
1.ª Companhia do 3.º Batalhão de Infantaria do alferes Antônio Francisco de Arruda Pinto218.
Quando a troca de favores não era o suficiente, os coronéis poderiam lançar mão da
coerção fundamentada na legislação de 1850. Em conformidade com circular do Ministério da
Justiça de agosto de 1903, o então coronel comandante superior interino Pedro Leite Osório
informava que, baseado no Chefe do Estado-Maior do Exército que, em julho de 1904,
ordenava
aos commandantes dos districtos militares, afim de serem os dos respectivos corpos [dos batalhões da Guarda Nacional] autorizados a receber nos estados maiores e menores os officiaes e inferiores da Guarda Nacional presos, quér disciplinarmente, quer por ordem de autoridade civil, correndo as despezas de alimentação dos primeiros por sua conta e as dos segundos por conta das caixas dos corpos a que pertencerem, quando se tratar de prisão disciplinar.219
Observa-se, deste modo, que a vida política local era dominada por estes potentados
locais que encontraram na estrutura militarizada da Guarda Nacional um meio de controle
eleitoral, transformando, deste modo, a competição eleitoral em um processo fraudulento,
cujos resultados podiam ser facilmente calculados, controlados e manipulados. É interessante
notar que foi a ênfase dada a essa manipulação do processo eleitoral característica do período
que mais alimentou o folclore coronelista no Brasil, fazendo crer que o exercício de poder
215 MATTO-GROSSO. THESOURARIA DA FAZENDA PROVINCIAL EM CUYABÁ. Comprovante de pagamento, n. 100. Cuiabá, 5 de maio de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E. 216 Id. Comprovante de pagamento, n. 101. Cuiabá, 5 de maio de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E. 217 Id. Comprovante de pagamento, n. 209. Cuiabá, 30 de julho de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E. 218 Id. Comprovante de pagamento, n. 240. Cuiabá, 19 de agosto de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E. 219 ORDEM DO DIA N. 16. In: Guarda Nacional. Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 6 de Outubro de 1904, n. 2261, p. 1-2.
74
fosse reflexo pura e simplesmente do predomínio sócio-econômico, e não do fortalecimento
de uma cultura política fundada no personalismo e no patrimonialismo, encontrando na
milícia cidadôa um vetor.
Faltam pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto, mas, a princípio, o fim da
Guarda Nacional parece estar envolto em um silenciamento. Faltam, nos jornais da época,
seus defensores. Seu fim parece ter sido perseguido por sua criação. Como esta se desse no
contexto de firmação política de uma elite civil face à suspeitosa classe militar em torno do
Exército, no conturbado momento da abdicação do primeiro Imperador do Brasil, D. Pedro I,
em 1831, na República essa suspeita tinha, há muito, se dissipado. Pelo contrário, as Forças
Armadas, em especial o Exército, haviam alcançado um prestígio imenso por causa da vitória
na campanha contra o Paraguai e, principalmente, após a proclamação da República. Em
1910, foi possível, inclusive, a eleição à Presidência da República de um militar, o marechal
Hermes da Fonseca (1910-1914) – o qual, apoiado por Minas Gerais, saiu-se vitorioso sobre o
civil Ruy Barbosa que, apoiado por São Paulo nas primeiras eleições realmente competitivas
da Primeira República, promoveu a primeira campanha dirigida ao demos.220
Em 1918, o golpe final na milícia. O Decreto n. 12.790, de 2 de janeiro de 1918,
declarava, em seu art. 27, a Guarda Nacional como Exército de 2.ª linha, o que significava
subordinar a milícia cidadã ao Ministério da Guerra.221 Com o Decreto n. 13.040, de 29 de
maio de 1918222, principalmente em seu art. 2.º, este ponto ficou mais claro. É possível
considerar esta atitude do Governo Federal como um meio de se preparar contra quaisquer
agressões estrangeiras. Apesar de aparentemente constituir uma força de defesa numerosa, a
milícia não teria condições – como tudo leva a crer – de enfrentar exércitos regulares e
profissionais, bem treinados no manejo de armamentos modernos, como aconteceu na I
Guerra Mundial (1914-1918).
Mas o impacto foi maior do que o esperado. O novo decreto mudava o seu
recrutamento, pois, conforme rezava seu artigo 3.º o Exército de 2.ª linha era “formado pelos
cidadãos que tenham concluido os nove annos de serviço no Exercito de 1ª linha e suas
220 CARVALHO, José Murilo de (2007). Os três povos da República. In: Programa de Pós-Graduação em História Social (UFRJ), Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/media/carvalho_povos_ republica.pdf>. Acesso em: 30/jul./2007, p. 16. 221 BRAZIL. DECRETO N. 12.790, DE 2 DE JANEIRO DE 1918. Approva as modificações feitas na lei n. 1.860, de 4 de janeiro de 1908, quanto á parte relativa ao alistamento e sorteio. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÃO. Disponível em: <www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action?id=47553>. Acesso em: 15/jul./2008. 222 Id. DECRETO N. 13.040, DE 29 DE MAIO DE 1918. Regulamenta o Exército Nacional de 2.ª Linha. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÃO. Disponível em: <www6.senado.gov.br/ legislacao/ListaPublicacoes.action?id=50908>. Acesso em: 15/jul./2008.
75
reservas, e pelos maiores de 30 annos e menores de 44 que, por qualquer circumstancia, não
estejam naquellas condições.” Isso alterou a maneira como se davam as promoções e
nomeações nos seus postos e patentes que, segundo o art. 7.º, era “condição indispensavel
para ser nomeado official do Exercito de 2ª linha ter o individuo prestado serviços no de 1ª
linha e sua reserva, consistindo a prova na apresentação da caderneta de reservista
perfeitamente authenticada, contendo o registro daquelles serviços.”223
Desta maneira, a Guarda Nacional – força militarizada formada por civis e até então
subordinada ao Ministério da Justiça –, controlada pelas influências locais e utilizada como
instrumento de manipulações eleitorais, passou às mãos militares. De outro modo, com a sua
transformação em força de 2.ª linha, a Guarda Nacional foi totalmente desmobilizada – como
ocorrera com a já citada lei 1873 –, sem, no entanto, permitir a existência dos oficiais sem
tropa, empunhando o seu pomposo uniforme.
O efeito do decreto de 1918, pelo menos no caso de Mato Grosso, pode ser observado
pelos ocupantes da presidência do estado a partir de 1918. Contando a partir do primeiro
presidente eleito do estado, em 1891, até 1918, com exceção dos dois interventores federais
nomeados entre agosto de 1917 e janeiro de 1918, foram presidentes: Manuel José Murtinho,
advogado, que governou de agosto de 1891 a maio de 1892 e de julho de 1892 a agosto de
1895; Antônio Corrêa da Costa, engenheiro, de agosto de 1895 a setembro de 1897 e
novembro de 1897 a janeiro de 1899; Antônio Pedro Alves de Barros, oficial da Marinha, de
agosto de 1899 a abril de 1900 e de agosto de 1900 a agosto de 1903; Joaquim Augusto da
Costa Marques, médico, de agosto de 1911 a agosto de 1915; Caetano Manoel de Faria e
Albuquerque, general do Exército, de agosto de 1915 a fevereiro de 1917; e coronéis da
Guarda Nacional, João Paes de Barros, que assumiu como vice de abril a agosto de 1900;
Antônio Paes de Barros, de agosto de 1903 a julho de 1906; Pedro Leite Osório, de julho de
1906 a agosto de 1907; Generoso Ponce, de maio a julho de 1892 e de agosto de 1907 a
outubro de 1908; e Pedro Celestino Corrêa da Costa, de outubro de 1908 a agosto de 1911.
São cinco coronéis num total de dez presidentes.
A partir de 1918, foram apenas dois, entre quatro presidentes, os que ocuparam o
governo do estado: os coronéis Pedro Celestino Corrêa da Costa e Estevão Alves Corrêa.
Aquele de janeiro de 1922 a outubro de 1924, e este último, como 1.º vice-presidente, de
outubro de 1924 a janeiro de 1926. Os outros três eram Dom Francisco de Aquino Corrêa,
bispo de Prusiade, de janeiro de 1918 a janeiro de 1922; o médico Mário Corrêa da Costa
223 BRAZIL. DECRETO N. 13.040, op. cit.
76
(sobrinho de Pedro Celestino, mas opositor ao tio) cujo governo foi de janeiro de 1926 a
janeiro de 1930; e, sucedendo-o, o advogado Aníbal Benício de Toledo, que tomou posse em
janeiro de 1930 e teve o governo interrompido por causa da Revolução de 1930.224
O fim da Guarda Nacional, em 1918, também influenciou para o fim das seqüências de
movimentos armados no estado – até então utilizado como estratégia da oposição para impor
sua posição política. Como será visto no capítulo seguinte.
224 FANAIA, op. cit., p. 92-97.
3 A força das armas: o coronelismo e as “revoluções” em Mato Grosso
Uma das mais impressionantes imagens da Primeira República em Mato Grosso é
quadro A reposição da legalidade, do já mencionado pintor José Maria Hidalgo. A pintura foi
concebida a partir de uma fotografia tirada no largo da Matriz, em Cuiabá, logo após o Te
Deum em celebração à vitória da força comandada pelo coronel Generoso Ponce sobre os
membros do Partido Nacional, em 1892.
A única referência da imagem, doada ao Instituto Histórico de Mato Grosso pela viúva
de Generoso Ponce, dona Marianinha, e hoje desaparecida, está publicada na mesma biografia
do coronel Generoso Ponce, de 1952. Com as dimensões de 10,5 x 16,5 cm, a imagem está
em preto e branco, trazendo abaixo os dizeres: “A reposição da legalidade em 1892. (Quadro
de José Hidalgo).” Perdem-se alguns detalhes; preservando, contudo, seus aspectos mais
importantes. (ver Fig. 3)
Em primeiro plano, à esquerda, em posição de destaque, o general de brigada
reformado Severiano de Cerqueira Daltro. Quase ao centro, pouco mais à direita, o coronel
Generoso Ponce. E, à direita, o general João de Oliveira Mello. Os três trajam sobrecasaca
azul ferrete, calças brancas, e botas, montando os três cavalos pretos. O primeiro comandante
da divisão, o segundo chefe supremo do “Exército popular Floriano Peixoto”225 e o último,
comandante do 1.º batalhão de infantaria daquela força. Os três trazem a espada coruscante
em riste. Formam o estado maior do exército.
Em segundo plano, quatro colunas de soldados: a primeira, empunhando espadas,
corresponde ao regimento de cavalaria; e as três últimas, com lanças nas mãos, às brigadas de
infantaria – as duas derradeiras destas ladeiam o cruzeiro do Largo da Matriz. Entre as
fileiras, e a cavalo, oficiais uniformizados. Ao todo são doze entre a cavalaria e a primeira
225 PONCE (1892a), Generoso Paes Leme de Souza. Administração do Exm. Sr. Coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce, 1.º vice-presidente: Manifesto aos meus concidadãos e ao paiz. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 17 de Maio de 1892, n. 273, p. 1.
78
Fig. 2 – A reposição da legalidade em 1892.
79
coluna da infantaria. Destes, à esquerda, fora do alinhamento da cavalaria, três deles saudam
com a espada erguida; à direita, oito portam lanças e, entre eles, montando um cavalo branco,
um toca um berrante de mesma cor. Entre as colunas subseqüentes quatorze cavaleiros,
também com lanças. E entre as duas últimas colunas, antes do cruzeiro, mais onze cavaleiros,
também com lanças. E entre todas as colunas é possível identificar crianças e homens sem
uniforme.
Ao fundo, à esquerda, o Quartel da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso e, à
direita, a Igreja Matriz, cercada por populares, em cuja soleira assiste a tudo o então bispo
Dom Carlos Luís D’Amour, ladeado por dois coroinhas. À direita da porta, a banda da polícia
militar. Mais ao fundo e à direita, o casario com seus beirais característicos das construções
coloniais do Brasil.
São mais de dois mil homens, armados com lanças e espadas, a pé ou a cavalo, e,
mesmo se tratando de uma fotografia posada, estão disciplinadamente enfileirados. A ordem
unida do “Exército popular Floriano Peixoto” dá a extensão do poder de mobilização dos
coronéis da Guarda Nacional e do alcance do personalismo desta sociedade coronelística, bem
como da força dos movimentos armados em Mato Grosso, os quais foram denominados por
seus próprios protagonistas como “revoluções.”
Revolução: esta palavra que deixou de fazer referência ao movimento cíclico seja dos
astros, seja da política, sempre como um movimento de retrocesso, para, a partir de 1789,
designar um “coletivo singular”, dando legitimidade à “guerra civil”, às ideologias e às
aspirações de todos os povos da Terra com um fim em si mesma.226
No entanto, as “revoluções” em Mato Grosso foram distintas umas das outras – a
“Revolução de 1899” não pode ser vista como uma continuação da “Revolução de 1892.”
Desta forma, não pertenciam a um continuum de um decurso planejado dentro de uma
revolução. Se revolucionar passou a designar transformações que escapavam à esfera
astronômica e política, invadindo o social e tecnológico a partir da Revolução Francesa, em
Mato Grosso, e durante toda a Primeira República, significou derrubar o situacionismo e
ocupar o governo com aliados, sem transformações sócio-econômicas ou políticas, quaisquer
que fossem.
Assim, 1892, 1899, e a de 1906 são “revoluções” que tiveram Cuiabá como palco, ou
da capital do estado emanaram suas razões, envolvendo outras cidades do interior do estado,
mas que, pelas peculiaridades da política local, não encontravam profundidade nos anseios
226 KOSELLECK, Reinhart. Critérios históricos do conceito moderno de revolução. In: ______. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / Ed. PUC-Rio, 2006, p. 68-9.
80
seja do demos ou, menos ainda, do subdemos. É bem verdade que mobilizavam centenas e até
mesmo milhares de indivíduos advindos de todas as classes sociais (latifundiários, grandes
comerciantes, oficiais e praças do Exército, camaradas, agregados, criminosos etc.), sem,
contudo, ter um significado simbólico ou ideológico que unisse a todos num movimento de
transformação de toda a sociedade. Assumindo, deste modo, o sentido de rebelião.227
É verdade que revoluções desse tipo salpicaram em todo o Brasil da Primeira
República, com exceção, provavelmente, de São Paulo. Contudo, não se deve caracterizar o
coronelismo, como o fez o já citado Ibarê Dantes,228 como o controle das massas e legitimação
da sociedade política através da coerção de milícias pelos proprietários rurais. É preciso ir além
dessa simplicidade analítica, sem que, entretanto, se confunda o efeito como a causa do
coronelismo, como procurarei fazer neste capítulo.
O uso da violência,229 que tomo aqui em sentido diferente de força230 (pois, sendo esta
empregada de modo legítimo e considerada legal, geralmente, do ponto de vista do governo,
para sua própria defesa), em Mato Grosso, foi característica de todos os levantes armados
ocorridos contra o governo legitimado e reconhecido, não pelo voto dos eleitores, mas pelo
Governo Federal.
Toda “revolução” em Mato Grosso teve como início, no seio da polis local, um
profundo dissenso.231 Em outras palavras, partia-se de uma polarização entre dois partidos.
Geralmente um era o situacionista, ocupando o governo, e o outro, a oposição. Esta última,
sem ter meios legais de alcançar o governo, devido ao controle das eleições por parte do
situacionismo e, muitas vezes, tendo os seus canais de comunicação (os diários e/ou
hebdomadários) sob constante ameaça pelo uso da força do governo, bem como contra seus
partidários, não viam outro meio senão o uso da violência como estratégia.
É importante notar que, embora tenham existido durante o Império, em Mato Grosso,
os dois partidos políticos da ordem, o Liberal e o Conservador, não há registros de derrubadas
do situacionismo com o uso da violência. Da mesma maneira que na República, as eleições
também eram controladas pelo partido da situação, entretanto, o mecanismo de acesso ao
governo se dava, como já foi dito, pela escolha do Imperador, através de sua atribuição
227 PASQUINO, Gianfranco. Revolução. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 1121-1130. 228 DANTAS, op. cit., p. 16. 229 STOPPINO (2007b), Mario. Violência. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 1291-1298. 230 Id. (2007a). Força. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 503-504. 231 MORLINO, Leonardo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 361-364.
81
inviolável e inimputável, o Poder Moderador. Permitia-se, pois, o rodízio entre os partidos, e,
conseqüentemente, o respectivo acesso aos empregos e cargos públicos.
Com a implantação da República e de seu federalismo, abandonada a rotina
institucional do Império e do Poder Moderador, o acesso ao governo do estado passou a ser
exclusivamente via eleições, que eram controladas pelo governo do estado e, por
conseqüência, pelo partido ou grupo político situacionista.
Mesmo adotando mecanismos que garantissem a representação das minorias, como
será visto mais adiante, a vitória, ou, no mínimo, a possibilidade de acesso da oposição aos
cargos representativos na Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional, dependia do aval
do governo estadual.
É por isso que a oposição quase nunca se fez representar, a não ser em momentos de
dissensão dentro do próprio grupo situacionista que, por questões diversas, não foram raros.
No entanto, é preciso pontuar que nos primeiros 29 anos da República em Mato Grosso, pelo
próprio caráter personalista da sociedade coronelística, e pela legitimidade que a patente de
coronel deu aos chefes políticos locais, que também passaram a comandar grupos armados,
todas as “revoluções” foram comandadas por oficiais da Guarda Nacional, tendo grande
participação desta milícia em suas fileiras.
Deste modo, coronéis como Generoso Ponce (em 1892), Antônio Paes de Barros (em
1899), novamente Generoso Ponce e Pedro Celestino (em 1906), Palmyro Paes de Barros e
José Morbeck (em 1916), entre os principais, conduziram os “exércitos populares”, “divisões”
e “forças patrióticas.” E estas mobilizações envolviam centenas ou mesmo milhares de
homens armados.
É verdade que a arregimentação de homens armados e a derrubada de governos tinham
também uma função econômica. Como muito bem ressaltou Valmir Batista Corrêa:
essa função econômica tornou a luta armada um meio de vida de uma substancial parcela da população mato-grossense, ocupando um grande contingente de mão-de-obra ociosa e marginalizada da posse da terra e do processo de produção na região, possibilitando, por outro lado, o enriquecimento de coronéis em dificuldades econômicas, ou de comerciantes.232
Em 1899, por exemplo, as despesas da “Força Patriótica” chegaram a um total de
211.508$320 (duzentos e onze contos, quinhentos e oito mil e trezentos e vinte réis), enquanto
que as da Polícia Militar foram de 382.943$277 (trezentos e oitenta e dois contos, novecentos
232 CORRÊA, Valmir, op. cit., p. 62.
82
e quarenta e três, duzentos e setenta e sete réis).233 Considerando-se que as despesas orçadas
pela Polícia Militar referem-se ao ano todo, e que as da “Força Patriótica” apenas ao período
de maio a julho, este último é proporcionalmente maior.
No entanto, esta função econômica não se deu com perenidade, ocorrendo
principalmente entre 1892 e 1916. Além disso, é necessário ter em mente que outros fatores
contribuíram ou foram decisivos para que a luta armada na política assumisse a dimensão que
tomou em Mato Grosso, como ocorreu em 1892, 1899 e 1906.
Em maio de 1892, para repor no governo do estado o presidente Manuel Murtinho
eleito pela Assembléia Constituinte de 28 de maio de 1891 (unanimemente composta pelo
Partido Republicano), o coronel Generoso Ponce, com o intuito de sitiar Cuiabá, organizou
quatro brigadas e um regimento de cavalaria, colocando-se à frente de três mil homens,
advindos das freguesias da Guia, Brotas, Chapada e Santo Antonio do rio abaixo, e das vilas
de Nossa Senhora do Livramento, Rosário do Rio Acima e Diamantino, e das cidades de
Poconé e S. Luiz de Cáceres.234
Note-se que eram comandos superiores da Guarda Nacional em Mato Grosso, à época,
Diamantino, Rosário, Poconé, além de fazerem parte do comando superior da capital, cujo
posto pertencia ao coronel Ponce, as freguesias da Guia, Brotas, Chapada e Santo Antônio do
Rio Abaixo.235
Resultou a luta armada em oito mortos do lado do “Exército Popular” do coronel
Generoso Ponce, entre eles o funcionário da casa comercial Firmo & Ponce, do qual Ponce
era sócio, Libânio Honório dos Santos, assassinado no Arsenal de Guerra por levar ao
acampamento de Ponce armas, apetrechos e informações; seis mortos entre os ditos
“revolucionários”, dois dos quais oficiais do Exército, o 1.º tenente Gabriel Mamede de
Araújo e Silva e capitão Norberto Ildefonso Muniz, os quais tiveram os seus corpos arrastados
pelas ruas da capital.236 Além da destruição de propriedades particulares (entre residências e
negócios) bombardeadas pelo canhão Krupp do Arsenal de Guerra, como a casa e a botica de
Pedro Celestino Corrêa da Costa, localizada no Largo da Matriz.237 Sete anos mais tarde, o
sítio à capital do estado se repetiria.
233 MATTO-GROSSO. Despeza do Estado no exercício de 1899. Cuiabá, 1899. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “C.” 234 PONCE (1892b), Generoso Paes Leme de Souza. Mensagem dirigida á Assembléa Legislativa do Estado de Matto-Grosso pelo 1.º Vice-presidente Coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce, em 1.º de Junho de 1892. Cuiabá: Typographia do Estado, 1892, p. 5. 235 FONSECA, op. cit. 236 ARAÚJO, Vital Batista de. Reflexões críticas sobre a Revolução de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2002, p. 34-35. 237 PONCE (1892a), op. cit., p. 3.
83
O coronel Antônio Paes de Barros, em abril de 1899, subiu o rio Cuiabá à frente de
três mil homens, entre jagunços de sua propriedade e uma cavalaria com 600 homens da 6.ª
Brigada de Cavalaria da Comarca de Santo Antonio do Rio Abaixo.238 A intenção de Totó
Paes, como também era conhecido o citado coronel, era “garantir a Assemblea Legislativa no
julgamento da eleição procedida a 1º de Março ultimo para os cargos de Presidente e Vice-
Presidente no futuro quatrienio a começar em 15 de Agosto”, além de “garantir a
independencia dos representantes do povo sobre a analyse que tenham a fazer da serie de
actas falsas preparadas em detrimento da justiça e da verdade republicana.”239 O governo do
estado de Mato Grosso ensaiou uma reação, mas dispunha apenas de 1.300 homens, reunidos
por Generoso Ponce, às pressas, e uma diminuta força policial.
E, muito embora não existam notícias de mortos, o engenheiro de origem italiana, José
Tosi, à época, morador da rua Barão de Melgaço, n. 72, reclamou, a 1.º de agosto de 1899, do
roubo de sua residência ao então presidente do estado Antônio Leite de Figueiredo – que
assumiu o governo por ser o vereador da Câmara Municipal da capital após a recusa de Pedro
Celestino Corrêa da Costa (presidente do Legislativo Municipal), e por causa da ausência em
Cuiabá do 3.º vice-presidente, Virgilio Alves Corrêa, e do presidente da Assembléia
Legislativa, Generoso Ponce.
Segundo o engenheiro, no dia 2 de abril do mesmo ano, o governo do estado mandou
construir uma trincheira em frente a sua residência, e que, movido pela frágil saúde de sua
esposa e pelo espanto de um de seus filhos ao ver a movimentação de homens armados,
decidiu mandá-los para a residência de um amigo no Rio Abaixo, ficando na residência
apenas ele próprio e o filho mais velho. No dia 9 de abril, conforme relatou,
ás 6 horas e poco da tarde quis reentrar em casa, da qual tinha sahido a pouco para visitar a minha familia, não deixarão passar as tinceas [trincheira], e a nada valerão os […] pedidos e rogos, sempre a mesma resposta: não se passa – atraz ou vai bala –; foi obrigado a procurar hospedagem em casa de conhecidos.240
No dia 17, sua residência foi arrombada e ocupada como quartel pelas forças do
governo do estado. Desesperado, Tosi foi pedir ao comandante da resistência governista,
coronel Generoso Ponce, que permitisse a ele entrar em sua casa, quando verificou que lhe
faltavam:
238 BARRETO, João Francisco Novaes Paes. As Revoluções de Mato Grosso e suas causas. Cuiabá: IHGMT, 2005, p. 27. 239 Ofício do coronel Antônio Paes de Barros ao 2.º vice-presidente coronel Antônio Cesário de Figueiredo. Cuiabá, s/n, 9 abr. 1899. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “B.” 240 Ofício de José Tosi ao presidente do estado em exercício Antônio Leite de Figueiredo. Corumbá, 1 de agosto de 1899. Manuscrito (cópia). Arquivo Público de Mato Grosso. Caixa 1899 “E.”
84
172 Libras Esterlinas (Ouro). – 1½ Peso Oriental Prata [Uruguai] – 9:100$000 Nove contos cem mil reis papel Brazileiro – 3 pesos e 10 C.vos Papel Argentino; isto todo fechado em pequena caixa de ferro (folha). Demais na mesma caixinha: Um Par de Brincos de Ouro com Perola – Um anello de Engenheiro com Turqueza – 2 aneis da Senhora com Brilhantes e pedras azuis. Um Relojó [sic.] oro da Senhora com corrente. De mais faltavão de uma Gavetta. Um Barometro Aneirode a compensação - um reportador das distancias (triangolador sistema Cerobatini).241
Prejuízo este contabilizado por ele mesmo em 16 contos de réis,“sem calcular a
interrupção de meus trabalhos, despezas, encomodos por me ver obrigado a fugir a ameaças
que me forão feitas por amigos do Snr. Ponce”242.
Mas, consideradas nulas as eleições de março de 1899, novas eleições deveriam
ocorrer. Uma chapa única foi negociada entre dissidentes e os chefes do Partido Republicano.
Em acordo proposto por Joaquim Murtinho, Generoso Ponce, juntamente com seus
correligionários, indicariam uma chapa única. Esta seria composta de dissidentes e membros
do Partido Republicano.
Os nomes indicados foram Manoel Esperidião da Costa Marques, Salomão Alves
Ribeiro, Coronel Pedro Alves de Barros, Dr. Joaquim Pereira Ferreira Mendes, Dr. Luís da
Costa Ribeiro, o Dr. Arnaldo Novis e o coronel Manoel Escolástico Virginio. Joaquim
Murtinho, entretanto, indicou os nomes de Pedro Alves de Barros para a presidência e João
Nunes como 1º vice-presidente. Deixou para Ponce a escolha dos 2.º e 3.º vice-presidentes.
Ponce não aceitou as condições, lançando sua própria chapa pelo Partido Republicano, que foi
vencida pelos candidatos do Partido Constitucional Republicano, criado pelos dissidentes:
Antônio Pedro Alves de Barros, como presidente; coronel João Paes de Barros, como 1º vice-
presidente; coronel João Ferreira Mascarenhas, como 2.º vice-presidente; e coronel Estevão
Alves Corrêa, como 3.º vice-presidente.243
Em dezembro de 1899, ocorreram as eleições para a renovação da Câmara dos
Deputados e do terço do Senado. Ponce foi vitorioso nas urnas em Mato Grosso. No entanto,
seguindo os preceitos da “política dos governadores” – segundo a qual “a presunção, salvo
prova em contrário, é a favor daquele que se diz eleito pela política dominante no respectivo
estado”244 – a Comissão de Verificação de Poderes da Câmara de Deputados reconheceu
como senador e deputados vitoriosos os candidatos do situacionismo.245
241 Ofício de José Tosi, op. cit. 242 Id., ib. 243 MENDONÇA, Rubens. História do Poder Legislativo de Mato Grosso. 2. ed. Cuiabá: Assembléia Legislativa de Mato Grosso, 1974, p. 92. 244 LESSA, op. cit., p. 148. 245 CORRÊA, op. cit., p. 101.
85
No dia 31 de agosto, 16 dias após a posse de Alves de Barros, um fato demonstrou o
quanto a existência de qualquer oposição incomodava. Nas proximidades da rua 7 de
Setembro, em Cuiabá, onde morava, Ponce foi agredido. Seu agressor, o agrimensor Ramon
Jacowisky – polonês naturalizado brasileiro –, deu-lhe um golpe com sua bengala na cabeça e
lho ofendeu com a palavra “canalha.” Imediatamente, os partidários do coronel decaído
acorreram em seu auxílio. Ramon Jacowisky foi linchado no mesmo instante.
Por esse fato, foram presos, além de outros, o coronel Generoso Ponce (ex-presidente
da Assembléia), coronel Antônio Cesário de Figueiredo (ex-2º vice-presidente do estado), Dr.
João Félix Peixoto de Azevedo (candidato indicado por Ponce) e o capitão Pedro Ponce
(irmão de Generoso Ponce e deputado da Assembléia).246 Todos foram levados, em outubro,
ao Rio de Janeiro para serem julgados, sendo absolvidos pelo Supremo Tribunal Federal.247
O coronel Generoso Ponce, depois de passar algum tempo no Rio de Janeiro, preferiu
se auto-exilar no Paraguai, em 1902. Na República vizinha, juntamente com Antônio Corrêa
da Costa – que o seguiu no auto-exílio–, fundou em junho de 1902 o jornal “A Reacção” –em
cujas folhas de todas os números aparecem os seguintes dizeres: “Publica-se no Paraguay por
falta de garantias no Estado.”
Em 1906, era a vez de o coronel Ponce destituir da presidência do estado o coronel
Antônio Paes de Barros. Reunidos em torno da “Colligação Mattogrosense” os irmãos
Manuel e Joaquim Murtinho e o coronel Generoso Ponce, novamente aliados desde 1905
graças à intervenção do coronel do Exército Inocêncio Serzedelo Corrêa, iniciaram em Mato
Grosso forte oposição ao governo do coronel Totó Paes.248
O novo partido seguia a oposição contra o presidente Rodrigues Alves formada no
Congresso Nacional após a indicação oficial do nome do presidente de São Paulo e chefe do
Partido Republicano Paulista Bernardino de Campos para a sucessão presidencial. Esta
oposição, que recebeu a denominação de “Bloco” ou “Coligação”, era comandada pelo
senador Pinheiro Machado, apoiada ainda pelas bancadas mineira e gaúcha, que, contrariando
a candidatura oficial, preferia o mineiro Afonso Pena. Dela faziam parte políticos mato-
grossenses como Joaquim Murtinho e Antônio Azeredo.249
246 CORRÊA FILHO, Virgilio. História de Mato Grosso. Rio de Janeiro: MEC/Instituto Nacional do Livro, 1969, p. 595. 247 BARROS, Antonio Pedro Alves de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso, Coronel Antonio Pedro Alves de Barros, á Assembléa Legislativa, em sua 1ª sessão ordinaria da 5ª legislatura, em 3 de fevereiro de 1900. Cuyabá: Typographia do Estado, 1900, p. 7. 248 BARRETO, Emigdyo Dantas. Expedição a Matto-Grosso: A Revolução de 1906. São Paulo: LAEMERT & C., 1907, p. 8. 249 CARONE, Edgard. A República Velha (Evolução política). 4ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977, p. 231-234.
86
A formação deste partido havia dividido o situacionismo reunido em torno do Partido
Republicano Constitucional, levando para a oposição o 1.º vice-presidente, coronel Pedro
Leite Osório, e o 3.º vice-presidente, João Batista de Almeida Filho, um dos proprietários da
firma Almeida & Cia. e principal credor do presidente Paes de Barros250.
Sem meios de alcançar o poder através das eleições, pois derrotados nas eleições para
a Assembléia Legislativa e nas eleições municipais, além das ameaças à segurança individual
de seus membros, os coligados decidiram derrubar o governo do estado através da luta
armada, comandada pelos coronéis Generoso Ponce e Pedro Celestino Corrêa da Costa.
Novamente a capital do estado seria sitiada, e desta vez por quatro mil homens armados.
Eram foragidos da justiça da Bolívia, ou chiripás, do Paraguai, ou ainda “arruaceiros
incorrigíveis” de Cáceres, como se referiu Dantas Barreto à “Divisão Naval Libertadora”,
comandada por Ponce e que desde o dia 16 de maio iniciou a subida do rio Paraguai em
direção a Cuiabá, adicionando às suas fileiras as praças do 21.º Batalhão de Infantaria e do 2.º
de Artilharia, de Corumbá, além do 19.º de Infantaria de Cáceres, assaltado pelo 2.º tenente do
Exército Clementino Paraná. Além de um contingente, provavelmente guardas nacionais do
3.º Regimento de Cavalaria, juntamente com os agregados e camaradas das fazendas de gado
de Poconé, sob o comando do coronel Virgilio Alves Corrêa.251 Do norte de Cuiabá, vindos
de Barra do Bugres, Rosário do Rio Acima e Brotas, sob o comando do coronel Pedro
Celestino Corrêa da Costa, a “Coluna do Norte”, composta de “seringueiros, lavradores,
fazendeiros, comerciantes, magistrados, funcionários públicos.”252
O fim do movimento armado se deu com o assassinato do presidente do estado, o
coronel Antônio Paes de Barros, a 6 de julho daquele ano. Sua morte foi providencial para as
forças da oposição. O seu desaparecimento levaria à presidência do estado, legalmente
empossado, o 1.º vice-presidente, obrigando o Governo Federal a reconhecer o novo governo
além de oferecer meios de se evitar a intervenção federal.
Contudo, era necessário encobrir o crime. A 30 de junho, Ponce dirigiu um ultimato ao
presidente do estado, intimando-o a “render-se até amanhã [dia 1.º], sob pena de, não o
fazendo, ser o unico responsável pelos acontecimentos que advirem.”253 No dia 2 de julho,
rompendo o cerco da capital, Antônio Paes de Barros havia se escondido na Fábrica de
Pólvora do Coxipó do Ouro, nas imediações de Cuiabá. A decisão de fugir para as
250 SOUZA, A. F., op. cit., p. 17. 251 BARRETO, Emygdio Dantas. Expedição a Matto-Grosso: A Revolução de 1906. São Paulo: LAEMERT & C., 1907, p. 24 e 27-28. 252 CORRÊA FILHO (1945), op. cit., p. 72-73. 253 Id. (1935), op. cit., p. 49.
87
proximidades da capital foi tomada após a resposta positiva do presidente Rodrigues Alves
quanto ao envio de forças federais para debelar os revoltosos no estado. No dia 23 de maio,
partiu do Rio de Janeiro, a Expedição Dantas Barreto.254
Totó Paes foi assassinado à espera do auxílio federal. A defesa da capital que ele havia
organizado não foi bem-sucedida. Ainda mais quando, no dia 25 de junho, o tenente-coronel
Manuel Lopes Carneiro Fontoura, comandante do 8.º Batalhão de Infantaria e, com ordens do
presidente Rodrigues Alves, como consta de seu ofício enviado ao presidente do estado “para
desafrontar o principio da autoridade” em Mato Grosso, decidiu-se pela neutralidade por não
dispor “de força senão para guardar repartições federaes, isso mesmo força bisonha”, força
esta “inferior a 60”, abandonando a luta a partir de então.255
Na Fábrica de Pólvora, sofrendo de febres,256 Paes de Barros teve que se esconder no
matagal adjacente. Ponce enviou um destacamento comandado pelo coronel Joaquim Suplício
de Cerqueira Caldas o qual, no dia 4, conseguiu, sob ameaças, a informação do local do
esconderijo do funcionário da Fábrica que levava o almoço ao coronel presidente do estado.
Este funcionário, João Damasceno da Silva, seria demitido mais tarde pelo major F. Emiliano
Paes Barreto, “por ter por causa de sua cobardia e deslealdade concorrido para a morte do
inditoso Presidente do Estado, Coronel Antonio Paes de Barros.”257
Na madrugada de 5 para 6 de julho, Totó Paes foi encontrado pelo coronel Joaquim
Sulpício, escondido em um matagal. Lá foi assassinado. Seu corpo foi deixado à beira de um
córrego, sendo encontrado apenas às 11 horas do dia 6. Segundo o ofício do diretor da
Fábrica, alferes Castro Júnior, ao 1.º vice-presidente Pedro Leite Osório, o “cadaver apresenta
ferimentos que evidenciam morte violenta”, e ainda que
o corpo referido, parace dever em breve começar a decompor-se, pelo que me verei obrigado a inumal-o, se não vierem as providencias policiais que do vosso critério ora solicito, com a devida urgência.258
No mesmo dia de sua morte, foi enviado ao local pelo presidente em exercício, coronel
Pedro Leite Osório, o chefe de polícia interino, Alfredo Otávio de Mavigner, acompanhado de
dois peritos e três testemunhas para o reconhecimento cadavérico e para o exame de corpo de
254 CARONE, op. cit., p. 239. 255 Ofício do tenente-coronel Manoel Lopes Carneiro Fontoura ao coronel Antônio Paes de Barros. Cuiabá 25 jun. 1906, n. 207. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A.” 256 Ofício do alferes João C. P. Castro Júnior ao coronel Emygdio Dantas Barreto. Cuiabá, 16 de julho de 1906. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “B.” 257 BARRETO, F. Emilio Paes. Boletim da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Cuiabá, 6 de julho de 1906, n. 50. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Manuscrito. Acesso Lata 1906 “B.” 258 Ofício do alferes João C. P. Castro Júnior ao 1.º vice-presidente do estado coronel Pedro Leite Osório. Cuiabá, 6 de julho de 1906, n. 90. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “B.”
88
delito. O auto do exame foi redigido por Flaviano Gomes de Barros. Testemunharam os
trabalhos os coronéis Severo José da Costa e Silva, Virgílio Alves Corrêa e Manuel
Escolástico Virgínio (com exceção do primeiro, todos opositores de Totó Paes). Os peritos
Dr. Estevão Alves Corrêa e o farmacêutico Luiz da Costa Ribeiro Filho, que efetuaram o
exame de corpo de delito, apontaram como causa mortis “dois ferimentos por bala, sendo um
próximo ao mamelão direito e outro abaixo do conduto auditivo esquerdo.”259 O tiro que
atingiu as proximidades do ouvido esquerdo atravessou o crânio. No auto não existe menção a
nenhum outro tipo de ferimento.
Dantas Barreto recebeu a notícia do assassinato de Antônio Paes de Barros no dia 9 de
julho, quando ainda estava a caminho da capital.260 Devido às dificuldades em subir o rio
Paraguai a partir de Corumbá pela falta de embarcações, por que haviam sido todas levadas
pelo coronel Ponce durante sua subida, Barreto conseguiu chegar a Cuiabá apenas em 17 de
julho, e nada pôde fazer, pois exercia a presidência do estado o substituto legal, 1º vice-
presidente, Pedro Leite Osório. Declarou então cumprida sua missão, pois
collocando-se ao lado da ordem, contra os desregramentos que não se fariam tardar, cumprimos fielmente o nosso dever de soldados e voltámos contentes do nosso procedimento leal. Tal é a convicção dos meus companheiros de trabalhos e tal é a minha propria convicção.261
Observa-se que a morte de Antônio Paes de Barros era necessária para seus
oposicionistas. Para sustentar a versão de resistência à prisão, seu corpo foi sepultado na
Fábrica de Pólvora, longe das vistas da população cuiabana e de sua família. Uma semana
depois, no dia 12, o jornal A Colligação, órgão de oposição ao governo de Totó Paes,
publicou a versão oficial da sua morte, segundo o qual, depois de uma primeira troca de tiros,
foi avistado “á pequena distancia, um cadaver prostrado no sólo, [que] verificou-se ser o do
Coronel Antonio Paes de Barros, que fazia parte do grupo batido”262.
O presidente Rodrigues Alves tentou fazer aprovar no Congresso Nacional o seu
pedido de intervenção federal em Mato Grosso, o que, devido à oposição da Coligação na
Câmara dos Deputados, não foi aprovada.263 Não consta que alguém tenha sido
responsabilizado pelo crime no estado, embora, em ofício de 18 de agosto de 1906, o
procurado da República no estado o Dr. Sebastião do Rego de Barros Júnior tenha pedido
259 SOUZA, op. cit., p. 93. 260 BARRETO, op. cit., p. 74. 261 Id., ib., p. 205. 262 CORONEL Antonio Paes de Barros. In: A Colligação, Cuiabá, 12 de julho de 1906, n. 35, p. 1. 263 CORRÊA FILHO (1932), op. cit., p. 74-76.
89
para que fossem “remettidos o exame feito pela policia no cadáver do Exmo. Presidente, Cel.
Antonio Paes de Barros, o inquérito e demais deligencias, procedidas no sentido de averiguar
responsabilidades nos factos occorridos.”264
O pedido do procurador não seria atendido por inteiro, pois dez dias depois, em outro
ofício, Barros Júnior reclamava que às informações enviadas no dia 22 faltavam ainda mais
documentos, os quais não haviam sido remetidos “visto não estar então terminado o periodo
revolucionário”. No mesmo documento o procurador solicitava a abertura de inquérito para
investigação dos acontecimentos que culminaram com o assassinato do presidente Paes de
Barros,265 o que nunca ocorreu.
Neste mesmo ano, em comemoração à vitória nas armas (e também nas urnas, pois a
“Colligação Mato-grossense” ajudou a eleger Affonso Penna à presidência da República)
foram organizados os “Festejos Commemorativos de 15 de Novembro de 1906”,266 com o
erguimento, na Praça Alencastro, do “Pavilhão Affonso Penna” e outros enfeites nesta e na
Praça Ipiranga.267 Desde a madrugada a cidade foi movimentada por uma banda de música. À
noite, precisamente às nove horas, foi oferecido um baile, no qual foram recebidas “a elite
cuyabana e as principais pessoas do… mundo official”. No baile foram servidos champanhe,
cerveja, finos licores e moscatel, além de chá, chocolate e sequilhos – servidos às duas horas
da madrugada.268
Embora o uso da violência e a participação de oficiais da Guarda Nacional sejam
pontos em comum destas “revoluções”, é necessário pontuar ainda outras características desta
sociedade coronelística, levando-se em consideração as relações de interdependência existente
entre os indivíduos envolvidos no jogo político em Mato Grosso.
Primeiramente, e como já foi mencionado, com a implantação da República outras
relações de interdependência entre o centro político nacional e a polis local foram
estabelecidas. A organização da política em cada estado e a possibilidade de acesso dos chefes
políticos locais não significou o disciplinamento desta mesma polis local, bem como a sua
organização em partidos únicos em todas as 20 unidades federativas – com exceção apenas de
264 Ofício de Sebastião do Rego V. de Barros Júnior, procurador da República, ao coronel Pedro Leite Osório, 1.º vice-presidente do estado de Mato Grosso. Cuiabá, s/n, 18 de agosto de 1906. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A”. 265 Ofício de Sebastião do Rego V. de Barros Júnior, procurador da República, ao coronel Pedro Leite Osório, 1.º vice-presidente do estado de Mato Grosso. Cuiabá, s/n, 28 de agosto de 1906. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A”. 266 PORTELA, op. cit., p. 70. 267 15 DE NOVEMBRO. In: A Colligação, Cuiabá, 11 de novembro de 1906, n. º 52, p. 2. 268 15 DE NOVEMBRO. In: A Colligação, Cuiabá, 18 de novembro de 1906, n. º 53, p. 1.
90
estados como São Paulo e o seu PRP, e, em alguma medida, Minas Gerais, com o PRM, e Rio
Grande do Sul, com o PRR.
Nos primeiros anos da Primeira República, as disputas e interesses regionais
emergiram ao cenário político nacional. Esta emergência, como já foi visto, teve grande
visibilidade nas discussões e discursos das representações políticas estaduais presentes no
Congresso Nacional. A grande questão deste período que vai de 1889 a 1898 era formular uma
ordem política que vislumbrasse o fim dos conflitos e ao mesmo tempo ordenasse os interesses
pulverizados nos estados em um Congresso Nacional totalmente dócil em relação ao Executivo
nacional.
Foi o que Campos Salles fez ao reconhecer a força política dos estados e instituir a
“política dos governadores”, ou como ele próprio preferia dizer “a política dos Estados.”269 Sua
solução considerava, por um lado, a inexistência de partidos nacionais, ou mesmo a
impossibilidade de estabelecê-los, ainda mais após a malfadada experiência com o Partido
Republicano Federal – na expressão de Belisário Távora “uma catedral aberta a todos os credos”
–, sustentado, na verdade, por políticos paulistas, sob a liderança de Francisco Glicério.270 Por
outro lado, significava admitir aquilo que Raymundo Faoro resumiu como “a distribuição natural
do poder.”271 Nas palavras de Faoro “buscava-se o mecanismo de funcionamento dos órgãos de
coordenação e controle federal.”272
Neste sentido, interessava ao presidente da República, Campos Salles, o envio ao
Congresso Nacional, por parte dos situacionismos estaduais, de indivíduos alinhados com a
política do Executivo Federal, constituindo assim um Congresso dócil. Para tanto, o Governo
Federal apoiaria a todo custo governos estaduais aliados, rechaçando com o envio do Exército
qualquer governo estadual opositor.
Assim, o apoio do Governo Federal foi determinante nas “revoluções” em Mato
Grosso, mesmo antes da instituição da “política dos governadores.” Em 1892, o
reconhecimento de Manuel Murtinho pelo presidente Marechal Floriano Peixoto, permitiu a
desmobilização das forças “revolucionárias” e a punição dos seus membros – posteriormente
anistiados através Decreto n. 83, de 16 de setembro de 1892.273
269 CAMPOS SALES, Manuel Ferraz de. Da Propaganda à presidência. Brasília: Editora UnB, 1983, p. 127. 270 LESSA, op. cit., p. 108-109. 271 Id., ib., p. 30. 272 FAORO, op. cit., p. 172. 273 BRAZIL. DECRETO N. 83, DE 16 DE SETEMBRO DE 1892. Concede amnistia aos individuos que tomaram parte nos movimentos revolucionarios do Estado de Matto Grosso, e aos que se envolveram, directa ou indirectamente, nos do Estado da Rio Grande do Sul. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=64600>. Acesso em: 25/jul./2008.
91
Já em 1899, o apoio de Campos Salles ao coronel Antônio Paes de Barros contou com
a influência de seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, a pedido do seu irmão e ministro
do Supremo Tribunal de Justiça, Manuel Murtinho. E isso por que, em 1898, opondo-se à
candidatura do engenheiro João Félix Peixoto de Azevedo, imposta pelo coronel Ponce, o
ministro abriu dissidência criando o Partido Democrata e lançou a candidatura do também
engenheiro José Maria Metello.274
Como “situação que chama eleição faz maioria”275, Generoso Ponce, senador,
presidente da Assembléia Legislativa e chefe do partido situacionista, venceu as eleições,
precisando o coronel Antônio Paes de Barros, para ver seu partido vencedor, utilizar homens
armados – com o apoio da abstenção do Exército “em virtude das ordens expressas do
governo da União para que as forças federaes mantenham em completa neutralidade no
conflicto travado entre as forças revolucionarias e o vosso Governo.”276
O apoio do Governo Federal mediante o pacto não escrito da “política dos
governadores”, exatamente por sua fragilidade, também foi determinante para a eclosão da
“Revolução de 1906” e para o assassinato do coronel Antônio Paes de Barros.
Em primeiro lugar, em 1905, a sucessão presidencial havia transformado o Congresso
Nacional de dócil a hostil em relação ao presidente Rodrigues Alves. A indicação oficial de
Bernardino de Campos, presidente de São Paulo e chefe do PRP, sustentava uma direção
econômica mais liberal em um momento de crise do café: política anti-protecionista da
lavoura e valorização do câmbio. Suas afirmações favoreceram a candidatura do também
paulista Campos Salles, favorável a uma política de valorização do produto. Campos Salles
contava ainda com forte apoio do Rio Grande do Sul, e, por conseguinte, do Senador Pinheiro
Machado. Em março, mais dois nomes foram lançados como candidatos: Ruy Barbosa com o
apoio da Bahia, e Affonso Penna, que contava com o apoio da bancada mineira. 277
Bernardino de Campos e Campos Sales desistiram da disputa em agosto de 1905, para
preservar a unidade do PRP. Ruy Barbosa, que contava apenas com adesões individuais
solidários ao seu passado, desistiu no mesmo mês. Afonso Pena foi, então, escolhido como
candidato oficial, pois tinha o apoio do “Bloco” ou “Coligação” – sustentada pelas bancadas
mineira e gaúcha.278
274 CORRÊA FILHO (1951), op. cit., p. 596. 275 CARDOSO, op. cit., p. 40. 276 Oficio João Pedro Xavier da Câmara ao coronel Antonio Cesario de Figueiredo, presidente do estado. Cuiabá, 11 abr. 1899, n. 1. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “B.” 277 CARONE, op. cit., p. 231-232. 278 Id., ib., p. 234.
92
Contrariando a “política dos governadores”, as representações estaduais não apoiaram
Rodrigues Alves na indicação de seu sucessor em 1906, mas sim o grupo liderado por
Pinheiro Machado, o qual, embora aparentasse ser um partido, era, na prática, uma reunião de
lideranças políticas as mais diversas.
Ruy Barbosa, na imprensa carioca, repeliu a idéia de ser o “Bloco” ou “Coligação” um
partido nacional. Em outubro escreveu repudiando o discurso de Joaquim Murtinho, lido
durante o banquete do dia 12 no Rio de Janeiro:
Não me veio ao conhecimento o discurso do Dr. Joaquim Murtinho, antes da sua leitura, no banquete do dia 12 [de outubro]. Léndo elle nessa occasião, para logo manifestei francamente a minha desapprovação mais decidada, em conversa com o meu visinho de mesa Dr. Carlos Peixoto, e no dia seguinte, logo ao amanhecer, escrevi ao mesmo Senador extensa carta, assim como ao chefe da colligação, Senador Pinheiro Machado. Não adheri ao crédo politico adoptado naquella oração. Continuo a manter inteiramente minhas opiniões conhecidas. A colligação não é um partido, e sim uma alliança politica celebrada para alcançar um resultado urgente. Obtido este, me acharei livre.279
Em Mato Grosso, no entanto, a “Coligação” tomou ares de partido oposicionista, e
contou com o cel. Serzedelo Corrêa para unir novamente os inimigos políticos desde 1898
Generoso Ponce e os irmãos Manuel e Joaquim Murtinho. Aproximando também os
indivíduos fiéis aos três.
O apoio de Antônio Paes de Barros à indicação oficial do sucessor do presidente
Rodrigues Alves e a oposição sofrida por este no Congresso Nacional permitem explicar a
polarização da política local naquele momento. Fundada na oposição ao Governo Federal, os
representantes federais de Mato Grosso, eleitos pelo Partido Republicano Constitucional, o
mesmo de Totó Paes, só precisavam de um motivo para romperem com o situacionismo
estadual. E este motivo foi a concessão de parte do território mato-grossense durante as
negociações do Brasil com a Bolívia por causa do Acre.
Na mensagem que leu à Assembléia Legislativa daquele ano, Antônio Paes de Barros
deixou claro que “elle satisfazia os elevados interesses nacionaes”, e, para reforçar sua
opinião, transcreveu uma carta escrita por Augusto Leverger ao conselheiro Duarte da Ponte
Ribeiro, em 1852, durante as negociações com as repúblicas do Paraguai e da Bolívia sobre a
livre navegação na bacia do rio Paraguai. Nesta epístola, o futuro Barão de Melgaço era de
279 TELEGRAMMAS. In: O Estado, Cuiabá, 22 de outubro de 1905, n. 311, p. 1.
93
opinião “que seria muito conveniente para a Bolivia e para nós que se abrisse uma qualquer
via de communicação entre as povoações deste paiz e Bahia Negra.” 280
A bancada mato-grossense na Capital Federal, já revoltada com a cessão dos
territórios de seu estado à Bolívia, não aceitou o apoio do presidente do estado de Mato
Grosso ao presidente Rodrigues Alves. O único deputado que continuaria fiel ao
situacionismo mato-grossense seria o genro do coronel Antônio Paes de Barros, o Dr. João de
Aquino Ribeiro. 281
A “política dos governadores” exerceu pressão sobre as decisões que Totó Paes
deveria tomar, ou mesmo sobre as alianças que deveria construir. Por um lado, ao apoiar
incondicionalmente o presidente Rodrigues Alves, esperava a contrapartida federal no sentido
de sustentar o seu governo. E ao optar por esperar a força enviada pelo presidente da
República, escondido nas proximidades de Cuiabá, demonstra o quanto confiava no Governo
Federal. Por outro, o fato de ter sido assassinado é indicativo de que o coronel Generoso
Ponce não esperava outra coisa senão a vingança e a perseguição.
Ponce se aproveitou do fato de ser o 1.º vice-presidente Pedro Leite Osório aliado da
“Coligação.” Assim, com o assassinato do presidente a situação política em Mato Grosso
continuaria na legalidade, como foi demonstrado. Isto explica a estratégia de Ponce em levar
todas as embarcações de baixo calado, compatíveis com o nível das águas do rio Cuiabá,
atrasando o acesso de qualquer força federal a Cuiabá.
Outro fator pareceu, do mesmo modo, determinante nos movimentos armados de
1892, 1899 e 1906: a presença de militares ou mesmo a participação de oficiais do Exército na
política estadual.
Segundo José Murilo de Carvalho a participação dos militares na política se originou
durante a “Questão Militar” (1886-1889) – quando se cunhou a concepção do soldado-
cidadão – e se verificou apenas no Exército282. A idéia teria sido divulgada amplamente pela
imprensa republicana, com o objetivo claro de incitar o Exército contra a ordem Imperial.
No Exército diferenciavam-se dois grupos: os “tarimbeiros” – oficiais, em sua maioria
veterana da Guerra do Paraguai e sem curso na Escola Militar; e os bacharéis – formados na
280 BARROS, Antonio Paes de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso Coronel Antonio Paes de Barros á Assembléa Legislativa na segunda sessão ordinaria na sua sexta legislatura, installada a 3 de Março de 1904. Cuyabá: Typographia Official, 1904, p. 5-6. 281 CORRÊA FILHO (1935), op. cit., p. 18. 282 CARVALHO (1977), op. cit., p. 209-210.
94
Escola Militar da Praia Vermelha, e influenciados, a partir de 1872 com o ingresso de
Benjamin Constant na instituição, pelo positivismo.283
Nos anos finais do Império, ambos os grupos estavam envolvidos ativamente na
“Questão Militar.” Aos “tarimbeiros”, significava a afirmação dos brios da farda; aos
bacharéis, além dessa afirmação, significava a mudança do regime.284 Os “tarimbeiros”, mais
preocupados em defender a farda, se impuseram mais na derrubada do Império. Deodoro
personificava o “tarimbeiro”; enquanto Benjamin, o bacharel. Mas unia os dois grupos o
esprit de corps: eram militares, vinham de uma mesma tradição institucional e, por isso,
possuíam vínculos de solidariedade.285
Nos anos iniciais do novo regime, graças ao prestígio que conquistaram com a queda
do regime monárquico, os militares estavam no centro da política. Os dois primeiros
presidentes da República foram militares. Ao generalíssimo Deodoro da Fonseca, que
governou provisoriamente de 1889 a 1891, e de fevereiro até dezembro deste ano como
presidente eleito indiretamente, sucedeu o Marechal Floriano Peixoto (1891-1894), o
Marechal de Ferro, símbolo do “progressismo militar” que contaminou alguns setores
militares caracterizando o fenômeno político denominado florianismo, num período de
instabilidade política e das Revoltas da Armada (1893-1894) e da Revolução Federalista
(1893-1895) no Rio Grande do Sul.
Este fenômeno ultrapassará os limites do governo de Floriano, alcançando o primeiro
presidente civil, Prudente de Moraes (1894-1898), concorrendo inclusive para o atentado
contra sua vida em novembro de 1897, que vitimou o então ministro da Guerra Marechal
Machado Bittencourt, no Rio de Janeiro – atentado este que contou com a participação de
Francisco Glicério, Pinheiro Machado, Quintino Bocaiúva e o vice-presidente da República o
baiano Manoel Vitorino, entre outros. O malsucedido atentado encerrou de vez as atividades
dos florianistas.286
Em Mato Grosso, a participação de militares na vida política do estado foi evidente em
todo o período da Primeira República. Em 1892, estes militares participaram ativamente da
derrubada do presidente Manuel Murtinho, e, desafiando ordens emanadas do Governo
Federal quando impediram o general de brigada Luís Henrique de Oliveira Ewbank, nomeado
283 CARVALHO (1977), op. cit., p. 195. 284 Id., ib., p. 210. 285 Id., p. 196-197. 286 Ver. SAES, Guillaume Azevedo Marques de. Entre sonhos e Pesadelos: o florianismo (1891-1897) na consolidação da ordem republicana. In: BORGES, Fernando Tadeu de Miranda & PERARO, Maria Adenir. Sonhos e Pesadelos na História. Cuiabá: Carlini & Caniato / EdUFMT, 2006, p. 139-160.
95
por Floriano Peixoto, de assumir o governo do estado – nomeação esta entendida pelos
militares como intervenção federal nos negócios internos de Mato Grosso.287
Mas não se tratava da participação de grupos isolados de militares em unidades
destacadas no estado. Aderiram ao movimento armado o 19.º e o 21.º batalhões de Infantaria,
o 2.º de Artilharia e o 7.º Regimento de Cavalaria, sob o comando do major Annibal da Motta,
sobrinho do general Antônio Maria Coelho, juntamente com o Corpo de Operários do Arsenal
de Guerra, e pelo Corpo de Polícia.288 O 8.º Batalhão aderiu somente sob pressão do 21.º.
Além de o movimento armado ter sido desencadeado com pleno apoio do comandante do 7.º
Distrito Militar, em Corumbá, o coronel João da Silva Barbosa.289
Os atos de desobediência ao presidente da República foram observados também às
vésperas do movimento armado de 1906. Em agosto de 1905, o comandante do 7.º Distrito
Militar, general Abreu Lima, mandou saudar com uma salva de 15 tiros de canhão o ministro
do STJ Manuel Murtinho, em passagem pelo Forte Coimbra, em Corumbá. Irritado com o
gesto, Antônio Paes de Barros solicitou a demissão do comandante, o que foi atendido por
Rodrigues Alves, que o substituiu pelo coronel Horácio de Almeida – ironicamente partidário
e amigo de Generoso Ponce. O fato é que a atitude do governo estadual exigindo demissões e
se imiscuindo na caserna destacada em Mato Grosso “exaltou os animos já prevenidos da
quase totalidade dos officiaes, em quase todas as guarnições do Estado, aliás francos
partidarios dos colligados.”290
Nas eleições de 1905, militares desde praças até oficiais do Exército, em vários
municípios, atuaram no sentido de intimidar os eleitores. Como já foi visto, não era a primeira
vez que a espada se interessava pela política do estado. Desta vez, havia candidatos militares,
como o coronel Serzedelo Corrêa para a Câmara Federal.
As campanhas nos municípios foram marcadas pela ameaça de soldados do Exército a
mando de oficiais candidatos pela “Colligação Matto-grossense.” Em outubro de 1905, o
subdelegado de polícia do distrito de Chapada, Pedro Moreira da Silva, denunciou ao chefe de
polícia do estado, José Felippe dos Santos, a “presença de doze praças do Exército, dirigidos
pelo Señr. Capitão Dr. João Baptista Brandão Junior e um Alferes de Cavallaria”, os quais
ameaçaram “que inevitavelmente a Colligação aqui, seria triumphante, embora fosse preciso
trazer força e com ella necessitasse de empregal-a para obstar a maioria do partido que lhe é
287 ARAÚJO, op. cit., p. 21. 288 BARRETO, op. cit., p. 17. 289 ARAÚJO, op. cit., p. 16. 290 BARRETO, op. cit., p. 12-13.
96
contrario.”291 O jornal situacionista d’O Estado denunciou ainda as excursões dos militares
em diversos pontos do estado.292
Naquele momento, os militares estavam realmente empenhados contra o situacionismo
estadual, fornecendo inclusive armamento à oposição. Antônio Paes de Barros, sabendo de
rumores sobre a concentração de armas na Usina do Aricá, propriedade de José Marques de
Fontes, membro da Coligação, enviou uma comissão de averiguação composta pelos oficiais
do Exército – ainda fiéis à legalidade – major Antonio Avelino da Costa, capitão Manuel
Pedro da Cunha Pontes e alferes José Carneiro de Sá. Lá foram encontradas, conforme ofício,
cento e cincoenta e duas carabinas de systema Camblain, cento e noventa e quatro de systema Winchester, quarenta e oito Mamlichen, quatro mosquetes do mesmo systema, uma pistola Mauser e cento e vinte e duas carabinas de vários systemas – ao todo quinhentas e vinte e uma armas – sete mil e quinhentos [cartuchos] de carabina Mamlichen e quinhentos cartuchos emballados para armas de outros systemas – ao todo trez mil cartuchos emballados; finalmente um canhão do systema La-vitte.293
Em maio de 1906, quando a “Divisão Naval Libertadora” iniciou a subida do rio
Paraguai rumo à capital do estado (aproveitando-se da troca do comando do 7º Distrito Militar
para não comprometer o amigo de Generoso Ponce coronel Sebastião Bandeira, que foi
substituído pelo general Luiz Alves Leite de Oliveira Salgado), todos os destacamentos
militares nas cidades portuárias de Corumbá e de Cáceres aderiram ao movimento armado.294
A insubordinação da caserna em Mato Grosso pode ser explicada pelo fato de ser o
estado uma região de fronteira, distante da capital federal. Geralmente, os militares eram
enviados para os destacamentos militares nesta região como punição a atos de insubordinação.
Foi assim, por exemplo, com o coronel Inocêncio Serzedelo Corrêa, por sua participação nas
revoltas militares na capital federal, em 1904.295
Desta maneira, os militares eram opositores ao presidente da República e a todos os
seus aliados, incluindo os governos estaduais, ainda mais quando estes governos buscavam
interferir nos destacamentos em seus estados.
Foi assim em 1892 quando militares comandados pelo sobrinho do ex-governador
general Antônio Maria Coelho, major Annibal da Motta, ajudaram a destituir o então
291 Ofício do subdelegado do distrito da Chapada Pedro Moreira da Silva ao chefe de polícia da capital José Felippe dos Santos. Santana de Chapada, 29 de outubro de 1905, s./n. Manuscrito. Arquivo Público de Mato Grosso, Lata 1905 “A.” 292 Ver PLEITO eleitoral. In: O Estado, Cuiabá, 5 de novembro de 1905, n. 313, p. 1-2. 293 APPREHENSÃO de armamento. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 22 de Fevereiro de 1906, n. 2.474, p. 2. 294 BARRETO, Emygdio Dantas, op. cit., p. 22-23. 295 CARONE, op. cit., p. 221-228.
97
presidente do estado Manuel Murtinho – acusado de ser solidário ao golpe de Lucena de
dezembro de 1891. Em 1906, do mesmo modo, os militares punidos pelo presidente
Rodrigues Alves por participarem nas revoltas militares de 1904, apoiaram a oposição reunida
em torno da “Colligação Matto-grossense.”
Entretanto, em 1899, o que se observou não foi a ação oposicionista da caserna. Pelo
contrário, o cumprimento de ordens diretas do então presidente da República Campos Salles,
mesmo que significasse passar por cima da lei quando, respondendo ao pedido de
fornecimento de armas do então presidente do estado coronel Antônio Cesário de Figueiredo,
o general João Pedro Xavier da Câmara, então comandante do 7.º Distrito Militar, afirmou
que
acatando as vossas considerações sobre o receio que tendes de faltar munição ás forças que defendem o vosso digno Governo é com bastante pesar que não posso immediatamente attender ás vossas solicitações para vos mandar fornecer 30:000 cartuchos a camblaim, sob condição de pagamento, em virtude das ordens expressas do governo da União para que as forças federaes mantenham em completa neutralidade no conflicto travado entre as forças revolucionarias e o vosso Governo.296
O pedido do governo estadual estava fundamentado no inciso 3.º do art. 6.º da
Constituição de 1891, que rezava que o Governo Federal poderia intervir nos negócios
internos dos estados “para restabelecer a ordem e a tranquillidade nos Estados á requisição
dos respectivos governos”297.
Há aqui a interpretação do art. 6.º da Carta de 1891 em benefício da “política dos
governadores”, sustentando governos estaduais, quando aliados do Governo Federal, ou
derrubando-os em casos contrários. Usado em todos os casos como meios de se conseguir, por
parte do Executivo Federal, um Legislativo dócil, sob a ameaça constante, principalmente em
relação aos estados dependentes de forças públicas incapazes de conter o Exército.
Posto desta forma, governos estaduais como o de Mato Grosso eram sustentados pelos
interesses políticos do presidente da República. Deste modo, a “política dos governadores”
procurou reconstituir alguns aspectos do Poder Moderador, sem, no entanto, permitir a
alternância dos partidos.298 Assim, como afirmou José Murilo de Carvalho, “a República foi
antipartido, como o Império fora pró-partido.”299
296 Oficio João Pedro Xavier da Câmara ao coronel Antonio Cesario de Figueiredo, presidente do estado, op. cit. 297 BRAZIL. REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. 1891: promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Organização do texto: Casa de Ruy Barbosa. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/ expo/pdf/constituicao_1891_org.pdf>. Acesso em: 28/dez./2005 298 LESSA, op. cit.; CARVALHO (2003), op. cit., p. 412. 299 Id., ib.
98
E foi este antipartidarismo que impossibilitou em estados como Mato Grosso a
construção de consensos, devido à própria necessidade da inexistência de oposição, sendo os
partidos produtos do personalismo, fortalecido, como foi visto no capítulo anterior, por
instituições, como a Guarda Nacional, controladas pelo Governo Federal, que legitimou o
coronel na chefia política local.
É bem verdade que a questão da violência durante a Primeira República em Mato
Grosso não está isolada das formas de exclusão e controle do demos mato-grossense, bem
como, da própria constituição da polis local, que, sem bases partidárias sólidas, facilmente se
viam envolvidas em disputas armadas.
Entretanto, muito embora a Primeira República tenha se caracterizado por essa
exclusão política, a Guarda Nacional, por sua vez, desenvolveu mecanismos de incorporação
desse demos e do subdemos nas fileiras dos “exércitos populares” e “divisões patrióticas” em
momentos em que a luta armada o exigia. Sendo o coronel, ou mesmo o major, o comandante
de uma brigada ou de um esquadrão de cavalaria, estavam a eles subordinadas todas as outras
patentes de oficiais, além dos guardas nacionais.
Foi por meio deste mecanismo que, em novembro de 1901, a “Divisão de Forças
Patrióticas”, cujo comando coube ao coronel Antônio Paes de Barros (à época, coronel
comandante superior da Guarda Nacional no estado) através do Ato n. 824 de outubro daquele
ano, arregimentou à força 22 trabalhadores da “Compagnie des Caoutchoues du Matto-
Grosso” (uma companhia belga que explorava borracha na região dos rios Seputuba, Papagaio
e Paraguai), o que, segundo participação de seu procurador José Magno da Silva Pereira,
acumulou um prejuízo de 12.917$094 (doze contos, novecentos e dezessete mil, e noventa e
quatro réis), entre diárias, materiais, víveres, borracha e até mesmo uma mula furtada da
empresa.300
Mas a arregimentação de homens armados era conseguida também no interior das
fazendas de gado, das usinas de açúcar, dos ervais do sul, ou entre os foragidos da justiça
paraguaia, boliviana e argentina (principalmente, Corrientes e Entre-Rios), sem
necessariamente se tratar de guardas nacionais. Contudo, a patente de coronel da milícia
cidadã reforçava no indivíduo sua chefia militar, legitimando-a.
Se a violência foi utilizada como estratégia de tomada do poder aos situacionismos
estaduais, o uso da força foi igualmente empregada para a manutenção do partido
300 Petição do advogado José Magno da Silva Pereira, procurador da Compagnie des Caoutchoues du Matto-Grosso, ao presidente Antônio Pedro Alves de Barros. Diamantino, 2 de maio de 1902, s./n. Arquivo Público de Mato Grosso. Lata 1902 “B.”
99
situacionista no governo do estado. Neste sentido, a formação da já mencionada “Divisão de
Forças Patrióticas” durante o governo de Antônio Pedro Alves de Barros para debelar uma
série de assaltos e ataques a cidades do interior, é exemplar. Antes o presidente do estado
havia nomeado chefes locais para manter a ordem em seus respectivos municípios. Para
Santana do Paranaíba nomeou, em agosto, o coronel José Alves Ribeiro; para Diamantino, em
setembro, o tenente-coronel Manoel Pedroso da Silva Rondon; para o sul do estado, em
outubro, o diretor dos índios Kadiweus, Mariano Rostey, para quem, sobre as necessidades de
armas, o presidente mato-grossense respondeu que
quanto á obtenção do armamento e munições de que tiverdes necessidade, podeis dirigir-vos ao Commandante do Districto que para ahi segue e tem auctorisação do Governo da União para supprir a este Governo.301
Segundo Alves de Barros, justificando a ação enérgica por parte do estado, havia uma
conspiração contra seu governo confirmada “por documentos de caracter publico e
particular”, envolvendo “o senador federal Generoso Paes Leme de Souza Ponce e agentes
principais o 1.º vice-presidente do Estado Coronel João Paes de Barros e o 2.º, Coronel João
Ferreira Mascarenhas.”302
No sul do estado, em Aquidauana, o 2º vice-presidente do estado, coronel João
Ferreira Mascarenhas, participou do movimento à frente de grupos de paraguaios armados.303
Em Santo Antônio do Rio Abaixo, o 1.º vice-presidente, coronel João Paes de Barros, irmão
do coronel Totó Paes, abrigou alguns cidadãos acusados de participarem da conspiração em
sua propriedade, a Usina da Conceição.
Nas palavras de Maria Isaura Pereira de Queiroz, para um coronel na oposição
era como se a maldição se tivesse abatido sobre ele e sua gente: eram perseguidos, maltratados, aprisionados, e revidavam pagando violência com violência, muito embora sabendo a quanto se arriscavam.304
Deste modo, o uso da força expôs o incômodo que a existência da oposição causava,
além de demonstrar que a maneira de se lidar com elas era através do seu desaparecimento ou
perseguição.
No início de novembro de 1901, a Usina da Conceição foi invadida pelo chefe de
Polícia de Cuiabá, João de Aquino Ribeiro, e pelos irmãos Henrique e José Paes de Barros – o
301 BARROS, Antônio Pedro Alves de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso, Coronel Antonio Pedro Alves de Barros, á Assembléa Legislativa na sua sessão extraordinária de sua quinta legislatura, a 14 de novembro de 1901. Cuyabá: Typographia Official, 1901, p. 5-7. 302 Id., ib. 303 CORRÊA, V. B., op. cit., p. 103. 304 QUEIROZ, op. cit., p. 164.
100
primeiro, genro de Antônio Paes de Barros, os dois últimos, seus irmãos. A ação de invasão
da propriedade de João Paes de Barros terminou com 17 assassinatos no que ficou conhecido
como “Massacre da Baía do Garcez.” Em outros municípios do estado mais dezesseis
assassinatos: quatro em Barra do Bugres, cinco em São Manuel, cinco em Brotas, e dois na
Vila do Rosário do Rio Acima.305
João Ferreira Mascarenhas, sendo derrotado em Aquidauana, refugiou-se no
Paraguai.306 Em março de 1902, foi sancionada a renúncia de João Paes de Barros do lugar de
1.º vice-presidente do estado, através da Resolução n. 32, assinada pelo presidente Antônio
Pedro Alves de Barros.307 A oposição estava fisicamente derrotada. A “política dos
governadores” funcionou de acordo com os seus ditames. Em novembro de 1902, Campos
Salles transmitiu a presidência da República ao conselheiro Rodrigues Alves – o qual, em
Mato Grosso, obteve o apoio incondicional de Antônio Pedro Alves de Barros.
Em relação aos assassinatos cometidos em Mato Grosso durante as disputas pelo poder
neste período, pode-se alegar que estes atos de força (ou mesmo de violência) contrariam a
idéia de indivíduos em relações de interdependências, pois pressupõem a eliminação de
alguns deles do campo político. Ainda assim, é possível alegar que tais atos faziam parte das
regras do jogo da “política dos governadores” e, conseqüentemente, da figuração como um
todo. Era, em outras palavras, uma realidade em que as disputas políticas foram deslocadas
para os estados, como já foi dito, e lá deveriam ser resolvidas, não importando a maneira: se
pelo uso da violência ou da força; ou se pelo controle eleitoral por parte da polis local.
Também por essa razão a fraude foi oficializada e reconhecida como prática difundida
na política local (o que é extensivo a todo o Brasil), servindo aos interesses do situacionismo,
não interessando à polis local a participação do demos. É por isso que, muito embora a
legitimação do governo tenha se dado sempre através das eleições, os pleitos refletem, na
verdade, apenas os interesses dos chefes políticos. E foi este afastamento do demos da vida
política local, reforçado pela inexistência de organizações partidárias sólidas e,
principalmente, pela existência da Guarda Nacional, como legitimadora do personalismo e do
patrimonialismo – principais características dessa sociedade coronelística – que possibilitou o
uso da violência como estratégia de alcance do poder, ou da força como instrumento de
manutenção dos situacionismos estaduais.
305 CORRÊA FILHO (1969), op. cit., p. 595. 306 CORRÊA, V. B., op. cit., p. 102. 307 ASSEMBLÉIA Legislativa: Sessão em 8 de Março de 1902. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 20 de Março de 1902, n. 1.872, p. 2-3.
101
O abandono da violência como estratégia só se daria quando da extinção da milícia
cidadã, em 1918, obrigando a polis local a buscar no consenso um meio de distribuir os
assentos no Palácio Alencastro e na Assembléia Legislativa, além das nomeações para cargos
públicos. No entanto, esta mudança não significou uma maior inclusão do demos no processo
eleitoral, pois os nomes dos candidatos eleitos eram escolhidos antes mesmo dos pleitos
ocorrerem.
Entre 1892 e 1918, Walmir Batista Corrêa enumera mais de 20 movimentos armados
em todo o estado, entre eles as três “revoluções” que sitiaram Cuiabá em 1892, 1899 e 1906.
Após 1918, apenas o movimento armado de 1922, que envolveu José Morbeck e o coronel
Manoel Balbino de Carvalho, conhecido como Carvalhinho.308 Mas neste já não se utilizaram
de guardas nacionais, mas os homens armados provenientes dos garimpos do leste mato-
grossense.
308 CORRÊA, V. B., op. cit., p. 29-32.
4 Eleições: o demos e a polis locais
4.1 O demos, o povo que votava
Uma das grandes questões das últimas décadas da monarquia havia sido a da
participação do cidadão no processo eleitoral, que, a partir de 1881, foi, por força de lei,
reduzida. Na República, como continuação do Império, a diminuta participação dos cidadãos
nas eleições foi a regra. Mas, para os fins deste capítulo, cabem as seguintes perguntas: Quem
constituía o demos em Mato Grosso? Qual era o percentual de participação desse demos nas
eleições? E, finalmente, até que ponto o demos era controlado pela polis mato-grossense?
A resposta a estas questões dão a extensão e alcance da cidadania em Mato Grosso,
bem como das relações entre polis e demos. Se a República, pelo menos como desejavam seus
principais defensores durante a Monarquia, significaria a democratização do país, a
participação deveria, portanto, ser ampliada, ou, como disse um articulista anônimo, no
hebdomadário O Matto-Grosso a respeito da instalação da primeira Assembléia Constituinte
de Mato Grosso, em 1891: “a republica, […] como é sabido, não é governo de um ou outro
grupo politico, mas verdadeiramente o governo do povo pelo povo.”309
Antes de 1881, as eleições no Brasil eram realizadas em duas etapas. Na primeira
etapa, que contava com a participação dos cidadãos livres com renda de 200 mil réis anuais,
elegiam-se os cidadãos que, num segundo momento, iriam votar nos candidatos a deputados,
senadores, vereadores, juízes de paz etc. A maior parte do eleitorado brasileiro estava
compreendida nesta primeira parte do processo eleitoral.
O Decreto n. 3.029, de 9 de janeiro de 1881, também conhecido como Lei Saraiva, de
acordo com seu art. 2.º , eliminou os eleitores analfabetos, além de continuarem excluídas do
processo eleitoral os cidadãos com renda inferior a 200 mil réis, as praças de pré do Exército,
da Armada e dos corpos policiais das províncias, além dos serventes das repartições e serviços
309 ASSEMBLÉA constituinte. O Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de Julho de 1891, n. 634, p. 1.
103
públicos.310 Como os analfabetos compreendiam a maioria do eleitorado, ou o demos de então
(cerca de 90%311), suprimia-se, conseqüentemente, as eleições indiretas, simplificando o
processo eleitoral.
A Lei Saraiva marcou a exclusão da maioria da população brasileira do processo
eleitoral. Ela representou um retrocesso, ainda mais quando se leva em consideração os mais
de 1 milhão de eleitores em 1872 em todo o Império, correspondentes a cerca de 13% da
população da época.312
Segundo José Murilo de Carvalho, a redução do eleitorado foi justificada pelos
idealizadores e defensores da Lei de 1881 por uma questão de qualidade do eleitorado.
Geralmente analfabetos, carentes de entendimento e independência dos chefes políticos
locais, eram estes eleitores os responsáveis, conforme se pensava à época, pelo falseamento
do processo eleitoral.313 Entretanto, havia uma razão econômica para este procedimento.
Com um amplo número de eleitores, os chefes políticos locais, geralmente
latifundiários – principalmente nas áreas predominantemente rurais, como Mato Grosso –
despendiam altíssimas quantias em dinheiro para manter sob sua dependência grande número
de eleitores, que formavam um excedente ocioso em suas propriedades. Isto “introduzia um
elemento de irracionalidade nos cálculos econômicos dos proprietários.” Contudo, “tal
situação era mais verdadeira no Império do que na República, pois o rodízio de partidos no
poder possibilitava o conflito entre elementos da classe proprietária.” 314
São poucas as fontes a respeito das eleições em Mato Grosso, na época do Império. A
análise dos relatórios dos presidentes provinciais demonstra que as disputas eleitorais na
província mato-grossense eram acirradas, sem, contudo, ultrapassar os limites da legalidade.
Nestes relatórios, estão presentes quase sempre, e de maneira ressaltada, os “ódios” e
“paixões” (como se referiam os políticos às disputas políticas, à época, marcadas pelos
interesses individuais e pelo personalismo) que dividiam tais pleitos, momento em que eram
mais visíveis as polarizações do mundo político de então. Em 1853, por exemplo, Augusto
Leverger, futuro barão de Melgaço, informava que “terminado o processo eleitoral, acalmou
310 IMPERIO DO BRAZIL. DECRETO N. 3.029, DE 9 DE JANEIRO DE 1881. Reforma a legislação eleitoral. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <www6.senado.gov.br/legislacao/ ListaPublicacoes.action?id=70949>. Acesso em: 6/jul./2008. 311 CARVALHO (2005a), op. cit., p. 39. 312 Id., ib. 313 Id. (2003), op. cit., p. 395. 314 Id., ib., p. 397.
104
se a momentanea e superficial agitação dos animos e proseguio o espirito publico na senda da
moderação, da mutua tolerancia e do esquecimento de passadas discórdias.”315
Entre 1850 e 1889, o único incidente maior registrado nos relatórios ocorreu na
paróquia de Rosário do Rio Acima (atual Rosário Oeste), em 1872, durante as eleições para
juiz de paz, quando “um grupo de individuos invadira a igreja, fazendo exclamações
improprias ao lugar, ao acto que se ia proceder e ás leis do paiz.”316 As eleições naquela
paróquia foram adiadas, e o delegado de polícia foi enviado à localidade para averiguações.
É verdade que o rodízio de partidos no poder – mantido graças à escolha
irresponsável, porque neutra, do Poder Moderador – garantia o reconhecimento da vitória
adversária, esperando o grupo derrotado sua vez para ocupar os cargos públicos e usufruir das
benesses da aplicação da lei. Este rodízio seria impraticável se dependessem somente das
eleições, dirigidas pelos partidos políticos e que eram vencidas pelo partido situacionista.317
É sabido que a fraude sempre acompanhou tais eleições. Eram comuns as presenças
indivíduos utilizados para manipular as eleições: eram “cabalistas”, responsáveis pela
inclusão de eleitores e garantia do voto daqueles alistados; “fósforos”, os quais votavam
várias vezes se utilizando do nome de outros eleitores, vivos ou mortos; e “capangas
eleitorais”, que, a serviço de um chefe político local, faziam a segurança dos eleitores aliados,
perseguindo e ameaçando os da oposição.318 Em Mato Grosso, por exemplo, durante as
eleições para deputados do Império de 1872, ainda sob a presidência de Francisco José
Cardozo Júnior, na vila do Diamantino “apresetárão-se 6 eleitores que se simulárão oriundos
de eleição feita na Villa do Rosario.”319 Tratavam-se, evidentemente, dos “fósforos.”
Na República não foi diferente. Em 1917, o jornal O Republicano denunciava que no
município de Santo Antônio do Rio Abaixo Jeronymo Joaquim Nunes havia fornecido cento e
trinta e oito atestados com data atrasada, e isso graças ao fato de “ter sido [por] algum tempo
escrivão do registro civil de nascimentos.”320
Em 1882, o resultado do primeiro alistamento seguindo as disposições da Lei Saraiva,
apontavam para um demos de 2.356 cidadãos, nas comarcas de Alto Paraguai Diamantino
315 LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia do Mato Grosso, o capitão de fragata Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 10 de maio de 1851. Cuiabá: Typ. do Echo Cuiabano, 1852, p. 4. 316 CARDOZO JÚNIOR, Francisco José. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa da provincia de Matto-Grosso no dia 4 de outubro de 1872 pelo presidente da mesma provincia, o exm. sr. tenente coronel Dr. Francisco José Cardozo Junior. Rio de Janeiro: Typ. do Apostolo, 1873, p. 8-9. 317 CARVALHO (2003), op. cit., p. 412. 318 Id. (2005a), op. cit., p. 35. 319 CARDOZO JÚNIOR, op. cit., p. 10. 320 O GRANDE patriota. In: O Republicano, Cuiabá, 2 de agosto de 1917, n. 67, p. 1.
105
(que incluíam as paróquias de Nossa Senhora do Rosário do Rio Acima e de Diamantino), de
São Luiz de Cáceres (compreendendo as paróquias de São Luiz de Cáceres, de Nossa Senhora
do Rosário de Poconé, e da Santíssima Trindade de Mato Grosso – atual Vila Bela), de
Corumbá (com paróquia de mesmo nome), de Miranda (que era formada pelas paróquias de
Nossa Senhora do Carmo de Miranda e de Santa Rita de Levergeria), de Santana do Paranaíba
(com paróquia homônima), e, com um total de 592 eleitores alistados, a comarca de Cuiabá
(que incluía as duas paróquias da capital, Sé e São Gonçalo de Pedro II, e as de Brotas – atual
Acorizal –, Santo Antônio do Rio Abaixo, Nossa Senhora do Livramento, Chapada e Guia).321
O eleitorado representava, portanto, 4,38% da população livre, entre homens e mulheres,
estimada em 53.750 habitantes, segundo o Censo de 1872.322 Infelizmente, não há dados do
número de eleitores alistados antes de 1881, em Mato Grosso.
No entanto, se se levar em conta os dados do alistamento da Guarda Nacional de 1876,
tem-se um total de 9.457 guardas do serviço ativo e da reserva. Considerando o fato de serem
guardas nacionais todos os cidadãos alistados como eleitores, de acordo com o art. 9.º, § 1.º
da Lei n. 602, como já foi dito, chega-se a um percentual de 13,16%, o que configura uma
queda acentuada de 401,40% em relação aos números de 1882.
Dados do Brasil, na época, apontam para um eleitorado equivalente a 0,8% da
população livre, a partir de 1881.323 Isso demonstra que o eleitorado mato-grossense
permaneceu acima da média nacional.
Após a proclamação, o primeiro regulamento eleitoral da República foi o Decreto 200-
A, promulgado pelo Governo Provisório a 8 de fevereiro de 1890. Com ele, embora tivesse
sido abolida a exigência de renda, continuou a exclusão dos analfabetos, conforme rezava seu
art. 4.º.324
A Constituição de 1891 ampliou ainda mais a exclusão. Conforme o art. 70, estavam
excluídos além dos analfabetos, os mendigos, as praças de pré do Exército, da Armada e dos
corpos policiais estaduais,“exceptuados os alumnos das escolas militares de ensino superior”,
e os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou outras comunidades,
“sujeitos a voto de obediencia, regra, ou estatuto, que importe a renuncia da liberdade
321 ALENCASTRO, José Maria de. Relatorio com que o exm. sr. coronel dr. José Maria de Alencastro, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.a sessão da 24.a legislatura da respectiva Assembléa no dia 15 de junho de 1882. Cuyabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1882, p. 4-5. 322 IMPERIO DO BRAZIL. DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Recenseamento Geral do Império de 1872. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger / Tip. Commercial, 1876, p. 46. (Mato Grosso, 21). 323 CARVALHO (2005a), op. cit., p. 39. 324 BRAZIL. DECRETO 200-A, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1890. Promulga o regulamento eleitoral. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <www6.senado.gov.br/legislacao/ ListaPublicacoes.action?id=64297>. Acesso em: 15/jul./2007.
106
individual.”325 Eram cidadãos que tinham que cumprir seus deveres de pagar impostos e/ou
servirem o país e os estados, mas que foram colocados de fora do processo de escolha de seus
representantes e, portanto, de seus próprios interesses. Constituíam, portanto, o subdemos da
população brasileira.
Em 1894, somente para a comarca de Cuiabá, foram alistados para a primeira eleição
direta à Presidência da República 1.943 eleitores.326 Estes números representam um aumento
de 328,21% em relação aos dados de 1882.
O alistamento de 1894 revela ainda outros detalhes, tais como a ocupação dos eleitores
alistados na comarca de Cuiabá, que concentrava a maior parte da população do estado de
Mato Grosso durante toda a Primeira República, conforme é possível observar no Quadro 2, a
seguir:
Quadro 2 – Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1894 das dez seções eleitorais da Comarca de Cuiabá, compreendendo as paróquias da Sé e São Gonçalo de Pedro II, de
Santo Antônio do Rio Abaixo, Chapada, Nossa Senhora do Livramento, Brotas e Guia. Profissões N. Abs. %
Criador 106 5,46 Estancieiro 1 0,05 Fazendeiro 7 0,36
Agrícolas
Lavrador 763 39,27
45,14
Agência 196 10,09 Caixeiro 2 0,10 Capitalista 3 0,15 Empregado do comércio 18 0,93
Negociante 148 7,62
Comerciais
Proprietário 36 1,85
20,74
Desembargador 1 0,05 Empregado aposentado 18 0,93
Empregado público 176 9,06 Juiz de direito 1 0,05 Magistrado 6 0,31 Oficial de justiça 1 0,05 Presidente do Estado 1 0,05
Promotor público 1 0,05 Professor 4 0,21
10,76
Alferes do corpo de policia 3 0,15
Alferes do exercito 2 0,10
Funcionários Públicos, Militares do Exército e da Polícia do estado
Capelão reformado 1 0,05
3,81
14,57
325 BRAZIL. REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL, op. cit., p. 19. 326 A relação dos alistados de dez seções eleitorais da comarca de Cuiabá está na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso entre os números 591, de 29 de maio de 1894, e o número 640, de 20 de setembro de 1894.
107
Oficial de Policia 6 0,31 Oficial do exercito 29 1,49 Oficial honorário 2 0,10 Oficial reformado 30 1,54 Sargento reformado 1 0,05 Açougueiro 3 0,15 Alfaiate 27 1,39 Armador 1 0,05 Arrieiro 1 0,05 Artista 16 0,82 Boiadeiro 5 0,26 Carpinteiro 57 2,93 Espingardeiro 3 0,15 Ferrador 5 0,26 Ferreiro 17 0,87 Fogueteiro 3 0,15 Foguista 1 0,05 Funileiro 11 0,57 Jornaleiro 1 0,05 Latoeiro 2 0,10 Maquinista 5 0,26 Marceneiro 36 1,85 Marítimo 1 0,05 Músico 3 0,15 Oleiro 11 0,57 Ourives 11 0,57 Padeiro 15 0,77 Pedreiro 23 1,18 Pescador 2 0,10 Pintor 17 0,87 Sapateiro 39 2,01 Seleiro 3 0,15 Serrador 1 0,05 Serralheiro 10 0,51 Tanoeiro 1 0,05 Taverneiro 6 0,31 Telegrafista 1 0,05 Torneiro 2 0,10
Ofícios Mecânicos
Tipógrafo 6 0,31
17,81
Agrimensor 1 0,05 Engenheiro 1 0,05 Médico 4 0,21 Farmacêutico 5 0,26
Profissionais liberais
Professor Particular 2 0,10
0,67
Industriais Empregado Industrial 1 0,05 0,05
Prontuário apostólico 1 0,05
Guarda Livros 1 0,05 Empregado particular 1 0,05
Empregado 1 0,05
Outros
Padre 1 0,05
0,26
Não consta/Ilegível 15 0,77 0,77
108
Total 1.943 100,00 100,00 Fontes: O alistamento eleitoral de 1894 está publicado na Gazeta Official do Estado de Matto-Grossode 29 de maio a 13 de setembro daquele ano, entre os números 591 e 638, respectivamente – sempre na seção “Editaes.”
Nota-se que a maior parte do eleitorado tinha como principal atividade econômica a
agropecuária, mesmo no caso da comarca da capital. Mas também tinha grande participação
política os cidadãos ligados ao comércio. Atrás destes, os cidadãos que tinham como
ocupação os ofícios manuais, desprezados pela cultura bacharelesca do Brasil, seguidos dos
funcionários públicos, divididos entre civis e militares. Os profissionais liberais e
trabalhadores da indústria ou mesmo industriais não alcançavam 1% do eleitorado, o que
indica a quase inexistência de uma classe média mato-grossense. Estes dados demonstram o
peso do comércio e da agropecuária na política local, ainda mais quando se leva em
consideração o status que Cuiabá possuía como centro político de Mato Grosso, e região mais
urbanizada, por ser a capital.
A preponderância dos setores comerciais e agropecuários entre o demos demonstra
que o controle sobre este eleitorado era bastante elevado, principalmente no que diz respeito
ao comércio, exatamente por se tratarem, em sua grande maioria, de funcionários das casas
comerciais, ou de trabalhadores de agência, que serviam de representantes comerciais destas.
Por sua vez, as atividades agropecuárias implicavam tradicionalmente o uso de uma
mão-de-obra mais controlável. Em Mato Grosso, o primeiro intelectual a dar visibilidade aos
trabalhadores do campo foi Virgílio Corrêa Filho em seu livro Pantanaes Matogrossense
(devassamento e ocupação), publicado em 1946. Corrêa Filho denomina estes trabalhadores
rurais de “plebe rural” que, segundo ele, compreendia: os “agregados”, que se estabeleciam
em uma porção de terra, com a permissão do dono, com o compromisso de prestar serviços e
vender a sua produção ao proprietário; os “camaradas”, que eram os empregados das
propriedades, geralmente prisioneiros por dívidas trabalhistas; e “aqueles que não se alistam
em nenhum destes grupos”, tratando-se de pequenos proprietários, herdeiros de sesmarias e
empobrecidos.327
É bem verdade que se deve tomar cuidado com o olhar de Corrêa Filho, que considera
as dívidas e empobrecimento dos camaradas como resultados de seus gastos em supérfluos
adquiridos ao comércio fluvial.328 No entanto, é possível visualizar a dependência desta
população em relação aos proprietários rurais. Este dado corrobora as conclusões de Victor
327 CORRÊA FILHO (1946), Virgilio. Pantanaes Matogrossenses (devassamento e ocupação). Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1946, p. 122-125 328 Id., ib.
109
Nunes Leal quanto à dependência do eleitorado brasileiro em relação aos latifundiários.
Contudo, penso que existiam outros mecanismos de controle do demos que a polis lançava
mão, pois o processo eleitoral não se restringia ao ato de votar, envolvendo desde os membros
das comissões de alistamento, passando pelos membros das mesas eleitorais, chegando às
comissões de apuração das eleições, responsável também pela emissão dos diplomas aos
candidatos vitoriosos, alcançando a degola na Comissão de Reconhecimento de Poderes da
Câmara de Deputados ou da Assembléia Legislativa.
Em relação ao estado de Mato Grosso, esta preponderância de indivíduos ligados às
atividades comerciais e agropecuárias pode ser observadas em outros municípios em
momentos diferentes da Primeira República nos quadros 3, 4 e 5, a seguir:
Quadro 3 – Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1906 do município de Cáceres Profissões N. Abs. %
Criador 3 3,70 Agrícolas Lavrador 38
41 46,91
50,62
Agência 17 20,99 Empregado no comércio 1 1,23 Comerciais Negociante 7
25 8,64
30,86
Empregado público 1 1,23 Médico do Exército 1 1,23
Funcionários Públicos, Militares do Exército e da Polícia do estado Oficial de Polícia 1
3 1,23
3,70
Alfaiate 2 2,47 Marcineiro 1 1,23 Pedreiro 2 2,47 Sapateiro 3 3,70
Ofícios mecânicos
Seringueiro 1
9
1,23
11,11
Industriais Industrial 3 3 3,70 3,70
Total 81 81 100 100 Fonte: COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DE CÁCERES. Livro de inscripção de eleitores do Municipio de São Luiz de Caceres, 1906. São Luia de Cáceres, n. 1. Arquivo Público de Mato Grosso. Tribunal Regional Eleitoral, n. 007-273.
Como pode ser observado no quadro acima, a cidade de Cáceres, embora fosse um
importante porto, concentrando parte do comércio de Mato Grosso, segue a tendência da
capital do estado. Contudo, o percentual de funcionários públicos e de indivíduos ligados aos
ofícios mecânicos é significativamente menor que o de Cuiabá. Por um lado, demonstra a
centralidade política da capital mato-grossense, ao concentrar os cargos públicos; por outro,
demonstra o quão ruralizada era a vida política mato-grossense em toda a sua extensão.
Entretanto, diferente da capital do estado, a indústria tem um percentual maior. Este
ponto é explicado pela concentração de saladeiros, que processavam a carne de gado, e da
Usina da Ressaca, produtora de subprodutos da cana-de-açúcar, localizados ao longo do rio
110
Paraguai, cuja produção era embarcada no porto da cidade e exportada para as regiões
platinas.329
Quadro 4 - Relação de profissões do alistamento eleitoral de 1905 do Município de Rosário do Rio Acima
Profissões N. Abs. % Agricultor 1 0,29 Criador 6 1,74 Agrícolas Lavrador 205
212 59,42
61,45
Agência 33 9,56 Comerciante 8 2,32 Comércio 7 2,03 Empregado do comércio 11 3,19
Comerciais
Negociante 14
73
4,06
21,16
Professor público 1 0,29 Coletor 1 0,29 Empregado público 5 1,45 Escrevente de Paz 1 0,29 Funcionário público 1 0,29 Magistrado 1 0,29 Professor 2 0,58
Funcionários Públicos,
Tabelião 1
13
0,29
3,77
Alfaiate 3 0,87 Arreiero 1 0,29 Artista 1 0,29 Carpinteiro 8 2,32 Ferreiro 2 0,58 Ourives 1 0,29 Padeiro 1 0,29 Pedreiro 4 1,16 Sapateiro 1 0,29
Ofícios Manuais
Seringueiro 13
35
3,77
10,14
Industriais Industrial 8 2,32 2,32
Não consta/Ilegível 4 1,16 1,16
Total 345 345 100,00 100,00 Fonte: COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DO ROSARIO. Livro para a inscripção dos eleitores do municipio do Rosario, 1905. Rosario, n. 2. Arquivo Público de Mato Grosso. Tribunal Regional Eleitoral, n. 007-272.
Como o quadro anterior, pode ser observado em Rosário do Rio Acima (atual Rosário
Oeste) a mesma preponderância das atividades agropecuárias. Situada às margens do rio
Cuiabá, a vila tinha sua economia baseada na exploração da borracha, que constituía a sua
indústria. No entanto, o percentual de eleitores alistados ligados às atividades agropecuárias é
bastante maior em comparação aos dois quadros anteriores. Isto se deve ao fato de Rosário do
329 Ver BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo à pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Gross (1870 a 1930). Cuiabá: USP, 1991. Dissertação (Mestrado em História Econômica), Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, 1991 e REYNALDO, Ney Iared. Comércio e Navegação no Rio Paraguai (1870-1940). Cuiabá: UFMT, 2004.
111
Rio Acima não ser um centro urbano dinâmico comercialmente, com um porto importante,
como são os casos de Cuiabá e São Luiz de Cáceres.
A concentração do demos nas atividades agropecuárias é ainda maior em municípios
como Santo Antônio do Rio Abaixo, onde, devido a fertilidade do solo, graças às águas do rio
Cuiabá, bem como pelas facilidades obtidas pela navegação fluvial, por se constituir este rio
uma das principais vias de comunicação do estado com as outras importantes praças
comerciais de Mato Grosso e da bacia platina, concentravam-se os sítios e engenhos
margeando o velho rio monçoeiro.330
Quadro 5 - Relação de profissões da revisão do alistamento eleitoral de 1912 do Município de Santo Antonio do Rio Abaixo
Profissões N. Abs. % Fazendeiros 15 15,15 Agrícolas Lavradores 63
78 63,64
78,79
Agência 3 3,03 Comerciante 1 1,01 Empregados do comércio 1 1,01 Negociantes 4 4,04
Comerciais
Farmacêutico 1
10
1,01
10,01
Emprgado público 1 1,01 Funcionalismo Público Magistrado 1 2 1,01 2,02
Artista 1 1,01 Caldeireiro 1 1,01 Carpinteiros 3 3,03 Pedreiro 1 1,01
Ofícios Mecânicos
Sapateiro 1
7
1,01
7,07
Profissionais Liberais Dentista 1 1 1,01 1,01 Outros/Não definidos Guarda 1 1 1,01 1,01 Total 99 99 100,00 100,00
Fonte: COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DE SANTO ANTONIO DO RIO ABAIXO. Acta da revisão do alistamento dos eleitores do municipio de Santo Antonio do Rio Abaixo. Arquivo Público de Mato Grosso. TRE – 007-264.
É interessante notar que em Santo Antônio do Rio Abaixo as usinas de açúcar situadas
às margens do rio Cuiabá concentravam grande quantidade de camaradas, os quais deveriam
constar como empregados da indústria, mas que não são mencionados no quadro acima. É
bastante provável que constem nestes dados acima apenas os agregados ou como “aqueles que
não se alistam” em uma ou outra categoria, de acordo com Virgílio Corrêa Filho. É verdade
que se trata de uma revisão de alistamento, quando são adicionados novos eleitores, mas estes
números são bastante significativos.
330 Ver MELO, Mário Lacerda de (1953). A Região Ribeirinha do Médio Cuiabá: estudo de Geografia Humana. In: Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, AGB, 1957. (v. 7, t. 2, 1952-1953)
112
Mas Cuiabá e São Luiz de Cáceres, juntamente com Corumbá, são exemplos de
cidades que concentram as atividades comerciais do estado, graças às facilidades de acesso
através do rio Paraguai às cidades platinas de Assunção, no Paraguai, Buenos Aires, na
Argentina, e Montevidéu, no Uruguai. E como o comércio desta época estivesse intimamente
ligado ao extrativismo e à agropecuária, os números demonstram que Mato Grosso era
particularmente um estado pouco urbanizado.
Voltando ao quadro 2, e levando-se em consideração apenas o contingente de votantes
das duas paróquias da Capital, e da de Chapada (ou Santana do Sacramento), recenseadas
como parte do município da capital, em 1890, e que abrangiam as seções 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª,
6.ª e 10.ª 331, tem-se um total de votantes alistados igual a 1.355, o que, em relação à
população estimada em 27.093 habitantes332, alcança-se apenas 5,00% da população cuiabana.
Estes dados significam que a participação política do demos da Capital mato-grossense era
relativamente baixa.
Este percentual se manteve com pouca variação ao longo da Primeira República.
Contudo, observando-se o quadro 2, constata-se que a taxa de participação cai mais ainda
quando é considerado apenas o número de votantes em relação à população absoluta. Antes de
se analisar este ponto, no entanto, é preciso ser feita uma ressalva.
No Brasil, de acordo com o art. 59 da Lei n. 35, de 26 de janeiro de 1892, o processo
eleitoral deveria ser organizado por cada estado. Em Mato Grosso adotava-se o voto
cumulativo. Segundo a Constituição Estadual de 1891, em seu art. 55, alínea 5.ª, todo eleitor
tinha “em cada eleição tantos votos quantos forem os logares á preencher, podendo
concentral-os todos n’um só nome, repetindo outras tantas vezes, ou distribuil-os como
entender.”333
Este tipo de voto, de acordo com um artigo publicado n’O Matto-Grosso, no número
de 19 de julho 1891, quando ainda se discutia a Constituição do estado de Mato Grosso, era
uma garantia “a todos os matizes da opinião, que puderem condensar certo numero de
suffragios, a faculdade de se fazerem representar no seio das corporações electivas”334. Na
prática, o controle das seções eleitorais permitia que apenas os candidatos de um partido
331 EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de abril de 1894, n. 569, p. 2. 332 PERARO, Maria Adenir. A imigração para Mato Grosso no século XIX – mulheres paraguaias: estratégias e sociabilidades. In: Anais do XII Encontro Nacional de Estudos populacionais da ABEP, Caxambu, 2000, v. 1. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/A%20Imigra%C3%A7%C3 %A3o%20Para%20Mato%20Grosso%20no%20s%C3%A9culo%20XIX....pdf>. Acesso em: 9/out./2007, p. 4. 333 MATTO-GROSSO. Constituição do Estado de Matto-Grosso (1891). In: AYALA, S. C. & SIMON, F. Album Graphico do Estado de Matto-Grosso. Corumbá: Hamburgo, 1914, p. 30-41. 334 ASSEMBLÉA constituinte. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de Julho de 1891, n. 634, p. 1.
113
vencessem as eleições, tornando letra morta a possibilidade legal da representação das
minorias.
Assim, ao analisar as eleições no estado fiz uso no quadro 6 apenas dos resultados dos
pleitos que tiveram uma vaga a ser eleita (tais como, presidente da República e uma vaga para
deputados federais), o que obrigava os eleitores a depositarem somente um voto.
Quadro 6 – Eleitores votantes e eleitores alistados em relação às populações absolutas de Cuiabá e Mato Grosso
Eleitores votantes Eleitores alistados Participação da população sobre o
total de votantes - % Eleições
MT Cbá % Cbá %
Abst. MT
%
Abst. Cbá
%
Partic. MT
%
Partic.
Pres. da
República,
em 1894
– 1.149 – 1.943 40,86 – – 27.093 2,39*
92.827 –
Uma vaga
de Dep.
Federal,
em 1895
3.247 1.176 36,22 – - – – 27.093 4,34 92.827 3,50
Uma vaga
de Dep.
Federal,
em 1918
2.523 773**
30,64 1.030 24,95 – – 33.678 2,30 246.612 1,02
Pres. da
República,
em 1930
– 2.624 – – – – – 33.678 7,79 246.612 -
Fontes: Os números do alistamento eleitoral de 1894 foram publicados na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso de 29 de maio a 13 de setembro daquele ano, entre os números 591 e 638, respectivamente – sempre na seção “Editaes.” Os resultados das eleições presidenciais de 1894 estão em ELEIÇÕES Federaes. In; O Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março 1894, 726, p. 3-4 e ELEIÇÕES Federaes. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de março 1894, 727, p. 3; os resultados das eleições de 1895 estão publicadas na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, nos números 709, 710, 712, 713, 715 e 727 dos dias 28 de fevereiro, 2, 7, 9, 14 de março, e 11 de abril, respectivamente. O alistamento eleitoral de 1918 foi publicado na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, no mesmo ano, nos números 4242, 4243 (de 29 e 31 de janeiro, respectivamente), 4244 (de 2 de fevereiro), 4246 (de 7 de fevereiro), 4250 (de 19 de fevereiro), 4252, 4253 e 4254 (de 23, 26 e 28 de fevereiro, respectivamente). O resultado das eleições para uma vaga para a Câmara Federal de Deputados de 1918, estão em VÁRIAS Noticias. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá 23 de abril de 1918, n. 4275, p. 4 e APURAÇÃO da Eleição. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de maio de 1918, n. 4282, p. 8. Os resultados da eleições Presidenciais de 1930 estão publicadas em EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março de 1930, n. 6122, p. 3-4 e EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 15 de março de 1930, n. 6127, p. 3-4. Os censos de 1890 e 1920 estão em PERARO, op. cit., e MINISTERIO DA AGRICULTURA, INDUSTRIA E COMMERCIO. DIRECTORIA GERAL DE ESTATISTICA. Recenseamento Geral do Brazil – Realizado em 1 de Setembro de 1920: População: População do Brazil por Estados e municipios, segundo o sexo, a idade e a nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. Da Estatistica, 1928. (volume 4, parte 2, tomo 1), p. 12 e 67. * Referente aos votantes das seções 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 10.ª que correspondem ao município de Cuiabá, no Censo de 1890, que compreendia as paróquias da Sé, São Gonçalo de Pedro II e de Santana do Sacramento, ou Chapada, calculados em 647. ** Não foram somados os votantes das seções 13.ª, 14.ª, 15.ª e 16.ª por se tratarem, para o Censo de 1920, do município de Santo Antônio do Rio Abaixo.
114
Como pode ser observado no quadro 6, durante a Primeira República a maior taxa de
participação da população de Cuiabá ocorreu em 1930. Como não há dados do resultado das
eleições presidenciais de 1930 em Mato Grosso, tem-se como maior percentual 3,50 % de
participação em todo o estado, em 1895 – dados que podem valer também para as eleições de
1894, pela proximidade da data. Outro ponto que deve ser lavado em consideração é o peso
político de Cuiabá. Um terço dos votantes de todo o estado se concentrava na comarca da
Capital. Este dado corrobora a centralidade que a cidade possuía em todo o estado no período,
compreendendo as principais forças políticas mato-grossenses e sendo palco dos principais
embates políticos locais, violentos ou não.
Essa baixa participação demonstra a exclusão da vida política da população local,
desconstruindo qualquer discurso de envolvimento das massas. Neste ponto, em particular, a
pressão e controle da polis local sobre o demos transformaram as eleições em momentos de
manipulação, coação e troca de favores. Mesmo adotando o voto cumulativo, ou livre, como
também é chamado, as minorias nunca conseguiram eleger qualquer representante.
Em 1903, em pleno funcionamento da “política dos governadores”, o coronel
Generoso Ponce e o Dr. Antônio Corrêa da Costa, à época opositores dos irmãos Manuel e
Joaquim Murtinho e ao presidente de Mato Grosso, Antônio Pedro Alves de Barros,
chamavam a atenção para o fato de ser o jornal A Reacção publicado no Paraguai “por falta de
garantias no Estado.”
Segundo estes mesmos articulistas, publicavam-se em “diversos orgãos da imprensa
que o novo governo esforçar-se-há por obter a representação das minorias, dando assim uma
valvula ao sentimento da opposição.” No entanto, continuam eles, “como se há de conseguir
que as opposições regionaes enviem um delegado seu ao Congresso senão por tolerancia dos
governadores, com prejuizo de um dos muitos amigos, cuja dedicação precisa ser
recompensada?.” Por fim, concluem, “este appello aos governadores embora bem
intencionado, revela claramente a situação do eleitorado e a sua absoluta falta de liberdade
politica.”335
Reproduzia-se nas eleições o famoso Sorites de José Tomás Nabuco de Araújo no
Senado, a 17 de julho de 1868, sobre o sistema eleitoral do Império: “O Poder Moderador
pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há de
fazê-las; esta eleição faz a maioria. Eis aí está o sistema representativo do nosso país!”336 Na
335 PONCE, Generoso & CORRÊA DA COSTA, Antônio. Tudo como dantes. In: A Reacção, Assunção, Paraguai, 10 de janeiro de 1903, n. 20, p. 1. 336 CARVALHO (2003), op. cit., p. 404.
115
República, o sorites poderia ser reescrito da seguinte forma: “O presidente da República faz
os governadores, os governadores fazem as eleições e as eleições fazem o presidente da
República.”337
Mas também existia por parte do demos algum interesse neste processo. Ao se
posicionar em apoio a um grupo à despeito do outro, vislumbrava-se uma nomeação, uma
indicação para a resolução de uma disputa judicial, o que caracteriza a prática do
clientelismo338, ou era um posicionamento ligado aos ódios pessoais contra um desafeto –
como já foi dito no capítulo passado.
Em 1894, ao rememorar em um artigo irônico os acontecimentos de 1892, quando
Manuel Murtinho foi deposto pelos membros do Partido Nacional, formando-se, em seguida,
uma junta governativa composta do coronel Benedicto Pereira Leite, do tenente-coronel José
Marques de Fontes e do major do Exército Antônio Annibal da Motta, o pseudonímico Pérsio
escreveu que
o povo soberano quase jogou a tapona, em palacio, por causa dos empregos; todos querião ser nomeados para os mais rendosos; e houve um momento em que o autor d’estas linhas que, infelizmente, estava presente, fugiu apavorado ao ver, alçados, os nodosos e terriveis cacetes prestes a esborracharem queixos e narizes do descuidado proximo.339
Trata-se, evidentemente, em oposição à cidadania (ou a prática contínua dos direitos
individuais e políticos), daquilo que José Murilo de Carvalho definiu como estadania340, em
que “de um lado, o Estado coopta seletivamente os cidadãos e, de outro, os cidadãos buscam o
Estado para o atendimento de interesses privados.”341
A baixa participação dos cidadãos na escolha de seus representantes é indicador desta
afirmativa. O governo precisava destes cidadãos fiéis aos seus interesses políticos, em troca,
disponibilizavam os mais diversos tipos de favores, principalmente em na forma de empregos
públicos.
Mas esse controle eleitoral era um pouco maior nos municípios do interior. Nas duas
paróquias de Cuiabá, durante as eleições para presidente e três vices-presidentes do estado,
em 1895, embora o nome de Antônio Corrêa da Costa aparecesse quase que por unanimidade
(não fosse por um único voto recebido pelo Dr. Gabriel de Souza Neves na 1.ª seção da
Capital), na disputa para 1.º, 2.º e 3.º vice-presidentes receberam votos outros candidatos,
337 CARVALHO (2003), op. cit., p. 413. 338 Id. (2005b), op. cit., p. 134. 339 PÉRSIO. Coisas e Loisas. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de março 1894, n. 727, p. 3-4. 340 CARVALHO (1987), José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 49-50 e id. (1990), op. cit., p. 29-33. 341 Id. (1996). Cidadania: tipos e percursos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 18, 1996, p. 339.
116
indicando que na cidade o controle era dificultado pela presença de maior número de cidadãos
e dos próprios candidatos interessados em assegurar o voto de seus eleitores (familiares e
amigos mais próximos).
Em outros municípios mais ruralizados, nos quais as seções eleitorais chegavam a
funcionar nas sedes das fazendas, presidindo as respectivas mesas eleitorais os proprietários
destas, ou os filhos dos mesmos, o controle era absoluto, não dando espaço sequer para os
votos em candidatos da oposição.
A este respeito, verifica-se que durante as mesmas eleições de 1895, a 8.ª seção
eleitoral da comarca da Capital (mas que compreendia o município de Santo Antônio do Rio
Abaixo) funcionou na casa de herança do comendador Joaquim José Paes de Barros, sendo a
respectiva mesa presidida por um de seus filhos, o tenente-coronel Joaquim Paes de Barros. A
9.ª seção, também do mesmo município, funcionou no consistório da igreja de Nossa Senhora
das Dores, na então povoação do Melgaço (atual Barão de Melgaço), sendo presidida por
outro filho do comendador Paes de Barros, o então tenente-coronel Antônio Paes de Barros.
Fechando o domínio eleitoral na região, presidiu a mesa da 7.ª seção eleitoral, que funcionou
no consistório da Igreja de Santo Antônio, o major Severo José da Costa e Silva – chefe
político do Partido Republicano na região, portanto, aliado político de Generoso Ponce e do
candidato à presidência do estado o Dr. Antônio Corrêa da Costa.342 O resultado das eleições
deste ano refletiu a fraude: na 7.ª seção, Antônio Corrêa da Costa, o candidato oficial à
presidência, e os candidatos às 1.ª, 2.ª e 3.ª vices-presidências, respectivamente, coronel José
da Silva Rondon, coronel Antonio Cesário de Figueiredo e tenente-coronel Virgilio Alves
Corrêa, receberam todos os 155 votos; na 8.ª seção, estes mesmos candidatos receberam todos
os 124 votos343; na 9.ª seção, todos os 147.
Este controle era fundamental em momentos em que a escolha dos candidatos dividia
os grupos políticos, abandonando-se qualquer possibilidade de consenso e adotando a luta
armada como meio de se alcançar o poder, como aconteceu em 1899, quando, durante a
escolha dos candidatos a presidente e vice-presidentes, a indicação do nome do Dr. João Félix
Peixoto de Azevedo, pelo coronel Generoso Ponce, contrariou a posição de chefes políticos
como Antônio Paes de Barros, Salomão Alves Ribeiro, Antônio Pedro Alves de Barros,
Hermenegildo Alves Pereira e João Antônio Nunes da Cunha, além de Manuel Murtinho, já
como ministro do Supremo Tribunal Federal, os quais preferiam o Dr. José Maria Metello.
342 EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 9 de fevereiro de 1895, n. 701, p. 3. 343 EDITAES: Eleição Estadoal. In. Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de março de 1895, n. 714, p. 3.
117
O candidato do coronel Generoso Ponce foi vitorioso. No último resultado publicado
na Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso (em que faltavam apenas os votos apurados de
uma das seções eleitorais de Santo Antônio do Rio Abaixo e da cidade de Mato Grosso), João
Félix vencia com 5.070 votos, contra 1.734 de José Maria Metello344. O apoio ao coronel
Ponce da maioria dos chefes políticos nos municípios era evidente, “uma vez que eram
poncistas declarados os mesários quase na totalidade, as autoridades municipais e estaduais e
a maioria dos chefes regionais e os seus eleitores.”345
E como a oposição, liderada por Manuel Murtinho e reunida em torno do Partido
Democrático, não tivesse meios de alcançar o poder político através do voto, Antônio Paes de
Barros, com o auxílio de homens armados, conseguiu em abril a anulação das eleições de
1899, afastando da presidência da Assembléia Legislativa o coronel Generoso Ponce, e
exigindo novas eleições que foram vencidas pelos aliados dos irmãos Murtinho346.
Mas se, por um lado, o Estado cooptava alguns indivíduos oferecendo as benesses de
empregos e cargos públicos, por outro, exigia a fidelidade ao governo. Em 1890, o então
governador general Antônio Maria Coelho, em expediente do dia 16 de setembro, comunicou
ao inspetor da Tesouraria de Fazenda que,
com a máxima brevidade ordeneis aos empregados dessa Thesouraria Manoel Pereira Mendes, Licio de Campos Borralho e Antonio Olegario de Souza, bem como os da alfândega de Corumbá, actualmente suspensos por desobedientes, Satyro Domingos de Araujo e Luiz Cassiano da Silva, que informem se tomaram parte na reunião política havida no dia 14 do corrente em casa do cidadão Generoso Paes Leme de Souza Ponce e se assignaram o manifesto constante do boletim que acompanhou o “Matto-Grosso” de hontem.
E ainda, no mesmo expediente:
Dentre os signatários do manifesto constante do boletim que acompanhou o Matto-Grosso de hontem figurando o nome do collector das rendas geraes desta capital coronel Joaquim Vaz de Campos, que, esquecido de seus deveres de funccionário publico para com a primeira autoridade do Estado subscreveo o mesmo manifesto, que é um acervo de offensas irrogadas ao chefe do Estado, não podendo nem devendo o mesmo, portanto, continuar a exercer funcções publicas, tenho resolvido nos termos do Aviso n. 75 de 14 de Outubro de 1843 e da ordem n. 110 de 13 de Abril de 1857 que demittaes o referido collector, nomeando em sua substituição um outro cidadão para
344 ELEIÇÃO Presidencial. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 23 de Março de 1899, n. 1.420, p. 4. 345 CORRÊA FILHO (1951), op. cit., p. 23. 346 PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Alianças e disputas políticas: os primeiros anos da “política dos governadores” em Mato Grosso (1899-1906). 2006, 86f. Monografia (Graduação em História) – ICHS, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, p. 43-45.
118
esse cargo, acto este de que opportunamente devereis dar sciencia a este Governo.347
Cerca de vinte e oito anos depois, o então presidente do estado e bispo de Prusíade,
Dom Francisco de Aquino Corrêa recebeu uma correspondência enviada pelo secretário
estadual do Interior, Justiça e Fazenda, Benito Esteves, denunciando o jornal oposicionista A
Razão, de Aquidauana, e seu redator, o bacharel Vicente Maurano, também promotor de
justiça daquele município. De acordo com Esteves,
tomando conhecimento, como devia, desse facto grave e, com advertencia ao seu insolito procedimento, esta Secretaria dirigiu, em 20 de Junho ultimo, áquelle promotor, o telegramma constante da cópia junta, extranhando como um funccionario que exerce um cargo de toda confiança do Governo, estivesse, com o apoio que assim dava ao trefego e impulsivo proprietario daquella folha, concorrendo para o desprestigio do principio de autoridade, base fundamental de todo Governo constituido, ao emvez de zelar pela sua integridade. Esse aviso, porém, nenhum effeito salutar produziu. Ao contrario, como verá V.Excia. Revm. do exemplar de 30 de Junho, que tambem junto, aquella folha, continuando na sua gratuita e absurda campanha de desmoralizar a actual administração do Estado, investiu, furibunda, desta vez, contra o proprio Secretario do Interior e Justiça e o bacharel Maurano, lá figura sempre como seu redactor.
O mesmo secretário do Interior, Justiça e Fazenda pedia a exoneração do promotor de
justiça “a bem da ordem e do prestigio da autoridade”, pois
como tal proceder aberra das normas e principios que regem a administração publica e, assim agindo, esse funccionario deu sobejas provas, pelo menos, de sua falta de criterio e idoneidade indispensavel para ser o fiscal da lei e o representante dos altos interesses do Estado naquella comarca.348
A resposta de Dom Aquino, dada a 30 de julho daquele ano, e escrita na mesma
correspondência, como era de praxe, foi afirmativa: “faça-se a exoneração proposta.”
E caso a cooptação por meios pacíficos não fosse eficaz, lançava-se mão da coação,
como ocorreu em 1890, nas eleições para duas vagas de deputados federais e duas de
senadores para o Congresso Constituinte. Em agosto, o jornal O Matto-Grosso denunciava o
envio
para quase todas as localidades eleitoraes, enormes destacamentos militares, com o fim de intimidar o povo, e se preciso fôr, arrancar das urnas um resultado a geito [sic.] e paladar da mesma authoridade, immediatamente interessada no pleito.
347 COELHO, Antônio Maria. Expediente do Dia 16: Ao Inspector da Thesouraria de Fazenda. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 20 de setembro de 1890, n. 59, p. 2. (Grifos meus) 348 Ofício de Benito Esteves, secretário do Interior, Justiça e Fazenda, ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom Francisco de Aquino Corrêa, presidente do estado de Mato Gross. Cuiabá, 29 de julho de 1918. Arquivo Público de Mato Grosso. Lata 1918 “B.”
119
Para Santana do Paranaíba, foram enviadas 40 praças sob o comando do tenente da
Polícia Militar Valente Pereira Guia, juntamente com a nomeação do novo delegado. Para
Rosário do Rio Acima, além das praças lá destacadas, somaram-se mais 20, sob as ordens do
delegado e capitão da Polícia Militar Gustavo Pereira de Mesquita, “praticando toda sorte de
tropelias e dizendo que tem ordem do governador para vencer as eleições ainda que tenha de
passar por cima dos cadaveres de seus concidadãos.”349
Outro meio de controle eleitoral se dava pela tutela do município. Segundo a tese
clássica de Victor Nunes Leal, a fragilidade da organização administrativa dos municípios os
havia tornado sempre dependentes do situacionismo estadual. Deste modo, sem meios
próprios para se manter e gerir seus recursos, os municípios se tornavam dependentes dos
chefes políticos locais, os coronéis – benfeitores do município graças ao apoio do governo
estadual. O coronel prestava apoio eleitoral à situação e esta lhe dava respaldo para agir e lhe
permitia nomear aliados e familiares em cargos públicos, garantindo a si mesmo o prestígio
junto à população do município.
É preciso lembrar que as eleições se davam nos municípios, que organizavam as mesas
eleitorais e redigiam as atas. É por isso que o apoio e conivência das autoridades municipais
eram de fundamental importância. Nas palavras de Leal,
através do compromisso típico do sistema, os chefes locais prestigiavam a política eleitoral dos governadores e deles recebiam o necessário apoio para a montagem das oligarquias municipais. Para que os governadores, e não aos “coronéis” tocasse a posição mais vantajosa nessa troca de serviços, o meio técnico-jurídico mais adequado foram justamente as limitações à autonomia das comunas.350
É por isso que, mesmo vislumbrando no art. 45 da Constituição Estadual a autonomia
municipal, a falta de meios próprios fez da dependência dos municípios em relação ao
governo do estado um meio de controle eleitoral. Em 1914, o então presidente Joaquim
Augusto da Costa Marques chamava a atenção para a questão das rendas municipais
“circumscriptas ao perimetro urbano e suburbano das povoações.” O resultado era a total
miséria municipal como afirmava o próprio presidente Costa Marques, segundo o qual,
municipios há entre nós, que tendo no seu territorio industrias importantes e que produzem para o Estado muita renda, não percebem dessas industrias, as mais das vezes, tributo algum em beneficio de suas cidades e villas, rasão pela qual muitas dellas, contrastando com a riqueza industrial do município, arrastam uma vida de probreza [sic.], não dispondo do recurso necessário
349 MOVIMENTO de tropas. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 25 de agosto de 1890, n. 603, p. 1. 350 LEAL, op. cit., p. 102.
120
nem mesmo para attender ás suas mais urgentes necessidades, matando de tal forma toda e qualquer iniciativa da administração local.351
Neste sentido, como enfatiza João Edson de Arruda Fanaia, a criação de novos
municípios tinha como fundo o interesse político, ou seja, “o objetivo de facilitar o
alistamento eleitoral.”352
O controle eleitoral explica a baixa participação nas eleições da população mato-
grossense: quanto menor o eleitorado, ou o demos, tanto mais fácil mantê-lo sob o controle da
polis local, seja pelo uso da coerção, seja pelo do cooptação, o demos mato-grossense. Mas é
necessário saber quem controlava as eleições com o objetivo de ocupar os cargos e posições
de mando. Em outras palavras, quais indivíduos formavam a polis local?
4.2 A polis local, a busca do consenso entre notáveis
A imagem de coronéis no interior do Brasil, vestindo casaca, de chapéu de abas largas
e usando botinas; os seus assaltos ao tesouro público; os currais eleitorais e outros folclores da
política brasileira, tudo isso, constituiu o pilar das análises baseadas no predomínio
econômico e social,353 sem se atentar para os mecanismos de controle e para as relações de
interdependências.
Como foi visto no primeiro capítulo, a imediata adesão ao novo regime e a seu
federalismo significava, para a polis local, a oportunidade de se desvencilhar dos meandros da
política nacional e de seu bipartidarismo, ocupando, de uma vez por todas os cargos públicos.
Em outras palavras, era a oportunidade de organizar o “assalto” de acordo com os próprios
interesses locais.
A implantação do federalismo significou, pois, o surgimento de um novo ator político:
o governador/presidente de estado, a partir de então eleito e não mais nomeado. No entanto, e
do mesmo modo, significou que os grupos políticos locais, em vinte unidades federadas,
deveriam se entender quanto ao rumo dado à política em seu respectivo estado.
Em regiões dinâmicas e integradas ao mercado de exportação como São Paulo, Minas
Gerais, e/ou ao mercado interno, como o Rio Grande do Sul, em que as respectivas elites
regionais foram capazes de disciplinar sua força política em torno de Partidos Republicanos, o
federalismo tinha muito mais a oferecer economicamente, pois desvinculava os seus
351 MARQUES, Joaquim Augusto da Costa. Mensagem dirigida pelo Exm. Sr. Dr. Joaquim A. da Costa Marques, Presidente do Estado de Matto-Grosso, á Assembléa Legislativa ao installar-se a 3.ª sessão ordinária da 9.ª Legislatura em 13 de Maio de 1914. Cuiabá: Typ. Official, 1914, p. 61. 352 FANAIA, op. cit., p. 43. 353 LESSA, op.cit.
121
respectivos orçamentos do governo central.354 Em outras antigas províncias, dependentes do
governo central, como Mato Grosso, o mundo natural veio à tona. Nestas regiões, “federalizar
era necessariamente reforçar as estruturas sociais de poder preexistentes, era reforçar a
desigualdade, a hierarquia, o privatismo.”355
Em Mato Grosso, a organização partidária, após a chegada da notícia da proclamação
da República a Cuiabá, foi sempre deficitária. Houve ao que parece uma constante tentativa
de congregar todos os chefes políticos em torno de um único partido, malogrando sempre em
divergências. Contudo, as legendas tiveram curtas durações, umas mais outras menos.
Tomo a noção de partidos políticos tal qual a definiu Max Weber, como sendo
organizações voluntariamente criadas e baseadas em livre recrutamento, necessariamente sempre renovado, em oposição a todas as corporações fixamente delimitadas pela lei ou por contrato. Seu objetivo é, hoje, sempre a obtenção de votos nas eleições para cargos políticos ou em corporações com voto.356
Os hodiernos partidos políticos de massas congregam em sua organização e estrutura
milhares e até milhões de indivíduos. Surgiram no período do pós-Segunda Guerra Mundial
quando se deu o reconhecimento dos partidos operários, “como concorrentes legítimos no
‘mercado’ político.”357 Sua função é “a transmissão do questionamento político”,
considerando “certas necessidades sociais”; e, além disso, enquanto sujeitos de ação política,
têm como atribuição “a organização das eleições, a nomeação de pessoal e a competição
eleitoral.”358 Em outras palavras, cabe a um partido político de massa estabelecer um canal de
discussão e ao mesmo tempo de filtro às questões e anseios sociais, sendo estas funções
diferenciadas em cada organização partidária em específico.
Ora, definida a participação política em Mato Grosso, durante a Primeira República,
como sendo baixa (o que é extensivo a todo o Brasil), os partidos políticos de então estavam
mais próximos dos partidos dos notáveis, cuja representação mais acabada é a dos partidos
aristocratas, surgidos na Inglaterra, no século XVIII. Não era uma organização partidária,
mas, de outra forma,
tratavam-se de simples etiquetas atrás das quais estavam os representantes de um grupo homogêneo, não dividido por conflitos de interesses ou por
354 Sobre São Paulo ver LOVE, Joseph; WIRTH, John; LEVINE, Robert. O poder dos Estados. Análise Regional. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira: Brasil republicano. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 51-151. 355 CARVALHO (2005c), op. cit., p. 181. 356 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999, p. 544. 357 OPPO, Anna. Partidos Políticos. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 898. 358 Id., ib., p. 904.
122
diferenças ideológicas substanciais, que aderiam a um ou outro grupo, sobretudo por tradições locais ou familiares.359
Estes partidos de notáveis, restritos a um pequeno grupo, parecem se aproximar da
representação burkeana. No entanto, não envolvem grande base eleitoral nas escolhas dos
seus representantes, nem mesmo são sensíveis aos anseios sociais. Representam apenas seus
próprios interesses. Neste sentido,
podem agir facilmente para a satisfação das necessidades da base que representavam e às quais organicamente pertenciam, para manutenção e proteção dos próprios privilégios sociais.360
Há também outro elemento importante a ser considerado: a atividade da imprensa
como porta-voz destes partidos. O mesmo ocorria com os partidos dos notáveis da
Inglaterra.361 A fundação dos jornais estava intimamente ligada à criação de uma nova
legenda partidária, o que não foi raro em Mato Grosso durante a Primeira República, bem
como em todos os outros estados brasileiros, principalmente quando eram incapazes de
organizar as suas respectivas vidas políticas em torno de Partidos Republicanos únicos. Era
através da imprensa que se davam os embates políticos, ou que se explicitavam as idéias e
conceitos dos indivíduos envolvidos no campo político mato-grossense.
É bem verdade que a necessidade de participação do povo aparece com freqüência nos
artigos de jornais escritos pela polis local, mas tratava-se apenas de retórica. Neste sentido,
quando, em protesto contra a criação do Partido Nacional sob a égide do governador do
estado e general Antônio Maria Coelho, Joaquim Murtinho afirmou que “um partido
republicano é creado pelo povo”, e que em um “partido republicano o elemento activo de
organisação é o cidadão, que representa a fonte de origem de todo movimento politico”,
apenas tentava combater o governo do estado, pois a criação do Partido Republicano sempre
encontrou no coronel Generoso Ponce seu chefe político absoluto.
Em particular, a organização dos partidos mato-grossenses foi sempre obra de
comerciantes e latifundiários, ou de indivíduos ligados, na maioria das vezes por laços
familiares, a estas duas atividades, tais como bacharéis em direito, engenheiros, médicos ou
militares. E são estas atividades que davam os representantes estaduais e federais de Mato
Grosso, como pode ser visto no quadro abaixo:
359 OPPO, op. cit., p. 899. 360 Id., ib., p. 899. 361 WEBER, op. cit., p. 549.
123
Quadro 7 – Profissões exercidas por governadores, deputados estaduais, senadores e deputados federais por Mato Grosso (1890-1930)
Governador/ Presidentes *
Deputados estaduais Senadores Deputados
federais Profissões N.
Abs. % N.
Abs. % N.
Abs. % N.
Abs. %
Fazendeiros 3 13,64 19 13,48 0 0,00 0 0,00 Comerciantes 5 22,73 23 16,31 2 20,00 2 7,14 Industriais 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 3,57 Jornalistas 0 0,00 2 1,42 0 0,00 0 0,00 Professor 0 0,00 1 0,71 0 0,00 0 0,00 Engenheiros 1 4,55 0 0,00 0 0,00 1 3,57 Médicos 3 13,64 3 2,13 3 30,00 2 7,14 Advogados 3 13,64 7 4,96 4 40,00 13 46,43 Clérigos 1 4,55 1 0,71 0 0,00 0 0,00 Militares 6 27,27 11 7,80 0 0,00 7 25,00 Funcionários Públicos 0 0,00 9 6,38 1 10,00 1 3,57 Pedreiro 0 0,00 1 0,71 0 0,00 0 0,00 Desconhecidas 0 0,00 64 45,39 0 0,00 1 3,57
Total 22 100,00 141 100,00 10 100,00 28 100,00
Fontes: FANAIA, op. cit., p. 92-105 e o Anexo 3 p. 284-292; MENDONÇA, R., op. cit.; SOUZA, A. F., op. cit.; PONCE FILHO, op. cit.; CORRÊA FILHO (1945), op. cit. e id. (1951), op. cit. * São levados em consideração todos os governantes de Mato Grosso, inclusive os interventores enviados pelo Governo Federal.
No quadro 7, embora no caso da deputação estadual faltem dados, fica evidenciada a
força política de comerciantes e agropecuaristas na representação política do estado. Estes só
não são predominantes no Senado e na Câmara dos Deputados Federais, cuja maioria é
proveniente dos bancos das faculdades de direito e de medicina do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Contudo, são filhos e genros de comerciantes e latifundiários, tais como os deputados
federais Benedito Chrispiano de Souza, genro de Manuel José Murtinho, e João Villasboas,
nascido em Cáceres, filho do coronel da Guarda Nacional Benedicto Pio Villasboas, e que, em
1946, chegou ao mandato de senador da República.362
Repete-se aqui e na prática o argumento, da época do Império, da capacidade, segundo
o qual, nos dizeres de José Murilo de Carvalho, “os magistrados, sobretudo, julgavam-se, e
eram julgados por muitos, como os mais capazes para tratar da coisa pública.”363
Por seu turno, os militares também tiveram peso político na representação estadual,
exceção feita às vagas de senadores. Reflexo do prestígio que conquistaram após a
proclamação da República. Este prestígio está manifesto, por exemplo, na moção de adesão
ao novo regime dirigida pela Câmara Municipal de Rosário do Rio Acima ao governador
nomeado por Deodoro da Fonseca, general Antônio Maria Coelho, em janeiro de 1890,
362 MENDONÇA, Rubens, op. cit., p. 160-161. 363 CARVALHO (2003), op. cit., p. 401.
124
segundo a qual, “possuida de immenso jubilo pela nova aurora das idéas democraticas que,
graças ao mivimento libertador do exercito e armada havido no Rio de Janeiro dia 15 de
Novembro do anno proximo passado” saudava o general, congratulando-se “por ver a patria
completamente livre e nella proclamado o governo do povo para o povo.”364
Em 1893, o diretório do Partido Republicano da mesma vila de Rosário do Rio Acima
enviaria ao chefe do partido em Cuiabá, o coronel Generoso Ponce, a proposta da candidatura
do então alferes do Exército Pedro Antunes de Souza Ponce, irmão do chefe republicano, ao
lugar de deputado federal em reconhecimento aos “serviços por elle prestados em prol da
democracia” e ao “amor devotado á esta terra que tanto amamos e extremecemos.”365
Por outro lado, geralmente, estes militares não eram provenientes de Mato Grosso.
Apenas chegaram aqui para cumprir alguma missão determinada pelo Governo Federal, como
o coronel Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, o qual, por sua posição ao lado do Partido
Republicano de Ponce e dos irmãos Manuel e Joaquim Murtinho, foi indicado e eleito para o
lugar de deputado federal, em 1892.
Mas se os lugares na representação nacional foram ocupados, em sua maioria, por
bacharéis em direito e medicina e por militares, que também eram engenheiros formados pela
Escola Militar do Rio de Janeiro, isto demonstra que o país real, dominado pela folclórica
imagem coronel de chapéu e botinas, não emergiu. Contudo, se se observar que as indicações
e apoios partiam destes chefes políticos locais, coronéis da Guarda Nacional, e que se tratava
de parentes e de aliados que, por sua cultura e estudos, tinham maior acesso e trânsito no
cenário político nacional, conclui-se que a intenção da polis local era acumular capital
político na Capital Federal – o que explica as indicações de militares de grande prestígio
nacional.
Sendo essas indicações a regra no caso da representação do Congresso Nacional, o
mesmo não podia ser dito em relação à deputação estadual e, principalmente, à presidência do
estado. No caso dos lugares para a Assembléia Legislativa, observa-se o mesmo predomínio
do comércio e da agropecuária. Entretanto, há um percentual significativo de funcionários
públicos, que também podem se tratar de comerciantes, latifundiários, médicos etc., que
naquele momento se encontravam investidos de cargos públicos. Mas existiram indivíduos
eleitos deputados com longas trajetórias no serviço público. É o caso do coronel Antônio
364 CAMARA MUNICIPAL DA VILLA DO ROSARIO DO RIO ACIMA. Moção. Paço da Câmara Municipal da Villa do Rosario do Rio Acima, 23 de janeiro de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso. Lata 1890 “A.” 365 ACTA da reunião dos eleitores do partido republicano da Villa do Rozario do Rio-acima, aos vinte e tres dias do mez de março do anno de mil oito centos noventa e tres. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 16 de abril de 1893, n. 680, p. 2-3.
125
Fernandes de Souza que serviu no Tesouro do Estado e, depois de curto intervalo como
guarda-livros na Usina do Itaicy, foi nomeado chefe do Gabinete da Presidência do Estado.366
Entre as profissões presentes no quadro 7 há dois clérigos. O deputado estadual é o
padre Antônio Manuel Bicudo, cuja única referência é o resultado das eleições para 24
deputados estaduais, publicado a 14 de novembro de 1899, em que constam 2.023 votos para
o reverendo.367 O presidente do estado é Dom Francisco de Aquino Corrêa, indicado por um
acordo feito entre os partidos Republicano Conservador e Republicano de Mato Grosso por
sua neutralidade após a luta armada que tomou conta do estado, em 1916.
É interessante notar que há um pedreiro entre os deputados estaduais. Trata-se de José
Pedro Rodrigues Gonçalves, filho de Mariano Querino Gonçalves, que no alistamento
eleitoral de 1894, votava na 2.ª seção eleitoral.368 Naturalmente, existe uma grande
probabilidade de se tratar de um homônimo, mas no caso de se tratar mesmo de um pedreiro
deputado estadual, a única explicação possível é a ligação familiar deste com algum chefe
político, seja consangüínea ou mesmo matrimonial, pois em 1894, com 28 anos, seu estado
civil era o de solteiro.
Existem dois jornalistas. Trata-se um de Nicolau Fragelli, o qual cursou a Escola
Militar de Porto Alegre, mas optou em abandonar a carreira castrense para estudar medicina,
curso em que se formou em 1911. Foi professor, mas sua principal atividade era o jornalismo,
colaborando em periódicos tais como A Cidade, de Corumbá, e O Progressista, de Campo
Grande, do qual foi diretor.369 O outro é Vital Baptista de Araujo, catarinense, comerciante
quando chegou a Mato Grosso, ainda no Império, posteriormente jornalista, sendo
colaborador no jornal do Partido Conservador A Situação. Nos anos finais da Monarquia foi
redator d’O Expectador e fundador, em 1888, d’A Gazeta, que fazia propaganda republicana.
Membro do Partido Nacional, em 1890 e 1891, chefiado pelo então governador general
Antônio Maria Coelho, foi diretor da Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso.370
Em verdade, as atividades em periódicos não ficaram restritas aos profissionais que a
elas se dedicaram como sustento seu e de sua família. Colaborar em um periódico significava
pertencer ao campo político mato-grossense, acumulando capital político, participando dos
embates partidários. O coronel Generoso Ponce, por exemplo, foi proprietário e redator do
jornal O Matto-Grosso, comprado à Emilio do Espirito Santo Rodrigues Calháo, de oposição
366 Ver SOUZA, A. F., op. cit. 367 ELEIÇÃO. In: Gazeta Official do Estado de Mato-Grosso, Cuiabá, 14 de novembro de 1899, n. 1.591, p. 2. 368 ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 5 de junho de 1894, n. 594, p. 3. 369 MENDONÇA, R., op. cit., p. 20-21 370 Id., ib., p. 70-71.
126
a Antônio Maria Coelho, entre 1890 e 1892.371 E entre 1902 e 1903 fundou, em Assunção,
durante seu auto-exílio no Paraguai, o periódico A Reacção, cujo objetivo era combater o
governo de Antônio Pedro Alves de Barros.
O supracitado Emilio do Espirito Santo Rodrigues Calháo foi, além de comerciante e
funcionário público, proprietário d’O Matto-Grosso, periódico que herdou de seu pai,
Joaquim José Rodrigues Calháo, e que, devido perseguição do governo de Antônio Maria
Coelho, teve que passar às mãos do coronel Generoso Ponce durante o período acima
mencionado. O Matto-Grosso circulou em Cuiabá, a seu pedido, até sua morte, em 1935.372
O único professor por profissão do quadro 7 é o francês naturalizado brasileiro João
Pedro Gardés, bacharel em Letras e professor catedrático de grego no Liceu Cuiabano.373 No
entanto, exerceram o magistério políticos como o já mencionado Nicolau Fragelli ou o
engenheiro Antônio Corrêa da Costa que, além deputado estadual constituinte em 1890 e
deputado federal em 1894, e presidente do estado entre 1895 e 1898, foi professor de
Matemática no mesmo Liceu Cuiabano, e também redator, em 1902, ao lado de Generoso
Ponce, n’A Reacção.374
De maneira geral, no cenário político local, o domínio dos latifundiários e
comerciantes era direto e quase absoluto, afinal de contas, removido o empecilho dos partidos
monárquicos e suas imposições, o aparelho de Estado estava ao alcance destes.
Mas a dificuldade de se alcançar um consenso quanto à divisão do exercício de poder
é explicada pelo tamanho do espólio a ser dividido: os cargos públicos, as principais
nomeações, a distribuição das indenizações etc. não eram suficientes ao agrado de todos, bem
como os lugares na Assembléia Legislativa e no Palácio Alencastro – à época sede do
governo estadual.
Neste sentido, sendo consenso, tal como na sua definição corrente na Ciência Política,
“um acordo entre os membros de uma determinada unidade social em relação a princípios,
valores, normas, bem como quanto aos objetivos almejados pela comunidade e aos meios para
os alcançar”375, verifica-se que a dificuldade de entendimento foi tanto maior quanto maior
fosse a capacidade de arregimentação de homens armados, particularmente, por que se tratava
quase sempre de disputas individuais, entre coronéis. O que explica o constante uso da 371 RIBEIRO, Agostinho (CHEFE DE POLÍCIA INTERINO DO ESTADO). Portaria de Intimação de Emilio do Espirito Santo Rodrigues Calháo. Ofício n. 139, Cuiabá, 1 de novembro de 1890. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Lata 1890 F, Quartel do Comando da Companhia Policial em Cuiabá e Secretaria de Polícia. 372 MENDONÇA, Rubens de, op. cit., p. 38-39. 373 Id., ib., p. 72. 374 MENDONÇA, Rubens de, op. cit., p. 55. 375 SANI (2007a), Giacomo. Consenso. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 240.
127
violência como meio de alcançar o poder. Estas disputas nem eram contemporâneas e nem
envolviam apenas a política. Segundo Giacomo Sani,
a instauração de um novo regime leva amiúde à tentativa de criar novo Consenso; e, quando o regime muda, com a difusão e interiorização dos novos princípios se mantêm muitas vezes vivos os resíduos do sistema anterior.376
Portanto, à queda do centralismo monárquico e o conseqüente abandono do Poder
Moderador, bem como a extinção dos partidos imperiais, e suas imposições, não significaram,
do mesmo modo, a supressão de antigos ódios e diferenças, que foram realimentados e
encobertos sob os diversos nomes de partidos políticos que surgiram em Mato Grosso ao
longo da Primeira República. Valmir Batista Corrêa listou 15 agremiações partidárias
surgidas entre 1890 e 1930377. À esta lista, João Edson de Arruda Fanaia adicionou mais
duas378. A maior parte de duração efêmera; todos com uma característica em comum: o
personalismo do seu chefe.
Se, por um lado, buscou-se constantemente o entendimento – “em bem da união e
concordia entre todos os Matto-Grossenses”379; por outro, em sentido contrário a estes
anseios, a existência da Guarda Nacional ajudou, como já foi visto, a legitimar o
personalismo, e também a dominação patrimonialista, moldando as profundas clivagens tão
características do campo político mato-grossense.
Era o chefe político que, na estrutura partidária desta sociedade coronelística, tomava
as decisões. A idéia de chefia política estava tão fortemente enraizada que, em março de 1906,
Antônio Fernandes de Souza, fiel chefe do Gabinete da Presidência do Estado, depois de
“insignificante divergente havido entre o coronel Antonio Paes de Barros”, então presidente
do estado, e ele, pediu sua demissão “em caráter irrevogável”, bem como, do posto de
secretário geral do Comando Superior da Guarda Nacional em Mato Grosso, não o
demovendo de sua decisão a própria esposa do presidente do estado, dona Úrsula Ângela de
Oliveira Barros. E isso por julgar que “um cargo de confiança não permite a menor
desinteligência entre chefe e subordinado.”
Entretanto, quando em maio daquele mesmo ano os rumores do avanço armado da
oposição que partia de Corumbá chegaram a Cuiabá, Antônio Fernandes ofereceu os seus
376 SANI (2007a), op. cit., p. 241. 377 CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso (1889-1943). 1981. 216 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo, São Paulo, p. 59-60. 378 FANAIA, João Edson de Arruda. Elites e práticas políticas em Mato Grosso na Primeira República (1889-1930). 2006. 291 f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 113. 379 MURTILHO, Joaquim. Aos meus concidadãos. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de abril de 1890, n. 585, p. 1.
128
“insignificantes” serviços, despedindo-se “satisfeito por haver cumprido o [seu] dever de
lealdade.”380
Esta chefia deveria, igualmente, ser reconhecida e respeitada por todos os outros
chefes político. É por isso que o coronel Generoso Ponce, diante da necessidade de se
escolher um candidato à presidência do estado para o quatriênio de 1899-1903, consultou
outros chefes políticos e coronéis em diversos municípios e distritos do interior: Antônio Paes
de Barros e seu irmão João Paes de Barros, em Santo Antônio do Rio Abaixo; Francisco
Alexandre Ferreira Mendes, em Diamantino; Joaquim Sulpício de Cerqueira Caldas, em
Chapada; Venâncio de Campos e Silva e Francisco Galdino Duarte, na Guia; Diogo Nunes de
Souza, em São Luiz de Cáceres; Antônio Joaquim Malheiros, em Corumbá; Salomão Alves
Ribeiro, em Poconé; Carlos Ferreira de Castro, em Santana do Paranaíba; João Batista de
Almeida, em Barra do Bugres; e João Ferreira Mascarenhas em todo o sul do estado.
De maneira mais precisa, os partidos eram criações destes mesmos chefes políticos,
geralmente oficiais da Guarda Nacional, tendo sob seu comando os oficiais inferiores da
milícia.
Assim, em Mato Grosso, toda divergência teve origem nos desentendimentos entre
chefes políticos quanto à sucessão, à divisão de cargos e aos postos de representação na
Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional. Este personalismo, combinado com a
instrumentalização da Guarda Nacional, foi o principal fator de quebras de acordos
momentâneos e do uso freqüente da violência como estratégia para se alcançar o poder. É por
isso que se observam embates armados com o claro objetivo de combater o governo estadual
apenas entre os anos de 1892 e 1916. Em 1918, com o fim oficial da Guarda Nacional seria
oficialmente determinado o fim da legitimidade dos chefes políticos com a patente de
“coronéis”, principalmente para fins armados.
A partir desta data, abriu-se a possibilidade da liderança política de indivíduos que não
tiveram suas trajetórias ligadas à milícia cidadã, mas que, nem por isso, deixaram de acumular
o capital político encontrado nos laços consangüíneos com famílias tidas como tradicionais,
na sua formação bacharelesca, na posse ou no acesso à imprensa periódica, no domínio da
linguagem política que permite um trânsito e uma força de mobilização na estrutura de poder
etc.381
É o caso do Dr. Mário Corrêa da Costa, médico formado pela Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, e que, mesmo fazendo oposição ao coronel, e seu tio, Pedro Celestino
380 SOUZA, A. F., op. cit., p. 83-84. 381 Id., ib., p. 190.
129
Corrêa da Costa, chefe do Partido Republicano Mato-grossense, elegeu-se pelo Partido
Republicano Conservador, como presidente do estado no quadriênio de 1926-1930.
Deve-se levar em consideração também o desaparecimento de antigos chefes políticos,
dentre os mais conhecidos: Antônio Paes de Barros, que foi assassinado em 1906; em 1907
morreu o coronel Pedro Leite Osório; o coronel Generoso Ponce, em 1911; também em 1911,
Joaquim Murtinho; seu irmão, Manuel Murtinho, em 1917. Dos antigos coronéis, cujas
trajetórias políticas foi construídas tanto no regime monárquico quanto no republicano,
trilhando, pois, os postos da Guarda Nacional, somente Pedro Celestino Corrêa da Costa
viveu para assistir o fim da Primeira República, morrendo em 1932. Antônio Azeredo,
também morto em 1932, por sua vez, era o último dos políticos mato-grossenses que, à
semelhança de Joaquim Murtinho, tiveram suas trajetórias políticas construídas no centro
político nacional, no Rio de Janeiro, seja como Corte, ou como Capital Federal.382 Estes dois
polarizaram a política mato-grossense a partir de 1920.
Vê-se que, a partir de 1918, e até o fim da Primeira República, em 1930, o consenso
passa a ser um recurso mais empregado para a resolução de divergências da polis mato-
grossense. É por esse motivo que se encontra um único presidente do estado que ilegalmente
teve o seu governo interrompido, como foi o caso do Dr. Annibal de Toledo – que teve o seu
mandato interrompido pela Revolução de 1930.
Assim, o maior exemplo de entendimento da polis local foi o consenso que levou à
presidência de Mato Grosso o bispo Dom Francisco de Aquino Corrêa, em 1918. E isto após
lutas armadas em diversos pontos do estado, ocasionadas por divergências entre os partidos
Republicano Conservador (PRC) e Republicano Mato-grossense (PRMG). Aquele chefiado
do Rio de Janeiro pelo deputado federal Antônio Azeredo; e este, pelo coronel e então
senador da República Pedro Celestino Corrêa da Costa.
Em 1916, foi eleito pelo PRC à presidência do estado o coronel Caetano Manuel Faria
de Albuquerque, como candidato oficial do presidente Joaquim Augusto da Costa Marques. A
indicação de um indivíduo egresso do PRMG para compor seu governo, causou a indignação
dos membros do PRC, que passou a fazer oposição ao governo do estado, permitindo uma
aproximação da oposição perrengue – como eram conhecidos os membros do PRMG – junto
a Caetano de Albuquerque.
As divergências chegaram às vias da luta armada, em embates pelo estado, tendo à
frente de ambos os lados, coronéis da Guarda Nacional. No auge das dissensões, a Assembléia
382 Ver MENDONÇA, R., op. cit.
130
Legislativa funcionava por força de um habeas corpus, concedido pelo Supremo Tribunal
Federal, em julho de 1916, e, depois de terem sido hostilizados em Cuiabá, os deputados
perrecistas – denominação dos membros do PRC – se viram obrigados a mudar a Assembléia
para Corumbá. Na nova sede, os deputados empossaram na presidência do estado, o 2.º vice-
presidente coronel Manuel Escolástico Virgínio. Caetano de Albuquerque continuou como
presidente por força de habeas corpus concedido pelo primeiro suplente de Juiz Substituto
Federal, na noite do dia 14 de agosto do mesmo ano, mas renunciou pouco tempo depois.383
Em agosto de 1917, tentaria, por meio de um golpe, afastar o interventor Dr. Camilo Soares,
utilizando-se, inclusive de um habeas corpus concedido pelo Primeiro Suplente de Juiz
Substituto Federal, Dr. Eurindo Neves. Mas o plano não foi adiante, pois foi denunciado.384
O Governo Federal nomeou como interventor em Mato Grosso o Dr. Camilo Soares de
Moura que governou o estado entre fevereiro e agosto de 1917, e depois o general Cipriano da
Costa Ferreira, que governou até janeiro de 1918. Abriu-se, pois, uma oportunidade para o
entendimento entre perrengues e perrecistas. No entanto, a dificuldade “de se tirar do meio da
família matogrossense um homem, seja quem for, que se não encontra por qualquer natureza
vinculado a uma das agremiações políticas em diverjencia”, cogitando-se que se tomasse “de
emprestimo a outro Estado um estadista que pelo seu nome, não se lhe pudesse levantar em
contra [sic.] uma unica objeção.”385
O acordo só foi finalizado a 11 de outubro de 1911, com a indicação de D. Francisco
de Aquino Corrêa para a presidência do estado. Dividiram-se as vagas da Assembléia
Legislativa indicando cada partido dez nomes, sendo quatro escolhas do novo presidente de
Mato Grosso. O mesmo ocorreu com a representação federal: cada partido indicaria dois
nomes para a Câmara dos Deputados, cabendo ao PRMG a indicação para uma vaga ao
Senado Federal.386 O acordo deveria ainda ser legitimado pelo voto, pois os nomes foram
apresentados para comporem uma única chapa eleitoral.
Em 1922, no fim do mandato de Dom Aquino Corrêa, novamente a questão da
sucessão foi levantada. A solução pensada foi a Fusão, constituindo perrengues e perrecistas,
com exceção, para os últimos, do Dr. Joaquim Augusto da Costa Marques e de João
Villasboas – descontentes por terem sido preteridos para as indicações ao Congresso Nacional
–, apenas uma chapa encabeçada pelo coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa que, eleito,
383 Ver CORRÊA, V. B., op. cit., p. 119-122. 384 OS ACONTECIMENTOS: Boletim do ‘Republicano’ distribuido na noite de 17 do corrente. In: O Republicano, Cuiabá, 19 de agosto de 1917, n. 61 p. 1. 385 VARGAS, J. Em torno do Acrodo. In: O Republicano, Cuiabá, 12 de julho de 1917, n. 61, p. 2. 386 MENDONÇA, E., op. cit., p. 209.
131
governou entre janeiro de 1922 e outubro de 1924, quando obteve da Assembléia Legislativa
a aprovação do seu pedido de licença387, assumindo o 1.º vice-presidente Estevão Alves
Corrêa, que terminou o mandato constitucional.
É importante notar que o demos não participou destas negociações seja na que
“elegeu” Dom Aquino, em 1917, seja na que possibilitou a formação da Fusão e a candidatura
do coronel Pedro Celestino, em 1921. Afinal de contas, as crises de sucessão presidencial
deveriam ser negociadas nas “bazes de um accordo que solucionasse sem pleito” a
contenda.388 As eleições eram, neste sentido, meros formalismos cumpridos com um rigor
impressionante: vencia sempre o candidato oficialmente apoiado pela situação, ainda mais
quando o pleito se dava após um acordo entre todos os envolvidos. Por esse motivo, reformas
eleitorais como as promovidas através das leis n. 1.295, de 15 de novembro de 1904389
(conhecida como Lei Rosa e Silva) e n. 3.208, de 27 de dezembro de 1916390 que visavam
moralizar as eleições acabavam por se tornar letra morta, pois a participação era mínima e o
controle da apuração e diplomação dos candidatos continuava nas mãos dos poderes locais
nos municípios, sendo previamente negociados os seus resultados.
No caso particular do consenso de 1917, o então presidente da República Wenceslau
Brás deveria ser previamente consultado,391 como foi, seguindo a “política dos governadores.”
Isto explica a despreocupação da polis quanto ao baixo nível de participação eleitoral, pois os
representantes eram legitimados por outros meios que não pelos cidadãos eleitores.
De modo geral, e sem os antigos coronéis da Guarda Nacional, a polis local havia
encontrado no consenso um meio de distribuir o espólio dos cargos públicos sem, no entanto,
recorrer à violência – cujo uso foi amplamente disseminado durante os primeiros 29 anos da
República em Mato Grosso. Corroborou para tanto a extinção da Guarda Nacional como força
eleiçoeira, com seus coronéis aparatosamente fardados, e legitimados na chefia política e no
comando de grupos armados do estado devido à sua patente de oficial da milícia. Mas a
Primeira República, tendo em vista as crises intra-oligárquicas dos anos 1920, já se
encaminhava para o seu fim.
387 CORRÊA, Estevão Alves. Mensagem dirigida a Assembléa Legislativa em 13 de Maio de 1925 pelo Exmo. Sr. Dr. Estevão Alves Corrêa, 1.º Vice-Presidente do Estado. Cuiabá: Typographia Official, 1925, p. 1. 388 VARGAS, J. A última caetanada. In: O Republicano, Cuiabá, 19 de agosto de 1917, n. 71, p. 2. 389 BRAZIL. LEI N. 1269, DE 15 DE NOVEMBRO DE 1904. Reforma a legislação eleitoral, e dá outras providencias. In: REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1904, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907, p. 114-143. 390 Id. LEI N. 3.208, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1916. Regula o processo eleitoral e dá outras providencias. In: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudLegislacao/ pesquisa/actionBRSSearch.do>. Acesso em: 13/jun./2008. 391 TELEGRAMMAS: Rio, 28. In: O Republicano, Cuiabá, 1 de julho de 1917, n. 58, p. 1.
132
O fim da Primeira República, em outubro de 1930, resultou da contradição entre
valores substantivos e procedimentos. A República havia se divido entre o PRP e a união
mineiro-gaúcha (que reunia também os paraibanos) denominada Aliança Liberal. O primeiro
representado pelo candidato à Presidência da República indicado pelo presidente Washington
Luiz, o presidente de São Paulo Júlio Prestes; a segunda, pelo gaúcho Getúlio Vargas.
A cisão intra-oligárquica se deu pela recusa do então presidente da República
Washington Luiz em consultar, como nos tempos de Campos Salles, as principais lideranças
estaduais quanto à sucessão, numa reafirmação dos valores subjetivos da administração
altruística prevista por Salles. Por seu turno, mineiros e gaúchos, buscavam a ênfase nos
procedimentos, no “reconhecimento da distribuição natural do poder” e, em outras palavras,
na visão “realista” da “política dos governadores.”
Deste modo, “quando se tratou de ampliar o âmbito do conflito através do aceno
democratizante ao demos”, como foi a postura “liberal” assumida pelos aliancistas (inclusive
no próprio nome da agremiação), o que se disputava era o reedição da “política dos
governadores”, com a parte dela que interessava a cada um dos dois lados.392
Ao que parece, a contradição também rondou os momentos finais da Primeira
República em Mato Grosso. A julgar pelo péssimo desempenho eleitoral obtido pelo
candidato aliancista Getúlio Vargas (cuja maior votação recebida foram pífios cinco votos
contra 143, da 1.ª seção da capital393), a polis mato-grossense, certamente através da fraude, se
posicionou ao lado da política paulista, ou seja, dos defensores da pureza altruística do
“pacto” de Campos Salles. Contudo, a análise do campo político local demonstrou que a
sobrevivência dos seus sucessivos governos dependeu na maior parte do tempo dos
procedimentos, da política de apoios e do reconhecimento do mundo real, regulados pelos
interesses locais e pela distribuição de favores.
Mas a ordem política que emergiu da “Revolução de 1930” pôs fim ao federalismo
implantado a 15 de novembro de 1889 com a nomeação de interventores federais para os
estados, conseqüentemente como os partidos estaduais e o predomínio dos interesses locais na
política nacional, encerrando de uma vez por todas o coronelismo como figuração específica
da Primeira República brasileira.
392 LESSA, op. cit., p. 217. 393 EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março de 1930, n. 6122, p. 3-4.
5 Considerações Finais
A incorporação das noções de figuração, teias de interdependência e de equilíbrio
das tensões da sociologia figuracional de Norbert Elias permitiu a apreensão do modo como
as relações políticas se deram durante a Primeira República (1889-1930) em Mato Grosso,
da mesma forma que propiciou a análise da cultura política do mesmo período. Foi a partir
da comparação entre as soluções institucionais dadas pela monarquia e a maneira como a
República lidou com os poderes locais, que procurei demonstrar como a emergência destes
potentados municipais e estaduais ao cenário político brasileiro compreendeu aquilo que a
historiografia nacional denominou de coronelismo.
Em primeiro lugar, o abandono do centralismo monárquico e a implantação do
federalismo com a proclamação da República significou a emergência ao cenário político
nacional dos interesses políticos locais sem que, para tanto, existissem filtros ou canais de
acesso e de resolução das questões do mundo político, como o são os partidos políticos de
âmbito nacional. É por isso que os primeiros dez anos da República foram marcados por um
alto grau de entropia ou de caos, como escreveu Renato Lessa. O reflexo deste caos
institucional, em que há uma confusão de interesses, em Mato Grosso, foi a “Revolução de
1892”, na qual dois partidos políticos e o Exército buscavam o apoio do Governo Federal,
se dizendo legitimados por ele, sem definir qualquer tipo de consenso quanto às formas de
acesso ao exercício de poder estadual. A solução encontrada foi a escolha pessoal do
Marechal Floriano Peixoto, que levou em conta a oposição ao seu governo advinda de
setores militares.
Em segundo lugar, houve a necessidade, por parte do presidente Campos Salles, de
se reconhecer aquilo que Raymundo Faoro descreveu como a “distribuição natural do
poder” para que uma rotina institucional se consolidasse em nível federal quando da
implantação da “política dos governadores.” Isto representou uma verticalização da ordem
republicana. Para os estados, representou a intensificação das disputas políticas,
134
principalmente naqueles que, a exemplo de Mato Grosso, não foram capazes de disciplinar a
polis local em torno de um único partido estadual (os Partidos Republicanos, ou PRs). O
resultado foi uma ordem política marcada pelas constantes dissidências e,
conseqüentemente, pela intolerância à existência de oposição e, principalmente, à
participação do demos na política.
Em terceiro lugar, a existência da Guarda Nacional legitimou o exercício de poder
dos chefes políticos locais, hierarquizando a política mato-grossense tal como a estrutura
militarizada da milícia. Por um lado, a milícia cidadã foi utilizada como instrumento de
manipulação eleitoral através do controle das mesas eleitorais, transformando-se, num
processo que teve início na década de 1850, em força eleiçoeira, marcando o compromisso
do Governo Federal com os situacionismos estaduais. Por outro lado, a distribuição de
patentes e a legitimação na chefia política dos seus coronéis (por isso coronelismo),
possibilitou a existência de um mundo político em que os usos da violência e da força foram
meios utilizados para a derrubada de situacionismos ou a manutenção deles no poder,
disseminando e fortalecendo uma cultura política fundada no personalismo e no
patrimonialismo. Impedia-se, desta maneira, a constituição de consensos que permitissem a
distribuição de empregos públicos e lugares nos cargos de representação municipais,
estaduais e federais entre a polis local – o que só foi possível a partir de 1918.
Em quarto lugar, o afastamento do demos do mundo político ou mesmo o seu
controle deu vazão a toda sorte de falseamentos e manipulações eleitorais, tal como ocorria
durante o Império. A extinção da exigência de renda mínima quando da implantação da
República, não representou uma maior incorporação deste demos. Em verdade, tanto a
Monarquia quanto a República se caracterizaram pela disputa por posições privilegiadas na
estrutura de poder. É por isto que os partidos políticos mato-grossenses durante o regime
republicano (o que é extensivo ao Brasil) estavam próximos dos partidos de notáveis
ingleses, em que a participação e interesses eram restritos à aristocracia, no caso inglês, e à
polis, no caso aqui estudado, que compreendia indivíduos ligados, principalmente, às
atividades agropecuárias.
Em último lugar, a “política dos governadores” como forma de reconhecimento dos
presidentes/governadores de estado por parte do Governo Federal construiu novas relações
entre o Executivo Federal e os governos estaduais, exercendo pressão nas decisões que os
indivíduos envolvidos no campo político da Primeira República, em Mato Grosso, tomaram,
tornando as políticas estaduais instáveis. Assim, o apoio do Governo Federal derrubou
situacionismos “legalmente” estabelecidos no governo, ou procurou sustentá-los, de acordo
135
com os interesses dos envolvidos nos momentos de crises políticas, como foram os casos
das “revoluções” em 1899 e 1906, ou da “Caetanada” em 1916, que culminou com a
intervenção federal em 1917, e, após a construção do consenso entre perrecistas e
perrengues, da eleição de Dom Aquino Corrêa para o governo do estado.
A minha compreensão, portanto, do coronelismo enquanto figuração específica da
Primeira República baseou-se na forma como as teias de interdependências foram
construídas entre 1889 e 1930, quando o peso dos poderes locais na política nacional ditou a
maneira como os indivíduos envolvidos no jogo político de então conceberam consensos e
dissidências, e em que nível chegou a restrição de participação do demos mato-grossense na
política estadual.
Em suma, deve-se, pois, compreender o coronelismo como um fenômeno social e
político (pois envolvia uma estrutura social e uma cultura política) que, apoiado nos poderes
locais, e, principalmente, na instituição que lhe propiciou o nome, a Guarda Nacional,
permitiu, graças ao federalismo implantado a partir de 1889, a emergência destes mesmos
poderes locais e sua ativa participação no arranjo político nacional, sem a intermediação de
partidos políticos nacionais, mas sob a rotina institucional da “política dos governadores”, e
tendo como seus mais acabados representantes os coronéis – chefes políticos locais, que
outrora dominavam apenas os municípios distantes –, antes mantidos sob o rígido controle do
centralismo imperial e sua “representação teatral” manipulada pelo Imperador, como escreveu
José Murilo de Carvalho.394
O ocaso desta figuração começou a ser determinado pelo fim da Guarda Nacional,
em 1918, que reduziu sobremaneira o controle eleitoral e, em estados como Mato Grosso, o
poder militar dos coronéis, obrigando a polis local a lançar mão do consenso como
estratégia de transmissão e manutenção do poder político.
Marcado pela inexistência de partidos políticos nacionais e, conseqüentemente, pela
proliferação de agremiações políticas nas vinte unidades federativas, controladas pelas polis
estaduais, o total desaparecimento do coronelismo da cena política brasileira se deu com o
triunfo da Revolução de 1930, quando a nomeação de interventores federais para os
governos estaduais retirou das mãos dos poderes locais a possibilidade de domínio político
nos respectivos estados, quase como um retorno ao centralismo imperial.
394 CARVALHO (2003), op. cit., p. 420-421.
6 Fontes e Referências
6.1 Fontes
6.1.1 Fontes manuscritas
ACTA da reunião dos eleitores do partido republicano da Villa do Rozario do Rio-acima, aos vinte e tres dias do mez de março do anno de mil oito centos noventa e tres. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 16 de abril de 1893, n. 680, p. 2-3.
BARRETO, F. Emilio Paes. Boletim da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Cuiabá, 6 de julho de 1906, n. 50. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Manuscrito. Acesso Lata 1906 “B.”
CAMARA MUNICIPAL DA VILLA DO ROSARIO DO RIO ACIMA. Moção. Paço da Câmara Municipal da Villa do Rosario do Rio Acima, 23 de janeiro de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso. Lata 1890 “A.”
Moção de Manoel Xavier Castello, João Sant’Iago Arinos e Indalecio Francisco Nunes a Antonio Maria Coelho, governador de Mato Grosso, Cuiabá, 13 de Dezembro de 1889.
COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DE CÁCERES. Livro de inscripção de eleitores do Municipio de São Luiz de Caceres, 1906. São Luia de Cáceres, n. 1. Arquivo Público de Mato Grosso. Tribunal Regional Eleitoral, n. 007-273.
COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DE SANTO ANTONIO DO RIO ABAIXO. Acta da revisão do alistamento dos eleitores do municipio de Santo Antonio do Rio Abaixo. Arquivo Público de Mato Grosso. TRE – 007-264.
COMMISSÃO DE ALISTAMENTO ELEITORAL DO MUNICIPIO DO ROSARIO. Livro para a inscripção dos eleitores do municipio do Rosario, 1905. Rosario, n. 2. Arquivo Público de Mato Grosso. Tribunal Regional Eleitoral, n. 007-272.
MATTO-GROSSO. Despeza do Estado no exercício de 1899. Cuiabá, 1899. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “C.”
137
MATTO-GROSSO. THESOURARIA DA FAZENDA PROVINCIAL EM CUYABÁ. Comprovante de pagamento, n. 100. Cuiabá, 5 de maio de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E.
MATTO-GROSSO. THESOURARIA DA FAZENDA PROVINCIAL EM CUYABÁ. Comprovante de pagamento, n. 101. Cuiabá, 5 de maio de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E.
MATTO-GROSSO. THESOURARIA DA FAZENDA PROVINCIAL EM CUYABÁ. Comprovante de pagamento, n. 209. Cuiabá, 30 de julho de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E.
MATTO-GROSSO. THESOURARIA DA FAZENDA PROVINCIAL EM CUYABÁ. Comprovante de pagamento, n. 240. Cuiabá, 19 de agosto de 1890. Arquivo Público de Mato Grosso, Tesouro do Estado, Caixa 1890 E.
Ofício do coronel Antônio Paes de Barros ao 2.º vice-presidente coronel Antônio Cesário de Figueiredo. Cuiabá, s/n, 9 abr. 1899. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “B.”
Oficio João Pedro Xavier da Câmara ao coronel Antonio Cesario de Figueiredo, presidente do estado. Cuiabá, 11 abr. 1899, n. 1. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1899 “B.”
Ofício de José Tosi ao presidente do estado em exercício Antônio Leite de Figueiredo. Corumbá, 1.º de agosto de 1899. Manuscrito (cópia). Arquivo Público de Mato Grosso. Caixa 1899 “E.”
Ofício do subdelegado do distrito da Chapada Pedro Moreira da Silva ao chefe de polícia da capital José Felippe dos Santos. Santana de Chapada, 29 de outubro de 1905, s./n. Manuscrito. Arquivo Público de Mato Grosso, Lata 1905 “A.”
Ofício do tenente-coronel Manoel Lopes Carneiro Fontoura ao coronel Antônio Paes de Barros. Cuiabá, 25 de junho de 1906, n. 207. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A.”
Ofício do alferes João C. P. Castro Júnior ao 1.º vice-presidente do estado coronel Pedro Leite Osório. Cuiabá, 6 de julho de 1906, n. 90. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “B.”
Ofício do alferes João C. P. Castro Júnior ao coronel Emygdio Dantas Barreto. Cuiabá, 16 de julho de 1906. Manuscrito. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “B.”
Ofício de Benito Esteves, secretário do Interior, Justiça e Fazenda, ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom Francisco de Aquino Corrêa, presidente do estado de Mato Gross. Cuiabá, 29 de julho de 1918. Arquivo Público de Mato Grosso. Lata 1918 “B.”
Oficio reservado do Chefe de Esquadra Augusto Leverger ao Presidente da Província, Alexandre Manoel Albino de Carvalho. Surto no ponto Melgaço, 11 de março de 1865. Arquivo Público de Mato Grosso, Lata 1865 “A.”
138
Ofício de Sebastião do Rego V. de Barros Júnior, procurador da República, ao coronel Pedro Leite Osório, 1.º vice-presidente do estado de Mato Grosso. Cuiabá, s/n, 18 de agosto de 1906. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A”.
Ofício de Sebastião do Rego V. de Barros Júnior, procurador da República, ao coronel Pedro Leite Osório, 1.º vice-presidente do estado de Mato Grosso. Cuiabá, s/n, 28 de agosto de 1906. Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Acesso Lata 1906 “A”.
6.1.2 Periódicas
A REVOLUÇÃO. Quinze de Novembro, Cuiabá, 7 de fevereiro de 1892, n. 108. In: Revista do Instituto Histórico de Matto-Grosso, Cuiabá, n. 16, ano 8, 1926, p. 144.
SEDIÇÃO militar. Quinze de Novembro, Cuiabá, 7 de fevereiro de 1892, n. 108. In: Revista do Instituto Historico de Matto-Grosso, Cuiabá, n. 16, ano 8, 1926, p. 139-140.
PONCE, Generoso & CORRÊA DA COSTA, Antônio. Tudo como dantes. In: A Reacção, Assunção, Paraguai, 10 de janeiro de 1903, n. 20, p. 1.
15 DE NOVEMBRO. In: A Colligação, Cuiabá, 11 de novembro de 1906, n. º 52, p. 2
15 DE NOVEMBRO. In: A Colligação, Cuiabá, 18 de novembro de 1906, n. º 53, p. 1.
CORONEL Antonio Paes de Barros. In: A Colligação, Cuiabá, 12 jul. 1906, n. 35, p. 1.
ACTO N. 337. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuyabá, 20 de setembro de 1890, n. 59, p. 1.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 5 de junho de 1894, n. 594, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, 29 de Maio de 1894, n. 591, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuyabá, 31 de maio de 1894, n. 592, p. 2.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 5 de junho de 1894, n. 594, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de junho de 1894, n. 595, p. 2.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 9 de junho de 1894, n. 596, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de Junho de 1894, n. 597, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 14 de junho de 1894, n. 598, p. 5.
139
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 16 de junho de 1894, n. 599, p. 2.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de junho de 1891, n. 600, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de Junho de 1894, n. 601, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 26 de Junho de 1894, n. 603, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 3 de Julho de 1894, n. 606, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de julho de 1894, n. 608, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 10 de Julho de 1894, n. 609, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de Julho de 1894, n. 609, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, 14 de Julho de 1894, n. 610, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, 19 de Julho de 1894, n. 613, p. 3-4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de Julho de 1894, n. 614, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 26 de Julho de 1894, n. 616, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de Julho de 1894, n. 617, p. 3-4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 6 de Setembro de 1894, n. 634, p. 4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de setembro de 1894, p. 3-4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de setembro de 1894, n. 636, p. 3.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de setembro de 1894, n. 639, p. 3.
140
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de setembro de 1894, n. 638, p. 3-4.
ALISTAMENTO eleitoral. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 20 de setembro de 1894, n. 640, p. 2-3.
APPREHENSÃO de armamento. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 22 de Fevereiro de 1906, n. 2474, p. 2.
APURAÇÃO da Eleição. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de maio de 1918, n. 4.282, p. 8.
ASSEMBLÉIA Legislativa: Sessão em 8 de Março de 1902. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 20 de Março de 1902, n. 1.872, p. 2-3.
COELHO, Antônio Maria. Expediente do Dia 16: Ao Inspector da Thesouraria de Fazenda. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 20 de setembro de 1890, n. 59, p. 2.
COLLECTORIA das rendas do Estado – Lançamento de impostos. In: Gazeta Official do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 11 de Outubro de 1892, n. 336, p. 4.
EDITAES. Guarda Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de novembro de 1894, n. 661, p. 3.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 14 de fevereiro de 1918, n. 4.248, p. 5-6.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de fevereiro de 1918, n. 4.250, p. 6.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 15 de março de 1930, n. 6.127, p. 3-4.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de fevereiro de 1907, n. 2.612, p. 3.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 29 de janeiro de 1918, n. 4.242, p. 4-5.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 2 de fevereiro de 1918, n. 4.244, p. 6-7.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 23 de fevereiro 1918, n. 4252, p. 4-6.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 26 de fevereiro de 1918, n. 4.253, p. 3-5.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 31 de janeiro de 1918, n. 4.243, p. 5-6.
141
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março de 1930, n. 6.122, p. 3-4.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março de 1930, n. 6.122, p. 3-4.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de abril de 1894, n. 569, p. 2.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de fevereiro de 1918, n. 4.246, p. 7-8.
EDITAES. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 9 de fevereiro de 1895, n. 701, p. 3.
EDITAES: Eleição Estadoal. In. Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de março de 1895, n. 714, p. 3.
EDITAL. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 10 de Abril de 1897, n. 1117, p. 3-4.
ELEIÇÃO para Presidente e Vice-Presidente da Republica. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de Fevereiro de 1902, n. 1857, p. 3.
ELEIÇÃO Presidencial. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 23 de Março de 1899, n. 1420, p. 4.
ELEIÇÃO. In: Gazeta Official do Estado de Mato-Grosso, Cuiabá, 14 de novembro de 1899, n. 1591, p. 2.
ELEIÇÕES Estadoaes. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 21 de fevereiro de 1911, n. 3228, p. 4.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de Abril de 1897, n. 1.116, p. 4.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 1.º de Dezembro de 1891, n. 246, p. 3.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de setembro de 1894, n. 633, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de setembro de 1894, n. 633, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 6 de setembro de 1894, n. 634, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 8 de setembro de 1894, n. 635, p. 2.
142
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de setembro de 1894, n. 638, p. 3.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 18 de Novembro de 1899, n. 1512, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 25 de Outubro de 1900, n. 1654, p. 2
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 3 de setembro de 1901, n. 1987, p. 1-2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 5 de Setembro de 1901, n. 1788, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de setembro de 1901, n. 1789, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 10 de setembro de 1901, n. 1790, p. 2.
GUARDA Nacional. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 12 de setembro de 1901, n. 1791, p. 2.
GUARDA Nacional. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 29 de outubro de 1893, n. 708, p. 2.
GUARDA Nacional: ordem do dia. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de outubro de 1890, n. 66, p. 3.
INTENDENCIA MUNICIPAL. Portaria n. 18. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de fevereiro de 1918, n. 4.254, p. 6-7.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de fevereiro de 1895, n. 709, p. 2.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 2 de março de 1895, n. 710, p. 3.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 7 de março de 1895, n. 712, p. 3.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 9 de março de 1895, n. 713, p. 3.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 14 de março de 1895, n. 715, p. 3.
NOTICIARIO: Eleição federal. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de fevereiro de 1895, n. 709, p. 2.
ORDEM DO DIA N. 16. In: Guarda Nacional. Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 6 de Outubro de 1904, n. 2261, p. 1-2.
143
PONCE (1892a), Generoso Paes Leme de Souza. Administração do Exm. Sr. Coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce, 1.º vice-presidente: Manifesto aos meus concidadãos e ao paiz. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá, 17 de Maio de 1892, n. 273, p. 1.
VÁRIAS Noticias. In: Gazeta Official do Estado de Matto-Grosso, Cuiabá 23 de abril de 1918, n. 4.275, p. 4.
PLEITO eleitoral. In: O Estado, Cuiabá, 5 de novembro de 1905, n. 313, p. 1-2.
TELEGRAMMAS. In: O Estado, Cuiabá, 22 de outubro de 1905, n. 311, p. 1.
A ESTATUA do Coronel Ponce. In: O Matto Grosso, Cuiabá, 3 de setembro de 1893, n. 700, p. 3.
A PEDIDOS. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 25 de agosto de 1890, n. 603, p. 4.
ASSEMBLÉA constituinte. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de Julho de 1891, n. 634, p. 1.
ASSEMBLÉA constituinte. O Matto-Grosso, Cuiabá, 19 de Julho de 1891, n. 634, p. 1.
CANDIDATURAS impostas. In: O Matto-Grosso, Cuyabá, 23 de abril de 1893, n. 681, p. 1.
DIRECTORIO politico. In: O Matto Grosso, Cuyabá, 29 de outubro de 1893, n. 708, p. 1.
ELEIÇÕES Federaes. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de março 1894, 727, p. 3.
ELEIÇÕES Federaes. In; O Matto-Grosso, Cuiabá, 4 de março 1894, 726, p. 3-4.
ESTUDOS politicos, II. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 08 de novembro de 1891, n. 650, p. 3.
ESTUDOS políticos, III. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, Cuiabá, 15 de novembro de 1891, n. 651, p. 3.
GAZETILHA. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 27 de julho de 1890, n. 599, p. 1.
GAZETILHA. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 27de julho de 1890, n. 599, p. 1.
MOVIMENTO de tropas. O Matto-Grosso, Cuiabá, n. 603, 25 de agosto de 1890, p. 1.
MURTINHO, Joaquim Duarte. Manifesto aos cidadãos. In: O Matto-Groso, Cuiabá, 15 de julho de 1890, n. 597, p. 2.
MURTINHO, Joaquim. Aos meus concidadãos. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, n. 585, 13 de abril de 1890, p. 1.
PARTIDARISMO. O Matto-Grosso, Cuiabá, 13 de dezembro de 1891, n. 655, p. 2.
PÉRSIO. Coisas e Loisas. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 11 de março 1894, n. 727, p. 3-4.
QUEBRAMENTO de accôrdo. In: O Matto-Grosso, Cuiabá, 28 de junho de 1891, n. 631, p. 1.
144
OS ACONTECIMENTOS: Boletim do ‘Republicano’ distribuido na noite de 17 do corrente. In: O Republicano, Cuiabá, 19 de agosto de 1917, p. 1.
TELEGRAMMAS: Rio, 28. In: O Republicano, Cuiabá, 1 de julho de 1917, n. 58, p. 1.
VARGAS, J. A última caetanada. In: O Republicano, Cuiabá, 19 de agosto de 1917, n. 71, p. 2.
VARGAS, J. Em torno do Acrodo. In: O Republicano, Cuiabá, 12 de julho de 1917, n. 61, p. 2.
6.1.3 Leis e Decretos
BRAZIL. DECRETO N. 1.167, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1890. Approva o plano de uniformes feito para a Guarda Nacional da Capital Federal. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 534-5. (Partes 1 e 2).
BRAZIL. REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. 1891: promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Organização do texto: Casa de Ruy Barbosa. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa. gov.br/expo/pdf/constituicao_1891_org.pdf>. Acesso em: 28/dez./2005.
BRAZIL. DECRETO N. 1.087, DE 18 DE SETEMBRO DE 1892. Modifica o plano de uniformes para os officiaes do estado-maior do commando superior e das brigadas da Guarda Nacional da Capital Federal. In: ______. Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, p. 819. (Partes 1 e 2)
BRAZIL. DECRETO N. 83, DE 16 DE SETEMBRO DE 1892. Concede amnistia aos individuos que tomaram parte nos movimentos revolucionarios do Estado de Matto Grosso, e aos que se envolveram, directa ou indirectamente, nos do Estado da Rio Grande do Sul. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=64600>. Acesso em: 25/jul./2008.
BRAZIL. DECRETO N. 1.506, DE 9 DE AGOSTO DE 1893. Altera o plano de uniforme da Guarda Nacional da Republica. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, p. 534-5. (Partes 1 e 2).
BRAZIL. DECRETO N. 1.729 A, DE 11 DE JUNHO DE 1894. Approva novo plano para os uniformes dos officiaes effectivos, reformados e praças do Exército, alumnos das Escolas Militares, Collegio Militar, Invalidos da Pátria e Escola de Sargentos; altera o adoptado para os officiaes honorarios e estabelece novo plano de arreiamento para as montarias dos officiaes e praças. In: ______. Colecção das leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895, p. 528-558. (v. 1, Partes 1 e 2).
BRAZIL. DECRETO N. 2.697, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1897. Reorganiza a Guarda Nacional do Estado de Matto Grosso. In: ______. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1897. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 898. (Partes 1 e 2)
145
BRAZIL. LEI N. 1269, DE 15 DE NOVEMBRO DE 1904. Reforma a legislação eleitoral, e dá outras providencias. In: REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1904, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907, p. 114-143.
BRAZIL. LEI N. 3.208, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1916. Regula o processo eleitoral e dá outras providencias. In: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <www.tse.gov.br/ sadJudLegislacao/pesquisa/actionBRSSearch.do>. Acesso em: 13/jun./2008.
BRAZIL. DECRETO N. 12.790, DE 2 DE JANEIRO DE 1918. Approva as modificações feitas na lei n. 1.860, de 4 de janeiro de 1908, quanto á parte relativa ao alistamento e sorteio. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÃO. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action?id=47553>. Acesso em: 15/jul./2008.
BRAZIL. DECRETO N. 13.040, DE 29 DE MAIO DE 1918. Regulamenta o Exército Nacional de 2.ª Linha. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÃO. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/ legislacao/ListaPublicacoes.action?id=50908>. Acesso em: 15/jul./2008.
IMPERIO DO BRAZIL. LEI N. 602, DE 19 DE SETEMBRO DE 1850. Dá nova organisação á Guarda Nacional do Imperio. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ ListaPublicacoes.action?id=80189>. Acesso em: 25/mai./2008.
IMPERIO DO BRAZIL. DECRETO N. 3.029, DE 9 DE JANEIRO DE 1881. Reforma a legislação eleitoral. In: SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=70949>. Acesso em: 6/jul./2008.
MATTO-GROSSO. Constituição do Estado de Matto-Grosso (1891). In: AYALA, S. C. & SIMON, F. Album Graphico do Estado de Matto-Grosso. Corumbá: Hamburgo, 1914, p. 30-41.
6.1.4 Relatórios de presidentes de província e estado
ALENCASTRO, José Maria de. Relatorio com que o exm. sr. coronel dr. José Maria de Alencastro, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.a sessão da 24.a legislatura da respectiva Assembléa no dia 15 de junho de 1882. Cuyabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1882.
BARROS, Antonio Paes de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso Coronel Antonio Paes de Barros á Assembléa Legislativa na segunda sessão ordinaria na sua sexta legislatura, installada a 3 de Março de 1904. Cuyabá: Typographia Official, 1904.
BARROS, Antonio Pedro Alves de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso, Coronel Antonio Pedro Alves de Barros, á Assembléa Legislativa, em sua 1ª sessão ordinaria da 5ª legislatura, em 3 de fevereiro de 1900. Cuyabá: Typographia do Estado, 1900.
BARROS, Antônio Pedro Alves de. Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso, Coronel Antonio Pedro Alves de Barros, á Assembléa Legislativa na sua sessão
146
extraordinária de sua quinta legislatura, a 14 de novembro de 1901. Cuyabá: Typographia Official, 1901.
CARDOSO JUNIOR, Francisco José. Relatorio apresentado a Assemblea Legislativa do Mato Grosso pelo exm. sr. tenente coronel Francisco José Cardoso Junior, no dia 20 d'agosto de 1871. Cuiabá: Typ. de Souza Neves & Comp.a, [1872].
CARDOZO JUNIOR, Francisco José. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa da provincia de Matto-Grosso no dia 4 de outubro de 1872 pelo presidente da mesma provincia, o exm. sr. tenente coronel Dr. Francisco José Cardozo Junior. Rio de Janeiro: Typ. do Apostolo, 1873.
CORRÊA, Estevão Alves. Mensagem dirigida a Assembléa Legislativa em 13 de Maio de 1925 pelo Exmo. Sr. Dr. Estevão Alves Corrêa, 1.º Vice-Presidente do Estado. Cuiabá: Typographia Official, 1925.
D’EÇA, Manuel de Almeida da Gama Lobo Coelho (BARÃO DE BATOVY). Relatorio com que o exm. sr. general barão de Batovy, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.ª sessão da 25.a legislatura da respectiva Assembléa no dia 1.º de outubro de 1884. Cuyabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1884.
FONSECA, Hermes Ernesto da. Falla com que o excellentissimo senhor general Hermes Ernesto da Fonseca abrio a 1.ª sessão da 21.ª legislatura da Assembléa Provincial de Mato-Grosso no dia 3 de maio de 1876. Cuyabá: Typ. da “Situação,” 1876.
LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia do Mato Grosso, o capitão de fragata Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 10 de maio de 1851. Cuiabá: Typ. do Echo Cuiabano, 1852.
LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia de Mato Grosso, o capitão de mar e guerra Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 3 de maio de 1852. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1853.
LEVERGER, Augusto. Relatorio do presidente da provincia de Mato Grosso, o chefe de divisão Augusto Leverger, na abertura da sessão ordinaria da Assembléa Legislativa Provincial em 4 de dezembro de 1856. Cuiabá: Typ. do Echo Cuiabano, 1856.
LEVERGER, Augusto (BARÃO DE MELGAÇO). Relatório apresentado ao Ill.mo e Ex.mo Sr. Tenente Coronel Albano de Sousa Osório, Vice-Presidente da Província de Matto Grosso, pelo Presidente Chefe d’Esquadra Barão de Melgaço ao entregar a administração da mesma Provincia. 8 de maio de 1866. Cuiabá: Typ. de Sousa N.es & C., 1866.
MARQUES, Joaquim Augusto da Costa. Mensagem dirigida pelo Exm. Sr. Dr. Joaquim A. da Costa Marques, Presidente do Estado de Matto-Grosso, á Assembléa Legislativa ao installar-se a 3.ª sessão ordinária da 9.ª Legislatura em 13 de Maio de 1914. Cuiabá: Typ. Official, 1914.
PEDROSA, João José. Relatorio com que o exm. snr. dr. João José Pedrosa, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 1.ª sessão da 22.ª legislatura da respectiva Assembléa no dia 1.º de novembro. Cuyabá: Typ. do Liberal, 1878.
147
PEDROSA, João José. Relatorio com que o exm. snr. dr. João José Pedrosa, presidente da provincia de Matto-Grosso, abrio a 2.ª sessão da 22.ª legislatura da respectiva Assembléa em 1.º de outubro. Cuiabá: Typ. de J.J.R. Calháo, 1879.
PENNA, Herculano Ferreira. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso pelo exm.o conselheiro Herculano Ferreira Penna, em 3 de maio de 1863. Cuiabá: Typ. do Matto-Grosso, 1864.
PIMENTEL, João José da Costa (CORONEL). Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Mato Grosso na abertura da sessão ordinaria em 3 de maio de 1850, pelo exm. sr. presidente da provincia, coronel João José da Costa Pimentel. Cuiabá, Typ. do Echo Cuiabano, 1850.
PONCE (1892b), Generoso Paes Leme de Souza. Mensagem dirigida á Assembléa Legislativa do Estado de Matto-Grosso pelo 1.º Vice-presidente Coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce, em 1.º de Junho de 1892. Cuiabá: Typographia do Estado, 1892.
RÊGO, Francisco Raphael de Mello. Relatorio com que o exm. sr. coronel Francisco Raphael de Mello Rego, presidente da provincia, abrio a 27.ª sessão da Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso em 20 de outubro de 1888. Cuyabá: Typ. da “Situação”, 1888.
REIS, José de Miranda da Silva. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Matto-Grosso na primeira sessão da 20.ª legislatura, no dia 3 de maio de 1874 pelo presidente da provincia, o exm. sñr. general dr. José de Miranda da Silva Reis. Cuiabá: Typ. da "Situação" de Souza Neves & C.a, [1875].
6.1.5 Biografias e relatos
ARAÚJO, Vital Batista de. Reflexões críticas sobre a Revolução de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2002.
BARRETO, Emygdio Dantas. Expedição a Matto-Grosso: A Revolução de 1906. São Paulo: LAEMERT & C., 1907.
BARRETO, João Francisco Novaes Paes. As Revoluções de Mato Grosso e suas causas. Cuiabá: IHGMT, 2005.
CORRÊA FILHO, Virgílio. A República em Matto Grosso (II). In: Revista do Instituto Histórico de Matto-Grosso, Cuiabá, t. 33 e 34, 1935.
CORRÊA FILHO, Virgílio. Pedro Celestino. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1945.
CORRÊA FILHO, Virgílio. Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1951.
CORRÊA FILHO, Virgilio. História de Mato Grosso. Rio de Janeiro: MEC/Instituto Nacional do Livro, 1969.
MENDONÇA, Estevão. Datas Matogrossenses. 2 ed. Cuiabá: Estado de Mato Grosso/Casa Civil, 1973, vol. 2.
148
MENDONÇA, Rubens de. Dicionário biográfico mato-grossense. 2 ed. Goiânia: Editora Rio Bonito, 1971.
PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: PONGETTI, 1952.
SMITH, Herbert H. Generalidades sobre Cuyabá. In: ___. Do Rio de Janeiro a Cuyabá: notas de um nativista. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1922. (Apêndice)
SOUSA, Paulino José Soares de (Visconde do Uruguai). “Ensaio sobre direito administrativo.” In: CARVALHO, José Murilo de. Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 65-504.
SOUZA, Antônio Fernandes de. Antônio Paes de Barros e a Política de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 2001. (Publicações Avulsas, 23).
6.2 Referências
ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & VILAÇA, Marcos Vinícios. Coronel, coronéis. 2. ed. Brasília: Editora da UnB, 1978.
BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.
BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo à pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Gross (1870 a 1930). Cuiabá: USP, 1991. Dissertação (Mestrado em História Econômica), Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, 1991.
BOURDIEU, Pierre. A representação política: elementos para uma teoria do campo político. In: ___. O Poder Simbólico. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 163-207. (Capítulo 7).
BRAZIL. MINISTERIO DA AGRICULTURA, INDUSTRIA E COMMERCIO. DIRECTORIA GERAL DE ESTATISTICA. Recenseamento Geral do Brazil – Realizado em 1 de Setembro de 1920: População: População do Brazil por Estados e municipios, segundo o sexo, a idade e a nacionalidade. Rio de Janeiro: Typ. Da Estatistica, 1928. (volume 4, parte 2, tomo 1)
CAMPOS SALES, Manuel Ferraz de. Da Propaganda à presidência. Brasília: Editora UnB, 1983.
CARDOSO, Fernando Henrique. Dos Governos Militares a Prudente – Campos Sales. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 13-50. (Estrutura de poder e economia, t. 3, v. 1).
CARONE, Edgard. A República Velha (Evolução política). 4ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.
CARVALHO (1977), José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: Boris. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 181-234. (Estrutura de poder e economia, t. 3, v. 2)
149
___ (1987). Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
___ (1990). A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
___ (1996). Cidadania: tipos e percursos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 18, 1996.
___ (2003). A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
___ (2005a). Cidadania no Brasil: longo caminho. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
___ (2005b). Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. In: ______. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005, p. 130-153.
___ (2005c). Federalismo e centralização no Império Brasileiro: história e argumento. In: ______. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 2005, p. 155-188.
___ (2007). Os três povos da República. Disponível em: <http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br /media/carvalho_povos_ republica.pdf>. Acesso em: 30/jul./2007.
CASTRO, Jeanne Berrance de. A Guarda Nacional. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de & CAMPOS, Pedro Moacyr (dir.). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1977, p. 275.
CORRÊA FILHO (1946), Virgilio. Panatanaes Matogrossenses (devassamento e ocupação). Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1946.
CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso (1889-1943). 1981. 216 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo, São Paulo.
COTTA, Maurizio. Representação Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
DANTAS, Ibarê. Coronelismo e Dominação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, PROEX/CECAC / Programa Editorial, 1987, p. 15-16.
DE LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos.” In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 111-300.
DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 71.
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. São Paulo: Edições 70, 1980.
___. A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
150
FANAIA, João Edson de Arruda. Elites e práticas políticas na Primeira República em Mato Grosso (1889-1930). 2006. 291 f. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 10 ed. São Paulo: Globo / Publifolha, 2000. (v. 2)
FARIA, Fernando Antônio. Partido Liberal e Política Regional: as eleições no ocaso do Império. Disponível em: <ww.rj.anpuh.org/Anais/2004/Simposios%20Tematicos/Fernando %20Antonio%20Faria.doc>. Acesso em: 24/abr./2008.
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In. ______(org.). Escrita de Si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 14-17.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra / Instituto Nacional do Livro – MEC, 1971.
IMPERIO DO BRAZIL. DIRETORIA GERAL DE ESTATÍSTICA. Recenseamento Geral do Império de 1872. Rio de Janeiro, Typ. Leuzinger / Tip. Commercial, 1876. (Mato Grosso, 21).
JORGE AMADO. Gabriela, Cravo e Canela. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998.
KOSELLECK, Reinhart. Critérios históricos do conceito moderno de revolução. In: ______. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / Ed. PUC-Rio, 2006.
KURSCHNIR, Karina & CARNEIRO, Leandro Piquet. As dimensões subjetivas da política: cultura política e Antropologia política. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil, n. 24, 1992, jun.-dez. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/269.pdf>. Acesso em: 9/ago./2008. p. 4.
LAMOUNIER, Bolívar. Vítor Nunes Leal: Coronelismo, enxada e voto. In: MOTA, Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico, 1. 3 ed. São Paulo: SENAC, 2001, p. 273-292.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: O Município e o Regime Representativo no Brasil. 6.ª ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1993.
LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Sales, as bases e decadência da Primeira República Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1999.
MADISON, James. “Utilidade da União como preservativo contra as facções e insurreições.” In: HAMILTON, Alexandre; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. In: WEFFORT, Francisco C. Federalistas. São Paulo: Victor Civita, 1973. (Os Pensadores, 29)
MELO, Mário Lacerda de (1953). A Região Ribeirinha do Médio Cuiabá: estudo de Geografia Humana. In: Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, AGB, 1957. (v. 7, t. 2, 1952-1953)
151
MORLINO, Leonardo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
NEVES, Maria Manuela Renha de Novis. Elites Políticas: Competição e Dinâmica Partidário-Eleitoral (Caso de Mato Grosso). São Paulo: Vértice, 1998.
OLIVER, Mabel. Caudilhismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
OPPO, Anna. Partidos Políticos. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
PANOFSKY, Erwin. Iconografia e Iconologia. In: Significados nas Artes visuais. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 31-47.
PASQUINO, Gianfranco. Revolução. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
PERARO, Maria Adenir. A imigração para Mato Grosso no século XIX – mulheres paraguaias: estratégias e sociabilidades. In: Anais do XII Encontro Nacional de Estudos populacionais da ABEP, Caxambu, 2000, v. 1. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/A%20Imigra%C3%A7%C3%A3o%20Para%20Mato%20Grosso%20no%20s%C3%A9culo%20XIX....pdf>. Acesso em: 9/out./2007, p. 4.
PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e idéias. In: Lua Nova, São Paulo, n. 67, 2006.
PORTELA, Lauro Virginio de Souza. Alianças e disputas políticas: os primeiros anos da “política dos governadores” em Mato Grosso (1899-1906). 2006, 86f. Monografia (Graduação em História) – ICHS, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, p. 43-45.
PÓVOAS, Lenine de Campos. O Ciclo do Açúcar e a Política de Mato Grosso. 2 ed. Cuiabá: IHGMT, 2000.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira: Brasil republicano. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 154-190. (Estrutura de Poder e Economia, 1889-1930, 1)
REYNALDO, Ney Iared. Comércio e Navegação no Rio Paraguai (1870-1940). Cuiabá: UFMT, 2004.
SAES, Guillaume Azevedo Marques de. Entre sonhos e Pesadelos: o florianismo (1891-1897) na consolidação da ordem republicana. In: BORGES, Fernando Tadeu de Miranda & PERARO, Maria Adenir. Sonhos e Pesadelos na História. Cuiabá: Carlini & Caniato / EdUFMT, 2006, p. 139-160.
152
SANI (2007a), Giacomo. Consenso. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 240-242.
____ (2007b). Cultura Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007, p. 306-308.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O século de Michels: competição oligopólica, lógica autoritária e transição na América Latina. In: Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 28, n. 3, 1985, p. 283-310.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. 14 ed. São Paulo: Difel, 1984, p. 162-226.
STOPPINO (2007a), Mario. Força. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 1. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
___ (2007b). Violência. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2. 13 ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
WEBER, Max. Sociologia da dominação. In: ______. Economia e sociedade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999, p. 253.
ZORZATO, Osvaldo. Conciliação e identidade: considerações sobre a historiografia de Mato Grosso (1904-1983). 1998, 181 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998, p. 149.