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13 PORTO SEGURO EM VERSOS, LER PARA RIMAR, UM DESAFIO NA ESCOLA, RIO GRANDE/RS Marino Cougo de Cougo* Inês Velter Marques* RESUMO: O trabalho aqui apresentado divulga os resultados obtidos a partir de um concurso de poesias realizado na Escola Municipal Porto Seguro, no bairro Parque Marinha, na cidade de Rio Grande. O objetivo ao levantar tal proposta foi o de incentivar a leitura e a produção textual, especialmente de poesias, entre os jovens. Para o desenvolvimento do trabalho, foi necessário um levantamento sobre as condições de letramento dos estudantes e optou-se por realizar o concurso com uma turma de 8ª série, considerando que eram concluintes do Ensino Fundamental e, hipoteticamente, já deveriam ter certo conhecimento linguístico. No entanto, os resultados apontaram para a mesma realidade social do resto do país, que demonstra que a maioria da população não possui as competências linguísticas indispensáveis para o exercício de sua cidadania. Por outro lado, observou-se que os jovens ainda estão bastante dispostos a novas aprendizagens e, cabe à escola e aos professores proporcionarem novos desafios aos estudantes. ABSTRACT: The work presented here presents the results obtained from a poetry contest held at the Municipal School Porto Seguro, in the Marine Park neighborhood, in Rio Grande. The goal to raise this proposal was to encourage reading and text production, especially of poetry, among young people. To develop the work, took a survey on the conditions of literacy of students and it was decided to hold the contest with a group of 8th grade, considering who were graduates of elementary school and, theoretically, should have some knowledge of languages. However, the results pointed to the same social reality of the rest of the country, which shows that the majority of the population does not have the language skills necessary for the exercise of their citizenship. On the other hand, it was observed that young people are still quite willing to new learning, and is the school and teachers provide students with new challenges. PALAVRAS-CHAVE: Jovem; Ensino Fundamental; poesia. KEYWORDS: Young; school; poetry. Interletras, volume 3, Edição número 16,outub.2012/març.2013 - p

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PORTO SEGURO EM VERSOS, LER PARA RIMAR, UM DESAFIO NA ESCOLA, RIO GRANDE/RS

Marino Cougo de Cougo* Inês Velter Marques*

RESUMO: O trabalho aqui apresentado divulga os resultados obtidos a partir de um concurso de poesias realizado na Escola Municipal Porto Seguro, no bairro Parque Marinha, na cidade de Rio Grande. O objetivo ao levantar tal proposta foi o de incentivar a leitura e a produção textual, especialmente de poesias, entre os jovens. Para o desenvolvimento do trabalho, foi necessário um levantamento sobre as condições de letramento dos estudantes e optou-se por realizar o concurso com uma turma de 8ª série, considerando que eram concluintes do Ensino Fundamental e, hipoteticamente, já deveriam ter certo conhecimento linguístico. No entanto, os resultados apontaram para a mesma realidade social do resto do país, que demonstra que a maioria da população não possui as competências linguísticas indispensáveis para o exercício de sua cidadania. Por outro lado, observou-se que os jovens ainda estão bastante dispostos a novas aprendizagens e, cabe à escola e aos professores proporcionarem novos desafios aos estudantes.

ABSTRACT: The work presented here presents the results obtained from a poetry contest held at the Municipal School Porto Seguro, in the Marine Park neighborhood, in Rio Grande. The goal to raise this proposal was to encourage reading and text production, especially of poetry, among young people. To develop the work, took a survey on the conditions of literacy of students and it was decided to hold the contest with a group of 8th grade, considering who were graduates of elementary school and, theoretically, should have some knowledge of languages. However, the results pointed to the same social reality of the rest of the country, which shows that the majority of the population does not have the language skills necessary for the exercise of their citizenship. On the other hand, it was observed that young people are still quite willing to new learning, and is the school and teachers provide students with new challenges.

PALAVRAS-CHAVE: Jovem; Ensino Fundamental; poesia.

KEYWORDS: Young; school; poetry.

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi realizado com a intenção de problematizar a realidade do hábito da leitura entre os estudantes brasileiros, mais especificamente, riograndinos. Para tal, foi escolhida a Escola Porto Seguro, no Parque Marinha, em que se aplicou o projeto de incentivo à leitura e escrita de poesias aos estudantes de 8ª série. Diante da falta de conhecimento dos estudantes, sobre essa modalidade de texto, foram passados alguns conhecimentos acerca dos textos poéticos: rimas, métricas; estilos; vocabulário, etc. A

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proposta envolveu pesquisa bibliográfica a fim de embasar o trabalho realizado e, logo, dar suporte aos resultados obtidos na execução da mesma, já que, após o trabalho com a poesia e uma visita à Academia Riograndina de Letras, haveria um “Concurso de Poesias”.

Para melhor explicar a elaboração e aplicação do trabalho, este artigo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente é apresentada uma breve, porém necessária, revisão de literatura, a qual deu subsídios para a execução da proposta, abordando questões que fundamentam o que é um texto, a importância do texto poético na sala de aula, especialmente no Ensino Fundamental; em seguida, é abordada a metodologia utilizada na execução do trabalho; logo, discorre-se sobre o Concurso de Poesias, o percurso percorrido até culminar na proposta; por fim, as considerações finais sobre o trabalho.

1 REVISÃO DE LITERATURA

A capacidade de ler, interpretar e produzir textos coerentes é um fator importante para o sucesso pessoal e, principalmente, profissional de um indivíduo. No entanto, tais competências estão cada vez mais escassas entre a população brasileira, especialmente entre os jovens, que por diversos fatores, não têm o hábito de ler, menos ainda de produzir textos.

Portanto, o conhecimento básico de leitura e produção textual é indispensável para a vida em sociedade, pois basicamente toda a rotina da população está ligada à leitura, seja de textos verbais ou não verbais. Desde a placa de trânsito, aos preços dos alimentos no supermercado, aos letreiros de ônibus, tudo está relacionado à leitura e se faz imprescindível os conhecimentos mínimos para ser capaz de ler e interpretar todos esses meios de comunicação. Nas escolas, a leitura é requisito para o aprendizado de todas as disciplinas, em todos os níveis escolares, por isso, estar capacitado ou não à leitura e interpretação é o diferencial entre o fracasso ou sucesso escolar:

A atividade de leitura se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas. Tal presença, sem dúvida marcante e abrangente, começa no período de alfabetização, quando a criança passa a compreender o significado potencial das mensagens registradas através da escrita. Após esta fase de iniciação, o aluno continua a se encontrar com livros-textos (materializados na prática escolar, sob a forma de livro-adotado, texto base, bibliografia obrigatória, leitura suplementar, apostilha, etc....) ao longo de toda a sua trajetória acadêmica. (SILVA, 2005, p. 31).

Então, se a leitura é tão importante e tão indispensável para a vida em sociedade, e se a realidade do país aponta para outra direção que não a de uma sociedade letrada, faz-se

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necessário mudar os métodos de ensino da Língua Portuguesa nas escolas, saindo do foco de estudos meramente gramaticais e, valorizando a Literatura em geral.

Assim como a língua é internalizada pela criança, a leitura favorece o conhecimento da gramática sem nomenclaturas. Quando se lê, é possível perceber a construção de cada frase, a escrita correta das palavras, os sentidos dos textos, a tipologia textual, sem necessariamente saber as classes gramaticais a que pertencem, nem as diferenças sintáticas e semânticas das palavras, frases e textos lidos.

1.1 O texto e a leitura: seus aspectos e função social

Antes de começar a pensar na questão da leitura e produção textual pelos estudantes, é preciso ter noção do que é um texto, sua função social, suas características. Não se pretende aqui, dar definições de texto, mas sim ter um breve apanhado das características do texto. Primeiramente, é importante salientar que o texto apresenta um encadeamento de ideias que, juntas garantem a coerência do que está sendo escrito/lido, portanto, como afirma Fiorin (2007, p. 11), “O texto não é um aglomerado de frases”.

Frases soltas, sem conexão, não formam um texto. Também, dependendo do contexto, pode ocorrer de apenas uma palavra ou imagem ser considerada um texto, por exemplo, uma placa com a figura de uma moça com o indicador em frente ao nariz na parede de um hospital. Está aí um exemplo de texto não verbal que significa “Por favor, faça silêncio, este é um ambiente hospitalar...”. O texto precisa ser dotado de sentido, visto que sua função é comunicar.

Outra questão importante sobre texto é sua capacidade de passar uma mensagem e nela, mesmo que implicitamente, abordar questões mais profundas, seja com relação a opiniões, sentimentos ou ideologias. Como exemplifica Fiorin (2007, p.13), “Todo texto contém um pronunciamento dentro de um debate de escala mais ampla”. Na sociedade, a competência de ler, interpretar, produzir textos, seja escritos ou falados, é fator de inclusão ou exclusão social:

O texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sociohistórico. De certo modo, pode-se afirmar que o texto é uma (re) construção do mundo e não uma simples refração ou reflexo. Como Bakhtin dizia da linguagem que ela ‘refrata’ o mundo e não reflete, também podemos afirmar do texto que ele refrata o mundo na medida em que o reordena e reconstrói. (MARCUSCHI, 2008, p. 72).

Permitir que o estudante reconstrua “seu” próprio mundo através da leitura é o papel fundamental da escola, já que um texto é diferente para cada leitor, pela influência de suas vivências, de sua cultura, de suas crenças, de suas peculiaridades como ser

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humano. É nessa diversidade de visões/opiniões que se observa um campo vasto de oportunidades de interações, de debates que visem à troca de ideias, a defesa de pontos de vista e, o respeito à opinião dos outros. Embora muitos discursos a respeito da defasagem linguística dos estudantes, relacionem tal fato à falta de interesse desses alunos, sabe-se que tais afirmativas só servem para mascarar problemas, culturais e políticos do país.

A leitura de textos em sala de aula sempre foi algo com papel secundário na aprendizagem, principalmente de Língua Portuguesa. Ela serve, normalmente, para o ensino de algum conteúdo de gramática, fato que nada tem haver com a leitura de lazer. De alguma forma, essa cultura, de uma leitura sem fins no próprio texto, mas na gramática, limitou e ainda limita os jovens a ler apenas o que lhes é indicado, afastando-se totalmente a leitura do prazer de ler. Tal cultura traz consigo uma relação desastrosa entre os estudantes e a prática da leitura. Isso reflete diretamente no aprendizado em geral e resulta em péssimas avaliações da educação nacional:

Os resultados ruins apresentados pelo ensino público não são desconhecidos nem negados por ninguém. A necessidade de mudanças significativas na qualidade da educação formal oferecida pela Escola Pública como um todo e, mais especificamente, pelo ensino da língua materna é ampla e oficialmente sentida, reconhecida e declarada. (SANTOS, 2004, p. 17).

Uma boa competência linguística, portanto, é fator indispensável na construção de uma sociedade mais crítica e consciente de seus direitos e deveres como cidadãos. As capacidades de ler, interpretar, produzir e comunicar são muito importantes no processo de inclusão social do jovem. Segundo Cosson (2006, p. 20), “[...] a literatura serve tanto para ensinar a ler e escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo”. Incentivar o hábito da leitura entre os jovens é indispensável, portanto, na construção da cidadania, mas como esse processo tem sido considerado nas escolas, ainda tem muito que melhorar.

A maioria dos jovens que, mesmo diante de tanta desmotivação, tem o hábito de ler, o fazem por prazer, certamente. Por um certo prazer que a leitura desperta quando “adentram” um texto literário. Eles encontram na linguagem, nos personagens, no enredo, no ambiente ou na temporalidade da trama de um bom texto uma experiência prazerosa que pode virar um hábito, uma paixão. Da mesma forma, o abandono de um texto pode revelar que houve um desencontro entre a ludicidade da leitura e o despertar do prazer no jovem leitor. Os jovens, ao lerem um texto, o transformam em uma experiência de conhecimento de si mesmos, identificando-se com a trama, associando-a as suas experiências de vida, à sua subjetividade, ao seu conhecimento de mundo. Através da leitura, são capazes de descobrirem suas próprias emoções, enfim, auto conhecer-se.

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É, portanto, evidente que a relação do jovem com a leitura é uma relação de prazer. Mas é na sala de aula, na prática literária, mais especificamente, que as relações com a leitura podem ser criadas ou anuladas, dependendo aí das práticas pedagógicas que serão utilizadas nesse processo. De acordo com Chartier (2006, p. 63), “Ler é descobrir, é compreender o tanto que for necessário para não perder o fio, não é memorizar cada coisa”.

A cultura escolar vivenciada pelos estudantes legitima a autoridade inquestionável: o professor como detentor do conhecimento e a fragmentação dos saberes. Por isso, o ensino de Literatura no cotidiano escolar acaba assimilando as formas autoritárias de ensino, distanciando a leitura do prazer, através de textos pré-estabelecidos, cujos temas são escolhidos pela equipe pedagógica sem consultar ou levar em consideração o gosto dos estudantes.

Mas é na relação entre o professor e seus alunos que ocorre a possibilidade de se fazer da leitura um ato prazeroso. Existem professores que se importam em somente transferir seus conhecimentos, tornando o ato de leitura algo enfadonho, pois valorizam a teoria sobre o texto lido, o tempo verbal, o personagem principal, etc. Porém, existem aqueles que cativam seus alunos baseados nas relações de respeito aos conhecimentos, subjetividades, diversidades na sala de aula. Neste caso, o próprio texto a ser lido, parte de uma escolha democrática, em que os alunos elegem o que preferem ler e o professor, a partir dessas preferências irá trabalhar a leitura e interpretação nos diversos níveis possíveis.

O objetivo, então, é sair de uma concepção de leitura prescritiva e partir para uma outra, baseada na liberdade, ou seja, transitar de uma didática que homogeneíza para uma que respeita a diversidade advinda dos alunos. Essa é a característica de uma literatura escolar que encanta e liberta. Ela requer que se conviva com a diversidade de pensamentos, com a pluralidade das interpretações, com as múltiplas formas de se perceber o mundo que cada aluno tem. Portanto, é necessário o questionamento da lógica e sequência dos conteúdos programáticos escolares, de forma a permitir que a seleção dos textos ocorra através de projetos que incluam a opinião dos estudantes.

1.2 O texto poético no Ensino Fundamental

Os diversos tipos de texto existentes trazem uma forma distinta de conhecimento, entretenimento. O tipo de texto mais comum nas aulas escolares, principalmente no Ensino Fundamental, é o texto narrativo. No entanto, a poesia tem muito a acrescentar na capacidade de interpretação de textos. Por isso, o texto poético deveria ser mais difundido nas escolas:

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Essa visão que valoriza o pragmatismo da educação e da vida em geral situa as disciplinas científicas num domínio considerado mais importante, por atribuir-lhes um caráter preciso e utilitário. Em contrapartida, a escola coloca, em geral, a arte e as atividades recreativas num domínio de menor importância, do lado da gratuidade, sendo consideradas sem uma utilidade imediata. O papel da arte em geral e da poesia em particular na formação do ser humano é menos valorizado. (MAIA, 2001, p. 15).

A desvalorização do texto poético na educação básica demonstra a “marginalização” das disciplinas não científicas no currículo escolar. Na maioria das vezes, é difícil dar à poesia um espaço significativo na sala de aula, porém os benefícios trazidos pelo trabalho com esse gênero literário são muitos e vão desde o desenvolvimento da imaginação, a criatividade, a melhora na oralidade, no vocabulário. Enfim, o trabalho com poesias ajuda a criar diversas subcompetências linguísticas, que posteriormente são capazes de fomentar uma competência comunicativa eficiente e real entre os jovens alunos:

Isto parece significar que a poesia pode ser um meio de ligação entre o lúdico e a aprendizagem escrita, elementos que são constantemente separados na escola. A poesia oferece, assim, a oportunidade de jogar com a língua. Se a escola explora a união entre sonoridade e sentido, valoriza a sonoridade das experiências anteriores vividas pela criança fora do espaço escolar; além disso, pode dar, a partir da interpretação do sentido, um conhecimento de mundo. (MAIA, 2001, p. 18, 19).

Trabalhar o texto poético em sala de aula representa o respeito à capacidade do aluno em compreender uma tipologia textual que usa a subjetividade como foco de sua escrita, utiliza metáforas como formas de ver a vida e o mundo, usa da sensibilidade para demonstrar os sentimentos, personificando elementos e dando novos sentidos às palavras cotidianas.

2 METODOLOGIA

Esta foi uma pesquisa-ação realizada a fim de identificar os motivos que levam ao desestímulo dos jovens com relação à leitura e à produção de textos, e, consequentemente, ao baixo rendimento escolar em geral. Este trabalho foi desenvolvido em cinco etapas, primeiramente foi realizada a escolha da escola em que seria aplicada a pesquisa. Optou-se por uma escola de periferia, cujo discurso é de apoiar a leitura com um projeto semanal aplicado a todas as turmas, intitulado “A hora da leitura”, por isso, elegeu-se a Escola Municipal Porto Seguro, que fica situada no Bairro Parque Marinha, em Rio Grande.

Em um segundo momento, foi realizada uma reunião com o corpo diretivo da escola a fim de conhecer melhor a realidade escolar, os desafios encontrados nas propostas de

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leitura e escrita, a resposta dos alunos às atividades e os resultados obtidos através do rendimento escolar, etc. Posteriormente, propôs-se o trabalho de um “Concurso de Poesias” a uma turma de 8ª série, a qual foi escolhida por se tratar de um grupo de estudantes concluintes do Ensino Fundamental, que em breve ingressariam no Ensino Médio e deles seriam cobradas competências linguísticas mais elevadas.

A partir do conhecimento da escola e da turma, foi realizado um breve questionário destinado aos estudantes a fim de ter uma ideia de seus conhecimentos com relação aos textos poéticos e suas impressões com relação à importância da leitura. Após conhecer melhor a turma, suas perspectivas e conhecimentos, achou-se importante realizar uma visita à Academia Riograndina de Letras, no intuito de ambientar os alunos no universo da Literatura, demonstrar, na prática, a realidade dos escritores, conhecer os textos produzidos por eles e receber lições sobre a importância da leitura para a sociedade. Por fim, já na escola, após ler alguns textos poéticos de autores diversos, foi realizado o “Concurso de Poesias” com tema livre para que os estudantes ficassem a vontade para escrever aquilo que lhes conviesse. Cada estudante recebeu uma folha e pode expressar sentimentos, pensamentos, ideologias.

3 CONCURSO DE POESIAS

3.1 Investigando a realidade da escola e dos alunos com relação à leitura

Foi realizada uma reunião com a equipe diretiva da escola a fim de conhecer melhor a realidade dos alunos com relação à leitura e à escrita. A partir dessa, ficou-se sabendo que a escola desenvolve a atividade intitulada “dia da leitura” em que, geralmente os professores levam um texto para ser lido pela turma. A equipe afirmou que a partir da implantação do projeto, houve uma sensível melhora na capacidade leitora dos alunos em geral, mas que ainda há muita resistência por parte dos mesmos em desenvolver um hábito de ler e de escrever textos.

Foi feito, ainda, já com a turma da 8ª série, um questionário com cinco perguntas a fim de analisar os conhecimentos dos alunos, além de averiguar sua motivação para a leitura e escrita de textos. No questionário, averiguou-se o conhecimento prévio de leitura de poesias, se conheciam algum poeta, se já haviam ouvido falar na Academia Riograndina de Letras, se já haviam produzido poesias e, por fim, houve o convite para que participassem de um Concurso de poesias.

Com relação à prática realizada no “dia da leitura” os alunos, em sua maioria, disseram que a achavam importante porque poderiam conhecer histórias, aprender mais, melhorar o vocabulário, estimular a imaginação e melhorar a comunicação. Já quando questionados sobre a leitura de poesias e o conhecimento de algum poeta, os jovens responderam, na grande maioria, que já haviam lido poesias, porém não lembravam os

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poetas que as escreveram. Com relação a conhecer ou não a Academia Riograndina de Letras e os textos divulgados pela instituição no Jornal local (Jornal Agora de Rio Grande), os estudantes foram unânimes em dizer que nunca leram tais textos, nem conheciam a Academia, menos ainda, tinham conhecimento de algum poeta riograndino.

Quando questionados se já haviam produzido um texto poético, os alunos responderam que nunca escreveram uma poesia alegaram que não o fizeram por não se considerarem poetas, nem bons escritores; não ter inspiração; não ter interesse por poesias; não ter criatividade. Já os que disseram que já escreveram, afirmaram que fizeram como tarefa na escola; quando estavam tristes ou entediados. Apenas um respondeu que já teve vontade de escrever uma poesia, mas desistiu.

Por fim, ao serem convidados a participar do Concurso de Poesias, dos vinte e dois alunos presentes em classe, apenas cinco concordaram em participar do concurso, demonstrando assim, o receio que a grande maioria dos jovens na faixa etária dos 13 a 15 anos têm de expor sentimentos e, principalmente escrever textos que envolvam questões mais íntimas de suas personalidades, além disso, comprova que tais alunos sentem-se despreparados para produzir textos que envolvam questões mais subjetivas.

Os poucos que concordaram em participar alegaram que gostariam de participar para melhorar a aprendizagem, expressar sentimentos em palavras e para trocar conhecimentos. Já os que discordaram em participar da atividade justificaram que não gostavam de ler e escrever, nem de poesias; que não sabiam escrever poesias, nem tinham um bom conhecimento de Português para escrevê-las ou sentiam-se tímidos para realizar tal tarefa.

3.2 A academia Riograndina de Letras

Como uma forma de inserir os alunos no contexto literário e, ainda, valorizar a arte literária da cidade de Rio Grande, achou-se interessante uma breve visita à Academia Riograndina de Letras, lá os alunos tiveram contato com alguns escritores da cidade, puderam acessar algumas obras escritas por eles e, também, absorver um pouco da realidade de um escritor. Tal experiência foi importante, pois os estudantes puderam observar que não é necessário ser um grande intelectual para poder escrever. Tiveram ali a noção de que a escrita é libertadora, que através dela podem se comunicar, expressar sentimentos e que é uma ferramenta que permite exercer a cidadania.

A partir daí, já de volta à escola, foram expostas algumas poesias de diversos autores brasileiros e riograndinos a fim de ambientar os alunos à atividade proposta. Falou-se um pouco sobre rima e outros recursos utilizados no texto poético e, embora houvesse a

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resistência inicial à atividade, os alunos se saíram muito bem na elaboração dos seus textos.

3.3 A produção textual dos alunos

A partir dos subsídios dados, para a execução da atividade de escrita de poesias, os alunos desenvolveram textos com temática livre. Alguns escreveram sobre amizade, outros sobre amor, uns sobre a vida, outros sobre a paixão pelo time de futebol e, alguns, sobre questões filosóficas. Aqui serão transcritas alguns textos produzidos pelos alunos a fim de demonstrar o quanto o trabalho com leitura é precário nas escolas e o quanto ainda é necessário avançar no sentido de uma competência linguística real. Na verdade, os textos não foram ruins, mas estão distantes de uma produção poética mais aprofundada, em que se observe uma linguagem metafórica, onde haja o implícito como forma de dizer o não dito, etc.

Segue um texto produzido por uma das alunas participantes do concurso de poesias:

A amizade sincera que se foi!

Amizade não é fácilPorque quando valorizamos

Te trocam por uma conversa de guri

Amigas nós temos váriasMas só uma

Consideramos como irmãE nos dedicarmos não é fácil

Ela deixou de serMinha amiga por

Uma conversa de namorado

Mas amor é amor,Nosso coração se apaixona

RapidamenteE tudo pode acontecer

Amizade e amor é um sentimentosDifícil de esquecer

E tenho uma paixão...eUma amiga chamada

Natali

(texto produzido por uma aluna da 8ª série)

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Observou-se no texto acima, que a aluna dispôs o texto na folha de uma forma que por muito tempo foi um padrão para a escrita de poesias, demonstrando assim, que ao menos algum conhecimento, mesmo que básico, ela possuía a respeito da produção poética. Outra questão é que ela expôs um sentimento, expressou algo que aconteceu em sua vida e que a deixou triste. No entanto, não se vê na sua linguagem as características que fazem de um texto poético uma poesia, ou seja, não se vê ali uma musicalidade, nem um jogo de palavras, nem a linguagem metafórica comum a essa tipologia textual.

O próximo texto teve uma temática mais filosófica sobre a criação do mundo:

O mundo

Quem será que criou o mundo?Deus não foi

Ele é só mais um velho mortoMuito poderoso, hoje em dia quem não é?

Mas ele não deixa de ser velho!

Quem será que criou o mundo?Jesus também não

Crucificaram o coitadoSem ele ter feito nada!

Quem criou o mundo?Maria, muito menos

Naquele tempo mulheresEram só mulheres

Nada mais.

Quem criou o mundoFoi todos nós

E somos nós quem estáAcabando com ele.

(texto produzido por aluna de 8ª série)

No texto acima se pode verificar que, embora não houvesse rimas, metáforas, personificações, a aluna expôs diretamente alguns pensamentos e sentimentos, mas outros estão implícitos na escrita da mesma. Considerar Deus um velho pode demonstrar algum tipo de descrença ou desilusão; a conclusão final do texto mostra a preocupação da estudante com os efeitos da falta de respeito do homem que resulta na degradação do planeta.

O próximo texto tem por temática o amor na adolescência:

Paixão de adolescente

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Sonho, vejo, sinto, toco,Penso em você, mas afinal,

Você é quem?Ilusão do coração?

Pensamento da minha cabeça?O que você é?

“Sou uma coisa que machucaDói e fere muitas pessoas

Inclusive vocêSou o amor

Que mora dentro do seu peito!”

(texto produzido por uma aluna da 8ª série)

No texto acima, observa-se a personificação do amor que é capaz de responder às inquietações da pessoa apaixonada, afirmando que “machuca, dói e fere” as pessoas que se apaixonam. É um texto que apresenta um pouco mais de aprofundamento, trata de um assunto subjetivo que é o amor/paixão, utiliza alguns recursos como a pontuação para enfatizar o sentimento.

O que é possível concluir a partir dos exemplos de produções dos alunos, é que o potencial existe, mas que os mesmos estão mal instruídos no sentido de produção textual e, é lógico, de leitura. A disposição dos alunos em escrever os textos da proposta, demonstra que os jovens aceitam e desejam desafios, o que falta é o incentivo e a responsabilidade das escolas e dos professores na construção de uma cultura relacionada a leitura entre os estudantes.

Nas produções da maioria foi possível perceber que, embora os alunos já estejam concluindo o Ensino Fundamental, seus textos apresentam um vocabulário restrito. Tal constatação vai de encontro à falta de uma cultura leitora em nosso país, fato que reflete na maioria das classes sociais, mas que está mais intrinsecamente ligada às escolas públicas, infelizmente:

Por outro lado, parece certo dizer que não existe tradição de leitura no Brasil. Dada as condições do desenvolvimento histórico e cultural do país, a leitura, enquanto atividade de lazer e atualização, sempre se restringiu a uma minoria de indivíduos que teve acesso à educação e, portanto, ao livro. (SILVA, 2005, p. 37).

Sente-se falta, nas produções dos estudantes, de uma linguagem metafórica mais adequada às poesias. Percebe-se uma objetividade mais comum em textos não poéticos. Porém, como já foi dito, vê-se potencial e sabe-se que se houver maior mobilização no

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sentido da leitura e produção textual nas escolas, a realidade social atual, de uma população com baixos índices de letramento, poderá ser mudada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se lê, não só se absorve informação, mas se reflete sobre as questões. É um momento de descoberta que muitas vezes desconstrói paradigmas formados a partir do senso comum, de informações contraditórias recebidas pelo meio. Talvez seja essa realidade da leitura que ameace e faça com que não haja uma verdadeira mobilização pelo letramento da população. Uma pessoa que lê, faz muito mais que isso, ela questiona, reflete e pensa mais criticamente sobre tudo que a rodeia. Com o tempo, constrói sua própria visão sobre o mundo, sobre as questões sociais, políticas, passa a entender melhor seus direitos, etc.

Para os jovens, a leitura é fundamental para formar seu pensamento abstrato, sua capacidade reflexiva e crítica. Durante a adolescência a flexibilidade mental possibilita o estabelecimento ou a mudança de paradigmas. A leitura é uma das poucas vias para poder desenvolver integralmente esta capacidade. A leitura propicia um diálogo entrelinhas, nas pausas, nos comentários sobre o que foi lido. Cada livro é um mundo onde o jovem pode se refugiar porque ali estão protegidos de uma realidade que ainda estão despreparados para encarar, com tantas injustiças, enganos, dificuldades. As obras literárias permitem a imaginação de um mundo melhor, diferente do atual. E nesse sentido, os livros dão esperança ao mostrar que a vida muda e que pode ser diferente.

Através da leitura, o jovem pode se identificar com os personagens, com suas histórias, associando-as com suas próprias histórias, ler passa a ser então, um refúgio ativo que permite vislumbrar novos horizontes. Portanto, apresentar ao jovem essa realidade apaixonante sobre a leitura é um papel que deveria ser desempenhado pelas famílias, desde muito cedo, logo, pelas escolas, e compete aos professores fortalecer essa relação de forma a continuar incentivando seus alunos à leitura.

Como vimos nesse trabalho, a sociedade não valoriza os conhecimentos advindos das artes, a Literatura é uma disciplina posta à margem dos conhecimentos, a poesia é uma modalidade textual pouco ou nada valorizada nas salas de aula, fato observado concretamente através das produções textuais dessa turma de 8ª série, que teve o esforço e a motivação de tentar criar seus textos, mas grandes dificuldades nas suas produções.

Enfim, é urgente que se pare de discursar sobre a importância da leitura, aplicando projetos superficiais de incentivo e se parta para um projeto verdadeiro com o foco no letramento dos estudantes. Para o desenvolvimento da dicotomia: competência/desempenho, que é imprescindível. Para a eficaz competência linguística do indivíduo, é preciso abandonar as tradições arraigadas em nossa sociedade de que

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professor bom é o que enche o caderno de lições e, que as práticas de leitura são momentos apenas de brincadeira e que devem ser limitados ao tempo extra, muito raro entre as matérias curriculares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARTIER, Anne-Marie. Leitura e saber ou a literatura juvenil entre ciência e ficção. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (orgs.). A escolarização da leitura literária. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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MAIA, Angela Maria dos Santos. O texto poético: Leitura na escola. Maceió: EDUFAL, 2001.

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* Graduando do curso de Letras Português do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN Net.

* Profª. Inês Velter Marques. Graduada em Letras UFMS, Pós Graduada em Arte e Educação. Mestranda em Educação UFGD e docente do curso de Letras EAD/ UNIGRAN

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