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Pós-Graduação em Ciência da Computação “ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL” Por RAQUEL LIMA SARAIVA Dissertação de Mestrado Universidade Federal de Pernambuco [email protected] www.cin.ufpe.br/~posgraduacao RECIFE/2014

Pós-Graduação em Ciência da Computação · desse novo cenário, cresce a necessidade de tratar os outros direitos fundamentais da mesma forma que os direitos autorais. Acesso

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Pós-Graduação em Ciência da Computação

“ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE

AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO

CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL”

Por

RAQUEL LIMA SARAIVA

Dissertação de Mestrado

Universidade Federal de Pernambuco

[email protected]

www.cin.ufpe.br/~posgraduacao

RECIFE/2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE INFORMÁTICA

PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

RAQUEL LIMA SARAIVA

“ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL"

ESTE TRABALHO FOI APRESENTADO À PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO DO CENTRO DE INFORMÁTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO.

ORIENTADOR(A): RUY JOSÉ GUERRA BARRETTO DE QUEIROZ

RECIFE, 2014

Catalogação na fonte Bibliotecária Jane Souto Maior, CRB4-571

S243a Saraiva, Raquel Lima Acesso à informação versus direito de autor: a busca do

equilíbrio no contexto da cultura digital. / Raquel Lima Saraiva. – Recife: O Autor, 2014.

102 f.: il., fig., tab. Orientador: Ruy José Guerra Barretto de Queiroz. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de

Pernambuco. CIn, Ciência da Computação, 2014. Inclui referências.

1. Ciência da computação. 2. Direitos autorais. 3. Sociedade da informação. 4. Legislação. I. Queiroz, Ruy José Guerra Barretto de (orientador). II. Título. 004 CDD (23. ed.) UFPE- MEI 2014-182

Dissertação de Mestrado apresentada por Raquel Lima Saraiva à Pós-Graduação

em Ciência da Computação do Centro de Informática da Universidade Federal de

Pernambuco, sob o título “Acesso à Informação versus Direito de Autor: a

busca do equilíbrio no contexto da cultura digital” orientada pelo Prof. Ruy

Jose Guerra Barretto de Queiroz e aprovada pela Banca Examinadora formada

pelos professores:

______________________________________________

Prof. Hermano Perrelli de Moura

Centro de Informática/UFPE

______________________________________________

Prof. Carlos Affonso Pereira de Souza

Faculdade de Direito /UERJ

________________________________________ ______

Prof. Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz

Centro de Informática /UFPE

Visto e permitida a impressão.

Recife, 27 de agosto de 2014.

___________________________________________________

Profa. Edna Natividade da Silva Barros Coordenadora da Pós-Graduação em Ciência da Computação do

Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco.

Aos meus pais.

Agradecimentos

Eis o momento, aquele tão esperado, tanto por mim, quanto por todos

os que acompanharam esse processo de perto. O momento do fim. E ele

finalmente chegou.

Gostaria de agradecer à minha família: meu pai, Robstaine, minha

mãe, Espedita, e meu irmão, Robinho, pelo incentivo e pela paciência de

sempre e pelo suporte. Amo vocês.

A outra parte da família: minha madrinha e tia Amparo, Rafael, Ester.

Estes, em especial, pois tinham sempre alguma ajuda a dar, uma palavra de

incentivo, ou mesmo de bronca, nos momentos necessários. Mas agradeço a

todos os demais familiares pela compreensão em especial das minhas

ausências, pelo incentivo, pelo interesse demonstrado, pela energia positiva,

enfim, por ser família.

Aos amigos Paulo Padovan e Sandra Friedman, eu não sei nem por

onde começar. Todas as nossas (muitas) conversas e nossos (muitos) cafés

estão nesse trabalho. Todos os e-mails, os materiais trocados, as aulas, a

revisão dos textos, os elogios, as críticas, tudo está aqui. Toda essa jornada

teria sido muito mais difícil sem a presença de vocês. Serei grata para sempre.

Aos demais membros dos grupos “Segurança Computacional” e “Tecnologia,

Lei e Sociedade”, colegas de orientação, meu eterno agradecimento por

apoiarem e ajudarem o “povo de direito”!

Ao Povo da Dança, por ter me feito companhia sempre, me ajudado a

relaxar e também pela compreensão em virtude das ausências. Por terem se

disposto a me ajudar lendo o trabalho, mesmo sem entender sobre o que se

tratava (Betania e Tássia, essa é pra vocês). Pelas palavras de incentivo e

elogio sempre presentes também.

Mas eu acho que a pessoa que mais pode reclamar da minha distância

é Luiza. E ainda assim ela me compreendeu. Pelo conjunto da obra, amiga,

muito obrigada.

A alguns amigos de longe: Larissa Macedo, Sandra Malveira, Thomas

Kefas. Vocês também são um tantinho responsáveis por isso aqui. Obrigada.

Por fim, mas não menos importante, ao meu orientador Ruy, que

primeiro me inspirou, através dos seus escritos, a seguir por esse estudo. E

depois aceitou o desafio e bancou minhas doidices. Obrigada, Professor, e

desculpe os aperreios.

“No matter what anybody tells you, words

and ideas can change the world.”

John Keating (WILLIAMS, Robin), Dead

Poets Society, 1989.

Resumo

Desde o surgimento da prensa de Gutemberg, a preocupação com os direitos

sobre as obras intelectuais dos autores e editores levou à criação de leis para

proteção dos direitos de compartilhamento, reprodução e exploração comercial,

além dos chamados direitos morais do autor. A Internet, construída

inteiramente por meio de padrões abertos e colaborativos, transformou o modo

de produção de conteúdo, descentralizando-a e facilitando o surgimento de

uma nova economia baseada nos commons, que se opõe à produção cultural

antes feita apenas pela mídia de massa e reconhece os usuários comuns como

produtores de bens culturais na mesma medida que a própria indústria. Diante

desse novo cenário, cresce a necessidade de tratar os outros direitos

fundamentais da mesma forma que os direitos autorais. Acesso à informação,

liberdade de expressão e acesso à cultura também fazem parte do arcabouço

de proteção constitucional, além de serem amparados por tratados

internacionais, na mesma medida que os direitos de autor. Por meio de revisão

da literatura, este estudo traça um panorama legal dos direitos aqui

mencionados, estabelecendo sua relação com a cultura da Internet e seus

princípios originais, desde sua criação até os dias atuais, além de sugerir

possíveis modificações a serem abarcadas pela lei autoral brasileira, a fim de

atualizá-la e aproximá-la do atual momento tecnológico da sociedade.

Palavras-chave: Direitos autorais. Propriedade intelectual. Direitos humanos.

Direitos fundamentais. Ciberespaço. Cibercultura. Sociedade da informação.

Tecnologia da informação.

Abstract

Since the emergence of the Gutenberg press, the concern about the rights on

the intellectual works of authors and editors led to the creation of laws to protect

the rights of sharing, reproduction and commercial exploration, in addition to the

so-called moral rights of the authors. The Internet, built entirely through open

and collaborative patterns, has transformed the way the content is generated by

decentralizing it and facilitating the emergence of a new economy based on

commons, which opposes to the cultural production prior made only by the

mass media and recognizes the common users as producers of cultural goods

to the same extent as the industry itself. This new scenario increases the need

to address other fundamental rights in the same way as copyrights. Access to

information, freedom of speech and access to the culture are also part of the

framework of constitutional protection, and are protected by international

treaties to the same extent as copyright. Through literature review, this study

provides a legal overview of the rights mentioned herein, establishing their

relationship with the culture of the Internet and its original principles, since its

inception to the present day, and suggests possible modifications to be

embraced by Brazilian copyright law, in order to update it and bring it closer to

the current technological moment of the society.

Key words: Copyright. Intellectual property. Human rights. Fundamental rights.

Cyberspace. Ciberculture. Information society. Information technology.

Lista de Figuras

Figura 1 – Web 2.0 Meme Map ....................................................................... 49

Figura 2 – A ampulheta da Internet.................................................................. 50

Lista de abreviaturas e siglas

Abreviaturas

apud Junto a; citado por

Ibidem Na mesma obra citada

anteriormente

Siglas

Creative Commons CC

Defense Advanced Research

Projects Agency

DARPA

Digital Millenium Copyright

Act

DMCA

Digital Rights Management DRMs

DUDH Declaração Universal dos

Direitos Humanos

Electronic Frontier

Foundation

EFF

EUA Estados Unidos da América

Federal Bureau of

Investigation

FBI

HyperText Markup Language HTML

Hypertext Transfer Protocol HTTP

Internet Architecture Board IAB

IDEC Instituto Brasileiro de Defesa

do Consumidor

Internet Engineering Task

Force

IETF

Internet Protocol IP

Internet Society ISOC

LDA Lei de Direitos Autorais

Massachusetts Institute of

Technology

MIT Instituto de Tecnologia de

Massachusetts

MSL Movimento do Software Livre

Network Control Protocol NCP

Peer-to-peer p2p

PIDESC Pacto Internacional sobre

Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais

Protect IP Act PIPA

Request for comments RFC

Really Simple Syndication RSS

Simple Mail Transfer Protocol SMTP

Stop Online Piracy Act SOPA

Stanford Research Institute SRI

Transmission Control

Protocol

TCP

Technological Protection

Measures

TPMs Medidas de Proteção

Tecnológica

Trans-Pacific Partnership

Agreement

TPP

Agreement on Trade-Related

Aspects of Intellectual

Property Rights

TRIPS Acordo sobre Aspectos dos

Direitos de Propriedade

Intelectual Relacionados ao

Comércio

University of California, Los

Angeles

UCLA

User Datagram Protocol UDP

UNESCO Organização das Nações

Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura

World Wide Web WWW

World Intellectual Property

Organization

WIPO Organização Mundial de

Propriedade Intelectual

Sumário

Introdução ....................................................................................................... 16

1. Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral,

proporcionadas pelas novas tecnologias. .................................................... 16

2. Contextualização do problema ............................................................. 18

3. Hipótese ............................................................................................... 20

4. Questões de Pesquisa ......................................................................... 21

5. Objetivos .............................................................................................. 21

6. Metodologia .......................................................................................... 22

7. Contribuição/Resultados Esperados ..................................................... 22

8. Estrutura do Trabalho ........................................................................... 22

Capítulo 1 ....................................................................................................... 24

Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem ............................................... 24

1.1. Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais ................... 24

1.2. Conceito de Direitos Fundamentais ................................................... 26

1.3. As “Gerações” dos Direitos Fundamentais ......................................... 28

1.3.1. “Primeira Geração”: Revoluções Liberais .................................... 28

1.3.2. “Segunda Geração”: Revolução Industrial ................................... 29

1.3.3. “Terceira Geração”: Segunda Guerra Mundial ............................. 30

1.3.4. As novas “Gerações”: Contemporaneidade ................................. 31

1.4. Direitos Fundamentais nas normas internacionais ............................. 32

1.5. Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira .............................. 34

1.6. Direitos Fundamentais tratados neste trabalho .................................. 35

1.6.1. Liberdade .................................................................................... 35

1.6.1.1. Liberdade de expressão ........................................................ 36

1.6.2. Direito de acesso à informação ................................................... 37

1.6.3. Pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura

nacional .................................................................................................... 38

1.6.4. Direito de autor ............................................................................ 39

Capítulo 2 ....................................................................................................... 43

O surgimento da Internet e a mudança de paradigma na produção e no

consumo de conteúdo cultural ........................................................................ 43

2.1. Breve história da Internet ...................................................................... 43

2.2. O nascimento da Cibercultura .............................................................. 46

2.3. Web 2.0, produção descentralizada de conteúdo e cultura livre ........... 48

2.4. O desenvolvimento de uma economia de informação em rede (Benkler)

.................................................................................................................... 53

Capítulo 3 ....................................................................................................... 58

Conflito: acesso à informação e liberdade de expressão versus direitos de autor

........................................................................................................................ 58

3.1. Responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiro na Internet .... 58

3.2. Instrumentos legislativos de limitação aos direitos autorais: fair use nos

EUA e exceções e limitações no Brasil ........................................................ 62

3.3. A reação da indústria de conteúdo: a ilegalidade das Techonological

Protection Measures .................................................................................... 67

3.4. O papel do domínio público no processo de democratização da

informação................................................................................................... 70

Capítulo 4 ....................................................................................................... 74

Direitos Humanos, Propriedade Intelectual e Internet ..................................... 74

4.1. Panorama de proteção internacional dos direitos humanos .................. 74

4.1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) ....................... 75

4.1.2. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 77

4.1.3. Outros instrumentos internacionais ................................................. 79

4.1.4. Legislações nacionais ..................................................................... 81

4.2. O caso Aaron Swartz: quando a perseguição a valores equivocados

termina em tragédia ..................................................................................... 84

4.3. A necessária reforma da LDA ............................................................... 88

Considerações Finais ...................................................................................... 94

Referências ..................................................................................................... 97

16

16

Introdução

“To live a creative life, we must lose our fear of being wrong.”1

Joseph Chilton Pearce

1. Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral,

proporcionadas pelas novas tecnologias.

Alguém sobe para o Youtube um vídeo com a letra para a música

recém-lançada do seu artista preferido. Ou adquire legitimamente uma faixa

musical no iTunes e transfere para o seu celular, para ouvir enquanto se

exercita na academia. Ou procura aquele filme antigo clássico numa rede peer-

to-peer, pois já não consegue encontrá-lo por outros meios.

Todas essas ações, entre tantas outras, tornaram-se corriqueiras para

os usuários da Internet no mundo inteiro. Isso porque a grande rede e suas

ferramentas proporcionaram uma facilidade enorme de transferência de

arquivos, cópias de bens intelectuais, de modo que grande parte das coisas

que são possíveis de se fazer na rede são ilícitas, mas ninguém tem

consciência disso.

Então, pensemos: com que objetivo tais condutas são consideradas

ilícitas?

O direito autoral surgiu para proteger editores. Sob a alcunha de direito

de autor, na verdade, protegia os direitos dos comerciantes de livros,

concedendo privilégios para a publicação de obras literárias e de escritos em

geral. Os comerciantes de livros, organizados em corporações, passaram a ser

os únicos detentores da prerrogativa de publicar as obras sob seu controle

(FRAGOSO, 2009, p. 47).

Há registros de que o primeiro privilégio de impressão foi concedido a

Giovani Spira, em 1449, para edição das Cartas de Cícero. Outros autores

informam que o primeiro privilégio teria sido o de Aldo Manunzio. Mas o fato é

que a partir da invenção da prensa de Gutemberg, quando o livro passa a ser

1 Para viver uma vida criativa, nós devemos perder nosso medo de estar errados. Tradução livre.

17

17

objeto industrial, os livreiros tem sua atividade expandida, que viriam a ser os

futuros editores internacionais (FRAGOSO, 2009, p. 47-48).

Como na Europa as fronteiras são muito próximas e muito fáceis de

serem ultrapassadas, viu-se a necessidade de criação de normas

internacionais uniformes e recíprocas, que garantissem tratamento igualitário

entre nacionais e estrangeiros (FRAGOSO, 2009, p. 73).

Assim foi que surgiram os primeiros tratados internacionais que

versavam sobre direitos autorais. O primeiro, a Convenção de Berna, em 09 de

setembro de 1886, “demonstra o prestígio já atingido pelos autores literários e

musicais no século XIX e a internacionalização do comércio das artes e da

literatura” (FRAGOSO, 2012, p. 198).

Então, desde a origem, o sistema de proteção do direito de autor é, na

verdade, um sistema de proteção aos modelos de negócio existentes a cada

tempo. Regula-se cada vez mais a exploração comercial da obra, ao pretexto

de se conceder ao autor um monopólio temporário sobre sua obra para

estimular cada vez mais a produção cultural da comunidade.

E para haver uma proteção internacional efetiva, convencionou-se

considerar o direito de autor um direito fundamental, elencando-o nas mesmas

bases que os direitos políticos e as liberdades individuais.

Como forma de compensação, criaram-se dispositivos mitigadores dos

direitos autorais: exceções e limitações, no sistema continental, e fair use, no

sistema baseado no copyright norte-americano. Tais medidas servem para

assegurar o acesso às obras independente de autorização do titular dos

direitos autorais, na busca de um equilíbrio entre direito exclusivo e acesso à

informação.

Entretanto, dadas as circunstâncias de proteção hoje existentes, tais

dispositivos não tem surtido muito efeito prático. Daí se chega à resposta para

a pergunta formulada anteriormente: as condutas exemplificadas no início

dessa discussão são consideradas ilícitas em virtude da superproteção

existente aos modelos de negócios fundamentados em direitos autorais. Cada

vez mais condutas realizadas online, utilizando-se de ferramentas tecnológicas,

18

18

são consideradas ilícitas para proteger os detentores dos direitos de

exploração econômica da obra.

Com isso, usuários da Internet infringem direitos de autor e, agora, por

pressão da indústria, a qual os priva de acesso ao conteúdo protegido sob o

pretexto do prejuízo financeiro com o qual tem que arcar porque ações online

dos usuários não pagam os royalties devidos pela exploração do conteúdo.

2. Contextualização do problema

Antes de adentrar na especificidade do tema, convém um

esclarecimento sobre as teorias que justificam a existência da proteção por

direitos autorais.

Existem quatro principais teorias que explicam a adoção do sistema de

direito autoral, cada uma com uma perspectiva diferente sobre a justificativa da

referida proteção. São elas: a Teoria do Trabalho (Labor Theory, ou Fairness

Theory), a Teoria da Personalidade (Personality Theory), a Teoria do Bem

Estar (Welfare Theory ou Utilitarian Theory) e a Teoria do Planejamento Social

(Social Planning Theory ou Cultural Theory).

A Teoria do Trabalho se baseia nos escritos de John Locke, mais

especificamente no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, capítulo 5 (cinco),

em que ele trata da propriedade.

Em síntese, Locke afirma que uma pessoa que trabalha com recursos

que estão disponíveis a todos tem o direito natural aos frutos do seu trabalho, e

que o Estado tem a obrigação de respeitar e aplicar esse direito natural

(FISHER III, 2001, p. 3). Esse trabalho, claro, engloba o trabalho intelectual

através do qual as obras intelectuais nascem. Assim é que se pode concluir,

pelos escritos de Locke, que uma invenção que gera uma patente não existiria

sem o esforço do inventor, razão pela qual se justificaria a concessão da

referida patente (FISHER III, 2001, p.3).

A segunda perspectiva, a Teoria da Personalidade, baseia-se na obra

de Kant e Hegel e afirma que os direitos de propriedade privada são cruciais

para a satisfação de algumas necessidades humanas básicas. Assim, a

19

19

propriedade intelectual se justifica pelo fato de que ela blinda de apropriação ou

modificação os artefatos através dos quais os artistas e autores expressaram

suas “vontades”. Ou seja, eles têm uma espécie de laço sentimental com a

criação (FISHER III, 2001, p.4). Além disso, esta teoria fornece as bases para a

existência dos direitos morais do autor, como o direito de atribuição (de ver a

autoria atribuída ao trabalho), de integridade e o direito de tornar a obra

pública.

Já a Teoria do Bem Estar é fundada na obra de John Stuart Mill e foca

no bem estar da sociedade como um todo. A lei de direito autoral deve ser

escrita para que promover o maior bem para o maio número de pessoas

(FISHER III, 2001, p.9). É uma teoria de incentivos: o sistema deve ser capaz

de induzir autores em potencial a produzir trabalhos dos quais todos se

beneficiarão (FISHER III, 2001, p.10).

Por último, a Teoria do Planejamento Social: os direitos de propriedade

intelectual devem ser moldados para ajudar a construir uma sociedade de uma

cultura justa e atrativa. É similar ao utilitarianismo na orientação, mas diferente

no seu desejo de implantar uma visão de sociedade mais rica do que as

concepções de bem estar social almejadas pela Welfare Theory (FISHER III,

2001, p.4).

Para os propósitos do presente trabalho, a teoria que escolhemos para

basear todo esse estudo é esta última. Vejamos as razões.

O professor William Fisher, da Universidade de Harvard, nos Estados

Unidos, apresenta a sua versão do que seria uma cultura atrativa e justa, com

as seguintes características:

(a). Bem Estar do Consumidor: é necessária uma combinação de

regras que maximize o bem estar do consumidor equilibrando os incentivos

para a criatividade com incentivos para disseminação e uso;

(b). Uma cornucópia de Informação e Ideias: uma cultura atrativa é

aquela em que os cidadãos têm acesso a uma enorme gama de informação

ideias e formas de entretenimento, pois isso também é crucial para a obtenção

de duas condições centrais para a maioria concepções da boa vida:

20

20

autodeterminação e auto expressão, ambas por incentivar uma condição geral

de diversidade cultural;

(c). Rica Tradição Artística: quanto mais complexa e ressonante é a

linguagem compartilhada de uma cultura, mais oportunidades ela oferece aos

seus membros para a criatividade e sutileza na informação;

(d). Justiça Distributiva: na medida do possível, todos devem ter acesso

aos recursos informativos e artísticos acima descritos;

(e). Democracia Semiótica: em uma sociedade atrativa, todas as

pessoas seriam capazes de participar do processo de fabricação de

significado. Em vez de serem apenas consumidores passivos de artefatos

culturais produzidos por outros, seriam produtores, ajudando a moldar o mundo

de ideias e símbolos em que vivem;

(f). Sociabilidade: uma sociedade atrativa é aquela rica em

“comunidades de memória”. O reconhecimento da importância de

autodeterminação para a boa vida não aponta em direção a uma sociedade

caracterizada pelo individualismo radical; pelo contrário, ele sugere que nós

nos esforçamos para cultivar uma sociedade rica em oportunidades para a

comunidade;

(g). Respeito: A Democracia Semiótica não implica que as pessoas

devem ser livres para manipular as criações de terceiros sem quaisquer

restrições. A valorização do grau em que a auto expressão é muitas vezes uma

forma de autocriação deve fazer com que as pessoas tenham respeito pelo

trabalho das outras (FISHER III, 1998).

É esse tipo de sociedade ideal que este trabalho gostaria de propor.

Uma sociedade em que são reconhecidos os direitos de propriedade

intelectual, mas também onde os cidadãos podem ter acesso aos bens

intelectuais, a fim de criar a sociedade justa e atrativa a todos.

3. Hipótese

A hipótese do presente trabalho assevera que os sistemas de

propriedade intelectual devem considerar sua função social, passando de um

21

21

paradigma individualista exclusivamente protetivo dos direitos de autor para um

paradigma coletivista, que contemple as dimensões sociais do direito autoral,

buscando o adequado equilíbrio entre a proteção dos direitos de autor e a

proteção aos direitos à educação, ao acesso ao conhecimento e à informação

e à liberdade de expressão, assegurados pelos diversos tratados internacionais

de proteção aos direitos humanos.

4. Questões de Pesquisa

A fim de responder o problema central “Como equilibrar proteção e

acesso a bens intelectuais na era digital?”, fazemos os seguintes

questionamentos:

(a). O direito autoral é considerado um direito fundamental?

(b). Quais as mudanças trazidas pela Internet no comportamento das

pessoas quanto ao consumo de bens intelectuais?

(c). Quais as mudanças a serem implementadas nos regimes de

proteção aos direitos autorais para que eles se adaptem às transformações

tecnológicas?

5. Objetivos

A proposta do presente trabalho é estimular as discussões sobre a

Cibercultura e sobre a presença dos direitos autorais nas atividades cotidianas

dos usuários da Internet. Ao mesmo tempo, mas sem querer exaurir o tema,

dada a sua complexidade, busca-se estimular a reflexão sobre as mudanças

ocorridas no mundo e como o direito acompanha a inserção tecnológica na

vida dos cidadãos.

O presente trabalho não se propõe a exaurir as discussões sobre os

temas aqui tratados, dada a sua complexidade. Todavia, presta-se a

apresentar uma visão panorâmica da situação vivenciada cada vez mais de

perto pelos usuários da Internet, no que se refere às ações cotidianas de

infração aos direitos autorais e como elas são tratadas pelos diversos agentes

envolvidos.

22

22

Da mesma forma, não é nosso objetivo fornecer um novo projeto de Lei

de Direitos Autorais, mas apenas sugerir algumas mudanças que podem

beneficiar o interesse coletivo no acesso às obras protegidas.

6. Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória, que visa analisar o estado da

arte sobre os temas postos em debate. O estudo foi feito, principalmente,

através de revisão da literatura.

7. Contribuição/Resultados Esperados

Espera-se, com o presente trabalho, fazer uma contribuição sobre as

modificações legislativas, econômicas e culturais que podem ser feitas a fim de

que se estimule a produção cultural sem necessariamente restringir acesso aos

bens intelectuais, contribuído, assim, para o crescimento da visão de cultura

atrativa e justa da sociedade.

8. Estrutura do Trabalho

O trabalho está estruturado da seguinte forma: O Capítulo 1 trata do

conceito de direitos fundamentais, o histórico de surgimento dessa figura, a

divisão doutrinária entre gerações e ao final, faz um apanhado dos direitos

fundamentais específicos que serão abordados ao final da discussão.

O Capítulo 2 trata de alguns conceitos relativos à Internet: um breve

histórico de seu surgimento, para, em seguida, trazer à tona as modificações

ocorridas nos costumes dos usuários com o surgimento da Internet e de suas

potentes ferramentas. Sobre isso, falamos do conceito de Cibercultura de

Pierre Levy, a Web 2.0 e o surgimento da economia em rede de Yochai

Benkler.

O Capítulo 3 entra na parte de discussão jurídica dos direitos autorais e

seu conflito com os demais direitos humanos. Tratamos da responsabilidade

civil por conteúdo gerado por terceiros na Internet; do fair use norte-americano

e das exceções e limitações na lei brasileira como instrumentos limitadores do

direito autoral; das medidas de proteção tecnológicas e porque são

23

23

consideradas ilegais; e, finalmente, do papel do domínio público na difusão de

conhecimento e informação.

O Capítulo 4 discute o panorama dos direitos humanos: sua proteção,

tanto nacional quanto internacional. Em seguida, apresenta como exemplo o

caso Aaron Swartz, numa tentativa de mostrar que, de fato, há uma

supervalorização e uma consequente superproteção dos direitos autorais em

detrimento dos demais direitos humanos aqui abordados e que com ele fazem

fronteira. Ao final, destacamos a necessidade de reforma da Lei de Direitos

Autorais brasileira, para que ela se pareça mais moderna e mais adequada aos

novos tempos de tecnologias da informação, sempre buscando enfatizar

crescimento da visão de cultura atrativa e justa da sociedade.

24

24

Capítulo 1 Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem

“How wonderful is that nobody need wait a

single moment before starting to improve the world.”2 Anne Frank

1.1. Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais

A doutrina francesa reconhece como principal fonte das declarações de

direitos o pensamento cristão e a concepção de direitos naturais. Entretanto, o

que se tem de fato é que não há propriamente uma inspiração dessas

declarações. O que houve foram reivindicações e lutas com o objetivo de

conquistar os direitos posteriormente positivados. A ideia de direitos como

justiça, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana sempre esteve

presente em todas as sociedades. “Portanto, a noção de direitos do homem é

tão antiga quanto a própria sociedade” (MARMELSTEIN, 2013, p. 27). E,

quando as conjunturas sócio-político-culturais permitiram, surgiram as

declarações de direitos do homem como documentos formais de garantia dos

direitos básicos, hoje conhecidos como direitos fundamentais.

Para se entender o surgimento da noção de direitos fundamentais,

convém citar o pensamento de dois filósofos dos séculos XVI/XVII, quais

sejam, Hobbes e Maquiavel.

Thomas Hobbes, em seu Leviatã, expressa a célebre frase “o homem é

o lobo do homem”. O significado disso é bem pessimista. Diz respeito à

essência egoísta e ambiciosa do homem, que possui, segundo ele, “um

perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a

morte” (HOBBES, 2003).

Ainda nos termos de Hobbes, a única forma de se obter a paz seria

conferindo todo o poder ao Estado personificado no soberano; este, por sua

vez, possuiria um poder absoluto, sem qualquer submissão às leis. O soberano

seria juiz de seus próprios atos, apenas prestaria contas a Deus. Este,

portanto, foi o argumento teórico utilizado para justificar o Estado Absolutista,

2 Que maravilha é que ninguém precisa esperar um momento para começar a melhorar o mundo. (Tradução livre)

25

25

modelo político adotado por quase todos os países ocidentais até o século

XVIII.

Nicolau Maquiavel, por sua vez, foi o autor do clássico O príncipe,

publicado em 1512, que aconselhava que o soberano deveria fazer o possível

para se manter no poder.

Para ele, haveria dois modos de manter o poder, um com base nas

leis, próprio do homem, outro com base na força, próprio dos animais. E dizia

que ao príncipe seria importante saber se comportar das duas formas.

Maquiavel defendia as guerras e afirmava como importante conquistar

e subjugar outros países, aniquilar os inimigos, destruir os que ameaçam o

poder do soberano.

Portanto, o resultado da mistura dos dois pensamentos aqui expostos é

um Estado forte, absoluto, sem limites, onde o soberano poderia cometer toda

sorte de barbaridades para se manter no poder. Para isso, a lei não seria

obstáculo.

A noção de direitos fundamentais como normas jurídicas limitadoras do poder estatal surge justamente como reação ao Estado absoluto, representando o oposto do pensamento maquiavélico e hobbesiano. Os direitos fundamentais pressupõem um Estado juridicamente limitado (Estado de direito/separação de poderes) e que tenha preocupações éticas ligadas ao bem comum (direitos fundamentais/democracia). (MARMELSTEIN, 2013, p. 33)

Assim, para que os direitos fossem instituídos, necessário se fez o

surgimento de uma nova concepção de Estado, que ficou conhecido como

Estado democrático de direito.

Como fundamentação teórica, tem-se agora o pensamento do inglês

John Locke, que, em 1690, publicou sua obra Segundo tratado sobre o

governo. Nela, Locke afirma que os homens são livres, iguais e independentes

e voluntariamente se unem para formar a sociedade civil, transferindo parte de

sua liberdade natural para a comunidade ao consentir em respeitar as leis.

Estas, por sua vez, não devem ser impostas unilateralmente por um soberano,

mas pactuada por todos os membros da sociedade.

26

26

Para Locke, e aí reside a grande diferença entre o seu pensamento e

os absolutistas, o soberano também deveria se subordinar às leis, resultando,

então, nas bases do Estado democrático de direito.

A partir daí, então, começou-se a pensar num sistema em que se

fossem evitados os abusos estatais e, consequentemente, protegesse os

cidadãos.

O Barão de Montesquieu afirmou, então, com precisão cirúrgica, que

“para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das

coisas, o poder freie o poder” (MONTESQUIEU, 1997, p. 200), criando, então,

o famoso sistema de freios e contrapesos (checks and balances).

Por sua vez, o francês Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato

Social, afirma que a finalidade do Estado passa a ser a busca do bem comum,

deixando para trás a noção de satisfação dos interesses de uma pequena parte

da sociedade. Diz ele:

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo, e permaneça tão livre quanto anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, 1988, p. 30)

Baseada nesses dois últimos pensadores, então, a Declaração

Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aprovada no auge da

Revolução Francesa, estatui, em seu artigo 16, que “o Estado que não

reconhece os direitos fundamentais, nem a separação de poderes, não possui

Constituição”. E assim se mantém o pensamento na maioria dos países

ocidentais, que adotam a separação de poderes em Executivo, Legislativo e

Judiciário, assim como concede ao povo a função de elaboração de leis e a

elas submete o governante.

1.2. Conceito de Direitos Fundamentais

Para se chegar a um conceito de direitos fundamentais, necessária se

faz uma digressão sobre o conteúdo ético destes direitos.

27

27

A doutrina atual considera que há uma banalização da expressão

“direitos fundamentais”. Em casos concretos, já houve quem acionasse o Poder

Judiciário para demandar o direito de fumar maconha e “ficar doidão”, ou

exigisse Viagra do Poder Público, alegando um direito fundamental ao sexo

(MARMELSTEIN, 2013, p. 14-15).

Entretanto, direitos fundamentais são dotados de determinadas

características que os diferenciam dos demais. São elas, segundo classificação

do professor José Afonso da Silva (SILVA, 2005, p. 181):

(a). Historicidade: como qualquer direito, nascem, modificam-se e

desaparecem na história. Apareceram nas revoluções burguesas e, a cada

tempo, modificam-se, de acordo com o momento histórico em que vive a

sociedade;

(b). Inalienabilidade: não são disponíveis, são inegociáveis, por não

terem conteúdo econômico-patrimonial;

(c). Imprescritibilidade: nunca deixam de ser exigíveis;

(d). Irrenunciabilidade: podem até não ser exercidos, mas nunca

renunciados.

Além das citadas características, podemos afirmar que os direitos

fundamentais se referem à liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana

(SILVA, 2005, p. 179). Ainda, dizem respeito à limitação do poder estatal

(MARMELSTEIN, 2013, p. 16). Então, partindo deste ponto, podemos firmar

um conceito de direitos fundamentais.

Doutrinariamente, os direitos fundamentais são definidos como

(...) normas jurídicas intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico (MARMELSTEIN, 2013, p. 17).

Por sua vez, o professor José Afonso da Silva afirma a dificuldade em

se definir um conceito sintético e preciso sobre tais direitos, em virtude da

ampliação e transformação dos direitos fundamentais no curso da história da

28

28

humanidade (SILVA, 2005, p. 175). Entretanto, a noção de ligação com os

princípios da dignidade da pessoa humana e da limitação de poder estatal

parece ser pacífica na doutrina constitucional.

1.3. As “Gerações” dos Direitos Fundamentais

1.3.1. “Primeira Geração”: Revoluções Liberais

A chamada “primeira geração” dos direitos fundamentais surgiu com as

revoluções liberais do século XVIII, como reação ao Estado absoluto, regime

que mantinha a sociedade em constante opressão, em todos os setores da

vida.

Vivia-se em um ambiente em que não havia qualquer tipo de tolerância

religiosa, pois a Igreja Católica, por meio do Tribunal da Santa Inquisição, punia

qualquer pessoa que ousasse questionar os valores cristãos impostos pelo

soberano e por ela mesma. Da mesma forma, não havia qualquer

desenvolvimento de pensamento científico ou filosófico, os julgamentos eram

conduzidos sem as garantias do contraditório e da ampla defesa, hoje

fundamentais, havia a cobrança de uma pesada carga tributária e a população

não participava das decisões.

Obviamente, com essa situação, não havia satisfação popular com

essa situação. Especialmente da burguesia, que passava a se destacar

economicamente. Foi então que surgiu o movimento Iluminista, possibilitando

uma maior liberdade na manifestação do pensamento e considerando essa

liberdade um valor essencial para a humanidade.

No campo econômico, a publicação do famoso livro “A riqueza das

nações”, de Adam Smith, traz a ideia da autorregulação do mercado, não

sendo mais necessária a intervenção do Estado na economia, como antes se

previa.

Por conseguinte, os séculos XVII e XVIII testemunharam as revoluções

liberais ou burguesas, que transformaram profundamente a forma de pensar a

sociedade. A partir de então, os Estados passaram de absolutistas a Estados

Democráticos de Direito, e essas novas noções foram incorporadas às

29

29

declarações de direitos da época: a Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão, de 1789, consequência da Revolução Francesa, e a

Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, decorrente da Revolução

Americana (Independência dos EUA).

Após essas revoluções, a grande vencedora foi a burguesia, que

assumiria o poder político. Essas declarações continham inúmeras exigências

feitas por esta classe ao soberano, as quais incluíam a proteção da

propriedade e diversas liberdades, como de escolha da religião. Foram, então,

consagradas as liberdades como direitos fundamentais: liberdade de reunião,

de expressão, comercial, de profissão, religiosa, etc.

Além das liberdades, consagraram-se também diversos direitos

políticos, com o reconhecimento de que o povo deveria participar das decisões

do Estado, através dos direitos de voto e de filiação partidária, assim como as

garantias processuais, para que não houvesse mais prisões injustas e

arbitrárias como era comum anteriormente.

Portanto, reconhecidos como direitos de primeira geração são os

direitos civis e políticos.

1.3.2. “Segunda Geração”: Revolução Industrial

O século XIX testemunhou a Revolução Industrial e, como

consequência, um enorme crescimento econômico. Entretanto, os

trabalhadores que faziam crescer as indústrias não gozavam de nenhum

benefício, pelo contrário, eram sacrificados em nome do lucro de seus

empregadores. Não havia limitação de jornada de trabalho nem qualquer direito

trabalhista como férias, salário mínimo ou descanso semanal. Até as crianças

eram submetidas aos trabalhos realizados pelos adultos.

Com a insatisfação geral da classe trabalhadora, esta começou a se

articular politicamente em grupos fortes, a fim de reivindicar direitos que lhes

proporcionassem melhores condições de trabalho.

Quando do advento da Revolução Russa de 1917, a primeira grande

revolução socialista de sucesso, o mundo capitalista passou a perceber a real

30

30

ameaça das reivindicações operárias. Até a Igreja Católica, através da

encíclica Rerum Novarum, criticou as condições de vida da classe trabalhadora

e apoiou o pleito de reconhecimento dos direitos trabalhistas.

Nesse contexto, emerge o Estado do bem-estar social (Welfare State),

novo modelo político, no qual o Estado, sem se afastar dos alicerces básicos do capitalismo (economia de mercado, livre-iniciativa e a proteção da propriedade privada), compromete-se a promover maior igualdade social e garantir as condições básicas para uma vida digna (MARMELSTEIN, 2013, p. 45).

Além dos direitos trabalhistas, o Estado do bem-estar social também

passa a garantir os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, aqueles

ligados às necessidades básicas dos indivíduos, como saúde, alimentação,

moradia, educação. Nesse contexto, tem-se que o reconhecimento desses

direitos remonta à ideia de que “sem as condições básicas de vida, a liberdade

é uma fórmula vazia” (MARMELSTEIN, 2013, p. 46).

Os primeiros ordenamentos jurídicos a reconhecer tais direitos foram o

mexicano, com a Constituição de 1917, fruto da Revolução Mexicana de 1910,

e o alemão, através da Constituição de Weimar de 1919.

No Brasil, a Constituição de 1934 e, posteriormente e de forma mais

ampla, a de 1946 foram os primeiros passos na direção de um Estado de bem-

estar social, pois previam vários direitos sociais e trabalhistas.

1.3.3. “Terceira Geração”: Segunda Guerra Mundial

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, um sentimento de

solidariedade contra os abusos praticados pelos nazistas brotou em esfera

global, resultando em tratados internacionais que proclamam a proteção a

valores ligados à dignidade da pessoa humana.

Esse novo conjunto de direitos visa à proteção do ser humano como

gênero, não apenas de um grupo de indivíduos. Estão incluídos aí o direito ao

desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e o direito de

propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.

Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

publicada em 1948, é o símbolo do surgimento dessa nova ordem mundial, já

31

31

consolidada internacionalmente, de comprometimento com os direitos

fundamentais. Depois dela, outros tratados trouxeram essa mesma carga de

importância dos direitos fundamentais, como o Pacto de San Jose da Costa

Rica3 e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais4,

ambos de 1966.

Nessa esteira, foram criados também os Tribunais Internacionais de

Direitos Humanos, para dar garantia de cumprimento desses e dos demais

tratados.

1.3.4. As novas “Gerações”: Contemporaneidade

O direito, de forma geral, evolui e se atualiza na medida em que novas

conjunturas sociais surgem e precisam ser apreciadas pelos sistemas legais

dos países.

Com os direitos fundamentais não poderia ser diferente. Sua evolução

não parou e com certeza não estabilizará nos direitos de “terceira geração”.

Com o avanço da tecnologia e o surgimento de novas ameaças à dignidade da

pessoa humana, é natural que antigos valores se atualizem e que novos

valores surjam e sejam incorporados às declarações de direitos e às

Constituições.

Assim, por exemplo, os novos desafios trazidos pela tecnologia da

informação suscitam diversos debates, como por exemplo sobre a proteção de

dados pessoais, a proteção de obras artísticas e culturais pelo direito autoral

versus o compartilhamento crescente de informação, ainda o direito autoral

diante do direito de acesso ao conhecimento, e mesmo a luta por um direito

fundamental de acesso à internet.

Mas não só no campo da tecnologia da informação, como também da

biotecnologia, os debates em torno da clonagem humana ou da possibilidade

de pesquisas com células-tronco, trazem à tona mudanças substanciais no

3Texto Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 23/07/2014. 4 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 23/07/2014.

32

32

conceito de dignidade da pessoa humana, com valores que merecem ser

protegidos.

Assim, não se esgotam as “gerações” de direitos fundamentais. Pelo

contrário, a tendência é que se amplie o leque de direitos, visando uma maior

proteção dos valores básicos necessários à garantia da dignidade da pessoa

humana e dos limites de intervenção do Estado na vida privada.

1.4. Direitos Fundamentais nas normas internacionais5

Como citado anteriormente, quando do surgimento dos direitos

fundamentais de “terceira geração”, há atualmente um entendimento global de

que os direitos fundamentais devem ser reconhecidos internacionalmente,

afirmando, assim, um padrão mundial de proteção dos direitos básicos dos

cidadãos.

As primeiras manifestações no sentido de universalização dos direitos

fundamentais foram propostas de organismos internacionais, como o projeto de

“Declaração dos Direitos Internacionais do Homem”, preparado pelo Instituto de

Direito Internacional, entre 1928-1929.

Em 1945, os vinte e um países da América se reuniram no México e

estabeleceram que um dos primeiros objetivos das Nações Unidas seria a

redação de uma carta de direitos do homem. De fato, na Carta da ONU, logo

em seu preâmbulo, afirma-se “a fé nos direitos fundamentais do homem, na

dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos de homens e

5 Há que se fazer uma ressalva neste ponto. O presente trabalho trata, essencialmente, de direitos fundamentais, expressos na Constituição Federal como tal, no art. 5º, em seus diversos incisos. Internacionalmente, porém, tais direitos são referidos sob a nomenclatura de Direitos Humanos, conforme apresentam os diversos tratados internacionais que versam sobre o tema. Todavia, para o presente trabalho, os dois conceitos podem ser tratados como intercambiáveis, pois que representam os mesmos valores. Sobre as diferenças entre as duas categorias de direitos e, ainda, a categoria de direitos da personalidade, leia-se: ASCENSÃO, José de Oliveira. A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, p. 277-299, jan/dez 2008. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67806/70414. Acesso em 08/10/2014; ASCENSÃO, José de Oliveira. Pessoa, direitos fundamentais e direito da personalidade. In: Revista Mestrado em Direito, Osasco, Ano 6, n. 1, 2006, p. 145-168. Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/OAPessoa.pdf. Acesso em 08/10/2014.

33

33

mulheres e das nações grande e pequenas”6, além de reafirmar todas essas

referências no corpo da Carta.

Posteriormente, com esse mesmo espírito de proteção dos valores

fundamentais, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi aprovada em

10/12/1948, na terceira sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, em

Paris.

Este documento possui trinta artigos, precedidos de um preâmbulo com

sete considerandos, em que se reconhece expressamente a dignidade da

pessoa humana, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz; a

democracia; o direito de resistência à opressão e a concepção comum desses

direitos. Em seguida, ainda como parte do Preâmbulo do documento, a

Assembleia Geral proclama

o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da Sociedade, tendo esta Declaração constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educação, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos [...]

7.

Os trinta artigos que sucedem o preâmbulo e formam o documento

tratam de direitos fundamentais do homem.

Entretanto, faz-se, dentro da doutrina constitucionalista, uma grande

crítica à eficácia das normas das Declarações de Direitos. Quando uma

declaração é universal, que não dispõe de um sistema próprio que a faça valer,

o problema é ainda maior (DALLARI, 1991).

Pensando nisso, foram aprovados pela Assembleia Geral, em Nova

York, em 16/12/66, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “com o fim de

conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948 e, assim, eficácia jurídica que

supere a obrigatoriedade apenas moral que a caracteriza” (SILVA, 2005, p.

165).

6 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm. Acesso em

23/07/2014. 7 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 15/07/2014.

34

34

A Europa, por sua vez, aprovou, em 04/11/50, a Convenção de

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a qual

foi ratificada por dezessete Estados europeus e que instituiu mecanismos

próprios para garantir o cumprimento dos seus dispositivos, como a Comissão

Europeia de Direitos do Homem e o Tribunal Europeu de Direitos do Homem.

No continente americano, o mais expressivo acordo multinacional é a

Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de

San Jose da Costa Rica, aprovada nesta cidade em 22/11/69 e que

institucionaliza a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

1.5. Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira

A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, foi bastante generosa

na concessão de direitos aos cidadãos. Isso se explica pelo fato de que o Brasil

estava saindo de um período ditatorial, que suprimiu em essência todos os

direitos fundamentais do povo, especialmente as liberdades. Ao romper com o

sistema jurídico anterior, a nova Constituição procura se diferenciar bastante da

realidade de ditadura e passa a garantir expressamente os direitos de

liberdade, pilares do Estado Democrático de Direito, além dos direitos sociais e

trabalhistas.

Além disso, a Constituição de 88 procurou se coadunar com os

tratados internacionais já existentes em matéria de direitos fundamentais,

fazendo com que seu ordenamento jurídico também dispusesse de

instrumentos jurídico-processuais para garantia desses direitos, como o habeas

corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação

popular, as ações diretas de in/constitucionalidade e arguição de

descumprimento de preceito fundamental, além da proteção pelas ações

ordinárias, por força do princípio do acesso à justiça.

Houve, sem dúvida, uma opção clara em favor dos direitos fundamentais, demonstrando que o constituinte teve verdadeiramente a intenção honesta – e não meramente retórica – de fazer valer esses direitos (MARMELSTEIN, 2013, p. 64).

35

35

Outro detalhe que merece atenção é para o fato de que os Direitos

Fundamentais, nesta Constituição, abrem o texto, diferentemente das

anteriores, em que referidos direitos, quando presentes, eram postos ao final

do documento, após os capítulos de divisão dos poderes. Tal fato demonstra a

tamanha importância reconhecida pelo Constituinte aos direitos fundamentais,

renegados aos cidadãos brasileiros no regime constitucional anterior.

Assim, na Constituição vigente, os direitos fundamentais encontram-se

descritos no Título II, que garantem “Direitos e Garantias Fundamentais”.

Os direitos fundamentais tratados no presente trabalho serão expostos

um a um a partir do tópico abaixo.

1.6. Direitos Fundamentais tratados neste trabalho

1.6.1. Liberdade

A ideia que inspira a noção de liberdade é a da autonomia da vontade,

que vem a ser “a faculdade que o indivíduo possui para tomar decisões na sua

esfera particular de acordo com seus próprios interesses e preferências”

(MARMELSTEIN, 2013, p. 101). Assim, assegurando o direito de

autodeterminação, o Estado reconhece os cidadãos como responsáveis e

capazes de tomar as decisões que lhes dizem respeito.

Conceituar liberdade não é uma tarefa fácil. Muitos conceitos exploram

o lado “negativo” da liberdade, no sentido de contrapô-la à autoridade,

definindo-a como sendo a resistência à opressão ou à coação da autoridade.

Porém, como bem observa o professor José Afonso da Silva, a liberdade se

opõe ao autoritarismo, e não à autoridade legítima (SILVA, 2005, p. 232).

A definição da Declaração de 1789 parece ser bem aceitável:

A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei pode determinar. (SILVA, 2005, p. 233)

Entretanto, em sua maioria, os conceitos de liberdade englobam a

possibilidade de o homem atuar em busca de sua realização pessoal, através

36

36

das escolhas, o que remete novamente ao princípio da autonomia da vontade.

Logo, os diversos direitos de liberdade decorrem deste princípio e serão

detalhados a partir de agora.

1.6.1.1. Liberdade de expressão

Conforme mencionado acima, a liberdade de opinião é a faculdade de

que dispõe o cidadão de escolher em que acreditar. Já a liberdade de

expressão é o direito de o indivíduo manifestar a opinião, expô-la, sem medo

de que seja reprimido por qualquer meio.

Essa liberdade se torna um instrumento essencial ao regime

democrático, na medida em que permite a livre circulação de ideias por todos

os meios de comunicação existentes, promovendo debates e confronto de

opiniões.

Na Constituição brasileira, o art. 5º expressa, em seu inciso IV, que “é

livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e, no inciso

IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença”8.

Há ainda na Constituição, os artigos 220 a 224, que tratam das regras

para a comunicação social, nas quais também está presente a vedação à

censura em qualquer aspecto.

Essa liberdade de manifestação do pensamento é exercida de

inúmeras formas, desde discursos falados, escritos, através de arte em suas

múltiplas formas, enfim, através de qualquer meio disponível.

E não apenas o discurso político é protegido, mas qualquer ideia

manifestada por qualquer pessoa através de qualquer meio. Inclusive, deve-se

acrescentar, “na liberdade de manifestação do pensamento inclui-se, também,

o direito de tê-lo em segredo, isto é, o direito de não manifestá-lo, recolhendo-o

na esfera íntima do indivíduo” (SILVA, 2005, p. 244).

8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jul 2014.

37

37

Entretanto, a liberdade de expressão traz consigo um ônus, que é o de

o manifestante se identificar, para que, em sendo o caso, possa responder por

danos causados a terceiros. Daí a razão de a Constituição vedar o anonimato e

de conceder o direito de resposta, proporcional ao agravo, direito este

constante do inciso V do mesmo artigo 5º 9.

Além da Constituição, o Pacto de San Jose da Costa Rica expressa

que “toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em

seu prejuízo, por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam

ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua

retificação ou resposta”10

.

Percebe-se, por tudo isso, que o Constituinte de 88 foi bastante

enfático em assegurar a livre circulação de ideias, em oposição ao regime

militar vigente no país no período anterior, que adotou a censura de forma

banalizada. A intenção era de abolir completamente os abusos praticados

durante o regime militar, tornando o Brasil uma República Democrática.

1.6.2. Direito de acesso à informação

Previsto no art. 5º, inciso XIV, da Constituição, que expressa: “é

assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,

quando necessário ao exercício profissional”. Há, ainda, o inciso XXXIII do art.

5º, que garante que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos

informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que

serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas

aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

José Afonso da Silva, ao tratar do assunto, cita Freitas Nobre, que, por

sua vez, afirma que

a relatividade de conceitos sobre o direito à informação exige uma referência aos regimes políticos, mas, sempre, com a convicção de que este direito não é um direito pessoal, nem simplesmente um

9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jul 2014. 10Texto Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 23/07/2014.

38

38

direito profissional, mas um direito coletivo (NOBRE apud SILVA, 2005, p. 259-260).

Portanto, vê-se “o interesse geral contraposto ao interesse individual da

manifestação de opinião, ideias e pensamento, veiculados pelos meios de

comunicação social” (SILVA, 2005, p. 260).

Com o avanço da tecnologia, a internet se tornou um dos principais

meios de acesso à informação pela população. Através das redes sociais e dos

inúmeros sites de notícias, as pessoas se mantêm informadas dos

acontecimentos em escala global.

A fim de regulamentar o inciso XXXIII do art. 5º, foi aprovada a Lei nº

12527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação. Através dela, os

órgãos e entidades do poder público são obrigados a fornecer, via internet, os

dados da sua gestão, divulgando informações de interesse público,

independente de solicitação, observando o princípio da publicidade como regra

geral, sendo o sigilo uma exceção.

Para isso, são divulgados desde dados básicos, como endereço,

horário de atendimento e estrutura organizacional dos órgãos, até

movimentações financeiras e processos licitatórios, entre outros. A intenção é,

de fato, tornar a gestão pública o mais transparente possível. Entretanto, na

prática, a maioria dos órgãos públicos não aplica corretamente a lei, omitindo

diversas informações dos cidadãos.

Mas o importante é notar que a internet vem se consolidando como o

meio mais democrático e eficiente de acesso à informação, seja ela de

qualquer natureza, em virtude da velocidade com que pode ser atualizada. E

isso acaba favorecendo aos regimes democráticos, reforçando ainda mais a

liberdade de expressão.

1.6.3. Pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura

nacional

Os direitos culturais têm referência expressa no artigo 215 da

Constituição Federal, segundo o qual “o Estado garantirá a todos o pleno

39

39

exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará

e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. De acordo

com José Afonso da Silva, o texto constitucional trata os direitos culturais como

“informados pelo princípio da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos”

(SILVA, 2005, p. 313).

Os direitos culturais reconhecidos pela Constituição são: (a) direito de

criação cultural, incluídas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (b)

direito de acesso às fontes de cultura nacional; (c) direito de difusão da cultura;

(d) liberdade de formas de expressão cultural; (e) liberdade de manifestações

culturais; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e

de proteção dos bens de cultura.

1.6.4. Direito de autor

O direito de autor está disciplinado na Constituição Federal nos incisos

XXVII e XXVIII do artigo 5º, que dispõem:

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.

Portanto, o direito de autor tem status de direito fundamental no

ordenamento jurídico brasileiro.

Além da disciplina constitucional, existe a Lei nº 9610/98, que disciplina

especificamente o direito de autor e os direitos conexos.

A lei especifica duas dimensões do direito autoral: os direitos morais e

os patrimoniais. A dimensão moral, tratada no Capítulo II, arts. 24 a 27, diz

respeito, principalmente, ao direito de o autor ter seu nome vinculado à obra de

sua criação, além de poder manter a obra inédita, reivindicar, a qualquer

tempo, a sua autoria, entre outros. Os direitos morais são irrenunciáveis e

inalienáveis por força de lei.

40

40

Já a dimensão patrimonial se relaciona ao uso e à fruição da obra

protegida. Essa dimensão do direito de autor, ao contrário dos direitos morais,

pode ser, e muito frequentemente o é, alienada. O autor pode transmitir a

outrem os direitos sobre reprodução, adaptação, tradução, distribuição e outros

tipos de utilização da obra protegida.

O tempo de proteção de obras intelectuais protegidas por direito autoral

é de 70 (setenta) anos após a morte do autor. Após esse prazo, a obra

ingressa no domínio público, ficando livre para qualquer pessoa que queira

utilizá-la para qualquer fim, sem que seja necessária autorização do autor ou

de seus herdeiros. Mais à frente discutiremos porque esse tempo é muito longo

e quais as dificuldades encontradas num tempo em que a cópia é feita com

muita facilidade.

Há, ainda, na LDA11 um capítulo sobre exceções e limitações ao direito

autoral. Os artigos 46 a 48 estabelecem condições para que o uso da obra

protegida não necessite de autorização do titular do direito autoral. Entretanto,

essas condições são extremamente restritivas e em nada estimulam ou

facilitam o uso de uma obra, por exemplo, para fins educacionais. Por exemplo:

o inciso II do artigo 46 expressa:

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

Portanto, segundo o referido texto legal, para que uma cópia de um

livro, por exemplo, por um estudante de uma universidade, seja feita dentro da

legalidade, é preciso que ela atenda aos cinco requisitos descritos: deve ser

feita em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado de quem fez

a cópia e seu uso deve ser feito pela mesma pessoa e sem intuito de lucro.

Entretanto, num contexto de cultura digital em que se vive atualmente,

isso acaba se tornando inviável e cada vez mais autores reclamam de usos

indevidos de sua obra e partem para artifícios limitadores de cópias, como os

TPMs, sigla para Technological Protection Measures, ou medidas tecnológicas

de proteção, em português. Esses dispositivos foram por muito tempo

utilizados pela indústria fonográfica para controlar a reprodução de CDs, assim

11 Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9610/98.

41

41

que a internet tornou possível o compartilhamento peer-to-peer (p2p) e

surgiram empresas como Napster, que popularizaram a prática de distribuição

através da rede.

Vale aqui uma reflexão sobre a natureza jurídica dos direitos de autor.

Muito se questiona, entre a doutrina, se referidos direitos teriam natureza de

direitos de propriedade, para, em consequência, serem aplicadas as restrições

decorrentes do princípio de função social da propriedade. Nossa tese é a de

que as obras intelectuais e os bens materiais têm natureza distinta, pois que há

alguns problemas em uni-los sob a sob a mesma natureza, conforme descrito a

seguir.

A primeira diferença entre os dois é a forma de aquisição dos direitos12.

Bruno Magrani descreve bem a distinção:

Quanto à aquisição originária, se a propriedade pode surgir através do (sic) usucapião ou da ocupação, o mesmo não ocorre com os direitos de autor. A aquisição originária para o autor só ocorre com a criação da obra. No concernente à transferência (aquisição derivada), a regra geral de direito de propriedade é que os bens móveis transferem-se pela entrega do bem (traditio) ao futuro proprietário, enquanto os bens imóveis, pela impossibilidade de entrega efetiva, transferem-se pela averbação em registro público desta transferência. Apesar do artigo 3º da LDA considerar os direitos autorais como bens móveis para os efeitos legais, a transferência da titularidade de tais direitos não é feita através da entrega da obra a outrem. Muito pelo contrário, constatamos que, por força do artigo 27 da LDA, „os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis‟. Em outras palavras, seria impossível vender, por exemplo, a paternidade de uma obra pela restrição legal. Mas ainda que se considerem os direitos patrimoniais do autor, aquela regra geral continua sem aplicação. Segundo o artigo 37 da LDA, „a aquisição original de uma obra, ou de um exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nessa lei.‟ (MAGRANI, 2008, p. 162-163)

O autor arremata sua explicação afirmando que “apesar de serem

considerados bens móveis para os efeitos legais, os direitos patrimoniais sobre

12 Sérgio Branco afirma que “segundo Antônio Chaves, a diferença entre o direito autoral e os demais direitos de propriedade material revela-se pelo modo de aquisição originários (já que o direito autoral só surge para o autor por meio da criação da obra) bem como pelos modos de aquisição derivados. Afinal, quanto a estes, no direito autoral não existe perfeita transferência entre cedente e cessionário, uma vez que a obra intelectual não sai completamente da esfera de influência da personalidade de quem a criou, em decorrência da manutenção dos direitos morais.” BRANCO JUNIOR, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p. 51-52.

42

42

a obra só podem ser transferidos através de contrato de cessão por escrito”

(MAGRANI, 2008, p. 162-163).

A segunda diferença, que torna os dois conceitos ainda mais distantes,

se refere ao prazo de duração dos direitos. A propriedade é um direito

perpétuo, enquanto os direitos de autor tem seu limite estabelecido por lei.

Então, se direito autoral não é propriedade, o que é? Entende-se, e o

presente trabalho incorpora referido entendimento, que o direito autoral é um

sistema de incentivo à produção artística e científica, através de um monopólio

concedido ao autor para exploração da obra, porém com a previsão de

limitações e exceções ao direito exclusivo de exploração concedido ao autor.

Daí decorre, também, a temporariedade da concessão, pois que a

perpetuidade não se coaduna com esse sistema.

E se o direito autoral não é propriedade, consequentemente não se

pode utilizar o princípio da função social da propriedade como fundamento para

as exceções e limitações aos direitos de autor. Tais limitações são justificadas,

então, pelos princípios abordados anteriormente neste capítulo: liberdade de

expressão, acesso à informação e a garantia do pleno exercício dos direitos

culturais e acesso à cultura nacional. Assim, conciliam-se os argumentos “da

constitucionalização do direito, sem, no entanto, enfrentar os problemas de

ordem conceitual e prática derivados do enquadramento dos direitos autorais

como direito de propriedade” (MAGRANI, 2008, p. 167).

Outra vantagem que surge dessa abordagem é o fato de que mais

facilmente se demonstra que a proteção por direito autoral é a exceção, e não

a regra, posto que referida proteção é limitada. O domínio público é, então, a

regra, bem como o livre acesso à informação e a liberdade de expressão.

A partir dessa reflexão conceitual, apresentaremos, no curso deste

trabalho, como a internet trouxe para a sociedade a possibilidade de efetivação

do princípio do acesso à informação e como a indústria dos bens culturais

reagiu, na tentativa de impor a proteção autoral como direito absoluto e

sobreposto às demais garantias constitucionais.

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Capítulo 2 O surgimento da Internet e a mudança de paradigma na produção e no

consumo de conteúdo cultural

“Live the full life of the mind, exhilarated by the new ideas, intoxicated by the

romance of the unusual.”13 Ernest Hemingway

2.1. Breve história da Internet

Como afirma Manuel Castells,

(...) a história da criação e do desenvolvimento da Internet é a história de uma aventura humana extraordinária. Ela põe em relevo a capacidade que têm as pessoas de transcender metas institucionais, superar barreiras burocráticas e subverter valores estabelecidos no processo de inaugurar um mundo novo. Reforça também a ideia de que a cooperação e a liberdade de informação podem ser mais propícias à inovação do que a competição e os direitos de propriedade (CASTELLS, 2003, p.13).

A história da internet se inicia com o surgimento da ARPANET, a rede

original a partir da qual se deu o desenvolvimento a rede hoje conhecida como

Internet. A ARPANET era um projeto da DARPA – Defense Advanced

Research Projects Agency – agência de pesquisas ligada ao Departamento de

Defesa dos Estados Unidos da América. O objetivo por trás da sua construção

não se limitava a somente criar a rede, mas resolver um problema que

dificultava o desenvolvimento de pesquisas na área da ciência da computação:

o isolamento e a falta de comunicação entre os núcleos de pesquisa. Uma das

soluções para o problema era a de conectar os computadores dos centros de

pesquisa, de forma a compartilhar recursos computacionais.

Para facilitar o processo, Leonard Kleinrock, da UCLA, publicou um

artigo e, posteriormente, um livro, sobre comutação de pacotes (packet

switching)14, convencendo Lawrence Roberts, pesquisador da DARPA, de que

a comunicação através de pacotes, em vez de circuitos, seria um grande passo

13 Viva a vida plena da mente, empolgado com as novas ideias, intoxicado pelo romance do incomum. (Tradução livre) 14 Internet Society. Brief history of the Internet. Disponível em http://www.internetsociety.org/internet/what-internet/history-internet/brief-history-internet#Origins. Acesso em 02/07/2014.

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44

para a construção de redes de computadores. A comutação de pacotes tornar-

se-ia um dos mais cruciais componentes da arquitetura da internet,

responsável pela sua estrutura distribuída.

Os primeiros nós da rede da ARPANET, então, foram UCLA (University

of California, Los Angeles), SRI (Stanford Research Institute), UC Santa

Barbara e University of Utah.

Coube aos estudantes de pós-graduação dos referidos institutos a

criação dos protocolos de comunicação par-a-par entre as máquinas já

conectadas (CASTELLS, 2003, p.25). Então, iniciou-se o processo de

construção dos padrões da Internet, que deu início, inclusive, aos documentos

denominados RFC (request for comments), até hoje o principal veículo no

processo de padronização da rede (HAFNER; LYON, 1998, p. 144-145),

utilizado por entidades internacionais como IETF (Internet Engineering Task

Force), ISOC (Internet Society) e IAB (Internet Architecture Board).

Em dezembro de 1970, o grupo de trabalho finaliza o protocolo host-to-

host da ARPANET, chamado de Network Control Protocol (NCP). Entretanto,

ficou constatado que o NCP precisaria ser modificado, razão pela qual ele foi

abandonado e substituído pelo protocolo TCP, posteriormente adicionando

também o IP, desenvolvido por Vint Cerf e Bob Kahn, dando origem à Internet

como ela hoje é conhecida.

O trabalho original de Cerf e Kahn sobre a Internet descreveu o TCP

como o protocolo que forneceria todo o transporte e serviços de

encaminhamento na Internet. Kahn tinha a intenção de que o protocolo TCP

suportasse uma gama de serviços de transporte, a partir da entrega de dados

sequenciada e totalmente confiável (modelo de circuito virtual) de um serviço

de datagramas em que a aplicação faz uso direto do serviço de rede

subjacente, o que poderia implicar em perda ocasional e pacotes corrompidos

ou reordenados. No entanto, o esforço inicial para implementar o TCP resultou

numa versão que somente permitiu circuitos virtuais. Esse modelo funcionou

bem para transferência de arquivos e aplicações de login remoto, mas alguns

dos primeiros trabalhos sobre aplicações de rede avançados, em particular

pacotes de voz na década de 1970, deixaram claro que, em alguns casos, a

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perda de pacotes não deveria ser corrigida pela TCP, mas deveria ser deixada

para a aplicação resolver. Isso levou a uma reorganização do TCP original em

dois protocolos, o IP simples, que funcionaria apenas para endereçamento e

encaminhamento de pacotes individuais, e o TCP em separado, que estava

preocupado com as características de serviços, como o controle de fluxo e

recuperação de pacotes perdidos. Para as aplicações que não precisavam dos

serviços de TCP, uma alternativa chamada User Datagram Protocol (UDP) foi

adicionada a fim de fornecer acesso direto ao serviço básico de IP.

Após a implementação do protocolo TCP/IP, foram adicionados outros

elementos, como o SMTP (Simple Mail Transfer Protocol), utilizado para os

serviços de e-mail, e o estabelecimento do sistema de nomes de domínio, DNS

(Domain Name System).

Posteriormente, na década de 90, Tim Berners-Lee desenvolveria um

sistema distribuído fundamental para o acesso à internet nos dias atuais: a

World Wide Web (WWW). Berners-Lee elaborou uma linguagem de hipertexto,

o HTML, um protocolo, o HTTP, e um software para navegação e edição de

páginas na web, facilitando a conexão entre computadores ao redor do mundo

e o acesso a informações.

Como se pode perceber, a Internet, desde a sua origem, foi fundada

em parâmetros abertos e descentralizados. Manuel Castells afirma que os

jovens estudantes que contribuíram para o desenvolvimento da ARPANET e,

posteriormente, da Internet, “estavam impregnados dos valores da liberdade

individual, do pensamento independente e da solidariedade e cooperação com

seus pares” e, embora não se filiassem à contracultura,

(...) essa cultura estudantil adotou a interconexão de computadores como um instrumento da livre comunicação, e, no caso de suas manifestações mais políticas (Nelson, Jennings, Stallman), como um instrumento de libertação que, junto com o computador pessoal, daria às pessoas o poder da informação, que lhes permitiria se libertar tanto dos governos quanto das corporações (CASTELLS, 2003, p.26).

A abertura da arquitetura da internet possibilitou também seu

fortalecimento através do desenvolvimento autônomo, à medida que seus

usuários se tornaram artífices da rede. Tim Berners-Lee apenas desenvolveu a

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46

WWW porque contou com o apoio da comunidade da Internet, ajudado e

estimulado por hackers ao redor do mundo. Berners-Lee, por opção própria,

nunca comercializou sua tecnologia, apenas trabalhou no interesse público,

recebendo em troca o respeito da comunidade hacker.

Desde o início, então, vê-se que a produção púbica de conteúdo é

encorajada pelos desenvolvedores da tecnologia. Nomes como o próprio Tim

Berners-Lee, Linus Torvalds, Richard Stallman e Ted Nelson são grandes

exemplos de como a produção e a distribuição de conteúdo sempre foi um

ideal de quem trabalha com tecnologia.

2.2. O nascimento da Cibercultura

O crescimento da comunicação baseada na informática trouxe à tona

outros valores. Os atores da expansão desse movimento, citados acima,

construíram um espaço que Pierre Levy descreve como “um espaço de

encontro, de compartilhamento e de invenção coletiva” (LEVY, 1999, p. 128).

Ele acrescenta ainda que as pessoas que fizeram crescer o

ciberespaço não são os grandes representantes do governo ou de grandes

empresas, mas, em sua maioria, anônimos, estudantes, entusiastas amadores

dedicados a melhorar cada vez mais as ferramentas informáticas já existentes,

ou mesmo inventar novas ferramentas. Além desses, os visionários que, desde

o início de todo esse processo de evolução das redes de computador,

“pensavam que deveríamos colocar as redes de computador a serviço da

inteligência coletiva” (LEVY, 1999, p. 128).

E com isso nasce a Cibercultura. E nas palavras do próprio Levy

(...) o movimento social que acabo de mencionar inventa provavelmente o „verdadeiro‟ uso da rede telefônica e do computador pessoal: o ciberespaço como prática de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária, o ciberespaço como horizonte de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalizável no qual cada ser humano pode participar e contribuir. (LEVY, 1999, p. 128)

Ainda segundo o pensamento de Levy, o crescimento do ciberespaço

foi orientado por três princípios: a interconexão, a criação de comunidades

virtuais e a inteligência coletiva.

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47

A interconexão aparece como princípio primordial à existência do

ciberespaço e dos demais princípios citados. Segundo Levy, é sempre

preferível a conexão ao isolamento (LEVY, 1999, p. 129), sendo o ideal da

Cibercultura a comunicação universal entre dispositivos, o que hoje se convém

chamar de “internet das coisas”.

O segundo princípio é o da criação de comunidades virtuais. O

ciberespaço permite a construção de comunidades virtuais em razão das

afinidades de interesses, convergência de projetos ou mesmo processos de

cooperação ou troca, sem que necessariamente as pessoas envolvidas

estejam geograficamente próximas ou tenham algum tipo de vínculo

institucional entre si.

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração. (LEVY, 1999, p. 132)

O terceiro princípio da Cibercultura, o da inteligência coletiva, é, em

verdade, sua finalidade última.

A inteligência, segundo Levy, é “o conjunto canônico das aptidões

cognitivas, a saber, as capacidades de perceber, de lembrar, de aprender, de

imaginar e de raciocinar.” (LEVY, 2011, p. 97)

A inteligência coletiva está tanto no universo de coisas que nos cerca e

que, cada vez que as utilizamos, participamos da inteligência coletiva que as

produziu; quanto nas instituições sociais, leis, costumes e regras que influem

em nossos pensamentos.

Pela biologia, nossas inteligências são individuais e semelhantes (embora não idênticas). Pela cultura, em troca, nossa inteligência é altamente variável e coletiva. Com efeito, a dimensão social da inteligência está intimamente ligada às linguagens, às técnicas e às instituições, notoriamente diferentes conforme os lugares e as épocas. (LEVY, 2011, p. 99)

Assim, a inteligência coletiva é posta em prática continuamente na

Internet, a cada mínimo ato de socialização online, especialmente após o

surgimento da chamada Web 2.0, conforme se verá adiante.

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2.3. Web 2.0, produção descentralizada de conteúdo e cultura livre

Com a evolução e o aumento das ofertas de plataformas de serviços

baseados na Internet, e com o advento da chamada “Web 2.0”, houve um

crescimento na produção de conteúdo pelos usuários comuns. Como coloca

Lawrence Lessig, a cultura, na era da internet, passa de “read/only” para

“read/write” (LESSIG, 2004, p. 37), ou seja, o usuário comum de internet

passou a produzir conteúdo na mesma medida em que apenas consumia,

através dos canais mais tradicionais de distribuição de cultura. Agora, não mais

se assiste a programas de televisão, como também se produz quase que com

a mesma eficiência e qualidade que uma grande rede de telecomunicação.

Com isso, surgem também implicações mercadológicas e sociais, como novos

modelos de negócio baseados no “livre”.

Conceitualmente,

(...) a Web 2.0 é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo. A Web 2.0 refere-se não apenas a uma combinação de técnicas informáticas (serviços Web, linguagem Ajax, Web syndication, etc.), mas também a um determinado período tecnológico, a um conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação mediados pelo computador. (PRIMO, 2007, p.1)

Tim O‟Reilly descreveu a Web 2.0 como um núcleo ao redor do qual

gravitam princípios e práticas comuns a diversos sites (O‟REILLY, 2005),

conforme se pode perceber da figura 1 abaixo:

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Figura 1 – Web 2.0 Meme Map15

É disso que se trata a tão falada Web 2.0: tecnologias mais entendidas

e amplamente disponíveis, que proporcionam uma maior usabilidade, assim

como a produção colaborativa mais efetiva. Trata-se, em sua definição, de ver

a Web como uma plataforma. Com a quantidade cada vez maior de

dispositivos que proporcionam gravação, manipulação e publicação de

conteúdo, qualquer pessoa pode pensar em criar e distribuir material online.

Isso é o que o referido autor chama de “arquitetura de participação”: funções de

compartilhamento e interconexão são incorporadas aos sistemas, fazendo com

que os serviços tornem-se melhores, mais rápidos, com mais recursos, quanto

mais pessoas os utilizarem, sendo este mais um princípio chave da Web 2.0,

no seu ponto de vista.

Neste ponto, chamamos a atenção para outro conceito, cunhado por

Jonathan Zittrain: o da generatividade da Internet. Ele explica que

15 O’REILLY, Tim. What is Web 2.0 – Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software. O’Reilly Publishing, 2005.

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generatividade é a capacidade de um sistema para produzir uma mudança inesperada através de contribuições não filtradas de amplas e variadas audiências (ZITTRAIN, 2008, p. 70).

Isso significa que qualquer pessoa é capaz de desenvolver novas

aplicações que operem na Internet devido à sua arquitetura em forma de

ampulheta:

Figura 2 – A ampulheta da Internet16

A representação da Internet em forma de ampulheta pode ser

percebida de duas formas. A primeira, para mostrar a noção de que a rede

pode ser dividida em camadas conceituais.

Na parte de baixo, está a camada física, que são os fios por onde os

dados trafegam. No topo, tem-se a camada de conteúdo, representando as

tarefas que as pessoas podem executar na Internet. No meio, temos a “camada

de protocolo”, que estabelece o modo consistente para o fluxo de dados, para

que o remetente e o destinatário possam ter informações básicas sobre quem

enviou e quem recebeu os pacotes de dados.

16 ZITTRAIN, Jonathan. The future of the Internet – and how to stop it. New Haven: Yale University Press, 2008 p. 68.

51

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Vale ressaltar que as camadas são independentes entre si, então não

há necessidade de coordenação nem de conhecimento entre aqueles que

trabalham numa e noutra camada.

A segunda forma de percepção é a própria forma da ampulheta. Os

autores do Protocolo IP não previram o que preencheria o topo e a base da

ampulheta. Qualquer pessoa pode se tornar parte da rede, basta que encontre

alguém que já faça parte dela e que queira compartilhar o acesso. Portanto, a

grande variedade de formas de se conectar fisicamente à rede é representada

pela larga base da ampulheta. Da mesma forma, o topo representa a enorme

gama de aplicações que podem ser incorporadas à Internet. Apenas o meio,

que contém o Protocolo IP, é estreito (ZITTRAIN, 2008, p. 69).

É nesse contexto, de grande variedade de aplicações na Internet, que

se modifica o paradigma da produção de conteúdo online.

Lessig afirma que a Internet provocou uma mudança importante no

processo de construção da cultura; uma mudança que transformará

radicalmente essa tradição e que muitos nem conseguem visualizar (2004, p.

7). Porém, para chegar nesse ponto, cabe aqui uma digressão histórica sobre o

início dessa transformação.

E tudo começou com o Movimento do Software Livre (MSL), iniciado

em 1983 e liderado por Richard Stallman. Em 1985, Stallman também fundou a

Free Software Foundation, a fim de ter um maior suporte ideológico.

A filosofia básica do MSL é a de que “software livre é uma questão de

liberdade, não de preço”17. Segundo Stallman, os usuários devem ter a

possibilidade de usar, copiar, distribuir, estudar, modificar e melhorar o código

do programa. As quatro liberdades fundamentais dos usuários, elencadas por

Satallman, são, a saber:

17 O texto original, em inglês, permite uma melhor compreensão, tendo em vista que os termos, naquela língua, de fato se confundem e a explicação se torna necessária. A citação original é como se segue: “’Free software’ is a matter of liberty, not price. To understand the concept, you should think of ‘free’ as in ‘free speech’, not as in ‘free beer’”. STALLMAN, Richard. Free Software, Free Society: Selected Essays of Richard M. Stallman. 2 ed. p. 3.

52

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A liberdade de usar o programa para qualquer propósito

(liberdade 0);

A liberdade de estudar como o programa funciona e modificá-lo

para que ele faça o que o usuário deseja (liberdade 1);

A liberdade de redistribuir cópias, para que se possa ajudar o

vizinho (liberdade 2);

A liberdade de distribuir cópias da sua versão modificada a

outros (liberdade 3). (STALLMAN, 2010, p. 3)

Desde que respeite essas quatro liberdades fundamentais, um software

pode ser considerado livre, na acepção de Stallman.

Após o surgimento do MSL, um outro movimento surgiu, chamado

Open Source Initiative, visando responder a um possível erro de interpretação

quanto ao termo “free” (“free as in gratis” versus “free as in freedom”.) Além

disso, o Open Source se opunha ao fato de que o software livre era feito

apenas por hackers e seu uso se tornaria difícil para o usuário comum.

Seguindo o mesmo rito do MLS, o Open Source lançou suas bases no

documento chamado de “The Open Source Definition”, que descrevia as bases

do movimento, identificando o que é e o que não é open source.

O fato é que esses movimentos inspiraram e produziram material para

discussão entre outros movimentos, e a discussão sobre a liberdade na

fabricação de softwares passou a nortear a produção de outros bens culturais.

Então, Lawrence Lessig, inspirado nos preceitos de Stallman, definiu

que a cultura livre “examina criticamente o papel das leis de propriedade

intelectual em prover incentivos para a criação de conteúdo, bem como seu

impacto no acesso ao conhecimento, à educação, à liberdade de expressão e à

participação na vida cultural” (LEMOS; MIZUKAMI, 2008, p. 31).

A Cultura Livre, então, expressa um desejo que a cultura seja livre –

como em liberdade – através de uma reforma no regime de propriedade

intelectual, além de ofertar opções de licenciamento alternativo dentro do

regime já existente.

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53

2.4. O desenvolvimento de uma economia de informação em rede

E quando a Internet se torna o modo dominante de acesso ao

conhecimento, mudanças potenciais e reais nos processos de produção

cultural, transmissão e arquivamento passam para o primeiro plano das

discussões, assim como as consequências políticas, econômicas e sociais.

O avanço tecnológico recente permitiu, como já dito anteriormente,

uma aproximação maior da população, do usuário comum, para com novas

ferramentas de criação e distribuição de bens culturais, o que tem levado a um

esgotamento dos atuais modelos de negócio da indústria do entretenimento.

Esta, ao invés de aproveitar a oportunidade para se reciclar e, assim, fazer a

tecnologia trabalhar a seu favor, prefere se manter num modelo engessado e

tentar modificar ou moldar o comportamento da população em prol da

manutenção dos seus princípios já ultrapassados. O objetivo da indústria é

manter o seu antigo monopólio de produção de conteúdo, mesmo numa época

de nova conjuntura tecnológica e cultural.

Benkler se refere ao que ele chama de economia de informação em

rede (networked information economy) como sendo a condição que hoje se

apresenta, em que após a proliferação das ferramentas de tecnologia da

informação e comunicação, houve a descentralização da produção e da

distribuição de produtos baseados em informação, o que acaba por modificar o

papel do usuário comum nesse processo, que antes apenas consumia o

produto vendido pela indústria tradicional de conteúdo cultural. Tal produção

não se apoia, como o faz a indústria, na proteção da propriedade intelectual,

mas no desenvolvimento do commons (commons-based peer production). E

esse processo é que impulsiona a formação da economia de informação em

rede referida por ele.

E quais são as características dessa nova economia?

O usuário comum, antes apenas receptor, agora age como produtor de

conteúdo, devido ao barateamento e à popularização de alto poder

computacional, bem como sua conexão com em rede. Isso, aliado ao maior

conhecimento técnico a respeito de como produzir, conhecimento este

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disponível na Internet, faz com que essa produção em rede se torne cada vez

maior.

Ademais, a distribuição desse material é também facilitada. Não há

mais intermediários, é possível chegar ao público alvo diretamente.

Com tudo isso, os antes consumidores passivos se tornam usuários

ativos, sendo essa mudança possível em virtude da democratização dos

avanços tecnológicos18.

E por tudo isso ora comentado, uma modalidade específica de

produção de informação vem ganhando considerável força: a chamada

commons-based peer production, ou produção por pares baseada em

commons.

Esta modalidade de produção tem por características as seguintes: (i) é

radicalmente descentralizada; (ii) colaborativa; (iii) não proprietária; e (iv)

baseada em recursos e resultados compartilhados (BENKLER, 2006, p. 60).

Os exemplos mais paradigmáticos deste modelo são o da produção de

software livre e da interminável construção da Wikipedia, porém outro exemplo

mais próximo e nem sempre referido pode ser acrescentado aqui: o da

produção científica.

Porém, para uma melhor compreensão deste fenômeno, necessária se

faz a definição desses dois termos: commons e peer production.

De acordo com Benkler, commons se refere a uma forma particular de

se estruturar os direitos de acesso, uso e controle de recursos. Para ele, é o

contrário de propriedade, no sentido de que, quando há propriedade, a lei

determina que alguém tem o poder de decidir como o recurso será utilizado.

Commons, então, tem como característica primeira o fato de que nenhuma

pessoa em particular tem controle exclusivo sobre o uso e a disposição de

algum recurso disponível no commons. Ao contrário, todos os recursos

18 “Digital technology could enable an extraordinary range of ordinary people to become part of a creative process. To move from the life of a “consumer” (just think about what that word means—passive, couch potato, fed) of music—and not just music, but film, and art, and commerce—to a life where one can individually and collectively participate in making something new”. LESSIG, Lawrence. The future of ideas: the fate of the commons in a connected world. New York: Random House, 2001. p. 9.

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55

pertencem à esfera de uso e disposição de um grupo mais ou menos definido

de pessoas (BENKLER, 2006, p. 60-61)19.

Segundo Ronaldo Lemos,

o que define se um determinado bem é um common não é sua possibilidade intrínseca de compartilhamento por todos, mas sim o regime pelo qual uma determinada sociedade decide lidar com um determinado recurso (LEMOS, 2005, p. 17).

A característica essencial aos commons é ser bens não-competitivos20.

Ou seja, o fato de uma pessoa usar não exclui a outra pessoa de também usar

ao mesmo tempo. Como exemplo, têm-se os parques da cidade, as praças, o

próprio ar que se respira (LEMOS, 2005, p. 17)21.

Os bens pertencentes ao commons são tanto aqueles que já estão em

domínio público quanto os que são sujeitos a licenças alternativas ao sistema

de propriedade intelectual vigente. Essa tradição de licenciamento alternativo

nasceu também no universo do software livre, primeiramente através das

licenças MIT e BSD, as quais evoluíram, através do trabalho de Stallman, para

a licença GNU GPL (GNU General Public License), cuja diferença para as

primeiras foi a adição da cláusula copyleft: o software derivado de outro que já

esteja licenciado pela GPL deve ser distribuído da mesma forma.

Lessig, seguindo a mesma estratégia do software livre, deu início, no

ano de 2001, ao projeto Creative Commons, que disponibiliza uma série de

19 Similarmente, Lessig expressa: “By ‘the commons’ I mean the resource that anyone within a relevant community can use without seeking the permission of anyone else. Such permission may not be required because the resource is not subject to any legal control (it is, in other words, in the public domain). Or it may not be required because permission to use the resource has already be granted. In either case, to use or build upon this resource requires nothing more than access to the resource itself.” LESSIG, Lawrence. Code version 2.0. New York: Basic Books, 2006, p. 198. 20 Originalmente, na literatura em língua inglesa sobre o tema, são utilizados dois termos: “nonrivalrous” e “nonexcludable”. O termo em português é usado por Ronaldo Lemos e, na ótica desta autora, dadas as diferenças linguísticas, abarca os dois termos da língua inglesa. 21 Vide, ainda, explicação de James Boyle: “The petunia farmer is selling something that is “a rivalrous good.” If I have the petunia, you can’t have it. What’s more, petunias are “excludable.” The farmer only gives you petunias when you pay for them. It is these factors that make the petunia market work. What about Madame Bovary, or the antibiotic, or The New York Times? Well, it depends. If books have to be copied out by hand, then Madame Bovary is just like the petunia. But if thousands of copies of Madame Bovary can be printed on a printing press, or photocopied, or downloaded from www.flaubertsparrot.com, then the book becomes something that is nonrival; once Madame Bovary is written, it can satisfy many readers with little additional effort or cost. Indeed, depending on the technologies of reproduction, it may be very hard to exclude people from Madame Bovary.” BOYLE, James. The public domain. New Haven: Yale University Press, 2008.

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licenças, agora não apenas para software, mas para qualquer tipo de trabalho

intelectual, as quais podem ser combinadas de acordo com a vontade do autor.

Esses modelos de licenciamento, portanto, permitem a criação de um

commons intelectual. Mas ressalte-se que Benkler, ao idealizar tudo isso, prevê

que a mesma liberdade de utilização pensada por Stallman para o seu software

livre22.

Já a peer production de Benkler se caracteriza por ser uma produção

entre iguais, conforme o próprio termo sugere, na qual a ação individual não

acontece com base em uma estrutura hierárquica administrativa de uma

empresa, mas através da própria rede.

Posto de outra forma, um grupo de pessoas com os mesmos

interesses trabalha por conta própria, assumindo tarefas que lhe interessam e

que acreditam que podem cumprir. O mais claro exemplo deste processo é o

da própria Wikipedia, em que indivíduos espalhados ao redor do mundo,

interessados na construção da enciclopédia, atuam na composição dos

verbetes, de acordo com seu grau ou área de conhecimento sobre um

determinado assunto. Algumas normas determinam comportamentos proibidos,

permitidos ou encorajados, mas o grau de autonomia de cada participante é

enorme.

E dentro dessa organização, podem ser observadas três funções:

primeiro, a de emissão, em que os participantes emitem uma “colocação

humanamente significativa”, nas palavras do próprio Benkler. Esta emissão

pode ser uma contribuição para um verbete na Wikipedia ou o melhoramento

de um código de um software livre, ou mesmo um artigo de um blog ou uma

fotografia em redes sociais; segundo, a atribuição de crédito e relevância à

emissão feita pelo participante. Essa atribuição pode se dar de diversas

22 “The term “commons-based” is intended to underscore that what is characteristic of the cooperative

enterprises I describe in this chapter is that they are not built around the asymmetric exclusion typical of property. Rather, the inputs and outputs of the process are shared, freely or conditionally, in an institutional form that leaves them equally available for all to use as they choose at their individual discretion. This latter characteristic— that commons leave individuals free to make their own choices with regard to resources managed as a commons—is at the foundation of the freedom they make possible.” BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven/London: Yale University Press, 2006, p. 62.

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maneiras, de acordo com a plataforma, e pode se utilizar dos mais diversos

critérios, objetivos e subjetivos; terceiro, a distribuição da emissão a outras

pessoas que a consideram relevante e crível.

Essas funções são facilmente observadas na indústria de conteúdo.

Porém, a Internet faz com que elas sejam distribuídas entre um número muito

maior de pessoas, consequentemente descentralizando o esquema produtivo e

adotando uma estrutura organizacional não tradicional, apenas observando

algumas normas mínimas de convivência de acordo com a arquitetura do

trabalho realizado.

Além dos modelos do software livre e da Wikipedia, já citados, pode-se

visualizar as características da commons-based peer production também nas

redes de distribuição p2p (peer-to-peer): quando um arquivo é posto à

disposição por um dos usuários (emissão), outros que tem interesse em obter o

mesmo arquivo fazem o download; se for bom, recomenda-se, através de um

sistema de classificação (atribuição de relevância e crédito) e disponibiliza para

o restante da rede, pois quanto mais usuários dispõem do mesmo arquivo,

mais rápido se torna o download para os demais (distribuição).

Portanto, verifica-se que nas atividades mais corriqueiras no

ciberespaço esse regime de produção descrito por Benkler está presente, o

que só reforça o fato de que mudanças profundas ocorreram no

comportamento dos indivíduos e nas formas de produção de conteúdo após o

surgimento da Web 2.0.

E como se configuram os direitos dos cidadãos no ciberespaço, nessa

nova conjuntura de produção de conteúdo informacional? As instituições

jurídicas estão prontas para tamanho avanço tecnológico?

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Capítulo 3 Conflito: acesso à informação e liberdade de expressão versus direitos de

autor

“We need diversity of thought in the world to face the new challenges.”

23

Tim Berners-Lee

3.1. Responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiro na Internet

Conforme já visto anteriormente, a Internet proporcionou um novo

mundo aos cidadãos. A possibilidade de acesso às mais variadas culturas do

mundo, o contato com outros povos, a milhares de quilômetros de distância,

tudo isso abre um leque de possibilidades àqueles que gostam de explorar o

desconhecido. Ademais, a facilidade com que se pode compartilhar conteúdo,

e, consequentemente, enriquecer-se culturalmente, faz com que as pessoas

queiram cada vez mais participar dessa grande torre de babel que é a Internet.

A tecnologia digital e a Internet tornaram muito fáceis a cópia e a

distribuição de conteúdo protegido por direito autoral. Várias formas novas de

expressão se aproximam cada vez mais do usuário comum, como visto no

capítulo anterior, e a Internet se torna uma facilitadora da circulação desses

bens intelectuais.

E esse é o verdadeiro potencial da grande rede. Tanto é assim que o

Creative Commons, em seu site oficial, expressa como sua visão “nada menos

do que realizar o inteiro potencial da internet – acesso universal a pesquisa e

educação, participação integral na cultura – para conduzir a uma nova era de

desenvolvimento, crescimento e produtividade”24.

Dentro disso, surgem conflitos aos participantes desse “novo mundo”.

Alguns desses conflitos dizem respeito a direitos e deveres. O que é possível e

o que não é possível praticar dentro da Internet? Alguns defendem que a

Internet nasceu livre e por isso deveria continuar assim, como se fosse “terra

23 Nós precisamos de diversidade de pensamento no mundo para encarar os novos desafios. (Tradução livre) 24

O texto original é o seguinte: “Our vision is nothing less than realizing the full potential of the Internet — universal access to research and education, full participation in culture — to drive a new era of development, growth, and productivity.” Disponível em http://creativecommons.org/about. Acesso em 11/07/2014.

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sem lei”. A famosa Declaração de Independência do Ciberespaço25, escrita por

John Perry Barlow em 1996, passava essa ideia. Mas hoje sabemos que não

pode funcionar dessa forma. Abusos de direitos têm sido praticados com

frequência contra os usuários de Internet, seja por empresas prestadoras de

serviço na rede, seja por criminosos que usam a Internet para praticar os mais

diversos delitos, ou mesmo pelos governos, conforme ficaram notoriamente

conhecidas as práticas escusas de espionagem da NSA, através das

denúncias feitas por Edward Snowden.

No Brasil, o primeiro passo para a defesa dos direitos mais básicos dos

usuários da Internet foi a aprovação recente do chamado Marco Civil da

Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 201426. Nesta lei, são destacados

direitos e deveres dos cidadãos, dos prestadores de serviço e do governo, para

que se evitem os abusos e, principalmente, para que a Internet no Brasil seja

regulada pelos princípios da liberdade de expressão, neutralidade de rede e

privacidade, e para que seja uma rede aberta, plural, democrática e

participativa.

Uma das regras incluídas no Marco Civil da Internet é a chamada

inimputabilidade da rede: a rede, bem como as plataformas nela disponíveis,

não são responsáveis pelo conteúdo gerado por terceiro. Explicando melhor:

aplica-se aqui a máxima do “don’t shoot the messenger”, ou “não atire no

mensageiro”, com a ideia de que a rede apenas proporciona a tecnologia aos

usuários; eles é que tem que saber utilizar as ferramentas existentes e se

responsabilizar pelo uso que fazem.

Então, partindo dessa premissa, o Marco Civil estabelece, em seu

artigo 18, que “o provedor de conexão à internet não será responsabilizado

civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”. E, em

seguida, no artigo 19 diz que

Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as

25 Disponível em http://www.dhnet.org.br/ciber/textos/barlow.htm. Acesso em 10/07/2014. 26 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em 10/07/2014.

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providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Isso significa que os provedores de aplicação na Internet, os sites, em

geral, somente terão a obrigação de retirar o conteúdo gerado por terceiro se

houver determinação judicial para tanto, apenas sendo responsabilizado no

caso de desobediência da referida ordem judicial.

O legislador optou por esta abordagem justamente por ser mais

respeitosa aos demais direitos fundamentais, como o da liberdade de

expressão. O conteúdo apenas será removido se a justiça entender que cabe

sua remoção.

Entretanto, em relação a conteúdo protegido por direito autoral, há uma

ressalva no parágrafo 2º do mesmo artigo, que expressa:

A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5

o da Constituição Federal.

Houve, nesse caso, uma opção expressa do legislador por não regular

a matéria relativa a direitos autorais, tendo em vista que já há uma proposta de

alteração da lei específica em trâmite no Executivo. Porém, há aí a indicação

de que qualquer proposta desse tipo deve respeitar a liberdade de expressão e

as demais garantias da Constituição Federal.

Entretanto, quando se trata de conteúdo protegido por direito autoral,

as coisas não são assim tão fáceis.

O que era livre no começo da década de 90 passou a ser severamente

controlado, havendo uma “hipertrofia de formas tradicionais de proteção à

propriedade intelectual como reação à suposta „anarquia‟ da internet” (LEMOS,

2005, p. 32).

E um dos primeiros mecanismos de tentativa de controle foi o Digital

Millenium Copyright Act (DMCA), lei adotada nos EUA em 1998, no sentido de

modificar o tratamento dispendido aos conteúdos protegidos por direito autoral,

combatendo a facilidade de cópia e circulação de bens intelectuais na Internet.

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Uma das estratégias adotadas pelo DMCA foi a de imputar a terceiros

a responsabilidade sobre violações da lei de copyright, por exemplo,

provedores de aplicação e provedores de acesso. Ronaldo Lemos explica:

Note-se o impacto dessas disposições: o DMCA cria um mecanismo em que socializa a responsabilização por violações a bens intelectuais, estendendo tal responsabilidade àqueles que não foram propriamente agentes dessas violações. Mais ainda, o DMCA cria uma série de “portos seguros” (safe harbors), para isenção de responsabilidade. Estes nada mais são do que um rol de requisitos que, se atendidos, excluem a possibilidade de se responsabilizar um provedor pelas violações cometidas por seus usuários. Dessa forma, suas normas têm um impacto direto sobre a organização dos provedores e o modo como estes lidam com a disseminação da informação. (LEMOS, 2005, p. 33)

Apesar de haver esses referidos portos seguros, o modelo norte-

americano imputa ao provedor a responsabilidade pelo material ilícito, exceto

se o provedor seguir à risca os passos para sua isenção de responsabilidade

(safe harbor).

Na prática, basta que o detentor de direito autoral envie uma

notificação extrajudicial ao provedor, afirmando que existem infrações a seu

direito autoral, e o provedor é obrigado a retirar o conteúdo do ar.

Nesse sentido, é muito prejudicial que não seja necessária decisão

judicial sobre o assunto, pois que o provedor se torna uma espécie de polícia

da Internet. Mesmo nos casos em que a disponibilização do conteúdo esteja

sendo feita com respeito às regras de fair use, por exemplo, o que não

configuraria infração, o provedor é obrigado a retirá-lo do ar, numa clara ofensa

ao princípio básico de todo estado democrático, o da liberdade de expressão.

E, assim, nos dizeres de Lessig,

essa divisão grosseira entre o livre e o controlado agora foi apagada. A Internet montou o palco para essa supressão e, impulsionada pela grande mídia, a lei agora a afetou. Pela primeira vez em nossa tradição, os meios comuns pelos quais os indivíduos criam e compartilham cultura caíram na regulação da lei, a qual expandiu seu controle a um conteúdo de cultura e criatividade que ela nunca tinha alcançado antes. A tecnologia que preservava o balanço da nossa história – entre usos da nossa cultura que eram livres e usos da nossa cultura que eram apenas sob permissão – foi desfeita. A consequência é que nós somos menos e menos uma cultura livre e mais e mais uma cultura de permissão. (grifo nosso) (LESSIG, 2004, p. 8)

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E sua crítica vai ainda mais longe. Esse protecionismo não se destina

aos autores. É, ao contrário, uma proteção aos modelos de negócio existentes.

As corporações, sentindo-se ameaçadas pelo poder da Internet, induzem os

legisladores a criar leis para a proteção de seu status quo. (LESSIG, 2004, p.

9).

De qualquer forma, os sistemas legislativos precisam ter instrumentos

que façam, ou pelo menos tentem fazer, esse equilíbrio entre o interesse

privado dos autores e o interesse público de acesso às obras.

3.2. Instrumentos legislativos de limitação aos direitos autorais: fair use nos

EUA e exceções e limitações no Brasil

Dentre todas as diferenças substanciais existentes entre os sistemas

de Direito Autoral, no Brasil, e Copyright, nos Estados Unidos, uma em

particular se destaca: a existência, lá, do sistema de fair use, em contraposição

às limitações e exceções elencadas pela lei brasileira.

Tanto o fair use quanto as limitações e exceções são instrumentos

utilizados pelo legislador para mitigar o impacto das regras de direitos autorais

nos respectivos sistemas jurídicos. Fazem parte do conjunto de regras que

objetivam estabelecer um balanceamento entre os direitos exclusivos do autor

e o interesse público.

A doutrina do fair use foi inteiramente construída pela jurisprudência,

mas isso mudou em 1976, quando o Congresso norte-americano modificou a

lei de copyright para acomodar a então nova seção 10727.

Existem algumas atividades que a lei elenca como elegíveis ao

tratamento do fair use, como críticas, comentários, reportagens, atividades de

2717 U.S. Code § 107 - Limitations on exclusive rights: Fair use. Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, comment, news reporting, teaching (including multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement of copyright. In determining whether the use made of a work in any particular case is a fair use the factors to be considered shall include: (1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work. The fact that a work is unpublished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made upon consideration of all the above factors.

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ensino, incluindo as múltiplas cópias para uso em sala de aula, pesquisa

científica, entre outros. Tais usos não representam violação de copyright sob a

lei norte-americana.

A fim de decidir se um conteúdo está sujeito ao tratamento

proporcionado pela doutrina do fair use, os juízes devem definir se o trabalho

em questão se encaixa nos quatro fatores (BRANCO JUNIOR, 2007, 71-72) a

seguir: 1- o propósito e o caráter do trabalho do réu; 2- a natureza do trabalho

do autor; 3- a “quantidade” do trabalho do autor utilizada pelo réu; e 4- o

impacto no mercado potencial. Entretanto, nenhum desses fatores é

determinante, assim como essa não é uma lista exaustiva, ou seja, os

magistrados podem considerar outros elementos na sua avaliação.

Dentro do primeiro fator está incluído o critério comercial do trabalho:

quanto mais comercial a conduta do réu, menor a probabilidade de lhe ser

concedido o benefício do fair use. O caso das paródias e das críticas,

pacificamente aceitas como fair use pelas Cortes americanas, ilustra o primeiro

fator.

Em relação ao segundo fator, qual seja, a natureza do trabalho do

autor, a ideia básica é estabelecer quais tipos de trabalhos protegidos por

copyright têm maior proteção contra usos não autorizados. Assim, tem-se duas

variáveis: trabalhos não publicados são mais protegidos do que os publicados;

e trabalhos criativos são mais protegidos do que os factuais.

O terceiro fator se refere à quantidade do trabalho do autor utilizado

pelo réu. Quanto mais o réu toma, mais fraca será sua defesa de fair use.

Entretanto, a análise aqui não pode ser só quantitativa, mas também

qualitativa. Ou seja, deve-se observar, também, o grau de importância da parte

tomada pelo réu, mesmo que pequena, para o trabalho como um todo. Essa

variável ainda não se provou decisiva perante as Cortes de Justiça norte-

americanas.

Finalmente, o quarto fator se refere ao impacto do trabalho do réu no

mercado em potencial do autor. Quanto maior o prejuízo sofrido pelo autor em

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razão da conduta do réu, menos provável é que esta conduta seja considerada

justa.

Assim é que funciona o sistema de fair use nos Estados Unidos.

Apesar de existir um contorno bem definido, para certos casos, do que

seria fair use, a indústria de conteúdo normalmente não deixa passar em

branco as oportunidades que tem de processar alguém por uso indevido de seu

material. Um caso recente de um processo contra o próprio Professor Lessig

ficou famoso. Eis a sequência de fatos.

Lessig proferiu uma palestra em 2010 em Seul, como parte de uma

Conferência do Creative Commons, instituição criada por ele, como já visto

anteriormente. Depois do evento, a referida palestra foi divulgada no Youtube28.

A apresentação inclui alguns clipes curtos de dança amadora feitos por jovens

de diversas partes do mundo com a música “Lisztomania”, da banda francesa

Phoenix. Como um exemplo clássico de fair use, os clipes foram usados para

enfatizar os estilos emergentes de comunicação na Internet.

A Liberation Music, gravadora que representa a banda Phoenix na

Nova Zelândia, alegando que os clipes infringem seu direito autoral, solicitou ao

Youtube a retirada do vídeo da palestra e ameaçou processar Lessig, que,

então solicitou a ajuda da Electronic Frontier Foundation (EFF) para fazer sua

defesa em juízo.

Ressalte-se que o uso feito por Lessig em sua apresentação está

claramente sujeito ao regime de fair use de acordo com a lei norte-americana,

posto que se trata de uso para fins educacionais. Ademais, apenas um

pequeno trecho da música é utilizado, mesmo sendo diversas vezes o mesmo

trecho.

Ao final, o processo foi encerrado com um acordo entre as partes, em

que a gravadora reconhece que o uso feito por Lessig se agrupa na categoria

de fair use, nos EUA, e fair dealing, na Austrália29, razão pela qual desistiu do

28 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KBTWoCaNKn4. Acesso em 12/07/2014. 29 A lei australiana prevê as hipóteses de uso de obras sem necessidade de autorização pelo titular do direito autoral sob a rubrica de fair dealing, análoga ao fair use americano, na Seção 40 do Copyright Act

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processo. Além disso, o acordo inclui o pagamento, por parte da gravadora ao

professor, dos danos causados, em quantia sigilosa que será destinada à EFF

como apoio ao trabalho que faz a instituição contra o abuso das liberdades

individuais nesses casos.

Casos como esse são constantes nos EUA porque, segundo Lessig,

em teoria, o fair use significa possibilidade de uso sem permissão do titular. A

teoria, assim, ajuda a liberdade de expressão e protege contra a cultura da

necessidade de permissão. Mas na prática, o fair use funciona de maneira bem

distinta. Os contornos embaçados da lei resultam em poucas possibilidades

reais de se arguir fair use. Desse modo, a lei teria um objetivo correto, mas que

não seria alcançado na prática30.

Já no Brasil, o que se tem é um capítulo denominado “Das Limitações

aos Direitos Autorais” na Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9610, de 19 de

fevereiro de 1998, que apresenta as condutas que não são consideradas

infrações aos direitos autorais. A opção por esse sistema é normalmente feita

por países de tradição do droit d’auteur em vez do copyright, então isso não é

exclusivo do Brasil, mas muito frequente em países da tradição do Direito Civil.

Os requisitos legais de limitação estão previstos entre os artigos 46 a

48 da Lei de Direitos Autorais. Algumas exceções, como as paródias,

receberam aqui o mesmo tratamento que têm nos Estados Unidos.

Entretanto, o dispositivo mais invocado sob este tema é o inciso II do

artigo 46, que prevê a possibilidade de cópia sem a necessidade de

autorização prévia do detentor de direitos autorais. O texto literal é o seguinte:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...)

de 1968, item 1: “(1) A fair dealing with a literary, dramatic, musical or artistic work, or with an adaptation of a literary, dramatic or musical work, for the purpose of research or study does not constitute an infringement of the copyright in the work.” Disponível em http://www.austlii.edu.au/au/legis/cth/consol_act/ca1968133/s40.html. Acesso em 12/07/2014. 30 Tradução livre da autora. O original assim se apresenta: “In theory, fair use means you need no permission. The theory therefore supports free culture and insulates against a permission culture. But in practice, fair use functions very differently. The fuzzy lines of the law, tied to the extraordinary liability if lines are coressed, means that the effective fair use for many types of creators is slight. The law has the right aim; practice has defeated the aim.” LESSIG, Lawrence. Free culture: the nature and future of creativity. New York: The Penguin Press, 2004, p. 99.

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II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

A observação que se faz do dispositivo em tela é a de que dificilmente

se faz uma cópia dentro dos requisitos elencados, pois que dificilmente os

cinco requisitos são encontrados em conjunto.

Explica-se.

Para que se faça uma cópia legal, ela deve atender aos cinco

requisitos acima: ser uma reprodução de um só exemplar, de pequenos

trechos, para uso privado do copista, feita por ele pessoalmente e sem intuito

de lucro. O principal problema aqui é que não há uma definição, legal ou

jurisprudencial, sobre o que seria um “pequeno trecho”. Parece haver um

consenso entre os interessados nesse conceito de que pequeno trecho seria

no máximo 20% da obra. Mas não há, como se vê, qualquer trecho da lei que

especifique tal limite, sendo esta uma interpretação errada do dispositivo legal

(PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 76-77).

É válido ressaltar que, em comparação com o sistema de fair use

norte-americano, o brasileiro deixa bem menos espaço para que o magistrado

tenha liberdade de julgamento; a lei brasileira impõe um grau de restrição muito

alto, ao contrário do que faz a norte-americana, que define alguns limites, mas

deixa o magistrado livre para criar novos padrões31.

Outro problema é que a lei não faz distinção entre obras novas, recém-

publicadas, e obras raras, já fora de circulação, mas que ainda estão sob prazo

de proteção autoral.

Nesse caso, a lei torna-se extremamente injusta por não permitir a difusão do conhecimento por meio da cópia integral de obras, cuja reprodução não acarreta qualquer prejuízo econômico a seu autor, nem mesmo lucro cessante (PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 76).

31 “A questão é deveras interessante. Uma vez que a lei norte-americana, ao contrário da nossa, não indica que usos podem ser dados a obras alheias protegidas por direitos autorais sem que tal uso configure violação de tais direitos, é a partir de critérios construídos doutrinária e jurisprudencialmente que será consolidado o entendimento de o que é fair use.” BRANCO JUNIOR, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p. 73.

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Com tantas restrições impostas pela LDA, simples ações cotidianas se

tornaram ilegais. Por exemplo, o simples fato de se copiar um CD,

legitimamente adquirido, para o computador ou para o tocador de MP3 constitui

uma violação de direito autoral. O mesmo acontece caso se faça uma cópia

integral de um livro já esgotado na editora, fora de circulação comercial, que só

se encontra em acervos.

Referidas práticas somente se consolidam quando interpretadas de

acordo com os dispositivos da Constituição Federal que asseguram a função

social da propriedade intelectual e do direito autoral, em prol do interesse

público, mas a interpretação é certamente contrária à Lei de Direitos Autorais.

3.3. A reação da indústria de conteúdo: a ilegalidade das Techonological

Protection Measures32

A indústria de conteúdo, ao perceber que crescia entre os usuários da

Internet a cultura do compartilhamento, reagiu, com o objetivo de proteger seus

“bens imateriais”, e adotou mecanismos tecnológicos para inibir tal prática.

As technological protection measures, (TPMs) ou medidas de proteção

tecnológica, em português, são restrições tecnológicas inseridas nos arquivos

que contém obras comercializadas em formato digital com o objetivo de

restringir o uso que pode ser feito dessas obras.

E essas restrições tecnológicas podem aparecer das mais diversas

formas. Por exemplo: a indústria decidiu separar o mundo em regiões para a

fabricação de DVDs. Isso significa que um DVD fabricado dentro de uma região

só pode ser tocado em um player fabricado na mesma região. Então um DVD

legitimamente adquirido nos EUA não pode ser tocado no Brasil, pois os

aparelhos aqui são incompatíveis. Da mesma forma alguns CDs contêm certas

32 Um esclarecimento sobre a nomenclatura: As medidas tecnológicas aqui descritas são normalmente referidas como DRM (Digital Rights Management, ou gerenciamento de direitos digitais). No entanto, o verdadeiro DRM não é necessariamente prejudicial aos direitos dos consumidores. Ele pode simplesmente gerenciar informações sobre os conteúdos, como, no caso de CDs, o intérprete, ano de gravação, nome da faixa, entre outros. Portanto, para que não haja confusão, sempre que o leitor se deparar com o termo DRM, deve verificar se se trata realmente de gerenciamento ou de travas tecnológicas. Caso seja o segundo caso, deve considerar o termo correto, TPM. Nesse sentido: PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sergio. Direitos Autorais. Rio de Janeiro: Ed.: FGV, 2009, p. 87-88.

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restrições que provocam incompatibilidades com computadores, softwares ou

aparelhos de som.

Essa é uma das maiores críticas a tais medidas. A falta de

interoperabilidade, ou seja, um bem ou serviço adquirido de forma legítima de

uma determinada empresa que apenas pode ser reproduzido em uma

plataforma da mesma empresa gera problemas de direito da concorrência,

afetando a possibilidade de o consumidor ter acesso a uma maior diversidade

de bens e serviços. Por isso, há uma grande reclamação de entidades de

defesa do consumidor em relação ao uso dessas medidas restritivas

(PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 88).

E o problema das TPMs vai além da questão da restrição à cópia do

conteúdo. Passa por um problema que segurança informacional. Cory

Doctorow (2014) afirma que as TPMs são criadas sob a presunção de que os

usuários não o querem, e, se pudessem, eles as desabilitariam. Para que a

TPM funcione, não pode haver nenhum meio óbvio de remoção ou interrupção.

Ademais, um aumento na segurança das empresas de que o consumidor

compra mídias significa uma diminuição da segurança do próprio usuário, pois

quando o computador é programado para tratá-lo como parte não confiável,

qualquer pessoa pode injetar código malicioso em sua máquina apenas para

tirar vantagem dessa operação e tornar as coisas bem mais difíceis para o

usuário comprometido.

Entretanto, todas essas críticas nunca impediram que a indústria de

conteúdo se utilizasse de tais práticas. Pelo contrário, seu lobby fez com que

fossem aprovadas em diversos países leis que legitimam a prática.

Nos EUA, o DMCA, ou Digital Millenium Copyright Act, prevê, na seção

120133, as chamadas regras “anti-circumvention”, aquelas destinadas a

33 17 U.S. Code § 1201 - Circumvention of copyright protection systems: a) Violations Regarding Circumvention of Technological Measures.—(1)(A) No person shall circumvent a technological measure that effectively controls access to a work protected under this title. The prohibition contained in the preceding sentence shall take effect at the end of the 2-year period beginning on the date of the enactment of this chapter. (…)(b) Additional Violations.— (1) No person shall manufacture, import, offer to the public, provide, or otherwise traffic in any technology, product, service, device, component, or part thereof, that—(A) is primarily designed or produced for the purpose of circumventing protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title

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estabelecer penas para quem burlar a restrição tecnológica. No Brasil, a

própria Lei de Direitos Autorais34 também estabelece no artigo 107 que tal

prática constitui infração à legislação. Além dessas, o WIPO Copyright Treaty,

tratado de direitos autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual,

prevê que os países signatários deverão prover medidas legais de proteção às

tentativas de burlar as TPMs35.

O mais curioso disso é que o Brasil não é signatário desse tratado e

não teria obrigação de proteger as TPMs impostas pela indústria, mas mesmo

assim o faz, num flagrante desrespeito às liberdades individuais e num claro

contrassenso à sua postura de não signatário do dito tratado.

Apesar de leis referendarem a prática da utilização de TPMs, cabe

aqui uma forte crítica ao seu uso.

As TPMs são ilegais. O simples fato de elas não permitirem que

nenhum tipo de cópia do conteúdo seja feito vai de encontro às provisões de

fair use e exceções e limitações à proteção autoral, que permitem que cópias

sejam feitas sob determinadas circunstâncias. Ou seja, claramente uma afronta

à própria legislação autoral.

in a work or a portion thereof; (B) has only limited commercially significant purpose or use other than to circumvent protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title in a work or a portion thereof; or (C) is marketed by that person or another acting in concert with that person with that person’s knowledge for use in circumventing protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title in a work or a portion thereof. 34 Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem: I - alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia; II - alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia; III - suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos; IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização. 35 Article 11 - Obligations concerning Technological Measures - Contracting Parties shall provide adequate legal protection and effective legal remedies against the circumvention of effective technological measures that are used by authors in connection with the exercise of their rights under this Treaty or the Berne Convention and that restrict acts, in respect of their works, which are not authorized by the authors concerned or permitted by law.

70

70

E quando as travas tecnológicas impedem até as cópias autorizadas

por lei, quem perde é o consumidor, que tem seu direito tolhido por uma arma

utilizada pela indústria para controlar seu conteúdo protegido.

Eis, então, mais um mecanismo utilizado com o propósito de sobrepor

o direito autoral aos demais direitos fundamentais, como o acesso à informação

e à liberdade de expressão.

3.4. O papel do domínio público no processo de democratização da

informação

O ser humano sempre criou. E sua criatividade e suas criações não

são geradas a partir do zero. Ele sofre influência do meio em que vive e,

consequentemente, das criações que antecederam a sua. Aqui, pode-se aplicar

a velha máxima de Lavoisier: na cultura, nada se perde, tudo se transforma.

Portanto, todo criador refaz algo. Toda criação é, em certa medida, uma

derivação.

No entanto, sempre que o ser humano atravessou uma revolução tecnológica (o advento da imprensa no século XV, a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução da internet que agora vivemos), uma das consequências diretas foi a tentativa de proteger os direitos autorais. A cada ato de proteção, retira-se da sociedade, por outro lado, a liberdade de uso de determinadas obras. A experiência ao longo do último século foi no sentido de que quanto mais o tempo passa, menos ampla (juridicamente) se torna a possibilidade de acesso e de uso de obras alheias. (BRANCO, 2011, p. 57)

Conforme já visto anteriormente, há muitos autores favoráveis a um

maior acesso às obras intelectuais, de forma que os novos criadores se

aproveitem delas nas suas novas criações. Outros, ao contrário, defendem

uma maior valorização do direito de autor e, consequentemente, da restrição

de acesso da sociedade às obras protegidas. Mas o fato é que, independente

da posição defendida, o domínio público é elemento essencial na difusão do

conhecimento.

Mas o que é, em essência, o domínio público?

O domínio público nada mais é do que o repositório das obras

intelectuais que não estão protegidas por direito autoral (BRANCO, 2011, p.

57). Todas as obras pertencentes ao domínio público são acessíveis a todos

71

71

que desejarem, sem a necessidade de autorização prévia do autor, pois que

não mais subsistem os direitos dele exclusivos. Ao ingressar no domínio

público, é como se um ciclo se encerrasse. A obra retorna à sociedade, de

onde ela surgiu em virtude das influências carregadas pelos criadores, e pode

agora servir a novas criações.

Dessa forma, as obras podem sofrer qualquer modificação, podem ser

exploradas economicamente, isso tudo sem que seja devido qualquer valor ao

autor. O domínio público, então, “representa um regime de amplas liberdades

na utilização da obra autoral” (SOUZA, 2011, p. 670).

E qual seria a relação do domínio público com a efetivação dos direitos

fundamentais?

Primeiramente, estabelece Sérgio Branco que

as obras intelectuais são indispensáveis para a concretização dos princípios constitucionais de acesso ao conhecimento e à educação, cabendo ao domínio público o papel de grande manancial de obras livremente acessíveis e manipuláveis. (BRANCO, 2011, p. 70)

O acesso à educação é fundamental ao cidadão. Para que ele seja

concretizado, é necessário o material didático que se destinará a construir o

conhecimento do aluno com o passar dos anos. Sem acesso ao material

necessário, a educação fica comprometida, bem como todo o desenvolvimento

do aluno como cidadão. Na falta de material didático que lhe proporcione

conhecimento, fica comprometida, também, a capacidade de crítica e de

manifestação do aluno, componentes da liberdade de expressão assegurada

constitucionalmente.

Em segundo lugar, está a liberdade de criação do autor. A

Constituição Federal concede aos cidadãos a liberdade de criação intelectual.

Para que esta seja concretizada, é necessário o acesso às obras previamente

criadas, “pois é somente a partir da formação cultural do indivíduo que este

poderá criar suas próprias obras”36 (BRANCO, 2011, p. 74).

36 Sobre o tema: SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Abuso do Direito Autoral. Tese apresentada ao programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009. “Dentre as manifestações do princípio da liberdade estaria, evidentemente, a liberdade de criação intelectual,

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72

E Sérgio Branco arremata:

A efetividade do direito de liberdade de criação, tido como postulado da dignidade da pessoa humana, será alcançada por dois caminhos: o do acesso e o da liberdade de expressão. O primeiro é pressuposto do segundo. Apenas por meio do acesso às obras intelectuais alheias é que os autores poderão se expressar. Incluímos na classe dos autores todos aqueles que desejam criar obras intelectuais, mas sobretudo os alunos de qualquer instituição de ensino, pública ou privada, e de qualquer nível. Vê-se, assim, que o acesso às obras intelectuais – bem como a consequente liberdade de expressão – acaba por garantir ainda outros direitos fundamentais, como o direito à educação, à cultura e ao lazer, sem se esquecer da livre iniciativa, dentro dos limites autorizados pela lei. (BRANCO, 2011, p. 74)

Além disso, o domínio público é elemento fundamental para a

afirmação da função social dos direitos autorais, já que ele garante a utilização

das obras de forma mais ampla, ainda que isso só seja possível após o

decurso de um prazo que cada vez mais se alonga (SOUZA, 2011), por

interesses outros.

E quanto mais longo o prazo de proteção por direito autoral, mais

defasadas e distantes da realidade estão as obras que ingressam no domínio

público, levando este a ser conhecido como um mero repositório de obras

velhas (SOUZA, 2011).

No ano de 2010, foi publicado o Manifesto do Domínio Público37,

resultado de um grupo de trabalho da COMMUNIA, a Rede Temática Europeia

sobre o domínio público digital.

No texto, o domínio público “é definido como o substrato cultural livre

para ser usado sem restrições, sobre o qual não há proteção autoral”, além de

ser visto como essencial para o desenvolvimento social e o bem-estar

econômico das sociedades.

Neste trecho, o manifesto explica porque o domínio público deve ser a

regra e a proteção por direitos autorais, a exceção:

recebendo do ordenamento jurídico a devida tutela. Por outro lado, a integridade moral da pessoa também pode levar em conta a vinculação da personalidade do autor com a obra criada, sendo assim a tutela dos direitos morais uma forma de garantir essa integridade moral”. 37 Manifesto do Domínio Público. Disponível em http://www.publicdomainmanifesto.org/portuguese. Acesso em 14/07/2014.

73

73

1. O domínio público é a regra; a proteção dos direitos autorais é a exceção. Na medida em que a proteção de direitos autorais é concedida apenas a formas originais de expressão, a grande maioria dos dados, informações e ideias produzidas no mundo em certo momento pertence ao domínio público. Além das informações que não são passíveis de proteção, o domínio público é ampliado a cada ano por obras cujo prazo de proteção expira. A aplicação combinada dos requisitos de proteção e de uma duração limitada para a proteção de direitos autorais contribui para o enriquecimento do domínio público, garantindo maior acesso à nossa cultura e conhecimento compartilhados.

38

Percebe-se, com isso, que as mais diversas entidades internacionais

tem se dado conta da necessidade de prestar uma maior atenção à essa

preocupação excessiva com a proteção por direito autoral. Há que se fazer um

balanço entre essa proteção e os demais direitos fundamentais do homem.

38 Manifesto do Domínio Público. Disponível em http://www.publicdomainmanifesto.org/portuguese. Acesso em 14/07/2014.

74

74

Capítulo 4 Direitos Humanos, Propriedade Intelectual e Internet

“Be curious. Read widely. Try new things. What people call intelligence just boils

down to curiosity.”39

Aaron Swartz

4.1. Panorama de proteção internacional dos direitos humanos40

Conforme já visto anteriormente, os regimes de propriedade intelectual

dos países, em geral, tendem a uma superproteção dos direitos de autor, em

detrimento de outros direitos fundamentais que merecem também atenção por

serem constitucionalmente assegurados.

Nesse contexto, fazemos aqui a ponderação de como o sistema

internacional de direitos humanos pode contribuir para uma proteção da

propriedade intelectual, em especial dos direitos autorais, em uma perspectiva

emancipatória, ponderando entre o direito à propriedade intelectual e os

direitos sociais, econômicos e culturais.

Narra Flávia Piovesan (2007) que a chamada concepção

contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida pela

Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, é fruto do movimento

recente de internacionalização dos direitos humanos, originado no pós-guerra

como resposta às práticas condenáveis do nazismo. Segundo ela, “fortalece-se

a ideia de que a proteção aos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio

reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional.”

(PIOVESAN, 2007, p. 4)

Nessa esteira, primeiramente veremos como o sistema internacional de

direitos humanos trata a proteção por direito autoral, para, em seguida, fazer

sua relação com os demais direitos humanos aqui tratados.

39 Seja curioso. Leia muito. Tente coisas novas. O que as pessoas chamam de inteligência se resume apenas a curiosidade. (tradução livre) 40 Ver N.R. nº 29, p. 31.

75

75

4.1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

O primeiro documento internacional que trata o direito autoral como

direito humano é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)41, em

seu artigo 27.

De acordo com o parágrafo 2 do dispositivo, “Toda pessoa tem direito à

proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção

científica, literária ou artística da qual seja autor”.

Curiosamente, no parágrafo anterior, estabelece-se o direito de

participação na vida cultural da comunidade, bem como da fruição das artes e

do progresso científico.

Mas este parágrafo tem uma explicação histórica. A DUDH foi escrita

menos de três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Os perdedores da

guerra haviam abusado da ciência e da tecnologia, bem como da propaganda

baseada em direitos de autor para fins abomináveis. Esse abuso teria que ser

evitado no futuro, e a melhor forma encontrada para isso foi o reconhecimento

de que todos teriam direito aos benefícios dele decorrentes, bem como todos

os que fizessem contribuições teriam direito à proteção. (TORREMANS, 2007,

p. 275)

Assim, o que a DUDH faz é afirmar a existência dos Direitos Humanos

independente de implementação ou mesmo de reconhecimento destes nos

países individualmente considerados (CHAPMAN, 1998, p. 132). Não são

apenas acordos políticos, mas normas que criam obrigações aos países

signatários de proteger e apoiar tais direitos, pois que estes tem a obrigação de

agir no melhor interesse da humanidade (TORREMANS, 2007, p. 275). Ainda,

o documento em tela acaba por adotar os princípios da universalidade,

indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos (PIOVESAN, 2007, p.

3).

Em virtude desta universalidade, então, os benefícios produzidos para

todos deveriam ir além das aplicações da propriedade intelectual, ou seja, dos

41 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 15/07/2014.

76

76

bens e serviços tornados disponíveis como resultado, mas deveriam abarcar

também a fruição das artes e especialmente a participação na vida cultural da

sociedade (TORREMANS, 2007, p. 275).

Quanto ao parágrafo 2 do artigo 27 supra citado, é justo dizer que o

mesmo reconhece o direito de autor como direito humano. E as raízes

históricas deste dispositivo remontam a duas situações. A primeira, da

delegação francesa, que sugeriu uma abordagem em que se enfatizam os

direitos morais do autor, centrados na sua habilidade de controlar as alterações

feitas no trabalho e de interromper usos indevidos do mesmo. A segunda, a

sugestão de algumas delegações de harmonizar o conteúdo da DUDH com o

contido na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem42, que

havia sido aprovada em Bogotá, na mesma conferência que criou a

Organização dos Estados Americanos. Outros membros do comitê de redação

da DUDH expressaram sua vontade de usar a autoridade moral da

Organização das Nações Unidas para proteger todas as formas de trabalho,

seja intelectual ou manual. Mas também houve críticas. Alguns membros

afirmavam que não havia necessidade de proteção especial da propriedade

intelectual além da proteção à propriedade já garantida pelo texto, no artigo 17,

assim como consideravam tal proteção especial uma perspectiva elitista

(CHAPMAN, 1998). Apesar disso, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações

Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Uma ponderação a respeito disso merece destaque. Alguns estudiosos

não consideram que esse seja o argumento mais forte a favor do status de

direito humano dos direitos autorais. E isso se explica muito pelo fato de que a

DUDH, por ser um instrumento que provém da Assembleia Geral das Nações

Unidas, não teria força de lei, mas apenas uma de sugestão ou um conselho

(TORREMANS, 2007, p. 277). Entretanto, é sabido que a DUDH vem tomando

status de direito costumeiro internacional e é considerada a maior fonte de

normas sobre direitos humanos (CHAPMAN, 1998), sendo, ainda, o documento

a partir do qual se desenvolve o Direito Internacional dos Direitos Humanos

42 Disponível em http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/b.Declaracao_Americana.htm. Acesso em 16/07/2014.

77

77

(PIOVESAN, 2007, p. 6). Isso fez muito pelo reconhecimento do direito autoral

como direito humano, apesar de os direitos econômicos, sociais e culturais

ainda serem vistos como dispositivos mais fracos do que aqueles relacionados

aos direitos civis e políticos (TORREMANS, 2007).

Com todos esses argumentos, fica clara a noção de que é necessário

um equilíbrio entre os conceitos expressos no parágrafo 1 e no parágrafo 2.

4.1.2. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(PIDESC)43 é visto como uma continuação das ações iniciadas pela Declaração

Universal dos Direitos Humanos, mas como tem a forma de tratado, impõe aos

países signatários a obrigação de implementar seus dispositivos no sistema

legislativo interno de cada um (TORREMANS, 2007).

O Brasil é signatário do PIDESC, e sua adoção no ordenamento

jurídico nacional se deu através do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992.

O dispositivo do PIDESC relevante a esse estudo é o artigo 15, que

afirma:

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de: a) Participar da vida cultural; b) desfrutar o progresso científico e suas aplicações; c) beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito aquelas necessárias à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura. 3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora. 4. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura.

44

43

Texto disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 16/07/2014. 44 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 16/07/2014.

78

78

Verifica-se que o referido dispositivo estabelece a proteção aos direitos

de autor, mas também consagra o direito difuso ao desfrute dos progressos

científicos.

Em novembro de 2005, o Comitê sobre os Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, órgão de monitoramento do PIDESC, adotou a

Recomendação Geral nº 1745, que dispõe sobre o direito de qualquer autor de

se beneficiar da proteção moral e material de produções artísticas, científicas

ou literárias.

Piovesan afirma que

(...) o Comitê ressaltou a necessidade de se alcançar um balanço adequado entre, de um lado, a proteção aos direitos do autor, e, por outro, a promoção e a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais assegurados no Pacto. (PIOVESAN, 2007, p. 14)

E complementa:

Para o Comitê os interesses privados do autor não podem impedir que os Estados implementem as obrigações internacionais decorrentes do Pacto em relação aos direitos à alimentação, saúde e educação, bem como aos direitos à cultura e ao desfrute dos progressos científicos, compreendidos sob uma ótica coletivista e de interesse público. (PIOVESAN, 2007, p. 14)

Em essência, há a obrigação de se adotar o direito autoral como direito

humano e implementar ações à sua proteção. Porém, também é concedida aos

Estados uma grande liberdade na forma como essa implementação deve ser

feita, o que não é aproveitado por eles, visto que há um protecionismo cada

vez maior do direito de autor nos ordenamentos jurídicos nacionais, conforme

será analisado com mais detalhes mais adiante.

O Comitê frisa, ainda, a função social da propriedade intelectual,

afirmando que os Estados-partes devem evitar a cobrança de altos preços para

45 UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). General Comment No. 17: The Right of Everyone to Benefit from the Protection of the Moral and Material Interests Resulting from any Scientific, Literary or Artistic Production of Which He or She is the Author (Art. 15, Para. 1 (c) of the Covenant). Disponível em http://www.refworld.org/publisher,CESCR,GENERAL,,441543594,0.html. Acesso em 16/07/2014.

79

79

o acesso a, entre outras coisas, livros didáticos e material de ensino,

dificultando o acesso de grande parcela da população à educação46.

4.1.3. Outros instrumentos internacionais

Há diversas considerações feitas por outros órgãos internacionais no

que concerne aos direitos humanos ora tratados.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura, UNESCO, é um deles. Na Declaração sobre a ciência e o uso do

conhecimento científico47, adotada pela Conferência de Budapeste, em 01 de

julho de 1999, o órgão considera a grande possibilidade de a ciência produzir

avanços ao crescimento econômico, ao desenvolvimento humano sustentável e

à redução da pobreza, razão pela qual há um forte encorajamento de remoção

das barreiras ao sistema educacional e de pesquisa.

Para a UNESCO, o futuro da humanidade mostra-se cada vez mais condicionado à produção, à distribuição e ao uso equitativo do conhecimento, em uma sociedade global. Na ordem contemporânea, o bem estar social e o direito ao desenvolvimento estão condicionados à informação, ao conhecimento e à cultura. Neste contexto, o direito ao acesso à informação surge como um direito humano fundamental. (grifo nosso) (PIOVESAN, 2007, p. 15)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos endossa essa

perspectiva, afirmando que o direito à informação é pressuposto e condição

para a existência de uma sociedade livre48.

Como se percebe, começa a surgir por parte dos organismos

internacionais as diretrizes no sentido de: (1) sim, o direito autoral é um direito

46 UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). General Comment No. 17: The Right of Everyone to Benefit from the Protection of the Moral and Material Interests Resulting from any Scientific, Literary or Artistic Production of Which He or She is the Author (Art. 15, Para. 1 (c) of the Covenant), p. 9. Disponível em http://www.refworld.org/publisher,CESCR,GENERAL,,441543594,0.html. Acesso em 16/07/2014. 47 O texto da Declaração consta em: A ciência para o século XXI: uma nova visão e uma base de ação. Brasília: UNESCO, ABIPTI, 2003, p. 25-41. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131550por.pdf. Acesso em 16/07/2014. 48 “Freedom of expression is a cornerstone upon which the very existence of a democratic society rests. It is indispensable for the formation of public opinion. It is also a conditio sine qua non for the development of political parties, trade unions, scientific and cultural societies and, in general, those who wish to influence the public. It represents, in short, the means that enable the community, when exercising its options, to be sufficiently informed. Consequently, it can be said that a society that is not well informed is not a society that is truly free”. Advisory Opinion OC-5/85, November 13, 1985, par. 70. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_05_ing.pdf. Acesso em 16/07/2014.

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80

fundamental, assim como o são a liberdade de expressão, o acesso à

informação e os direitos sociais, como o acesso à cultura e à educação; (2) os

Estados precisam respeitar a função social da propriedade intelectual,

cuidando para que esta não ultrapasse os demais direitos fundamentais a ela

relacionados; (3) há que se buscar um equilíbrio adequado entre a proteção por

direitos de autor e os direitos sociais assegurados pelo Pacto Internacional de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelos demais instrumentos

legislativos internacionais de proteção dos direitos humanos; (4) o direito ao

acesso à informação é considerado direito humano fundamental em uma

sociedade global, em que o desenvolvimento depende cada vez mais da

produção, distribuição e uso do conhecimento.

Entretanto, apesar de todas essas recomendações, um grupo de

países tenta negociar um novo tratado, que seria por demais prejudicial ao

interesse público, em matéria de propriedade intelectual e acesso ao

conhecimento e à cultura. Tal instrumento é o Trans-Pacific Partnership

Agreement, ou TPP49.

O TPP não tem tido uma negociação transparente, sendo essa uma

das grandes críticas ao tratado, mas sabe-se que vem sendo negociado entre

Estados Unidos, Nova Zelândia, Brunei, Austrália, Chile e Malásia e que

pretende restringir ainda mais o acesso a bens culturais protegidos por direito

autoral.

Através de documentos vazados em 201150, a organização Public

Knowledge fez algumas suposições sobre o que trata o texto do TPP:

(a). O TPP daria a detentores de direitos autorais o poder sobre "buffer

copies", aquelas pequenas cópias que os computadores precisam fazer no

processo de transferência de dados. Com a proteção da cópia do buffer, muito

mais transações exigiriam uma licença do detentor dos direitos de autor e

muitos outros usos exporiam os consumidores à responsabilidade;

49 Informações disponíveis em http://tppinfo.org/. Acesso em 17/07/2014. 50 Disponíveis em http://tppinfo.org/resources/leaked-texts-country-info/. Acesso em 17/7/2014.

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(b). O TPP impediria os usuários de quebrar os famosos DRMs,

mesmo que os utilizadores pretendessem fazer uso não violador da obra

protegida;

(c). O TPP pode fazer do download de músicas um crime. A polícia

poderia apreender um computador, sob o argumento de que auxiliaria neste

crime, e enviar o usuário final para a cadeia por download. As normas penais

do TPP vão além da lei dos EUA e imporiam regras semelhantes em outros

países.

(d). O TPP encorajaria os provedores de conexão a instituir medidas

como os "três strikes", que derrubaria a conexão de internet dos usuários após

acusações de violação e os sujeitaria à inspeção profunda de pacotes.

(e). A proposta vazada não tem limitações e exceções para usos, tais

como o fair use, o uso para preservação por bibliotecas e a utilização de obras

em formatos acessíveis por pessoas com deficiência. O projeto tem apenas um

espaço reservado em que estas normas podem ser adicionadas mais tarde.

Ou seja, pelas (poucas) informações disponíveis, já se pode ter uma

ideia de que o TPP não segue as diretrizes dos demais organismos

internacionais de um incentivo a uma maior abertura, privilegiando o acesso à

informação.

Em virtude disso, em 09 de julho de 2014, diversas organizações

internacionais de defesa dos direitos civis enviaram uma carta aos países

negociadores do tratado51, num clamor pela não aprovação da extensão dos

termos da proteção por direito autoral para acima do mínimo estabelecido pelo

acordo TRIPS, que é a vida do autor mais 50 (cinquenta) anos, pois tal

extensão seria de grande dano ao interesse público em geral.

4.1.4. Legislações nacionais

As recomendações feitas pelos organismos internacionais

apresentadas acima não vêm sendo muito bem observadas pelos

51 Disponível em https://www.eff.org/files/2014/07/08/copyrightterm_tppletter_print-fnl.pdf. Acesso em 17/07/2014.

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82

ordenamentos jurídicos nacionais. Pelo contrário, há ainda uma visão limitada

de proteção a todo custo do direito autoral, em detrimento e sem o menor

respeito aos demais direitos fundamentais ora expostos.

No Brasil, por exemplo, a Lei de Direitos Autorais em vigor é a mais

restritiva dentre todas as anteriores. A Lei nº 5988/7352, que regia os direitos

autorais antes da atual lei, permitia a reprodução de um exemplar inteiro da

obra alheia, desde que não se destinasse a atividade lucrativa. A lei atual não

abarca esse caso, permitindo apenas a cópia de pequenos trechos para uso

privado do copista.

Nos EUA, apesar da existência do mecanismo do fair use, conforme já

explicitado, este tende a não ser respeitado, principalmente pelos grandes

grupos de mídia, que se valem da legislação, em especial do DMCA, para

restringir cada vez mais o acesso a conteúdo protegido.

E para demonstrar a enorme influência dos grandes grupos de mídia

nesta matéria, basta citar o Copyright Term Extension Act53, lei norte-

americana que ficou conhecida também como Lei Mickey Mouse, pois a Disney

tinha total interesse na aprovação da lei54, considerando que seu principal

personagem, o Mickey Mouse, ingressaria em domínio público alguns anos

depois. A lei, então, foi aprovada em 1998, estendendo o prazo da proteção por

direito autoral de 50 para 70 anos após a morte do autor.

Em 2012, houve a tentativa de aprovação, no Congresso norte-

americano, de duas leis de matéria de propriedade intelectual: os famosos

SOPA e PIPA.

52 Lei já revogada, porém disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5988.htm. Acesso em 16/07/2014. 53 Texto disponível em http://www.copyright.gov/legislation/s505.pdf. Acesso em 16/07/2014. 54 Lessig explica: “In the lobbying that led to the passage of the Sonny Bono Copyright Term Extension

Act, this “theory” about incentives was proved real. Ten of the thirteen original sponsors of the act in the House received the maximum contribution from Disney’s political action committee; in the Senate, eight of the twelve sponsors received contributions. The RIAA and the MPAA are estimated to have spent over $1.5 million lobbying in the 1998 election cycle. They paid out more than $200,000 in campaign contributions.4 Disney is estimated to have contributed more than $800,000 to reelection campaigns in the 1998 cycle”. LESSIG, Lawrence. Free culture: the nature and future of creativity. New York: The Penguin Press, 2004, p. 218.

83

83

O SOPA, ou Stop Online Piracy Act, era um projeto de iniciativa da

House of Representatives, equivalente à Câmara dos Deputados brasileira,

enquanto o PIPA, ou Protect IP Act, era seu correspondente no Senado norte-

americano. Ambos delineavam basicamente as mesmas situações: permitiam a

censura online em escala massiva, e ameaçavam quebrar a internet, tudo em

nome do cumprimento dos direitos de propriedade intelectual55.

Ambos os projetos de lei teriam dispositivos que criariam uma lista

negra de sites que infringissem direitos autorais, e tais dispositivos

abrangeriam inclusive sites estrangeiros56. Uma verdadeira aberração jurídica

em que uma lei aprovada em outro país teria aplicação extraterritorial.

As empresas que apoiavam os projetos eram, em essência, aquelas

grandes corporações de mídia norte-americanas57, que desejam cada vez mais

controle sobre o que dizem ser de sua propriedade.

Já dentre as empresas contrárias aos dois projetos de lei estavam as

grandes corporações de tecnologia58, como Facebook, Wikipedia, Twitter,

Google, além de organizações de direitos humanos, como Electronic Frontier

Foundation, Repórteres sem Fronteiras, entre outras.

Após a organização das instituições que se opunham ao projeto, em 18

de janeiro de 2012 foi realizado o grande blackout na Internet, em que sites

como a Wikipedia foram retirados do ar por 24 (vinte e quatro) horas, outros

apresentavam em suas páginas iniciais uma grande tarja preta e dizeres em

favor do protesto e contra a adoção das referidas leis59. O protesto foi suficiente

para modificar os votos de congressistas que já haviam declarado seu apoio

aos projetos, fazendo com que não mais fosse possível sua aprovação, razão

pela qual eles tiveram sua votação suspensa.

55 https://www.eff.org/issues/coica-internet-censorship-and-copyright-bill. Acesso em 17/07/2014. 56 Ibidem. 57Disponível em: http://www.theglobalipcenter.com/sites/default/files/pressreleases/letter-359.pdf. Acesso em 17/07/2014. 58

Carta enviada por elas ao Congresso dos EUA disponível em http://www.protectinnovation.com/downloads/letter.pdf. Acesso em 17/07/2014. 59http://www.nytimes.com/2012/01/20/technology/public-outcry-over-antipiracy-bills-began-as-grass-roots-grumbling.html?pagewanted=1&ref=technology&_r=0. Acesso em 17/07/2014.

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É por esse tipo de iniciativa, sempre apoiada pelas grandes

corporações de mídia, que se pode atestar a falta de equilíbrio entre os

interesses em jogo quando se fala de propriedade intelectual, nesse caso,

direitos autorais especificamente. E também por isso se verifica que os direitos

autorais hoje servem aos detentores dos direitos patrimoniais, que podem e

controlam a exploração dos bens protegidos, e não aos autores de fato, que

muitas vezes nada ganham com isso.

Nessa esteira, apresentaremos como exemplo um caso emblemático

bem recente: a perseguição a Aaron Swartz.

4.2. O caso Aaron Swartz: quando a perseguição a valores equivocados

termina em tragédia60

Aaron Swartz era um gênio da computação. Desde criança despertou

interesse por computadores, encorajado por seu pai. Uma grande mente da

tecnologia.

Aos 14 (quatorze) anos, foi coautor do sistema RSS (Really Simple

Syndication), que serve para agregar conteúdo de sites que são

constantemente atualizados, enviando ao usuário as referidas atualizações. E

desde então, sua meta era compartilhar conteúdo. Aaron nutria uma paixão

pela liberdade e isso se refletia no seu trabalho, buscando sempre por

ferramentas colaborativas em essência (SILVEIRA, 2013, p. 7).

Além dessa, ele foi coautor de outras ferramentas e sites. Entre eles, o

Reddit, a empresa Infogami, que deu suporte ao projeto Open Library, do portal

Internet Archive, o Creative Commons, em parceria com Lawrence Lessig,

Watchdog.net, que objetivava agregar e visualizar dados sobre políticos, e, em

2010, ele ajudou a fundar a Demand Progress, que se dedicava à reforma

política do governo e à luta pelas liberdades civis e foi uma das organizações

que tomou a frente pelo protesto contra o SOPA e o PIPA e conseguiu, através

60

Muitas das informações aqui narradas estão descritas no documentário “The Internet’s Own Boy: The History of Aaron Swartz”, dirigido e produzido por Brian Knappenberger e lançado em 27 de junho de 2014. O filme está disponível na internet, licenciado em Creative Commons, em: https://archive.org/details/TheInternetsOwnBoyTheStoryOfAaronSwartz. Acesso em 06/07/2014.

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dos seus esforços de mobilização popular, derrubar os apoios e tirar ambos os

projetos de pauta.

Mas Swartz se incomodava bastante com a apropriação do

conhecimento. Ele nunca restringiu acesso aos códigos de sua autoria e não

gostava de se deparar com essas situações no dia a dia.

Em 2008, ele se utilizou de um script para fazer download de

documentos dos sistema PACER, um sistema do Poder Judiciário norte-

americano, que exigia uma cobrança online antes de conceder acesso aos

interessados. Ocorre que os documentos, em essência, são públicos, por

serem parte do poder público, razão pela qual ele não aceitava a cobrança

para acesso a eles. Assim, chamou a atenção da polícia federal, o FBI, chegou

a ser investigado, mas seu processo foi arquivado por falta de apresentação de

denúncia contra ele (SILVEIRA, 2013, p. 9).

No mesmo ano, Swartz apresentou o Guerilla Open Access

Manifesto61, propondo uma insurgência cívica contra a apropriação do

conhecimento:

Informação é poder. Mas como todo poder, há aqueles que querem mantê-lo para si. Todo o patrimônio científico e cultural do mundo, publicado ao longo dos séculos, em livros e revistas, está sendo cada vez mais digitalizado e trancafiado por um punhado de corporações privadas. Quer ler os textos que apresentam os mais famosos resultados das ciências? Você vai precisar enviar enormes quantias para editoras como a Reed Elsevier.

(...)

Precisamos pegar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-las com o mundo. Precisamos pegar o material que está fora de copyright e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bases de dados secretas e coloca-las na web. Precisamos baixar revistas científicas e enviá-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerilla Open Access. (tradução nossa)

62

61 Disponível em https://archive.org/stream/GuerillaOpenAccessManifesto/Goamjuly2008_djvu.txt. Acesso em 18/07/2014. 62 Texto original: “Information is power. But like all power, there are those who want to keep it for

themselves. The world's entire scientific and cultural heritage, published over centuries in books and journals, is increasingly being digitized and locked up by a handful of private corporations. Want to read the papers featuring the most famous results of the sciences? You'll need to send enormous amounts to publishers like Reed Elsevier”. “We need to take information, wherever it is stored, make our copies and share them with the world. We need to take stuff that's out of copyright and add it to the archive. We need to buy secret databases and put them on the Web. We need to download scientific journals and

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Daí se percebe a disposição de Swartz para realmente lutar contra a

apropriação e o enclausuramento do conhecimento.

Então, em 2010, utilizando-se novamente de um script, Swartz

posicionou um computador portátil dentro da sala de servidores do Instituto de

Tecnologia de Massachusets (MIT), para, através da rede wifi aberta do

Instituto, baixar milhões de artigos da editora de revistas acadêmicas JSTOR.

Segundo as informações, a JSTOR detectou o script e bloqueou o endereço IP.

Porém, Swartz modificou o endereço IP para driblar os bloqueios da JSTOR e

do MIT e prosseguiu com o download. O MIT posicionou uma câmera

escondida na sala dos servidores da universidade e conseguiu captar a

imagem de Swartz quando ele se dirigiu até lá para trocar o HD do computador.

O governo norte-americano, então, iniciou uma caçada a Swartz,

alegando que ele efetuou os downloads para disponibilizar os arquivos em

redes peer-to-peer. Entretanto, a JSTOR reconheceu que o conteúdo baixado

não chegou a ser distribuído, razão pela qual pediu que as queixas contra

Swartz fossem arquivadas.

Mas os promotores designados para condução do caso não

entenderam assim e resolveram continuar com o processo contra Swartz. Para

eles, o download de milhões de artigos é considerado crime punível com pena

de prisão. Mas o mais interessante é que Swartz, como aluno do MIT, tinha

acesso livre ao banco de dados da JSTOR, assim como de diversas outras

editoras. A atitude criminosa seria a automatização dessa conduta através do

script (SILVEIRA, 2013, p. 7).

A promotoria queria que Swartz fosse punido exemplarmente e pediu

uma condenação de 35 anos de prisão, segundo eles, para desestimular a

violação dos direitos autorais. Swartz teve 13 (treze) denúncias contra si, entre

elas as de invasão de computador e de fraude.

upload them to file sharing networks. We need to fight for Guerilla Open Access”. Disponível em: https://archive.org/stream/GuerillaOpenAccessManifesto/Goamjuly2008_djvu.txt. Acesso em 18/07/2014.

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Entretanto, o consultor e perito em segurança da informação, Alex

Stamos, afirma que Swartz não cometeu qualquer crime perante a legislação

norte-americana. Afirma ele:

Aaron não “hackeou” o site da JSTOR, sob todas as definições razoáveis de hackeamento. Aaron escreveu um punhado de scripts básicos em Python que revelaram as URLs dos artigos de periódicos e, em seguida, usou cURL para requisitá-los. Aaron não usou parâmetros de adulteração, nem quebrou um CAPTCHA, ou fez qualquer coisa mais complicada do que usar linhas de comando básicas que baixam um arquivo da mesma forma que clicar com o botão direito do mouse e escolher “salvar como” do seu navegador favorito (STAMOS, 2013).

Os promotores chegaram ainda a oferecer um acordo a Swartz: ele

poderia pegar apenas 6 (seis) meses de prisão caso se considerasse culpado

de todas as acusações. Nessas condições, o acordo foi por ele rejeitado, pois

que lhe seria penoso demais se acusar de condutas que ele não considerava

ilegais.

Sendo as legislações de copyright norte-americanas a principal razão

para essa persecução a Swartz, percebe-se uma enorme inversão dos valores,

a vontade de assegurar o controle das fontes de criação do conhecimento.

Entretanto, o comportamento da promotoria é inexplicável por diversos fatores,

mas ainda mais porque a JSTOR pediu que as queixas fossem arquivadas.

Ela, que seria a mais interessada na continuação do processo, por ter sido a

vítima, não foi ouvida pela promotoria.

Tal processo se desencadeou de forma tão dolorida para Swartz que,

em 11 de janeiro de 2013, ele foi encontrado morto no apartamento em que

morava em Nova York. Swartz tirou a própria vida como resultado de uma

perseguição ao que ele considerava seus maiores ideais.

O que se percebe de toda essa história é que há ainda uma

supremacia dos direitos autorais sobre outras liberdades individuais. E mais

ainda, que as ações praticadas pela Internet, pelos ditos hackers, são vistas

com outros olhos por aqueles que têm o poder de decisão, em qualquer

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instância. Como se houvesse uma inversão do princípio da presunção de

inocência63, um dos nortes de todo Estado democrático.

4.3. A necessária reforma da LDA

O mundo precisa mudar e se adaptar ao surgimento das novas

tecnologias. O direito é sempre a ferramenta que mais demora a se atualizar, e

muitas vezes, quando o faz, já nasce velha. O Brasil passa por um período de

adaptação a essa nova sociedade que surge com o advento da Internet.

Recentemente, como dito antes, foi aprovado o Marco Civil da Internet, Lei nº

12.965, que estabelece direitos e deveres para usuários, prestadores de

serviço e o governo na Internet no Brasil. Agora, entra em campo a batalha

pela sua regulamentação. Para completar a gama de legislações necessárias a

uma boa convivência no ciberespaço, devem ser aprovadas, ainda, a lei de

proteção de dados pessoais, cujo anteprojeto está ainda no Poder Executivo64,

e a nova lei de Direitos Autorais, que aqui merece um maior destaque.

A Lei de Direitos Autorais (LDA) vigente no Brasil foi editada na década

de noventa como resultado de um movimento internacional de reforma dos

sistemas de propriedade intelectual, buscando sua adequação ao acordo

TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)65,

da Organização Mundial do Comércio66.

63

Art. 5º, LVII, da Constituição Federal do Brasil: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo XI, 1: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”; Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, artigo 8º, 2: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. 64 Segundo matéria do site IDG Now, O texto já finalizado pelo Ministério da Justiça, encontra-se no Ministério do Planejamento para última análise, antes de ser encaminhado ao Congresso. Disponível em: http://idgnow.com.br/blog/circuito/2014/04/29/o-marco-civil-e-a-protecao-dos-seus-dados-pessoais-o-que-muda/#sthash.kMSgX72q.dpuf. Acesso em 18/07/2014. 65 Texto completo disponível em http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/27-trips.pdf. Acesso em 18/07/2014. 66 O professor José de Oliveira Ascensão, em artigo sobre a reforma da LDA brasileira, afirma: “Mas o fundamento em convenções internacionais é ainda um fundamento positivo, ao sabor dos interesses internacionais hegemônicos. Neste domínio, são hoje inevitáveis as questões que possam resultar do ADPIC / TRIPS de 1994, Acordo anexo ao Tratado que criou a Organização Mundial do Comércio. Incorporou as disposições substantivas da Convenção de Berna 2 e desenvolveu-as, pelo prisma do comércio internacional. Passou com isto a ser a entidade determinante a nível global sobre o Direito Intelectual Internacional, dados os poderes de imediata vinculação de que desfruta. Os Estados não têm

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Dessa forma, foi implantada uma visão maximalista de proteção dos

direitos autorais, o que restringiu drasticamente o acesso necessário aos bens

intelectuais para a promoção do acesso ao conhecimento e à cultura

(WACHOWICZ, 2010).

Por outro lado, a LDA não tomou conhecimento das novas tecnologias

e de seu impacto na sociedade; não previu a revolução que estaria por vir,

tanto na forma de as pessoas se comunicarem, quanto nas novas

possibilidades de criação e distribuição proporcionadas pelo ambiente da

Internet.

Mas não só por isso a LDA precisa ser reformada. O professor José de

Oliveira Ascensão aponta mais algumas razões pelas quais a LDA brasileira

merece modificações.

Além do interesse público consagrado pela Constituição e sustentado

pela legislação infraconstitucional, e já anteriormente referidos, ele salienta dois

deles: o abuso de direito e a função social (ASCENSÃO, 2010, p. 19).

O abuso de direito, segundo ele, “reside em um direito ser utilizado,

não para a obtenção da vantagem para que foi concedido, mas como uma

arma contra terceiros ou contra o interesse geral” (ASCENSÃO, 2010, p. 19).

Já a função social diz respeito à forma como deve ser exercido o direito

autoral, qual seja, “de maneira que a vantagem pessoal se combine com a

social” (ASCENSÃO, 2010, p. 19). Para Ascensão, o direito exclusivo que

advém do direito autoral deve encontrar um limite na sua própria função. E a lei

deve esclarecer esse limite, sob pena de redução desse direito patrimonial a

um monopólio sem qualquer justificação (ASCENSÃO, 2010, p. 20).

Uma das principais modificações a serem instituídas na LDA é em

relação ao capítulo de exceções e limitações ao direito autoral, hoje expresso

entre os artigos 46 e 48 da lei.

opção real, porque a alternativa é ficarem privados de participar do comércio internacional, o que hoje não é hoje sequer concebível.” ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito Autoral Numa Perspectiva De Reforma. In: WACHOWICZ, Marcos; SANTOS, Manoel Joaquim Pereira dos. (Org.). Estudos de Direito de Autor: A Revisão da Lei de Direitos Autorais. Florianópolis: Ed. Boiteux, 2010. p. 17.

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A LDA é constantemente criticada pelo seu excesso de restrição nesse

aspecto. A Convenção de Berna67, em seu artigo 9, II68, estabelece apenas um

mínimo de limitações que podem ser aplicadas pelos Estados, cumprindo a

chamada “regra dos três passos”, que são:

(a). Podem ser previstas exceções em certos casos especiais;

(b). Desde que esta reprodução não prejudique a exploração normal da

obra;

(c). Nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do

autor.

Contudo, a lei brasileira não se aproveita desse mínimo exigido pela

Convenção e restringe demais os usos livres das obras protegidas. Assim, atos

corriqueiros e que representam a efetivação do princípio da função social dos

direitos autorais são considerados infrações à lei, tais como: cópia para

preservação ou para fins didáticos, inclusive por meio de digitalização; cópia

privada, mesmo de obras que estejam fora de circulação comercial; exibição de

filmes em sala de aula; entre outras.

Assim, enquanto a tecnologia é capaz de ampliar o acesso ao

conhecimento, promovendo a inclusão social, e, ainda, criando novas formas

de produção cultural, a partir da criação e troca de bens intelectuais, a as

regras atuais da legislação brasileira colocam na ilegalidade atos simples como

copiar um CD legitimamente adquirido para um computador69.

Na pesquisa IP Wachlist 201270, realizada pela entidade Consumers

International, federação que agrega entidades de defesa do consumidor de

todo o mundo, entre elas, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

67 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D75699.htm. Acesso em 22/07/2014. 68 Texto completo: “2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.” 69 Direitos autorais em reforma. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, Centro de Tecnologia e Sociedade. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2011, p. 46. 70 Relatório disponível em http://a2knetwork.org/sites/default/files/IPWatchlist-2012-ENG.pdf. Acesso em 22/07/2014. Para ver as respostas sobre o Brasil, especificamente: http://a2knetwork.org/reports/brazil. Acesso em 22/07/2014.

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(IDEC), o Brasil aparece com o 5º pior colocado entre os sistemas de direito

autoral do mundo.

A pesquisa leva em consideração questões como as possibilidades

trazidas pela lei autoral para o acesso dos consumidores a produtos e serviços

culturais, exceções e limitações para uso educacional das obras,

acessibilidade, adaptação das leis às tecnologias digitais e utilização privada

dos bens culturais.

Mas não deveria ser novidade o referido resultado, visto que a lei

brasileira não se mostra aberta a nenhum uso livre das obras protegidas, nem

para uso educacional, nem ao menos para conservação de obras fora de

circulação comercial.

É bastante difícil falar em função social do direito autoral no Brasil,

tendo em vista tantas restrições. Porém,

A demanda por acesso ao conhecimento precisa ser reconduzida ao próprio cerne da proteção da autoral (sic), compondo assim o equilíbrio com os interesses privados. Essa empreitada é guiada geralmente pela afirmação de que o exercício do direito de exclusividade, derivado da função promocional, não é absoluto, encontrando restrições intrínsecas, ou seja, dentro da própria conformação do direito autoral. (SOUZA, 2011, p. 665) (grifo nosso)

Para que o uso livre das obras protegidas seja expandido, é necessária

a inclusão de algumas medidas na nova lei, como por exemplo:

a) Ampliação da limitação já existente a deficientes visuais para outros

tipos de deficiência, além de outras formas de utilização que não

somente a reprodução, já prevista em lei, mas também a

distribuição e a colocação à disposição do público;

b) Viabilização da cópia privada, inclusive por meio digital;

c) Viabilização da alteração de formato, para que problemas com

interoperabilidade entre sistemas sejam superados;

d) Permitir a reprodução, preservação e arquivamento para que

instituições museológicas, como bibliotecas, museus, arquivos

públicos e centros de documentação possam melhor conservar

seus acervos;

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92

e) Permitir a reprodução, sem finalidade comercial, de obra esgotada

ou fora do catálogo comercial das editoras;

f) Ampliar a possibilidade de execução pública, em recesso familiar ou

para fins didáticos ou difusão cultural.

Para o caso das bibliotecas, há ainda outras possibilidades que, se

contempladas pela lei, trariam um benefício ainda maior ao público. O simples

fato de a biblioteca poder emprestar seus livros por meio de cópias digitais já

ampliaria muito o escopo da sua atuação, sem que os usuários da biblioteca

fiquem reféns da quantidade limitada de exemplares físicos das obras. Da

mesma forma, cópias digitais poderiam ser disponibilizadas entre bibliotecas, a

fim de que pesquisadores de outras localidades pudessem ter acesso à obra

sem maiores dificuldades de deslocamento. Tais providências facilitariam

sobremaneira o ensino à distância e o acesso dos alunos desta modalidade de

educação à bibliografia indicada pelos professores. Esse empréstimo poderia

ser feito em ambiente controlado, para que apenas os alunos matriculados em

alguma turma de ensino à distância pudessem ter acesso, perfeitamente

possível com a tecnologia de que se dispõe atualmente.

A reforma da LDA é necessária, disso não há dúvidas. Mas há que

modificar, também, a cultura de proteção por direito autoral no Brasil, para que

se possa chegar ao ponto de promover uma reforma da LDA como ela deve ser

feita e com a modificação de todos os pontos aqui mencionados, a fim de

adequar a lei aos novos tempos de avanços tecnológicos que permitem usos

diferentes das obras do que aqueles pensados pelo legislador de 1998.

O músico Leoni, no livro “Manual de sobrevivência no mundo digital”,

faz uma reflexão interessante sobre a ausência de cumprimento dos

dispositivos proibitivos da LDA. Ele se questiona a respeito da ilegalidade de

troca de bens intelectuais na Internet: é ilegal, mas todos os jovens o fazem. O

que fazer para resolver esse problema moral?

A lei tem que se adaptar aos costumes para não virar algo descartável. É o mesmo caso do sinal de trânsito à noite. Se ninguém respeita o sinal nesse horário ele passa a não ser visto como algo obrigatório. Em algumas outras ocasiões – “não vem ninguém” ou “ninguém está olhando...” acabará sendo desrespeitado, já que é uma decisão pessoal e não uma regra definitiva. Nesses casos o melhor é deixar o sinal piscando à noite. Aí temos uma diretriz clara: o sinal

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vermelho deve ser sempre respeitado. Não há espaço para subjetividade.

É isso que a atual Lei de Direitos Autorais acaba gerando, uma sensação de que obedecer ou não à lei é uma decisão de foro íntimo. Afinal, todo mundo faz. Não nos adaptarmos aos novos tempos pode estar empurrando nossa juventude para uma posição flexível em relação ao estado de direito.

E no momento, na ótica da lei, são todos considerados marginais, comparáveis a traficantes e piratas reais. E o pior, eles não estão nem aí. (LEONI, 2010, p. 116)

Portanto, para que se atinja um nível de maturidade suficiente para se

fazer uma reforma da LDA como se deve, é necessária a inclusão do

pensamento de exercício da função social do direito autoral como sendo mais

importante do que a restrição e a cobrança pelo acesso às obras. É necessário

que os autores e, principalmente, os detentores de direitos de exploração das

obras, trabalhem junto às novas tecnologias, e não contra elas, pois essa ideia

fixa de querer impor seus já ultrapassados modelos de negócios aos usuários

de Internet vai resultar sempre nessa queda de braço constante entre as

diversas forças que atuam nesse campo.

Quanto à realidade brasileira, é de se considerar no mínimo estranho

que um país que recentemente aprovou uma lei tão avançada quanto o Marco

Civil da Internet, que serve de exemplo para o mundo inteiro, não consegue

fazer uma reforma da LDA que se adeque às mesmas novas tecnologias que

levaram à aprovação do Marco Civil.

Dentro desse contexto, esperamos que haja uma evolução quanto ao

paradigma da distribuição cultural, para que ela possa ser mais equilibrada

entre direitos exclusivos e direitos difusos de acesso, dando forma ao que

poderemos finalmente chamar de cultura justa e atraente.

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Considerações Finais

Ao longo deste trabalho, pudemos mostrar diversos aspectos da

proteção por direitos autorais atualmente, examinando os novos costumes

adquiridos pelos usuários da Internet no que diz respeito ao consumo e à

distribuição de bens intelectuais, e os desafios que essas mesmas tecnologias

trouxeram para os detentores de direitos exclusivos de autor.

O direito autoral é considerado um direito fundamental?

Pudemos perceber, ao longo do trabalho, que a resposta para a

pergunta acima é positiva. O direito autoral é reconhecido pelos tratados

internacionais como um direito fundamental do homem e, como tal, deve ser

assegurado pelos sistemas constitucionais nacionais.

Entretanto, é de se notar também a conformidade que ele deve ter com

os demais direitos humanos fundamentais assegurados via tratados e

constituições.

Quais as mudanças trazidas pela Internet no comportamento das

pessoas quanto ao consumo de bens intelectuais?

A internet se tornou o maior meio de disseminação de bens intelectuais

já existente. Através dela, é possível armazenar e transferir arquivos com

extrema facilidade. O meio mais utilizado para isso são as redes peer-to-peer

(p2p), que têm seu funcionamento melhorado quanto mais pontos de

compartilhamento participam da rede.

Além disso, as diversas plataformas de criação de conteúdo têm

contribuído para a descentralização da produção do conteúdo cultural. Antes

do surgimento da Internet, os bens intelectuais eram apenas recebidos pelos

consumidores, através de mídias como televisão e rádio, de forma passiva.

Após o advento da Internet, há uma mudança de paradigma, no sentido de que

o usuário se torna cada vez mais ativo também na produção, e não só no

consumo de conteúdo. Referido comportamento deu origem à economia de

informação em rede, que não se apoia, como o faz a indústria, na proteção da

propriedade intelectual, mas no desenvolvimento do commons (commons-

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based peer production). Isso só foi possível devido à popularização e ao

crescente poder computacional dos computadores pessoais, aliados ao

barateamento dos mesmos.

Quais as mudanças a serem implementadas nos regimes de proteção

aos direitos autorais para que eles se adaptem às transformações

tecnológicas?

É preciso que os regimes de proteção autoral, tanto da linha do

copyright quanto do droit d’auteur, se modernizem e permitam flexibilizar uma

proteção que hoje é tida como absoluta. Não cabe mais, em tempos de Internet

e de acesso facilitado a bens intelectuais, tamanha superproteção e

perseguição àqueles que infringem direitos autorais.

Novas tecnologias oferecem serviços e oportunidades que as gerações

anteriores não imaginariam. Mas elas também induzem a sérios riscos de

diversas naturezas. Um deles é o risco de perda de autonomia em relação à

distribuição de conteúdo. Parece que o autor deixa de ter controle sobre suas

obras. Mas tudo é uma questão de adaptação. A tecnologia pode trabalhar a

favor do autor. Entretanto, este parece ter assumido uma postura contrária a

isso, querendo impor suas condições e seus modelos de negócio como se

absoluto fosse o seu direito. Acreditamos, entretanto, que se legislações e

práticas de consumo consciente forem desenvolvidas junto com essas novas

tecnologias, os consumidores poderão aproveitar melhor de tudo que a

inovação tem a oferecer.

Para isso, há de haver uma reforma, tanto objetivamente, na lei, quanto

subjetivamente, no espírito dos atores desse processo, para que incorporem os

novos valores trazidos pela sociedade da informação. Numa sociedade em que

informação é poder, essa informação tem que chegar a quem mais interessa,

afinal, acesso à informação é um direito fundamental do homem tanto quanto o

direito autoral.

Estimular a criação intelectual deve continuar sendo o principal objetivo

da proteção autoral. Entretanto, essa proteção não deve ser tão excludente

quanto hoje se apresenta. A Lei de Direitos Autorais brasileira deve ser

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reformada e atualizada, a fim de incorporar o espírito de cultura justa e atrativa

que aqui propomos, através do exercício efetivo da função social do direito

autoral.

Acesso à informação, à cultura, à educação, liberdade de expressão...

Todos esses são objetivos sociais que podem ser implementados com

efetividade através da tecnologia. Devemos permitir que a tecnologia trabalhe a

nosso favor nesse ponto.

Por fim, esperamos, com a realização desse estudo, contribuir para

levar conhecimento àqueles que se interessam pelo mesmo tema, sejam

profissionais ou estudantes, a fim de que eles possam prosseguir no estudo do

tema em tela.

Trabalhos Futuros:

As informações contidas nesse trabalho possibilitaram a percepção dos

estudos que poderão ser realizados no futuro, tais como: comparação mais

aprofundada entre a legislação autoral brasileira e outros sistemas normativos

de outros países; estudo sobre a evolução das leis autorais no Brasil, com o fim

de comparar cada lei com o momento tecnológico em que ela foi promulgada; a

possibilidade de inclusão na lei de direito autoral do compartilhamento de

material protegido pelas redes p2p como exceção ao direito exclusivo de autor;

a relação entre direito autoral e internet das coisas, e como esta pode afetar

aquele, entre outros.

Cabe, ainda, uma atenção especial ao projeto de lei que visa atualizar

a Lei de Direitos Autorais brasileira, que está no Poder Executivo, para que

seja feita uma análise mais aprofundada de como ela contempla os meios

tecnológicos em seu texto.

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