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Pós-Graduação em Ciência da Computação
“ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE
AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO
CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL”
Por
RAQUEL LIMA SARAIVA
Dissertação de Mestrado
Universidade Federal de Pernambuco
www.cin.ufpe.br/~posgraduacao
RECIFE/2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE INFORMÁTICA
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
RAQUEL LIMA SARAIVA
“ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL"
ESTE TRABALHO FOI APRESENTADO À PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO DO CENTRO DE INFORMÁTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO.
ORIENTADOR(A): RUY JOSÉ GUERRA BARRETTO DE QUEIROZ
RECIFE, 2014
Catalogação na fonte Bibliotecária Jane Souto Maior, CRB4-571
S243a Saraiva, Raquel Lima Acesso à informação versus direito de autor: a busca do
equilíbrio no contexto da cultura digital. / Raquel Lima Saraiva. – Recife: O Autor, 2014.
102 f.: il., fig., tab. Orientador: Ruy José Guerra Barretto de Queiroz. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CIn, Ciência da Computação, 2014. Inclui referências.
1. Ciência da computação. 2. Direitos autorais. 3. Sociedade da informação. 4. Legislação. I. Queiroz, Ruy José Guerra Barretto de (orientador). II. Título. 004 CDD (23. ed.) UFPE- MEI 2014-182
Dissertação de Mestrado apresentada por Raquel Lima Saraiva à Pós-Graduação
em Ciência da Computação do Centro de Informática da Universidade Federal de
Pernambuco, sob o título “Acesso à Informação versus Direito de Autor: a
busca do equilíbrio no contexto da cultura digital” orientada pelo Prof. Ruy
Jose Guerra Barretto de Queiroz e aprovada pela Banca Examinadora formada
pelos professores:
______________________________________________
Prof. Hermano Perrelli de Moura
Centro de Informática/UFPE
______________________________________________
Prof. Carlos Affonso Pereira de Souza
Faculdade de Direito /UERJ
________________________________________ ______
Prof. Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz
Centro de Informática /UFPE
Visto e permitida a impressão.
Recife, 27 de agosto de 2014.
___________________________________________________
Profa. Edna Natividade da Silva Barros Coordenadora da Pós-Graduação em Ciência da Computação do
Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco.
Agradecimentos
Eis o momento, aquele tão esperado, tanto por mim, quanto por todos
os que acompanharam esse processo de perto. O momento do fim. E ele
finalmente chegou.
Gostaria de agradecer à minha família: meu pai, Robstaine, minha
mãe, Espedita, e meu irmão, Robinho, pelo incentivo e pela paciência de
sempre e pelo suporte. Amo vocês.
A outra parte da família: minha madrinha e tia Amparo, Rafael, Ester.
Estes, em especial, pois tinham sempre alguma ajuda a dar, uma palavra de
incentivo, ou mesmo de bronca, nos momentos necessários. Mas agradeço a
todos os demais familiares pela compreensão em especial das minhas
ausências, pelo incentivo, pelo interesse demonstrado, pela energia positiva,
enfim, por ser família.
Aos amigos Paulo Padovan e Sandra Friedman, eu não sei nem por
onde começar. Todas as nossas (muitas) conversas e nossos (muitos) cafés
estão nesse trabalho. Todos os e-mails, os materiais trocados, as aulas, a
revisão dos textos, os elogios, as críticas, tudo está aqui. Toda essa jornada
teria sido muito mais difícil sem a presença de vocês. Serei grata para sempre.
Aos demais membros dos grupos “Segurança Computacional” e “Tecnologia,
Lei e Sociedade”, colegas de orientação, meu eterno agradecimento por
apoiarem e ajudarem o “povo de direito”!
Ao Povo da Dança, por ter me feito companhia sempre, me ajudado a
relaxar e também pela compreensão em virtude das ausências. Por terem se
disposto a me ajudar lendo o trabalho, mesmo sem entender sobre o que se
tratava (Betania e Tássia, essa é pra vocês). Pelas palavras de incentivo e
elogio sempre presentes também.
Mas eu acho que a pessoa que mais pode reclamar da minha distância
é Luiza. E ainda assim ela me compreendeu. Pelo conjunto da obra, amiga,
muito obrigada.
A alguns amigos de longe: Larissa Macedo, Sandra Malveira, Thomas
Kefas. Vocês também são um tantinho responsáveis por isso aqui. Obrigada.
Por fim, mas não menos importante, ao meu orientador Ruy, que
primeiro me inspirou, através dos seus escritos, a seguir por esse estudo. E
“No matter what anybody tells you, words
and ideas can change the world.”
John Keating (WILLIAMS, Robin), Dead
Poets Society, 1989.
Resumo
Desde o surgimento da prensa de Gutemberg, a preocupação com os direitos
sobre as obras intelectuais dos autores e editores levou à criação de leis para
proteção dos direitos de compartilhamento, reprodução e exploração comercial,
além dos chamados direitos morais do autor. A Internet, construída
inteiramente por meio de padrões abertos e colaborativos, transformou o modo
de produção de conteúdo, descentralizando-a e facilitando o surgimento de
uma nova economia baseada nos commons, que se opõe à produção cultural
antes feita apenas pela mídia de massa e reconhece os usuários comuns como
produtores de bens culturais na mesma medida que a própria indústria. Diante
desse novo cenário, cresce a necessidade de tratar os outros direitos
fundamentais da mesma forma que os direitos autorais. Acesso à informação,
liberdade de expressão e acesso à cultura também fazem parte do arcabouço
de proteção constitucional, além de serem amparados por tratados
internacionais, na mesma medida que os direitos de autor. Por meio de revisão
da literatura, este estudo traça um panorama legal dos direitos aqui
mencionados, estabelecendo sua relação com a cultura da Internet e seus
princípios originais, desde sua criação até os dias atuais, além de sugerir
possíveis modificações a serem abarcadas pela lei autoral brasileira, a fim de
atualizá-la e aproximá-la do atual momento tecnológico da sociedade.
Palavras-chave: Direitos autorais. Propriedade intelectual. Direitos humanos.
Direitos fundamentais. Ciberespaço. Cibercultura. Sociedade da informação.
Tecnologia da informação.
Abstract
Since the emergence of the Gutenberg press, the concern about the rights on
the intellectual works of authors and editors led to the creation of laws to protect
the rights of sharing, reproduction and commercial exploration, in addition to the
so-called moral rights of the authors. The Internet, built entirely through open
and collaborative patterns, has transformed the way the content is generated by
decentralizing it and facilitating the emergence of a new economy based on
commons, which opposes to the cultural production prior made only by the
mass media and recognizes the common users as producers of cultural goods
to the same extent as the industry itself. This new scenario increases the need
to address other fundamental rights in the same way as copyrights. Access to
information, freedom of speech and access to the culture are also part of the
framework of constitutional protection, and are protected by international
treaties to the same extent as copyright. Through literature review, this study
provides a legal overview of the rights mentioned herein, establishing their
relationship with the culture of the Internet and its original principles, since its
inception to the present day, and suggests possible modifications to be
embraced by Brazilian copyright law, in order to update it and bring it closer to
the current technological moment of the society.
Key words: Copyright. Intellectual property. Human rights. Fundamental rights.
Cyberspace. Ciberculture. Information society. Information technology.
Lista de Figuras
Figura 1 – Web 2.0 Meme Map ....................................................................... 49
Figura 2 – A ampulheta da Internet.................................................................. 50
Lista de abreviaturas e siglas
Abreviaturas
apud Junto a; citado por
Ibidem Na mesma obra citada
anteriormente
Siglas
Creative Commons CC
Defense Advanced Research
Projects Agency
DARPA
Digital Millenium Copyright
Act
DMCA
Digital Rights Management DRMs
DUDH Declaração Universal dos
Direitos Humanos
Electronic Frontier
Foundation
EFF
EUA Estados Unidos da América
Federal Bureau of
Investigation
FBI
HyperText Markup Language HTML
Hypertext Transfer Protocol HTTP
Internet Architecture Board IAB
IDEC Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor
Internet Engineering Task
Force
IETF
Internet Protocol IP
Internet Society ISOC
LDA Lei de Direitos Autorais
Massachusetts Institute of
Technology
MIT Instituto de Tecnologia de
Massachusetts
MSL Movimento do Software Livre
Network Control Protocol NCP
Peer-to-peer p2p
PIDESC Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais
Protect IP Act PIPA
Request for comments RFC
Really Simple Syndication RSS
Simple Mail Transfer Protocol SMTP
Stop Online Piracy Act SOPA
Stanford Research Institute SRI
Transmission Control
Protocol
TCP
Technological Protection
Measures
TPMs Medidas de Proteção
Tecnológica
Trans-Pacific Partnership
Agreement
TPP
Agreement on Trade-Related
Aspects of Intellectual
Property Rights
TRIPS Acordo sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao
Comércio
University of California, Los
Angeles
UCLA
User Datagram Protocol UDP
UNESCO Organização das Nações
Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
World Wide Web WWW
World Intellectual Property
Organization
WIPO Organização Mundial de
Propriedade Intelectual
Sumário
Introdução ....................................................................................................... 16
1. Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral,
proporcionadas pelas novas tecnologias. .................................................... 16
2. Contextualização do problema ............................................................. 18
3. Hipótese ............................................................................................... 20
4. Questões de Pesquisa ......................................................................... 21
5. Objetivos .............................................................................................. 21
6. Metodologia .......................................................................................... 22
7. Contribuição/Resultados Esperados ..................................................... 22
8. Estrutura do Trabalho ........................................................................... 22
Capítulo 1 ....................................................................................................... 24
Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem ............................................... 24
1.1. Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais ................... 24
1.2. Conceito de Direitos Fundamentais ................................................... 26
1.3. As “Gerações” dos Direitos Fundamentais ......................................... 28
1.3.1. “Primeira Geração”: Revoluções Liberais .................................... 28
1.3.2. “Segunda Geração”: Revolução Industrial ................................... 29
1.3.3. “Terceira Geração”: Segunda Guerra Mundial ............................. 30
1.3.4. As novas “Gerações”: Contemporaneidade ................................. 31
1.4. Direitos Fundamentais nas normas internacionais ............................. 32
1.5. Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira .............................. 34
1.6. Direitos Fundamentais tratados neste trabalho .................................. 35
1.6.1. Liberdade .................................................................................... 35
1.6.1.1. Liberdade de expressão ........................................................ 36
1.6.2. Direito de acesso à informação ................................................... 37
1.6.3. Pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura
nacional .................................................................................................... 38
1.6.4. Direito de autor ............................................................................ 39
Capítulo 2 ....................................................................................................... 43
O surgimento da Internet e a mudança de paradigma na produção e no
consumo de conteúdo cultural ........................................................................ 43
2.1. Breve história da Internet ...................................................................... 43
2.2. O nascimento da Cibercultura .............................................................. 46
2.3. Web 2.0, produção descentralizada de conteúdo e cultura livre ........... 48
2.4. O desenvolvimento de uma economia de informação em rede (Benkler)
.................................................................................................................... 53
Capítulo 3 ....................................................................................................... 58
Conflito: acesso à informação e liberdade de expressão versus direitos de autor
........................................................................................................................ 58
3.1. Responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiro na Internet .... 58
3.2. Instrumentos legislativos de limitação aos direitos autorais: fair use nos
EUA e exceções e limitações no Brasil ........................................................ 62
3.3. A reação da indústria de conteúdo: a ilegalidade das Techonological
Protection Measures .................................................................................... 67
3.4. O papel do domínio público no processo de democratização da
informação................................................................................................... 70
Capítulo 4 ....................................................................................................... 74
Direitos Humanos, Propriedade Intelectual e Internet ..................................... 74
4.1. Panorama de proteção internacional dos direitos humanos .................. 74
4.1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) ....................... 75
4.1.2. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 77
4.1.3. Outros instrumentos internacionais ................................................. 79
4.1.4. Legislações nacionais ..................................................................... 81
4.2. O caso Aaron Swartz: quando a perseguição a valores equivocados
termina em tragédia ..................................................................................... 84
4.3. A necessária reforma da LDA ............................................................... 88
Considerações Finais ...................................................................................... 94
Referências ..................................................................................................... 97
16
16
Introdução
“To live a creative life, we must lose our fear of being wrong.”1
Joseph Chilton Pearce
1. Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral,
proporcionadas pelas novas tecnologias.
Alguém sobe para o Youtube um vídeo com a letra para a música
recém-lançada do seu artista preferido. Ou adquire legitimamente uma faixa
musical no iTunes e transfere para o seu celular, para ouvir enquanto se
exercita na academia. Ou procura aquele filme antigo clássico numa rede peer-
to-peer, pois já não consegue encontrá-lo por outros meios.
Todas essas ações, entre tantas outras, tornaram-se corriqueiras para
os usuários da Internet no mundo inteiro. Isso porque a grande rede e suas
ferramentas proporcionaram uma facilidade enorme de transferência de
arquivos, cópias de bens intelectuais, de modo que grande parte das coisas
que são possíveis de se fazer na rede são ilícitas, mas ninguém tem
consciência disso.
Então, pensemos: com que objetivo tais condutas são consideradas
ilícitas?
O direito autoral surgiu para proteger editores. Sob a alcunha de direito
de autor, na verdade, protegia os direitos dos comerciantes de livros,
concedendo privilégios para a publicação de obras literárias e de escritos em
geral. Os comerciantes de livros, organizados em corporações, passaram a ser
os únicos detentores da prerrogativa de publicar as obras sob seu controle
(FRAGOSO, 2009, p. 47).
Há registros de que o primeiro privilégio de impressão foi concedido a
Giovani Spira, em 1449, para edição das Cartas de Cícero. Outros autores
informam que o primeiro privilégio teria sido o de Aldo Manunzio. Mas o fato é
que a partir da invenção da prensa de Gutemberg, quando o livro passa a ser
1 Para viver uma vida criativa, nós devemos perder nosso medo de estar errados. Tradução livre.
17
17
objeto industrial, os livreiros tem sua atividade expandida, que viriam a ser os
futuros editores internacionais (FRAGOSO, 2009, p. 47-48).
Como na Europa as fronteiras são muito próximas e muito fáceis de
serem ultrapassadas, viu-se a necessidade de criação de normas
internacionais uniformes e recíprocas, que garantissem tratamento igualitário
entre nacionais e estrangeiros (FRAGOSO, 2009, p. 73).
Assim foi que surgiram os primeiros tratados internacionais que
versavam sobre direitos autorais. O primeiro, a Convenção de Berna, em 09 de
setembro de 1886, “demonstra o prestígio já atingido pelos autores literários e
musicais no século XIX e a internacionalização do comércio das artes e da
literatura” (FRAGOSO, 2012, p. 198).
Então, desde a origem, o sistema de proteção do direito de autor é, na
verdade, um sistema de proteção aos modelos de negócio existentes a cada
tempo. Regula-se cada vez mais a exploração comercial da obra, ao pretexto
de se conceder ao autor um monopólio temporário sobre sua obra para
estimular cada vez mais a produção cultural da comunidade.
E para haver uma proteção internacional efetiva, convencionou-se
considerar o direito de autor um direito fundamental, elencando-o nas mesmas
bases que os direitos políticos e as liberdades individuais.
Como forma de compensação, criaram-se dispositivos mitigadores dos
direitos autorais: exceções e limitações, no sistema continental, e fair use, no
sistema baseado no copyright norte-americano. Tais medidas servem para
assegurar o acesso às obras independente de autorização do titular dos
direitos autorais, na busca de um equilíbrio entre direito exclusivo e acesso à
informação.
Entretanto, dadas as circunstâncias de proteção hoje existentes, tais
dispositivos não tem surtido muito efeito prático. Daí se chega à resposta para
a pergunta formulada anteriormente: as condutas exemplificadas no início
dessa discussão são consideradas ilícitas em virtude da superproteção
existente aos modelos de negócios fundamentados em direitos autorais. Cada
vez mais condutas realizadas online, utilizando-se de ferramentas tecnológicas,
18
18
são consideradas ilícitas para proteger os detentores dos direitos de
exploração econômica da obra.
Com isso, usuários da Internet infringem direitos de autor e, agora, por
pressão da indústria, a qual os priva de acesso ao conteúdo protegido sob o
pretexto do prejuízo financeiro com o qual tem que arcar porque ações online
dos usuários não pagam os royalties devidos pela exploração do conteúdo.
2. Contextualização do problema
Antes de adentrar na especificidade do tema, convém um
esclarecimento sobre as teorias que justificam a existência da proteção por
direitos autorais.
Existem quatro principais teorias que explicam a adoção do sistema de
direito autoral, cada uma com uma perspectiva diferente sobre a justificativa da
referida proteção. São elas: a Teoria do Trabalho (Labor Theory, ou Fairness
Theory), a Teoria da Personalidade (Personality Theory), a Teoria do Bem
Estar (Welfare Theory ou Utilitarian Theory) e a Teoria do Planejamento Social
(Social Planning Theory ou Cultural Theory).
A Teoria do Trabalho se baseia nos escritos de John Locke, mais
especificamente no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, capítulo 5 (cinco),
em que ele trata da propriedade.
Em síntese, Locke afirma que uma pessoa que trabalha com recursos
que estão disponíveis a todos tem o direito natural aos frutos do seu trabalho, e
que o Estado tem a obrigação de respeitar e aplicar esse direito natural
(FISHER III, 2001, p. 3). Esse trabalho, claro, engloba o trabalho intelectual
através do qual as obras intelectuais nascem. Assim é que se pode concluir,
pelos escritos de Locke, que uma invenção que gera uma patente não existiria
sem o esforço do inventor, razão pela qual se justificaria a concessão da
referida patente (FISHER III, 2001, p.3).
A segunda perspectiva, a Teoria da Personalidade, baseia-se na obra
de Kant e Hegel e afirma que os direitos de propriedade privada são cruciais
para a satisfação de algumas necessidades humanas básicas. Assim, a
19
19
propriedade intelectual se justifica pelo fato de que ela blinda de apropriação ou
modificação os artefatos através dos quais os artistas e autores expressaram
suas “vontades”. Ou seja, eles têm uma espécie de laço sentimental com a
criação (FISHER III, 2001, p.4). Além disso, esta teoria fornece as bases para a
existência dos direitos morais do autor, como o direito de atribuição (de ver a
autoria atribuída ao trabalho), de integridade e o direito de tornar a obra
pública.
Já a Teoria do Bem Estar é fundada na obra de John Stuart Mill e foca
no bem estar da sociedade como um todo. A lei de direito autoral deve ser
escrita para que promover o maior bem para o maio número de pessoas
(FISHER III, 2001, p.9). É uma teoria de incentivos: o sistema deve ser capaz
de induzir autores em potencial a produzir trabalhos dos quais todos se
beneficiarão (FISHER III, 2001, p.10).
Por último, a Teoria do Planejamento Social: os direitos de propriedade
intelectual devem ser moldados para ajudar a construir uma sociedade de uma
cultura justa e atrativa. É similar ao utilitarianismo na orientação, mas diferente
no seu desejo de implantar uma visão de sociedade mais rica do que as
concepções de bem estar social almejadas pela Welfare Theory (FISHER III,
2001, p.4).
Para os propósitos do presente trabalho, a teoria que escolhemos para
basear todo esse estudo é esta última. Vejamos as razões.
O professor William Fisher, da Universidade de Harvard, nos Estados
Unidos, apresenta a sua versão do que seria uma cultura atrativa e justa, com
as seguintes características:
(a). Bem Estar do Consumidor: é necessária uma combinação de
regras que maximize o bem estar do consumidor equilibrando os incentivos
para a criatividade com incentivos para disseminação e uso;
(b). Uma cornucópia de Informação e Ideias: uma cultura atrativa é
aquela em que os cidadãos têm acesso a uma enorme gama de informação
ideias e formas de entretenimento, pois isso também é crucial para a obtenção
de duas condições centrais para a maioria concepções da boa vida:
20
20
autodeterminação e auto expressão, ambas por incentivar uma condição geral
de diversidade cultural;
(c). Rica Tradição Artística: quanto mais complexa e ressonante é a
linguagem compartilhada de uma cultura, mais oportunidades ela oferece aos
seus membros para a criatividade e sutileza na informação;
(d). Justiça Distributiva: na medida do possível, todos devem ter acesso
aos recursos informativos e artísticos acima descritos;
(e). Democracia Semiótica: em uma sociedade atrativa, todas as
pessoas seriam capazes de participar do processo de fabricação de
significado. Em vez de serem apenas consumidores passivos de artefatos
culturais produzidos por outros, seriam produtores, ajudando a moldar o mundo
de ideias e símbolos em que vivem;
(f). Sociabilidade: uma sociedade atrativa é aquela rica em
“comunidades de memória”. O reconhecimento da importância de
autodeterminação para a boa vida não aponta em direção a uma sociedade
caracterizada pelo individualismo radical; pelo contrário, ele sugere que nós
nos esforçamos para cultivar uma sociedade rica em oportunidades para a
comunidade;
(g). Respeito: A Democracia Semiótica não implica que as pessoas
devem ser livres para manipular as criações de terceiros sem quaisquer
restrições. A valorização do grau em que a auto expressão é muitas vezes uma
forma de autocriação deve fazer com que as pessoas tenham respeito pelo
trabalho das outras (FISHER III, 1998).
É esse tipo de sociedade ideal que este trabalho gostaria de propor.
Uma sociedade em que são reconhecidos os direitos de propriedade
intelectual, mas também onde os cidadãos podem ter acesso aos bens
intelectuais, a fim de criar a sociedade justa e atrativa a todos.
3. Hipótese
A hipótese do presente trabalho assevera que os sistemas de
propriedade intelectual devem considerar sua função social, passando de um
21
21
paradigma individualista exclusivamente protetivo dos direitos de autor para um
paradigma coletivista, que contemple as dimensões sociais do direito autoral,
buscando o adequado equilíbrio entre a proteção dos direitos de autor e a
proteção aos direitos à educação, ao acesso ao conhecimento e à informação
e à liberdade de expressão, assegurados pelos diversos tratados internacionais
de proteção aos direitos humanos.
4. Questões de Pesquisa
A fim de responder o problema central “Como equilibrar proteção e
acesso a bens intelectuais na era digital?”, fazemos os seguintes
questionamentos:
(a). O direito autoral é considerado um direito fundamental?
(b). Quais as mudanças trazidas pela Internet no comportamento das
pessoas quanto ao consumo de bens intelectuais?
(c). Quais as mudanças a serem implementadas nos regimes de
proteção aos direitos autorais para que eles se adaptem às transformações
tecnológicas?
5. Objetivos
A proposta do presente trabalho é estimular as discussões sobre a
Cibercultura e sobre a presença dos direitos autorais nas atividades cotidianas
dos usuários da Internet. Ao mesmo tempo, mas sem querer exaurir o tema,
dada a sua complexidade, busca-se estimular a reflexão sobre as mudanças
ocorridas no mundo e como o direito acompanha a inserção tecnológica na
vida dos cidadãos.
O presente trabalho não se propõe a exaurir as discussões sobre os
temas aqui tratados, dada a sua complexidade. Todavia, presta-se a
apresentar uma visão panorâmica da situação vivenciada cada vez mais de
perto pelos usuários da Internet, no que se refere às ações cotidianas de
infração aos direitos autorais e como elas são tratadas pelos diversos agentes
envolvidos.
22
22
Da mesma forma, não é nosso objetivo fornecer um novo projeto de Lei
de Direitos Autorais, mas apenas sugerir algumas mudanças que podem
beneficiar o interesse coletivo no acesso às obras protegidas.
6. Metodologia
Trata-se de uma pesquisa exploratória, que visa analisar o estado da
arte sobre os temas postos em debate. O estudo foi feito, principalmente,
através de revisão da literatura.
7. Contribuição/Resultados Esperados
Espera-se, com o presente trabalho, fazer uma contribuição sobre as
modificações legislativas, econômicas e culturais que podem ser feitas a fim de
que se estimule a produção cultural sem necessariamente restringir acesso aos
bens intelectuais, contribuído, assim, para o crescimento da visão de cultura
atrativa e justa da sociedade.
8. Estrutura do Trabalho
O trabalho está estruturado da seguinte forma: O Capítulo 1 trata do
conceito de direitos fundamentais, o histórico de surgimento dessa figura, a
divisão doutrinária entre gerações e ao final, faz um apanhado dos direitos
fundamentais específicos que serão abordados ao final da discussão.
O Capítulo 2 trata de alguns conceitos relativos à Internet: um breve
histórico de seu surgimento, para, em seguida, trazer à tona as modificações
ocorridas nos costumes dos usuários com o surgimento da Internet e de suas
potentes ferramentas. Sobre isso, falamos do conceito de Cibercultura de
Pierre Levy, a Web 2.0 e o surgimento da economia em rede de Yochai
Benkler.
O Capítulo 3 entra na parte de discussão jurídica dos direitos autorais e
seu conflito com os demais direitos humanos. Tratamos da responsabilidade
civil por conteúdo gerado por terceiros na Internet; do fair use norte-americano
e das exceções e limitações na lei brasileira como instrumentos limitadores do
direito autoral; das medidas de proteção tecnológicas e porque são
23
23
consideradas ilegais; e, finalmente, do papel do domínio público na difusão de
conhecimento e informação.
O Capítulo 4 discute o panorama dos direitos humanos: sua proteção,
tanto nacional quanto internacional. Em seguida, apresenta como exemplo o
caso Aaron Swartz, numa tentativa de mostrar que, de fato, há uma
supervalorização e uma consequente superproteção dos direitos autorais em
detrimento dos demais direitos humanos aqui abordados e que com ele fazem
fronteira. Ao final, destacamos a necessidade de reforma da Lei de Direitos
Autorais brasileira, para que ela se pareça mais moderna e mais adequada aos
novos tempos de tecnologias da informação, sempre buscando enfatizar
crescimento da visão de cultura atrativa e justa da sociedade.
24
24
Capítulo 1 Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem
“How wonderful is that nobody need wait a
single moment before starting to improve the world.”2 Anne Frank
1.1. Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais
A doutrina francesa reconhece como principal fonte das declarações de
direitos o pensamento cristão e a concepção de direitos naturais. Entretanto, o
que se tem de fato é que não há propriamente uma inspiração dessas
declarações. O que houve foram reivindicações e lutas com o objetivo de
conquistar os direitos posteriormente positivados. A ideia de direitos como
justiça, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana sempre esteve
presente em todas as sociedades. “Portanto, a noção de direitos do homem é
tão antiga quanto a própria sociedade” (MARMELSTEIN, 2013, p. 27). E,
quando as conjunturas sócio-político-culturais permitiram, surgiram as
declarações de direitos do homem como documentos formais de garantia dos
direitos básicos, hoje conhecidos como direitos fundamentais.
Para se entender o surgimento da noção de direitos fundamentais,
convém citar o pensamento de dois filósofos dos séculos XVI/XVII, quais
sejam, Hobbes e Maquiavel.
Thomas Hobbes, em seu Leviatã, expressa a célebre frase “o homem é
o lobo do homem”. O significado disso é bem pessimista. Diz respeito à
essência egoísta e ambiciosa do homem, que possui, segundo ele, “um
perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a
morte” (HOBBES, 2003).
Ainda nos termos de Hobbes, a única forma de se obter a paz seria
conferindo todo o poder ao Estado personificado no soberano; este, por sua
vez, possuiria um poder absoluto, sem qualquer submissão às leis. O soberano
seria juiz de seus próprios atos, apenas prestaria contas a Deus. Este,
portanto, foi o argumento teórico utilizado para justificar o Estado Absolutista,
2 Que maravilha é que ninguém precisa esperar um momento para começar a melhorar o mundo. (Tradução livre)
25
25
modelo político adotado por quase todos os países ocidentais até o século
XVIII.
Nicolau Maquiavel, por sua vez, foi o autor do clássico O príncipe,
publicado em 1512, que aconselhava que o soberano deveria fazer o possível
para se manter no poder.
Para ele, haveria dois modos de manter o poder, um com base nas
leis, próprio do homem, outro com base na força, próprio dos animais. E dizia
que ao príncipe seria importante saber se comportar das duas formas.
Maquiavel defendia as guerras e afirmava como importante conquistar
e subjugar outros países, aniquilar os inimigos, destruir os que ameaçam o
poder do soberano.
Portanto, o resultado da mistura dos dois pensamentos aqui expostos é
um Estado forte, absoluto, sem limites, onde o soberano poderia cometer toda
sorte de barbaridades para se manter no poder. Para isso, a lei não seria
obstáculo.
A noção de direitos fundamentais como normas jurídicas limitadoras do poder estatal surge justamente como reação ao Estado absoluto, representando o oposto do pensamento maquiavélico e hobbesiano. Os direitos fundamentais pressupõem um Estado juridicamente limitado (Estado de direito/separação de poderes) e que tenha preocupações éticas ligadas ao bem comum (direitos fundamentais/democracia). (MARMELSTEIN, 2013, p. 33)
Assim, para que os direitos fossem instituídos, necessário se fez o
surgimento de uma nova concepção de Estado, que ficou conhecido como
Estado democrático de direito.
Como fundamentação teórica, tem-se agora o pensamento do inglês
John Locke, que, em 1690, publicou sua obra Segundo tratado sobre o
governo. Nela, Locke afirma que os homens são livres, iguais e independentes
e voluntariamente se unem para formar a sociedade civil, transferindo parte de
sua liberdade natural para a comunidade ao consentir em respeitar as leis.
Estas, por sua vez, não devem ser impostas unilateralmente por um soberano,
mas pactuada por todos os membros da sociedade.
26
26
Para Locke, e aí reside a grande diferença entre o seu pensamento e
os absolutistas, o soberano também deveria se subordinar às leis, resultando,
então, nas bases do Estado democrático de direito.
A partir daí, então, começou-se a pensar num sistema em que se
fossem evitados os abusos estatais e, consequentemente, protegesse os
cidadãos.
O Barão de Montesquieu afirmou, então, com precisão cirúrgica, que
“para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das
coisas, o poder freie o poder” (MONTESQUIEU, 1997, p. 200), criando, então,
o famoso sistema de freios e contrapesos (checks and balances).
Por sua vez, o francês Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato
Social, afirma que a finalidade do Estado passa a ser a busca do bem comum,
deixando para trás a noção de satisfação dos interesses de uma pequena parte
da sociedade. Diz ele:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo, e permaneça tão livre quanto anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, 1988, p. 30)
Baseada nesses dois últimos pensadores, então, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aprovada no auge da
Revolução Francesa, estatui, em seu artigo 16, que “o Estado que não
reconhece os direitos fundamentais, nem a separação de poderes, não possui
Constituição”. E assim se mantém o pensamento na maioria dos países
ocidentais, que adotam a separação de poderes em Executivo, Legislativo e
Judiciário, assim como concede ao povo a função de elaboração de leis e a
elas submete o governante.
1.2. Conceito de Direitos Fundamentais
Para se chegar a um conceito de direitos fundamentais, necessária se
faz uma digressão sobre o conteúdo ético destes direitos.
27
27
A doutrina atual considera que há uma banalização da expressão
“direitos fundamentais”. Em casos concretos, já houve quem acionasse o Poder
Judiciário para demandar o direito de fumar maconha e “ficar doidão”, ou
exigisse Viagra do Poder Público, alegando um direito fundamental ao sexo
(MARMELSTEIN, 2013, p. 14-15).
Entretanto, direitos fundamentais são dotados de determinadas
características que os diferenciam dos demais. São elas, segundo classificação
do professor José Afonso da Silva (SILVA, 2005, p. 181):
(a). Historicidade: como qualquer direito, nascem, modificam-se e
desaparecem na história. Apareceram nas revoluções burguesas e, a cada
tempo, modificam-se, de acordo com o momento histórico em que vive a
sociedade;
(b). Inalienabilidade: não são disponíveis, são inegociáveis, por não
terem conteúdo econômico-patrimonial;
(c). Imprescritibilidade: nunca deixam de ser exigíveis;
(d). Irrenunciabilidade: podem até não ser exercidos, mas nunca
renunciados.
Além das citadas características, podemos afirmar que os direitos
fundamentais se referem à liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana
(SILVA, 2005, p. 179). Ainda, dizem respeito à limitação do poder estatal
(MARMELSTEIN, 2013, p. 16). Então, partindo deste ponto, podemos firmar
um conceito de direitos fundamentais.
Doutrinariamente, os direitos fundamentais são definidos como
(...) normas jurídicas intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico (MARMELSTEIN, 2013, p. 17).
Por sua vez, o professor José Afonso da Silva afirma a dificuldade em
se definir um conceito sintético e preciso sobre tais direitos, em virtude da
ampliação e transformação dos direitos fundamentais no curso da história da
28
28
humanidade (SILVA, 2005, p. 175). Entretanto, a noção de ligação com os
princípios da dignidade da pessoa humana e da limitação de poder estatal
parece ser pacífica na doutrina constitucional.
1.3. As “Gerações” dos Direitos Fundamentais
1.3.1. “Primeira Geração”: Revoluções Liberais
A chamada “primeira geração” dos direitos fundamentais surgiu com as
revoluções liberais do século XVIII, como reação ao Estado absoluto, regime
que mantinha a sociedade em constante opressão, em todos os setores da
vida.
Vivia-se em um ambiente em que não havia qualquer tipo de tolerância
religiosa, pois a Igreja Católica, por meio do Tribunal da Santa Inquisição, punia
qualquer pessoa que ousasse questionar os valores cristãos impostos pelo
soberano e por ela mesma. Da mesma forma, não havia qualquer
desenvolvimento de pensamento científico ou filosófico, os julgamentos eram
conduzidos sem as garantias do contraditório e da ampla defesa, hoje
fundamentais, havia a cobrança de uma pesada carga tributária e a população
não participava das decisões.
Obviamente, com essa situação, não havia satisfação popular com
essa situação. Especialmente da burguesia, que passava a se destacar
economicamente. Foi então que surgiu o movimento Iluminista, possibilitando
uma maior liberdade na manifestação do pensamento e considerando essa
liberdade um valor essencial para a humanidade.
No campo econômico, a publicação do famoso livro “A riqueza das
nações”, de Adam Smith, traz a ideia da autorregulação do mercado, não
sendo mais necessária a intervenção do Estado na economia, como antes se
previa.
Por conseguinte, os séculos XVII e XVIII testemunharam as revoluções
liberais ou burguesas, que transformaram profundamente a forma de pensar a
sociedade. A partir de então, os Estados passaram de absolutistas a Estados
Democráticos de Direito, e essas novas noções foram incorporadas às
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declarações de direitos da época: a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, consequência da Revolução Francesa, e a
Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, decorrente da Revolução
Americana (Independência dos EUA).
Após essas revoluções, a grande vencedora foi a burguesia, que
assumiria o poder político. Essas declarações continham inúmeras exigências
feitas por esta classe ao soberano, as quais incluíam a proteção da
propriedade e diversas liberdades, como de escolha da religião. Foram, então,
consagradas as liberdades como direitos fundamentais: liberdade de reunião,
de expressão, comercial, de profissão, religiosa, etc.
Além das liberdades, consagraram-se também diversos direitos
políticos, com o reconhecimento de que o povo deveria participar das decisões
do Estado, através dos direitos de voto e de filiação partidária, assim como as
garantias processuais, para que não houvesse mais prisões injustas e
arbitrárias como era comum anteriormente.
Portanto, reconhecidos como direitos de primeira geração são os
direitos civis e políticos.
1.3.2. “Segunda Geração”: Revolução Industrial
O século XIX testemunhou a Revolução Industrial e, como
consequência, um enorme crescimento econômico. Entretanto, os
trabalhadores que faziam crescer as indústrias não gozavam de nenhum
benefício, pelo contrário, eram sacrificados em nome do lucro de seus
empregadores. Não havia limitação de jornada de trabalho nem qualquer direito
trabalhista como férias, salário mínimo ou descanso semanal. Até as crianças
eram submetidas aos trabalhos realizados pelos adultos.
Com a insatisfação geral da classe trabalhadora, esta começou a se
articular politicamente em grupos fortes, a fim de reivindicar direitos que lhes
proporcionassem melhores condições de trabalho.
Quando do advento da Revolução Russa de 1917, a primeira grande
revolução socialista de sucesso, o mundo capitalista passou a perceber a real
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30
ameaça das reivindicações operárias. Até a Igreja Católica, através da
encíclica Rerum Novarum, criticou as condições de vida da classe trabalhadora
e apoiou o pleito de reconhecimento dos direitos trabalhistas.
Nesse contexto, emerge o Estado do bem-estar social (Welfare State),
novo modelo político, no qual o Estado, sem se afastar dos alicerces básicos do capitalismo (economia de mercado, livre-iniciativa e a proteção da propriedade privada), compromete-se a promover maior igualdade social e garantir as condições básicas para uma vida digna (MARMELSTEIN, 2013, p. 45).
Além dos direitos trabalhistas, o Estado do bem-estar social também
passa a garantir os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, aqueles
ligados às necessidades básicas dos indivíduos, como saúde, alimentação,
moradia, educação. Nesse contexto, tem-se que o reconhecimento desses
direitos remonta à ideia de que “sem as condições básicas de vida, a liberdade
é uma fórmula vazia” (MARMELSTEIN, 2013, p. 46).
Os primeiros ordenamentos jurídicos a reconhecer tais direitos foram o
mexicano, com a Constituição de 1917, fruto da Revolução Mexicana de 1910,
e o alemão, através da Constituição de Weimar de 1919.
No Brasil, a Constituição de 1934 e, posteriormente e de forma mais
ampla, a de 1946 foram os primeiros passos na direção de um Estado de bem-
estar social, pois previam vários direitos sociais e trabalhistas.
1.3.3. “Terceira Geração”: Segunda Guerra Mundial
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, um sentimento de
solidariedade contra os abusos praticados pelos nazistas brotou em esfera
global, resultando em tratados internacionais que proclamam a proteção a
valores ligados à dignidade da pessoa humana.
Esse novo conjunto de direitos visa à proteção do ser humano como
gênero, não apenas de um grupo de indivíduos. Estão incluídos aí o direito ao
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.
Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
publicada em 1948, é o símbolo do surgimento dessa nova ordem mundial, já
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31
consolidada internacionalmente, de comprometimento com os direitos
fundamentais. Depois dela, outros tratados trouxeram essa mesma carga de
importância dos direitos fundamentais, como o Pacto de San Jose da Costa
Rica3 e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais4,
ambos de 1966.
Nessa esteira, foram criados também os Tribunais Internacionais de
Direitos Humanos, para dar garantia de cumprimento desses e dos demais
tratados.
1.3.4. As novas “Gerações”: Contemporaneidade
O direito, de forma geral, evolui e se atualiza na medida em que novas
conjunturas sociais surgem e precisam ser apreciadas pelos sistemas legais
dos países.
Com os direitos fundamentais não poderia ser diferente. Sua evolução
não parou e com certeza não estabilizará nos direitos de “terceira geração”.
Com o avanço da tecnologia e o surgimento de novas ameaças à dignidade da
pessoa humana, é natural que antigos valores se atualizem e que novos
valores surjam e sejam incorporados às declarações de direitos e às
Constituições.
Assim, por exemplo, os novos desafios trazidos pela tecnologia da
informação suscitam diversos debates, como por exemplo sobre a proteção de
dados pessoais, a proteção de obras artísticas e culturais pelo direito autoral
versus o compartilhamento crescente de informação, ainda o direito autoral
diante do direito de acesso ao conhecimento, e mesmo a luta por um direito
fundamental de acesso à internet.
Mas não só no campo da tecnologia da informação, como também da
biotecnologia, os debates em torno da clonagem humana ou da possibilidade
de pesquisas com células-tronco, trazem à tona mudanças substanciais no
3Texto Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 23/07/2014. 4 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 23/07/2014.
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32
conceito de dignidade da pessoa humana, com valores que merecem ser
protegidos.
Assim, não se esgotam as “gerações” de direitos fundamentais. Pelo
contrário, a tendência é que se amplie o leque de direitos, visando uma maior
proteção dos valores básicos necessários à garantia da dignidade da pessoa
humana e dos limites de intervenção do Estado na vida privada.
1.4. Direitos Fundamentais nas normas internacionais5
Como citado anteriormente, quando do surgimento dos direitos
fundamentais de “terceira geração”, há atualmente um entendimento global de
que os direitos fundamentais devem ser reconhecidos internacionalmente,
afirmando, assim, um padrão mundial de proteção dos direitos básicos dos
cidadãos.
As primeiras manifestações no sentido de universalização dos direitos
fundamentais foram propostas de organismos internacionais, como o projeto de
“Declaração dos Direitos Internacionais do Homem”, preparado pelo Instituto de
Direito Internacional, entre 1928-1929.
Em 1945, os vinte e um países da América se reuniram no México e
estabeleceram que um dos primeiros objetivos das Nações Unidas seria a
redação de uma carta de direitos do homem. De fato, na Carta da ONU, logo
em seu preâmbulo, afirma-se “a fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos de homens e
5 Há que se fazer uma ressalva neste ponto. O presente trabalho trata, essencialmente, de direitos fundamentais, expressos na Constituição Federal como tal, no art. 5º, em seus diversos incisos. Internacionalmente, porém, tais direitos são referidos sob a nomenclatura de Direitos Humanos, conforme apresentam os diversos tratados internacionais que versam sobre o tema. Todavia, para o presente trabalho, os dois conceitos podem ser tratados como intercambiáveis, pois que representam os mesmos valores. Sobre as diferenças entre as duas categorias de direitos e, ainda, a categoria de direitos da personalidade, leia-se: ASCENSÃO, José de Oliveira. A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, p. 277-299, jan/dez 2008. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67806/70414. Acesso em 08/10/2014; ASCENSÃO, José de Oliveira. Pessoa, direitos fundamentais e direito da personalidade. In: Revista Mestrado em Direito, Osasco, Ano 6, n. 1, 2006, p. 145-168. Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/OAPessoa.pdf. Acesso em 08/10/2014.
33
33
mulheres e das nações grande e pequenas”6, além de reafirmar todas essas
referências no corpo da Carta.
Posteriormente, com esse mesmo espírito de proteção dos valores
fundamentais, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi aprovada em
10/12/1948, na terceira sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, em
Paris.
Este documento possui trinta artigos, precedidos de um preâmbulo com
sete considerandos, em que se reconhece expressamente a dignidade da
pessoa humana, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz; a
democracia; o direito de resistência à opressão e a concepção comum desses
direitos. Em seguida, ainda como parte do Preâmbulo do documento, a
Assembleia Geral proclama
o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da Sociedade, tendo esta Declaração constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educação, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos [...]
7.
Os trinta artigos que sucedem o preâmbulo e formam o documento
tratam de direitos fundamentais do homem.
Entretanto, faz-se, dentro da doutrina constitucionalista, uma grande
crítica à eficácia das normas das Declarações de Direitos. Quando uma
declaração é universal, que não dispõe de um sistema próprio que a faça valer,
o problema é ainda maior (DALLARI, 1991).
Pensando nisso, foram aprovados pela Assembleia Geral, em Nova
York, em 16/12/66, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “com o fim de
conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948 e, assim, eficácia jurídica que
supere a obrigatoriedade apenas moral que a caracteriza” (SILVA, 2005, p.
165).
6 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm. Acesso em
23/07/2014. 7 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 15/07/2014.
34
34
A Europa, por sua vez, aprovou, em 04/11/50, a Convenção de
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a qual
foi ratificada por dezessete Estados europeus e que instituiu mecanismos
próprios para garantir o cumprimento dos seus dispositivos, como a Comissão
Europeia de Direitos do Homem e o Tribunal Europeu de Direitos do Homem.
No continente americano, o mais expressivo acordo multinacional é a
Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de
San Jose da Costa Rica, aprovada nesta cidade em 22/11/69 e que
institucionaliza a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
1.5. Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira
A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, foi bastante generosa
na concessão de direitos aos cidadãos. Isso se explica pelo fato de que o Brasil
estava saindo de um período ditatorial, que suprimiu em essência todos os
direitos fundamentais do povo, especialmente as liberdades. Ao romper com o
sistema jurídico anterior, a nova Constituição procura se diferenciar bastante da
realidade de ditadura e passa a garantir expressamente os direitos de
liberdade, pilares do Estado Democrático de Direito, além dos direitos sociais e
trabalhistas.
Além disso, a Constituição de 88 procurou se coadunar com os
tratados internacionais já existentes em matéria de direitos fundamentais,
fazendo com que seu ordenamento jurídico também dispusesse de
instrumentos jurídico-processuais para garantia desses direitos, como o habeas
corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação
popular, as ações diretas de in/constitucionalidade e arguição de
descumprimento de preceito fundamental, além da proteção pelas ações
ordinárias, por força do princípio do acesso à justiça.
Houve, sem dúvida, uma opção clara em favor dos direitos fundamentais, demonstrando que o constituinte teve verdadeiramente a intenção honesta – e não meramente retórica – de fazer valer esses direitos (MARMELSTEIN, 2013, p. 64).
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35
Outro detalhe que merece atenção é para o fato de que os Direitos
Fundamentais, nesta Constituição, abrem o texto, diferentemente das
anteriores, em que referidos direitos, quando presentes, eram postos ao final
do documento, após os capítulos de divisão dos poderes. Tal fato demonstra a
tamanha importância reconhecida pelo Constituinte aos direitos fundamentais,
renegados aos cidadãos brasileiros no regime constitucional anterior.
Assim, na Constituição vigente, os direitos fundamentais encontram-se
descritos no Título II, que garantem “Direitos e Garantias Fundamentais”.
Os direitos fundamentais tratados no presente trabalho serão expostos
um a um a partir do tópico abaixo.
1.6. Direitos Fundamentais tratados neste trabalho
1.6.1. Liberdade
A ideia que inspira a noção de liberdade é a da autonomia da vontade,
que vem a ser “a faculdade que o indivíduo possui para tomar decisões na sua
esfera particular de acordo com seus próprios interesses e preferências”
(MARMELSTEIN, 2013, p. 101). Assim, assegurando o direito de
autodeterminação, o Estado reconhece os cidadãos como responsáveis e
capazes de tomar as decisões que lhes dizem respeito.
Conceituar liberdade não é uma tarefa fácil. Muitos conceitos exploram
o lado “negativo” da liberdade, no sentido de contrapô-la à autoridade,
definindo-a como sendo a resistência à opressão ou à coação da autoridade.
Porém, como bem observa o professor José Afonso da Silva, a liberdade se
opõe ao autoritarismo, e não à autoridade legítima (SILVA, 2005, p. 232).
A definição da Declaração de 1789 parece ser bem aceitável:
A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei pode determinar. (SILVA, 2005, p. 233)
Entretanto, em sua maioria, os conceitos de liberdade englobam a
possibilidade de o homem atuar em busca de sua realização pessoal, através
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36
das escolhas, o que remete novamente ao princípio da autonomia da vontade.
Logo, os diversos direitos de liberdade decorrem deste princípio e serão
detalhados a partir de agora.
1.6.1.1. Liberdade de expressão
Conforme mencionado acima, a liberdade de opinião é a faculdade de
que dispõe o cidadão de escolher em que acreditar. Já a liberdade de
expressão é o direito de o indivíduo manifestar a opinião, expô-la, sem medo
de que seja reprimido por qualquer meio.
Essa liberdade se torna um instrumento essencial ao regime
democrático, na medida em que permite a livre circulação de ideias por todos
os meios de comunicação existentes, promovendo debates e confronto de
opiniões.
Na Constituição brasileira, o art. 5º expressa, em seu inciso IV, que “é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e, no inciso
IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença”8.
Há ainda na Constituição, os artigos 220 a 224, que tratam das regras
para a comunicação social, nas quais também está presente a vedação à
censura em qualquer aspecto.
Essa liberdade de manifestação do pensamento é exercida de
inúmeras formas, desde discursos falados, escritos, através de arte em suas
múltiplas formas, enfim, através de qualquer meio disponível.
E não apenas o discurso político é protegido, mas qualquer ideia
manifestada por qualquer pessoa através de qualquer meio. Inclusive, deve-se
acrescentar, “na liberdade de manifestação do pensamento inclui-se, também,
o direito de tê-lo em segredo, isto é, o direito de não manifestá-lo, recolhendo-o
na esfera íntima do indivíduo” (SILVA, 2005, p. 244).
8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jul 2014.
37
37
Entretanto, a liberdade de expressão traz consigo um ônus, que é o de
o manifestante se identificar, para que, em sendo o caso, possa responder por
danos causados a terceiros. Daí a razão de a Constituição vedar o anonimato e
de conceder o direito de resposta, proporcional ao agravo, direito este
constante do inciso V do mesmo artigo 5º 9.
Além da Constituição, o Pacto de San Jose da Costa Rica expressa
que “toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em
seu prejuízo, por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam
ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua
retificação ou resposta”10
.
Percebe-se, por tudo isso, que o Constituinte de 88 foi bastante
enfático em assegurar a livre circulação de ideias, em oposição ao regime
militar vigente no país no período anterior, que adotou a censura de forma
banalizada. A intenção era de abolir completamente os abusos praticados
durante o regime militar, tornando o Brasil uma República Democrática.
1.6.2. Direito de acesso à informação
Previsto no art. 5º, inciso XIV, da Constituição, que expressa: “é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional”. Há, ainda, o inciso XXXIII do art.
5º, que garante que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que
serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
José Afonso da Silva, ao tratar do assunto, cita Freitas Nobre, que, por
sua vez, afirma que
a relatividade de conceitos sobre o direito à informação exige uma referência aos regimes políticos, mas, sempre, com a convicção de que este direito não é um direito pessoal, nem simplesmente um
9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 jul 2014. 10Texto Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 23/07/2014.
38
38
direito profissional, mas um direito coletivo (NOBRE apud SILVA, 2005, p. 259-260).
Portanto, vê-se “o interesse geral contraposto ao interesse individual da
manifestação de opinião, ideias e pensamento, veiculados pelos meios de
comunicação social” (SILVA, 2005, p. 260).
Com o avanço da tecnologia, a internet se tornou um dos principais
meios de acesso à informação pela população. Através das redes sociais e dos
inúmeros sites de notícias, as pessoas se mantêm informadas dos
acontecimentos em escala global.
A fim de regulamentar o inciso XXXIII do art. 5º, foi aprovada a Lei nº
12527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação. Através dela, os
órgãos e entidades do poder público são obrigados a fornecer, via internet, os
dados da sua gestão, divulgando informações de interesse público,
independente de solicitação, observando o princípio da publicidade como regra
geral, sendo o sigilo uma exceção.
Para isso, são divulgados desde dados básicos, como endereço,
horário de atendimento e estrutura organizacional dos órgãos, até
movimentações financeiras e processos licitatórios, entre outros. A intenção é,
de fato, tornar a gestão pública o mais transparente possível. Entretanto, na
prática, a maioria dos órgãos públicos não aplica corretamente a lei, omitindo
diversas informações dos cidadãos.
Mas o importante é notar que a internet vem se consolidando como o
meio mais democrático e eficiente de acesso à informação, seja ela de
qualquer natureza, em virtude da velocidade com que pode ser atualizada. E
isso acaba favorecendo aos regimes democráticos, reforçando ainda mais a
liberdade de expressão.
1.6.3. Pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura
nacional
Os direitos culturais têm referência expressa no artigo 215 da
Constituição Federal, segundo o qual “o Estado garantirá a todos o pleno
39
39
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. De acordo
com José Afonso da Silva, o texto constitucional trata os direitos culturais como
“informados pelo princípio da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos”
(SILVA, 2005, p. 313).
Os direitos culturais reconhecidos pela Constituição são: (a) direito de
criação cultural, incluídas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (b)
direito de acesso às fontes de cultura nacional; (c) direito de difusão da cultura;
(d) liberdade de formas de expressão cultural; (e) liberdade de manifestações
culturais; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e
de proteção dos bens de cultura.
1.6.4. Direito de autor
O direito de autor está disciplinado na Constituição Federal nos incisos
XXVII e XXVIII do artigo 5º, que dispõem:
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.
Portanto, o direito de autor tem status de direito fundamental no
ordenamento jurídico brasileiro.
Além da disciplina constitucional, existe a Lei nº 9610/98, que disciplina
especificamente o direito de autor e os direitos conexos.
A lei especifica duas dimensões do direito autoral: os direitos morais e
os patrimoniais. A dimensão moral, tratada no Capítulo II, arts. 24 a 27, diz
respeito, principalmente, ao direito de o autor ter seu nome vinculado à obra de
sua criação, além de poder manter a obra inédita, reivindicar, a qualquer
tempo, a sua autoria, entre outros. Os direitos morais são irrenunciáveis e
inalienáveis por força de lei.
40
40
Já a dimensão patrimonial se relaciona ao uso e à fruição da obra
protegida. Essa dimensão do direito de autor, ao contrário dos direitos morais,
pode ser, e muito frequentemente o é, alienada. O autor pode transmitir a
outrem os direitos sobre reprodução, adaptação, tradução, distribuição e outros
tipos de utilização da obra protegida.
O tempo de proteção de obras intelectuais protegidas por direito autoral
é de 70 (setenta) anos após a morte do autor. Após esse prazo, a obra
ingressa no domínio público, ficando livre para qualquer pessoa que queira
utilizá-la para qualquer fim, sem que seja necessária autorização do autor ou
de seus herdeiros. Mais à frente discutiremos porque esse tempo é muito longo
e quais as dificuldades encontradas num tempo em que a cópia é feita com
muita facilidade.
Há, ainda, na LDA11 um capítulo sobre exceções e limitações ao direito
autoral. Os artigos 46 a 48 estabelecem condições para que o uso da obra
protegida não necessite de autorização do titular do direito autoral. Entretanto,
essas condições são extremamente restritivas e em nada estimulam ou
facilitam o uso de uma obra, por exemplo, para fins educacionais. Por exemplo:
o inciso II do artigo 46 expressa:
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
Portanto, segundo o referido texto legal, para que uma cópia de um
livro, por exemplo, por um estudante de uma universidade, seja feita dentro da
legalidade, é preciso que ela atenda aos cinco requisitos descritos: deve ser
feita em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado de quem fez
a cópia e seu uso deve ser feito pela mesma pessoa e sem intuito de lucro.
Entretanto, num contexto de cultura digital em que se vive atualmente,
isso acaba se tornando inviável e cada vez mais autores reclamam de usos
indevidos de sua obra e partem para artifícios limitadores de cópias, como os
TPMs, sigla para Technological Protection Measures, ou medidas tecnológicas
de proteção, em português. Esses dispositivos foram por muito tempo
utilizados pela indústria fonográfica para controlar a reprodução de CDs, assim
11 Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9610/98.
41
41
que a internet tornou possível o compartilhamento peer-to-peer (p2p) e
surgiram empresas como Napster, que popularizaram a prática de distribuição
através da rede.
Vale aqui uma reflexão sobre a natureza jurídica dos direitos de autor.
Muito se questiona, entre a doutrina, se referidos direitos teriam natureza de
direitos de propriedade, para, em consequência, serem aplicadas as restrições
decorrentes do princípio de função social da propriedade. Nossa tese é a de
que as obras intelectuais e os bens materiais têm natureza distinta, pois que há
alguns problemas em uni-los sob a sob a mesma natureza, conforme descrito a
seguir.
A primeira diferença entre os dois é a forma de aquisição dos direitos12.
Bruno Magrani descreve bem a distinção:
Quanto à aquisição originária, se a propriedade pode surgir através do (sic) usucapião ou da ocupação, o mesmo não ocorre com os direitos de autor. A aquisição originária para o autor só ocorre com a criação da obra. No concernente à transferência (aquisição derivada), a regra geral de direito de propriedade é que os bens móveis transferem-se pela entrega do bem (traditio) ao futuro proprietário, enquanto os bens imóveis, pela impossibilidade de entrega efetiva, transferem-se pela averbação em registro público desta transferência. Apesar do artigo 3º da LDA considerar os direitos autorais como bens móveis para os efeitos legais, a transferência da titularidade de tais direitos não é feita através da entrega da obra a outrem. Muito pelo contrário, constatamos que, por força do artigo 27 da LDA, „os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis‟. Em outras palavras, seria impossível vender, por exemplo, a paternidade de uma obra pela restrição legal. Mas ainda que se considerem os direitos patrimoniais do autor, aquela regra geral continua sem aplicação. Segundo o artigo 37 da LDA, „a aquisição original de uma obra, ou de um exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nessa lei.‟ (MAGRANI, 2008, p. 162-163)
O autor arremata sua explicação afirmando que “apesar de serem
considerados bens móveis para os efeitos legais, os direitos patrimoniais sobre
12 Sérgio Branco afirma que “segundo Antônio Chaves, a diferença entre o direito autoral e os demais direitos de propriedade material revela-se pelo modo de aquisição originários (já que o direito autoral só surge para o autor por meio da criação da obra) bem como pelos modos de aquisição derivados. Afinal, quanto a estes, no direito autoral não existe perfeita transferência entre cedente e cessionário, uma vez que a obra intelectual não sai completamente da esfera de influência da personalidade de quem a criou, em decorrência da manutenção dos direitos morais.” BRANCO JUNIOR, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p. 51-52.
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a obra só podem ser transferidos através de contrato de cessão por escrito”
(MAGRANI, 2008, p. 162-163).
A segunda diferença, que torna os dois conceitos ainda mais distantes,
se refere ao prazo de duração dos direitos. A propriedade é um direito
perpétuo, enquanto os direitos de autor tem seu limite estabelecido por lei.
Então, se direito autoral não é propriedade, o que é? Entende-se, e o
presente trabalho incorpora referido entendimento, que o direito autoral é um
sistema de incentivo à produção artística e científica, através de um monopólio
concedido ao autor para exploração da obra, porém com a previsão de
limitações e exceções ao direito exclusivo de exploração concedido ao autor.
Daí decorre, também, a temporariedade da concessão, pois que a
perpetuidade não se coaduna com esse sistema.
E se o direito autoral não é propriedade, consequentemente não se
pode utilizar o princípio da função social da propriedade como fundamento para
as exceções e limitações aos direitos de autor. Tais limitações são justificadas,
então, pelos princípios abordados anteriormente neste capítulo: liberdade de
expressão, acesso à informação e a garantia do pleno exercício dos direitos
culturais e acesso à cultura nacional. Assim, conciliam-se os argumentos “da
constitucionalização do direito, sem, no entanto, enfrentar os problemas de
ordem conceitual e prática derivados do enquadramento dos direitos autorais
como direito de propriedade” (MAGRANI, 2008, p. 167).
Outra vantagem que surge dessa abordagem é o fato de que mais
facilmente se demonstra que a proteção por direito autoral é a exceção, e não
a regra, posto que referida proteção é limitada. O domínio público é, então, a
regra, bem como o livre acesso à informação e a liberdade de expressão.
A partir dessa reflexão conceitual, apresentaremos, no curso deste
trabalho, como a internet trouxe para a sociedade a possibilidade de efetivação
do princípio do acesso à informação e como a indústria dos bens culturais
reagiu, na tentativa de impor a proteção autoral como direito absoluto e
sobreposto às demais garantias constitucionais.
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Capítulo 2 O surgimento da Internet e a mudança de paradigma na produção e no
consumo de conteúdo cultural
“Live the full life of the mind, exhilarated by the new ideas, intoxicated by the
romance of the unusual.”13 Ernest Hemingway
2.1. Breve história da Internet
Como afirma Manuel Castells,
(...) a história da criação e do desenvolvimento da Internet é a história de uma aventura humana extraordinária. Ela põe em relevo a capacidade que têm as pessoas de transcender metas institucionais, superar barreiras burocráticas e subverter valores estabelecidos no processo de inaugurar um mundo novo. Reforça também a ideia de que a cooperação e a liberdade de informação podem ser mais propícias à inovação do que a competição e os direitos de propriedade (CASTELLS, 2003, p.13).
A história da internet se inicia com o surgimento da ARPANET, a rede
original a partir da qual se deu o desenvolvimento a rede hoje conhecida como
Internet. A ARPANET era um projeto da DARPA – Defense Advanced
Research Projects Agency – agência de pesquisas ligada ao Departamento de
Defesa dos Estados Unidos da América. O objetivo por trás da sua construção
não se limitava a somente criar a rede, mas resolver um problema que
dificultava o desenvolvimento de pesquisas na área da ciência da computação:
o isolamento e a falta de comunicação entre os núcleos de pesquisa. Uma das
soluções para o problema era a de conectar os computadores dos centros de
pesquisa, de forma a compartilhar recursos computacionais.
Para facilitar o processo, Leonard Kleinrock, da UCLA, publicou um
artigo e, posteriormente, um livro, sobre comutação de pacotes (packet
switching)14, convencendo Lawrence Roberts, pesquisador da DARPA, de que
a comunicação através de pacotes, em vez de circuitos, seria um grande passo
13 Viva a vida plena da mente, empolgado com as novas ideias, intoxicado pelo romance do incomum. (Tradução livre) 14 Internet Society. Brief history of the Internet. Disponível em http://www.internetsociety.org/internet/what-internet/history-internet/brief-history-internet#Origins. Acesso em 02/07/2014.
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para a construção de redes de computadores. A comutação de pacotes tornar-
se-ia um dos mais cruciais componentes da arquitetura da internet,
responsável pela sua estrutura distribuída.
Os primeiros nós da rede da ARPANET, então, foram UCLA (University
of California, Los Angeles), SRI (Stanford Research Institute), UC Santa
Barbara e University of Utah.
Coube aos estudantes de pós-graduação dos referidos institutos a
criação dos protocolos de comunicação par-a-par entre as máquinas já
conectadas (CASTELLS, 2003, p.25). Então, iniciou-se o processo de
construção dos padrões da Internet, que deu início, inclusive, aos documentos
denominados RFC (request for comments), até hoje o principal veículo no
processo de padronização da rede (HAFNER; LYON, 1998, p. 144-145),
utilizado por entidades internacionais como IETF (Internet Engineering Task
Force), ISOC (Internet Society) e IAB (Internet Architecture Board).
Em dezembro de 1970, o grupo de trabalho finaliza o protocolo host-to-
host da ARPANET, chamado de Network Control Protocol (NCP). Entretanto,
ficou constatado que o NCP precisaria ser modificado, razão pela qual ele foi
abandonado e substituído pelo protocolo TCP, posteriormente adicionando
também o IP, desenvolvido por Vint Cerf e Bob Kahn, dando origem à Internet
como ela hoje é conhecida.
O trabalho original de Cerf e Kahn sobre a Internet descreveu o TCP
como o protocolo que forneceria todo o transporte e serviços de
encaminhamento na Internet. Kahn tinha a intenção de que o protocolo TCP
suportasse uma gama de serviços de transporte, a partir da entrega de dados
sequenciada e totalmente confiável (modelo de circuito virtual) de um serviço
de datagramas em que a aplicação faz uso direto do serviço de rede
subjacente, o que poderia implicar em perda ocasional e pacotes corrompidos
ou reordenados. No entanto, o esforço inicial para implementar o TCP resultou
numa versão que somente permitiu circuitos virtuais. Esse modelo funcionou
bem para transferência de arquivos e aplicações de login remoto, mas alguns
dos primeiros trabalhos sobre aplicações de rede avançados, em particular
pacotes de voz na década de 1970, deixaram claro que, em alguns casos, a
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perda de pacotes não deveria ser corrigida pela TCP, mas deveria ser deixada
para a aplicação resolver. Isso levou a uma reorganização do TCP original em
dois protocolos, o IP simples, que funcionaria apenas para endereçamento e
encaminhamento de pacotes individuais, e o TCP em separado, que estava
preocupado com as características de serviços, como o controle de fluxo e
recuperação de pacotes perdidos. Para as aplicações que não precisavam dos
serviços de TCP, uma alternativa chamada User Datagram Protocol (UDP) foi
adicionada a fim de fornecer acesso direto ao serviço básico de IP.
Após a implementação do protocolo TCP/IP, foram adicionados outros
elementos, como o SMTP (Simple Mail Transfer Protocol), utilizado para os
serviços de e-mail, e o estabelecimento do sistema de nomes de domínio, DNS
(Domain Name System).
Posteriormente, na década de 90, Tim Berners-Lee desenvolveria um
sistema distribuído fundamental para o acesso à internet nos dias atuais: a
World Wide Web (WWW). Berners-Lee elaborou uma linguagem de hipertexto,
o HTML, um protocolo, o HTTP, e um software para navegação e edição de
páginas na web, facilitando a conexão entre computadores ao redor do mundo
e o acesso a informações.
Como se pode perceber, a Internet, desde a sua origem, foi fundada
em parâmetros abertos e descentralizados. Manuel Castells afirma que os
jovens estudantes que contribuíram para o desenvolvimento da ARPANET e,
posteriormente, da Internet, “estavam impregnados dos valores da liberdade
individual, do pensamento independente e da solidariedade e cooperação com
seus pares” e, embora não se filiassem à contracultura,
(...) essa cultura estudantil adotou a interconexão de computadores como um instrumento da livre comunicação, e, no caso de suas manifestações mais políticas (Nelson, Jennings, Stallman), como um instrumento de libertação que, junto com o computador pessoal, daria às pessoas o poder da informação, que lhes permitiria se libertar tanto dos governos quanto das corporações (CASTELLS, 2003, p.26).
A abertura da arquitetura da internet possibilitou também seu
fortalecimento através do desenvolvimento autônomo, à medida que seus
usuários se tornaram artífices da rede. Tim Berners-Lee apenas desenvolveu a
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46
WWW porque contou com o apoio da comunidade da Internet, ajudado e
estimulado por hackers ao redor do mundo. Berners-Lee, por opção própria,
nunca comercializou sua tecnologia, apenas trabalhou no interesse público,
recebendo em troca o respeito da comunidade hacker.
Desde o início, então, vê-se que a produção púbica de conteúdo é
encorajada pelos desenvolvedores da tecnologia. Nomes como o próprio Tim
Berners-Lee, Linus Torvalds, Richard Stallman e Ted Nelson são grandes
exemplos de como a produção e a distribuição de conteúdo sempre foi um
ideal de quem trabalha com tecnologia.
2.2. O nascimento da Cibercultura
O crescimento da comunicação baseada na informática trouxe à tona
outros valores. Os atores da expansão desse movimento, citados acima,
construíram um espaço que Pierre Levy descreve como “um espaço de
encontro, de compartilhamento e de invenção coletiva” (LEVY, 1999, p. 128).
Ele acrescenta ainda que as pessoas que fizeram crescer o
ciberespaço não são os grandes representantes do governo ou de grandes
empresas, mas, em sua maioria, anônimos, estudantes, entusiastas amadores
dedicados a melhorar cada vez mais as ferramentas informáticas já existentes,
ou mesmo inventar novas ferramentas. Além desses, os visionários que, desde
o início de todo esse processo de evolução das redes de computador,
“pensavam que deveríamos colocar as redes de computador a serviço da
inteligência coletiva” (LEVY, 1999, p. 128).
E com isso nasce a Cibercultura. E nas palavras do próprio Levy
(...) o movimento social que acabo de mencionar inventa provavelmente o „verdadeiro‟ uso da rede telefônica e do computador pessoal: o ciberespaço como prática de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária, o ciberespaço como horizonte de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalizável no qual cada ser humano pode participar e contribuir. (LEVY, 1999, p. 128)
Ainda segundo o pensamento de Levy, o crescimento do ciberespaço
foi orientado por três princípios: a interconexão, a criação de comunidades
virtuais e a inteligência coletiva.
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A interconexão aparece como princípio primordial à existência do
ciberespaço e dos demais princípios citados. Segundo Levy, é sempre
preferível a conexão ao isolamento (LEVY, 1999, p. 129), sendo o ideal da
Cibercultura a comunicação universal entre dispositivos, o que hoje se convém
chamar de “internet das coisas”.
O segundo princípio é o da criação de comunidades virtuais. O
ciberespaço permite a construção de comunidades virtuais em razão das
afinidades de interesses, convergência de projetos ou mesmo processos de
cooperação ou troca, sem que necessariamente as pessoas envolvidas
estejam geograficamente próximas ou tenham algum tipo de vínculo
institucional entre si.
A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração. (LEVY, 1999, p. 132)
O terceiro princípio da Cibercultura, o da inteligência coletiva, é, em
verdade, sua finalidade última.
A inteligência, segundo Levy, é “o conjunto canônico das aptidões
cognitivas, a saber, as capacidades de perceber, de lembrar, de aprender, de
imaginar e de raciocinar.” (LEVY, 2011, p. 97)
A inteligência coletiva está tanto no universo de coisas que nos cerca e
que, cada vez que as utilizamos, participamos da inteligência coletiva que as
produziu; quanto nas instituições sociais, leis, costumes e regras que influem
em nossos pensamentos.
Pela biologia, nossas inteligências são individuais e semelhantes (embora não idênticas). Pela cultura, em troca, nossa inteligência é altamente variável e coletiva. Com efeito, a dimensão social da inteligência está intimamente ligada às linguagens, às técnicas e às instituições, notoriamente diferentes conforme os lugares e as épocas. (LEVY, 2011, p. 99)
Assim, a inteligência coletiva é posta em prática continuamente na
Internet, a cada mínimo ato de socialização online, especialmente após o
surgimento da chamada Web 2.0, conforme se verá adiante.
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2.3. Web 2.0, produção descentralizada de conteúdo e cultura livre
Com a evolução e o aumento das ofertas de plataformas de serviços
baseados na Internet, e com o advento da chamada “Web 2.0”, houve um
crescimento na produção de conteúdo pelos usuários comuns. Como coloca
Lawrence Lessig, a cultura, na era da internet, passa de “read/only” para
“read/write” (LESSIG, 2004, p. 37), ou seja, o usuário comum de internet
passou a produzir conteúdo na mesma medida em que apenas consumia,
através dos canais mais tradicionais de distribuição de cultura. Agora, não mais
se assiste a programas de televisão, como também se produz quase que com
a mesma eficiência e qualidade que uma grande rede de telecomunicação.
Com isso, surgem também implicações mercadológicas e sociais, como novos
modelos de negócio baseados no “livre”.
Conceitualmente,
(...) a Web 2.0 é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo. A Web 2.0 refere-se não apenas a uma combinação de técnicas informáticas (serviços Web, linguagem Ajax, Web syndication, etc.), mas também a um determinado período tecnológico, a um conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação mediados pelo computador. (PRIMO, 2007, p.1)
Tim O‟Reilly descreveu a Web 2.0 como um núcleo ao redor do qual
gravitam princípios e práticas comuns a diversos sites (O‟REILLY, 2005),
conforme se pode perceber da figura 1 abaixo:
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Figura 1 – Web 2.0 Meme Map15
É disso que se trata a tão falada Web 2.0: tecnologias mais entendidas
e amplamente disponíveis, que proporcionam uma maior usabilidade, assim
como a produção colaborativa mais efetiva. Trata-se, em sua definição, de ver
a Web como uma plataforma. Com a quantidade cada vez maior de
dispositivos que proporcionam gravação, manipulação e publicação de
conteúdo, qualquer pessoa pode pensar em criar e distribuir material online.
Isso é o que o referido autor chama de “arquitetura de participação”: funções de
compartilhamento e interconexão são incorporadas aos sistemas, fazendo com
que os serviços tornem-se melhores, mais rápidos, com mais recursos, quanto
mais pessoas os utilizarem, sendo este mais um princípio chave da Web 2.0,
no seu ponto de vista.
Neste ponto, chamamos a atenção para outro conceito, cunhado por
Jonathan Zittrain: o da generatividade da Internet. Ele explica que
15 O’REILLY, Tim. What is Web 2.0 – Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software. O’Reilly Publishing, 2005.
50
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generatividade é a capacidade de um sistema para produzir uma mudança inesperada através de contribuições não filtradas de amplas e variadas audiências (ZITTRAIN, 2008, p. 70).
Isso significa que qualquer pessoa é capaz de desenvolver novas
aplicações que operem na Internet devido à sua arquitetura em forma de
ampulheta:
Figura 2 – A ampulheta da Internet16
A representação da Internet em forma de ampulheta pode ser
percebida de duas formas. A primeira, para mostrar a noção de que a rede
pode ser dividida em camadas conceituais.
Na parte de baixo, está a camada física, que são os fios por onde os
dados trafegam. No topo, tem-se a camada de conteúdo, representando as
tarefas que as pessoas podem executar na Internet. No meio, temos a “camada
de protocolo”, que estabelece o modo consistente para o fluxo de dados, para
que o remetente e o destinatário possam ter informações básicas sobre quem
enviou e quem recebeu os pacotes de dados.
16 ZITTRAIN, Jonathan. The future of the Internet – and how to stop it. New Haven: Yale University Press, 2008 p. 68.
51
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Vale ressaltar que as camadas são independentes entre si, então não
há necessidade de coordenação nem de conhecimento entre aqueles que
trabalham numa e noutra camada.
A segunda forma de percepção é a própria forma da ampulheta. Os
autores do Protocolo IP não previram o que preencheria o topo e a base da
ampulheta. Qualquer pessoa pode se tornar parte da rede, basta que encontre
alguém que já faça parte dela e que queira compartilhar o acesso. Portanto, a
grande variedade de formas de se conectar fisicamente à rede é representada
pela larga base da ampulheta. Da mesma forma, o topo representa a enorme
gama de aplicações que podem ser incorporadas à Internet. Apenas o meio,
que contém o Protocolo IP, é estreito (ZITTRAIN, 2008, p. 69).
É nesse contexto, de grande variedade de aplicações na Internet, que
se modifica o paradigma da produção de conteúdo online.
Lessig afirma que a Internet provocou uma mudança importante no
processo de construção da cultura; uma mudança que transformará
radicalmente essa tradição e que muitos nem conseguem visualizar (2004, p.
7). Porém, para chegar nesse ponto, cabe aqui uma digressão histórica sobre o
início dessa transformação.
E tudo começou com o Movimento do Software Livre (MSL), iniciado
em 1983 e liderado por Richard Stallman. Em 1985, Stallman também fundou a
Free Software Foundation, a fim de ter um maior suporte ideológico.
A filosofia básica do MSL é a de que “software livre é uma questão de
liberdade, não de preço”17. Segundo Stallman, os usuários devem ter a
possibilidade de usar, copiar, distribuir, estudar, modificar e melhorar o código
do programa. As quatro liberdades fundamentais dos usuários, elencadas por
Satallman, são, a saber:
17 O texto original, em inglês, permite uma melhor compreensão, tendo em vista que os termos, naquela língua, de fato se confundem e a explicação se torna necessária. A citação original é como se segue: “’Free software’ is a matter of liberty, not price. To understand the concept, you should think of ‘free’ as in ‘free speech’, not as in ‘free beer’”. STALLMAN, Richard. Free Software, Free Society: Selected Essays of Richard M. Stallman. 2 ed. p. 3.
52
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A liberdade de usar o programa para qualquer propósito
(liberdade 0);
A liberdade de estudar como o programa funciona e modificá-lo
para que ele faça o que o usuário deseja (liberdade 1);
A liberdade de redistribuir cópias, para que se possa ajudar o
vizinho (liberdade 2);
A liberdade de distribuir cópias da sua versão modificada a
outros (liberdade 3). (STALLMAN, 2010, p. 3)
Desde que respeite essas quatro liberdades fundamentais, um software
pode ser considerado livre, na acepção de Stallman.
Após o surgimento do MSL, um outro movimento surgiu, chamado
Open Source Initiative, visando responder a um possível erro de interpretação
quanto ao termo “free” (“free as in gratis” versus “free as in freedom”.) Além
disso, o Open Source se opunha ao fato de que o software livre era feito
apenas por hackers e seu uso se tornaria difícil para o usuário comum.
Seguindo o mesmo rito do MLS, o Open Source lançou suas bases no
documento chamado de “The Open Source Definition”, que descrevia as bases
do movimento, identificando o que é e o que não é open source.
O fato é que esses movimentos inspiraram e produziram material para
discussão entre outros movimentos, e a discussão sobre a liberdade na
fabricação de softwares passou a nortear a produção de outros bens culturais.
Então, Lawrence Lessig, inspirado nos preceitos de Stallman, definiu
que a cultura livre “examina criticamente o papel das leis de propriedade
intelectual em prover incentivos para a criação de conteúdo, bem como seu
impacto no acesso ao conhecimento, à educação, à liberdade de expressão e à
participação na vida cultural” (LEMOS; MIZUKAMI, 2008, p. 31).
A Cultura Livre, então, expressa um desejo que a cultura seja livre –
como em liberdade – através de uma reforma no regime de propriedade
intelectual, além de ofertar opções de licenciamento alternativo dentro do
regime já existente.
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53
2.4. O desenvolvimento de uma economia de informação em rede
E quando a Internet se torna o modo dominante de acesso ao
conhecimento, mudanças potenciais e reais nos processos de produção
cultural, transmissão e arquivamento passam para o primeiro plano das
discussões, assim como as consequências políticas, econômicas e sociais.
O avanço tecnológico recente permitiu, como já dito anteriormente,
uma aproximação maior da população, do usuário comum, para com novas
ferramentas de criação e distribuição de bens culturais, o que tem levado a um
esgotamento dos atuais modelos de negócio da indústria do entretenimento.
Esta, ao invés de aproveitar a oportunidade para se reciclar e, assim, fazer a
tecnologia trabalhar a seu favor, prefere se manter num modelo engessado e
tentar modificar ou moldar o comportamento da população em prol da
manutenção dos seus princípios já ultrapassados. O objetivo da indústria é
manter o seu antigo monopólio de produção de conteúdo, mesmo numa época
de nova conjuntura tecnológica e cultural.
Benkler se refere ao que ele chama de economia de informação em
rede (networked information economy) como sendo a condição que hoje se
apresenta, em que após a proliferação das ferramentas de tecnologia da
informação e comunicação, houve a descentralização da produção e da
distribuição de produtos baseados em informação, o que acaba por modificar o
papel do usuário comum nesse processo, que antes apenas consumia o
produto vendido pela indústria tradicional de conteúdo cultural. Tal produção
não se apoia, como o faz a indústria, na proteção da propriedade intelectual,
mas no desenvolvimento do commons (commons-based peer production). E
esse processo é que impulsiona a formação da economia de informação em
rede referida por ele.
E quais são as características dessa nova economia?
O usuário comum, antes apenas receptor, agora age como produtor de
conteúdo, devido ao barateamento e à popularização de alto poder
computacional, bem como sua conexão com em rede. Isso, aliado ao maior
conhecimento técnico a respeito de como produzir, conhecimento este
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54
disponível na Internet, faz com que essa produção em rede se torne cada vez
maior.
Ademais, a distribuição desse material é também facilitada. Não há
mais intermediários, é possível chegar ao público alvo diretamente.
Com tudo isso, os antes consumidores passivos se tornam usuários
ativos, sendo essa mudança possível em virtude da democratização dos
avanços tecnológicos18.
E por tudo isso ora comentado, uma modalidade específica de
produção de informação vem ganhando considerável força: a chamada
commons-based peer production, ou produção por pares baseada em
commons.
Esta modalidade de produção tem por características as seguintes: (i) é
radicalmente descentralizada; (ii) colaborativa; (iii) não proprietária; e (iv)
baseada em recursos e resultados compartilhados (BENKLER, 2006, p. 60).
Os exemplos mais paradigmáticos deste modelo são o da produção de
software livre e da interminável construção da Wikipedia, porém outro exemplo
mais próximo e nem sempre referido pode ser acrescentado aqui: o da
produção científica.
Porém, para uma melhor compreensão deste fenômeno, necessária se
faz a definição desses dois termos: commons e peer production.
De acordo com Benkler, commons se refere a uma forma particular de
se estruturar os direitos de acesso, uso e controle de recursos. Para ele, é o
contrário de propriedade, no sentido de que, quando há propriedade, a lei
determina que alguém tem o poder de decidir como o recurso será utilizado.
Commons, então, tem como característica primeira o fato de que nenhuma
pessoa em particular tem controle exclusivo sobre o uso e a disposição de
algum recurso disponível no commons. Ao contrário, todos os recursos
18 “Digital technology could enable an extraordinary range of ordinary people to become part of a creative process. To move from the life of a “consumer” (just think about what that word means—passive, couch potato, fed) of music—and not just music, but film, and art, and commerce—to a life where one can individually and collectively participate in making something new”. LESSIG, Lawrence. The future of ideas: the fate of the commons in a connected world. New York: Random House, 2001. p. 9.
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55
pertencem à esfera de uso e disposição de um grupo mais ou menos definido
de pessoas (BENKLER, 2006, p. 60-61)19.
Segundo Ronaldo Lemos,
o que define se um determinado bem é um common não é sua possibilidade intrínseca de compartilhamento por todos, mas sim o regime pelo qual uma determinada sociedade decide lidar com um determinado recurso (LEMOS, 2005, p. 17).
A característica essencial aos commons é ser bens não-competitivos20.
Ou seja, o fato de uma pessoa usar não exclui a outra pessoa de também usar
ao mesmo tempo. Como exemplo, têm-se os parques da cidade, as praças, o
próprio ar que se respira (LEMOS, 2005, p. 17)21.
Os bens pertencentes ao commons são tanto aqueles que já estão em
domínio público quanto os que são sujeitos a licenças alternativas ao sistema
de propriedade intelectual vigente. Essa tradição de licenciamento alternativo
nasceu também no universo do software livre, primeiramente através das
licenças MIT e BSD, as quais evoluíram, através do trabalho de Stallman, para
a licença GNU GPL (GNU General Public License), cuja diferença para as
primeiras foi a adição da cláusula copyleft: o software derivado de outro que já
esteja licenciado pela GPL deve ser distribuído da mesma forma.
Lessig, seguindo a mesma estratégia do software livre, deu início, no
ano de 2001, ao projeto Creative Commons, que disponibiliza uma série de
19 Similarmente, Lessig expressa: “By ‘the commons’ I mean the resource that anyone within a relevant community can use without seeking the permission of anyone else. Such permission may not be required because the resource is not subject to any legal control (it is, in other words, in the public domain). Or it may not be required because permission to use the resource has already be granted. In either case, to use or build upon this resource requires nothing more than access to the resource itself.” LESSIG, Lawrence. Code version 2.0. New York: Basic Books, 2006, p. 198. 20 Originalmente, na literatura em língua inglesa sobre o tema, são utilizados dois termos: “nonrivalrous” e “nonexcludable”. O termo em português é usado por Ronaldo Lemos e, na ótica desta autora, dadas as diferenças linguísticas, abarca os dois termos da língua inglesa. 21 Vide, ainda, explicação de James Boyle: “The petunia farmer is selling something that is “a rivalrous good.” If I have the petunia, you can’t have it. What’s more, petunias are “excludable.” The farmer only gives you petunias when you pay for them. It is these factors that make the petunia market work. What about Madame Bovary, or the antibiotic, or The New York Times? Well, it depends. If books have to be copied out by hand, then Madame Bovary is just like the petunia. But if thousands of copies of Madame Bovary can be printed on a printing press, or photocopied, or downloaded from www.flaubertsparrot.com, then the book becomes something that is nonrival; once Madame Bovary is written, it can satisfy many readers with little additional effort or cost. Indeed, depending on the technologies of reproduction, it may be very hard to exclude people from Madame Bovary.” BOYLE, James. The public domain. New Haven: Yale University Press, 2008.
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licenças, agora não apenas para software, mas para qualquer tipo de trabalho
intelectual, as quais podem ser combinadas de acordo com a vontade do autor.
Esses modelos de licenciamento, portanto, permitem a criação de um
commons intelectual. Mas ressalte-se que Benkler, ao idealizar tudo isso, prevê
que a mesma liberdade de utilização pensada por Stallman para o seu software
livre22.
Já a peer production de Benkler se caracteriza por ser uma produção
entre iguais, conforme o próprio termo sugere, na qual a ação individual não
acontece com base em uma estrutura hierárquica administrativa de uma
empresa, mas através da própria rede.
Posto de outra forma, um grupo de pessoas com os mesmos
interesses trabalha por conta própria, assumindo tarefas que lhe interessam e
que acreditam que podem cumprir. O mais claro exemplo deste processo é o
da própria Wikipedia, em que indivíduos espalhados ao redor do mundo,
interessados na construção da enciclopédia, atuam na composição dos
verbetes, de acordo com seu grau ou área de conhecimento sobre um
determinado assunto. Algumas normas determinam comportamentos proibidos,
permitidos ou encorajados, mas o grau de autonomia de cada participante é
enorme.
E dentro dessa organização, podem ser observadas três funções:
primeiro, a de emissão, em que os participantes emitem uma “colocação
humanamente significativa”, nas palavras do próprio Benkler. Esta emissão
pode ser uma contribuição para um verbete na Wikipedia ou o melhoramento
de um código de um software livre, ou mesmo um artigo de um blog ou uma
fotografia em redes sociais; segundo, a atribuição de crédito e relevância à
emissão feita pelo participante. Essa atribuição pode se dar de diversas
22 “The term “commons-based” is intended to underscore that what is characteristic of the cooperative
enterprises I describe in this chapter is that they are not built around the asymmetric exclusion typical of property. Rather, the inputs and outputs of the process are shared, freely or conditionally, in an institutional form that leaves them equally available for all to use as they choose at their individual discretion. This latter characteristic— that commons leave individuals free to make their own choices with regard to resources managed as a commons—is at the foundation of the freedom they make possible.” BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven/London: Yale University Press, 2006, p. 62.
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maneiras, de acordo com a plataforma, e pode se utilizar dos mais diversos
critérios, objetivos e subjetivos; terceiro, a distribuição da emissão a outras
pessoas que a consideram relevante e crível.
Essas funções são facilmente observadas na indústria de conteúdo.
Porém, a Internet faz com que elas sejam distribuídas entre um número muito
maior de pessoas, consequentemente descentralizando o esquema produtivo e
adotando uma estrutura organizacional não tradicional, apenas observando
algumas normas mínimas de convivência de acordo com a arquitetura do
trabalho realizado.
Além dos modelos do software livre e da Wikipedia, já citados, pode-se
visualizar as características da commons-based peer production também nas
redes de distribuição p2p (peer-to-peer): quando um arquivo é posto à
disposição por um dos usuários (emissão), outros que tem interesse em obter o
mesmo arquivo fazem o download; se for bom, recomenda-se, através de um
sistema de classificação (atribuição de relevância e crédito) e disponibiliza para
o restante da rede, pois quanto mais usuários dispõem do mesmo arquivo,
mais rápido se torna o download para os demais (distribuição).
Portanto, verifica-se que nas atividades mais corriqueiras no
ciberespaço esse regime de produção descrito por Benkler está presente, o
que só reforça o fato de que mudanças profundas ocorreram no
comportamento dos indivíduos e nas formas de produção de conteúdo após o
surgimento da Web 2.0.
E como se configuram os direitos dos cidadãos no ciberespaço, nessa
nova conjuntura de produção de conteúdo informacional? As instituições
jurídicas estão prontas para tamanho avanço tecnológico?
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Capítulo 3 Conflito: acesso à informação e liberdade de expressão versus direitos de
autor
“We need diversity of thought in the world to face the new challenges.”
23
Tim Berners-Lee
3.1. Responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiro na Internet
Conforme já visto anteriormente, a Internet proporcionou um novo
mundo aos cidadãos. A possibilidade de acesso às mais variadas culturas do
mundo, o contato com outros povos, a milhares de quilômetros de distância,
tudo isso abre um leque de possibilidades àqueles que gostam de explorar o
desconhecido. Ademais, a facilidade com que se pode compartilhar conteúdo,
e, consequentemente, enriquecer-se culturalmente, faz com que as pessoas
queiram cada vez mais participar dessa grande torre de babel que é a Internet.
A tecnologia digital e a Internet tornaram muito fáceis a cópia e a
distribuição de conteúdo protegido por direito autoral. Várias formas novas de
expressão se aproximam cada vez mais do usuário comum, como visto no
capítulo anterior, e a Internet se torna uma facilitadora da circulação desses
bens intelectuais.
E esse é o verdadeiro potencial da grande rede. Tanto é assim que o
Creative Commons, em seu site oficial, expressa como sua visão “nada menos
do que realizar o inteiro potencial da internet – acesso universal a pesquisa e
educação, participação integral na cultura – para conduzir a uma nova era de
desenvolvimento, crescimento e produtividade”24.
Dentro disso, surgem conflitos aos participantes desse “novo mundo”.
Alguns desses conflitos dizem respeito a direitos e deveres. O que é possível e
o que não é possível praticar dentro da Internet? Alguns defendem que a
Internet nasceu livre e por isso deveria continuar assim, como se fosse “terra
23 Nós precisamos de diversidade de pensamento no mundo para encarar os novos desafios. (Tradução livre) 24
O texto original é o seguinte: “Our vision is nothing less than realizing the full potential of the Internet — universal access to research and education, full participation in culture — to drive a new era of development, growth, and productivity.” Disponível em http://creativecommons.org/about. Acesso em 11/07/2014.
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sem lei”. A famosa Declaração de Independência do Ciberespaço25, escrita por
John Perry Barlow em 1996, passava essa ideia. Mas hoje sabemos que não
pode funcionar dessa forma. Abusos de direitos têm sido praticados com
frequência contra os usuários de Internet, seja por empresas prestadoras de
serviço na rede, seja por criminosos que usam a Internet para praticar os mais
diversos delitos, ou mesmo pelos governos, conforme ficaram notoriamente
conhecidas as práticas escusas de espionagem da NSA, através das
denúncias feitas por Edward Snowden.
No Brasil, o primeiro passo para a defesa dos direitos mais básicos dos
usuários da Internet foi a aprovação recente do chamado Marco Civil da
Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 201426. Nesta lei, são destacados
direitos e deveres dos cidadãos, dos prestadores de serviço e do governo, para
que se evitem os abusos e, principalmente, para que a Internet no Brasil seja
regulada pelos princípios da liberdade de expressão, neutralidade de rede e
privacidade, e para que seja uma rede aberta, plural, democrática e
participativa.
Uma das regras incluídas no Marco Civil da Internet é a chamada
inimputabilidade da rede: a rede, bem como as plataformas nela disponíveis,
não são responsáveis pelo conteúdo gerado por terceiro. Explicando melhor:
aplica-se aqui a máxima do “don’t shoot the messenger”, ou “não atire no
mensageiro”, com a ideia de que a rede apenas proporciona a tecnologia aos
usuários; eles é que tem que saber utilizar as ferramentas existentes e se
responsabilizar pelo uso que fazem.
Então, partindo dessa premissa, o Marco Civil estabelece, em seu
artigo 18, que “o provedor de conexão à internet não será responsabilizado
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”. E, em
seguida, no artigo 19 diz que
Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as
25 Disponível em http://www.dhnet.org.br/ciber/textos/barlow.htm. Acesso em 10/07/2014. 26 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em 10/07/2014.
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providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Isso significa que os provedores de aplicação na Internet, os sites, em
geral, somente terão a obrigação de retirar o conteúdo gerado por terceiro se
houver determinação judicial para tanto, apenas sendo responsabilizado no
caso de desobediência da referida ordem judicial.
O legislador optou por esta abordagem justamente por ser mais
respeitosa aos demais direitos fundamentais, como o da liberdade de
expressão. O conteúdo apenas será removido se a justiça entender que cabe
sua remoção.
Entretanto, em relação a conteúdo protegido por direito autoral, há uma
ressalva no parágrafo 2º do mesmo artigo, que expressa:
A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5
o da Constituição Federal.
Houve, nesse caso, uma opção expressa do legislador por não regular
a matéria relativa a direitos autorais, tendo em vista que já há uma proposta de
alteração da lei específica em trâmite no Executivo. Porém, há aí a indicação
de que qualquer proposta desse tipo deve respeitar a liberdade de expressão e
as demais garantias da Constituição Federal.
Entretanto, quando se trata de conteúdo protegido por direito autoral,
as coisas não são assim tão fáceis.
O que era livre no começo da década de 90 passou a ser severamente
controlado, havendo uma “hipertrofia de formas tradicionais de proteção à
propriedade intelectual como reação à suposta „anarquia‟ da internet” (LEMOS,
2005, p. 32).
E um dos primeiros mecanismos de tentativa de controle foi o Digital
Millenium Copyright Act (DMCA), lei adotada nos EUA em 1998, no sentido de
modificar o tratamento dispendido aos conteúdos protegidos por direito autoral,
combatendo a facilidade de cópia e circulação de bens intelectuais na Internet.
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Uma das estratégias adotadas pelo DMCA foi a de imputar a terceiros
a responsabilidade sobre violações da lei de copyright, por exemplo,
provedores de aplicação e provedores de acesso. Ronaldo Lemos explica:
Note-se o impacto dessas disposições: o DMCA cria um mecanismo em que socializa a responsabilização por violações a bens intelectuais, estendendo tal responsabilidade àqueles que não foram propriamente agentes dessas violações. Mais ainda, o DMCA cria uma série de “portos seguros” (safe harbors), para isenção de responsabilidade. Estes nada mais são do que um rol de requisitos que, se atendidos, excluem a possibilidade de se responsabilizar um provedor pelas violações cometidas por seus usuários. Dessa forma, suas normas têm um impacto direto sobre a organização dos provedores e o modo como estes lidam com a disseminação da informação. (LEMOS, 2005, p. 33)
Apesar de haver esses referidos portos seguros, o modelo norte-
americano imputa ao provedor a responsabilidade pelo material ilícito, exceto
se o provedor seguir à risca os passos para sua isenção de responsabilidade
(safe harbor).
Na prática, basta que o detentor de direito autoral envie uma
notificação extrajudicial ao provedor, afirmando que existem infrações a seu
direito autoral, e o provedor é obrigado a retirar o conteúdo do ar.
Nesse sentido, é muito prejudicial que não seja necessária decisão
judicial sobre o assunto, pois que o provedor se torna uma espécie de polícia
da Internet. Mesmo nos casos em que a disponibilização do conteúdo esteja
sendo feita com respeito às regras de fair use, por exemplo, o que não
configuraria infração, o provedor é obrigado a retirá-lo do ar, numa clara ofensa
ao princípio básico de todo estado democrático, o da liberdade de expressão.
E, assim, nos dizeres de Lessig,
essa divisão grosseira entre o livre e o controlado agora foi apagada. A Internet montou o palco para essa supressão e, impulsionada pela grande mídia, a lei agora a afetou. Pela primeira vez em nossa tradição, os meios comuns pelos quais os indivíduos criam e compartilham cultura caíram na regulação da lei, a qual expandiu seu controle a um conteúdo de cultura e criatividade que ela nunca tinha alcançado antes. A tecnologia que preservava o balanço da nossa história – entre usos da nossa cultura que eram livres e usos da nossa cultura que eram apenas sob permissão – foi desfeita. A consequência é que nós somos menos e menos uma cultura livre e mais e mais uma cultura de permissão. (grifo nosso) (LESSIG, 2004, p. 8)
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E sua crítica vai ainda mais longe. Esse protecionismo não se destina
aos autores. É, ao contrário, uma proteção aos modelos de negócio existentes.
As corporações, sentindo-se ameaçadas pelo poder da Internet, induzem os
legisladores a criar leis para a proteção de seu status quo. (LESSIG, 2004, p.
9).
De qualquer forma, os sistemas legislativos precisam ter instrumentos
que façam, ou pelo menos tentem fazer, esse equilíbrio entre o interesse
privado dos autores e o interesse público de acesso às obras.
3.2. Instrumentos legislativos de limitação aos direitos autorais: fair use nos
EUA e exceções e limitações no Brasil
Dentre todas as diferenças substanciais existentes entre os sistemas
de Direito Autoral, no Brasil, e Copyright, nos Estados Unidos, uma em
particular se destaca: a existência, lá, do sistema de fair use, em contraposição
às limitações e exceções elencadas pela lei brasileira.
Tanto o fair use quanto as limitações e exceções são instrumentos
utilizados pelo legislador para mitigar o impacto das regras de direitos autorais
nos respectivos sistemas jurídicos. Fazem parte do conjunto de regras que
objetivam estabelecer um balanceamento entre os direitos exclusivos do autor
e o interesse público.
A doutrina do fair use foi inteiramente construída pela jurisprudência,
mas isso mudou em 1976, quando o Congresso norte-americano modificou a
lei de copyright para acomodar a então nova seção 10727.
Existem algumas atividades que a lei elenca como elegíveis ao
tratamento do fair use, como críticas, comentários, reportagens, atividades de
2717 U.S. Code § 107 - Limitations on exclusive rights: Fair use. Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, comment, news reporting, teaching (including multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement of copyright. In determining whether the use made of a work in any particular case is a fair use the factors to be considered shall include: (1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work. The fact that a work is unpublished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made upon consideration of all the above factors.
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ensino, incluindo as múltiplas cópias para uso em sala de aula, pesquisa
científica, entre outros. Tais usos não representam violação de copyright sob a
lei norte-americana.
A fim de decidir se um conteúdo está sujeito ao tratamento
proporcionado pela doutrina do fair use, os juízes devem definir se o trabalho
em questão se encaixa nos quatro fatores (BRANCO JUNIOR, 2007, 71-72) a
seguir: 1- o propósito e o caráter do trabalho do réu; 2- a natureza do trabalho
do autor; 3- a “quantidade” do trabalho do autor utilizada pelo réu; e 4- o
impacto no mercado potencial. Entretanto, nenhum desses fatores é
determinante, assim como essa não é uma lista exaustiva, ou seja, os
magistrados podem considerar outros elementos na sua avaliação.
Dentro do primeiro fator está incluído o critério comercial do trabalho:
quanto mais comercial a conduta do réu, menor a probabilidade de lhe ser
concedido o benefício do fair use. O caso das paródias e das críticas,
pacificamente aceitas como fair use pelas Cortes americanas, ilustra o primeiro
fator.
Em relação ao segundo fator, qual seja, a natureza do trabalho do
autor, a ideia básica é estabelecer quais tipos de trabalhos protegidos por
copyright têm maior proteção contra usos não autorizados. Assim, tem-se duas
variáveis: trabalhos não publicados são mais protegidos do que os publicados;
e trabalhos criativos são mais protegidos do que os factuais.
O terceiro fator se refere à quantidade do trabalho do autor utilizado
pelo réu. Quanto mais o réu toma, mais fraca será sua defesa de fair use.
Entretanto, a análise aqui não pode ser só quantitativa, mas também
qualitativa. Ou seja, deve-se observar, também, o grau de importância da parte
tomada pelo réu, mesmo que pequena, para o trabalho como um todo. Essa
variável ainda não se provou decisiva perante as Cortes de Justiça norte-
americanas.
Finalmente, o quarto fator se refere ao impacto do trabalho do réu no
mercado em potencial do autor. Quanto maior o prejuízo sofrido pelo autor em
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razão da conduta do réu, menos provável é que esta conduta seja considerada
justa.
Assim é que funciona o sistema de fair use nos Estados Unidos.
Apesar de existir um contorno bem definido, para certos casos, do que
seria fair use, a indústria de conteúdo normalmente não deixa passar em
branco as oportunidades que tem de processar alguém por uso indevido de seu
material. Um caso recente de um processo contra o próprio Professor Lessig
ficou famoso. Eis a sequência de fatos.
Lessig proferiu uma palestra em 2010 em Seul, como parte de uma
Conferência do Creative Commons, instituição criada por ele, como já visto
anteriormente. Depois do evento, a referida palestra foi divulgada no Youtube28.
A apresentação inclui alguns clipes curtos de dança amadora feitos por jovens
de diversas partes do mundo com a música “Lisztomania”, da banda francesa
Phoenix. Como um exemplo clássico de fair use, os clipes foram usados para
enfatizar os estilos emergentes de comunicação na Internet.
A Liberation Music, gravadora que representa a banda Phoenix na
Nova Zelândia, alegando que os clipes infringem seu direito autoral, solicitou ao
Youtube a retirada do vídeo da palestra e ameaçou processar Lessig, que,
então solicitou a ajuda da Electronic Frontier Foundation (EFF) para fazer sua
defesa em juízo.
Ressalte-se que o uso feito por Lessig em sua apresentação está
claramente sujeito ao regime de fair use de acordo com a lei norte-americana,
posto que se trata de uso para fins educacionais. Ademais, apenas um
pequeno trecho da música é utilizado, mesmo sendo diversas vezes o mesmo
trecho.
Ao final, o processo foi encerrado com um acordo entre as partes, em
que a gravadora reconhece que o uso feito por Lessig se agrupa na categoria
de fair use, nos EUA, e fair dealing, na Austrália29, razão pela qual desistiu do
28 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KBTWoCaNKn4. Acesso em 12/07/2014. 29 A lei australiana prevê as hipóteses de uso de obras sem necessidade de autorização pelo titular do direito autoral sob a rubrica de fair dealing, análoga ao fair use americano, na Seção 40 do Copyright Act
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processo. Além disso, o acordo inclui o pagamento, por parte da gravadora ao
professor, dos danos causados, em quantia sigilosa que será destinada à EFF
como apoio ao trabalho que faz a instituição contra o abuso das liberdades
individuais nesses casos.
Casos como esse são constantes nos EUA porque, segundo Lessig,
em teoria, o fair use significa possibilidade de uso sem permissão do titular. A
teoria, assim, ajuda a liberdade de expressão e protege contra a cultura da
necessidade de permissão. Mas na prática, o fair use funciona de maneira bem
distinta. Os contornos embaçados da lei resultam em poucas possibilidades
reais de se arguir fair use. Desse modo, a lei teria um objetivo correto, mas que
não seria alcançado na prática30.
Já no Brasil, o que se tem é um capítulo denominado “Das Limitações
aos Direitos Autorais” na Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9610, de 19 de
fevereiro de 1998, que apresenta as condutas que não são consideradas
infrações aos direitos autorais. A opção por esse sistema é normalmente feita
por países de tradição do droit d’auteur em vez do copyright, então isso não é
exclusivo do Brasil, mas muito frequente em países da tradição do Direito Civil.
Os requisitos legais de limitação estão previstos entre os artigos 46 a
48 da Lei de Direitos Autorais. Algumas exceções, como as paródias,
receberam aqui o mesmo tratamento que têm nos Estados Unidos.
Entretanto, o dispositivo mais invocado sob este tema é o inciso II do
artigo 46, que prevê a possibilidade de cópia sem a necessidade de
autorização prévia do detentor de direitos autorais. O texto literal é o seguinte:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...)
de 1968, item 1: “(1) A fair dealing with a literary, dramatic, musical or artistic work, or with an adaptation of a literary, dramatic or musical work, for the purpose of research or study does not constitute an infringement of the copyright in the work.” Disponível em http://www.austlii.edu.au/au/legis/cth/consol_act/ca1968133/s40.html. Acesso em 12/07/2014. 30 Tradução livre da autora. O original assim se apresenta: “In theory, fair use means you need no permission. The theory therefore supports free culture and insulates against a permission culture. But in practice, fair use functions very differently. The fuzzy lines of the law, tied to the extraordinary liability if lines are coressed, means that the effective fair use for many types of creators is slight. The law has the right aim; practice has defeated the aim.” LESSIG, Lawrence. Free culture: the nature and future of creativity. New York: The Penguin Press, 2004, p. 99.
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II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
A observação que se faz do dispositivo em tela é a de que dificilmente
se faz uma cópia dentro dos requisitos elencados, pois que dificilmente os
cinco requisitos são encontrados em conjunto.
Explica-se.
Para que se faça uma cópia legal, ela deve atender aos cinco
requisitos acima: ser uma reprodução de um só exemplar, de pequenos
trechos, para uso privado do copista, feita por ele pessoalmente e sem intuito
de lucro. O principal problema aqui é que não há uma definição, legal ou
jurisprudencial, sobre o que seria um “pequeno trecho”. Parece haver um
consenso entre os interessados nesse conceito de que pequeno trecho seria
no máximo 20% da obra. Mas não há, como se vê, qualquer trecho da lei que
especifique tal limite, sendo esta uma interpretação errada do dispositivo legal
(PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 76-77).
É válido ressaltar que, em comparação com o sistema de fair use
norte-americano, o brasileiro deixa bem menos espaço para que o magistrado
tenha liberdade de julgamento; a lei brasileira impõe um grau de restrição muito
alto, ao contrário do que faz a norte-americana, que define alguns limites, mas
deixa o magistrado livre para criar novos padrões31.
Outro problema é que a lei não faz distinção entre obras novas, recém-
publicadas, e obras raras, já fora de circulação, mas que ainda estão sob prazo
de proteção autoral.
Nesse caso, a lei torna-se extremamente injusta por não permitir a difusão do conhecimento por meio da cópia integral de obras, cuja reprodução não acarreta qualquer prejuízo econômico a seu autor, nem mesmo lucro cessante (PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 76).
31 “A questão é deveras interessante. Uma vez que a lei norte-americana, ao contrário da nossa, não indica que usos podem ser dados a obras alheias protegidas por direitos autorais sem que tal uso configure violação de tais direitos, é a partir de critérios construídos doutrinária e jurisprudencialmente que será consolidado o entendimento de o que é fair use.” BRANCO JUNIOR, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p. 73.
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Com tantas restrições impostas pela LDA, simples ações cotidianas se
tornaram ilegais. Por exemplo, o simples fato de se copiar um CD,
legitimamente adquirido, para o computador ou para o tocador de MP3 constitui
uma violação de direito autoral. O mesmo acontece caso se faça uma cópia
integral de um livro já esgotado na editora, fora de circulação comercial, que só
se encontra em acervos.
Referidas práticas somente se consolidam quando interpretadas de
acordo com os dispositivos da Constituição Federal que asseguram a função
social da propriedade intelectual e do direito autoral, em prol do interesse
público, mas a interpretação é certamente contrária à Lei de Direitos Autorais.
3.3. A reação da indústria de conteúdo: a ilegalidade das Techonological
Protection Measures32
A indústria de conteúdo, ao perceber que crescia entre os usuários da
Internet a cultura do compartilhamento, reagiu, com o objetivo de proteger seus
“bens imateriais”, e adotou mecanismos tecnológicos para inibir tal prática.
As technological protection measures, (TPMs) ou medidas de proteção
tecnológica, em português, são restrições tecnológicas inseridas nos arquivos
que contém obras comercializadas em formato digital com o objetivo de
restringir o uso que pode ser feito dessas obras.
E essas restrições tecnológicas podem aparecer das mais diversas
formas. Por exemplo: a indústria decidiu separar o mundo em regiões para a
fabricação de DVDs. Isso significa que um DVD fabricado dentro de uma região
só pode ser tocado em um player fabricado na mesma região. Então um DVD
legitimamente adquirido nos EUA não pode ser tocado no Brasil, pois os
aparelhos aqui são incompatíveis. Da mesma forma alguns CDs contêm certas
32 Um esclarecimento sobre a nomenclatura: As medidas tecnológicas aqui descritas são normalmente referidas como DRM (Digital Rights Management, ou gerenciamento de direitos digitais). No entanto, o verdadeiro DRM não é necessariamente prejudicial aos direitos dos consumidores. Ele pode simplesmente gerenciar informações sobre os conteúdos, como, no caso de CDs, o intérprete, ano de gravação, nome da faixa, entre outros. Portanto, para que não haja confusão, sempre que o leitor se deparar com o termo DRM, deve verificar se se trata realmente de gerenciamento ou de travas tecnológicas. Caso seja o segundo caso, deve considerar o termo correto, TPM. Nesse sentido: PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sergio. Direitos Autorais. Rio de Janeiro: Ed.: FGV, 2009, p. 87-88.
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restrições que provocam incompatibilidades com computadores, softwares ou
aparelhos de som.
Essa é uma das maiores críticas a tais medidas. A falta de
interoperabilidade, ou seja, um bem ou serviço adquirido de forma legítima de
uma determinada empresa que apenas pode ser reproduzido em uma
plataforma da mesma empresa gera problemas de direito da concorrência,
afetando a possibilidade de o consumidor ter acesso a uma maior diversidade
de bens e serviços. Por isso, há uma grande reclamação de entidades de
defesa do consumidor em relação ao uso dessas medidas restritivas
(PARANAGUÁ; BRANCO, 2009, p. 88).
E o problema das TPMs vai além da questão da restrição à cópia do
conteúdo. Passa por um problema que segurança informacional. Cory
Doctorow (2014) afirma que as TPMs são criadas sob a presunção de que os
usuários não o querem, e, se pudessem, eles as desabilitariam. Para que a
TPM funcione, não pode haver nenhum meio óbvio de remoção ou interrupção.
Ademais, um aumento na segurança das empresas de que o consumidor
compra mídias significa uma diminuição da segurança do próprio usuário, pois
quando o computador é programado para tratá-lo como parte não confiável,
qualquer pessoa pode injetar código malicioso em sua máquina apenas para
tirar vantagem dessa operação e tornar as coisas bem mais difíceis para o
usuário comprometido.
Entretanto, todas essas críticas nunca impediram que a indústria de
conteúdo se utilizasse de tais práticas. Pelo contrário, seu lobby fez com que
fossem aprovadas em diversos países leis que legitimam a prática.
Nos EUA, o DMCA, ou Digital Millenium Copyright Act, prevê, na seção
120133, as chamadas regras “anti-circumvention”, aquelas destinadas a
33 17 U.S. Code § 1201 - Circumvention of copyright protection systems: a) Violations Regarding Circumvention of Technological Measures.—(1)(A) No person shall circumvent a technological measure that effectively controls access to a work protected under this title. The prohibition contained in the preceding sentence shall take effect at the end of the 2-year period beginning on the date of the enactment of this chapter. (…)(b) Additional Violations.— (1) No person shall manufacture, import, offer to the public, provide, or otherwise traffic in any technology, product, service, device, component, or part thereof, that—(A) is primarily designed or produced for the purpose of circumventing protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title
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estabelecer penas para quem burlar a restrição tecnológica. No Brasil, a
própria Lei de Direitos Autorais34 também estabelece no artigo 107 que tal
prática constitui infração à legislação. Além dessas, o WIPO Copyright Treaty,
tratado de direitos autorais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
prevê que os países signatários deverão prover medidas legais de proteção às
tentativas de burlar as TPMs35.
O mais curioso disso é que o Brasil não é signatário desse tratado e
não teria obrigação de proteger as TPMs impostas pela indústria, mas mesmo
assim o faz, num flagrante desrespeito às liberdades individuais e num claro
contrassenso à sua postura de não signatário do dito tratado.
Apesar de leis referendarem a prática da utilização de TPMs, cabe
aqui uma forte crítica ao seu uso.
As TPMs são ilegais. O simples fato de elas não permitirem que
nenhum tipo de cópia do conteúdo seja feito vai de encontro às provisões de
fair use e exceções e limitações à proteção autoral, que permitem que cópias
sejam feitas sob determinadas circunstâncias. Ou seja, claramente uma afronta
à própria legislação autoral.
in a work or a portion thereof; (B) has only limited commercially significant purpose or use other than to circumvent protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title in a work or a portion thereof; or (C) is marketed by that person or another acting in concert with that person with that person’s knowledge for use in circumventing protection afforded by a technological measure that effectively protects a right of a copyright owner under this title in a work or a portion thereof. 34 Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem: I - alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia; II - alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia; III - suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos; IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização. 35 Article 11 - Obligations concerning Technological Measures - Contracting Parties shall provide adequate legal protection and effective legal remedies against the circumvention of effective technological measures that are used by authors in connection with the exercise of their rights under this Treaty or the Berne Convention and that restrict acts, in respect of their works, which are not authorized by the authors concerned or permitted by law.
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E quando as travas tecnológicas impedem até as cópias autorizadas
por lei, quem perde é o consumidor, que tem seu direito tolhido por uma arma
utilizada pela indústria para controlar seu conteúdo protegido.
Eis, então, mais um mecanismo utilizado com o propósito de sobrepor
o direito autoral aos demais direitos fundamentais, como o acesso à informação
e à liberdade de expressão.
3.4. O papel do domínio público no processo de democratização da
informação
O ser humano sempre criou. E sua criatividade e suas criações não
são geradas a partir do zero. Ele sofre influência do meio em que vive e,
consequentemente, das criações que antecederam a sua. Aqui, pode-se aplicar
a velha máxima de Lavoisier: na cultura, nada se perde, tudo se transforma.
Portanto, todo criador refaz algo. Toda criação é, em certa medida, uma
derivação.
No entanto, sempre que o ser humano atravessou uma revolução tecnológica (o advento da imprensa no século XV, a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução da internet que agora vivemos), uma das consequências diretas foi a tentativa de proteger os direitos autorais. A cada ato de proteção, retira-se da sociedade, por outro lado, a liberdade de uso de determinadas obras. A experiência ao longo do último século foi no sentido de que quanto mais o tempo passa, menos ampla (juridicamente) se torna a possibilidade de acesso e de uso de obras alheias. (BRANCO, 2011, p. 57)
Conforme já visto anteriormente, há muitos autores favoráveis a um
maior acesso às obras intelectuais, de forma que os novos criadores se
aproveitem delas nas suas novas criações. Outros, ao contrário, defendem
uma maior valorização do direito de autor e, consequentemente, da restrição
de acesso da sociedade às obras protegidas. Mas o fato é que, independente
da posição defendida, o domínio público é elemento essencial na difusão do
conhecimento.
Mas o que é, em essência, o domínio público?
O domínio público nada mais é do que o repositório das obras
intelectuais que não estão protegidas por direito autoral (BRANCO, 2011, p.
57). Todas as obras pertencentes ao domínio público são acessíveis a todos
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que desejarem, sem a necessidade de autorização prévia do autor, pois que
não mais subsistem os direitos dele exclusivos. Ao ingressar no domínio
público, é como se um ciclo se encerrasse. A obra retorna à sociedade, de
onde ela surgiu em virtude das influências carregadas pelos criadores, e pode
agora servir a novas criações.
Dessa forma, as obras podem sofrer qualquer modificação, podem ser
exploradas economicamente, isso tudo sem que seja devido qualquer valor ao
autor. O domínio público, então, “representa um regime de amplas liberdades
na utilização da obra autoral” (SOUZA, 2011, p. 670).
E qual seria a relação do domínio público com a efetivação dos direitos
fundamentais?
Primeiramente, estabelece Sérgio Branco que
as obras intelectuais são indispensáveis para a concretização dos princípios constitucionais de acesso ao conhecimento e à educação, cabendo ao domínio público o papel de grande manancial de obras livremente acessíveis e manipuláveis. (BRANCO, 2011, p. 70)
O acesso à educação é fundamental ao cidadão. Para que ele seja
concretizado, é necessário o material didático que se destinará a construir o
conhecimento do aluno com o passar dos anos. Sem acesso ao material
necessário, a educação fica comprometida, bem como todo o desenvolvimento
do aluno como cidadão. Na falta de material didático que lhe proporcione
conhecimento, fica comprometida, também, a capacidade de crítica e de
manifestação do aluno, componentes da liberdade de expressão assegurada
constitucionalmente.
Em segundo lugar, está a liberdade de criação do autor. A
Constituição Federal concede aos cidadãos a liberdade de criação intelectual.
Para que esta seja concretizada, é necessário o acesso às obras previamente
criadas, “pois é somente a partir da formação cultural do indivíduo que este
poderá criar suas próprias obras”36 (BRANCO, 2011, p. 74).
36 Sobre o tema: SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Abuso do Direito Autoral. Tese apresentada ao programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009. “Dentre as manifestações do princípio da liberdade estaria, evidentemente, a liberdade de criação intelectual,
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E Sérgio Branco arremata:
A efetividade do direito de liberdade de criação, tido como postulado da dignidade da pessoa humana, será alcançada por dois caminhos: o do acesso e o da liberdade de expressão. O primeiro é pressuposto do segundo. Apenas por meio do acesso às obras intelectuais alheias é que os autores poderão se expressar. Incluímos na classe dos autores todos aqueles que desejam criar obras intelectuais, mas sobretudo os alunos de qualquer instituição de ensino, pública ou privada, e de qualquer nível. Vê-se, assim, que o acesso às obras intelectuais – bem como a consequente liberdade de expressão – acaba por garantir ainda outros direitos fundamentais, como o direito à educação, à cultura e ao lazer, sem se esquecer da livre iniciativa, dentro dos limites autorizados pela lei. (BRANCO, 2011, p. 74)
Além disso, o domínio público é elemento fundamental para a
afirmação da função social dos direitos autorais, já que ele garante a utilização
das obras de forma mais ampla, ainda que isso só seja possível após o
decurso de um prazo que cada vez mais se alonga (SOUZA, 2011), por
interesses outros.
E quanto mais longo o prazo de proteção por direito autoral, mais
defasadas e distantes da realidade estão as obras que ingressam no domínio
público, levando este a ser conhecido como um mero repositório de obras
velhas (SOUZA, 2011).
No ano de 2010, foi publicado o Manifesto do Domínio Público37,
resultado de um grupo de trabalho da COMMUNIA, a Rede Temática Europeia
sobre o domínio público digital.
No texto, o domínio público “é definido como o substrato cultural livre
para ser usado sem restrições, sobre o qual não há proteção autoral”, além de
ser visto como essencial para o desenvolvimento social e o bem-estar
econômico das sociedades.
Neste trecho, o manifesto explica porque o domínio público deve ser a
regra e a proteção por direitos autorais, a exceção:
recebendo do ordenamento jurídico a devida tutela. Por outro lado, a integridade moral da pessoa também pode levar em conta a vinculação da personalidade do autor com a obra criada, sendo assim a tutela dos direitos morais uma forma de garantir essa integridade moral”. 37 Manifesto do Domínio Público. Disponível em http://www.publicdomainmanifesto.org/portuguese. Acesso em 14/07/2014.
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1. O domínio público é a regra; a proteção dos direitos autorais é a exceção. Na medida em que a proteção de direitos autorais é concedida apenas a formas originais de expressão, a grande maioria dos dados, informações e ideias produzidas no mundo em certo momento pertence ao domínio público. Além das informações que não são passíveis de proteção, o domínio público é ampliado a cada ano por obras cujo prazo de proteção expira. A aplicação combinada dos requisitos de proteção e de uma duração limitada para a proteção de direitos autorais contribui para o enriquecimento do domínio público, garantindo maior acesso à nossa cultura e conhecimento compartilhados.
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Percebe-se, com isso, que as mais diversas entidades internacionais
tem se dado conta da necessidade de prestar uma maior atenção à essa
preocupação excessiva com a proteção por direito autoral. Há que se fazer um
balanço entre essa proteção e os demais direitos fundamentais do homem.
38 Manifesto do Domínio Público. Disponível em http://www.publicdomainmanifesto.org/portuguese. Acesso em 14/07/2014.
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Capítulo 4 Direitos Humanos, Propriedade Intelectual e Internet
“Be curious. Read widely. Try new things. What people call intelligence just boils
down to curiosity.”39
Aaron Swartz
4.1. Panorama de proteção internacional dos direitos humanos40
Conforme já visto anteriormente, os regimes de propriedade intelectual
dos países, em geral, tendem a uma superproteção dos direitos de autor, em
detrimento de outros direitos fundamentais que merecem também atenção por
serem constitucionalmente assegurados.
Nesse contexto, fazemos aqui a ponderação de como o sistema
internacional de direitos humanos pode contribuir para uma proteção da
propriedade intelectual, em especial dos direitos autorais, em uma perspectiva
emancipatória, ponderando entre o direito à propriedade intelectual e os
direitos sociais, econômicos e culturais.
Narra Flávia Piovesan (2007) que a chamada concepção
contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida pela
Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, é fruto do movimento
recente de internacionalização dos direitos humanos, originado no pós-guerra
como resposta às práticas condenáveis do nazismo. Segundo ela, “fortalece-se
a ideia de que a proteção aos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio
reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional.”
(PIOVESAN, 2007, p. 4)
Nessa esteira, primeiramente veremos como o sistema internacional de
direitos humanos trata a proteção por direito autoral, para, em seguida, fazer
sua relação com os demais direitos humanos aqui tratados.
39 Seja curioso. Leia muito. Tente coisas novas. O que as pessoas chamam de inteligência se resume apenas a curiosidade. (tradução livre) 40 Ver N.R. nº 29, p. 31.
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4.1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
O primeiro documento internacional que trata o direito autoral como
direito humano é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)41, em
seu artigo 27.
De acordo com o parágrafo 2 do dispositivo, “Toda pessoa tem direito à
proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor”.
Curiosamente, no parágrafo anterior, estabelece-se o direito de
participação na vida cultural da comunidade, bem como da fruição das artes e
do progresso científico.
Mas este parágrafo tem uma explicação histórica. A DUDH foi escrita
menos de três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Os perdedores da
guerra haviam abusado da ciência e da tecnologia, bem como da propaganda
baseada em direitos de autor para fins abomináveis. Esse abuso teria que ser
evitado no futuro, e a melhor forma encontrada para isso foi o reconhecimento
de que todos teriam direito aos benefícios dele decorrentes, bem como todos
os que fizessem contribuições teriam direito à proteção. (TORREMANS, 2007,
p. 275)
Assim, o que a DUDH faz é afirmar a existência dos Direitos Humanos
independente de implementação ou mesmo de reconhecimento destes nos
países individualmente considerados (CHAPMAN, 1998, p. 132). Não são
apenas acordos políticos, mas normas que criam obrigações aos países
signatários de proteger e apoiar tais direitos, pois que estes tem a obrigação de
agir no melhor interesse da humanidade (TORREMANS, 2007, p. 275). Ainda,
o documento em tela acaba por adotar os princípios da universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos (PIOVESAN, 2007, p.
3).
Em virtude desta universalidade, então, os benefícios produzidos para
todos deveriam ir além das aplicações da propriedade intelectual, ou seja, dos
41 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 15/07/2014.
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bens e serviços tornados disponíveis como resultado, mas deveriam abarcar
também a fruição das artes e especialmente a participação na vida cultural da
sociedade (TORREMANS, 2007, p. 275).
Quanto ao parágrafo 2 do artigo 27 supra citado, é justo dizer que o
mesmo reconhece o direito de autor como direito humano. E as raízes
históricas deste dispositivo remontam a duas situações. A primeira, da
delegação francesa, que sugeriu uma abordagem em que se enfatizam os
direitos morais do autor, centrados na sua habilidade de controlar as alterações
feitas no trabalho e de interromper usos indevidos do mesmo. A segunda, a
sugestão de algumas delegações de harmonizar o conteúdo da DUDH com o
contido na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem42, que
havia sido aprovada em Bogotá, na mesma conferência que criou a
Organização dos Estados Americanos. Outros membros do comitê de redação
da DUDH expressaram sua vontade de usar a autoridade moral da
Organização das Nações Unidas para proteger todas as formas de trabalho,
seja intelectual ou manual. Mas também houve críticas. Alguns membros
afirmavam que não havia necessidade de proteção especial da propriedade
intelectual além da proteção à propriedade já garantida pelo texto, no artigo 17,
assim como consideravam tal proteção especial uma perspectiva elitista
(CHAPMAN, 1998). Apesar disso, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Uma ponderação a respeito disso merece destaque. Alguns estudiosos
não consideram que esse seja o argumento mais forte a favor do status de
direito humano dos direitos autorais. E isso se explica muito pelo fato de que a
DUDH, por ser um instrumento que provém da Assembleia Geral das Nações
Unidas, não teria força de lei, mas apenas uma de sugestão ou um conselho
(TORREMANS, 2007, p. 277). Entretanto, é sabido que a DUDH vem tomando
status de direito costumeiro internacional e é considerada a maior fonte de
normas sobre direitos humanos (CHAPMAN, 1998), sendo, ainda, o documento
a partir do qual se desenvolve o Direito Internacional dos Direitos Humanos
42 Disponível em http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/b.Declaracao_Americana.htm. Acesso em 16/07/2014.
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77
(PIOVESAN, 2007, p. 6). Isso fez muito pelo reconhecimento do direito autoral
como direito humano, apesar de os direitos econômicos, sociais e culturais
ainda serem vistos como dispositivos mais fracos do que aqueles relacionados
aos direitos civis e políticos (TORREMANS, 2007).
Com todos esses argumentos, fica clara a noção de que é necessário
um equilíbrio entre os conceitos expressos no parágrafo 1 e no parágrafo 2.
4.1.2. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(PIDESC)43 é visto como uma continuação das ações iniciadas pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, mas como tem a forma de tratado, impõe aos
países signatários a obrigação de implementar seus dispositivos no sistema
legislativo interno de cada um (TORREMANS, 2007).
O Brasil é signatário do PIDESC, e sua adoção no ordenamento
jurídico nacional se deu através do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992.
O dispositivo do PIDESC relevante a esse estudo é o artigo 15, que
afirma:
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de: a) Participar da vida cultural; b) desfrutar o progresso científico e suas aplicações; c) beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito aquelas necessárias à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura. 3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora. 4. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura.
44
43
Texto disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 16/07/2014. 44 Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 16/07/2014.
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78
Verifica-se que o referido dispositivo estabelece a proteção aos direitos
de autor, mas também consagra o direito difuso ao desfrute dos progressos
científicos.
Em novembro de 2005, o Comitê sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, órgão de monitoramento do PIDESC, adotou a
Recomendação Geral nº 1745, que dispõe sobre o direito de qualquer autor de
se beneficiar da proteção moral e material de produções artísticas, científicas
ou literárias.
Piovesan afirma que
(...) o Comitê ressaltou a necessidade de se alcançar um balanço adequado entre, de um lado, a proteção aos direitos do autor, e, por outro, a promoção e a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais assegurados no Pacto. (PIOVESAN, 2007, p. 14)
E complementa:
Para o Comitê os interesses privados do autor não podem impedir que os Estados implementem as obrigações internacionais decorrentes do Pacto em relação aos direitos à alimentação, saúde e educação, bem como aos direitos à cultura e ao desfrute dos progressos científicos, compreendidos sob uma ótica coletivista e de interesse público. (PIOVESAN, 2007, p. 14)
Em essência, há a obrigação de se adotar o direito autoral como direito
humano e implementar ações à sua proteção. Porém, também é concedida aos
Estados uma grande liberdade na forma como essa implementação deve ser
feita, o que não é aproveitado por eles, visto que há um protecionismo cada
vez maior do direito de autor nos ordenamentos jurídicos nacionais, conforme
será analisado com mais detalhes mais adiante.
O Comitê frisa, ainda, a função social da propriedade intelectual,
afirmando que os Estados-partes devem evitar a cobrança de altos preços para
45 UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). General Comment No. 17: The Right of Everyone to Benefit from the Protection of the Moral and Material Interests Resulting from any Scientific, Literary or Artistic Production of Which He or She is the Author (Art. 15, Para. 1 (c) of the Covenant). Disponível em http://www.refworld.org/publisher,CESCR,GENERAL,,441543594,0.html. Acesso em 16/07/2014.
79
79
o acesso a, entre outras coisas, livros didáticos e material de ensino,
dificultando o acesso de grande parcela da população à educação46.
4.1.3. Outros instrumentos internacionais
Há diversas considerações feitas por outros órgãos internacionais no
que concerne aos direitos humanos ora tratados.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, UNESCO, é um deles. Na Declaração sobre a ciência e o uso do
conhecimento científico47, adotada pela Conferência de Budapeste, em 01 de
julho de 1999, o órgão considera a grande possibilidade de a ciência produzir
avanços ao crescimento econômico, ao desenvolvimento humano sustentável e
à redução da pobreza, razão pela qual há um forte encorajamento de remoção
das barreiras ao sistema educacional e de pesquisa.
Para a UNESCO, o futuro da humanidade mostra-se cada vez mais condicionado à produção, à distribuição e ao uso equitativo do conhecimento, em uma sociedade global. Na ordem contemporânea, o bem estar social e o direito ao desenvolvimento estão condicionados à informação, ao conhecimento e à cultura. Neste contexto, o direito ao acesso à informação surge como um direito humano fundamental. (grifo nosso) (PIOVESAN, 2007, p. 15)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos endossa essa
perspectiva, afirmando que o direito à informação é pressuposto e condição
para a existência de uma sociedade livre48.
Como se percebe, começa a surgir por parte dos organismos
internacionais as diretrizes no sentido de: (1) sim, o direito autoral é um direito
46 UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights (CESCR). General Comment No. 17: The Right of Everyone to Benefit from the Protection of the Moral and Material Interests Resulting from any Scientific, Literary or Artistic Production of Which He or She is the Author (Art. 15, Para. 1 (c) of the Covenant), p. 9. Disponível em http://www.refworld.org/publisher,CESCR,GENERAL,,441543594,0.html. Acesso em 16/07/2014. 47 O texto da Declaração consta em: A ciência para o século XXI: uma nova visão e uma base de ação. Brasília: UNESCO, ABIPTI, 2003, p. 25-41. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131550por.pdf. Acesso em 16/07/2014. 48 “Freedom of expression is a cornerstone upon which the very existence of a democratic society rests. It is indispensable for the formation of public opinion. It is also a conditio sine qua non for the development of political parties, trade unions, scientific and cultural societies and, in general, those who wish to influence the public. It represents, in short, the means that enable the community, when exercising its options, to be sufficiently informed. Consequently, it can be said that a society that is not well informed is not a society that is truly free”. Advisory Opinion OC-5/85, November 13, 1985, par. 70. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_05_ing.pdf. Acesso em 16/07/2014.
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fundamental, assim como o são a liberdade de expressão, o acesso à
informação e os direitos sociais, como o acesso à cultura e à educação; (2) os
Estados precisam respeitar a função social da propriedade intelectual,
cuidando para que esta não ultrapasse os demais direitos fundamentais a ela
relacionados; (3) há que se buscar um equilíbrio adequado entre a proteção por
direitos de autor e os direitos sociais assegurados pelo Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelos demais instrumentos
legislativos internacionais de proteção dos direitos humanos; (4) o direito ao
acesso à informação é considerado direito humano fundamental em uma
sociedade global, em que o desenvolvimento depende cada vez mais da
produção, distribuição e uso do conhecimento.
Entretanto, apesar de todas essas recomendações, um grupo de
países tenta negociar um novo tratado, que seria por demais prejudicial ao
interesse público, em matéria de propriedade intelectual e acesso ao
conhecimento e à cultura. Tal instrumento é o Trans-Pacific Partnership
Agreement, ou TPP49.
O TPP não tem tido uma negociação transparente, sendo essa uma
das grandes críticas ao tratado, mas sabe-se que vem sendo negociado entre
Estados Unidos, Nova Zelândia, Brunei, Austrália, Chile e Malásia e que
pretende restringir ainda mais o acesso a bens culturais protegidos por direito
autoral.
Através de documentos vazados em 201150, a organização Public
Knowledge fez algumas suposições sobre o que trata o texto do TPP:
(a). O TPP daria a detentores de direitos autorais o poder sobre "buffer
copies", aquelas pequenas cópias que os computadores precisam fazer no
processo de transferência de dados. Com a proteção da cópia do buffer, muito
mais transações exigiriam uma licença do detentor dos direitos de autor e
muitos outros usos exporiam os consumidores à responsabilidade;
49 Informações disponíveis em http://tppinfo.org/. Acesso em 17/07/2014. 50 Disponíveis em http://tppinfo.org/resources/leaked-texts-country-info/. Acesso em 17/7/2014.
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81
(b). O TPP impediria os usuários de quebrar os famosos DRMs,
mesmo que os utilizadores pretendessem fazer uso não violador da obra
protegida;
(c). O TPP pode fazer do download de músicas um crime. A polícia
poderia apreender um computador, sob o argumento de que auxiliaria neste
crime, e enviar o usuário final para a cadeia por download. As normas penais
do TPP vão além da lei dos EUA e imporiam regras semelhantes em outros
países.
(d). O TPP encorajaria os provedores de conexão a instituir medidas
como os "três strikes", que derrubaria a conexão de internet dos usuários após
acusações de violação e os sujeitaria à inspeção profunda de pacotes.
(e). A proposta vazada não tem limitações e exceções para usos, tais
como o fair use, o uso para preservação por bibliotecas e a utilização de obras
em formatos acessíveis por pessoas com deficiência. O projeto tem apenas um
espaço reservado em que estas normas podem ser adicionadas mais tarde.
Ou seja, pelas (poucas) informações disponíveis, já se pode ter uma
ideia de que o TPP não segue as diretrizes dos demais organismos
internacionais de um incentivo a uma maior abertura, privilegiando o acesso à
informação.
Em virtude disso, em 09 de julho de 2014, diversas organizações
internacionais de defesa dos direitos civis enviaram uma carta aos países
negociadores do tratado51, num clamor pela não aprovação da extensão dos
termos da proteção por direito autoral para acima do mínimo estabelecido pelo
acordo TRIPS, que é a vida do autor mais 50 (cinquenta) anos, pois tal
extensão seria de grande dano ao interesse público em geral.
4.1.4. Legislações nacionais
As recomendações feitas pelos organismos internacionais
apresentadas acima não vêm sendo muito bem observadas pelos
51 Disponível em https://www.eff.org/files/2014/07/08/copyrightterm_tppletter_print-fnl.pdf. Acesso em 17/07/2014.
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ordenamentos jurídicos nacionais. Pelo contrário, há ainda uma visão limitada
de proteção a todo custo do direito autoral, em detrimento e sem o menor
respeito aos demais direitos fundamentais ora expostos.
No Brasil, por exemplo, a Lei de Direitos Autorais em vigor é a mais
restritiva dentre todas as anteriores. A Lei nº 5988/7352, que regia os direitos
autorais antes da atual lei, permitia a reprodução de um exemplar inteiro da
obra alheia, desde que não se destinasse a atividade lucrativa. A lei atual não
abarca esse caso, permitindo apenas a cópia de pequenos trechos para uso
privado do copista.
Nos EUA, apesar da existência do mecanismo do fair use, conforme já
explicitado, este tende a não ser respeitado, principalmente pelos grandes
grupos de mídia, que se valem da legislação, em especial do DMCA, para
restringir cada vez mais o acesso a conteúdo protegido.
E para demonstrar a enorme influência dos grandes grupos de mídia
nesta matéria, basta citar o Copyright Term Extension Act53, lei norte-
americana que ficou conhecida também como Lei Mickey Mouse, pois a Disney
tinha total interesse na aprovação da lei54, considerando que seu principal
personagem, o Mickey Mouse, ingressaria em domínio público alguns anos
depois. A lei, então, foi aprovada em 1998, estendendo o prazo da proteção por
direito autoral de 50 para 70 anos após a morte do autor.
Em 2012, houve a tentativa de aprovação, no Congresso norte-
americano, de duas leis de matéria de propriedade intelectual: os famosos
SOPA e PIPA.
52 Lei já revogada, porém disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5988.htm. Acesso em 16/07/2014. 53 Texto disponível em http://www.copyright.gov/legislation/s505.pdf. Acesso em 16/07/2014. 54 Lessig explica: “In the lobbying that led to the passage of the Sonny Bono Copyright Term Extension
Act, this “theory” about incentives was proved real. Ten of the thirteen original sponsors of the act in the House received the maximum contribution from Disney’s political action committee; in the Senate, eight of the twelve sponsors received contributions. The RIAA and the MPAA are estimated to have spent over $1.5 million lobbying in the 1998 election cycle. They paid out more than $200,000 in campaign contributions.4 Disney is estimated to have contributed more than $800,000 to reelection campaigns in the 1998 cycle”. LESSIG, Lawrence. Free culture: the nature and future of creativity. New York: The Penguin Press, 2004, p. 218.
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O SOPA, ou Stop Online Piracy Act, era um projeto de iniciativa da
House of Representatives, equivalente à Câmara dos Deputados brasileira,
enquanto o PIPA, ou Protect IP Act, era seu correspondente no Senado norte-
americano. Ambos delineavam basicamente as mesmas situações: permitiam a
censura online em escala massiva, e ameaçavam quebrar a internet, tudo em
nome do cumprimento dos direitos de propriedade intelectual55.
Ambos os projetos de lei teriam dispositivos que criariam uma lista
negra de sites que infringissem direitos autorais, e tais dispositivos
abrangeriam inclusive sites estrangeiros56. Uma verdadeira aberração jurídica
em que uma lei aprovada em outro país teria aplicação extraterritorial.
As empresas que apoiavam os projetos eram, em essência, aquelas
grandes corporações de mídia norte-americanas57, que desejam cada vez mais
controle sobre o que dizem ser de sua propriedade.
Já dentre as empresas contrárias aos dois projetos de lei estavam as
grandes corporações de tecnologia58, como Facebook, Wikipedia, Twitter,
Google, além de organizações de direitos humanos, como Electronic Frontier
Foundation, Repórteres sem Fronteiras, entre outras.
Após a organização das instituições que se opunham ao projeto, em 18
de janeiro de 2012 foi realizado o grande blackout na Internet, em que sites
como a Wikipedia foram retirados do ar por 24 (vinte e quatro) horas, outros
apresentavam em suas páginas iniciais uma grande tarja preta e dizeres em
favor do protesto e contra a adoção das referidas leis59. O protesto foi suficiente
para modificar os votos de congressistas que já haviam declarado seu apoio
aos projetos, fazendo com que não mais fosse possível sua aprovação, razão
pela qual eles tiveram sua votação suspensa.
55 https://www.eff.org/issues/coica-internet-censorship-and-copyright-bill. Acesso em 17/07/2014. 56 Ibidem. 57Disponível em: http://www.theglobalipcenter.com/sites/default/files/pressreleases/letter-359.pdf. Acesso em 17/07/2014. 58
Carta enviada por elas ao Congresso dos EUA disponível em http://www.protectinnovation.com/downloads/letter.pdf. Acesso em 17/07/2014. 59http://www.nytimes.com/2012/01/20/technology/public-outcry-over-antipiracy-bills-began-as-grass-roots-grumbling.html?pagewanted=1&ref=technology&_r=0. Acesso em 17/07/2014.
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É por esse tipo de iniciativa, sempre apoiada pelas grandes
corporações de mídia, que se pode atestar a falta de equilíbrio entre os
interesses em jogo quando se fala de propriedade intelectual, nesse caso,
direitos autorais especificamente. E também por isso se verifica que os direitos
autorais hoje servem aos detentores dos direitos patrimoniais, que podem e
controlam a exploração dos bens protegidos, e não aos autores de fato, que
muitas vezes nada ganham com isso.
Nessa esteira, apresentaremos como exemplo um caso emblemático
bem recente: a perseguição a Aaron Swartz.
4.2. O caso Aaron Swartz: quando a perseguição a valores equivocados
termina em tragédia60
Aaron Swartz era um gênio da computação. Desde criança despertou
interesse por computadores, encorajado por seu pai. Uma grande mente da
tecnologia.
Aos 14 (quatorze) anos, foi coautor do sistema RSS (Really Simple
Syndication), que serve para agregar conteúdo de sites que são
constantemente atualizados, enviando ao usuário as referidas atualizações. E
desde então, sua meta era compartilhar conteúdo. Aaron nutria uma paixão
pela liberdade e isso se refletia no seu trabalho, buscando sempre por
ferramentas colaborativas em essência (SILVEIRA, 2013, p. 7).
Além dessa, ele foi coautor de outras ferramentas e sites. Entre eles, o
Reddit, a empresa Infogami, que deu suporte ao projeto Open Library, do portal
Internet Archive, o Creative Commons, em parceria com Lawrence Lessig,
Watchdog.net, que objetivava agregar e visualizar dados sobre políticos, e, em
2010, ele ajudou a fundar a Demand Progress, que se dedicava à reforma
política do governo e à luta pelas liberdades civis e foi uma das organizações
que tomou a frente pelo protesto contra o SOPA e o PIPA e conseguiu, através
60
Muitas das informações aqui narradas estão descritas no documentário “The Internet’s Own Boy: The History of Aaron Swartz”, dirigido e produzido por Brian Knappenberger e lançado em 27 de junho de 2014. O filme está disponível na internet, licenciado em Creative Commons, em: https://archive.org/details/TheInternetsOwnBoyTheStoryOfAaronSwartz. Acesso em 06/07/2014.
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dos seus esforços de mobilização popular, derrubar os apoios e tirar ambos os
projetos de pauta.
Mas Swartz se incomodava bastante com a apropriação do
conhecimento. Ele nunca restringiu acesso aos códigos de sua autoria e não
gostava de se deparar com essas situações no dia a dia.
Em 2008, ele se utilizou de um script para fazer download de
documentos dos sistema PACER, um sistema do Poder Judiciário norte-
americano, que exigia uma cobrança online antes de conceder acesso aos
interessados. Ocorre que os documentos, em essência, são públicos, por
serem parte do poder público, razão pela qual ele não aceitava a cobrança
para acesso a eles. Assim, chamou a atenção da polícia federal, o FBI, chegou
a ser investigado, mas seu processo foi arquivado por falta de apresentação de
denúncia contra ele (SILVEIRA, 2013, p. 9).
No mesmo ano, Swartz apresentou o Guerilla Open Access
Manifesto61, propondo uma insurgência cívica contra a apropriação do
conhecimento:
Informação é poder. Mas como todo poder, há aqueles que querem mantê-lo para si. Todo o patrimônio científico e cultural do mundo, publicado ao longo dos séculos, em livros e revistas, está sendo cada vez mais digitalizado e trancafiado por um punhado de corporações privadas. Quer ler os textos que apresentam os mais famosos resultados das ciências? Você vai precisar enviar enormes quantias para editoras como a Reed Elsevier.
(...)
Precisamos pegar informação, onde quer que ela esteja armazenada, fazer nossas cópias e compartilhá-las com o mundo. Precisamos pegar o material que está fora de copyright e adicioná-lo ao arquivo. Precisamos comprar bases de dados secretas e coloca-las na web. Precisamos baixar revistas científicas e enviá-las para redes de compartilhamento de arquivos. Precisamos lutar pela Guerilla Open Access. (tradução nossa)
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61 Disponível em https://archive.org/stream/GuerillaOpenAccessManifesto/Goamjuly2008_djvu.txt. Acesso em 18/07/2014. 62 Texto original: “Information is power. But like all power, there are those who want to keep it for
themselves. The world's entire scientific and cultural heritage, published over centuries in books and journals, is increasingly being digitized and locked up by a handful of private corporations. Want to read the papers featuring the most famous results of the sciences? You'll need to send enormous amounts to publishers like Reed Elsevier”. “We need to take information, wherever it is stored, make our copies and share them with the world. We need to take stuff that's out of copyright and add it to the archive. We need to buy secret databases and put them on the Web. We need to download scientific journals and
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Daí se percebe a disposição de Swartz para realmente lutar contra a
apropriação e o enclausuramento do conhecimento.
Então, em 2010, utilizando-se novamente de um script, Swartz
posicionou um computador portátil dentro da sala de servidores do Instituto de
Tecnologia de Massachusets (MIT), para, através da rede wifi aberta do
Instituto, baixar milhões de artigos da editora de revistas acadêmicas JSTOR.
Segundo as informações, a JSTOR detectou o script e bloqueou o endereço IP.
Porém, Swartz modificou o endereço IP para driblar os bloqueios da JSTOR e
do MIT e prosseguiu com o download. O MIT posicionou uma câmera
escondida na sala dos servidores da universidade e conseguiu captar a
imagem de Swartz quando ele se dirigiu até lá para trocar o HD do computador.
O governo norte-americano, então, iniciou uma caçada a Swartz,
alegando que ele efetuou os downloads para disponibilizar os arquivos em
redes peer-to-peer. Entretanto, a JSTOR reconheceu que o conteúdo baixado
não chegou a ser distribuído, razão pela qual pediu que as queixas contra
Swartz fossem arquivadas.
Mas os promotores designados para condução do caso não
entenderam assim e resolveram continuar com o processo contra Swartz. Para
eles, o download de milhões de artigos é considerado crime punível com pena
de prisão. Mas o mais interessante é que Swartz, como aluno do MIT, tinha
acesso livre ao banco de dados da JSTOR, assim como de diversas outras
editoras. A atitude criminosa seria a automatização dessa conduta através do
script (SILVEIRA, 2013, p. 7).
A promotoria queria que Swartz fosse punido exemplarmente e pediu
uma condenação de 35 anos de prisão, segundo eles, para desestimular a
violação dos direitos autorais. Swartz teve 13 (treze) denúncias contra si, entre
elas as de invasão de computador e de fraude.
upload them to file sharing networks. We need to fight for Guerilla Open Access”. Disponível em: https://archive.org/stream/GuerillaOpenAccessManifesto/Goamjuly2008_djvu.txt. Acesso em 18/07/2014.
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Entretanto, o consultor e perito em segurança da informação, Alex
Stamos, afirma que Swartz não cometeu qualquer crime perante a legislação
norte-americana. Afirma ele:
Aaron não “hackeou” o site da JSTOR, sob todas as definições razoáveis de hackeamento. Aaron escreveu um punhado de scripts básicos em Python que revelaram as URLs dos artigos de periódicos e, em seguida, usou cURL para requisitá-los. Aaron não usou parâmetros de adulteração, nem quebrou um CAPTCHA, ou fez qualquer coisa mais complicada do que usar linhas de comando básicas que baixam um arquivo da mesma forma que clicar com o botão direito do mouse e escolher “salvar como” do seu navegador favorito (STAMOS, 2013).
Os promotores chegaram ainda a oferecer um acordo a Swartz: ele
poderia pegar apenas 6 (seis) meses de prisão caso se considerasse culpado
de todas as acusações. Nessas condições, o acordo foi por ele rejeitado, pois
que lhe seria penoso demais se acusar de condutas que ele não considerava
ilegais.
Sendo as legislações de copyright norte-americanas a principal razão
para essa persecução a Swartz, percebe-se uma enorme inversão dos valores,
a vontade de assegurar o controle das fontes de criação do conhecimento.
Entretanto, o comportamento da promotoria é inexplicável por diversos fatores,
mas ainda mais porque a JSTOR pediu que as queixas fossem arquivadas.
Ela, que seria a mais interessada na continuação do processo, por ter sido a
vítima, não foi ouvida pela promotoria.
Tal processo se desencadeou de forma tão dolorida para Swartz que,
em 11 de janeiro de 2013, ele foi encontrado morto no apartamento em que
morava em Nova York. Swartz tirou a própria vida como resultado de uma
perseguição ao que ele considerava seus maiores ideais.
O que se percebe de toda essa história é que há ainda uma
supremacia dos direitos autorais sobre outras liberdades individuais. E mais
ainda, que as ações praticadas pela Internet, pelos ditos hackers, são vistas
com outros olhos por aqueles que têm o poder de decisão, em qualquer
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instância. Como se houvesse uma inversão do princípio da presunção de
inocência63, um dos nortes de todo Estado democrático.
4.3. A necessária reforma da LDA
O mundo precisa mudar e se adaptar ao surgimento das novas
tecnologias. O direito é sempre a ferramenta que mais demora a se atualizar, e
muitas vezes, quando o faz, já nasce velha. O Brasil passa por um período de
adaptação a essa nova sociedade que surge com o advento da Internet.
Recentemente, como dito antes, foi aprovado o Marco Civil da Internet, Lei nº
12.965, que estabelece direitos e deveres para usuários, prestadores de
serviço e o governo na Internet no Brasil. Agora, entra em campo a batalha
pela sua regulamentação. Para completar a gama de legislações necessárias a
uma boa convivência no ciberespaço, devem ser aprovadas, ainda, a lei de
proteção de dados pessoais, cujo anteprojeto está ainda no Poder Executivo64,
e a nova lei de Direitos Autorais, que aqui merece um maior destaque.
A Lei de Direitos Autorais (LDA) vigente no Brasil foi editada na década
de noventa como resultado de um movimento internacional de reforma dos
sistemas de propriedade intelectual, buscando sua adequação ao acordo
TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)65,
da Organização Mundial do Comércio66.
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Art. 5º, LVII, da Constituição Federal do Brasil: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo XI, 1: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”; Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, artigo 8º, 2: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. 64 Segundo matéria do site IDG Now, O texto já finalizado pelo Ministério da Justiça, encontra-se no Ministério do Planejamento para última análise, antes de ser encaminhado ao Congresso. Disponível em: http://idgnow.com.br/blog/circuito/2014/04/29/o-marco-civil-e-a-protecao-dos-seus-dados-pessoais-o-que-muda/#sthash.kMSgX72q.dpuf. Acesso em 18/07/2014. 65 Texto completo disponível em http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/27-trips.pdf. Acesso em 18/07/2014. 66 O professor José de Oliveira Ascensão, em artigo sobre a reforma da LDA brasileira, afirma: “Mas o fundamento em convenções internacionais é ainda um fundamento positivo, ao sabor dos interesses internacionais hegemônicos. Neste domínio, são hoje inevitáveis as questões que possam resultar do ADPIC / TRIPS de 1994, Acordo anexo ao Tratado que criou a Organização Mundial do Comércio. Incorporou as disposições substantivas da Convenção de Berna 2 e desenvolveu-as, pelo prisma do comércio internacional. Passou com isto a ser a entidade determinante a nível global sobre o Direito Intelectual Internacional, dados os poderes de imediata vinculação de que desfruta. Os Estados não têm
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Dessa forma, foi implantada uma visão maximalista de proteção dos
direitos autorais, o que restringiu drasticamente o acesso necessário aos bens
intelectuais para a promoção do acesso ao conhecimento e à cultura
(WACHOWICZ, 2010).
Por outro lado, a LDA não tomou conhecimento das novas tecnologias
e de seu impacto na sociedade; não previu a revolução que estaria por vir,
tanto na forma de as pessoas se comunicarem, quanto nas novas
possibilidades de criação e distribuição proporcionadas pelo ambiente da
Internet.
Mas não só por isso a LDA precisa ser reformada. O professor José de
Oliveira Ascensão aponta mais algumas razões pelas quais a LDA brasileira
merece modificações.
Além do interesse público consagrado pela Constituição e sustentado
pela legislação infraconstitucional, e já anteriormente referidos, ele salienta dois
deles: o abuso de direito e a função social (ASCENSÃO, 2010, p. 19).
O abuso de direito, segundo ele, “reside em um direito ser utilizado,
não para a obtenção da vantagem para que foi concedido, mas como uma
arma contra terceiros ou contra o interesse geral” (ASCENSÃO, 2010, p. 19).
Já a função social diz respeito à forma como deve ser exercido o direito
autoral, qual seja, “de maneira que a vantagem pessoal se combine com a
social” (ASCENSÃO, 2010, p. 19). Para Ascensão, o direito exclusivo que
advém do direito autoral deve encontrar um limite na sua própria função. E a lei
deve esclarecer esse limite, sob pena de redução desse direito patrimonial a
um monopólio sem qualquer justificação (ASCENSÃO, 2010, p. 20).
Uma das principais modificações a serem instituídas na LDA é em
relação ao capítulo de exceções e limitações ao direito autoral, hoje expresso
entre os artigos 46 e 48 da lei.
opção real, porque a alternativa é ficarem privados de participar do comércio internacional, o que hoje não é hoje sequer concebível.” ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito Autoral Numa Perspectiva De Reforma. In: WACHOWICZ, Marcos; SANTOS, Manoel Joaquim Pereira dos. (Org.). Estudos de Direito de Autor: A Revisão da Lei de Direitos Autorais. Florianópolis: Ed. Boiteux, 2010. p. 17.
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A LDA é constantemente criticada pelo seu excesso de restrição nesse
aspecto. A Convenção de Berna67, em seu artigo 9, II68, estabelece apenas um
mínimo de limitações que podem ser aplicadas pelos Estados, cumprindo a
chamada “regra dos três passos”, que são:
(a). Podem ser previstas exceções em certos casos especiais;
(b). Desde que esta reprodução não prejudique a exploração normal da
obra;
(c). Nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do
autor.
Contudo, a lei brasileira não se aproveita desse mínimo exigido pela
Convenção e restringe demais os usos livres das obras protegidas. Assim, atos
corriqueiros e que representam a efetivação do princípio da função social dos
direitos autorais são considerados infrações à lei, tais como: cópia para
preservação ou para fins didáticos, inclusive por meio de digitalização; cópia
privada, mesmo de obras que estejam fora de circulação comercial; exibição de
filmes em sala de aula; entre outras.
Assim, enquanto a tecnologia é capaz de ampliar o acesso ao
conhecimento, promovendo a inclusão social, e, ainda, criando novas formas
de produção cultural, a partir da criação e troca de bens intelectuais, a as
regras atuais da legislação brasileira colocam na ilegalidade atos simples como
copiar um CD legitimamente adquirido para um computador69.
Na pesquisa IP Wachlist 201270, realizada pela entidade Consumers
International, federação que agrega entidades de defesa do consumidor de
todo o mundo, entre elas, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
67 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D75699.htm. Acesso em 22/07/2014. 68 Texto completo: “2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.” 69 Direitos autorais em reforma. Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, Centro de Tecnologia e Sociedade. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2011, p. 46. 70 Relatório disponível em http://a2knetwork.org/sites/default/files/IPWatchlist-2012-ENG.pdf. Acesso em 22/07/2014. Para ver as respostas sobre o Brasil, especificamente: http://a2knetwork.org/reports/brazil. Acesso em 22/07/2014.
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(IDEC), o Brasil aparece com o 5º pior colocado entre os sistemas de direito
autoral do mundo.
A pesquisa leva em consideração questões como as possibilidades
trazidas pela lei autoral para o acesso dos consumidores a produtos e serviços
culturais, exceções e limitações para uso educacional das obras,
acessibilidade, adaptação das leis às tecnologias digitais e utilização privada
dos bens culturais.
Mas não deveria ser novidade o referido resultado, visto que a lei
brasileira não se mostra aberta a nenhum uso livre das obras protegidas, nem
para uso educacional, nem ao menos para conservação de obras fora de
circulação comercial.
É bastante difícil falar em função social do direito autoral no Brasil,
tendo em vista tantas restrições. Porém,
A demanda por acesso ao conhecimento precisa ser reconduzida ao próprio cerne da proteção da autoral (sic), compondo assim o equilíbrio com os interesses privados. Essa empreitada é guiada geralmente pela afirmação de que o exercício do direito de exclusividade, derivado da função promocional, não é absoluto, encontrando restrições intrínsecas, ou seja, dentro da própria conformação do direito autoral. (SOUZA, 2011, p. 665) (grifo nosso)
Para que o uso livre das obras protegidas seja expandido, é necessária
a inclusão de algumas medidas na nova lei, como por exemplo:
a) Ampliação da limitação já existente a deficientes visuais para outros
tipos de deficiência, além de outras formas de utilização que não
somente a reprodução, já prevista em lei, mas também a
distribuição e a colocação à disposição do público;
b) Viabilização da cópia privada, inclusive por meio digital;
c) Viabilização da alteração de formato, para que problemas com
interoperabilidade entre sistemas sejam superados;
d) Permitir a reprodução, preservação e arquivamento para que
instituições museológicas, como bibliotecas, museus, arquivos
públicos e centros de documentação possam melhor conservar
seus acervos;
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e) Permitir a reprodução, sem finalidade comercial, de obra esgotada
ou fora do catálogo comercial das editoras;
f) Ampliar a possibilidade de execução pública, em recesso familiar ou
para fins didáticos ou difusão cultural.
Para o caso das bibliotecas, há ainda outras possibilidades que, se
contempladas pela lei, trariam um benefício ainda maior ao público. O simples
fato de a biblioteca poder emprestar seus livros por meio de cópias digitais já
ampliaria muito o escopo da sua atuação, sem que os usuários da biblioteca
fiquem reféns da quantidade limitada de exemplares físicos das obras. Da
mesma forma, cópias digitais poderiam ser disponibilizadas entre bibliotecas, a
fim de que pesquisadores de outras localidades pudessem ter acesso à obra
sem maiores dificuldades de deslocamento. Tais providências facilitariam
sobremaneira o ensino à distância e o acesso dos alunos desta modalidade de
educação à bibliografia indicada pelos professores. Esse empréstimo poderia
ser feito em ambiente controlado, para que apenas os alunos matriculados em
alguma turma de ensino à distância pudessem ter acesso, perfeitamente
possível com a tecnologia de que se dispõe atualmente.
A reforma da LDA é necessária, disso não há dúvidas. Mas há que
modificar, também, a cultura de proteção por direito autoral no Brasil, para que
se possa chegar ao ponto de promover uma reforma da LDA como ela deve ser
feita e com a modificação de todos os pontos aqui mencionados, a fim de
adequar a lei aos novos tempos de avanços tecnológicos que permitem usos
diferentes das obras do que aqueles pensados pelo legislador de 1998.
O músico Leoni, no livro “Manual de sobrevivência no mundo digital”,
faz uma reflexão interessante sobre a ausência de cumprimento dos
dispositivos proibitivos da LDA. Ele se questiona a respeito da ilegalidade de
troca de bens intelectuais na Internet: é ilegal, mas todos os jovens o fazem. O
que fazer para resolver esse problema moral?
A lei tem que se adaptar aos costumes para não virar algo descartável. É o mesmo caso do sinal de trânsito à noite. Se ninguém respeita o sinal nesse horário ele passa a não ser visto como algo obrigatório. Em algumas outras ocasiões – “não vem ninguém” ou “ninguém está olhando...” acabará sendo desrespeitado, já que é uma decisão pessoal e não uma regra definitiva. Nesses casos o melhor é deixar o sinal piscando à noite. Aí temos uma diretriz clara: o sinal
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vermelho deve ser sempre respeitado. Não há espaço para subjetividade.
É isso que a atual Lei de Direitos Autorais acaba gerando, uma sensação de que obedecer ou não à lei é uma decisão de foro íntimo. Afinal, todo mundo faz. Não nos adaptarmos aos novos tempos pode estar empurrando nossa juventude para uma posição flexível em relação ao estado de direito.
E no momento, na ótica da lei, são todos considerados marginais, comparáveis a traficantes e piratas reais. E o pior, eles não estão nem aí. (LEONI, 2010, p. 116)
Portanto, para que se atinja um nível de maturidade suficiente para se
fazer uma reforma da LDA como se deve, é necessária a inclusão do
pensamento de exercício da função social do direito autoral como sendo mais
importante do que a restrição e a cobrança pelo acesso às obras. É necessário
que os autores e, principalmente, os detentores de direitos de exploração das
obras, trabalhem junto às novas tecnologias, e não contra elas, pois essa ideia
fixa de querer impor seus já ultrapassados modelos de negócios aos usuários
de Internet vai resultar sempre nessa queda de braço constante entre as
diversas forças que atuam nesse campo.
Quanto à realidade brasileira, é de se considerar no mínimo estranho
que um país que recentemente aprovou uma lei tão avançada quanto o Marco
Civil da Internet, que serve de exemplo para o mundo inteiro, não consegue
fazer uma reforma da LDA que se adeque às mesmas novas tecnologias que
levaram à aprovação do Marco Civil.
Dentro desse contexto, esperamos que haja uma evolução quanto ao
paradigma da distribuição cultural, para que ela possa ser mais equilibrada
entre direitos exclusivos e direitos difusos de acesso, dando forma ao que
poderemos finalmente chamar de cultura justa e atraente.
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Considerações Finais
Ao longo deste trabalho, pudemos mostrar diversos aspectos da
proteção por direitos autorais atualmente, examinando os novos costumes
adquiridos pelos usuários da Internet no que diz respeito ao consumo e à
distribuição de bens intelectuais, e os desafios que essas mesmas tecnologias
trouxeram para os detentores de direitos exclusivos de autor.
O direito autoral é considerado um direito fundamental?
Pudemos perceber, ao longo do trabalho, que a resposta para a
pergunta acima é positiva. O direito autoral é reconhecido pelos tratados
internacionais como um direito fundamental do homem e, como tal, deve ser
assegurado pelos sistemas constitucionais nacionais.
Entretanto, é de se notar também a conformidade que ele deve ter com
os demais direitos humanos fundamentais assegurados via tratados e
constituições.
Quais as mudanças trazidas pela Internet no comportamento das
pessoas quanto ao consumo de bens intelectuais?
A internet se tornou o maior meio de disseminação de bens intelectuais
já existente. Através dela, é possível armazenar e transferir arquivos com
extrema facilidade. O meio mais utilizado para isso são as redes peer-to-peer
(p2p), que têm seu funcionamento melhorado quanto mais pontos de
compartilhamento participam da rede.
Além disso, as diversas plataformas de criação de conteúdo têm
contribuído para a descentralização da produção do conteúdo cultural. Antes
do surgimento da Internet, os bens intelectuais eram apenas recebidos pelos
consumidores, através de mídias como televisão e rádio, de forma passiva.
Após o advento da Internet, há uma mudança de paradigma, no sentido de que
o usuário se torna cada vez mais ativo também na produção, e não só no
consumo de conteúdo. Referido comportamento deu origem à economia de
informação em rede, que não se apoia, como o faz a indústria, na proteção da
propriedade intelectual, mas no desenvolvimento do commons (commons-
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based peer production). Isso só foi possível devido à popularização e ao
crescente poder computacional dos computadores pessoais, aliados ao
barateamento dos mesmos.
Quais as mudanças a serem implementadas nos regimes de proteção
aos direitos autorais para que eles se adaptem às transformações
tecnológicas?
É preciso que os regimes de proteção autoral, tanto da linha do
copyright quanto do droit d’auteur, se modernizem e permitam flexibilizar uma
proteção que hoje é tida como absoluta. Não cabe mais, em tempos de Internet
e de acesso facilitado a bens intelectuais, tamanha superproteção e
perseguição àqueles que infringem direitos autorais.
Novas tecnologias oferecem serviços e oportunidades que as gerações
anteriores não imaginariam. Mas elas também induzem a sérios riscos de
diversas naturezas. Um deles é o risco de perda de autonomia em relação à
distribuição de conteúdo. Parece que o autor deixa de ter controle sobre suas
obras. Mas tudo é uma questão de adaptação. A tecnologia pode trabalhar a
favor do autor. Entretanto, este parece ter assumido uma postura contrária a
isso, querendo impor suas condições e seus modelos de negócio como se
absoluto fosse o seu direito. Acreditamos, entretanto, que se legislações e
práticas de consumo consciente forem desenvolvidas junto com essas novas
tecnologias, os consumidores poderão aproveitar melhor de tudo que a
inovação tem a oferecer.
Para isso, há de haver uma reforma, tanto objetivamente, na lei, quanto
subjetivamente, no espírito dos atores desse processo, para que incorporem os
novos valores trazidos pela sociedade da informação. Numa sociedade em que
informação é poder, essa informação tem que chegar a quem mais interessa,
afinal, acesso à informação é um direito fundamental do homem tanto quanto o
direito autoral.
Estimular a criação intelectual deve continuar sendo o principal objetivo
da proteção autoral. Entretanto, essa proteção não deve ser tão excludente
quanto hoje se apresenta. A Lei de Direitos Autorais brasileira deve ser
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reformada e atualizada, a fim de incorporar o espírito de cultura justa e atrativa
que aqui propomos, através do exercício efetivo da função social do direito
autoral.
Acesso à informação, à cultura, à educação, liberdade de expressão...
Todos esses são objetivos sociais que podem ser implementados com
efetividade através da tecnologia. Devemos permitir que a tecnologia trabalhe a
nosso favor nesse ponto.
Por fim, esperamos, com a realização desse estudo, contribuir para
levar conhecimento àqueles que se interessam pelo mesmo tema, sejam
profissionais ou estudantes, a fim de que eles possam prosseguir no estudo do
tema em tela.
Trabalhos Futuros:
As informações contidas nesse trabalho possibilitaram a percepção dos
estudos que poderão ser realizados no futuro, tais como: comparação mais
aprofundada entre a legislação autoral brasileira e outros sistemas normativos
de outros países; estudo sobre a evolução das leis autorais no Brasil, com o fim
de comparar cada lei com o momento tecnológico em que ela foi promulgada; a
possibilidade de inclusão na lei de direito autoral do compartilhamento de
material protegido pelas redes p2p como exceção ao direito exclusivo de autor;
a relação entre direito autoral e internet das coisas, e como esta pode afetar
aquele, entre outros.
Cabe, ainda, uma atenção especial ao projeto de lei que visa atualizar
a Lei de Direitos Autorais brasileira, que está no Poder Executivo, para que
seja feita uma análise mais aprofundada de como ela contempla os meios
tecnológicos em seu texto.
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