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Um olhar geográfico sobre a Praça Universitária em Goiânia-GO: história, processos e múltiplas territorialidades. EGÊA, Alessandra Pereira. Orientanda (PIBIC) Graduanda de Geografia pela Universidade Federal de Goiás [email protected] CHAVEIRO, Eguimar Felício. Orientador (PIBIC) Professor Dr. da Universidade Federal de Goiás [email protected] INTRODUÇÃO No que tange a multifuncionalidade atribuída à Praça Universitária, esta pesquisa vem levantar um breve histórico da mesma e enumerar as práticas socioculturais que de certa forma deram vida ao seu cotidiano intercalando uma com as outras no decorrer dos anos. Veremos mais adiante como a territorialidade e o poder se constituíram em sua trajetória, pois ao longo dos seus quarenta anos as múltiplas funções praticadas pelos atores sociais desencadearam num processo de disputa territorial.Assim que constatada essa disputa territorial, identificamos então o ator desta territorialização e as formas como estes praticam o poder. Diante do exposto e de algumas observações feitas em trabalho de campo, perguntamo-nos será que agora após quarenta anos de existência, estes atores permanecem no seu dia-a-dia ou parte deles deixaram de existir dando lugar a outras funções e eventos? Qual funcionalidade a praça tem hoje para seus usuários? Qual (is) fator (es) é (são) determinante (s) para que se constitua a territorialidade na Praça Universitária? Assim como indagar se este território ainda é disputado pelos atores sociais? Os objetivos propostos nesta pesquisa são: identificar as atividades predominantes na Praça Universitária, desde sua criação até dias atuais; compreender os motivos geradores da territorialidade presente na praça; entender como se deu o processo dessa disputa e as relações de trabalho na praça; e por fim identificar os atores sociais e a forma que estes utilizam o território como forma de imposição do poder. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1

Praça Universitária

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Um olhar geográfico sobre a Praça Universitária em Goiânia-GO:história, processos e múltiplas territorialidades.

EGÊA, Alessandra Pereira.Orientanda (PIBIC)

Graduanda de Geografia pela Universidade Federal de Goiá[email protected]

CHAVEIRO, Eguimar Felício.Orientador (PIBIC)

Professor Dr. da Universidade Federal de Goiá[email protected]

INTRODUÇÃO

No que tange a multifuncionalidade atribuída à Praça Universitária, esta pesquisa

vem levantar um breve histórico da mesma e enumerar as práticas socioculturais que de certa

forma deram vida ao seu cotidiano intercalando uma com as outras no decorrer dos anos.

Veremos mais adiante como a territorialidade e o poder se constituíram em sua trajetória, pois

ao longo dos seus quarenta anos as múltiplas funções praticadas pelos atores sociais

desencadearam num processo de disputa territorial. Assim que constatada essa disputa

territorial, identificamos então o ator desta territorialização e as formas como estes praticam o

poder. Diante do exposto e de algumas observações feitas em trabalho de campo,

perguntamo-nos será que agora após quarenta anos de existência, estes atores permanecem

no seu dia-a-dia ou parte deles deixaram de existir dando lugar a outras funções e eventos?

Qual funcionalidade a praça tem hoje para seus usuários? Qual (is) fator (es) é (são)

determinante (s) para que se constitua a territorialidade na Praça Universitária? Assim como

indagar se este território ainda é disputado pelos atores sociais? Os objetivos propostos nesta

pesquisa são: identificar as atividades predominantes na Praça Universitária, desde sua

criação até dias atuais; compreender os motivos geradores da territorialidade presente na

praça; entender como se deu o processo dessa disputa e as relações de trabalho na praça; e

por fim identificar os atores sociais e a forma que estes utilizam o território como forma de

imposição do poder.

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Na execução deste trabalho foram feitas pesquisas bibliográficas referentes à

temática; pesquisa de campo com observação do uso da praça; aplicação de questionários;

conversas com usuários da praça e elaboração de relatório parcial referente aos resultados já

alcançados na pesquisa. Para concluir o andamento do trabalho serão feitas mais leituras,

observações de campo e conversas com demais usuários, momento de sistematização dos

dados e elaboração de relatório final. O trabalho em questão faz parte do projeto de pesquisa

do professor Dr. Eguimar Felício Chaveiro com o título “As Incidências das Práticas

Socioculturais na Feição e no Conteúdo de Áreas Metropolitanas”, onde este se encontra

vinculado ao Projeto Casadinho IESA/USP, com o título “Cidades e Práticas Espaciais:

diferentes dinâmicas em metrópoles brasileiras nacionais e regionais”.

PRAÇA UNIVERSITÁRIA: HISTÓRIA E PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS

A Praça Universitária desde a sua criação em 1969 vem servindo de palco a

várias manifestações, dentre elas: culturais, políticas, estudantis, movimentos sociais e também

territoriais. Na década seguinte a sua criação, este espaço era utilizado como ponto de

encontro de grupos culturais que faziam parte da massa burguesa da época, assim como dos

grupos que lutavam contra as imposições durante a Ditadura Militar no Brasil. Já na segunda e

terceira década de sua existência vemos que a mesma sofreu modificações por conta do

contexto histórico político que sucedera a década de 1980.

A sociedade goianiense assistiu ao longo dos quarenta anos da Praça

Universitária uma multiplicidade de manifestações que transformaram o cenário goiano. Em

alguns momentos vemos que a praça serviu como: ponto de encontro a diferentes tribos

urbanas que a utilizavam para conversar, descontrair e prestigiarem shows; local de reunião

àqueles que lutavam contra as imposições de uma época; abrigo para os sem-tetos; diversão

nos momentos culturais promovendo shows, festivais, eventos estudantis, espetáculos

circenses, feiras semanais, etc.; lugar do medo, onde por um tempo foi apropriada por

pessoas usuárias de drogas e por vezes foi palco de assassinatos; é local de encontro e

descanso nos barzinhos, pit-dogs, gramados e banquinhos onde estudantes de colégios e

universidades e até mesmo moradores próximos a ela frequentam; proporciona também

momentos de sabedoria aos usuários de sua biblioteca; e além do mais, segundo Pelá (2009),

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“(...) a praça possui um dos maiores museus de esculturas a céu aberto da América Latina,

sendo a única do gênero pelo ICOM (Conselho Internacional de Museus)”.

Para entender um pouco do que a praça se tornou hoje com toda sua dinâmica

e integralização proporcionado pela utilização do lugar a tornando um palco de disputa

territorial é preciso adentrar no seu contexto histórico a fim de compreender as questões

enunciadas.

Em meados da década de 1960 o Setor Universitário ainda era pouco habitado e

continha poucas residências. As Universidades da Católica e Federal, situadas ao redor da

praça e alguns barzinhos próximos e até mesmo dentro dela, os shows, a Biblioteca Marietta

Telles Machado e o Complexo Cultural Chafariz davam vida ao seu cotidiano. Isto porque

nesta década houve diversos acontecimentos em âmbito nacional que influenciaram o

desenrolar da história em determinados locais do Brasil. E Goiânia foi um destes lugares, onde

as lutas e resistências de uma juventude marcaram época. Segundo Santos: “Somente os

explorados e submetidos, se auto-organizando, podem almejar verdadeiramente o fim de sua

exploração e submissão”. Diante desta afirmação podemos ver que todo lugar onde há

repressão, os repreendidos precisam se organizar e principalmente de um local de encontro a

fim de levantarem meios e estratégias de combaterem o repressor. E alguns pontos de Goiânia

eram exclusivos a esse tipo de encontro. Peguemos como exemplo as principais praças da

época: a Praça Joaquim Lúcio, a Praça Cívica e a Praça Universitária. Dos exemplos citados

acima, vemos que a Praça Universitária foi o grande palco desse encontro. Ali se misturavam

estudantes e professores das escolas e das universidades, artistas (escritores, músicos, etc.),

trabalhadores em geral, adeptos a partidos ou não e movimentos estudantis, entre outros. O

importante era estabelecer vínculo com demais pessoas que partilhavam das mesmas ideias, e

a praça serviu como este elo.

Um segundo fato que deu vida ao seu cotidiano foi à proximidade com as

escolas COLU, IEG, Colégio Carlos Chagas, as Universidades Católica e Federal de Goiás e

os Hospitais da Clínica, do Câncer, o CEROF (Centro de Referência Oftalmológica) da

UFG, e demais clínicas particulares. Os estudantes e até mesmo professores a utilizaram

como ponto de reunião, descanso, estudos, diversão, objeto de trabalho, etc. Quando se

refere aos hospitais, vemos o uso daqueles que são da própria cidade de Goiânia, demais

oriundos do interior de Goiás e até mesmo outros estados, que vem fazer companhia aos

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pacientes e acabam tendo momentos de descanso e outros por vezes sem ter onde dormirem

a utilizam como moradia.

Um terceiro fator se deve aos barzinhos (Bar da Tia e Bar do Zé), pit-dogs

(Barão Vermelho, One Way e Bem Bolado) e a feira aos domingos que de um modo geral

atendem os universitários, comerciantes, moradores, pacientes e visitantes dos hospitais

próximos a ela. Seguindo ao quarto item temos a Biblioteca Marietta Telles Machado que

desde sua criação teve como objetivo aglutinar pessoas interessadas pela leitura,

conhecimento e pesquisa. Em seu pequeno, mas respeitável espaço ela é um ponto de

referência àqueles que necessitam de dados históricos de Goiânia, Goiás e demais

bibliografias. A clientela da biblioteca aproxima-se de 800 pessoas por dia. O quinto

elemento responsável pela vivacidade presente na praça se deve ao Chafariz, que surgiu

posteriormente a biblioteca. O Chafariz serviu como espaço alternativo de lançamentos de

livros e exposição de peças artesanais, dentre eles: quadros, pinturas, peças de museus, entre

outros, isto é, quando os demais locais conhecidos e destinados à divulgação cultural já

estavam lotados. Serviu como ponto de reuniões e encontros de amigos quando ainda era um

bar.

O sexto item se deve aos moradores do Setor Universitário e adjacências e

também aos da CEU (Casa do Estudante Universitário). Diariamente a comunidade residente

as proximidades da praça a utiliza para descansar, caminhar, refugiar nas sombras das árvores

nos momentos de calor, fazer uso da biblioteca e dos bares, e não podemos deixar de

mencionar que aos domingos a feira proporciona os encontros semanais dessa comunidade,

assim como aos que vêm de outros bairros e municípios. Outros ainda visitam a praça a fim

de contemplar a exposição de esculturas ao ar livre. Segundo Pelá (2009), “(...) as esculturas

na Praça Universitária fazem parte do Projeto Memória em Praça Pública e hoje ela é

considerada um dos maiores Museus de Esculturas ao Ar Livre da América Latina”. E como

último item temos os trabalhadores, dentre eles: os guardas municipais; os lavadores de

carros; os guarda-carros; os donos dos bares e pit-dogs; os funcionários da biblioteca; e não

podemos esquecer os demais comércios e estabelecimentos em geral próximos a praça e seus

milhares de funcionários que diariamente ajudam a constituir o processo dinâmico e

integralizado que encontramos na Praça Universitária.

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Ao analisar o emaranhado de funções supracitadas que a praça possui e que não

consta nos propósitos iniciais de sua construção, pois foi, segundo Pelá (2009), “construída

para ser um espaço público de lazer e convivência, vemos que a mesma extrapola hoje o

índice de atividades concentradas em um só local”. Ao longo desses quarenta anos,

identificamos muitos dos agentes que se fizeram presentes no cotidiano da praça em suas

décadas iniciais ainda são atuantes e se intercalam com os demais surgidos posteriormente.

Os remanescentes identificados e registrados após algumas visitas ao local são: a Biblioteca

Municipal Marietta Telles Machado; o Bar da Tia; alguns pit-dogs; as esculturas (estas já

fazem parte do patrimônio histórico da Cidade de Goiânia); poucos trabalhadores dos

lava-carros; os feirantes aos finais de semana; os festivais de shows de bandas que ocorrem

aos sábados; os moradores, os trabalhadores e os estudantes da proximidade que a utilizam

cotidianamente (vemos que nestes três últimos casos e nos dos feirantes e dos festivais não

podemos julgar como remanescentes, pois há aqui uma rotatividade na quantidade de

indivíduos e feirantes que circularam ao longo dos anos, assim como também há uma

diversidade de eventos realizados na praça).

Os agentes que sumiram com o tempo foram os militantes políticos dos anos da

ditadura (1964-1984) que a utilizavam para reuniões e encontros a fim de debaterem sobre a

anistia. Poucos movimentos ainda resistiram por alguns anos e outros se fortaleceram, algumas

pessoas vinculadas a estes entraram em partidos políticos e outros não. Mas como era de

costume, além de reunirem na praça, também desfrutavam do ambiente acolhedor,

aconchegante e receptivo do Chafariz, onde por muitas vezes deixou de funcionar e no atual

mandato do prefeito de Goiânia, Iris Rezende Machado (2008 - 2012) ainda esta em desuso.

O Chafariz neste caso em especifico é um local que de tempos em tempos tem uma

rotatividade de eventos e festivais, e por isso seu funcionamento depende então de quem está

no mandato a prefeito de Goiânia e dos projetos de atividades destinados a ele. Outro agente

que deixou de funcionar na praça foi o Bar do Zé (não se sabe a causa ao certo, mas o local

que antes era um bar está hoje fechado).

Apesar das modificações históricas e das fragmentações encontradas na praça,

vemos que há uma resistência de alguns dos agentes em permanecerem no local e isto se deve

a conquista territorial que se constituiu ali através das décadas. Peguemos por exemplo os

dois casos mais presentes na praça como o da biblioteca e os lavadores e vigias de carros. Já

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nos anos iniciais do Chafariz foi constatado através de entrevista realizada por Márcia Cristina

Hizim Pelá e Gabriel Carneiro e esta cedida a mim, onde a funcionária da biblioteca desde o

começo da década de 1990 a 2004, M.C.B., relata que:

(...) a parte inferior era destinada à biblioteca, as aulas deinstrumentos musicais, aulas de pinturas, desenhos essas coisas e tudojunto ali embaixo. Eram pequenas saletas, foi feito o espaço e asdivisórias foram feitas como quiseram. Depois aos poucos isso foidescendo e foi lá pro atual Museu de Artes de Goiânia, como o centrolivre de artes, lá no Bosque dos Buritis. E a biblioteca foi tomandoconta, foi tomando conta porque ela que cresceu. Ela não estavacabendo mais naquele pequeno espaço de sala leitura que estavadestinado a ela. (...) (Pelá, Et al, 2007).

Segundo M.C.B. a biblioteca dividia espaço com outros eventos culturais e

vemos através deste depoimento que uma atividade sufocava o desenvolvimento da outra,

tendo estas então que migrarem para diferentes locais. Através deste relato percebemos

como já em meados de 1970 e em 1980, a territorialidade constituída pela biblioteca se fazia

imponente. Ela resistiu ao longo das décadas devido à grande quantidade de usuários e a

necessidade de se ter um espaço de leituras que pudesse atender a população goianiense em

geral. O segundo agente são os lavadores e vigias de carros. Dentro deste último exemplo a

conquista pelo território é tão marcante e respeitada que não notamos uma grande

rotatividade de trabalhadores, pois entre estes profissionais há leis impostas não pelos de fora,

nem pelo Estado, mas por eles mesmos. Só a presença de um autônomo desta categoria

intimida a presença e a divisão da mesma área por outro indivíduo que executa semelhante

profissão. Nos casos citados nota-se que a praça como um território consolidado é palco de

múltiplas territorialidades. E para entender um pouco mais como são constituídas essas

territorialidades se faz necessário recorrermos a alguns conceitos básicos e indispensáveis

sobre determinado assunto.

TERRITÓRIO E PODER

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Os territórios são espaços onde identificamos atos de disputas e estas podem

ocorrer por quem o conquista e consequentemente tem mais poder sobre o espaço, entre

outros. Segundo Raffestin:

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma açãoconduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) emqualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ouabstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” oespaço. (Raffestin, 1993. p. 143).

E vemos que segundo esta apropriação do espaço definido por Raffestin o ator

como agente territorializador o faz por vários motivos: domínio do poder, necessidade,

acessibilidade, localidade, mas um que sobressai dentre outros é a questão pela

sobrevivência, pois tais disputas têm seus motivos para que ocorra determinada conquista.

Aqui veremos como a Praça Universitária é um espaço em que a territorialidade se fez

constantemente em sua trajetória, e esta veio carregada de disputas e motivações, ou seja,

esta territorialidade se deve ao uso que foi e ainda o é praticado no referido espaço.

Segundo Souza (1995): “O território (...) é fundamentalmente um espaço definido

e delimitado por e a partir de relações de poder.”. E diz ainda que:

(...) territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalastemporais as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias;territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem teruma existência periódica, cíclica. (Souza, 1995. p. 81).

As afirmações que Souza nos traz em relação ao território, podemos projetá-las

ao contexto da Praça Universitária, pois o território que ali fora consolidado se deu através de

relações de poder construídos e desconstruídos ao longo dos 40 anos.

Ao refletir a respeito dos conceitos de território supracitados, temos então que

nos determos inicialmente a uma questão importante, quem é o ator desta territorialização?

Este agente pode ser tanto um animal, quanto um humano. Segundo Raffestin ao comentar a

respeito da territorialidade animal diz que:

Embora pressentida há mais ou menos três séculos, essa noção só foiverdadeiramente explicitada pelos naturalistas em 1920, por H.E.Howard por exemplo, que a definiu como “a conduta característicaadotada por um organismo para tomar posse de um território e

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defendê-lo contra os membros de sua própria espécie. (Raffestin,1993. p. 159).

A territorialidade humana só foi estudada, após anos de pesquisas desenvolvidas

sobre a territorialidade animal e se analisarmos bem a definição que Howard faz a respeito da

territorialidade animal veremos uma similaridade com a humana, pois tanto um, quanto outro o

faz como já citado por Raffestin, pela aquisição e permanência da posse de um território e ao

agirem de tal maneira estão defendendo não só de sua própria espécie como exemplifica

Howard, mas também das demais.

A conquista pelo território irá depender de quem tem mais poder sobre o

mesmo. Ao constatar que a territorialidade existe em determinado ambiente, é preciso então

identificar o seu agente, ou seja, quem detém o poder. Segundo Santos (2009): “O território

sempre esteve vinculado ao poder, ou melhor, o território só pode existir por meio deste.”

Após essa afirmação fica bem claro como as relações de poder não só mencionadas na

praça, mas das facções criminosas (quem domina os morros, neste caso, exemplo do Brasil),

de uma nação sobre a outra (o controle do petróleo, das fronteiras, dos alimentos, etc.), de

uma cultura (comunidades isoladas, índios, Quilombolas, etc.) precisam todos de um território

a fim de que se efetive o poder.

A respeito do poder Saquet (2007) afirma que: “O poder é exercido, na

apropriação e na dominação.” E diz ainda que: “O poder é produzido nas relações, em cada

instante; não é uma instituição, mas o nome que se dá a uma situação complexa da vida em

sociedades.” Nas citações, Saquet deixa claro como o poder é exercido pelos mais fortes e

resistentes, pois são eles que irão apropriar, dominar e se garantir entre os demais. E para que

isto ocorra dependera da relação entre os envolvidos. No que concerne a nossa sociedade a

mesma é travada por relações capitalistas, onde os interesses pessoais, a ganância, a inveja, o

poder, são exercidos todos os dias, e às vezes nem nos percebemos como somos agentes

dessas ações. Remetemos então a junção do sentido desta citação com o fato encontrado na

praça. Neste caso, a relação de poder é exercida por aqueles que nela trabalham (aqui

especificamente os lavadores e vigias de carros, assim como os feirantes) e estes como já é

de conhecimento apossaram dos seus espaços e locais de trabalhos, mas esta apropriação

não se deu pela força física e sim pela prática cotidiana de uso da praça. Com isso, podemos

afirmar que a convivência com demais pessoas reproduz relações de poder. Neste sentido os

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que têm mais tempo de atuação no território se sentem donos do lugar e consequentemente

podem usar do aspecto temporal e espacial a fim de imporem e reproduzirem o poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A territorialidade analisada e identificada na Praça Universitária é bem peculiar de

áreas amplas, com boa infra-estrutura e equipamentos urbanos disponíveis. Os agentes sociais

e seus mecanismos de atuação usufruem determinados espaços e o fazem sob alguns

interesses como: a acessibilidade a demais locais; à densidade demográfica de consumidores

nas proximidades; à falta ou pouca oferta do mesmo ramo de trabalho e ou comércio; entre

outras tantas. Com isso, podemos dizer que tais espaços são vulneráveis a aglomeração e

segregação de pessoas e equipamentos urbanos, assim como também de seus agentes. Como

levantado no decorrer da pesquisa, todo território precisa de um agente social

territorializador. Submetemos aí o caso da Praça Universitária que é utilizada principalmente

pelos lavadores e vigias de carros, que se beneficiam da questão espaço/tempo para

efetuarem a territorialidade. E neste caso em específico o poder pertence àquele que domina

maior quantidade de espaço e por mais tempo durante os anos. Sendo que agindo assim,

estes intimidam a aproximação e atuação dos demais profissionais do mesmo campo de

trabalho. Identificado o agente territorializador, analisamos então como o poder é instituído e

trabalhado nas relações cotidianas. Vemos com isso, que na Praça Universitária as relações

diárias não se efetivaram divergentes das demais, mas podemos dizer que situações distintas e

postas pelo espaço/tempo, foram fundamentais para determinar a relação de poder instituída

na Praça Universitária ao longo das décadas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

SAQUET. Marcos Aurélio. Abordagens e Concepções de Território. São Paulo:

Expressão Popular, 2007.

SOUZA, Marcelo Lopes de. O Território: Sobre Espaço e Poder, Autonomia e

Desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Élias de. Et al: Geografia: Conceitos e Temas. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

O POPULAR. Recantos de Leitura. O Popular. Goiânia. 25, jan. 2001.

SANTOS, Lucas Maia. O Conceito de Território e o Fetichismo do Poder. In: Iº

Simpósio Nacional de Ciências Sociais. 2009, Goiânia. Anais... Goiânia: UFG, 2009.

PELÁ, Márcia Cristina Hizim, Et al. Uma Interpretação Sócioespacial: Praça

Universitária Goiânia-Goiás-Brasil. In:12º Encontro de Geógrafos da América Latina.

2009. Montevidéu. Anais... Montevidéu: 2009.

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