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PRÁTICAS DE ENSINO BEM-SUCEDIDAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: O INÍCIO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Catia Silvana da Costa (PPGE/UFSCar)
Maria Iolanda Monteiro (PPGE/UFSCar)
Eixo 05: Políticas de formação de professores
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES)
Introdução
Neste artigo, discutiremos as práticas pedagógicas de uma professora de
Educação Física iniciante - atuante no contexto dos anos iniciais do Ensino Fundamental
- com base no recorte de uma Dissertação de Mestrado (COSTA, 2014i) desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) no período de 2012 a 2013.
Com o propósito de conhecer e compreender essas práticas e as fontes que
influenciam na construção dos saberes dessa professora, a dissertação trouxe foco para
evidências que, salvo exceções (GUARNIERI, 2005; LEAL, 2011), não são apontadas
pela literatura sobre o início da carreira. Assim, pudemos evidenciar os aspectos positivos
do período de inserção na docência por meio de um estudo de caso representativo de
uma professora iniciante (COSTA, 2014).
A pesquisa supracitada, motivada em considerações sobre o início da carreira
como uma fase complexa e pouco explorada (CORRÊA; PORTELLA, 2012; HUBERMAN,
1995) e nos professores iniciantes (COSTA; FERREIRA, 2013; COSTA; VOLTARELLI;
CUNHA, 2012), apresentou o desenvolvimento de práticas de ensino bem-sucedidas nas
aulas de Educação Física nos anos iniciais. Essas práticas, pouco comuns nesse
período, se fundamentam em uma perspectiva contextualizada e interdisciplinar de
ensino e ressignificam a aprendizagem dos alunos para “além da prática” (propostas de
atividades com planejamento, objetivos e significados próprios da Educação Física
enquanto “componente curricular” no contexto educacional).
Segundo Silva e cols. (2007), o bom professor estimula o interesse do aluno
respeitando suas fases de desenvolvimento, desenvolve conteúdos expressivos,
proporciona uma aprendizagem eficaz, integra todos nas atividades, instiga o processo
criativo, domina a especificidade da área, tem consciência sobre o valor de sua atuação
profissional, posiciona-se como um permanente aprendiz e apresenta respeito para com
os alunos e consigo próprio.
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A participante da pesquisa de mestrado foi selecionada por ser considerada uma
professora iniciante, estando em seu 4º ano de atuação, sendo os dois primeiros na rede
municipal e, os dois últimos, em duas escolas da rede de ensino da Secretaria de Estado
da Educação de São Paulo (SEE-SP). No momento da pesquisa se encontrava em um
processo de transição entre a “exploração” e a “estabilização” (HUBERMAN, 1995). A
formação inicial, a condição de efetiva, a atuação com os anos iniciais e a disponibilidade
para a pesquisa também foram cuidadosamente consideradas.
Com o objetivo de conhecer e compreender as práticas dessa professora,
refletimos sobre o professor iniciante, as características do início da carreira e suas
implicações (FERREIRA, 2006; GUARNIERI, 2005; HUBERMAN, 1995), a formação
inicial em Educação Física e as dimensões dos processos de aprendizagem e de
desenvolvimento profissional (BRASIL, 2001, 2011; TANCREDI, 2009) e a natureza
social, pluralidade e temporalidade dos saberes docentes (BORGES, 2005; TARDIF,
2008).
Apresentamos um movimento de reflexão sobre a formação inicial em Educação
Física tomando-se por base uma trajetória da racionalidade técnica à garantia dos
conhecimentos da formação específica e da formação ampliada nos cursos de
licenciatura, em razão da necessidade de se voltar olhares para os saberes que são
construídos pelos professores iniciantes e não somente para as particularidades dos
momentos de ingresso na docência. As dimensões do processo de aprendizagem e de
desenvolvimento profissional da docência também integram nossas reflexões, no
propósito de contemplar a questão e os objetivos da referida pesquisa, ilustrar a
diversidade de fontes de aprendizagem e dar visibilidade à forma como o professor
aprende e se desenvolve na trajetória de sua profissão.
Refletimos sobre os saberes docentes, os quais são construídos de forma intensa
e acentuada no início da carreira, entre os três ou os cinco primeiros anos, e pode
orientar todos os saberes imprescindíveis à atuação docente (TARDIF, 2008). Assim, faz-
se necessário estabelecer relações entre os saberes e o início da carreira, uma vez que a
iniciação e o desenvolvimento na docência implicam em apropriação de saberes objetivos
e exclusivos dos contextos de trabalho, incluindo hábitos, normas e valores (TARDIF,
2008). Tomando-se por base a natureza social e pluralidade dos saberes, Borges (2005)
afirma que a análise dos saberes deve estar diretamente relacionada às particularidades
da atividade exercida (considerando a formação em licenciatura e bacharelado e os
diferentes campos de atuação do profissional de Educação Física).
Igualmente, contextualizamos a Educação Física retomando seu percurso
histórico para proporcionar visibilidade e compreensão sobre a constituição dessa área
do conhecimento (BETTI, 2011; CASTELLANI FILHO, 2008), situando as diversas
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tendências que influenciaram sua configuração atual e apresentando a construção do
conceito de “cultura corporal” (BRASIL, 1997; SOARES e cols., 1992). Posicionamo-nos
em uma “educação de corpo inteiro” (FREIRE, 2010) em razão das possibilidades de
diálogo com nossos dados. Refletimos sobre a legislação prescrita para a Educação
Física em razão da necessidade que sentimos de legitimar essa prática na escola
enquanto “componente curricular” (BRASIL, 2001, 2007; GALLARDO, 2010) e breves
resultados de pesquisas sobre o seu ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009).
Diante do objetivo exposto, justificamos a abordagem de investigação qualitativa,
da qual extraímos a opção pelo estudo de caso (ANDRÉ, 1998; BOGDAN; BIKLEN,
1994), representativo de uma professora iniciante. Recorremos às entrevistas
semiestruturadas, à observação-participante, à análise documental (instrumentos que
distinguem a pesquisa qualitativa), à caracterização da participante, à contextualização
das escolas e a forma como os eixos de análise foram construídos.
Realizamos observações das práticas da participante em duas escolas (Escola 1 e
Escola 2), entrevistas semiestruturadas e análises de documentos, observando também o
seu envolvimento em cursos na área. Licenciada em Educação Física pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP), em 2007, especializou-se em Educação Física Escolar pela
UFSCar em 2010, estando em seu 4º ano de atuação profissional na rede pública de
ensino.
Observamos 90 aulas, 20 na Escola 2 (com 3ºs anos), 70 aulas (com 3ºs, 4º e 5ºs
anos) e duas Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) na Escola 1 (unidade-sede
da participante). Nas entrevistas semiestruturadas, obtivemos o relato oral da professora,
apreendendo as múltiplas dimensões de sua trajetória profissional.
Na análise documental, utilizamos os documentos para constituir o fato no seu todo,
complementando os conhecimentos extraídos dos dados coletados - os instrumentos de
coleta de dados explicitados neste tópico foram utilizados mediante apreciação e
aprovação da proposta desta pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em
Seres Humanos da UFSCar, no processo 72184. Tal análise ocorreu mediante a leitura
do Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada escola, os quais descrevemos
brevemente.
As duas Unidades Escolares (UE) da SEE-SP atendem alunos dos anos iniciais e
seus PPP encontravam-se organizado em um período de quatro anos. A Escola 1 articula
a aprendizagem com sua função social, respeitando as particularidades da comunidade
local. Para a equipe gestora, o PPP é um processo em contínua (re) construção.
Observamos que o documento não faz referências específicas às áreas do
conhecimento.
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O PPP da Escola 2 apresenta-a mediante proposições de competências e
habilidades para os anos iniciais, objetivos gerais em todas as áreas, autoavaliação,
currículo, processos para as normas regimentais, planos de ensino, sistema
organizacional e avaliação. Na composição dessa análise, observamos também o Plano
de Ensino Anual (PEA) da participante, caderno de planejamento, atividades, livros,
vídeos, textos e a legislação para o ensino da Educação Física nos anos iniciais.
Com base em reflexões e nas informações obtidas, identificamos e construímos
eixos para a análise dos dados. Os eixos são construídos com base em regularidades,
modelos e temas observados nos dados e representados por meio de “frases-chave” que
expressam seus teores (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Realizamos um cruzamento entre as
informações coletadas e sintetizamos as ideias principais, definindo, então, as seguintes
“frases-chave”: “conteúdo escolar”; “natureza das práticas: organização, fundamentação
e avaliação”; “dilemas docentes”; e “desafios da Educação Física escolar: intervenções,
relações e perspectivas”. Consideramos que as informações de cada eixo se manifestam
em todos os eixos, em razão das inter-relações entre eles.
Em virtude das limitações deste artigo, optamos somente pela apresentação dos
dados e da descrição do eixo “natureza das práticas: organização, fundamentação e
avaliação”, o qual fundamenta o “tecer” de nossas considerações finais.
Por se tratar de um recorte, afirmamos, com base no eixo selecionado, que as
reflexões geradas possam contribuir para o entendimento das aprendizagens adquiridas
no início da carreira, tornando observáveis as características de práticas de ensino bem-
sucedidas nas aulas de Educação Física nos anos iniciais, promovendo o início de
reflexões imprescindíveis à sistematização de diretrizes de políticas públicas de formação
inicial e continuada de professores de Educação Física da SEE-SP, e suscitando novos
diálogos sobre práticas de professores de Educação Física iniciantes.
Práticas de ensino bem-sucedidas na Educação Física: características,
fundamentação, organização e avaliação
Com base no eixo selecionado, pretendemos evidenciar como se configuram as
práticas pedagógicas desenvolvidas pela participante, destacando características das
atividades propostas, recursos e estratégias utilizados, diálogos estabelecidos com
subsídios teóricos e metodológicos, formas de organização das práticas e critérios
avaliativos adotados nas aulas.
As características destacadas dialogam com os atributos de um bom professor
apresentados por Silva e cols. (2007). Com isso, não pretendemos dizer que não
observamos dificuldades (em especial, nas relações professor-aluno e aluno-aluno, mais
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acentuadas em uma das UE), as quais consideramos como dificuldades de uma boa
professora, conforme reflexões de Cunha (2014), Galvão (2002) e Silva e cols. (2007).
Com a finalidade de investigar como a participante se constrói enquanto professora
de Educação Física no contexto dos anos iniciais, buscamos identificar elementos que
contribuem para o seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento profissional na
docência nessa fase de início de carreira. Nossa intenção também incide em conhecer e
entender as implicações decorrentes dessa fase, as lacunas da formação inicial e as
responsabilidades da SEE-SP para com o professor de Educação Física iniciante.
Em nosso olhar, a atividade planejada e desenvolvida nas aulas de Educação
Física na escola deve apresentar algumas características, as quais, corroborando Freire
(2010) e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física, PCN-EF, ensino de
1ª a 4ª série (BRASIL, 1997), respectivamente, deve ser significativa e estar vinculada à
realidade dos alunos, se revelando por meio do desenvolvimento das dimensões
conceituais, procedimentais e atitudinais dos conteúdos.
De acordo com os PCN-EF (BRASIL, 1997), os conteúdos da Educação Física
podem ser desenvolvidos com base nas dimensões conceitual, atitudinal e
procedimental. A dimensão conceitual refere-se a códigos, acontecimentos e opiniões,
incluindo elucubrações sobre os conceitos estudados. A dimensão procedimental está
vinculada ao fazer corpóreo, ao experimento prático, sem restrições a um mundo da
prática pela prática, alheio a procedimentos de ordem, conhecimentos sistematizados,
entre outros processos. Já a dimensão atitudinal está associada a princípios, valores e
atitudes, em uma tentativa de construção de uma postura responsável pelo aluno consigo
próprio e com os outros.
Tomando-se por base a análise dos dados nesse eixo, refletimos sobre as
características das práticas da participante, observando a proposição de dinâmicas
diferenciadas no desenvolvimento das atividades, diversificação dos conteúdos e das
condições didáticas, flexibilidade nas decisões e ações e realização de intervenções
pontuais no desenvolvimento das aulas. Essas atitudes buscaram favorecer o dinamismo
e a interação entre os alunos, a participação ativa de todos, otimizar o tempo da aula e
igualar as oportunidades, ampliando as experiências e os conhecimentos discentes.
Nesse contexto, identificamos a proposição de “Jogos de Perseguição” no qual a
definição dos alunos “pegadores” acontecia por meio da cor da roupa, do mês do
aniversário e/ou pela primeira letra do nome.
Prá ... que todos possam ... é ... participar né ... serem ... pegadores ...passar pelo ... pelo pega-pega ... sendo pegadores ... e ... é uma formade ... de repente não né ... excluir ... né ... não excluir alguns alunos ...e ... eu acabo escolhendo assim ... de forma aleatória mesmo ... ou ...
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pelo signo ... pelo signo ... pela data de nascimento ... pela cor daroupa ... prá não ficar ... escolhendo às vezes sempre os mesmos ... ouescolhendo os que querem SEMPRE ser os pegadores ... e ... dessa ...dessa forma todos podem participar sendo pegadores ... e fugitivostambém ... aí eu vou ... fazendo rodízio ... até que todos tenham ...tenham sido pegadores ... prá que ninguém seja ... excluído ou fique ...fique sem brincar né ... (Participante, ENTREVISTA 3, 28/09/2012).
Com base nessas estratégias, a participante possibilitou aos alunos vivências dos
jogos em diferentes posições, fato que favoreceu a mobilização de diversos
conhecimentos em razão das ações que deveriam ser empreendidas por eles e das
tomadas de decisões necessárias em cada uma dessas posições para a concretização
dos objetivos dos jogos realizados. Como exemplo, na proposição do jogo “Polícia e
Ladrão” para alunos dos 3ºs anos em aulas observadas na Escola 2, as perguntas
realizadas pela participante aos alunos versaram sobre “quem quer ser a polícia?”,
“quem não foi polícia ainda?” (Participante, DIÁRIO DE CAMPO, 15/08/2012).
Igualmente, realizou a inversão das posições em outro momento em que esse
mesmo jogo foi proposto na Escola 1 para uma classe de 5º ano em dois grandes grupos
(um grupo de “policiais” e outro de “ladrões”). Em outro momento, novamente com uma
classe de 5º ano, definiu três pegadores ao mesmo tempo pelo mês do aniversário.
Essas estratégias também confirmam a promoção de práticas inclusivas.
Observamos também a capacidade de iniciativa da participante na busca por
materiais para o desenvolvimento de suas aulas com recursos próprios e a consideração
pelas expectativas dos alunos na escolha, proposição e desenvolvimento do conteúdo.
A utilização adequada do tempo da aula, dos materiais e dos espaços disponíveis
nas UE para otimizar o processo de aprendizagem dos alunos, bem como a utilização de
recursos próprios na construção de materiais com os alunos, as iniciativas próprias para
adequação das atividades e a solicitação de materiais e experiências entre os pares se
constituem, de acordo com Leal (2011), como indicadores educacionais sobre os
processos de aprender e ensinar na escola e daquilo que deve ser proporcionado aos
alunos nas aulas de Educação Física. Esses indicadores, elaborados com base nos
discursos de um professor de Educação Física considerado “experiente” e em período de
iniciação na docência, nos revelam evidências que, normalmente, não são apontadas
pela literatura sobre o início da carreira.
Corroborando Tardif (2008), consideramos a relação direta entre os saberes
construídos e a pessoa da participante. Notamos as diferentes fontes e diferentes
naturezas desses saberes e a conexão dos saberes para o tratamento do conteúdo
“Jogos Africanos”, por exemplo, com questões definidas em um grupo de trabalho
pertencente a um determinado contexto escolar (conteúdo definido em momento de
planejamento em uma das escolas para o desenvolvimento do projeto sobre o “Dia da
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Consciência Negra”). Nessa perspectiva, o autor afirma a impossibilidade de se apartar
os saberes das realidades nas quais os professores se encontram inseridos. Em Borges
(2005), também há destaque para a pluralidade do saber docente, sobretudo, em
professores de Educação Física que atuam em mais de uma escola ao mesmo tempo,
como é o caso da participante deste estudo.
Notamos as relações entre conteúdos e temas (“Jogos Africanos” e “Discriminação
Racial”), aulas de Educação Física e aulas das “professoras de classes” (professor
polivalente, denominado de Professor de Educação Básica - I, PEB-I, na SEE-SP). Tais
práticas propõem a confecção de brinquedos, oportunizam a tomada de decisões e
articulam as diferentes linguagens - são pouco comuns nas aulas de Educação Física
(COSTA, 2014).
A participante valeu-se do desenvolvimento do conteúdo fundamentado nas
dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais (com reflexões para além da
especificidade da Educação Física) e da articulação entre as várias linguagens (escrita,
gráfica e corporal) no desenvolvimento de suas aulas.
A transcrição a seguir elucida o desenvolvimento de uma atividade proposta em
grupo, na qual os alunos realizaram uma produção textual na temática “Folclore” com
base em frases soltas. A proposição dessa atividade revela o posicionamento de
mediadora adotado pela participante, a promoção dos alunos como protagonistas na
construção do saber, a interação originada pelo trabalho em grupo, a ludicidade e o
desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade dos alunos. Para Silva e cols.
(2007), uma das características do bom professor consiste em promover, para os alunos,
situações em que um auxilie e colabore com o outro.
[...] Acho que a ideia ... de trabalhar desse jeito ... é ... foi um pouco ... dealgumas experiências com outras professoras ... é ... mas a atividade emsi foi ... eu retirei da internet ... ela já veio ... né ... riscadinha ... e ... aí eupensei em recortar ... e deixar que as crianças montassem o ... o texto ...a respeito das brincadeiras populares ... mas ... essa ... as ideias são ...acho que devido às ... às atividades que às vezes eu vejo as professorasfazendo em sala ... é ... atividades de ... de livros ... (Participante,ENTREVISTA 2, 31/08/2012).
Percebemos as influências das práticas desenvolvidas pelas professoras de classe
na escolha das atividades e estratégias utilizadas em suas aulas enquanto vai se
construindo como professora de Educação Física no contexto dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Conforme Tardif (2008), percebemos as inter-relações que permeiam os
saberes construídos pela participante, cujos saberes são resultados de uma afluência
entre o individual e o social.
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Nos procedimentos avaliativos, destacamos dificuldades no quesito “participação
nas aulas” e nas habilidades desenvolvidas nas práticas da “cultura corporal”. Para
superar tais dificuldades, a participante fez uso de registros que, para ela, funcionam
como medida de segurança e diagnóstico daquilo que os alunos aprenderam.
Nessas análises, visualizamos o processo de aprendizagem e de desenvolvimento
profissional da participante, protagonista desse/nesse processo. Suas percepções
procedem das próprias reflexões que realiza sobre as estratégias utilizadas nas
abordagens de conteúdos e temas nas aulas, de um ano de atuação profissional para o
outro. Essas reflexões estão relacionadas ao seu processo de “tornar-se” professora, em
um movimento de reinterpretação/reconstrução das próprias ações realizadas.
Corroborando com Tardif (2008), identificamos saberes provenientes de fontes e
naturezas diferentes, construídos e reconstruídos em momentos e contextos diferentes
como produções de um determinado grupo de professores. Concebemos saberes
originários de influências das “professoras de classes” e de uma “professora especialista”
(Professor de Educação Básica - II, PEB-II, de Educação Física e de Arte da SEE-SP,
atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental), saberes provenientes das trocas com
os pares, dos momentos de estudo em ATPC realizados nas escolas investigadas, das
experiências iniciais e da formação continuada.
Apesar da apreensão para tratar alguns conteúdos presentes no Currículo do
Estado de São Paulo - Educação Física, CESP-EF (SÃO PAULO, 2011a), a participante
reconhece as contribuições do curso promovido pela Escola de Formação e
Aperfeiçoamento dos Professores (EFAP) do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011b)
e visualiza o currículo como uma direção a ser seguida. Suas dificuldades se referem à
inexistência de um currículo - com uma sistematização de conteúdos - de Educação
Física para os anos iniciais. Essa necessidade, que deveria ser debatida desde a
formação inicial, bem como a relação teoria-prática, resulta em desafios relacionados ao
“como” dar aula. O Quadro 1 apresenta uma síntese dessas análises, as quais contém as
características das práticas bem-sucedidas desenvolvidas pela participante, permeadas
por algumas dificuldades.
Quadro 1: Síntese do eixo “natureza das práticas: organização, fundamentação e
avaliação”.
Características Critérios para seleção dos conteúdos: justificativas; atividades; materiais;expectativa dos alunos, etc..Organização da aula por meio de dinâmicas diferentes da sala e da quadra.Diversificação, sistematização e relações entre os conteúdos para ampliaros conhecimentos dos alunos.Diversificação dos recursos materiais para promover a participaçãosimultânea de todos os alunos.Desenvolvimento de práticas pedagógicas e avaliativas com base nas
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dimensões do conteúdo.Conteúdo inserido em projetos maiores da UE.Trocas com os pares: atividades; experiências; etc..Desenvolvimento do conteúdo com base em seu contexto histórico (textos,ilustrações, diálogos e vivências). Propostas de trabalho coletivo para os alunos e postura docente pautadana mediação.Influências das práticas das “professoras de classe”.Equidade de oportunidades aos alunos e organização das práticas demodo a otimizar o tempo da aula.Oportunidades e respeito às decisões dos alunos.Relações estabelecidas entre as aulas de Educação Física e as aulas das“professoras de classes”.
Organização
Comprometimento com a aprendizagem dos alunos.Prática contextualizada e interdisciplinar por meio da relação conteúdo-tema e relação entre as áreas.Ampliação das respostas nas entrevistas sobre as contribuições de suasaulas para a alfabetização.Contribuições para o desenvolvimento da competência leitora e escritora.Valorização dos registros dos alunos e das aulas de Educação Física nasUE.Preocupação com a escrita correta das palavras em razão dafuncionalidade das produções propostas.Apresentação de condições didáticas necessárias nas propostas realizadasaos alunos.
Fundamentação
Necessidade de uma sistematização dos conteúdos para os anos iniciaisnos cursos de formação inicial (lacuna).Necessidade de articulação entre teoria e prática na formação inicial econtinuada (relativo ao “como” dar aula). Superação de dificuldades mediante iniciativas e investimentos próprios naprática e na formação.Diálogo com referenciais teóricos e metodológicos.Diálogo com a própria experiência, pesquisas na internet, filmes, conceitose materiais construídos nas aulas. Intervenções pontuais nas aulas.Identificação de conhecimentos “da” prática adquiridos “pela prática”(atuação profissional na rede municipal). Referência positiva à especialização, por tê-la cursado concomitante aoexercício da docência na rede municipal. Visualização do Currículo como uma direção a ser seguida, não devendolimitar o processo criativo docente.
Avaliação
Apresentação de várias possibilidades avaliativas.Dificuldades em avaliar a participação nas aulas e as habilidades físicasdesenvolvidas pelos alunos. Utilização dos registros como medida de segurança.Realização de devolutiva aos registros, correspondentes às expectativasdos alunos e facilitando a avaliação.Compreensão de avaliação para além da acumulação de conhecimentosescolarizados pelos alunos.Necessidade de avaliação teórica e prática.Concepção de avaliação como um processo contínuo.
Fonte: Retirado de Costa (2014, p. 215-216).
Conclusões
Reconhecendo as nuances do processo de aprendizagem e de desenvolvimento
profissional da participante em período de início na carreira e as particularidades de seus
contextos de atuação profissional, afirmamos, tal como Leal (2011), que a experiência
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docente não representa somente tempo de exercício na profissão, mas compromisso
com a educação, com a própria formação, com os alunos e com o aprimoramento das
próprias aulas e dos métodos de ensino em prol da aprendizagem dos alunos. Afirmamos
que constatamos essas características nas práticas observadas.
Uma das implicações para o professor iniciante (GUARNIERI, 2005) permeou as
práticas da participante, sobretudo, pela capacidade de identificação de aspectos
positivos e negativos em seu trabalho. Identificamos o domínio dos conhecimentos
específicos, a promoção de aprendizagem e de reflexão nos alunos, a utilização
adequada do tempo, materiais e espaços disponíveis nas escolas.
Apesar das dificuldades, analisamos diversas características de um bom professor
conforme Silva e cols. (2007), sendo os aspectos positivos: experiências iniciais; cursos;
trocas com os pares; diálogos com a literatura; e posicionamento da direção como
consequência da atuação de “professores especialistas” nas escolas, resultantes de
iniciativas e recursos próprios. Em virtude dessas características e por transitar entre o
desenvolvimento de boas práticas e alguns conflitos inerentes a esse período,
consideramos a participante como uma professora “de início de carreira”.
Com base em Cunha (2014), Galvão (2002) e Silva e cols. (2007), identificamos
esses conflitos como dificuldades de uma boa professora. Afirmamos que, salvo
exceções (GUARNIERI, 2005; LEAL, 2011), este estudo trouxe foco para evidências que,
normalmente, não são apontadas pela literatura sobre o início da carreira.
Nesse cenário, apontamos a responsabilidade da SEE-SP e da gestão escolar, de
se investir em políticas públicas, com merecidas considerações pelos saberes que são
construídos/adaptados pelos professores no exercício da docência, pelas peculiaridades
do contexto de trabalho e das condições intrínsecas a ele. Tais políticas podem/devem se
apropriar desses saberes e propor ações de formação que tenham por finalidade
viabilizar, assistir e otimizar esse processo de aprendizagem da docência, não ficando o
professor a mercê da própria disposição para aprender e mudar.
A necessidade de investimentos dessas políticas se relaciona com os aspectos
negativos (lacunas da formação inicial, inexistência de currículo para os anos iniciais e
conflitos nas relações), tornando visível a necessária aproximação entre a formação
inicial e os contextos das escolas, a articulação teoria-prática, a sistematização de
conteúdos para esse nível de ensino (tanto na formação inicial quanto pela SEE-SP) e a
valorização e o aprofundamento do estudo dos diversos saberes que devem ser
garantidos ao professor de Educação Física, especialmente, o “saber-fazer”.
Finalizando, intuímos que este estudo possa contribuir para o início de reflexões
imprescindíveis à sistematização de diretrizes de políticas públicas de formação inicial e
continuada de professores de Educação Física dos anos iniciais na rede de ensino da
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SEE-SP, e, concomitantemente, promover novos diálogos sobre práticas pedagógicas de
professores de Educação Física iniciantes, sobretudo práticas bem-sucedidas.
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