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Práxis Novos Desafios para a Educação e para a Carreira Docente - cases

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Cases do Workshop promovido pela Práxis Educacional com apoio da Faculdade Jaguariúna. Tema: Novos desafios para a Educação e para a carreira docente Palestrante: Profa. Dra. Regina Maringoni Data: 01/08/201

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A E.M.E.F. AMORIM LIMA E SEU PROJETO INOVADOR

“Antes de me mudar para cá, minha mãe falou que a escola era bem diferente. Disse que não tinha classe, não se usava lousa e as matérias eram dadas juntas. Achei estranho demais!”, fala a cearense Alice Magalhães Ribeiro, de 13 anos, aluna do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, localizada no bairro do Butantã, em São Paulo. Assim como ela, quem chega à escola sente, de imediato, espanto e curiosidade. Lá, tanto a metodologia pedagógica quanto a estrutura física e as instalações são bem diferentes das instituições públicas de ensino do país, geralmente precárias e com um ensino desinteressante.

Como funciona o projeto

Essas mudanças de conceito, estrutura e pedagogia foram inspiradas no projeto pedagógico Fazer a

Ponte, da Escola da Ponte, na cidade do Porto, em Portugal. Referência na área da educação, a escola propõe uma formação mais autônoma para os alunos, que aprendem a ser responsáveis e comprometidos tanto com seus estudos quanto com uma uma sociedade mais participativa e coletiva. E não é só isso. Em 2002, dois anos antes da implementação do projeto, uma pesquisa levantou os principais problemas daquele universo escolar. Dentre eles estavam indisciplina, alto índice de evasão de alunos, aulas vagas devido à elevada ausência de professores. Sem contar que, quando se iniciou uma discussão mais profunda sobre o projeto pedagógico, ficou claro que o pouco do que ali se propunha não estava sendo realizado na prática.

Foi nesse momento que o projeto português, apresentado pela psicóloga Rosely Sayão – interlocutora da escola desde 2001 –, veio ao encontro dos valores da instituição e do desejo dos pais. Dessa forma, ele foi incorporado em todas as classes em 2006. Só para ter uma ideia da amplitude da mudança, no primeiro e no segundo andares do prédio da escola, as paredes que dividiam algumas classes foram derrubadas e, em vez de uma sala de aula para cada turma, há dois salões de estudos, um para o chamado ciclo 1 (do 1º ao 5º ano) e outro para o ciclo 2 (do 6º ao 9º ano). Nessa mudança, o quadro-negro permaneceu, mas não exerce nenhuma função, já que não há exposição de conteúdo das disciplinas – exceto inglês, português e matemática, dadas em outras salas menores. Isso porque as disciplinas exigidas pela grade curricular do Ministério da Educação (MEC) são interligadas e ensinadas por meio dos Roteiros Temáticos, compostos (em média) de 20 temas dados ao longo do ano. Por exemplo, o tema Moradia abrange as matérias de geografia e história; já Juventude e Leitura inclui português, ciências, geografia e matemática. Essa pesquisa temática é feita em grupos de até cinco estudantes, todos da mesma série. “Quando a gente pega o roteiro, abrimos uma roda de discussão para entendê-lo. Conversamos com os colegas e professores até ficar claro. Só depois é que iniciamos o trabalho”, explica a aluna Alice Ribeiro. Nãohá uma ordem para fazê-lo, cada aluno escolhe por onde irá começar. “Além dessa liberdade, eles fazem todo o planejamento de estudo, e só chamam o professor quando precisam de ajuda para organizar a agenda ou tirar dúvidas”, diz a diretora, Ana Elisa Siqueira. A escola também não tem provas.“No final de cada roteiro as crianças fazem uma ficha de finalização a respeito das atividades realizadas”, conta Ana Elisa. Cada trabalho é avaliado pelo professor para saber tudo que o aluno desenvolveu. E, ao final do semestre, um

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relatório geral feito pelo educador é entregue aos pais.Qual o papel dos professores

Nesse clima de liberdade, vira e mexe impera entre os docentes a dúvida de qual seria o papel deles. “Não há uma receita bem definida como na escola tradicional, em que você chega, sabe o que vai dar, o que tem de fazer e vai embora. Aqui o aluno é quem o convida a ensiná-lo”, fala a professora Cleide Maria de Oliveira Portes, que está há oito anos na escola. Aos poucos, os educadores vão encontrando seu lugar. “Dentro desses espaços, somos responsáveis por todos os estudantes. Devemos estar prontos para qualquer chamado ou solicitação, a fim de tirar todas as dúvidas possíveis”, fala a professora veterana. Porém muitas vezes tanta autonomia divide ambas as partes. “Quando não se sabe lidar com essa proposta pedagógica, a confusão se instala em todo mundo – estudantes e professores. E cabe a nós ajudar os alunos a construir uma responsabilidade sobre a liberdade dada a eles”, diz Cleide.

A essa altura você deve estar se perguntando como crianças ativas, cheias de energias e plugadas na tecnologia conseguem se concentrar e se organizar nesse universo tão liberto. “É preciso ter foco e eu tenho quando quero. Embora me disperse facilmente, logo retomo o caminho para não ficar para trás e atropelar meu cronograma”, conta Manuela Salatini Toledo, 14 anos, que está no último ano e estuda ali desde o 1º ano. Nessas horas, também cabe ao professor tomar as rédeas e dar um empurrãozinho para que bonde não pare. Para isso, uma vez por semana, o educador vira um tutor que cuida de três a quatro grupos de turmas de idades diferentes. Nessa função, ele deve acompanhar de perto o que cada aluno está fazendo. “É o momento de olhar as tarefas feitas e averiguar como estão sendo construídas para ver se o aluno está fazendo a lição, se tem dificuldade ou se só está brincando por aí”, explica Ana Elisa. Para ela, a disciplina e a responsabilidade podem ser ensinadas dando mais autonomia aos jovens, e não à base da obrigação ou punição.

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ESCOLA E TRÁFICO: O DESAFIO DAS ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro - Traficantes ordenaram nesta quinta-feira, 28/06, o fechamento do comércio no Complexo do Alemão, uma das maiores favelas cariocas, desafiando os esforços de pacificação e renovando a preocupação com a segurança num país que se prepara para receber a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Lojas baixaram as portas e mais de 5.400 crianças foram dispensadas das escolas durante a manhã. O toque de recolher foi anunciado aos gritos por jovens em motos, como represália pela morte de um traficante em confronto com a polícia na véspera.Autoridades estaduais e municipais disseram ter suspendido o atendimento em quatro escolas e seis postos de saúde, como medida preventiva.

Cenas assim costumavam ser comuns no Rio, mas as autoridades nos últimos anos têm realizado enormes esforços para erradicar as quadrilhas que passaram anos comandando as favelas.Embora os incidentes desta quinta-feira tenham se limitado ao Complexo do Alemão, um conjunto de favelas que fica entre o centro e o aeroporto do Galeão, eles ocorrem num momento em que outras cidades brasileiras também enfrentam graves problemas de criminalidade.

No Rio, autoridades disseram que o toque de recolher desta quinta-feira foi uma tentativa do tráfico de retomar a cultura de ilegalidade na qual os criminosos podiam ditar coisas como o horário do comércio e as autorizações para que não-moradores entrassem e saíssem das comunidades.

Essa é mais uma expressão de descontentamento de alguns poucos traficantes recalcitrantes", disse a uma rádio Paulo Henrique Moraes, coronel da PM fluminense encarregado da segurança no Complexo do Alemão.

Mas o episódio também revela como é tênue a campanha do Rio para "pacificar" as favelas, um processo que envolve uma espécie de invasão militar de algumas comunidades, seguida por uma continuada ocupação policial. Essas iniciativas coincidem com os preparativos da cidade para receber jogos da Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Embora as autoridades tenham expulsado os traficantes de dezenas de favelas, especialmente as que ficam próximas a áreas turísticas ou em partes da cidade envolvidas nos grandes eventos, muitas comunidades continuam entregues aos criminosos.O Complexo do Alemão, por exemplo, ainda abriga traficantes e outros criminosos, embora a favela tenha sido ocupada pelas autoridades desde o final de 2010.Na periferia do Rio, enquanto isso, os moradores se queixam de que as melhoras em áreas mais privilegiadas apenas transferem os problemas para bairros mais pobres. Embora a criminalidade tenha diminuído nos bairros ricos da orla, ela aumentou nos subúrbios.

NO ENTANTO, HÁ EXPERIÊNCIAS DE SUCESSO: Ioliris Paes nasceu há 47 anos na Pavuna, bairro do subúrbio do Rio com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, próximo à divisa com a Baixada Fluminense. Desde 1996, ela dirige o CIEP Glauber Rocha, no violento complexo de

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favelas na região, que inclui o Morro da Pedreira e as favelas da Lagartixa e Quitanda.Contra todos os prognósticos, a escola teve o terceiro melhor desempenho do Brasil nos anos

iniciais do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), com a média 8,5. “Nós temos nos superado. No último Ideb, em 2009, tivemos 6,7 de média, e agora conseguimos superar a nossa meta, que era evoluir 12,5% em relação ao último”, vibra Ioliris. Antes desacreditada pela população, a escola hoje conta com a intensa participação das famílias e é o orgulho da comunidade. Em 1996, quando Ioliris assumiu a direção, eram apenas 89 alunos. Hoje são 512, da creche até o 5º ano, e sobram candidatos para as vagas

.

A participação dos pais é vista como um dos pontos fundamentais para o bom desempenho dos alunos.“Nasci nesta comunidade e morei aqui até oito anos atrás. Vi esta escola ser construída. Era muito desacreditada pela população, não tinha alunos, não tinha projeto político-pedagógico. É uma área altamente desafiadora, dentro da comunidade da Pedreira, Lagartixa, Quitanda. Mas acreditamos no desenvolvimento da autoconfiança de cada criança, valorizamos a ética do esforço”, afirmou ela, reeleita com 98% dos votos de professores, alunos e pais.

A proposta de trabalho da Glauber Rocha tem alguns pilares: educação em período integral, participação dos pais, projeto de formação de leitores, com eventos mensais e reforço escolar, com apoio dos professores, voluntários e estagiários. A criança é atendida conforme a necessidade, e o reforço é permanentemente disponível. Temos aula em tempo integral, de 7h30 às 16h30, o que significa mais tempo para enriquecer o processo”, disse a professora.

Nem tudo são flores. Apesar do extraordinário desempenho, a Glauber Rocha não foi incluída entre as “Escolas do Amanhã”, programa da prefeitura do Rio para colégios em locais de risco. “Eu tenho vivência em sala de aula e sabia que era possível esse resgate. Trabalhamos em cima da possibilidade de sucesso da criança, nosso cliente. Quando não tinha professora, eu dava aula, ou minha adjunta”, contou.

Apesar do resultado positivo no Ideb, a escola ainda tem carências básicas, como por exemplo, a falta de secretários escolares para cuidar das questões administrativas. A diretora e seus assistentes e professores muitas vezes se ocupam desse tipo de tarefa.

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RONDÔNIA: EM RIO PARDO, ALUNOS ASSISTEM AULAS DEBAIXO DE UMA ÁRVORE

A cena vergonhosa acontece diariamente, nos turnos da manhã e da tarde.

Rondônia: O sol escaldante desta época do ano vence a barreira de fumaça e poeira e atinge com vigor os alunos que se protegem na escassa sombra de uma árvore, ao lado da escola em Rio Pardo, distrito distante cerca de 150 quilômetros de Porto Velho.

Isso mesmo! Na cidade com orçamento anual de mais de R$ 1 bilhão, no Estado de Rondônia com mais de R$ 6 bilhões de orçamento, alunos se espremem embaixo de uma modesta árvore para tentarem assistir aula.

A cena vergonhosa acontece diariamente, nos turnos da manhã e da tarde. Sem salas de aula, a saída foi aproveitar a pequena sombra da cada dia mais desfolhada árvore para continuarem as aulas, que só começaram na metade do ano, por falta de transporte escolar, de professores, de carteiras e de espaço adequado a todos.No local, funcionam de modo precário e improvisado, duas unidades escolares: a Escola Estadual Maria de Abreu Bianco, com cerca de 450 alunos e a Municipal Rio Pardo, com aproximadamente 350 estudantes.

São na verdade dois barracões de madeira, sem nenhum conforto. Faltam carteiras novas, refeitórios, apenas dois banheiros atendem aos mais de 800 alunos e o calor nas salas é insuportável, apesar das enormes frestas entre as tábuas que sustentam o combalido prédio. Os poucos ventiladores instalados estão inoperantes. A merenda escolar é escassa.

Ao lado da árvore que serve de “sala de aula” estão um campinho de terra batida e uma quadra de areia, instalada graças á doação de um empresário local. Há apenas uma surrada bola de basquete para os jogos de futebol e vôlei. Sem tabelas ou cestas, o basquete não é praticado.Lado a lado, Estado e Município dividem de forma descarada o desrespeito, a indiferença e a falta de compromisso com a educação. Vale salientar que os dois prédios foram construídos pela comunidade, há anos. Era para ser provisório, mas se tornaram a saída, após inúmeras promessas de escolas novas e impasses ambientais, que emperraram (e serviram de desculpas) para a localidade de cerca de 9 mil moradores, ficar sem uma escola decente.

No país da Copa do Mundo e das Olimpíadas – somente na construção do Itaquerão, em São Paulo, serão gastos mais de R$ 800 milhões – crianças simples, num distrito distante de Porto Velho, filhos de trabalhadores rurais, sofrem a humilhação de assistirem aula no meio do tempo, abrigando-se na rala sombra de uma árvore.

Alunos do 9° ano, da Escola Estadual, foram os “escolhidos” para tomarem assento sob a árvore. A outra opção seria misturá-los entre estudantes do 3° ou 4° anos do ensino fundamental, em salas lotadas e insalubres.A professora Jirlene Cardoso, umas das poucas que tem coragem de relatar o descaso, disse que pelo menos 30 alunos assistem aula embaixo da árvore. “Que estímulo o estudante tem de sair de casa,

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numa linha distante para ficar uma manhã ou a tarde inteira embaixo da árvore? Isso é desumano”, desabafa.

Aluno relata a humilhação de ficar embaixo da árvore; Mateus Barbosa, 14 anos, estuda o 9° ano e passa pela humilhante situação de assistir aulas embaixo da árvore. “É péssimo, me sinto um lixo, pior que um animal. Os outros alunos tiram ‘sarro’ da gente. É muito ruim, mas não tem outro jeito, temos que encarar as aulas embaixo da árvore”, relatou.

Além de Mateus, seus irmãos Sheila Poliana, 12, que estuda o 7° ano; e Tiago Barbos, 7 anos, que estuda a 1ª série, saem de casa na linha 10, distante 18 quilômetros da sede do distrito, no final da manhã para assistirem as aulas. Antes, o adolescente ajuda os pais na pequena propriedade. “Temos que andar um bocado a pé, pra ir na linha pegar o ônibus”.

Mesmo com as dificuldades, Mateus não pretende desistir de estudar. “Vou em frente, mas não sei ainda que profissão vou escolher”.

Muitos alunos, com vergonha, preferem não falar sobre a situação humilhante a que são submetidos. Professores também preferem o silêncio.Em alguns dias, os alunos se deslocam até a sala de aula improvisada, mas não aparecem professores. Sem um local de lazer e sem nenhuma atividade pedagógica, resta aos meninos e meninas ficarem sentadas nas cadeiras, em meio à poeira e à fumaça, sob a sombra das árvores, esperando a hora de pegar o ônibus escolar e voltar pra casa.

“Se faltar professor e não tiver aula, o jeito é ficar sentado mesmo. Não tem mais nada pra se fazer”, completa Mateus. Elzilane Cardoso, 13, estuda o 8º ano e conta que sai de casa às 10 horas, para conseguir chegar à escola às 13 horas. “Moro na Linha 13, há 8 quilômetros daqui. Preciso andar quatro quilômetros a pé para poder pegar o ônibus. Na volta, chego em casa já de noite”.

Aulas começaram no segundo semestre e já teve paralisações. Se hoje alunos são obrigados a ficar debaixo da árvore, até maio, a Escola Estadual estava parada, pois não tinha transporte escolar. Após diversas reclamações, o ano letivo começou, depois houve novas paralisações em razão das péssimas condições da escola e da falta de professores. Até a semana passada, o 8° e o 9°anos estavam sem professor de português. Sem saída, o jeito foi continuar as aulas sem as mínimas condições de ensino e aprendizagem. Um retrato de como o nosso país trata com “atenção e cuidado” as nossas crianças e jovens. Um cenário revoltante e deprimente. Em razão das paralisações, famílias carentes tiveram o benefício do Bolsa Família suspenso. É o caso das donas de casa Damiana da Silva, 32 anos, casada e com três filhos pequenos; e Ivanir Gomes, 41 anos, quatro filhos. “Fiquei sem receber o Bolsa Família, pois meus filhos estavam fora da escola. Fomos prejudicadas duas vezes”, lamenta Damiana.

Claudia Renata Alves, 14 anos, aluna da 8ª série, diz que faltam professores de algumas disciplinas. “Nem sei qual falta. Uma semana tem professor, na outra já não tem. Além disso, são 40 alunos numa pequena sala de madeira e de piso grosso, num calor insuportável”, conta a adolescente, resignada.

Mesmo com dificuldades, alunos acreditam num futuro melhor Apesar de todos os percalços, os estudantes não deixam de sonhar com uma carreira, com uma vida digna e com um futuro melhor, creditando aos estudos a única forma de vencerem as barreiras.Kalyta Letícia Santos, 12, aluna da 8ª série, também faz uma jornada a pé para pegar o ônibus e vir estudar. Apesar de muitas vezes ela não ter uma aula sequer, não deixa de sonhar em um dia ser dentista. “Vou me esforçar para ser dentista, andar de branco e ter meu trabalho”, diz entusiasmada.Kauane França da Costa, 13, cursa o 8º ano e está em dúvida se vai prestar vestibular para odontologia e acompanhar a amiga Kalyta, ou para medicina veterinária, já que lidar com animais é uma de suas paixões. “Vou decidir mais tarde, mas quero estudar e ser uma profissional”.

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ESCOLA VIVA: A ESCOLA QUE É DE TODAS AS CRIANÇAS

A inclusão cresce a cada ano e, com ela, o desafio de garantir uma educação de qualidade para todos. Na escola inclusiva, os alunos aprendem a conviver com a diferença e se tornam cidadãos solidários. Para que isso se torne realidade em cada sala de aula, sua participação, professor, é essencial

Vamos jogar o rola-bola, turma? A pergunta da professora provocou um sorriso que iluminou

o rosto do pequeno Alexandre Moreira Reis Junior, de 8 anos, aluno da 1ª série da Escola Viva, em Cotia (SP). As crianças apressadas logo formaram um círculo. Mesmo com tanta euforia, elas tomaram cuidado para deixar no círculo de amigos um espaço para Junior. Ele tem paralisia cerebral e não pode andar. Por isso, depende de ajuda para tudo. Círculo formado, a brincadeira não começa enquanto Junior não é acomodado e ninguém tem pressa. Feito isso, a professora Rianete Bezerra da Silva inicia a brincadeira. Enquanto um rola a bola para o outro, Junior participa de verdade. Quando ele não consegue se movimentar, o amigo ao lado ajuda. Se ele não vê a bola por perto, todos avisam. E Junior é todo sorriso. "Quando planejo as aulas e brincadeiras, sempre penso em estratégias para que o Junior participe", afirma Rianete.

Infelizmente, esse quadro não é comum na maioria das escolas brasileiras. Por falta de informação ou omissão de pais, de educadores e do poder público, milhares de crianças ainda vivem escondidas em casa ou isoladas em instituições especializadas, situação que priva as crianças com ou sem deficiência de conviver com a diversidade. O motivo principal de elas estarem na escola é que lá vão encontrar um espaço genuinamente democrático, onde partilham o conhecimento e a experiência com o diferente, tenha ele a estatura, a cor, os cabelos, o corpo e o pensamento que tiver. Por isso, quem vive a inclusão sabe que está participando de algo revolucionário, como o que está acontecendo com Junior. Ele pertence a um grupo, é considerado, tem seus direitos fundamentais respeitados e mesmo sem saber colabora para formar adultos tolerantes, solidários e responsáveis pelos outros.

Incluir significa oferecer educação de qualidade para todosO número de estudantes com algum tipo de necessidade especial cresce a cada ano na rede regular

de ensino. Em 1998, havia apenas 43,9 mil matriculados nas redes pública e privada. Em 2003, eram 144,1 mil e, no ano passado, chegaram a 184,7 mil, um crescimento anual recorde de 28,1%. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não deixam dúvidas de que o movimento de inclusão no Brasil é irreversível.

O crescimento não acontece por acaso. A Constituição Brasileira de 1988 garante o acesso ao Ensino Fundamental regular a todas as crianças e adolescentes, sem exceção. E deixa claro que a criança com necessidade educacional especial deve receber atendimento especializado complementar, de preferência dentro da escola. A inclusão ganhou reforços com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção da Guatemala, de 2001. Esta última proíbe qualquer tipo de diferenciação, exclusão ou restrição baseadas na deficiência das pessoas. Sendo assim, mantê-las fora do ensino regular é considerado exclusão e crime.

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O debate constante, a divulgação de experiências bem-sucedidas e a conscientização crescente sobre o que dizem as leis têm se refletido positivamente nas estatísticas educacionais. O número de matrículas dessas crianças em escolas e classes especiais caiu: passou de 87%, em 1998, para 65,6%, em 2004. Apesar do avanço, a maioria continua sem ter seus direitos garantidos. "Nem os pais dessas crianças podem mantê-las em casa ou apenas em escola especial", afirma Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da República. "Entendida a lei, a discussão deve ser sobre a qualidade da educação para todos, e não só para crianças com deficiência. A inclusão faz parte de um grande movimento pela melhoria do ensino", afirma Cláudia Dutra Pereira, secretária de Educação Especial do Ministério da Educação. O primeiro passo para que isso aconteça é olhar a educação de um outro jeito.A escola precisa atender qualquer aluno que não se encaixa no modelo ideal

A inclusão não atende apenas as crianças com deficiência mas também as excluídas ou discriminadas. Quantas vezes na sua sala, ao organizar trabalhos em grupo, a menina gordinha ou o garoto negro foram isolados pelos colegas? E na aula de Educação Física, quantos foram ignorados por não serem jogadores exímios? A discriminação não ocorre apenas entre os estudantes. Muitas vezes as avaliações servem mais para ver quem se encaixa nos padrões de aluno ideal do que para medir o progresso de cada um, dentro de suas possibilidades. "Esse padrão só gera sofrimento, pois a criança tenta atender às expectativas de uma escola que não valoriza seu potencial", afirma a educadora Rosângela Machado, coordenadora de Educação Especial do município de Florianópolis.

Na Escola Viva, particular, não existe atendimento educacional especializado, mas todas as crianças com deficiência freqüentam instituições especializadas que trabalham em parceria com a escola. Dessa forma, a coordenação e os professores aprenderam que seria importante para Nayara saber sobre a organização e os horários da turma. Desde então, todo professor que entra na sala entrega a ela um objeto relacionado à matéria, como uma régua ou uma caneta. A conversa entre os especialistas das instituições e a escola é constante. "O fisioterapeuta, o psicólogo ou o médico colaboram com seus conhecimentos, mas quem cuida do conteúdo pedagógico é o professor", afirma Rossana Ramos. Na rede municipal de Florianópolis, o atendimento educacional especializado a crianças com deficiência mental não é feito na sala multimeios, e sim por parcerias com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e a Vida em Movimento, instituições especializadas que recebem apoio financeiro da prefeitura.