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REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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PRESENÇA REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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UNIVEUNIVEUNIVEUNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ———— UNIR UNIR UNIR UNIR
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS MODOS DE VIDAS E CULTURAS AMAZÔNICAS-GEPCULTURA
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA HUMANA E PLANEJAMENTO AMBIENTAL
PRESENÇAPRESENÇAPRESENÇAPRESENÇA ---- ISSN 1413ISSN 1413ISSN 1413ISSN 1413----6902690269026902
Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente
Vol. IX - n° 30 - Maio — 2005 — Porto Velho/RO
PROVADO PELO CONSEPE/UFRO RESOLUÇÃO N°0122/1994
E d i t o r : JOSUÉ COSTA
Foto:
Josué da Costa
Leiaute e Diagramação:
Eliaquim T. da Cunha
Sheila Castro dos Santos
CONSELHO EDITORIAL
Arneide Bandeira Cemin – antropóloga/UNIR
Carlos Santos – geógrafo/UNIR
Clodomir Santos De Moraes - sociólogo/UNIR
Liana Sálvia Trindade – antropóloga/USP
Maria Das Graças Silva Nascimento Silva – geógrafa/UNIR
Mariluce Paes De Souza –administradora/UNIR Miguel Nenevé – letras/UNIR
Nídia Nacib Pontuschka – geógrafa/USP Theóphilo Alves De Souza Filho – administrador/UNIR
www.revistapresença.unir.br
PRESENÇAPRESENÇAPRESENÇAPRESENÇA.... Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, fundação Universidade Federal de Rondônia.
Trimestral
1. Educação-Periódica 2. Meio Ambiente — Periódico
CDU 37(05)
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO
EDITORIAL..................................................................................................04 POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA OCIDENTAL: UMA ABORDAGEM DO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA EM RONDÔNIA..........................................................................................05 RICARDO GILSON DA COSTA SILVA A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO DE CHAYANOV..........17 JOÃO CARLOS HERRMANN UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANAFORO....................................................23 SÉRGIO AUGUSTO MAMANNY. COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM MISTO DE POVOS E CULTURAS...................................................................................................35 ARLENE MARIANI FUJIHARA POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS VITRINES DA MODERNIDADE NO PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA..............44 BENEDITA NASCIMENTO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO CAPITALISMO OS ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIA..................................................................................................52 MAURÍLIO GALVÃO DA SILVA AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE DESENVOLVIMENTO...............................................................................60 LUIZ ANTONIO DA COSTA PEREIRA
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL
A revista Presença vem marcar mais uma publicação colocando como centro da discussão teór ica aspectos vol tados a comunicação, imaginár io e significação para o homem em suas relações sociais. Neste sentido, as matérias aqui apresentadas vislumbram contribuir de forma significativa para a discussão sobre a pesquisa que utiliza a oralidade como referência em formar interpretações da realidade que têm, no entrevistado uma visão prioritária para essa aproximação, bem como a construção mítica e cultural que os rituais que trazem símbolos e códigos textuais que dizem muito mais do que o ato de realização cultural em si. E m u ma d i n âmi c a qu e é p ecu l i a r a o c ar á te r e ex is tê nc i a dessa revista, propomos uma expansão da leitura do meio ambiente, sob o ponto de v ista ético. Pensamos todas as discussões articuladas com o conhecimento da real idade amazônica (compromisso irrefutável, imbricado com o próprio existir da revista), publicando fatos acerca da construção histórica deste lugar, enquanto entidade federativa assim como espaço urbano. Ambos sob a égide da dependência política. Por certo não poderíamos deixar de contribuir com a discussão sobre o ensino superior refletindo sobre a seleção do conhecimento que lhe vem sendo inquirida através das reformas curriculares. Essas reflexões, neste número, enriquecerão e certamente contribuirão para o debate por todos aqueles que são interessados pelo tema. Isto nos estimula a confiar que no próximo número a disputa por um espaço nesta revista continuará acirrado.
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA POLÍTICA TERRITORIAL NA AMAZÔNIA OCIDENTAL:OCIDENTAL:OCIDENTAL:OCIDENTAL: UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O UMA ABORDAGEM SOBRE O
PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO PROJETO HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIAMADEIRA EM RONDÔNIA
Ricardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVARicardo G. da Costa SILVA1111; ; ; ; Dorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNESDorisvalder D. NUNES2222; ; ; ;
José Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARALJosé Januário de O. AMARAL3333; ; ; ; Maria MadaMaria MadaMaria MadaMaria Madalena C. LACERDAlena C. LACERDAlena C. LACERDAlena C. LACERDA4444; ; ; ;
Joiada M. da SILVAJoiada M. da SILVAJoiada M. da SILVAJoiada M. da SILVA5555;;;; Josélia F. BATISTAJosélia F. BATISTAJosélia F. BATISTAJosélia F. BATISTA6666
RESUMO: O trabalho tem por objetivo discutir as estratégias do poder público na formulação de grandes projetos para a Amazônia Ocidental, com destaque para o projeto de construção de um complexo hidrelétrico e hidroviário na calha do Rio Madeira, estado de Rondônia. À luz do conceito de políticas territoriais e de globalização, discute-se a natureza enquanto recurso de acumulação capitalista e o território amazônico como locus de diversas escalas de interesses. PALAVRAS CHAVE: Hidrelétrica, Território, Rio Madeira, Amazônia ABSTRACT: This work has as objective, to discuss public strategy on formulating great projects to Western Amazon area, highlighting the projects of hydro power plant complex, and water way construction along the way of Madeira river at Rondônia State. About the concept of territorial politics and globalization, nature has been discussed as resource of capital accumulation, and the Amazon territory as locus of the most several scales of interest. KEYWORD: Water Way, Territory, Madeira River and Amazon.
A relevância da Amazônia no cenário mundial destaca-se, entre outros temas, por sua
dimensão e grande biodiversidade de recursos naturais. Esta visão de recursos alimenta os sonhos
e as possibilidades de uso destes, gerando formas de exploração econômica, assim como,
1 Geógrafo, pesquisador do Laboratório de Geografia Humana e Planejamento Ambiental–LABOGEOHPA, professor substituto do Departo. de
Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil.([email protected]). 2 Coordenador do LABOGEOHPA e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil ([email protected]). 3 Pesquisador do LABOGEOHPA e Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil ([email protected]). 4 Acadêmica do Curso de Geografia da Universidade Federal de Rondônia-Brasil. 5 Geógrafo e pesquisador do LABOGEOHPA. 6 Geógrafa e pesquisadora do LABOGEOHPA.
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emergem os conflitos entre os diversos atores sociais na busca de sua preservação e/ou
conservação.
No plano mundial o debate firma uma linha de conservação, na medida em que toda essa
região do planeta, ainda pouco conhecida e alterada, enche de preocupações os atores que fazem
leituras sobre sua importância para o equilíbrio global; sua potencialidade a partir do uso de
recursos para as indústrias de vanguarda tecnológica, somando-se neste cenário, as recentes
estratégias de utilização dos recursos hídricos, visto que a Amazônia possui cerca de um quinto de
toda água doce continental do planeta.
No plano nacional o debate se encaminha pela necessidade de construir um processo de
desenvolvimento econômico e social capaz de manter a sustentabilidade ambiental, ou seja, sua
base física, gerando formas de usos sustentáveis e qualidade de vida, ainda que se visualize sérias
incongruências entre os sujeitos, constituindo desse modo, umas das problemáticas basilares no
debate sobre a Amazônia, caracterizada na necessidade de como explorar economicamente sem
destruí-la.
No bojo do processo, como essência das “visões do paraíso”, tem-se a Amazônia como
recurso e capital natural, que é diferente do que vulgarmente tem sido denominado de recursos
naturais. Esta inquietude conceitual reside no plano de que o entendimento sobre essa natureza
deriva de vários olhares e de múltiplas paixões, em que se cristalizam as complexidades,
contradições e os paradoxos destes olhares e manifestações.
É no âmbito do debate sobre a Amazônia enquanto recurso, que se insere a discussão do
Projeto Hidrelétrica do Rio Madeira e seu entorno, caracterizada pelos atores ou agentes
econômicos, públicos e sociais, todos agentes políticos, na medida em que vêem o território a partir
das suas múltiplas possibilidades de uso.
Território e o Mundo Globalizado: algumas reflexões
Este início de século XXI está marcado, dentre outras questões, pelo advento simbólico que
representa para a sociedade a passagem do século, mas, fundamentalmente, pelas características
deste novo momento histórico que deriva da revolução técnico-científica e do mundo globalizado, a
partir dos quais moldam-se imperativamente os olhares sobre a compreensão do mundo
contemporâneo, (re)significando conceitos, culturas e lugares.
A humanidade vive momentos de intensas transformações em todas as esferas da vida
societária, são tempos de acelerações produzidas pela intensidade dos avanços conseguidos pelo
conhecimento científico e pelo desenvolvimento de tecnologias apropriadas. Informação, ciência,
tecnologia tornam-se híbridos nos diversos produtos da chamada revolução técnico-científica, o
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que aumenta o fosso, em escala mundo, da produção do conhecimento e sua internalização
social7.
São processos em escala mundo que globalizam e fragmentam territórios, em que os novos
objetos já nascem com um conteúdo em informação, de que lhe resultam papéis diferenciados na
vida econômica, social e política: são fluxos de informação superpostos aos fluxos de matéria
(Santos, 1991).
O território ganha novas dimensões sociais e políticas derivadas de seu uso e pela crescente
artificialização; são dimensões quantitativas e qualitativas e que segundo Santos e Silveira (2001),
o território embora já definido em termos de uso pelas sociedades mais tradicionais, apresenta nos
últimos 30 anos novos usos, os quais definem descontinuidades nas feições regionais, moldadas
por uma modernização excludente, cristalizando novas racionalidades. Neste sentido, entendemos
o projeto hidrelétricas do alto rio Madeira como formulação de uma política territorial, que expressa
segundo Costa (1991), “toda e qualquer atividade estatal que implique, simultaneamente, ‘uma
dada concepção do espaço nacional’, uma estratégia de intervenção ao nível da estrutura territorial
e, por fim, mecanismos concretos que sejam capazes de viabilizar essas políticas”.
Assim, uma das leituras para a compreensão dos acontecimentos e suas interpretações, deve
necessariamente passar pelo momento contemporâneo da economia globalizada, que transforma
Estados-Nações em economias decadentes ou emergentes e produz uma perversa acumulação
das economias centrais ou desenvolvidas. Esse processo em curso denominado por alguns
autores de globalização, não está circunscrito apenas a esfera da economia, mas
fundamentalmente, perpassa todas as dimensões da vida humana, sejam elas a da cultura, da
política, da ética ou do consumo (Smith, 1996).
Na Amazônia dentre tantos projetos rotineiramente conhecidos na mídia mundial, mais uma
dessas universalidades empíricas, derivadas de processos globalizantes, está representada e
materializada no projeto de integração fluvial regional8 Hidrovia Madeira-Amazonas, há pouco mais
de cinco anos inaugurada e que articula um complexo multimodal rodo-hidroviário, permitindo em
função da necessidade de diminuição de custos e, conseqüentemente, do imperativo da
competitividade mercantil, estabelecer o transporte de produtos agrícolas entre Brasil (destaque
para soja do Mato Grosso e recentemente Rondônia) e Europa, sem que os habitantes das regiões
e localidades nas quais a Hidrovia atravessa, não usufruam concretos benefícios desse processo.
7 É o que revela o Índice de Avanço Tecnológico (IAT) do PNUD. O objetivo desse novo índice é mostrar quão bem um país está criando e difundindo tecnologias entre sua população a fim de criar uma rede de pessoas aptas a usufruir dos avanços tecnológicos. A título de comparação a diferença entre o IAT moçambicano, 0,006 e o finlandês, 0,744, é de mais de 11 vezes. A diferença entre o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da Noruega, e o menor, de Serra Leoa, é de 3,6 vezes. (PNUD, 2001. acessado: www.pnud.org.br/hdr2001 em 10/07/2001) .
8 Esta é uma articulação que deriva de um plano nacional e latino-americano de integração fluvial pensado no âmbito da Corporacion Andina de Fomento. (CAF, 1998).
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Para Claval (1987) os processos de ordenamentos territoriais em transformações, só podem
ser compreendidos se não separar o espaço da natureza e nem da sociedade, o que implica uma
relação dialética onde, para o entendimento da contemporaneidade de alguns dos processos, é
necessário um exercício de análise que parta do reconhecimento das mudanças no espaço,
induzidas muitas vezes por agentes externos. Esses momentos são de acelerações
contemporâneas que estão em todos os espaços com intensidades diferenciadas (Santos, 1994).
Essa nova ordem em gestação, com um volume de acelerações de tempos e de espaços em
função dos ingredientes que são inseridos no território, ou seja, a tecnificação do território, permite
a construção de um meio geográfico técnico-científico-informacional, do qual fala Santos (1996),
representado pelo processo denominado de tecnosfera, produto da crescente artificialização do
ambiente físico e cultural, e psicosfera, representado pelas crenças, desejos, vontades ainda não
satisfeitas ou plenamente satisfeitas, característico de uma demanda reprimida, sobretudo, de
países subdesenvolvidos, periféricos (Op. Cit., 1994).
Em meio a revolução técnico-científica que se desenvolve, sobretudo no pós-guerra, têm-se
as transformações do território pelos processos produtivos. O que, há pouco eram lugares
distantes e sem quase nenhuma interferência humana, passa a ser objeto de intervenção, derivada
das relações sociais e econômicas que proporcionam a construção de novas paisagens. Daí ser a
natureza (o conjunto biótico e abiótico e suas inter-relações) objeto de apropriação humana, ainda
que tais processos sejam só em potência, em intencionalidades não concretizadas, como sugere
nosso foco de análise.
A Amazônia brasileira, obviamente, não escapa às transformações em curso. Sua valorização
como capital natural e estoque de recursos abre um leque de campo de acumulação para a
atuação de frações do capital na região, colocando em relevo o significado material da natureza,
definida com um recurso, portanto mercadoria. Segundo Becker (1995), a globalização gerou o
conceito de capital natural, na medida em que a questão ecológica é também ideológica,
revestindo-se num parâmetro geopolítico em escala mundo. Do ponto de vista eminentemente
econômico, capital natural pode ser entendido como o processo no qual “os ativos ambientais –
muitas vezes, a própria natureza – são tratados como guardando uma considerável similaridade
com as formas manufaturadas ou artificiais de capital” (Lima, 1999).
No contexto de construção de vários empreendimentos, a partir da década de 90, tem-se uma
apropriação e a transformação de lugares antes “alheios ao mundo”, mas que passam a ser
incorporados ao processo produtivo, indicando que a análise deve estar relacionada a diversas
escalas, permitindo compreender que a metamorfose do espaço deriva das relações sociais que
articulam interesses em diversos níveis e escalas, de modo que o olhar sobre o objeto deve partir
dos processos sociais que lhe dão existência, das relações sócio-espaciais que expressam as
formas espaciais produzidas pela sociedade, manifestando projetos, interesses, necessidades,
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utopias (Moraes, 1996) e é nesse contexto que se configura o projeto de construção das
hidrelétricas do Rio Madeira em Rondônia.
Hidrelétricas do Rio Madeira: localização e sobreposição de interesses
O Rio Madeira forma-se a partir da confluência dos rios Beni e Mamoré, na altura do distrito
de Vila Murtinho, Município de Nova Mamoré – Rondônia. Estabelece limite territorial entre Brasil e
Bolívia até a foz do rio Abunã, onde adentra o território brasileiro até a sua foz, no rio Amazonas.
Está localizado entre os paralelos 10º e 03º Sul e os meridianos 65º e 58º Oeste, nos estados de
Rondônia e Amazonas (Japiassu; Valverde; Ferreira, 1979; Rondônia, 1997 e Silva, 1999; Silva et
al., 2001 falta joiada). Para compreendermos as diversas propostas do empreendimento, devemos
pontuá-las, visto que são várias e ainda não estão totalmente definidas.
Mapa de Localização da Área do Empreendimento
Num primeiro contexto, historicamente o projeto de interligação fluvial pelo rio Madeira foi
pensado desde o período Pombalino, Séc. XVIII (Pinto, 1998). Contudo, essa discussão só seria
retomada em fins dos anos 60, a partir dos estudos da Empresa SONDOTECNICA – Engenharia
de Solos S.A, realizados em 1971, que previa no Projeto Hidrelétrica do Rio Madeira, a construção
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de duas eclusas em território brasileiro, localizadas no salto de Santo Antonio e Jirau9, com uma
capacidade potencial instalada de 1.100.000 KW (Japiassu; Valverde; Ferreira, 1979).
A partir de 1997, a empresa INTEROCEAN Engenharia & Ship Management Ltda,
considerando os estudos da Empresa SONDOTECNICA e da ELETRONORTE, propôs, ainda que
de forma preliminar, um projeto para construção de Usinas Hidrelétricas/Eclusas do Alto Madeira,
desta feita com a construção de três barramentos, sendo os mesmos no salto do Jirau e Santo
Antônio (território Brasileiro) e, por fim, um barramento na “cachoeira” de Esperanza (território
Boliviano), conforme Quadro 1. Embora as discussões tenham perdido forma em 2000, o projeto
além da geração de energia, também explicitava o aproveitamento hidroviário à montante de Porto
Velho.
Quadro 1 - Potencial Energético do Projeto Hidrovia/Hidrelétrica do Alto Rio Madeira
POTÊNCIA INSTALADA (MW) BARRAMENTOS COORD.
GEOGRÁFICAS SONDOTECNICA INTEROCEAN ELETRONORTE Cachoeira de Esperanza
10o 35’11,5’’S 65o39’53,4’’W
- 1.500 -
Cachoeira do Jirau 09o 19’47,8’’S 64o43’52,4’’W
500 3.500 4.000
Cachoeira de Santo Antônio
08o48’26,6’’S 63o53’41,3’’W
600 4.000 3.800
Fonte: INTEROCEAN (s/d); ELETRONORTE apud Atlas Geoambiental de Rondônia, 2002.
Por fim, depois de 2001, a partir da empresa FURNAS – Centrais Elétricas, as discussões são
retomadas culminando na realização do estudo de inventário, para caracterização do potencial
energético do Rio Madeira, com o mesmo objetivo de propor a construção de uma
Hidrelétrica/Eclusas com a possibilidade de ampliar a Hidrovia Madeira-Amazonas, o que facilitaria
o escoamento de grãos do Mato Grosso via a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade. Esta
proposta de construção de um empreendimento Hidroviário/Hidrelétrico com a capacidade
instalada para a geração de energia em território Brasileiro de, no mínimo, 7.500 MW10, constitui-se
assim, num dos grandes projetos da Amazônia que sugere mobilizar diversos agentes, sejam eles,
Público/Tecnocratas, econômicos ou sociais.
A partir de sua espacialidade, pode-se observar que o empreendimento Hidrovia-Hidrelétrica
do Alto Rio Madeira está circunscrito na área de três municípios de Rondônia: Porto Velho, Nova
Mamoré e Guajará-Mirim (Tabela 1), compreendendo a porção Noroeste do Estado,
correspondendo a 28,11 % da população rondoniense e a 29,57% da área do Estado, o que nos dá
9 VALVERDE (1979) informa que a empresa SONDOTECNICA – Engenharia de Solos S.A, sob encaminhamento do Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia-ENERAM da empresa ELETROBRÁS, realizou estudo, em 1971, sobre o potencial energético do rio Madeira, em terras Brasileiras. Conclui o mesmo que poderiam ser construídos dois barramentos, sendo eles na cachoeira de Santo Antonio e no Jirau. 10 A título de comparação a UHE ITAIPU tem a potência nominal de 12.600 MW e a UHE TUCURUI tem a potência nominal de 4.245 MW (IBGE, 1999)
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a possibilidade de inferir o montante de atores sociais que serão envolvidos nesta proposta de
caráter governamental, cunhada para a Amazônia Ocidental a partir de atores sociais externos à
região, como já alertara Santos (1991a).
Tabela 1- Município na área do Empreendimento Hidrovia-Hidrelétrica do Rio Madeira
MUNICÍPIO Pop.1996 Pop.2000 % Cresc. 1996/2000 % POP./RO ÁREA (Ha) % (RO)
Porto Velho 294.220 334.585 3,27 24,28 3.522.718,00 15 Nova Mamoré 13.644 14.769 2,00 1,07 997.696,13 4,25 Guajará-Mirim 36.542 38.012 0,99 2,75 2.422.569,85 10,32 Total 344.406 387.365 -- 28,11 6.943.007,98 29,57 Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000.
Também se verifica no trecho considerado Alto Madeira (Filho et al., 1999), núcleos político-
administrativos (Distritos e Povoados), na área dos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré,
correspondendo a um total de 5.820 habitantes que estão sujeitos aos efeitos diretos do
empreendimento (Tabela 2).
Tabela 2 - Distritos/Povoados localizados no entorno do Projeto Hidrovia-Hidrelétrica do rio Madeira
DISTRITO/VILA MUNICIPIO POPULAÇÃO Garimpo do Araras Nova Mamoré 484 Mutum-Paraná Porto Velho 1.089 Jaci-Paraná Porto Velho 2.197 Cachoeira do Teotônio Porto Velho 1.202 Vila de Abunã Porto Velho 848 Total 5.820
Fonte: IBGE,1996. Metamorfose do Território: de matéria a recurso
O território, como categoria de análise, deve ser explicitado através de seu uso, ou seja, o
território usado na medida em que consideramos “a interdependência e a inseparabilidade entre a
materialidade, que inclui a natureza, e seu uso, que inclui a ação humana, isto é o trabalho e a
política” (Santos; Silveira, 2001, p. 247; Bernardes et al., 2001). O território enquanto formação do
espaço constitui derivação de uma ação conduzida por um ator sintagmático, ou seja, dos sujeitos
capazes de desenvolverem programas em diversos níveis. De modo que a apropriação de um
dado espaço de forma abstrata ou concreta, estabelece a partir dos diversos atores a
territorialização do espaço e, dentro desse raciocínio, o espaço é materializado ou projetado pelo
trabalho (energia e/ou informação), revelando como síntese, relações marcadas e mediadas pelo
poder (Raffestin, 1993).
Devemos considerar que, ao se elaborar leituras dos fenômenos ou dos diversos processos
decorrentes da intervenção humana na natureza, a exemplo do Projeto Hidrelétricas do Rio
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Madeira, esses se dão num determinado lugar (considerando sua delimitação, localidade), sendo
processos espaciais, entendidos como elementos mediatizadores entre processos sociais e
organização do espaço (Corrêa, 1996), que decorrem de variáveis internas e externas, em muitas
situações mais externas do que internas.
As análises dos fenômenos geográficos stricto sensu só podem ser realizadas na medida em
que situamos a sua dinâmica social. A problemática ambiental é, em si, uma problemática social,
pois, deriva das relações sociais estabelecidas no e do espaço (Rodrigues, 1994 e 1998). Não
estamos, evidentemente, afirmando que o espaço social, prescinde da natureza física, ou do
espaço físico. Mas que a análise geográfica, ainda que reconhecendo as suas variadas
segmentações, tem como foco as relações sociais que transformam e (re)significam o espaço. A
organização do espaço é fruto de um processo histórico e dialético e não há espaço que se
modifique sem que se compreenda as relações de produção. São essas relações que pautam a
transformação da natureza, de modo que, não há transformação da natureza que não seja produto
do trabalho social.
A transformação da natureza pela práxis social se processa no espaço e a sociedade ao se
apropriar do espaço – seja uma apropriação concreta ou abstrata (pré-ideação) – imprime um
processo de territorialização. Assim, não podemos dissociar da compreensão e transformação do
espaço a sua materialidade física, a natureza física. Daí a compreensão de Smith (1988) de que os
elementos naturais se apresentam como o substratum material da vida diária e tornam-se
indissociáveis na produção do espaço geográfico. As relações entre sociedade, território e natureza
é que nos permitem elaborar uma leitura sobre os significados das múltiplas transformações da
Amazônia e sua materialidade técnica, o que pode ser exemplificado a partir do Projeto Hidrovia-
Hidrelétricas do Rio Madeira.
A inserção de novos projetos na Amazônia, sobretudo na década de 90, em que pese todo um
conjunto crescente de políticas de orientação mais conservacionista, derivam de uma
(re)significação que os atores sociais imprimem em suas relações sociais e estas com a matéria-
prima e potenciais recursos.
O ambiente amazônico em termos de utilização, metamorfoseia-se em função dos
significados que lhe são expressos conforme a dinâmica que a sociedade impõe. Para tanto, não
se pode argumentar que a natureza tem um significado universal e totalizante para toda a
população que vive na Amazônia, seus sentidos modificam-se no tempo e no espaço, sendo
processo de uma interpretação com elementos que articulam a técnica desenvolvida e aprimorada
pela sociedade, pelo conhecimento e vivência empírica processual no cotidiano e pelas
necessidades da população.
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Raffestin (1993) argumenta que a matéria – um dado inerte, puro - e recursos – produção
derivada do trabalho - são elementos com significados diferenciados que se metamorfoseiam pelas
relações sociais e de trabalho inerente a utilização do território. Para isso, esclarece que:
A matéria (ou substância), encontra-se na superfície da terra ou acessível a partir dela, é assimilável a um ‘dado’, pois preexiste a toda a ação humana. A matéria é um dado puro, na exata medida em que resulta de forças que agiram ao longo da história da terra sem nenhuma participação ou intervenção do homem (...) Assim, uma mudança de prática [humana] constitui uma nova relação para com a matéria, donde resulta a probabilidade de evidenciar novas propriedades. Estando entendido que uma prática, sempre complexa, mesmo a mais rudimentar, é uma seqüência que apela a um ou vários conhecimentos, dos quais alguns surgem na ação, mas outros resultam de uma acumulação anterior atualizada pela memória. Portanto, uma prática não é estável; evolui, ao mesmo tempo, no espaço e no tempo (...) Sem prática, a matéria não é desvendada como campo de possibilidades: sem prática, nenhuma relação com a matéria e, portanto, nenhuma produção. (...) o homem não se interessa pela matéria como massa inerte indiferenciada, mas na medida em que ela possui propriedades que correspondem a utilidades (...) não é a matéria que é um recurso. Esta para ser qualificada como tal, só pode ser o resultado de um processo de produção: é preciso um ator, uma prática ou, se preferirmos, uma técnica mediatizada pelo trabalho e uma matéria. A matéria se torna recurso se sair de um processo de produção...”. (Op. cit. p. 223-225)
Resulta, nesta ótica, um entendimento que são a relações humanas e o modo de produção
que modificam processualmente a natureza e estabelecem as novas espacialidades das
modificações promovidas, via de regra, por atores externos para o atendimento de demandas
externas. De modo que a noção de recurso, deriva de uma ação política, com elementos técnicos e
acúmulo de práticas e conhecimentos elaborados numa perspectiva relacional que atuam no tempo
e no espaço, onde a Amazônia constitui o principal locus.
Considerações Finais
O Projeto Hidrelétricas do Rio Madeira está inserido numa ótica em que a utilização dos
recursos naturais tende a potencializar, a priori, economicamente o País e melhorar as condições
sociais da população através da oferta de energia, o que estimula novos empreendimentos e incide
no aumento da oferta de empregos. O Estado de Rondônia obtém receitas em função, não
somente da geração de empregos, que se traduz em impostos de diversas fontes, mas, sobretudo,
pelo pagamento de Royalties.
Os dados que veiculados na mídia local, indicam que a geração de divisas anuais está
estimada em 2 bilhões e 750 milhões de dólares, o que pode ser ampliado com a materialização de
um sistema de eclusas capaz de expandir a navegabilidade da hidrovia do Madeira em mais 4.200
quilômetros (O ESTADÃO, 22/11/2002; ALTO MADEIRA, 22/11/2002).
Empreendimentos deste porte, sempre foram colocados como motores do desenvolvimento,
como se intrinsecamente pudessem emergir de um processo lineares e assim, novos
empreendimentos surgiriam à revelia dos processos sociais mais regionalizados ou locais. Ocorre
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que isto não se consolida sem maiores conflitos sociais e que não se garante que os benefícios se
internalizem na escala dos impactos negativos.
A natureza política de grandes projetos atende escalas superiores às demandas locais, sendo
sua prioridade algo externo às populações que estão nas áreas de abrangência dos
empreendimentos. Em geral, os projetos de grande porte são caracterizados pela “escala gigante
da construção, da mobilização de capital e de mão-de-obra; pelo caráter de enclave, dissociado do
contexto local e conectado a sistemas econômicos mais amplos” (MMA, 1995). Articular em
escalas superiores põe em dúvida sobre quais resultados podem ser implementados no espaço
local/regional.
Os “sentidos” da Amazônia revelam os diferentes significados que o território tem para com os
diversos grupos sociais. Para o grande capital, o território amazônico é uma fronteira de
exploração, de acumulação e reprodução de recursos; para o Estado, representa uma região
estratégica para articulação dos processos de ocupação, domínio territorial e potencialização da
acumulação de frações do capital e para as “comunidades amazônidas”, ou seja, os indígenas, os
ribeirinhos, os seringueiros, os agricultores familiares migrantes, o território amazônico não é
somente lugar de exploração de recursos para a sua sobrevivência, mas fundamentalmente, uma
morada identificada com valores culturais, com traços paisagísticos muito particulares e um espaço
de construção social, em que a relação ultrapassa a noção de recursos naturais, abrangendo uma
nova identidade cultural e ética com a natureza.
Essas diferenças de significados do espaço e do território amazônico para os atores sociais
geram um volume de conflitos sociais e de exploração irracional da natureza. A lógica de ocupação
da Amazônia não se diferencia dos processos de construção territorial na dinâmica sócio-
econômica do Brasil. O território sempre foi compreendido pelas elites como reserva de exploração
de recursos, em que a natureza (matérias-primas), nesta mesma ótica, aparece sempre como
matéria infinita, algo inabalável em seus ecossistemas e, portanto, elemento potencializador de
acumulação do capital.
Como política territorial o projeto Hidrelétrica do alto Rio Madeira, emerge como
verticalidades, constituindo óticas estranhas às localidades e ao lugar, que operam em escalas
nacional e até mundial, produzindo novas formas e configurações espaciais, são os “espaços
derivados” (Santos, 1996). A questão reside no olhar para a realidade e no método de análise. O
fenômeno e a realidade são os mesmos, apenas o método é que faz a sua leitura. Daí o perigo em,
não apreendendo sua complexidade, poder resultar na não compreensão dos processos em
análise, ou seja, deformar a realidade, o fenômeno.
Referências Bibliográficas:
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A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO A PECUÁRIA EM RONDÔNIA E O MODELO DE CHAYANOVDE CHAYANOVDE CHAYANOVDE CHAYANOV
João Carlos HerrmannJoão Carlos HerrmannJoão Carlos HerrmannJoão Carlos Herrmann11111111 1111 RESUMO: Este artigo tem como objetivo realizar uma breve discussão com relação a concentração da pecuária nas pequenas propriedades rurais de Rondônia. Tida no senso comum como uma atividade de grandes produtores rurais, teve seu real significado revelado no Senso Agropecuário realizado pelo IBGE em 1995/96, quando se demonstrou uma elevada concentração de bovinos nas pequenas e médias propriedades rurais de Rondônia. A interpretação destes dados a luz do modelo de Chayanov, o qual explica a lógica econômica da pequena propriedade rural a partir da penosidade do trabalho, busca demonstrar a necessidade de maiores estudos com relação e este e a outros modelos, que levem a compreensão da racionalidade do pequeno produtor rural de Rondônia. É a partir desta compreensão que efetivamente poderão ser estabelecidas políticas agrícolas públicas eficientes e que levem a uma maior produtividade e melhoria da qualidade de vida do pequeno produtor. PALAVRAS-CHAVE: Rondônia, pequeno produtor rural, pecuária, modelo de desenvolvimento, Chayanov. ABSTRACT: This article has as objective accomplishes an abbreviation discussion with relationship the concentration of the livestock in the small rural properties of Rondônia. Had in the common sense as an activity of great rural producers, he/she had your Real meaning revealed in the Agricultural Sense accomplished by IBGE in 1995/96, when a high concentration was demonstrated of bovine in the small ones and averages rural properties of Rondônia. The interpretation of these data the light of the model of Chayanov, which explains the economical logic of the small rural property starting from the penosidade of the work, search to demonstrate the need of larger studies with relationship and this and the other models, that take the understanding of the rationality of the small rural producer of Rondônia. It is starting from this understanding that indeed can be established public agricultural politics efficient and that take to a larger productivity and improvement of the quality of life of the small producer. KEYWORD: Rondônia, small rural producer, livestock, development model, Chayanov.
Introdução
O presente artigo trata da questão da pecuária em Rondônia, especialmente no que se refere
ao pequeno produtor rural, utilizando como ferramenta de discussão o modelo proposto por
11 Geólogo, Perito Criminal com especialização em Geografia, em Análise Ambiental e em Segurança Pública, mestrando do curso de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.
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Chayanov para explicar a forma de produção da unidade familiar rural e, a partir deste, entender o
processo de tomada de decisão que leva a introdução do gado nesta unidade.
Contrariando ao senso comum, em que gado é negócio de grande produtor rural, verifica-se,
como demonstram as estatísticas e especialmente o último Senso Agropecuário de Rondônia
(IBGE, 1996), que sua concentração maior se dá em pequenas propriedades:
“Finalmente, em 1995-1996 as atividades de pecuária bovina de Rondônia se desenvolveram em estabelecimento de todos os tamanhos, mas com acentuada concentração nos pequenos e médios. Assim, em 31/07/96, do total de 3,9 milhões de bovinos do Estado, 1,8 milhão se encontravam nos estabelecimentos de 10 a menos de 100 ha (31,3 mil estabelecimentos), e 1,3 milhão em estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha (3,9 mil estabelecimentos). A elevada concentração de bovinos em unidades pequenas indica que muitos colonos e ocupantes de terra diversificaram as atividades em seus lotes, incluindo com destaque, a pecuária bovina” (p. 39).
A introdução e concentração da pecuária nas pequenas e médias propriedades rurais
apresenta aparentemente um contra-senso, uma vez que esta atividade exige áreas extensas de
pastagens, em geral uma cabeça de gado por hectare, justamente onde o grande fator limitante é o
tamanho da propriedade. Em se tratando de uma atividade com limite claro de expansão (o da
propriedade) e com exigência de grandes espaços que não estão disponíveis, a sua viabilidade fica
desde logo comprometida, restando então descobrir qual a lógica que leva a tomada de decisão
pelo pequeno produtor de investir em pecuária, sendo este o objeto de discussão do presente
artigo.
Os modelos:
O comportamento camponês12 vem sendo objeto de estudo e de revoluções desde os
primórdios da modernidade e mesmo antes dela. O feudalismo e posteriormente o capitalismo,
exerceram forte pressão sobre o campesinato, cada um a seu tempo, imprimindo características
peculiares a este modo de produção.
O surgimento do capitalismo no século XVIII como modo de produção dominante, que se
impôs aos demais de maneira avassaladora, provocou intensas mudanças no campesinato,
principalmente no que se refere a forma de produção agrícola. No entanto, não conseguiu se impor
sobre o campesinato da mesma forma como se impôs sobre o meio urbano. Na tentativa de
explicar esta diferença, surgiram inúmeros modelos que tratam da forma de produção campesina e
suas conseqüências.
12 Usa-se a designação camponês para tratar as diversas formas de produção familiar no agrário, conforme definido por Costa (1994). Embora reconhecendo a origem européia do termo “camponês” como família trabalhadora rural tradicional participante de uma sociedade de interconhecimento relativamente autônoma, não mais existente para o “agricultor” - família trabalhadora rural participante da sociedade industrial moderna dependente 100% do mercado -, entende, para o caso brasileiro e amazônico, não produtivo o estabelecimento de uma distinção radical e de uma ruptura genética entre camponeses tradicionais e outras forma de produção familiar no agrário.
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Alguns destes modelos se baseiam no estudo das opções econômicas do campesinato,
podendo-se ressaltar três modelos significativos a respeito do assunto: O de Theodore Schultz
(1964/1965), segundo o qual não existe diferenciação entre o modo de produção camponês e a
empresa moderna; Lipton (1968) interpreta que o camponês não busca o lucro, mas a aversão ao
risco e Mellor (1963), Senn (1966) e Nakagima (1969) retomam Chayanov e o problema da
especificidade da tomada de decisão na unidade produtiva camponesa (Abramovay,1991).
Como a tomada de decisão de investimento em pecuária não envolve diretamente a questão
do lucro, devido a sua baixa rentabilidade, nem tão pouco a aversão ao risco, pois estamos em
região em que os fatores naturais atuam de maneira mais intensa sobre o gado, propõe-se discutir
este assunto em base ao modelo de Chayanov e a especificidade do processo de tomada de
decisão.
Chayanov e o processo de tomada de decisão:
Segunda Chayanov, existe um balanço lógico na relação trabalho-consumo dentro da unidade
camponesa. Esta relação não segue a lógica capitalista no seu contexto mais formal, mas sim
segue uma lógica própria, instituída e gerada a partir das condições vigentes no meio camponês e
na produção familiar. O processo de escolha econômica: produzir, quando, quanto e o que
produzir, por exemplo, são fatores determinantes da lógica camponesa e resultam de uma
racionalidade132 própria, a qual nem sempre se enquadra dentro da lógica capitalista ou urbana.
Esta última, passa pela troca de trabalho por dinheiro e este por consumo, organizada em
base ao trabalho individual. A lógica camponesa implica em troca, pelo menos parcial, diretamente
do trabalho por consumo, pois o pequeno produtor produz diretamente parte do que consome,
estando organizado em base ao trabalho familiar. “A relação entre as necessidades de consumo da
família e o trabalho necessário a que sejam atingidas é a base para o estabelecimento de um
equlíbrio microeconômico em torno do qual o campesinato se define” (Abramovay, op. cit, p. 91).
A fusão entre a unidade de produção e a de consumo, é uma das características do
campesinato e neste modelo há uma correlação direta entre o volume da produção e o número de
elementos da família, sendo que a decisão de produção é tomada diretamente em função da
penosidade do trabalho. Esta racionalidade objetiva sobretudo maximizar a única variável da
produção que está diretamente sob controle do agricultor, que é a intensidade de trabalho.
13 A racionalidade camponesa, conforme definido por Wolf (1978, apud Costa 1994), “trata de um tipo de adaptação, uma combinação de atitudes e atividades destinadas a sustentar o cultivador em sua luta pela sobrevivência individual e de toda a sua espécie dentro de uma ordem social que o ameaça de extinção”. Ou como esclarecido por Costa (1994), constitui-se “das categorias e suas relações que explicam a condição de permanência ou de fracasso das estruturas camponesas – quer dizer, sua sustentabilidade – como um estado dinâmico de ações e reações adaptativas, que conformam estratégias reprodutivas das unidades frente a condições que lhes colocam os processos reprodutivos da sociedade global na qual se inserem”.
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“Enquanto as necessidades básicas da família não forem atingidas, haverá disposição para
um grande sacrifício em trabalho – embora com retorno econômico muito baixo. Uma vez
alcançadas estas necessidades elementares, a estimativa feita em torno da utilidade de bens
adicionais cai e aumenta a aversão à penosidade do trabalho (Abramovay, op. cit, p. 91).” O
investimento, dentro desta unidade produtiva familiar, se justifica essencialmente como um
elemento de redução da penosidade do trabalho.
A inserção da pecuária na pequena propriedade:
O Senso Agropecuário realizado pelo IBGE entre 1995 e 1996 mostrou uma concentração da
pecuária nas pequenas e médias propriedades rurais, presumivelmente àquelas em que se tem
atividade de agricultura familiar. Do total de 3,9 milhões de bovinos do Estado, 1,8 milhão se
encontravam nos estabelecimentos de 10 a menos de 100 ha (31,3 mil estabelecimentos) e 1,3
milhão em estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha (3,9 mil estabelecimentos.
A idéia de agricultura familiar nestas pequenas propriedades é corroborada no mesmo senso,
quando este mostra que 80,6 % das propriedades rurais tinham o próprio proprietário como
responsável pela sua exploração, percentual que representa 62,5% da área total explorada do
Estado. O restante das propriedades, tem como responsáveis por sua exploração arrendatários,
ocupantes e administradores, sendo que estes últimos se concentram nas propriedades de
grandes dimensões.
Neste mesmo ano, o total de área ocupada por pastagens plantadas somava 2.578.700
hectares e o ocupado por lavouras somava 432.308 hectares, gerando uma renda total de R$
334,2 milhões. Deste total, 53,9% advinha da produção animal e 46,1% da produção vegetal.
Assim sendo e no ano de 1995, mesmo considerando que toda a produção animal advinha da
pecuária bovina (não considerando os suínos e aves), a renda em hectares da pecuária somava
R$ 69,85, enquanto que da produção vegetal foi de R$ 356,36 por hectare (considerou-se também
que toda a renda tenha provido da agricultura, não sendo separada a atividade madeireira).
O baixo rendimento da pecuária em relação a atividade agrícola em geral, aliado a falta de
área para expansão, que determina um pequeno número de animais e a baixa disponibilidade de
mão de obra, dividida com as demais atividades necessárias a sobrevivência da unidade familiar,
corrobora o aparente contra-senso desta atividade em pequenas propriedades.
A pecuária e o modelo de Chayanov:
A busca de uma explicação para a introdução da pecuária como forma de exploração da
pequena propriedade rural em Rondônia, leva a uma leitura e interpretação da realidade local em
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base ao modelo proposto por Chayanov, em que o processo de tomada de decisão de produção se
relaciona diretamente com a penosidade do trabalho.
A pecuária, como forma de exploração, tem como uma de suas características ocupar
grandes áreas com baixa utilização de mão de obra. Daí advém uma das principais críticas à
atividade, a qual promove a expulsão do pequeno produtor do meio rural através de sua expansão
e incorporação de novas áreas, bem como do baixo nível de emprego fornecido.
A baixa utilização de mão de obra talvez seja exatamente o grande atrativo e a justificativa
para a reprodução da pecuária na pequena produtor rural, onde a mão de obra é limitada, assim
como a capacidade de contratação de mão de obra externa assalariada. Há que se considerar
ainda a questão da penosidade do trabalho, não só relacionada a sua intensidade, mas ao tipo de
trabalho, lembrando que a exigência física do pastoreio é menor que a da enxada, arado ou
colheita.
Assim sendo e ao que parece, a racionalidade que está levando os pequenos produtores
rurais de Rondônia a “diversificaram as atividades em seus lotes” optando pela implantação da
pecuária, conforme apontado pelo IBGE, é a introdução de uma atividade que consuma baixa mão
de obra, consequentemente pouco penosa. A baixa rentabilidade da atividade é compensada pela
baixa penosidade, o que a torna atrativa dentro da lógica vigente no meio do pequeno produtor.
Outros fatores também devem ser considerados, aliados a questão da penosidade do
trabalho, tais como a criação de uma reserva de valor pelo produtor, onde ele aplica eventuais
rendas extras obtidas com a atividade agrícola, a falta de acesso a estabelecimentos bancários
onde ele possa guardar estas eventuais rendas e a fácil comercialização do gado. Observa-se
ainda que a renda investida em gado é remunerada, seja pelo acréscimo de peso nos animais de
corte, seja pela reprodução e/ou produção de leite nos animais de cria.
Conclusão
A discussão aqui realizada, embora extremamente superficial, demonstra a possibilidade e a
necessidade de se estudar a concentração da pecuária nas pequenas propriedades rurais em
Rondônia, através dos vários modelos que tentam explicar a sua economia. No presente artigo,
utilizou-se do modelo de Chayanov, o qual por certo não esgota o assunto, nem tão pouco elimina
a possibilidade de aplicação de outros modelos.
A compreensão da lógica no qual se baseia o pequeno produtor ao tomar sua decisão de
produção, se faz necessário não só pelo seu interesse acadêmico, mas sobretudo para a
implementação de políticas agrícolas coerentes e que levem efetivamente a melhoria da qualidade
de vida do pequeno produtor rural. “Não se pode implementar políticas de modernização da
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agricultura sem a compreensão dos fatores que presidem a tomada de decisão por parte dos
agricultores (Abramovay, op. cit, p. 81 ).
Tais políticas devem sair da esfera puramente economicista derivada da visão “bancária” de
agricultura, para uma esfera mais real, que encontre respaldo em atos e intenções do pequeno
produtor rural, que se aproveitem de sua cultura e do seu modo de ser para propiciar acesso à
renda e, consequentemente, para promover a melhoraria de sua qualidade de vida.
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UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO UMA ABORDAGEM DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMESOCIAL NA IMPLEMENTAÇÃO DO NTAÇÃO DO NTAÇÃO DO NTAÇÃO DO
PLANAFOROPLANAFOROPLANAFOROPLANAFORO
Sérgio Augusto MamannySérgio Augusto MamannySérgio Augusto MamannySérgio Augusto Mamanny14141414 RESUMO: Atualmente todo e qualquer projeto que tencione solucionar problemas socioeconômicos de um determinado público, sempre será passível de êxitos e fracassos. Contudo, observam-se diferenças quando esse mesmo público tem a oportunidade de opinar na definição do seu próprio futuro, através da escolha dos benefícios que pode ser o melhor e o mais adequado para o seu desenvolvimento. Embora a idealização inicial do PLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia incorpore essa vertente participativa, não deixou de receber críticas dos mais diversos segmentos da sociedade. Isto posto, o trabalho que apresentamos, pretende abordar conceitos e práticas aplicadas na execução do projeto. PALAVRAS CHAVE: Participação, descentralização e gestão de projetos. ABSTRACT: The peculiarities of environmental geography, associated to the rich biodiversity of flora and fauna that the state of Rondônia concentrate, was the principal issue that motivated the eleboration of the “Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia”, named PLANAFLORO. Tha occupational process of the territory in Rondônia, mainly in the seventies, was out of order and uncontrolled, that happened because of the inadequate developing models that tried to follow only tha national politic strategies to minimize problems related to social and productive conflicts comig from other centers of the country, which were born because of the lack of productive land to develop the agriculture. That planning style made the state of Rondônia a stage to severe environmental impacts, specially the ones related to indiscriminate deforestation of its forest to support practices of agriculture to increase the areas to develop animals and plants. With the goal of using the land in its best way , PLANAFLORO was idealized, and it was idealized to search ways to make the conception of creating good mechnisms to use the territory, with the idea of reorder the investments according to the potentialities of which micro-region of this state. KEYWORD: Participation; Descentralization; Project Management.
Introdução
O PLANAFLORO assim como todo projeto não deixa de ser passível de erros e acertos,
assim como dificilmente haverá projetos totalmente fracassados se soubermos transformar os
14 Engº Agrônomo – Esp. Em Planejamento, Ecologia e Legislação Ambiental – UNIR. Mestrando em Desenvolvimento Regional – UNIR.
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desacertos em boas lições à construção de novos projetos que tencionem essa aprimoração. Tais
incongruências na maioria das vezes retratam o jogo de uma partida de futebol, onde existem
forças opostas com esquemas e propósitos diferentes, visando tão somente benefícios pontuais.
Assim como uma partida futebol, um projeto envolve diversos atores de uma certa região,
município ou localidade, porém com aspirações de objetivos comuns, compactuando, inclusive, do
sucesso e insucesso do que fora almejado através do projeto. Sobre esse aspecto, mais
especificamente na execução de um projeto quanto maior for o nível de participantes e de
participação na definição do que é melhor para o grupo, certamente estaremos compartilhando
também as responsabilidades do êxito ou fracasso do empreendimento, mas certamente com um
grau menor de erros do que os projetos produzidos em gabinetes sem nenhuma intervenção social.
Este processo que envolve atores com finalidades comuns na construção de um projeto é
conhecido como “participação”, atualmente em voga e permeando em todos os setores
governamentais e não-governamentais, em decorrência do esgotamento conceitual e metodológico
dos modelos tradicionais de planejamento, idealizados a revelia dos interesses da população. Esse
insuportável estilo de planejamento vem contribuindo sobremaneira no aumento de patologias
sociais altamente prejudiciais à melhoria das condições de vida da população. Por outro lado, uma
simples consulta popular sem equipamentos metodológicos apropriados para identificação de
demandas reais, não significa dizer que seja uma participação plena, a participação a qual nos
referimos exige um campo maior de atuação dos beneficiários, isto é, requer a abertura de canais
de interlocução entre sociedade e governo, para que os atores sociais possam em conjunto opinar
na definição de necessidades, criar capacidades de execução, acompanhamento e avaliação do
projeto.
Sem estes predicados pressupomos que seja muito difícil criar novos estilos de planejamento,
pois continuaremos a dialogar com os mortos e iniciar um novo ciclo de incongruências com
reprodução dos mesmos erros do passado. Esta falta de mecanismos, de equipamentos
metodológicos e conceituais foi basicamente o que faltou no PLANAFLORO.
O projeto e sua interação com as políticas públicas
As políticas públicas tal qual estão constituídas, não podem representar as aspirações das
partes interessadas (governo e sociedade) de uma mesma causa para o alcance do bem-estar
comum a partir da agregação de interesse da esfera pública a serviço da sociedade. Isto se deve a
inadequação de seus instrumentos (Leis) legais existentes, vulneráveis a qualquer tomada de
decisão governamental, e por isso esses mesmos interesses enveredam por caminhos opostos. É
sob esse olhar de vulnerabilidade que o PLANAFLORO será abordado neste trabalho.
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Sob esse olhar não podemos dizer que o PLANO atende essas prerrogativas, isto é, não reúne
essas aspirações conciliatórias, pois com rara exceção as reivindicações inseridas na sua versão
preliminar foram pleiteadas por populações de base propriamente ditas, prevalecendo neste caso
as observações de campo sistematizadas por técnicos do governo e de opiniões de ONGs, que
direta ou indiretamente trabalhavam com o público alvo assinalado pelo projeto. É como disse um
entrevistado representante de uma comunidade ribeirinha “nós chegou a saber do PLANAFLORO
quando vieram nos oferecer o projeto do PAIC(projeto de iniciativa comunitária), foi assim que nos
cheguemos a saber que a gente tinha direito”.
O desencontro de aspirações entre o Estado e a sociedade civil, ficou caracterizado pela
rejeição que Plano recebia, mais precisamente, pela da falta de divulgação de seus propósitos à
população e por não estar contribuindo à melhoria do bem-estar social. Nessa mesma linha de
pensamento os municípios que concentram extensas áreas destinadas à conservação e proteção
ambiental eram os mais insatisfeitos, por não receber nenhuma contrapartida socioeconômica.
Essa rejeição evidenciou-se ainda mais quando relacionada ao público beneficiário de fato e de
direito, que até então, não haviam conseguido enxergar os benefícios oriundos do projeto, neste
caso propostos por organismos governamentais eleitos para executar o planejamento e
administração dos projetos contemplados nos diversos componentes do PLANO. Esta
desarticulação criou uma lacuna entre o saber técnico e a realidade local. É como assinala a
versão preliminar do PLANAFLORO, 1987
O PLANO não aquece, ainda, uma vez que por trás das ações do campo econômico, estão forças políticas e interesses de classes ou frações de classes, cuja composição e correlação de forças é quem determina a intervenção no Estado/Governo e na sua economia, em uma direção determinada.
Em que pese a boa intenção do Plano, no que se refere ao estabelecimento de instrumentos
de planejamento rumo ao cumprimento das metas previstas, a sua concepção pecou quando
adotou ocupação acelerada do Estado como um dos principais pressupostos para sua
concretização, embora historicamente esse tenha sido o emblema utilizado para alicerçar a
expansão do capital na economia brasileira. No caso de Rondônia, esse processo de expansão do
capital na economia se deu de forma articulada, subordinada e dependente aos centros
hegemônicos desse capital no Brasil, mais precisamente na região centro-sul do país.
Tais informações permitem assegurar que embora a concepção do PLANAFLORO tencione
corrigir as falhas do POLONOROESTE, que também foi oriundo de políticas governamentais
idealizadas em gabinete, com o propósito de atender a circulação do capital, era de se esperar que
problemas iriam emergir, porém não se imaginava o grau de intensidade de tais problemas, cujo
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preço é a sociedade rondoniense quem está pagando, confirmando-se, assim, a sua
incompatibilidade com as políticas públicas locais. Sobre a questão, Moraes, 1998:31. assinala
Dessa diversidade de funções podemos projetar as redes de hierarquias sobrepostas ou paralelas existentes no setor, isso atendo-se a esfera do Executivo. Se adicionarmos as ações e demandas oriundas de outras esferas ( medidas judiciais, ações do Poder Legislativo aos vários níveis, demandas da sociedade civil e etc), chegamos a um quadro no qual a institucionalização estatal da gestão ambiental – se for orientada para uma atuação exaustiva – estará fada a um clima de babel .
Assim, a proposta do Zoneamento basicamente plasmado sobre aspectos ambientais,
vislumbrou o fetiche de ser o instrumento capaz para equacionar o ordenamento espacial,
assumido assim, a rotulação exaustiva mencionada por MORAES, embora esse tenha sido o seu
propósito, o de alocar os investimentos do projeto de acordo com as potencialidades de cada
macrozonas, e adotá-lo daqui por diante como a diretriz das políticas públicas de ocupação do
solo, até então sem a devida atenção.
Estrutura organizacional e mecanismos de gestão
A idealização da construção do PLANAFLORO ocorreu concomitantemente com o término do
POLONOROESTE (1986/1987), quando Rondônia praticamente ainda respirava sua nova
condição de Estado instalado em 1981. O Estado recém criado padecia de inúmeras deficiências,
desde estruturais, políticas e técnicas, o que certamente comprometeria a implementação do
projeto, caso não fossem criados mecanismos que assegurassem a integridade de seus
propósitos.
Desta forma o empréstimo destinado para executar o PLANO, ajudaria a fortalecer as
estruturas físicas/materiais e técnicas dos organismos envolvidos nessa execução, através da
construção de escritórios, equipamentos e treinamentos. A viabilização do financiamento das ações
relacionadas ao fortalecimento das estruturas do Estado previa uma estrutura mínima de
coordenação estadual que pudesse administrar o PLANO, por intermédio do componente
denominado Administração do Projeto, com recursos na ordem de 5% do montante global da fonte
externa do PLANAFLORO, ou seja, US$ 8 milhões dólares dos US$ 167 milhões previstos sem a
contrapartida estadual e federal, para fins de capacitação da equipe de monitoria, assistência
técnica e consultorias, instalação da Unidade de Coordenação (espaço físico, equipamentos e
custos operacionais), monitoramento do Estado por imagens satélites e contratação anualmente de
um Comitê de Avaliação Independente, para avaliar o andamento do projeto.
Esse instrumental permitiu desenhar a estrutura organizacional da Unidade de Coordenação
Estadual, que sua vez era diretamente ligada a Secretaria de Desenvolvimento Regional – SDR, da
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Presidência da República – PR. Em nível estadual criou-se um Conselho Estadual presidido pelo
governo do Estado, responsável pela orientação e direcionamento das políticas do projeto, bem
como do orçamento anual.
O Conselho seria composto por representantes da SDR/PR, Secretaria de Estado do
Planejamento de Rondônia-SEPLAN, e representantes das agências executoras estaduais e, no
nível federal pela FUNAI, INCRA, IBAMA. Ainda em nível local a Associação dos Prefeitos
municipais e por representantes de ONGs fariam parte desse conjunto. A SEPLAN atuaria como
uma Secretaria do Conselho, representada pela Unidade de Coordenação do Projeto, idealizada
para operar com um administrador, três diretores de áreas específicas (administrativa/financeira,
técnica e de monitoria e avaliação), treze chefes de seção e mais 40 técnicos de apoio às seções,
perfazendo um total de 57 técnicos. A Unidade Técnica seria a responsável pela revisão e
consolidação dos programas de trabalhos dos diversos componentes do projeto. A Unidade de
Monitoria e Avaliação, teria a atribuição de supervisionar os trabalhos de campo das agências
executoras e produzir relatórios com relatos sobre o andamento qualitativo e quantitativo de todos
os projetos. A Unidade de Controle Financeiro se responsabilizaria pelo orçamento, desembolsos,
gastos e prestação de contas.
A Unidade de Monitoria e Avaliação desempenharia ainda, a função de assessoria especial à
Unidade de Coordenação e SDR/PR, para fins de repasse do produto extraído da análise dos
relatórios (indicadores de monitoria), relacionados com o desmatamento, invasões a unidades de
conservação, áreas indígenas e demais áreas protegidas, bem como outras informações inerentes
aos demais componentes do PLANAFLORO. Os respectivos relatórios teriam a função de registrar
as distorções que comprometessem os resultados finais dos projetos, quer seja por
incompatibilidade com a política pública ou pela incompatibilidade com a realidade local. Marcovith
(1972:53), salienta por sua vez,
Que a manutenção de um nível de eficácia adequado num sistema exige elevado grau de percepção da dinâmica do seu ambiente, acompanhado de elevada capacidade de adaptação às oportunidades e ameaças pertinentes à missão da qual ele deve incumbir-se.
Por outro lado, as entidades executoras das ações contempladas por cada componente do
Plano, seriam as responsáveis pela administração dos recursos e implementação dos Planos
Operativos Anuais, assim como dos resultados obtidos.
Na prática a estrutura organizacional previamente definida não se oficializou, possivelmente
pela falta de homogeneidade de entendimento sobre o estilo de gestão participativa, entre os
idealizadores do Plano e os que de fato o gerenciaram. Aliada a essa falta de entendimento, a
rotatividades dos administradores, 05 (cinco) no período de 1993 a 1998 e 02(dois) 1999 a 2002,
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de concepções diferentes, atribuíam ao Plano as mais diversas interpretações de incertezas,
contribuindo para sua descontinuidade. É como lembra JARA (1996:65)
Mudar a consciência significa, além dos valores e atitudes, mudar a leitura da própria realidade, a partir de uma visão mais totalizante e integradora, admitindo, por exemplo, que a nova corrente de pós-modernização conservadora impulsionada pela globalização, também representa uma forma limitada e provavelmente absurda de desenvolvimento.
A relutância pela não adoção da estrutura organizacional previamente definida em
documentos contratuais me conduz aos seguintes pressupostos: Primeiro, o desenho original podia
ser incompatível com a prática: Segundo, a SEPLAN representada pela Unidade de Coordenação
jamais imaginou ficar submissa ao Conselho em termos organizacional para deliberar e aprovar
todos os assuntos inerentes ao Plano; Terceiro, a falta de experiência prática em processos
participativos de ambas as partes, sociedade civil e governo, para administrar uma gestão
compartilhada dificultaram sobremaneira o andamento do projeto. Para governo era inadmissível
abrir espaço para a sociedade civil, pela simples razão de estar cedendo ou perdendo os espaço
até então sempre ocupados por representantes governamentais, bem como a sociedade civil se
encontrava um tanto quanto perdida ao lado do governo como parceiros de uma mesma causa;
Quarto, o não funcionamento das CNPs limitou de uma certa forma o nível de participação da
sociedade, cujo campo de atuação ficou restrito a opinar sobre as ações macro do Plano, sem
abertura para atuar no acompanhamento das atividades contidas nos diversos componentes do
projeto, na sua primeira etapa de implementação (1993/1996), a exceção do que ocorreu após
avaliação de Meio Termo, com atuação mais pontual no acompanhamento dos projetos
comunitário.
Por outro lado, a gerência de monitoria que deveria ser a mais preparada para propor
modelos sistematizados de acompanhamento, tornou-se impotente ao ficar diretamente
subordinada à subcoordenadoria técnica, sem muita flexibilidade para tomar decisões. Esta e
outras decisões tiveram conseqüências negativas para o avanço da gestão compartilhada, o que
desgastou ainda mais o entendimento entre governo e sociedade civil. As reuniões do Conselho
Deliberativo, bem como das Comissões Normativas de Programas, na sua maioria eram apenas
para referendar processos idealizados na esfera governamental, agredindo indiretamente a
representatividade social. Observa-se também, que mesmo havendo a participação da sociedade
na definição de ações macro de determinados projetos, nem sempre seus propósitos refletiam a
necessidade da população alvo, pela falta de mecanismos de consulta popular que auxiliasse na
obtenção de demandas do público beneficiário, a princípio, tido como elemento fundamental.
O regime de parceria e de divisão de responsabilidades com a sociedade civil no exercício de
descentralização do PLANAFLORO recebiam as mais diversas interpretações negativas, de uma
boa fatia de técnicos governamentais, que sempre cultivaram o hábito de trabalhar com estilo de
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gestão centralizadora e autoritária. Do mesmo modo a sociedade civil demonstrava insegurança
pelo desconhecimento das verdadeiras nuances administrativas, que supostamente as levaria a
validar processos elaborados em gabinetes e possivelmente construídos para serem conduzidos
por caminhos diferentes. Esse episódio é lembrado por (JARA, 1995:41), conceituando a ”Fórmula
do Leopardo” : alguma é mudada apenas para não mudar coisa nenhuma.
A estrutura organizacional implementada na operacionalização projeto, até 1998, era
composta pelo Conselho Deliberativo do PLANAFLORO de formação paritária e presidido pelo
Secretário de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. Este Conselho era assessorado
diretamente pelas Comissões Normativas de Programas, cuja função era de elaborar programas e
projetos das diversas áreas e submetê-los à aprovação do Conselho.
Tanto o Conselho Deliberativo como as Comissões Normativas de Programas foram
instâncias criadas para permitir a participação da sociedade civil organizada no âmbito do
PLANAFLORO, com direito a voz e voto. O funcionamento e operacionalização dessas instâncias
participativas obedeciam a um regimento próprio e tinham como objetivos deliberar assuntos
inerentes às ações do Projeto como um todo. Contudo, a sua implementação foi prejudicada por
diversos motivos: Primeiro, o Estado não previu recursos para assegurar a participação dos
representantes da sociedade civil nas duas instâncias criadas no contexto do Plano, por entender
que essa participação da sociedade no programa, deveria ser a contrapartida desta mesma
sociedade no âmbito do projeto.
Esse entendimento e a falta de habilidade para gerir processos participativos, comprometeu
sobremaneira as reuniões deliberativas das Comissões, prejudicando inclusive alguns assuntos
que mereciam urgência, em razão da dificuldade de deslocamento dos representantes da
sociedade civil até a cidade de Porto Velho, onde eram realizadas as reuniões deliberativas.
Nesse sentido convêm assinalar que 03 (três) dos 07 (sete) membros da sociedade civil que
integravam o Conselho Deliberativo residiam no interior do Estado, sem a mínima condição de
custear despesas com hospedagem, transporte e alimentação durante sua estadia em Porto Velho.
Tal situação estendia-se também aos integrantes das Comissões Normativas de Programas-
CNP’s. Segundo, a falta de recursos que limitou a participação da sociedade civil nas instâncias
participativas do PLANO, desencadeou uma série de adiamento das reuniões por falta de
“quorum”, contribuindo assim, para o seu esvaziamento. Terceiro, a falta de recursos humanos
sobrecarregou os técnicos da sociedade civil que muitas vezes tinham que estar simultaneamente
em 02 (duas) ou 03 (três) comissões, limitando o seu desempenho com eficiência. Quarto, a falta
de habilidade de ambas as parte (sociedade civil e governo), para consensuar decisões de
interesses do Plano como verdadeiros parceiros era remota, prevalecendo à lei do mais forte, o
que originou o surgimento de dois inimigos implacáveis diante uma mesa de negociação. Quinto, a
verdadeira função das Comissões Normativas de Programa, isto é, de elaborar os programas que
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norteariam os projetos executivos dos organismos até então considerados executores do
PLANAFLORO não saíram do papel, embora tenha havido esforços de algumas Comissões, como
foi o caso da Comissão Agroflorestal e indígena que intentaram pôr em prática a elaboração de
seus programas, com resultados bem tímidos, devido a fragmentação de entendimento adotado
por cada membro da Comissão sobre a própria finalidade do programa e do seu conteúdo. Aliado a
essa falta de entendimento, outras razões vieram à tona, assim como o nítido descompasso dos
interesses pleiteados pela sociedade civil e pelo setor público.
Esse elenco de ambigüidades contribuiu para a não-sustentação dessa nova prática de
planejamento idealizado inicialmente para suprimir vícios até então adotados sem nenhuma
intervenção social e, contrários aos interesses locais.
A não-continuidade do organograma idealizado inicialmente para administrar o
PLANAFLORO, bem como o não funcionamento das CNPs, realimentou o retorno do planejamento
“verticalizado” contemplando ações produzidas em gabinete alheio aos interesses de seus
beneficiários. A retomada deste velho modelo de planejamento promoveu o retrocesso no avanço
para uma gestão mais participativa, culminando em críticas contundentes por não estar
contribuindo para o desenvolvimento do campo conforme seus propósitos. Presume-se também
que esses acontecimentos podem ter ocorrido mais por divergência de entendimento entre os
idealizadores do Plano e os responsáveis pela sua implementação, na maioria das vezes
adequando-o ao seu estilo de administrar.
A origem do novo desenho aplicado após avaliação de meio-termo
Em dezembro de 1993, com apenas 6 à 7 meses de implementação do projeto, ocorreu a
primeira e única avaliação independente que deveria ocorrer anualmente. A comissão denominada
de Comitê de Avaliação Independente – COMAI identificou debilidades e incompatibilidades entre
o desenho inicial e a gestão posta em prática, relatado posteriormente no documento denominado
Estudo da Pertinência das Concepções Teóricas e da Gestão Técnica do PLANAFLORO. Este
documento elenca,
(a) Os pressupostos teóricos e operacionais do PLANAFLORO não encontraram legitimação em nível de sociedade de Rondônia. Isto é, devido aos antagonismos entre as propostas de ordenamento das atividades econômicas e sociais determinadas pelo PLANAFLORO e a ideologia de predação hegemônica nessa sociedade;
(b) A via autoritária de concepção e da efetivação do PLANAFLORO, através da Coordenação, não contribuiu para a formação de idéias e ações (práxis sociais) capazes de democraticamente se anteporem à ideologia da predação;
(c) A ausência de unidade de ação entre as instituições públicas e dos governos estadual e federal, com relação aos propósitos do PLANAFLORO, contribuiu decisivamente para a
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desagregação ética e técnica/científica do setor público facilitando, de um lado, a desorganização explícita da ação governamental (amplo senso) perante os atores sociais e, por outro lado, a descrença da sociedade na possibilidade de uma relação Estado-Sociedade e Homem-Natureza;
(d) A idolatria ao Plano Operativo Anual – POA, esteriliza o esforço técnico-científico e administrativo da gerência Central e Setorial do PLANAFLORO, propiciando, no pessoal mobilizado a sensação da dedicação desperdiçada e, portanto, um intrínseco desencanto com o PLANO;
(e) A ausência de um sólido e descentralizado programa de formação de pessoal, tanto do setor público como dos atores sociais beneficiados pelo projeto, impede um conhecimento sistematizado sobre as mudanças econômicas, sociais, institucionais e políticas necessárias para efetivação do PLANAFLORO;
(f) Enfim, mas não finalmente, a não participação massiva dos atores sociais em todas as fases de revisão e de implementação do PLANAFLORO contribuiu para o isolamento do projeto e o descrédito na construção de uma proposta contra-hegemônica a ideologia da predação hoje dominante na sociedade rondoniense.
O relatório conclui ainda: “Em síntese, o PLANAFLORO apresenta incongruências estruturais,
tanto em nível de modelo conceitual como no operacional, que o torna social, político e
institucionalmente insustentável”.
Apesar dessa conclusão e recomendações proferidas no relatório, o PLANAFLORO continuou
a implementação do modelo até então severamente criticado, sem ao menos considerar o relato
dos descompassos identificados pelos avaliadores independentes, que por incrível que pareça,
eram idênticas as lições extraídas da execução do POLONOROESTE, sobre as quais se construiu
o novo conceito do PLANAFLORO, com o propósito de corrigir uma possível repetição dos fatos.
Diante de tais evidências, pensar na diminuição do índice de desmatamento torna-se
ambíguo, se considerarmos que nada se fez para mudar os rumos do projeto, após a conclusão do
Relatório do Comitê de Avaliação Independente, isso nos leva a crer que outros interesses
prevaleceram para atrair recursos internacionais para o Estado, em detrimento do ordenamento
territorial de Rondônia altamente prejudicado pela depredação ambiental. Em tese de Doutorado
escrita por (Ari Miguel Teixeira Ott, 2002:76) assinala que, “assim, os efeitos colaterais
inesperados, resultados desastrosos ou conseqüências calamitosas de uma intervenção
transmudam-se em justificativas para o início de um novo projeto corretivo, perpetuando o ciclo”.
Outro fator que merece toda nossa atenção está relacionado com a temporalidade, mais
especificamente o descompasso existente entre a concepção do Plano e o início de sua
implementação, isto é, as primeiras discussões ocorreram em 1986, sua aprovação em 1989 e o
início de sua implementação em 1993, ou seja, 7 anos entre uma atividade e outra. Possivelmente
tudo isso tornou o projeto vulnerável a partir do seu nascimento, ocasionado pela própria dinâmica
dos acontecimentos, isto é, podia ser ideal para aquela época, tanto é que o próprio COMAI
identificou incompatibilidades em apenas 6 meses de execução do Plano.
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Simultaneamente, o projeto de monitoria ocorreria sob dois aspectos, o primeiro diz respeito
ao monitoramento ambiental através de imagens de satélite, para a identificação da agressão ao
meio ambiente, o segundo seria a criação de uma equipe de monitoria em nível de Unidade
Central, que teria uma função relevante dentro da estrutura do programa, mais precisamente pelo
papel de aglutinar os relatórios oriundos das entidades executoras do programa, analisá-los e
propor medidas corretivas quando observado possível contraponto entre a concepção inicial do
Plano e implementação dos projetos propostos pelas unidades executoras.
Considerando este segundo aspecto, o monitoramento da Unidade Central, uma peça
fundamental no acompanhamento da evolução executiva do Plano, a sua linha de ação ficou
estrangulada e presa a subcoodenadoria técnica, sem muita flexibilidade de atuação, ficando
condicionada a compilar todos os relatórios dos executores do projeto, sem sequer analisar os
avanços e propor correções em caso de necessidade, mesmo porque os relatórios eram
desprovidos de tais informações. A falta desse instrumento contribuiu para o acúmulo de
incongruências que fizeram do Plano o paradoxo a sua concepção inicial.
Conclusão
A princípio, qualquer referência ou análise sobre o PLANAFLORO, só será possível se
tomarmos como base, a própria história do Estado e das políticas de desenvolvimento
idealizadas para a Amazônia, que fizeram de Rondônia um alvo perverso de processos
migratórios. Assim conclui-se que:
a) A própria concepção do PLANFLORO, não visava apenas corrigir os efeitos negativos herdados do POLONOROESTE, instituir mudanças na política estadual com vistas na manutenção dos seus recursos naturais, e o ordenamento territorial do solo, mas sim utilizar o emblema ambiental altamente em voga como principal atrativo de recursos externos para preencher lacunas deixadas pelo governo federal ocasionado pela escassez de recursos para a região Amazônica, em particular para Rondônia;
b) O interesse do Banco Mundial em viabilizar a construção do desenho inicial do projeto através de consultores externos para agilizar a elaboração do mesmo nos faz entender que nada veio por acaso, ou seja, não entende como conquista da sociedade, não entende como doação como se pensou inicialmente, e sim como mais uma determinação superior, se considerarmos que o Estado era deficiente de informações, de técnicos e de conhecimentos suficientes para elaborar uma proposta do porte do PLANAFLORO, de abrangência estadual com diferenças micro-regionais específicas. Não quero com isso desmerecer o conhecimento técnico local, porém teço críticas ao estilo conservador e verticalizado utilizados na sua construção do Plano com pouca ou sem nenhuma anuência social;
c) Os objetivos do projeto se tornaram volumosos diante um Estado fragilizado em termos materiais, técnicos e operacionais, o que limitou de uma certa forma a praticidade no processo de descentralização;
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d) A teia de inter-relações da estrutura organizacional inicial, representada pelo trinômio: Conselho Deliberativo, Unidade de Coordenação e CNPs, e em particular esta última, de assessoria ao Conselho e responsável pela elaboração dos programas que orientariam a elaboração dos projetos governamentais, não se consolidaram na sua totalidade, mais precisamente pela falta de entendimento sobre o conceito de programa e do seu conteúdo. Embora as CPNs agroflorestal e indígena tenham empreendido esforços para adotá-la com resultados bem tímidos.
e) A unidade de monitoria idealizada para desempenhar o papel de vigilância do projeto resumiu suas atividades à consolidação de relatório, possivelmente pela falta de indicadores plausíveis e convincentes que respaldassem a correção rumos do projeto. Percebe-se que a Unidade de monitoramento do projeto foi a mais prejudicada no âmbito da estrutura organizacional, haja vista que na prática ficou subordinada à Coordenadoria Técnica sem muita flexibilidade para tomar decisões;
f) A temporalidade ocorrida entre a concepção do Plano e início de sua execução, foi o grande vilão, tornou o projeto caduco antes mesmo de começar, uma vez que as ações previstas na época de sua concepção, na sua maioria ficaram descaracterizadas, como identifica a avaliação do COMAI em dezembro de 1993, nos seus 6 (seis) primeiros meses de existência, razão pela qual recomendaram correções que não foram realizadas;
Tais evidências clamam pela revisão da nossa visão de mundo, de conceitos, de novas
ferramentas teóricas e metodológicas capazes de experimentar novas formas de auto-gestão de
projetos de desenvolvimento que conquistem a credibilidade pa população alvo, buscando pelo
menos evitar a repetição dos consecutivos ciclos de projetos sem nenhuma legitimidade local.
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COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM COMPOSIÇÃO SOCIAL DA AMAZÔNIA: UM MISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURASMISTO DE POVOS E CULTURAS
Arlene Mariani FujiharaArlene Mariani FujiharaArlene Mariani FujiharaArlene Mariani Fujihara15151515
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo registrar a composição social da Amazônia, iniciando pela descrição da origem do homem amazônico, a sua estrutura societária e a visão de teorias históricas que apontam a conquista e a colonização como momentos paradoxais. Perpassa pela revelação de uma outra Amazônia, inaugurada com a chegada dos europeus, que provocaram profundas transformações no ambiente, no tocante à economia, a política e a cultura locais. O retrato da etnia cabocla encerra a abordagem, acentuando a importância do índio na gestação étnica do povo da Amazônia. Reservamos para a conclusão, a opinião sobre o desrespeito dos ditos “civilizados”, que a partir da invenção da região, milenarmente construída e registrada com lendas e mitos, sinônimos da grandeza do mundo natural e imaginário e que se confunde com o próprio aborígine. PALAVRAS-CHAVE: Composição social, Amazônia, etnia, povos, culturas, conquista, colonização e miscigenação. ABSTRACT: The present article has for objective to register the social composition of the Amazonian, beginning for the description of the amazon man's origin, your structure societária and the vision of historical theories that point the conquest and the colonization as paradoxical moments. Perpassa for the revelation of another Amazonian one, inaugurated with the arrival of the Europeans, that they provoked deep transformations in the atmosphere, concerning the economy, the politics and the culture places. The picture of the etnia cabocla contains the approach, accentuating the importance of the Indian in the ethnic gestation of the people of the Amazonian. We reserved for the conclusion, the opinion on the disrespect of the civilized " statements ", that starting from the invention of the area, built milenarmente and registered with legends and myths, synonyms of the greatness of the natural and imaginary world and that gets confused with the own aborigine. KEYWORD: Composition social, Amazonian, etnia, people, cultures, it conquers, colonization and miscegenation.
O passado em primeira mão
Os trilhos da história social da Amazônia antecederam o descobrimento da América pelos
europeus no século XVI. A Região Amazônica, coberta por densa floresta – Hiléia Amazônica –
localizada nos trópicos, de penetração e de ocupação difíceis, já estava povoada por grupos
15 Pedagoga, docente do Quadro Efetivo da UNIR. Mestranda em Desenvolvimento Regional – UNIR/RO.
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humanos. O conjunto de comunidades tribais, presente na região, apresentava-se bastante
diferenciado entre si, cada qual com sua identidade, organização social e cultura milenar de
adaptação ao trópico úmido.
As referências do antropólogo Claude Lévi-Straus, citadas por Souza, sobre a questão
ilustram o que se afirmou:
Este grande e isolado segmento da humanidade consistiu de uma infinidade de sociedades, maiores ou menores, que tiveram pouco contato entre si. E para completar as diferenças causadas pela separação, há outras, igualmente importantes, causadas pela proximidade: o desejo de se distinguirem, de se colocarem à parte, de serem – cada uma – elas mesmas. (2001, p. 18).
A Amazônia, ao contrário do que foi apregoado pela historiografia ocidental, “não era um
vazio demográfico” (Souza). Na verdade, a Amazônia, desde a Pré-História já era um rico e
diversificado cenário de sociedades humanas que foram sendo reveladas pelos avanços dos
estudos arqueológicos na região e têm afirmado a existência de sociedades de caçadores e
coletores de, aproximadamente, 40.000 anos, nessa região.Ainda segundo Márcio Souza, (2001, p.
19):
As pesquisas da arqueóloga Anna Roosevelt, sobre as culturas da ilha de Marajó e da calha amazônica comprovam a existência de uma inequívoca ocupação desde o Pleistoceno, ou Holoceno, por sociedades de caçadores e coletores, donos de elaboradas culturas de tecnologia da pedra, e por algumas das mais antigas sociedades sedentárias, fabricantes de cerâmica e agricultores equatoriais. Um passado formado por sociedades de grande complexidade e sofisticação cultural (...).
Sobre a composição social, o próprio Souza esclarece que:
...os antigos caçadores e coletores da Amazônia não eram exatamente primitivos em termos de tecnologia e estética, mas também pouco lembravam os povos indígenas atuais, que supostamente são seus descendentes (Idem).
Várias teorias, inclusive algumas muito imaginosas, explicam a origem do homem no “Novo
Mundo”. A mais aceita é a de que o homem primitivo, em busca da sua subsistência, na Era
Glacial, deslocou-se da Sibéria, na Ásia, para o Alasca, na América, atravessando o estreito de
Bering. Foi uma glaciação que possibilitou essa travessia do homem coletor, há aproximadamente
40.000 anos, unindo os dois continentes. A partir daí, o povoamento atingiu a Costa Ocidental da
América do Norte, em seguida a América Central e depois, a América do Sul, na Região Andina.
O mesmo autor descreve o percurso dessa migração para a Amazônia.
Algumas dessas levas de migrantes asiáticos, ou seus descendentes acabaram chegando ao vale do Rio Amazonas. É provável que essas primeiras levas de migrantes tenham cruzado a grande floresta por volta de 15.000 anos atrás, dando início à colonização da Amazônia (p. 17).
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Esse processo histórico, inicialmente, gerou na Amazônia, uma sociedade de caçadores e
coletores, que estabeleceram uma variada rede de sociedades de subsistência sustentadas por
economias especializadas em pesca e caça intensivas e também em substâncias extraídas das
plantas da floresta tropical com o fim de controlar algumas doenças. Em busca de animais para
caçar e pescar, e das plantas para desenvolver a cura, eles permaneciam pouco tempo no mesmo
local, caracterizando-se como nômades. Depois, de forma lenta, transitam para o desenvolvimento
da agricultura que lhes dá nova estrutura societária, o agrupamento em aldeias ou vilas,
densamente povoadas, com uma cultura adaptada à floresta tropical caracterizando-se, então, ao
modo de sociedades sedentárias, isto porque, mantinham-se fixas numa área mais ou menos
delimitada que se estendia por muitas milhas.
Darcy Ribeiro, em “O Povo Brasileiro” destaca e dá amplitude a essa questão, quando diz:
Toda a área era ocupada, originalmente, por tribos indígenas de adaptação especializada à floresta tropical. A maioria delas dominava as técnicas da lavoura praticadas pelos grupos Tupi do litoral atlântico, com que se depararam os descobridores. (...) Eram, todavia, sociedades de nível tribal, classificáveis como aldeias agrícolas indiferenciadas, porque não chegaram desenvolver núcleos urbanos, nem se estratificaram em classes, já que todos estavam sujeitos às tarefas de produção alimentar, nem tinham corpos diferenciados de militares e de comerciantes. Ensejavam, porém condições de convívio social amplo e de domínio de extensas áreas. Os cronistas, que documentaram aqueles aldeamentos após os primeiros contatos com a civilização, ressaltaram o vulto das populações, que se contavam por milhares em cada aldeia, a fartura alimentar e a alegria de viver que gozavam. (...) (2001, p.309).
Embora com identidade singular, em relação à maioria dos aspectos culturais, no tocante à
agricultura as comunidades praticavam técnicas indiferenciadas. As aldeias se caracterizavam
agrícolas e, isso não permitia que os núcleos urbanos se efetivassem. Eram as tarefas da
agricultura que tornavam as tribos classificáveis. No entanto, todo esse legado do passado, com o
tempo, passa a se diluir. É a chegada dos invasores europeus o marco e o divisor de águas de
uma nova história, que decreta o início da devastação, da destruição e da morte, eventos que se
desenrolam por muitos séculos.
Um novo tempo ...
Com a conquista e a colonização abre-se um tempo novo para a Amazônia: “...o encontro de
sociedades do Antigo e do Novo Mundo” (...) (Cunha, 1992, p. 12).
O Antigo porque se apresenta com o perfil civilizatório europeu monopolizador, fundado no
modelo de estruturação societária com divisão social entre classes; o Novo porque se apresenta ao
Velho como gente nova, diferente; povo novo com hábitos, culturas e estrutura societária singular.
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Esse encontro exacerba o distanciamento social entre esses dois mundos, e é nesse
encontro que se agravam as diferenças. A partir daí, a Amazônia toma outra face e se transforma
completamente. Como se pronuncia Darcy Ribeiro, “acontece uma verdadeira colisão cultural,
racial e social”, quando prevalece a supremacia cultural do europeu. Desencadeia-se o eixo de
superioridade/inferioridade que marcou o devir da história da colonização da Amazônia e das
relações entre colonizadores e índios.
Os europeus por não conseguirem apreender a originalidade das diferenças entre a cultura
européia e a cultura aqui encontrada, fizeram com que emergisse o fator de desigualdade,
marcado pela conquista e colonização. Povos e povos indígenas desapareceram e os
remanescentes passaram a sofrer “...um processo de transfiguração étnica se convertendo em
índios genéricos, sem língua nem cultura própria e sem identidade cultural específica” (Ribeiro,
2001, p.319), resultando uma fusão de culturas entre as gerações que se seguiram, ao fim do
colonialismo, e essas populações primeiras pagam um tributo muito alto ainda hoje.
É isso que inaugura uma nova realidade e que coloca à prova a colonização da Amazônia. O
que na verdade ocorreu foi a tomada da região de forma discriminada, inventando-se uma outra
Amazônia.
Nesse sentido, reportamo-nos à professora Neide Gondim que
Contrariamente ao que se possa supor, a Amazônia não foi descoberta, sequer foi construída; na realidade a invenção da Amazônia se dá a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-romana, pelo relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes (1994, p 9).
A história oficial registra a colonização como o início de um processo de formação social. No
entanto, a leitura que a autora faz desse evento é fruto da influência da visão européia sobre uma
realidade imaginária e mitológica, associada à natureza variada que, de certa forma, ao mesmo
tempo em que encantava com suas maravilhas, assustava com suas monstruosidades animais e
corporais.
O homem medieval, de visão prática, que chegou à região, sofre um impacto com o meio
físico e com a população nativa. Esse primeiro contato fez com que o índio não visse no invasor
uma ameaça. A sua visão mítica do mundo, convivência solidária e, até uma certa inocência e
confiança o faz ver o europeu como pessoa dadivosa e do bem. No entanto, aquela gente prática,
na convivência com o gentio, provoca neste o assombro, promove o flagelo, o despojo e o
cativeiro. Muitas dessas ações até em nome de Deus, em forma de atividades missionárias. Outras
representando autoridade, mesmo, de mando.
A vontade mais veemente daqueles heróis d’além-mar era exercer-se sobre aquela gente vivente como seus duros senhores. Sua vocação era a de autoridades de mando
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e cutelo sobre os bichos e matos e gentes, nas imensidades de terras que iam se apropriando em nome de Deus e da Lei (Ribeiro, 2001, p. 49).
Esse processo produz a deculturação e a despersonalização desses povos amazônicos. A
imposição cultural do europeu identifica a invenção da Amazônia, uma invenção confundida com
exploração - eixo de superioridade/inferioridade - pautada na prática da devastação do ambiente e
na destribalização e instauração do escravismo. Os recém-chegados apropriam-se do espaço
geográfico e eles mesmos “(...). Negaram ao índio o direito de ser índio” (...). E com o seqüestro da
alteridade do índio, ficou seqüestrada também a Amazônia (Souza, 2001, p. 38).
Além disso, “os heróis d’além-mar” exploraram as riquezas da terra, sobretudo, as minerais,
para proporcionar o maior lucro para as suas metrópoles e, um pouco mais tarde, passam a
explorar as “drogas do sertão” para abastecer o mercado europeu, uma vez que o ouro não lhes
deu o resultado que esperavam.
O processo de conquista é determinante na formação social da região amazônica porque
reunia, então, objetivos materiais – ouro, drogas, madeira, símbolos da ganância e da ambição
branca - mascarados de doutrinação religiosa e de poder de convencimento.
O índio não se manteve indiferente a esses interesses do invasor, lutou com bravura,
utilizando-se de técnicas de manuseio de armas como arco e flecha e mesmo os venenos e as
armadilhas, numa demonstração de defensor do seu território. Um outro aspecto explorado pelo
índio, e a seu favor, foi o conhecimento imensurável sobre o ambiente em que vivia. Isso comprova
que as informações da composição científica da região eram e se mantêm suas grandes aliadas.
No entanto, o índio também se prestou ao papel servil como mão-de-obra explorada,
apontando rumos e rotas na floresta e nas composições hídricas da mata, para o povo europeu.
Mostravam onde podiam os brancos encontrar as riquezas que procuravam, além de lavrar a terra,
produziam alimentos para o invasor.
A composição da sociedade da Amazônia, a partir da conquista e da colonização se mesclava
com a presença dos espanhóis, ingleses, franceses, holandeses e portugueses, que implantavam
seus modelos de colonização. Desses povos, alguns grupos vinham com objetivos específicos: os
missionários para evangelizar e catequizar os índios – como é o caso dos espanhóis; os militares
para “guarnecer” as fronteiras e os bens naturais. Os cientistas, cronistas e historiadores
aportavam na Amazônia, interessados em registrar o potencial mineral e vegetal do ambiente,
numa tentativa de expressar a região. Utilizavam-se de recursos da literatura, e da retórica
salvacionista e reducionista que denotam conformismo e mistificação de um importante passo da
evolução humana, mas ao mesmo tempo representativa da mais explícita exploração do homem.
Os políticos, por sua vez, vinham para a apropriação e dominação do espaço.
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O espírito simulador e o poder discursivo identificavam o europeu e os serviam como armas
de manobra. A arrogância extrapolou alguns limites da oratória, a ponto de fazer aparecerem os
termos - índio/indígena - na literatura e em dicionários, marcando essa página na história.
Os aborígenes da América, a partir de então, ficam reconhecidos no mundo pelo referencial
“índios”. A expressão é usada para distingui-los dos outros povos e assim está dicionarizada: “índio
(adj + sm) - Aborígene da América”.16
Esse conjunto de povos constituía a Amazônia de modo particular. Os espanhóis buscavam
basicamente metais preciosos e desejavam enriquecer rapidamente. Como dizia Hernán Cortez,
citado por Souza (p. 68) “eu vim para pegar o ouro, não para tratar a terra como um camponês”.
Desse modo, somente os missionários dedicados à conquista espiritual persistiram na região.
Os holandeses só tinham interesse em ocupar as fazendas usadas pelos ingleses e explorar
os produtos tropicais. Já, os franceses, de forma organizada, contribuem para o surgimento da
Guiana Francesa, onde implantaram um sistema colonial, próprio, singularizado, numa repetição do
sistema feudal – baseado no senhorio e na relação social identificada pela vassalagem.
Ao mesmo tempo, os ingleses instalavam grandes fazendas, legado deixado para os povos
da Holanda.
A colonização portuguesa, conforme Souza (2001), politicamente vai de 1600 a 1823 e se
divide em: de 1600 a 1700, - expulsão dos outros europeus e ocupação colonial; de 1700 a 1755 -
estabelecimento do sistema de missões religiosas e organização política da colônia; de 1757 a
1798 - criação do sistema de diretorias de índios e esforço para alcançar o avanço do capitalismo
internacional; de 1800 a 1823 - crise e estagnação do sistema colonial.
E é assim que realmente começa a história escrita desse Mundo Novo – A Amazônia
inventada pelos europeus. Sim, inventada pelos europeus, uma vez já estava construída, há um
longo tempo pelos povos amazônicos. Essa região já possuía a sua história – história oral
veiculada no mundo através de seus mitos e de suas lendas, contada pelos viajantes,
comerciantes e missionários como o El Dorado no seio da floresta, rica e cheia de tesouros.
Conhecer e analisar a história social da Amazônia sem introduzir o período que antecedeu a
chegada dos europeus torna-se um desrespeito àquelas populações que já povoavam a região e
que vinham, milenarmente, construindo a sua história social. A perpetuação dessa história através
de mitos e de lendas é uma comprovação de que (...) “os povos indígenas atuais ainda guardam
como forma de não esquecer esse passado que se perdeu na voragem da conquista” (Souza, 26).
Não esquecer esse passado pode-se interpretá-lo num sentido de sobrevivência, estímulo e
até resistência para manter viva a sua cultura e, também, como forma de eliminação de causas de
sofrimento, de constrangimento e, sobretudo da exclusão social a que foram submetidos.
16 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa/São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998. p. 1148
(Dicionário Michaelis).
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Historicamente, podemos afirmar que a sociedade relegou os índios à marginalidade sem lhes dar
o “direito de ser índio” e, o que é pior, procurou reinterpretar o que se definia como espaço e
homens amazônicos.
São esses eventos históricos, enfim, que tornam a Amazônia, surpreendentemente complexa
e, sobretudo, senhora de um perfil civilizatório europeu miscigenado com a sociedade aqui
encontrada.
“Povo Novo”
A matriz étnica da região amazônica tem sua base na família indígena, que diversa, se
espalhava em grupos independentes. Porém é o tronco Tupi essencialmente o mais importante na
formação de novas unidades étnicas.
A formação neobrasileira é resultado do cruzamento de mulheres da terra com o homem
português, resultando no mestiço. Essa mestiçagem foi estimulada, oficialmente, gerando um tipo
racial mais índio que branco. A característica nativa era geneticamente mais expressiva,
identificando um povo novo, uma nova raça, que se multiplicava, porém fruto de uma invasão
européia, que chegou aqui na região não só para o acasalamento, mas e, principalmente, para a
exploração e para a obtenção de lucros. Uma exploração múltipla, que se desenhou ao longo da
história, atingindo a sociedade nativa material, social e moralmente.
A submissão dos índios pelos brancos se dava de forma monstruosa. Já na chegada, a
branquitude, portadora de pestes mortais, sobrevivente da escravidão e de guerras, produzia a
mortandade dos índios, fato que Dobyns chamou de “um dos maiores cataclismos biológicos
do mundo” (In Cunha, 1992: p. 13).
Os nativos, ao contrário, tinham vida tranqüila, num mundo dadivoso e numa sociedade
solidária. Embora também guerreassem, suas lutas simbolizavam o heroísmo e um ato de
comunhão com a tribo. Ser possuído, sexualmente, pelo português simbolizava o início da
transfiguração da matriz étnica, da língua e de muitos outros costumes tradicionais.
Ribeiro considera -os
... sem língua nem cultura próprias, e sem identidade cultural específica. A ele se juntaram, mais tarde, grandes massas de mestiços, gestados por brancos e mulheres indígenas, que também não sendo índios nem chegando a serem europeus, e falando tupi, se dissolveram na condição de caboclo (2001, p. 319).
O homem caboclo tem em João Ramalho a sua representatividade, pois o cruzamento dele
com uma mulher indígena resultou um filho-caboclo. E a partir daí estabeleceram-se “criatórios de
gente mestiça”. A tomada de uma índia como esposa marca o processo de gestação étnica
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conhecido por cunhadismo, uma instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro,
velho hábito dos índios de incorporar estranhos à comunidade. Embora o exemplo de relação
étnica não tenha se iniciado na Amazônia, o cunhadismo também foi comum na região.
O autor acentua que o caboclo é resultante da mestiçagem de brancos com índias
amazônicas, isso o permitiu reconhecer a Amazônia como um dos cinco brasis – o Brasil Caboclo.
Com essas palavras, resta-nos afirmar: o povo amazônico é um povo de contrastes, de
desafios e tentativas de fusão de povos numa única sociedade, e, talvez, seja por isso, que seja
considerado um dos povos mais interessantes, étnica e culturalmente.
Considerações Finais
O passado é um pano de fundo para conhecer e compreender a realidade amazônica e,
poder perceber a composição social de um espaço geográfico, marcado pelas invasões e
conquistas de outros povos e culturas, principalmente os europeus.
O legado indígena passa a se diluir com esse entrechoque das duas entidades, que
complexamente diferentes, enfrentaram desafios cruciais no decorrer de cerca de 250 anos. O
europeu sentiu-se desafiado ao ter que, além de se adaptar, conquistar e explorar uma massa
humana resistente e feroz – quando ameaçada – num mundo misterioso e adverso ao seu. Ao
índio, o desafio maior era defender o seu patrimônio da ambição incomensurável de gentes
desconhecidas.
Esse encontro representa também um divisor de águas de uma nova história, que acentua as
desigualdades. Não dá para negar, porém, a riqueza substancial para a identificação de uma
sociedade herdeira da miscigenação de povos e culturas.
Por outro lado, e não com menos substância, registra-se o desrespeito no relacionamento
dessas duas culturas, principalmente pelo “branco civilizado”. Desrespeito acentuado pelas
cronistas-viajantes e, posteriormente, pela historiografia oficial. Esses, representantes iberos,
mascaravam a verdadeira história do “homem natural”, na tentativa de descolorir e desvalorizar o
fluido mitológico que vitalizava e ainda vitaliza uma sociedade extraordinariamente marcada pela
riqueza do seu imaginário.
Referências bibliográficas
CUNHA, Manuela C. (Org.) História dos índios no Brasil. – São Paulo: Companhia das Letras:
Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992.
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GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. – São Paulo: Marco Zero, 1994.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SAMPAIO, W. & SILVA, V. L. Os povos indígenas de Rondônia: contribuições para a compreensão de sua cultura e de sua história. 2. ed. Porto Velho-RO: Editora da UNIR, 1997.
SOUZA, Márcio. Breve História da Amazônia. – 2.ed., revista e ampliada. – Rio de janeiro: Agir, 2001.
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POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS E AS VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO VITRINES DA MODERNIDADE NO
PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIAAMAZÔNIA
Benedita NascimentoBenedita NascimentoBenedita NascimentoBenedita Nascimento RESUMO: O presente artigo apresenta um ensaio sobre a lógica que opera o contexto das relações entre as Populações Tradicionais e as questões inerentes ao desenvolvimento, fazendo um recorte pelos conceitos de desenvolvimento sustentável e modernidade, compondo um diálogo sobre os impactos e os dilemas das contradições que marcam a veia do progresso e os rumos da Amazônia na dimensão da sustentabilidade. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento, Desenvolvimento Sustentável, Modernidade, Populações Tradicionais. ABSTRACT: The present article introduces an essay about the logic that controls the context of terms between the Traditional Populations and the development's questions, passing by concepts of supportable development and modernity, writing a dialog about the impacts and the dilemma of contradictions that mark the progress and the ways of amazon in the size of supportability. KEYWORD: Development, Supportable Development, Modernity, Traditional Populations
Nossas inquietações são tantas quando tratamos de culturas, populações tradicionais,
florestas, recursos naturais, desenvolvimento, sustentabilidade, modernidade e globalização..., que
o exercício do diálogo entre o conhecimento teórico e as experiências de vida se recolhem para
além das nossas visões de mundo. Deixando-nos perecer por alguns momentos, sob uma enorme
fadiga entre a razão e a sensibilidade.
Perguntamo-nos, se acaso fossemos montar um jogo de desafios entre os pares - as
terminologias -, por onde começaríamos, quais dessas palavras eliminaríamos, por onde as
relacionaríamos umas quais outras, ou as deixaríamos inertes ao seu fluxo convencional definido
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pelo movimento do tempo e do espaço, e porque não dizer da história ou simplesmente analisá-las
sob a luz da leitura representada pela semiótica?
Ao depararmo-nos com tais inquietações, surgem mais e mais questionamentos, e cada vez
que as reflexões são atraídas pelo universo da razão, navegando tanto pela subjetividade, quanto
pelo imaginário filosófico e científico, mais conflitante se torna a escolha do caminho que se deve
seguir para iniciar o jogo. Ou seja, o fio delineador que faz o contorno das regras para montar o
jogo dos desafios colocados no atual contexto, se rompem em meio a tantos ensaios conceituais
que se integram e constituem a forma estrutural do universo real da palavra no seu mais intenso
sentido de ser. Será isso uma dialética do conhecimento?
Aí então, o que fazer? Seria possível dez - construir todas as teorias impostas no universo de
cada palavra? Ou iniciar o jogo colocando em cheque o conjunto de argumentos sustentados pela
epstemologia do conhecimento? ou nesse vai e vem do trem, poderíamos deixar tudo por conta da
chamada hermenêutica?
Recordando as sábia palavras de um grande companheiro, de origem extrativista, seringueiro,
o Zé Maria17, dizia ele reafirmando os ditos populares: “quem não pode com o pote, não segura na
rodilha...” ou então, “Nunca deixe de apreciar as pequenas coisa que estão a sua volta”.
Na realidade, como estamos falando de um “jogo de desafios”, é imprescindível que este,
seja recheado de indagações ou de questionamentos. O fato é que cada uma pode gerar outras
tantas indagações ou provocações, mas nem por isso, o torna impossível de ser jogado, ao
contrário, a primeira perspectiva colocada aqui, ou identificada é que esse jogo é muito desafiador,
por isso, torna-se mais interessante.
No entanto, é preciso compreender que nem sempre as regras estabelecidas ou os caminhos
definidos, são os que necessariamente deverão ser seguidos.
Portanto, ao lembrar das palavras sábias do Zé, talvez e de fato sozinha, não consiga
carregar o pote, mas ao considerar as “pequenas coisa” no universo do saber coletivo e da vida em
constante acenos para as descobertas, num movimento sinérgico, possamos colaborar com a
construção de novas veias do conhecimento que nos anime, ou nos leve, se não a responder as
nossas indagações, mas sobretudo, a compreende-las de tal maneira que seja possível
transformar, construir e produzir novos conhecimentos nesse tão famigerado contexto de conflitos
e contradições.
Ao iniciar essa jogada, fiz-me compreender que nenhuma das questões ou das indagações
colocadas a cima seria especificamente a trilha por onde seguiria para explorar o meu objeto de
análise, ou melhor dizendo, por onde iniciaria o diálogo entre as palavras e as indagações aqui
17 Liderança comunitária do Movimento dos Extrativistas, ex-presidente da Organização dos Seringueiros de Rondônia -OSR.
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destacadas e, sim todas elas formarão um conjunto de situações pela qual permanecerão vivas,
merecendo retornar a elas sempre que for necessário.
Por outro lado, diria, que nesse “jogo de desafios” que envolve esses temas geradores e tão
complexos, não importa por onde começar, mas sobretudo, devemos nos remeter a lógica que
opera cada um num determinado contexto, numa determinada sociedade.
Assim, ao retomar a discussão inicial, invoquei três conceitos inerentes ao tema abordado
que seria de grande importância para trabalhar inicialmente, sendo eles: “desenvolvimento”,
“modernidade e populações tradicionais”. Tudo isso, para ter mais claro a lógica que opera no
universo das relações entre população, desenvolvimento e qualidade de vida e os desafios
colocados na sociedade amazônica para enfrentar as façanhas, os encantos e desencantos da
modernidade no encalço do desenvolvimento.
Esclarecendo que, tal iniciativa, de tímida abordagem será a priori para compor um ensaio
sobre as Populações Tradicionais e as questões inerentes ao desenvolvimento, devendo portanto,
reconhecer que o recorte tratado como objeto de estudo neste artigo, será construído também
numa conformação das experiências apreendidas nas relações sociais compartilhadas com as
populações extrativistas e indígenas na época que atuei no Fórum das ONGS de Rondônia(1999 a
2001), como secretária executiva, na qual me orgulho da oportunidade que me foi concedida, pois,
pude vivenciar e experimentar um pouco do cotidiano que abrigava o cenário de vida dessas
populações.
Desembrulhando os conceitos de Desenvolvimento X Desenvolvimento Sustentável X
Modernidade X Populações Tradicionais
Inicialmente, quando se falava em desenvolvimento, logo se fazia relação com algo positivo,
coisas muito boas que aconteceria na vida dos habitantes de um determinado lugar, de uma
determinada cidade ou região. Também, fazíamos referência ao crescimento econômico
correspondente ao progresso, que enfim, estava chegando para nós Brasileiros, nós povo
Amazônidas, nós Rondoniense.
De certo modo, foi e tem sido essa “ilusão de mundo desenvolvido” que ainda reside no
imaginário do povo amazônico, não somente pelas nossas características regionais ou culturais,
mas principalmente porque a todo momento nossas vidas são invadidas pelos variados sistemas
de informações que sustentam essa idéia de desenvolvimento e progresso.
E nesse movimento dinâmico, obviamente, Rondônia é uma boa peça de estudo tanto para a
abordagem do conceito de “desenvolvimento”, como para os dilemas das contradições que
marcam a sua história e o seu desenvolvimento em épocas e contextos diferentes. Não só por está
na Amazônia, mas sobremaneira, por ter sido um dos poucos Estados na região, que mais sofreu
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com as receitas de desenvolvimento implantada pelos Governos Federal e Estadual nas últimas
décadas.
Rondônia, me parece ser então, um caso típico, que permite qualquer um realizar estudos
sobre conceitos de desenvolvimento. Pois, nele a meu ver, está estruturado os princípios básicos
de desenvolvimento sob a ótica relacional do progresso e do crescimento econômico.
Passaram-se os anos, mas precisamente na década de 80/90 e voltamos a falar novamente
de desenvolvimento, agora, agregando ao termo não só uma nova terminologia, mas
principalmente a introdução de novos conceitos que pudessem atender ou conformar uma nova
realidade que se colocava diante das dimensões e da lógica de mercado e das demandas sociais e
ambientais expressivas e fecundas no chamado processo de “Desenvolvimento Sustentável”.
Assim, nos últimos anos, os debates sobre as relações entre meio ambiente, qualidade de
vida e desenvolvimento resultaram no surgimento do conceito de Desenvolvimento Sustentável. De
acordo com o Relatório Brundtland, “em seu sentido mais amplo, a estratégia de Desenvolvimento
Sustentável visa promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza”
(Brundtland 1998).
Em termos gerais, o conceito de Desenvolvimento Sustentável “exige que o crescimento
econômico seja orientado pelas necessidades das populações humanas, especialmente as mais
pobres, sem prejudicar a capacidade de auto renovação da natureza.” (MILLIKAN, 1997.)
Na busca pela aproximação dos conceitos e das realidades, “Desenvolvimento Sustentável
tem como objetivo básico assegurar condições dignas de vida para as gerações atuais,
combatendo desigualdades sócio - econômicas existentes e respeitando a diversidade cultural,
baseado em padrões de produção e consumo que mantêm os estoques de recursos naturais e a
qualidade ambiental, de forma a permitir que gerações futuras possam ter um padrão de qualidade
de vida igual ou superior à nossa.” (BRUNDTLAND,1998)
Numa rápida composição de conceitos sobre Desenvolvimento Sustentável, vale ressaltar,
algumas características inovadoras, uma delas é a visão “holística” que o conceito trás na medida
que integra simultaneamente preocupações sociais, econômicas, ambientais e culturais, além do
combate à pobreza, como meta estabelecida para o enfrentamento das desigualdades sociais.
Uma outra teoria que desponta no universo acadêmico sobre Desenvolvimento e
Sustentabilidade é a teoria do eco- desenvolvimento que vem sendo trabalhada por Ignacy Sachs.
De acordo com Sachs18, “a conservação da biodivecidade é condição necessária do
desenvolvimento sustentável... e, reciprocamente, o eco desenvolvimento professa um caminho
apropriado de conservação da biodivecidade, provavelmente o mais apropriado, ao assumir a
harmonização dos objetivos sociais e ecológicos”.
18
Sachs. Ignacy, Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável, Garamund, 2000.
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Ainda, segundo Sachs o termo sustentabilidade muitas das vezes é utilizado para expressar
somente a sustentabilidade ambiental, no entanto, este conceito tem diversas dimensões, no
sentido amplo da questão, quando afirma que “a sustentabilidade social vem na frente, por se
destacar como a própria finalidade do desenvolvimento, sem contar com a probabilidade de que
um colapso social ocorra antes da catástrofe ambiental.”
Como nossa intenção é de estabelecer apenas os conceitos básicos de Desenvolvimento
Sustentável que vem orientando as políticas de desenvolvimento para a Amazônia e para o mundo,
cabe por fim, afirmar que o debate a cerca desse conceito, a nosso ver, está em processo de
construção, e que portanto ainda será alvo de muitos conflitos teóricos.
Outros dois temas que exigem uma absorção teórica na dimensão que trata as questões
inerentes ao desenvolvimento e seus impactos na sociedade contemporânea é a abordagem dos
conceitos de “Modernidade e Populações Tradicionais”. Esse último, inclusive acolhe muitas
preocupações ou indagações que se mantêm numa linha tênue, quando a discussão revolve a
fronteira das inovações tecnológicas em relação ao homem e a mulher da floresta.
O que podemos construir ou desconstruir dessa relação complexa e intensa entre as culturas
tradicionais e a modernidade? Primeiramente, ao se tratar de Populações Tradicionais pelo menos
na Amazônia, é importante perceber que estamos tratando de um vasto universo constituído por
uma diversidade cultural e ambiental, de vários povos, de costumes variados e com várias formas
de viver na Amazônia.
Mas o debate sobre essas populações, é marcado principalmente pelo seu modo de vida,
nesse sentido procuramos fazer um destaque sobre a cultura amazônica, trabalhado por Loureiro.
De acordo com Loureiro19 “a cultura amazônica” é analisada, sob a ótica da esteticidade
dominante, sendo entendida como “função essencial ao homem, vetor de identidade numa
sociedade dispersa”. Mais adiante Loureiro destaca que a “cultura amazônica tem sua origem e
está influenciada pela cultura do caboclo...” (1995:30 ).
Esse breve enfoque sobre Culturas Amazônicas, corresponde e pode ajudar na construção
do conceito sobre Populações Tradicionais, que segundo o Professor Dr. Josué da C. Silva e
Theófilo A. de S. Filho, no livro “Nos Banzeiros dos Rios”, a atribuição ao sentido do termo
populações tradicionais, se da:
“levando em consideração o modo de vida, as formas de produção, as técnicas artesanais
utilizadas em sua estratégia de sobrevivência. Assim, no conjunto de populações tradicionais,
temos o pequeno produtor agrícola que utiliza a mão-de-obra familiar, pescadores que utilizam
artefatos artesanais, coletores de produtos da mata como os seringueiros, os coletores de açaí,
abacaba, patoá, castanha-do-brasil, ervas medicinais, óleos; os mateiros, as populações indígenas,
19
Loureiro, João de Jesus Paes, Cultura Amazônica: uma poética do imaginário, Belém: Cejup, 1995.
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os que organizam seu modo de vida, segundo os movimentos das cheias e vazantes do rio como
os ribeirinhos que vivem às margens dos igarapés, paranas, rios. Cada uma dessas categorias
possui sua própria forma de se organizar e produzir o espaço”.
Assim, nesse universo complexo que introduz uma relação entre homem e natureza,
envolvendo mitos, valores, culturas e religiões, os apontamentos sobre as contradições e os
dilemas entre populações tradicionais, modernidade e desenvolvimento aparecem na própria
estruturação de cada conceito. Embora há quem diga que o conceito de modernidade está ainda
em construção , como veremos mais adiante.
Na verdade, o conceito de modernidade está em plena elaboração. Para Antony Giddens (As
conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991): Modernidade
refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.
De acordo o Professor Cristovão Buarque20, ele diz que o termo moderno, antes de definir
características tecnológica, socioeconômica e cultural dos tempos atuais, tem um significado mais
antigo, como predicado de tempo. Origina-se etimologicamente do latim hodiernus, que significa
“recente, dos nossos dias, atual...” Nesse sentido, as sociedades estariam condenadas a caminhar,
cronologicamente, para a modernidade, tanto quanto para o futuro. Algumas podem fazer este
caminho cronológico sem grandes ou mesmo sem nenhuma transformação.
Outra abordagem sobre modernidade, segundo Spósito, que no livro (A vida nas Cidades.
São Paulo: Contexto, 1994,p.67), apresenta uma conceituação extraída da Obra de Marshall
Berman (Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.):
“ A modernidade é um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje (...). A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras, geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e de ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia.”.
Ainda nessa odisséia teórica sobre modernidade, Santos, apresenta a teoria crítica de
(HORKHEIMER, 1976; HABERMAS, 1987 E 1992; GEUSS, 1988; GIDDENS, 1991) sobre a
modernidade, onde aponta “para o fato de que a modernidade se pauta por uma lógica subjetivista,
que através do modo capitalista de produção implementa formas privativistas de acesso aos
recursos redundando em um processo de exclusão social.”
20 BUARQUE, C. O Colapso da Modernidade Brasileira e uma proposta alternativa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991.
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Para Giddens, temos que dar conta do extremo dinamismo e do escopo globalizante das
instituições modernas e explicar a natureza de sua descontinuidade em relação às culturas
tradicionais..., e segue dizendo que:
“O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua
recombinação em formas que permitem o zoneamento tempo-espacial preciso da vida social; do
desencaixe dos sistemas sociais(um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na
separação tempo-espaço); e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das
contínuas entradas de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos” (Giddens, ibid.)
A complexidade do que se constata sobre a modernidade, são principalmente os impasses
que ela nos colocou por conta da lógica instrumental que é imperativa dentro do projeto de
modernidade estabelecido para as sociedades, como um modelo único de desenvolvimento,
desconsiderando outras realidades e a diversidade cultural.
Nessa composição teórica, talvez se consiga diminuir o campo das inquietações, entretanto,
tem sido essa lógica instrumental que despreza as relações socais na sua forma mais intensa de
ser e descaracteriza todo e qualquer tipo ou modo de vida diferente, que não esteja “enquadrado”
dentro do projeto de modernidade estabelecido na sociedade.
Dessa forma, em que pese a inclusão de novos paradigmas no campo das ciências para
análises e estudos sobre “sustentabilidade e desenvolvimento”, os rumos da Amazônia e de suas
comunidades: povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores, populações negras,
agricultores, homens, mulheres, crianças, jovens e adolescentes continuam sendo compartilhados
por um futuro incerto, ou melhor, pelas incertezas de um “progresso” que assume imagens de
exclusão e expropriação da diversidade da vida na floresta, nos campos e nas cidades.Pois na
vitrine da modernidade as manchas das contradições entre desenvolvimento, meio ambiente e
população se chocam perante a natureza e a cultura de um povo, quando a realidade de vida é
marcada e refletida pela sombra da arquitetura do “progresso” que desmonta os modos, os hábitos,
a vida , a história e os sonhos daqueles que ainda sobrevivem das raízes e dos maneirismo
amazônicos.
Bibliografia
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AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO AMAZÔNIA: EXPANSÃO DO CAPITALISMOCAPITALISMOCAPITALISMOCAPITALISMO OOOOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS S ÓRGÃOS PÚBLICOS E AS
POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIAVALORIZAÇÃO DA AMAZÔNIA
Maurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da SilvaMaurílio Galvão da Silva
RESUMO: O presente trabalho é baseado na obra Amazônia: Expansão do Capitalismo, de Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller, editado em 1977 pela Editora Brasiliense, na qual os autores enfocam o devassamento do mundo amazônico, a partir da década de 70 do século passado, impulsionado pela expansão capitalista, no tocante à penetração territorial, propriedade de terras, minas e florestas, organização econômica e política da área. ABSTRACT: The present work is based on the Amazonian work: Expansion of the Capitalism, of Fernando Henrique Cardoso and Geraldo Müller, edited in 1977 by Publisher Brasiliense, in the which the authors focus the devassamento of the amazon world, starting from the decade of 70 of last century, impelled by the capitalist expansion, concerning the territorial penetration, property of lands, mines and forests, economical and political organization of the area.
Introdução
O espaço amazônico foi atingido pelo afã do progresso, a busca de integração nacional e o
crescimento econômico. È o começo de sua incorporação ao processo geral da expansão
capitalista no Brasil.
A região guarda as características de frente pioneira e incorpora, em sua expansão, as mais
variadas formas sociais de produção que abarcam, num leque, desde formas compulsórias de
trabalho até relações puramente assalariadas, uma vez que a expansão capitalista não se efetiva
de modo homogêneo e retilíneo.
A penetração geográfica na Amazônia e a história da região devem ser vistas portanto em
relação com o processo, em função da forma, ritmo e volume da acumulação ocorrida nas demais
regiões brasileiras. O capital nada mais é do que uma relação social, a expansão do capitalismo na
Amazônia depende da forma concreta que aquela relação social assume. Para sua análise são
relevantes tanto o pioneirismo típico da Amazônia, como o contexto político em que ocorre a
ocupação da área.
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A visão clássica das funções do Estado
Segundo Filellini (1990), a visão clássica sobre as funções do Estado foi formada a partir das
experiências vividas na transição da sociedade feudal para a sociedade comercial-industrial. Na
era medieval, a organização social era essencialmente estática. As mudanças institucionais
ocorriam de forma imperceptivelmente lentas e os comportamentos pessoais ajustavam-se
adequadamente entre si. Cada indivíduo dispunha de um espaço demarcado pelos costumes e
códigos não escritos. As decisões individuais eram determinadas por um conjunto de obrigações
indeclináveis da família servil para com as classes nobre e eclesiástica e, até certo ponto destas
para com aquela. A sociedade era vista como uma grande família, organizada em bases
hierárquicas e paternalistas.
No âmbito de tais condições estáticas, esse modo de organização social parecia natural, mas
o crescimento do comércio e o surgimento das cidades, entre outros fatores, criaram as pressões
que terminaram por dissolver a sociedade medieval. O camponês que migrava para a cidade
deixava para trás não somente a proteção do proprietário da terra, mas também suas obrigações
para com ele. Relações contratuais passaram a substituir os compromissos vinculados a castas e
direitos hereditários. As escolhas individuais ampliaram-se, dando origem ao conflito de classes.
Como resultado, o conceito político de poder mudou. Os homens não eram mais governados pelos
costumes e uma ordem social estabelecida. O poder do Estado poderia agora ser utilizado para
servir aos interesses daqueles que pudessem submetê-lo. A abertura da sociedade para as forças
dinâmicas do individualismo pavimentou o caminho para a mobilidade social. Isto transmitiu
àqueles que experimentavam a mudanças o profundo receio de que o Governo, que passou a ser
o instrumento do interesse geral, pudesse ser controlado por poucos, em prejuízo da maioria.
Se a disputa da ordem feudal trouxe o risco da convivência com governos efêmeros, contribui
para a formação da consciência de que o rumo da sociedade não era predeterminado. Em um
mundo dinâmico, o Estado iria inevitavelmente desempenhar um papel imposto pelo desejo dos
indivíduos. O problema político decorrente passou a ser o de estruturar os processos de decisão de
forma que pudessem refletir os interesses gerais.
A partir dessa perspectiva, o sistema de mercados, no qual a competição limita o poder
individual de extrair vantagem dos demais, pareceu a forma ideal e oportuna e social. Cada
indivíduo tornava-se livre para perseguir seus próprios objetivos, mas a concretização deles exigia
que suas ações beneficiassem a outros, além de a si mesmo. Gradualmente desenvolveu-se a
ideologia de que a competição estabelecia a soberania do consumidor, constituindo condição
necessária e suficiente para a orientação do uso dos recursos sociais e definição de um padrão
superior de bem-estar social.
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Se o consumidor é soberano, então o bem estar geral exige que os recursos devam ser
aplicados de acordo com suas preferências. Dentro dessa visão, que influência deveria ser
exercida pelo poder público no processo de alocação de recursos?
Para os economistas clássicos, a resposta era óbvia: nenhuma! Suas funções deveriam
limitar-se às de natureza administrativa.
Esta é a questão que passa a ser analisada, neste capítulo e subseqüentes, nos seguintes
níveis de averiguação:
a) quais os critérios e métodos utilizáveis nas comparações entre diferentes perfis
de alocação de recursos?
b) de que forma as economias de mercado operam nessa alocação e em que
condições o resultado final pode ser considerado superior?
Pretende-se demonstrar que as condições requeridas para o desempenho “clássico” são
excessivamente idealizadas e improváveis de serem conseguidas nas sociedades modernas. O
papel do Governo na economia pode, então, ser avaliado em função daquilo que é exigido, em
termos de, políticas, para compensar as falhas dos mecanismos de mercado.
Os órgãos públicos e as políticas de ocupação e valorização da Amazônia.
Retrata o presente tópico a evolução da política governamental em relação à Amazônia no
que diz respeito a sua ocupação e valorização, que criou condições para o capital privado atuar
naquele espaço brasileiro. Enfatizam-se as estruturas jurídico-administrativas dos principais órgãos
e mecanismos estatais; a metodologia que a Superintendência de desenvolvimento da Amazônia –
SUDAM e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, utiliza para disciplinar a
ocupação do solo é analisada resumidamente.
O governo federal apoiado na Constituição da República de 18 de setembro de 1946, artigos
199, cria a política de desenvolvimento e integração da Amazônia, criando o Plano de Valorização
Econômica da Amazônia, onde prevê a aplicação durante 20 anos consecutivos pelo menos 3% da
receita tributária da União, enquanto que os estados e territórios da região e respectivos municípios
3% da receita tributária anualmente, cujos recursos serão aplicados por intermédio do governo
federal.
Por meio da Lei n.º 1.806/53, define-se 12 principais objetivos do referido Plano como segue
resumidamente:
1 – promover o desenvolvimento da produção agrícola, extrativa e mineral;
2 – recuperar e tornar aproveitáveis as áreas inundáveis;
3 – explorar os recursos minerais da região;
4 – favorecer a industrialização de matérias–primas nativas;
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5 – elaborar e executar um plano de transporte e comunicação;
6 – promover o estabelecimento de uma política de energia;
7 - interessar o capital privado na exploração das riquezas regionais.
8 – estabelecer uma política demográfica que compreenda a regeneração física e
social das populações da região;
9 – criar um sistema de crédito bancário regional;
10 – promover pesquisas necessárias à elaboração do plano;
11 – manter um serviço de divulgação econômica e comercial;
12 – orientar a organização administrativa necessária ao controle e execução do
plano.
Para a execução do Plano foi criada Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia
– SPVEA, cujas funções básicas era a elaboração qüinqüenal do Plano e o controle de sua
execução com poderes de coordenação a nível nacional as atividades de todos os órgãos que
atuassem na região amazônica.
Existe uma comissão de Planejamento da Valorização Econômica da Amazônia, presidida
também pelo superintendente da SPVEA, cujas atribuições principais eram:
1 -elaborar os planejamento qüinqüenais que compunham o Plano e
enviá-lo ao presidente da república;
2 – alterar e rever o Plano;
3 – fazer a proposta anual do orçamento geral;
Foi criando também um Fundo de Valorização Econômica da Amazônia, com 5 fontes de
receitas, sendo 3% da renda tributária da União, dos estados, territórios e municípios localizados
na região amazônica; o produto das operações de crédito e de dotação extraordinárias da União,
dos estados, territórios e municípios, assim como das rendas provenientes dos serviços prestados
pelo Plano, os juros dos depósitos bancários e efetuados, com os recursos do Fundo; os saldos
dos balanços anuais do Plano.
Com o advento da Lei n.º 5173/66 houve nova redefinição dos objetivos principais do Plano e
outros fundamentais modificações, sendo menos paternalista, se referindo explicitamente à fixação
de população nas zonas fronteiriças.
A Lei n.º 5173/66 extingue a SPVEA e cria a Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia – SUDAM, com a finalidade de coordenar a ação federal na Amazônia, sendo, dessa
forma, a principal encarregada da elaboração e execução do Plano de valorização.
Estabelecia ainda duas fontes de recursos para financiar seu orçamento: 2% da renda
Tributária da União e 3% da renda tributária dos estados territórios e municípios da Amazônia,
podendo ainda dispor dos recursos do Fundo para Investimentos Privados no desenvolvimento da
Amazônia.
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A Lei n.º 5174/66, cria incentivos fiscais, estabelece que todas as pessoas jurídicas poderiam
descontar do imposto de renda até 75% do valor das obrigações do Banco da Amazônia S.A –
BASA que adquirissem e até 50% do valor do imposto devido para investimento em projetos
agrícolas, pecuários, industriais e de serviços básicos, segundo critérios de prioridades
determinados pela SUDAM.
Em julho de 1970, por meio do Decreto Lei n.º 1110 é criado o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, cujas origens remonta a 1934, quando foi criado o
Serviço de Irrigação, Reflorestamento e Colonização (Decreto n.º 24.467, de 26.6.1934), sendo
que em 1938 pelo Decreto-Lei n.º 3059, de 14.2.1941, surge a Divisão de Terras e Colonização, já
em 1954, pela Lei n.º 2163, de 5 de janeiro e criado o Instituo Nacional de Imigração e
Colonização, a 11 de outubro de 1962, pela Lei delegada n.º 11, em 30.11.1964, pela Lei n.º 4504,
foram criados os Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Instituto Brasileiro de reforma
Agrária.
O INCRA tem como objetivos principais a realização da reforma agrária no Brasil, a promoção
da colonização particular e a execução da colonização oficial e o desenvolvimento no campo.
Várias foram as políticas do governo em prol da colonização, senão vejamos: em 1971,
mediante a aprovação pelo INCRA era aberta à iniciativa privada a implantação de projetos de
colonização; em, 1972 o governo decide abrir ao capital privado o desenvolvimento de projetos
agropecuários de pequeno porte na Amazônia. Inicialmente em Rondônia e Pará, por meio de
concorrência pública. O INCRA estabelece tratamento especial às pessoas já fixadas nas áreas em
questão. É obrigatório a apresentação de ante projeto de viabilidade econômica para um prazo
máximo de cinco anos para implantação, sob pena de perda da propriedade.
O INCRA, a SUDAM, vários outros órgãos públicos e programas especiais atuavam na
Amazônia, dos quais destacamos o Plano de Integração Nacional – PIN (Decreto-Lei n.º 1106/70,
superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA (Decreto-Lei n.º 288/67), companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais _CPRM (Decreto- Lei n.º 764/69), Comitê Coordenador de Estudos
Energéticos da Amazônia (Decreto n.º 63.952/68), Projeto Radar da Amazônia – RADAM, criado
em 1970.
Destacam-se algumas das principais políticas de ocupação do solo e da colonização,
adotadas pelo INCRA e pela SUDAM, tais como: Todos os órgãos de planejamento regional no
Brasil, encontravam-se subordinados ao então Ministério do Interior, que estabelecia referências
básicas de indicadores nacionais de desvios a serem calculados por cada Estado. A SUDAM se
propõe a atuar em praticamente todos os setores necessários ao desenvolvimento equilibrado da
região. Já o INCRA criou um método de trabalho a ser empregado em todos os projetos de
colonização no Brasil, no qual são definidos os setores em que o órgão deve atuar, o que deve ser
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realizado em cada um deles e quais os limites de sua responsabilidade. Essa é a diretriz básica no
que se diz respeito à colonização oficial para propriedades familiares.
Três foram as unidades básicas de trabalho: organização Fundiária, Organização Agrária e
Promoção Agrária, divididas em duas sub-unidades cada uma, que correspondem a doze
programas abrangendo os setores considerados fundamentais à instalação e funcionamento de um
núcleo colonial.
A ação governamental: a colonização
A experiência de colonização dirigida no Brasil remonta há várias décadas. Por outro lado a
colonização privada, de forma esparsa, foi ativa na região. A colonização dirigida aparece, como
um esforço consciente, para ocupar os vazios amazônicos, valorizando as terras, atuando como
alternativas para a “pressão” demográfica.
De 1970 a 1973, foram implantados oito projetos de Colonização Oficial, totalizando 1.028.037
há, e 6596 lotes, em Rondônia, Pará e Amazonas. Já a Colonização particular implantou 9
projetos, totalizando 162.219 há e 2111 lotes rurais e 4.600 lotes urbanos, nos Estados do Pará, e
Mato Grosso.
Os candidatos aos lotes rurais passam por um processo de seleção, preenchendo um
formulário fornecido pelo INCRA, onde consta idade, sexo, idade dos dependentes, força de
trabalho, anos de trabalho e outros itens. Dentre outras exigências (Lei n.º 4504/64), não ser
funcionário público e não possuir imóvel rural.
Ação do governo: incentivos fiscais, emprego e empresa privada
Tomando como modelo a Superintendência de Desenvolvimento do Noroeste – SUDENE, foi
delineado o mecanismo de incentivos fiscais por meio de descontos no impostos de renda.
A idéia de que a iniciativa privada era essencial para a ocupação da Amazônia decorria não
apenas de sua capacidade de reagir a “incentivos pragmáticos” mas também do “espírito
empresarial”.
A privatização parece ter caminhado do bem. O INCRA em 1972 inicia a venda de terras
públicas da Amazônia a capitais privados, sendo postos à venda em Rondônia 500 mil hectares e
250 mil hectares no Pará.
O Programa de aplicação do BASA para o período 1975 – 1979 destinava Cr$ 7.100.000,00
de crédito a programas de complementação a outros pré-investimentos, feitos pela SUDAM e pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus, SUFRAMA que previa para o próximo quinquênio
211,2 bilhões de cruzeiros.
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No período de 1965 a 1973 a SUDAM liberou Cr$ 1.601.590.827,00 de incentivos fiscais dos
quais 50,6% para o setor Agropecuários 41,5% para o Setor Industrial e 7,9% para o Setor de
serviços Básicos.
É discutível o impacto social dos programas. O impacto das fazendas de criação sobre o
número de empregos é sabiamente limitado. Na Amazônia calcula-se que um empregado se ocupe
de 275 cabeças de gado, e o custo de cada novo empregado, é de Cr$ 318.000,00, contra os dos
projetos industriais aprovados pela SUDAM, com custos de investimentos de Cr$ 180.000,00.
Na época da derrubada, para abrir fazendas, ou construir estradas, o emprego é abundante,
após essa fase escasseia-se. Com a implantação de todos os projetos já aprovados criaria 15.000
novos empregos nos anos seguintes, contra 12.450 dos já implantados. Nessa época cerca de
80.000 trabalhadores preparam a terra.
Em 1974, já tinha 498 projetos de colaboração financeira da SUDAM, com financiamento de
Cr$ 7.550.080.180,00, proporcionando 57.967 empregos, numa área de 7.053.648,46 há,
abrigando 5.033.639 cabeças de gado. Os mecanismos de fiscalização da SUDAM e do BASA se
revelaram falhos, devidos a extensão da área dos projetos e a dificuldade nas comunicações.
Ressalta-se que a política de incentivos fiscais significou não apenas o robustecimento da
iniciativa privada na Amazônia, mas também atuou como uma medida ativadora da acumulação
financeira no sul do país.
A ação do governo: a transamazônica e a política rodoviária
A política rodoviária aliada à política de colonização dos incentivos fiscais e dos projetos
industriais, foram os instrumentos que o governo federal dispôs na Amazônia para ocupa-la de
maneira racional e efetiva, caracterizando numa política audaciosa de ocupação da área.
A Transamazônica e a Cuiabá-Santarém representam o que há de mais significativo na
operacionalização do pretendido.
A Belém-Brasília foi o projeto pioneiro de maior impacto na selva amazônica. A decisão de
construir a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém foi motivada por duas razões distintas e
complementares, que são razões estratégicas geopolíticas e o excesso de população pobre no
nordeste.
A Transamazônica não estava contemplada no Plano Nacional de Viação. A idéia original
para a construção dessa obra fundamentou-se no conceito de integração nacional, ligando o
nordeste à Amazônia.
Dessa forma os recursos minerais e naturais da Amazônia teriam uma saída natural pelo
sistema hidroviário em conexão com as vias navegáveis da região. A Transamazônica na visão dos
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homens encarregados da segurança territorial, era parte do conjunto de medidas necessárias para
povoar a região com segurança e sem prejuízo do povo.
O então senador José Ermínio de Morais se opôs abertamente contra a construção das
rodovias juntamente com Juarez Távora, que fez declarações francas, que apoiava a idéia da
Transamazônica para ocupar espaços vazios, por meio de colonização, absorver os excelentes do
nordeste e favorecer a exploração de minérios. Mas, ponderava, a urgência da obra é discutível,
ela não deve ser feita em desmedro de outras estradas mais vitais; as colônias corriam o risco de
não encontrar escoamento para suas produções dadas as distâncias; dever-se-ia começar a
ocupação “a partir da fronteira econômica a leste, mais precisamente entre Araguaia e o
Tocantins”.
Por outro lado o então Ministro do Interior Mário Andreazza, dizia que a obra é irreversível,
assim, a Transamazônica é considerada vital para o desenvolvimento e a segurança nacional. É
uma decisão política , não podendo ficar presa às regras clássicas da análise econômica, segundo
o Ministro dos Transportes da época, Eliseu Rezende
Os batalhões de engenharia de construção e a engenharia civil se uniram na tarefa de
construir a Perimentral Norte, no Cuiabá-Santarém e nos trechos ocidentais da Transamazônicas,
junto à fronteira.
A Transamazônica propriamente dita, ficou como área reservada para o ministério dos
Transportes e para as empreiteiras, dando-se ao INCRA o osso difícil de roer que consistiu em
improvisar uma política de colonização oficial dirigida.
Segundo o filósofo inglês Francis Bacon, que viveu no século XVI, “em matéria de governo,
todo plano é suspeito, ainda que seja para melhor”.
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AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE AS GENTES, OS ESPAÇOS E AS VISÕES DE DESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTODESENVOLVIMENTO
Luiz AntoniLuiz AntoniLuiz AntoniLuiz Antonio da Costa Pereirao da Costa Pereirao da Costa Pereirao da Costa Pereira
RESUMO: Este trabalho procurou sintetizar reunindo de alguma forma alguns fragmentos de compreensão acerca da temática do meio ambiente. O homem parte integrante do sistema ambiental, particularmente aquele homem que está colocado mais próximo e por isso mais atento aos ecossistemas, tem importante contribuição a trazer para o debate de planejamento e meio ambiente. De outra forma seu “habitat”, cultura, organização social e modos de produção, serão afetados por planos e mais planos de desenvolvimento, que podem resultar em benefícios sim, mas de um fracionamento desigual, principalmente aos menos esclarecidos e menos representados nos fóruns decisórios do país. Procuramos coletar da bibliografia, e mais a experiência pessoal, o que de mais representativo no campo das idéias tem sido publicado regularmente, com o intuito de contribuir para discussão do tema que de uma maneira ou de outra nos afeta a todos. Falamos sobre as gentes e sua caminhada no planeta Terra, como é tecida a malha do desenvolvimento a quem atinge e para quem pode servir; a importância do uso racional dos recursos naturais, os resultados do desenvolvimento desigual promovido pelo sistema sócio econômico predominante, e as possibilidades de vir a ocorrer transformações nas sociedades para se atingir níveis aceitáveis de justiça social, representados pelos resultados de melhor distribuição dos recursos econômicos gerados pela humanidade. Acima de tudo procuramos aspirar e desejar como podem melhorar as gentes, os espaços e as visões de desenvolvimento para todos.
PALAVRAS-CHAVES: meio ambiente, homem, planejamento, cultura, desenvolvimento, sócio- econômico.
ABSTRACT: This essay is reuniting comprehension fragments about the environment theme. The man, part of the environment system, particularly the man who is closer and aware to the environment debate. In other words, his habitat, culture, social organization and means of production, are going to be affected for many development plans, which can result in benefits, but just for the well-represented in this country’s forums. We have tried to collect from bibliography, and from personal experience, the more important things on the field of ideas, with the purpose to contribute for this essay discussion, wich no matter what affects us. We have been talking about people and their life in Earth, how the development contributes and who it can contribute, the importance of the rational use of natural resources, the results of the unequal development promoted by the social-economical system, and the possibilities of transformations in society resulting in acceptable levels of social justice represented by the results of better distribution of economical resources made by humanity. On top of that we are looking for the enhacement of people, the spaces and visions of development for all.
KEY WORDS: Environment, Man, Planning, Culture, Development, Social-Economical
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Mai.-N°30, Vol. IX, 2005.
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‘Na visão primitiva, a terra não é algo que pode ser dividido em partes e vendida como lotes. A terra não é uma parte do espaço existindo dentro de um sistema maior. Pelo contrário, ela é vista em termos de relações sociais. As pessoas, como uma parte da natureza, estão intimamente ligadas à terra. (...) Não é privativamente dividida nem possuída. Além disto, ela é viva como os espíritos e a história das pessoas, e os lugares sobre ela
são sagrados.’ (Robert Sack)
Introdução
Geralmente com importância secundária nas planilhas estatísticas oficiais e sem muita
significância para os investidores empresariais, grupamentos humanos formando comunidades
tradicionais, sofrem certo isolamento e preconceito por parte daqueles idealizadores do
planejamento racionalizado. Sem compreender as formas culturais de expressão desses povos,
sua organização social e modos de produção, os ditos planejadores modelam intervenções a título
de desenvolvimento regional que na maioria das vezes tem agravado sua situação social.
Em nome do regime sócio-econômico vigente, terras antes primitivas são apropriadas,
loteadas, degradadas e postas a serviço de processos produtivos que em instância final buscam a
acumulação de riqueza monetária. Essa busca e pressão sobre os recursos naturais, ao contrário
de ser conduzida com a racionalização necessária, é praticada veloz e intensamente, vindo a
causar a extinção daqueles recursos em algumas regiões e em outras o seu comprometimento
qualitativo e quantitativo.
Ao mesmo tempo em que são afetados os meios físico e biótico do meio ambiente, as
pessoas também o são, quando não diretamente por prejuízo à sua saúde, indiretamente através
dos prejuízos impostos ao meio sócio-econômico - ou as formas de uso e ocupação do solo
ocorrentes em sua região. Em se tratando de uma região de ecossistemas frágeis, incluindo aqui
seus habitantes, isto pode se tornar muito mais problemático, caso não tenham suficiente
discernimento e esclarecimentos para perceber que estão recebendo pressões indevidas, em
nome do progresso e do desenvolvimento econômico.
Há desenvolvimentos e desenvolvimentos, aquele que busca perpetuar a intermediação dos
meios de produção, se apropriando das terras e dos recursos naturais, apoiados por leis e poderes
por eles mesmos criados, não parece ser o mais adequado para a harmonização de todos os seres
e componentes do meio ambiente.
Simultâneo à compreensão e busca pelo homem da sua integração ao meio ambiente, deve
se colocar em discussão a compreensão entre os próprios homens, fazendo as indagações
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corretas acerca das melhores formas de desenvolvimento social e econômico a serem aplicadas e
que venham a beneficiar a todos os habitantes do planeta Terra, e não apenas aos detentores do
capital.
Se conforme o Princípio Antrópico aplicado ao Universo “aquilo que vemos é da forma que é,
pois se assim não o fosse, não estaríamos aqui para vê-lo” (Hawking, 1989), o homem é sim
também meio ambiente, matéria na pior das hipóteses que tem papel fundamental na construção
de seu próprio caminho e “universo”, e um fatal receptor dos resultados maléficos ou benéficos de
todas suas práticas. Esperemos que as gentes, os espaços e as visões possam ser harmonizadas
para a continuidade da construção da humanidade e de todo o meio ambiente.
Gentes e Espaços (Homem e Meio Ambiente)
Partindo inicialmente da situação do Homo Sapiens no espaço terrestre, após um longo
período de evolução biológica e cultural, este foi capaz de construir sua história e ultrapassar as
provas à sua sobrevivência. Naqueles primórdios, naturalmente posicionado com os espaços e a
vida circundante, obtinha sua visão particular desse ambiente na medida em que experimentava a
sua interação com ele. Longe ainda de questionamentos acerca de sua participação ou integração
no meio ambiente, vivia e se transformava com ele.
Com o acentuamento dessas transformações originadas daquela interação, do homem e do
meio ambiente (não levando em conta aqui outros processos naturais de grande magnitude de
transformação do meio ambiente), os espaços foram sendo afetados em sua aparência e essência,
resultando então como os espaços das gentes. Ou melhor como os lugares, já que é o lugar e não
o espaço, que as pessoas vivenciam; primitivamente a terra não era dividida existindo através das
relações sociais; pertencer a uma terra ou a um lugar é pertencer a um conjunto social. Junto com
a terra está a história e a cultura das pessoas (Sack, Apud Smith, 1988). O espaço e seu uso
(mítico e material) não são diferenciáveis enquanto espaço social e físico (Smith, op.cit.).
Mesmo que o homem da história não pensasse (ou não estivesse interessado em indagar)
sobre sua harmonia com a natureza, se estava ou não integrado a ela, se era parte integrante dela,
ele permanecia no meio ambiente, estreitado com ele dependia dele para sua sobrevivência.
Modernamente o conceito universal de natureza, integra a dualidade natureza exterior e natureza
humana na totalidade da natureza, tudo se resumindo à matéria; em sua essência a natureza é
material. Quando se fala em inserção genética do homem na natureza se está novamente
contrastando o homem com a natureza, continua-se com o mesmo problema da dualidade da
natureza, a que está fora dos seres humanos e a que os inclui (Smith, op. cit.)
Com a evolução das necessidades humanas, conforme a cultura se transformava com a
introdução de outras variáveis não tanto primitivas, essas as variáveis políticas e econômicas,
novas transformações advinham para os lugares; resultando em outras configurações com a
produção de novos ambientes. O homem realizava essa produção, colocando-se agora numa
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posição central à natureza, já num quadro de acumulação de riqueza material, denominada
desenvolvimento econômico, evidenciando a produção da natureza; a contradição entre espaço
físico e espaço social é uma determinante criada pelo homem moderno (Smith, 1988
Essa visão utilitarista do meio ambiente, dos seus recursos naturais, pelo homem acentuar-
se-ia ao longo da história da modernidade, com o advento da hegemonia de sistemas político-
econômicos mais complexos, baseados em controles sociais e inovação tecnológica, visando o
acúmulo de excedentes produtivos; a partir daí estaria em permanente questionamento que tipo de
relacionamento haveria de evoluir entre o homem e o meio ambiente.
Espaços e Visões (Meio Ambiente e Desenvolvimento)
A variada composição ecossistêmica dos espaços possibilitou ao homem a utilização de seus
recursos naturais, bióticos e abióticos, nem sempre sabiamente, para a satisfação de suas
necessidades materiais. as suas incipientes necessidades de alimentação e abrigo, inicialmente,
dos primeiros tempos exerciam uma pressão relativa pequena. quando dos acréscimos
populacionais significativos em algumas regiões do planeta terra, tornou-se necessária a
implantação de assentamentos urbanos, aumentando em muito a necessidade de alimentos, água
e material para construção de moradias, além da necessidade da disposição de dejetos e resíduos
em geral.
Estava iniciada então uma forte pressão antrópica sobre o meio ambiente. era então
necessária uma mínima ordenação acerca dos processos de produção e de consumo para a
sobrevivência das populações. ao longo desse período evolutivo tem-se aplicado variadas visões
de modelos de desenvolvimento, buscando a melhoria da condição humana, pelo menos no que se
refere ao aspecto material.
O modelo aplicado nas duas últimas décadas promoveu uma dramática reestruturação do
espaço, tendo como resultantes: desendustrialização e declínio regional, gentrificação e
crescimento extrametropolitano, industrialização do terceiro mundo, nova divisão internacional do
trabalho, intensificação do nacionalismo e nova geopolítica de guerra, como ações de
desenvolvimento integrado demonstrando profunda transformação espacial, como premissa do
capitalismo (Smith, 1988)
O resultado desse modelo foi o desenvolvimento desigual com padrões geográficos
determinados e peculiares; expressando a sistemática das contradições inerentes à própria
construção e estrutura do capital; por sua vez derivada da diferenciação e simultânea igualização
dos níveis e condições de produção do capitalismo (Smith op. cit.)
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A procura de expansão do capital provoca o seu deslocamento constante, resultando em
desenvolvimento desigual do capitalismo, expressando geograficamente a contradição entre valor
de uso e valor de troca (Smith op. cit.)
O capitalismo realiza a produção do espaço, integrando mais completamente sociedade e
espaço na teoria do desenvolvimento desigual, nas reais escalas espaciais, gerando a coerência
desse desenvolvimento; também realiza a produção da natureza como resultado da aplicação
desse modo de produção; em conseqüência disso os problemas da natureza, do espaço e do
desenvolvimento desigual são colocados juntos pelo próprio capital; o desenvolvimento desigual é
o processo e o padrão concreto da produção da natureza sob o capitalismo (Smith, op. cit.)
Essa análise dramática e realista nos leva a pensar que alternativas teríamos além do modelo
capitalista, para diminuir a pressão sobre a utilização dos recursos naturais e reduzir o sofrimento
das pessoas excluídas dessa geografia de desenvolvimento.
Visões, Espaços e Gentes (Desenvolvimento, Meio Ambiente e Homem)
Até agora vimos que a visão de modelo de desenvolvimento gerado para as gentes nos seus
espaços, ou mais apropriadamente lugares, trouxe aquele resultado desigual para as diferentes
regiões. Aquele modelo calcado apenas na forma acumulativa de renda, desconsidera outras
análises históricas que poderiam apontar alternativas mais pertinentes de desenvolvimento ou
visões de desenvolvimento, fundamentadas nas características mais evidentes de determinada
região; por exemplo sua complexa dinâmica social e seu relacionamento com outras visões (de
desenvolvimento) (Hémery et al., 1993).
Considerações das mais fundamentais em qualquer projeto de desenvolvimento se deve dar
às características culturais locais, utilizando a pesquisa etnográfica, para compreender o
funcionamento daquelas sociedades e seus valores intrínsecos; suas visões pessoais, seu estágio
de evolução, seus desejos de transformação, etc. No caso de pequenos grupos o método da
geografia permitirá o empreendimento de pesquisa que resulte na compreensão da formação do
espaço vivido, da organização primeira da comunidade, da busca da codificação do espaço,
visando compreender aquele grupo; análise de sua organização social e modos de produção.
Apenas com esse exemplo torna-se claro que não será com apenas aqueles modelos
originários do planejamento racional que chegaremos a visões (de desenvolvimento) que atendam
a tudo e a todos ao mesmo tempo e hora simultâneos; havendo que se analisar as características
locais e regionais para aplicação de modelos consistentes e de verdadeira profundidade acerca
das dimensões social e cultural.
O atual modelo concentrador de renda, o capitalismo, quando examinado e suportado por
toda a análise histórica efetuada acerca do desenvolvimento da utilização de energia, [por
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exemplo] a grosso modo como um modelo semelhante a outros mais antigos - forças de elite
suportadas por forças militares conduzindo a exploração do trabalho e da energia em diferentes
regiões do Planeta - apresenta características perversas que têm trazido o denominado
desenvolvimento desigual a variadas regiões, privilegiando umas e condenando outras às penúrias
alimentares e energéticas [por exemplo] (Hémery et al., op. cit.). Está bastante claro que o
capitalismo é dominador dos sistemas energéticos mundiais, [ou outros sistemas produtivos]
impondo sua lógica acumulativa conforme os interesses dos investimentos realizados em variadas
regiões globais, o que vem ocasionar a desigualdade de desenvolvimento regional. Este domínio
desenvolve-se através de um duplo mecanismo de exclusão, que atravessa todas as fronteiras
nacionais, geográficas ou étnicas do Terceiro Mundo; integração pela extensão de ramificações
radiais, do centro capitalista para a periferia; exclusão de vastas zonas condenadas à miséria e a
uma marginalização crescente (Hémery, et al,op.cit.).
Quadro triste e desalentador resultante do modelo de desenvolvimento vigente; no entanto a
busca por novas visões de desenvolvimento deve prosseguir, considerando a imensa massa
excluída e sequiosa de justiça social.
A Harmonização da Vida (Homem, Meio Ambiente e Desenvolvimento Harmonizados)
Então o que fazer para o atendimento às variadas necessidades de desenvolvimento para
variadas regiões com parcimoniosa pressão ao meio ambiente e ao homem?
Tem-se escrito bastante acerca do denominado desenvolvimento sustentável do qual o maior
problema é a correta análise e dimensionamento da variável intergeracional; outro aspecto
relevante por sinal descurado no desenvolvimento sustentável é a questão econômico-espacial. O
desenvolvimento sustentável singulariza-se por considerações temporais, dando ênfase às
relações “intergeracionais”. Privilegia, territorialmente o âmbito do global, desconsiderando a sua
variada abrangência, com imbricações que envolvem todas as escalas geográficas: desde a
mundial, passando pela nacional, até a regional e a urbana. Quando objetiva voltar-se para o
regional, procede apenas casuística e pontualmente. Seus pontos fortes servem para
complementar programas da valorização regional. Neste sentido, é possível identificar pelo menos
quatro importantes utilidades derivadas do desenvolvimento sustentável: servir de referência
circunscritiva à avaliação de impactos sócio-ambientais potencialmente deflagráveis por projetos de
atividades diretamente produtivas e de infra-estrutura econômica, detectando a necessidade de
medidas e investimentos adicionais compensatórios e de minimização dos efeitos negativos e
maximização das externalidades positivas; estabelecer diretrizes de orientação à elaboração de
projetos econômicos; particularizar áreas adequadas ou não à implantação de deteminadas
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atividades econômicas (zoneamento econômico-ecológico); criar incentivos para projetos
ambientalmente recomendáveis (Costa, 1997).
Outras alternativas são colocadas para novos modelos de desenvolvimento que venham a
harmonizar homem e meio ambiente, considerando a necessidade de ir além da história natural da
sociedade, produzindo uma autêntica história social, evitando assim a completa obliteração da
natureza e da sociedade, e da natureza com ela. Apesar da idéia de controle do capitalismo sobre
a natureza, isto é apenas um sonho (dele capitalismo). Focalizado no humano e no verdadeiro, o
controle social sobre a produção da natureza, seria a realização do socialismo (Smith, 1988).
Nessa mesma linha se alterna modelo semelhante, visando se libertar do poder e da
violência, do domínio das empresas multinacionais, da lógica fatal e guerreira, de vitória possível
sobre a natureza; e também uma reavaliação das posições relativas dos trabalhadores nos
processos de produção rural e urbano. Implícito a esse modelo estaria o respeito à diversidade dos
ecossistemas e à diversidade das capacidades e das necessidades humanas; e uma socialização
efetiva da energia [ou qualquer outro produto] e não a sua privatização (Hémery et al.,1993).
Proposta mais moderna, Pós-Queda-do-Muro, mas também considerando a valorização
humana como imprescindível para essa realização; se caracteriza pelo estabelecimento de nova
ordem, qual seja aquela que contemple as políticas de valorização da vida, as políticas
emancipatórias, a politização do local e a politização do global; a participação democrática, a
humanização da tecnologia, a desmilitarização e o sistema pós-escassez; o que conduziria
conforme o modelo, a uma ordem global coordenada, a um sistema de cuidado planetário, a uma
organização econômica socializada e à transcendência da guerra. Ou decidimos a trabalhar as
possíveis alternativas de desenvolvimento para todos ou optemos a enfrentar os riscos de alta-
conseqüência: o crescimento do poder totalitário, a deterioração ou desastre ecológico, o colapso
do crescimento econômico e o conflito nuclear ou guerra de grande escala. Esse alerta serve para
aquela diretriz de acumulação indefinida, e as “exterioridades” que os mercados ou não tocam ou
influenciam adversamente - tais como as aborrecidas desigualdades globais - que podem revelar
implicações socialmente explosivas (Giddens, 1991).
Conclusão
Esse trabalho não teve o intuito de ser conclusivo no sentido de trazer alternativas prontas e
adequadas acerca de tema tão complexo como é o desenvolvimento regional e o meio ambiente.
No entanto procurou colocar em cheque as alternativas atuais de desenvolvimento, principalmente
a do crescimento econômico através do capitalismo que não tem beneficiado a imensa maioria dos
povos da Terra.
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O objetivo de atingir uma melhor qualidade de vida para todos num ambiente de globalização
altamente competitivo onde milhares e milhares de postos de trabalho são encerrados todos os
dias, parece ser um tanto utópico por causa das premissas básicas do capitalismo: concentração;
igualização- diferenciação nos investimentos que redunda no desenvolvimento desigual.
No entanto há que se considerar alternativas outras que não apenas aquelas do planejamento
racionalizado que atende aos grupos mais esclarecidos e poderosos. Há que se considerar a
realidade das múltiplas populações tradicionais, discutindo o melhor a ser feito, agindo
corretamente com essas populações, analisando com profundidade e com olhar especial e ação
especial, respeitando a sua cultura, organização social e seus modos de produção. Procurando
contemplar essas comunidades tradicionais em segmentos do desenvolvimento regional,
concernentes ao seu modo de vida e como dignos guardiães de ecossistemas portentosos.
Com a base de recursos naturais fortemente pressionada será necessário a redução do
consumismo, e o desenvolvimento de novas tecnologias para melhor aproveitamento daqueles
recursos e reciclagem de materiais utilizados. Também uma redução do controle dos meios de
produção e do comércio mundial que é mantido, pelos países mais poderosos, com proteções
tarifárias e outras restrições, o que mantém a expansão de seus negócios, beneficiando-se ainda
das desigualdades de preços e salários regionais (globais).
Assim todas as gentes e todos os espaços poderão ser conduzidos na construção da
harmonização da vida e da natureza, sem a dominação, apropriação e preponderância de sistemas
sócio-econômicos sobre a natureza e sobre as pessoas.
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