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1 Prevenção de agravos à saúde do trabalhador: o papel dos espaços de regulação e das cargas de trabalho. Weslon Charles Ferreira Costa (UFSCar) [email protected] João Alberto Camarotto (UFSCar) [email protected] Nilton Luiz Menegon (UFSCar) [email protected] Thais Tosetto (UFSCar) [email protected] Resumo: O trabalho apresenta duas faces: a tarefa e a atividade. Da diferença entre elas surge uma lacuna, abordada em ergonomia em termos de cargas de trabalho, às quais podem exigir recursos de natureza física e mental incompatíveis com as limitações dos trabalhadores, levando-os à elaboração de estratégias regulatórias no sentido de atender os objetivos traçados pela organização do trabalho. Através de revisão bibliográfica e de exemplo de uma situação real, este artigo objetiva explorar a importância dos espaços de regulação e das cargas de trabalho na prevenção de danos à saúde dos trabalhadores, sem, entretanto, perder de vista a eficiência das atividades humanas. Palavras chave: Tarefa; Atividade; Carga de trabalho; Regulação; Modo operatório. 1. Introdução O termo ergonomia origina do grego ergon e nomos indicando a ciência do trabalho e seu conceito mais antigo é a adaptação do trabalho ao homem. Atualmente ela é entendida como o estudo do relacionamento entre o homem e as situações de trabalho, aplicando conhecimentos de outras ciências na solução das situações-problema surgidas desse relacionamento. Para Iida (2005), o trabalho apresenta uma acepção bastante ampla, abrangendo não apenas aqueles executados com máquinas e equipamentos, utilizados para transformar os materiais, mas também toda a situação em que ocorre o relacionamento entre o homem e uma atividade produtiva, ou seja, envolve não somente o ambiente físico, mas também os aspectos organizacionais da maneira como o trabalho é planejado, projetado, controlado e avaliado para que este possa atingir os resultados desejados. Analisando a literatura em ergonomia, Ferreira (2002) conclui que ela mostra dois traços distintivos da disciplina: 1) investigar para compreender o objeto de estudo (produção de conhecimento) e 2) produzir soluções para transformar as soluções-problema investigadas (aplicação de conhecimentos) na perspectiva de propor alternativas que articulam harmoniosamente o bem-estar, a eficiência e a eficácia das atividades humanas. Segundo Ferreira e Freire (2001), a produção teórica em ergonomia tem como um de seus pilares a distinção entre trabalho prescrito (tarefa) e trabalho real (atividade) como dimensões analíticas centrais para se compreender os disfuncionamentos que se manifestam nas organizações. Ainda, segundo os autores, esta foi construída teoricamente a partir de inúmeras intervenções em diferentes contextos sociotécnicos e aparece na literatura freqüentemente associada com uma noção complementar: a de carga de trabalho. 2. As duas dimensões do trabalho: tarefa e atividade Os resultados de estudos em ergonomia evidenciam que o exame das duas faces do trabalho (tarefa e atividade), em diferentes contextos, fornece elementos explicativos sobre a

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Prevenção de agravos à saúde do trabalhador: o papel dos espaços de

regulação e das cargas de trabalho.

Weslon Charles Ferreira Costa (UFSCar) [email protected]

João Alberto Camarotto (UFSCar) [email protected]

Nilton Luiz Menegon (UFSCar) [email protected]

Thais Tosetto (UFSCar) [email protected]

Resumo: O trabalho apresenta duas faces: a tarefa e a atividade. Da diferença entre elas

surge uma lacuna, abordada em ergonomia em termos de cargas de trabalho, às quais podem

exigir recursos de natureza física e mental incompatíveis com as limitações dos

trabalhadores, levando-os à elaboração de estratégias regulatórias no sentido de atender os

objetivos traçados pela organização do trabalho. Através de revisão bibliográfica e de

exemplo de uma situação real, este artigo objetiva explorar a importância dos espaços de

regulação e das cargas de trabalho na prevenção de danos à saúde dos trabalhadores, sem,

entretanto, perder de vista a eficiência das atividades humanas.

Palavras chave: Tarefa; Atividade; Carga de trabalho; Regulação; Modo operatório.

1. Introdução

O termo ergonomia origina do grego ergon e nomos indicando a ciência do trabalho e

seu conceito mais antigo é a adaptação do trabalho ao homem. Atualmente ela é entendida

como o estudo do relacionamento entre o homem e as situações de trabalho, aplicando

conhecimentos de outras ciências na solução das situações-problema surgidas desse

relacionamento. Para Iida (2005), o trabalho apresenta uma acepção bastante ampla,

abrangendo não apenas aqueles executados com máquinas e equipamentos, utilizados para

transformar os materiais, mas também toda a situação em que ocorre o relacionamento entre o

homem e uma atividade produtiva, ou seja, envolve não somente o ambiente físico, mas

também os aspectos organizacionais da maneira como o trabalho é planejado, projetado,

controlado e avaliado para que este possa atingir os resultados desejados.

Analisando a literatura em ergonomia, Ferreira (2002) conclui que ela mostra dois

traços distintivos da disciplina: 1) investigar para compreender o objeto de estudo (produção

de conhecimento) e 2) produzir soluções para transformar as soluções-problema investigadas

(aplicação de conhecimentos) na perspectiva de propor alternativas que articulam

harmoniosamente o bem-estar, a eficiência e a eficácia das atividades humanas.

Segundo Ferreira e Freire (2001), a produção teórica em ergonomia tem como um de

seus pilares a distinção entre trabalho prescrito (tarefa) e trabalho real (atividade) como

dimensões analíticas centrais para se compreender os disfuncionamentos que se manifestam

nas organizações. Ainda, segundo os autores, esta foi construída teoricamente a partir de

inúmeras intervenções em diferentes contextos sociotécnicos e aparece na literatura

freqüentemente associada com uma noção complementar: a de carga de trabalho.

2. As duas dimensões do trabalho: tarefa e atividade

Os resultados de estudos em ergonomia evidenciam que o exame das duas faces do

trabalho (tarefa e atividade), em diferentes contextos, fornece elementos explicativos sobre a

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gênese das situações-problema que os trabalhadores enfrentam e também a maneira pela qual

eles previnem os constrangimentos destas.

Em ergonomia o trabalho prescrito, sob a forma de tarefa, pode ser definido como um

conjunto de objetivos dado, em condições determinadas, a um posto de trabalho, a um

trabalhador ou um grupo de trabalhadores e um conjunto de prescrições definidas

externamente para atingir tais objetivos. “É, assim, constituído pela organização (as condutas,

os métodos de trabalho, as instruções) tudo o que o trabalhador tem que fazer e como ele deve

fazê-lo, bem como o conjunto de objetivos a serem atingidos, as especificações do resultado a

obter (normas de qualidade, quantidade e manutenção e etc), os meios fornecidos para a

execução da tarefa (condições de matéria-prima, máquinas e equipamentos, formação e

experiência exigidas do trabalhador, composição da equipe de trabalho e etc) e as condições

necessárias para a execução do trabalho (ambiente físico, tempo, ritmo e cadencia da

produção e etc)” (OLIVEIRA, 2005).

A tarefa freqüentemente desconsidera as particularidades dos trabalhadores e o que

eles pensam sobre as escolhas feitas e impostas pela organização do trabalho (GUÉRIN et al,

2001). Conseqüentemente, para a tradução do que lhes é imposto, a tarefa requer destes uma

dupla atividade: a de elaboração mental e de execução (FERREIRA e FREIRE, 2001).

Abrahão e Torres (2004) abordam essa dupla atividade em termos do conceito de

representação, que assume um sentido para a ergonomia quando associado a uma ação. O

conceito de representação define uma construção mental circunstanciada, feita num contexto

particular e com fins específicos, para fazer face às exigências da tarefa em curso. É, portanto,

a partir de uma representação da realidade ou de um estado das coisas, que o sujeito direciona

a sua ação.

Essas representações são operativas e finalísticas e desempenham uma função

organizadora da atividade dos sujeitos. Colocá-las em evidência fornece elementos que

permitem compreender como os sujeitos avaliam suas situações de trabalho, que objetivos

eles estabelecem, como planificam suas ações e, principalmente, como eles constroem ou

escolhem os meios para agir e controlar os efeitos da atividade (PINHO et al., 2003).

Ao buscar compreender as representações para a ação utilizadas e desenvolvidas pelos

sujeitos, em função das exigências do processo de trabalho, a ergonomia busca apreender uma

parte da realidade do trabalho que se manifesta nos sujeitos e é estruturada, individualmente

ou pelo coletivo de trabalhadores (ABRAHÃO e TORRES, 2004).

As mobilizações das representações dos indivíduos, de suas estratégias operatórias e

das suas competências significam atividade de trabalho, que é entendida como o modo

segundo o qual cada um dos indivíduos se relaciona com os objetivos propostos pela tarefa,

com a organização do trabalho e com os meios que ele dispõe para realizá-los. Este modo

configura um conjunto sempre singular de determinações, denominado modo operatório, ou

seja, seqüência de ação, de gestos, de sucessivas buscas e tratamento de informações, de

comunicações verbais ou gráficas e de identificação de incidentes (ABRAHÃO, 2000).

Sendo fruto da execução de uma tarefa e preexistente a esta, a atividade de trabalho é o

que o trabalhador faz para atingir os objetivos propostos, com os meios disponíveis e nas

condições dadas. É o resultado de uma síntese entre a tarefa (objetivos, resultados esperados,

meios oferecidos, exigências requeridas) e o homem que a executa (sua história, sua

experiência, formação cultural, estado interno de saúde física e mental) (OLIVEIRA, 2005).

Um aspecto fundamental é que a atividade de trabalho é algo diferente de sua

prescrição. Realizar um trabalho é bem mais do que seguir um conjunto de regras, por mais

precisa e detalhada que possa ser a tarefa. Há sempre algo que não pode ser colocado em

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forma de regras explicitas e claras, o que exige que o trabalhador invente alguma coisa para

conseguir realizar o seu trabalho. Isto é o que, em ergonomia, se denomina de diferença entre

tarefa e atividade (LIMA, 2000). É nesse espaço de diferença que emergem as situações

críticas e problemáticas, nas quais os operadores se utilizam recursos de natureza cognitiva,

psíquica e física e investem na tentativa de atingir os objetivos do trabalho (ABRAHÃO e

TORRES, 2004).

É justamente a partir desta discrepância, surgida da confrontação entre tarefa e

atividade, que resulta no que se constitui o custo humano no trabalho, que é abordado em

ergonomia em termos de carga de trabalho.

3. A carga de trabalho como resultante da tarefa e da atividade

A noção de carga de trabalho está intrinsecamente relacionada com os conceitos de

tarefa e atividade, pois a passagem do que foi prescrito pela organização do trabalho para sua

realização propriamente dita implica em um maior ou menor custo humano no trabalho.

Ferreira e Freire (2001) afirmam que, apesar da inexistência de um consenso em

relação ao conceito de carga de trabalho, esta se encontra associada a dois aspectos. Primeiro,

às variáveis presentes na situação de trabalho que agem de forma combinada e impactam

sobre o trabalhador, exigido deste um esforço contínuo de regulação e de adaptação. Segundo,

à função mediadora da carga para compreender a inter-relação trabalho-desgaste vivenciada

pelos trabalhadores.

A partir do entendimento desses dois aspectos, tem-se a noção de carga expressa

através da inter-relação funcional entre as exigências presentes na situação de trabalho e as

conseqüências geradas pelas estratégias que os trabalhadores elaboram para atender os

objetivos traçados pela organização, bem como para o desenvolvimento da competência que,

quanto mais desenvolvida, melhores são as suas possibilidades de preservação do seu bem-

estar físico e mental (AZEVEDO e CRUZ, 2006).

A abordagem da carga de trabalho é, do ponto de vista humano, comumentemente

associada à parcela da capacidade de trabalho investida pelo trabalhador na realização da

atividade para atingir os objetivos propostos, ou seja, é o esforço mobilizado para a execução

da tarefa. Tal idéia pressupõe um modelo de homem com capacidade de trabalho limitada, o

qual regula sua carga de trabalho, dentro dos limites da sua capacidade disponível, por meio

da modificação do seu modo operatório.

Para efeito de análise, o conceito de carga de trabalho pode ser abordado a partir das

componentes física e mental, sendo esta subdividida em cognitiva e psíquica. Tal divisão é

apenas teórica, porém a síntese conclusiva do que é carga de trabalho em uma atividade deve

ser global, isto é, toda carga de trabalho é composta por estas três dimensões inter-

relacionadas, ou seja, a sobrecarga produzida em qualquer delas repercute nas demais.

Ao estudar a atividade de chapeador de montagem estrutural, Menegon et al., (2003)

avaliaram a relação entre a percepção da carga de trabalho física e mental e as atividades

disparadoras de desconforto. A conclusão a que chegaram que o “trabalhador inter-relaciona,

com sua percepção, as componentes física e mental da carga de trabalho, e destas com as

atividades disparadoras de desconforto. Os resultados evidenciaram, ainda, a importância do

equacionamento concomitante das diferentes variáveis presentes na situação de trabalho, haja

visto que, segundo os autores, é da interação destas que resultam as demandas extremas sobre

o indivíduo.

No entanto, as produções teóricas em ergonomia mostram que, quando as exigências

sobre os trabalhadores excedem as suas capacidades físicas e mentais, as conseqüências são

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também a diminuição da eficiência e eficácia das atividades humanas. Em outros termos, as

cargas dão indícios de como o trabalho sacrifica a saúde do trabalhador assim como o quão

afeta a produção.

Neste contexto, faz-se necessário “entender o que é o trabalho e como melhorar a

eficiência da produção e evitar problemas de saúde” (LIMA, 2000). Para isso, é apresentado

na figura 1 o modelo integrador da atividade, o qual auxilia o melhor entendimento sobre a

gênese das componentes das cargas de trabalho e suas conseqüências sobre a saúde dos

trabalhadores e sobre a produtividade.

Figura 1: Modelo integrador da atividade

No modelo é considerado de um lado a empresa, de outro o trabalhador. Esta relação é

intermediada por um contrato de trabalho.

Por um lado, o trabalhador impõe uma série de condicionantes para a realização da

atividade: suas características físicas, sexo, idade; sua qualificação e experiência e

competência; seu estado momentâneo; e, sua vida pessoal. Por outro lado, a empresa também

impõe suas condicionantes: as exigências cognitivas da tarefa; as máquinas, as ferramentas e

o meio ambiente; os movimentos e posturas pressupostos; e, a divisão de tarefas, hierarquia e

o regime de trabalho.

Da confrontação das informações destes dois níveis de condicionantes é possível

mapear, em termos de carga de trabalho, as exigências requeridas ao longo do processo de

trabalho. De um lado a empresa com a tarefa e de outro o trabalhador com a atividade. O

resultado da carga de trabalho realizada, por sua vez, retorna sobre ambos, prejudicando o

estado de saúde do indivíduo e a produção (qualidade e produtividade).

Azevedo e Cruz (2006) afirmam que os efeitos das cargas de trabalho ocorrem de

maneira particular e única em cada trabalhador a partir do momento que surge um

desequilíbrio entre as exigências da tarefa e a capacidade de resposta a elas. Para os autores,

os desequilíbrios podem ser sinalizados mediante sintomas de desprazer, queda na

produtividade, na qualidade, absenteísmo, rotatividade, licenças para tratamento de doenças,

incidentes e acidentes de trabalho.

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Frente a esse conjunto de condicionantes a ergonomia não pode agir de forma

indistitiva sobre as dimensões da carga de trabalho. Faz-se necessário identificar os

determinantes da situação, sejam físicos, cognitivos ou psíquicos e integrá-los numa solução

do tipo ergonômica, conciliando saúde e produção.

4. A regulação da atividade

Tanto a psicologia quanto a fisiologia nos ensina que a saúde não é um estado

invariável e fixo, mas sim em contínuo desequilíbrio, seguido, graças aos dispositivos de

regulação, de um retorno ao equilíbrio. Isto significa que o organismo está em perpétuo

movimento e que não há nada, por assim dizer, de fixo ou constante em um organismo

vivendo normalmente (DEJORS et al., 1993).

De forma semelhante, afirma Dejors et al. (1993), pode-se constatar no trabalho, como

uma tarefa regular, fixa, repetitiva, imutável é perigosa para os trabalhadores. Portanto, a

variedade, a possibilidade de escolher seu modo de executar a tarefa ou de mudá-la, são,

certamente, mais favoráveis à saúde que a monotonia e a constância impostas.

Nesse contexto, a atividade de trabalho é entendida como o modo segundo o qual cada

um dos indivíduos se relaciona com os objetivos traçados pela tarefa, com a organização do

trabalho e com os meio que ele dispõe para realizá-los. Tal relacionamento indica a

insuficiencia do trabalhador em seguir somente as prescrições; é necessário interpretar,

corrigir e às vezes criar. Para atender às exigências da situação de trabalho, ele está

constantemente submetido a um processo de regulação (ABRAHÃO, 2000).

O processo de regulação que os indivíduos executam, permanentemente, durante a

execução de suas atividades, é um processo interno de reorientação da ação pelo

estabelecimento de compromisso entre os objetivos impostos pela empresa, pela organização

(os meios oferecidos para a concretização desses objetivos), pelos resultados alcançados (ou

não) e pelo próprio estado interno (biofísico e mental) do trabalhador (OLIVEIRA, 2005).

Veja o modelo operante da figura 2.

Figura 2: Modelo operante

No modelo está representado que a atividade integra todos os determinantes e

condicionantes a serem considerados pelo sujeito: os objetivos da tarefa; os meios

disponibilizados; os resultados obtidos pela realização da atividade; e o estado interno do

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indivíduo. Oliveira (2005) afirma que é com base nestes condicionantes e determinantes que o

trabalhador realiza a regulação permanente, cujo resultado se expressa pela construção do

modo operatório. Tal construção deste é feita de forma “mais eficiente e eficaz para garantir o

próprio bem-estar (reduzindo o custo humano no trabalho), responder adequadamente às

exigências prescritas do trabalho e atender às especificidades das relações sociais de trabalho”

(FERREIRA, 2002).

A escolha feita por um trabalhador de um modo operatório especifico deriva da

representação da situação, das possibilidades de regulação que ele apresenta e de uma

competência. Para Abrahão (2000), a compreensão da competência dos trabalhadores está

relacionada à sua capacidade de regulação, ou seja, de gerir a variabilidade de acordo com as

situações. Quanto maior a variabilidade das situações, menor a probabilidade de antecipação,

exigindo assim, maior competência dos trabalhadores para a passagem de uma operação

prescrita à uma ação situada (contextualizada). Esta competência possibilita, também,

redefinir a atividade, favorecendo a reconstituição de situações anteriores por meio de

reformulações utilizando para isto recursos do próprio contexto como, por exemplo, o apelo à

competência de outros trabalhadores, a elaboração de novos parâmetros para esta atividade

ou, até mesmo, a utilização eventual de uma estratégia operatória antiga.

Conforme mostra a figura 3, em situações idealizadas o operador modifica os

objetivos ou os meios de trabalho quando o seu estado interno é alertado (GUÉRIN et al.,

2001). Ou seja, quando o operador é levado a desgastar, ou trabalhar à custa de sofrimento, ou

quando o trabalho não está satisfazendo, cabe a identificação (ou porque os objetivos e as

metas são inalcançáveis, ou porque os meios disponibilizados não são suficientes ou corretos)

e alteração daquelas situações que estão causando tal constrangimento para que o trabalho

seja realizado de forma não agressiva a saúde, com qualidade e eficiência.

Figura 3 – Modelo operante: situação ideal

Porém, dos fatores que determinam o processo de regulação, há algumas situações não

idealizadas em que possibilidades de modificar os objetivos e metas traçadas, os resultados

esperados e os meios disponibilizados pela organização do trabalho. Em tal situação, ao

trabalhador só resta atender as exigências dos resultados a partir de modificações do seu

estado interno, ou seja, do seu estado físico e mental, que é o único componente sobre o qual

o sujeito possui o controle (OLIVEIRA, 2005). Para Guérin et al. (2001) há dois desfechos

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para tal situação proposta:

1) num primeiro momento os resultados exigidos são obtidos a partir de agressões à

saúde, como mostra a figura 4; e

Figura 4 – Modelo operante em estado degradado: danos à saude

2) num segundo momento, o operador não consegue mais atingir os resultados

esperados, quaisquer que sejam os modos operatórios adotados. Veja a figura 5.

Figura 5 – Modelo operante em estado degradado: danos à saude e à produção

Como se pode observar, em nenhum dos modelos (figuras 4 e 5) o estado do sujeito

alimenta o mecanismo de regulação. Isto indica que ele passa a adotar modos operatórios

degradados por conta da falta de um espaço de regulação, o que impossibilita, ou melhor,

limita a elaboração de diversos modos operatórios, limita o número de maneiras possíveis de

se organizar, o que se traduz em carga de trabalho não favorável à saúde do trabalhador, o que

prejudica a eficiência da produção.

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5. Traços gerais da atividade de montagem estrutural

Para exemplificar os conceitos até o momento apresentados, voltemos ao caso da

atividade de montagem estrutural.

A atividade de chapeador de montagem estrutural encontra-se presente nas indústrias

automobilística, aeronáutica e de construção civil (SECCHIN et al., 2003). Para estes autores,

tal atividade é caracterizada pela realização cíclica de processos básicos de posicionamento de

peças, furação, escareação, ajustes e cravação. Quanto às questões críticas no campo da saúde

estão incluídas: 1) os desconfortos associados à posturas extremas ou inadequadas; 2)

repetitividade no trabalho; 3) exposição à vibração e ao choque associados ao uso de

ferramentas manuais; e 4) exigência elevada de atenção e concentração na execução das

atividades, decorrentes da precisão do trabalho e das exigências do produto. Portanto, tal

atividade pode ser caracterizada como de alta demanda nos campos físico e mental.

Na realização da atividade de montagem (resultado) é muito comum o uso de um

assento (meio), que em certas ocasiões impossibilita o acesso à determinada parte do produto

em processo devido à limitação de ajuste (regulação) da inclinação do assento. Como forma

de dar continuidade ao seu trabalho observou-se que um chapeador de montagem percebeu

(estado) a possibilidade do uso de um “caixote de madeira” inconfortável para a realização

daquela atividade (representação). E o faz (regulação), passando a buscar atender as metas da

tarefa (objetivos) em uma postura prejudicial a sua saúde (modo operatório degradado).

Dessa forma, o modo operatório passou a agredir a saúde do trabalhador como

conseqüência do maior desconforto postural exigido (sobrecarga física) assim como maior

atenção (sobrecarga mental) visto que o “caixote” causa instabilidade das partes do corpo.

É observável que o desconforto, oriundo da nova condição de trabalho adversa, pode

causar distração (falta de atenção) e lapsos de atenção ou conduzir para atividades

compensatórias que competem com tarefas essenciais, ocasionando, por exemplo, atrasos na

montagem. As conseqüências para tal situação seriam, inicialmente, o agravo à saúde do

trabalhador e, posteriormente, efeitos negativos sobre a produção.

6. Reflexões

Em situações reais de trabalho não é incomum nos depararmos com situações que

indicam a impossibilidade dos trabalhadores agirem sobre os determinantes que conduzem à

elaboração de diversos modos operatórios. Portanto, resta ao operador atuar no sentido de

regular seu próprio estado interno, o que se traduz em agressões a sua saúde (posturas de

pescoço, ombro e costas prejudiciais, sobrecargas psíquica e cognitivas, repetitividades e etc).

Conhecer os espaços de regulação e modos operatórios que os trabalhadores elaboram

para lidar com as lacunas existentes entre o que lhes é prescrito e o que eles realmente fazem

é consolidado como uma forma de obter pista que conduzam à elaboração de estratégias de

intervenção ergonômica, cujo sucesso é baseado em dois critérios: 1) criação de um espaço

para ampliar a regulação individual e coletiva da atividade, e 2) redução da carga de trabalho.

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