Processo Constitucional - Cassio Scarp in Ella

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    O MODELO CONSTITUCIONAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL:

    UM PARADIGMA NECESSRIO DE ESTUDO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL EALGUMAS DE SUAS APLICAES*

    Cassio Scarpinella Bueno **

    Os estudos constitucionais sobre o processo civil podem ser apontados, (...),como um dos caractersticos mais salientes da atual fase cientfica do Direito ProcessualCivil. No s a aproximao com o Direito Processual Penal para isto contribuiu, como

    tambma irrupo do totalitarismo na esfera processual, com tentativas frustradas de substituir o processo por mtodos autoritrios e solues administrativas, provocou,

    como reao natural, essa nova diretriz doutrinria ..1

    Esta a voz de Jos Frederico Marques, ilustre membro-fundador do Instituto Brasileirode Direito Processual que, a propsito das comemoraes voltadas aos 50 anos de sua fundao,deve ser ouvida uma vez mais e como si acontecer com as grandes e imorredouras lies

    , devidamente apreendida e aplicada.

    O saudoso Mestre da Faculdade Paulista de Direito da Pontifcia Universidade Catlicade So Paulo, e Professor de tantas geraes de processualistas civis e penais, j em 1952 emseu hoje clssico Ensaio sobre a jurisdio voluntria , escrito originalmente para concurso quelhe resultou a ctedra de Direito Judicirio Civil da precitada Faculdade, j alertava oestudioso do direito processual civil, a partir das lies de Prieto Castro, Couture, Alcal-Zamora, Calamandrei e Allorio, para a importncia do estudo do direito processual civil no e a partir do ambiente constitucional.

    *. O presente trabalho serviu de base Palestra proferida pelo autor nas VII Jornadas Brasileiras de DireitoProcessual Civil e Penal realizadas nos dias 26 a 29 de maio de 2008 em Florianpolis, SC, no mdulo Processoconstitucional, que contou tambm com a participao do Ministro Sidnei Beneti e dos Professores Jos RogrioCruz e Tucci e Eduardo Talamini. Cumprimento e agradeo, uma vez mais e de pblico, os organizadores daqueleevento e o honroso convite que me foi formulado para dele participar, o que fao nas pessoas da Professora AdaPellegrini Grinover, Presidente do IBDP, e do Professor Petrnio Calmon Filho, Secretrio Geral do IBDP.**. Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da PUCSP. Professor deDireito Processual Civil nos cursos de Graduao, Especializao, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direitoda PUCSP. Professor-visitante do curso de Mestrado da Faculdade de Direito de Vitria (FDV).

    Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Iberoamericano de Direito Processual e daAssociao Internacional de Direito Processual. Advogado em So Paulo.1. Jos Frederico Marques, Ensaio sobre a jurisdio voluntria . Campinas: Millennium, 2000, p. 5-6, sem osdestaques.

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    Tambm como forma de destacar os 50 anos de fundao do Instituto Brasileiro deDireito Processual, o Ministro Athos Gusmo Carneiro, Presidente do Conselho do Instituto,conclamou seus membros a escreverem a respeito dos atuais paradigmas de estudo do direito processual civil. De minha parte, entre outros aspectos destaquei a necessidade do estudo dodireito processual civil partir da Constituio Federal, muito influenciado, no h por que negar, pela lio destacada e tantas outras que, entre ns e na doutrina do direito estrangeiro, tendem mesma direo.2

    Estudar o direito processual civilna e da Constituio, contudo, no pode ser entendidocomo algo passivo , que se limita identificao de que determinados assuntos respeitantes ao

    direito processual civil so previstos e regulamentados naquela Carta. Muito mais do que isso, aimportncia da aceitao daquela proposta metodolgica mostra toda sua plenitude no sentidoativo de aplicar as diretrizes constitucionais naconstruo do direito processual civil,realizando pelo e no processo, isto , pelo e no exerccio da funo jurisdicional, os misteresconstitucionais reservados para o Estado brasileiro, de acordo com o seu modelo poltico, e paraseus cidados.

    A isto, inspirado na lio de Italo Andolina e Giuseppe Vignera3 venho chamando, e

    no de hoje,4 modelo constitucional do direito processual civil. Importam muito pouco,

    contudo, os nomes: processo constitucional,5 direito processual constitucional,6 direitoconstitucional processual,7 tutela constitucional do processo,8 todos eles, dentre tantos, so

    2. O resultado daquela investigao, Bases para um pensamento contemporneo do direito processual civil, est publicado no volume 1 da coletnea comemorativa dos 50 anos editada pelo Instituto Brasileiro de DireitoProcessual Bases cientficas para um renovado direito processual , pginas 409-422.3. Il modello costituzionale del processo civile italiano . Giappichelli: Torino, 1990.4. Esta tem sido a base metodolgica de diversos trabalhos anteriores meus. O mais elaborado deles o Amicuscuriae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmtico , cuja 2 edio foi lanada em 2008 pela EditoraSaraiva de So Paulo de 2008, em especial pginas 41 a 85. Tambm no vol. 1 do meuCurso sistematizado dedireito processual civil , da Editora Saraiva, volto a insistir no tema, em especial nas pginas 40 a 82, em queapresento as bases para um pensamento contemporneo do direito processual civil e nas pginas 83 a 242 em quexponho o modelo constitucional do direito processual civil. A respeito do modelo constitucional e de seucontedo, v., tambm, as consideraes de Joo Batista Lopes,Curso de direito processual civil , vol. I. So Paulo:Atlas, 2005, p. 38-58; Cndido Rangel Dinamarco,Instituies de direito processual civil , I. So Paulo: Malheiros,2001, p. 180-183 e Hermes Zaneti Jnior, Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro . Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2007, esp. p. 171-201;5. Assim,v.g. , Jos Alfredo de Oliveira Baracho, Processo constitucional . Rio de Janeiro: Forense, 1984, esp. p.345-364 .6. Assim,v.g. , Ada Pellegrini Grinover,Os princpios constitucionais e o Cdigo de Processo Civil . So Paulo:

    Jos Bushatsky, 1975, p. 7-8; Antonio Carlos de Arajo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cndido RangelDinamarco,Teoria gera do processo . 22a edio. So Paulo: Malheiros, 2006, p. 85-86 e Nelson Nery Jr., Princpios do processo civil na Constituio Federal . 4a edio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 19-21.7. Assim,v.g. , Nelson Nery Jr., Princpios do processo civil na Constituio Federal , cit., p. 19-21.

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    aptos para descrever essa proposta metodolgica, um verdadeiromtodo de pensamento dodireito processual civil. J perdemos tempo demais com a identificao dos nomes; mister aplicar aquilo que eles descrevem.

    Releva tambm que o destaque dessemtodo de pensamento no precisa,necessariamente, conduzir construo de uma novadisciplina ou, mais do que isto, um novoramo de direito processual civil.9 Arrisco a destacar, at mesmo, que no conveniente , do ponto de vista da dogmtica do direito processual civil, que assim se faa. Isso porque oselementos que comporiam aquela disciplina ou ramo so os mesmos e nenhum outro quecompem o direito processual civil como necessrio ponto de partida. A propagada

    autonomia , destarte, teria o condo, deesvaziar o que deve ser estudadono direito processualcivil e para o direito processual civil ser adequadamente compreendido como essas linhas buscam colocar em evidncia.

    A anlise do nosso modelo constitucional revela que todos os temas fundamentais dodireito processual civil s podem ser construdos a partir da Constituio.10 E diria, at mesmo:devem ser construdos a partir da Constituio. Sem nenhum exagero, impensvel falar-se emuma teoria geral do direito processual civil que no parta da Constituio Federal, que no

    seja diretamente vinculada e extrada dela, convidando, assim, a uma verdadeira inverso doraciocnio useiro no estudo das letras processuais civis. O primeiro contato com o direito processual civil se d no plano constitucional e no no do Cdigo de Processo Civil que, nessa perspectiva, deve se amoldar, necessariamente, s diretrizes constitucionais.

    O modelo constitucional do direito processual civil brasileiro compreende, para finsdidticos, quatro grupos bem destacados: os princpios constitucionais do direito processualcivil, a organizao judiciria, as funes essenciais Justia e os procedimentos

    jurisdicionais constitucionalmente identificados. Para comprovar o acerto e a amplitude da proposta metodolgica aqui anunciada, convm tecer algumas consideraes sobre cada umdeles.

    8. Assim,v.g. , Ada Pellegrini Grinover,Os princpios constitucionais e o Cdigo de Processo Civil , cit., p. 8-11;Cndido Rangel Dinamarco, Instituies de direito processual civil , vol. I, cit., p. 193 e ss e, em companhia deAntonio Carlos de Arajo Cintra e Ada Pellegrini Grinover,Teoria gera do processo , cit., p. 86-87.9. Expressa nesse sentido a lio de Cndido Rangel Dinamarco, em suas Instituies de direito processual civil ,vol. I, cit., pp. 188-189.10. essa, por exemplo, a proposta adotada por Ada Pellegrini Grinover, ainda antes do advento do Cdigo deProcesso Civil vigente quando estudou, luz do direito constitucional, a abragncia do direito de ao na tesecom que conquistou o Ttulo de Livre-Docente em Direito Processual Civil perante a Faculdade de Direito daUniversidade de So Paulo, intitulada As garantias constitucionais do direito de ao , em 1973.

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    Mais do que enumerar os princpios constitucionais do direito processual civil, impeanalisar, desde a doutrina do direito constitucional a chamada nova hermenutica seuadequado mtodo de utilizao, levando em conta, notadamente, o 1 do art. 5 daConstituio Federal.11

    Ilustro:

    luz do art. 5, XXXV, da Constituio Federal, h sentido na distino feita pelolegislador processual civil entre tutela antecipada e processo cautelar? Em que medidaaquele dispositivo constitucional influencia na interpretao (e conseqente aplicao) do 7do art. 273?12

    A doutrina que se manifestou sobre a redao que a Lei n. 11.187/2005 deu ao pargrafonico do art. 527 tem debatido acerca do mecanismo de controle da deciso do relator queconverte em retido o agravo interposto na modalidade de instrumento (art. 527, II) ou queindefere o pedido de efeito suspensivo ou a antecipao da tutela recursal (art. 527, III). A pesquisa em torno da revisibilidade daquele ato relaciona-se com o que o inciso LV do art. 5da Constituio Federal denominada, de ampla defesa com os meios e recursos a elainerentes? Ser que a sensao , generalizada, de que o texto legal no inibe que, de alguma

    forma, o ato monocrtico do relator seja revisto indicativo da existncia de um princpio doduplo grau ou da colegialidade no mbito dos Tribunais?13

    Faz diferena, por fim, que o conhecido princpio econmico que a nossa primeiradoutrina de direito processual civil j fazia expressa meno,14 esteja, hoje, compreendidoexpressamente no inciso LXXVIII do art. 5 da Constituio Federal,15 introduzido pelaEmenda Constitucional n. 45/2004? necessrio que haja novas leis que garantam aceleridade da tramitao do processo para o atingimento daquele mister ou suficiente,

    11. Para essa discusso, v. a doutrina de; Luiz Guilherme Marinoni,Teoria geral do processo . So Paulo: Revistados Tribunais, 2006, p. 40-88 e Humberto Theodoro Jr.,Curso de direito processual civil , vol. I. 48 edio. Rio deJaneiro: Forense, 2008, p. 19-21 e 29-30.12. Para uma resposta questo, v. meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 1. 2a edio, SoPaulo: Saraiva, 2008, p. 289-293.13. Para uma resposta questo, v. meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 5. So Paulo: Saraiva,2008, p. 17-20 e 167-171.14. Assim, por exemplo, Paula Batista (Teoria e prtica do processo civil e comercial . So Paulo, Saraiva, 1988, p.58), que se refere s condies inerentes ao processo; Joo Mendes de Almeida Junior ( Direito Judiciriobrazileiro . So Paulo, 1918, p. 359-363), que trata da necessidade de simplificao do processo e Aureliano de

    Gusmo ( Processo civil e commercial . So Paulo: Saraiva, 1939, p. 16-20), que se ocupa dos requisitos primordiais do processo: simplicidade, celeridade e economia.15. Art. 5. (...). LXXVIII a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao..

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    enquanto no h novas leis, a reinterpretao do sistema infraconstitucional a partir daquelevetor?

    Ser que aexplicitao daquele princpio na nossa prpria Constituio contribui, dealguma forma, na pesquisa em torno de uma das maiores incongruncias de que ainda padece onosso sistema processual civil, qual seja, o da apelao ter duplo efeito, mxime quando odever-poder geral de antecipao regra consagrada e de largo uso entre ns? Mesmosem a aprovao do Projeto de lei n. 3.605/2004, que tramita perante a Cmara dos Deputados e, luz do modelo constitucional,independentemente dela , possvel entender quecabe ao juiz de cada caso concreto tirar o efeito suspensivo da apelao, admitindo a sua

    execuo provisria, isto , antecipar a tutela quando do proferimento da sentena?16

    Sobre o assunto, ainda importa destacar: qual o papel que os legislativos estaduais

    devem desempenhar para alcanar a celeridade e a razovel durao do processo luz dadistino feita pela Constituio Federal entre normas de processo , cuja competncia legislativa exclusiva da Unio, e normas de procedimento , estas a cargo da legislaoconcorrente daquele ente federado e dos Estados?17 As usuais delegaes legislativas aos RegimentosInternos dos Tribunais, Superiores, Estaduais ou Regionais Federais esbarraria naqueles

    dispositivos constitucionais?18

    O outro grupo componente do modelo constitucional do direito processual civil o

    relativo estrutura e organizao do Poder Judicirio brasileiro, federal e estadual. Toda elaest na Constituio Federal, e, toda evidncia, no pode ser desconhecida por nenhuma lei.

    Pertinente ilustrar a afirmao com a recente ADI 4.078/DF, proposta pela Associaodos Magistrados Brasileiros, que busca, do Supremo Tribunal Federal, a interpretaoconforme do art. 1, I, da Lei n. 7.764/1989, que dispe sobre a composio do Superior Tribunal de Justia, luz do tero constitucional do art. 104, I, da Constituio Federal nosentido de os magistrados que compem o STJ s poderem ser os de carreira e no os levadosaos Tribunais de Justia e aos Regionais Federais pelo quinto constitucional do art. 94 da

    16. Para uma resposta questo, v. meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 5, cit., p. 73-77.17. Art. 22. Compete privativamente Unio legislar sobre: I direito civil, comercial, penal, processual, eleitoralagrrio, martimo, aeronutico, espacial e do trabalho. Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao DistritoFederal legislar concorrentemente sobre: (...) XI procedimentos em matria processual..18. A principal, dentre tantas questes, diz respeito possibilidade de os Tribunais criarem, no mbito de seusregimentos internos, recursos ou, mais amplamente, tcnicas de controle das decises de seus rgos, como o(impropriamente) chamado agravo regimental. Sobre o tema, v. o meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 5, cit., p. 194-196.

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    mesma Carta. A importncia do tema dispensa maiores comentrios ou a emisso de qualquer juzo de valor.

    Tambm a recente Lei n. 11.672/2008, que, ao introduzir o art. 543-C no Cdigo deProcesso Civil, disciplina os chamados recursos especiais repetitivos ou por amostragem tpico caso que deve, antes de qualquer preocupao relativa tcnica daqueles recursos, passar por uma anlise constitucional. As modificaes trazidas por aquele diploma legislativoconflitam com os ditames constitucionais relativos aos recursos especiais? A deciso doSuperior Tribunal de Justia, proferida no Recurso Especial tem efeito vinculante? Comoentender os incisos I e II do 7 do art. 543-C? possvel que os Tribunais de segunda

    instncia julguem recursos especiais? Faz diferena, para resposta a essas questes, o exame daProposta de Emenda Constitucional n. 358/2005, ainda em trmite na Cmara dos Deputados,que, ao propor diversas modificaes no art. 105 da Constituio Federal, introduz um novo 3o naquele dispositivo segundo o qual: Alei estabelecer os casos deinadmissibilidade dorecurso especial? Pode, em suma, a to propugnada destinao poltica do Superior Tribunalde Justia desviar-se do modelo constitucional?19

    E o art. 518, 1, do Cdigo de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 11.276/2006 e

    que consagrou o que vem sendo chamado de smula impeditiva de recursos? Ele se aplicaaos recursos especiais ou h necessidade de se aguardar o novo art. 105-A da ConstituioFederal idealizado pela referida Proposta de Emenda Constitucional?20

    A busca das respostas a essas questes, tomo a liberdade de acentuar, so tanto maisimportantes eurgentes quando se constata as atribuies do NUPRE (Ncleo de ProcedimentosEspeciais da Presidncia) criado pela Resoluo n. 2/2008 e regulamentado pela Resoluo n3/2008 ambas da Presidncia do Superior Tribunal de Justia.

    O terceiro grupo a compor o modelo constitucional do direito processual civil o dasfunes essenciais Justia. a Constituio Federal quem as descreve e as disciplina, demaneira mais ou menos exaustiva: o que a magistratura e o que e o que faz o magistrado; oque o Ministrio Pblico e o que o que fazem o seus membros; o que a advocacia, pblicaou privada, e o que fazem os seus membros; por fim, mas no menos importante, o que aDefensoria Pblica e o que fazem os seus membros. Todas essas questes so postas na

    19. Para uma resposta a essas questes, v. meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 5, cit., p. 274-278.20. Idem supra .

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    Constituio Federal e a partir delas que temas no menos polmicos e importantes para asnossas instituies devem ser enfrentados.

    Para atuais exemplos que mostram a importncia e a atualidade do assunto, vale alembrana dos Mandados de Segurana impetrados pelo Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil com relao ao preenchimento de uma das vagas reservadas advocaciano mbito do Superior Tribunal de Justia, perante aquele Tribunal (MS 13.532/DF) e tambm perante o Supremo Tribunal Federal (MS 27.310/DF); da recente aprovao, pela Cmara dosDeputados, do Substituto ao Projeto de Lei n. 5.762/2005, que torna crime a violao a direito ea prerrogativa do advogado impedindo ou limitando a sua atuao profissional prejudicando

    interesse legitimamente patrocinado; e, no menos importante, dos debates que a recenteSmula vinculante n. 5 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a falta de defesa tcnica por advogado no processo administrativo disciplinar no ofende a Constituio, tem geradonos meios jurdicos, mxime quando confrontada com a Smula 343 do Superior Tribunal deJustia que entende ...obrigatria a presena de advogado em todas as fases do processoadministrativo disciplinar..

    No menos importante a respeito do atual estgio das instituies que desempenham as

    funes essenciais justia o destaque de que, por sua misso institucional, analisada desdea perspectiva constitucional, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pblica podemedevem atuar mais ativamente no processo jurisdicional desempenhando, se no o mesmo papel, pelo menos um papel bastante prximo quele que, historicamente, cabe ao Ministrio Pblicona qualidade decustos legis ou fiscal da lei.21

    , por fim, a Constituio Federal quem disciplina por vezes, at com minudnciatpica de umalei , a forma pela qual o Judicirio deve-ser provocado para resolver as mais

    variadas questes. A esse quarto grupo do modelo constitucional do direito processual civil,fazem parte os procedimentos jurisdicionais constitucionalmente diferenciados. o que se dcom a tutela jurisdicional das liberdades pblicas (mandado de segurana,habeas corpus eetc.); com o controle de constitucionalidade (concentrado e difuso), com as Smulasvinculantes do STF, com a interveno federal e estadual, com a reclamao e com a prpriaexecuo contra a Fazenda Pblica.

    Questes como a nova Lei n. 11.232/2005 altera a execuo contra a FazendaPblica? ou considerando a nova sistemtica recursal h, ainda, espao para a sobrevivncia

    21. Para essa demonstrao, v. o meu Amicus curiae no processo civil brasileiro , cit., esp. p. 646-655.

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    de institutos como a suspenso de segurana? devem necessariamente ser respondidas a partir da Constituio Federal, sendo insuficiente sua anlise voltada, apenas, ao Cdigo deProcesso Civil e legislao processual civil extravagante e que nem sempre lei masmedida

    provisria que de provisria tem s o nome.22

    Como a variedade e a gravidade de temas extraveis da Constituio Federal revela, a proposta aqui destacada no pode se encerrar na sua localizao naquele plano. Muito mais doque isto, o que importa colocar em relevo a necessidade de, uma vez identificado o statusconstitucional desses temas, seu estudo, de suas estruturas e de suas aplicaes dar-se desde aConstituio Federal. No suficientelistar temas e assuntos. O que importa que os temas

    sejamaplicados a partir do seu habitat tpico do direito brasileiro, a Constituio Federal. Trata-se de construir a bem da verdade,reconstruir o pensamento do direito processual civildaquela tica, contrastando a legislao processual civil a todo o tempo com o modeloconstitucional, verificando se e em que medida o modelo foi ou no alcanadosatisfatoriamente. Trata-se, vale a nfase, de apontar a necessidade de uma alteraoqualitativa e consciente na interpretao e na aplicao da legislao processual civil que no pode sedesviar daquele modelo.

    fundamental ter conscincia de que a interpretao da lei no se esgota nela mesma. Oque comezinho em outros ramos do direito e o direito tributrio um exemplo bemmarcante tem que ser adotado pelo processualista civil (e penal e trabalhista). Oconstitucionalismo do processo tem o condo de alterar o seu modo de pensamento, o seu modode compreenso. Trata-se, para parafrasear Mauro Cappelletti com relao ao acesso Justia,23 de eleger conscientemente a Constituio como programa de reforma e comomtodo de pensamento do direito processual civil.

    22. Para respostas s questes, v., respectivamente, meuCurso sistematizado de direito processual civil , vol. 3. SoPaulo: Saraiva, 2008, p. 382-384, e o meuO poder pblico em juzo . 4 edio. So Paulo: Saraiva, 2008, p. 103-110.23. No original, Cappelletti, refere-se ao acesso justia como programa de reformar e como mtodo de pensamento. H verso para o portugus do trabalho veiculada no vol. I de seu Processo, ideologias e sociedade ,traduzido e anotado por Elcio de Cresci Sobrinho, publicado pela Sergio Antonio Fabris, de Porto Alegre, 2008. Oreferido estudo est nas pginas 379 a 397. A dimenso constitucional, que consiste na busca de certos valorefundamentais, que muitos ordenamentos modernos afirmaram com normas s quais assina-se fora delex superior ,vinculando o prprio legislador (ordinrio), impondo sua observncia atravs de formas e mecanismos jurisdicionais especiais, acentuada pelo Mestre nas primeiras linhas de seu trabalho (p. 379), sem deixar desublinhar, por outra parte e desde j, a estreita conexo entre esta ltima dimenso (a dimenso social que nassuas manifestaes mais avanadas pode ser expressa na frmula de uso corrente nos ltimos anos:acesso aoDireito e Justia, p. 381) e aquelas outras duas dantes mencionadas (a dimensoconstitucional e a dimensotransnacional ). Para se compreender tal conexo basta considerar, por um lado, que um aspecto essencial dadimenso social do Direito e da Justia est representado, precisamente, pelo surgimento dos direitos sociais, aolado dos tradicionais direitos individuais de liberdade e consolidao dos mesmos (...); de maneira a configurar a

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    A metodologia aqui evidenciada tanto mais importante quando se constataobjetivamente o grande nmero de Reformas do Cdigo de Processo Civil. Que elas sonecessrias, no h por que duvidar. O Estado, o jurisdicionado, suas necessidades e suaconscincia de acesso justia de hoje no so os da dcada de sessenta, que viu o Cdigo deProcesso Civil ser promulgado em 1973, com entrada em vigor em 1974.

    As Reformas, isto que importa acentuar, no se limitam a alterar meras tcnicas processuais para obteno de melhores resultados sensveis no plano do processo. Elas so mais profundas. Elas tiveram o condo de trazer novos temas, novas estruturas, novos desafios,enfim, ao ambiente daquele Cdigo impondo, conseqentemente, a busca de novos paradigmas

    capazes de dar interpretao das mais recentes normas jurdicas, em convvio com as antigas,um senso de unidade e de operacionalidade. No que acoerncia seja necessria para aexistncia de um sistema jurdico mas ela necessria para o adequado funcionamento dessemesmo sistema. O modelo constitucional do direito processual civil tem o condo de mostrar-se norte interpretativo seguro para o atingimento dessa finalidade.

    Essas consideraes, longe de pretenderem desviar a ateno das senhoras e dossenhores aqui presentes do que ser exposto pelos palestrantes, querem evidenciar tornar

    consciente, portanto anecessidade da adoo dessa perspectiva metodolgica. No se trata,enfatizo o ponto, de saber os temas que a Constituio trata sobre direito processual civil mas,muito mais do que isto, aplicar diretamente as diretrizes constitucionais com vistas obtenodas fruies pblicas resultantes da atuao do Estado, inclusive no exerccio de sua funo jurisdicional. A lei, neste sentido, deve se adequar, necessariamente, ao atingimento daquelesfins; no o contrrio.

    A respeito dessa considerao, vale trazer colao a lio de Joan Pic I Junoy, que me

    foi ensinada recentemente pelo meu carssimo Professor Joo Batista Lopes, da PUCSP. Para o prestigiado Professor da Universidade de Barcelona, que tambm se vale dos ensinamentos deAndolina e Vignera, a partir da nova perspectiva ps-constitucional, o problema do processono se limita apenas ao seu ser, dizer, sua concreta organizao de acordo com as leis processuais, mas tambm ao seu dever-ser, ou seja, conformidade de sua disciplina positivacom as previses constitucionais..24

    mesma dimenso constitucional que, tambm, adquiriu uma dimenso social (p. 383, sem os esclarecimentos esupresses entre parnteses). 24. Las garantas constitucionales del proceso . 3 reimpresso. Barcelona: Bosch, 2002, p. 39. No original: Comohemos tenido ocasin de advertir, bajo la nueva perspectiva post-constitucional el problema del proceso no solo

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    Este dever-ser do processo em consonncia com o modelo constitucional do direito processual civil que justifica cada um dos temas que sero enfrentados na tarde de hoje eque, evidentemente, no so exaustivos. So mltiplas, com efeito, as possibilidades do estudo ou do reestudo do direito processual civil a partir do modelo constitucional do direito processual civil como a indicao anterior tem o condo de revelar.

    Ao ensejo dos 50 anos de existncia do Instituto Brasileiro de Direito Processual, odesejo que esta iniciativa seja entendida como mais uma semente plantada para, no presente eno futuro, florescer nas discusses que consolidaro no s o estudo cientfico do direito processual civil mas as nossas instituies democrticas, verdadeiro e maior objetivo daquela

    postura acadmica.As respostas s questes aqui propostas, meramente ilustrativas, repito, querem, em

    ltima anlise, transformar em ser o que deve-ser, desde o modelo constitucional, paraimpedir ainda o eco da lio de Frederico Marques a ser ouvido que o processo sejacompreendido no como simples tarefa de rotina forense, destinado a fornecer soluesadministrativas para os problemas, que no so poucos, da prtica do foro, mas comoinstrumento direto de realizao da justia..25

    hace referencia a su ser , es decir, a su concreta organizacin segn las leyes de enjuiciamiento, sino tambin a sudeber ser , es decir, a la conformidad de su regulacin positiva con las previsiones constitucionales..25. As duas expresses entre parnteses, da autoria de Eduardo Couture, so empregadas por Jos FredericoMarques, Ensaio sobre a jurisdio voluntria , cit., p. 12.