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TSI-227/2004 Página 1
Processo n.º 227/2004
Data: 17 de Março de 2005
Assuntos: - Regime de cassação
- Caso julgado
- Desvio de poder
- Violação da lei
- Subsídio tutelar das vítimas dos crimes violentos
- Perturbação considerável do nível de vida
- Ónus de prova
SUMÁRIO
1. O recurso contencioso (com excepção das acções referidas no
Capítulo V do CPAC) configura-se pela “cassação” e não a
substituição, não podendo o Tribunal no recurso contencioso,
em substituição da Administração tomar uma decisão no
sentido de determinar a prática de actos pela Administração,
mas sim de mera anulação.
2. O caso julgado formal denota que a decisão só é obrigatória
intra muros do processo, isto é, na lide em que foi proferida.
3. O caso julgado material traduz-se que a decisão tem força
obrigatória, dentro do processo e fora dele, quanto aos sujeitos,
ao pedido e à causa de pedir.
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4. Não há violação do princípio do caso julgado, a Administração,
após o trânsito do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância
que anulou o acto administrativo, com fundamento de, ao
indeferir o pedido do subsídio às vítimas dos crimes violentos,
ter incorrido no erro na aplicação do nº 6 do artº 1º da Lei
6/98/M – questão de pressuposto da autorização daquele
subsídio –, veio indeferir novamente o pedido com
fundamento diverso da decisão anterior que consiste em não
verificação de um dos requisitos previstos na al. c) do nº 1 do
artigo 1º da mesma Lei.
5. O desvio de poder é um vício que afecta o acto administrativo
praticado no exercício de poderes discricionários quando estes
hajam sido usados pelo órgão competente com fim diverso
daquele para que a lei os conferiu ou por motivos
determinantes que não condigam com o fim visado pela lei
que conferiu tais poderes.
6. A indemnização a conceder pela Região às vítimas de crimes
violentos, bem como, no caso de morte, às pessoas com direito
a alimentos, pressupõe cumulativamente, os requisitos
previsto no nº 1 deste artigo, entre quais, que o requerente
tenha sofrido, em consequência do crime, uma perturbação
considerável do nível de vida.
7. O apuramento da verificação deste requisito implica o cotejo
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da situação económica do requerente da indemnização no
momento imediatamente anterior ao da prática do crime e os
seus padrões de vida depois dele e por causa dele.
8. O “nível de vida” não prende com a “qualidade da vida”, e a
perturbação considerável refere-se a uma perda efectiva do
que se possuía, e não a um afastamento do que possivelmente
se poderia atingir, relevando a diferença notória entre as
situações económicas ou financeiras imediatamente anteriores
do crime e o verificado depois, por causa dele, sem exigência
que o titular da indemnização tenha caído num estado de
carência económica ou de miséria.
9. Se dos factos constantes dos autos não se verifica uma perda
efectiva para se poder concluir pela “perturbação
considerável” do nível da vida, mesmo o pedido consiste
apenas na reparação dos danos morais, não se pode dar como
verificado o requisito previsto na Lei, devendo ser o pedido
indeferido.
O Relator,
Choi Mou Pan
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Processo n.º 227/2004
Recorrente : (A)
Recorrido: Chefe do Executivo da R.A.E.M. (澳門特別行政區行政長官)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
(A) recorreu do despacho do Exmº Chefe do Executivo da Região
Administrativo Especial de Macau, de 8 de Julho de 2004, que indeferiu
o seu pedido de pagamento do subsídio de protecção às vítimas de
crimes violentos no Processo nº 09/CPVCV/99, alegando que:
“1. O douto acórdão deste Emérito Tribunal prolatado no
processo n.º 22/2000 decidiu a matéria aqui em causa:
- que se tratava de um acidente não em serviço;
- e em consequência, o recorrente estava abrangido pela
previsão da lei n.º 6/98/M de 17/08, tendo direito ao
subsídio por danos morais;
2. A administração recorrida conformou-se com tal decisão, não
recorrendo nem pedido aclaração, pelo que transitou em
julgado;
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3. O id. acórdão que deu provimento ao recurso do aqui
recorrente cobre com a autoridade de caso julgado o
reconhecimento da existência duma situação e da sua
qualificação jurídica, isto é, a respectiva recondução ao tipo
legal disciplinador do exercício do poder manifestado com o
acto anulado;
4. O princípio da preclusão do deduzido e do dedutível funciona
no âmbito do recurso, como em qualquer processo judicial,
com o alcance de impedir que em novo processo (o acto
anulável) se possam invocar argumentos tendentes a pôr em
causa a decisão que foi tomada quanto à verificação de um
determinado vício respeitante ao acto;
5. Ademais, e tendo em conta a natureza do acto, ele está ferido
de nulidade.
6. A perturbação considerável do nível de vida não se reduz à
modificação substancial dos danos materiais emergentes;
7. A “perturbação” não é aferida (somente) pela contabilização
ou não de subsídios auferidos ou de perdas de remuneração;
Se assim fosse, era e é facultado ao recorrente a reparação das
perdas de ganho pelas regras do mesmo diploma legal;
8. Aquela, tem a ver com a verificável e demonstrada situação de
factores objectivos dos danos físicos e psíquicos extremamente
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graves que atingiram o recorrido, que perduram no tempo,
não completamente sindicáveis à altura do pedido, por força
de eventual caducidade do mesmo, ao ponto de, no dia de hoje,
a sua situação angustiante de memória do atentado o assaltar
diariamente;
9. Face aos documentos clínicos juntos logo como o Pedido
Inicial, e para um homem médio, o bonus pater familiae,
colocado naquela posição, era de prever, tal como veio a
suceder, que as lesões sofridas iriam, como vieram, a causar
perturbações consideráveis na sua vida profissional, familiar e
privada;
10. Aliás, ao nível profissional não pode sequer ascender à
carreira de sub-chefe, por o programa de concurso exigir
provas físicas que o recorrente não consegue fazer;
11. Os subsídios e remunerações auferidos não são limitadores do
pedido de danos morais (cfr. Art. 5.º), pois aquele diplomo só
faz afastar tal pretensão se acaso o peticionante tivesse
reclamado o mesmo a qualquer outra entidade.
12. A administração exorbita dolosamente das suas funções e
poderes, pois criou de forma ostensiva nas instâncias e no
particular a capciosa deturpação do decidido por este Emérito
Tribunal;
13. A administração faz um juízo errado da matéria de facto,
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olvidando deliberadamente a matéria carreada no Pedido
Inicial, que além de não ter sido contestada, parte dela foi
aceite na Contestação ao primeiro recurso interposto;
14. Tais factos, demonstráveis por si, pela natureza do homem,
pela experiência humana, devidamente alegados e até
comprovados por documentos, são compagináveis e
abrangidos na previsão da alínea c) do n.º 1 do Art. 1.º da lei
n.º 6/98/M de 17/08.
15. Daí que a decisão recorrida tenha feito errónea interpretação e
aplicação daquele último preceito, bem como todo o bloco de
legalidade que enforma o procedimento administrativo, como
sejam a autoridade do julgado, os vícios de violação de lei e
desvio de poder.”
Pede, assim a anulação do acto recorrido, com todas as
consequências legais, nomeadamente, devendo a administração da
RAEM ser intimada a pagar ao recorrente a quantia de € 32.421,863, A
título de danos morais, acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a
data do pedido até efectivo pagamento.
Citada, a entidade recorrida respondeu que:
1. Contra o que alega o Recorrente,
- Nem na fundamentação do acto administrativo se invoca
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qualquer insuficiência instrutória ou falta de alegação de
factos,
- Nem existe decisão judicial que conceda ao Recorrente o
direito ao subsídio por danos morais,
- Nem a factualidade carreada para os autos permite semear
qualquer dívida sobre alegados fins ou motivos
inconfessados na actuação da Entidade Recorrida;
2. O acto administrativo sub judice fundamenta-se na
circunstância de o pedido de concessão de subsídio não reunir
o requisito constante da alínea c), do n.º 1, do artigo 1.º, da Lei
n.º 6/98/M;
3. Ora, não havendo – como não há – decisão judicial a censurar
ou a vedar a aplicação que a Entidade Recorrida faz desse
preceito é manifesto que não se verifica, in casu, a alegada
excepção de caso julgado;
4. Improcedem, pois, as alegações sintetizadas nas conclusões 1.ª
a 4.ª da petição;
5. Quanto à afirmação vertida pelo Recorrente na petição, sub
conclusão 5.ª, o certo é que os factos não consentem sequer
qualquer especulação sobre a eventual nulidade do acto
administrativo, seja por um hipotético desvio de poder, seja
por uma pretensa violação de lei;
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6. Decerto que, como o simples cotejo das disposições da Lei n.º
6/98/M permite comprovar, na situação concreta em análise
vários são os motivos que explicam o acto administrativo ora
posto em crise, avultando especialmente os motivos
relacionados com o disposto no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3;
7. Mesmo, porém, que se provasse terem sido esses os motivos
reais da decisão – prova que, no entanto, o Recorrente não
logrou fazer -, a verdade é que a Entidade Recorrida estaria,
ainda assim, a proceder no horizonte dos fins legalmente
estabelecidos, pelo que não é acertado falar, na situação sub
judice, em desvio de poder;
8. Subjacente às conclusões 6.ª a 14.ª da petição do Recorrente
está uma leitura da alínea c), do n.º 1, do artigo 1.º, que não
respeita as regras da interpretação da lei e que, et pour cause,
não tem qualquer apoio doutrinal ou jurisprudencial;
9. A alínea c), do n.º 1, do artigo 1.º, da Lei n.º 6/98/M consagra
um requisito de admissão ao benefício do subsídio relacionado
com a situação financeira da vítima;
10. Este requisito é aplicável mesmo que o pedido se reporte
apenas a danos não patrimoniais;
11. Tanto assim é que, se a vítima sofrer o dano não patrimonial
mais valioso – o dano da morte ou da perda da vida -, a
concessão do subsídio às pessoas com direito a alimentos não é
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automática: tem que se ponderar se do sinistro resultou, ou
não, perturbação considerável do nível de vida.
12. Na situação concreta, foi feita a comparação dos padrões
devida do Recorrente e seu cônjuge que se verificavam no
período antes do sinistro com o nível de vida que ele passou a
ter em consequência do crime e concluíu-se, bem, que não
houve perturbação considerável;
13. Por conseguinte, o acto administrativo em causa não padece
de qualquer vício.
Pugna pela improcedência do recurso e a manutenção
do acto que recusou a atribuição ao Recorrente do subsídio nos
termos do regime jurídico de protecção às vítimas de crimes
violentos.
Correram os normais termos processuais.
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto
parecer que se transcreve o seguinte:
“Vem (A) impugnar o despacho do Chefe do Executivo da RAEM de
8/7/04 que lhe indeferiu pagamento de subsídio de protecção às vítimas de
crimes violentos, por não reunir o requisito exigido na al c) do nº 1 do artº 1º da
Lei 6/98/M de 17/8, assacando-lhe vícios de ofensa de caso julgado, desvio de
poder e violação de lei, mais concretamente do normativo supra citado.
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Uma primeira nota: nos termos do artº 20º do C.P.A.C. “Excepto
disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por
finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou
inexistência jurídica”.
Desta forma, os tribunais administrativos ou funcionando como tal,
exercem uma função de controlo e não de substituição da Administração, não
constituindo aqueles uma Administração de grau mais elevado, não podendo,
por regra, o juiz ir além da declaração de invalidade ou anulação do acto
impugnado, daqui decorrendo que o pedido a formular apenas poderá consistir
na declaração de inexistência, nulidade ou anulação do acto recorrido: qualquer
outro pedido, ter-se-á como legalmente inadmissível.
No caso vertente, o recorrente, pese embora solicite a anulação do acto
impugnado, acaba por, complementarmente, requerer dever a “...
administração da RAEM ser intimada a pagar ao recorrente a quantia de E.
32.421, 863, a título de danos morais, acrescida de juros moratórios à taxa legal
desde a data do pedido até efectivo pagamento”.
Como é evidente, à luz dos princípios supra mencionados, tais pedidos
complementares são legalmente inadmissíveis. E, daí, deverem os mesmos ser
rejeitados.
Quanto ao restante:
Parece assistir ao recorrente, quando invoca a ofensa do caso julgado,
alguma confusão no que tange ao objecto, quer do presente, quer do anterior
recurso contencioso: o objecto, neste como naquele, é o acto administrativo que
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negou provimento à sua pretensão e não esta última, em si mesmo considerada.
A decisão deste Tribunal de 5/2/04, no âmbito do proc. 22/2000
limitou-se a, em obediência ao decidido pelo Venerando TUI em 30/7/03,
sindicar se o atentado de que o recorrente foi vítima deveria ou não ser
considerado como acidente em serviço, decidindo pelo negativa, razão por que
acabou por anular-se o acto de indeferimento do pedido de subsídio, com
fundamento em errada aplicação do nº 6 do artº 1º da Lei 6/98/M, uma vez que
tal indeferimento se estribara no entendimento que o ocorrido perfigurava
efectivamente acidente de serviço.
Nem mais, nem menos.
Ora, o indeferimento a que se reporta o acto aqui em crise, aceitando
aquela decisão do Tribunal, decidiu denegar, de novo, a pretensão do
recorrente, fundando-se, desta feita, no não preenchimento do requisito
constante da alínea c) do nº 1 do artº 1º da Lei 6/98/M, matéria nunca dantes
avaliada ou decidida, quer em sede administrativa, quer judicial.
Existe, pois, um novo acto administrativo também de indeferimento, é
certo, mas baseado em fundamentos diferentes dos anteriormente invocados.
No caso vertente o caso julgado é constituído pela decisão deste Tribunal
de 5/2/04 de anulação do acto recorrido e pelo vício que fundamentou essa
decisão, ou seja, a errónea interpretação da entidade administrativa de que o
atentado verificado configurava acidente de serviço, sendo, por isso, arredada a
concessão do subsídio pretendido, nos termos do nº 6 do artº 1º da Lei 6/98/M,
resultando de tal Acórdão a proibição para a Administração de praticar novo
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acto inquinado pelo mesmo vício.
E, como se viu, foi o que sucedeu: a Administração, acatando o
judicialmente decidido, absteve-se de praticar novo acto de indeferimento com
base no mesmo entendimento que o atentado configurava acidente de serviço.
Indeferiu, de novo, mas com base em fundamento nunca antes invocado
ou sindicado.
Donde, sem necessidade de maiores alongamentos ou considerações,
tornar-se evidente a não ofensa do caso julgado.
Não se entende, por outro lado, como possa, no caso, defender-se a
ocorrência de desvio de poder.
Sendo certo que competiria ao recorrente alegar e provar os factos
constitutivos da assacada existência de tal vício, mais concretamente, quais os
interesses reais determinantes para a decisão não coincidentes com os legais e
que, manifestamente, não o fez, não deixará de se referir que o fim visado pela
lei – no caso, a Lei 6/98/M – é o de atribuição dos “subsídios às vítimas de
crimes violentos” às pessoas que reúnam os requisitos ali previstos.
Aparentemente, ao negar provimento à pretensão formulada pelo
recorrente, por entender não estar preenchido um daqueles requisitos, mais não
faz a entidade recorrida que prosseguir o visado fim legal?
Onde, pois, a ocorrência de tal vício?
Finalmente, o diploma em análise – Lei 6/98/M – contempla a
possibilidade de as vítimas de crimes violentos receberem uma indemnização
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por parte do Território, se não ocorrer uma efectiva reparação do dano por
outros meios.
Tal dever de indemnizar não significa o reconhecimento pelo Território
de uma qualquer obrigação, decorrente designadamente de não ter ido mantida,
“in casu”, a segurança pública, advindo ùnicamente de uma ideia de
solidariedade social, tratando-se, portanto, de assegurar que à fatalidade de se
haver sofrido um crime daquele tipo, se não sigam também os efeitos penosos
na esfera jurídica das vítimas, protegendo-as nesta vertente, ainda que em
montantes limitados.
Nos precisos termos da al c) do nº 1, do artº 1º da citada Lei, é requisito
para a atribuição do subsídio “ter o prejuízo provocado uma perturbação
considerável no nível de vida da vítima ou nas pessoas com direito a
alimentos”.
A referência ao ”nível e vida” denota que a protecção a fazer incide
exclusivamente em questões de natureza patrimonial (mesmo, òbviamente, nos
casos, como é o vertente, em que se encontram em causa apenas danos não
patrimoniais, também ressarcíveis, nos termos do nº 5 do artº 1º do diploma em
questão), sendo suposto que o evento haja causado “perturbação considerável”
no “modus vivendi” do peticionante, ou seja, a indemnização só é de conceder
quando, por vida do crime e dos seus efeitos, sobreveio uma perda dos bens ou
rendimentos que forçou a vítima a uma baixa significativa dos padrões
materiais da sua existência.
Por outro lado, o que releva é a diferença entre o nível de vida fruído
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imediatamente antes do crime e o verificado depois, por causa dele, não se
permitindo comparar a situação que existiria, não fora o crime, na ocasião de
dedução do pedido indemnização, com o que então exista realmente. É que,
neste caso, o hipotético enriquecimento que a ausência do crime porventura
propiciaria não chegou a ser experimentado pelo credor da indemnização,
motivo porque se não pode falar de uma concreta e efectiva perturbação do seu
nível de vida, importado, assim, cotejar a situação económica do requerente
antes e depois do crime acontecido, sendo que os contrastes entre os dois
momentos só releva para efeitos de atribuição da indemnização quando a
descida do nível de vida for “considerável”, registando-se uma avolumada
sensação de decréscimo patrimonial, justificando o desânimo daí decorrente
uma correcção solidária por parte do Território (cfr. a este propósito, ac. do STA
de Portugal – aqui citado a título puramente doutrinal – de 29/4/03, proc.
0290/02, já referido pela entidade recorrida)
No caso, conforme o recorrente bem explicita – cfr ponto 4º da respectiva
P.I – “o pedido de subsídio era e é apenas para reparação dos danos morais”,
concretizando-se os mesmos, de forma sumária, nas várias vertentes das
consequências dos ferimentos sofridos: dores, imobilização e consequente
privação do uso livre do corpo, padecimentos, desgosto, angústia e abalo
psíquico derivados dos defeitos físicos padecidos, angústia e medo da morte,
além de limitação da actividade profissional e impossibilidade de subir na
carreira.
Nestes parâmetros, afigura-se-nos bem ter agido a entidade recorrida ao
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indeferir a pretensão do recorrente, por não verificação do requisito que vimos
abordando, uma vez que este nem sequer alega que o seu nível de vida (nos
estritos contornos a que supra aludimos, isto é, em termos sintéticos, a sua
situação económico/financeira) tenha sofrido considerável perturbação ou
degradação, limitando-se, isso sim, a expressar consequências do evento que
têm a ver com substancial alteração da sua “qualidade de vida”, matéria a não
relevar para o específico que agora nos ocupa.
De resto, sintomático se torna, a tal nível, que o recorrente se limite ao
pedido de danos morais. É que, em boa verdade, nem poderia ser de outra
forma, já que a nível patrimonial demonstrado se encontra ter o Território
(fundado, quiçá, na errónea qualificação do evento como “acidente de serviço”)
suportado todas as despesas de saúde, médicas e medicamentosas (Mop
108.884,80), de transporte para Portugal (Mop 218.504,00), continuando a ser-lhe
abonado, após o sucedido, Mop 20.750,00 de remuneração mensal até ao termo
do contrato além do quadro em 30/9/99, data a partir da qual passou a ser
remunerado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, não se vendo, pois,
que a sua situação profissional e financeira tenha piorado, ou, pelo menos, que
tenha sofrido considerável perturbação.
Daí que se nos afigure bem ter a entidade recorrida interpretado quer o
sentido da norma invocada como causa do indeferimento, quer a situação
concreta do recorrente, razão por que se não vê afrontado qualquer dispositivo
legal.
Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de
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qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a pugnar pelo não provimento
do presente recurso.”
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
São assentes os seguintes factos pertinentes para a decisão.
- Com data de 9 de Junho de 1999, o aqui recorrente formulou
pedido de subsídio ao Território de Macau, nos termos da Lei
n.º 6/98/M de 17/08 (Doc. n.º 1).
- O mesmo tinha como causa o atentado à sua vida de que fora
alvo no dia 13 de Novembro de 1998, por meliantes ainda
desconhecidos, na esplanada da Pastelaria “Caravela”, sita na
Rua Comandante Mota e Oliveira, n.º 7-H, r/c.
- Ficou gravemente ferido, sendo a sua situação clínica
extremamente crítica, ao que viria, em consequência, a ter
danos físicos permanentes.
- Pelo despacho de 24/11/99, o Governador indeferiu o pedido,
estribando-se nas razões aduzidas pelas Comissão de
protecção às Vítimas de Crimes Violentos
- Por ofício de 2/12/1999, foi o indeferimento notificado ao
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recorrente.
- Em 14/12/1999, deduziu o recorrente a reclamação perante o
então Governador.
- Por despacho de 3/2/2000, o Chefe do Executivo indeferiu a
reclamação, sendo como base o parecer da referida Comissão
de 18/1/2000 que opinou não dever ser atendido o pedido de
reclamação no sentido de revogar a decisão tomada no
despacho de Sua Excelência o Encarregado do Governo do
Território de Macau, de 24 de Novembro de 1999 (exarado nos
presentes autos).
- O recorrente interpôs recurso contencioso desta decisão,
perante o Tribunal de Segunda Instância.
- Por Acórdão de 20 de Março de 2003, no Processo nº 22/2000,
obtendo a procedência do recurso no sentido de anulação do
acto recorrido.
- Inconformado com esta decisão judicial, o Chefe do Executivo
recorreu para o Tribunal de Última Instância, onde, por sua
vez obteve o provimento do recurso no sentido da revogação
do Acórdão recorrido, devendo o TSI conhecer das questões
suscitadas pelo recorrente no contencioso.
- Por acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, o Tribunal de Segunda
Instância pronunciou-se no mesmo processo de recurso
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contencioso nº 22/2000, e concedeu provimento ao recurso
contencioso interposto pela vítima e anulou o acto
administrativo recorrido com o fundamento de que, em
virtude de as lesões por arma de fogo sofridas pelo requerente
(A) se tratarem de um caso de “acidente não em serviço”, a
Administração actuou com erro nos pressupostos de direito,
ao indeferir com fundamento no disposto no art.º 1.º n.º
6/98/M, de 17 de Agosto, o pedido de concessão de subsídio
formulado pelo requerente ao abrigo desta mesma Lei.
- O Chefe do Executivo não recorreu deste Acórdão e em
consequência .
- O Chefe do Executivo, por despacho de 8 de Julho de 2004,
reapreciou o pedido do recorrente e acabou por indeferir
novamente o pedido.
- A decisão do Chefe do Executivo foi tomada com base
essencialmente no seguinte parecer da referida Comissão
(elaborado em chinês1), traduzido em português:
1 Este parecer tinha o seguinte teor em chinês:
事由:有關第 9/CPVCV/99 號卷宗發放援助金的申請 1. 一九九八年十二月十三日,大約晚上十一時,當時擔任路環監獄一等第四職階
副警長(A)在馬統領街 X 號 X 地下 XX 餅店露天茶座之一張桌子附近被人用雙槍擊中左肩及腹部。
2. 當時在同一地點,其同事(X)亦中槍。 3. 後者因槍傷不治,當場死亡。 4. 申請人(A)立即被送往澳門仁伯爵綜合醫院,在那裏接受了左後方頸部位之外
科手術(卷宗第 14 頁)。
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5. 一九九八年十二月廿七日該名傷者被轉送位於里斯本之 S. Maria 醫院的神經
系統外科部門。 6. 一九九八年十二月廿九日被轉送波爾圖之 S. João 醫院,接受多項檢查及治
療,留院直至一九九九年一月廿六日。 7. 申請人(A)遭受到“近左手臂部位的軸突性嚴重創傷,大有可能傷及第二層的
帶狀組織,前側及後側方的肌腱的損害較嚴重和前內側方肌腱的傷勢則較輕”(卷宗第 28 頁),這些傷害正是上文第 1 點提及之槍傷的必然及直接後果。
8. 刑事程序已由檢察院完成,其偵查卷宗編號為 3265/98.2PJIMA。 9. 一九九九年六月,申請人(A),居於葡萄牙,根據八月十七日第 6/98/M 號法
律的規定,遞交一份援助金發放申請,請求金額為 6,500,000 士姑度。 10. 援助金發放申請是在適當期間內由具正當性之人士所提出,因為申請人本身為
在澳門地區內發生的故意暴力罪行而直接導致身體嚴重創傷的受害人。 11. 在受襲時,受害人合法處身本地區。 12. 然而,依照一九九八年十二月十四日由原司法事務司司長編寫且於一九九八年
十二月十四日得到前司法事務政務司批示同意的第 332-A 號建議書及其附件之在職意外申報書之內容(卷宗第 187 至 189 頁),上述事實被評定為“在職意外”,這是因為受害人所擔任之特定職務被視為恆久性的工作”。
13. 考慮到這一悲慘事件被行政當局評定“在職意外”以產生六月一日第23/95/M 號法律第四十一條第二及第三款之效力,委員會遵照八月十七日第6/98/M 號法律第一條第六款規定,認為不可接納上述援助金發放申請,因為已對有關損害適用在職意外的規則。
14. 為此,前護理總督於一九九九年十一月二十日作出批示,駁回了申請人所請求的援助金發放申請。
15. 受害人(A)並不認同上述的批示,分別向前總督和中級法院提起聲明異議和司法上訴。
16. 行政長官根據委員會於二零零零年一月十八日所作的意見書,於二零零零年二月三日作出批示,駁回了該聲明異議。
17. 二零零三年二十日,中級法院在第 22/2000 號司法上訴卷宗中作出合議庭裁判,裁定上訴理由成立並撤銷上訴所針對的決定。
18. 行政長官不服該合議庭裁判,向終審法院提起上訴。 19. 二零零三年十月三十日,終審法院在第 12/2003 號對司法裁判之訴卷宗中作
出合議庭裁判,裁定上訴理由成立並廢止上訴所針對的中級法院合議庭裁判,以及命令中級法院對上訴人在上訴中提出的問題予以審理。
20. 二零零四年二月五日,中級法院在第 22/2000 號司法上訴卷宗中作出裁判,認定申請人(A)所遭受的槍傷事件屬“非在職意外”,因此,認為行政當局在審批申請人提出的援助金發放請求時未對該宗事件作出適當的定性,從而在適用第 6/98/M 號法律第一條第六款的規定以駁回該名受害人根據該法律提出的援助金發放請求時存有法律前提的錯誤。基於此,中級法院裁定受害人所提出的司法上訴理由成立,撤銷上訴所針對的行政行為。
21. 遵照行政法務司司長二零零四年二月十二日的批示,委員會於二零零四年二月十八日召開會議,考慮到上述的中級法院合議庭裁判的說明理由,委員會不反對就申請人(A)所遭受的暴力罪行事件被認定為“非在職意外”,並建議無需對該合議庭裁判提出上訴。
22. 二零零四年二月十八日行政長官作出批示,同意上述建議並將卷宗交予委員會跟進。
23. 二零零四年四月二十日,委員會召開會議,在遵照上述的中級法院合議庭裁判,尤其係受害人所遭受的暴力事件被認定為“非在職意外”的情況下,重新審議申請人(A)所提交的申請並作成本意見書。
24. 根據卷宗第 422 頁及續後頁所載,申請人(A)於二零零四年三月二十五日致行
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“… …
A Comissão reuniu em 20 de Abril de 2004 para reapreciar
o pedido formulado pelo requerente (A) e elaborar o presente
parecer, tendo em atenção o acórdão do Tribunal de Segunda
Instância supramencionado, especialmente a classificação do
caso de crime violento de que a vítima tinha sido alvo como
sendo “acidente não em serviço”.
De acordo com o constante a folhas 422 e seguintes dos
autos, o requerente (A) dirigiu em 25 de Março de 2004 ao
Chefe do Executivo um pedido, solicitando que o subsídio de
Esc. 6 500 000$00 seja convertido em €32.421,863.
政長官的申請書中將所請求發放的援助金 6,500,000 士姑度轉為 32,421.863 歐羅。
25. 儘管申請人(A)遭受的不幸事件屬“非在職意外”,但所申請之援助金發放仍取決於第 6/98/M 號法律所規定的其他要件,尤其係該法律第一條第一款 a、b、c、d 項中的各項要件是否同時成立。
26. 關於第 6/98/M 號法律第 1 條第 1 款 c 項所要求的要件(“損害引致受害人或有接受扶養權利的人的生活水平受到相當大的影響”),在卷宗中並不存在任何材料或文件顯示出受害人或有接受扶養權利的人士的生活水平因此宗不幸事件而受到相當的影響。相反地,卷宗載明了申請人在該宗暴力事件發生後仍收取前澳門地區發放的每月薪俸澳門幤 20,750 元直至原編制外合同屆滿日(即一九九九年九月三十日)為止,自該日期起申請人轉由 葡萄牙的監獄總局(Direção Geral dos Serviços Prisionais)發放薪酬,而他的妻子(B)一直以來任職教師,在一九九九年的月薪酬為 241,725 士姑度(參見卷宗第 168 頁及後續頁)。
27. 此外,澳門行政當局因申請人(A)的遭槍擊受傷事件還支付了其他費用,其中包括醫療費澳門幣 108,884.80 元和交通費澳門幣 218,504 元(參見卷宗第 420頁)。
28. 鑑於卷宗所載的以上各項事實,第 6/98/M號法律第 1 條第 1 款 c 項所要求的要件並未符合,這是顯而易見的。
結論 基於上述,根據八月十七日第 6/98/M 號法律第 11 條的規定,委員會建議
不接納申請人所提出的援助金發放請求,因為該法律第 1 條第 1 款 c 項所要求的要件並未符合。 二零零四年六月九日
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Embora o trágico acontecimento que ocorreu ao
requerente (A) se trate de um caso de “acidente não em
serviço”, o pedido de atribuição de subsídio dependia ainda
da verificação de outros requisitos previstos na Lei n.º 6/98/M,
designadamente da verificação cumulativa dos requisitos
previstos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do art.º 1.º da
referida lei.
No que se refere ao requisito da alínea c) do n.º 1 do art.º
1.º da Lei n.º 6/98/M (“ter o prejuízo provocado uma
perturbação considerável do nível de vida da vítima ou das
pessoas com direito a alimentos”), não existe nos autos
nenhum elemento ou documento que mostre que esse
acontecimento trágico tenha provocado uma perturbação
considerável do nível de vida da vítima ou das pessoas com
direito a alimentos. Pelo contrário, ficou demonstrado nos
autos que o requerente continuou a receber, após o acidente,
$20 750,00 (vinte mil setecentas e cinquenta patacas) de
remuneração mensal paga pelo então Território de Macau até
ao termo do contrato além do quadro (30 de Setembro de 1999),
data a partir da qual passou a ser remunerado pela Direcção
Geral dos Serviços Prisionais, e a sua esposa, (B), percebia em
1999, como professora, um vencimento mensal de Esc.
241725$00 (duzentos e quarenta e um mil setecentos e vinte e
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cinco escudos) (a fls. 168 e seguintes).
Por outro lado, a Administração de Macau suportou
também outras despesas, incluindo $108884,80 (cento e oito
mil oitocentas e oitenta e quatro patacas e oitenta avos), a
título de despesas médicas e medicamentosas, e $218 504,00
(duzentas e dezoito mil quinhentas e quatro patacas), a título
de despesas de transporte (a fls. 420), tudo em virtude das
lesões sofridas pelo requerente, (A).
Pelos factos acima expostos e constantes dos autos, é mais
do que evidente que não está reunido o requisito exigido na al.
C) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 6/98/M.
Pelo exposto e em cumprimento do disposto no artigo 11
da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto, propomos que seja
indeferido o pedido de concessão de subsídio, uma vez que o
mesmo não reúne o requisito exigido na al. C) do nº 1 do
artigo 1 da citada Lei.
9 de Junho de 2004. (Assinaturas)”
Conhecendo.
O recorrente pede não só a anulação do acto recorrido como
também a intimação da Administração ao pagamento do subsídio em
causa.
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Como se sabe, o recurso contencioso (com excepção das acções
referidas no Capítulo V do CPAC) configura-se pela “cassação” e não a
substituição, não podendo o Tribunal no recurso contencioso, em
substituição da Administração tomar uma decisão no sentido de
determinar a prática de actos pela Administração, mas sim de mera
anulação. Dispõe claramente o artº 20º do CPAC “Excepto disposição em
contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade
a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou
inexistência jurídica”.
Deste modo, sendo um pedido legalmente inadmissível, deve-se
rejeitar este pedido de “intimação”.
Neste recurso o recorrente levanta três questões:
- violação do caso julgado;
- desvio de poder;
- violação da lei, nomeadamente o artigo 1º nº 1 al. c) da Lei nº
6/98/M de 17 de Agosto.
Vejamos.
1. Violação do caso julgado
Quanto à primeira questão, levanta-se a questão de caso julgado
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por a entidade recorrida ter aceite a decisão do Tribunal de Segunda
Instância pelo facto de não ter recorrido da mesma, tal decisão, que
anulou a decisão do Chefe do Executivo, constitui um caso julgado,
devendo a Administração decidir em conformidade.
Como se sabe, proferida a sentença e decorrido o período de
transitoriedade em que é susceptível de recurso ordinário ou de
reclamação (artigo 582º do Código de Processo Civil), aquela sentença
assume a natureza de definitiva, alcançado-se, então, o conceito de
trânsito em julgado.
O caso julgado distingue-se caso julgado formal e caso julgado
material. Se for formal, a decisão só é obrigatória intra muros do processo,
isto é, na lide em que foi proferida (artigo 575º do CPC), enquanto o caso
julgado material tem força obrigatória, dentro do processo e fora dele, nos
limites fixados pelos artigos 416º e seguintes.
No primeiro caso, o Tribunal é impedido, no mesmo processo, de
apreciar e decidir uma questão que já tinha sido definitivamente
decidida.
No último, pressupõe a repetição da causa, quanto aos sujeitos, ao
pedido e à causa de pedir.
In casu, o que no parece é que o recorrente alega que a
Administração não pode apreciar e decidir uma questão que já se
encontrava definitivamente decidida.
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Independentemente de qual caso julgado pretende adoptar, o
recorrente não tem razão.
Como bem anota o Digno Magistrado do Ministério Público,
verifica-se “alguma confusão no que tange ao objecto, quer do presente,
quer do anterior recurso contencioso: o objecto, neste como naquele, é o
acto administrativo que negou provimento à sua pretensão e não esta
última, em si mesmo considerada”.
Com efeito, o Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância de
5/2/04, como acima relatado, no processo 22/2000, em obediência ao
Acórdão do Tribunal de Última Instância de 30/7/03, respondendo à
questão de saber se o atentado de que o recorrente foi vítima deveria ou
não ser considerado como acidente em serviço e concluindo pela negativa,
decidiu, em consequência, anular o acto de indeferimento do pedido de
subsídio, com fundamento em errada aplicação do nº 6 do artº 1º da Lei
6/98/M.
Perante um regime de “cassação”, veio a Administração, aceitando
aquela decisão do Tribunal, reapreciar o pedido e decidir porém denegar,
de novo, a sua pretensão, com fundamento no não preenchimento do
requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artº 1º da Lei 6/98/M.
Trata-se de um novo acto Administrativo, pela nova matéria sobre
qual nunca se tinha pronunciado quer a Administração quer o Tribunal.
Como podemos ver, no acto anterior, a Administração considerou
que o atentado não se tratava de um acidente de serviços, razão por que
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foi indeferido o pedido (o artigo 1º nº 6 do citado Diploma).
Trata-se então de um pressuposto da autorização do pedido, sem o
qual a Administração não iria apreciar a questão de fundo,
nomeadamente a questão de saber se se verificam os requisitos aí
previstos (nº 1 do dito artigo 1º) para a autorização do pedido do subsídio
tutelar das vítimas dos crimes violentos.
Em consequência da nova decisão deste Tribunal de Segunda
Instância, a Administração aceitou o entendimento do Tribunal no
sentido de considerar que seria aplicável ao referido atentado os
dispostos nesse Diploma, sujeitando ao conhecimento se o pedido
satisfazia os requisitos legais previstos.
Com fundamento diverso do anterior, que consiste na não
verificação do requisito previsto no artigo 1º nº 1 al. c), veio a
Administração a decidir indeferir (novamente) o pedido.
Não está em causa, portanto, a não obediência do decidido do
Tribunal que não sofreu qualquer impugnação, logo, como é evidente,
não se encontra ofendido o princípio do caso julgado.
2. Desvio de poder
Em consequência do fundamento antecedente, o recorrente alegou
que a Administração, por um lado, não recorreu do Acórdão do TSI para
o TUI, por outro lado, passou “à alocução de norma exceptiva, mas
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“pretensamente não preenchida”, exorbitando dolosamente das suas
funções e poderes, pois criou de forma ostensiva nas instâncias e no
particular a capciosa deturpação do decidido por Tribunal.
Porém, também como é óbvio, não tem razão.
O desvio de poder é um vício que afecta o acto administrativo
praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido
usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os
conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim
visado pela lei que conferiu tais poderes.2
A Administração, que é competente para atribuir “subsídios à
vítimas de crimes violentos” às pessoas que reunam os requisitos
previstos, veio novamente indeferir o pedido por considerar não
verificado um dos requisitos legais.
Não se vê como é que, por este indeferimento, se pode concluir que
a Administração não fez prosseguir o “visado fim legal”.
Independentemente da questão de saber se foram correctos os
fundamentos do indeferimento, a Administração, com o poder que a Lei
lhe atribui, tomou uma decisão em conformidade com a sua apreciação
dos requisitos previstos na Lei, tendo feito interpretação dos factos
provados nos autos a que estava sujeita. Estava precisamente a prosseguir
o fim que é visado pela Lei ora em questão.
2 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 1991, p. 506.
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Já é outra coisa se a decisão foi correctamente tomada sem qualquer
vício, que será apreciada a seguir.
É de improceder o fundamento nesta parte do recurso.
3. Vício da violação da lei
Invocou o recorrente que a Administração fez um juízo errado da
matéria de facto, olvidando deliberadamente a matéria carreada no
pedido inicial, que além de não ter sido contestada, parte dela foi aceite
na Contestação ao primeiro recurso interposto, factos estes que são
demonstráveis por si, pela natureza do homem, pela experiência humana,
devidamente alegados e até comprovados por documentos,
compagináveis e abrangidos na previsão da alínea c) do n.º 1 do Art. 1.º
da lei n.º 6/98/M.
Vejamos.
O requerente ora recorrente limitou-se a deduzir o seu pedido de
subsídio para a reparação dos danos morais. (artigo 4º do requerimento
do recurso contencioso)
Perante o pedido do ora recorrente a Administração indeferiu-o,
entendendo que não se provou factos comprovativos que tinha o prejuízo
provocado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou
das pessoas com direito a alimentos, tendo dado por não verificado o
requisito previsto na al. c) do nº 1 deste citado artigo 1º da Lei nº 6/98/M.
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A questão é de saber se a decisão recorrida incorre no erro na
aplicação da lei, uma questão meramente de direito.
Prevê esse artigo 1º que:
“1. As vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de
actos intencionais de violência praticados em Macau ou a bordo de navios ou
aeronaves matriculados em Macau, bem como, no caso de morte, as pessoas a
quem a lei civil conceda direito a alimentos, podem requerer ao Território a
concessão de um subsídio, ainda que não se tenham constituído ou não possam
constituir-se assistentes no processo penal, verificados os seguintes requisitos:
a) As vítimas encontrarem-se legalmente no Território ou a bordo do
navio ou aeronave;
b) Da lesão ter resultado a morte, uma incapacidade permanente ou uma
incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias;
c) Ter o prejuízo provocado uma perturbação considerável do nível de
vida da vítima ou das pessoas com direito a alimentos; e
d) Não terem obtido efectiva reparação do dano em execução de
sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos artigos 60.º a
74.º do Código de Processo Penal ou se for razoavelmente de prever que o
delinquente e responsáveis civis não repararão o dano, sem que seja possível
obter de outra fonte uma reparação efectiva e suficiente.
2. O direito ao subsídio mantém-se mesmo que não seja conhecida a
identidade do autor dos actos intencionais de violência ou por outra razão ele
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não possa ser acusado ou condenado.
3. Podem igualmente requerer um subsídio as pessoas que
voluntariamente tenham auxiliado a vítima ou colaborado com as autoridades
na prevenção da infracção ou na perseguição ou detenção do delinquente,
verificados os requisitos constantes das alíneas a) a d) do n.º 1.
4. A concessão do subsídio às pessoas referidas no número anterior não
depende da concessão de subsídio às vítimas de lesão.
5. O disposto nos números anteriores aplica-se, com as devidas
adaptações, aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza e gravidade,
mereçam a mesma tutela que os danos mencionados no n.º 1.
6. Não haverá lugar à aplicação do disposto na presente lei quando o
dano for causado por um veículo terrestre a motor, bem como se forem
aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço.”
Como se vê, o regime de indemnização, por parte da Região
Administrativa Especial de Macau, às vítimas de crimes violentos, não
pretende substituir, por via de uma eventual qualificação como lex
specialis, outras fontes do direito a uma reparação, porventura mais
favoráveis, antes constituindo um regime mínimo a que qualquer
residente tem direito, que não pode ser obtida por outras vias uma
reparação efectiva.
Como claramente prevê a referida Lei, a indemnização a conceder
pela Região às vítimas de crimes violentos, bem como, no caso de morte,
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às pessoas com direito a alimentos, pressupõe, cumulativamente, os
requisitos previstos no nº 1 deste artigo, entre quais, que o requerente
tenha sofrido, em consequência do crime, uma perturbação considerável
do nível de vida.
O apuramento da verificação deste requisito implica o cotejo da
situação económica do requerente da indemnização no momento
imediatamente anterior ao da prática do crime e os seus padrões de vida
depois dele e por causa dele.3
Sendo embora certo que o nº 5 deste artigo fez extensão da
aplicação aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza e gravidade,
mereçam a mesma tutela, não podemos esquecer que o requisito do nº 1
al. c) fala-se de perturbação considerável no nível de vida, que
necessariamente prende, pela sua natureza, com redução considerável no
seu modus vivendi em termos patrimoniais, mas não em termos
psicológicos ou espirituais.
Ou seja, o dito “nível de vida” não prende com a “qualidade da
vida”, e a perturbação considerável refere-se a uma perda efectiva do que
se possuía, e não a um afastamento do que possivelmente se poderia
atingir, desdobrando-se assim esse conceito num “prejuízo resultante da
perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou de um aumento de
3 Acs. do STA de Portugal de 21 de Novembro de 2001 e de 29/4/2003, citados a título
puramente doutrinal.
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encargos”.4
O essencial é que revela duas vertentes:
Uma, é a perda, que consiste em que, por virtude do “acidente”, a
vítima ou/e os seus familiares enfrentem uma queda significativa da
situação económica e financeira pela perda dos bens e rendimentos que
deixou de auferir, sendo forçada(s) a levar uma vida com um padrão
material de existência consideravelmente baixo.
Neste sentido, reforça-se a ideia da lei na referência ao “nível de
vida” que se traduz que a protecção a fazer incide exclusivamente em
questões de natureza patrimonial.
Outra, é a diferença, que se releva no contraste notório entre as
situações económicas ou financeiras imediatamente anteriores ao crime e
o verificado depois, por causa dele. Neste sentido, a lei não exige que o
titular da indemnização tenha caído num estado de carência económica
ou de miséria.
Nesta conformidade, como um dos requisitos, o requerente devia
apresentar elementos comprovativos, não só da sua situação económica
imediatamente anterior ao crime como também dos padrões de vida
depois dele e por causa dele. Sem o ter feito, a Administração não pode
ter outra solução senão o indeferimento (vinculado).
E efectivamente assim aconteceu nos autos, o requerente limitou-se 4 Ac. Sup. cit.
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a referir que a “perturbação” “tem a ver com a verificável e demonstrada
situação de factores objectivos dos danos físicos e psíquicos
extremamente graves que atingiram o recorrido, que perduram no tempo,
não completamente sindicáveis à altura do pedido, por força de eventual
caducidade do mesmo, ao ponto de, no dia de hoje, a sua situação
angustiante de memória do atentado o assaltar diariamente”; e que “... as
lesões sofridas iriam, como vieram, a causar perturbações consideráveis
na sua vida profissional, familiar e privada, aliás, ao nível profissional
não pode sequer ascender à carreira de sub-chefe, por o programa de
concurso exigir provas físicas que o recorrente não consegue fazer”.
Com tal alegação, pretende invocar o seu direito à indemnização
em consequência do atentado por ter ocorrido substancial alteração da
sua “qualidade da vida”.
Por outro lado, pelos factos constantes dos autos, também não se
pode verificar aquela referida “perda” e “diferença”, para se poder
concluir pela “perturbação considerável” do seu nível da vida.
Está assente que não só o então Território tinha suportado todas as
despesas de saúde, médicas e medicamentosas, de transporte para
Portugal e as remunerações mensais até ao termo do contrato com o então
Território, como também lhe foi remunerado pela Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais de Portugal, enquanto vinculado de serviço.
Faltando um dos requisitos cumulativos, o pedido não pode ser
concedido, e, assim, afigura-se ter a decisão feito um juízo correcto na
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interpretação dos factos e uma correcta aplicação da lei.
Improcede, nestes termos, o recurso.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em
negar provimento ao recurso contencioso interposto por (A),
mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Macau, RAE, aos 17 de Março de 2005
Choi Mou Pan (Relator) – José Maria Dias Azedo – Lai Kin Hong
Magistrado do Mº. Pº. presente - Victor Manuel Carvalho Coelho