Produção da Notícia - Teorias do Jornalismo

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TRAQUINA, Nlson. Teorias do Jornalismo: porque as notcias so como so. 2 ed. Florianpolis: Insular, 2005. 145 Captulo 6 As teorias do jornalismo Qual o papel dos jornalistas na produo das notcias? Por que as notcias so como so? Afinal, qual o papel do jornalismo na sociedade um campo aberto que todos os agentes sociais podem mobilizar para as suas estratgias comunicacionais ou um campo fechado a servio do status-quo? Estas questes foram objeto de diversos estudos sobre o jornalismo, que teve o mrito de produzir uma vasta literatura constituda por milhares de livros e artigos que ocupariam inmeras estantes em qualquer biblioteca. O estudo do jornalismo constitui um campo cientfico com j longas tradies que predatam a criao de curso de Mestrado e Doutorado nos anos 30 do sculo XX nos Estados Unidos. 145-146 Por que as notcias so como so? Seria errneo querer sugerir que o estudo desenvolvido ao longo do sculo XX at hoje fornece uma resposta cabal. As dcadas de investigao acadmica testemunham a sabedoria da sociloga norte-americana Gaye Tuchman quando escreveu que, embora o propsito de fornecer relatos dos acontecimentos julgados significativos e interessantes parea ser claro, esse objetivo , como outros fenmenos simples, inextricavelmente complexo. 146 Ao longo de vrias dcadas, e depois de muitos estudos realizados sobre o jornalismo, possvel esboar a existncia de vrias teorias que tentam responder pergunta porque as notcias so como so, reconhecendo o fato de que a utilizao do termo teoria discutvel, porque pode tambm significar aqui somente a explicao interessante e plausvel, e no um conjunto elaborado e interligado de princpios e proposies. De notar, tambm, que estas teorias no se excluem mutuamente, ou seja, no so puras ou necessariamente independentes umas das outras. A teoria do espelho Toda profisso sobrecarregada de imagens, mas talvez outra no seja to rodeada de mitos como a do jornalismo. De fato, o poder mtico tem envolvido a profisso de jornalismo de tal maneira que muitas vezes os jornalistas so apresentados como os Davis da sociedade matando os Golias uma forma no menos potica de conceber o jornalismo como um contra-poder, com explicitamente conceituado pelos tericos da democracia, e o seu produto apresentado como sendo uma transmisso no expurgada da realidade, um espelho. A primeira teoria oferecida para explicar porque as notcias so com so a teoria oferecida pela prpria ideologia profissional dos jornalistas (pelo menos

nos pases ocidentais). a teoria mais antiga e responde que as notcias so como so porque a realidade assim as determina. 147 Central teoria a noo-chave de que o jornalista um comunicador desinsteressado, isto , um agente que no tem interesses especficos a defender e que os desviam da sua misso de informar, procurar a verdade, contar o que acontecer, doa a quem doer. Os fragmentos da teoria desenvolveram-se nalguns pases mais desenvolvidos enquanto os meios de comunicao social, na altura a impressa, cresceu como uma indstria. Com esse crescimento, houve um duplo processo que decorre todo o sculo XIX e prossegue no sculo XX: a comercializao do jornalismo e a profissionalizao dos seus agentes, os jornalistas. Concomitantemente, o desenvolvimento das estruturas de um governo democrtico promoveu todo um discurso social em que o papel dos media e a responsabilidade dos seus profissionais apontam claramente no sentido de definir um ethos profissional dos novos comunicadores. Um novo paradigma das notcias como informao iria substituir, (...) o velho paradigma que concebe o papel dos meios de comunicao social como arma poltica e os jornalistas como militantes partidrios. Com o novo paradigma das notcias como informao, o papel do jornalista definido como o do observador que relata com honestidade e equilbrio o que acontece, cauteloso em no emitir opinies pessoais. O desenvolvimento desta concepo, que ainda hoje o padro dominante no campo jornalstico ocidental, tem dois momentos histricos cruciais que seria til recordar. 147-148 Primeiro, como j tivemos a oportunidade de ver, surge em meados do sculo XIX com um novo jornalismo o jornalismo de informao a idia chave da separao entre fatos e opinies. Em 1856, o correspondente em Washington da agncia noticiosa Associate Press pronunciou que seu trabalho ia ser a Bblia desta nova tradio jornalstica. (...) Alis, as agncias de notcias foram as defensoras mais ardentes desse novo jornalismo e seu desenvolvimento teve lugar na Frana (Havas), Estados Unidos (Associate Press), na Inglaterra (Reuters), e na Alemanha (Wolfe). (...). Como escreve Anthony Smith (1980), no sculo XIX, numa poca em que o positivismo reinante, que todo o esforo intelectual, tanto na cincia como na filosofia, como ainda na sociologia e em outras disciplinas, ambicionava imitar esse novo invento a mquina fotogrfica que parecia ser espelho, h muito preocupado, capaz de reproduzir o mundo real. 148 O segundo momento histrico tem lugar no sculo XX com o surgimento do conceito de objetividade nos anos 20 e 30 nos Estados Unidos. Embora o conceito de objetividade seja hoje visto erradamente como a negao da subjetividade e um reforo da f nos fatos, Michael Schudson explica que o ideal da objetividade no foi a expresso final de uma convico nos fatos mas a afirmao de um mtodo concebido em funo de um mundo no qual mesmo

os fatos no eram merecedores da confiana devido ao surgimento de uma nova profisso, Relaes Pblicas, e a tremenda eficcia da propaganda verificada na Primeira Guerra Mundial. 149 A ideologia jornalstica defende uma relao epistemolgica com a realidade que impede quaisquer transgresses de uma fronteira indubitvel entre realidade e fico, havendo sanes graves impostas pela comunidade profissional a qualquer membro que viole essa fronteira. O ethos dominante, os valores e as normas identificadas com um papel de rbitro, os procedimentos identificados com o profissionalismo, faz com que dificilmente os membros dessa comunidade jornalstica aceitem qualquer ataque teoria do espelho porque a legitimidade e a credibilidade dos jornalista esto assentes na crena social de que as notcias refletem a realidade, que os jornalistas so imparciais devido ao respeito s normas profissionais e asseguram o trabalho de recolher a informao e de relatar os fatos, sendo simples mediadores que reproduzem o acontecimento na notcia. Certamente as notcias so um produto centrado no referente, onde a inveno e a mentira so violaes das mais elementares regras jornalsticas. Assim, o referente, ou seja a realidade, no pode deixar de ser um fator determinante do contedo noticioso. Mas a teoria do espelho, intimamente ligada prpria legitimidade do campo jornalstico, uma explicao pobre e insuficiente, que tem sido posta em causa repetidamente em inmeros estudos sobre o jornalismo e, na maioria dos casos, sem qualquer intuito de pr em causa a integridade dos seus profissionais. 149 Teoria da ao pessoal ou a teoria do gatekeeper Na literatura acadmica sobre o jornalismo, a primeira teoria que surgiu foi a teoria do gatekeeper avanado nos anos 1950 por David Manning Withe, White foi o primeiro a aplicar o conceito ao jornalismo, originando assim uma das tradies mais persistentes e prolferas na pesquisa sobre as notcias. 150 O termo gatekeeper refere-se pessoa que toma uma deciso numa seqncia de decises; foi introduzida pelo psiclogo social Kurt Lewin num artigo, publicado em 1947, sobre as decises domsticas relativas aquisio de alimentos para a casa. Na teoria, o processo de produo da informao concebido como uma srie de escolhas onde o fluxo de notcias tem de passar por diversos gates, isto , portes que no so mais do que reas de deciso em relao s quais o jornalista, isto o gatekeeper, tem de decidir se vai escolher essa notcia ou no. Se a deciso for positiva, a notcia acaba por passar pelo porto; se no for, a sua progresso impedida, o que na prtica significa a sua morte porque significa que a notcia no ser publicada, pelo menos nesse rgo de informao.

Publicado em 1950, o j clssico estudo de David Manning White basea-se numa pesquisa sobre a atividade de um jornalista de meia-idade num jornal mdio norte-americano, Mr. Gates, que anotou durante uma semana os motivos que o levaram a rejeitar as notcias que no usou. A concluso de White que o processo de seleo subjetivo e arbitrrio; as decises do jornalista eram altamente subjetivas e dependentes de juzos de valor baseados no conjunto de experincias, atitudes e expectativas do gatekeeper. Assim, numa teoria que Schudson (1989) designa ao pessoal, as notcias so explicadas como um produto das pessoas e das suas intenes. 150-151 Escreve White (1950/1993:145): (...). Nesse caso particular [Mr. Gate], os 56 enunciados apresentados poder ser divididos em duas categorias principais: 1) rejeio do incidente devido sua pouca importncia, e 2) seleo a partir de muitos relatos do mesmo acontecimento. 151 Acrescenta White [147]: interessante observar que quanto mais tarde no dia chegaram as notcias, maior era a proporo da anotao sem espao, ou serviria. A teoria do gatekeeper analisa as notcias apenas a partir de quem as produz: o jornalista. Assim, uma teoria que privilegia apenas uma abordagem microsociolgica, ao nvel do indivduo ignorando por completo quaisquer fatores macro-sociolgicos, ou mesmo, micro-sociolgicos como a organizao jornalstica. , assim, uma teoria que se situa ao nvel da pessoa jornalista, individualizando uma funo que tem uma dimenso burocrtica inserida numa organizao. No nvel individual, a teoria avana uma explicao quase exclusivamente psicolgica. Outros estudos pem em causa as concluses de White. Os estudos de McCombs e Shaw (1976) e Hirsch (1977) reanalisaram os dados de White e apontaram a semelhana das propores de notcias das diversas categorias utilizadas pelo Mr. Gates. Hirsch concluiu que o jornalista exerceu sua liberdade dentro de uma latitude limitada e que a grande maioria das razes apresentadas por Mr. Gates refletiu o peso de normas profissionais e no razes subjetivas. 151-152 Num estudo sobre 16 jornalistas com as mesmas responsabilidades que Mr. Gates, Gieber (1956) refuta as concluses de Withe. Gieber concluiu que o fator predominante sobre o trabalho jornalstico era o peso da estrutura burocrtica da organizao e no as avaliaes pessoais do jornalista que, segundo, Gieber, raramente entravam no processo de seleo. Noutro artigo, Gieber (1964) escreve que as notcias s podem ser compreendidas se houver uma compreenso das foras sociais que influenciam a sua produo.

152 A teoria organizacional Foi precisamente numa revista com o nome Foras Sociais que Warren Breed publicou o primeiro estudo que avanou em uma nova teoria a teoria organizacional. Esta teoria alarga a perspectiva terica do mbito individual a um nvel mais vasto, a organizao jornalstica. No seu estudo, igualmente um clssico dos estudos do jornalismo, intitulado Controle social da redao: uma anlise funcional, Breed insere o jornalista no seu contexto mais imediato, a organizao para a qual trabalha. Breed sublinha a importncia dos constrangimentos organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista e considera que o jornalista se conforma mais com as normas editoriais da poltica editorial da organizao do que quaisquer crenas pessoais que ele ou ela tivesse trazido consigo. O socilogo norte-americano escreve que jornalista acaba por ser socializado na poltica editorial da organizao atravs de uma sucesso sutil de recompensa e punio. 153 Breed sublinha que os pontos de vista da direo da empresa jornalstica chegam a controlar o trabalho do jornalista au fils du temps (ao longo do tempo), sobretudo por um processo de osmose ... (...). ...Aprende a antever aquilo que se espera dele, a fim de obter recompensas e evitar penalidades Assim a teoria organizacional, a nfase est num processo de socializao organizacional em que sublinhada a importncia duma cultura organizacional, e no uma dada cultura profissional. Breed identifica seis fatores que promovem o conformismo com a poltica editorial da organizao: 153-154 1. A autoridade institucional e as sanes Para Breed, verdadeiro o fato de os jornalistas ainda recearem as punies. (...). um dos tipos de punies que Breed menciona, a atribuio de tarefas: a chefia tem o poder de decidir quem ir fazer a cobertura de que acontecimentos e nem todos os acontecimentos so encarados da mesma forma, havendo tarefas que a maioria dos jornalistas considera mais interessantes e outras menos agradveis. Outros tipos de punies identificados por Breed so: 1) as alteraes das peas, por exemplo a reescrita do texto ou a introduo de cortes no trabalho elaborado pelo jornalista; 2) a colocao da pea no produto jornalstico, havendo um consenso jornalstico que melhor ter uma pea na primeira pgina do que nas pginas interiores; 3) a assinatura ou no assinatura da pea, havendo aqui consenso entre os membros da tribo jornalstica que a publicao do nome do jornalista sempre desejvel. 154

2. Os sentimentos de obrigao e de estima para com os superiores Breed sublinha que, com o tempo, podem ser criados laos de amizade. Assim, o jornalisa pode sentir sentimentos de obrigao para com a empresa. Pode ainda sentir respeito, admirao e agradecimentos para com jornalistas mais experientes que o tenham ensinado. 3. Aspiraes de mobilidade Segundo Breed, a grande maioria dos jornalistas mostra desejo de alcanar uma posio de relevo. No seu estudo, descobre que os jornalistas concordavam em que lutar contra a orientao da poltica editorial do jornal constitua um grande obstculo para os avanos na carreira. 4. A ausncia de grupos de lealdade em conflito Segundo Breed, o local de trabalho dos jornalistas relativamente pacfico, e as organizaes sindicais no tm interferido em assuntos internos. 154-155 5. O prazer da atividade Breed escreve que os jornalistas gostam do seu trabalho; as tarefas so interessantes e existe um ambiente de cooperao na sala de redao. (...) Breed menciona diversas gratificaes no financeiras que os jornalistas tm, nomeadamente a variedade de experincias; o testemunho pessoal de acontecimentos significantes e interessantes; ser o primeiro a saber; obter informaes secretas negadas a leigos; conhecer e conviver com pessoas notveis e clebres. 155 6. A notcia como valor As notcias so um valor mximo; o seu trabalho um trabalho de 24 horas; as notcias so um desafio constante. Assim, o jornalista investe na realizao desse objetivo: obter as notcias e no contestar a poltica editorial da empresa. preciso ir em busca de notcias; preciso vencer a hora do fechamento; assim a harmonia entre os jornalistas e a direo cimentada pelos interesses comuns pela notcia. Dessa maneira, Breed defende que os seis fatores promovem o conformismo com a poltica editorial da empresa jornalstica. Acrescenta que cinco destes fatores parecem ser constantes e ocorrem em todos os jornais estudados. O fato varivel o segundo: a obrigao e a estima que os jornalistas mantm pela direo e pelos jornalistas mais antigos. Segundo Breed, este segundo fator parece ser a varivel ativa determinante, no s do conformismo para com a poltica editorial da empresa, mas tambm da moral e do bom desempenho profissional. 155-156 Breed reconhece que um determinismo, ou melhor dito, um ditatorialismo organizacional seria de difcil implementao, devido natureza do trabalho jornalstico e a um mnimo de autonomia profissional que ela exige. Ainda mais: qualquer tentativa de obrigar o jornalista a seguir uma dada poltica constituiria um tabu tico e uma clara afronta a um dos pilares da legitimidade profissional, a independncia do jornalista.

156 Breed aponta cinco fatores dentro da rea de influncia do jornalista que o ajudam a iludir o controle da empresa: 1) as normas da poltica editorial nem sempre so completamente claras, uma vez que muitas so vagas e no estruturadas; 2) os diretores pode ignorar certos fatos especficos e os jornalistas empregados, que tm o trabalho de andar a p e de telefonar, para obter notcias, podem utilizar os seus melhores conhecimentos na subverso da poltica editorial. Tendo por base tanto crenas pessoais como os cdigos profissionais, o jornalista empregado tema opo de seleo em muitos momentos. Pode decidir quem entrevistar e quem ignorar, que perguntas fazer, que citaes anotar, e ao escrever o artigo, que itens realar, quais a enterrar e, de um modo geral, que tom dar aos vrios elementos possveis da notcia. 3) Alm da ttica da presso, explorando a ignorncia dos executivos de certos fatos minsculos, os jornalistas-empregados podem utilizar a tctica da prova-forjada. Embora a poltica editorial de um jornal possa entender no dar destaque a um determinado assunto, um jornalista empregado que obtenha uma boa estria sobre esse assunto pode public-la num outro jornal atravs de um jornalista amigo e apresent-lo a seu prprio editor, alegando que a matria se tornou demasiado importante para ignorar. 156-157 4) Em relao a certo tipo de estrias, o jornalista tem maior autonomia, nomeadamente: a) no beat story quer dizer, na sua ronda habitual. (...) b) a estria iniciada pelo prprio jornalista. 157 5) O estatuto do jornalista Os jornalistas-empregados com um estatuto de estrela podem mais facilmente transgredir a poltica editorial. Estes cinco fatores, segundo Breed, indicam que, sob certas condies, os controles que levam ao conformismo com a poltica editorial da empresa jornalstica podem ser ultrapassados. A concluso de Breed que a linha editorial da empresa jornalstica geralmente seguida, e que a descrio da dinmica situao scio-cultural da redao sugerir explicaes para esse conformismo. A fonte de recompensas do jornalista no se localiza entre os leitores, que so manifestadamente os seus clientes, mas entre os seus colegas e superiores. Em vez de aderir a ideais sociais e profissionais, o jornalista redefine os seus valores at o nvel mais pragmtico do grupo redatorial.

Outros estudos do jornalismo demonstram tambm a importncia da organizao jornalstica. (...) Na opinio do acadmico britnico James Curran (1990), a autonomia do jornalista permitida enquanto for exercida em conformidade com os requisitos da empresa jornalstica.

157-158 Assim, segundo a teoria organizacional, as notcias so o resultado de processos de interao social que tm lugar dentro da empresa jornalstica. O jornalista sabe que o seu trabalho vai passar por uma cadeia organizacional em que os seus superiores hierrquicos e os seus assistentes tm certos poderes e meios de controle. O jornalista tem que se antecipar s expectativas dos seus superiores para evitar os retoques dos seus textos (trabalho suplementar para a organizao) e as reprimendas dois meios que fazem parte do sistema de controle, e que podem ter efeitos sobre a manuteno ou no do seu lugar, a escolha das suas tarefas, e a sua promoo quer dizer, nada menos do que a sua carreira profissional. 158 Segundo a teoria organizacional, o trabalho jornalstico influenciado pelos meios de que a organizao dispe. Assim, esta teoria aponta para a importncia do fator econmico na atividade jornalstica. Alis, como iremos ter a oportunidade de sublinhar na apresentao de uma das vertentes da teoria da ao poltica, o fator econmico determinante na resposta dada pergunta porque as notcias so como so. 158-159 O jornalismo tambm um negcio. (...). Temos aqui o problema do sensacionalismo no jornalismo, acentuado ainda mais pela lgica da concorrncia. A procura pelo lucro poder levar a empresa jornalstica crescente utilizao de critrios econmicos, nomeadamente o recurso s tcnicas de marketing. Aqui a lgica vender brinquedos, vdeos, enciclopdias, etc,. e no informao. 159 O jornalismo tem custos, a comear pela contratao de jornalistas e pelos vencimentos oferecidos a eles. (...) Devido aos custos e lgica do lucro, so impostos constrangimentos ao trabalho jornalstico pelo oramento da empresa. Assim, a extenso da rede que a empresa coloca para captar os acontecimentos e as problemticas no pode deixar de estar relacionada com os recursos econmicos da empresa jornalstica. 160 A dimenso econmica enfatiza a percepo da notcia como um produto que deve ser inserido na relao existente entre o produtor e o cliente e satisfazer as exigncias do mercado. Assim, a notcia, que um produto perecvel, deve chegar ao cliente o mais rpido rapidamente possvel para ser utilizada. Uma idia muito propagada nas sedes de agncias de notcias que a notcias que chega primeiro ser a

primeira a ser utilizada durante todo o ciclo de notcias sobre esse acontecimento. A dimenso econmica poder igualmente enfatizar a dinmica da concorrncia entre as empresas jornalsticas, nomeadamente na luta pelo furo jornalstico. 160-161 Dentro da teoria organizacional, alguns acadmicos investigam as variveis que podem intervir no funcionamento da empresa. Nesta linha de pesquisa, foram identificados como importantes os seguintes fatores: 1) o papel do diretor no funcionamento da empresa, distinguindo a diferena entre diretores ativos e passivos; 2) Outro fator o tamanho da empresa. O tamanho da empresa influencia: a) o grau de especializao dos jornalistas havendo mais especializao nas grandes empresas; b) a dinmica comunicacional dentro da empresa havendo menos comunicao interativa nas grandes empresas; c) o grau de autonomia do jornalista havendo mais autonomia nas pequenas empresas, porque h diferentes estruturas de autoridade. Nas pequenas empresas, a estrutura mais flexvel, enquanto nas grandes empresas as estruturas de controle so mais formais e centralizadas. 161 As teorias de ao poltica As teorias do gatekeeper e a organizacional surgiram na dcada dos anos 50. Nos anos 60, em diversos pases, a onda de protesto invadiu o espao sacrossanto das universidades e colocou os seus membros perante as dvidas emergentes e a necessidade de novas perguntas. Assim, a nova fase de investigao marcada pelo crescente interesse na ideologia, estimulado pela influncia de autores marxistas, como o italiano Antnio Gramsci, bem como pela redescoberta da natureza problemtica da linguagem, como exemplificada pela escola semitica de francesa e a escola culturalista britnica. ... como escreve Gaye Tuchman (1991), a nova fase dos estudos noticiosos alargou o mbito das suas preocupaes do nvel do indivduo, ao nvel da organizao, ao nvel da comunidade profissional. Na nova fase de investigao, a relao entre o jornalismo e a sociedade conquista uma dimenso central: o estudo do jornalismo debrua-se sobre as implicaes polticas e sociais da atividade jornalstica, o papel das notcias, e a capacidade do Quarto Poder em corresponder s enormes expectativas em si depositadas pela prpria teoria democrtica. Assim, emerge nos anos 70 um novo filo de investigao, conhecido como estudos da parcialidade (...) 162 A prpria teoria democrtica influencia fortemente a definio social da postura profissional dos profissionais do Quarto Poder. A objetividade, ou o que se aceita como seu oposto, a parcialidade, so conceitos que a maioria dos

cidados associa ao papel do jornalismo e que so consagradas pelas leis que estabelecem as balizas dos comportamento dos rgos de comunicao social, em particular o setor pblico. O filo de investigao em torno dos chamados estudos da parcialidade parte do princpio de que as notcias devem refletir a realidade sem distoro. Neste filo, a questo de pesquisa precisamente se houve ou no distoro, aceitando o princpio de que possvel reproduzir a realidade. Diversos estudos foram realizados com concluses diferentes e mesmo opostas. Os estudos de Efron (1971), Kristol (1975) e, em particular, de Lichter, Rothman e Lichter (1986), com o seu ttulo sugestivo A elite meditica, argumentam que os jornalistas constituem uma nova classe com claras parcialidades polticas que distorce as notcias para a propagao das suas opinies anti-capitalistas. No sentido poltico oposto, Chomsky e Herman (1979) argumentam que a cobertura noticiosa norte-americana de represso no chamado Terceiro Mundo e o papel do governo norte-americano em tal represso so distorcidos pela subordinao dos mdia aos interesses e perspectivas das elites polticas e econmicas dos Estados Unidos da Amrica. Para Herman e Chomsky, as notcias so propaganda que sustenta o sistema capitalista. 163 Assim, nas teorias da ao poltica, os media noticiosos so vistos de uma forma instrumentalistas, isto , servem objetivamente certos interesses polticos: na verso da esquerda, os media noticiosos so vistos como instrumentos que ajudam a manter o sistema capitalista; na verso de direita, servem como instrumentos que pem em causa o capitalismo. Seja da esquerda ou de direita, estas teorias desvendem a posio de que as notcias so distores sistemticas que servem os interesses polticos de certos agentes sociais bem especficos que utilizam as notcias na projeo da sua viso do mundo, da sociedade, etc. Na verso de direita, defendida nos estudos de Kristol (1975) e Efron (1971), o argumento que os media norte-americanos, particularmente, as grande cadeias de televiso, fazem parte de uma nova classe de burocratas e intelectuais que tem interesse em expandir a atividade reguladora do Estado custa das empresas privadas. Esta nova classe utiliza os media na propagao das suas opinies anti-capitalistas. Noutra expresso desta verso da teoria, os autores Rotham e Lichter (1986) analisaram composio social e os valores do jornalistas norte-americanos e chegaram concluso de que os jornalistas tm valores mais esquerda que a populao norte-americana e constituem uma nova classe que anticapitalista. 164 Nesta verso, a teoria atribui aos jornalistas um papel ativo, sendo aqui o bode expiatrio dos males do produto jornalstico. Numa anlise destes autores, Robert Hackett sublinha que alguns dos pressupostos desta verso da teoria so: a) os jornalistas detm o controle pessoal sobre o produto jornalstico; b) os jornalistas esto dispostos a injetar as suas preferncias polticas no

contedo noticioso; c) os jornalistas enquanto indivduos tm valores polticos coerentes e, a longo prazo, estveis. Nesta verso da teoria, os valores coletivos dos jornalistas so considerados substancialmente diferentes dos da populao em geral. Na verso de esquerda da teoria da ao poltica das notcias, o papel dos jornalistas pouco relevante, mesmo quase invisvel, reduzidos funo de executantes a servio do capitalismo, quando no coniventes com as elites. Inserida claramente numa tradio marxista ortodoxa onde o fator econmico determinante, esta verso macro-sociolgica ou, melhor dito, macroeconmica. Numa das formulaes mais completas da perspectiva de esquerda, Herman e Chomsky (1989) argumentam no seu livro que o contedo das notcias no determinado ao nvel interior (isto , ao nvel dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem ao nvel interno (isto , ao nvel da organizao jornalstica), mas ao nvel externo, ao nvel macroeconmico. Nesta verso da teoria, uma relao direta estabelecida entre o resultado do processo noticioso e a estrutura econmica da empresa jornalstica. Assim, segundo esta verso da teoria, existe um diretrio dirigente da classe capitalista que dita aos editores e jornalistas o que sai nos jornais. 164-165 No seu estudo sobre os media norte-americanos, Herman e Chomsky defendem a posio de que os media reforam o pontos de vista do establishment (poder institudo) devido ao poder dos donos dos grandes meios de comunicao social e dos anunciantes. 165 Os autores sublinham os seguintes pontos: a) o papel determinante dos proprietrios dos media e a ligao estreita entre a classe capitalista, as elites dirigentes e os produtores mediticos; b) a existncia de um acordo entre personalidades da classe dominante e produtores mediticos; c) a total concordncia entre o produto miditico e os interesses dos proprietrios e das elites. A tese destes autores que acontecimentos similares tiveram uma cobertura diversa na imprensa norte-americana devido natureza propagandstica das notcias no seu papel ideolgico em defesa dos interesses do capitalismo norte-americano. No seu modelo propagandstico, os autores consideram que o contedo noticioso determinado por certas propriedades estruturais dos media, em particular por sua ligao com os negcios e com o governo. Assim, as notcias servem aos interesses do poder estabelecido. 165-166 Para Herman e Chomsky, cinco fatores explicam a submisso do jornalismo aos interesses do sistema capitalista. Os cinco fatores so: 1) a estrutura da

propriedade dos media; 2) a sua natureza capitalista, isto , a procura do lucro e a importncia da publicidade; 3) a dependncia dos jornalistas nas suas fontes governamentais e das fontes do mundo empresarial; 4) as aes punitivas dos poderosos; e 5) a ideologia anti-comunista dominante na comunidade jornalstica norte-americana. 166 A teoria de Herman e Chomsky avana uma chamada propaganda framework (modelo de propaganda). Para os autores, toda a vastido da cobertura dum acontecimento particular nos vrios meios de comunicao social tratada como uma campanha de publicidade macia. Segundo os autores, em primeiro lugar, o interesse crucial. Freqentemente um tema ou acontecimento capaz de servir s relaes pblicas ou exigncias ideolgicas de um grupo de poder. Estes temas ou acontecimento so ento vistos como grandes estrias e podem ajudar a mobilizar a opinio pblica numa direo especfica. Em todos esses casos a cobertura dos media ou a publicidade salienta e mobiliza o apoio para aes da poltica internacional ou nacional Em segundo lugar, considerar a cobertura dos acontecimentos como uma campanha publicitria para polticas especficas ajuda a explicar a dinmica de uma estria. Nestes casos, os media movem-se rapidamente para alm das notcias duras em artigos de opinio, especulao e trivialidade. 167 A propaganda framework sugere a seguinte hiptese: quando surgem situaes em que podem ser marcados pontos contra os inimigos ou idias ameaadoras, os media so freqentemente ativos em campanhas publicitrias de grande intensidade e paixo. Pelo contrrio, quando acontecimentos muito semelhantes ocorrem em pases amigos, os media mostraro interesse pelas circunstncias especiais envolvidas e prosseguiro uma poltica de negligncia benigna. 167-168 Elaborada antes da queda do muro de Berlim e baseado em estudos de caso limitados exclusivamente a questes de poltica internacional, levantam-se questes quanto a sua capacidade explicativa no que diz respeito a assuntos domsticos onde a elite econmica pode estar mais suscetvel a divises. Igualmente h questes metodolgicas quando capacidade da metodologia utilizada a anlise de contedo para explicar as intenes dos produtores ou avaliar os processos de produo. Mas o problema central com o modelo proposto por Herman e Chomsky sua viso altamente determinista do funcionamento do campo jornalstico em que os jornalistas ou colaboram na utilizao instrumentalista dos media noticiosos ou so totalmente submissos aos desgnos dos interesses dos proprietrios. Assim, a verso da esquerda da teoria da ao poltica ignora: 1) que os donos se encontram raramente com os diretores em muitas empresas jornalsticas; 2) que a maioria dos jornalistas no faz idia de quem se senta no conselho de administrao das instituies para que trabalha; e 3) que os jornalistas tm um grau de autonomia e afirmam

freqentemente a sua prpria iniciativa na definio do que notcia, nomeadamente nos trabalhos de reportagem e jornalismo de investigao, e, s vezes, incomodam a elite e pem em causa os interesses do poder institudo e do poder econmico. 168 As teorias construcionistas Na riqueza da investigao acadmica sobre o jornalismo que surge nos anos 1970, emerge um novo paradigma: as notcias como construo (Halloran et. al., 1970; Berger e Luckman, 1971; Cohen e Young, 1973; Hall et. al., 1973; Molitch e Lester, 1974/1993 [The social production of neus: mugging in the media, no livro de Cohem e Young (Eds). The manufacture of news.], 1975; Roscho, 1975; Schelesinger, 1978; hall et al., 1978; Tuchman, 1978) Assim, a pesquisa dos anos 70 constitui um momento de virada, com a emergncia de um paradigma que totalmente oposto perspectiva das notcias como distoro e que tambm pe em causa diretamente a prpria ideologia jornalstica e a sua teoria das notcias como espelho da realidade. O ponto essencial de discordncia entre estas duas perspectivas reside precisamente na posio tomada por parte de cada perspectiva perante a ideologia jornalstica. Nos estudos de parcialidade das notcias, a teoria da notcia como espelho no posta em causa, nos estudos que utilizam a perspectiva das notcias como construo, a teoria do espelho claramente rejeitada. 168-169 O filo da investigao que concebe as notcias como construo rejeita as notcias como espelho por diversas razes. Em primeiro lugar, argumenta que impossvel estabelecer uma distino radical entre a realidade e os media noticiosos que devem refletir essa realidade, porque as notcias ajudam a construir a prpria realidade. Em segundo lugar, defende a posio de que a prpria linguagem no pode funcionar como transmissora direta do significado inerente aos acontecimentos, porque a linguagem neutral inerente. Em terceiro lugar, a opinio de que os media noticiosos estruturam inevitavelmente a sua representao dos acontecimentos, devido a diversos fatores, incluindo os aspectos organizativos do trabalho jornalstico, as limitaes oramentais, a prpria maneira como a rede noticiosa coloca para responder imprevisibilidade dos acontecimentos. 169 Assim, no de estranhar que o paradigma das notcias como construo no s considere o conceito de distoro como inadequado e pouco frutfero, como sobretudo discorde radicalmente da perspectiva das teorias que defendem que as atitudes polticas dos jornalistas so um fator determinante no processo de produo das notcias. O paradigma das notcias como construo no implica que as notcias seja fico. Schudson (1982/1993:208) escreve que as notcias no so ficcionais, mas sim convencionais.

169 No entanto, os profissionais do campo jornalstico resistem ao paradigma das notcias como construo, apesar do fato j sublinhado, de fazerem freqentemente referncia s notcias na sua gria profissional, como estrias. 170 Contudo, esta resistncia ao conceito de construo mais bem compreendida sob o brilho dos princpios fundamentais da ideologia profissional dos jornalistas. Sobre este ponto, Stuart Hall (1984:4) escreve: Os jornalistas dizem: h um acontecimento; que quer dizer alguma coisa. Quem quer que l esteja perceber o que que significa. Tiramos-lhe fotografias. Escrevemos um relato sobre ele. Transmitimo-lo to autenticamente quanto possvel atravs dos media, e a audincia v-lo- e perceber o que aconteceu. E desse acontecimento, que qualquer acontecimento pode ser construdo das mais diversas maneiras e que se pode faz-lo significar as coisas de um modo diferente, esta afirmao de algum modo ataca ou mina o sentido de legitimidade profissional dos jornalistas, e estes resistem bastante a noo de que a notcia no um relato mas uma construo. 170-171 A conceitualizao das notcias como estrias d relevo importncia de compreender a dimenso cultural das notcias. Para o socilogo norteamericano Michael Schudson, as notcias so produzidas por pessoas que operam, inconscientemente, num sistema cultural, um depsito de significados culturais armazenados e de padres de discursos (1995:14). Schudson acrescenta: as notcias como uma forma de cultura incorporam suposies acerca do que importa, do que faz sentido, em que tempo e em que lugar vivemos, qual a extenso de consideraes que devemos tomar seriamente em considerao. 171 A importncia da dimenso cultural das notcias tem sido previamente sublinhada por outros autores. Coly (1975) utiliza o termo gramtica cultural para referir as regras da construo narrativa. Fazendo referncia produo social das notcias, Hall et. al. (1978/1993:226) sublinham a importncia dos mapas de significado: As coisas so noticiveis porque elas representam a volubilidade, a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo. Mas no se deve permitir que tais acontecimentos permaneam no limbo do aleatrio devem ser trazidos aos horizontes do significativo. Este trazer de acontecimentos invulgares e inesperados para os mapas de significado que j constituem a base do nosso conhecimento cultural, no qual o mundo social j est traado. A identificao social, classificao e contextualizao de acontecimentos noticiosos em termos destes quadros de referncia de fundo constitui o processo fundamental atravs do qual os media tornam o mundo a que fazem referncia inteligvel a leitores e espectadores. 171-172

O avano notvel do estudo do jornalismo na dcada de 70 est relacionado diretamente com as inovaes metodolgicas que contriburam de forma decisiva para a riqueza da investigao. Os acadmicos, seguindo o exemplo dos antroplogos em terras distantes com uma abordagem etnometodolgica, foram aos locais de produo, permaneceram durante longos perodos de tempo, observaram os membros da comunidade jornalstica com o intuito de entrar na pele das pessoas observadas e compreender a atitude do nativo. 172 Segundo Schlesinger, a abordagem etnometodolgica, ao contrrio de outras abordagens que focam o produto jornalstico, permite uma observao teoricamente mais informada sobre as ideologias e as prticas profissionais dos produtores das notcias, porque pode tornar possvel a observao de momentos de crise .... A contribuio dos estudos etnogrficos compreenso do jornalismo tripla. Em primeiro lugar, devido abordagem etnometolgica, o estudo do jornalismo permitiu ver a importncia da dimenso trans-organizacional no processo de produo das notcias, ou seja, todo o networking informal entre os jornalistas e a conexo cultural que provm de ser membro da comunidade profissional. Em segundo lugar, permitiu reconhecer que as rotinas constituem um elemento crucial nos processos de produo das notcias. A importncia das rotinas e das prticas na produo jornalstica um elemento chave do novo paradigma construtivista que emerge nos anos 70. Escreve Schlesinger (1980:3673): as rotinas de produo englobam e so constitutivas da ideologia. 172-173 Em terceiro lugar, serve como corretivo s teorias instrumentalistas que surgem com uma nova fora nas dcadas dos anos 70 e 80 e que contriburam de forma significativa para a crescente onda de crtica dos media e do jornalismo que continua ainda hoje de vento em popa. Nas teorias instrumentalistas h duas suposies: 1) o processo de produo das notcias envolve uma conspirao entre agentes sociais e 2) a inteno consciente de distoro crucial na elaborao das notcias. Ao sublinhar a importncia das rotinas profissionais que os jornalistas criaram com o objetivo de apenas levar a cabo o seu trabalho quotidiano a tempo e horas, as teorias construcionaistas do jornalismo questionam as teorias de ao poltica e todas as anlises que apontam para uma distoro intencional das notcias. 173 A partir dos anos 60 e 70, marcados por novas interrogaes e por inovaes metodolgicas, emergem duas teorias que partilham o novo paradigma das notcias como construo social as teorias estruturalistas e interacionista. So sobretudo complementares, mas divergem nalguns pontos importantes. Ambas as teorias rejeitam a teoria do espelho e criticam o empiricismo ingnuo dos jornalistas. Para ambas as teorias, as notcias so resultado de processos complexos de interao social entre agentes sociais: os jornalistas e

as fontes de informao; os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organizao. Ambas as teorias so micro-sociolgicas e macro-sociolgicas. Ambas situam os jornalistas no seu local de trabalho, reconhecendo a importncia dos constrangimentos organizacionais integrando assim as perspectivas fornecidas por Warren Breed e outros autores identificados com a teoria organizacional. Mas ao contrrio dos tericos da teoria organizacional, ambas as teorias defendem a perspectiva de que o nefito se integra por um processo de osmose no s numa organizao, mas numa comunidade profissional, sendo assim teorias transorganizacionais. 173-174 Ambas sublinham a importncia da cultura jornalstica, nomeadamente a estrutura dos valores-notcia dos jornalistas, a ideologia dos membros da comunidade, e as rotinas e procedimentos que os profissionais utilizam para levar a cabo o seu trabalho. Assim, ambas rejeitam categoricamente uma viso instrumentalista das notcias, classificada como uma teoria conspiratria (hall, et. all. 1978) porque reconhecem que os membros da comunidade jornalstica exercem um grau de autonomia. Assim, ambas contestam a viso de que os jornalistas so observadores passivos e defendem a posio de que, ao contrrio, so de fato participantes ativos na construo da realidade. 174 Sendo uma construo, ambas as teorias reconhecem que as notcias so narrativas, estrias, marcadas pela cultura dos membros da tribo e pela cultura da sociedade onde esto inseridos, sendo necessrio mobilizar todo um saber de narrao (Ericson, et. al. 1987) que pressupe a aprendizagem da linguagem jornalstica, ou na expresso de E. Barabar Philips, o jornals e o domnio de todo um inventrio de discurso (Hall, 1984). Na perspectiva do paradigma construtivista, embora sendo ndice do real, as notcias registram as formas literrias e as narrativas utilizadas para enquadrar o acontecimento. A pirmide invertida, a nfase dada resposta s perguntas aparentemente simples: quem? O que? Onde? Quando?, a necessidade de selecionar, excluir, acentuar diferentes aspectos do acontecimento processo orientado pelo enquadramento escolhido so alguns exemplos de como a notcia, dando vida ao acontecimento, constri o acontecimento e constri a realidade. Como escreve Robert Karl Manoff (1986), a escolha da narrativa feita pelo jornalista no inteiramente livre. Essa escolha orientada pela aparncia que a realidade assume para o jornalista, pelas convenes que moldam a sua percepo e fornecem o repertrio formal para a apresentao dos acontecimentos, pelas instituies e rotinas. Segundo Wolfsfeld (1991: 18), os acontecimentos propriamente ditos oferecem freqentemente um ponto de partida para a construo de enquadramentos mediticos, apesar das discordncias acerca do que realmente aconteceu. 174-175

Enquanto a teoria organizacional ignora os processos de interao social que ocorrem para alm da empresa, ambas teorias no s sublinham a importncia da identidade das fontes de informao, mas refletem sobre as conseqncias sociais que resultam dos processos e procedimentos utilizados pelos jornalistas. Para as suas teorias, a conexo entre jornalistas e fontes faz das notcias uma ferramenta importante do governo e das autoridades estabelecidas (Schudson, 1989) e as notcias tendem a apoiar as interpretaes oficiosas dos acontecimentos. Sobre esse ponto crucial, no entanto h uma divergncia fulcral que ser apresentada mais adiante.