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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR Série VII, n.º 1 (2011) Ficha Técnica Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2011 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: CENTRO DE AUDIOVISUAIS DO EXÉRCITO/SECÇÃO DE ARTES GRÁFICAS Tiragem: 1000 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

Proelium I

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REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITAR SérieVII, n.º 1 (2011)

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Editorial

REVISTA CIENTÍFICA DA ACADEMIA MILITARSérie VII, n.º 1 (2011)

Ficha Técnica

Proprietário e Editora: Academia Militar Rua Gomes Freire 1169-203 Lisboa Tel.: 213186907 Fax: 213186911 URL: www.academiamilitar.pt E-mail: [email protected] Local: Lisboa Ano: 2011 Periodicidade: Semestral Depósito Legal: 209905/04 ISSN: 1645-8826 Capa: Sandra Veloso e Pedro Trindade Paginação, Impressão e Acabamentos: Centro de AudiovisuAis do exérCito/seCção de Artes GráfiCAs Tiragem: 1000

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia da Academia Militar.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

Órgãos da PROELIUM

Director: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra Editor: Tenente-Coronel (Mestre) José Carlos Dias Rouco Co-Editor: Professora Doutora Maria Manuela Martins Saraiva Sarmento Coelho Conselho Editorial: Major-General António José Pacheco Dias Coimbra, Academia Militar Professor Doutor Salvatore Messina, European University for Tourism (Albânia) Professor Doutor Carlos Alberto Silva Melo Santos, Universidade dos Açores Professor Doutor Neven Duic, Universidade de Zagreb (Croácia) Professor Doutor Pedro Telhado Pereira, Universidade da Madeira Professor Doutor Henrique Manuel Dinis Santos, Universidade do Minho Professor Doutor João Joanaz de Melo, Universidade Nova de Lisboa Professora Doutora Maria Manuela M. S. Sarmento Coelho, Academia Militar Professor Doutor Vítor Manuel S. da Silva Ferreira, Universidade Técnica de Lisboa Tenente-Coronel (Doutor) Carlos Manuel Mendes Dias, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) António Palma Esteves Rosinha, Academia Militar Major (Doutor) Pedro Luís R. R. Ferreira da Silva, Academia Militar Major (Doutor) David Pascoal Rosado, Academia Militar Tenente-Coronel (Mestre) José Carlos Dias Rouco, Academia Militar Conselho Consultivo Nacional: Major-General José António Henriques Dinis Professor Doutor Diamantino Freitas Gomes Durão, Universidade Lusíada Professora Doutora Ana Bela Ribeiro da Costa Santos Bravo, Academia Militar Professor Doutor António José Barreiros Telo, Academia Militar Professor Doutor Mário Lino Barata Raposo, Universidade da Beira Interior Professor Doutor António Fernando Boleto Rosado, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Carlos José Bernardo da Silva Barracho, Universidade Lusíada Professor Doutor João Torres de Quinhones Levy, Universidade Técnica de Lisboa Professora Doutora Lúcia Maria Portela Lima Rodrigues, Universidade do Minho Professora Doutora Ana Maria Carapelho Romão, Academia Militar Professor Doutor António Joaquim dos Santos Serralheiro, Academia Militar Professor Doutor Fernando José Gautier Luso Soares, Academia Militar Professor Doutor César Rodrigo Fernández, Academia Militar Professor Doutor Jorge da Silva Macaísta Malheiros, Universidade Técnica de Lisboa Professora Doutora Maria da Saudade Baltazar, Universidade de Évora Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão, Universidade Técnica de Lisboa Professor Doutor Thomas Peter Gasche, Academia Militar Coronel (Doutor) João Pedro da Cruz Fernandes Thomaz, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Francisco Miguel Proença Garcia, Academia Militar Tenente-Coronel (Doutor) Paulo Fernando Viegas Nunes, Academia Militar Professora Doutora Maria Francisca Saraiva, Universidade Nova de Lisboa Tenente-Coronel (Mestre) Jorge Manuel Dias Sequeira, Academia Militar Tenente-Coronel (Mestre) Pedro Marcelino Marquês de Sousa, Academia Militar Conselho Consultivo Internacional: Professora Doutora María Jesús Hernández Ortiz, Universidade de Jaén (Espanha) Professor Doutor Sven Biscop, Egmont Institute (Bélgica) Professor Doutor Gary N. McLean, Texas University (EUA) Professor Doutor Hermano Perrelli de Moura, Universidade Federal de Pernambuco (Brasil) Professor Doutor Michael F. Cassidy, Marymount Unversity (EUA) Professora Doutora Patrícia M. Salgado, Universidade Autónoma do Estado do México (México)

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Editorial

EDITORIAL ................................................................................................................................................... 5Major-General Dias Coimbra

GEODÉSICAS, CATENÁRIAS E OUTRAS TRAJECTÓRIAS ÓPTIMAS NAS CIÊNCIAS NATURAIS ... 7Professor Doutor César Fernández

CICLOS DO GESTOR E DO LÍDER PARA DESEMPENHOS SUPERIORES ........................................ 27Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre) Carlos Rouco e Professora Doutora Manuela Sarmento e Tenente-Coronel de Artilharia (Doutor) António Rosinha

SOFT POWER ............................................................................................................................................... 49Tenente-Coronel de Artilharia (Mestre) António Flambó e Tenente-Coronel de Cavalaria Paulo Ramos

GESTÃO DO DESEMPENHO EM ORGANISMOS PÚBLICOS: UMA COMPARAÇÃO DE ABORDAGENS ..................................................................................................................................... 71Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre) José Martins, Mestre Paulo Belfo, Mestre Isabel Ferreira e Mestre Irapuan Noce

GESTÃO, ESTRATÉGIA EMPRESARIAL E ESTRUTURA ORGANIZACIONAL: REDESCOBRIR A ALTERIDADE .......................................................................................................................................... 105Major de Administração Militar (Doutor) David Rosado

CRITÉRIOS DIFERENTES DE RECONHECIMENTO E MENSURAÇÃO DAS TRANSACÇÕES NO CONTEXTO DAS CONTAS PÚBLICAS E DAS CONTAS NACIONAIS ........................................ 137Professora Doutora Paula Santos e Professora Doutora Manuela Sarmento

A HISTÓRIA DA GEOGRAFIA ................................................................................................................... 161Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre) Jorge Sequeira

A GÉNESE DA POLÍTICA EXTERNA CABO-VERDIANA .................................................................... 211Capitão (Mestre) José Graça

GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA, SECRETISMO E TERRORISMO GLOBAL NA SENDA DOS FUNDAMENTALISMOS CONTEMPORÂNEOS. UMA INTRODUÇÃO. .................................... 231Professora Doutora Sandra Balão

O PAPEL DA GNR NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - O ACOMPANHAMENTO DOS AGRESSORES CONJUGAIS, COM VISTA À PREVENÇÃO DA REINCIDÊNCIA DO CRIME ... 273Alferes da GNR (Mestre) José Castro

DIREITOS E PEDAGOGIAS. UM BREVISSIMO EXCURSO. ................................................................. 289Professor Doutor Luso Soares

É OPORTUNO DESENVOLVER EM PORTUGAL UMA INDÚSTRIA DE SISTEMAS NAVAIS PARA SEGURANÇA E DEFESA?. .............................................................................................................. 297Professor Doutor Pedro Mendes e Mestre Pedro Água

CONCLUSÕES DE SIMPÓSIO E SEMINÁRIO ........................................................................................ 319Tenente-Coronel (Doutor) Mendes Dias e Tenente-Coronel (Mestre) Lemos Pires

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA PROELIUM ................................................................... 331Tenente-Coronel (Mestre) Carlos Rouco

TODOS OS TEXTOS SÃO DA RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS RESPECTIVOS AUTORES

sumário

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Editorial

António José Pacheco Dias Coimbra (*)

Major-General

Tendo assumido recentemente as funções de Director da Revista Proelium, o meu primeiro acto foi perceber a sua história, a sua missão e os objectivos que a norteiam, assim como manifestar o meu reconhecimento a todos os que contribuíram para a sua implementação aos longo dos anos.

A minha segunda nota vai no sentido de prestar uma sentida homenagem a um amigo que já não se encontra entre nós, a um Homem de elevados valores, de trato fácil, de frontalidade serena e com uma capacidade imensa para “dar”, tendo uma atitude sempre colaborativa e proactiva quanto à Revista Proelium. O nosso estimado Professor Carlos Tavares Ribeiro, ficará sempre guardado no coração de todos nós como uma referência.

O primeiro número da Revista Proelium foi publicado há quase 80 anos, constituindo-se como um “órgão de divulgação de ensinamentos” e “incenti-vos a um mais profícuo labor de investigação”. Considera-se que o primeiro objectivo está consolidado e que o segundo merece, ainda, o nosso esforço para efectuar as mudanças necessárias para oferecer um espaço de referência a todos os investigadores.

Procurando manter a linha editorial da Revista Proelium, que assenta na diversidade dos saberes, considera-se da maior importância que esta evolua segundo uma orientação que possa oferecer aos investigadores das diferentes áreas, uma plataforma para publicarem os seus trabalhos científicos e conse-quentemente contribuírem para a valorização da investigação em geral e da Academia Militar em particular.

Na Universidade deve desenvolver-se uma cultura de procura do conheci-mento, que é uma conquista diária e permanente, resultado do trabalho, sacrifício e persistência, coadjuvado pela criatividade e inovação. O Homem ao longo da

(*) Director de Ensino e 2.º Comandante da Academia Militar. Director da Revista Proelium.

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sua evolução e fruto do desejo ou necessidade de “saber” teve que travar “duras” batalhas para se afirmar como o “criador da verdade” através da razão científica.

Actualmente, perante a diversidade e quantidade de conhecimento disponível, o grande desafio da Universidade é dotar os alunos com capacidades para o procurar e saber utilizá-lo de forma eficiente e eficaz. E quando não disponível, saber encontrar as respostas mais adequadas através da investigação e, assim, levá-lo a “dominar o desconhecimento”. Todo o discente deve ser estimulado a pensar criticamente e a desenvolver a sua capacidade de reflexão, sem as quais não há mudanças no pensamento e no entendimento dos fenómenos.

No contexto universitário, os docentes e discentes deverão, em sintonia, construir espaços entre o “saber pensar”, o “saber aprender” e o “saber fa-zer”, procurando a autonomia, num processo permanente de inovação crítica e criativa, proactividade e empreendedorismo, que funcionam como o garante da sobrevivência na era da globalização e, sobretudo, da capacidade de afirmação na escolha do nosso “rumo” e de liderança.

Neste número da Revista Proelium e seguindo o seu espectro de “banda larga” nos “saberes” que vão desde as ciências exactas às ciências sociais, podem encontrar-se vários temas tais como: a determinação das trajectórias óptimas em diferentes ramos das ciências; as diferenças entre o papel do gestor e do líder; a importância que o soft power tem nas relações entre as pessoas, entre grupos organizados ou até entre os Estados; o mlearn como uma meto-dologia que permite o alinhamento estratégico das várias preocupações duma organização orientadas para os processos; a utilização de diferentes critérios de reconhecimento e mensuração das transacções no contexto das contas pú-blicas e das contas nacionais; a evolução da geografia ao longo dos séculos; a génese da política externa de Cabo-Verde; o papel instrumental do secretismo no seio de um Estado de direito; o papel da Guarda Nacional Republicana no combate à violência doméstica; o direito e a pedagogia e por fim a indústria de sistemas navais para a segurança e defesa.

Por último e em prol da procura da razão cientifica, gostaria de deixar uma nota de agradecimento a todos os autores pelos seus contributos e um incentivo a todos os investigadores para eleger este espaço para publicarem os trabalhos de investigação científica. Na sequência das linhas editoriais anteriores e, de acordo com as exigências nacionais e internacionais no que respeita à publica-ção de artigos científicos, a Direcção da Revista Proelium da Academia Militar está empenhada de forma permanente na procura dos padrões de excelência, o que muito me congratula, mas sobretudo vai ao encontro dos desígnios como escola de referência na sociedade portuguesa. O meu incentivo é reforçado para todos os que o estão a permitir e os que se queiram associar.

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GeodésiCAs, CAtenáriAs e outrAs trAjeCtóriAs óptimAs nAs CiênCiAs nAturAis

César Rodrigo Fernández (*)

Professor Doutor

(*) Professor da UC Álgebra Linear Integral, Cálculo Diferencial I e Matemática Computacional na Academia Militar. Membro do CINAMIL e do CMAF.

(1) Lição de Abertura Solene do Curso Académico 2010-2011 na Academia Militar, Amadora 4 de Novembro de 2010.

ABSTRACT

We explore the problem of determining optimal trajectories in several branches of Science, looking for certain common characteristics. In this research we shall see that seemingly unrelated problems do share a common structure that allows the comprehension of all of them within a common theoretical framework, which broadens our knowledge in different areas, illustrating the advantages of the deductive method in Mathematics and the level of rigor and abstraction that are characteristic in this science.

Keywords: Caculus of variations, Optimal trajectories, Geodesics, Noether Theorem, Euler-Lagrange equations, Conservations laws.

RESUMO

Exploraremos os problemas de determinação das trajectórias óptimas em diferentes ramos das Ciências, à procura de certas características co-muns. No percurso desta exploração veremos como problemas sem relação aparente compartem uma estrutura comum que possibilita a compreensão de todos eles num mesmo marco teórico, o que permite uma ampliação do nosso conhecimento em diferentes áreas, ilustrando as vantagens do método dedutivo na matemática e o nível de rigor e abstracção próprios desta ciência.

Palavras Chave: Cálculo de Variações, Trajectórias Óptimas, Geodésicas, Te-orema de Noether, Equações de Euler-Lagrange, Leis de conservação.

GeodésiCAs, CAtenáriAs e outrAs trAjeCtóriAs óptimAs nAs CiênCiAs nAturAis (1)

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1. AS TRAJECTÓRIAS ÓPTIMAS NAS CIÊNCIAS E NAS ARTES

Com motivo da Abertura Solene do Curso 2010-2011 da Academia Militar desejo dirigir-me a vocês com uma exposição que, dentro das limitações de tempo associadas a estas cerimónias, e através dum problema próximo e acessível para todos, possa ilustrar sobre as características próprias da Ma-temática e sobre aquelas compartidas com todos os outros ramos do saber.Sempre pareceu a matemática uma ciência árida, abstracta e fria quando comparada com os seus familiares próximos das Ciências Naturais. Um motivo deste preconceito está, entre outras possíveis causas, nessa mania do matemático de complicar coisas simples, essa atitude pedante em defi-nir tudo e provar o evidente, sempre através de construções desnecessárias que só os iniciados nesta ciência são capazes de compreender totalmente, e esse hábito de trabalhar com objectos abstractos em lugar de centrar-se nos objectos concretos do nosso dia-a-dia. Neste respeito, a Geometria (para ser precisos a Geometria Euclidiana, que estudamos nas nossas escolas) parece ter uma vantagem com respeito de outras áreas, dado que o objecto do seu estudo é o espaço e as figuras e movimentos neste espaço, que constituem um elemento do qual todos temos uma experiência quotidiana.Sobre as bases geométricas deixadas pelos gregos, o homem renascentis-ta construiu as ciências modernas (física, astronomia) e as artes (pintura, arquitectura), fixando um paradigma de espaço que é o admitido na nossa sociedade. No entanto, este modelo de espaço (o Espaço Euclidiano) é rí-gido, com as rectas e os planos, círculos e esferas a reinar sobre qualquer outro elemento e figura. A insatisfação dos próprios matemáticos com esta limitação culminou no século XIX, quando Gauss, Lobachevsky e Bolyai romperam com o quinto postulado de Euclides (Euclides, Livro I, circa 300 a.C.), que garantia a ideia intuitiva de que por qualquer ponto exterior a uma recta sempre passa uma única recta, a paralela, que não corta a anterior. Abriram assim o estudo de novos espaços geométricos que, como veremos, têm grande presença na nossa vida. Estes espaços foram explora-dos por Riemann, Minkowski, Klein e Finsler entre outros. Abriu-se então a possibilidade de estudar o espaço duma forma muito mais geral do que a Geometria Euclidiana permitia, sendo que nesta nova visão as trajectórias de comprimento mínimo não tinham as propriedades da geometria analítica clássica no espaço Euclidiano. Surge assim um novo conceito de espaço com uma geometria aparentemente alheia à nossa experiência.Dizemos bem que aparentemente: Se medimos o comprimento duma fita, pode parecer lógico usarmos uma régua rígida padrão que podemos trasladar

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e rodar ao longo do objecto a medir para determinar o comprimento, ou seja, quantas réguas ou fracções cabem entre um extremo e outro da fita. Se medimos a distância entre duas cidades na superfície da terra temos muitas trajectórias que unem as duas cidades, para as quais podemos me-dir o comprimento correspondente por comparação com o nosso padrão (o metro), indicando que a distância entre as cidades é o mínimo de todos os comprimentos das trajectórias que unem estas cidades. Isto levanta vários problemas como o facto de não podermos medir todos os comprimentos indicados (existem infinitas trajectórias que deveríamos medir) e o facto de que poderia não existir essa trajectória de comprimento mínimo. Pior ainda, se abandonamos o nosso metro padrão e observamos a questão desde uma perspectiva mais geral, poderíamos apresentar problemas de outra nature-za. Podemos por exemplo partir da pergunta seguinte: porque medimos o comprimento da nossa trajectória com uma régua? Não seria mais lógico medi-lo com um relógio, em termos do tempo que demoramos em fazer a viagem entre as duas cidades? Neste segundo caso, elementos que atrasam o nosso movimento, como a orografia, são tidos em conta, o qual aporta uma informação mais rica para muitas aplicações. Com este novo critério a trajectória óptima entre cidades nem sempre é a recta Euclidiana, e pode que as distâncias medidas num sentido e no sentido oposto sejam diferentes. Se pretendemos estudar o espaço desde esta perspectiva, as intuições ganhas no nosso estudo da geometria Euclidiana são perigosas, devemos fugir delas se não queremos que se transformem num obstáculo na compreensão do mundo. É aqui onde surge esse hábito do matemático de dar definições rigorosas de tudo e de parar-se a provar cada propriedade, ainda que “intuitivamente” esta possa ser “evidente”. A noção de “trajectória óptima” não é exclusiva do cálculo de distâncias entre pontos dum espaço. Existem outras figuras onde há uma ideia de “optimalidade”:

– Linhas rectas: Trajectórias entre pontos do espaço de comprimento mínimo.

– Círculos: Formados por um fio inextensível quando retém uma área máxima.

– Catenária: Formado por um fio inextensível com mínima energia potencial.

Temos portanto diferentes noções de “comprimento” que podemos minimizar: distâncias (em sentido de medição de tempo ou de medição de espaço), áreas retidas por uma curva, energias potenciais. Todas estas quantidades são uma noção de “comprimento”, ou seja todas elas têm como característica comum básica a seguinte propriedade aditiva:

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Princípio 1: Ao combinarmos duas trajectórias, o comprimento da trajectória resultante é a soma dos comprimentos que tínhamos.Da mesma forma que a linha recta foi a ferramenta geométrica fundamental sobre a qual os gregos basearam a Geometria, um elemento compartido por muitos ramos da ciência moderna é a determinação da trajectória óptima entre dois pontos, trajectória que um geómetra chama “geodésica”, sendo que esta depende de qual é a noção de comprimento que interesse a cada ciência particular.

Queremos centrar o nosso estudo nas “trajectórias”, nos seus “comprimentos” (seja qual for o significado deste, será uma noção com a propriedade aditiva já indicada), e na procura da “geodésica” (trajectória óptima). Ilustremos primeiro diferentes situações onde este problema aparece:Trajectória de comprimento mínimo numa superfície: Uma viagem de avião entre duas cidades (Anchorage 61°10’N 150°0’O no Alasca e Reykjiavik 64°8’N 21°56’O na Islândia, por exemplo) feita por um piloto inexperiente avançaria progressivamente na latitude e na longitude até chegar ao destino. No entanto a trajectória óptima exige aumentar primeiro e diminuir depois a latitude se queremos uma viagem de comprimento mínimo (ver Ilustração 1, onde o avião que sai fora dos paralelos 61-65 atinge antes o objectivo).Enquanto no plano só existe uma trajectória óptima entre dois pontos A e B, na esfera podem existir muitas (pensemos nas trajectórias que unem Pólo Norte com Sul dadas por um meridiano). As geodésicas na superfície da terra têm portanto propriedades diferentes às das geodésicas (rectas) num plano, mas também alguma propriedade é compartida pelos dois problemas, por exemplo, se vamos de A até B através duma geodésica e depois, sem mudar o rumo em B, seguimos através de outra geodésica até C, então o trajecto obtido é uma nova geodésica, que une A com C. Isto é análogo ao que acontece se seguimos no plano uma trajectória recta entre A e B e depois, sem mudar rumo, seguimos uma trajectória recta desde B até C. O caminho total é uma nova recta.Trajectórias de tempo mínimo: Quando o terreno não é homogéneo ou quando existem correntes (de ar ou marinhas no caso dos aviões e barcos), a distância na superfície da terra não tem tanto interes-se como o tempo que demoramos em ir Ilustração 1 – Voo entre duas cidades

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dum ponto a outro. A determinação das trajectórias óptimas neste caso é o conhecido como Problema de Navegação de Zermelo, onde as rotas de navegação devem ser escolhidas com cuidado para evitar perder tempo na luta contra as correntes (ver Ilustração 2).

Ilustração 2 – Com respeito ao tempo de viagem, uma trajectória recta contra-corrente é claramente pior do que uma trajectória mais comprida com corrente favorável.

Já sem presença de correntes, se um veículo tem que viajar entre dois pontos através de regiões onde a sua velocidade se modifica, é lógico que o veículo tente evitar no possível a região de movimento mais lento e aproveite as regiões de movimento mais rápido. Quando a velocidade é igual em todo o espaço a trajectória óptima é a recta. Quando a razão entre a velocida-de v1 numa região e v2 na outra for muito grande, atravessamos a região “lenta” o mais rápido possível (ver Ilustração 3); entre estes dois casos, há situações onde este rácio (“índice de refracção entre os dois médios”) é moderado, o qual vai dar lugar a diferentes trajectórias óptimas, mais ou menos próximas da recta.

Ilustração 3 – O caminho óptimo aproveita as regiões de velocidade rápida e evita as de velocidade lenta (A trajectória óptima está marcada em azul e as regiões de cor escura representam áreas onde a nossa

velocidade diminui).

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Na situação descrita os veículos que seguem trajectórias de tempo míni-mo seguem rectas nas regiões com velocidade constante, e nas áreas de transição (passamos duma velocidade v1 a outra v2) as trajectórias óptimas satisfazem uma lei de refracção, a lei de Snell, que indica que os espaços percorridos antes da transição e depois da transição podem ser diferentes (em comprimento, que denotamos s1, s2 e em direcção), mas que quando consideramos as componentes destes movimentos na direcção tangente à transição (chamemos t1, t2 estas componentes tangentes), então a razão entre v1,v2, entre s1,s2 e entre t1,t2 estão relacionadas por (t1/t2)=(s1/s2) ∙ (v1/v2), portanto o valor t/(s∙v) antes e depois da transição não se altera, este valor é conservado em todo o momento. No caso em que v1=v2, esta lei indica que em qualquer segmento da viagem o valor t/s fica fixo, o “rumo” não se altera. Esta “lei de conservação” é portanto análoga à lei segundo a qual a linha óptima do plano (a recta) mantém em todos os pontos um declive fixo com respeito à horizontal.A lei de Snell é conhecida pelos ópticos, determina a trajectória seguida pela luz quando atravessa um meio onde a sua velocidade muda. Nesta forma, a luz que atravessa um prisma ou uma região com um forte gradiente térmico sofre uma difracção, que produz um deslocamento da posição aparente das figuras quando observadas e até a ilusão duma imagem dupla. Este fenóme-no provoca situações bem conhecidas (ver Ilustração 4), como as miragens, ou o arco-íris quando o índice de refracção depende do tipo de luz (“a sua cor”), e esta lei é a base da óptica clássica e do comportamento das lentes.Nos movimentos sísmicos as ondas seguem a lei de Snell. Sendo que o meio onde se difundem, o interior da terra, não é homogéneo, a velocidade é diferente em função do material que atravessam e a sua densidade. Se nos

Ilustração 4 – Refracção da luz: Arco-íris e Miragens

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centramos nas ondas de compressão (ondas P), um sismo no Chile produz ondas que viajam pelo interior da terra não em linha recta, senão com tra-jectórias de tempo mínimo marcadas pela difracção segundo avançamos. Nos sismógrafos distribuídos na superfície estas ondas são recebidas em diferen-tes instantes e com diferentes intensidades, sendo que toda esta informação produz uma imagem da estrutura interior da terra. Para um sismólogo um sismo é comparável a um flash de luz que faz a rocha transparente ao nosso olhar. A mudança gradual na densidade das rochas produz uma refracção gradual das ondas sísmicas. A transição entre manto (composto de óxidos como olivina e piroxênio) e núcleo (basicamente uma liga de ferro) supõe uma mudança brusca das velocidades de propagação das ondas e a conse-quente refracção brusca destas (ver Ilustração 5), o que fica reflectido na aparição duma região de “sombra” na superfície, onde as ondas P não são observadas pelos sismógrafos, assim estas ondas procedentes do Chile não seriam detectadas em Moscovo mas sim no Japão.

Ilustração 5 – Ondas sísmicas

Trajectórias de risco mínimo: Além de medir distâncias e tempos, para uma trajectória podemos medir o “comprimento” através do risco que um veículo corre quando segue a mesma. Este risco pode estar provocado por vários motivos, como a existência dum posto de observação num ponto do terre-no (fonte de risco), ou outros factores que alterem a velocidade do nosso veículo em determinadas regiões, por exemplo. Os riscos podem ser vistos como probabilidades p de que aconteça um determinado sucesso durante o percurso. As probabilidades não têm a propriedade aditiva mencionada quando combinamos trajectórias, mas têm uma propriedade multiplicativa

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(a probabilidade de dois sucessos independentes é o produto das probabili-dades de cada um deles). Portanto, dado que a função logaritmo transforma somas em produtos (log ab=log a+log b), se consideramos o logaritmo desta probabilidade (risco=log p), temos uma medida de comprimento, que chamaremos risco da trajectória, de forma que o risco de duas trajectórias combinadas é de facto a soma dos riscos para cada uma delas. Para esta medição de comprimento as geodésicas, novamente, não vão ser as rectas da Geometria Euclidiana. Assim, um veiculo a viajar entre dois pontos tratará de se afastar no possível da fonte de risco (ver Ilustração 6).

Ilustração 6 – Para medições do risco a trajectória óptima (em amarelo) pode não ser a recta.

Minimização de energias em estruturas rígidas ou elásticas: As curvas e as superfícies rígidas ou elásticas ficam em repouso só quando a energia total do sistema for mínima. No caso dos vimes duma árvore esta energia tem uma parte gravitatória (energia potencial) e uma parte devida à forma adoptada pelo corpo elástico do ramo. No caso das membranas celulares, as energias que aparecem têm origens diversas. No caso dum fio inextensível a pendurar, a energia recolhe uma componente de potencial gravítico e outra elástica devida às forças de tensão. No caso dos arcos duma ponte, além da energia própria do arco temos a produzida pelo tabuleiro e estruturas que são suportadas. Assim um arco cuja energia provém só do próprio peso tem forma óptima quando for uma catenária. Um arco com peso pequeno e cuja energia provém basicamente dum tabuleiro horizontal sustentado será uma parábola, e um arco cuja energia provém do volume homogéneo sustentado vai ter forma circular (ver ilustração 7).

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Minimizar acção dum sistema mecânico: A posição dum corpo em repouso está determinada pela sua energia mínima. Em forma análoga, o princípio de acção mínima de Hilbert indica que o movimento dum corpo é aquele para o qual a “acção” do sistema (conceito que interpretaremos como sendo o trabalho feito pelo sistema) é mínima. A acção dum sistema é uma noção de “comprimento”, no sentido de desfrutar da propriedade aditiva antes mencionada. A dinâmica dos corpos é, portanto, um ramo da ciência onde a determinação de geodésicas tem um papel destacado: as geodésicas para a acção determinam qual é o movimento do corpo. O movimento vertical dum corpo em presença do campo gravitacional da terra pode-se representar como uma parábola nas variáveis tempo-altura, curva esta que minimiza a “acção” entre todas as possíveis trajectórias (ver Ilustração 8).

Ilustração 7 – Arcos com forma de catenária, parábola e círculo

Ilustração 8 – Dinâmica duma massa pontual em presença de gravidade.

Todos estes exemplos, procedentes dos mais variados ramos da Ciência, mostram como, além das rectas, há outras trajectórias óptimas do nosso interesse, em função de qual for o “comprimento” que queremos minimizar.

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2. ESTRUTURA E RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE TRAJECTÓRIA ÓPTIMA

Os diferentes problemas mencionados podem ser estudados dentro dos diferentes ramos da ciência em que surgem, o qual produz resultados que caracterizam as trajectórias óptimas e as suas propriedades, em cada caso. No entanto, do ponto de vista matemático os problemas compartem uma mesma estrutura básica, sendo as diferenças concretas para cada um dos casos um aspecto secundário. Podemos acreditar portanto que existe uma série de propriedades comuns a todas estas trajectórias: vimos no estudo das rectas do plano ou das geodésicas na superfície da terra que sempre podemos combinar duas trajectórias se mantemos o rumo entre as duas, com o que obtemos uma nova recta ou geodésica, respectivamente; no caso da óptica há uma lei de conservação (lei de Snell) totalmente análoga à lei que diz que as rectas mantêm um declive fixo; na física existem “leis de conservação” de momento e da energia muito similares às propriedades mencionadas para as rectas (conservação do rumo) ou as trajectórias das ondas (lei de Snell). Podemos perguntar-nos se estas semelhanças são casuais e próprias destes problemas concretos ou se a estrutura comum em todas estas situações produz necessariamente as propriedades indicadas, compartidas por todas as trajectórias óptimas, seja qual for a noção de comprimento usada.Para responder a esta questão é necessário um exercício de abstracção, afastar todos os elementos acessórios que distinguem uns problemas de outros e ficar só com os elementos comuns. Depois, devemos analisar quais são as noções e objectos chave neste modelo abstracto e quais são as propriedades que podemos deduzir para estes objectos. Feito isto, todos os problemas que se insiram no mesmo modelo abstracto vão ter as ditas propriedades.Estudemos portanto as curvas óptimas entre dois pontos (I=inicial, F=final) com respeito de alguma noção de comprimento. Para uma trajectória α entre os pontos I,F, denotaremos por C(α,I,F) o comprimento da trajectória α entre I,F. Pensemos numa trajectória concreta que seja óptima entre I,F, isto é, C(α,I,F)≤C(β,I,F) para qualquer outra escolha dum trajecto β. Chamaremos custo de viagem entre I,F e denotaremos por C(I,F) o comprimento desta trajectória óptima. Se escolhemos pontos A,B intermédios nesta trajectória a propriedade aditiva que exigimos na noção de comprimento diz que C(I,F) coincide com a soma dos comprimentos da trajectória α no segmento I,A, no segmento A,B e no segmento B,F: C(α,I,F)=C(α,I,A)+C(α,A,B)+ C(α,B,F). Se a trajectória α pudesse ser melhorada entre A,B, então a trajectória total entre I,F poderia ser melhorada através duma nova trajectória que coincide

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com α entre I,A e entre B,F e com a nova escolha entre A,B. Um princípio geral para este tipo de problemas, portanto, será:

Princípio 2: Se uma trajectória for óptima, qualquer um dos seus pedaços é óptimo.

Perguntar se uma trajectória α pode ser melhorada leva, portanto, a uma questão natural: Algum troço da curva pode ser melhorado?. Pensemos num troço da nossa trajectória entre os pontos A,B próximos e pensemos que o caminho escolhido entre eles foi a composição de dois caminhos óptimos, um entre A e p e outro entre p e B (ver Ilustração 9). A escolha do ponto p determina então o nosso caminho, e o comprimento da trajectória entre A e B é soma do custo de viagem entre A e p e o custo de viagem entre p e B: C(α,A,B)=C(A,p)+C(p,B). Vamos chamar CA(p)=C(A,p), de forma que a função CA representa o custo de viajar a qualquer ponto desde A (“custo de origem A”), e em forma análoga chamaremos CB(p)=C(p,B), com o que a função CB representa o custo de viajar desde qualquer ponto até B (“custo de destino B”)Pretendemos que a soma destes dois custos seja óptima, com o qual devemos escolher o ponto p intermédio que suponha o menor custo total.

Ilustração 9 – A trajectória entre I,F não é óptima, no troço AB a escolha de p pode ser melhorada.

Temos então a opção de escolher um ponto p de forma arbitrária, o qual supõe um custo total F(p)=CA(p)+CB(p), e queremos uma técnica que distinga as escolhas óptimas de p de outras possíveis escolhas. Este é o problema clássico de minimização duma função, e a resposta (a determinação do ponto p que faz a trajectória óptima) pode ser dada através do que se conhece como gradiente da função F.

Gradiente duma função:

O gradiente duma função F no ponto p mede a velocidade com que F varia “quando nos movemos desde o ponto p”. Especifiquemos o que queremos

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dizer com mover-nos desde o ponto p: se damos um movimento, para cada ponto p e cada intervalo temporal t, estamos a determinar um novo ponto P(t,p) , que representa o lugar onde o ponto p foi movido após um tempo t. Admitamos que este movimento não é brusco senão regular, isto é, que P(t,p)=p+t∙vp+t2∙ hp(t), onde vp representa um vector (a “velocidade inicial do movimento”) que não depende do intervalo t, e onde hp(t) representa um vector que depende de forma contínua do valor de t (hp(0) representa a ace-leração inicial do movimento). Qualquer expressão P(t,p) da forma indicada é o que chamaremos um movimento regular no nosso espaço de pontos.Para a maioria das funções F (concretamente, para as funções diferenciáveis em p) é possível observar que, se avançamos desde p através de qualquer movimento regular P(t,p) com direcção inicial vp, os valores de F nestes pontos f(t)=F(P(t,p)) se incrementam com uma velocidade inicial f’(0) “pro-porcional” à velocidade inicial do movimento, isto é: f’(0)=vp∙GrpF. Aqui o produto não é o produto de números reais senão o produto escalar de vectores, cuja interpretação geométrica pode encontrar-se na Ilustração 10. O vector GrpF (a “constante de proporcionalidade”) é chamado o gradiente da função F em p, e o valor f’(0) só depende do movimento P(t,p) em termos da velocidade inicial vp deste movimento no ponto p. O produto escalar será zero só quando os vectores sejam perpendiculares entre si.

Ilustração 10 – O produto escalar do vector v∙Gr f é a área do triângulo azul, positiva, se os vectores formam um ângulo agudo. O produto escalar w∙Gr f é a área do triângulo amarelo, com sinal negativo, se

os vectores formam um ângulo obtuso.

Quando afirmamos que f’(0)=vp∙GrpF, o que temos é que f(t)-f(0)=F(P(t,p))-F(p)=t∙(vp∙GrpF +g(t)), onde g(t) tem limite 0 quando t tende a 0 (escrevemos portanto limt→0 g(t)=0).Se o movimento de p fosse ao longo de pontos P(t,p) onde F(P(t,p)) coincide com F(p) (uma curva de nível F(p)=constante da função F), obtemos que 0= t∙(vp∙GrpF +g(t)) e portanto g(t)= - (vp∙GrpF ) para cada t>0 . Como limt→0 g(t)=0, deduzimos que vp∙GrpF=0, o que mostra que a velocidade inicial vp do nosso movimento seria perpendicular ao vector gradiente GrpF.

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Se o vector vp forma um ângulo agudo com GrpF, isto é, se vp∙GrpF=a>0, temos que F(P(t,p))-F(p)=t∙(a+g(t)) (onde a>0, limt→0 g(t)=0), com o qual para escolhas de t>0, g(t)>-a, se verifica F(P(t,p))-F(p)>0. Como limt→0 g(t)=0, isto acontece para qualquer t positivo suficientemente pequeno: existe um valor ε>0 tal que F(P(t,p))>F(p) para qualquer 0<t<ε. Neste caso, no inicio do nosso movimento, o valor de F se incrementa com t.Em forma análoga, se o vector vp forma um ângulo obtuso com GrpF, (ou seja, se vp∙GrpF<0) então temos F(P(t,p))<F(p) para qualquer 0<t<ε, e no inicio do nosso movimento o valor de F diminui quando t aumenta.Concluímos portanto que se o vector gradiente é não nulo, um pequeno movimento desde p na direcção do gradiente conduz a pontos onde F toma valores maiores que em p, e um pequeno movimento na direcção oposta conduz a pontos onde F toma valores menores que em p. Estas situações não podem ser escolhas óptimas de p.

Princípio 3: Se p for uma escolha óptima onde F atinge o valor mínimo então o gradiente de F nesse ponto deve ser nulo.Esta propriedade do gradiente permite distinguir escolhas óptimas de p de outras possíveis escolhas.Optimização do custo duma trajectória:

Voltemos ao nosso problema, onde a função que nos interessa é o custo. O custo da trajectória Ap está dado por uma expressão f1(p)=C(A,p)=CA(p) e o custo da trajectória pB está dado por uma expressão f2(p)=C(p,B)=CB(p). O custo total F(p) da trajectória entre A e B será a soma destes dois custos e o gradiente desta função F é a soma dos gradientes GrpF=Grpf1+Grpf2= GrpCA+GrpC

B

Ilustração 11 – Caminhos de mínima distância. Se trasladamos p fora da região azul aumentamos o valor f1; se fora da região verde, aumentamos o valor f2; Avançar na direcção de Gr F=Gr f1+Gr f2 aumenta o valor F=f1+f2, e na direcção oposta diminui este valor. Para a trajectória de mínimo comprimento deve ser

Gr F=0, os dois gradientes Gr f1, Gr f2 no ponto p são opostos.

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Para que a escolha de p seja óptima esta soma deve ser nula e portanto os gradientes em p associados aos dois custos devem ser opostos. Resumimos o resultado como segue:

Principio 4 (Equações de Euler-Lagrange): As trajectórias óptimas estão caracterizadas porque para quaisquer três pontos da trajectória A,p,B os gradientes GrpCA, GrpC

B estão equilibrados: GrpCA= – GrpCB.

Esta é a lei que caracteriza as trajectórias óptimas em qualquer um dos problemas descritos. A formulação deste princípio na linguagem do cálculo diferencial é o que se conhece como equações de Euler-Lagrange associadas à nossa função de custo.Vemos no seguinte diagrama uma ilustração deste resultado, mostrando como em presença duma fonte de risco a trajectória recta não é óptima (ver gradientes em azul) e como existe uma trajectória com os gradientes equilibrados (em vermelho), que satisfaz as equações de Euler-Lagrange.

Ilustração 12 – A trajectória cinzenta não é óptima, o primeiro passo foi mal escolhido, os gradientes associados à função de custo neste ponto não são opostos

Como acabamos de ver, através da observação da estrutura básica do proble-ma, resumida com uma função de custo, e se esta função é regular, podemos resolver o problema da determinação da trajectória óptima. Em qualquer dos problemas estudados, estas trajectórias óptimas satisfazem as equações de Euler-Lagrange para a função de custo correspondente.

3. SIMETRIAS E LEIS DE CONSERVAÇÃO

Na sua versão de cálculo diferencial as equações de Euler-Lagrange são de ordem 2, fazem intervir derivadas segundas das funções incógnitas, e a

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determinação das trajectórias que verificam as equações não é um problema simples. No entanto a Física ilustra qual é o caminho a seguir: na dinâmica as equações de movimento forças=masa∙aceleração, onde aparece a aceleração (derivada de ordem 2 da posição) podem ser descritas numa forma mais prática, como equações de ordem1, através de leis de conservação: uma lei de conservação do momento linear, do momento angular ou da energia total do sistema. Seria de grande utilidade que este tipo de ideia aparecesse também nas restantes noções de trajectória óptima.A matemática Emmy Noether apresentou, no inicio do século XX, um re-sultado que liga a existência de uma simetria no problema com a existência duma quantidade conservada, o celebrado Princípio de Noether. Esta rela-ção aparece na descrição de sistemas dinâmicos na Física mas também em qualquer outro problema de trajectórias óptimas. Dum ponto de vista geral, dada uma estrutura, uma simetria da mesma é um movimento que preserve esta nos aspectos essenciais. Assim se só temos interesse na medição de comprimentos com um metro padrão, uma translação rígida ou uma rotação são simetrias, podemos virar um corpo sem que os aspectos métricos se al-terem. Se os elementos essenciais são outros, a mesma traslação ou rotação podem não ser simetrias.Se pretendemos estudar simetrias, o único aspecto essencial nos problemas de trajectória óptima é a forma em que os comprimentos são medidos, aspecto recolhido pela função de custo. Diremos que um movimento regular P(t,p) é uma simetria se conserva os custos (sejam estes distâncias, riscos, tempos de viagem ou o que for em cada caso), isto é, se C(A,B)=C(P(t,A),P(t,B)) para qualquer intervalo temporal t e qualquer par de pontos A,B. Para cada sistema particular há movimentos que representam simetrias e outros que não, sendo que as simetrias num problema concreto podem não ser simetrias para outro problema. Por exemplo, qualquer traslação num plano preserva as distâncias, será uma simetria para o problema de medição de distâncias C(A,B)=d(A,B), no entanto, uma traslação P(t,p) que afaste de nós uma fonte de risco alivia os riscos da nossa viagem, o custo entendido como “risco” não é preservado por este movimento C(A,B)≠C(P(t,A),P(t,B)). Os movimentos regulares P(t,p)=p+t∙vp+t2∙ hp(t) determinam um vector de velocidade vA do movimento em cada ponto A, assim as traslações no pla-no numa direcção fixa determinam em cada ponto vectores de velocidade vA=(α,β) que são uns transporte paralelo dos outros (ou seja, α,β são fixos e independentes de A), e o movimento de rotação com respeito dum centro O determina em cada ponto A vectores vA de velocidade tangentes à cir-cunferência centrada em O com raio r = d(O,A).

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Pretendemos observar o que é que acontece se o movimento preserva a noção de comprimento, isto é, se temos um movimento que num tempo t transporta cada ponto A no ponto P(t,A) de forma que C(P(t,A),P(t,B))-C(A,B)=0 em cada instante t. Neste caso usaremos uma nova propriedade do gradiente, a regra da cadeia, que indica que se as funções f1(p)=C(p,B) são regula-res sendo que o gradiente GrAf1 depende de forma contínua da escolha de A e B, e se as funções f2(p)=C(A,p) são regulares, sendo que o gradiente GrBf2 depende de forma contínua da escolha de A e B, então a função g(t)= C(P(t,A),P(t,B))-C(A,B) tem derivada sendo g’(0)= vA∙GrAf1+vB∙GrBf2No caso em que o movimento é uma simetria, sabemos que g(t) é sempre nulo e que portanto vA∙GrAf1+vB∙GrBf2=0. O gradiente em A da função f1(p)=C(p,B)=CB(p) e o gradiente em B da função f2(p)=C(A,p)=CA(p) podem de facto ser diferentes, mas os respectivos produtos com vA e com vB são opostos:

Princípio 5: Se P(t,p) é uma simetria da função de custo C(A,B) então o vector de velocidades do movimento e os gradientes GrACB, GrBCA associados a CB(p)=C(p,B), CA(p)=C(A,p) satisfazem a relação: vA∙GrACB+vB∙GrBCA=0.

Ilustração 13 – Um movimento de rotação com respeito da fonte de risco é uma simetria. Uma rotação com outro centro não é simetria. Os gradientes da função de custo e as velocidades definem áreas (produtos

escalares) equilibradas se o movimento é simetria.

Combinemos agora os Princípios 4 e 5. Uma trajectória óptima verificava que para qualquer par de pontos p,q da trajectória a função Cp de custo de origem p e a função Cq de custo de destino q tinham em cada ponto B da trajectória gradientes opostos, logo v∙GrBCp=-v∙GrBCq para qualquer vector v e quaisquer pontos p,B,q da trajectória. O trajecto desde um ponto A até B determina dois vectores gradientes, um em A e outro em B, diferentes entre eles. No entanto se temos uma simetria sabemos que os valores vA∙GrACB

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(sendo CB a função de custo de B como destino) e vB∙GrBCA (sendo CA a função de custo de A como origem) são um oposto do outro (onde v é o vector de velocidades da simetria). Se combinamos os dois resultados, para qualquer sequência de pontos intermédios A,B,C,D,E,… na trajectória óptima temos:

vA∙GradACB= -vB∙GradBCA= vB∙GradBCC= -vC∙GradCCB= vC∙GradCCD= -vD∙GradDCC= vD∙GradDCE = -vE∙GradECD=…

Onde a primeira igualdade é devida a que v são as velocidades associadas a uma simetria, a segunda igualdade é por ser a trajectória óptima (equações de Euler-Lagrange), a seguinte igualdade é devida a que v está associado a uma simetria, a seguinte devida a termos uma trajectória óptima, etc.

Ilustração 14 – Para uma trajectória óptima e para o vector de velocidades duma simetria o gradiente da função de custo e a velocidade da simetria dependem do ponto escolhido, mas os produtos escalares (aqui representados como área dum triângulo) v∙Grad C produzem o mesmo valor em todos os pontos da trajec-

tória. São uma quantidade conservada.

Este resultado mostra que há uma quantidade conservada:

Principio 6 (Princípio de Noether): Para qualquer par de pontos A,B de uma trajectória óptima e para qualquer simetria com velocidade v, verifica-se que vA∙GradACB é um valor fixo, independente dos pontos (analogamente, o valor vB∙GradBCA é fixo, independente dos pontos, e coincide com o oposto do valor anterior).No caso em que os movimentos considerados sejam as rotações, se estas são simetria para a função de comprimento C(A,B), então a quantidade vA∙GradACB (independente dos pontos escolhidos) chama-se momento angular da trajectória. No caso em que os movimentos sejam traslações numa direc-ção fixa, se estas são simetria, a quantidade conservada chama-se momento

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linear na direcção indicada. No caso em que o problema admita o tempo como variável, se as traslações no tempo são simetria, então a quantidade conservada recebe o nome de energia da trajectória.As diferenças entre as equações de Euler-Lagrange 0=GrpCA+GrpC

B (para quaisquer três pontos consecutivos A,p,B) ou as leis de conservação vA∙GradACB=constante podem parecer menores, mas o facto de que as pri-meiras fazem intervir três pontos enquanto as segundas fazem intervir só 2 pontos produz como resultado que as primeiras impliquem resolver uma equação diferencial de ordem 2, enquanto as segundas só supõem resolver equações de ordem 1. Este é o grande benefício trazido pelas simetrias e o Teorema de Noether. Na formulação mais geral do problema, e sempre que as funções de custo sejam regulares (exista o gradiente), as trajectórias óptimas podem ser descritas por equações diferenciais de ordem 1. Estas leis de conservação permitem determinar as trajectórias óptimas, e também vão permitir um estudo mais aprofundado das propriedades destas trajectórias, sem termos que resolver as equações de Euler-Lagrange.

4. CONCLUSÕES

Concluímos aqui a nossa breve viagem no mundo das trajectórias óptimas. Ao longo deste percurso obtivemos resultados destacados sobre estas tra-jectórias, nomeadamente a descrição das trajectórias óptimas através das equações de Euler-Lagrange e a ilustração de como as simetrias do problema produzem quantidades conservadas, quantidades que são constantes ao longo de qualquer trajectória óptima. Também aprendemos uma série de princípios que são comuns às ciências em geral:

– A intuição oferece guias no nosso caminho mas nunca respostas. Um uso adequado da intuição implica duvidar sempre desta. As trajectórias óptimas numa superfície podem ser diferentes das que esperaríamos, as linhas de comprimento mínimo nem sempre coincidem com as de risco mínimo nem com as de menor tempo de viagem. Evitemos adoptar uma visão demasiado subjectiva ou centrada num caso particular.

– Uma análise aprofundada implica identificar e descartar os elementos aces-sórios, destacar os elementos essenciais, e as suas propriedades básicas. Formulemos as questões que se pretendem responder em termos destes elementos essenciais e respondamos as questões com deduções baseadas em princípios lógicos simples a partir das propriedades dos nossos objectos.

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– Identificados os elementos essenciais e as questões pertinentes, dividamos o problema em pedaços, identificando quais são as questões chave que podem conduzir à resolução da questão principal. Apliquemos as ferra-mentas apropriadas para cada uma destas questões.

– Apliquemos um método indutivo para estabelecer hipóteses baseadas na observação de diferentes situações, e o dedutivo para estabelecer resultados: Usemos os conhecimentos obtidos em casos particulares para formular as nossas hipóteses no problema geral, determinando se há um princípio comum ou se as propriedades são consequência das características parti-culares em cada caso.

Ao aplicar esta metodologia, a matemática fica inserida de forma natural como mais uma Ciência, com princípios e métodos comuns com outras áreas. Neste respeito podemos dizer que, contrariamente ao que é normal-mente interpretado, a matemática não é uma ciência que estuda os números. Na matemática, dado um conjunto de objectos e de relações entre eles, pretende-se encontrar novas relações não conhecidas anteriormente. Sendo o objecto de estudo abstracto, nunca poderemos provar as nossas hipóteses com a simples observação experimental, senão através das relações lógicas entre os objectos. Esta é a visão da matemática como uma ciência baseada em axiomas (o objecto está determinado não pela sua existência física senão pelas propriedades que o caracterizam) e na lógica formal (o mecanismo que permite deduzir novas propriedades a partir das já conhecidas). Quanto mais abstracto for o objecto, quanto menor o número de características supérfluas que desviem a atenção do essencial, maior será a possibilidade de aplicar os resultados a situações novas.Aqui encontramos a origem da matemática como ciência abstracta por exce-lência, onde a abstracção deve ser vista não como uma forma de escurecer os resultados para os leigos, senão ao contrário, como uma forma de abrir o âmbito de aplicação dos resultados para que estes possam ser recolhidos pelas outras ciências. É a abstracção inerente à matemática a que faz que esta seja uma ferramenta necessária para todas as outras ciências, conectando-as entre elas e iluminando os possíveis paralelismos entre os diferentes ramos do saber. É labor do matemático assimilar os elementos básicos das diferentes ciências, identificar as estruturas abstractas subjacentes e debruçar-se com o estudo destas, com o objectivo de verter os resultados numa linguagem precisa e apropriada para a sua aplicação por investigadores de outras áreas, permitindo a estes e a outros matemáticos a obtenção de novos resultados que facilitem uma melhor compreensão do mundo.

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BIBLIOGRAFIA

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José Carlos Dias Rouco (*)

Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre)

Manuela Martins Saraiva Sarmento Coelho (**)

Professora Doutora António José Palma Esteves Rosinha (***)

Tenente-Coronel de Artilharia (Doutor)

1 Comunicação apresentada nas XXI Jornadas Hispanolusas, Cordoba(*) Professor Regente da Unidade Curricular Ética e Liderança (Academia Militar) e Docente (Convénio) da Unida-

de curricular de Competência Transversal I (Instituto Superior Técnico). Director do 2º Ano Escolar “Armas”. Editor da Revista Proelium. Coordenador dos Cursos de Liderança na Academia Militar. Membro do CINAMIL. Doutorando em Ciências da Gestão na Universidade Lusíada.

(**) Professora Associada com Agregação da Academia Militar. Regente da disciplina de Recursos Humanos. Membro do CINAMIL

(***) Professor Regente da Unidade Curricular Psicologia das Organizações e Docente de Recursos Humanos da Academia Militar. Chefe da Secção de Psicologia da Academia Militar. Membro do CINAMIL

ABSTRACT

In the organizational context, this study looks for identifying the differen-ces between the role of manager and leader. The transformational leadership isolates the characteristics of the individuals that provoke a disproportionate impact in the followers and identifies to the differences between the managers and leaders. In the situation of crisis, the transactional leadership and the trans-formational are complemented, since the first one adjusts the expectations on the performance and establishes a minimum reliable level. The transformatio-nal leadership is necessary to motivate the followers to accept the challenges and to have performances above the expected. The literature analysis allows concluding that the manager´s role and the leader’s role are complementary. The manager is associated with the transactional leadership and the leader to the transformational. The manager is reserved for stability moments and the leader for the change. The role of manager and leader can be played by the same individual, depending on the context.

Keywords: Leadership, transformational, transactional, performance, effectiveness.

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RESUMO

No contexto organizacional, este estudo procura identificar as diferenças entre o papel do gestor e do líder. A liderança transformacional isola as ca-racterísticas dos indivíduos que provocam um impacto desproporcional nos seguidores e identifica as diferenças entre os gestores e líderes.

Em momentos de crise, a liderança transaccional e a transformacional complementam-se na medida em que a primeira ajusta as expectativas sobre o desempenho e estabelece um nível de confiança mínimo. A liderança transfor-macional é necessária para motivar os seguidores para aceitarem os desafios e terem desempenhos acima do expectável.

Da análise da literatura, conclui-se que o papel do gestor e líder são com-plementares. O gestor está associado à liderança transaccional e o líder à lide-rança transformacional. O gestor está reservado para momentos de estabilidade e o líder para a mudança. O papel de gestor e líder podem ser desempenhados pelo mesmo indivíduo em ciclos de gestão e de liderança.

Palavras Chave: Liderança, transformacional, transaccional, desempenho, eficácia.

INTRODUÇÃO

A teoria da liderança transformacional representa uma tentativa, bem sucedida, para identificar as características dos líderes proeminentes. Os mode-los tradicionais da liderança baseavam-se em princípios transaccionais ou em mudanças que suportavam as recompensas. Embora, a liderança transaccional apareça útil em incidentes de rotina justificando a liderança institucional, no entanto estes modelos não esclarecem o impacto de alguns líderes sobre a motivação, desempenho e satisfação dos seguidores.

Assim no decorrer das últimas décadas, surgiram várias propostas como a teoria da liderança transformacional de Burns e Bass. Estes estudos voltaram os seus interesses para os líderes históricos e gestores de macro organizações que conseguiam obter desempenhos de excelência em diferentes cenários. Assim, a liderança transformacional representa uma nova abordagem ao tema procurando afastar-se do papel do gestor e compreender o que distingue os líderes que conseguem mobilizar os seus seguidores para realizar coisas extraordinárias.

Esta nova abordagem é integrativa e representa uma das fases mais promis-

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soras e actuais no desenvolvimento das teorias da liderança. A sua contribuição para a investigação em relação às abordagens precedentes encontra-se no facto de que as diferentes variáveis estão baseadas no intrínseco dos indivíduos. Aqui, é fundamental a influência da função liderança para produzir o compromisso entusiástico nos seguidores, ao contrário da obediência relutante ou da confor-midade indiferente verificada noutras teorias da liderança.

Tendo em conta estes pressupostos, nas próximas secções iremos rever as diferentes teorias da liderança transformacional, assim como os estudos que lhe estão associados para isolar os factores que são preditores de desempenhos su-periores e eficazes, e que contribuem para a satisfação colectiva organizacional.

1. PERSPECTIVAS DA LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL

Quando a perspectiva transformacional surgiu com Antonakis e House na teoria “Full-range Leadership” e que originou o movimento neo-carismatático que se apresentava como promissora para o sucesso organizacional porque extraia muitos aspectos das perspectivas precedentes. Talvez a evolução sobre a investigação na área da liderança tenha chegado ao fim e com um conceito definitivo da liderança. Ou, talvez estejamos apenas a entrar noutra perspectiva?De acordo com Burns (1978) a liderança é um processo e não um conjunto de actos, em que a descreve como “um fluxo de relações interpessoais em que os líderes apelam constantemente às motivações dos seguidores e alteram comportamentos” (p. 440). A liderança transformacional pode ser descrita como um processo entre os indivíduos, o poder de mobilização para mudar os sistemas sociais e as reformas Institucionais. Por outro lado, liderança transformacional envolve a partilha, expressão, a mediação de conflitos intra e inter grupos e as motivações individuais.Bass (1985) também define a liderança transformacional em termos do im-pacto do líder sobre os seguidores. Em que, os seguidores confiam, admiram e respeitam o líder, e estão por vezes mais motivados para “fazer” as coisas do que as suas expectativas iniciais. De acordo com Bass (1985) um líder pode transformar os seguidores através de:

• Torná-los mais cientes da importância e do valor dos resultados da tarefa;• Induzi-los a transcender os seus próprios interesses pessoais em prol da

equipa;• Activar as necessidades de ordem elevada.

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Bass (1985) vê a liderança transformacional como um termo mais justo que o carisma, em que “o carisma é um ingrediente da liderança, mas que em si mesmo não é suficiente para o processo transformacional” (p.31), onde os líderes transformacionais influenciam os seus seguidores através do despertar de fortes emoções e identificação. Ainda para o autor, os líderes transformacionais realçam o desenvolvimento dos seguidores, desafiando-os a pensarem em novas formas para fazerem as coisas, incentivando-os a nunca desistirem, e inspirando-os para obterem resultados com elevados padrões organizacionais e de acordo com os valores morais.A concepção da liderança proposta por Burns e Bass são similares em muitos aspectos, mas existem algumas diferenças. Inicialmente, Burns (1978) limi-tou a liderança transformacional ao facto dos líderes apelarem aos valores morais positivos e às ordens superiores das necessidades. Em contraste, Bass (1985) vê o líder transformacional como alguém que activa a motivação dos seguidores e aumenta o compromisso. No entanto, Bass não exclui os líderes que apelam às ordens mais elevadas das necessidades, tal como a segurança, sobrevivência e as necessidades económicas.A teoria da liderança transformacional descreve os líderes transformacionais como aqueles que apelam à participação emocional dos seus seguidores para construir uma identidade e um compromisso colectivo, assim como promover a auto-estima e o bem-estar nos seguidores (Alvesson & Willmott, 2002). No entanto e de acordo com Avolio e Bass (2004) a liderança transforma-cional não substitui a liderança transaccional mas reforça-a para alcançar os objectivos do líder, associados ao grupo e à organização.Alvesson e Willmott (2002) conceituam os processos da identidade como uma interacção entre a auto-identidade e a regulação da identidade. A auto-identidade referida como os significados subjectivos e a experiência que dão respostas provisórias “quem sou eu, o que represento e como devo actuar?”. Uma auto-identidade particular implica um determinado formulário de sub-jectividade, associado positivamente com determinados valores e condutas do líder (Knights & Willmott, 1992). Tais valores e condutas potenciam os sentimentos dos seguidores, que pensando e actuando segundo estes crité-rios podem funcionar como um factor da redução de ansiedade e controlo organizacional (Collinson, 2003; Alvesson & Willmott, 2002).Avolio e Bass (2004) e Bass e Avolio (1990, 1997) desenvolveram quatro construções para definir os líderes transformacionais: influência idealizada; motivação inspiradora; consideração individualizada e estímulo intelectual.

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Na influência idealizada, os líderes são respeitados, admirados e de con-fiança, e colocam as necessidades dos outros acima das suas e sacrificam os seus interesses pelo dos outros. Ainda para Martin e Epitropaki (2001) esta influência idealizada é carac-terizada pelo grau em que os líderes são percebidos como um modelo de inspiração através das suas realizações, carácter e comportamentos pessoais. Para o efeito, foram identificadas duas orientações: a primeira, refere-se aos atributos idealizados em que os líderes merecem a confiança e o respeito; a segunda, onde os líderes têm comportamentos idealizados em que demons-tram comportamentos exemplares e sacrificam suas próprias necessidades para obter os objectivos do seu grupo e consequentemente da organização.Na motivação inspiradora, os líderes partilham a sua visão, através do seu optimismo e entusiasmo, em que envolvem os seguidores sobre as várias encenações do futuro e criam alternativas atractivas. Os líderes transfor-macionais inspiram os outros pelo que dizem e fazem, comunicando com confiança o que devem alcançar e o que parecem ser objectivos tangíveis (Avolio, 1999; Antonakis & House, 2002). Na consideração individualizada, os líderes identificam as necessidades dos seguidores individualmente e trabalham para os desenvolver e treinar. As novas oportunidades de aprendizagem são criadas e incentivadas num clima de apoio individual de modo que cada pessoa receba uma atenção especial (Avolio, 1999).No Estímulo intelectual, os líderes desafiam os seguidores a pensar em novas forma para fazer as coisas, procurando colocar sempre em questão se as formas anteriores estão bem feitas. Os líderes procuram incentivar os seguidores a terem criatividade e a desafiarem-se a si próprios para inovar (Avolio, 1999). Tourish e Pinnington (2002) ainda acrescentaram a estas quatro construções mais duas, conforme se descrimina:

• O carisma – que reflecte algumas qualidades inatas no líder, mas que pode apenas ser uma construção social projectada nas mentes dos seguidores, constituindo-se assim como um fenómeno de atributos;

• Promoção de uma cultura comum – um conjunto de normas especificas, atitudes e comportamentos particulares julgados ser apropriado para a harmo-nia do grupo e a promoção dos desempenhos de excelência na organização.

As teorias da liderança carismática e transformacional têm muitas semelhan-ças. O carisma é também um elemento da teoria transformacional, inserido na influência idealizada e na motivação inspiradora (Bass & Riggio, 2006).

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A liderança transformacional estende-se à teoria carismática incluindo a consideração individualizada e o estímulo intelectual (Lowe, Kroeck & Si-vasubramaniam, 1996). Muitos dos teóricos argumentam que as duas teorias se confundem ou fundem prevendo assim um novo paradigma da liderança ou um retorno às aproximações neo-carismáticas (Avolio & Bass, 2004; Lowe & Gardner, 2000).A teoria da liderança transformacional suporta um espectro suficientemen-te amplo dos comportamentos da liderança relevantes e é vista como um elemento significativo da mudança eficaz das organizações (Bommer, Rich, & Rubin, 2005). Por outro lado, a liderança transformacional influencia a relação e o colectivismo entre os seguidores e, cria uma identificação pessoal com o líder e social com a organização, assim como dinamiza os seguidores para encontrar níveis extraordinários de desempenho (Kark & Shamir, 2002; Kark, Shamir, & Chen, 2003). A consideração individualizada e o estímu-lo intelectual, em particular, promovem um nível elevado de relação com identificação pessoal do líder. Também a influência ideológica e a motivação inspiradora contribuem para a identificação com o grupo (Kark & Shamir, 2002; Kark et al., 2003).A chave para esta influência é o auto-conceito dos seguidores em que pode ser entendido como o conhecimento que temos de nós próprios (Lord & Brown, 2001; Van Knippenberg, De Cermer, & Hogg, 2004). Brewer e Gardner (1996) propôs a ideia de que o auto-conceito não incluía apenas a personalidade do indivíduo mas também estava nas relações inter-pessoais e no auto-conceito colectivo. Tal como as relações derivam das redes dos papéis inter-pessoais, o colectivismo corresponde ao conceito de identidade social (Brewer & Gardner, 1996; Lord & Brown, 2001).As investigações existentes indicam uma forte relação do papel da liderança transformacional e carismática no efeito do desempenho dos seguidores, influenciando a auto-identidade, auto-construção, auto-eficácia, auto-estima e a auto-consistência em múltiplos níveis (Shamir et al., 1993; Van Knippen-berg et al., 2004). Em acrescento, a auto-construção colectiva influência a motivação dos seguidores de um auto-interesse para um interesse colectivo, que foi proposto como a essência da liderança transformacional (Bass, 1985; Van Knippenberg et al., 2004).A experimentação e a faculdade criadora, são os pilares fundamentais para a exploração, aumentando a auto-confiança e o voluntarismo para desafiar as actuais realidades que a liderança transformacional inspira nos seguidores (Shin & Zhou, 2003; Vera & Crossan, 2004). Através do estímulo intelectual e da consideração individualizada, a liderança transformacional promove a

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exploração com o aumento da auto-estima do grupo, percebe as suas neces-sidade, encoraja os seus elementos a falar e a expressar as suas opiniões. A motivação inspiradora e a influência idealizada também realçam a auto-construção e a auto-eficácia colectiva porque esta dimensão da liderança está fortemente relacionada com a inclusão e o apoio como um benefício para a inovação organizacional (Elenkov, Judge, & Wright, 2005).

2. LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL E A IDENTIDADE

Até recentemente a identidade era uma preocupação pouco significativa na área da investigação da liderança, dado que era entendida como algo profundamente entranhada no indivíduo, tais como a atitude e os senti-mentos (Thomas & Linstead, 2002). No entanto, nos últimos anos muitos investigadores começaram a questionar-se sobre a auto-identidade quanto ao relacionamento entre os líderes e os seguidores (Van Knippenberg & Hogg, 2003; Van Knippenberg et al., 2005). As teorias individuais da identidade verificaram como os indivíduos se de-finem em frente uns dos outros e como são identificados ou caracterizados. A liderança considera-se eficaz quando há uma correspondência entre a iden-tidade individual dos líderes e a dos seguidores. A teoria da identidade social da liderança propoem que os indivíduos que são percebidos em combinar a identidade social do grupo são mais prováveis ser eleitos como líderes (Haslam, 2001; Hogg, 2001; Hogg et al., 2003; Reicher, Haslam, & Hopkins, 2005).Além disso, ainda de acordo com estas teorias, as propostas da identidade precisam de ser aceites por todos os participantes envolvidos na promoção de uma identidade comum e que serão melhor aceites se forem interpretadas como autênticas (Luhrmann & Eberl, 2007). Ainda, para estes autores, a identidade é basicamente como as condutas sociais construídas e que podem ser compreendidas facilmente quando os relacionamentos mudam.Basicamente, a pesquisa focalizada na identidade individual trazem novas abordagens e são de enorme importância para compreender como a liderança transformacional se processa segundo a identidade, em que esta actua sobre:

• A motivação – os líderes e os seguidores são motivados para actuar de forma consistente com as suas identidades.

• A conformidade e a autenticidade – de um lado, os líderes devem aderir às expectativas sociais que os envolvem (isto é grupos ou indivíduos) se querem ser percebidos como tal. Por outro lado, as visões e as opiniões que se comunicam devem reflectir o que o líder é realmente.

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• O poder – o poder não é uma força externa mas uma parte interiorizada da identidade individual, em que o líder transformacional é geralmente dominante, tem uma forte influência na gestão da construção da identidade, mas existem múltiplos e contraditórios discursos que competem com as fontes de poder (Collinson, 2006).

• Os relacionamentos – a identidade do líder é um resultado directo entre o seu relacionamento com os seguidores, ou seja foca-se no facto de que a liderança é relacional , “Não é algo que o líder possuiu mas um fenómeno social” (Hollander, 1993, p.29).

Naturalmente que estes resultados tiveram em conta outras teorias da liderança, em que o processo da identidade não tinha muita importância. Entretanto, a teoria da identidade mantém a grande promessa para fornecer novas in-trospecções para a abordagem da liderança. O fenómeno da liderança pode ganhar um novo fôlego com o uso da teoria da identidade. Em primeiro lugar, deve-se compreender este processo da identidade dentro da tradição da teoria sociológica do inter-accionismo simbólico. Assim, procura-se integrar e organizar os vários aspectos da liderança (especialmente aqueles que são enraizados na psicologia social-cognitiva) recorrendo a um modelo cíclico da construção mútua da identidade entre o líder e os seguidores, assim como o processo de construção da identidade e do comportamento consequente do líder.

3. LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL E APRENDIZAGEM CULTURAL

Muita da investigação da liderança transformacional estava focalizada nos seus efeitos sobre os seguidores quanto ao desempenho e motivação, mas também foram iniciados estudos quanto à assunção cultural que estes líderes promoviam (Bass & Avolio, 1993). Muitos autores definem a cultura nos termos de suposições e crenças in-dividuais partilhadas. A maioria das organizações, talvez, não tenham uma cultura monolítica mas sim várias subculturas ou culturas de grupos, isto é, muitas destas crenças influenciam os comportamentos dos colaboradores. A cultura é uma construção social colectiva e é fortemente influenciada pelo líder. Os líderes criam mecanismos para o desenvolvimento, reforços das normas e comportamentos expressos no campo da cultura (Bass & Avolio, 1993; Mumford, Scott, Gaddis, & Strange, 2002).A cultura integrada é uma variável chave associada com o sucesso em aqui-sições (Schein, 1997). Muitas vezes, os colaboradores relutantes adaptam

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a cultura e práticas de outras organizações, o que representa um obstáculo potencial para encontrar as sinergias desejadas numa determinada organização (Jemison & Sitkin, 1986). No final, a integração pode liderar a mudança cul-tural e a prática dos seguidores de vários grupos (Nahavandi & Malekzadeh, 1988). Os autores propuseram que os comportamentos transformacionais dos líderes geram aquisições integradas e que facilitam o processo de aculturação promovendo os valores culturais aprendidos. Bass e Avolio (1993) afirmaram que talvez o esforço mais explícito para descrever a cultura transformacional como única, é o propósito e o senti-mento de família, onde cada um gosta de falar sobre a visão, os valores, os propósitos e o que os satisfaz. A liderança transformacional constrói uma cultura onde cada um a ajuda construir e os problemas complexos são resolvidos aos mais baixos níveis (Bass & Avolio, 1993). Para desenvolver esta cultura é necessário, através dos líderes, a realização de debates aber-tos, fazer a troca de comentários entre os líderes e os seguidores, e que os seus resultados orientarão as acções futuras (Sveningsson & Larsson, 2006).Nahavandi (1993) acrescenta alguma complexidade ao descrever a cultu-ra transformacional, porque esta envolve uma determinação única sobre a visão e propósitos firmes, no entanto os líderes podem encorajar uma cultura aberta a fim de provocar uma mudança apoiada. Ao mesmo tempo, estes líderes quererão ser bem definidos, ter uma cultura centralizada que os autoriza sozinhos a implementar a sua visão. Esta visão da cultura tem um aspecto contraditório, que consiste em modelos organizacionais plurais e que cada iniciativa requer uma abertura, no entanto as suas implemen-tações requerem um sistema rígido.De facto, para Schein (1997) a descrição dos tipos de cultura associados com a liderança transformacional é consistente para ser caracterizada como uma aprendizagem cultural intrinsecamente paradoxal – uma mistura de mecanismos que suportam a estabilidade e a mudança. O construto da aprendizagem cultural ainda se encontra numa fase muito inicial, mas três dimensões sociais estão fortemente relacionadas com os valores culturais resultantes desta aprendizagem, como: a segurança psicológica, abertura à diversidade das opiniões e a participação na tomada de decisão (Yang, 2003; Thompson & Kahnweiler, 2002; Lipshitz, Friedman, & Popper, 2007). A segurança psicológica refere-se ao grau com que cada membro da equipa sente como estão salvos da punição por tomar riscos. A abertura à diversi-dade de opiniões ascende ao sentimento de cada colaborador para trazer ao grupo novas ideias e serem encorajados a fazê-los. Também, a participação na tomada de decisão encoraja os membros do grupo a envolverem-se na determinação das estratégias da organização.

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Quanto mais se investiga a liderança transformacional focalizada na rela-ção entre o líder e o seguidor, conclui-se que o contexto da aprendizagem cultural complementa a liderança transformacional para explicar os aspectos sociais da aprendizagem como o processo de participação e interacção entre os membros do grupo. Os comportamentos da liderança transformacional é a melhor forma para implementar a aprendizagem cultural porque este tipo de cultura é suportada através do processo de encorajamento aos membros do grupo para questionar as suas suposições, transformar os velhos proble-mas em novos caminhos ou transformar os problemas em novos desafios integrados na organização (Jung, Chow, & Wu, 2003).A liderança transformacional cria um contexto psicológico de segurança quan-do os líderes admitem outros atalhos e os erros são discutidos abertamente. As considerações individualizadas promovem o respeito necessário para o apoio da segurança psicológica (Shin & Zhou, 2003). Assim como, Moss, McFarland, Ngu e Kijowska (2007) revelaram que esta também promove o compromisso e a lealdade para com a organização.Finalmente, estes líderes estabilizam mecanismos, como debates ad doc, permitem aos subordinados participar nas estratégias (Vera & Crossan, 2004). Para Nemanich e Vera (2009) os líderes devem incentivar a participação dos colaboradores nas tomadas de decisão apelando às vantagens que esta aprendizagem representa para cada um deles e para a organização.Hannah e Lester (2009) vão mais longe quando afirmam que a liderança transformacional deve ser partilhada, dado que reduz as diferenças de estatuto e permite aos membros de baixo estatuto exporem os seus conhecimentos ou opiniões. Os mesmos autores referem que os grupos cujos membros procuram abertamente a interacção, partilham o conhecimento e reflectem os erros, experimentam níveis mais elevados de aprendizagem.

4. LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL E A MUDANÇA

Nos finais do séc. XX, a competição da economia global transformou-se numa realidade e a estabilidade relativa de muitas organizações diminuiu. Com esta nova realidade, as organizações precisavam de se auto-recriar e para isso necessitavam de uma liderança bem sucedida para planear e con-duzir esta transformação (conger, 1999).Durante o mesmo período, a redução do número de pessoas nas organiza-ções foi necessária, tendo um impacto negativo na moral dos colaborado-res. Consequentemente, o contrato social entre o colaborador e a entidade

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patronal deixou de existir. O emprego a longo prazo em troca da lealdade do colaborador deixou de ser relevante. Durante esta época de turbulência, de mudança e do descontentamento do colaborador, levantou-se uma neces-sidade para ajudar os colaboradores a dar um novo sentido ao trabalho e a enquadrá-lo nas novas formas de trabalho (Lowe & Gardner, 2000). As teorias da liderança predominantes antes dos anos 80 do séc. XX (apro-ximações aos traços, liderança situacional, teoria de contingência, etc.) foram aterradas em perspectivas cognitivas e comportamentais da liderança. As aproximações neo-carismáticas incluíram uma dimensão afectiva à liderança e foram mais relevantes ao orientarem-se para as necessidades da mão-de-obra causadas pela competição global e pela redução em RH nas organizações. Os líderes transformacionais eram eficazes em transformar o negócio apelando às emoções e inspirações dos colaboradores (Antonakis & House, 2002). Assim, a liderança transformacional facilita “uma mudança qualitativa radical deslocando o ponto de vista dos colaboradores a respeito do que consideram significativo nos seus trabalhos” (Avolio & Bass, 2004, p. 19). Os líderes transformacionais ajudam os seguidores a transcender os resultados, mesmo para lá dos seus próprios interesses pessoais e ajudam-nos a aumentar sua consciência para maiores realizações (Bass & Riggio, 2006). Para Jansen, Vera e Crossan (2009) a liderança transformacional é mais efectiva que a liderança situacional em situações onde haja incertezas e crises, tal com a aprendizagem integrada, porque proporciona aos seguidores uma direcção assegurada.

5. PESQUISAS DA LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL

As pesquisas realizadas durante a última década ilustra bem e de forma consistente os efeitos positivos da liderança transformacional. O “Multi-factor Leadership Questionnaire” (MLQ) foi desenvolvido para medir os comportamentos do líder segundo uma escala, incluindo o estilo de lideran-ça “Laissez-faire”, a liderança transaccional e a liderança transformacional (Avolio & Bass, 2004). De acordo com o MLQ, os líderes que têm tendência para exibir um estilo de liderança “Laissez-faire” tendem a reagir apenas quando os problemas são sérios ou tomam proporções catastróficas (Avolio & Bass, 2004). Os líderes transaccionais trocam recompensas e promessas por níveis de desempenho e respondem aos interesses dos colaboradores contando que o trabalho seja feito (Avolio & Bass, 2004).

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Os líderes transformacionais incentivam os colaboradores para um desempe-nho acima das realizações previstas. Os colaboradores identificam-se com a missão, com o líder e são voluntários para desafios maiores (Antonakis & House, 2002; Avolio & Bass, 2004).Bommer, Rich, e Rubin (2005) estudaram gestores em três organizações dife-rentes para determinar o relacionamento entre a liderança transformacional e o cinismo das transformações efectuadas na organização. Os comportamentos transformacionais dos líderes foram associados de forma fraca ao cinismo dos empregados quanto às mudanças da organização. Além disso, o sentido da causalidade suportou a noção que os comportamentos transformacionais do líder reduzem o cinismo do colaborador (Bommer et al., 2005). A estabilidade da organização contra as crises foi uma variável contextual importante nos estudos realizados por Bass, Jung, Avolio e Berson (2003) em que questionaram a força da liderança transformacional para influenciar o desempenho de uma determinada unidade militar durante momentos de crise, esforço elevado e elevado stress. Os resultados deste estudo indicaram a necessidade da liderança transaccional e transformacional durante o esforço e stress elevado e em momentos de turbulências ou de crise. Neste estudo, verificou-se ainda que os comportamentos da liderança tran-saccional foram exigidos para ajustar as expectativas sobre o desempenho e estabelecer um nível de confiança mínimo. Os comportamentos da liderança transformacionais foram necessários para construir a fidelização e inspirar os seguidores para aceitar os desafios extraordinários (Bass et al., 2003). De acordo com este estudo, a liderança transformacional ajuda a liderança transaccional a alcançar os objectivos do grupo (Bass & Avolio, 2004).Num estudo efectuado com gestores bancários canadenses, verificou-se que os comportamentos de liderança transformacionais estão directa e positivamente relacionados com o desempenho das suas unidades (Howell & Avolio, 1993). Os líderes que indicaram consideração individualizada, estímulo intelectual e mais carisma contribuíram positivamente para a realização dos objectivos (Howell & Avolio, 1993).Outro estudo verificou os efeitos dos diferentes tipos de liderança, e onde se verificou que a liderança transformacional relaciona-se significativa e positivamente com a introdução da inovação em trinta e duas companhias de telecomunicações tailandesas (Jung et al., 2003). Em vários estudos, a liderança transformacional também demonstrou estar relacionada com o desempenho, como nos índices financeiros, nas vendas, na produtividade, na qualidade e noutros critérios. Também, a liderança trans-

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formacional mostrou promover a criatividade e a inovação nas equipas e nos indivíduos (Jung, 2001; Shin, & Zhou, 2003). Finalmente, verificou-se que a liderança transformacional melhora a atitude no trabalho, tais como a confian-ça, a satisfação profissional e o compromisso (Martin & Epitropaki, 2001).Nos últimos anos, procurou-se associar vários domínios com a liderança transformacional e verificar quais os benefícios ou efeitos sobre estes mesmos domínios (Porter & Bigley, 2001). A maioria destas investigações propõem que os líderes transformacionais promovam a motivação intrínseca ou esta-dos relacionados, tais como a auto-concordância e a auto-determinação nos seguidores. De acordo com Bono e Judge (2003), os líderes transformacio-nais através da sua visão e da definição dos objectivos alinham os valores e os desejos que vão ao encontro das expectativas dos colaboradores. Estes colaboradores sentem que as actividades e os objectivos são compatíveis com seus interesses intrínsecos. A teoria da Interacção Pessoa-Sistema (PSI), quando combinada com o conceito da auto-estima óptimo, implica que a orientação para o objectivo pode ser influenciada pelo impacto da liderança transformacional (Baumann & Kuhl, 2003, 2005). A propensão para as recompensas extrínsecas e reforço são especialmente as mais adequadas para motivar os indivíduos que exibem uma orientação para o desempenho (Young, 2005). Dois estudos fornecem a evidência que a liderança transformacional tem um impacto mais forte e mais positiva do que o estilo de liderança “Laissez-faire” ou a liderança transaccional, independentemente do nível do líder na organização (Dumdum, Lowe, & Avolio, 2002). A liderança transformacio-nal é a extremidade máxima eficaz de uma escala de comportamentos de liderança e auxilia a liderança transaccional para conseguir os objectivos do grupo (Bass & Avolio, 2004).

6. LIMITAÇÕES DA PESQUISA DA LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL

A pesquisa sobre a liderança transformacional conduzida até agora tem di-versas limitações. Os estudos referenciados incluem pequenas amostras e o uso de um único indicador. As limitações adicionais da pesquisa nos estudos da liderança transformacional incluem as definições obscuras, um foco no relacionamentos diáticos que se baseia no relacionamento de um líder com a sua equipa, a pesquisa inadequada sobre o desenvolvimento dos líderes e falta o contexto em muitos estudos da liderança (Lowe & Gardner, 2000).

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A falta de clareza começa com a definição da “liderança” e a sua homoge-neização representa um interesse significativo para esta área do conhecimen-to. Em muitos estudos, um líder é um supervisor ou um gerente, noutros a liderança refere-se aos líderes executivos e a equipas directivas superiores. Todos estes grupos foram estudados, e às vezes, comparado impropriamente entre eles. O desenvolvimento do líder e da liderança são termos usados com o mesmo significado quando de facto devem ser examinados como construções diferentes (Conger, 1999).A segunda deficiência na pesquisa actual da liderança é um foco quase exclusivo no líder, como membro individual numa organização ou no rela-cionamento entre um gerente e seus colaboradores. Estudar a liderança nos níveis múltiplos é desejado: o indivíduo, a relação, o grupo e a organização (Lowe & Gardner, 2000).Conclui-se que ainda faltam muitos estudos empíricos com a integração das diferentes variáveis (Day, 2001). Lowe e Gardner (2000) afirmam que as organizações podem ganhar vantagens competitivas com o desenvolvimento da liderança. No entanto, ainda muito trabalho está por fazer no campo da formação ou desenvolvimento de líderes, nomeadamente nas componentes dos processos de desenvolvimento e na retenção dos resultados de aprendizagem. A última área identificada como negligenciada na pesquisa da liderança transformacional é o contexto (Lowe & Gardner, 2000). Algumas das per-guntas interessantes sobre o contexto relacionam-se com o lucro de algumas organizações contra organizações não lucrativas. Há incertezas sobre a rele-vância dos modelos comerciais da liderança aplicados aos sistemas educativos (Gumport, 2000). Gregory (1996) afirma que “o contexto específico dentro das escolas de formação em que estas se baseiam formará indubitavelmente a forma e a natureza da liderança exercitada” (p. 48). Segundo Antonakis e Atwater (2002) os vários modelos da liderança baseiam-se sobretudo na liderança transformacional e na observação dos gestores de topo, por isso os autores salvaguardam que a natureza dos dados recolhidos podem reflectir um modelo particular e que pode gerar um enviesamento sério para o conhecimento do fenómeno.

7. CONCLUSÕES

Desta revisão concluímos que a liderança transformacional foi associada à qualidade do relacionamento entre os membros do grupo e à capaci-dade de inovação, cujos membros procuram abertamente a interacção, o

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conhecimento partilhado, a reflexão sobre erros e experimentam maiores níveis de aprendizagem.Na liderança transformacional o líder é descrito da seguinte forma:

• Apela à participação emocional dos seus seguidores para construir uma identidade e um compromisso colectivo, assim como promove a auto-estima e o bem-estar nos seguidores.

• Tem quatro características fundamentais: uma visão e consegue formulá-la; sabe comunicar claramente a sua visão; é capaz de construir um ambiente de confiança e a sua persistência ultrapassa todas as barreiras; e tem uma auto-estima positiva e esforçar-se por desenvolver as suas capacidades de forma a alcançar o sucesso.

• São indivíduos que têm carisma e utilizam a influência idealizada, a moti-vação inspiradora, a consideração individualizada e o estímulo intelectual para levarem os seguidores a esforçam-se para a renovação da organização e obtenção de desempenhos extraordinários com base na ética.

• Através da influência idealizada, estímulo intelectual, consideração indivi-dualizada e carisma incentivam os colaboradores para desempenhos acima das realizações previstas.

Ainda e através:

• Do estímulo intelectual e da consideração individualizada que promovem a exploração, aumentando a auto-estima do grupo, as suas necessidades e a expressão aberta das suas opiniões.

• Da motivação inspiradora e da influência idealizada que promovem o sen-timento de inclusão, prestam apoio e têm comportamentos que beneficiam a inovação organizacional.

• Da consideração individualizada e do estímulo intelectual promovem que um nível elevado de relação com a identificação pessoal do líder, o respeito necessário para apoio à segurança psicológica, compromisso e a lealdade para com a organização, e uma cultura aberta às diferentes ideias para gerar a mudança através da partilha de informação e resolução eficaz dos conflitos.

• Da motivação inspiradora que contribui para a identificação social com o grupo e assim dinamiza os seguidores para encontrar níveis extraordi-nários de desempenho. A propensão para as recompensas extrínsecas e reforço são especialmente as mais adequadas para motivar os indivíduos que exibem uma orientação para o desempenho.

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No contexto organizacional, a relação entre a liderança transaccional e a transformacional representa uma perspectiva fundamental para a compreen-são entre o papel do gestor e do líder. Em que o gestor desenvolve as suas funções em situações estáveis e o líder é necessário nas situações em que é exigida a mudança organizacional. De realçar, que para as organizações a situação mais favorável é que o mesmo indivíduo desempenhe os dois papeis face às diferentes situações. Ou seja, as escolas de desenvolvimento de liderança devem consciencializar os indivíduos para desempenhar os dois papéis, umas vezes em ciclos de gestão e noutras em ciclos de liderança, conforme mostra a Figura 1.

Orientação para as tarefas

LIDERANÇA TRANSACCIONAL

Figura 1 – Ciclo do gestor e do líder nas organizações.

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Ainda de acordo com a Figura 1, a liderança transaccional está associada às tarefas e recompensas extrínsecas, em que o desempenho do papel de gestor é essencial para ajudar a organização a encontrar os compromissos num clima de estabilidade.A liderança transformacional está associada à relação com as pessoas e recompensas intrínsecas, em que nos momentos de crise e turbulentos (situação indesejada) é exigido a um indivíduo que desempenhe o papel de líder transformacional, por forma a motivar os seguidores para aceitar os desafios e terem desempenhos acima das realizações previstas (esforço extraordinário) para alcançar os estados desejados e com níveis de satis-fação mãos elevados.Na forma de ciclos de gestão e liderança, a liderança transaccional e a transformacional complementam-se na medida em que primeira ajusta as expectativas sobre o desempenho e estabelece um nível de confiança mí-nimo, e a segunda representa a extremidade máximo eficaz de uma escala de comportamentos de liderança e auxilia a liderança transaccional para conseguir os objectivos do grupo. Ou seja, a liderança transformacional e transaccional são distintas mas não como processos exclusivos e o mesmo líder pode usar estes dois tipos de liderança em situações diferentes.Nas organizações, a gestão procura produzir previsibilidade, ordem e esta-bilidade. Enquanto, a liderança procura produzir mudanças organizacionais, desenvolver uma visão sobre o futuro, definir as estratégias necessárias para efectuar as mudanças, comunicar e explicar a visão, e motivar e inspirar as pessoas para alcançar esta visão. Assim como requer dos líderes coragem para admitir erros e dúvidas, tomar riscos, escutar, e criar um ambiente de confiança e ensinar os outros.

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soft power

António Alves Flambó (*)

Tenente-Coronel de Artilharia (Mestre)

Paulo Jorge Rodrigues Ramos (**)

Tenente-Coronel de Cavalaria

ABSTRACT

The national objectives of a country, as is generally known, have been reached by recourse to military and economic power. In this regard, the potential that a favorable image can have on relations with other countries or foreign institutions was never ignored. This article aims to raise awareness of the importance of soft power in the relationships between people, between organized groups or even between States. All this embodied in the choice of the tool which should be used to achieve the goals that these actors are proposed to. The choice of this tool is necessary to establish the difference between the means which should be mobilized for action within the soft power in contrast to the means for hard power. Therefore these two concepts, soft power and hard power are properly clarified in the paper.

It´s made a systematization of the concept of power, presenting the traditio-nal view and the actual spectrum and their dimensions. Furthermore, we present the characterization of the current international system, particularly with regard to threats and the risks it faces, as well as the relation between their actors. The States or any organization, to face the current threats and risks, have limitations regarding the use of classic strategies, looking for other answers so that best fit into the existing power relations.

Keywords: Soft power, Hard power, international system, international system actors, States and Power.

soft power

(*) Professor Regente das Unidades Curriculares de Investigação Operacional, Gestão e Teoria da Decisão do Departamento de Ciências Exactas e Naturais. Director de curso do 1º mestrado em Guerra da Informação.

(**) Director de curso de Cavalaria. Professor Regente das unidades curriculares de Táctica de Cavalaria I e II. Actualmente 2º Comandante da Unidade de Aviação Ligeira do Exército.

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RESUMO

Os objectivos nacionais de um país, como é do conhecimento geral, têm sido alcançados com recurso ao poder militar e económico. Neste propósito também nunca foi ignorado o potencial que uma imagem favorável poderá ter nas relações com outros países ou instituições estrangeiras. Este artigo visa dar a conhecer a importância que o soft power tem nas relações entre as pessoas, entre grupos organizados ou até entre os Estados. Tudo isto consubstanciado na escolha da ferramenta que deve ser utilizada para atingir os objectivos que estes actores se propõem. Para a escolha dessa ferramenta é necessário que se estabeleça a diferença entre os meios que devem ser mobilizados para uma actuação no âmbito do soft power contrastando com os meios a utilizar no hard power. Assim sendo estes dois conceitos, soft power e hard power, são devidamente clarificados ao longo do artigo.

É feita uma sistematização do conceito de poder, apresentando a visão tradicional e o espectro que actualmente se considera quanto às suas dimen-sões. Apresenta-se também a caracterização do actual Sistema Internacional, nomeadamente quanto às ameaças e aos riscos a que está sujeito, assim como a relação ente os seus actores. Os Estados ou qualquer organização ao enfrentarem as actuais ameaças e riscos têm limitações quanto ao emprego das estratégias clássicas, procurando dessa forma outras respostas que melhor se enquadrem nas actuais relações de poder.

Palavras-chave: Soft power, Hard power, sistema internacional, actores do sistema internacional, estados e poder.

INTRODUÇÃO

“If a state can make its power legitimate in the perception of others and establish in-ternational institutions that encourage them to channel or limit their activities, it may

not need to expend as many of its costly traditional economic or military resources” 1.

A escolha do tema, que irá ser abordado, prende-se com a intenção de perceber a importância que o soft power tem nas relações entre as pessoas, entre grupos organizados ou até entre os Estados. Procura-se, também, perceber nas diversas relações entre os Estados qual a ferramenta que deve ser utilizada para atingir os objectivos a que se propõem. Sendo para isso necessário estabelecer

1 Joseph Nye, Jr., Bound to Lead: the changing nature of American power, Basic Books, New York, 1990.

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soft power

a diferença entre os meios que devem ser mobilizados para uma actuação no âmbito do hard power e para o soft power. Para concretizarmos estes propósitos fizemos uma pesquisa alargada de bibliografia que nos permitisse enquadrar o tema. Posteriormente foi feita a recolha de bibliografia específica, que permitiu delimitar o tema de acordo com a divisão feita por assuntos que foram tratados. Estas pesquisas foram feitas recorrendo numa primeira fase à internet e numa segunda a alguns livros e á imprensa.

Os objectivos nacionais de um país têm sido alcançados com recurso ao poder militar e económico. No entanto nunca foi ignorado o potencial que uma imagem favorável poderá ter nas relações com outros países ou instituições estrangeiras 2. Segundo Maquiavel era mais importante ser temido do que ser amado. No entanto, nos dias de hoje o melhor é ser ambos. Na era da informa-ção global é muito importante ganhar as mentes e os corações. Assim, surge a possibilidade de utilizar uma nova estratégia, definida como soft power, que se traduz na capacidade de atingir os objectivos através da persuasão. Pretende-se actuar de forma a atrair os outros, para produzir um determinado comporta-mento, para seguirem ou concordarem com determinadas normas. Ou seja, um Estado poderá não utilizar os recursos militares e financeiros se conseguir que os outros vejam a sua actuação como legítima, servindo-se de instituições internacionais que possam condicionar ou limitar as suas próprias actividades.

A redacção deste artigo considerou sete capítulos. O primeiro, a introdução, onde é feita uma breve abordagem aos motivos que nos levaram à escolha do tema, onde se descreve sumariamente a metodologia seguida e onde se explica sucintamente o que cada capitulo contempla. O segundo, o poder, no qual se sistematiza o conceito de poder, apresentando a visão tradicional e o espectro que actualmente se considera quanto às suas dimensões. O terceiro capítulo, o actual Sistema Internacional, descreve num subcapítulo a caracterização e no outro as ameaças e os riscos a que está sujeito. Esta caracterização descreve as relações entre os actores, apoiando-se nos marcos históricos mais marcantes das relações entre os Estados, que vão desde o período da Guerra Fria, passando pelo fenómeno da globalização, pela integração dos Estados em organizações internacionais, chegando à actualidade onde os Estados não podem descorar a crescente importância da opinião pública nas suas decisões. Relativamente ao outro subcapítulo, é feita uma abordagem às actuais ameaças e aos riscos que hoje os Estados ou qualquer organização tem de enfrentar. O quarto apresenta uma abordagem das limitações ao emprego das estratégias clássicas. Quanto ao

2 Raghavan, 2007.

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quinto capítulo, apresenta os conceitos de soft e hard power, estabelecendo as diferenças entre eles. Sistematiza através de uma figura o espectro do poder. O capítulo seis, a lição americana, aborda as implicações da utilização entre as opções da estratégia do soft e do hard power. O capítulo sete apresenta as conclusões.

1. ESTRATÉGIA, POTENCIAL ESTRATÉGICO E PODER

Estratégia define-se como a ciência e arte de, à luz dos fins de uma organi-zação, gerar, estruturar e utilizar recursos tangíveis e intangíveis, a fim de se atingirem objectivos, num ambiente conflitual ou competitivo 3. O mesmo autor define potencial estratégico como o conjunto das forças de qualquer natureza, morais e materiais que um Estado pode utilizar em apoio da sua estratégia 4. Os anteriores conceitos, ao referirem recursos tangíveis e intangíveis ou forças materiais e morais, deixa transparecer uma dualidade na forma como são em-pregues os meios na acção estratégica. Quando se pensa na estratégia de um Estado, normalmente associamos ao emprego de forças materiais e utilizadas de forma peremptória, mas existe todo um conjunto de outras potencialidades morais e intangíveis que interessa analisar no âmbito deste trabalho. “há as que tendem a privilegiar os valores materiais e de competição, enquanto outras dão preferência a padrões espirituais e de cooperação” 5.O General Cabral Couto refere diversos factores e sub-factores do potencial estratégico 6. Na caracterização do factor humano é feita referência aos grupos religiosos e linguísticos, assim como às características de patriotismo, crenças e motivações. No factor histórico, é feita referência às relações culturais no âmbito das relações externas. No factor político-administrativo, é feita refe-rência às influências externas na dinâmica política, por parte de organizações culturais ou religiosas. Ainda neste factor, é feita referência a directrizes da política externa em áreas de acção cultural e acordos culturais. No factor sócio-cultural, quatro sub-factores fazem referência a aspectos culturais e dois deles são-lhe inteiramente dedicados. Quanto à educação, é referida a influência das associações culturais. É identificado o sub-factor comunicação social, que é um veículo extremamente importante do soft power, identificando as suas capacidades e o grau de penetração dos congéneres estrangeiros. No

3 Cabral Couto, 2002.4 Cabral Couto, Apontamentos de Estratégia, vol. 1, IAEM, Lisboa, 1988, p.241. 5 Políbio de Almeida, O Poder do Pequeno Estado, ISCSP, Lisboa, 1990.6 Cabral Couto, Op Cit, p. 257 a 281.

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soft power

sub-factor religião é identificada a sua influência política e nos valores da sociedade. Finalmente, aquele que consideramos o mais relevante, o sub-factor comportamento/atitudes da população, refere as características de carácter e mentalidade do povo; os costumes e tradições, a individualidade cultural; a projecção cultural; a atitude em relação ao estrangeiro ou as influências culturais externas, apenas para citar alguns exemplos. Também o professor Políbio Valente de Almeida, naquilo a que chama as gera-trizes do poder 7, caracteriza um vasto conjunto de forças morais e intangíveis com grande aplicação no âmbito do nosso tema. São elas as componentes sociais do poder – população, cultura e carácter nacional – e as matrizes políticas que incluem, entre outras, a qualidade da diplomacia e a estabilidade política.Mas até agora só falámos de forças ou potencial. Força não deve ser confundida com poder. Poder é a revelação da força em circunstâncias e com vista a objectivos determinados 8. Em termos gerais o poder refere-se à capacidade de influenciar o comportamento dos outros para atingir os objectivos desejados. Ou seja, é a capacidade de utilizar as forças. Daqui decorre que o poder varia conforme a forças disponíveis mas também conforme a mestria em as saber explorar. Embo-ra as forças morais referidas anteriormente, à primeira vista, possam parecer de baixo potencial quando comparadas com as forças militares ou económicas, em determinadas circunstâncias são mais eficazes, ou pelo menos mais eficientes.Outra característica do poder é que não é absoluto, é subjectivo. Do carácter nacional, que é uma geratriz do poder 9, depende a percepção que o seu povo tem do seu poder. Desta depende a forma como o aplica e em que é que o aplica. “Aquilo que a Nação pode ou faz depende daquilo que o seu Povo pode ou deseja”. A percepção de um povo relativamente ao seu poder é constituída por “imagens ou estereótipos nacionais que podem ser seguidos pelas chefias e cidadãos comuns, tanto no plano interno como no plano externo. No primeiro caso, influenciam a condução da política nacional; no segundo caso podem modificar as suas relações com certos Estados em particular”. Isto faz com que o poder de um Estado possa variar, sem que o seu valor absoluto sofra alguma alteração, em circunstâncias em que o carácter nacional seja atingido. “A imagem pode ser modificada através de uma planificação estratégica de actuações através dos meios de comunicação. É virtualmente possível a qualquer país difundir imagens de si próprio de acordo com as suas conveniências e interesses”.

7 Políbio de Almeida, Op cit, p. 179 a 203.8 Cabral Couto, Op Cit, p.244. 9 Políbio de Almeida, idem.

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2. O ACTUAL SISTEMA INTERNACIONAL

a. Caracterização

Durante o período da Guerra Fria, o Sistema Internacional (SI) era dominado pela oposição entre as duas superpotências que se dividiam entre paixões ideológicas e pelo jogo dos equilíbrios estratégicos. Com a dissolução da União Soviética terminou a velha ordem e iniciou-se um novo período marcado por uma profunda mudança da conjuntura político-estratégica. Dissolvido o “cimento” da ideologia, a Nova Ordem não seguiu uma tendência de fragmentação ou de aglutinação. Assistimos à unificação das Alemanhas ou ao aparecimento das Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas também à fragmentação da Checoslováquia e da Jugoslávia. A força que se substitui às ideologias é a força da iden-tidade cultural.Os novos desenvolvimentos e descobertas científicas, as tecnologias de informação e o crescimento económico mundial, aceleraram os transpor-tes e comunicações, diminuindo a importância da distância geográfica e aumentando o ritmo da globalização. A capacidade de intervenção dos Estados, que antes estava limitada à sua proximidade regional (com excep-ção das grandes potências), passou agora a estar alargada a uma área mais vasta, porventura total. Esta consequência tem inevitáveis implicações nos comportamentos políticos e nas posturas estratégicas dos Estados. Por um lado o Estado aumenta o seu espaço de intervenção e, consequentemente, o volume e multiplicidade dos seus interesses. Por outro, é sujeito a um maior “assédio” por parte de um maior número de actores (estatais e não estatais), na busca dos seus próprios interesses.O reflexo mais visível da globalização está patente nos fenómenos de transnacionalidade, que atravessam as sociedades, conferindo uma trans-parência cada vez maior às fronteiras físicas dos Estados, dando lugar a um novo conceito de fronteira, que engloba todo o espaço de interesse e de intervenção do Estado 10. Como resultado da globalização, o Mundo é mais interdependente e as consequências das mudanças políticas, sociais, económicas, militares, científicas, tecnológicas, ambientais e de saúde pública estão mais inter-relacionadas.O fenómeno da globalização foi registado primeiramente, pelo barómetro do enfraquecimento do Estado. Simultaneamente, causa e consequência da glo-

10 Ministério da Defesa Nacional, Livro Branco da Defesa Nacional 2001 in www.mdn.gov.pt/publicações.htm, p. 4.

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balização, temos as políticas de liberalização económica. Causa, porque foi o dinamismo da iniciativa privada, na busca de novos mercados e de rentabilidade económica, que levou a este processo de globalização. Consequência, porque a globalização proporciona oportunidades e condições a novas iniciativas. Si-multaneamente, impõe as suas regras, reduzindo o papel apoiante e regulador do Estado. Os governos ficam, deste modo, “reduzidos” ao papel de garante da estabilidade das condições macro-económicas, promoção de oportunidades de negócio e apoio das actividades de investigação e desenvolvimento 11. “Numa geração anterior, a política social baseava-se na crença de que as nações podiam controlar as riquezas; agora abre-se uma divisão entre Estado e economia” 12. Os movimentos financeiros electrónicos são livres de restrições territoriais. Esta mudança afectou o Estado, que assim per-de soberania. Deixou de ser óbvia a conotação das empresas com uma determinada nacionalidade, uma vez que o capital não tem domicílio e encontra-se além do controlo nacional. As alavancas da política económica deixaram de ter eficácia. Mas para além da perda de controlo das empresas, o Estado também perde controlo sobre a circulação de bens económicos e financeiros. O Estado fraco deixou de exercer a sua função de equilibrador entre o consumo e a produção. O controlo das importações e exportações ou a estimulação do mercado interno está hoje fora do alcance da maio-ria dos Estados. Os mercados financeiros globais pressionam os Estados e impõem as suas leis e preceitos. Qualquer intervenção do Estado na vida económica sofre as retaliações do mercado mundial. O abandono de barreiras ao livre mercado e movimento de capitais é condição necessária para receber assistência económica dos bancos mundiais ou do Fundo Monetário Internacional (FMI). “No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espectáculo é deixado apenas com as necessidades básicas” 13.Em consequência de todo este fenómeno, “a auto-suficiência militar, eco-nómica e cultural do Estado, sua própria auto-sustentação, deixou de ser uma perspectiva viável... os Estados tiveram que buscar alianças e entregar voluntariamente pedaços cada vez maiores da sua soberania.” 14. “A ideia de segurança cooperativa foi-se afirmando progressivamente, reflectindo-se, não

11 U.S. Department of State, Strategic Plan, Set 2000, p.8.12 Richard Sennet, “Something in the city: The spectre of uselessness and the search for a place in the world”, Times

Literary Supplement, 22 Set 95, p. 13. 13 Zygmunt Bauman, Globalização: as consequências humanas, Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 1999, p. 74. O

autor é professor emérito de sociologia das Universidades de Leeds e Varsóvia.14 Zygmunt Bauman, Op Cit, p. 71-72.

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só na consolidação, alargamento e aprofundamento das alianças multinacio-nais de defesa... como na criação de componentes de política externa e de defesa comum em outras organizações... Deste modo, o tradicional conceito de defesa autónoma... evoluiu, em termos de prioridade relativa, para o de defesa colectiva, no quadro das alianças de defesa estabelecidas” 15. O facto de as instituições internacionais terem assumido um crescente protagonismo, abriu novas oportunidades para o desenvolvimento da cooperação e para o diálogo entre os Estados. A cooperação multilateral é cada vez mais possível e efectiva na prevenção de crises, resolução de problemas, incremento de confiança e desenvolvimento de interesses comuns. “As organizações inter-nacionais, designadamente a ONU, a OSCE e a UE, têm vindo a adoptar conceitos de segurança que comportam as vertentes de desenvolvimento económico sustentado, da democracia, do respeito pelos direitos humanos, da gestão da mudança sem necessidade de recorrer à violência, da gestão global dos assuntos de natureza ambiental, da limitação dos armamentos de destruição maciça, da contenção dos fluxos migratórios clandestinos e do combate ao crime organizado conduzido à escala regional e global” 16.Integrando-se os Estados em organizações internacionais e cedendo su-cessivas parcelas da sua soberania, estas aumentam correspondentemente o seu protagonismo e poder de intervenção. Tal como no Estado, as or-ganizações recorrem ao quadro legislativo para regular as relações entre os Estados membros. Criando no SI condições idênticas às existentes na sociedade nacional (um direito internacional comum, tribunais internacio-nais, meios de coacção e comunhão de valores), reúnem-se as condições para passar, progressivamente, do direito da força para a força do direito

17. Assim, o direito internacional tem tido um papel crescente na resolu-ção dos diferendos no interior das organizações. Tal como as relações de cooperação, também as relações de acomodação ganham maior relevo. Outra característica do actual Sistema Internacional é a crescente im-portância da opinião pública nas decisões do Estado. Esta característica é resultado da conjugação de dois factores. Por um lado, a contínua expansão internacional da democracia. Por outro, o poder de divulgação e de influência dos órgãos de comunicação social (OCS). Em sistemas democráticos, a fonte de poder são os eleitores. Apesar de as práticas democráticas variarem de Estado para Estado, conforme as influências e

15 Ministério da Defesa Nacional, Op Cit, p. Web 4.16 Ministério da Defesa Nacional, Op Cit, p. Web 6. 17 Cabral Couto, Apontomentos de Estratégia, vol. 1 IAEM, Lisboa 1988, p.68.

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interesses que se fazem sentir, as grandes opções nacionais são determi-nadas pela opinião dos cidadãos. Por exemplo, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros admite que as decisões associadas às questões de Timor e do Kosovo tiveram por base a grande popularidade da primeira e a impopularidade da segunda 18. A opinião pública é tanto mais importante, quanto mais influentes forem os OCS. São estes que fazem chegar aos lares as matérias acerca das quais os cidadãos podem tomar uma atitude e como fazê-lo. Os OCS são responsáveis por uma mudança na hierar-quia de valores da população e, consequentemente, nos comportamentos individuais e da sociedade. Essa mudança repercute-se numa sociedade civil mais afirmativa e exigente, impondo aos governos e às instituições um novo tipo de atitudes e de relacionamento, mais responsável, mais participativo e mais transparente. Ou seja, o Estado perde liberdade de acção perante a opinião pública.Em resumo, podemos caracterizar o actual Sistema Internacional como sendo global e interdependente, seguindo as orientações do Mercado e da Cultura. O Estado viu as suas fronteiras tornarem-se mais permeáveis mas mais afastadas. Cedeu soberania às leis do mercado e às organizações internacionais mas recebeu o poder das relações de cooperação e do direito internacional. O restante “capital” que ainda detém está “depositado” nas mentes da opinião pública, sendo “movimentado” pelos OCS.

b. Ameaças e Riscos

Falando de ameaças importa fazer um comentário prévio. Ameaça é doutrinariamente entendida como o produto de uma capacidade por uma intenção. Mas na realidade nem sempre existe uma intenção. Quando um empresário chinês coloca no mercado um novo produto, não tem intenção de pôr em causa centenas de empregos num país do outro lado do Mundo. Em alguns casos de ameaças ambientais nem existe intenção de todo, existe antes uma falta de intenção, um desconhecimento ou negligência. Mas não é por falta de intenção de uma parte que a sua acção deixa de ser uma ameaça para os interesses da outra. Na realidade, para o conceito de ameaça interessa assumir uma postura mais abrangente. Deste modo, entendemos que, quando falamos de ameaças estas devem ser considera-das como “os obstáculos ou resistências aos interesses da Organização”.

18 Declarações feitas pelo Secretário-Geral, em 5 Dez 2001.

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Sendo os Estados interdependentes e as suas relações praticadas a nível global, podemos deduzir que também as ameaças se tornaram globais. Ou seja, por ver aumentadas as suas potencialidades de intervenção, o Estado multiplicou os seus interesses, quer em número, em tipo ou em dispersão geográfica. Se a persecução desses interesses está dependente de outros Estados e os outros Estados dependem de si, então estão igualmente multiplicadas as possibilidades de ameaça. Se a isto adicionarmos o facto de o Estado ter visto aumentadas as suas vulnerabilidades pela transferência de soberania para outros poderes e instituições, podemos concluir que as ameaças e riscos assumem hoje um carácter transnacional, multifacetado e imprevisível.Terrorismo; tráfico de droga; tráfico de armas; crime organizado; pro-liferação de armas de destruição maciça; carência de manutenção de material nuclear, biológico e químico; acesso a materiais (não neces-sariamente armas) de elevado poder de destruição; uso indevido das novas tecnologias. Este é o tipo de ameaças frequentemente descrito em documentos ou discutido em fora, no sentido de se constituir como suporte para a adopção de estratégias. No entanto, a sua característi-ca desterritorializada vem aumentar ainda mais a transnacionalidade e imprevisibilidade, uma vez que não possibilita a identificação da origem da ameaça ou o momento em que ela se poderá vir a revelar. O agente da ameaça, por pouco poder que empregue, é sempre eficaz, porque tem a iniciativa do seu lado.Perante a evidência da incapacidade de fazer face a tal volume e variedade de possíveis ameaças, duas acções devem ser tomadas. Por um lado, é necessário reduzir os riscos, colmatando as vulnerabilidades correspon-dentes, de forma a limitar os seus efeitos quando se vierem a revelar. Por outro, torna-se necessário adoptar uma estratégia de prevenção. Assim, tem vindo a ser adoptado um conceito alargado de segurança, em que deixam de ser perseguidos “objectivos unicamente centrados nos interesses vitais associados com a defesa do território e da soberania dos Estados, mostrando-se agora mais exigente em termos de uma filosofia preventiva e de uma visão global da evolução dos focos de insegurança internacio-nal e das crises que daí advêm, procurando preveni-las ou obstar ao seu agravamento, através da coordenação das políticas sectoriais, impondo aos instrumentos de força maior versatilidade para actuação em domínios que até ao presente não constituíam preocupação dos Estados” 19.

19 Ministério da Defesa Nacional, Op Cit, p. Web 4.

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Até agora apenas foram referidas ameaças à Segurança. No entanto, para além da Segurança, o Estado tem outros objectivos, como o Progresso e Bem-Estar. Quando falamos de Progresso, falamos necessariamente de Economia e Finanças. Na sua função de interventor macroeconómico, o Estado define os seus objectivos no sentido de garantir o progresso e bem-estar dos seus cidadãos. Sendo os mercados globais, as ameaças ao progresso são as crises financeiras; o encerramento de mercados ou a própria concorrência comercial. Para fazer face às ameaças aos seus interesses o Estado mantém uma concorrência permanente com outros Estados, organizações ou empresas. Para além das ameaças económicas existem ainda outras ameaças que podemos identificar como ameaças ao bem-estar. É o caso das alterações ambientais globais, os fluxos desregula-dos de populações, a SIDA ou outras doenças letais altamente contagiosas.Quando falamos de mercados económicos ou financeiros e na luta pelos interesses, preferimos falar de concorrência e de relações de competição, em vez de adversários e relações de conflito. Na realidade não existe um conflito entre as partes, uma vez que o objecto da acção não é o concor-rente económico mas sim o consumidor. Ou seja, o objectivo não visa eliminar a concorrência mas sim conquistar o mercado. Em resumo, como consequência da globalização, as ameaças tornaram-se trans-nacionais, multidisciplinares e imprevisíveis. Para fazer face a estas ameaças, o Estado deve actuar de forma preventiva, reduzindo as suas vulnerabilidades. Não menos importantes que as ameaças à segurança, existe um vasto leque de ameaças ao Progresso e Bem-Estar. A resolução destas ameaças enquadra-se no âmbito das Relações de Competição e, em casos extremos, em relações de conflito. As características particulares destas ameaças levam-nos a alargar o seu conceito a “obstáculos e resistências aos interesses do Estado”.

3. LIMITAÇÕES AO EMPREGO DAS ESTRATÉGIAS CLÁSSICAS

Antes do fim da “guerra-fria” o mundo era menos errático ou volúvel. O Es-tado detinha o direito legítimo e os recursos suficientes para impor a ordem num determinado espaço territorial. Ordenar era sinónimo de estabelecer um Estado soberano, optar por um modelo de ordem e garantir o monopólio dos meios de coacção. Max Weber definiu o Estado como o agente que reivindica o monopólio dos meios de coacção e do uso deles em seu território soberano. O Estado baseava a sua soberania em três pilares: o militar; o económico e o cultural. “Uma eficiente capacidade ordenadora era impensável a menos que apoiada na capacidade de defender com eficiência o território contra os

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desafios de outros modelos de ordem; na capacidade de fazer o balanço da Nationalökonomie e de reunir recursos culturais suficientes para sustentar a identidade e distinção do Estado” 20.Com o novo Sistema Internacional esta realidade foi alterada, limitando as poten-cialidades das formas de coacção do Estado. Em consequência da globalização e da democratização, o ambiente internacional tornou-se mais exigente. O poder do binómio opinião pública/OCS, a liberalização dos mercados e a transferência de soberania para as organizações internacionais (OI), reduziram o poder do Estado. Assim, as ameaças tornaram-se multidisciplinares e imprevisíveis. Por sua vez, muitas destas são imateriais, de pequena intensidade e enquadradas em relações de competição, o que as torna “imunes” às estratégias clássicas.A globalização, como vimos, leva a uma expansão geográfica e disciplinar dos interesses do Estado e à crescente interdependência com os outros actores. Isto obriga a uma capacidade estratégica mais volumosa, mais polivalente (eficaz com qualquer tipo de ameaça) e com capacidade de projecção (para actuar em qualquer parte do Mundo). Por outro lado, a democratização e correspondente poder de opinião pública internacional implica que as estratégias tenham que ter capacidade para actuar sobre a população e não apenas sobre os governos ou organizações.A opinião pública interna e os OCS retiram liberdade de acção ao Estado. A população não tem uma visão completa e abrangente das condicionantes em jogo e por isso não tem capacidade de analisar as opções do governo numa perspectiva global e de longo prazo. A opinião pública é, normalmente, me-diática e emocional. Deste modo, as opções estratégicas do Estado vêm-se na contingência de ter que optar pelo populismo, em detrimento do racionalismo. Estratégias que envolvam o risco da vida humana, situações de conflito de-clarado ou avultadas fatias orçamentais, dificilmente são aceites. A liberalização económica leva à transferência de parte dos sectores estratégicos do Estado para a iniciativa privada. A forte competição económica leva a que as empresas dificilmente cedam a imperativos estratégicos. A conjugação destas duas realidades tem como consequência a redução da capacidade de intervenção estratégica do Estado numa das áreas com maior potencial, que é a economia.O peso das organizações internacionais, elas próprias sensíveis à opinião pública mundial, e a validade do direito internacional, constituem-se também como um forte limitador da liberdade de acção dos Estados. Uma intervenção estratégica declarada deve ser legitimada pela organização internacional apropriada.

20 Zygmunt Bauman, Op cit., p. 69.

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Quanto às limitações provocadas pelas características das ameaças, como vimos anteriormente, a sua imprevisibilidade e desterritorialidade levam a que as estratégias de coacção se tornem menos eficazes do que as estratégias de prevenção. “Todas as ameaças à paz são essencialmente psicológicas; elas tornam-se militares apenas se não tiverem sido atempadamente identifica-das. A detecção oportuna permitirá que a ameaça seja inicialmente sujeita a acções políticas e psicológicas” 21. As características imateriais, compe-titivas (enquadradas em relações de competição) ou a reduzida intensidade de algumas ameaças, inibem a utilização de estratégias que impliquem o emprego da força material ou de posturas conflituais declaradas, como por exemplo, a força militar ou as sanções económicas.Particularizemos para cada uma das estratégias gerais: A Estratégia Militar apresenta grandes limitações porque a sua actividade é socialmente penali-zante, dispendiosa, não eficaz para a maioria das ameaças contemporâneas, dependente da legitimação internacional e o seu potencial sofre o atrito da distância. Por ser socialmente penalizante - pelo menos em termos ocidentais - o serviço militar obrigatório tem sido abolido e substituído pelo voluntariado, com a consequente redução de efectivos e aumento da despesa. Este aumento da despesa é reforçado pela necessidade de tornar as forças projectáveis e de as equipar com materiais tecnologicamente desenvolvidos. O valor da vida humana leva a que o seu emprego se faça apenas com a garantia de uma reduzida taxa de baixas, tanto militares como colaterais.A Estratégia Económica apresenta crescentes possibilidades, uma vez que pode actuar no interior dos Estados; tem grande liberdade de acção; a sua acção pode ser dissimulada e não ser considerada hostil; é flexível em termos do potencial que emprega; tem capacidade global e pode ser empregue preventivamente, entre outros. No entanto, o Estado que tenha optado pela liberalização pode ver a sua capacidade de intervenção reduzida e a sua fronteira económica fragilizada.A Estratégia Política, e em particular a Estratégia diplomática, tem igual-mente grandes potencialidades, uma vez que tem grande liberdade de acção; capacidade de projecção e actuação global; pouco dispendiosa, o que lhe permite uma actuação múltipla, e pode actuar preventivamente. No entanto, o seu poder negocial depende do poder das outras estratégias. Se o poder militar e económico for reduzido ou, perante determinada ameaça, existirem limitações ao seu emprego, então a Estratégia Diplomática tem que recorrer a outros factores do potencial estratégico do Estado.

21 John Leech, “War Without Dead: The Silent Strategies” in Strategic Review U.S. Strategic Institute, Boston, Primavera 2000, p.23.

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A Estratégia Psicológica tem todas as vantagens referidas anteriormente, no entanto apresenta um grande inconveniente que praticamente inviabiliza a sua actuação fora do âmbito de um conflito declarado. Este inconveniente é o facto de a sua utilização não ser tolerável pela opinião pública interna ou internacional. Dada a sua capacidade de dissimulação e o difícil controlo, é considerada uma activida-de eticamente condenável. O risco de a sua utilização poder vir a ser detectada, leva a que seja evitada. No entanto, o uso das suas técnicas de forma declarada e transparente, e utilizando valores considerados legítimos, pode ser admitido.

4. HARD POWER VS SOFT POWER

Perante as limitações contemporâneas das estratégias clássicas, principalmente das estratégias que se apoiam em factores materiais e financeiros, surge um novo tipo de actuação estratégica que se baseia no chamado soft power. Os conceitos de hard power e soft power foram introduzidos em meados dos anos 80 por Joseph Nye. O conceito hard power é entendido como o exercício da força bruta, imposta contra outro actor, para obter o efeito desejado em benefício de determinado interesse. Este conceito serve-se de uma estratégia directa e utiliza duas modalidades, a militar e a económica. Estas modalidades são empregues através de ferramentas de coação, de indução, de intimidação e de protecção. Ambas são aplicadas por punições, sanções e ameaças 22. A força bruta tem sido empregue através de ferramentas políticas como as guerras, diplomacia coerciva e até em alianças estratégicas com fins bélicos.Soft power apela mais ao conhecimento e informação do que ao poder militar. Os elementos chave do soft power são a influência, atracção e persuasão e não a capacidade de projecção da força militar. “Soft power é a capacidade de atingir os nossos objectivos através da persuasão em vez da coacção. A sua actuação baseia-se em convencer os outros a seguir ou a concordar com determinadas normas ou instituições de forma a produzir um comportamento desejado. Soft power pode-se basear no apelo às nossas próprias ideias ou orientar as actividades dos outros no sentido de condicionar as suas preferên-cias. Se um Estado puder tornar o seu poder legítimo, aos olhos dos outros, e puder estabelecer instituições internacionais que os levem a condicionar ou limitar as suas próprias actividades, pode não vir a ser necessário utilizar os tradicionais e dispendiosos recursos económicos e militares” 23.

22 Ferreira, 2005.23 Joseph Nye, Bond to lead: the changing nature of American power, Basic Books, Nova York, 1990. O autor é director

da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard e ex-assistente do secretário da defesa dos EUA.

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soft power

Na política mundial, é possível que um país obtenha os resultados que quer porque os outros desejam acompanhá-lo, admirando os seus valo-res, imitando-lhe o exemplo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade. Neste sentido, é igualmente importante estabelecer a agenda da política mundial e atrair os outros, como é forçá-los a mudar mediante a ameaça ou o uso das armas militares ou económicas. O soft power induz as pessoas a aderir em vez de coagi-las 24. Este poder assenta essencialmente em três recursos: na cultura (sendo ela atraente para outros), nos valores (seguindo-os em casa e no exterior) e na diplomacia (quando tem legitimidade e autoridade moral). Cultura e valores são instrumentos vitais para o exercício do soft power, uma vez que determinam em larga medida a posição e influência do Estado na co-munidade internacional. Soft power está também directamente relacionado com o grau de coesão interna do Estado. Uma sociedade ou organização que tenha divisões internas terá menos eficácia na utilização do soft power, uma vez que não transmite uma imagem de credibilidade a nível mundial. O desenvolvimento de sistemas internacionais de governação e os acordos in-ternacionais tornam o exercício do soft power mais relevante do que as formas coercivas do Estado. Muitos dos assuntos tratados neste tipo de fora estão direc-tamente relacionados com a Cultura e valores – a grande matéria-prima do soft power. Neste contexto, países defensores de valores de maior significado universal dispõem de grande poder de influência no Sistema Internacional. As tecnologias de informação representam um importante meio de exercício do soft power. Se Cultura, imagem e conhecimento são elementos do soft power, então as redes de comunicações são o primeiro vector para a sua transmissão. Isto faz com que o uso apropriado dos mass media e do ciberespaço seja considerado como um importante elemento de influência da política externa. Isto sugere-nos que uma conjunção entre Cultura, diplomacia e informação estratégica, terá crescente importância na condução da futura política externa 25.Os governos utilizam ou ameaçam utilizar o poder militar quando pretendem atingir os resultados dentro de um espaço de tempo reduzido. O poder eco-nómico é muitas vezes utilizado de forma semelhante. A utilização do Soft power torna-se mais difícil e por vezes demorada. Esta situação ocorre porque uma grande parte dos recursos cruciais não está sob o controle dos governos e os seus efeitos dependem da aceitação com que o público os recebe 26.

24 Nye,2002, p.36. 25 Government of Canada, “New instruments of influence in World Affairs” (research report 3) in http://policyre-

search.schoolnet.ca/keydocs/global2/vol2rap3-e.htm, 31 Agt 99.26 Nye,2004.

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Evidentemente que nem todas as guerras e acções económicas produzem rapidamente os resultados pretendidos. A título de exemplo Saddam Hussein, no Iraque, sobreviveu às sanções por mais de uma década. Por outro lado, a divulgação de informação pode produzir rapidamente um resultado desejado ou poderá até servir como meio de prevenção. Mas geralmente os recursos do soft power são lentos, mais difusos e mais incómodos de dominar que os recursos do hard power.Para além destas características, o soft power apresenta ainda os seguintes fraquezas:• Ineficiência por excessiva abundância da informação;• Governos controlados por meios de comunicação externos;• Falta de financiamento adequado;• Multiplicidade de actores não governamentais com capacidade de utilização

de soft power (Multinacionais, ONGs ou grupos terroristas)

Em resumo, pode considerar-se que os conceitos de soft e hard power são os extremos de uma escala de poder. Estes dois conceitos implicam dife-rentes ideias, politicas externas, de segurança e económicas. Idealmente as estratégias do hard power concentram-se nas intervenções militares, na diplomacia coerciva e nas sanções económicas para atingir os interesses na-cionais. Contrariamente, o soft power serve-se de estratégias que enfatizam a atractividade da cultura, dos valores políticos, os meios diplomáticos para a gestão de conflitos e a cooperação económica para atingir soluções comuns. O hard e soft power estão relacionados porque afectam o comportamento dos outros para alcançar os objectivos. A distinção entre eles é de um degrau, tanto na natureza do comportamento como na tangibilidade dos recursos 27.Na figura 1 ilustram-se os tipos de comportamento entre comando e per-suasão ao longo de uma faixa do espectro, desde a coerção e incentivo económico até à pura atracção.

Fonte: Nye, 2005.

27 Nye,2005.

Power

Hard Soft

Spectrum ofbehaviors

Most Likely Resources

Coercion Inducement AgendaSetting

Attraction

ForceSanctions

PaymentsBribes

Institutions ValuesCulturePolicies

Command Co-opt

Fig 1 – Ilustração do espectro do poder.

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O Comando é a capacidade de mudar o que os outros fazem, servem-se da coerção ou incentivo. A persuasão é a capacidade de moldar o que os outros querem. Pode basear-se na atractividade de uma cultura e dos seus valores ou sobre a capacidade de manipular as escolhas da agenda de política para que os outros não consigam expressar algumas das suas preferências.

5. A LIÇÃO AMERICANA

Os esforços para desenvolver o soft power deram-se com o aparecimento da I Guerra Mundial, com o estabelecimento de escritórios para propagandear as causas dos governos. Os ingleses e alemães competiam por cativar a opinião pública dos cidadãos dos Estados Unidos, enquanto estes não decidiram entrar na guerra. Os Estados unidos estavam atrasados relativamente à utilização da informação e cultura para atingir os propósitos da diplomacia 28. Durante a guerra fria foi debatida a forma como os governos deveriam uti-lizar o soft power. Durante cerca de cinquenta anos os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Soviéticas Socialistas (URSS), representantes do sistema capitalista e socialista, respectivamente, compe-tiram por dominar e disseminar os seus valores e ideais 29. Com o final da guerra fria os americanos estavam mais preocupados com investimentos em poupanças do que em investir no soft power 30. A hegemonia americana, pós-guerra fria, passa a ser sustenta pela utilização do hard power 31. Com a globalização diminuíram as fronteiras económicas e a interdependência entre os países nas diversas questões de interesse mundial, pelo que segundo Nye, a utilização do hard power seria uma atitude pouco inteligente 32. É neste contexto que Nye sugere uma revisão da política externa americana, propondo uma maior sofisticação na definição e na utilização do soft power. A Estratégia de segurança nacional dos EUA, produzida pela administração Bush em 1991, refere: “A nossa influência será progressivamente determinada, mais pela qualidade das nossas ideias, valores e liderança... do que pelo domínio das nossas capacidades militares” 33.A utilização do soft power tornou-se ainda mais importante com a revolução informática, e foi com os acontecimentos de Setembro de 2001 que os ame-ricanos voltaram a investir nos seus instrumentos 34. Na figura 2 apresenta-se

28 Nye,2004. 29 Silva e Gomes, 2008.30 Idem 20.31 Idem 21.32 Ferreira, 2005.33 The White House, National Security Strategy of the United States, Washington: GPO, Agt 91, p.14.34 Ibidem.

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uma comparação dos investimentos feitos entre o soft power e o hard power pelos EUA.Actualmente, os Estados Unidos só poderão enfrentar uma nova ameaça de terro-rismo através da colaboração de outros países, embora os outros governos tenham interesses próprios nessa colaboração. Motivo pelo qual o soft power não é apenas uma questão de popularidade mas um meio de obtenção de resultados 35. A nova administração dos Estados Unidos, sob a presidência de Barack Obama, tem criado enormes expectativas, relativamente à saída da crise mundial que actualmente se vive, e alimenta a esperança não só dos seus cidadãos como também de outros povos. Esta reacção ficou patente nas seguintes declarações:“Acredito que Barack Obama será um parceiro muito melhor do que o anterior Presidente. É necessária uma cooperação muito mais próxima entre a Europa e os EUA, tendo em consideração os desafios globais que se colocam actualmen-te, a crise financeira e económica, as alterações climáticas, a proliferação de armas e destruição massiva e a luta contra o terrorismo. A Administração Bush demonstrou a todos que nem os Estados Unidos da América são capazes de resolver os problemas complexos com os quais nos confrontamos actualmente”, Libor Rouček, vice-presidente da comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu, Reacções de deputados ao Parlamento Europeu.“Os Estados Unidos da América têm de perceber que um poder suave com uma liderança forte triunfará sempre sobre um poder militar”, Graham Wat-son, presidente do Grupo dos Democratas e Liberais pela Europa, Reacções de deputados ao Parlamento Europeu.

Para concluir este capítulo acrescenta-se o seguinte comentário feito por Nye:“Soft power if not ubiquitous – you can have it in some areas and not in others; you can have it with some countries and not with others. It is

35 Ibidem.

Fonte: Nye, 2004.

Public Diplomacy Defense Year

United States $1.12B $347.9B 2002

France $1.05B $33,6B 2001

Great Britain $1.00B $38.4B 2002

Germany $218M $27.5B 2001

Japan $210M $40.3B 2001

Fig 2 – Comparação anual de investimentos, nos EUA, entre Soft e Hard Power.

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hard to generalize. For instance with Iran, the leaders view American culture with disgust while Iranian teenagers are attracted to our culture. The main point is that if our policies are arrogant then we squander what soft power we have. The policies will trump the soft power” 36.

6. CONCLUSÕES

No início deste trabalho propusemo-nos analisar um conceito, mesmo um ideal, que durante os últimos meses, a propósito das eleições americanas, nos tem sido servido por todos os OCS. Embora poucos façam referencia ao nome com que Joseph Nye baptizou esta “nova filosofia” – SOFT POWER – o facto é que a campanha do candidato democrata foi orientada pela influência e persuasão baseada nos valores. Esta opção colocou-se, naturalmente, em oposição às acções do anterior regime republicano que, privilegiando o hard power, tantos dissabores provocou nos americanos e no mundo. O resultado já todos conhecemos: a vitória e uma grande felicidade global, mesmo em plena crise mundial. A fórmula de Nye provou que tem sucesso. No nosso trabalho, enquadrámos o conceito de Força (Power) no âmbito da Estratégia e concluímos que esta não é absoluta mas depende da forma como ela é percebida pela população e que por isso é manipulável por entidades externas. Analisando o actual SI, demonstrámos que no mundo global o emprego da força militar e da economia apresenta grandes limitações. Joseph Nye chama a estas últimas o hard power e tem como alternativa vantajosa o soft power. Se, nos anos 90 este era apenas um conceito, depois do man-dato George W.Bush e início da presidência de Obama ficou provado que o soft power venceu o desafio. Foi o que quisemos demonstrar naquilo a que chamamos de “a lição americana”.No fim, chegámos às seguintes conclusões:

a. No actual Sistema Internacional, o Estado tem necessidade de encontrar novas formas de poder e novos métodos para atingir os seus objectivos estratégicos.

Com a evolução do Sistema Internacional assistiu-se à transformação das fontes de poder e a sua transferência entre actores. A globalização levou ao desenvolvimento do poder económico mas simultaneamente à sua transferência do Estado para empresas privadas e transnacionais. Com o aumento da interdependência, o Estado transferiu parte do seu poder político para organizações regionais ou internacionais. A crescente

36 Nye e Hall, 2002..

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democratização dos Estados e as capacidades dos meios de comunicação, levaram a um aumento do poder da opinião pública. O fim da confronta-ção Leste-Oeste, associado à pressão da economia e da opinião pública levaram a uma redução do poder militar do Estado. Ou seja, o Estado vê reduzido o seu poder e a liberdade de acção para o empregar. Nesta época marcada pela globalização, o Sistema Internacional é mais aberto e o espaço de interesse do Estado ganha maior dimensão. Em consequência, aumenta o número de ameaças e transformam-se as suas características. A maioria das actuais ameaças ao Estado caracterizam-se por serem transnacionais, multidisciplinares, imprevisíveis, desterritorializadas, imateriais, de pequena in-tensidade e dirigidas ao progresso e bem-estar. Ou seja, as estratégias coercivas do Estado perdem eficácia perante este tipo de ameaças.Perante este cenário, o Estado vê-se na necessidade de encontrar novas formas de poder e novos métodos para atingir os seus objectivos estratégicos.

b. Uma alternativa às estratégias coercivas pode ser uma estratégia preventiva que recorre à persuasão e influência, baseada nos valores, na cultura e na diplomacia.Uma das medidas a adoptar pelo Estado é a de privilegiar o tipo de estra-tégia preventiva e de preparação, reduzindo assim os riscos e diminuindo a possibilidade de a ameaça se vir a revelar. A segunda medida é a de substituir o poder da força pelo “poder do comportamento”. Esta medida não apresenta uma inovação significativa, mas sim um aumento da sua importância, em relação aos métodos coercivos. Durante a Guerra Fria assistiu-se, de ambas as partes, a uma luta ideológica pela “conquista das almas”. As ideologias perderam significado, mas outros valores, orienta-dores dos comportamentos, continuam a existir.Em vez de coagir o adversário a aceitar os nossos pontos de vista, é preferível persuadi-lo a concordar com as nossas ideias e valores ou orientar as actividades no sentido de condicionar as suas preferências. Deste modo, é possível evitar a utilização dos tradicionais e dispendiosos recursos económicos e militares. Isto é chamado de soft power.Soft power pode-se caracterizar por:• Ser a capacidade de uma organização em obter o que pretende através

da atractividade e não da coação ou da utilização de pagamentos.• Utilizar como forças, a sua cultura, os valores que defende e as po-

líticas que pratica.• Ser fortemente dependente da credibilidade da organização e da legi-

timidade das acções.

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• Utilizar como ferramentas, a diplomacia; as relações públicas (public diplomacy); os média e as informações (inteligence).

Soft power é internacionalmente mais aceitável, mais económico e pode-se apoiar na estrutura diplomática ou de cooperação militar. Deste modo, as designadas pequenas e médias potências ganham uma preponderância significativa. Para Portugal, o emprego da Cultura como soft power re-presenta a exploração do seu maior potencial.

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Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

José Martins (*)

Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre)Paulo Belfo (**)

MestreIsabel Ferreira (***)

MestreIrapuan Noce (****)

Mestre

ABSTRACT

The development of public organisms constitutes a theme interested to all citizens, in any country. The efficiency, the quality and the quantity of goods and services produced by the organisms of Public Administration, that is to say, the good performance of these organisms, is a question that affects citizens and society. “Value for citizens” is defined, by the European Commission, as a vision of public management in 2020. To reach the formulated vision, governments and the respective organisms will have to create a new social and organizational en-vironment, updating the respective management systems, where Information and Communication Technologies assume a main role in this transformation process.

There are several management tools which have been used in public orga-nisms. However, we consider that the challenge consists on the formulation of an organizational model of management that combines several tools and references (strategy, quality, human resources, technologies and information system) based on organizational competences and oriented to the mission of the organization.

The nature of the problem and the need of integrating management systems in public organizations, through the conception of an organizational model that

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

(*) Docente na Academia Militar e do Instituto Superior Politécnico do Oeste. Investigador no CINAMIL, Centro Algo-ritmi da Universidade do Minho (UM) e UbiNET. Licenciado em Ciências Militares e em Engenharia Informática, Mestre em Sistemas de Informação (SI) e Doutorando em Tecnologias e Sistemas de Informação (TSI) na UM.

(**) Docente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC) e Instituto Politécnico de Coimbra. Investigador no centro Algoritmi da UM. Licenciado em Engenharia Electrotécnica, Mestre em Economia Financeira e Doutorando em TSI na UM.

(***) Docente do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave - Escola Superior de Gestão. Investigadora no centro Algoritmi da UM. Licenciada em Administração Pública pela Universidade do Minho, Mestre em Gestão Pública pela Universidade de Aveiro e Doutoranda em TSI na UM.

(****) Docente Convidado do Departamento de Sistema de Informação da UM. Licenciado em Engenharia Eletrônica, Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Doutorando em TSI na UM.

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may be used as a base for management and performance evaluation, induced the selection of carrying out an exploratory research. This research strategy is justified in situations in which the problem has not been strongly analyzed. The question which we propose to study is, therefore, to know how to integrate the several existing management systems in public organizations, encouraging the improvement of the performance. To answer to this question, we use a research methodology, structured in two phases. In the first one, we handle a theoretical list of the existing tools, by means of a bibliographic research. In the second phase, through the use of a case study, we analyze an approach of organizatio-nal engineering, the MLearn methodology. To handle the study case, we tried to find a public organization with proved practices in processes of continuous improvement, based on the perspective of quality management. We therefore developed a study in the Geographic Institute of the Army. The case study was conducted by means of enquiries by interviews as well as documental analysis.

The main results showed the importance of the most integrative vision of the organization needs, duly oriented towards the competences in order to proceed with the concretization of its mission. The MLearn methodoly may permit the strategic alignment of the several concerns of an organization oriented to proceedings.

Keywords: case study, public services, strategic management, quality manage-ment, organizational development, management of organizational performance, management models.

RESUMO

O desempenho dos organismos públicos constitui um tema que interessa a todos os cidadãos, em qualquer país. A eficiência, a qualidade e a quantidade dos bens e serviços produzidos pelos organismos da Administração Pública, em resumo, o seu bom desempenho, é uma questão que afecta os cidadãos e a sociedade. “Value for citizens” é definido, pela Comissão Europeia, como a visão da gestão pública em 2020. Para alcançar a visão formulada, os governos e seus organismos terão de criar um novo ambiente social e organizacional, modernizando os seus sistemas de gestão, onde as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) assumem um papel central neste processo de transformação.

São vários os instrumentos de gestão que têm sido utilizados em organismos públicos. Contudo, parece-nos que o desafio está na formulação de um modelo organizacional de gestão que combine vários instrumentos e referenciais (estraté-gia, de qualidade, de recursos humanos, de tecnologias e sistemas de informação) assentes nas competências organizacionais e orientados à missão da organização.

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A natureza do problema abordado e a necessidade de integração de siste-mas de gestão nas organizações públicas, através da concepção de um modelo organizacional que sirva de âncora para a gestão e avaliação do desempenho, induziu a escolha da realização de uma pesquisa do tipo exploratória. Esta estratégia da pesquisa justifica-se em situações na qual o problema ainda é pouco investigado. A questão que nos propomos investigar é, assim, saber como integrar os vários sistemas de gestão existentes nas organizações públicas, potenciando a melhoria do seu desempenho. Para responder a esta questão, utilizamos uma metodologia de investigação, estruturada em duas etapas. Na primeira, procedemos a um levantamento teórico dos instrumentos existentes, por meio de uma pesquisa bibliográfica. Na segunda etapa, através da utilização dum estudo de caso, analisamos uma abordagem de engenharia organizacional, a metodologia MLearn. Para a realização do estudo de caso, procuramos encontrar uma organização pública com práticas demonstradas em processos de melhoria contínua, assente na perspectiva da gestão da qualidade. Desenvolvemos assim, o estudo no Instituto Geográfico do Exército. O estudo de caso foi conduzido através de inquéritos por entrevistas e fundamentalmente por análise documental.

Os principais resultados evidenciam a importância da visão mais integradora das necessidades da organização, devidamente orientada para as suas compe-tências de forma a prosseguir a concretização da sua missão. A metodologia MLearn poderá permitir o alinhamento estratégico das várias preocupações duma organização orientada a processos.

Palavras chave: estudo de caso, serviços públicos, gestão estratégica, gestão da qualidade, desenvolvimento organizacional, gestão do desempenho organi-zacional, modelos de gestão.

1. INTRODUÇÃO

As organizações, sejam elas públicas, privadas ou da economia social, no contexto actual, marcado pelo fenómeno da globalização, vêem-se confrontadas com uma série de desafios, de natureza económica, social, tecnológica, obrigando-as a repensar os meios utilizados para uma melhor concretização da sua missão. Adaptação à mudança, inovação, criatividade, gerir pessoas e conhecimento são palavras sucessivamente apregoadas. Para isso, as organizações, e em particular os serviços públicos, têm de pensar em novos modelos e métodos de intervenção organizacional que visem a melhoria do bem estar, quer da organização, quer das pessoas que nela trabalham, quer da sociedade em

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geral, os “accionistas do Estado”. Neste sentido, Carvalho (2009), conside-ra que tais intervenções organizacionais, onde as TIC assumem um papel nuclear, deve assentar, previamente, numa reflexão e avaliação do modelo organizacional e sua representação em termos de informação, bem como modelo informático. A tecnologia deve surgir, assim, como factor endógeno de mudança organizacional e não como factor exógeno, onde o mercado tecnológico surge com as suas soluções impondo as suas vontades (Carapeto e Fonseca, 2009). Para resolver os problemas da eficiência e eficácia e da efectividade organi-zacional, as organizações públicas dos países do sul da Europa continental, nomeadamente Portugal, a avaliar pelas várias iniciativas de modernização em curso, segundo Torres (2004) estão a promover um conjunto de iniciativas de modernização nos seus modelos burocráticos de organização, não integradas numa estratégia de reforma. Segundo o mesmo autor, essas iniciativas vão mais no sentido de fomentar o empowerment, quer dos cidadãos, quer dos colaboradores, e a qualidade de serviços, mas mantendo os seus sistemas administrativos, ou seja, o modo jurídico de estrutura e funcionamento da Administração Pública, mantendo-se praticamente os mesmos métodos de trabalho. De facto, vários têm sido os instrumentos utilizados, nomeadamente, as normas ISO, o Balanced Scorecard, o modelo da European Foundation for Quality Management (EFQM), a gestão de processos, o Common As-sessment Framework (CAF), o SIADAP (Sistema de Gestão e Avaliação do Desempenho da Administração Pública), a gestão documental e workflow e o ERP (Enterprise Resource Planning), entre outros. Apesar destes esforços organizacionais, esses projectos não aparecem, na maioria das vezes, de uma forma alinhada à sua estratégia. O resultado traduz-se numa redundância de intervenção organizacional, expresso em representações diversas do conhe-cimento, dificultando a sua agilidade (Coelho, 2010).O principal desafio está na mudança organizacional, em termos de modelos organizacionais e métodos de trabalho, necessária para desenvolver fluxos de informação mais produtivos. Esta pressão obriga os organismos públicos a desenvolver modelos, orientando cada vez mais a sua actividade para os processos, alinhados com as suas competências organizacionais. Perante esta problematica, procura-se neste trabalho reflectir sobre como integrar os vários sistemas de gestão existentes nas organizações públicas, potenciando a melhoria do seu desempenho, através da utilização de uma metodologia de modelação das competências organizacionais, a MLearn (Coelho, 2009). Pretende-se compreender e explorar a aplicação da referida metodologia e, nesse sentido, optou-se por um organismo público, pertencente

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à administração indirecta do Estado, reconhecido pelas suas boas práticas na concepção e desenvolvimento dos produtos cartográficos, através do uso da gestão integrada por processos, segundo a norma internacional ISO 9001, tendo já ganho prémios de mérito quer ao nível Nacional quer ao nível In-ternacional – o Instituto Geográfico do Exército – IGeoE. O apoio por parte deste Instituto Público foi determinante para a condução do estudo, tal como descrito no ponto um deste artigo. No ponto dois apresenta-se a estratégia de investigação. No ponto três focam-se os principais resultados da revisão de literatura realizada. No ponto quatro descrevem-se os principais resultados da aplicação da metodologia MLearn ao IGeoE. Por fim, apresentam-se as principais conclusões, limitações e contributos.

2. ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO

A natureza do problema abordado, a necessidade de compreender a integra-ção de sistemas de gestão nas organizações públicas, através da concepção de um modelo organizacional que sirva de âncora para a gestão e avaliação do desempenho, induziu a escolha da realização de um estudo do tipo ex-ploratório. Essa estratégia da investigação justifica-se em situações na qual o problema ainda é pouco investigado. Assim, a questão que pretendemos estudar é: Como integrar os vários sistemas de gestão existentes nas organizações públicas, potenciando a melhoria do seu desempenho?

Para responder a esta questão, utilizamos a seguinte metodologia de inves-tigação, estruturado em três etapas. Na primeira, procedemos a um levantamento teórico dos modelos existen-tes, por meio de uma revisão bibliográfica (relatórios técnicos, teses, livros académicos, revistas científicas). Na segunda etapa, através da utilização da metodologia de investigação estudo de caso, comparamos uma abordagem frequentemente utilizada nas organizações públicas, a gestão da qualidade através das normas ISO, com uma abordagem mais moderna e abrangente, a metodologia de intervenção organizacional MLearn. Para a realização do estudo de caso, procuramos encontrar uma organização pública com práticas demonstradas em processos de melhoria continua, assente na perspectiva da gestão da qualidade. No caso em questão, foi escolhido um Instituto Público, pertencente, portanto à Administração Indirecta do Estado, que já possui um processo de gestão da qualidade com certificação ISO 9001:2000

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e internacionalmente reconhecido. Estamos, então, perante um estudo de caso único. O estudo de caso foi conduzido através de inquéritos por entrevistas (semi-estruturadas) e fundamentalmente por análise documental. Com vista à concretização da comparação das várias abordagens existentes, objecto deste estudo, desenvolvemos um diagnóstico da organização utili-zando a metodologia MLearn. No final, numa terceira etapa, comparamos e analisamos as duas abordagens (gestão pela qualidade através das normas ISO e MLearn), realçando as po-tencialidade da metodologia MLearn como referencial para a integração dos vários sistemas e abordagens existentes nas organizações (normas ISO, EFQM, CAF, gestão estratégica, gestão de sistemas de informação, entre outras).

3. REVISÃO DE LITERATURA

A Sociedade da Informação e do Conhecimento, criada por uma dinâmica de interacção entre tecnologia e os processos sociais, promove o recorte do Estado e da sua Administração exigindo: (i) a adopção de novas estratégias, o que passará pela partilha de plataformas tecnológicas (criando redes de informação), (ii) a intercomunicabilidade e interoperabilidade organizacional, com valorização dos processos transversais, (iii) a qualificação do factor humano que neles vão intervir e (iv) a adopção de uma cultural de avaliação e gestão do desempenho (OCDE, 2001).

3.1 Os desafios da gestão estratégica nas organizações públicas O desempenho dos organismos públicos constitui um tema que interessa a todos os cidadãos e em qualquer país. A eficiência, a qualidade e a quantidade dos bens e serviços produzidos pelos organismos da administração pública são questões que afectam os cidadãos e a sociedade (Comissão Europeia, 2008).“Value for citizens” é definido, pela Comissão Europeia (2008), como a visão da gestão pública em 2020. E, neste sentido, para alcançar a visão formulada, os governos e seus organismos terão de criar um novo ambiente social e organizacional, tornando mais modernos os seus sistemas de gestão, onde as TIC assumem um papel central neste processo de transformação (Comissão Europeia, 2008). Aumentar a eficiência da gestão dos organismos públicos, resultará, imprescindivelmente, em trocar os sistemas organizacionais, já que o problema não reside nos fins, mas sim nos meios (Gore, 1994). O problema dos governos contemporâneos não reside nas pessoas, mas no sistema, estruturas, regras, procedimentos e normas que atrapalham e inibem a sua capacidade criativa.

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Torres (2004) faz uma análise comparada entre as várias medidas de mo-dernização da administração pública, nos países da Europa Continental, agrupando-as em torno de quatro questões chave: (i) devolução (abarca todas as formas de transferência de responsabilidades: descentralização, descon-centração e municipalização); (ii) gestão do desempenho (orientação para resultados, diminuição dos custos dos serviços e a intensificação da prestação de contas tornaram-se as chaves centrais dos processos de reforma baseados no movimento do new public management); (iii) gestão do pessoal (ênfase na produtividade e no desempenho dos colaboradores públicos e no empo-werment dos mesmos); e (iv) melhoria dos relacionamentos entre governo e cidadãos (questão central na reconstrução dos processos de legitimidade governamental, devido à ênfase na transparência, abertura e accountability).A gestão por objectivos, a gestão e avaliação dos desempenhos dos serviços, dirigentes e colaboradores é determinante no contexto actual. Vários são os instrumentos de gestão que têm sido utilizados, onde destacamos, no caso português, o Sistema Integrado de Gestão e Ava-liação do Desempenho (SIADAP), pese algumas fragilidades, mas que, de momento, não as pretendamos explorar. Parece-nos, contudo, que o desafio está na formulação de um modelo de gestão que combine vários instrumentos e referenciais orientados à missão da organização e assente nas competências organizacionais.

A gestão, avaliação e medição do desempenho A gestão por objectivos na administração pública corresponde à introdução de uma nova postura comportamental dos dirigentes, funcionários, agentes e trabalhadores no seu “saber estar” (atitudes e valores) e “saber fazer” (habilidades) o que passa por um novo “saber mais” (conhecimento e formação). Estamos perante um novo paradigma da gestão das organiza-ções públicas completamente oposto ao velho paradigma, que identifica a gestão com a aplicação de regras e regulamentos, de natureza mais jurídica. A gestão do desempenho envolve as actividades necessárias para asse-gurar que a missão, visão e objectivos estratégicos da organização sejam atingidos. A medição do desempenho é a parte do processo de controlo que leva à acção face ao que é medido (Sarrico, 2005). O princípio base da medição do desempenho organizacional consiste na criação de processos que originem tomada de decisão baseada em factos. Para melhorar é preciso gerir. Gerir é medir. Medir é comparar. Comparar é melhorar. E para que se possa medir é necessário a existên-cia de indicadores de desempenho, expressos em termos de eficiência, eficácia e qualidade (Niven, 2003).

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A abordagem dos sistemas de medição do desempenho determina que estes se concentrem na estratégia da organização, uma vez que é esta que espelha como a organização pretende criar valor sustentável para os seus accionistas, no caso das organizações públicas, os cidadãos, (Kaplan & Norton, 1996), e por meio da gestão das suas competências organizacionais (Coelho, 2010). A gestão e avaliação do desempenho podem ocorrer a diferentes níveis de uma organização (estratégico, de gestão e operacional), dando origem à gestão e avaliação do desempenho estratégico, de gestão e operacio-nal, respectivamente. Cada um destes níveis de desempenho deve estar alinhado de modo a garantir que o desempenho operacional contribuía para o sucesso do desempenho de gestão e este, por sua vez, contribua para o do desempenho estratégico, com base nas suas competências.Em suma, todos os níveis de gestão devidamente alinhados concorrem para o êxito do desempenho organizacional.

A construção de um modelo organizacional Portugal não esteve alheio a esse esforço de modernização e foi in-troduzindo algumas melhorias nos serviços, no sentido de resolver o problema de falta de eficiência e de baixo desempenho. Nos últimos anos constata-se um novo enfoque nos processos de mudança na Ad-ministração Pública portuguesa, traduzidos por diversos projectos de mudança e suportados por legislação já publicada, onde destacamos o Plano Tecnológico, o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), o SIMPLEX, o SIADAP e o Regime de Carreiras, Vínculos, Remunerações na Administração Públicas (RCVR). Todas as mudanças e esforços a realizar, independentemente do nome que lhes sejam dados, só podem estar direcionados para uma meta clara: a melhoria do desempenho dos serviços e organismos públicos, com impacto na sociedade. O desafio, por parte dos serviços e organismos públicos, neste cenário de mudança, tendo por base as atribuições definidas por lei, está na clarifica-ção da sua estratégia e quadro de competências organizacionais, através da conceptualização de um modelo de gestão e avaliação do desempenho, que combine de forma integrada instrumentos de estratégia, de qualidade, de recursos humanos, de tecnologias e de Sistemas de Informação (SI).

3.2 Gestão estratégica pela metodologia MLearnA complexidade organizacional, a multidisciplinaridade envolvida, as preo-cupações com a qualidade, os recursos humanos, os SI, a gestão e avaliação

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do desempenho têm vindo a determinar a existência de várias metodologias e métodos para implementar a abordagem da gestão estratégica. O resul-tado traduz-se numa redundância de intervenção organizacional, expresso em representações diversas do conhecimento organizacional, dificultando a agilidade organizacional (Coelho, 2010). Neste contexto, evidencia-se a necessidade de integração estratégica de todas estas práticas, assumindo as abordagens dirigidas para a concepção de arquitecturas empresariais, centradas no alinhamento da estratégia, um papel cada vez mais relevante. A metodologia MLearn, surgida em 1998, na sequência de práticas profis-sionais e académicas do seu autor, Jorge Coelho, é um referencial metodo-lógico de intervenção organizacional que visa a melhoria do desempenho da organização por via do desempenho das suas competências (Coelho, 2010). A MLearn ajuda a clarificar a estratégia empresarial através de um proces-so orientado desde os objectivos de gestão de topo até o nível de tarefas, permitindo alinhar os objectivos individuais aos organizacionais. É uma abordagem top down, integrada, sistémica e orientada a processos, assente numa arquitectura de competências organizacionais. A intervenção organi-zacional inicia-se no “ought to be”. Com base neste cenário olha-se para o “as is”, tentando implementar um “to be”, de acordo com as capacidades da organização, mais próximo do “ought to be” (Coelho, 2009).A metodologia oferece uma linguagem e uma abordagem integrada a várias áreas organizacionais, incluindo alguns dos seus princípios orientadores, mas melhorando outros. Entre essas áreas funcionais destacamos, nomeadamen-te: (i) Gestão da Estratégia; (ii) Qualidade Total; (iii) Reengenharia; (iv) Controlo da gestão; (v) Gestão do Conhecimento; (vi) Gestão de Recursos Humanos; (vii) Risco Operacional; (viii) Inovação; (ix) BPM (Coelho, 2010).

Quadro 1 – A rede de relacionamento da MLearn com outras áreas funcionais

Gestão da Estratégia

Princípios da análise SWOT, análise de stakeholders e outras abordagens condu-centes à implementação das orientações estratégicas.

Do Balanced Scorecard adoptou os princípios orientadores da clarificação da estratégia.

Do Balanced Scorecard desenvolveu: (i) a sua integração com a arquitectura organizacional orientada a processos e serviços, permitindo desdobrar os objec-tivos de forma independente do organi-grama; (ii) a utilização das competências organizacionais sistémicas como critério para o desdobramento dos objectivos, assegurando a definição de objectivos não partilhados.

Princípios adoptados Contributo de melhoria

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Fonte: Coelho (2010)

Em suma, a metodologia visa apoiar um novo método de intervenção organizacional, resultado da combinação de várias contribuições para introduzir ou reforçar um modelo de funcionamento e de melhoria contínua, numa perspectiva top down, integrada e sistémica, com orientação a processos e aos stakeholders, baseado no conceito de competências organizacionais (Coelho, 2010).

Qualidade Total

Reengenharia

Gestão do

Conhecimento

Gestão de Recursos Humanos

Risco Operacional

Inovação

BPM

Controlo da

Gestão

Orientação da melhoria contínua, o cumpri-mento de requisitos, as não conformidades, o ciclo PDCA e algumas técnicas de melhoria.

As ideias de Nonaka relativas às transfe-rências de conhecimento tácito em explícito e vice-versa.

As preocupações com pontos de controlo e probabilidade de falha.O espírito de fazer diferente de forma simples.

As preocupações com pontos de controlo e probabilidade de falha.

O carácter analítico no tratamento dos indicadores e todo o ciclo de controlo de gestão.

Várias técnicas e princípios. O alinhamento estratégico e a melhoria contínua.

O alinhamento com a estratégia; ali-geirou os sistemas de gestão (em vez do conceito de integração de sistemas desenvolveu um sistema único que cumpre todos os referenciais norma-tivos); tornou o sistema de gestão num instrumento útil para a gestão e actualizado permanentemente.

Cuidou da gestão do conhecimento explícito, tendo presente a gestão do conhecimento tácito na actuação através de workshops interactivos sem papel e com o envolvimento de dois níveis hierárquicos.

O alinhamento das competências e ob-jectivos individuais pelas competências e objectivos organizacionais e ambos pela estratégia do negócio.

O alinhamento estratégico dos riscos e das medidas de mitigação.

A inovação organizacional como forma de potenciar a inovação nos processos, produtos e marketing.

Aproveitou a orientação a processos e as ideias de monitorização, simulação, mo-delação, regras de negócio e orquestração de processos.

Do custeio por actividades veio a geração de informação analítica para monitorizar as competências organi-zacionais, reforçando o alinhamento com a estratégia.

O espírito de fazer diferente de forma simples.

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3.2.1 Objectivos da metodologia MLearnTendo como referência os resultados que se pretendem atingir com esta metodologia, conforme mencionado no ponto anterior, a MLearn apresenta os seguintes objectivos (Coelho, 2010):

(i) facilitar a explicitação, comunicação e controlo da estratégia, conferindo agilidade organizacional; (ii) integrar os vários projectos organizacionais (estratégia, BSC, SIADAP (1,2,3), Sistema de Informação, inovação, EFQM/ CAF, ERP, plano de formação, plano de actividades, projectos de gestão documental, workflow);(iii) criar um quadro claro de responsabilização individual e organizacional; (iv) ajudar a conceber e implementar um modelo de melhoria contínua, suporte da aprendizagem organizacional - terapia organizacional.

3.2.2 Conceitos e princípios orientadores A metodologia MLearn introduz alguns conceitos e princípios inovadores que importa apresentar e clarificar, nomeadamente:

(i) macro processo, na perspectiva de competência organizacional Uma competência organizacional traduz o que a organização tem de ser capaz de fazer para implementar a estratégia de negócio. Assume a natureza de um sistema que presta serviços a outros sistemas ou a entidades externas, os stakeholders estratégicos. Por macro processos entende-se o conjunto de recursos organizados em sistemas para assegurar as competências organizacionais. As competências organizacionais e os macro processos con-tribuem para o alinhamento estratégico e a clarificação de responsabilidades da Instituição e na Instituição.

(ii) processo, na perspectiva de workflowA execução das competências organizacionais concretiza-se através dos processos.O processo, considerado como workflow, corresponde à ca-mada inferior da arquitectura organizacional. Os processos são transversais aos macro processos e ao organograma.

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(iii) referencial organizacional (ought to be) A intervenção nas organizações não se inicia pela carac-terização da situação actual, normalmente designada pelo “as is”. Esta não se realiza sem primeiro se definir o âmbito de intervenção com base na arquitectura de macro processos, ou seja, o “ought to be”, a visão única da or-ganização e da estratégia, desenvolvida em workshops com envolvimento de todos os responsáveis pela organização. Uma vez definido o “ought to be”, este orientará o “as is” e a definição do “to be”.

(iv) definição de objectivos por competência organizacional Os objectivos não são definidos por processo, por pessoas, nem desdobrados pelo organigrama. Os objectivos são desdobrados pela arquitectura de competências organizacionais, sendo, pos-teriormente, atribuídos às unidades orgânicas e às pessoas. São definidos, assim, por competência organizacional. Os indicadores que controlam cada objectivo são definidos com base nos pontos de controlo dos macro processos, precisamente os que definem o início e fim de cada actividade. Os objectivos e indicadores definidos são a base para a definição dos critérios de avaliação de desempenho a todos os níveis da organização.

(v) definição dos requisitos de informação a partir das compe-tências organizacionaisOs requisitos de informação não são identificados através de entrevistas aos utilizadores. São definidos a partir das competências organizacionais. Todo o investimento em Sistemas de Informação deve ser justificado pela sua contribuição para o cumprimento dos objectivos dos macro processos sobre os quais incide e, pos-teriormente, estes devem então contribuir para o cumprimento dos objectivos organizacionais.

3.2.3 Factores críticos de sucesso

Tendo como referência os resultados obtidos com a aplicação da metodologia ao longo de vários anos, bem como a discussão em ambiente académico, segundo Coelho (2003) podem ser identifi-

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cados alguns factores críticos de sucesso para a implementação de um modelo de melhoria contínua dirigido para um efectivo cumprimento da estratégia: (i) a focalização na estratégia e na organização como um todo; (ii) a adopção de uma abordagem de terapia organizacional; (iii) a gestão de conhecimento; (iv) a mo-delação da arquitectura empresarial centrada nos macro processos de forma sistémica e orientada a objectos; (v) o desdobramento dos objectivos estratégicos com base na arquitectura de macro processos; (vi) a definição de um modelo de melhoria contínua e respectiva equipa de implementação.

3.2.4 Estrutura

A metodologia MLearn assenta numa abordagem integrada e en-contra-se organizada na estrutura que se apresenta no Quadro dois.

Etapas

1ª Etapa:Clarificação da estratégiado negócio

2ª Etapa:Desenvolvimento da

arquitectura das competências

organizacionais

Ref

eren

cial

org

aniz

acio

nal

estra

tégi

co

(Continuação)

1. Clarificação da estratégia a médio prazo: clarificar a missão,

a visão e traduzir a estratégia em objectivos e indicadores a médio prazo;

2. Identificação dos modelos de contexto externo e das compe-tências organizacionais ou macro processos de primeiro nível;

3. Diagnóstico do desempenho da Instituição face aos stakehol-ders estratégicos;

4. Clarificação da estratégia a curto prazo: identificação das preocupações a curto prazo, definição dos objectivos e indicadores a curto prazo e refinamento da consistência dos objectivos;

5. Definição das prioridades de intervenção: elaboração da matriz de cruzamento objectivos/macro processos, identificação das prioridades de intervenção nos macro processos e definição das prioridades dos projectos e acções.

1. Explicitação da estratégia organizacional através da concepção da arquitectura organizacional definida com base em compe-tências organizacionais (processos de 1º nível);

2. Decomposição dos macro processos de 1º nível em sub-processos organizacionais de níveis inferiores até ao nível elementar;

3. Para cada competência organizacional procede-se aos diagnóstico e identificação das preocupações do macro processo, definição de objectivos e indicadores e refinamento da consistência dos objectivos. Define-se as fronteiras organizacionais e respectivos protocolos e níveis de serviço.

Quadro 2 – Etapas principais da metodologia MLearn

Pontos Principais

Page 84: Proelium I

- 84 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

1. Definição de cada macro processo elementar (competência organizacional elementar);

2. Para cada macro processo elementar identificam-se as activi-dades e dentro destas as tarefas;

3. Para as actividades e tarefas são definidas as preocupações, os objectivos e indicadores.

1. De acordo com a orientação do referencial organizacional definido nas etapas anteriores e tendo presente as prioridades definidas na estratégia, procede-se à realização dos projectos de melhoria, intervindo ao nível das tarefas;

2. Em cada tarefa são definidas as operações, as instruções e regras de negócio retratando o “As Is”, completando-se com o levantamento de documentos e outra informação considerada necessária para os objectivos dos projectos.

1. Os cenários são sequências de tarefas que permitirão desenhar os macro processos, através da representação gráfica das suas operações, instruções e regras;

2. Os processos são desenhados na perspectiva de workflow; 3. Os cenários e os processos são ferramentas de análise destina-

das a apoiar a melhoria das tarefas e a definição dos sistemas de informação;

4. O desenho dos macro processos ajuda na identificação de me-lhorias e na especifição das necessidades de informação quer para implementar em ERPs, CRMs, SCMs, BPMS, quer em outras aplicações informáticas.

1. Definição do modelo de melhoria continua; 2. Definição dos gestores e coordenadores de melhoria dos

macro processos;3. Definição do plano de melhoria;4. Implementação e controlo do plano de melhoria;5. Os projectos são alinhados pela estratégia e competências

organizacionais. 1. Identificação dos requisitos de informação; 2. Especificação de sistemas aplicacionais;3. Selecção de aplicações informáticas.1. Parameterização das aplicações informáticas;2. Aceitação das aplicações informáticas; 3. Manutenção do Sistema de Informação; 4. Formação dos utilizadores.1. Definição de competências e funções;2. Definição dos critérios de avaliação de desempenho;3. Definição das necessidades de formação;4. Definição de cartas de compromissos de gestão.1. Diagnóstico de melhorias face às normas da qualidade e do risco;2. Planeamento e controlo da implementação de melhorias;3. Adequação do manual de gestão.

3ª Etapa:Modelação das competências

organizacionais elementares

4ª Etapa: Modelação e melhoria

de uma tarefa

5ª Etapa: Desenho de cenários

e processos

6ª Etapa: Planeamento e controlo da implementação do modelo de melhoria

contínua

7ª Etapa: Planeamento dos Sistemas

de Informação

8ª Etapa: Controlo da

implementação deaplicações informáticas

9ª Etapa: Recursos Humanos

10ª Etapa: Referenciais da

qualidade e riscooperacional

Mod

elo

a im

plem

enta

r

Page 85: Proelium I

- 85 -

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

4. ABORDAGEM PELA GESTÃO ESTRATÉGICA – METODOLOGIA MLEARN NO IGEOE

Neste ponto pretendemos demonstrar sumariamente a aplicação da meto-dologia MLearn a uma organização pública, que aplica a norma ISO 9001, para reforçar o seu modelo de funcionamento e de melhoria contínua, numa perspectiva integrada, com orientação a processos e aos stakeholders, baseado no conceito de competências organizacionais. Para implementar a metodologia torna-se necessário, numa primeira fase, clarificar o referencial organizacional estratégico “ought to be”, para de-pois focando o “as is” implementar o “to be” (o modelo a implementar). A aplicação da metodologia ao IGeoE segue estas duas grandes etapas: o referencial organizacional estratégico e o modelo a implementar.

4.1 Referencial organizacional estratégico (ought to be)

Para a clarificação do referencial estratégico (ought to be), de acordo com a metodologia é necessário percorrer três etapas: clarificar a estratégia de negócio; desenvolver a arquitectura de competências organizacionais; modelar as competências organizacionais elementares.

4.1.1 Clarificação da estratégia do negócio (etapa 1)Nesta etapa de clarificação da estratégia é importante clarificar a missão e a visão da organização, definir o modelo de motiva-ções, definir o modelo de contexto externo e as competências organizacionais de primeiro nível (macro processos de 1º nível). Estas questões são importantes para a clarificação da estratégia a médio prazo. Posteriormente, há que clarificar a estratégia de curto prazo, bem como as suas prioridades de intervenção. São estes os pontos que apresentaremos de seguida.

• Clarificação da missão e visão da organização O desenvolvimento da estratégia começa com a clarificação da missão e da visão e deve transmitir uma ideia clara e útil para os elemen-tos de toda a organização. Quando comunicados para o exterior da organização devem exprimir o que a comunidade pode esperar dela. A missão da organização é “(...) a bússola interna que guia as suas acções (...)” (Kaplan e Norton, 2009, p. 28). A missão é uma afirmação breve que descreve o objectivo fundamental da organi-zação, especialmente no que fornece aos stakeholders estratégicos.

Page 86: Proelium I

- 86 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

Quadro 3 – Missão actual e proposta

Missão actual Missão proposta

Conceber, produzir e comercializar infor-mação geográfica

Prover com informação geográfica o Exército, os outros ramos das Forças Armadas e comunidade civil, devendo, para tal, assegurar a execução de actividades relacionadas com a ciência geográfica, a técnica cartográfica e a promoção e desenvolvimento de acções de investigação científica e tecnológica, no domínio da geomática.

A visão traduz os resultados de médio prazo que a organização pretende atingir. É uma fotografia tirada hoje do futuro desejado da organização.

Quadro 4 – Visão actual e proposta para o IGeoE

Visão actual Visão propostaSer o principal fornecedor nacional de informação geográfica base, adequada à satisfação dos clientes no respeito pela res-ponsabilidade social e pela legislação aplicáveis, garantindo a sua viabilidade económica.

Ser o principal fornecedor de informação geográfica portuguesa e ser considerado uma referência a nível internacional pela qualidade do produto e do serviço prestado.

FINANCEIROS

COLABORADORES

InstitutoGeográficodo Exército

(IGeoE)CLIENTESSOCIEDADE

Figura 1 – Modelo das motivações do IGeoE

Uma vez clarificada a missão e definida a visão é necessário traduzir a estratégia em objectivos e indicadores de médio prazo. Contudo, para que tal seja possível, é necessário identificar as motivações do IGeoE para a sua existência e concretização da missão. Na Figura 1 evidenciamos o modelo de motivações do IGeoE.

Page 87: Proelium I

- 87 -

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

• Objectivos estruturantes (médio prazo) e seus indicadoresUma vez definida o modelo de motivações, estamos em condições de traduzir a estratégia do IGeoE em objectivos e indicadores de médio prazo, espelhando a visão da organização. Assim, no quadro 5, tendo como referência as motivações a clientes/merca-dos, a motivação financeira, a motivação sociedade, definimos os objectivos estruturantes, expressos, posteriormente, em indicador-fórmula, periodicidade de avaliação e tipologia.

Quadro 5 – Objectivos estruturantes propostos para o IGeoE

Objectivo

A. Fidelizar os clientes

B. Promover a ima-gem do IGeoE

C. Fornecer produtos actualizados.

D. Garantir a inova-ção dos produto.

Indicador

A.1. Índice de fidelização

B.1. Índice de notoriedadeC.1 Índice de actuali-

zações dos artigos nos produtos exis-tentes (1:25000)

D.1. Índice de diferenciaçãoD.2. Investimento re-

lativo em I & D

Fórmula

(%) nº clientes com duas ou + vendas nos últimos 5 anos/ n.º clientes total com qualquer venda nos últimos 5 anos% de aceitação / Nº total de votantes

(n.º artigos actualizados dum produto/ n.º total de artigos dum produto)

Número de novas gamas de produtos (últimos 5 anos)

Investimento em ID/ total de receitas (projectos)

Periodicidade

Anual (jane-la temporal =

5 anos) Anual

Anual

Anual

Anual

Tipo

Qualidade

Qualidade

Qualidade

Qualidade

Qualidade

Motivação Clientes/Mercados

E. Aumentar a renta-bilidade das ven-das e prestação de Serviços

F. Aumentar as ven-das e as presta-ções de serviço

G. Preservar o am-biente

E.1. rentabilidade das vendas (produtos e serviços)

E.2. % CMVC/vendas

F.1. Volume de vendas e prestações de serviço

G.1. custo de energia/ kg de material produzido

Resultados operacionais do exercício/ volume de vendas

CMVC do exercício/ volume de vendas

Volume de vendas (n)/ volume de vendas (n-1)

Investimento ambiental / total de investimento

Semestral

Semestral

Semestral

Anual

Rentabilidade

Rentabilidade

Rentabilidade

Ambiental

Motivação Financeira

Motivação Sociedade

• Modelo de contexto externo (stakeholders estratégicos)Nesta fase da etapa de clarificação da estratégia de negócio de procura-se identificar o modelo de contexto externo, isto é identificar os stakeholders estratégicos. Por stakeholders estratégico entendem-se

Page 88: Proelium I

- 88 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

todas as entidades externas que condicionam a estratégia do IGeoE e que em simultâneo podem ser influenciadas pela Instituição, no sentido de conseguir facilitar a sua estratégia (Coelho 2009). No caso do IGeoE estes serão os que se representam na Figura 2.

Figura 2 – Modelo dos Stakeholders

O Exército (e algumas das suas sub-unidades), é o principal cliente e simultaneamente o seu principal fornecedor. Os for-necedores (e.g. Intergraph) representam o fluxo de relaciona-mento para fornecer o material necessário à cadeia de produção do IGeoE.Quanto aos cliente, são identificados vários, como empresas, Câmaras Municipais, outras Entidades e organismos públicos. Por fim, representamos os próprios colaboradores internos ao IGeoE.

• Diagnóstico do desempenho organizacional (preocupações)O passo seguinte consistiu no diagnóstico das preocupações do IGeoE relativas à implementação da estratégia a curto prazo. O Quadro 6 resume o diagnóstico efectuado no IGeoE, definindo os objectivos e indicadores a curto prazo e refinamento da con-sistência dos objectivos. Uma vez definidos todos os requisitos para a clarificação da es-tratégia de negócio, passamos, então, à etapa seguinte: desenvol-vimento da arquitectura de competências organizacionais.

EXÉRCITO/CLIENTE

CLIENTES

InstitutoGeográficodo Exército

(IGeoE)

EXÉRCITO(RH)

FORNECEDORES

EXÉRCITO(Financeira)

EXÉRCITO(Engenharia)

EXÉRCITO(SI/TI)

EXÉRCITO(Equipamento)

COLABORADORES(IGeoE)

Page 89: Proelium I

- 89 -

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

Figura 4: Modelo dos Stakeholders

FORNECEDORES / INTERGRAPH

CONCORRENTES

COLABORADORES

1 U (Unidade): E (Euro), S (escala de 1 a 5), % (Percentagem), N (Número). 2 P (Periodicidade): M (mensal), T (trimestral), S (semestral), A (anual).3 T (Tipo): Q (Qualidade), R (Rentabilidade), A (Ambiental)

2. Produtos não cum-prem os requisitos do cliente (Cliente/B, C, D, E)

3. Produção de bens sem preocupações de eficiência energética (G, E)

1 . I ncapac idade de acompanhar a evo-lução tecnológica

1. Perda de cota no mercado nacional (A, B, C, D, E)

2. Competitive Inteligen-ce do IGeoE abaixo dos concorrentes (A, D, F)

1. Colaboradores insatis-feitos (A, B, C, D, E)

2. Colaboradores sem competências adequa-das ao perfil desejado (E, G)

2. Garantir o cumprimen-to dos requisitos dos clientes (A;B.C;D, E)

3. Produzir com eficiên-cia energética (G; E)

1. Garantir a capacidade de acompanhar a evolução tecnológica (C; D)

1. Manter cota de mer-cado (A; B; C; D; E)

2. Aumentar a compe-titividade face aos concorrentes (A; D; F)

1. Garantir a satisfação dos colaboradores (A, B, C, D, E)

2. Garantir adequação às competências necessá-rias (E; G)

2.1. Custo das devoluções (B.1; E.1)

2.2. Satisfação do Cliente / Produto (Inquérito da qualidade) (A.1; B.1; E.1))

2.3. N.º de erros detectados / total de vistorias (A.1; B.1)

3.1. Investimento em efici-ência energética (G.1)

1.1. Valor gasto em formação (C.1; D.1; D2))

1.1. Medir o diferencial de competitividade (A.1; B.1; C.1; D.1; E.1)

2.1. Valor gasto com segu-rança da informação (A.1; D.1; F.1; D2))

1.1. Índice de satisfação do colaborador (A.1, B.1, C.1, D.1, E.1)

1.2. Melhorias implemen-tadas/ melhorias su-geridas

2.2. funcionários com com-petências adequadas (funcionário e total)/ total de investimento (G.1;

5% (custos das devolu-ções / total de vendas)

E M R

% A Q

N Q

E S R/Q

E T RH

E M R

E A Q

E A Q

% A Q

E S Q

Quadro 6: Mapa das preocupações a curto prazo

U 1 P 2 T 3

E T Q

S A Q

Preocupações

1. Serviço ao cliente não adequado (Cliente estrangeiro - A, E)

Objectivos Operacionais

1. Adequar o serviço ao cliente (A,F)

Indicadores

1.1. Perdas de negócio por desadequação do serviço (A.1; F.1)

1.2. Índice de satisfação do cliente com o serviço prestado (E.1)

Impacto

5% (perdas de negócio / total de vendas)

EXÉRCITO / CLIENTES

Page 90: Proelium I

- 90 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

4.1.2 Desenvolvimento da arquitectura das competências organizacionais (etapa 2)

Nesta etapa procuramos explicitar a estratégia de negócio através do desenvolvimento da arquitectura das competências organizacionais (os macro processos de 1º nível), entendidas como o que a Instituição tem de ser capaz de fazer para implementar a sua estratégia de negócio rumo à visão para concretizar a missão (Coelho, 2009). Assim, uma vez definidas as competências organizacionais há que decompor os macro processos de primeiro nível em macro processos organizacionais de níveis inferiores até ao nível elementar. Posteriormente, para cada competência organizacional procede-se ao diagnóstico e identificação das preocupações do processo, definição de objectivos e indicadores e refinamento da consistência entre os objectivos. Por fim, definem-se as fronteiras organizacionais e respectivos protocolos e níveis de serviço.

• Modelo de competências organizacionais de 1º nívelNa Figura 3 podemos identificar as principais competências (macro processos) do IGeoE, das quais para efeitos de demonstração da metodologia optamos pela análise da competência <Gerir SI/TI>, ou seja pela obtenção do seu modelo de arquitectura de compe-tências de nível dois.

Figura 3 – Modelo de Arquitecturas das Competências – Nível 1

Page 91: Proelium I

- 91 -

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

As competências organizacionais principais são as que se encontram ligadas estreitamente à cadeia de valor da Insti-tuição e asseguram mais directamente o negócio, nomeada-mente ao nível da angariação de negócio e da resposta aos compromissos assumidos com clientes (Coelho, 2009). Po-demos identificá-las na Figura 3, no interior do círculo mais interno (e.g. Gerir e Promover Produto/Serviço), sendo que é mais facilmente percebida pelos clientes qualquer falha nas competências organizacionais principais do que nas de suporte (Coelho, 2009). As competências organizacionais de suporte têm como finalidade criar condições para um bom funcionamento da Instituição através da emissão de orientações e fornecimentos de recursos (Coelho, 2009). Podemos identificá-las na Figura 3, no círculo mais externo (e.g. Gerir SI/TI).

• Relação dos objetivos operacionais com os estruturantesNesta fase, pretendemos definir os objectivos operacionais, ou de curto prazo, que representam os factores críticos de sucesso, para a concretização dos objectivos estruturantes, na relação da Instituição com os stakeholders estratégicos. No caso do IGeoE sugerimos os objectivos estruturantes, os ope-racionais, os indicadores estruturantes, os indicadores operacionais, todos relacionados com as competências organizacionais.No Quadro 7 apresentamos o contributo de todos os objectivos operacionais em cada objectivo estruturante, numa escala de 1

1. Ad

equa

r o se

rviço

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clien

te (A

,F)

2. G

aran

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imen

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isito

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; B;C

;E)

3. Pr

oduz

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cia en

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G; E

)1.

Gar

antir

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D)

1. M

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; B; C

; D; F

)2.

Gar

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gur.

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form

ação

(A; D

; F)

1. G

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satis

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(A, B

, C, D

, E, F

)2.

Gar

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p.

nece

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C; D

, F)

Quadro 7 – Mapa de Objectivos Estruturantes vs Objectivos Operacionais

A. Fidelizar os clientesB. Promover a imagemC. Fornecer produtos actualizadosD. Garantir a inovação do produtoE. Aumentar a rentabilidade das vendas

e prestação de ServiçosF. Aumentar as vendas e as prestações

de serviço G. Preservar o ambiente

Prioridade Calculada

1 3 3 2 2 2 2 1 1 3 3 2 2 2 1 1 2 3 3 3 2

2 2 2

3 2 3 3 2 1 3

1 3

1 3 1 2 2 2 3 3

Objetivos Operacionais ==>

Objectivos Estruturantes

Page 92: Proelium I

- 92 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

a 3 (1: impacto menor). Desta forma calculamos o impacto do objectivo operacional na concretização do objectivo estruturante, orientado às competências organizacionais. No Quadro 8, podemos analisar, numa escala percentual de 0 a 100, o grau de contribuição de cada indicador do objectivo opera-cional relativamente a cada indicador de objectivos estruturantes.

No Quadro 9, são definidos os objectivos operacionais determi-nantes para a concretização competências organizacionais.

1. A

dequ

ar o

ser

viço

ao

clie

nte

(A,F

) 2.

Gar

antir

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prim

ento

dos

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dos

prod

utos

(A

; B

;C;E

) 3.

Prod

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; E)

1.

Gar

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a

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ução

tecn

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C; D

)1.

Man

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de

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cado

(A

; B

; C

; D

; F)

2.

Gar

antir

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for-

maç

ão (

A;

D;

F)

1. G

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isfa

ção

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, B

, C

, D

, E, F

)2.

Gar

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r a

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ação

ad

equa

da à

s com

pete

ncia

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cess

ária

(C

; D

, F)

P 4 P 5

1 3 1 2 2 2 3 3 2 3 3 3 2 2 2 34 3 3 3 1 3 1 2 28 2 2 2 3 1 3 2 28 2 1 2 3 2 2 2 27 2 1 1 2 2 3 2 25 2 3 1 1 3 1 2 22 2

Conceber Novos Produtos / ServiçosProduzir Cartografia Gerir SI/TIGerir EstratégiaGerir Recursos HumanosGerir e Promover o Produto/Serviço

Objetivos Operacionais =>

Competências Organizacionais

Quadro 9 – Mapa de Competências Organizacionais versus Objectivos Operacionais

4 Pontos calculados com base na soma ponderada do produto de cada importância dada a cada objectivo operacional para cada competência da organização pela prioridade calculada do Quadro 9.

5 Prioridade calculada com base na ordenação da pontuação calculada.

1.1.

Per

das

de n

egóc

io p

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esad

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ção

do s

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.1; F

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1.2.

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m

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(E.1

)

2.1.

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2.2. S

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ção d

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nte /

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ué-

rito

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) (A

.1; B

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2.3. N

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s dete

ctado

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(A.1

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stim

ento

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bien

tal

1.1.

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r gas

to e

m fo

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1.1.

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???

2.1.

Valo

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, B.1

, C.1

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2.2. I

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rio

e tot

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nves

timen

to (G

.1)

A.1. Índice de fidelizaçãoB.1. Índice de notoriedadeC.1. Índice de actualizações dos artigos nos produtos

existentes (1:25000)D.1. Índice de diferenciaçãoD.2. Investimento relativo em IDE.1. Rentabilidade das vendas (produtos e serviços)E.2. % CMVC/vendasF.1. Volume de vendas e prestações de serviçoG.1. Custo de energia/ kg de material produzido (G.1)

20% 30% 10% 30% 10% 10% 20% 10% 40% 20%

40% 20% 40%

40% 40% 20% 50% 50% 15% 40% 15% 15% 15% 15% 40% 15% 15% 15% 70% 30%

Indicadores dosobjectivos

operacionais

Indicadores dos objectivos estruturantes

Quadro 8 – Mapa de Indicadores dos Objectivos Estruturantes versus Operacionais

(Continuação)

Page 93: Proelium I

- 93 -

Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

4.1.3. Modelação da competência organizacional elementar de nível 2 “Gerir SI/ TI” (etapa 3).

Por vezes, uma competência organizacional de primeiro nível poderá conter vários objectos. Isto significa que, em princípio, vai existir uma sub-competência organizacional por objecto. Quando isto acontece, cada sub-competência organizacional será respon-sável pelo ciclo de vida de pelo menos um objecto. Em suma, as competências organizacionais do primeiro nível que contêm sub-competências organizacionais iguais (e.g. várias competências organizacionais de compra) representam diferentes equipas com recursos e métodos de trabalho diferentes. Contudo, pelo facto de estarem debaixo da mesma competência organi-zacional, significa que actuam segundo as mesmas orientações (Coelho, 2009). Desta forma, da competência de primeiro nível designada por <Gerir SI/TI>, resultaram as competências assinaladas na Figura 4 – Modelo de arquitectura das competências de segundo nível. Cada competência organizacional deve ser desdobrada nas com-petências mais elementares, de níveis inferiores, traduzindo-se no processo mais elementar. Ou seja, para a competência orga-nizacional <Gerir SI/TI> vamos definir o processo elementar. Chegamos, assim, à terceira etapa da aplicação da metodologia: modelação de competência organizacional elementar. Para efeitos de demonstração escolhemos a competência elementar <Responder aos Pedidos>.

Vender Cartografia e ServiçosMelhoria ContinuaGerir SegurançaGerir Infra-estruturasGerir ClientesGerir Recursos Financeiros

2 2 3 1 2 22 2 1 2 1 1 1 2 1 21 2 2 1 2 3 2 21 2 1 2 1 2 2 15 1 2 3 2 14 1 1 2 1 2 13 1

1. A

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(A,F

) 2.

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1. G

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)2.

Gar

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form

ação

ad

equa

da à

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ncia

s ne

cess

ária

(C

; D

, F)

P 4 P 5

Objetivos Operacionais =>

Competências Organizacionais

Page 94: Proelium I

- 94 -

ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

Uma vez definida a arquitectura das competências organizacionais de segundo nível para a competência organizacional de primeiro nível <Gerir SI/TI>, procuramos no Quadro 10 avaliar, numa escala de 1 a 3, o impacto das competência organizacionais de segundo nível para a concretização dos objectivos da competência organizacional “âncora” de primeiro nível.

Quadro 10 – Mapa de Objectivos da Competência Organizacional de 1º Nível GSI/TIC versus Competência Organizacional de 2º Nível SI/TIC

Objectivos de Gerir SI/TI

(Competência Organizacional 1º Nível)

Plan

ear

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SI/T

I

Res

pond

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log.

Competências Organizacionais (CO2)

3 1 1 2 1 3 3 2 3 3 3 2 1 1 3 3 3 2 1 3 2 2 2 3 2 1 1 1 1 3 3 3 1 1 1 1 1 2 2 2 2 3 1 2 1 1 3 3 2 1 2 1 2 3 1 1 1 1 1 1 1 2 2

3 1 1 3 2 1 2 2 2 3 26 20 22 19 47 46 32 48 2 1 1 1 3 3 2 3

Garantir a actualização permanente do siteGarantir eficácia na segurança da informaçãoInstalar eficazmente softwareGerir Correio ElectrónicoManter intranetGerir requisitos para SIGestão de utilizadores da LANEficiência energética, do consumo de água e dos resíduos produzidosGestão de BackupsResolver avarias de HW

escala: 1-3

P

Figura 4 – Modelo de Arquitecturas das Competências de 2º nível– Gerir SI/TI

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Figura 5 – Modelo de actividades da competências de 2º nível <Responder aos Pedidos>

Podemos observar no Quadro 10 que: <Gerir manutenção>, <Ge-rir operações> e <Identificar oportunidades tecnológicas> são as competências organizacionais mais elementares da competência de 1º nível <Gerir SI/TI> com maior impacto na concretização dos objectivos dessa competência organizacional de 1º nível. Para modelar o processo elementar, vamos identificar as activida-des e, dentro destas, as tarefas, escolhendo para demonstração da metodologia a competência de 2º nível <Responder aos pedidos>. Assim, no ponto que se segue demonstraremos a modelação da competência organizacional elementar.

• Modelação da competência organizacional mais elementarUma vez modelada a competência organizacional de 1º nível <Gerir SI/ TI> nas competências organizacionais de 2º nível, na Figura 5, apresentamos o modelo de actividades para a competência organizacional de 2º nível <Responder aos pedidos>. Queremos com isto dizer que, para a competência organizacional de 2º nível <Responder aos pedidos>, vamos identificar as suas competências mais elementares ou melhor as suas actividades.

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Como já mencionado, uma vez chegado à competência organizacio-nal mais elementar, associada a ela temos um processo elementar, onde se identificam as actividades e, dentro delas, as tarefas. Para efeitos de demonstração da aplicação da metodologia, optamos pela definição da actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>. É importante salientar que, na competência mais elementar <Responder aos Pedidos>, consideramos apenas o objecto principal estruturante <Pedido>. Os seus atributos estão indicados no Quadro 12.

A avaliação do impacto das actividades inerentes à competência organizacional de 2º nível na concretização dos objectivos dessa competência organizacional podem ser analisados no Quadro 11.

No processo elementar <Responder aos Pedidos>, considera-se fundamental a existência de um ponto de controlo para validar e informar os clientes do estado do seu pedido, antes de planear a execução do pedido. Deste modo, considera-se que existe uma actividade designada por <Validar e informar Estado do Pedido> que contém todas as tarefas a realizar desde o estado inicial do pedido <Validar Pedido> até ao estado final <Confirmar Pedido>.

Quadro 12 – Atributos do processo elementar <Responder aos Pedidos>

Finalidade Objecto de Estado Estado Critérios de Sucesso Negócio Inicial Final

Satisfazer os pedidos clientes do IGeoE.

Pedido Pedido Recebido

Pedido executado

Pedido executado de acordo com os requisitos;

Tempo médio de execução.

Quadro 11 – Objectivos de responder aos pedidos

PPlanear e Controlar

SI/TI

Validar eInformars/ Pedido

Planear Pedido

Garantir Entrega

do Pedido

Registro adequado do pedidoValidar competência da entidade requisitanteO pedido está enquadrado no planeamentoResponder atempadamenteResponder em conformidadeConfirmação de que existem recursos adequadosInformar sobre estado do pedido

Importância (escala: 1-3)

3 1 3 1 1 2 2 3 3 3 2 1 1 3 1 3 1 1 3 3 2 2 2 1 3 1 12 23 19 14 2 3 2 2

Actividades

Objectivos de Responder aos Pedidos (Competência Organizacional 2º Nível)

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Quadro 13 – Atributos da Actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>

Finalidade Objecto de Negócio

EstadoInicial

Estado Final Critérios de Sucesso

Validar as condições necessárias para confirmar a responsabilidade de responder ao pedido de acordo com os requisitos solicitados e regras em vigor na Instituição

Pedido PedidoRecebido

Pedido confirmado

Confirmação correcta dos pedidos; Tempo médio de confirmação dos pedidos.

Figura 6: Modelo de tarefas da actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>

Na actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>, consideramos apenas o objecto principal estruturante <Pedido> e os atributos indicados no Quadro 13.

Na Figura 6 são identificadas as tarefas que representam a actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>, cuja finalidade consiste em registar o pedido e confirmar a sua execução.

Na tarefa <Validar Pedido>, consideramos os atributos indicados no Quadro 14, cuja finalidade é registar o pedido e validar o seu preenchimento.

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De acordo com a metodologia MLearn é fundamental descrever as tarefas através das suas operações, instruções e regras. Para efeitos de aplicação da metodologia, no Quadro 15 e 16, procuramos fazer uma análise da tarefa <Validar Pedido> .

Quadro 16 - Objetivos de validar pedidos

Registro adequado do pedidoValidar competência da entidade requisitanteO pedido está enquadrado no plane amentoResponder atempadamenteResponder em conformidadeConfirmação de que existem recursos adequadosO requisitante deve ser informado sobre o pedido

escala: 1-3

3 3 2 3 2 3 2 1 1 3 1 3 1 1 3 1 3 3 2 1 3 14 11 30 14 1 1 3 1

TarefasConfirmar o Estado do

Pedido

P l a n e a r Objectivo

Validar Competência

ReceberPedido

Objectivos de Validar e Informar s/ Pedidos (Actividade) P

Quadro 15 - Operações da Tarefa <Validar Pedido>

Input: receber o pedido via email ou formulário.

Instrução: utilizar a aplicação <Gestão de Pedidos>.

Passos: • Confirmar a autenticidade do cliente.• Confirmar competência para pedido.• Confirmar plano de actividades anual.• A regra de negócio X é desta operação

Passo: mudar o estado do pedido para preenchimento validado

Output: pedido com preenchimento validado (confirmado só no final da actividade, na última tarefa.

Regra de negócio n.º X: Caso o pedido não esteja planeado, deve-se validar a capacidade da sua realização, o prazo previsto de realização e informar dentro de imediato o cliente.

1. REGISTAR PEDIDO NO SISTEMA

2. VALIDAR E CONFIR-MAR COMPETÊNCIA

3. CONFIRMAR PEDIDO

REGRAS DO NEGÓCIO

Finalidade Objecto de Estado Estado Critérios de Sucesso Negócio Inicial Final

Registrar o pedido e validar preenchimento do pedido Pedido Pedido

RecebidoPedido

confirmado

Tempo médio de validação do preenchimento dos pedidos.Validação correcta dos requisitos do preenchimento dos pedidos

Quadro 14 – Atributos da Tarefa <Validar Pedido>

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Gestão do desempenho em orGAnismos públiCos: umA CompArAção de AbordAGens

4.2 Modelo a implementar (to be)

De acordo com o referencial organizacional estratégico definido nas etapas anteriores, e tendo presente as prioridades definidas na estratégia, a organização está em condições para iniciar a definição do modelo a implementar confrontado o “ought to be” com o “as is”. Assim, de acordo com a metodologia, na fase “to be”, a organização deve percorrer mais algumas etapas (da etapa 4 à etapa 9) estruturadas da seguinte forma: modelação e melhoria de uma tarefa; desenho de cenários e processos; planeamento e controlo da implementação do mo-delo de melhoria contínua; planeamento dos Sistemas de Informação; controlo da implementação de aplicações informáticas; recursos humanos; referenciais de qualidade e risco operacional. Neste artigo apenas demonstraremos a etapa 4 “modelação e melhoria de uma tarefa” e a etapa 5 “desenho de cenários e processos”.

4.2.1 Modelação e melhoria de uma tarefa (etapa 4)De acordo com o referencial organizacional estratégico e com base nas prioridades definidas na estratégia, nesta etapa a organização procede à realização dos projectos de melhoria, intervindo ao nível das tarefas. Para cada tarefa devem ser definidas as operações, as instruções e regras de negócio retratando o “as is”, completando-se com o levantamento de documentos e outras informações determinantes para a concretização dos objectivos do processo.

4.2.2 Desenho de cenários e processos (etapa 5)Um cenário são sequências de tarefas que permitem desenhar os processos, através da representação gráfica das suas operações, instruções e regras (Coelho, 2010).Um processo, de acordo com a metodologia MLearn é um conjunto de operações, instruções e regras pertencentes às tarefas de um cenário, cuja vantagem reside no seu alinhamento com a estratégia.Em termos metodológicos, segue-se a modelação dos cenários da actividade <Validar e Informar Estado do Pedido> que, posterior-mente, permitirá a definição de um processo ou mais processos. Os processos são desenhados na perspectiva de workflow.O desenho de cenários e processos permitem apoiar a melhoria das tarefas e a definição dos Sistemas de Informação. Por outro

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lado, permite, também, ajudar na identificação e especificação das necessidades de informação para implementar, quer em ERPs, CRMs, BPMs ou outras aplicações informáticas. Nas Figuras 7, 8 e 9 representamos os cenários possíveis sobre as tarefas da actividade seleccionada para apresentar a metodologia. A obtenção de um processo resulta, normalmente, de um cenário transversal a macro processos e a competências organizacionais distintas, no entanto no caso dos cenários apresentados estes traduzem apenas excertos de cenários pertencentes à mesma com-petência organizacional GSI/TIC. Um cenário tende dar resposta completa ao estímulo.

Figura 7 - Workflow I dos Cenários da Actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>

Figura 8 - Workflow II dos Cenários da Actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>

CENÁRIO 1: Pedido existe no plano de actividades

CENÁRIO 2: Pedido não contemplado no plano de actividades, mas já anteriormente realizado (i.e. existe histórico)

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5. CONCLUSÕES

A metodologia MLearn, enquanto referencial de intervenção organizacio-nal, é resultado da combinação de várias contribuições para introduzir ou reforçar um modelo de funcionamento e de melhoria contínua, numa perspectiva top down, integrada e sistémica, com orientação a processos e aos stakeholders, baseado no conceito de competências organizacionais. Oferece uma linguagem e uma abordagem integrada a várias áreas de intervenção organizacional, nomeadamente: Gestão da Estratégia, Quali-dade Total, Reengenharia, Controlo da Gestão, Gestão do Conhecimento, Gestão de Recursos Humanos, Risco Operacional, Inovação e gestão orientada a processos (Coelho, 2010). Em termos de resultados, a adopção da MLearn permite: expressar a estra-tégia em níveis de objectivos e indicadores, garantir o entendimento único da estratégia, o comprometimento colectivo com a estratégia, a definição das bases essenciais para o alinhamento estratégico de toda a organização e a aquisição de um olhar diferente para a organização, potenciando a inovação. Neste estudo de caso exploratório, demonstra-se a importância da adopção de um modelo organizacional, mesmo em organizações que utilizam com sucesso as normas ISO. A metodologia MLearn é eficaz no diagnóstico organizacional, capaz de promover mudanças organizacionais. Este estudo, para além dos aspectos positivos e contributos, supra mencio-nados, comporta algumas limitações. A primeira é a dimensão do mesmo.

Figura 9 - Workflow III dos Cenários da Actividade <Validar e Informar Estado do Pedido>

CENÁRIO 3: Pedido não contemplado no plano de actividades e extraordinário(i.e. não existe histórico)

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Quando se iniciou o estudo empírico, pretendia-se aplicar todas as etapas a metodologia, cujo resultado se traduziria, certamente, numa investigação mais enriquecida. Contudo, tal não foi possível, pois a dimensão e a natu-reza dum estudo desse género não se compatibiliza com o limite temporal disponível para a realização do mesmo. Por isso, considerou-se ser mais conveniente e proveitoso centrar a análise neste estudo exploratório apenas em algumas das suas etapas (da etapa 1 à etapa 5). Apesar destas limitações, pode-se dizer que este estudo constitui um observatório de ensaio para a aplicação da metodologia, retirando daí os inputs necessários ao sucesso da sua aplicação, em futuros projectos. A criação de modelos organizacionais, criando arquitecturas referenciais que possam orientar as práticas organizacionais dos serviços públicos em Portugal é uma área que suscita investigação. Espera-se com este estudo contribuir para a implementação de um modelo de melhoria contínua que proporcione um salto qualitativo na maturidade do exercício de gestão dos serviços públicos e um aumento significativo na sua eficiência, agilidade e qualidade serviço prestado reflectindo-se no desempenho organizacional. Acrescenta-se, assim, que estes são os contributos do estudo para a área académica, suscitando interesse pelo desenvolvimento e consolidação da metodologia. Que instrumentos e referencias organizacionais são usados pelos organismos públicos em Portugal? Como estão a gerir e a avaliar o desempenho? Exis-tem preocupações estratégicas? Como as desenvolveram? Que modelos de engenharia organizacional utilizam? São questões de exploração pertinentes para futuros trabalhos. Com este estudo pretendeu-se principalmente testar a aplicação da metodologia, validar o seu processo de implementação e dar um apoio, um contributo e uma orientação às organizações públicas que queiram iniciar-se, neste caminho de melhoria organizacional, através de processos de engenharia organizacional.

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Gestão, estrAtéGiA empresAriAl e estruturA orGAnizACionAl: redesCobrir A AlteridAde

David Miguel Pascoal Rosado (*)

Major de Administração Militar (Doutor)

(*) Doutor em Sociologia (2008), Mestre em Ciência Política – Cidadania e Governação (2001) e Licenciado em Ciências Militares, na especialidade de Administração Militar (1998). Entre outros cursos, está habilitado com o Curso Avançado de Gestão Pública (CAGEP). Integra o Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL) e ministra as seguintes Unidades Curriculares (UC): H124-Contabilidade de Gestão, H134-Gestão Estratégica, H141-Sistemas de Informação de Gestão e M139-Táctica de Administração Militar I.

ABSTRACT

In the context of the evolution of organizations and strategic thinking, an element has maintained its supremacy over others: the human resource. Even now, in XXI century, with the organizational structures more flexible and de-veloped at the technological level, the personal and collective skills continue to assume a decisive importance in organizations, because of the need to undertake and innovate in order to achieve competitive advantages.

Although management has evolved significantly over the last century and continue every day to develop their concepts and theories, the issues that are raised in the scientific field continue to emerge and deserve our attention. The highest possible certainty is that there are no answers to all questions. Indeed, there is no single approach or a scientific theory that explains everything. The managers are well aware of this truth.

Containing a brief allusion to some concepts of management and business strategy, this article also reflects a very brief analysis of the organizational structures best known, in order to highlight the role of managers and the many demands that on them are addressed today. There emerges the concept of otherness, rediscovered in the certainty that everything is relative and that the organization is a system that is unquestionably subject to the dynamic environment that surrounds it.

Gestão, estrAtéGiA empresAriAl e estruturA orGAnizACionAl:redesCobrir A AlteridAde

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Everything changed, though, in many respects, there is a perception that nothing has happened. Management was not indifferent to these changes, be-cause change is structured and the structures change. In this new context of situation, the managers have realized that it is absolutely essential to differen-tiate themselves by the boldness, the dignity, the quality of his work and his competence. It’s just that these days, competence, is a rare form of authority.

Keywords: Otherness, Strategy, Structure, Management, Executive, Organization.

RESUMO

No contexto da evolução das organizações e do pensamento estratégico, um elemento tem mantido a sua supremacia sobre os demais: o recurso humano. Mes-mo agora, em pleno século XXI, com as estruturas organizacionais cada vez mais flexíveis e desenvolvidas ao nível tecnológico, as competências pessoais e colecti-vas continuam a assumir um relevo determinante nas organizações, em virtude da necessidade de empreender e inovar, em ordem a alcançar vantagens competitivas.

Embora a Gestão tenha evoluído significativamente no último século e continue todos os dias a desenvolver os seus conceitos e teorias, as questões que são levantadas no âmbito científico continuam a surgir e a merecer o nosso cuidado. A maior certeza possível é a de que não existem respostas para todas as questões. Com efeito, não existe uma única abordagem ou teoria científica que tudo explique. Os gestores conhecem bem essa verdade.

Contendo uma breve alusão a alguns conceitos de Gestão e de Estraté-gia Empresarial, este artigo reflecte também uma brevíssima análise sobre as estruturas organizacionais mais conhecidas, em ordem a destacar o papel dos gestores e as inúmeras exigências que lhes são endereçadas na actualidade. Emerge daí o conceito de alteridade, redescoberto na certeza de que tudo é relativo e de que a organização é um sistema que está indelevelmente sujeito à dinâmica do ambiente que a envolve.

Tudo mudou, ainda que, em muitos aspectos, exista a percepção de que tudo continua na mesma. A Gestão não foi indiferente a essas mudanças, até porque a mudança é estruturada e as estruturas mudam. Neste novo quadro de situação, os gestores têm percebido que é absolutamente essencial diferenciarem-se pelo arrojo, pela dignidade, pela qualidade do seu trabalho e pela sua competência.

É que nos dias que correm, a competência, vai sendo uma rara forma de autoridade.

Palavras-Chave: Alteridade, Estratégia, Estrutura, Gestão, Gestor, Organização.

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1. A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO: DOS ANTIGOS À CIÊNCIA RECENTE

“A gestão é uma ciência recente. Na década de 40, Peter Drucker para preparar o seu trabalho de consultadoria na General Motors (que daria origem ao best seller ‘Concept

of the Corporation’), foi à biblioteca municipal de New York procurando livros sobre gestão (que para Drucker, então professor de filosofia, era uma área não só nova como desconhecida). Encontrou na totalidade escassa dúzia (literalmente) de livros: uns sobre

contabilidade, outros sobre gestão financeira, outro ainda sobre gestão de produção. Ne-nhum sobre management. Muito menos sobre estratégia.”

Jorge Alberto Souza de Vasconcellos e Sá (Santos, 2008, p. xxxi).

Esta interessante afirmação de Vasconcellos e Sá, constante no elogioso prefácio que redigiu à “obra valiosa” de António J. Robalo Santos, não nos pode deixar indiferentes. Em pleno século XXI, mergulhados na imensidão de novas tecnologias e atentos aos cada vez mais complexos sistemas de informação de gestão, torna-se hoje para nós difícil percepcionar os desafios de gestão que, na década de 40 do século passado, eram endereçados aos gestores. Muitas variáveis se alteraram e a emergência das novas tecnologias - associadas a outros factores - potenciou, de forma incomensurável, essas mudanças nos mercados, nos gestores e na Gestão. Sem surpresa, também se alterou a forma de gerir, dando inteira justificação ao entendimento de Tom Cannon, quando este referiu que “a forma certa de gerir muda de acordo com as condições económica, tecnológicas, sociais e de mercado”. De facto, hoje, em pleno século XXI e nunca como antes, os “ciclos de vida da tecnologia estão cada vez mais curtos como resultado do impulso dado pela inovação e da atracção exercida pela procura de mercado” (Cannon, 1999, pp. 8 e 9).Coisas tão simples como seja a facilidade de estabelecer uma ligação por telemóvel, ou seja a praticabilidade de enviar e receber dados prementes através de correio electrónico, ou seja ainda, para não irmos mais longe, a incomensurável rapidez atinente à movimentação e à transferência de capitais, tudo isto, sem pejo, é uma realidade completamente nova perante o anterior quadro de situação, que agora nos remete, inevitavelmente, para desafios de gestão completamente novos, onde as organizações e as empresas procuram novas formas de funcionamento e, não raras vezes, de estruturas organiza-cionais, repensando “os fluxos de trabalho, de autoridade, de informação e de decisões” que as irrigam (Mintzberg, 2004, p. 35).E as crises contemporâneas, bem entendido, nada vieram ajudar a um ce-nário de Gestão já de si complicado. Não se trata, apenas, de uma crise

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orçamental e financeira em larga escala. Trata-se, também, de uma crise de valores. Sobretudo nos últimos anos, tudo ficou diferente. E isto, ainda que, por vezes, tudo pareça que ficou na mesma. Ora, a ilusão não podia ser maior e a grande verdade é esta: distraídas e aturdidas pela constante mudança, as sociedades de hoje procuram o equilíbrio possível, mesmo que amiúde avisadas de que nada voltará a ser como antes. A Sociologia e outras Ciências Sociais têm oferecido várias explicações para estes novos fenómenos, mas a crua e fria realidade é a de que as sociedades de hoje são manifestamente diferentes daquelas que existiam em 1839, quando Auguste Comte forjou o termo Sociologia pelo volume IV do seu Curso de Filoso-fia Positiva, tendo, nesse momento, nascido uma nova “ciência autónoma do social” (Ferreira, 1995, p. xiii). Para agravar a situação, “sociólogos e historiadores nem sempre são bons vizinhos” (Burke, 1980, p. 9). 1

Figura 1 – Abordagens teóricas da Sociologia.

1 Como refere Burke, “Vizinhos intelectuais são-no certamente, no sentido em que ambas as disciplinas, de parceria com a Antropologia Social, dizem respeito a toda a sociedade e a toda a gama de compor-tamentos humanos. A Sociologia pode bem ser definida como o estudo da sociedade humana, com ênfase na generalização da sua estrutura. A História pode ser definida como o estudo das sociedades humanas, com ênfase nas diferenças entre elas e nas mudanças verificadas ao longo do tempo em cada uma. As duas abordagens são obviamente complementares. A mudança é estruturada e as estruturas mudam. É somente comparando-a com outras que podemos descobrir em que aspectos uma dada sociedade é única” (Idem, Ibidem, p. 9).

2 Neste esquema proposto por Giddens, “as linhas contínuas indicam uma influência directa, as linhas a tracejado uma relação indirecta. Mead não é discípulo de Weber, ainda que as posições deste último autor – sublinhando a natureza intencional e significativa da acção humana – tenham afinidades com os temas estudados pelo Interaccionismo Simbólico”. No domínio científico da Sociologia, Giddens recorda que, efectivamente, “três de entre as mais importantes correntes teóricas recentes: o funcionalismo, a perspectiva do conflito, e o interaccionismo simbóloico, estão directamente relacionadas comm Durkheim, Marx e Weber, respectivamente” (Idem, Ibidem, p. 16)

Fonte: Adaptado de Giddens (2004, p. 16). 2

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Para os gestores, o repto não poderia ser maior: é urgente pensarem e for-mularem estratégias diferenciadas, em ordem a desenvolverem vantagens competitivas distintas num ambiente de crescente incerteza. Ora, parecendo isto talvez simples, acontece que não é. Nem de longe, pois para que uma empresa alcance uma vantagem competitiva, é essencial que apresente um desempenho superior ao das suas concorrentes. Também é por esta razão que “as estratégias não podem ser estáticas, nem prender a empresa a um certo percurso. As empresas precisam de ser capazes de reagir às constantes mudanças que ocorrem por efeito de alterações nas condições de mercado” (Serra, 2010, p. 13).Existem mesmo autores que têm defendido posições arrojadas quanto ao rumo da sociedade, em sentido lato. Um desses é Daniel H. Pink, que refere que “as últimas décadas foram dominadas por um certo tipo de indivíduos, com um determinado tipo de inteligência – programadores informáticos exímios em manipular códigos, advogados especialistas na elaboração de qualquer contrato, gestores peritos em números. Contudo, as rédeas do poder estão a mudar de mãos. O futuro pertence a um tipo muito diferente de pessoas, com um tipo muito diferente de inteligência: pertence a quem é capaz de criar, empatizar, reconhecer padrões ou gerar significado” (Pink, 2009, p. 13). 3 Recordemos que o conceito de alteridade nos remete para o pressuposto básico de que todo o homem social interage e depende de outros indivíduos. Isto quer dizer que, de uma forma ou de outra, este é um mundo de organizações: “religiosas, científicas, empresariais, escolares, residenciais, universitárias, caritativas, sociais, políticas, económicas, recreativas, etc.”. Mas quer ainda dizer outra coisa, não menos importante que a primeira, e que consiste no seguinte: “estas organizações, independentemente do seu fim, precisam de ser planeadas, organizadas, dirigidas e controladas. Numa palavra: geridas” (Santos, 2008, p. 32). Se outras razões não houvesse, bastaria esta para nos convencer que a Gestão – entendida agora em sentido amplo – é muito im-portante. De facto, neste novo século, o “pentágono conclusivo” das “cinco configurações estruturais puras” de Mintzberg para as organizações, nunca foi, talvez, tão inconclusivo (Mintzberg, 2004, p. 495).Notemos que não é por mero acaso que a Gestão Estratégica é uma das preocupações centrais dos executivos das empresas. Com efeito, “a forma como as empresas se posicionam no mercado, o entendimento das pressões

3 Segundo Pink, “estas pessoas – artistas, inventores, designers e contadores de histórias, prestadores de cuidados de saúde, psicólogos, pessoas em geral dotadas de uma abrangente visão de conjunto – preparam-se para colher as riquezas da sociedade e participar na suas maiores alegrias” (Idem, Ibidem, p. 13).

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ambientais, a compreensão do que os concorrentes estão a fazer, as decisões de afectação de recursos (tipicamente escassos) a uma ou outra actividade, as decisões de subcontratação nacional e internacional”, constituem um le-que muitíssimo significativo de variáveis, às quais, os gestores têm de estar atentos e capacitados para decidir em tempo oportuno (Serra, 2010, p. xv).

Figura 2 – A Gestão Estratégica como Processo Sequencial e Cíclico.

Fonte: Santos (2008, p. 326), adaptado de Bartol e Martin (1998, p. 221).

Nas estruturas organizacionais das empresas, estas decisões dos gestores de topo tanto melhor tendem a ser acolhidas pelos restantes colaboradores (gestores intermédios, gestores de 1.ª linha e trabalhadores em geral) se, antes, estiver bem definido o rumo de cada uma dessas empresas: pela cer-teza da sua missão, pela adequação dos seus valores, pela lucidez da sua visão e pelo pragmatismo dos objectivos que cada empresa se propôs e se

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propõe atingir. 4 O respeito deste rumo será fundamental, exactamente para que a “atitude da empresa” (reactiva ou proactiva) possa ser a mais ajustada possível à mudança (rápida ou gradual) das condições do mercado (Abell, 1999, p. 75), acalentando muito desejavelmente o âmbito concorrencial onde essa empresa se propõe fazer uso das suas eventuais fontes de vantagem competitiva (Porter, 1991, p. 53) em termos de gestão estratégica.

Figura 3 – O Processo de Gestão Estratégica.

Fonte: Adaptado de Serra (2010, p. 45).

4 Os objectivos de uma empresa devem estar harmonizados, no sentido de se obter a melhor consistência hierárquica dos mesmos, atinente mesmo, num outro plano, a uma eventual gestão por objectivos. De acordo com os níveis de gestão institucional, intermédio e operacional, também corresponderão, respectivamente, três tipos de objectivos: da organização (estratégicos), tácticos e operacionais (Teixeira, 2005, p. 39).

Se a Gestão pode ser entendida como “processo de coordenação e integração de actividades, através do planeamento, organização, direcção e controlo, tendente a assegurar a consecução dos objectivos definidos, através das pessoas, de forma eficaz e eficiente”, torna-se contudo evidente que a Gestão, enquanto Ciência, ultrapassa em muito esta última definição. Este conceito é necessariamente redutor perante o incomensurável papel que é acometido a esta área do conhecimento científico, associada permanentemente à efici-ência (referente aos meios e que consiste na “medida do nível de utilização

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dos recursos”) e à eficácia (referente aos fins e que consiste na “medida do grau de consecução dos objectivos”). Aliás, sublinhemos que é precisamente aqui, na conjugação entre eficiência e eficácia, que reside sempre um dos maiores desafios de Gestão de uma qualquer organização: atingir o melhor desempenho possível (Santos, 2008, pp. 27 e 28).

Figura 4 – Representação gráfica de um modelo de Planeamento Estratégico típico.

Fonte: Santos (2008, p. 331).

Com relativa facilidade, poderemos apontar inúmeros casos históricos onde a Gestão esteve presente e sem a qual não teriam sido alcançados os resultados que se vieram a obter. Entre muitíssimos outros grandes empreendimentos, podemos recordar “a Muralha da China ou as Pirâmides do Egipto” que “não teriam sido possíveis sem que houvesse uma grande capacidade de gestão, designadamente ao nível do planeamento da construção, organização dos recursos disponíveis (pessoas, materiais, etc.), direcção e liderança dos trabalhadores e controlo do seu desempenho”. Aliás, a mesma alusão pode ser feita aos “papiros egípcios, datados de 1300 a.C., onde se constata a importância atribuída, já naquele tempo, à organização e administração da burocracia pública no Antigo Egipto; ou da leitura das famosas parábolas de Confúcio, na China Antiga, as quais já sugeriam a adopção de uma série de práticas para a boa administração da coisa pública” (Idem, Ibidem, p. 51 e Chiavenato, 1983).

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No último século, a Gestão foi das ciências que mais se desenvolveram, qualitativa e quantitativamente, tendo recebido influências de outras ciências e áreas do saber, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a Economia e a Matemática, entre muitas outras. Actualmente, das explicações atinen-tes às funções da Gestão (planeamento, organização, direcção/liderança e controlo) às variadíssimas abordagens encetadas sobre as principais teorias tradicionais da Gestão, muitos são os instrumentos teóricos e práticos dos quais os gestores e outros interessados se podem socorrer perante os cená-rios de permanente mudança. Aliás, Cannon não poderia estar mais certo quando refere que hoje em dia “raramente passa um mês sem que surja uma nova perspectiva em como transformar a performance empresarial” (Cannon, 1999, p. 10).

Figura 5 – Peter Drucker (1909-2005).

Fonte: Business Week, 28 de Novembro de 2005.

2. POLÍTICA, ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL E ESTRATÉGIA MILITAR: A SUPREMACIA DO ELEMENTO HUMANO

“As reuniões são, por definição, uma concessão à organização deficiente. Pois, ou se traba-lha, ou se participa em reuniões. Não se pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. (…) As reuniões precisam de ser a excepção, não a regra.”

Peter Drucker (Drucker, 2001, p. 101).

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Podemos dizer que “a história do pensamento económico ocidental começa na Grécia, porque a Grécia antiga foi o berço da nossa civilização”. Esta ideia surge-nos ainda mais consubstanciada se atentarmos ao facto de que a principal razão pela qual o cidadão grego tomava mais nitidamente consciência da sua realidade, era porque, ao contrário das restantes naturezas (“mineral, vegetal ou animal”), o homem tinha uma vida política (Denis, 1987, p. 9). Quando nos lembramos de Aristóteles e da sua Política, enquanto obra incontornável do seu pensamento, é imprescindível que nos lembremos de que esse e outros brilhantes escritos, teriam ficado sepultados “numa cave de Scepsis, desde a sua morte, em 322, até serem recuperadas por Sula, em 80, o que explicaria o relativo esquecimento a que foi votada, mesmo pelos seus sucessores no Liceu de Atenas, durante esses mais de duzentos anos”. Como bem refere João Bettencourt da Câmara, “os países também têm as suas caves, onde jazem descuradas as obras dos seus mestres e daqueles que mestres desses mestres foram” (Aristóteles, 1998, p. 7). 5Todas as Ciências, de uma maneira ou de outra, detêm um potencial maior ou menor que, adstrito às suas especificidades técnicas, podem e devem ser aproveitados em tempo oportuno. Mas aquilo que agora, nesta era da modernidade, pode parecer extremamente elementar, nem sempre assim foi. Para ilustrarmos este desiderato, basta trazermos à memória Galileu Galilei, “imaginando-o perante o Tribunal do Santo Ofício a ter de justificar a sua teoria da translação da Terra em torno do Sol e, finalmente, mal arrepen-dido a resmungar entre dentes: ‘E todavia move-se!’” (Lara, 1998, p. 13). O mundo actual, resultado do impacto “da ciência, da tecnologia e do pensamento racionalista” e moldado “pelas ideias do Iluminismo”, tende por vezes a julgar que quase tudo está ao alcance da sociedade moderna. A evidência de que “para fazermos a história (…) temos de compreender a História”, não raras vezes é ignorada nesta imensidão de algoritmos e de redes sociais que vieram, literalmente, para ficar. Importa que não tenhamos dúvidas: “a globalização está a reestruturar as nossas formas de viver” e está “profundamente marcada pelo poderio político e económico” (Giddens, 2002, pp. 15 a 17). Ora, o gestor moderno não pode ficar apartado desta última noção. Cons-ciencioso e perseverante, deve sempre recordar o bom exemplo de Ma-quiavel, ajustando, mutatis mutandis, os alertas daquele aos quesitos que a modernidade lhe impõe. Quando o gestor não reserva a si mesmo o tempo

5 Na obra referenciada, ver “Nota Prévia”, da autoria do Prof. Catedrático Doutor João Bettencourt da Câmara.

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necessário para estudar e reflectir sobre os assuntos que o cercam, não segue esse exemplo, e antecipa-se, tantas vezes precipitadamente, nas decisões que deve tomar. Entre muitos outros, o Florentino legou-nos um exemplo de dedicação e um testemunho precioso: na sua quinta de San Casciano, em 1513, “ao cair da noite, [Maquiavel] voltava a casa e limpo da lama e poeira das suas perambulações diurnas envergava ‘vestes reais e cortesãs’ para assim, ‘devidamente vestido’, entrar em convívio com os Antigos” (Câmara, 1997, p. 17).

Figura 6 – Nicolau Maquiavel (1469-1527).

Fonte: Pintura de Santi di Tito.

E foi precisamente nesse ano de 1513 que o livro mais conhecido, lido e relido de Nicolau Maquiavel foi completamente escrito – O Príncipe – ainda que publicado postumamente, em 1532. Numa das suas famosas cartas a Francesco Vettori, datada de 10 de Dezembro de 1513, Maquiavel referia que “não se faz ciência sem registar o que se aprende, eu tenho notado tudo nas conversas que me parece essencial, e compus um pequeno livro”. Ora, esse “pequeno livro” é ainda hoje considerado uma das obras mais importantes sobre o pensamento humano e constitui uma referência funda-mental da Ciência Política. Napoleão Bonaparte conta-se entre o vastíssimo número de estrategas e políticos que lhe dedicou grande atenção, lendo-o,

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relendo-o e até lhe concedendo interessantes anotações pessoais. De forma indelével, as suas acções políticas e militares dariam pleno sentido à ideia de que “cada século, cada época e cada conjuntura produzem o seu Príncipe e criam o seu Maquiavel. E cada país tem, em cada momento, o Maquiavel e o Príncipe que merece” (Câmara, 2005, p. 125).O pragmatismo de Napoleão evidenciaria a importância adstrita à necessá-ria simplicidade dos planeamentos, quaisquer que estes fossem. O Corso seria até mesmo distante, muito frequentemente, das fragilidades potenciais associadas a sentimentos extemporâneos: “Noto com pesar que há na sua carta paixão e a paixão é muito perigosa”. Objectivo e frio quanto baste, Napoleão diria mesmo que “nunca há uma revolução social sem terror. Toda a revolução desta natureza não é e não pode ser, no princípio, senão uma revolta; só o tempo e o sucesso conseguem enobrecê-la, torná-la legítima; mas, mais uma vez, não se pode lá chegar senão pelo terror. Como dizer a todos aqueles que preenchem todas as administrações, possuem todos os cargos, gozam todas as fortunas: ide-vos. É claro que se defenderiam; é preciso, pois, enchê-los de terror, pô-los em fuga” (Bonaparte, 2003, p. 29).

Fonte: Pintura de Jacques-Louis David (“O Imperador Napoleão em seus estudos em Tulherias”).

Figura 7 – Napoleão Bonaparte (1769-1821).

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Por todas as razões, e já no campo da Estratégia, é evidente que existe uma forte ligação entre a estratégia militar e a estratégia empresarial. Recordemos que a Estratégia científica resulta de uma ciência jovem, a Gestão. De facto, a Estratégia era inicialmente ministrada como unidade curricular em Harvard, sob o nome de “Política de Gestão”, tendo sido renomeada na década de 80 para a actual denominação de Estratégia. Indo mais longe, percebemos que os fundamentos da estratégia empresarial não estão alienados dos ensinamentos de vários estrategas militares, entre outros, T’ai Kung, Sun Tzu, Alexandre o Grande, Amílcar Barca, Cipião Africano, Aníbal Barca, Júlio César, Átila, Frederico II da Prússia, Napoleão Bonaparte, Carl von Clausewitz, George S. Patton, Liddell Hart, Mao Tse-Tung e Vo Nguyen Giap. Mas existe uma diferença de grande relevo entre um conflito militar efectivo e a guerra da competitividade empresarial: nos negócios não existe espaço para armistícios. De facto, no contexto empresarial, estamos perante um cenário de perma-nente conflito de interesses, onde a vantagem competitiva, razão de ser de qualquer estratégia organizacional, é, permanentemente, colocada à prova. Aliás, de forma sintética, podemos mesmo evidenciar um paralelismo entre o conceito de estratégia organizacional e o conceito de estratégia militar, de acordo com os aspectos essenciais que caracterizam, grosso modo, estas duas grandes vertentes:

Variáveis Estratégia Organizacional Estratégia MilitarMaximizar o valor da organização, pela maximização do seu valor para os sócios ou accionistas, no caso das empresas, ou como optimização da eficácia da consecução da sua missão, no caso particular de organizações não empresariais.Conquista (ou defesa) da mente dos clientes.Posicionamento da organização, definido em termos de área geográfica, indústria e segmento de mercado.

– Indústria e concorrência;– Pontos fortes e pontos fracos;– Oportunidades e ameaças;– Factores críticos de sucesso.

Confronto mediado pelo mercado, sem utilização da força física.Plano estratégico.

Fonte: Santos (2008, p. 113), em esquema adaptado de Freire (1997, p. 24) e de Abreu (2002, p. 150).

Figura 8 – O Conceito de Estratégia na Gestão e na Ciência Militar.

Finalidade

Objectivo

Espaço Estratégico

Factores de Análise

Confronto

Formalização

Cumprir os objectivos, inscritos na estratégia e definidos pelo Poder Político.

Conquista ou defesa de territórios.

Local escolhido para a realização da batalha.

– Condições climatéricas;– Condições do terreno;– Quantidade e qualidade dos recursos;– Distribuição das forças.Confronto directo, com eventual utilização de força física.Plano de campanha.

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No campo que aqui particularmente nos interessa, a Gestão, é então impos-sível dissociarmos a estratégia empresarial daquilo que é o rumo designado para uma determinada empresa. Aliás, a estratégia empresarial pode mes-mo ser entendida como “a acção ou conjunto de acções que as empresas prosseguem para atingir os objectivos definidos. A rendibilidade conseguida dependerá da estratégia, mas é influenciada pelo meio envolvente, seja este especificamente o meio restrito ao sector de actividade, mais alargado, como o país ou mesmo o mundo. A preocupação do executivo, e do estratega, é conseguir que a empresa desenvolva uma vantagem competitiva sobre as empresas rivais – o que tipicamente se expressa como a manutenção de um nível de lucros superior, pelo menos, à média das empresas do sector” (Serra, 2010, p. 28).E, como bem se denota, existem vários tipos de empresas. Uma das clas-sificações possíveis é a aquela que as subdivide em empresas comerciais (“vendem os produtos ou artigos no mesmo estado em que os adquirem, ou seja, colocam junto dos consumidores os artigos produzidos pelos fabricantes, como é o caso dos supermercados, mercearias, etc.”), empresas industriais (“adquirem as matérias necessárias à sua transformação em produtos aca-bados que depois vendem ao mercado”, como é o caso das cerâmicas e das fábricas de bolachas) e empresas de prestação de serviços (que se limitam “a prestar serviços, não produzindo nem vendendo qualquer produto”, como é o caso dos bancos, das companhias de seguros e das empresas de trans-portes). Ora, independente do tipo de empresa que estivermos a falar, uma coisa é certa: “para orientar as decisões, os gestores necessitam de dados pertinentes referentes a determinada finalidade” (Caiado, 2011, pp. 71 e 74).Sobretudo no contexto do segundo tipo de empresas que acabámos de aludir, é aqui oportuno referir que, não obstante Michael Porter ter considerado “os factores ambientais contextuais muito importantes para o desempenho organizacional”, elegeu “o meio envolvente transaccional (ou seja, a própria indústria) como aquele cujas mutações e comportamentos” mais afectavam e influenciavam “a performance das organizações empresariais”. Recorrendo à noção de que a atractividade de uma indústria seria determinada, em última instância, pela sua intensidade competitiva, Porter defendeu que a intensidade competitiva não era apenas “função das organizações concorrentes actuais”; tinha “origem na sua estrutura de base”, sendo “determinada por 5 forças competitivas: a rivalidade existente entre os concorrentes actuais, a ameaça de novos entrantes, a ameaça de produtos substitutos, o poder negocial dos fornecedores e o poder negocial dos clientes” (Santos, 2008, p. 256, sendo útil ver Porter, 1992, p. 5).

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Sublinhemos que “todas as funções da empresa têm um papel na prossecução da estratégia: todas as funções contribuem quer para baixar os custos, quer para aumentar a qualidade e a diferenciação dos produtos. A ideia base do conceito da cadeia de valor é que todas as empresas têm uma cadeia de actividades com o propósito de converter inputs em outputs (produtos) que os clientes valorizam. A cadeia de valor, proposta por Michael Porter tem sido um dos instrumentos frequentemente analisados quer para veri-ficar quais as competências centrais necessárias para competir no sector, quer as competências distintivas da empresa face às restantes, quer, ainda, para analisar onde está a empresa, efectivamente, a gerar o valor.” (Serra, 2010, pp. 154 e 155). Nas Figuras 10 e 11, apresentam-se, respectivamente, a Cadeia de Valor Genérica e o Sistema de Valor, propostos por Michael Porter. Este último deriva da noção de que “a cadeia de valor da organiza-ção se encontra integrada numa outra cadeia, de âmbito mais alargado – o sistema de valor – constituído não apenas pela cadeia de valor da própria organização, mas também pela cadeia de valor do fornecedor a montante e pela cadeia de valor do cliente a jusante” (Santos, 2008, p. 256).

Fonte: Serra (2010, p. 115). 6

Figura 9 – O Modelo das Cinco Forças Competitivas, proposto por Michael Porter.

6 A figura relaciona as cinco forças do modelo original de Michael Porter. Com efeito, “as setas indicam que as forças que estão posicionadas externamente influenciam o nível de rivalidade, ou de concorrência, na indústria. No entanto, ao longo do tempo, as condições do ambiente da indústria mudam e alguns aspectos dinâmicos – como as inovações, o crescimento do mercado, as mudanças nas necessidades dos clientes, ou mudanças na oferta dos fornecedores – podem influenciar e serem influenciados pela estratégia dos concorrentes” (Idem, Ibidem, p. 115).

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Neste domínio, é importante referir que o mesmo autor tinha já abordado a questão das estratégias genéricas, decorrentes do relacionamento entre o custo e a diferenciação (duas fontes de vantagem competitiva) e o âmbito concorrencial onde a organização acalentaria o seu uso: alargado ou estrei-to. E nesse compasso, Michael Porter apresentou três estratégias genéri-cas: liderança de custo; diferenciação; e, finalmente, focus no custo ou na diferenciação (Porter, 1991, p. 53). Todavia, sendo verdade que “vivemos numa sociedade dominada por organizações, grandes ou pequenas, com ou sem fins lucrativos” e que “de entre essas organizações, a empresa é, sem dúvida, uma das mais importantes e com maiores repercussões nas nossas vidas”, importa contudo sublinhar que “nem todas as iniciativas empresariais terminam em sucesso” (Teixeira, 2005, p. 3). É também por esta razão que, enquanto função da Gestão, planear é ine-vitavelmente uma das funções mais importantes de qualquer gestor, consi-derando-se, habitualmente, “três níveis de planeamento: estratégico, táctico e operacional”. O primeiro, ligado com a “avaliação de oportunidades e ameaças, pontos fortes e pontos fracos”. O segundo, ligado com o “desdo-bramento do plano estratégico em planos tácticos ao nível departamental”.

Figuras 10 e 11 – A Cadeia de Valor Genérica 7 e o Sistema de Valor, propostos por Michael Porter.

Fonte: Santos (2008, pp. 253 e 256).

7 Note-se que os “elementos que a constituem encontram-se agrupados em dois conjuntos: o conjunto das actividades de apoio (infra-estrutura, gestão de recursos humanos, etc.) e o conjunto das actividades primárias (logística interna, operações, serviço, etc.)” (Idem, Ibidem, p. 253).

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E o terceiro, finalmente, ligado com o “desdobramento dos planos tácticos em planos operacionais ao nível das tarefas” (Idem, Ibidem, pp. 44 a 46). 8 Mas o planeamento, sendo importante, não é suficiente para assegurar a con-tinuidade e o sucesso de um determinado projecto empresarial. Com efeito, em ordem a prevenir o desfecho inglório das empresas e das organizações em geral, várias soluções tem sido anunciadas pela Gestão ao longo do tempo, tendo como objectivo a melhoria contínua dos processos organizacionais. 9 Um desses instrumentos de gestão, consiste no Ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act), Ciclo de Deming ou Ciclo de Shewart. Desenvolvido “por Water Shewart 10 (reputado físico, engenheiro e estatístico norte-americano) em 1939, no seu famoso livro Statistical Method from the Viewpoint of Quality Control”, o Ciclo PDCA assume-se “como indispensável à garantia da qualidade dos bens e serviços oferecidos ao cliente”. Posteriormente “complementado com a incorporação de cinco passos (FOCUS) adicionais”, a “nova metodologia, denominada de Ciclo FOCUS-PDCA”, passou a ser “constituída pelos nove passos seguintes: Find, Organize, Clarify, Uncover, Start, Plan, Do, Check, Act”. Notemos ainda que a “simplicidade, pragmatismo, instrumentalidade e capacidade de utilização” deste instrumento “ao nível de qualquer tipo de processo de melhoria”, além de amplamente reconhecida, tem inclusi-vamente permitido outros importantes desenvolvimentos teóricos (Santos, 2008, pp. 316 e 317).

8 Notemos que o planeamento estratégico se trata de “um processo de gestão, através do qual o gestor estabelece uma direcção para a empresa, direcção esta condicionada ao ambiente externo e às capaci-dades da própria empresa. O planeamento pode contemplar múltiplas decisões, desde o alargamento da linha de produtos à entrada em novos mercados, ou ao desinvestimento de unidades de negócio. O foco de acção será a formulação de objectivos, os programas de acção e para execução. Como o ambiente muda, também as estratégias terão de mudar. O planeamento estratégico deve contemplar a flexibilidade para a mudança nos mercados, nas tecnologias, nos concorrentes, manter alguma flexibilidade quanto aos objectivos, habilidades e recursos, mas manter um compromisso com o lucro, o crescimento e visão e missão” (Serra, 2010, p. 54).

9 Como sabemos, Chiavenato chegou a abordar a questão das variáveis organizacionais tradicionais, nome-adamente: tarefas, estrutura, pessoas, ambiente e tecnologia. (Chiavenato, 1983, p. 10). De acordo com os novos contributos científicos na área da Gestão, estas variáveis puderam a ser alargadas, passando a incluir a competitividade e os processos. Aliás, quando se trata de abordar a evolução das variáveis objecto de estudo pelas diversas teorias da Gestão, um modelo é possível de ser destacado: o Modelo dos 7 S’s da McKinsey. Como refere António Santos, “desenvolvido por Tom Peters e Robert Waterman (com o apoio de Anthony Athos e Richard Pascale), este modelo considera que o desempenho organi-zacional depende, em primeira instância, de sete componentes ou variáveis-chave, que identificam com a utilização de uma letra do alfabeto – a letra S – daí a denominação de modelo dos 7 S’s. a saber: Strategy (estratégia); Skills (perícia ou competências distintivas); Shared Values (cultura da organização ou valores partilhados); Staff (pessoas); Systems (sistemas e processos); Style (estilo); e Structure (es-trutura)” (Santos, 2008, pp. 43 a 46).

10 Este autor exerceria uma estreita colaboração com W. Edwards Deming, sobretudo após o ano de 1938.

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Se todos estes contributos nos remetem para um ponto comum de enten-dimento, inequívoco, esse ponto é este: as pessoas continuam a fazer a diferença. Não foi por mero acaso que as antigas secções de pessoal das empresas ganharam, sucessivamente, a nova denominação de secções de recursos humanos. O gestor empresarial é, antes de tudo, um gestor de recursos humanos, na medida em que trabalha e lidera a sua empresa no sentido de colocar o homem certo no lugar certo, estando consciente de que os seus resultados poderão ser potenciados pela adequada delegação de com-

Figura 12 – O Modelo dos 7S’s da Mckinsey.

Fonte: Análise do autor.

Fonte: Adaptado de Teixeira (2005, p. 66) e Santos (2008, p. 46), sendo oportuno ver Peters e Waterman (1982, p. 10).

Figura 13 – O Ciclo de Deming (Ciclo de Shewart ou Ciclo PDCA), na relação entre o nível de maturidade e a evolução do tempo, assegurando, tendencialmente, a qualidade e a melhoria contínua.

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petências, permitindo-lhe, nesse ensejo, ter mais disponibilidade para pensar, reflectir e decidir de forma estratégica. E, tão ou mais importante que as anteriores, é fundamental que o gestor tenha períodos para se abstrair dos negócios, exactamente para que o seu empenho possa ser alicerçado numa adequada gestão do tempo, cada vez mais premente e essencial. Esse tempo de relativo afastamento, tenderá a ser útil para, depois, repensar assuntos que talvez numa primeira análise já encetada até se considerassem concluídos. Já Clausewitz alertava que “mesmo a decisão final de toda uma guerra nem sempre pode ser considerada absoluta. O Estado conquistado muitas vezes vê nela apenas um mal transitório” (Clausewitz, 1832, p. 36).Em certa medida, mutatis mutandis, os negócios funcionam como um con-flito armado. E nesse sentido, importa nunca esquecer que “o sucesso na guerra depende, mais do que tudo, na vontade de vencer” (Maunsell, [s. d], p. 27). Mas é notório que na maior parte das vezes, a vontade, apenas, não é suficiente. Como sublinharia o General Starry, “existem duas razões prin-cipais pelas quais muitos dirigentes falham: o não perceber o que significa a liderança e o vazio de conhecimento sobre como liderar” (Starry, 1994, p. XI). Logo, antes de tudo, é preciso pensar, é preciso reflectir. Já alertava Tucídides que “quando as pessoas entram em guerra, normalmente fazem as coisas de forma errada. A acção vem primeiro e, de facto, é só mesmo quando elas já sofreram que, finalmente, começam a pensar” (Thucydides, 1990, p. 1). É por isso urgente, como referimos, ter tempo livre para pensar. No caso que aqui especialmente nos traz, falamos do tempo para o gestor se abstrair do seu trabalho, mas também do tempo para, quando oportuno, retornar a uma questão empresarial, de negócio ou de serviço. O tempo é de facto precioso, sendo essencial usá-lo com inteligência. Como disse Séneca a um dos seus amigos, “A maioria dos homens, Paulinus, queixa-se da maldade da natureza, porque vivemos durante um breve período de tempo e, como este corre por nós de modo tão rápido e célere, com pouquíssimas excep-ções, a vida cessa quando estamos preparados para a gozar. (…) Por que nos queixamos da natureza? Ela tem sido gentil para connosco: a vida é longa se soubermos usá-la” (Séneca, 2005, pp. 9 e 10).

3. AS TEORIAS TRADICIONAIS DA GESTÃO, OS DESENVOLVIMEN-TOS TEÓRICOS RECENTES E O FIM DA HISTÓRIA

“Seja obcecado por soluções, não problemas.”Donald Trump (Business 2.0, 2007).

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Das principais abordagens até às perspectivas de evolução futura, os investi-gadores científicos, os gestores e os empreendedores em geral, têm-se dedi-cado ao estudo da empresa e do seu ambiente, confirmando que a empresa é uma organização social e um sistema aberto, e que, entre outras vertentes, deve existir a definição inequívoca de um rumo, que embora ajustável às circunstâncias e à mudança permanente, oriente os diferentes gestores e os trabalhadores em geral. Percebe-se que isso potencia uma melhor tomada de decisão, e isso é muito importante, porque “a decisão é mais do que escolher o que fazer. Envolve assumir um compromisso, por mais pequeno que seja: racional ou irracionalmente. Além disso, muitas vezes envolve assumir um compromisso em nome de terceiros – particularmente numa situação de trabalho ou familiar -, e pedir-lhes que se comprometam com o nosso compromisso” (Barker apud Dearlove, 2000, p. 28).

Figura 14 – A organização como sistema produtivo aberto num meio envolvente alargado.

Fonte: Santos, 2008, pp. 14 e 102, inspirado em Gonçalves (1986, p. 559).

Recordemos que no fim da Guerra do Vietname, “a Academia Militar dos EUA viu-se obrigada a concluir que ‘o esforço determinado em combater a nova guerra segundo as regras e com as técnicas da última guerra é a explicação mais que certa para a derrota’. As empresas e os empresários que se recusam a mudar enfrentam o mesmo destino” (Cannon, 1999, p. 27). Sem surpresa, este entendimento tem assumido inteira justificação naquilo que tem sido a evolução da Gestão, com destaque na Estratégia Empresarial,

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que segundo Michael Porter, apresenta três princípios: posicionamento, que significa que “a estratégia é a criação de uma posição única e valiosa, que envolve um conjunto diferenciado de actividades”; trade-off, que significa que “a estratégia requer que sejam feitas opções para competir, ou seja, a empresa deve escolher o que vai fazer e o que não vai fazer”; sinergia, que significa que “a estratégia implica o criar de uma sinergia entre as actividades da empresa” (Serra, 2010, p. 14).

Fonte: Adaptado de Serra (2010, p. 15), de acordo com Porter (1996, pp. 61 a 78).

Figura 15 – Princípios que definem a Estratégia Empresarial.

Notemos que no domínio da evolução da Gestão, e entre outras áreas de estudo, temos: a questão do planeamento (incluindo a missão, os objectivos e a gestão por objectivos, 11 e também os tipos de planos e os níveis de planeamento); a exigência da tomada de decisões; o imprescindível estudo da organização empresarial (incluindo a sua estrutura e os seus processos); a relevância da questão da motivação e das suas teorias; as diferentes abordagens e estilos de liderança; o processo de comunicação (incluindo os canais de comunicação formal e informal, bem assim como as redes de comunicação, as barreiras à comunicação e a própria capacidade de comu-nicação); a incontornável cultura da organização; e ainda, o processo e as

11 A Gestão por Objectivos foi pela primeira vez proposta por Peter Drucker, em 1954, no seu livro The Practice of Management.

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técnicas de controlo. Sem pejo, todas estas vertentes foram – e têm sido – sucessivamente acalentadas em tópicos especiais de análise e de investigação científica, tendo originado sucessivos aperfeiçoamentos às diversas teorias adstritas à Gestão (Teixeira, 2005, pp. VII a XII). 12

Figura 16 – Gestão por Objectivos.

Fonte: Santos (2008, p. 71).

12 É interessante lembrarmos que Portugal assumiu um pioneirismo relevante no ensino da Gestão, “com a criação, em Maio de 1759, da Aula de Comércio – geralmente aceite como a primeira escola oficial de contabilidade e gestão do mundo – por decisão do então Secretário de Estado do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo”. O ISEG que hoje conhecemos, resulta assim, daquela decisão de quem foi Conde de Oeiras, e depois, Marquês de Pombal. Com efeito, tendo sido a Aula de Comércio “transformada na Escola de Comércio em 1844 e posteriormente integrada, em 1869, no Instituto Industrial de Lisboa (que a partir daí se passou a designar por Instituto Industrial e Comercial de Lisboa), começou em 1884 a leccionar um curso superior, denominado Curso Superior de Comércio”. No ano seguinte à implantação da República, esse Instituto seria dividido em dois, tendo surgido “o Instituto Superior de Comércio que, integrado em 1930 na Universidade Técnica de Lisboa, viria a assumir a denominação de Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), alterada em 1972 para Instituto Superior de Economia (ISE) e, em 1989, para Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)” (Santos, 2008, p. 54).

E se é verdade que as práticas de gestão remontam “ao desenvolvimento da organização da sociedade humana”, é preciso contudo entender que “o estudo da gestão como disciplina autónoma do conhecimento científico apenas se iniciou em épocas relativamente recentes”. As respostas que, ao tempo da Revolução Industrial, foram propostas para “a resolução dos problemas com que os empresários de então se debatiam, vieram constituir-se como a base sobre a qual os teóricos que lhes sucederam vieram a desenvolver princípios mais abrangentes, posteriormente integrados em teorias, abor-dagens ou escolas de pensamento – comummente designadas de teorias

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(ou abordagens) tradicionais da Gestão”. Contemporaneamente, surgiram desenvolvimentos importantes a todos estes contributos teóricos, podendo destacar-se a Teoria dos Sistemas e a Teoria da Contingência, sobretudo por serem teorias que inferiram modelos de análise mais amplos, dinâmicos, fundamentados e atentos aos novos desafios dos gestores, das empresas e das organizações. Podemos até esquematizar as principais teorias tradicionais da Gestão, da seguinte forma (Santos, 2008, pp. 54 e 55, sendo também útil ver, para esta esquematização, Bartol e Martin, 1998, p. 38): 13

– [Precursores das Teorias da Gestão];– Abordagem Clássica:

– Administração Científica;– Teoria Clássica;– Teoria da Burocracia;– Teoria Neoclássica.

– Abordagem Humanista:– Teoria das Relações Humanas;– Teorias de Liderança;– Teorias de Motivação.

– Abordagem Quantitativa;– Abordagem Contemporânea:

– Teoria dos Sistemas;– Teoria da Contingência.

Estas abordagens teóricas ajudam-nos a explicar muitos dos desafios ati-nentes às organizações, enquanto reptos indeléveis de Gestão, mas importa salientar que, no âmbito das empresas e sobretudo quando falamos da im-plementação da estratégia empresarial, exige-se que os gestores tenham em linha de conta, pelo menos, dois aspectos organizacionais fundamentais: “a estrutura organizacional e o fluxo de tomada de decisão”. Objectivamente, sabemos que a “estrutura deve ser o mais simples possível para facilitar a compreensão das relações de autoridade e responsabilidade, para que cada

13 Sublinhemos que entre outros desenvolvimentos recentes se incluem as seguintes teorias: “a Teoria da Vantagem Competitivade Michael Porter, as Teorias Competitivas baseadas nos Recursos, nas Capaci-dades e nas Competências, a Teoria das Lean Organizations (Teoria da Flexibilidade Organizacional), a Teoria da Reengenharia (também designada de Business Process Reengineering), a Teoria da Gestão da Qualidade Total (Total Quality Management) e do Kaizen (Teoria da Melhoria Contínua), a Teoria das Learning Organizations (Teoria da Aprendizagem Organizacional), [e ainda] a Teoria do Balanced Scorecard” (Idem, Ibidem, p. 108).

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indivíduo conheça a sua posição no todo da organização, para simplificar o fluxo de informação necessária à tomada de decisão e para a difusão e compreensão da estratégia pelos trabalhadores em todos os níveis hie-rárquicos, funções e departamentos”. E ainda que “o modelo de estrutura mais tradicional assente em organizações altas, em que a estrutura assenta em múltiplos níveis hierárquicos, [todavia] as novas tendências requerem organizações mais flexíveis e adaptáveis, o que é promovido em estruturas mais achatadas”. Acalentadas as variantes possíveis, fala-se então numa “evolução horizontal” ou numa “evolução vertical” das estruturas organiza-cionais, atinentes, respectivamente, à “departamentalização” ou à “hierar-quização” dessas estruturas, que podem ser, na mesma linha de análise, ou “organizações achatadas” ou “organizações altas”, de acordo com “quatro tipos básicos de estrutura” (Serra, 2010, pp. 312 a 315):

– Estrutura hierárquica simples;– Estrutura funcional;– Estrutura divisional;– Estrutura matricial.

Fonte: Adaptado de Serra, 2010, p. 313.

Figuras 17, 18 e 19 – Da estrutura organizacional inicial à evolução horizontal (departamentalização) e à evolução vertical (hierarquização), respectivamente.

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Fonte: Adaptado de Serra, 2010, p. 314.

Figuras 20 e 21 – Organizações altas e organizações achatadas.

Fonte: Adaptado de Serra, 2010, p. 315.

Figura 22 – Estrutura hierárquica simples.

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Independentemente das teorias da Gestão e das estruturas organizacionais abordadas, um facto permanece comum a qualquer cenário: a importância adstrita ao papel do gestor. Recordemos que se “é a conjuntura que deter-mina a forma organizacional mais apropriada”, também “é a integração,

Fonte: Adaptado de Serra, 2010, p. 315.

Figuras 23, 24 e 25 – Estrutura funcional, estrutura divisional e estrutura matricial.

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e não a separação, que constitui o elemento-chave de transferência de poderes”. Neste sentido, percebe-se inclusivamente a utilidade da estrutura e da delegação de competências, na medida em que “sem a necessidade de supervisar e de controlar, os supervisores, os gestores e os líderes empre-sariais podem desempenhar papéis mais criativos e construtivos”. E isto é muito importante, porque se “a focalização na performance é provavelmente a diferença mais evidente entre as empresas verdadeiramente bem sucedidas e sobreviventes e as restantes”, também é notório que “todas as revoluções industriais são conduzidas por empreendedores que correm riscos, inovam e reformulam as regras de competição e performance” (Cannon, 1999, pp. 53, 93, 131, 297 e 304).É absolutamente essencial que o gestor tenha tempo para reflectir sobre as políticas, as estratégias e as tácticas da sua empresa, perante um cenário de mudança continuada que veio para ficar. A modernidade trouxe novas interrogações que implicam respostas diferentes, pragmáticas e realistas. Com efeito, “o acelerado ritmo de mudança faz com que os empresários apenas consigam adaptar-se quando reconhecem a natureza das alterações que os afectam, desenvolvendo as capacidades e as competências que gerem essas transformações, de modo a prepararem-se para as mudanças mais rápidas e subsequentes”. E se neste compasso, os empresários e os gestores agarram o presente e preparam o futuro, todavia, a modernidade exige que não se apartem do passado, sob pena de não atentarem nas lições aprendidas, no rumo e nas directrizes maiores das empresas e das demais organizações, estipuladas, antes, naquele que foi o “ponto de partida” da edificação dessas estruturas organizacionais e consubstanciadas no “conjunto de princípios e de valores organizacionais básicos, ou centrais” (Idem, Ibidem, pp. 310 e 322).Hoje, a Gestão colige a influência de imensas variáveis, como nunca antes em nenhuma época. Os sistemas de informação, as forças formais e infor-mais que moldam interna e externamente as empresas, e ainda a necessidade de os executivos procurarem novas respostas para cenários de gestão cada vez mais complexos, são apenas três vertentes de um número indefinido de desafios que são endereçados aos gestores deste século XXI. Como referiu Pink, “a nova Era Conceptual brilha de oportunidades, mas será bastante cruel para quem for lento ou rígido de espírito” (Pink, 2009, p. 263). E, de facto, “sob a globalização, estamos (…) perante a emergência de um novo individualismo, no qual as pessoas têm de constituir-se a si próprias de modo activo e construir as suas identidades. À medida que as comuni-dades locais interagem com uma nova ordem mundial, o peso da tradição e dos valores estabelecidos enfraquece. Os ‘códigos sociais’ que antigamente

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guiavam as escolhas e as acções das pessoas perderam significativamente importância” (Giddens, 2004, p. 61).Sem surpresa, os actuais gestores, os empresários empreendedores e os demais interessados pela Gestão, redescobrem, todos os dias, a alteridade. Redescobrem-na pela diferença, pela diversidade, pelo contrário. O diferente é afinal mais que necessário, é imprescindível. Encontram essa alteridade em exemplos pessoais e colectivos “de independência e de inconformis-mo”, de não resignação, de vontade de vencer (Reimão, 2005, p. 339). O mundo actual exige essa postura. Exige empreendedorismo, determinação e coragem. Não existe uma única teoria da Gestão que tudo explique e tudo solucione. Não existe, igualmente, um único modelo organizacional que não apresente pontos fracos ou vulnerabilidades. Não existe, também, um único planeamento estratégico que tudo preveja e tudo prepare, em toda a plenitude e sem falhas. E não existe uma única resposta para estes desafios, porque não existe uma melhor, e muito menos uma única, forma de gerir. Tal como na última frase da Ética, “vamos, portanto, começar”.

CONCLUSÕES

A chave de uma Gestão verdadeiramente eficiente e eficaz não existe. O que existe é um conjunto vasto de abordagens e de teorias que, por sua vez, incluem uma extensa gama de técnicas, processos de implementação e soluções de administração de recursos, que proporcionam aos gestores uma panóplia de alternativas para os diversos problemas de gestão que estes enfrentam todos os dias.

Na era da modernidade, os gestores obrigam-se a seleccionar criteriosamente e com elevado rigor a informação que necessitam, até porque o volume de in-formação de que dispõem é cada vez maior, com todos os prós e com todos os contras que esta realidade trouxe ao mundo da Gestão. Tal como num conflito militar, mas onde não há lugar a tréguas, as empresas tentam conquistar o seu lugar no mercado e alcançar metas sucessivamente mais ambiciosas.

Independentemente das estruturas organizacionais e da tecnologia, hoje, como ontem, os recursos humanos continuam a ser o activo mais precioso das organi-zações. Nas empresas, muito especialmente aí, o aumento da competitividade, a necessidade de identificar oportunidades e, ainda, a exigência de correr riscos, são apenas alguns dos campos onde residem as grandes preocupações dos gestores.

Para enfrentar esses e outros desígnios, as organizações actuais, aqui entendidas em sentido lato, requerem, acima de tudo, competência. Uma com-petência ampla e diversificada, porque não é apenas a competência técnica que

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é requerida. Ganham por isso destaque os gestores que analisam para lá dos pormenores e apresentam uma perspectiva pragmática e objectiva dos problemas. Não aumentam os problemas já existentes, criando outros. Procuram soluções e aproveitam oportunidades, inspirando confiança nos seus colaboradores, conquistando-os pela seriedade, determinação e justeza das suas decisões.

É importante que o gestor lidere, exercendo a sua autoridade, mas dele-gando tarefas. Essa atitude é fundamental, porque o gestor necessita de tempo disponível para reflectir sobre as questões profissionais, mas também, não menos importante, para se abstrair delas. A sua motivação e a qualidade do seu trabalho ganham tendencialmente com isso, sendo ainda potenciadas pela redescoberta da alteridade, que na reaprendizagem com os outros - seja pelos sucessos, seja pelos insucessos - permite que os gestores adquiram experiência e flexibilidade decisória.

E isso, se outras razões não houvesse, bastava. Até porque, como dizia Peter Drucker, “não há nada mais inútil como fazer eficientemente aquilo que nunca deveria ter sido feito”.

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Paula Gomes dos Santos (*)

Professora Doutora

Manuela Sarmento (**)

Professora Doutora

(*) Professora Auxiliar na Universidade Lusíada de Lisboa e ISCAL.(**) Professora Associada com Agregação na Academia Militar

ABSTRACT

Portugal must present their national accounts according to ESA 95 rules, making adjustments of the information obtained in the public accounts for the national accounts. Despite the differences between those two accounts, this article aims to present some transactions in which the effects on public accounts deviate from those recommended in ESA 95, and that are not being considered in the adjustments made from government to nationals accounts. Thus, several methodological issues arise from the use of different criteria for recognition and measurement of transactions in the context of public and natio-nal accounts, limiting the aimed convergence and conditioning the calculation of macroeconomic aggregates.

Keywords: Public Accounts, National Accounts, Harmonization, Comparability.

RESUMO

Portugal tem que apresentar as suas contas nacionais de acordo com as regras do SEC 95 tendo que proceder ao ajustamento da informação obtida nas contas públicas para as contas nacionais. Neste sentido, e não obstante as dife-renças existentes entre aquelas duas contabilidades, o presente artigo pretende apresentar diversas transacções em que os efeitos na contabilidade pública se

Critérios diferentes de reConheCimento e mensurAção dAs

trAnsACções no Contexto dAs ContAs públiCAs e dAs ContAs nACionAis

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afastam dos que estão preconizados no SEC 95, não sendo os mesmos consi-derados nos ajustamentos efectuados para transpor as contas públicas para as nacionais. Assim, diversas questões metodológicas se levantam pela utilização de diferentes critérios de reconhecimento e mensuração das transacções no contexto das contas públicas e das contas nacionais, limitando a convergência que se pretende e condicionando o cálculo dos agregados macroeconómicos.

Palavras-Chave: Contas Públicas, Contas Nacionais, Harmonização, Compa-rabilidade.

1. INTRODUÇÃO

Portugal tem procedido, nos últimos anos, a alterações ao nível da Con-tabilidade do Sector Público Administrativo (SPA) de modo a atender às necessidades de passagem das contas na óptica da contabilidade pública para a contabilidade nacional, face às exigências resultantes da aplicação do Sistema Europeu de Contas de 1995 (SEC 95). Assim, pode ler-se na introdução do Decreto-Lei que aprovou o Plano Oficial de Contabilidade Pública 1 (POCP) que um dos seus objectivos consiste na “obtenção expedita dos elementos indispensáveis ao cálculo dos agregados relevantes da conta-bilidade nacional, particularmente dos que respeitam às contas nacionais das administrações públicas e que são particularmente importantes para aferição do cumprimento dos compromissos assumidos no quadro do Tratado insti-tuindo a União Europeia”.Também no classificador económico das receitas e das despesas públicas actu-almente em vigor em Portugal 2 se salientou a necessidade de compatibilizar a informação prestada pelo Governo Português às instâncias comunitárias, dado que se verificavam alguns desajustamentos dos anteriores classificadores face às necessidades de passagem das contas na óptica da contabilidade pública para contabilidade nacional, no âmbito das novas exigências resultantes da aplicação do SEC 95.Deste modo, e como salienta Lüder (2000), têm vindo a verificar-se reformas na contabilidade pública na maior parte dos países as quais, de forma inten-cional ou não, originam distorções na informação proporcionada pelas contas nacionais, dada a tendência a que se assiste de “desarmonizar” os sistemas de contabilidade pública dentro de cada país e entre países. Esta tendência

1 Decreto-Lei n.º 232/97, de 3 de Setembro.2 Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de Fevereiro.

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da contabilidade pública afecta, negativamente, a contabilidade nacional, originando procedimentos que se enquadram na denominada “contabilidade criativa”, em virtude de existirem diferenças no que respeita às entidades informativas e às bases de contabilização de cada um dos sistemas.Outros autores, como Montesinos e Vela (2000) e Lüder e Jones (2003), reiteram a necessidade de harmonizar os sistemas contabilísticos na óptica da contabilidade pública, nomeadamente dentro da União Europeia, devido à diversidade de procedimentos e práticas existentes.Lüder (2000) salienta, ainda, que a necessidade de serem feitos ajustamen-tos à informação prestada pela contabilidade púbica, de modo a calcular os valores dos agregados macroeconómicos, como o défice orçamental ou a dívida pública, condiciona a sua comparabilidade e fiabilidade.Neste contexto, o presente artigo pretende apresentar algumas situações em que a informação produzida pela contabilidade pública continua desajustada face às exigências europeias. Assim, serão apresentadas as questões relativas ao tratamento contabilístico ao nível da contabilidade pública e da contabili-dade nacional (SEC 95) do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos Encargos Assumidos e Não Pagos (EANP), das regras de mensuração das despesas de capital e da existência de um período complementar para pagar e cobrar as despesas e as receitas, respectivamente. Serão, ainda, estudadas as regras de transposição das contas públicas para as nacionais, seguidas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) respeitantes às situações apresentadas.

2. O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

Com a publicação do POCP, a legislação existente a respeito da contabilização do IVA tornou-se contraditória, situação que se manteve até 2004. De facto, a Circular Série A n.º 1101, de 21 de Agosto de 1985, da Direcção-Geral do Orçamento (DGO) definia que o IVA dedutível deveria ser considerado na classificação económica da despesa a que dizia respeito, o mesmo se devendo fazer quanto ao IVA liquidado no que concerne à receita. Entre-tanto, em 1997, com a publicação do POCP, a movimentação patrimonial implica que nos casos de IVA liquidado ou dedutível a entidade funciona como mera intermediária, pelo que os reflexos patrimoniais e orçamentais não eram coerentes.O novo classificador económico de 2002 3 veio estabelecer que a liquidação de IVA deve ser considerada como operação extra orçamental. No entanto,

3 Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de Fevereiro.

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nada diz quanto ao que fazer no caso da entidade proceder à dedução de IVA. Apenas em Dezembro de 2004, a DGO emitiu a Circular n.º 1314, que veio revogar a circular de 1985 e estabelecer a contabilização do IVA liquidado e dedutível como operações extra orçamentais, tornando coerentes os três diplomas que tratavam este assunto.Salienta-se que apesar de a partir de final de 2004 toda a legislação ser coerente sobre este tema existiam opiniões diferentes de uma entidade com competências normalizadoras nesta área. De facto, a opinião do Grupo de Trabalho que apoiou a aplicação do Plano das Autarquias Locais (SATAPOCAL) sobre o IVA não era coerente com a legislação em vigor, uma vez que sempre reiterou que o IVA liquidado e o dedutível deviam ter expressão orçamental nas classificações económicas associadas aos processos de receita e despesa respectivos.Deve ter-se presente que, no âmbito da contabilidade nacional, o SEC 95 es-tabelece que a produção de bens e serviços são valorizadas excluindo o IVA facturado e as compras de bens e serviços são registadas incluindo apenas o IVA não dedutível. Deste modo, a partir de 2004 a legislação portuguesa tornou coerente a solução seguida no contexto da contabilidade pública e da nacional.No entanto, em Janeiro de 2009, a DGO publicou a Circular Série A n.º 1345, de 6 de Janeiro de 2009, que veio revogar a Circular n.º 1314, voltando-se a instituir o tratamento do IVA liquidado e dedutível como operações orçamentais. Até à data não houve qualquer alteração ao Decreto-Lei n.º 26/2002, pelo que a Circular da DGO é contraditória com aquele diploma.Apresentam-se no Quadro 1 os tratamentos preconizados para o IVA pela diferente legislação.

Quadro 1 – Contabilização do IVA.

Fonte Contabilização do IVA ConsequênciaCircular Série A n.º 1345, de 6 de Janeiro de 2009, da DGO 4

O valor do IVA dedutível na aquisição de bens ou serviços é reconhecido na dotação orçamental que sustenta a des-pesa, devendo o registo do cabimento e do compromisso incidir nas rubricas correspondentes, pelo valor dos bens ou serviços adquiridos, acrescido do imposto dedutível. O valor do IVA liquidado na venda de bens ou prestação de serviços deverá ser registado no orçamento de receita, na respectiva classificação económica que suporta a transacção.

O IVA dedutível é contabilizado como operação extra orçamental.O IVA liquidado na venda de bens ou prestação de serviçosé registado como operação extra orçamental.

Operações orçamentais

Operações extra orçamentais

Circular Série A n.º 1314, de 23 de Dezembro de 2004, da DGO 5

4 Revoga a Circular n.º 1314.5 Revoga a Circular n.º 1101.

(Continua)

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As operações relacionadas com imposto liquidado devem ser tratadas como “Operações de tesouraria”, Capítulo 17, Grupo 02, não sendo, portanto, enquadradas como receita orçamental.

A produção de bens e serviços são valorizadas excluindo o IVA facturado e as compras de bens e serviços são registadas incluindo apenas o IVA não dedutível.

O IVA suportado (dedutível ou não) deveria integrar a mesma rubrica de classificação económica.O IVA liquidado seria considerado como uma receita orçamental.

A aquisição de bens ou serviços passíveis de IVA devem ser contabilizadas a um valor que inclui o montante do imposto incidente sobre o preço dos mesmos, pelo que a correspondente despesa deve onerar a dotação que suportar em termos orçamentais o encargo principal com a aquisição.A importância a cobrar aos clientes pela liquidação do im-posto sobre bens ou serviços fornecidos deve ser classificada na mesma rubrica onde se escritura a receita proveniente daqueles fornecimentos.

Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de Fevereiro

Circular Série A n.º 1101, de 21 de Agosto de 1985, da DGO

SEC 95

Deste modo, parece que Portugal considerou terem existido alterações na natureza das operações que envolvem o IVA e que tornaram necessário mu-dar a política contabilística seguida a qual se encontrava, aliás, harmonizada com a solução seguida pela União Europeia (UE). Deve ter-se presente que os orçamentos que consideram os valores do IVA como receitas e despesas orçamentais, apesar de estarem equilibrados (uma vez que o efeito se anula), apresentam a receita e a despesa sobreavaliada, face aos que adoptaram a outra solução. Refira-se, ainda, que os diversos boletins de execução orçamental de 2009 e de 2010 da DGO, que mostram a evolução das receitas e das despesas e fazem a análise comparativa com os períodos anteriores, não têm qualquer referência à alteração de procedimento no tratamento do IVA o que poderá condicionar a interpretação dos números relativos à execução orçamental.Também o Inventário de Fontes e Métodos português relativo à compilação dos dados no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos (INE, 2007) estabelece, quanto ao IVA, apenas a necessidade de ajustar a informação apurada numa base de “caixa” para uma base de “caixa ajustada” dado que na óptica da Contabilidade Nacional se releva o momento em que o valor

Fonte Contabilização do IVA Consequência

IVA liquidado como operação

extra orçamentalIVA dedutível?

Operações extra

orçamentais

Operações orçamentais

Operações orçamentaisSATAPOCAL

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económico, os direitos ou obrigações são criados, transformados ou extintos e não quando ocorre o recebimento ou pagamento correspondente. Assim, a Comissão Europeia (2002;p.124) estabelece que o IVA será registado nas contas nacionais no momento em que se realizou a actividade que gerou a obrigação fiscal. Deste modo, os montantes de base caixa registados nas contas públicas, terão um ajustamento temporal, de forma a serem afectados ao período em que se verificou a actividade que gerou a obrigação.Neste sentido, pode ler-se no relatório do Conselho Superior de Estatística (2003;p.9) que “por razões que se prendem com falta de informação alter-nativa fiável, as Contas Nacionais têm vindo a adoptar os valores “caixa”, cobrados pela Administração Pública, para a totalidade dos impostos sobre os produtos. Não obstante, após analisar a realidade subjacente ao momento de ocorrência do facto gerador e a efectiva liquidação dos principais impostos, concluiu-se pela necessidade de proceder ao ajustamento temporal do IVA, uma vez que o montante cobrado em Janeiro de n+1 diz respeito à actividade económica ocorrida em Dezembro de n. Tomando como referência o prazo legal de apresentação do documento de auto-liquidação do IVA, adoptou-se como critério de ajustamento adicionar ao valor de IVA cobrado, 75% da diferença do total das receitas de IVA referentes a Janeiro e Fevereiro de n+1 e as receitas de Janeiro e Fevereiro de n”.Deste modo, considera-se que não se prevêem quaisquer ajustamentos decor-rentes do facto de a informação referente às despesas e receitas ser apurada com IVA incluído (quer liquidado, quer o dedutível) quando tem que ser reportada à UE líquida daqueles valores. A Comissão Europeia (2002;p.123) salienta que a forma como os impostos são registados no quadro do SEC 95, para efeitos do procedimento dos dé-fices excessivos, “é uma questão crucial: o método tem de ser transparente e o impacto sobre o défice das administrações públicas comparável”.

3. OS ENCARGOS ASSUMIDOS E NÃO PAGOS

A contabilidade pública e a nacional assentam em bases diferentes sendo os fluxos relativos às administrações públicas frequentemente registados numa base de caixa, enquanto que para as contas nacionais os fluxos devem ser contabilizados numa óptica de acréscimo. No entanto, o próprio SEC 95 sa-lienta a necessidade de flexibilidade no que respeita ao momento do registo dado que por vezes é difícil executar uma transformação exacta daqueles fluxos, passando-os de uma base caixa para uma base de especialização

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económica. Nestes casos pode, pois, ser necessário recorrer a aproximações (SEC 95, § 1.57).Os diversos Decretos-Lei de Execução Orçamental estabelecem a obrigação, por parte dos serviços, de prestar informação respeitante aos “encargos as-sumidos e não pagos” (EANP) dada a necessidade de ajustar a informação contabilística prestada numa base de caixa para uma base de acréscimo. No entanto, aquele conceito tem-se revestido de enorme dificuldade dado que a legislação portuguesa apresenta definições diferentes para aquelas despesas.De acordo com o relatório da Comissão para a análise das contas públi-cas (Banco de Portugal, INE e DGO, 2002), o Orçamento de Estado para 2002 foi revisto de modo a contemplar o pagamento de todas as despesas com origem em anos anteriores, o que fez aumentar o respectivo défice na óptica da contabilidade pública que usa um critério de caixa. Na óptica da contabilidade nacional, porém, essas despesas, uma vez que foram efec-tivamente realizadas em anos anteriores, têm que se adicionar ao défice desses mesmos anos, de acordo com um critério de compromissos ou de especialização económica.Naquele relatório foi produzida uma recomendação relativa ao registo das “despesas de anos findos” (Banco de Portugal, INE e DGO, 2002) no sen-tido de aqueles montantes deverem ser contabilizados, em contabilidade nacional, na despesa dos anos a que se referem os compromissos apesar de constituírem despesa do corrente ano em termos de contabilidade pública. Deste modo, para a elaboração da alteração ao Orçamento de 2002 a DGO solicitou a todos os Serviços do Estado “... o apuramento dos compromissos assumidos em anos anteriores e que constituirão pagamentos no presente ano económico, por conta das verbas inscritas no Orçamento do Estado para 2002” (Banco de Portugal, INE e DGO, 2002; p. 22). Esta solicitação aos Serviços manteve-se ao longo dos anos até que, em 2004, foi formulada de forma diferente. De facto, a Circular Série A n.º 1306 da DGO 6 , refere que até 2003 se utilizava a actividade 198 “despesas de anos anteriores” para evidenciar o pagamento das despesas relativas a compromissos de anos anteriores, passando a determinar-se que “as des-pesas de anos anteriores a serem realizadas em 2004 apenas podem estar associadas a dívidas vencidas e não pagas em 2003 (facturas cujo prazo de pagamento findasse até 31 de Dezembro de 2003) e que transitaram para

6 Circular de 5 de Janeiro de 2004.

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2004”. Estabeleceu-se, ainda, a utilização de uma subalínea da classificação económica da despesa cuja segunda posição do campo será necessariamente “9” sempre que esteja em causa o pagamento de dívidas transitadas de 2003. Ora, assim sendo, mesmo que o compromisso e a factura fossem de 2003, se a mesma só se vencesse em 2004 o seu pagamento seria efectuado como despesa do ano e não de anos anteriores.Salienta-se que, de acordo com o POCP, o compromisso consiste na assunção, face a terceiros, da responsabilidade de realizar determinada despesa tendo como suporte uma requisição oficial, uma nota de encomenda, um contrato ou equivalente. Deste modo, o compromisso deverá ocorrer em momento anterior à factura, pelo que os compromissos por pagar serão, em princípio, superiores ao valor das facturas vencidas e não pagas.No entanto, na Circular Série A n.º 1333 7 a DGO estabelece que “os ser-viços e organismos deverão assegurar o adequado registo de pagamentos que respeitem a compromissos assumidos em anos anteriores com a devida especificação, em termos de classificação económica, oportunamente divul-gada pela Circular Série A n.º 1306”.Em 2008, com a Circular Série A n.º 1339, a DGO alterou de novo o conceito de encargos de anos anteriores preconizando que se entende por “Encargos assumidos e não pagos, a assunção, face a terceiros, da responsabilidade de realizar determinada despesa, desde que seja certa - porque já foi reconhe-cida pelo devedor e não se encontra condicionada à ocorrência de qualquer acontecimento futuro, e, quer se encontre vencida - porque já expirou o prazo de pagamento, quer se encontre vincenda - porque o prazo de pagamento ainda não expirou”. Deste modo, a definição de despesa de anos anteriores assenta na existência de factura (ou documento equivalente) e não na existência de compromisso. No entanto, a mesma Circular salienta que se verifica uma alteração no conceito a utilizar de “Encargos Assumidos e Não Pagos” considerando-se, doravante, como o valor de todos os compromissos assumidos até à data, vencidos ou vincendos. A referida Circular estabelece, ainda, que se deve assegurar a rigorosa coerência entre o registo dos encargos assumidos e não pagos e a informação reflectida nos mapas de execução orçamental da despesa, na coluna relativa a “Despesa pagas – anos anteriores”.Refira-se que o POCP preconiza que as despesas pagas de anos anteriores respeitam aos pagamentos efectuados no exercício relativos a obrigações

7 Circular de 11 de Abril de 2007.

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assumidas em exercícios anteriores. Aquele diploma estabelece, ainda, que as obrigações constituídas correspondem aos compromissos assumidos. Deste modo, não se afigura possível assegurar a coerência entre as despesas pagas de anos anteriores e os EANP se estes assentarem em dívidas e não em compro-missos, a não ser que não se respeite o preceituado no Decreto-Lei do POCP.É de salientar que a Circular Série A n.º 1364 de 2011 revogou, entretanto, a Circular n.º 1339 mantendo, no entanto, o mesmo conceito de EANP, deixando de fazer referência aos compromissos assumidos e à coerência com as despesas pagas de anos anteriores.A confusão de conceitos mantém-se na Circular Série A n.º 1359 de 2010, quando a DGO estabelece que no respeitante aos “encargos assumidos certos e exigíveis” os serviços integrados devem proceder ao registo dos compromissos assumidos a satisfazer por dotações orçamentais de 2010 no SIC 8 ou no RIGORE 9, conforme aplicável, logo que seja emitida a nota de encomenda, ou a requisição oficial, ou quando o compromisso (que pode, nomeadamente, ser resultante da execução de contratos, tratados ou leis) se torne certo e exigível. Também os serviços e fundos autónomos devem registar os compromissos nos respectivos sistemas de contabilidade, asse-gurando que a informação reportada através do SIGO-SFA 10 contém esta componente. Refira-se que esta nomenclatura continua a ser utilizada em 2011 na Circular n.º 1363.Não pode deixar-se de referir que a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde emitiu, em 2008, a Circular Informativa n.º 20, na qual transcreve o teor de um ofício da DGO a respeito da definição de EANP, onde se estabelece que se pretende que aqueles encargos correspondam aos valores que estão efec-tivamente em dívida pelo serviço e que se aproximem aos registos de uma contabilidade numa óptica patrimonial, com um critério de responsabilidade assumida e de especialização económica. Reforça-se, ainda, que o conceito de EANP em vigor não corresponde à figura de “Compromisso” do SIC ou do SIGO-SFA. Os valores de ambas podem eventualmente corresponder mas não são necessariamente equivalentes, uma vez que o compromisso assumi-do no SIGO-SFA ocorre e está vocacionado para o controlo segundo uma óptica orçamental. Ora, se se está de acordo que a DGO parece pretender que os EANP respeitem aos valores em dívida, já não se compreende a razão de a

8 Sistema de Informação Contabilística utilizado pelos Serviços Integrados que apenas dispõem de conta-bilidade orçamental.

9 Rede Integrada de Gestão Orçamental e dos Recursos do Estado (RIGORE).10 Sistema de Informação de Gestão Orçamental utilizado pelos Serviços e Fundos Autónomos.

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própria DGO continuar a utilizar em diversas Circulares o conceito de compro-misso de anos anteriores associado aos EANP se aqueles não são equivalentes.Os diversos Decretos-Lei de Execução Orçamental têm estabelecido a obri-gatoriedade de os serviços e os organismos manterem actualizadas as suas dotações orçamentais com o registo dos encargos assumidos, de acordo com o disposto no artigo 45.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), e no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho. Refira-se que artigo 45.º da LEO respeita à assunção de compromissos e o artigo 10.º refere-se à contabilidade de compromissos ou encargos assumidos. Salienta-se que o Decreto-Lei que estabelece as normas de execução do OE para 2011 11 não utiliza a expressão “encargos assumidos” mas sim “compro-missos” reforçando, no artigo 11.º, a necessidade de os serviços e organismos da administração central registarem todos os compromissos correspondentes a despesas certas, líquidas e exigíveis programadas para o ano de 2011, nos termos dos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, ainda que a obrigação de pagamento não tenha ainda sido gerada.No entanto, também estes Decretos-Lei não ajudam a esclarecer a questão dado que preconizam que os serviços integrados e os serviços e fundos autónomos são responsáveis por proceder ao registo da informação sobre os EANP, incluindo o saldo das dívidas inicial e a transitar. O Decreto-Lei n.º 29-A/2011 no artigo 44.º n.º 4 acrescenta, ainda, que a “informação prestada nos termos do presente artigo deve ser consistente com o registo de compromissos a que se refere o artigo 11.º”.A Circular n.º 1339 salienta que a informação referente aos EANP se destina a ser utilizada na compilação das contas das Administrações Públicas para efeitos do Procedimento dos Défices Excessivos, bem como a dar cumprimento ao Programa “Pagar a Tempo e Horas”, o qual estabelece um conjunto de medidas visando a diminuição do prazo médio de pagamento a fornecedores. Mais uma vez está criada a confusão quanto ao que se entende por encargos assumidos. De facto, no âmbito do Programa “Pagar a Tempo e Horas” 12 os EANP correspondem às dívidas de curto prazo a fornecedores. No entanto, o Inventário de Fontes e Métodos português relativo à compilação dos dados no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos (INE, 2007) estabelece a necessidade de ajustar a informação numa base de caixa para uma base de acréscimo dado que nem todos os serviços implementaram o POCP, o que é feito através de informação recolhida de Entidades Estatais. Os prin-

11 Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março.12 Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/2008, de 22 de Fevereiro.

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cipais ajustamentos efectuados na despesa para a aproximar à especialização do exercício são efectuados adicionando à despesa paga os compromissos assumidos a pagar e retirando os pagamentos de compromissos assumidos em anos anteriores.De acordo com o INE (2007) tem que se passar de uma base de caixa para uma de compromissos, estabelecendo-se que os compromissos de anos an-teriores correspondem às obrigações vencidas em anos anteriores. Apesar da referência a “compromissos” parece assumir-se a definição estabelecida em 2004 respeitante a dívidas vencidas e não pagas. No entanto, salienta-se que estes são os procedimentos actualmente em vigor e o conceito actual da DGO já não é o de dívidas vencidas, incluindo-se também as vincendas, pelo que se sugere uma actualização dos conceitos por parte do INE. A informação prestada nos diversos Relatórios referentes aos Orçamentos do Estado e Contas Gerais do Estado (CGE) também não contribui para a clareza dos conceitos dado que os dados relatados referentes às despesas de anos anteriores se reportam ao pagamento de compromissos de anos anteriores. Pode ler-se, por exemplo, no Relatório da CGE de 2007 (2007: 153) que a informação apresentada traduz o novo conceito de “encargos assumidos e não pagos”, adoptado no âmbito do “Programa Pagar a Tem-po e Horas”, que considera o valor de todos os compromissos assumidos, independentemente de se encontrarem vencidos ou vincendos, enquanto que anteriormente apenas se tinha em conta o valor da dívida assumida, cujo prazo de pagamento já tivesse expirado.Apresenta-se no Quadro 2 um resumo dos conceitos de “Despesas de anos anteriores” ou de “Encargos assumidos e não pagos” apresentados em di-versas fontes.

13 Revogou a Circular Série A n.º 1339, de 1 de Abril de 2008 da DGO.

Quadro 2 – Conceito de encargos assumidos e não pagos.

Fonte Encargos assumidos e não pagos Critério de reconhecimento

“Entende-se por encargos assumidos e não pagos a assunção, face a terceiros, da responsabilidade de realizar determinada despesa, desde que seja certa – porque já foi reconhecida pelo devedor e não se encontra condicionada à ocorrência de qualquer acontecimento futuro –, e quer se encontre vencida – porque já expirou o prazo de pagamento - quer se encontre vincenda – porque o prazo de pagamento ainda não expirou”.

Circular Série A n.º 1364, de 11 de Março de 2011, DGO 13

Facturas venci-das e vincendas

(Dívida)

(Continua)

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Os serviços e organismos da Administração Central são res-ponsáveis por registar todos os compromissos correspondentes a despesas certas, líquidas e exigíveis programadas para 2011, mantendo este registo permanentemente actualizado, ainda que a obrigação de pagamento não tenha ainda sido gerada. Os serviços e organismos registam os pagamentos relativos a compromissos assumidos em anos anteriores preenchendo com “9” a segunda posição da subalínea da classificação económica da despesa. Os serviços e organismos da administração central registam todos os compromissos correspondentes a despesas certas, líquidas e exigíveis programadas para o ano de 201, ainda que a obrigação de pagamento não tenha ainda sido gerada.Os serviços integrados e os serviços e fundos autónomos são responsáveis por proceder ao registo da informação sobre os encargos assumidos e não pagos, incluindo o saldo da dívida inicial, o movimento no trimestre e o saldo da dívida a transitar para o trimestre seguinte.A informação prestada nos termos do presente artigo deve ser consistente com o registo de compromissos a que se refere o artigo 11.º.As despesas do exercício e as respeitantes a compromissos assumidos em anos anteriores são obrigatoriamente segregadas.A identificação de «Despesas de Anos Anteriores» é efectuada, à semelhança do que já acontece na execução orçamental, pela utilização da subalínea da classificação económica da despesa cuja segunda posição do campo será necessariamente 9.Encargos assumidos certos e exigíveis - Os serviços procedem ao registo dos compromissos assumidos logo que seja emitida a nota de encomenda, ou a requisição oficial, ou quando o compromisso (que pode nomeadamente ser resultante da exe-cução de contratos, tratados ou leis) se torne certo e exigível.

Os serviços e organismos da Administração Central devem inscrever separadamente as despesas do exercício e as respeitantes a compromissos assumidos em anos anteriores.

Os serviços e organismos devem assegurar o adequado registo de pagamentos que respeitem a compromissos assumidos em anos anteriores.

Os serviços integrados e os serviços e fundos autónomos são responsáveis por proceder ao registo da informação sobre os encargos assumidos e não pagos, incluindo o saldo da dívida inicial, o movimento no trimestre e o saldo da dívida a transitar para o trimestre seguinte.

Fonte Encargos assumidos e não pagos Critério de reconhecimento

Artigo 11.º De-creto-Lei n.º 69-A/2009, de 24 de Março

Compromissos

Artigo 44.º De-creto-Lei n.º 69-A/2009, de 24 de Março

Dívida?Compromissos?

Circular Série A n.º 1360, de 12 de Agosto de 2010, DGO

Compromissos

Compromissos

Compromissos

Compromissos

Circular Série A n.º 1359, de 23 de Junho de 2010, DGO

Circular Série A n.º 1354, de 4 de Dezembro de 2009, DGOCircular Série A n.º 1351, de 14 de Maio de 2009, DGO

Artigo 52.º De-creto-Lei n.º 69-A/2009, de 24 de Março

Dívida (factura)

(Continua)

Circular Série A n.º 1363, de 9 de Março de 2011, DGO

Compromissos

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Verifica-se uma alteração no conceito a utilizar de “Encargos Assumidos e Não Pagos” considerando-se, doravante, como o valor de todos os compromissos assumidos até à data, vencidos ou vincendos.“Entende-se por encargos assumidos e não pagos a assunção, face a terceiros, da responsabilidade de realizar determinada despesa, desde que seja certa – porque já foi reconhecida pelo devedor e não se encontra condicionada à ocorrência de qualquer acontecimento futuro –, e quer se encontre vencida – porque já expirou o prazo de pagamento – quer se encontre vincenda – porque o prazo de pagamento ainda não expirou”.

Information from budget reporting is used to bring cash basis closer to accrual basis, by deducting from the expenditure paid in year (n), the payments relative to previous years’ commitments, and adding the expenditure of year (n) which will remain outstanding for the year (n+1). A previous year commitment is an obligation with payment due in prior years.Os serviços e organismos deverão assegurar o adequado registo de pagamentos que respeitem a compromissos assu-midos em anos anteriores, com a devida especificação, em termos de classificação económica, oportunamente divulgada pela Circular Série A n.º 1306, de 5 de Janeiro de 2004.Até 2003 utilizava-se a actividade 198 “Despesas de anos anteriores” para evidenciar o pagamento das despesas re-lativas a compromissos de anos anteriores.As despesas de anos anteriores a serem realizadas em 2004 apenas podem estar associadas a dívidas vencidas e não pagas em 2003 (facturas cujo prazo de pagamento findasse até 31 de Dezembro de 2003) e que transitaram para 2004. “Orçamento de Estado para 2003 – Despesas de anos an-teriores” preceitua que “não podem ser inscritas dotações orçamentais em 2003 que se destinem a pagamento de compromissos de anos anteriores”.

As despesas pagas de anos anteriores são aquelas cujas obrigações foram assumidas em exercícios anteriores.

A contabilidade de compromissos ou encargos assumidos consiste no lançamento das obrigações constituídas.

Circular Série A n.º 1339, de 1 de Abril de 2008, DGO

Compromissos?Facturas vencidas

e vincendas?

Fonte Encargos assumidos e não pagos Critério de reconhecimento

INE: Inventário de Fontes e Métodos relativo à compila-ção dos dados no âmbito do Procedi-mento dos Défices Excessivos

Compromissos?Facturas vencidas?

Circular Série A n.º 1333, de 11 de Abril de 2007, DGO

Compromissos

Facturas vencidas

Circular Série A n.º 1297, de 4 de Novembro de 2002, DGO

Circular Sé-rie A n.º 1306, de 5 de Janei-ro de 2004 , DGO

Compromissos

Decreto-Lei n.º 232/97, de 3 de Setembro

Compromissos

CompromissosArtigo 10.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho

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4. CLASSIFICAÇÃO ECONÓMICA DAS DESPESAS

O classificador económico das despesas e receitas públicas 14 reforça que os diversos códigos assentam “na observância de princípios fundamentais da contabilidade pública, como sejam a legalidade e a transparência na aplicação dos recursos públicos financeiros, visando a concretização das prioridades de política económica e social”. A substituição dos anteriores classificadores 15 decorreu da sua não adequação face às mudanças sofridas nos últimos anos pela administração financeira do Estado e dos compromissos assumidos no âmbito da UE, nomeadamente no que concerne aos constrangimentos impos-tos pelos compromissos assumidos em matéria de consolidação orçamental, o que passa pelo acompanhamento individualizado da execução orçamental de cada um dos subsectores do SPA.A nível nacional, a Administração Pública (AP) portuguesa foi alvo de uma reforma financeira, que se traduziu na adopção de procedimentos contabi-lísticos que vão para além da mera aferição da legalidade da classificação económica das receitas e despesas públicas baseando-se, actualmente, numa lógica de gestão racional dos recursos financeiros afectos ao SPA. Deste modo, o novo classificador económico das receitas e despesas públicas veio consubstanciar, no domínio orçamental, a concretização dos objectivos de-correntes da adopção do POCP e demais planos sectoriais, pretendendo-se a normalização contabilística ao nível de todo o SPA, dado este classificador ter sido estendido a subsectores que não se encontravam abrangidos pelos anteriores classificadores, nomeadamente à segurança social e à administração local e regional (saliente-se que, por exemplo, o sector da administração local se encontrava sujeito ao classificador previsto no POCAL). Acresceu ainda o facto de, com o desenvolvimento na AP da gestão baseada na contabilidade patrimonial e analítica em virtude da adopção do POCP e subsequentes planos sectoriais, se ter sentido a necessidade de se proceder a uma harmonização contabilística também no plano da contabilidade orçamental.Por outro lado, esteve também em causa a adaptação dos classificadores existentes às necessidades em termos de passagem da óptica da contabilidade pública à contabilidade nacional, designadamente no âmbito da aplicação do SEC 95. Decorrente desta preocupação houve, ainda, que estruturar os

14 Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de Fevereiro.15 Decretos-Leis n.os 112/88, de 2 de Abril, e 450/88, de 12 de Dezembro, classificação económica das

despesas e receitas públicas, respectivamente.

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diversos códigos de classificação económica da receita e da despesa de acordo com o conceito de “sector institucional”, relevante para efeitos de apresentação de valores para o conjunto da economia. Neste sentido, o âmbito de abrangência do Agrupamento de classificação económica de despesa 07.00.00 “Aquisição de bens de capital” foi signi-ficativamente alargado, aproximando-se do conceito de formação bruta de capital fixo, na óptica da contabilidade nacional (SEC 95) e de imobilizado, na óptica da contabilidade patrimonial.Assim, o Decreto-Lei n.º 26/2002 estabelece que “não obstante as várias acepções em que o termo «investimento» pode teoricamente ser tomado, salienta-se que, para efeitos do presente classificador, o mesmo é encarado segundo uma óptica de estrita natureza de investimento, pelo que, no âmbito daquele subagrupamento, se compreenderão, exclusivamente, as despesas com a aquisição (e também as grandes reparações) dos bens que contribuam para a formação de «capital fixo», isto é, os bens duradouros utilizados, pelo menos, durante um ano, na produção de bens ou serviços, sem que dessa utilização resulte alteração significativa da sua estrutura técnica (máquinas, equipamentos, material de transporte, edifícios, outras construções, etc.)”.Esta definição é bastante semelhante à apresentada pelo Decreto-Lei n.º 232/97 quanto ao “imobilizado” o qual “inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinam a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da entidade”. Também o SEC 95 apresenta o conceito de “formação bruta de capital fixo” como englobando as aquisições de activos fixos sendo estes os “activos corpóreos ou incorpóreos resultantes de processos de produção, que são por sua vez utilizados, de forma repetida ou continuada, em processos de produção por um período superior a um ano” (SEC 95: § 3.102).No entanto, apesar de os conceitos estarem bastante próximos, considera-se que ainda existem situações em que não se encontram totalmente compati-bilizados limitando a obtenção de informação harmonizada e condicionando o apuramento do agregado relativo à “formação bruta de capital fixo”. De facto, os imobilizados podem não englobar apenas despesas de capital, mas também despesas correntes. Assim, considera-se que a distinção apre-sentada pode ser desvirtuada em certas situações como no caso de uma entidade decidir fazer a construção de um edifício por adjudicação da obra a uma empresa, sendo os pagamentos ao empreiteiro considerados como despesas de capital (investimento). Se a obra for efectuada por administração directa, com máquinas e funcionários da própria entidade, as despesas serão contabilizadas como correntes, o que se traduz no facto de a mesma obra

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poder ter classificações contabilísticas patrimoniais e orçamentais distintas, dado que quer num caso quer no outro será contabilizada como Imobilizado.Outros exemplos podem ser apresentados, como a situação da contabilização das despesas de aquisição de imobilizados. De facto, a contabilização orça-mental das despesas associadas à aquisição não parece estar harmonizada com o tratamento patrimonial e com o preconizado pelas contas nacionais. Nos critérios de valorimetria, o POCP estabelece que se considera como “custo de aquisição de um activo a soma do respectivo preço de compra com os gastos suportados directa ou indirectamente para o colocar no seu estado actual”. Também no âmbito do SEC 95 se considera que “a formação bruta de capital fixo é avaliada ao preço de aquisição, incluindo as despesas de instalação e os demais custos da transferência de propriedade” (§3.113). Apenas o classificador orçamental estabelece apenas que os investimentos compreendem as despesas com a aquisição dos bens duradouros, não fazen-do referência ao que considera como “despesas com a aquisição”, ou seja, não estabelecendo de forma clara que incluem os gastos com a compra (ao contrário do que acontece, por exemplo, com as grandes reparações e benfeitorias). Tem sido prática corrente considerar as despesas associadas à compra como despesas correntes pelo que o valor contabilizado em despesas de capital e em imobilizado não será coincidente.

5. O PERÍODO COMPLEMENTAR

Apesar de não contempladas no POCP (ao contrário do que acontece em alguns planos sectoriais), as regras orçamentais consistem num conjunto de normas e procedimentos disciplinadores da vida financeira do Estado pelo que se considera que as mesmas não podem estar dissociadas do modelo contabilístico preconizado no plano público. Deste modo, a Lei de Enqua-dramento Orçamental 16 (LEO) consagra um conjunto de regras e princípios, os quais, respeitando a Constituição, disciplinam o OE e estabelecem os procedimentos relativos à sua elaboração, organização, discussão, aprova-ção, execução e alteração, bem como ao correspondente controlo. No que concerne ao âmbito de aplicação, de acordo com o artigo 2.º n.º 1, a LEO aplica-se “ao OE, que inclui os orçamentos dos serviços que não dispõem de autonomia administrativa e financeira 17, dos serviços e fundos autónomos

16 Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto e alterações posteriores.17 Serviços integrados (SI).

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(SFA) e da segurança social, bem como às correspondentes contas”. Há que ter presente, ainda, o n.º 5 daquele artigo onde se define que “sem prejuízo do princípio da independência orçamental estabelecido no n.º 2 do artigo 5.º, são aplicáveis aos orçamentos das regiões autónomas e das autarquias locais os princípios e regras contidos no título II 18 da presente lei”. Uma das regras orçamentais constantes da LEO é a regra da anualidade (regulamentada pelo artigo 106.º, n.º 1, da CRP e pelo artigo 4.º da LEO) a qual define que o orçamento é um documento de periodicidade anual, sem prejuízo de integrar programas e projectos que impliquem encargos plurianuais, o que comporta uma dupla exigência: ser votado e ser execu-tado anualmente.Em Portugal, desde 1936, que o ano económico coincide com o ano civil, não implicando, no entanto, a regra da anualidade a coincidência entre os dois anos. A delimitação do período orçamental assenta em dois sistemas possíveis: orçamento de exercício e orçamento de gerência (ou de caixa). No orçamento de exercício são inscritos os débitos e os créditos originados no ano, enquanto que no orçamento de gerência são incluídas as despesas a realizar e as receitas a cobrar efectivamente durante o ano. O sistema de gerência é o que vigora em Portugal desde 1930, sendo necessário, no entanto, ter presente que se admite a inscrição de despesas e de receitas a realizar num período complementar, a indicar em cada ano no Decreto-Lei de execução orçamental.De facto, apesar de não ter sido expressamente consagrado o sistema de gerência em nenhum artigo da LEO, foi este o adoptado como base concep-tual de construção do orçamento. A opção pelo sistema de gerência parece dever-se (Pinto & Santos, 2005; p.60):

– Ao controlo mais fácil da tesouraria, a qual se reveste de uma impor-tância crucial numa economia com défices excessivos e sucessivos. No entanto, esta opção levanta alguns problemas na elaboração das contas nacionais, nomeadamente no que concerne às obrigações de anos findos (uma vez que devem estar contidos nesses anos económicos e não no de pagamento) e às cobranças efectuadas em anos diferentes daqueles em que foram liquidadas.

– Ao fecho mais célere da Conta Geral do Estado (CGE), uma vez que é mais fácil e rápido fechar contas por tesouraria do que por conta corrente com diversas entidades.

18 Respeita aos princípios e regras orçamentais.

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De um ponto de vista económico-financeiro, a regra da anualidade resulta da necessidade de a programação e controlo das actividades ser efectuada de acordo com uma determinada perspectiva temporal. Torna-se, no entanto, necessário considerar horizontes temporais mais vastos pelo que os orça-mentos do SPA podem integrar programas, medidas e projectos ou acções que impliquem encargos plurianuais 19.Apesar de o orçamento ser anual a lei admite a possibilidade de se consi-derar um período complementar 20 para efectivação dos pagamentos e dos créditos originados ou autorizados no respectivo ano económico (este último só será aplicável aos serviços integrados (SI) 21), até à data que for indicada em cada ano no Decreto-Lei de execução orçamental. Estes têm operacio-nalizado o período complementar sustentando um sistema que compreende regimes diferentes de inscrição das receitas e das despesas na CGE. De facto, no âmbito da legislação aplicável ao orçamento 22 o sistema apresenta as seguintes características:

– Não são consideradas na CGE as despesas que não possam ser pro-cessadas, liquidadas e pagas até 7 de Janeiro. São, ainda, consideradas caducadas todas as autorizações de despesa cujo pagamento não tenha sido efectivado até à mesma data.

– A generalidade das receitas entra na CGE quando a sua efectivação se realize até 19 de Janeiro, relativamente a créditos originados ou autori-zados até 31 de Dezembro. No que concerne às receitas resultantes do endividamento público não se encontra referência ao respectivo período complementar (a Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro, determina que “o en-dividamento público directo autorizado em cada exercício orçamental poderá ser efectivado no exercício subsequente”). Deste modo, também o prazo de 19 de Janeiro será aplicável a este tipo de receitas (Melo e Porto, 2003).

Do exposto resulta que o período complementar para as receitas é mais extenso que o período previsto para as despesas, o que poderá conduzir à distorção da execução orçamental. É de sublinhar, por último, que a lei admite perí-odos complementares para o Estado mas não para as regiões autónomas ou para as autarquias locais. Esta situação consiste numa incorrência do sistema

19 Artigo 4.º, n.º 3, da LEO.20 Artigo n.º 7, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.21 Artigo n.º 52, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.19 Para a execução orçamental de 2011 foi publicado o Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março

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financeiro conduzindo a que, nas contas nacionais, se considerem valores de receitas e despesas que não correspondem ao mesmo período de tempo.Acresce, ainda, a distinção existente quanto ao período complementar, o qual é aplicável às receitas da administração directa do Estado, mas não se aplica às receitas dos SFA, nem ao orçamento da segurança social. Este facto implica que os pagamentos efectuados neste período por serviços e fundos autónomos ou da segurança social a entidades da administração directa do Estado podem ser imputados a um ano, enquanto que as cor-respondentes receitas serão imputadas como respeitando a outro ano. Esta situação traduz-se em dificuldades acrescidas a uma correcta consolidação orçamental, distorcendo a comparação entre as contas dos diversos subsec-tores da administração central e da segurança social, uma vez que as regras relativas ao encerramento das diversas contas não são uniformes.Salienta-se, ainda, que a LEO ao não determinar a data limite para o fecho das operações de execução orçamental, permite que essa data seja fixada anualmente nos respectivos Decretos-Lei de execução orçamental, o que se traduz na possibilidade de fazer variar essa data e, desse modo, os saldos apresentados em cada ano.

6. CONCLUSÕES

Actualmente temos legislação em vigor que estabelece a contabilização do IVA como operação orçamental e como extra orçamental. A primeira so-lução resulta contraditória com o tratamento patrimonial preconizado pelo POCP e com a solução preconizada pelo SEC 95. Deste modo, à questão da substância da operação em causa acresce a questão da legalidade da mesma, uma vez que os diplomas actualmente em vigor são incoerentes entre si. Acresce, ainda, o facto de o INE não proceder a qualquer ajustamento do IVA em virtude de tratar valores de despesa com IVA dedutível e de receita com IVA liquidado (quando para efeitos de apuramento das contas nacionais deveriam estar líquidos daqueles valores).O conceito de “compromisso” sempre foi relevante para efeitos de contabi-lidade orçamental sendo os serviços obrigados a possuir uma contabilidade de compromissos resultantes das obrigações assumidas. Quando se pretende utilizar o conceito de encargos assumidos para recolher informação para o “Programa Pagar a Tempo e Horas”, onde se pretende calcular prazos de pagamento de facturas, está a utilizar-se um conceito orçamental para apurar informação patrimonial.

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Em simultâneo, a compilação das contas das Administrações Públicas para efeitos do Procedimento dos Défices Excessivos tem-se baseado na neces-sidade de serem efectuados um conjunto de ajustamentos à informação re-portada numa base de caixa (dado que muitos serviços ainda não adoptaram a contabilidade patrimonial) de modo a ajustá-la a uma base de acréscimo. No entanto, o INE utiliza a informação recolhida com base no conceito de EANP para proceder àqueles ajustamentos, quando as regras estabelecidas indicam que a correcção a efectuar deveria basear-se nos compromissos que ficam por pagar (que devem ser somados à despesa paga) e nos compro-missos pagos de anos anteriores (que deve ser retirada àquela despesa). As próprias fontes do INE são confusas dado que parecem ter tentado integrar a alteração introduzida pela DGO com a Circular n.º 1306, no sentido de considerar apenas as facturas vencidas e não pagas. No entanto, aquele conceito já foi alterado pela Circular n.º 1339 e não se procedeu a qualquer alteração daquele documento metodológico.Acresce ainda o facto de aquele documento manter o conceito de compro-missos quando não é esta a informação que tem sido recolhida pela DGO quanto aos EANP, apesar de ela própria parecer confundir constantemente os conceitos de compromissos com o de EANP, quando “claramente” estabeleceu que o segundo se reporta aos valores efectivamente em dívida pelos serviços.Salienta-se que a informação reportada pelos Relatórios do Orçamentos do Estado e das Contas Gerais do Estado não é clara dado que os valores apre-sentados como referentes a despesas pagas de anos anteriores e contribuindo para o ajustamento das contas públicas para as contas nacionais respeitam a compromissos de anos anteriores, quando não é certo (e, até, muito pouco provável) que seja essa a base daquela informação. Também o documento metodológico do INE deve estabelecer de forma clara quais são os métodos de conversão da despesa pública em despesa nacional dado que não existe correspondência entre a metodologia estabelecida e a informação recolhida e utilizada para efectuar aqueles ajustamentos.Continuam a verificar-se situações em que os valores dos imobilizados não estão reconhecidos como despesas de capital (mas em despesas correntes) o que limita a determinação do valor de “formação bruta de capital fixo” ao nível das contas nacionais. Ainda existem muitas entidades cuja informação financeira se limita à contabilidade orçamental.A existência de um período complementar para efectivar pagamentos e recebimentos, com datas diferentes para cada um deles e aplicáveis apenas a determinados organismos do SPA traduz-se numa incoerência do sistema financeiro dado que movimentos entre entidades do SPA podem ser reporta-

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dos em anos económicos diferentes. De referir que o período complementar não é aplicável às regiões autónomas ou às autarquias locais o que poderá conduzir a que, nas contas nacionais, sejam consideradas valores de receitas e despesas que não respeitam ao mesmo período de tempo.A contabilidade pública portuguesa tem sido alvo de grandes alterações, sendo que algumas delas são de tal modo frequentes que se considera que condicionam o apuramento de informação comparável.As sucessivas alterações ao nível da legislação, as incoerências existentes entre diversa legislação nacional e entre esta e a comunitária, as diferenças de valorimetria entre a contabilidade orçamental, a patrimonial e a nacional e a existência de diferentes períodos de prestação de contas originam distor-ções na informação proporcionada pelas contas públicas e, em consequência, pelas contas nacionais.Não nos podemos esquecer que Portugal tem que respeitar o SEC 95, o que permite comparar estatísticas de países diferentes, e que não é possível assegurar a coerência internacional se os conceitos não forem os mesmos nos diversos países, nem se pode garantir a comparabilidade no tempo daqueles conceitos se eles não se mantiverem constantes. Neste sentido, considera-se que a falta de clareza e alguma confusão que parece estar patente em diversa legislação poderá ter repercussões na harmonização e comparabilidade da informação, mesmo a nível nacional, condicionando o princípio contabilístico da consistência e não contribuindo para o reporte de informação útil para o utente. Do igual modo, não se garante a correcta recolha da informação para efeitos do cálculo do défice das contas nacionais, limitando a comparabilidade da informação prestada e condicionando a convergência entre a Contabilidade Nacional com a re-portada pelos restantes Estados-membros.

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Critérios diferentes de reConheCimento e mensurAção dAs trAnsACções no Contexto dAs ContAs públiCAs e dAs ContAs nACionAis

Circular Série A n.º 1360, de 12 de Agosto de 2010. DGO. Instruções para preparação do Orçamento do Estado para 2011.

Circular Série A n.º 1359, de 23 de Junho de 2010. DGO. Instruções comple-mentares ao Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2010.

Circular Série A n.º 1354, de 4 de Dezembro de 2009. DGO. Instruções para preparação do Orçamento do Estado para 2010.

Circular Série A n.º 1351, de 14 de Maio de 2009. DGO. Instruções comple-mentares ao Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2009.

Circular Série A n.º 1345, de 6 de Janeiro de 2009. DGO. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) - Contabilização.

Circular Série A n.º 1343, de 1 de Agosto de 2008. DGO. Instruções para preparação do Orçamento do Estado para 2009.

Circular Série A n.º 1339, de 1 de Abril de 2008. DGO. Instruções para a forma de prestação da informação respeitante aos Encargos Assumidos e Não Pagos.

Circular Série A n.º 1333, de 11 de Abril de 2007. DGO. Instruções comple-mentares ao Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2007.

Circular Série A n.º 1314, de 23 de Dezembro de 2004. DGO. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) - Contabilização como operação extraorçamental.

Circular Série A n.º 1306, de 5 de Janeiro de 2004. DGO. Registo contabilístico das dívidas vencidas e não pagas em 2003, que transitaram para 2004.

Circular Série A n.º 1297, de 4 de Novembro de 2002. DGO. Orçamento de Estado para 2003 - Despesas de anos anteriores.

Circular Série A n.º 1101, de 21 de Agosto de 1985. DGO. Classificação eco-nómica do IVA.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

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Sistema europeu de contas nacionais e regionais na Comunidade. Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

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A históriA dA GeoGrAfiA

Jorge Manuel Dias Sequeira (*)

Tenente-Coronel de Infantaria (Mestre)

(*) Professor Regente da Unidade Curricular de Geografia e Teoria Geral de Estratégia na Academia Militar. Co-ordenador do Grupo Disciplinar de Comando e Estratégia Militar. Membro do Conselho Editorial da Revista Proelium. Doutorando em Geografia Humana no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território na Uni-versidade de Lisboa.

ABSTRACT

Geography has always been a central matter to Humanity, the initial reason for this was survival – the search for food, warrior activities and later because of trade. The object of the study of geography is the existing relation between men and their surrounding environment.

The purpose of this article is to show how geography has evolved throu-ghout the centuries focusing on epochs and authors we understand have been most important, such as the Greek civilization, the middle ages, the contribute of philosophers like Alexander von Humboldt and Carl Ritter, geographic schools, new geography, radial and humanist geography and other geographical concepts.

The concept of geography itself has suffered some frequent metamorphosis over the centuries. However, geography can be understood as the “science that studies the variations of special distributions of phenomena on the surface of the Earth, as well as the relations of the natural environment with Humanity and the individualization and analysis of the regions on the surface of the Earth” (Baud et al, 1999, p.127).

Keywords: Geography, Spatial Distribution, Science, Relation between Huma-nity and the Environment.

A históriA dA GeoGrAfiA

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RESUMO

O Homem sempre se preocupou com a Geografia, tendo como razão inicial a sua sobrevivência – busca de alimentos, actividade guerreira e posteriormente comercial. O objecto de estudo da Geografia é a relação do homem com o meio.

O objectivo deste artigo é mostrar a evolução da Geografia ao longo dos séculos, destacando as épocas ou autores que, em nosso entender, mais se destacaram nesse percurso – civilização grega, idade média, contributos dos filósofos, Alexander von Humboldt e Carl Ritter, escolas geográficas, nova geografia, geografia radial e humanista e conceitos de geografia.

O conceito de geografia sofreu metamorfoses ao longo dos séculos com alguma frequência, no entanto, pode ser entendida como a “ciência que estuda as variações das distribuições espaciais dos fenómenos da superfície da Terra, assim como as relações do meio natural com o Homem e a individualização e análise das regiões à superfície da Terra” (Baud et al, 1999, p. 127).

Palavras-chave: Geografia, Distribuição Espacial, Ciência, Relação Homem-Meio.

INTRODUÇÃO

O Homem sempre se preocupou com a Geografia, tendo como razão pri-mordial a sua própria subsistência, que passava pela busca de alimento, pela actividade guerreira ou pela actividade comercial, criando-se assim a necessi-dade de recolher, conservar e transmitir informação sobre locais de sustento, caminhos trilhados, entre outros aspectos.

O objecto de estudo da Geografia é a relação do homem com o meio; contudo, esta mantém muitas afinidades com outras ciências, como a Meteoro-logia, a Geologia, a Biologia, a Economia, a Sociologia e a História. Apresenta, além disso, pontos em comum com a Psicologia, a Filosofia e a Teologia, já que tanto as ideias como os factos humanos se manifestam espacialmente. A Ecologia é a ciência mais afim com a geografia, e chegou-se até a definir essa última como ecologia humana. Não obstante, uma grande diferença as separa, já que a primeira se encarrega do estudo do ecossistema, entendido como unidade funcional dos seres vivos e do meio à sua volta, enquanto a segunda estuda e interpreta a distribuição espacial dos ecossistemas (Faria, 2006).

A semelhança com outras ciências levou muitos a considerarem a geografia como uma soma de elementos que individualmente pertenceriam a outras ciências. Contudo, o carácter de síntese e a busca da interacção entre os fenómenos que con-formam a realidade terrestre outorgam a esta disciplina características próprias; ela divide-se em campos sistemáticos e especializações regionais, que podem ser reuni-das em dois grupos principais: geografia Física e geografia Humana (Faria, 2006).

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Com este artigo pretendemos mostrar a evolução da Geografia ao longo dos séculos, destacando as épocas ou autores que, em nosso entender, mais se destacaram nesse percurso. Assim começamos pela civilização grega, passamos pela idade média, referimos os contributos dos filósofos para o desenvolvimento desta disciplina, salientamos o papel de autores como Alexander von Humboldt e Carl Ritter, falámos de escolas geográficas do início do século XX, abordámos a nova geografia, a geografia radial e humanista e terminámos apresentando alguns conceitos de geografia.

a. A Civilização Grega

As primeiras populações que falavam grego ocuparam, por volta do ano 2.000 a.C. várias regiões da península balcânica. Posteriormente, em suces-sivas fases de expansão marítima, os gregos estabeleceram-se noutros locais, nomeadamente nas ilhas do mar Egeu 1, nas margens do mar Mediterrâneo e do mar Negro, na costa ocidental da península da Anatólia, no Sul da península italiana e nas grandes ilhas da Sicília e de Creta (Ribeiro, 2008). A civilização Grega é normalmente dividida em seis períodos: Mínios e Micênios (XX - XI a.C.), Idade das Trevas (XI - VIII a.C.), Período Arcaico (VIII - V a.C.), Período Clássico (V – IV a.C.), Período Helenístico (IV - I a.C.) e Período Greco-romano (I a.C. - VI d.C.) (Ribeiro, 2008).Os gregos tinham grande prática no uso das estrelas e dos acidentes geo-gráficos para orientar a navegação; facto que se evidenciou nos últimos séculos do Período Micênico, quando se desenvolveu intensivo comércio marítimo a Leste e a Oeste da península balcânica. Mas os conhecimentos eram eminentemente práticos, não sistemáticos e utilitários (Ribeiro, 2008).Segundo Tim Unwin (1995, p.77), os mapas mais antigos conhecidos foram esculpidos em rochas e ossos e datam do ano 13.000 a.C..As primeiras concepções geográficas gregas estão nas duas epopeias atribuídas a Homero (750 a.C.), a Ilíada e a Odisseia. Na Ilíada, a Terra é descrita como um disco achatado com o centro no santuário de Delfos. A Grécia Continental e os demais territórios conhecidos eram rodeados na sua totali-dade por um imenso rio, Oceano, de onde provinham as águas dos mares, rios e fontes. A Odisseia é, em grande parte, um pormenorizado diário de viagens do herói Ulisses, que vagueou durante dez anos pelo mediterrâneo e as suas ilhas 2, após a Guerra de Tróia (Ribeiro, 2008).

1 Mar cujo nome se deve ao Rei Egeu que se suicidou, atirando-se de um promontório para as águas do mar, segundo reza a lenda.

2 Na ilha de Gozo (Malta) podemos visitar a gruta, onde supostamente a ninfa Calipso aprisionou Ulisses.

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O mais antigo geógrafo conhecido foi o filósofo Anaximandro (610-540 a.C.), o primeiro a desenhar um mapa do mundo conhecido conforme as crenças da época. A abordagem sistemática do conhecimento da Terra é precisamente o ob-jectivo da geografia, disciplina cujo nascimento pode ser situado na própria origem do homem, embora só tenha alcançado a categoria de ciência com o florescimento da Civilização Grega. A Geografia é o estudo da superfície da Terra e a sua denominação advém dos vocábulos gregos geo “Terra” e graphein “descrever” (Faria, 2006). A civilização grega, através da sua mitologia, considerava os elementos da Natureza 3 como forças autónomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres activos, móveis, conscientes e dotados de sentimentos, von-tades e desejos. Estes deuses constituíam-se na fonte e na essência de todas as coisas do universo. No século VI a.C. Tales de Mileto 4 (625-547 a.C.) foi um dos primeiros pensadores a discordar dessa religião vigente, cujos princípios eram ditados pela percepção que os homens captavam através dos seus sentidos (FCUL, 2008). Ao visitar o Egipto contactou com uma cultura mais avançada, nomeadamente nos campos da astronomia e da geometria. Aí terá aprendido a teoria dos eclipses do Sol e da Lua, ou pelo menos, que esses fenómenos se repetiam com uma regularidade previsível, tendo transformado os conhecimentos egípcios sobre geometria 5 num sistema lógico, tendo conseguido demons-trar que as estrelas descreviam, no céu, círculos em torno do pólo (Claval, 2006). Em síntese, o que Tales de Mileto trouxe verdadeiramente de novo, terá sido uma nova maneira de encarar a natureza e o saber.N a f i g u r a 1 , o b s e r v a - s e o mapa de GA SUR (3.800 a 2.500 a.C.) e a sua interpretação, é uma pequena placa de argila cozido, que cabe na palma da mão,

3 O Sol, a Terra, o Céu, o Oceano, as Montanhas, entre outros (FCUL, 2008).4 Tales de Mileto foi um filósofo grego da cidade de Mileto, na Jónia (actual Turquia). 5 Noções que se encontravam dispersas.

Figura 1 – Mapa de GA SUR e a sua interpretação

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e que foi descoberto na Mesopotâmia, perto da cidade de Harran, no nordeste do actual Iraque. O mapa contém a representação de duas cadeias de monta-nhas e, no centro delas, um rio, provavelmente o Eufrates (UFRGS, 2008).Os Jónios pensavam que a natureza do universo era geométrica, neste contexto a Terra não escapava à regra, sendo dividida sob a fórmula de um círculo ou um disco plano, com a massa continental a flutuar na água. O céu estava por cima.A título de exemplo apresentamos na figura 2, a forma como Hecateu 6 de Mileto (560-480 a.C.) via a Terra em 557 a.C.. O historiador de Mileto viajou por parte do mundo conhecido e escreveu uma “Descrição da Terra”, onde se pode verificar a representação da Terra, como um disco, rodeado de água (Geocaching, 2008).

6 Historiador e geógrafo grego de Mileto, cidade destruída (494 a. C.) por Dário. Ficou conhecido como o logógrafo (redactor de discursos jurídicos, até criar a sua própria escola) (Fernandes, 2002).

7 Foi um historiador grego, nascido em Halicarnasso (hoje Bodrum, Turquia).

Figura 2 – a) Mapa; b) Esboço do Mapa de Hecateu

Depois disso, mas na mesma senda, outros filósofos e matemáticos gregos cons-truíram um sistema matemático e geométrico que permaneceu como a expressão máxima da Ciência da antiguidade, só superada na época do Renascimento.Heródoto 7 (484 - 425 a.C.) conhecido como o Pai da História foi o autor do primeiro ensaio de geografia descritiva do mundo conhecido pelos gregos. A obra de Heródoto reflecte as informações recolhidas durante as viagens efectuadas à Líbia, Fenícia, Babilónia, Egipto, Pérsia, Macedónia, Trácia e Cítia e teve tradução prática na concepção cartográfica da Terra que se apresenta na figura 3 (Dias, 2005).

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Figura 3 – Mapa de Heródoto

A descrição que Heródoto nos proporciona do mundo habitado, é sem dúvida mais evoluída que a do modelo Jónico, pois apresenta conjuntos territoriais definidos pelos seus limites, tal como aparecem num mapa. A visão sintética apresentada implica que tenha conhecimentos sobre escalas, assim como mudar de uma escala grande para uma pequena e vice-versa (Claval, 2006).A descrição da terra como esférica é preconizada por Platão 8 (427-347 a.C.) nas suas obras a República e o Tempo e teve grande repercussão no estabelecimento da sua forma futura (Unwin, 1995).No século IV a.C., Eudóxio de Cnido 9 (408 - 305 a.C.) sistematiza uma corrente de pensamento que advoga a esfericidade da Terra; esfera esta localizada no centro de outra infinitamente mais vasta. A compreensão do Globo passava pela análise do céu, pelo que a “Geografia grega era inse-parável da hipótese geocêntrica” (Claval, 2006, p.24).Aristóteles (384 - 322 a.C.) discípulo de Platão, demonstrou a esfericidade da Terra, tendo sobrestimado o seu diâmetro em 50%. Fê-lo como “corolá-rio das observações à sombra da Terra na Lua e à variação da altura dos astros em relação ao horizonte verificada a partir de pontos afastados de latitude no deslocamento de Norte para Sul” (Dias, 2005, p.29).

8 Platão foi um Filósofo grego e um dos maiores escritores da História da Humanidade; discípulo de Sócrates (Pombo, 2008).

9 Eudóxio de Cnido foi um filósofo grego nascido em Cnido, Jónia, o mais célebre matemático, astrónomo e im-portante autor grego da Academia de Platão (Fernandes, 2002).

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Aristóteles começa a integrar a Geografia 10 na reflexão política quando, na sua obra A Política, opina que a «a polis ideal» é aquela cujos limites incluem um grande volume de populações, dispondo de auto-suficiência (Dias, 2005).Por outro lado, também afirmava que a localização da Grécia na zona tem-perada qualificava os gregos para o domínio do mundo, em contraposição com as populações que viviam nas zonas com climas frios dos nórdicos ou quentes do Sul (Dias, 2005). Apesar do referido anteriormente, a geografia ainda não existia na Atenas de Platão e de Aristóteles. Tudo se modifica no século III a.C., quando o centro da vida intelectual passa a localizar-se em Alexandria (Claval, 2006).Eratóstenes 11 de Cirene (275 a.C. - 194 a.C.) foi o 1.º pensador a denominar-se geógrafo e acreditava na esfericidade da Terra (Dias, 2005). Calculou o seu perímetro, no Equador, com extraordinária precisão para o tempo, pois calculou-o em cerca de 46.250Km, da seguinte forma: sabia que no solstício de Verão o Sol atingia seu zénite em Siena 12 (S), figura 4, pois brilhava dentro dos poços sem deixar sombra; finalmente, sabia também que as cidades de Siena e de Alexandria (A), localizavam-se praticamente no mesmo meridiano (Ribeiro, 2008).Através da sombra projectada pelo Sol em Alexandria no mesmo dia e hora em que ele brilhava no fundo dos poços de Siena, Eratóstenes descobriu que naquela ele distava de seu zénite cerca de 7°15’ (x). Concluiu então que a diferença de latitude entre essas duas cidades era também de 7°15’, ou seja, 1/50 da circunferência (que tem 360°).

10 Eratóstenes foi quem criou, por volta do ano 200 a.C. a palavra geografia, que significa «descrição da terra» (Dias, 2005; Ribeiro, 2008).

11 Matemático, astrónomo e filósofo grego, foi o 3º director da Biblioteca de Alexandria.12 Actual Assuão, no Egipto.

Fonte: Ribeiro, 2008

Figura 4 – Esboço do cálculo do perímetro da Terra

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Depois, mandou medir a distância entre Siena e Alexandria, obtendo o valor de 5.000 estádios. Imaginou, assim, que se 1/50 do meridiano media 5.000 estádios 13, o meridiano terrestre inteiro deveria ter 5.000 x 50, que corresponde a 250.000 estádios. Esse valor equivale a cerca de 46.250 km e está bastante próximo do valor actual, cerca de 39.941Km (Ribeiro, 2008). Eratóstenes foi, também, o 1.º a construir uma quadrícula de meridianos e paralelos que, ainda hoje constituem a base da rede por nós utilizada na localização de espaços e de lugares (Dias, 2005). Na figura 5, apresenta-se a primeira quadrícula ilustrada da história da Geografia.

Figura 5 – Mapa do mundo desenhado a partir do relato de Estrabão sobre a obra de Eratóstenes

Fonte: Ribeiro, 2008

Apesar dos avanços obtidos, para os padrões modernos o mapa de Eratóstenes continha ainda muitos erros. A dimensão da maioria das regiões, por exem-plo, estava fora de escala e o conceito de um oceano circular que envolvia toda a massa terrestre não foi abandonado. No entanto, a sua influência na cartografia grega dos séculos posteriores, foi enorme (Ribeiro, 2008).Estrabão de Amaséia 14 (63 ou 64 a.C. – entre 21 e 25 d.C.), na sua obra «Geografia», constituída por 17 livros, escritos nos últimos anos de sua vida, constituem uma verdadeira geografia universal do mundo antigo, descrevendo

13 É bastante controversa a equivalência do estádio ao quilómetro, mesmo porque havia “vários” estádios. Entre os possíveis valores estão: 0,148km, 0,158km e 0,185km. Adoptamos o valor de 0,185km considerado pelos estudiosos como o mais provável (Vieira e Pereira, 2008).

14 Geógrafo e historiador grego, nascido em Amaseia, Pontus (agora Amasya, Turquia).

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a geografia física dos principais territórios do mundo romano e fornecendo em grandes linhas, as características principais de seu desenvolvimento his-tórico e económico, além de mencionar os aspectos notáveis nos costumes dos seus habitantes e/ou da vida animal e vegetal (Ribeiro, 2008). Além de descrições das partes conhecidas da Ásia, da Europa e África, procurou relacionar as condições geográficas com o papel histórico de cada povo. Suas observações são fonte preciosa da história e da cultura de sua época. Como muitos outros escritores greco-romanos, não escondia a admi-ração pelo Império, justificando a sua supremacia política devido à posição central da sua capital – Roma (Ribeiro, 2008).Estrabão dividiu o globo terrestre em quadriláteros, sendo que cada um deles apenas incluía a terra habitável (ecúmena), pois considerava que o território inabitado era desprovido de qualquer interesse (figura 6).

Figura 6 – A ecúmena segundo Estrabão

Neste mapa, observa-se a Terra rodeada de água e dividida em cinco grandes áreas: a Europa, a Líbia, a Arábia, a Ásia e a Scythia. Estas áreas eram apresentadas com grande detalhe porque pertenciam ao Império Romano, pois o que motivava Estrabão era informar os responsáveis pelas províncias romanas, por isso outras regiões conhecidas, mas que não integravam o Im-pério, eram consideradas periféricas, e por isso não mereciam ser estudadas em detalhe, como é o caso da Índia (Claval, 2006).Estrabão definiu a geografia como uma ciência como qualquer outra e interessa sobremaneira ao filósofo. “Ela ocupa-se do estudo ou descrição da Terra. A maior parte da Geografia satisfaz a necessidade dos Estados (...) A Geografia em seu conjunto tem um vínculo com as actividades dos

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dirigentes. Os grandes generais são, sem excepção, homens capazes do governar por terra e por mar, de unir povos sob um governo ou uma admi-nistração pública (...). Até mesmo um caçador terá mais êxito se conhecer a natureza e a extensão do bosque e, além do mais, só aquele que conhece uma região pode escolher o melhor lugar para acampar, para fazer uma emboscada ou para dirigir uma campanha militar.” (Estrabão, século I a.C., Apud Vesentini, 2008).Os Romanos retêm da geografia apenas o seu interesse prático; porém, a reflexão teórica prossegue nos povos gregos que habitavam a metade oriental do império (Claval, 2006).Ptolomeu de Alexandria 15 (cerca de 100 d.C. – cerca de 180 d.C.) foi con-siderado o último geógrafo da antiguidade. O seu grande tratado – Sintaxe Matemática – ficou celebre em virtude de ter sido traduzido pelos Árabes com o nome de Almagesto. A obra “resume os conhecimentos astronómicos da época e aborda o problema da configuração da terra” (Claval, 2006, p.29), em que esta está no centro do universo; a teoria geocêntrica ao ser adoptada pela igreja, durante a Idade Média, levou a que esta tese fosse aceite durante 14 séculos, até ser desmentida pelas teorias de Nicolau Co-pérnico (1473-1543).A sua segunda obra, em quatro volumes, o Tetrabiblos tratam da astrologia, mas fazem o ponto da situação sobre os climas e a sua influência sobre os homens (Claval, 2006). A sua obra Geografia (oito volumes) inclui o pri-meiro atlas mundial e é um “catálogo de nomes de lugares e de países com indicação das latitudes e longitudes” (Clozier, 1988, p. 36), o que permitiu um melhor conhecimento da Europa, embora acreditasse que a Escandinávia era insular (Dias, 2005). Para este autor “o propósito da Geografia é oferecer uma «visão de conjunto» da Terra localizando e cartografando os lugares ou regiões” (Ptolomeu, 150 d.C., Apud Vesentini, 2008).Ptolomeu foi, também, o primeiro a tratar da técnica de projecção de mapas, como por exemplo, a representação de superfícies curvas no plano horizontal. O estudo abrange o mundo conhecido pelos romanos na primeira metade do século II, que se estendia do Oceano Atlântico à China e do Mar Báltico à África Central. Os lugares mais importantes foram definidos em termos de latitude e longitude, o que permitiu a elaboração de mapas do ecúmeno (figura 7).

15 Também conhecido como Cláudio Ptolomeu foi matemático, astrónomo e geógrafo, e escreveu alguns dos mais importantes tratados científicos da Antiguidade (Ribeiro, 2008).

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Figura 7 – a) Mapa de Ptolomeu; b) Inserção deste numa esfera com as dimensões que ele julgava ter a Terra

16 Os mapas de Ptolomeu eram geralmente fiéis à visão do mundo do geógrafo, perpetuando tanto os acertos como os erros. O engano mais significativo foi o cálculo errado do comprimento de um grau de longitude, o que levou Ptolomeu a exagerar a extensão da Eurásia. Essa confusão fez Colombo concluir que a rota mais curta para a China estava a Oeste e pensar que tinha chegado ao Oriente quando, em 1492, aportou na América (Garuti, 2008).

Ptolomeu pode ser considerado o criador do moderno sistema de coordenadas geográficas, pois utilizou latitudes e longitudes em graus e minutos, con-venção usada até hoje. As latitudes (coordenadas Norte-Sul) foram medidas a partir do Equador; as longitudes (coordenadas Este-Oeste) tinham como referência um ponto situado no extremo ocidental dos locais catalogados na Geografia, que ele denominou «leste das Ilhas Afortunadas», perto das Ilhas Canárias (Ribeiro, 2008).Os dados apresentados por Ptolomeu, apesar de algumas vezes errados ou inexactos 16, basearam-se nos conhecimentos então disponíveis, tais como informações de viajantes e mercadores e no material coligido pelos geógrafos anteriores, nomeadamente Marino de Tiro (70-130). Um dos maiores erros de Ptolomeu foi ter adoptado um valor incorrecto para a circunferência da Terra, calculado por Posidónio de Apaméia (135 a.C. – 51 d.C.), ao invés de utilizar a medida de Eratóstenes muito mais aprimorada (Ribeiro, 2008).No início do século VI, na transição da Antiguidade para a Idade Média, o estado dos conhecimentos geográficos era o seguinte: o mundo civilizado estava ainda centrado no Mediterrâneo; conhecia-se a metade inferior da Europa, o terço ocidental da Ásia, e o quarto setentrional da África; a car-tografia das terras conhecidas estava bastante avançada. Assim, com excepção de importantes aspectos da Geografia Física, as de-mais ciências geográficas não haviam ainda ido muito além dos primeiros passos (Ribeiro, 2008).

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b. Práticas Geográficas na Idade Média

(1) Ocidente

O declínio dos conhecimentos geográficos inicia-se antes da queda do Império Romano. O fervor intelectual que havia favorecido a reflexão sobre a forma e configuração da Terra desapareceu, uma vez que os romanos tinham progressivamente deslocado a administração das pro-víncias tornando desnecessária a recolha de informação (Claval, 2006). O seu carácter prático e as suas maiores preocupações com a política e as práticas militares do que com as ciências (incluindo a geográfica), tiveram consequência no desenho dos mapas, regressando-se à configu-ração da Terra como um disco, como se constata na figura 8, em que a Itália aparece sobrevalorizada e as províncias romanas bem visíveis.No Ocidente, durante a Idade Média (VI – XV), os mapas limitam-se a apresentar o mundo habitado, sendo que a Terra volta a ser representada como sendo plana. Neste período, os mapas têm a forma rectangular ou em círculo (o mais comum - figura 9), em que são atravessados por um T aparecendo os mapas com caracteres teológicos e normalmente com Jerusalém ao centro e o paraíso na parte superior, o que sublinha o seu carácter simbólico (Carvalho, 2005).

Fonte: Infilled.Net, 2008

Figura 8 – Mapa Romano – Orbis Terrarum

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Os dignitários da igreja que encomendavam os mapas não tinham a finalidade de os melhorar ou aumentar a sua exactidão, era somente “um documento para exibir” e que glorificasse o seu poder (Claval, 2006, p.32), porque muitos mapas da época tinham o status de obras de arte, e como tal, deixavam o conhecimento científico em segundo plano e valorizavam apenas a sua estética (Carvalho, 2005).

Figura 9 – Mapas da Idade Média

Os mapas eram muito diferentes da malha cartográfica da época, por isso, perderam utilidade e construção científica. Como George H. T. Kimble destaca, qualquer homem poderia ser considerado como tolo, se pensasse que podia determinar a distância entre Londres e Jerusalém apenas com uma régua em cima do mapa (Apud Carvalho, 2005).Neste período, a Igreja era a entidade mais poderosa, por isso, dava-se mais importância ao estudo da relação «Homem-Deus» em detrimento do estudo da relação «Homem-espaço». As questões humanas deveriam submeter-se às divinas e todos os problemas encontravam solução a partir de textos religiosos, em particular de interpretações bíblicas (Dias, 2005), chegando alguns autores 17 a classificarem a ciência como ridícula e falsa (Unwin, 1995).A hegemonia da região cristã teve grande influência na cosmologia me-dieval, essencialmente a crença teleológica da criação do Universo, tal

17 É exemplo Lactancio (Sec. IV) na sua obra Divinarum institutionum (Unwin, 1995)

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como se relata no Génesis. Esta concepção girava em torno de quatro elementos (Unwin, 1995):• Deus criou o mundo do caos e, por isso, necessita de constante

atenção, laboração e cuidado;• a humanidade foi criada à imagem de Deus e é independente da natureza,

existindo assim uma clara separação entre o reino natural e humano;• os produtos da natureza existem para servirem a humanidade e às

pessoas cabe cultivá-los e mantê-los, sendo desta maneira responsa-bilidade do Homem cuidar do meio;

• devido à tentação, quando Adão e Eva desobedeceram a Deus, rompeu-se a relação idílica entre a natureza e o homem e desde então, a humanidade tem que lutar contra o pecado.

Estes quatro elementos desempenharam um papel fundamental no pos-terior desenvolvimento das ideias geográficas sobre a relação entre o ser humano e o meio, sendo que ainda hoje, ouvimos algumas destas passagens quando assistimos ou lemos as escrituras (Unwin, 1995).Contudo é necessário, também, perceber a conjuntura em que se vivia, uma vez que os mapas, tal como os concebemos actualmente, têm a função de trazer para o papel as informações sobre o mundo real, mas o conhecimento cartográfico da Idade Média, nem sempre era usado com essa função. Às vezes, traduziam ideias comuns da época, como as ideologias religiosas, o sistema de cosmografia cristã e as mitologias pagãs. Tal prática tinha a pretensão de difundir a informação de maneira errada para confundir outros povos (Carvalho, 2005). Segundo George H. T. Kimble, os governantes portugueses na época dos descobrimentos, por exemplo, suprimiam toda a informação que pudesse estimular a curiosidade de outros governantes. A finalidade era manter o monopólio do comércio com os países da costa Oeste africana, como se constata da seguinte afirmação “João II (reinado de 1481 – 1495) foi o primeiro a implantar essa política, usando as suas energias para evitar o vazamento das novas descobertas na época em que os estrangeiros estavam procurando obtê-las de todas as maneiras. No reinado de seu sucessor, Manuel I, a vigilância do governo foi intensificada, especialmente depois da volta de Cabral das Índias. «É impossível ter uma carta da viagem», escreveu um agente italiano em relação à expedição de Cabral «porque o rei havia decretado a pena de morte para qualquer um que mandasse uma delas ao estrangeiro»” (Apud Carvalho, 2005).

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Todavia, durante este período existiram grandes metamorfoses no espaço europeu, provocadas pelos povos bárbaros que, absorvendo a cultura latina do Império Romano em decadência, vão gerar novas nações e novas línguas constituindo assim o mundo ocidental. O mundo cristão 18 emergiu ignorando a existência, do outro lado do mediterrâneo, de um mundo africano e asiático, demonstrando, na prática, que os europeus se referiam ao mundo apenas considerando a Europa, figura 10.

Fonte: Apud Carvalho, 2005

Figura 10 – A concepção de Mundo de Macróbio 19

18 Por volta do ano mil.19 Ambrósio Teodósio Macróbio (cerca de 340 – 415 d.C.) “exerceu considerável influência na Idade Média pela

transmissão e elaboração de uma parte da tradição filosófica grega” (Mercaba, 2007).

Com o passar dos séculos, as viagens, as descrições dos lugares e a curiosidade da descoberta vão fornecendo dados importantes para o conhecimento do mundo, destacando-se o papel dos Árabes, como veremos mais à frente (Carvalho, 2005).O mapa da figura 10 mostra um mundo plano e redondo, cercado por água. A Norte aparece a África e a Europa à esquerda e a Índia surge à direita. A Sul, o desconhecimento atribuía o status de terra incógnita. Nos dois extremos do mapa (Norte e Sul) está presente o conceito de regiões frias (frígidas).

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No final do século XIII, a bússola passa a ser utilizada pelos povos do Mediterrâneo; tal veio permitir a construção, essencialmente por italianos e catalães, de mapas para a navegação designados de por-tulanos 20, baseados em cálculos da posição do navio e da distância entre os portos; sobre esta matriz eram desenhados os acidentes costeiros e outros dados náuticos (IAEM, 1996), como se observa na figura 11.

20 Do italiano potulano – mapa de piloto (IAEM, 1996, p. 6).

Fonte: Dom, 2007

Figura 11 – Portulano atribuído a Pietro Vesconte, Itália, 1325

Como facilmente se conclui, durante a Idade Média o declínio do saber geográfico foi profundo, mas a “recordação de algumas das aquisições antigas não se apaga completamente. O desenvolvimento da activi-dade mercantil e uma maior mobilidade testemunham a emergência de novas práticas que transformam lentamente a obtenção de dados geográficos” (Claval, 2006, p.30). Os ensinamentos da geografia grega, revistos e ampliados pelos Árabes, contribuíram para o renascimento do pensamento geográfico.

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(2) Oriente

Durante a Idade Média, o desenvolvimento científico no Oriente, espe-cialmente na China, foi uma constante, de tal forma que por volta de 1400, a civilização chinesa era considerada a “tecnologicamente mais avançada do mundo” (Castells, 2002, p.9).Os chineses efectuavam a travessia dos oceanos de forma fácil devido à invenção da bússola 21 por volta de 960 d.C. e os seus “juncos eram os navios mais avançados do mundo no final do século XIV, permitindo longas viagens marítimas” (Castells, 2002, p.9). Inventaram o papel (100 d.C.), muito antes que os ocidentais e a imprensa passou a ser utilizada por volta do século VII (Castells, 2002).Dado o desenvolvimento atingi-do, a Geografia e a Cartografia também eram consideradas essenciais para a conquista ou manutenção do Poder. Phei Hsui (224-271 d.C.) “coordenou muitos mapas locais e lançou as bases da cartografia científica chinesa, com a utilização de um reticulado” (Ferreira e Simões, 1986, p.50 e 51).Quando os Jesuítas chegaram à China (século XVI), puderam observar um grande número de mapas de boa qualidade e que lhes serviram de base para elaborar um atlas do Império chinês (Ferreira e Simões, 1986), como é exemplo o mapa de Zheng He, que se mostra na figura 12.

Figura 12 – Mapa de Zheng He

21 “Embora a bússola tenha aparecido primeiro na China e só depois na Europa, a transferência desta tecnologia da China para a Europa não tem sido comprovada. O primeiro registo escrito da bússola na Europa data de 1187 d.C. e precede os primeiros registos muçulmanos em mais que 100 anos. Este dado, e o facto que a bússola europeia aponta para o pólo norte enquanto que a bússola Chinesa aponta para o pólo sul, dão força à opinião que o desenvolvimento da bússola na Europa não foi por transferência de tecnologia da China mas, sim, um desenvolvimento próprio, e paralelo, efectuado na Europa. Independentemente de qual foi a origem da bússola europeia, a sua importância nas mãos dos navegadores é inquestionável. Sem a bússola, a descoberta do Brasil e as viagens de Vasco da Gama e de Fernão Magalhães não teriam sido possíveis” (Gasche, 2008, p. 131).

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Este mapa constitui, além de um guia de navegação, o relato da última viagem de Zheng He, almirante da frota imperial em meados do século XV. Em cima, à esquerda, aparecem as costas da Índia, à direita o Sri Lanka e o litoral africano em baixo (UFRGS, 2008).

(3) Árabes

Os Árabes 22 dispunham, como todos os povos nómadas, de conhecimento dos lugares e de orientação, mas era exclusivamente oral, pois ignora-vam a ciência e a filosofia. Após as conquistas, o seu poder estende-se ao Próximo e Médio Oriente, e aí descobrem a riqueza do pensamento grego, traduzindo muitas das suas obras (Claval, 2006). Associado às trocas comerciais com o Oriente, os islâmicos foram influenciados pela cultura e desenvolvimento científico da China, abrindo centros académi-cos nas cidades do Cairo, Damasco, Bagdad e Granada (Unwin, 1995). A necessidade religiosa de todos os muçulmanos 23 visitarem Meca, pelo menos uma vez na vida, levou à elaboração de «guias de viagem» que ofereciam aos peregrinos a descrição da viagem e os lugares santos da Arábia, mas mais relevante terá sido a possibilidade dos árabes eruditos terem a oportunidade de contactarem entre si, criando-se um fórum de discussão importante (Unwin, 1995).A obra de Muhammad Al-Idrisi 24 (1099-1180) teve muita influência, inclusive na Europa cristã, em virtude da sua ligação à corte de Rogério II da Sicília. O seu tratado designado de «Geografia 25», ficou completo em 1154 e nele consta muita informação inacessível aos Árabes sobre a Europa, até então, dada a sua ligação ao rei cristão, um dos mais importantes, à época. A obra descreve “cidades e territórios represen-tados no planisfério, o tipo de agricultura e populações, e a extensão dos mares, montanhas, rios e vales” (Unwin, 1995, p.91). Nesta obra Al-Idrisi apresenta um grande mapa-múndi orientado em sentido inverso ao utilizado actualmente, ou seja, o Sul está na parte de cima, conhecido como a Tabula Rogeriana, figura 13 (Unwin, 1995).

22 O Império Muçulmano (Sec. XI) abrangia o Médio Oriente e estendia-se do Afeganistão ao Oceano Atlântico (com excepção da Turquia, Balcãs, Itália e França).

23 Relembrando que nem todos os povos muçulmanos são Árabes, como é o caso actual da Indonésia.24 Foi um cartógrafo árabe da Idade Média, nascido provavelmente em Ceuta, descendente de uma família nobre

do Marrocos, famoso pela qualidade de seus mapas, tanto no desenho, quanto na precisão (Unwin, 1995).25 O rei Rogério II da Sicília deu a estas obras o nome conjunto de Nuzhat al-Mushtak, ainda que Al-Idrisi as tenha

baptizado como Kitab Rudjar (“O Livro de Rogério”).

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Outro geógrafo Árabe que teve um papel importante foi Ibn Khaldun (1332-1406), nascido em Espanha, mas tendo passado a maioria da sua vida na Tunísia. Na sua obra propõe uma “interpretação já moderna da geohistória do Norte de África e inicia a reflexão geopolítica” (Claval, 2006, p.34).A principal obra de Ibn Khaldun – Mukaddimab – preocupa-se com a formação e decadência dos estados, valorizando o meio físico, pois este obrigaria as pessoas a viver em grupos sociais e políticos. Para este autor, os estados desenvolviam-se segundo uma sequência natural de crescimento, maturação, decadência e morte, uma vez que a erosão da solidariedade colectiva era inevitável, mediante o processo de civi-lização (Unwin, 1995).Outro aspecto fundamental da sua obra é a influência do clima no ca-rácter das pessoas, referindo que as pessoas que habitam as regiões mais quentes e costeiras são mais alegres, ao invés das pessoas que vivem em regiões mais frias e montanhosas são mais tristes e melancólicas. Estas ideias perduram no pensamento geográfico, até serem incorporadas no determinismo ambiental, já durante o século XX (Unwin, 1995).Os monarcas Árabes favoreceram a ciência, as artes, o comércio e as viagens, pese embora a separação do trabalho entre cartógrafos (elabora-vam os mapas) e os astrónomos (estudavam os astros usando a latitude e a longitude), em virtude das exigências religiosas, tenha impedido a obtenção de precisão das localizações e das representações geográficas (Urwin, 1995 e IAEM, 1996).

Figura 13 – Mapa de Al-Idrisi

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É a base clássica da geografia grega, enriquecida pelos Árabes, que seduz os espíritos do Ocidente, os contactos entre povos cristãos, mu-çulmanos e judeus eram muitos, e desde o século XII que estas trocas culturais alimentavam os debates no Ocidente (Claval, 2006).

c. O Ressurgir da Geografia na Europa

No início do século XV, com o estabelecimento da «casa de Avis» como dinastia reinante em Portugal, o horizonte europeu modificou-se profunda-mente em consequência dos Descobrimentos. Com efeito, após a conquista de Ceuta em 1415, os portugueses aprofundaram a sua epopeia ao longo da costa africana; em 1418 descobrem-se as primeiras ilhas no Oceano Atlântico (Porto Santo) e em 1488, Bartolomeu Dias chega ao Cabo da Boa Esperança (Unwin, 1995).Muitos destes primeiros viajantes foram patrocinados pelo Infante D. Henrique (1394-1460), que estabeleceu uma escola de navegação e de cartografia na Península de Sagres, tendo a expansão portuguesa sido impulsionada pelo culminar da experiência da navegação, como resultado de viagens comerciais e de pesca no Atlântico Norte e da aquisição dos conhecimentos geográficos dos Árabes (Unwin, 1995).Também neste período, dá-se a redescoberta de Ptolomeu com a tradução da sua obra «Geografia» para o latim, por Jacobo d´Angelo em 1406, o que permite compreender o que é um sistema de projecção. As tabelas ptolo-maicas de coordenadas passaram a ser utilizadas para construir mapas, aos quais a imprensa rapidamente assegura difusão (Claval, 2006).No final do século XV e início do século XVI, com as descobertas, da América (1492), da Índia (1497), do Brasil (1500) e com a viagem à volta do mundo (1519-1522) de Fernão de Magalhães, as “visões da ecúmena elaboradas ao longo de dois milénios são desfeitas, mas os quadros mentais antigos agora redescobertos permitem integrar os novos conhecimentos num esquema coerente” (Claval, 2006, p. 36).O conhecimento de uma parte do património antigo e as grandes descobertas estimulam a reflexão geográfica, contudo a questão estava na sistematização de um saber tão rapidamente renovado. O movimento começa, no século XV, quando os editores de Ptolomeu anexam a Europa do Norte ao universo que este conhecia. Torna-se moda a construção de globos, como o de Martin

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Behaim 26 (1459- 1507) que data de 1492, pela necessidade de representar as novas descobertas (Claval, 2006).Durante os séculos XV e XVI, apesar do ressurgimento das tradições astro-nómicas, cartográficas, cosmológicas e topográficas da geográfica clássica e romana, não existia nenhuma definição de Geografia e a palavra mais utilizada neste período era a de cosmografia (Unwin, 1995).No início do século XVI deu-se uma separação fundamental na compre-ensão clássica da cosmologia e astronomia. Com efeito, em 1530, Nicolau Copérnico 27 (1473-1543), publica a sua obra «De revolutionibus», na qual apresentava uma teoria completamente nova do movimento planetário, que contradizia os argumentos, há muito tempo aceites, de Aristóteles e Ptolo-meu, demonstrando que a Terra não era o centro do universo e que girava em volta do Sol como os restantes planetas (Unwin, 1995). Esta teoria teve consequências importantes na relação entre a geografia e a astronomia, uma vez que até então se considerava que a astronomia era uma extensão da geografia. Com a teoria heliocêntrica, a astronomia tornou-se numa ciência autónoma (Unwin, 1995).A evolução das ideias, em especial com o renascentismo 28, o iluminismo 29 séculos XVII e XVIII), a independência dos EUA (1776), a revolução indus-trial (finais séc. XVIII) e a revolução francesa (1789), passou a exigir novas respostas. A Geografia na renascença dedicava-se mais às representações e símbolos do que às forças que modelam o mundo (Dias, 2005).

26 Também conhecido por Martinho da Boémia, por ter vivido alguns anos em Lisboa, onde veio a falecer.27 Astrónomo polaco. Estuda Medicina na Universidade de Cracóvia em 1491 e, também, Filosofia, Matemática e

Astronomia. Viaja para a Itália em 1497, para aprender os clássicos gregos e o Direito Canónico, em Bolonha. Volta à Polónia em 1501 e ordena-se padre, mas permanece pouco tempo no país, como cónego da Catedral de Frauenburg. Retorna à Itália, onde frequenta as universidades de Pádua e Ferrara. Em Bolonha, aprofunda suas observações astronómicas. De volta a Frauenburg, em 1506, constrói um pequeno observatório e começa a estudar o movimento dos corpos celestes. A partir dessas observações, escreve Pequeno Comentário sobre as Hipóteses de Constituição do Movimento Celeste, obra que só vem a público em 1530, apesar de ter sido escrita muito antes, por volta de 1507. Copérnico demora a divulgá-la por receio da reacção da Igreja Católica. Em 1543, apresenta o sistema cosmológico com os princípios do heliocentrismo na obra Das Revoluções dos Corpos Celestes (E-Biografias, 2008).

28 Teve a sua origem em Itália com a redescoberta da antiguidade grega e romana provocando uma onda de entu-siasmo por toda a Europa, afectando profundamente o seu panorama cultural. Os Homens das letras dos séculos XIV, XV e XVI, consideravam que a literatura, a escultura e a arquitectura tinham tido o seu apogeu na Roma antiga e tinha declinado nos séculos seguintes (SRD, 1999).

29 Foi um movimento intelectual inspirado no ressurgimento das ciências na Europa do século XVII. Procurou aplicar os métodos das ciências naturais às questões sociais e políticas (SRD, 1999).

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Neste período Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Galileu Galilei 30 (1564-1642) e Isaac Newton 31 (1642-1727) lançam as bases da filosofia e física modernas – a ciência desenvolve-se nos moldes que são ainda os actuais (Unwin, 1995 e Claval, 2006); a obra «Geographia Generalis» publicada em 1650, pelo alemão Bernhard Varenius (1622-1650), foi o primeiro esforço real para relacionar a geografia com os avanços científicos da época, tendo permanecido como principal obra de referência durante mais de um século (Unwin, 1995). Para Varenius, “A Geografia é uma descrição geral do mundo. Ela divide-se em duas partes: uma geral e outra especial. A primeira estuda a Terra no seu conjunto, explicando as suas diversas partes e características. A segunda, ou seja, a geografia especial [regional], respeitando os conceitos gerais, estuda as regiões concretas: suas localizações, divisões, limites e outros aspectos dignos de serem conhecidos” (Apud Vesentini, 2008).Realce também para o Cardeal Richelieu 32 (1585-1642), que burilou o con-ceito de fronteira natural, sustentado em três factores base: o factor físico-geográfico, o factor humano e o factor razão de Estado 33, em que o segundo assumia alguma preponderância sobre o primeiro (Dias, 2005).A obra de Thomas Hobbes 34 (1588-1679), o «Leviathan» 35 (1651) é um estudo filosófico sobre o absolutismo político que sucedeu à supremacia da Igreja medieval e em que o seu totalitarismo submete, apesar de prudentes reservas, o poder religioso ao poder político (Madjarof, 2008). O manuscrito irritou os monárquicos, porque falava num contrato social e, os parlamentaristas, porque pregava o absolutismo. No final do livro, verteu a ideia de que os súbditos tinham o direito de abandonar o soberano que não mais os podia proteger, em favor de um novo soberano que pudesse fazê-lo, o que implicou o seu exílio em França (Madjarof, 2008).O Estado moderno 36 pouco a pouco consolida-se, mas para que funcione bem, precisa da recolha de dados demográficos, pois a força dos exércitos

30 Físico, matemático e astrónomo italiano. É o responsável pela fundamentação científica da Teoria Heliocêntrica de Copérnico (E-Biografias, 2008).

31 Sistematizou os conhecimentos físicos e astronómicos de sua época, tendo realizado uma síntese sobre o Universo e suas leis. Criou a teoria da gravitação universal (Vesentini, 2008).

32 Cardeal francês que desempenhou as funções de ministro do rei Luís XIII, desde 1629, tendo contribuído de forma decisiva para o fortalecimento do poder da monarquia. No âmbito externo, levou a França a participar na Guerra dos Trinta Anos (Dias, 2005).

33 Podemos associar este conceito com o que hoje designamos de interesse nacional (Correia, 2002).34 Filósofo e cientista político inglês (Madjarof, 2008).35 Designação em lembrança de uma passagem Bíblica em que tal palavra designa um animal monstruoso, cruel e

invencível que é o rei dos orgulhosos (Madjarof, 2008).36 Surge com a Paz de Westfália (fim da Guerra dos Trinta Anos, iniciada em 1618 e fim em 1648) em que o Estado

moderno aparece como unidade territorial dotada de poder soberano.

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depende do número de pessoas e, económicos, para assegurar a cobrança de impostos de forma equilibrada e justa. Estes dados, por um lado dão aos geógrafos uma grande quantidade de informação, que até então não dispu-nham; por outro lado, leva-os a utilizarem informação em «segunda mão» e os seus trabalhos resumem-se a monótonas enumerações de lugares e de actividades (Claval, 2006). As características da guerra modificam-se pois a utilização de exércitos nu-merosos, com mais de 400.000 homens, em França, levou à necessidade de criar os Estados-maiores para apoiar a tomada de decisão do Comandante; o maior alcance dos arcabuzes e da artilharia, assim como a necessidade de calcular a duração dos movimentos de centenas de milhar de Homens, levaram a uma maior utilização da geografia e tornou fundamental a uti-lização de mapas (Dias, 2005 e Claval, 2006). A importância da geografia é tal que Napoleão a classifica como a «essência da política do Estado» (Dias, 2005) e Clausewitz refere que “… o chefe de um exército tem de familiarizar-se com as características geográficas gerais de uma província e de um país” (1976, p. 77).A cartografia com o Rei Luís XIV (1638-1715) torna-se uma questão de Estado; contudo ainda não estava resolvida a questão da mudança de esca-la, ou seja como passar das representações em pequena escala dos mapas mundiais, às plantas em grande escala e vice-versa (Claval, 2006).Surgem entretanto novas técnicas (Mercator 37 o primeiro cartógrafo a cor-rigir o mapa de Ptolomeu, em 1569) e inventos (relógio e cronómetro, em 1658, e o sextante, em 1672, que possibilitam o cálculo exacto da longitude e da latitude), que permitem aos países europeus efectuar o levantamento topográfico dos seus territórios, a partir de 1750 (Dias, 2005). No século XVIII, devido ao tecnicismo dos levantamentos topográficos, a cartografia separa-se da geografia, pese embora esta nunca tenha deixado de usar o mapa, sendo de salientar que em 1800, as áreas em branco nos mapas estavam circunscritas às zonas polares e ao interior dos continentes, pois África era um continente misterioso, a Austrália era totalmente desco-nhecida e a Ásia Central e o interior do continente americano mal tinham começado a ser penetrados. A Geografia passou de ciência de localização e da cartografia, para a ciência da distribuição espacial e das relações homem--meio (Dias, 2005).

37 Considerado o pai da cartografia holandesa, criou o sistema de projecção e referenciação Universal Transversa de Mercator (UTM) (Ferreira e Simões, 1986).

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Apesar de todos os acontecimentos e desenvolvimentos científicos, somente no século XIX, com John Playfair 38 (1748-1819) é que se dá seguimento ao trabalho de James Hutton (1726-1796) sobre a evolução da morfologia do solo, e assim, a geografia física separa-se das descrições Bíblicas e da sua narrativa da Génesis. Também a Geografia Humana se expande com o hábito de definir as raças humanas de maneira rigorosa (Claval, 2006). Foi neste século que a Geografia deixou de lado uma série de conhecimentos especulativos – como, por exemplo, a crença em continentes nunca vistos ou em lugares onde existiriam as guerreiras amazonas ou gente sem cabeça, que até ao século XVIII ainda persistia em alguns livros da disciplina – e passou a ocupar-se somente dos lugares e factos comprováveis, que pudessem ser observados e cartografados com precisão ou concluídos pelo raciocínio lógico (Vesentini, 2008).

d. Os filósofos e a Geografia

O progresso das ciências naturais alimenta a descrição do globo com dados cada vez mais ricos, pelo que a geografia deveria modernizar-se; contudo os geógrafos continuam homens de gabinete (Claval, 2006).É a Jean-Jacques Rousseau 39 (1712-1778) que se deve a reabilitação do trabalho de campo por parte dos geógrafos, pois afirma que o olhar geo-gráfico, isto é, a aptidão para detectar configurações que só surgem quando se muda de escala, só faz sentido quando se apoia na experiência directa no campo. A Geografia só é útil aos homens se abordar os seus problemas (Claval, 2006).A obra de Rousseau é desenvolvida por Johann Heinrich Pestalozzi 40 (1746-1827) que cria escolas, onde aplica o pensamento do seu mestre, dando uma visão mais moderna da geografia, do que noutros estabelecimentos de ensino. De tal forma, que o método Pestalozzi difundiu-se por toda a Europa, particularmente na geografia alemã. Este autor preocupou-se em relacionar conhecimentos e actividades práticas, ou seja, aprendia-se trabalhando e fazendo e por isso, foi a primeira tentativa de estabelecer o ensino da geo-grafia com base na intuição. Foi nestas escolas que foram formados dois dos maiores mestres da geografia do século XIX, o alemão Carl Ritter e o francês Elisée Reclus (Capel, 1988 e Claval, 2006).

38 Foi um matemático e geólogo escocês.39 Filósofo, escritor, teórico político e compositor musical. Foi uma das figuras marcantes do iluminismo francês.40 Educador Suíço foi influenciado pelo pensamento de Rousseau e por alguns aspectos do movimento romântico,

como por exemplo o amor pela natureza e a concepção organicista (Zanatta, 2005).

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Na 1ª metade do século XVIII, os filósofos renovaram uma das mais an-tigas ideias gregas, a das idades da humanidade 41, então a Geografia teria um papel menor, pois bastava saber qual a posição na escala universal das civilizações para saber o caminho que já percorreram e o que lhes falta percorrer (Claval, 2006). Anne Robert Jacques Turgot 42 (1727-1781) defende, na sua obra «Primier Discours», publicada em 1750, a ideia do progresso, defendendo que o destino dos homens, no futuro, seria melhor e que a felicidade seria atin-gida sem tantas dificuldades, não concordando com a ideia «das idades da humanidade», uma vez que se preocupou em estabelecer o diagnóstico das forças que moldam as regiões e de estabelecer linhas de acção para as fazer evoluir, podendo desta forma «saltar» alguma fase de desenvolvimento das civilizações, temos aqui um esboço do que mais tarde viria a ser a Geografia Política (Claval, 2006). Turgot considerou a Geografia uma disciplina prospectiva, cujos ensinamen-tos tornariam mais fácil a aplicação de políticas que visavam o progresso. Quando foi Ministro, procurou colocar em prática estas ideias, que tinham sido expostas num documento de cerca de 20 páginas intitulado «Geografia Política», onde esboçou o esquema do que deveria ser um estudo da relação entre Geografia física e a distribuição dos povos, tendo em consideração certos factores como: a perspectiva histórica e a formação dos Estados, as razões da diferença de riqueza e de comércio entre alguns espaços, a im-portância das comunicações e os seus efeitos nas conquistas efectuadas por alguns povos, entre outros (Font e Rufi, 2001).Durante o século XVIII, a geografia atravessa uma crise de identidade, uma vez que a vertente cartográfica da profissão, das carreiras de engenheiro geógrafo ou de engenheiro hidrógrafo, entre outras, leva a que estes pro-fissionais estejam divididos entre o trabalho de pesquisa documental, até então indispensável à profissão, e o trabalho de campo, cujos resultados eram melhores (Claval, 2006). A perspectiva naturalista permitiu aos Geógrafos descobrir a diversidade de fisionomias da Terra e das paisagens que o Homem organizou, a ligação desta ciência com a cartografia, possibilitou a utilização das cartas que permitiram a análise de diferentes lugares, invocando que a geografia se transformasse numa disciplina explicativa (Claval, 2006).

41 A qual defende que a civilização nasceu com a invenção da agricultura e os seus progressos inscrevem-se, desde a Grécia, numa sequência contínua, passando pelas revoluções industriais e assim sucessivamente (Claval, 2006).

42 Político liberal e nobre francês (Font e Rufi, 2001).

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Immanuel Kant 43 (1740-1804) além da sua grandiosa obra filosófica ministrou mais de 50 cursos de Geografia física. Este autor parte da ideia de que o conhecimento se baseia na percepção que temos dos fenómenos; desta forma, a ciência visa estabelecer uma classificação temática para eles; estabelece as leis às quais estão submetidos e testa as hipóteses que os podem justificar. Mas os fenómenos são-nos dados sob a forma de sequências temporais e justaposições espaciais, ou seja o Tempo e o Espaço (Claval, 2006).Kant, na sua obra «Physische Geographie» publicada em 1802, aborda as relações entre a Geografia física e os outros tipos de geografia, afirmando que esta era a base da História e de todas as outras geografias, categorizando-as da seguinte forma (Unwin, 1995, p. 108):

• geografia matemática, onde se estuda a forma, tamanho e movimento da Terra, assim como as suas relações com o sistema solar a que pertence;

• geografia moral, onde se explicam os diversos costumes e características das gentes das diferentes regiões;

• geografia política, em que se contempla a organização política do estado totalmente dependente da sua geografia física;

• geografia comercial, ocupa-se dos intercâmbios mercantis e estabelece vínculos entre as áreas excedentárias e as deficitárias;

• geografia teológica, estuda como se transformam os princípios teológicos devido às diferenças do terreno.

Kant atribuiu à “História e à Geografia finalidades diferentes das outras disciplinas: o seu papel é perceber as estruturas temporais e espaciais que a nossa experiência revela” (Apud Claval, 2006, p. 55). A geografia tem como principal missão compreender a diferenciação regional da Terra, de-vendo explicar a especificidade de cada uma das suas partes (Claval, 2006).Johann Gottfried von Herder 44 (1744-1803) não duvida de que a humanidade evolui; contudo propõe uma interpretação do progresso radicalmente diferente da aceite até então. Para Herder, cada povo tem um génio próprio, pois vive num meio, particular, em que a sua personalidade se afirmou. A história dos povos está ligada à sua geografia; para a “compreender é conveniente debruçar-se sobre o meio em que vivem e ver como este dá ao grupo as suas especificidades”. A geografia a que apela não é a simples descrição do mundo, mas antes aquela que deve explicar a “história de cada povo e a evolução geral para o progresso” (Claval, 2006, p. 57).

43 Professor de Geografia na Universidade de Konisberg (Prússia) e Filósofo.44 Clérigo, poeta, crítico literário, teólogo, escritor e filosofo germânico. Foi aluno de Kant.

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e. A Geografia como disciplina Científica

A preocupação de encontrar uma explicação científica para os “factos ob-servados não estava ausente na geografia tradicional, mas tinha um lugar modesto nas preocupações dos autores, que se contentavam em sublinhar a sua distribuição zonal. O século XIX dá um impulso decisivo à pesquisa das causas e dos mecanismos” (Claval, 2006, p. 62). Se é verdade que Kant proporcionou uma justificação teórica da geografia, o seu maior interesse pela Filosofia levou a que não colocasse em prática as suas ideias. Essa tarefa coube aos alemães Alexander von Humboldt e Carl Ritter.Alexander von Humboldt (1769-1859) recebeu uma sólida formação cientí-fica que, de acordo com a época, teve um carácter enciclopédico. De ideias liberais e progressistas, com um espírito curioso e empreendedor, organizou e levou a cabo uma grande expedição científica pela América (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, México, Cuba e Estados Unidos da América), que durou quatro anos (Infopedia, 2008). Durante as suas viagens recolheu grande volume de informação, que mais tarde utilizou para escrever várias obras, sendo a mais importante e a me-lhor concebida, «Cosmos», em cinco volumes, escrita já nos últimos anos da sua vida (Claval, 2006). A sua obra «Cosmos» constitui uma autêntica cosmologia, onde aborda a descrição física do Universo e sistematiza os conhecimentos de ciências muito diversas. Humboldt interessou-se pelo estudo dos seres vivos e do meio, nas suas relações recíprocas, explicando a sua distribuição no espaço e transmitindo o choque que sentiu face a certas paisagens ou determinados documentos, dando à Geografia um novo significado: não é apenas um dis-curso sobre as realidades de pequena escala que se lêem nos mapas; estes revelam a diversidade da Terra, que considerava como um todo orgânico, em que os diferentes fenómenos se apresentavam interdependentes, rom-pendo, assim, com uma linha tradicional de pensamento, que considerava a Natureza como algo estático e inamovível. O seu trabalho deu à geografia descritiva um carácter sistemático e uma metodologia própria tal como ela se descobre no campo (Claval, 2006 e Infopedia, 2008). As investigações que realizou partiram, geralmente, de observações meticu-losas sobre o terreno, tendo utilizado o método comparativo para identificar regularidades existentes na distribuição das paisagens de diferentes áreas geográficas. Os seus conhecimentos permitem-lhe desvendar muitos traços interessantes nas paisagens e relacioná-los, procurando compreender como os fenómenos se condicionam. Por exemplo, nos Andes, a altitude introduz

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um escalonamento nas formas de vegetação e tipos de agricultura, o vento é importante na formação das correntes que afectam as bacias oceânicas, tendo explicado os mecanismos que as regem 45 (Claval, 2006 e Infopedia, 2008).Foi também Alexander von Humboldt, como naturalista, que introduziu um conceito base na geografia moderna: o de meio (Claval, 2006).Carl Ritter 46 (1779-1859) na sua obra «Geografia geral comparada» (1817-1859), num total de 19 volumes, efectua uma “descrição regional da Terra, que utiliza a comparação para fazer compreender as especificidades de cada país e as orientações da sua história” (Claval, 2006, p. 67).Ritter na sua obra advoga que se devia estudar “todas as relações essen-ciais que se estabelecem entre os povos do globo terrestre: estas relações levar-nos-ão a identificar as direcções que prosseguem para o seu desen-volvimento, sob a influência decisiva da natureza” (Claval, 2006, p. 67), indo ao encontro do defendido por Herder que afirmava que a geografia deve explicar a história de cada povo e a evolução geral para o progresso.Para o geógrafo alemão, o objectivo da Geografia não era o de simplesmente reunir e elaborar uma massa de informações (sobre a Terra ou as regiões), como faziam os seus predecessores, mas antes assinalar as «leis gerais» que explicavam a diversidade natural, mostrar a sua conexão com qualquer facto singular e indicar numa perspectiva histórica, a perfeita unidade e harmonia que existe, por trás da aparente diversidade e capricho que prevalece no planeta, entre a natureza e o Homem (Vesentini, 1988a).Com Ritter, a geografia deixa de ser uma descrição da Terra, tornando-se indispensável para quem quer compreender o Sistema Político Internacional, a dinâmica das civilizações e a maneira através da qual os povos exploram o seu ambiente. Está, também, atento ao impacto das novas técnicas e da revolução industrial e é dos primeiros a assinalar a diminuição das distâncias relativas que a navegação a vapor provoca e a interrogar-se sobre o seu significado. Reflecte, ainda, sobre as grandes produções, rompendo com o quadro tradicional da estatística e constituindo-se como um dos iniciadores da geografia económica moderna (Claval, 2006).

45 Ainda hoje dá o nome a uma corrente fria que desce ao longo da costa Sul-americana (Claval, 2006).46 Geógrafo alemão, o seu primeiro trabalho sobre geografia foi uma série de seis mapas sobre a Europa, talvez

o primeiro atlas físico da história (1806), que seria actualizado (1811). A sua obra mais importante e extensa Geografia geral comparada (1817-1859), transmite-nos valiosos ensinamentos, foi planeada para abordar a geografia de todo o planeta, porém o autor morreu quando completou o 19° volume, em Berlim. Foi o fundador da Sociedade de Geografia de Berlim. Foi pioneiro da geografia moderna e do seu ensino nas universidades, concebendo a geografia como ciência empírica e sustentando que a sua metodologia deveria basear-se na obser-vação directa, ao invés de partir de hipóteses teóricas (Fernandes, 2002).

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São as obras de von Humboldt e Carl Ritter que tornam a geografia uma disciplina científica, que afirma a sua ambição explicativa: deixa de ser a descrição da diversidade terrestre, para permitir compreender o progresso humano. É, também, devido a estes autores alemães, que os geógrafos aprendem, nas suas explicações, a trabalhar de forma sistemática com a dialéctica das escalas, que descobrem como as forças gerais ou locais se combinam para explicar as distribuições que analisam. A geografia que pra-ticaram sistematizou o “estudo das relações que os homens tecem com o seu ambiente: nesta perspectiva é uma ciência natural” (Claval, 2006, p. 68).

f. O pensamento de Friedrich Ratzel

A publicação em 1859, da «Origem das Espécies» de Charles Darwin, tem um significado particular para a geografia e influenciou Friedrich Ratzel 47 (1844-1904) devido à sua formação académica; este autor é considerado o criador da Geografia Humana e da Geografia Política. É por causa da perspectiva darwinista que assumiu, que Ratzel cria um novo capítulo da disciplina que baptiza de Geografia Humana, em que procura estabelecer as leis gerais que regem a influência do meio sobre as sociedades; valoriza, também, a ideia do movimento como sendo uma das características fundamentais do homem, o que o levou a interessar-se pelos fenómenos da circulação (Claval, 2006).A expressão «geografia política» já existia há muito, pois nos séculos XVII, XVIII e XIX foram publicados diversos livros com esse título. Mas considera-se que a geografia política moderna, pelo menos tal como a entendemos hoje – isto é, como um estudo geográfico da política, ou como o estudo das relações entre espaço e poder – nasceu com a obra «Politische Geographie», de Friedrich Ratzel, publicada em 1897. Assim sendo, Ratzel não criou a expressão «geografia política»; ele apenas redefiniu o seu conteúdo, apontando para o que seria um verdadeiro estudo sistemático da dimensão geográfica da política, no qual a espacialidade ou a territorialidade do Estado era o principal objecto de preocupações, apresentando uma concepção de política que muito deve à leitura de Maquiavel (Vesentini, 2009). Nesta obra Ratzel disserta sobre o poder dos Estados 48 salientando que o poder é igual ao somatório do Espaço com a Posição. Contudo verifica que

47 Geógrafo Alemão formado em farmácia e zoologia, Professor de Geografia nas universidades Munique e Leipzig, autor de elevado número de obras e de artigos foi defensor do colonialismo (Dias, 2005, p. 67 e 68).

48 Ratzel definiu Estado “como um organismo que reúne uma fracção da humanidade numa fracção de solo, donde as suas propriedades decorrem das do povo e das do solo” (Chauprade e Thual, 1998, p. 604 e 605).

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o Homem e o Solo não são suficientes para justificar o diferente poder dos Estados. Por isso, cria um terceiro elemento que designou por «sentido de espaço» (Raumsinn), referindo que os povos possuíam-no em maior ou menor grau, o que lhes conferia maior ou menor aptidão natural para a organização e dinamização do meio por eles habitado, conduzindo, assim, ao também natural, predomínio de alguns sobre outros (Dias, 2005).A Geografia Política surge então, em Ratzel, como a parte mais original da Geografia Humana das sociedades evoluídas (Claval, 2006). Na sua obra «Geografia Política» estabelece as sete Leis Geográficas do crescimento dos Estados, que se apresentam (IAEM, 1982, p. 24 e 25):

(1) o primeiro impulso para o desenvolvimento territorial de um Estado vem do exterior, duma civilização mais adiantada. Em tese, uma comunidade vive em equilíbrio, até que é rompido com o aparecimento ou contacto com outra civilização;

(2) o aumento do espaço acompanha a expansão da cultura;(3) a expansão de um Estado segue-se a outros sintomas de desenvolvimento:

ideias, produção industrial, actividade missionária e outras;(4) a expansão de um Estado inicia-se com a fusão e absorção de unidades

menores. Como foi o caso da Alemanha, na II Guerra Mundial começou por absorver entidades politicamente mais fracas, para testar a reacção da comunidade internacional;

(5) a fronteira, como órgão periférico de um Estado, evidencia a sua vita-lidade ou dinamismo; as fronteiras são, portanto, variáveis e dinâmicas, reflectindo a força expansiva dos Estados. Esta lei compara a fronteira do Estado à pele de um ser vivo; aceita-a como instrumento maleável, que reflecte o seu Poder e a direcção do seu crescimento;

(6) um Estado, à medida que cresce, tende a anexar regiões valiosas sob o ponto de vista político ou económico. As Regiões Valiosas podem sê-lo por serem ricas em recursos naturais, ou pelas vantagens que propiciam do ponto de vista da posição;

(7) a absorção reforça a tendência para a expansão o que confere maiores possibilidades para a subsequente conquista de mais espaço. À medida que vai havendo absorção de unidades políticas menores, aumenta o Estado e o seu Poder, logo o seu “apetite” é também maior.

Ratzel criou, também, um novo conceito, o de o «Espaço Vital» (Lebensraum), definindo-o como o “território necessário à completa e perfeita realização de um «ser político», forte e respeitado” (IAEM, 1982, 25).

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Tendo em consideração o conceito de «Espaço Vital» e considerando que os vários organismos (Estados) se digladiavam em permanência, buscando mais espaço, e procurando a sua realização e desenvolvimento, tudo isto, numa lógica de aplicação das leis de selecção natural, em que os mais for-tes resistiam e sobreviviam, os outros definhavam e morriam (Dias, 2005).O Conceito de Espaço Vital apresenta-se, assim, coerente com o raciocínio que se pode encontrar nas leis de crescimento territorial dos Estados, desig-nadamente no que respeita à absorção de «unidades» menores, na procura de regiões valiosas e na noção de fronteira, como espelho dos resultados da busca de espaço (Dias, 2005).

g. As Escolas Nacionais: 1890-1950

No período de 1890 a 1950 a geografia assume a sua forma clássica, ciência das paisagens e das sociedades, ocupando um lugar importante no estudo dos fenómenos físicos e no tratamento das sociedades tradicionais, apresentando dificuldades no estudo do “mundo urbano e industrializado cuja difusão acelera” (Claval, 2006, p. 79). Este período foi rico em actividades intelectuais, dando origem às socieda-des de geografia, destacando-se as de Berlim, Paris e Londres; a geografia enquanto disciplina, passa a ser leccionada nas universidades, tendo estes aspectos desempenhado um papel fundamental para a institucionalizar, tal como aconteceu com a função dos geógrafos na sociedade (Unwin, 1995).Neste período a pesquisa sobre o ambiente (geografia física) é tão importante como a investigação sobre a geografia humana. Contudo, o desenvolvimen-to de áreas muito especializadas como, por exemplo, a geomorfologia ou a climatologia, contribuem para que a geografia tenha muitos campos de actuação, sendo por isso difícil seguir os mesmos métodos científicos, o que é criticado por investigadores de outras disciplinas (Claval, 2006).No seguimento da geografia científica (ou moderna) surgem quatro escolas geográficas 49, na Alemanha com Friederick Ratzel, na França com Vidal de Blache e Elisée Reclus, na Grã-Bretanha com Halford Mackinder e nos Estados Unidos da América, com William Davis (Dias, 2005).

(1) A Escola Alemã

A história da geografia alemã é mais que as grandes personalidades que contribuíram para modelar a geografia moderna, Humboldt, Ritter

49 “Procurando tudo explicar, através da descrição e tudo classificar através da comparação” (IAEM, 1982, p. 21).

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ou Ratzel. Na formação da escola alemã, Wilhelm Riehl (1823-1897) desempenhou um papel chave, após as suas reflexões sobre a juventude alemã, em que propunha que os adolescentes deveriam percorrer o país de mochila às costas e recomenda que lhes seja ensinado geografia dando ênfase “ao que os enraíza num território ou país”; por isso às vezes considera-se a geografia a “disciplina do conhecimento do próprio país” (Claval, 2006, p. 85).No período em análise, na Alemanha, a questão nacional continuava a dar à geografia particularidades muito especiais: saber quais eram as suas fronteiras. Os alemães têm um sentimento profundo da sua identi-dade, mas para eles, coloca-se a questão de saber a que território deve corresponder o seu país (Claval, 2006). Os geógrafos alemães não se interessavam pelo indivíduo, para eles o dado de base é o Povo. Num país cuja unidade é tardia, a questão que se lhes colocava, era saber onde terminava o território alemão. Para dar uma resposta credível, era importante apoiarem-se em métodos que escapavam a toda a crítica, “os geógrafos assumem-se naturalistas para parecerem mais sérios” (Claval, 2006, p. 85).A geografia alemã está largamente associada à revolução conservadora, cujo embrião já estava presente antes do primeiro conflito mundial, e foi acelerada pela derrota, explicando também o triunfo do nazismo em 1932. Rudolf Kjellen 50 (1846-1922) utiliza o neologismo «geopolítica» e esta torna-se uma forma de análise e de desenvolvimento sistemático de ideologias territoriais adequadas para assegurar o triunfo das visões alemãs sobre a organização da Europa e do Mundo (Claval, 2006).

(2) A escola Francesa

Um dos geógrafos da escola francesa foi Elisée Reclus 51 (1830-1905), este dá às cidades um lugar importante na sua análise e mostra-se muito sensível à diversidade do seu povoamento. A sua principal obra foi «O Homem e a Terra», editada em 1905, já depois da sua morte, na qual

50 Jurista sueco e professor de Ciência Política e de História nas Universidades de Gotemburgo e de Upsala; no ano de 1900 inventa o neologismo «geopolítica» (Dias, 2005).

51 Geógrafo francês, autor de vasta obra em Geografia, foi forçado várias vezes a deixar a França por causa das posições políticas. Publicou La Terre, description des phénomènes de la vie du globe (1867-1868). Lutou como soldado contra a Prússia (1870) e, no ano seguinte, participou na Comuna de Paris, pelo que foi deportado para a Suíça onde estabeleceu contacto com Peter Kropotkin. Em 1874 como cientista, começou a publicar a sua principal obra: Nouvelle Géographie universelle (1875-1894), em 19 volumes. Em 1879, tornou-se catedrático de geografia na Universidade de Bruxelas, tendo leccionado a cátedra de geografia comparativa (Fernandes, 2002).

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explicita as suas concepções de geografia, de sociedade e do mundo político 52 (Claval, 2006). Um dos mais importantes investigadores da escola francesa foi Vidal de la Blache 53 (1845-1918), o seu valor deve-se sobretudo à obra escrita e ao impulso que soube dar aos jovens geógrafos, antigos alunos da Escola Normal, que constituem o ponto de partida da escola francesa (Claval, 2006). Para este autor, um indivíduo geográfico não resulta somente das con-dições geológicas e climáticas. Não é completamente livre das mãos da natureza, mas é um homem que revela a sua individualidade moldando um território para o seu próprio uso. A geografia tem como missão in-vestigar como as leis físicas ou biológicas que regem o globo se com-binam e se modificam, ao aplicarem-se às diversas partes da superfície terrestre (Vesentini, 1988a). A geografia tem como missão especial estudar as diferentes expressões que existem nos diversos lugares. O geógrafo deve buscar o encadeamento e a unidade dos elementos que agem sobre a superfície terrestre. A Terra é o domínio do Homem. Mas é preciso que a humanidade conheça o seu domínio para dele desfrutar e para fazer-se valer. A geografia tem como função ensinar isso (Vesentini, 1988a).Para la Blache, a Geografia tinha, também como finalidade, explicar a desigual repartição dos homens à superfície da terra, ou seja a formação de densidades. Estas exprimem as relações que os homens estabelecem com o seu ambiente, valorizando o aspecto da circulação, como o fize-ram Carl Ritter e Ratzel. Contudo, ao contrário de Ratzel, que era um determinista, la Blache era um possibilista (Claval, 2006).O problema que se punha aos intelectuais franceses era diferente ao dos alemães; a questão não estava no delimitar do território, mas sim compreender como a unidade podia surgir da diversidade de meios

52 Algumas das suas posições surpreendem hoje em dia – não condena a colonização mas manifesta-se contra os seus excessos (Claval, 2006)

53 Geógrafo francês, considerado o fundador da geografia francesa moderna e da corrente francesa de geografia humana. Estudou história e geografia, em Paris, e ensinou por três anos na Grécia. Após várias viagens pelo mundo retornou a França, para ser professor da École Normale (1877-1898). Fundou e editou a revista Annales de Géographie (1891), ainda hoje o mais importante periódico de geografia da França. Assumiu o cargo de professor de geografia na Sorbonne (1898-1918), onde trabalhou até ao fim da vida. Defendia uma geografia regional baseada no intensivo estudo de regiões fisicamente pequenas definidas como os cantões da França, e do interrelacionamento das pessoas com o seu ambiente. Advogava que estudos de partes isoladas da Terra não tinham importância, e que existiria um contínuo jogo de acção, reacção e interacção entre grupos humanos e seus ambientes naturais. Considerado o expoente máximo da geografia francesa, autor de um Atlas générale, do primeiro volume da Histoire de France (1903), de Ernest Lavisse, do póstumo Tableau de géographie humaine (1921), além de criador do Possibilismo Geográfico (Fernandes, 2002).

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naturais e do povoamento original. Concluindo que a unidade surgiu devido à complementaridade dos recursos oferecidos pelas diversas províncias, como pelo parentesco que existe entre os diferentes géneros de vida tanto a Norte como a Sul do território, sendo que é esta com-binação que dá à França a sua personalidade, utilizando a expressão de la Blache (Claval, 2006).

(3) A escola Britânica

A geografia na Grã-Bretanha preocupava-se em identificar um objecto de estudo, combinando elementos humanos e físicos, que se considerassem exclusivamente geográficos. A contribuição britânica para a geografia estava relacionada com um trabalho em dois planos, o global e o local. Nos finais do século XIX (1895), Halford Jonh Mackinder 54 (1861-1947) defendeu que o desenvolvimento da geografia física havia superado a geografia humana, pelo que só era possível examinar a geografia humana no contexto da geomorfologia e da biogeografia. Para alcançar este objectivo, sugeria o uso da geografia regional, alegando que o estudo das regiões era uma prova mais minuciosa da lógica do argumento geográfico que o estudo dos diversos tipos de fenómenos (Unwin, 1995).Por outro lado, Mackinder considerava que a geografia devia ser útil para o sistema, para o «comércio» como dizia, isto é, os interesses imperialistas britânicos da época; desta forma a geografia deveria contribuir para o conhecimento e a cartografia dos territórios a serem colonizados, para a identificação dos recursos naturais e dos povos, localizando potenciais trabalhadores e/ou mercados (Vesentini, 2008b). Esta visão da geografia foi contraposta por Piotr Alekseievitch Kropotkin 55 (1842-1921) que considerava que ela deveria servir basicamente os ideais

54 Inglês, professor de geografia em Oxford (1887-1905), director do colégio universitário de Reading (1892-1903) e director da London School of Economics and Political Sciences (1903-1908). Foi também biólogo, historiador, político e geopolítico (Dias, 2005).

55 Revolucionário e geógrafo russo, que renunciou à sua herança aristocrática para fundar os movimentos anarquistas russo e inglês. Estudou em São Petersburgo onde se interessou pela geografia e, cujas pesquisas e explorações abriram-lhe caminho para uma destacada carreira científica. Porém, recusou o cargo de secretário da Sociedade Geográfica da Rússia para se dedicar à causa do anarquismo, doutrina que defendia a abolição de todas as formas de governo. Preso por envolvimento em actividades revolucionárias (1874), conseguiu escapar dois anos depois e foi para a Europa ocidental onde escreveu vários livros, nos quais sistematizou a sua filosofia libertária. Ao retornar à Rússia (1917), entusiasmou-se com o surgimento espontâneo das comunas e sovietes; porém a tomada do poder pelos bolcheviques, trouxe-lhe completa frustração em relação às suas ideias. Seu principal livro foi Mutual Aid (1902), onde defendeu que o factor principal de evolução das espécies seria a cooperação, e não o conflito, conceito darwinista da sobrevivência e evolução das espécies (Fernandes, 2002).

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humanísticos de combate aos preconceitos, de crítica ao imperialismo, às injustiças e às desigualdades, (Vesentini, 2008b). Mackinder foi um pensador político realista, entendia a ordem interna-cional como uma espécie de «lei da selva», na qual o poderio militar e as guerras seriam não apenas inevitáveis, como até mesmo uma con-dição indispensável para a existência de um sistema internacional, com o exercício da hegemonia por uma grande potência mundial (Vesentini, 2008b). As suas ideias direccionavam-se para a manutenção e o forta-lecimento do império britânico (potência marítima), tendo apresentado a sua teoria geopolítica, onde materializou a relação entre o espaço e o poder político, construindo à escala do planeta modelos de dinâmica do Poder, que o tornaram mundialmente conhecido (Dias, 2005).

(4) A Escola Americana

A geografia americana sofreu altos e baixos em virtude de esta não constar do ensino primário e secundário, como acontecia na Europa. William Morris Davis 56 (1850 - 1934) foi um dos seus expoentes, tendo contribuído para separar o âmbito abrangido pela geografia, geologia e meteorologia. O conceito mais importante que introduziu foi o de «ciclo de erosão», através de estudos baseados na erosão provocada pelos rios da Pensilvânia (Claval, 2006). Na Universidade de Harvard onde leccionava, sistematizou o estudo da Geografia e revolucionou o seu ensino nos Estados Unidos. Em virtude do aparato metodológico mais eficiente das ciências físicas e da esplên-dida conexão teórica por ele elaborada, a Geografia Física rapidamente ganhou a imagem de ser a parte cientificamente melhor consolidada e executada, onde praticamente não havia necessidade de preocupações metodológicas e conceituais a seu propósito (Fernandes, 2002).

56 Geólogo e geógrafo norte-americano, criador da moderna Geografia Física, cujas ideias cíclicas influenciaram decisivamente a Geomorfologia, durante pelo menos a primeira metade do século XX. Graduado na Universi-dade de Harvard, trabalhou no Observatório Nacional Argentino (1870-1873) e voltou para a Universidade de Harvard. Aposentou-se de Harvard e tornou-se professor emérito (1912). Ainda leccionou em Berlim e Paris e fundou e presidiu (1904 / 1905 / 1909) à Association of American Geographers e também presidiu (1906-1911) a Geological Society of American. Escreveu Physical Geography (1898) e de Geographical Essays (1906). A sua concepção teórica predominou de modo incontestável por quase meio século. Apesar das muitas críticas que lhe eram endereçadas, não surgia outra proposição coerente e global capaz de a substituir. Só no fim dos anos cinquenta e na década seguinte começaram a aparecer indícios de nova estrutura teórica para a Geomorfologia, que ganhou corpo com a teoria do equilíbrio dinâmico (1960), de John T. Hack, revivendo e ampliando antigas concepções expostas por Grove Karl Gilbert (Fernandes, 2002).

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Outro importante geógrafo foi Carl Sauer 57 (1889-1975), de origem ale-mã, tendo trabalhado muito em estudos de antropologia cultural. O que para ele conta é compreender como os grupos tiram partido da paisagem (ambiente), a exploram e a modificam. Na sua obra «The Morfology of Landscape», publicada em 1925, valoriza a relação do homem com o meio, que ele modifica e transforma no seu habitat, a análise desta re-lação permitiu-lhe ter uma visão integral do ambiente que individualiza a geografia enquanto disciplina (Claval, 2006).As suas ideias nunca dominaram a geografia americana, mas alimentaram, desde o final da década de 20, uma corrente de investigação fecunda e original. Esta centra-se nas relações entre os grupos humanos e o seu ambiente, ainda hoje bastante actual, como por exemplo, o aquecimento global (Claval, 2006).

(5) O Estado da Geografia no início do século XX

No início do século XX, a geografia é uma disciplina forte e bem re-presentada na maioria dos países industrializados. Foi na Alemanha que foi formulada a maioria dos temas, onde todos os ramos da geografia estavam representados; porém a Segunda Guerra Mundial reduziu a projecção da escola alemã (Claval, 2006).A situação da geografia em França, apresenta alguns traços comuns com a situação na Alemanha, ou seja, existe uma longa tradição de estudos geográficos, uma grande especificidade (geografia regional), interesse por todos os ramos, mas as estruturas não se souberam renovar a partir da década de 30 (Claval, 2006).A geografia na Grã-Bretanha dá ênfase aos trabalhos de campo e às monografias minuciosas, dando-lhe uma originalidade crescente. A asso-ciação da geografia à ideia do ordenamento do território desenvolve-se rapidamente, assim como, a geografia histórica, com destaque para o período entre as duas Guerras Mundiais (Claval, 2006).Nos Estados Unidos da América a situação é diferenciada. A escola de Berkeley 58 está no apogeu, enquanto que os trabalhos metódicos efec-

57 Geógrafo norte-americano, professor universitário, destacou-se pelos estudos sobre os desertos, regiões tropicais, geografia humana dos índios americanos, agricultura e produtos nativos do Novo Mundo. Para Sauer, a geografia era inseparável da História da humanidade, considerando a antropologia, arqueologia e sociologia como extensões dos seus estudos geográficos (Infopedia, 2008).

58 A Universidade de Berkeley, foi fundada em 1868, é uma extensão da Universidade da Califórnia em Berkeley, situada no estado da Califórnia.

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tuados no Middle West 59 abrem caminho para a renovação da geografia económica e política (Claval, 2006).Este período é marcado pela dicotomia entre Geografia Física e a Geografia Humana. Representando os conjuntos: «meio geográfico» e «actividades humanas», a Geografia Física destinava-se ao estudo do quadro natural, enquanto a Geografia Humana preocupava-se com a distribuição dos aspectos originados pelas actividades humanas (Christofoletti, 1985). Como vimos com os trabalhos de William Davis, a Geografia Física não tinha de preocupações metodológicas e conceituais, ao invés, a Geografia Humana destituída do aparato teórico e explicativo para as actividades humanas, assim como da imprecisão dos procedimentos metodológicos, debatia-se na procura de justificar o seu gabarito científico, e em es-tabelecer a sua definição e finalidades como ciência. A esta dicotomia juntava-se o conflito conceptual da Geografia se consubstanciar como «ciência única» ou como um conjunto de ciências. Os debates relativos a esta temática são contínuos e sempre reabertos, sem se chegar a uma conclusão definitiva (Christofoletti, 1985).Para os geógrafos preocupados com a afirmação científica da Geografia e com os perigos da ruptura entre os seus Ramos, a paisagem 60 aparecia como um conceito integrador, pois traduzia as interacções entre os elementos do mundo físico e entre estes e os grupos humanos, numa dada área. Diferen-tes combinações de fenómenos da superfície terrestre traduzir-se-iam em diferentes morfologias do território e, portanto, em diferentes paisagens, e cada região era caracterizada por uma paisagem própria (Salgueiro, 2001).Em resumo, podemos afirmar que a geografia tinha efectuado grandes progressos, mas os seus maiores sucessos estavam associados às paisagens e às sociedades tradicionais. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, dá-se um desenvolvimento acelerado o que obrigou a geografia a renovar-se; se tal não tivesse acontecido, tinha desaparecido.

h. A Nova Geografia: 1950-1970

A renovação da geografia levou a que a designassem por «Nova Geografia» 61, com a qual a pergunta central deixou de ser qual a influência do meio sobre o

59 A escola de Middle West surge na sequência dos métodos utilizados pelo botânico Clemments na “cartografia detalhada das formações vegetais”, que foram amplamente imitados por outras disciplinas (incluindo os geógra-fos), na Universidade de Chicago (Claval, 2006, p. 95).

60 Que Carl Sauer desenvolveu com a sua Morfologia e Biogeografia.61 Foi inicialmente proposta por Manley (1966), considerando o conjunto de ideias e de abordagens que começaram

a difundir-se e a ganhar desenvolvimento durante a década de cinquenta (Christofoletti, 1985).

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Homem, para se ocupar da localização das actividades humanas e a interrogar-se sobre a sua desigual distribuição: porquê aqui e não noutro sítio? (Claval, 2006).Para tentar responder a esta questão, a Nova Geografia procurou estimular o desenvolvimento de teorias relacionadas com as características da distri-buição e arranjo espaciais dos fenómenos; para tal, os geógrafos recorre-ram às teorias disponíveis noutras ciências, como as teorias económicas, nomeadamente as relacionadas com a distribuição, localização e hierarquia de eventos, entre outras. Procurando verificar a sua aplicabilidade, alguns geógrafos passaram a estudar os padrões de distribuição espacial dos fenó-menos (estudo de distribuições pontuais, de redes ou de áreas), mas sem efectuarem um estudo crítico, nem proporem modificações ou substituições àquelas teorias (Christofoletti, 1985). Não houve uma contribuição realmente significativa para a teoria geográfica das organizações espaciais. Por outro lado, com o estudo dos padrões espa-ciais aceitava-se implicitamente o espaço como a dimensão característica da análise geográfica e a superfície terrestre como o seu objecto de estudo. Ao deslocar o foco de análise para as organizações espaciais, estava a propor-se uma modificação substancial, que só foi alcançada no fim dos anos cinquenta e na década seguinte, quando começaram a aparecer indícios de uma nova estrutura teórica, que ganhou corpo com a «teoria do equilíbrio dinâmico» 62, de John T. Hack, em 1960 e a «teoria probabilística» 63 da evolução da modelação terrestre, de Leopold e Langbein em 1962 (Christofoletti, 1985).O desenvolvimento destas teorias tinha subjacente a utilização da metodolo-gia científica pela Geografia e, a utilização por todos os ramos dos mesmos procedimentos, em virtude de não existir uma metodologia específica para uma ciência, mas para o conjunto das ciências. Havia métodos científicos para a pesquisa geográfica, mas não métodos geográficos de pesquisa (Christofoletti, 1985). Considerando a metodologia científica como o paradigma para a pesquisa geográfica, a Nova Geografia salienta a necessidade de maior rigor no enunciado e na verificação de hipóteses, assim como na formulação das explicações para os fenómenos geográficos (Christofoletti, 1985). A utilização

62 Baseia-se na teoria geral dos sistemas, em que o princípio básico da teoria é o de que o relevo é um sistema aberto, mantendo constante troca de energia e matéria com os demais sistemas terrestres, estando vinculado à resistência litológica (Casseti, 2008).

63 Considera que o sistema geomorfológico é um sistema aberto, o que acarreta duas generalizações mais prováveis sobre a distribuição de energia: um estado em que a taxa de dispersão de energia é uniformemente distribuída, e um estado onde o sistema executa um trabalho mínimo (Moreira, 2003).

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desta metodologia pela Geografia permitiu completar a análise das relações do homem com o ambiente, tendo a nova geografia recorrido às simulações de laboratório, à experimentação e aos métodos matemáticos, originando ramos especializados, como a geomorfologia, a climatologia dinâmica e a biogeografia (geografia botânica), entre outros (Claval, 2006).Por outro lado, o aumento da urbanização e dos problemas ecológicos e sociais que lhe estão associados, como por exemplo, a multiplicidade de resíduos, a utilização intensiva de produtos químicos que provocam dese-quilíbrios ambientais e zonas residenciais sem condições, levaram ao au-mento da criminalidade, de tal forma que começaram a inquietar a opinião pública. Estas situações favoreceram o aparecimento de vários autores que contestavam a evolução seguida pela geografia (Claval, 2006).

i. A contestação dos anos 70: geografia radical e geografia humanista

No fim da década de 60, início da de 70, a ênfase no crescimento económico desaparece rapidamente. Em virtude do ambiente contestatário nos Estados Unidos da América (EUA), nos anos sessenta, em função da guerra do Vietname, da luta pelos direitos civis, dos problemas advindos da poluição e da urbanização, surgiu uma corrente geográfica preocupada em ser crítica e actuante (Christofoletti, 1985). Vários adjectivos são mencionados para a caracterizar, tais como geografia crítica, de relevância social, marxista e radical. Adoptamos a denominação de Geografia Radical por a considerarmos mais abrangente e significativa, designando tudo o que seja de tendência esquerdista e a postura contestatária dos seus praticantes (Christofoletti, 1985). Surgem várias publicações em apoio a esta corrente, das quais destacamos a de David Harvey, «Social Justice and the city», em 1972, onde se estuda a pobreza, recorrendo aos modelos clássicos e aos modelos marxistas (Claval, 2006). Foi a primeira tentativa de apresentar uma síntese e um marco teórico para a análise marxista do espaço urbano, outra obra que merece referência foi a de David M. Smith, «Human Geography: a welfare approach», em 1977, que propunha a reformulação da Geografia Humana (Christofoletti, 1985). Nos EUA, desde 1969 que é publicada a revista «Antipode: a radical journal of Geography», que representa o veículo mais constante deste movimento geográfico. Na França, o movimento da Geografia Radical é liderado por Yves Lacoste, cujo grupo se tornou responsável pela revista «Hérodote», que é editada desde 1976. Na Inglaterra, diversos trabalhos significativos foram

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publicados nas revistas de geografia. Richard Peet, um dos mais eminentes geógrafos radicais, organizou uma colectânea a propósito da «Radical Geo-graphy», em 1978, exemplificando os vários temas analisados pelos geógrafos radicais (Christofoletti, 1985).A Geografia Radical também visava ultrapassar e substituir a Nova Geografia. Os seus defensores consideram a Nova Geografia como sendo pragmática, alienada, objectiva no estudo dos padrões espaciais e não nos processos e pro-blemas socio-económicos e com grande função ideológica. Desta maneira, ela procurava analisar em primeiro lugar os processos sociais, e não os espaciais, ao inverso do que se costumava praticar na geografia (Christofoletti, 1985). Neste sentido, encontra-se implícito o esforço na tentativa de integrar os processos sociais e os espaciais no estudo da realidade. A Geografia Radical interessava-se pela análise dos modos de produção e das formações socio-económicas. Isto porque o marxismo considera como fundamental os modos de produção, enquan-to as formações socio-económicas espaciais são as resultantes. As actividades dos modos de produção constroem e geram formações diferentes. Cada modo de produção, capitalista ou socialista, por exemplo, reflecte-se em formações socio-económicas espaciais distintas, cujas características da paisagem geográfica devem ser analisadas e compreendidas (Christofoletti, 1985).Esta corrente analisava o processo de acumulação concebido por Marx; contudo este modelo não contemplava uma dimensão espacial no processo de desenvolvimento do capitalismo, sendo uma falha que contribuiu para o fim da geografia radical, cuja ambição era formular uma teoria capaz de explicar a evolução do mundo e de prevê-la, mas a teoria que reclama não levava ao resultado antecipadamente previsto. A geografia radical fica posta em causa nos seus pressupostos metodológicos (Claval, 2006).Rapidamente são denunciadas outras fraquezas daquela geografia. O Homem não toma as suas decisões em função do que é o mundo, mas em função da imagem que tem dele. Estudos sobre a percepção do espaço abundam; são exemplos a obra de Kenneth Boulding, em «The Image» (1956) e de Kenin Lynch, «The Image of the City» (1959). Neste período surge, também, o francês Eric Dardel (1900-1968) para quem a geografia não tem por finalidade descrever a terra, mas mostrar como o homem nela inscreve a sua existência e lhe dá sentido, modelando territórios a que atribui valores (Claval, 2006).Outro autor importante foi Yi-fu Tuan 64, que num artigo de 1976 fala em Geo-grafia Humanista, sendo este o termo que vingou (anteriormente falava-se em

64 Geógrafo americano, nascido na China em 1930, é professor de Geografia em várias Universidades ocidentais. Autor de diversas obras das quais destacamos: «Space and Place, Landscapes of Fear» e «Topofilia». Em 1976 faz uma importante análise quanto ao papel da «Geografia Humanista».

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geografia fenomenológica). Esta Geografia é crítica e reflectiva, porque o mundo dos factos geográficos não inclui somente o clima, as propriedades agrícolas, as povoações e os Estados, mas também os sentimentos, os conceitos e as teorias geográficas. Os temas abordados por esta corrente eram variados, entre os quais salientamos os esforços para compreender a diversidade das experiências que se pode ter sobre o espaço, surgindo noções como os de “espaço vivido”, de “representação cultural”, de “lugar” e de “território” (Claval, 2006). As noções de espaço e lugar surgem como importantes para esta tendência geográfica. O lugar é aquele em que o indivíduo se encontra ambientado no qual está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeições; é o “centro de significância ou um foco de acção emocional do homem”. O lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem sig-nificado afectivo para uma pessoa ou grupo de pessoas (Christofoletti, 1985). A Geografia Humanista procura entender qual é a imagem que os indivíduos têm do mundo, procurando perceber como sentem os lugares e se identificam com eles. O mundo é um «produto dos actores» e estes «experimentam-no» de diferentes formas.Em 1974, ao tentar estruturar o sector de estudos relacionados com a percep-ção, atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo «Topofilia» definindo-o como “o elo afectivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico” (Christofoletti, 1985). Após este per-curso e procu-rando sistematizar a evolução da geografia, pode-mos afirmar que até à década de 80 as anál ises realizadas pelos Geógrafos eram dicotómicas entre a objectividade e a subjectividade, o indivíduo e os grupos sociais , como se observa nas figuras 14 e 15. Em que o Território para a Etno-Geografia representa um “sistema de lugares tecido pelo entrelaçado das relações sociais e espaciais

Fonte: Cachino e Malheiros, 2009

Figura 14 – Dicotomia entre os vários Tipos de Geografia

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características dos grupos humanos, que os ocupam, os produzem ou simples-mente os cobiçam, e por outro lado, as relações existenciais, necessariamente subjectivas, que os indivíduos socializados necessariamente estabelecem com os diferentes lugares do sistema” (Cachino e Malheiros, 2009).

65 O conceito de território está associado ao sentimento de pertença dado às sepulturas dos antepassados, aos lugares sagrados, entre outros, que está muito para além da satisfação das necessidades naturais do Homem (Claval, 2006).

Fonte: Cachino e Malheiros, 2009

Figura 15 – Enquadramento da Geografia consoante a sua maior preocupação

j. A Geografia depois da queda do Muro de Berlim

Depois da queda do muro de Berlim e do fim das correntes ideológicas asso-ciadas a cada bloco, os geógrafos consciencializaram-se da ambição exagerada que tinham em querer explicar o mundo e de desenhar o futuro (Claval, 2006).O geógrafo passou a explorar o domínio das ciências da natureza e o das ciências sociais, com o objectivo de desmontar o sistema complexo das relações e das influências responsáveis pelas realidades observadas. O meio natural oferece recursos e possibilidades mais ou menos favoráveis, consoante a sua localização, o clima existente e outras, mas o mais importante são as técnicas de produção e de organização de que dispõem os grupos sociais que habitam cada território 65 (Claval, 2006), no racional referido por Ratzel, da

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maior ou menor aptidão que os Estados possuem para organizar o espaço, ou seja o seu conceito, anteriormente apresentado, de «sentido de espaço».As questões relacionadas com o uso do tempo são fundamentais para a Geografia, tendo em vista a organização de espaços, tanto em relação ao indivíduo, como em relação aos grupos, pois as actividades desenvolvidas por eles, na família, nos locais de trabalho e nas horas de lazer exigem cons-truções adequadas, meios de transporte e organização dos horários. Para que os membros da sociedade possam usufruir dos divertimentos e lazeres, por exemplo, é necessário que essas actividades sejam oferecidas fora dos seus horários de trabalho e num local próximo da sua residência, que permitam um deslocamento conveniente e acessível (Christofoletti, 1985). A evolução técnica conduz à uniformização rápida das ferramentas e das condi-ções de vida e à difusão universal das mesmas modas, como foram por exem-plo, os «blue jeans» ou a música «rock». Mas a cultura não assenta somente em bens materiais, ela assenta, também, em hábitos, preferências e valores. A universalização foi tão rápida que pareceu que o Homem perdeu uma parte da sua identidade, as principais diferenças já não são as casas ou a forma de vestir, mas sim a religião, a etnia ou as tradições que praticam (Claval, 2006).As actividades produtivas e as características das classes socio-económicas são importantes nesta análise, porque as diferenças no uso do tempo entre as populações urbanas e as rurais são significativas. Outro aspecto relaciona-se com o valor do tempo gasto. As pessoas de baixo nível social e cultural executam tarefas de baixo rendimento, pois o seu tempo é barato. As pessoas de alto nível social e cultural apresentam um valor do tempo muito mais elevado, cujo gasto não é destinado à execução de tarefas simples e rotineiras. Delegar as tarefas domésticas e de limpeza às empregadas é procedimento usual nas famílias abastadas, assim como os subalternos executam muitas tarefas delegadas pelos patrões e dirigentes (Christofoletti, 1985).As questões e os problemas que podem ser evidenciados na perspectiva da organização do tempo e do espaço são muito diversos, envolvendo aspectos da localização espacial dos artefactos humanos e da distribuição do uso do tempo. Valorizando os cruzamentos das variáveis tempo e espaço, pode ser englobada e administrada pelos adeptos da Nova Geografia, da Geografia Humanista, da Geografia Radical (Marxista) e da Etno-Geografia sendo possível aplicar-lhe os procedimentos metodológicos e os posicionamentos explicativos que se queiram atribuir aos fenómenos organizacionais das sociedades humanas (Christofoletti, 1985). Nesta perspectiva, a partir de meados dos anos 80 as análises dicotómicas entre a objectividade e a subjectividade, o indivíduo e as estruturas, não

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se adaptavam a um entendimento satisfatório dos fenómenos, e a geografia humana passou a procurar novos caminhos interpretativos. No centro da mudança encontra-se a difusão das correntes de pensamento estruturacionistas e pós-modernistas 66, integradas na geografia, nomeadamente, por M. Dear (1988), E. Soja (1989; 1996) e D. Harvey (1989; 1996). As teorias pós-modernas caracterizam-se por uma deslocação generalizada do interesse da produção para o do consumo e por uma profunda reconce-ptualização desta categoria social. Até então abordado em termos materiais, realçando a produção de objectos, passa agora a ser avaliado pela sua di-mensão simbólica, figura 16.

66 Os pós-modernistas argumentam que as metanarrativas modernistas que procuram verdades universais mediante o exame das associações e das relações entre as pessoas e os lugares têm sido incapazes de dar conta de forma adequada das diferenças na sociedade.

Fonte: Cachino e Malheiros, 2009

Figura 16 – Novos elementos do pensamento geográfico, a partir dos anos 80

A conversão dos objectos num sistema de signos implica também uma trans-formação das relações do sujeito com os objectos e, uma mudança da sua identidade na teoria social. Este perde a racionalidade e unidade que lhe foi concedida pela teoria moderna e torna-se num ser descentrado, fragmentado,

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ecléctico, transitório, emocional e de múltiplas identidades, por vezes para-doxais. Por sua vez, a espacialidade adquire também um novo sentido. Cons-truído socialmente a diferentes escalas, o espaço torna-se multi-dimensional e pluri-significativo. A sua produção envolve sempre uma relação dialéctica de contingência entre as pessoas, os lugares, as comunidades territoriais e os sistemas locais e globais. Este processo aplica-se tanto ao espaço real, territorializado, feito de «lugares reais», isto é, que são significativos para o(s) indivíduo(s), como ao «hiper-espaço topológico», organizado em torno de «não lugares»; um produto da tecnologia e da sociedade de consumo global, que embora não passando de simulacros de lugares reais ou imagi-nados, são tidos como autênticos, ou pelo menos vividos e sentidos pelas pessoas enquanto tal, figura 17 (Cachino e Malheiros, 2009).

Fonte: Cachino e Malheiros, 2009

Figura 17 – Os espaços (realismo crítico)

No mundo de hoje, esta etapa deve ser precedida de uma investigação sobre a maneira de como os homens concebem a vida, a natureza, a sociedade e as suas finalidades. A abordagem humanista é indispensável para perceber as diferentes dinâmicas em curso nas sociedades que partilham a Terra (Claval, 2006).A geografia preocupa-se com os contornos do real, como por exemplo, a infância e as suas maneiras de descobrir o espaço, o destino das mulheres, a velhice, isto é, esta ciência é inseparável da vida e da morte e da forma como cada um concebe o desaparecimento da sua existência. Como tal, procura compreender como o Homem estrutura o espaço, para permitir às sociedades funcionar eficazmente. Ela fornece elementos indispensáveis ao

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Homem de negócios ou ao estadista que devem ter uma visão alargada da Terra, das suas realidades, dos seus problemas e dos riscos existentes, assim como, a novas profissões como as do turismo, do urbanismo e da conservação do património e da natureza. “A geografia é um convite a compreender e respeitar a diversidade dos meios naturais e das civilizações” (Claval, 2006, p. 138).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo que foi referido, verificámos que o conceito de geografia sofreu metamorfoses com certa frequência e, por isso, não é imprescindível uma definição, sendo preferível perceber as suas preocupações e o âmbito do seu estudo; mesmo assim, apresentámos algumas definições de geografia, dos seus ramos e ciências cujas referências estão «ligadas» ao conhecimento geográfico.

A Geografia pode ser definida como a “ciência que estuda as variações das distribuições espaciais dos fenómenos da superfície da Terra, assim como as relações do meio natural com o Homem e a individualização e análise das regiões à superfície da Terra” (Baud et al, 1999, p. 127).

A grande maioria dos autores, assim como as universidades nacionais que ministram esta disciplina consideram a existência de dois ramos: Geografia Física e Humana. A Geografia Física “ocupa-se a explicar as mudanças nas condições do mundo objectivo de feitos. Isto consegue-se através de experimentações rigo-rosas, construção de modelos e verificação de hipóteses, e o êxito depende da exactidão entre as previsões expressas, por exemplo, em fórmulas matemáticas, e as observações empíricas da realidade” (Unwin, 1992, p. 236 e 264).

Para outros autores, as principais actividades do geógrafo físico – observa-ção, medição e descrição da superfície da Terra – são os aspectos da geografia geral mais perceptíveis para quem não é especialista. A crescente complexidade das questões geográficas exigiu uma progressiva especialização, o que deu mar-gem para a criação de novas disciplinas, como ocorreu com a geomorfologia, a climatologia, a biogeografia, a pedologia, entre outras. Com o aumento da capacidade humana para alterar as paisagens e o clima mundial, novas áreas de estudo surgiram, como por exemplo a gestão de recursos e os estudos ambientais.

A Geografia Humana pode ser definida do seguinte modo “a actividade humana muda a forma da natureza, mas ao mesmo tempo, esta actividade ne-cessariamente molda o carácter humano e as relações sociais entre as pessoas; no processo histórico há uma interacção constante do sujeito humano com o objecto natural” (Unwin, 1992, p. 266) ou como o “estudo dos fenómenos relacionados com as populações, incluindo as suas actividades e a relação que têm com a superfície da Terra” (Ferreira, 2006). Podendo, à semelhança

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da Geografia Física, ser subdividida em diferentes disciplinas, ou áreas mais especializadas do conhecimento, como: Demografia, Geografia Económica, Geografia dos Transportes, Geografia, Geografia Política, entre outras.

Tendo em consideração o autor e onde será publicado este artigo será importante referir, que a geografia (ou alguns dos seus aspectos) sempre foram importantes, ao longo da história, para o planeamento e a conduta de operações militares, uma vez que os comandantes delinearam as suas batalhas com base em informações, sobre as características do terreno (montanhoso ou plano; tipo de vegetação; hidrologia – vertentes dos rios, largura, correntes; entre outras) e as condições meteorológicas (chuva? nevoeiro? fases da lua; entre outras), de tal forma que alguns autores falam em Geografia Militar, definindo-a como a vertente da geografia “que tendo por objecto a guerra e o meio onde se desenvolve, estuda a localização e a distribui-ção dos fenómenos militares e procura dar respostas aos problemas geográficos colocados pela ciência militar” (IAEM, 1996, p. 31).

Apesar das definições apresentadas, não devemos ignorar que, a geografia além de uma disciplina académica, é cada vez mais uma disciplina ligada às práticas profissionais, como o ordenamento e planeamento do território, a or-ganização e gestão dos sistemas de informação geográfica, o desenvolvimento urbano e regional, o ambiente e os projectos sociais e urbanos.

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A Génese dA politiCA externA CAbo-verdiAnA

José António da Graça (*)

Capitão (Cabo-Verde)

ABSTRACT

The theme of this article is the “Of the External Policy of Cape Verde”, whose chronological range extends from Cape Verde’s independence in 1975 until 1990.

The desire is to make a modest contribution to understand important issues on Cape Verdian External Policy and to systemize the various aspects about this area of the Politic of this country, relative to the period in question.

In this manner the idea develops into a perspective that sees the actions of the State as being the result of an activity that takes shape in a modest and interactive framework, established with the idea that the strategists in charge of the overall policy.

In the article, the author find to understand the reasons of the options in the area of the external policy, take by the governings of Cape Verde, while the period in study.

Keywords: Cape Verde, External Policy, International Relations, Pragmatism, Cold War.

RESUMO

O tema deste artigo é “Da Política Externa Cabo-verdiana”, cujo âmbito cronológico se estende de 1975 ano em que Cabo Verde ascende à condição de Estado independente ao ano de 1990.

A Génese dA polítiCA externA CAbo-verdiAnA

(*) Director do Centro de Informação e Relações Públicas do Estado-Maior das Forças Armadas de Cabo-Verde. Doutorando em História, Defesa e Relações Internacionais, AM/ISCTE/IUL.

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Com o trabalho, almeja-se dar uma modesta contribuição para a compre-ensão de questões importantes sobre a Política Externa Cabo-verdiana e siste-matizar vários aspectos deste domínio da política cabo-verdiana, respeitantes ao período considerado.

Assim, a reflexão desenvolve-se numa perspectiva que vê as acções do Estado como sendo resultante de uma actuação que toma forma num quadro concertado e interactivo, assente na ideia do que os estrategistas chamam de Estratégia Integral/Total.

No artigo o autor procura compreender as razões das opções, na área da política externa, tomadas pelos governantes de Cabo Verde, no período em estudo.

Palavras-chave: Cabo Verde, Política Externa, Relações Internacionais, Prag-matismo e Guerra-Fria.

1. INTRODUÇÃO

“(…) a cooperação tem sempre a tendência de tornar-se, pouco a pouco, em factor importante da política externa e condicionante das opções internas dos países ajuda-

dos. Cabo Verde, consciente desse perigo e não ignorando a sua situação de fraqueza, tentou alargar o seu espaço de cooperação, salvaguardando as suas opções (…)”

(Cardoso, 1986: 45)

O que se apresenta neste artigo é parte da dissertação de mestrado do au-tor. O artigo não é mais que uma singela contribuição para a compreensão de parte daquilo que constitui a história do Cabo Verde independente, no domínio da Política Externa.A pergunta central que se propõe responder no âmbito do artigo “Da Política Externa Cabo-verdiana (1975 – 1990)” é: Como se configurou a Política Externa Cabo-verdiana da Independência ao ano de 1990? E com base em que princípios?O objectivo prende-se com a tentativa de explicar como o ambiente estratégico internacional do período considerado (1975 a 1990) e o potencial estratégico de Cabo Verde, em que se inclui o conceito geopolítico de massa crítica, condicionaram as opções dos governantes cabo-verdianos, no domínio das relações do país com o exterior.A fim de alcançar o objectivo indicado, foram utilizados, como métodos e processos de investigação, pesquisas bibliográficas e documentais, com re-curso a fontes primárias e secundárias e entrevistas, estas feitas no decurso de recolha de informações para a realização da dissertação de mestrado. Pretende-se com este trabalho partilhar alguns aspectos sobre a temática proposta, temática que, ao contrário do que pode aparecer à primeira vista,

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carece de ser constantemente estudada e aprofundada, com base em recursos teóricos que a bibliografia vai colocando à disposição dos interessados e nos dados empíricos que se vão desnudando, com novas pesquisas levadas a cabo pelos estudiosos destas matérias.Não se pode compreender a política integral de um Estado se não se tem em consideração as opções que, enquanto unidade política, vai tomando, no quadro das suas relações com o exterior. A Política Externa constitui, indubitavelmente, um instrumento utilizado pelas unidades políticas, no âmbito da concretização, ou pelo menos, na tentativa de concretização dos objectivos últimos de qualquer Estado que se preza: a segurança e o bem-estar das suas populações.Estes fins são, contudo, realizáveis num quadro multidimensional e de inte-racções entre diferentes políticas, encetadas por essa mesma unidade política, e desenvolvem-se em direcção à uma finalidade. Tal finalidade, renovada a cada momento, relaciona-se, intrinsecamente, com a sobrevivência daquela e o normal funcionamento das suas instituições. Este princípio teórico toma corpo na relação que as unidades políticas desenvolvem com a sua envol-vente, tanto interna, como externa. Esta perspectiva é fundamental para se puder compreender os diferentes as-pectos deste artigo e, assim, enquadrá-los no quadro cronológico referenciado.

2. A LAIA DE ENQUADRAMENTO

Cabo Verde conquista a sua independência num momento conturbado da política e economia internacionais, em virtude de um conjunto de aconteci-mentos que caracterizaram a década de 70 do século XX, como o choque petrolífero, do avanço geoestratégico da URSS e da perda de posições es-tratégicas dos EUA, na Ásia, América Latina e África. Para piorar a difícil conjuntura internacional descrita, «estalaram» outros factos, como a guerra entre a Grécia e a Turquia, o que fez “tremer” o flanco sul da NATO e a Guerra de Yom Kippur. A indiscutível marca desse período da História Contemporânea é o embate geopolítico e geoestratégico, que se instalou entre os EUA e a URSS, incluindo a sua componente ideológica, ainda no rescaldo da 2ª Guerra Mundial. Esse embate ficou conhecido na história por Guerra-Fria.Assim, concluímos que a época em que Cabo Verde ascende à independência coincide com um período bastante crítico no relacionamento entre os dois grandes centros de poder (os EUA e a URSS). Ao fazer referência a essa fase da Guerra-Fria, Maurisse Vaisse (2005, p. 206) admite que a tensão

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internacional era visível, e que nesse embate, cada “palmo de terreno” era importante para ambos os contendores, na concretização da sua estratégia. Com efeito, nesta “guerra”, Cabo Verde não é ignorado, em virtude da sua posição geográfica, que representava tanto para um lado como para o outro, um terreno importante para sua geoestratégia (terreno a ser utilizado ou ne-gado ao outro, como veremos mais à frente), para não falar da necessidade de precisarem do país para fazer parte dos respectivos “coros”, que cada lado ia constituindo em diferentes fora, principalmente, no das Nações Unidas.No início da construção do Estado de Cabo Verde, ao mesmo tempo que as autoridades cabo-verdianas identificam as ameaças e os riscos, a partir da análise da envolvente estratégica do país, preparando-se para lhes fazer frente, vão tomando medidas no âmbito da Política Externa do país, com vista à defesa dos interesses nacionais. Com efeito, foram, em primeiro lugar, definidos os princípios de sobera-nia, respeito pelas normas do Direito Internacional, não ingerência nos assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens, no Programa de Governo de 1975-1980, como eixos principais do relacionamento do Estado de Cabo Verde com o exterior, num quadro em que a diversificação e multiplicação dos pareceres externos constituíam pilares fundamentais, em termos de opções políticas, no domínio das relações externas.É nesse quadro de percepções e análises do comportamento e dos ob-jectivos dos elementos da envolvente estratégica cabo-verdiana, que o Governo de Cabo Verde procura evitar a todo o custo o alinhamento do país a favor deste ou daqueloutro actor, na arena internacional. É que o alinhamento, no pensamento dos decisores políticos cabo-verdianos significava perda da liberdade de acção, no plano externo e, consequente-mente, uma atitude que poderia comprometer, sobremaneira, a soberania do país, aspectos caríssimos no ideário político dos dirigentes de então, como se pode aquilatar da leitura da LOPE 1, da primeira Constituição de Cabo Verde, dos programas dos primeiros Governos de Cabo Verde, dos relatórios, reflexões e discursos dos dirigentes políticos.Ao ler-se o Programa de Governo de 1975-1980, pode perceber-se que o Governo do país tinha a consciência de que a situação internacional se carac-terizava por um confronto geopolítico/ geoestratégico que poderia conduzir o mundo à uma guerra generalizada e de consequências catastróficas para toda a Humanidade. Essa consciência é visível nas seguintes palavras, ao se referir ao

1 Lei sobre a Organização Política do Estado, que funcionou como a Lei Principal do país até a aprovação da Constituição da República, em 1980.

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panorama muito delicado apresentado pela vida internacional do momento: «num quadro de múltiplas tensões e crises generalizadas (…) na cena internacional».A situação de conflito em Angola e em Moçambique e os alinhamentos que estes países vão estabelecendo com o «mundo comunista», mas também em relação a São Tomé e Príncipe e a Guiné-Bissau, embora com menor expressão, faz com que Cabo Verde ganhasse, no contexto em análise, uma visível importância estra-tégica, no quadro do embate Leste-Oeste, em virtude da sua posição geográfica.Pereira (2002, p. 271), relativamente ao assunto, dá nota de que, a posição geográfica do arquipélago, a eminência da independência de Cabo Verde, conjugadas com o contexto internacional de então, caracterizado pela disputa do poder mundial, pelas duas superpotências, em presença, conformaram um quadro, em que o país “repentinamente ganhou uma importância [es-tratégica] acrescida (…).

3. OS RECEIOS DE WASHINGTON E AS PRETENSÕES DE MOSCOVO

Os Americanos, por tudo o descrito anteriormente, estão apreensivos. Temem que Cabo Verde venha ser um território dócil à estratégia russa, pois não se pode ignorar os apoios que o PAIGC recebeu dos países comunistas, no decurso da luta de libertação nacional.Como avença José Luís Rocha, com “a independência, e tendo em conta as conotações que associavam o PAIGC ao Marxismo, [havia quem pensasse] que Cabo Verde iria enveredar-se, imediatamente, não por um não-alinhamento, mas sim por um alinhamento na potência socialista.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Para Pereira (2002, p. 271), havia a forte desconfiança de que o arquipélago poderia ser transformado numa base naval russa, após a independência do país, em virtude das «tradicionais relações de amizade e cooperação» que o PAIGC tinha com Moscovo, no decurso da guerra de libertação nacional. Relativamente a estas «conotações», Avelino Bonifácio Lopes discorre que “é normal que com a independência houvesse tal receio, uma vez que quem apoiou na luta de libertação foi o Bloco Socialista.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas). Ainda, na mesma senda, Almeida Santos (2006, p. 291) afirma que Spínola, explorando as questões ideológicas e geoestratégicas que animavam a vida internacional de então, num encontro com Nixon, em 19 de Junho de 1974, que se realizou na Base das Lajes, nos Açores, procurou convencer este estadista norte-americano de que os comunistas tinham tomado conta do

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MFA, de que Portugal caminhava a passos largos em direcção a um regime comunista, e em consequência a “(…) inerente cedência à União Soviética das posições estratégicas dos Açores e Cabo Verde.Tal facto é ainda referenciado por Osvaldo Lopes da Silva, numa entrevista concedida ao autor deste artigo, no âmbito das pesquisas com vista à feitura da sua dissertação de mestrado. Lopes da Silva diz que “Kissinger teve contactos com Spínola, e [este] convenceu-o de que o grande perigo de todas as colónias era Cabo Verde, sabendo também qual era a sensibilidade de Kissinger. E até na comparação possível com Cuba, disse [Spínola]: - Os Cabo-verdianos é que pioraram a situação na Guiné, os Cabo-verdianos é que estão por detrás do MPLA em Angola e assim por diante. Portanto, são eles o perigo.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).O território cabo-verdiano era referenciado pelas autoridades norte-americanas como espaço de interesse estratégico para os EUA, no quadro do confronto geopolítico com a URSS. Era visto como uma espécie de «reserva estraté-gica», num cenário da perda dos Açores, como um dos principais pontos de apoio da estratégia dos EUA, no quadro da contenção do comunismo, tendo em conta o receio da expansão russa em direcção à “ponta” ocidental do continente euro-asiático, com vista a conquista do rimland europeu, na hipótese de Portugal vier a cair nas mãos dos «comunistas». 2 Isso, ao concretizar, colocaria, por razões de ordem geoestratégica, um desafio enormíssimo aos EUA, consoante as teses de vários estrategistas norte-americanos, muito influentes na altura.Com efeito, como asseguram Gomes e Moreira de Sá (2008, p. 195), Henry Kissinger ordena, a 8 de Abril de 1975, a realização dum estudo, que in-formasse a Administração Norte-Americana da manutenção da importância da base das Lajes/ Açores, para a segurança dos EUA e para os propósitos estratégicos da NATO. O estudo teria, também, a incumbência de identificar possíveis alternativas aos Açores, em caso de, por uma ou outra razão, a NATO deixar de puder contar com o arquipélago açoriano, como ponto de apoio, “(…) pretendendo deixar todas as opções em aberto”.As conclusões do exame, apesar de admitir a continuidade da importância 3

daquela base para a estratégia norte-americana e da NATO, indicam algumas

2 Não se pode esquecer que estava em andamento o Processo Revolucionário Em Curso, e que existia um forte receio por parte dos países da NATO em que Portugal viesse a ser “conquistado” pelo PCP, e consequentemente passasse a fazer parte da esfera de influência da União Soviética.

3 Entretanto deixou de ter, segundo o estudo, «prioridade um».

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opções que poderiam substituir os Açores. Cabo Verde surge numa lista liderada pela Espanha, ocupando a segunda posição. Isso demonstra que os EUA olhavam para Cabo Verde com algum interesse, enquanto espaço, que pela sua posição geográfica, poderia ser-lhe útil do ponto de vista estratégico-militar, ao se concretizar o cenário atrás referenciado.Por tudo isto, é natural que os EUA estivessem “intranquilos” com o que o arquipélago poderia representar para os dois lados, após a sua independência, tendo em conta a visível sovietização de Angola e Moçambique, a localização de Cabo Verde no Atlântico e a sua proximidade do flanco sul da NATO.Como assevera Saul Bernard Cohen (2003, p. 78), os anos 70 do século passado constituem uma década em que a URSS beneficia duma “new window of opportunity”, na Africa Austral. Em Angola, segundo este estudioso “(…) a guerrilha comunista que tinha liderado a guerra da independência de Portugal ganhou o controle do governo [e] “(…) um governo marxista também instalou-se em Moçambique quando a Frente da Libertação de Moçambique (Frelimo) chega ao poder em 1975.” Ambos os governos recebem largos apoios da União Soviética e de Cuba.Na sequência desses acontecimentos, aquele autor avança (2003, p. 78) que a URSS, com a independência das ex-colónias portuguesas, e instalação de regimes pró-soviéticos nos dois territórios, passou a contar com duas bases de grande valor para a sua estratégia na zona. No meio disso tudo, Henry Kissinger, eventualmente, adverte os diri-gentes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) 4 de que os EUA não iriam tolerar o nascimento de mais uma Cuba no Atlântico. Tal advertência terá acontecido, curiosamente, no momento em que Cabo Verde se prepara para se tornar num Estado independente (Lopes, 2003, p. 105). Este aviso deverá ter decorrido também do conhecimento de que Washington possuía da simpatia que os dirigentes deste Partido nutriam pelo Marxismo 5 e do facto de o PAIGC ter recebido apoios da URSS.Um outro episódio que evidenciava alguma desconfiança do Ocidente em relação ao posicionamento político-ideológico de Cabo Verde foi o dossier África do Sul. Na sequência, Pedro Pires desenvolve um esforço grande no sentido de tranquilizar Pretória e o seu aliado Washington, mostrando-lhes

4 Fala-se de PAIGC porque ainda Cabo Verde não é independente, e tudo já mostrava que era esse movimento que iria governar o país após a independência.

5 Não podemos ignorar o facto de uma boa parte dos dirigentes do PAIGC ter feito a sua formação política e mili-tar nas URSS, Cuba e China. O próprio pensamento de Amílcar Cabral, embora de uma forma não confessada, inspira-se no Marxismo

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que o PAIGC estava disposto a acatar os seus compromissos com aquele país da África Austral e que “respeita[va] os interesses estratégicos dos ocidentais.” (Gomes & Moreira de Sá, 2008).Entretanto, a posição tomada por Cabo Verde em relação à questão dos voos sul-africanos da SAA (South Africa Airways) motivou uma onda de protesto por parte de certos governantes de países africanos, de movimen-tos políticos desse continente e no seio da própria Organização da Unidade Africana (OUA). Entretanto, Cabo Verde mostra-se firme nas suas posições relativamente ao assunto. Os dirigentes cabo-verdianos, com efeito, manifestaram o quão era impor-tante o encaixe das receitas provenientes das taxas e impostos decorrentes dos serviços prestados aos sul-africanos, no orçamento do país, pelo que não estavam dispostos a abrir mão de uma receita que se apresentava ser importantíssima para a vida financeira e económica do país, num exercício em que a ética da convicção é ultrapassada pela ética da responsabilidade.Como afirmam Marques Bessa e Mendes Dias, no seu O Salto do Tigre: Geopolítica Aplicada (2007, p. 114), os Estados organizam a sua política externa não de uma forma arbitrária, mas de um modo racional, e que as opções arbitrárias configuram uma irresponsabilidade política pelo qual se pode pagar caro. Ainda argumentam que, mesmo em situação de coo-peração e convergência de interesses, “isso nunca eliminará os interesses de cada parceiro (…).” Esta tese aplica-se ao que nesse momento se passava no relacionamento de Cabo Verde com os demais membros da OUA, que viam na atitude desse país um desvio aos preceitos que defendiam em relação a países como a República da África do Sul.Pode-se concluir que uma atitude contrária, para além de ser prejudicial à economia do país, no concernente às receitas captadas do exterior, seria, ainda, penalizante para as relações com o Ocidente, um espaço inegavelmente de interesse vital para Cabo Verde, quanto mais não fosse pelo que a Africa do Sul representava para os Estados Unidos e para a Europa Ocidental, do ponto de vista geoestratégico.Voltando aos receios manifestados pelos americanos, Osvaldo Lopes da Silva confessa que “para nós [Cabo Verde] era importantíssimo sermos reconheci-dos pelos Estados Unidos. Assim, no mês de Março de 75, fui enviado pela Direcção do Partido [PAIGC] à Roménia pedir ao Ceausescu para intervir junto dos Americanos para lhes dizer que, ao contrário do que eles temem, nós não somos nenhuns comunistas, e que o queremos é estar de bem com toda a gente.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).

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Segundo esse ex-dirigente político cabo-verdiano, foi também pedido aos Sul-africanos que interferissem junto dos Americanos, para inculcar-lhes a ideia de que o que Cabo Verde desejava era um bom relacionamento com todos os países, querendo ao fim ao cabo viver.Estas situações terão criado no seio do PAIGC algum desconforto, tendo em consideração o facto dos dirigentes deste «movimento» já terem a ideia exacta da situação interna do país e da necessidade de que teriam de fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para captar o máximo possível de recur-sos para o financiamento do seu desenvolvimento económico e social, numa atitude em que o pragmatismo 6 deveria ser a principal prescrição política. Os EUA e os países da Europa Ocidental não poderiam ser excluídos desse processo, pelos recursos que apresentavam. Por outro lado, não se deve esquecer onde se encontra a maior parte das comunidades cabo-verdianas emigradas, e a importâncias destas para a eco-nomia do país. Carlos Nunes Reis, em relação a este aspecto, afiança que o Governo de então “procurou ter uma política de relacionamento em todos os azimutes (…).” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Na mesma linha, José Luís Rocha adensa que “Cabo Verde era um país totalmente dependente da ajuda externa. Criamos o conceito de autonomia relativa, com o propósito de diversificar as nossas relações. Quanto mais parceiros de desenvolvimento, tivéssemos, menos dependentes, estaríamos de um ou outro lado.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Terão sido, eventualmente, estes os motivos que impulsionaram a ida, em Abril de 1975, de uma delegação do PAIGC, chefiada por Pedro Pires, aos EUA. O objectivo seria desfazer quaisquer equívocos em relação a política externa cabo-verdiana, após a independência (Lopes, 1996; p.472), com a consciência de que o país que se erguia, no Concerto das Nações, iria pre-cisar de todos para a sua afirmação.É legítimo perguntar se não terão sido estas acções diplomáticas do PAIGC, junto da Casa Branca, o factor que terá propiciado a disponibilidade dos EUA em se afigurar como um dos pioneiros na lista dos principais parceiros do Estado de Cabo Verde? Senão vejamos. É o próprio Aristides Pereira 7 quem afirma que “uma das contribuições mais significativas que recebemos logo no início [da independência] foi da administração Ford que pôs à nossa

6 O pragmatismo que os dirigentes do Cabo Verde independente vão evidenciar no relacionamento com o exterior é tributário das ideias defendidas por Amílcar Cabral neste domínio. Cabral advogava que se podia relacionar com todos, independentemente da sua ideologia, desde que isso não pusesse em causa «os nossos reais interesses»

7 Primeiro Presidente da República de Cabo Verde, e então Secretário-Geral do PAIGC.

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disposição uma ajuda escalonada de três milhões de dólares.” (Extracto de entrevista in Lopes, 1996; p.472).Ainda, nesta senda, Lopes da Silva assevera que com a administração Ford, Cabo Verde estabeleceu “com os Estados Unidos relações normais, e elas evoluíram favoravelmente.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas)Não é descabido afirmar que os EUA, na luta pelo domínio mundial con-tra a URSS, eram portadores de uma invejável política externa, utilizando neste domínio todos os meios de que dispunham a fim de alcançar os seus objectivos, dentro de relativa liberdade de acção que possuíam, no plano internacional. Se em relação a Cabo Verde não terá funcionado a razão da força, funcionou certamente a influência política, um método utilizado pelas unidades políticas poderosas.Northedge, citado por Marques Bessa e Mendes Dias (2007, p. 114), asse-gura que na sua política externa, as entidades estaduais com poder lançam mãos da sua influência política como forma de coagir as outras entidades mais fracas a orientarem a sua política na direcção que interessa àquela. E a história tem mostrado que a «arma económica» sempre funcionou.Não se deve ignorar, pois, que a Guerra-Fria assentava numa estratégia total exibidas pelas partes em confronto, em que os vectores político, diplomático, militar, económico, psicológico e cultural eram “esgrimidos”, conforme as circunstâncias e o valor dos objectivos em jogo, em cada momento. Daí a estratégia de soft power 8 ter sido uma das formas de se fazer valer os projectos político-estratégicos, em determinados conjunturas. As preocupações com o arquipélago de Cabo Verde não eram visíveis ape-nas do lado dos Americanos. Uma delegação do PAIGC, também liderada por Pedro Pires, numa visita à URSS foi, segundo José Luís Fernandes, confrontada com o pedido de autorização para a instalação de uma base russa em Cabo Verde, pedido que mereceu a pronta negação dos membros da comitiva cabo-verdiana. (Lopes, 1996, p. 473).Carlos Nunes Reis, sugerido a comentar a atitude dos Russos, disse que “para eles [os Russos] era quase que óbvio que Cabo Verde não tinha outra alternativa senão ceder àquilo que eles precisassem. E de facto o que pre-cisavam era de uma base aqui (…) Sabia que o problema tinha sido posto, e que a posição de Cabo Verde era efectivamente que não (…)”. (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).

8 Segundo Ribeiro (2008: 305), Soft Power “ pode ser traduzido em português por poder suave, em oposição ao poder duro (“hard power”). O hard power nasce de uma capacidade militar e económica de um país. O SP [soft power] tem como origem uma cultura, ideias e políticas atractivas (...)”

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4. A POLÍTICA DE NÃO-ALINHAMENTO

Abílio Duarte afirma, no Lopes (1996, p. 474), que «todos» se encontravam interessados em Cabo Verde, só que «não aceitámos» que o arquipélago fosse utilizado para os propósitos que queriam, uma vez que o país necessitava de entabular um relacionamento com todos os demais, independentemente de ser de Leste ou do Ocidente, numa linha de «prudência», ao contrário do que aconteceu com os outros Estados africanos de língua oficial portuguesa.Mas, mais do que isso, alinhar significava comprometer o futuro do país, como já o referimos antes. Era, por conseguinte, pôr em causa a independência, no pensamento político dos dirigentes de então. Como afiança Lopes da Silva “devíamos evitar cair nos erros em que caíram os dirigentes das outras ex-colónias de Portugal ao posicionarem-se explicitamente a favor de um dos contendores”. (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Ao mesmo tempo que Cabo Verde procura adaptar-se ao seu total environment, a situação internacional tornava-se cada vez mais tensa, em virtude da apre-ensão evidenciada pelos EUA, uma vez que percepcionam que o seu poderio estratégico estaria a recuar, numa altura em que a União Soviética não poupava quaisquer esforços para se expandir para zonas estrategicamente importantes. Como diz Kissinger (2007, p. 667), referindo-se à investida estratégica soviética, da segunda metade dos século XX, “[n]um momento, no início da década de 80, parecia que [a URSS] varria tudo a sua frente (…) e os estadistas americanos apercebiam-se de que a Rússia se expandia por todo o lado.” Tal percepção vai fazer com que, ainda na primeira metade da década de 80, o relacionamento entre as duas grandes potências sofresse uma deterioração, caracterizada por uma corrida desenfreada aos armamentos, com destaque para as armas nucleares. A esses factos vieram juntar-se outros, como os conflitos regionais, com maior incidência na América Central, Sudeste Asiático, no Médio Oriente e no Continente Africano. É o período em que as “(…) alianças extra-continentais assumem proporções cada vez mais preocupantes.” (MNE, 1991, p. 21).Lopes (2003, p. 106) conclui que as contingências do ambiente estra-tégico interno e externo acabaram por levar os governantes a apostar num «sistema político ideologicamente híbrido». Segundo este autor, o pragmatismo na condução do Estado passou a ser a palavra de ordem dos governantes cabo-verdianos. Relativamente aos princípios definidos como traves-mestras da política de relacionamento com o resto do mundo, adoptados pelos primeiros governantes do Cabo Verde independente, verifica-se que a defesa daqueles

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princípios vai constituir uma preocupação que trespassa toda a extensão do período político que vai de 1975 a 1990. Por exemplo, nas Reflexões no quadro da elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento, com o título de As Tendências de Desenvolvimento de Cabo Verde, de 1985, a questão de soberania e unidade nacional são colo-cadas com uma forte acuidade. Estas reflexões recomendam a salvaguarda daqueles princípios, no quadro da escolha, quer dos moldes de viabilizar o desenvolvimento, quer dos parceiros externos, de modo a evitar que Cabo Verde viesse a «‘vender’ a sua posição», devendo as autoridades cabo-verdianas “(…) medir os riscos que tal escolha poderá trazer à soberania nacional, (…) à unidade nacio-nal (…) à unidade ideológica do Partido e finalmente, ao nosso projecto de sociedade”. (Secretaria de Estado da Cooperação e Planeamento, 1985). Trata-se de um dialéctica discursiva em que está presente ainda uma forte carga político-ideológica.O regime aparece, com efeito, como o garante da independência, e esta também como o do regime. Sem independência, o regime não sobreviveria, e sem o regime instituído não haveria independência. Esta formulação é defendida por Cardoso (1986, p. 15), nas seguintes palavras: “a experiência dos nossos dias prova que mais fácil é encontrar parceiros poderosos inte-ressados em se servir dos pequenos para benefício da sua própria estratégia de poder e de confrontação”. Assim sendo, alinhar com este ou aqueloutro ou escolher parceiros oportu-nistas é deixar de ser independente e é, por conseguinte, perder a liberdade de acção política no plano da manobra interna e externa.No quadro do relacionamento com o exterior, para além dos princípios já referidos, o Governo adopta uma política de «solidariedade» para com os movimentos de libertação africana, apoiando politicamente o “projecto” da construção da Unidade Africana 9 e mostra-se «solidário com o MFA 10». Cabo Verde valoriza, ainda, as relações multilaterais, no quadro da ONU, «na defesa dos países pobres e [no apoio às] forças políticas que lutam pela liquidação das relações injustas entre os homens e entre as nações» e reafirma que «jamais Cabo Verde será utilizado como ponto de apoio para a agressão contra quem quer que seja». (Programa do Governo 1975 a 1980).

9 Na Constituição da República de 1980, lê-se, em relação á matéria, no ponto 3 do seu artigo 17º, o seguinte: «Sem prejuízo para as conquistas alcançadas pela luta de libertação nacional, a República de Cabo Verde, na base regional e continental, em ordem à concretização do princípio de Unidade Africana».

10 Movimento das Forças Armadas, que liderou o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal e o processo de mudança política nesse país após o derrube do governo fascista português.

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Relativamente aos Estados que acolhem emigrantes cabo-verdianos, o Governo defende uma política que pretende «dar uma atenção especial às relações com os países que têm acolhido os nossos emigrantes a fim de proteger os interesses desses compatriotas e mantê-los em ligação estreita com a Mãe Pátria». (Programa do Governo 1975 a 1980). No Programa de Governo de 1986-1990, é reconhecida a importância que as relações externas tinham para o desenvolvimento e afirmação do país na vida internacional, ao dizer que elas «(…) assume[m] na vida actual dos Estados um peso nunca antes alcançado e a sua grande complexidade exige, sobretudo dos pequenos países um esforço aturado e constante para afirmarem os seus legítimos direitos (…) [na] comunidade internacional.»Mais à frente, o citado Programa de Governo admite que as relações ex-ternas podem contribuir para o reforço da defesa e segurança do país, mas podendo prejudicá-la se estas forem mal conduzidas, pelo que era necessário continuar a apostar no princípio do não-alinhamento, num contexto interna-cional, caracterizado pelo confronto geoestratégico entre os EUA e URSS. Isso serve, ainda para confirmar as preocupações evidenciadas pelos diri-gentes do país, relativamente às suas relações com o exterior, que deveriam ser desenvolvidas com muito cuidado, de forma a não colocar em causa as opções tomadas a nível interno.Pode-se concluir que naquele ambiente estratégico internacional, os interesses em jogo no xadrez mundial davam ao país uma relativa liberdade de acção no contexto internacional, e a forma como o quadro geoestratégico era explorado pelo Governo de Cabo Verde permitiu-lhe aumentar o potencial estratégico do país, por passar a contar «(…) com um lote bastante significativo de parceiros (…) segundo moldes e objectivos por nós definidos». (MNE, 1991, p. 15).A expressão «lote expressivo de parceiros», apresenta-se como o resultado de uma política de diversificação e multiplicação de países apoiantes do de-senvolvimento de Cabo Verde, política bem sucedida, já nos primeiros anos da independência, em resposta à necessidade de evitar qualquer situação que pudesse representar uma vulnerabilidade do país em relação ao exterior, em função de uma dependência que poderia ser perigosa para os interesses do país. Subjacente a essa política está a ideia do pragmatismo, como já asseveramos, que o país devia assumir no seu relacionamento com o exterior. Esta orien-tação é referenciada, no referido balanço da Política Externa Cabo-verdiana, feito pelo MNE, em 1991, quando regista que “(…) Cabo Verde optou desde a sua independência pela diversificação das suas relações internacionais.” A finalidade que se pretendia atingir com esta medida era a de garantir uma saída viável para os problemas decorrentes da fragilidade e da forte depen-

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dência do país em relação às fontes de financiamento externas, numa acção política em que aspectos de ordem ideológica são, sempre, secundarizados.Um aspecto importante, que não se pode deixar de referir, neste capítulo, é o surgimento do Movimento dos Países Não-Alinhados, que se veio impor como um actor colectivo, com uma certa importância na «cena internacional» de então. Tal movimento, segundo o descrito naquele balanço (MNE, 1991) “(…) afirma-se, pois, como uma força independente e imprescindível (…) [no] sistema de relações internacionais, [tendo em conta que] a tendência internacional era favorável ao não alinhamento (…)” É neste quadro que Cabo Verde, ao tornar-se independente, adere ao clu-be dos países não-alinhados. Humberto Cardoso aventa que para aliviar a pressão proveniente da União Soviética, sobretudo em termos de cedência do território para a instalação de bases militares, Cabo Verde “posiciona-se como país não-alinhado. (…) [O]s anos 70 é o período da expansão da influência soviética na África, e Cabo Verde distancia-se disso, claramente”. (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Relativamente ao princípio de não-alinhamento adoptado pelo Governo, Cardoso (1986, p. 19) admite que “efectivamente, duas opções restam a um pequeno país no mundo em que dominância e poderio sejam os traços fundamentais: ou a de integrar-se num dos campos em confronto ou a de apostar em fazer compreender aos outros que não é nem será nunca parte de um processo con-flituoso (…)”, referindo-se, obviamente, ao «embate» entre os EUA e a URSS.Ajustando essa consciência ao princípio de não-alinhamento, procurará o Governo cabo-verdiano explorar «(…) o complexo jogo das relações de força internacionais (…). Não obstante os constrangimentos ditados pela então situação internacional, tal política tem-se mostrado não só justa como viável, tendo trazido a Cabo Verde credibilidade, apreço e respeito (…)». (Programa de Governo 1986-1990).Era visível a clarividência que a classe governante cabo-verdiana tinha da necessidade de uma política de não-alinhamento, naquelas circunstâncias. Para Cardoso (1986: 14), o abraçar deste princípio no relacionamento com o exterior apresentava-se como um dos principais garantes da independência nacional, condição que tinha de ser defendida, sob pena de comprometer o que teria legitimado a luta de libertação nacional «perante o mundo», uma vez que “o movimento dos não Alinhados inspira[va]-se em dois conceitos basilares para a filosofia política de Cabo Verde: a paz e a independência.” Como qualquer forma de neutralidade, a opção de país não-alinhado não significava, porém, para Cabo Verde uma neutralidade tout court. Este en-

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tendimento encontra-se plasmado no Programa de Governo de 1986-1990, que afiança que aquela disposição não se tratava de «uma política passiva (…), antes baseia-se numa atitude participativa e defesa de valores novos que favoreçam a estabilidade, o relacionamento passivo e a solidariedade entre os povos». (Programa de Governo 1986-1990).A integração do país no Grupo dos Não-alinhados e a diversificação dos parceiros 11 continuaram a constituir duas medidas estratégicas de importância relevante para Cabo Verde, e serão utilizadas como importantes ferramentas, na exploração das vantagens que a Guerra-Fria desnudava para o país. Com estes expedientes da sua Política Externa, Cabo Verde pôde atenuar a pressão que uma ou outra potência, em confronto, no momento, podia exer-cer sobre ele e concomitantemente alargar o leque de países e organizações internacionais com quem relacionar. Esta preposição «segundo moldes e objectivos por nós próprios definidos», plasmada no Programa de Governo de 1986-1990, permite divisar da rela-tiva liberdade de acção de que o país gozava, no quadro das suas relações com o exterior e indicia o valor estratégico que o país possuía numa «arena mundial», animada pelo confronto geopolítico e geoestratégicos, entre as duas citadas superpotências e por arrastamento, entre as duas esferas de influência por elas construídas e lideradas, em virtude da sua situa geográfica.Entretanto, apesar desta relativa liberdade de acção, Cabo Verde, para «mo-vimentar-se» sem grandes problemas, teve que adoptar posições e opções políticas que o não comprometessem, nem com este, nem com aquele outro bloco, como foi já referenciado, ao mencionar o princípio de não-alinhamento.Ainda, no que concerne a este aspecto, Cardoso (1986, p. 15) afirma não se tratar do exercício de uma mera vocação, mas de uma opção livre e cons-ciente das vantagens que a mesma trazia para Cabo Verde. Este estudioso evita o termo «vocação» por este exprimir um determinismo, porquanto este conceito “(…) sugere e sublinha a importância de factores portadores de inevitabilidade e predeterminação.”Humberto Cardoso, ao contrário da ideia defendida por Renato Cardoso, disse que os governantes de então não tinham uma outra opção senão abrir mão

11 Com a independência, no quadro do jogo geopolítico e ideológico entre os EUA e a URSS, Cabo Verde, para garantir uma certa liberdade de acção, no plano externo, procurou evitar qualquer tipo de situação de extrema dependência em relação a este ou aquele país ou grupo destes. Para o efeito, aumentou o leque dos países com que estabeleceu laços de cooperação e diversificou o rol dos mesmos em termos ideológicos. Nesse rol entram Portugal, URSS, Cuba, Suécia, EUA, Países Baixos, França, Argélia, Marrocos, RDA, todos os países do actual PALOP, só para referir alguns.

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dos seus dogmas ideológicos, reportando-se ao facto de que “Cabo Verde não podia assumir posições rígidas nas relações internacionais, porque tem uma comunidade emigrada e o país precisa das remessas dos emigrantes, e [estes] estão nos países ocidentais. E a extrema dependência da ajuda [externa] (…) inviabilizaria qualquer postura radical, dentro do contexto do conflito entre os blocos (…). Cabo Verde tinha que se mostrar flexível.” (Excerto de entrevista efectuada no âmbito das pesquisas).Para Cardoso (1986, p. 13), o país, pretendendo tirar o máximo dividendo da situação da política internacional, perfilha uma política que serviria os seus interesses, que permitisse ao Estado de Cabo Verde mobilizar os re-cursos de que necessitava para promover o seu desenvolvimento. Aquele autor assevera que tal atitude granjeou respeito e prestígio internacionais a favor de Cabo Verde.

5. CONCLUSÕES

Não se podia encerrar este artigo, sem antes apresentar as obrigatórias conclusões. Uma das conclusões a que se chegou é que Cabo Verde, no período estudado, foi fortemente condicionado, nas suas opções externas, pela configuração do sistema político internacional. Neste particular não se pode descorar as características da massa crítica do país, que também se constitui um factor condicionante das medidas no domínio das suas relações deste com a sua envolvente estratégica.Uma outra conclusão alcançada é que as autoridades cabo-verdianas souberam fazer uma leitura oportuna dos condicionalismos do ambiente estratégico do momentum em análise, e ter tirado proveito da situação, na medida das suas possibilidades (liberdade de acção estratégica), a fim de servir os interesses nacionais, numa atitude em que a ética da responsabilidade se sobrepõe à da convicção. Uma das dominantes estratégicas do período em estudo liga-se à intran-sigência de assentar e orientar a Política Externa do país, no princípio do não-alinhamento, em relação aos dois blocos em confronto (o de Leste e o de Oeste), uma opção que evidencia um elevado sentido pragmático dos dirigentes cabo-verdianos de então.O fio condutor que trespassa toda a extensão do Pensamento Estratégico Cabo-verdiano, no período considerado, é a procura incessante e intensa, no exterior, dos meios de que o país necessitava para viabilizar o seu de-senvolvimento, ao lado de uma vontade de querer construir um país viável e economicamente sustentado.

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GlobAlizAção, demoCrACiA, seCretismo e terrorismo GlobAl nA sendA dos fundAmentAlismos Contemporâneos. umA introdução

Sandra Maria Rodrigues Balão (*)

Professora Doutora

(*) Professora Auxiliar no ISCSP – UTL e Professora Auxiliar do Quadro Transitório, nas Direcções de Ensino Universitário e Polítécnico da AFA. Doutora em Ciências Sociais (ISCSP – UTL) e Mestre em Ciência Política (ISCSP – UTL).

ABSTRACT

The main purpose of this article is to consider the instrumental importan-ce of secrecy within a Constitutional State and a Democratic Political System framework. Considering Democracy, political Globalization, Elites vs Masses antithesis in a triple process in which Power is involved, the challenges of Global Political Governance and the “New” legal and illegal Actors – fulfilled with new “clothes”, modus operandi and instruments that changes with the circumstances and its demands – of which Terrorism seems to be the most visible among those that can be (and are) named Contemporaneous Fundamentalisms, common and present time problems are considered in order to show the gaps being perceived by the average citizen himself in what refers to the existing articulation between the speech (theory) and the action of Democracy(ies), in a multilevel and mul-tidimensional scale. The context of analysis is hyperscopic (Balão, 2006) – the chessboard of Global Politics along with the power and influence of Information as to its creation, possession, management and dissemination –, and is centered in the role played by the United States of America as hegemonic power and reference to the group of the Big Actors being considered at a global scale.

RESUMO

Este artigo tem como principal objectivo equacionar o papel instrumental do secretismo no seio de um Estado de Direito, enquadrado por um Sistema

GlobAlizAção, demoCrACiA, seCretismo e terrorismo GlobAl nA sendA dos fundAmentAlismos Contemporâneos.

umA introdução

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Político Democrático em articulação com os Conflitos e os Fundamentalismos Contemporâneos. Num exercício de reflexão e análise, considerando a existência da Democracia, da Globalização (política), da tradicional dicotomia Elites vs Massas no triplo processo que envolve o Poder, dos desafios da Governança Política Global, dos “Novos” Actores legais e ilegais – porque dotados de roupagens, abordagens e instrumentos que mudam ao sabor da conjuntura e das suas exigências – e do Terrorismo como a face mais visível no seio da-queles que podem ser (e são) designados Fundamentalismos Contemporâneos, recorre-se a problemas conjunturais para ilustrar, no seio da Democracia, os hiatos passíveis de serem percepcionados, até pelo cidadão comum, entre o(s) discurso(s) e a(s) prática(s) da(s) Democracia(s), numa equação de escala mul-tinível e de perspectiva multidimensional em que a Informação é igualmente considerada. O contexto da análise é hiperescópico (Balão, 2006) – onde se jogam os interesses da Política Global –, e centrado no papel dos Estados Uni-dos da América como potência hegemónica e referência no grupo dos Grandes Actores à escala global.

INTRODUÇÃO

Com a queda das duas torres do World Trade Center em Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001, o mundo mudou muitíssimo. Era impossível, à época, imaginar quanto. Muito menos exequível era prospectivar as repercussões que aquele acontecimento traria para o planeta. Mas, seja como for, pelo menos a percepção média que, genericamente, dele temos foi fortemente abalada. Até hoje. O mundo passou a viver em função daquilo que se tem comummente designado como “a guerra contra o terrorismo à escala global” (Matthews, s/d e 2005; Egan, 2004; Whittaker, 2002), que bem poderia designar-se afinal, também genericamente, como “guerra contra os fundamentalismos contempo-râneos”. O problema, com esta designação? Não “vendia”, não criava a figura do “inimigo comum”, tão importante ideologicamente para a gestão de ódios e a legitimação de acções concretas contra “alvos a abater”. Pelo menos na-quele momento, em Setembro de 2001. Hoje, provavelmente, as coisas seriam diferentes. Basta, para isso, relembrar aqui os recentes acontecimentos e alguns ainda em curso na Tunísia, Egipto e Líbia, respectivamente. Para não falar de outros mais, como a Síria. E a ameaça que paira sobre aquela zona do globo, associada ao perigo do “reacender dos fundamentalismos”…

Mas, regressando a 2001, e devido à magnitude dos acontecimentos que abalaram o coração financeiro de Nova Iorque e a auto-estima daquele que era visto, à época, como o actor estatal imbatível, no sentido de insuperável,

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à escala global – e das suas consequências –, não parecem subsistir dúvidas – pelo menos formais, enquadradas naquele que é o discurso oficial que constitui o main stream – quanto à autoria do desastre, nem quanto aos motivos que terão estado na sua origem. Mas, a verdade é que várias são as questões que se podem equacionar em torno destas “certezas absolutas”, bem como de outras afins – de entre as quais podemos destacar os atentados do 11 de Março de 2004 em Madrid; a tensão crescente no Líbano na sequência da posição assumida pela Síria; os atentados de Londres; a questão do Irão; para não falar dos en-démicos Iraque e Afeganistão, que estão longe de poder reivindicar um estatuto sequer aproximado de efectivo state-building ocidentalizado – de entre n outras que continuam a povoar os diversos serviços informativos, divulgados pelas agências noticiosas, equacionados nas múltiplas escalas e dimensões possíveis.

De um ponto de vista de análise estritamente científico e realista, não po-demos deixar de manter uma dúvida “metódica”, que alimenta a nossa tentativa de analisar com alguma frieza, lógica e distância, os diversos acontecimentos com que, neste contexto e outros conexos, somos diariamente confrontados. Por isso, fazêmo-lo também em relação a esta campanha “de luta” contra o terroris-mo que tem alimentado a cena política internacional, nela centrando atenções e preocupações sucessivas que se estendem até à escala “global”, mas não sem antes afectarem as escalas menores, e condicionarem o imaginário colectivo.

Pelo mesmo motivo, e tendo em consideração o facto de a escolha do nosso objecto de estudo poder ser considerada sensível e, pelo menos potencialmente, polémica, torna-se necessário salientar e esclarecer, desde logo, que não se trata, aqui, de sermos “amigos” dos muçulmanos ou “inimigos” dos Estados Unidos da América; “pró-ocidentais” ou “anti” qualquer coisa. Procura-se, sobretudo, identificar – num contexto histórico, geográfico e político – algumas das com-plexas teias de elementos, relações e actores globais em cena, e ao mesmo tempo estabelecer a articulação possível para as causas e interesses potenciais que entre eles directa, ou indirectamente, se estabelecem.

Assim, a nossa metodologia para o tratamento do objecto de estudo atrás identificado segue a via qualitativa, de base documental e coadjuvada pela análise dos factos e correspondentes juízos, de modo a assegurar a compara-ção e a busca do contraditório entre a teoria, o discurso, o domínio do ideal, o “dever ser”; e a prática, a acção, o domínio do real, “aquilo que é”. Assim, com excepção das citações que consideramos serem indispensáveis, as refe-rências bibliográficas que apresentamos são exactamente aquilo que pretendem ser. São obras nas quais encontramos ou a sustentação ou a contradição dos argumentos apresentados, conforme o caso e às quais o leitor interessado em aprofundar o seu conhecimento sobre as “pistas”, as referências que apresen-tamos, pode recorrer.

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Salvaguardada que está esta questão, a nossa primeira premissa reside na constatação de que estamos perante uma Nova Ordem Global Contemporânea (Balão, 2008) – profundamente marcada pelo movimento de Globalização que simultaneamente se apresenta como estrutural na sua génese e presença; trans-versal nos seus efeitos e conjuntural na sua acção – no seio da qual os diversos acontecimentos que nas diferentes dimensões, esferas de acção e níveis de complexidade se têm apresentado ao longo da história diacrónica e sincrónica da sociedade humana, e reflectido de modo mais relevante na conjuntura polí-tica do mundo em que vivemos, são essenciais para a compreensão do quadro global da actualidade. Além disso, numa Sociedade que em termos globais tende a apresentar-se como cada vez mais democrática (pelo menos em termos formais) pelo avanço que os sistemas políticos democráticos parecem estar a conhecer um pouco por todo o planeta, urge a tomada de consciência do facto de que, ainda assim, o significante democracia possui uma enorme multiplici-dade de significados que decorrem da sua transposição para a prática (Balão, 2008). Assim sendo, desta controvérsia entre a teoria e a prática, o formal e o real, a imagem e o objecto, o visível e o invisível, somos transportados para a equação associada aos valores que orientam e definem a Democracia como ideia, como ideal, e que procuram disciplinar a sua prática.

Aqui se degladiam interesses privados e públicos, a liberdade e a repres-são, o direito à informação e o secretismo. Aqui se instala a controvérsia da interdependência entre a sociedade civil e a sociedade política. Aqui se coloca a questão – mais genérica e ao mesmo tempo mais profunda – relativa ao papel do ser humano, do cidadão, do contribuinte, do eleitor, na sua convivência e na interdependência que estabelece com esta máquina, porque da sua parti-cipação depende a legitimidade da fórmula capaz de assegurar não apenas o exercício do poder como também a sua legitimação. E a projecção da imagem que exalta a importância da integração do indivíduo nesta máquina – que no fundo constitui a sede real do poder, representativa dos interesses da maioria e garantia de salvaguarda dos mesmos, no espírito da democracia popular, assen-te no princípio do “poder do povo, pelo povo e para o povo” – assume uma relevância determinante porque, mais uma vez, da participação deste depende a legitimação da acção daquela, uma vez que o que está em causa é a manu-tenção deste statu quo, instituído não apenas à escala local, estatal (nacional) e regional (multinacional), mas também global (transnacional).

Assim, torna-se clara a progressiva e crescente complexidade que caracte-riza quer a sua natureza intrínseca, quer o seu funcionamento, e a articulação que estabelece com as múltiplas networks a que está associada nas várias di-mensões em que desenvolve a sua acção. Até porque, não podemos deixar de

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ter presente o contributo da perspectiva Realista, hobbesiana, que nos ensina e, sobretudo, alerta para o facto de que em Política não existem amigos nem inimigos, mas apenas interesses. E é disso que se trata: cada Estado (e cada Actor) tem como objectivo, acima de tudo, salvaguardar os seus próprios inte-resses, sendo certo que destes, os primeiros a ser assegurados são os que vão ao encontro das necessidades da elite governante, de quem manda, porque na realidade os interesses do Estado confundem-se, por norma, com os da elite que o governa. E por isso, os interesses da maioria que legitimou a elite no processo de conquista e exercício do poder, dificilmente são realmente salvaguardados.

Numa outra dimensão da acção, a mesma questão se coloca quando equa-cionamos a análise num outro nível e os termos da relação em apreço se definem em função da hierarquia dos Estados na cena política global sendo que, nesse caso, a elite governante é representada pelo(s) Estado(s) hegemónico(s) – ou melhor, na conjuntura actual, pelos Actor(es) Dominante(s), velho(s) ou novo(s) – enquanto a maioria (as massas) é representada pelos Estados e ou Actores de segundo e terceiro níveis que, obedecendo a uma lógica decrescente em relação aos recursos de que dispõem e a que podem ter acesso, se encontram numa linha de dependência crescente relativamente à vontade do(s) primeiro(s).

Mas, apesar da sua posição privilegiada, mesmo os Estados e outros Ac-tores de primeiro nível não podem esquecer o facto de que vivem no seio de uma Sociedade Internacional que procura, de modo cada vez mais evidente – não apenas em termos formais, de discurso, mas aparentemente também em termos reais, através da concretização de alguns projectos políticos, nomeada-mente aqueles assentes em estratégias regionais de integração, traduzidas na criação de espaços tendencialmente agregadores e de vocação possivelmente supranacional – transformar-se numa Comunidade, efectiva, verdadeira na sua essência e concretizadora da Ideia, traduzida em Doutrina e plasmada em Ideo-logia (Balão, 2008), significando isso que o grau de proximidade, intimidade, interdependência, cumplicidade, e compromisso, tenderá a ser sucessivamente crescente, muito embora de natureza tendencialmente conjuntural. Em qualquer caso, e sobretudo, a projecção dos seus interesses através da concretização de iniciativas capazes de assegurar a prossecução de tal objectivo, não pode surgir aos olhos da tão desejada Comunidade Internacional destituída da legitimação que lhe garanta, concomitantemente, a formação e consequente disseminação de uma opinião pública internacional francamente favorável.

Deste modo, a estratégia a seguir terá que ter a preocupação de assegu-rar a existência de um mecanismo capaz de comprometer a dita Comunidade Internacional, através do sancionar de uma determinada linha de acção, so-bretudo quando esta tem a capacidade de afectar a integridade física de seres

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humanos, e quando está em causa a violação de princípios legais gerais, como os que decorrem dos previstos no Direito Internacional. E uma vez que a lei é geral e abstracta, a questão coloca-se em termos da constatação de que – ao contrário do que está previsto nos códigos legais, que têm como principal objectivo assegurar a existência de ordem social e, na mesma linha, garantir a igualdade de tratamento dos sujeitos – seguindo a clássica fórmula orwelliana há, efectivamente, Estados mais iguais do que outros.

Depois desta constatação, resta-nos identificar quais os casos em que poderemos encontrar razões suficientemente fortes que permitam equacionar e compreender possíveis justificações capazes de legitimar tais linhas de acção diferenciadoras. Muito embora toda a história da Sociedade humana tenha conhecido este me-canismo e nele estejam os alicerces da sua existência, o certo é que hoje esta questão conhece um novo fôlego, porque surge associada à identificação de um fenómeno – o Terrorismo – que, não sendo novo na sua essência, acaba por sê-lo, extraordinariamente, nos métodos que utiliza e nos instrumentos de que se socorre para agir. Além disso, o potenciar do seu grau de perigosidade e eficácia só se tornou possível devido, em primeiro lugar, à explosão da sociedade do Saber e ou do Conhecimento. Mas, e de modo decisivo, pela disseminação que dele se faz através dos meios de comunicação em geral e de um em particular, que hoje parece estar ao alcance de um número crescente de utilizadores: a internet.

Curioso é, no entanto, constatar que o desenvolvimento tecnológico de que a internet depende, tal como muitos outros avanços técnicos de diversas tipologias, resultou do investimento desenvolvido e ou financiado precisamen-te pelos Estados e ou Actores de primeiro nível – alvos a “abater” por este “novo” fundamentalismo – que, através de diferentes estratégias, acabaram por disponobilizar aos restantes Actores da Sociedade Internacional (muitos dos quais com interesses nem sempre coincidentes com os seus) os resultados das descobertas e avanços científicos alcançados por intermédio do financiamento próprio colocado ao serviço das suas múltiplas e diversificadas iniciativas. E é exactamente aqui que se coloca a problemática das terrae incognitae e dos rogue states, da democracia e do terrorismo. É precisamente neste contexto que a compreensão da articulação entre um dos fenómenos mais inquietantes do século XXI e o funcionamento do Estado de Direito se coloca, tendo presente o facto de que a razão de Estado nunca deixou de orientar e disciplinar a ac-tuação dos Actores políticos em geral e dos Estados em particular, nos diversos teatros onde desenvolveram e desenvolvem a sua acção politico-estratégica.

No seio desta Nova Ordem Global Contemporânea em que o planeta hoje vive “mergulhado”, os Novos Actores e os múltiplos papéis por todos eles desempenhados têm que ser tidos em consideração. A acção tende a ser muito

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diversificada, multifacetada e com um grau de heterogeneidade, complexidade e densidade que está longe de poder ser considerado “normal”, e muito menos “familiar”, como que obedecendo a uma certa fórmula de déjà vue.

O desenvolvimento tecnológico, com particular destaque para os avanços conhecidos/divulgados ao nível da nanotecnologia e da genética permitem-nos, apenas, entrar na antecâmara do potencial que a elas está associado.

Por isso, como em 1989, o quadro teórico de referência voltou a “cair por terra”, a ficar desactualizado, a “ir para o lixo” e a exigir todo o reequacionar de perguntas e respostas para fazer face às exigências e desafios do momento presente.

A análise que a seguir se apresenta está dividida em sete Capítulos. No primeiro exploramos, fundamentalmente, a presença do segredo na história e intimidade da relação que sempre manteve com o exercício do Poder político em geral e, sobretudo, com quem governa, em cada momento.

Em seguida, a guerra em curso contra o Iraque desde 2003 constitui o problema da conjuntura que é equacionado e com base no qual se exploram, entre outras, a existência de “dois pesos e duas medidas” na aplicabilidade dos pricípios considerados como “referência” no mundo ocidental (e desejavelmente, também, no resto do mundo) e que constam do Direito Internacional em geral e da Organização das Nações Unidas (ONU) em particular, como o princípio da não-ingerência e o respeito pela soberania do Estado.

No terceiro capítulo, continuando a ter como cenário a ofensiva contra o Iraque em 2003 e as condições em que a mesma foi autorizada, em articulação com os jogos de interesse em que os EUA surgem envolvidos um pouco por todo o mundo, a discussão prossegue em torno do problema da persistência real dos conflitos por oposição ao discurso em defesa da Paz e de como as inconsistências entre a teoria da Democracia “apregoada” pelo Ocidente e a prática da acção política subsequente – nomeadamente no que se refere ao item “defesa dos direitos humanos” – constituem, em si mesmas, focos estrutural e geneticamente geradores e ou potenciadores de fundamentalismo.

Sem se afastar da linha de argumentação inicial, o artigo prossegue para o quarto capítulo onde, continuando a considerar a realidade dos EUA e res-pectivos interesses como referência – explora a dimensão económica, política e social dos benefícios obtidos por aquele país devido ao carácter globalizado dos conflitos em que surge envolvido bem como, e sobretudo, aos despojos (o spoils system) e sua “redistribuição”, por comparação com a ineficácia de outros actores na cena política global – bem como as suas consequências, considerando o contributo que daqui advém para a proliferação dos fundamentalismos con-temporâneos, e também alguns dos tradicionais, em articulação com a própria existência e linha evolutiva do movimento de globalização.

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Chegado a este ponto, o capítulo seguinte debruça-se sobre o problema d’“a partilha do fardo e da responsabilidade” à escala global. Na realidade, perante a inexistência de um quadro legal eficiente e eficaz no que se refere à regulação das questões de migração ilegal e dos refugiados, as necessidades nestas matérias não cessam de se fazer sentir. Tendo em consideração as ca-racterísticas do momento conjuntural com que a Sociedade Internacional tem vindo a ser confrontada, a única certeza é a da incapacidade em gerir este tipo de situações. Basta considerar a realidade que no seio da UE se está a viver entre a França e a Itália devido aos refugiados do Norte de África, nomeada-mente da Líbia, aos quais a Itália concedeu vistos temporários de autorização de permanência. Confrontada com tal situação, a França fechou as suas fronteiras à circulação destas pessoas e, para isso, invocou as cláusulas de excepção de Schengen. Tomando este caso como exemplo, a grande questão persiste: quem “paga” – ou seja, quem partilha efectivamente o fardo e a responsabilidade? A Itália que passou os vistos temporários? Ou a França e os restantes países da UE para onde essas pessoas se iriam deslocar e onde quereriam fixar-se? E, sobretudo, porque se continua à espera que as regras deste “jogo” sejam definidas? E quem as vai definir?

A flexibilidade e solidariedade inerentes ao princípio do burden-sharing é verdadeiramente real, genuína, ou pelo contrário é “imposta” pelos países mais ricos da União Europeia a um nível regional e pelos próprios EUA no seio do G8 a um nível global? A questão permanece em aberto...

Ao chegar ao capítulo sexto o artigo explora a relação passível de ser esta-belecida entre Globalização, Autoridade do Estado, Comunicação e Democracia digital no sentido de procurar concluir sobre a possibilidade de uma via ideal para os fundamentalismos contemporâneos. Aqui são exploradas questões como a imgem do poder, os sistemas de vigilância à escala global, os sistemas de infor-mações alimentados pela internet, o papel da comunicação social, de entre outras.

O capítulo sétimo apresenta conclusões e considerações finais relativamente aos argumentos apresentados ao longo do artigo, bem como aos ganhos dos EUA num cenário em que se articulam Democracia (em teoria), Secretismo (na prática) e Terrorismo (em síntese).

1. DEMOCRACIA, AGÊNCIAS DE INTELLIGENCE E PODER INVISÍVEL

Desde os primórdios da história que se sabe que o segredo está no núcleo mais interno do poder pelo que, aquele que governa sabe qual o caminho a percorrer para alcançar cada objectivo que define, assim como qual ou quais dos seus colaboradores comprometer na utilização dos meios para alcançar os fins que se propõe.

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Por isso, e durante séculos, o uso do segredo foi considerado essencial para a arte de governar (Bessa, 1996). E assim se justifica que seja fundamental que aquele que detém o máximo poder conheça as intenções dos outros, mas não permita que as suas sejam conhecidas (Bobbio, 1999). Nesta mesma linha, e como o poder na sua forma mais autêntica sempre foi concebido à imagem e semelhança do poder de Deus, que é omnipotente exactamente porque é, simultaneamente, o omnividente invisível e nesse sen-tido, também, omnipresente, somos imediatamente transportados nas nossas mentes para aquilo a que Jeremy Bentham (Bentham, 1791) designou como panopticon e que Foucault definiu como uma máquina a ser criada para dis-sociar o par “ver – ser visto” e cujo modus operandi se traduz no seguinte princípio: «No anel periférico somos totalmente vistos, sem jamais ver; na torre central, vemos tudo, sem jamais sermos vistos» (Foucault, 1975). Este modelo que J. Bentham imaginou para as prisões da Inglaterra do século XVIII pode, devido à crescente capacidade de “ver” os comportamentos dos cidadãos através da informação obtida a partir de centros muito mais aperfeiçoados, eficazes e abrangentes de captação, produção, armazenagem, tratamento, gestão, aplicação e difusão da mesma, utilizar-se para analisar as nossas sociedades de hoje, à medida que se torna cada vez mais actual. Mais: ele pode aplicar-se aos círculos concêntricos do poder: no anel exte-rior encontramos as “massas” e à medida que nos aproximamos do centro, do núcleo, representado pelo círculo de menor diâmetro, torna-se cada vez mais difícil obter informação e conhecimento relativamente aos actores em presença. Do mesmo modo, mas em sentido/proporção inversa, à medida que nos aproximamos desse mesmo núcleo, o poder cresce em grau e alcance.Por isso, o grande problema que aqui se coloca entronca na clássica dicotomia relativa à bondade e ou perversidade dos instrumentos que são criados e que, pela sua mera existência, questionam o próprio funcionamento do Estado de Direito na sua essência, nomeadamente no que se refere à consagração de Direitos, Liberdades e Garantias individuais, sobretudo quando em confronto com aquelas que surgem colocadas num forum colectivo (Chomsky, 1994).Por outro lado, também não podemos esquecer que o poder soberano pode considerar-se nas suas duas faces tradicionais: a interna e a externa. Deste modo, a principal razão para o segredo prender-se-á, no caso da segunda, com a necessidade de impedir que os inimigos tomem conhecimento antecipado dos passos a dar, por forma a garantir a eficácia dos mesmos, aproveitando o efeito surpresa. No entanto, há que considerar que no seio de uma Sociedade globalizada como aquela em que vivemos, em que o grau de interdependência entre os actores tende a ser crescente e a complexificar-se a cada momento,

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e em que o número de novos actores, muitos deles desconhecidos, também tende a crescer de modo significativo e desorganizado, as estratégias para manter e promover o segredo têm, elas próprias, que ser equacionadas e desenhadas de modo sucessivamente mais complexo. Além disso, não podemos deixar de ter presente o facto de hoje se exigir que o segredo de Estado, considerado na sua dimensão externa, permaneça em concorrência directa com sistemas de vigilância de alcance global, teo-ricamente criados e desenvolvidos de modo a salvaguardar a segurança de Estados e pessoas face a potenciais ameaças de que os fundamentalismos contemporâneos parecem ser hoje considerados os melhores exemplos, na sua multiplicidade e complexidade.Por outro lado, no âmbito da sua face interna, é importante transmitir aos cidadãos, eleitores e consumidores que o Estado assegura a prossecução dos seus interesses particulares, de todos e de cada um, por se considerar que o povo não tem capacidade para entender qual é o interesse colectivo, e consequentemente, para ver as razões do Estado: a “razão de Estado”. Além disso, podemos apontar ainda um terceiro argumento: o de que apenas o poder secreto consegue vencer o poder secreto dos outros, a conspiração, o complôt.Porém, quando “a caça às bruxas” surge no seio de uma sociedade democrática, então a liberdade está em perigo, e a democracia corre o risco de se transformar no seu contrário. Daí que, para que não se comprometa o poder secreto, pode recorrer-se a duas técnicas que são comuns, quer ao poder dominante, quer à acção do contra-poder: subtrair-se à vista do público no momento em que se tomam as deliberações de interesse público; e vestir a máscara quando se é obrigado a apresentar em público. No sentido real, vestir a máscara transforma o agente num actor, a cena política num palco, a acção política numa encenação. Deste modo, a ideia da política como espectáculo nada tem de novo (Debord, 2004; Lasswell, 1984). Mas, é importante não perdermos de vista a ideia de que, em termos de democracia, todas as ideias que herdámos do século XVIII se baseiam na noção de uma autoridade visível (Sennett, 1980), pelo que sessões secretas, acordos e debates secretos podem ser muito importantes e significativos, mas nunca poderão ser considerados como possuindo um carácter representativo. No entanto, o que interessa saber, chegados a este ponto, é se quem governa está intrinsecamente preocupado com o carácter representativo ou, sobretudo, se o está efectivamente, na prática. E isto porque a prática da Democracia mostra-nos modus operandi que tendem a afastar-se significativamente daqueles que são os seus fundamentos e prin-cípios teóricos. Até porque estes consideram que, se está em jogo o Bem

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Comum, que interessa a todos, então aquele que manda deve agir com a discrição necessária em cada situação, mas não deverá guardar para si as suas intenções porque são o povo e os respectivos interesses que estão em causa.No entanto, mais uma vez, temos que ter a noção da distância entre o ser e o dever ser. Em termos científicos, interessa-nos perceber como é que as coisas realmente funcionam. E o facto é que, em relação aos Estados Unidos da América – que se considera ser, historicamente, o primeiro dos Estados democráticos modernos, pelo menos em termos ideais, teóricos (Tocqueville, 1961; Ostrogorski, 1902) – há quem tenha falado de um “duplo Estado”: o Estado visível que é regido pelas regras da democracia que prescrevem a transparência e o Estado invisível (Allen & Abraham, 1972; Wolfe, 1977). Na verdade, ao longo da história, uma das questões menos faladas e menos abordadas tem sido, sem dúvida, aquela que se relaciona com a actuação dos serviços secretos em todo o mundo. E quando falamos de serviços secretos, temos que pensar nestas forças das intelligence não como uma realidade em termos individuais, de um país em particular mas, sobretudo, como uma teia que se estabelece à escala global e que, longe de “cooperar” [o que acontece apenas pontualmente, em função de interesses mútuos, muito concretos (Thomas, 1999)] é, na maioria dos casos, extremamente competitiva entre si. Não nos é total-mente estranho o facto de, nos Estados Unidos da América, por exemplo, a Central Intelligence Agency (CIA), o Federal Bureau of Investigation (FBI), a National Security Agency (NSA), entre outros, defenderem fre-quentemente estratégias e pontos de vista diferentes. Se isto sucede com as forças da intelligence no seio de um mesmo Estado, certamente poderá suceder entre diferentes forças de diferentes Estados (Le Winter, 2002; Bobbio, 1997; Betts, 2002).Na mesma linha de reflexão, há que equacionar o caso dos Grupos Privados Internacionais, como o “Clube Bilderberg”. Ou de organizações que funcio-nam com base nos mesmos princípios/pressupostos, e em que só se pode participar nos trabalhos por convite, como é o caso do “Council on Foreign Relations” (www.cfr.org/), da “Trilateral Commission” (www.trilateral.org/) ou da “Chatham House” (www.chathamhouse.org.uk/), por exemplo. É que a relação passível de se estabelecer entre a sua acção e a definição da agenda política à escala global, não é de menosprezar. Antes pelo contrário. Do mesmo modo, a articulação entre os “novos” convidados de cada ano e os lugares que passam a ocupar subsequentemente parece obedecer a uma lógica de co-relação directa e não inversa.

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2. DEMOCRACIA E GLOBALIDADE DA LUTA CONTRA O TERRORISMO

Seguindo a linha de raciocínio em que terminámos o capítulo anterior, uma das primeiras questões que em contexto democrático e em articula-ção com a “apregoada” globalidade da luta contra o terrorismo podemos levantar coloca-se, a nosso ver, precisamente em termos de percepção e compreensão da legitimidade que os EUA (e seus aliados) tinham e (uma vez que acabaram por fazê-lo) têm ou não, para (continuarem) a acção que desencadearam contra o Iraque (ou contra qualquer outro país) à revelia da ONU (Steinsleger, s/d). Com base em que argumento o fizeram e poderão voltar a fazer? Qual a diferença entre esta situação em que se considerou essencial que os inspectores ao serviço daquela organização tivessem acesso total e livre às instalações iraquianas onde se suspeitava que estivessem armazenadas e ou a ser desenvolvidas armas de destruição massiva (Squassoni, 2003), e aquela outra que o Ocidente tanto reprovou e que deu origem à “Guerra do Golfo” nos anos ’90 do século XX? Mais uma vez, o exemplo dos EUA é aqui tomado como referência precisamente por personificar senão o maior, pelo menos um dos maiores exemplos de Democracia numa escala hiperescópica.E o facto é que temos vindo a ser confrontados com o desenvolvimento de uma acção que assenta numa prática que contraria toda a essência da teoria, e que se traduz num facto: o desrespeito pela soberania do Estado – neste caso, o Iraquiano e que, tal como sucede com a ampla maioria dos restantes actores à escala planetária era, tal como continua a ser, reconhecida internacionalmente (Macaskill & Borger, 2004). Além disso, esse desrespeito estendia-se, igualmente, à “escolha” do povo que legitimava o governo liderado por Saddam Hussein... qualquer que seja o juízo de valor que possamos ter feito e, eventualmente, continuar a fazer dessa mesma escolha, bem como das condições em que a mesma teve lugar. Nem sequer vamos aqui explorar as condições que permitiram a sua chegada e a sua manutenção no Poder no Iraque.As questões fundamentais, sobretudo num mundo que se diz democrático, mantêm-se: onde cabe aqui o respeito pelo princípio da não ingerência (Pe-reira & Quadros, 1993)? E da autodeterminação externa (Moreira, 2001)? Que Justiça é esta que julga uns e desresponsabiliza outros, omitindo os seus erros e deles se tornando cúmplice? O facto de existir uma resolução da ONU, mas que não especificava a legitimidade de actuação dos Estados Unidos da América e seus aliados nesta acção constituía, efectivamente, fundamento suficiente? Então não seria legítimo que qualquer um dos outros

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países do mundo solicitasse à ONU a aprovação de uma outra resolução que “obrigasse” os EUA e todos os seus pares á escala planetária, com particu-lar destaque para os Estados europeus detentores de armas de destruição massiva a abrirem, por sua vez, as portas de todas as suas unidades de investigação e desenvolvimento: militares, industriais, científicas e outras, para que se soubesse se estão ou não em preparação [mais] armas nucleares, biológicas e químicas de daquela natureza? Se a resposta a esta e outras questões conexas é conhecida, e é afirmativa, então porque razão têm os Estados Unidos e a maior parte dos Estados nucleares do mundo o direito de prosseguir as suas “novas corridas ao armamento” sob a égide da ONU e o Iraque, ou qualquer outro país “catalogado” pelo Ocidente como ”mal comportado”, não? Mais: e quem mandatou a ONU para isso? Será que a ameaça só existe quando estão em causa países que questionam a Nova Ordem Global Contemporânea liderada visivelmente pelos EUA que são coadjuvados nessa missão pelo grupo dos países mais fortes e cuja actuação surge personificada no “G8“ e na network de Think Tanks que dele depende e que a ele está associada para a área da Defesa e Segurança [e no “G21” para todas as questões relacionadas com os assuntos económicos]? Porque não se adoptam, então, também, medidas idênticas a serem aplicadas a paí-ses como a África do Sul? E a Síria? E a Índia e o Paquistão? E Israel? E a França? E a China? E a Comunidade de Estados Independentes em geral e a Rússia em particular? E tantos outros? Na verdade, uma das questões que há que formular chegados a este ponto é, precisamente: e se estivesse em causa a Segurança Internacional? E mais: quantos países é que a ONU já inspeccionou por estas mesmas razões e preocupações?É certo que o Iraque terá feito chegar à ONU uma carta em que se compro-metia a permitir o acesso incondicional dos inspectores daquela Organização Internacional às suas instalações, mas também há que questionar quantas resoluções, antes de isso suceder, o Iraque ignorou (Koppel et alii, 2002; Galtung, 2003). Assim, não nos surpreende a estratégia adoptada por Actores como os EUA, a Grã-Bretanha, a China, a Rússia, entre outros. Uma con-clusão era, no entanto e naturalmente, certa: o consenso não seria possível, até porque o poder de veto dos Estados-membros do Conselho de Segurança da ONU foi accionado e sê-lo-á sempre, porque os interesses em jogo são, logicamente, muito distintos de Estado para Estado, de Actor para Actor, apesar de terem por base, sempre, fundamentos económicos, coadjuvados pela política, pela geografia, geopolítica, história, e sem esquecer as ques-tões de natureza religiosa e cultural. Quanto à França – que antes daquela alteração formal da posição iraquiana viu o presidente Jacques Chirac de-

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clarar publicamente que o seu país apoiaria os EUA num eventual ataque ao Iraque –, não podemos ignorar que este Estado concentrou os seus esforços, na linha da posição da Rússia e da Alemanha, numa tentativa de resolução do impasse que entretanto se havia gerado, através da via diplomática. No entanto, na sequência da guerra efectiva, a França viu-se confrontada com a necessidade de gerir uma situação dúplice, extremamente delicada: se não podia (nem pode) deixar de acautelar os fortíssimos interesses económicos e comerciais que tem naquela zona do globo – sobretudo no que se refere às empresas petrolíferas –, por um lado; também não podia deixar de gerir com muita cautela as relações que internamente têm que ser asseguradas com a forte comunidade muçulmana que vive em França, por outro (Mahony, 2006). Mas, quem na Europa conseguiu perturbar George Bush foi Gerhard Schröder na Alemanha. À beira das eleições, o partido do Chanceler alemão através de declarações proferidas por uma figura ministerial, não hesitou em denunciar os métodos americanos a aplicar ao Iraque, considerando-os se-melhantes aos utilizados por Hitler face aos Judeus (Liebig, 1999). E alguns anos depois, em 2010 - e a propósito de uma forte instabilidade económica e social que se vivia e continua a viver no mundo em geral, mas na União Europeia muito em particular – é a própria Chanceler alemã, Angela Merkel, a ver-se confrontada com acusações idênticas aplicáveis às suas observações pessimistas sobre a política de integração europeia.No entanto, quanto à questão relacionada com o problema da utilização do espaço aéreo de vários países europeus por vôos da CIA aquando do transporte de prisioneiros para Guantánamo – e que, no caso português, por exemplo, muito tem dado que falar – nada parece constar no que se refere à Alema-nha. O que não deixa de ser curioso… (Balzan, 2006; Spongenberg, 2006).E se, no que se refere a Schröder, à época, a sua coligação com os Verdes conseguiu a maioria absoluta de deputados no Parlamento, também é im-portante salientar que foi o mesmo Schröder quem, depois de ter perdido nas últimas eleições legislativas na Alemanha o lugar de Chanceller para Angela Merkel, “desertou” para a Gazprom, a empresa energética russa, controlada por um Governo russo cujo envolvimento na construção do pipe-line do Mar Báltico – projecto que Schröeder apoiou quando ainda ocupava o lugar de chefe executivo do governo da Alemanha – parece não deixar qualquer margem para dúvidas. Além disso, e para “ajudar à história”, é importante salientar que o executivo-chefe do consórcio do referido pipe-line é um ex-oficial da polícia secreta da Alemanha de Leste, próximo de Vladimir Putin desde a época em que este era agente do KGB naquele país.

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Mas, as novidades não ficaram por aqui. A Rússia de Medvedev celebrou recentemente um acordo com Chavez, tomando o controlo sobre 10% das capacidades de refinação que a Petroleos de Venezuela detém, imagine-se, na Alemanha… (Socor, 2010). Assim, as “cartas” que são os factos, são baralhados em determinado mo-mento mas os acontecimentos acabam por justificar a sua “reutilização” e reaparecimento com imagens que apontam para diferentes roupagens, mas cuja essência persiste para além das aparências. E o Ártico aparecerá brevemente em cena como o próximo cenário a con-centrar as atenções da sociedade e opinião pública internacionais. Mais uma vez, não pelos efeitos das alterações climáticas sobre a dizimação do maior predador daquela região – o urso polar –, mas pelo mais facilitado acesso aos recursos energéticos e potencial exploração comercial de novas rotas marítimas que àqueles estão associados (Balão, 2010 a) e que num futuro mais ou menos próximo condicionarão, inevitavelmente, os interesses nacionais de países como, por exemplo, Portugal.

3. O CONFLITO COMO REGRA E A PAZ COMO UTOPIA – GLOBA-LIZAÇÃO E FUNDAMENTALISMOS À ESCALA GLOBAL

Retomando as questões anteriormente abordadas, o que se verificou na prá-tica poderá resumir-se a um facto: depois de equacionada a possibilidade, assente num discurso de eventualidades e de hipóteses por verificar, nem os Estados Unidos da América nem a Grã-Bretanha desistiram dos prepa-rativos para uma eventual ofensiva militar ao Iraque. Nem mesmo durante o período em que os inspectores da ONU estiveram no Iraque, ou sequer enquanto se aguardava que fosse elaborado o respectivo relatório (que, como sabemos, não foi conclusivo) a estratégia destes dois países sofreu quaisquer alterações. Ela teve por base visível uma dúvida permanente em relação às aparentes “boas intenções” do Iraque e o argumento que persistiu, também, foi o de que já no passado Saddam Hussein havia demonstrado ser uma pessoa em quem não se podia confiar, baseando-se numa estratégia de meios (quaisquer que eles fossem) para alcançar os fins pretendidos (qual a diferença relativamente a todos os Actores com vocação de Poder?). A carta enviada pelo Iraque à ONU não terá sido, no entender daqueles dois Estados, senão uma manobra táctica com o único objectivo de ganhar algum tempo, evitando mais sanções do que aquelas que já estavam a ser impostas. Aliás, cumprindo um ritual que parecia fazer parte de um certo modus operandi já estabelecido e conhecido.

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O certo é que os Estados Unidos viram autorizada pelo seu Congresso a ofensiva militar contra o Iraque, o que a nosso ver sucederia inevitavelmente: mesmo que a ONU tivesse conseguido do Iraque o desarmamento total e incondicional, conforme resolução do Conselho de Segurança, ou a prova de que não existiam armas de destruição massiva. Os interesses na rectaguarda desta operação eram muito mais vastos e complexos do que qualquer reso-lução da ONU que, tal como sucede em relação às restantes Organizações Internacionais é dominada, em larga medida, pela posição, opinião, vontade e capacidade de financiamento e acção dos EUA, desde logo coadjuvada pela supremacia da sua capacidade militar (Dias, s/d).Nesta mesma linha, a notícia de que Israel distribuíra gratuitamente por toda a sua população máscaras de gás, e que desenvolveu uma campanha de vacinação contra a varíola em mais de quinze mil membros dos serviços de protecção civil permitiu à opinião pública global equacionar, desde logo, a hipótese de uma ameaça real de guerra a breve trecho, o que acabou por suceder e sem que, até ao presente, a situação esteja resolvida. De facto, apesar de todos os anúncios da administração Norte-Americana (bem como de outros países) relativamente à retirada de forças armadas daquele cenário, a verdade é que a situação permanece relativamente inalterada. E o mesmo parece passar-se com o Afeganistão. Salientem-se os sucessivos pré-anúncios de retirada das Forças Armadas norte-americanas (e outras) daqueles cená-rios, contrariadas por constantes reforços de meios humanos, também por parte de outros Actores 1.Ao longo da história, várias têm sido as incursões dos países mais fortes e mais ricos nos países mais fracos e mais pobres, com o claro objectivo de hegemonia. Na verdade, foi assim que se construíram os Impérios (Eisens-tadt, 1963). Os Romanos fizeram-no, os Portugueses, Holandeses, Franceses e Ingleses, entre outros, também. Desde meados do século passado que os americanos também o estão a fazer (Dias, 1971), hoje de forma mais ex-plícita do que no passado, sobretudo devido aos acontecimentos de 1989: a perestroika e a queda do muro de Berlim (Maltez, 1993).Esta estratégia é cada vez mais óbvia, mais clara e mais agressiva. Basta-nos olhar em volta e analisar as notícias que nos chegam, “filtrando-as” ou não. No âmbito das negociações que tiveram lugar durante a Cimeira da Terra na África do Sul, e depois confirmado em Copenhaga, ficou mais uma vez

1 No dia 8 de Março de 2011, o Presidente norte-americano Barack Obama anunciou que os prisioneiros suspeitos de terrorismo permaneceriam detidos mesmo sem acusação formada. In “Jornal da Tarde”, RTP1, Edição de 8 de Março de 2011.

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claro que os Estados Unidos não estavam – como continuam a não estar – na disposição de ocuparem uma posição paralela àquela que os restantes Estados ocupam na escala global. A recusa da assinatura do protocolo de Quioto e o impasse na defesa do ambiente – tendo em conta que os EUA são, de acordo com estudos científicos, um dos países mais poluidores do mundo (como a Índia e a China, por exemplo) –; assim como a reivindicação de tratamento diferenciado para os cidadãos americanos face à actuação do Tribunal Penal Internacional – tendo em conta que ainda está em vigor em alguns dos seus Estados a Pena de Morte – constituem, apenas, alguns dos inúmeros exemplos que poderíamos apontar para ilustrar esta constatação de persistente diferenciação dos EUA face aos restantes Actores da cena política Global.Ainda numa perspectiva histórica, a construção das sociedades teve sempre por base o conflito (Worcester, 2002; Neto, 1968; Almeida, 1990). E este esteve sempre na base das várias tentativas, múltiplas e infindáveis, de alcançar a paz. Veja-se o que originou a criação da Sociedade das Nações: o fim da I Guerra Mundial. E o que esteve na base da criação da Organização das Nações Unidas: o ocaso da II Guerra Mundial e o sentimento generalizado de ambição pela paz. No fundo, é em nome da paz que se faz a guerra. E esta ideia, esta utopia, consiste numa fórmula imensamente eficaz de justificação humana para a prossecução das maiores atrocidades (tal como a religião ao longo dos tempos, e não apenas na actualidade, e com base em motivações distintas: a Inquisição, o IRA e a ETA têm na sua génese motivações-base claramente diferentes. Mas, no fundo, existe um receio que é comum: a mudança da ordem consuetudinária e legal em vigor, porque tal situação põe em causa interesses instalados, poderes estabelecidos...). E é aqui que, mais uma vez, surgem os fundamentalismos. É deste statu quo ante que eles se alimentam e prosperam, disseminando-se e fortalecendo-se, ultrapassando-se não raras vezes, a si próprios.Deste modo, poderemos sempre questionar até que ponto a guerra não é verdadeiramente o motor de desenvolvimento das sociedades, e a paz apenas uma ideia utópica que personifica um conceito passível de várias leituras e que tem associadas várias emoções (Gray, 1977; Mumford, 1959). Na ver-dade, o que é a paz? E o ridículo desta questão é que a resposta imediata, que se vulgarizou ao ponto de fazer parte das respostas “take-away” das nossas sociedades é: “a paz é: não fazer a guerra” (Bobbio, 1999). Então se é assim, como esquecer situações de um passado muito recente como a Guerra do Golfo? Ou a guerra e o genocídio na Bósnia e no Kosovo? Ou os mais recentes conflitos: a guerra contra os Talibans e a Guerra do Ira-

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que? Sim, porque apesar de se querer destruir o poder de Saddam Hussein, de Milosevic ou de Bin-Laden, a verdade é que se prejudicou e prejudica, sobretudo (como sempre, em qualquer cenário de guerra) a população civil, nomeadamente mulheres e crianças, para já não falar dos idosos. As crianças também têm direitos mas ninguém pensa nelas antes de fazer a guerra. E as crianças são-no em qualquer lugar do mundo. E são elas que perdem a vida. E que ficam órfãs. Que precocemente deixam de ser crianças... porque, simplesmente, nem pensaram nelas. Não lhes reconheceram esse direito. Elas não são importantes quando comparadas com o controlo de recursos geoestratégicos e tomada de posições geopoliticamente consideradas vitais. E a Tchechenia? E o conflito entre a Índia e o Paquistão por causa de Caxe-mira? Estão todos resolvidos? E a Ossétia e a Abcássia? E porque razão se julgam em Haia uns e outros permanecem à margem da lei, tranquilamente, como se nada se tivesse passado? É como se alguns pairassem acima de tudo e de todos, intocáveis pela ordem que eles próprios criaram, recriam e teimam em impor, para a ela submeterem os restantes, a começar pelos que podem, de algum modo, tornar-se incómodos porque capazes de pôr em causa o statu quo estabelecido...E porque é que os Actores que intervêm na Europa, no Médio Oriente, na América Latina e um pouco por todo o mundo, “deixaram” impunes os respon-sáveis pelo genocídio na Somália? E no Ruanda? E em muitos outros cenários destroçados pela guerra e pela miséria humana? E os Actores que “apregoam” o Bem Comum, e dele se “alimentam” para subsistir como tal, justificando a sua existência? E as Organizações Internacionais como a ONU? A resposta tarda porque é incómoda: porque os interesses em causa não o justificavam. Os recursos são dispendidos nas acções que são capazes de proporcionar maior taxa de retorno. Tudo o resto é negligenciável, porque dispensável.Mas, não podemos daqui inferir que os Estados Unidos da América representam a personificação do Mal! Pelo contrário: esta é uma linha de actuação que é comum a todos os poderes dominantes e com estratégias expansionistas, a que obviamente está associada a conquista e o exercício do poder, bem como a sua manutenção. Basta ver, também, aquela que tem sido a postura de Estados como a Rússia, a China ou a Índia.E é óbvio, e todos sabemos que, apesar dos pressupostos teóricos do Di-reito e da Justiça, há sempre uns mais iguais do que outros (Orwell, 1989; Morgenthau & Thompson, 1985). E se esta é uma verdade que todos co-nhecemos, ela não funciona de modo diferente no que se refere à relação entre os Estados – os que ocupam um lugar de referência no seio do grupo dos Grandes Actores – na cena de poder global, planetária. E os mais fortes

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impõem o seu poder aos mais fracos. A sua capacidade negocial é fortíssima, e os termos de troca de favores acabam por ser sempre mais vantajosos para aqueles que ocupam melhor posição na hierarquia de poderes. A Teoria das Relações Internacionais tende a considerar que a vocação de poder actual dos EUA não obedece a uma tendência imperial. Mas, e não entrando aqui na discussão epistemológica em torno da designação/classificação mais ou menos adequada/acertada, haverá um consenso generalizado a ponto de aceitar que a mesma é, pelo menos, agressiva, musculada, assertiva.Assim, é fundamental inquirir porque razão decidiram os EUA fazer, num passado recente, uma guerra na Europa, tal como acabaram por fazer no Iraque? Por que razão, os países europeus ratificaram essa situação no Velho Continente? Quem beneficiou com essa forma de actuação, em qualquer dos cenários referidos? Mas, também é necessário que estejamos preparados para o facto de que a resposta que necessariamente obteremos (pelo menos em parte) está longe de ser simples e agradável. E curiosamente (ou não) o facto é que a UE aceitou analisar a candidatura de adesão da Sérvia a membro daquela organização supranacional (entendida neste artigo como referindo-se a um arranjo organizacional de âmbito/natureza política, dotado de grau de complexidade e exercício do Poder que a posicionam e lhe permitem situar-se num nível/patamar superior ao do Estado, e na qual o próprio Estado surge integrado; e não como método de decisão, por oposição à solução intergovernamental) regional. E convém não esquecer, também, a questão da independência do Kosovo e do seu reconhecimento internacional, pelo menos por parte de alguns... Também é importante ter presente que, uns anos antes, o final da Segunda Guerra Mundial, o Plano Marshall e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) permitiram aos EUA assumirem e desempenharem o papel de “polícia” mundial (Kagan, 2003). Hoje, ainda – pelo menos militarmente – isolados na liderança do mundo – com uma Rússia e uma Comunidade de Estados Independentes que em geral secunda a sua estratégia [porque existem interesses muito importantes a defender e a salvaguardar: as con-versações com a NATO quer no que se refere à questão quente da defesa anti-míssil, como o nuclear e o recém definido conceito estratégico de Lisboa (Novembro, 2010)] (NATO, 2010) que, entre outras “inovações” institui a NATO global; a questão do alargamento da Europa para Leste; os financiamentos ao abrigo dos programas de Ajuda ao Desenvolvimento assegurados pelo FMI, pelo Banco Mundial e outras instituições congéneres, normalmente “controladas” pelos norte-americanos e ou pelos países mais poderosos e ricos do mundo, por exemplo, são factores que contribuem para

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a compreensão e justificação formal da posição do Governo de Medvedev que, claramente, segue a via iniciada e implantada por Vladimir Putin; com um gigante como a China que é hoje membro de pleno direito da Organização Mundial de Comércio (e que continua a impedir a adesão de Taiwan à ONU); com Israel que garante, por norma (e apesar das fricções que ocasionalmente se verificam), uma estreita colaboração para o controlo da situação no Médio Oriente (e no Mundo) de um lado, e com a Índia e o Paquistão do outro – os mesmos EUA não estão dispostos a abdicar do Poder que detêm à escala planetária. E não há dúvida de que o seu objecti-vo – tendo por base um poder que adquiriram há quase um século – gira em torno da resposta ao problema clássico de “quem governa?” (Bessa, 1993) e “como governa?” (Bessa, 1996), ou seja, com base em que pressupostos?: a aquisição (de mais poder), o exercício e a manutenção desse poder, a par do seu reforço sempre que possível, de preferência “desbravando” terreno onde a sua influência e controlo sejam mais eficazes (Thomas, 2002) respondendo, deste modo, a uma nova pergunta “o que governa?”.Mas, há que equacionar, ainda assim, neste tabuleiro de xadrez cuja comple-xidade tende a crescer à medida que a História avança e que o espaço parece comprimir-se, um elemento recente que constitui aquela que pode ser vista como a renovação do eixo Paris-Berlim-Moscovo. E esse é um factor que pode ser visto numa perspectiva de contribuinte líquido para a recuperação/reforço do equilíbrio entre as duas margens do Atlântico e consequente fortalecimento das relações transatlânticas ou, ao invés, representar um factor adicional de instabilidade que poderá resultar numa crispação das relações entre os dois actores, clássicos rivais, pondo em causa o equilíbrio que se tem procurado assegurar em torno da questão relativa ao controlo da Eurásia (Dias, s/d).Assim, o potencial intrínseco a qualquer uma das vias anteriormente equacionadas para produção e promoção de fundamentalismos é um must. E indubitavelmen-te, em qualquer dos cenários, a propaganda, o terrorismo e a razão de Estado caminharão e caminham, como sempre caminharam, “de mãos dadas” (Bobbio, 2000; Jowett & O‘Donnell, 1999). Esses são os coadjuvantes fundamentais para a aquisição, exercício e manutenção do poder à escala global (Pistone, 2000). Por isso, a “luta contra o terrorismo à escala global” não é mais do que uma faceta da luta contra os fundamentalismos contemporâneos, de que o terrorismo é, apenas, uma das faces. Do mesmo modo, este discurso de “luta” constitui, em si mesmo, um slogan da propa-ganda política que os países, que personificam os actores mais poderosos do mundo, e os EUA em particular, puseram em circulação através das grandes cadeias de Comunicação Social por permitir fazer convergir de uma forma extremamente eficaz, o consenso global em torno de

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valores em nome dos quais os Estados que simultaneamente reúnem as caracte-rísticas de Cristãos, Ocidentais e Desenvolvidos, estão normalmente dispostos a conjugar esfor-ços e a pôr em prática medidas comuns de salvaguarda (Moreira, 2001; Graham, 1999; Tehranian, 1999), esquecendo que o fundamentalismo terá sido, efectivamente, criado pelos cristãos americanos no início do século XX (Bianchi & Kepel, 2009).Tudo isto à luz de um princípio, valor ou até “nova religião do século XX-XXI” (o humanismo) que, na verdade, não passa de uma fórmula coad-juvante dos sistemas democráticos, caracterizada por um nível significativo de eficácia na prossecução dos objectivos previamente definidos (Balão, 2008) e em vias de se transformar no mais “novo” fundamentalismo da Nova Ordem Global Contemporânea.

4. A GLOBALIZAÇÃO DO SPOILS SYSTEM E A PRODUÇÃO DE FUNDAMENTALISMOS

Na linha do argumento que vimos expondo, e alternando o problema da conjuntura, orientamo-nos agora para o caso da guerra no Kosovo e na Bósnia. Parece ser óbvio que terão sido os próprios EUA os principais be-neficiários com este conflito militar, de base étnica, uma vez que a guerra na Europa lhes terá permitido alcançar simultaneamente diversos objectivos. Do ponto de vista económico e numa perspectiva muito superficial, com a implantação de uma “economia de guerra” foi possível relançar a economia norte-americana, aumentando simultaneamente o consumo das famílias, o investimento e o emprego. Enquanto as economias europeia e sul-americana registavam quebras significativas, a economia americana crescia, assim como todos os seus indicadores (Caramujo, s/d).No plano financeiro, o dólar valorizou-se significativamente face ao Euro: como o Euro tinha acabado de iniciar a sua circulação como moeda de troca nas transacções dos mercados financeiros internacionais, o despoletar de um conflito bélico no seio da Europa foi uma óptima estratégia que também permitiu, com eficácia, debilitar esta nova unidade monetária (http://www.ecb.int/). Esta debilidade verificou-se quer em termos de trocas nos mercados internacionais, quer em termos de imagem, ou de simbolismo, ao contribuir para uma redução significativa quer da confiança dos mercados, quer do optimismo dos investidores que esperavam uma “lufada” de ar fresco nos mercados bolsistas europeus que estaria associada a um aumento de com-petitividade face aos mercados internacionais (Albuquerque, s/d).

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Ao invés, o mercado bolsista situado fora da Europa foi quem mais benefi-ciou em função do “centro de baixas pressões” estacionado no coração do “velho continente”. As empresas americanas e asiáticas beneficiaram signi-ficativamente com isto, enquanto as empresas europeias enfrentavam uma conjuntura de recessão e depressão que se apresentou de uma forma muito mais acelerada e acentuada, persistente até ao presente (com apenas leves indícios de “retoma“). Além disso, o índice de confiança dos investidores europeus diminuiu significativamente, e ainda foi orientado para outros mer-cados, no exterior, debilitando ainda mais a já fraca condição da economia europeia, conforme dados da OCDE (Trichet, s/d).Por outro lado, com uma situação de guerra, o preço dos combustíveis, em especial do barril de petróleo, registou uma subida imediata nos mercados internacionais, penalizando ainda mais as economias europeias – situação que se tem mantido genericamente persistente até ao presente, agora coadjuvada com a manutenção dos conflitos quer no Afeganistão, quer, sobretudo, no Iraque – agora agravada pela instabilidade generalizada no Norte de África e, sobretudo, na Líbia –; e com o boom do crescimento da China, grande consumidora e dependente da abundância e disponibilidade de recursos energéticos. Diversificando o leque de problemas da conjuntura em análise, e associada a esta situação, encontramos ainda a nacionalização do mercado energético na Colômbia e o regime pouco favorável aos Estados Unidos da América na Venezuela, o que se tem traduzido em dificuldades acrescidas por parte daquele país no acesso ao fornecimento de energia a partir dos mercados da América Latina. Assim, a pressão sobre o mercado energético – sobretudo do petróleo – tem originado uma subida exponencial no preço do barril de crude, por um lado, e a exploração de mercados africanos que surgem hoje como reais alternativas aos mercados do Médio Oriente aos olhos dos Estados Unidos da América, e que justificam a transformação do Golfo da Guiné em geral, de São Tomé e Príncipe em particular, numa “Base das Lages” africana, servindo como uma espécie de plataforma logística de abastecimento e controlo de opera-ções das forças norte-americanas estacionadas naquele continente (Agência Financeira, 2010; Balão, 2010 b; Crilly, 2006; Bajpaee, 2005).Na dimensão política os benefícios foram muito significativos para os Es-tados Unidos porque estiveram na origem de uma importante controvérsia que colocaria a União Europeia num impasse, traduzindo a clara divisão de posições entre os vários Estados-membros, nomeadamente no que se refere a questões de Política Externa. As alianças históricas e tradicionais existentes entre os vários Estados sobrepõem-se àquela que se argumenta

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dever ser uma Política Externa Comum. De facto, ficou claro para o Mundo que a União Europeia (UE) não fala em uníssono. Mesmo com as alterações formalmente introduzidas pelo assim designado “Tratado de Lisboa”, o facto é que a transformação da Política Externa e de Segurança Comum numa Política Comum de Segurança e Defesa, não se traduziu numa correspondente transformação no que se refere à complexa questão de uma “única voz para a Europa”, como em teoria tanto se defende e clama.Mais uma vez, estaremos perante circunstâncias que facilmente poderão conduzir, na realidade, a um acentuar das tradicionais dicotomias (hoje consideradas, em teoria, muito indesejáveis e sempre contornadas) Norte-Sul, Leste-Oeste, países ricos-países pobres (Huntington, 1999; Thomas, 2002; João Paulo II, 1991 e 2001), enquanto se continuam a discutir os termos teóricos da implantação do complexo sistema de representação externa desejável para a União Europeia – ao invés de, pragmaticamente, se assegurar a própria existência do serviço e as condições para garantir o modus operandi dos seus agentes.A este propósito, é importante não esquecermos o papel de “guarda-avançado” dos Estados Unidos que a Grã-Bretanha desempenha na Europa, e sobretudo junto da União Europeia – muito embora a própria Grã-Bretanha perma-neça “com um pé dentro e o resto do corpo fora da UE” (“UK’s Choice is not EU or oblivion”, 2010) . Mas, basta avaliarmos as várias posições que tem assumido perante todos os acontecimentos com que – sobretudo desde a Guerra do Golfo, até à Guerra contra os Talibans, passando pela Guerra no Kosovo e, mais recentemente, pela Guerra no Iraque – temos sido confrontados, assim como todas as “manobras” diplomáticas a que temos assistido a par das movimentações nas várias áreas de actuação. Defensora incondicional da governança global (Pierre, 2000; Rosenau & Czempiel, 1993) norte-americana, a Grã-Bretanha tem vindo a desempenhar um papel fundamental na sensibilização da Europa para a legitimação da actuação das forças norte-americanas “estacionadas” em todo o mundo.Na dimensão social, propriamente dita, a questão consegue ser ainda mais perversa: a UE que já tinha dificuldades significativas em assegurar taxas de crescimento, consumo e emprego aceitáveis para os seus cidadãos e para aqueles que de África e da América do Sul (Brasil) chegavam em busca de melhores oportunidades, teve que enfrentar (e continua a fazê-lo) um problema migratório de dimensões muito superiores àquelas a que estava habituada e para o qual estava (como continua) longe de estar preparada: a entrada massiva de cidadãos de Leste – facto facilmente confirmado pelos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) relativos ao ano de 2009 (Palos, 2010).

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O número de desempregados cresce a par do número de empresas que cessam a sua actividade. As fusões sucedem-se, sem que consigam compensar as fa-lências. E o Estado continua, um pouco por todo o mundo ocidental, a injectar dinheiro dos contribuintes na banca, para a salvar. É caso para perguntar “de quê?” e mais pertinente ainda: “de quem?”, “porquê?” e “para quê?...A insegurança social, os sentimentos de xenofobia e marginalização social tendem a aumentar, assim como a criminalidade, como temos podido assistir em vários países, com especial destaque para a França (Fernandes, 2005). A integração europeia parece ter falhado em toda a linha, e o modelo social europeu está em causa, quer na teoria, quer na prática.E assim chegamos à reunião das matérias-primas fundamentais para assegurar a adequada produção e consequente proliferação de fundamentalismos con-temporâneos [mas, também, alguns dos tradicionais – os ciclos das ideologias (Lara, 2004) mostram-nos que o movimento é circular e algumas das sociedades humanas completaram já o ciclo comtiano] em virtude dos instrumentos pro-porcionados e disponibilizados pela existência do movimento de globalização e potenciado por aquela que tem sido a sua linha evolutiva até ao presente.

5. A DIMENSÃO HIPERESCÓPICA DO BURDEN-SHARING

Por isso, a questão do burden-sharing (Vilaça & Gorjão-Henriques, 2001) que surgiu durante os anos de 1990, tem vindo a registar uma preocupação crescente, sobretudo na sua dimensão social. Na realidade, a ausência de um quadro legal que regulamente de forma eficaz as situações de migra-ção ilegal, bem como algumas das situações dos refugiados, constitui um dos principais problemas a considerar – muito embora se tenha avançado significativamente no que se refere à regulação neste domínio, muito há, ainda, a ser feito. Mas, sobretudo, o que parece não oferecer dúvidas é a clara incapacidade que os Estados demonstram em lidar com estas situações. Além disso, quando se fala de responsabilidade e de burden-sharing é importante ter presente que, também a este nível se verifica, no seio dos países da União Europeia, uma clara distinção entre os países do Norte e os países do Sul, por mais que se afirme o contrário. Na verdade, os primeiros cumprem a sua respon-sabilidade através do financiamento de programas, rubricas, ou outras acções de ajuda específicas, em países onde, naturalmente, têm interesses a defender. Nos países do Sul onde, pela sua posição geopolítica e pela legislação mais flexível, associada normalmente a um controle e fiscalização menos eficazes, a entrada ilegal desses mesmos cidadãos é muito mais fácil e por isso, o seu número é também muito mais elevado. Se a isto associarmos uma maior escassez de

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recursos, é óbvio que quer a visão do problema, quer as prioridades definidas não poderão deixar de ser perfeitamente diferenciadas. A confirmar e ilustrar esta perspectiva, tenhamos presente o Mediterrâneo e a escassez de meios de que os países costeiros dispõem, quer na margem sul quer na margem norte, para controlar e fiscalizar as suas zonas económicas exclusivas (ZEE) e águas territoriais, nomeadamente quando os últimos são confrontados com a pressão exercida pelas massas de refugiados oriundos dos primeiros que buscam alcançar por todos e quaisquer meios aquelas margens do continente europeu e que coin-cidem com as fronteiras da UE. É inevitável: o proletariado externo (Toynbee, 1964, 1987) busca uma oportunidade de vida, de concretização de um sonho, do acesso a um mundo melhor. Equacionemos, ainda, a posição das ilhas como a Sicília, Creta, Malta; de Estados como a Itália, Espanha, e também Portugal mesmo “ali ao lado”. Associemos aos elementos já referidos o enquadramento legal, o quadro de valores, a lei da nacionalidade, e os meios de fiscalização e controle em terra, e facilmente podemos “ver” o quadro completo…E o que é certo é que estão a decorrer negociações no âmbito dos segundo e terceiro pilares da construção europeia onde as questões dos refugiados têm que ser tratadas, mas não parecem estar incluídas na agenda. Cada Estado está, sobretudo, preocupado em definir e desenvolver políticas sectoriais próprias sem assumir, preferencialmente e a título definitivo, uma posição concreta em relação às várias questões com que é confrontado. Assim, as políticas cruzadas não fazem parte das suas preferências. E por isso, esta-mos perante a velha fórmula do ciclista (Balão, 2001) aplicada às posições políticas adoptadas pelos Estados num contexto global. Mais uma vez, a realidade é muito diferente (às vezes, para não dizer quase sempre) do ideal. O SER surge transposto na realidade como uma verda-deira antítese do DEVER SER, do ideal contido nas “Recomendações”, “Resoluções”, “Pactos”, “Tratados”, e até nas próprias “Leis” (Balão, 2001, 2005; Bessa, 1993, 1996, 1997; Bessa & Pinto, 1999, 2001, 2002). Tudo é uma questão de voto no seio de um Caucus à escala global (Ostrogorski, 1970; Balão, 1997, 2001; 2008). Na linha de George Soros somos levados a considerar que, de certo modo, o desencanto com a política alimentou o fundamentalismo de mercado, e a ascensão do fundamentalismo de mercado tem contribuído, por sua vez, para o falhanço da política [pelo menos naquela que era a sua forma tradicional]. Por isso, uma das grandes deficiências do sistema capitalista global foi ter permitido aos mecanismos de mercado e à motivação do lucro penetrar em campos de actividade que não lhe pertencem por direito próprio (Soros, 2000: xiii-xvi; 1999. Ver, também, Bealey, 2001; Ronit & Schneider, 2000).

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De facto, a lógica da pirâmide das necessidades de Maslow aplica-se não apenas aos indivíduos individualmente considerados, mas também às socie-dades: se não existem recursos suficientes para garantir o bem-estar dos seus membros, elas não estarão (pelo menos à partida) tão preocupadas com a situação dos clandestinos e dos refugiados, como com a dos seus cidadãos. No entanto, a realidade mostra-nos que são precisamente estas sociedades as que estão mais preocupadas, de facto, com a situação, porque as afecta directamente e põe em causa a sua existência nos moldes “tradicionais”, “normais”. Também aqui se levanta a questão fundamental que passa pela atribuição e direito de aquisição da cidadania e da nacionalidade. Como sabemos, a Lei da Nacionalidade é fundamental, entre muitas outras razões porque permite a cada Estado “delimitar” o número dos seus cidadãos e, ao mesmo tempo, saber que se o são e têm n direitos adquiridos que são comuns a todos os outros, então é porque obedecem a algumas condições. O princípio do jus solii que foi durante decénios a base para atribuição da nacionalidade em muitos dos Estados do mundo, fazia todo o sentido para um determinado período da história, dominado por um objectivo: a construção de Impérios. No caso português, a construção e manutenção de um império além-mar dependia, sobretudo, da existência de pessoas que ocupassem os territórios, que os povoassem e que neles se mantivessem e os explorassem, dinami-zassem e neles investissem, ao mesmo tempo que “impediam” que outros chegassem e os tomassem como seus. Assim, e tendo em conta a vastidão dos territórios ocupados, todos os “nacionais”, cidadãos portugueses, sub-metidos às orientações e ordens do governo português sediado em Lisboa, eram poucos para assegurar a manutenção dos territórios “descobertos” e “ocupados” nas mãos de Portugal.Mas, com os movimentos a favor da auto-determinação dos povos e com os processos de “descolonização” dos anos ’60 do século XX, tal princípio foi-se tornando, sucessivamente, inadequado. Vejam-se as iniciativas adop-tadas quer pela França quer pela Alemanha, para ultrapassar esta situação, nomeadamente no que se refere à substituição do princípio do jus solii pelo jus sanguinis na atribuição de nacionalidade, no caso da França; e da sua atribuição apenas aos que provarem ser descendentes de mãe alemã, no caso da Alemanha. Também a Suíça está muito atenta a esta matéria da concessão da nacionalidade aos cidadãos migrantes, na medida em que a faz depender de condições de trabalho efectivo e tempo de permanência no território – como aliás tem vindo a suceder com outros países.Perante uma Lei da Nacionalidade que não salvaguarde esta importante diferença entre o território e os laços sanguíneos, a questão quer dos imi-

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grantes quer dos refugiados assume dimensões verdadeiramente assustadoras no seio de cada comunidade receptora, podendo inclusivé provocar situações de verdadeira tensão despoletadas pela pressão do proletariado externo (Toynbee, 1964, 1987) e que poderão degenerar em confrontos rácicos, étnicos ou outros (Barata, 1989). Do mesmo modo, esta questão do burden-sharing também se aplica às questões ambientais, mas aí assistimos a uma realidade que demonstra que a resolução da situação não passa por medidas concretas e eficazes (tal como noutros âmbitos) e sim, ao invés, por cimeiras onde não se passa das intenções, das “resoluções”, dos “compromissos” e “acordos”, às acções. E a posição formal dos países mais poderosos, mais uma vez, pouco tem de imparcial e de real. Na verdade, tudo passa pela aplicação da teoria dos jogos: o que cada um perde e ganha nos diversos domínios (Heap & Varoufakis, 1995). Esta é a verdadeira base a partir da qual o processo de decisão toma corpo.A flexibilidade e solidariedade inerentes ao princípio do burden-sharing é verdadeiramente real, genuína, ou pelo contrário é “imposta” pelos países mais ricos da União Europeia a um nível regional e pelos próprios EUA no seio do G7+1 a um nível global? Não podemos esquecer que o verdadeiro motor dos Estados se situa, hoje e cada vez mais, ao nível da economia. Por isso, a globalização que começa por ser um fenómeno económico, rapi-damente estende os seus “tentáculos” às restantes dimensões da vida e da actividade de cada Estado: política, social, cultural, militar (Antossiak, 1987; Sloan, 1985; Montifroy, 1990)... todas são contagiadas. Deste modo, a nosso ver, este movimento assume uma dimensão que é, claramente, polimórfica. Assim, torna-se fundamental assegurar a conquista de novos mercados, de mais consumidores e de mais lucros.Deste modo, os que permanecerem fora da teia de interacção e de inter-dependência ao nível global, regional, nacional ou até local, têm que estar dispostos a enfrentar condições comerciais desvantajosas – em todos os sentidos – para além de pressões constantes e significativas aos mais di-versos níveis: político, económico, militar, social, de entre outros possíveis.

6. GLOBALIZAÇÃO, AUTORIDADE DO ESTADO, COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA DIGITAL – A VIA-IDEAL PARA OS FUNDAMENTA-LISMOS CONTEMPORÂNEOS?

Neste sentido, e num mundo que se caracteriza por uma crescente inter-de-pendência e por fluxos que o percorrem e condicionam em todos os domínios,

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o problema da autoridade do Estado assume uma relevância significativa. A tradicional imagem da desta capacidade e poder de exercício do Estado tem vindo, sucessivamente, a ser substituída por outra: muito mais versátil, flexível, dinâmica e moderada, pelo menos no mundo ocidental. Algo bem diferente é aquilo que diz respeito não à “imagem”, à forma, mas à “substância” do Estado e do seu poder. Nesta dimensão, as coisas podem ser significativamente distintas porque, tal como no passado, a imagem do Estado, do Poder, está muito longe de ser o reflexo da sua substância, da-quilo que ele é, faz e decide na realidade (Moreira, 1989).Normalmente, aquilo que se quer transmitir para consumo da opinião pú-blica é uma imagem que se aproxima de um ideal, daquilo que “deveria” ser, enquanto que aquilo que na realidade se faz, as políticas que são postas em prática e as decisões que se tomam – o decision making e o decision taking –, estão numa dimensão real, daquilo que “é”. Esta é a razão para que o comum dos cidadãos não perceba grande parte dos “jogos” e “mano-bras” de bastidores que estão na base da maioria das decisões estratégicas fundamentais inerentes à actuação e à posição de cada Estado/Actor na cena mundial, assim como dos blocos comerciais em que eles conjugam os seus esforços em nome de interesses e objectivos comuns, e com base nos quais condicionam a vida e as opções dos cidadãos que representam (ou deveriam representar, porque deles receberam o mandato que lhes dá acesso ao exercício do poder) e que os legitimam nessa função.Os Estados/Actores contam, ainda, com coadjuvantes de peso, que vão desde os Serviços de Informação nacionais, às agências de intelligence internacionais, e mais recentemente, aos grandes desenvolvimentos produzidos ao nível tecnológico.Assim, as teias de informação estão de tal modo “montadas” e dissemi-nadas globalmente que cada vez menos é possível pensar em “segredo”, sobretudo na perspectiva tradicional. Com sistemas de vigilância como o ECHELLON, é possível manter um sistema de informações e desinformação alimentado 24 sobre 24 horas, continuamente. A espionagem, que sempre fez parte da história do mundo, desde a China ao Egipto, dos Estados Unidos a Israel, da Rússia à Alemanha, conta hoje com uma ajuda preciosa destes sistemas que são alimentados via satélite. Mas, e porque “nem tudo são rosas”, temos que considerar, igualmente, a existência de um novo tipo de terrorismo associado, precisamente, a todo o investimento que o mundo dito desenvolvido tem dedicado à implantação destas redes de informação e comunicação: o ciberterrorismo. E o ciberter-rorista, ao contrário do hacker (que se rege pelo desafio científico, como impulso determinante para a sua acção) tem na génese da sua actuação mo-

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tivações de natureza política que o levarão a provocar danos significativos nos alvos a atingir, normalmente designados “colaterais”. Numa sociedade que depende do sistema informático e digital para que todos os sistemas de suporte de vida cumpram a sua função vital na satisfação das necessidades colectivas – o sistema de abastecimento de água potável, o sistema de abastecimento de electricidade, o funcionamento dos instrumentos de apoio médico nos hospitais, os sistemas de ar condicionado, os sistemas de navegação aérea, marítima, ferroviária, de armamento das Forças Armadas ... – é muito fácil a qualquer ciberterrorista levar a cabo a sua acção com um elevado grau de eficácia e baixo custo.Este desenvolvimento tecnológico tem igualmente aplicação crescente no “bom” funcionamento da democracia, dando origem àquilo que já se conhece como “Democracia Digital” (Hoff, 2000; Grugel, 1999). É hoje mais difícil manter uma agulha escondida num palheiro do que era outrora esconder uma ogiva nuclear (Thomas, 2002; Winter, 2002; Hague & Loader, 2001; Hacker & Dijk, 2000; Boorsook, 2000; Wilhelm, 2000). Do mesmo modo, é muito mais fácil iludir hoje a opinião pública do que há dez anos atrás. O papel da Comunicação Social tem vindo a assumir uma preponderância crescente, assim como crescente tem sido também a sua politização. Ao invés de cumprir o papel clássico que lhe estava atribuído, de informação e esclarecimento real da opinião pública, a Comunicação Social está hoje “vendida” aos interesses das empresas e outros grupos (Goldstein, 1999) que a financiam através da publicidade e dos patrocínios, bem como de outros negócios associados ao sector. A globalização da comunicação e da informação é, a par da globalização da política e da economia, um dos factores-chave mais importantes para a aquisição, exercício e manutenção do poder político da actualidade (Balão, 2010).Além disso, a “democracia digital” não passa apenas pelo desenvolvimento das ligações via internet, que dão origem a novas versões de aprendizagem (e-learning), de governo (e-government), e até de funcionamento da justiça (e-justiça), com a ligação dos tribunais a um sistema de vídeo-conferência. Este desenvolvimento tecnológico permite, ainda, uma aplicação aos sistemas de voto. Os cidadãos poderão, ao invés de assinalarem com um determinado símbolo um determinado espaço numa folha de papel para expressar o seu voto, fazer a sua escolha através de um sistema digital que passa por um simples clic. Mas, a questão que se coloca a este novo meio é a mesma que sempre se colocou face os meios mais tradicionais: como assegurar a inexistência de fraude, de manipulação, de omissão de votos, de corrupção (Balão, 1997, 2001; Jain, 2001; Rose-Ackerman, 2002). Em suma, como

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salvaguardar a representatividade e consequente vontade da efectiva maioria dos cidadãos.Sem esta aplicação da tecnologia também não teria sido possível a todo o mundo assistir aos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 em directo, em tempo real, com um impacte que de outro modo não teria garantido a mobilização da opinião pública mundial nos moldes a que assistimos. Lembremo-nos que muitos outros acontecimentos, em que morreram muito mais pessoas tiveram lugar ao longo dos tempos e nós só deles tivemos conhecimento numa breve notícia no serviço informativo da televisão ou da rádio, ou ainda numa página de jornal... Mas nunca nada que tivesse provocado no mundo o choque que o acontecimento da queda das Torres do World Trade Center provocou. A marca do tempo real e das imagens é inigualável porque permite que o telespectador e o ouvinte, estejam a “comungar” com as vítimas a aflição, o sofrimento e a perda.É neste mesmo sentido que se poderá falar (de acordo com alguns teóricos) da construção de uma Democracia Cosmopolita (Held & Archibugui, 1995; Held, 1999), ou se quisermos, da globalização da Democracia.Por isso, somos levados a questionar quais as razões que terão estado na origem do “descalabro” do sistema de intelligence espalhado pelo mundo e que, permitindo aos Estados Unidos da América conhecer tanto sobre tanta coisa um pouco por todo o mundo não permitiu, no entanto, nem às suas agências de intelligence nem às congéneres “amigas”, “saber” o que estava a ser preparado e em “marcha“ (Balão, 2010), pelo menos aparentemente. Vasta bibliografia dá nota e explora as fricções existentes entre os diferentes serviços de intelligence dos EUA. Referências à Mossad e a informações partilhadas com os serviços norte-americanos nos dias anteriores aos aconte-cimentos de 11 de Setembro de 2001 são, igualmente, abundantes na world wide web e também em monografias publicadas.Somos ainda levados a elaborar para a Guerra contra os Talibans no Afeganis-tão e para a Guerra no Iraque as mesmas questões que apresentámos para a Guerra no Kosovo e na Bósnia. E as conclusões que encontramos são idênticas. De facto, os interesses económicos instalados, o poder dos lobbies junto do poder político, bem como a necessidade de distrair atenções são causas com um peso muito significativo e que não poderemos ignorar na nossa análise.Por isso, é impensável não referir que o território, com as suas fronteiras, tem sido um dos problemas que sempre esteve na base de toda a história humana e que frequentemente tem motivado os maiores conflitos entre indivíduos e entre grupos, nas suas distintas dimensões: do local ao regional, do nacional

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ao global (Bessa, 1982). Esta guerra que começou por ser contra os Talibans, é agora contra todos os países onde as agências de intelligence descobriram ligações a grupos terroristas. Mas, a verdade é que aqui podem começar a esboçar-se as nossas dúvidas: será que o terrorismo é um fenómeno novo?Certamente que não. O terrorismo de Estado tem sido, ao longo da história, prática comum um pouco por todo o mundo. Só nunca tinha sucedido ao país mais poderoso e rico numa determinada combinação de coordenadas espácio-temporais, com um estatuto de hegemonia reconhecido e aceite por uma grande parte do mundo (ou pelo menos pelos mais ricos e poderosos), ser atacado da forma megalómana a que pudemos assistir em 11 de Setem-bro de 2001, e no centro nevrálgico do seu próprio território, símbolo da sua riqueza e do seu poder. E só por isso, o terrorismo, de que não se ou-via falar senão em casos pontuais como a ETA, o IRA e um ou outro caso na América Latina e no Médio e Extremo Oriente, surge das trevas, qual “coelho que sai da cartola” como que por “artes mágicas”. Mas, não podemos deixar de concluir numa linha muito maquiavélica, que o atentado às Torres Gémeas do World Trade Center em Nova Iorque, resultou num negócio “da China” (neste caso do “Afeganistão” e, posteriormente, do “Iraque“) para os EUA e seus aliados que, deste modo, encontraram motivos que facilmente lhes permitiram reunir grande parte dos Estados em todo o mundo num consenso alargado para criar uma rede global de luta contra o terrorismo, e também para justificar e legitimar uma guerra em nome da qual puderam estabelecer um “protectorado” democrático no Afeganistão, num primeiro momento e, depois, avançar com uma guerra contra o Iraque com o mesmo resultado visível, pelo menos em termos formais – até porque os factos desmentem a concretização efectiva de Governos democráticos na construção de Estados até ao momento apenas desejavelmente democráticos: quer o Afeganistão, quer o Iraque estão muito longe de poderem ser, efectivamente, considerados como tal, ainda que apenas em termos meramente classificativos.

7. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise efectuada e dos argumentos apresentados, parece-nos inevitável concluir sobre a extrema relevância que o segredo continua a ter nas so-ciedades contemporâneas. A existência de um Estado de Direito e de um Sistema Político Democrático não parecem colocar entraves reais à sua uti-lização por parte de quem governa, em cada espaço e em cada tempo. Pelo contrário. A fórmula do poder tal como é proporcionada e posta em prática

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pela e em Democracia acaba por se revelar um importante coadjuvante para a implantação e manutenção deste statu quo, sobretudo quando considerada em articulação com a indelével tendência para uma “globalização da demo-cracia” a que o mundo tem vindo a assistir.Por outro lado, não parecem restar dúvidas substantivas quanto à efectiva existência de um Regime Político à escala hiperescópica cujas regras do jogo se baseiam no princípio “dois pesos e duas medidas” – o do tratamento diferenciado, consoante os personagens em presença e em função dos inte-resses em causa – mesmo que isso signifique e represente (como de facto se verifica) a contradição com os princípios e regras fundamentais do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e da Democracia que tanto são “apre-goados” pelo discurso político dominante e difundido massivamente – como mainstream que é – à escala planetária. Por isso, os conflitos continuam a ser regra e a Paz a excepção, tal como a prática e a teoria democráticas.Face ao argumento da globalização dos conflitos no sentido da sua dis-seminação um pouco por todo o planeta e, sobretudo, em zonas nevrálgicas, que concentram na sua posição estratégica e na sua riqueza geopolítica a atenção e a cobiça dos poderes dominantes, a conclusão aponta igualmente no sentido da sua confirmação, bem como do argumento que sustentava que da redistribuição dos despojos se assistia ao desenvolvimento potencial dos fundamentalismos contemporâneos. De facto, chegados a este ponto do nosso raciocínio torna-se difícil, senão impossível, deixar de concluir sobre a forte responsabilidade dos maiores actores do planeta quanto ao ponto de ruptura económico-social em que a maior parte do mundo se encontra mergulhada. E muito embora a análise apresentada estivesse assente no ar-gumento relativo ao burden-sharing, não é possível deixar de contextualizar este problema mais restrito com um outro, complementar mas muito mais abrangente: a crise financeira.A partilha do fardo e da responsabiliadde não pode ser assegurada sem meios, dos quais os económicos são, no mundo em que vivemos, os pri-maciais. Independentemente de todas as restantes e não menos importantes dimensões do problema, sem meios económicos não é possível (seja qual for a sociedade em apreço) prosseguir uma política de integração, de acolhi-mento e de responsabilidade nem para com os próprios cidadãos, nem para com cidadãos estrangeiros. Trata-se, apenas, de garantir o acesso de todos a uma parte dos “despojos” resultantes dos jogos de poder entre os actores à escala global. Mas, o facto é que essa redistribuição é muito deficitária, praticamente inexistente e, da ausência de condições de vida minimamente satisfatórias proliferam os desvios que se traduzem em instabilidade e conflito

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sociais. Daqui até à eclosão de novos fundamentalismos e ou à agudização dos já existentes basta apenas, e tão só, de um pequeno passo.E de pouco adianta a manipulação dos factos e a propaganda difundida através dos meios de comunicação social, num tempo em que o movimento de globalização assente no desenvolvimento da tecnologia assegura aos mo-vimentos contestatários, embriões adicionais de tendências fundamentalistas, os meios de que aqueles necessitam para se fazerem ouvir e procurar de-nunciar as irregularidades detectadas no e protagonizadas pelo mainstream.Resta saber se o tittytainment deixou ainda alguma margem para pensamento livre ou se apenas resta o stock para take away…O exercício de reflexão, argumentação e análise aqui apresentado permitiu, a nosso ver, chegar a algumas outras conclusões relativamente aos EUA:

1. Assistiu-se ao reforço da sua economia, através da implementação de um sistema económico baseado numa economia de guerra (que se mantém até ao momento actual),

2. Foi assegurado o reforço da unidade do povo americano (com excepção dos muçulmanos que passaram a ser olhados com desconfiança e hos-tilizados, em todo o lado),

3. Foi invocada e apresentada uma justificação para uma nova corrida ao armamento (que se mantém até hoje),

4. Justificou-se a necessidade de proceder a uma reestruturação quer das Forças Armadas, quer das agências de intelligence quer, ainda, de um reforço orçamental na área da defesa (pelo menos imediatamente após os acontecimentos do 11 de Setembro),

5. Os EUA puderam assegurar a sua presença real no Afeganistão, con-dicionando quer a sua política, quer a economia; ao mesmo tempo que se apresentam como os “salvadores” perante aqueles que estavam “subjugados” aos Talibans (situação agora potenciada, pelo menos em termos formais, tendo em consideração o recente anúncio da morte de Osama Bin-Laden),

6. Foi encontrada a legitimação necessária para “perseguir”, em nome de um interesse global, todos os países e actores que por uma razão ou por outra não têm sido “bons discípulos” dos ensinamentos ocidentais, leia-se: norte-americanos,

7. A justificação necessária para a “democratização” do Iraque, pela força disfarçada de eleições democráticas, ou seja: o controlo da água no Médio Oriente (condicionando, inclusive, Israel à “boa vontade” dos vizinhos “iraquianos”), do petróleo, e o usufruto de uma posição geoestratégica

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vital para o lançamento de mísseis para qualquer ponto do mundo a partir da maior base norte-americana fora do território dos EUA,

8. A necessidade de controlo real no terreno, o que é fundamental do ponto de vista geopolítico e geoestratégico porque está prevista a passagem de importantes gasodutos e pipelines precisamente naquela zona do globo,

9. A razão para a criação de condições vantajosas para a concorrência com a Rússia (CEI) pelo controlo de recursos energéticos fundamentais numa zona de tradicional influência e interesse geoestratégico vital daquela,

10. O desenvolvimento de sistemas de vigilância cada vez mais complexos à escala global, capazes de assegurar um significativo controlo da in-formação à escala planetária e que, coadjuvados pelo controlo de 95% da informação “manipulada” pelas agências noticiosas internacionais, contribui para uma posição bastante confortável daquele país face aos seus pares na cena política internacional,

11. Preparar uma divergência no eixo do seu posicionamento face ao con-tinente europeu em geral e à UE em particular, podendo trazer con-sequências inquietantes, em domínios sensiveis como a Defesa (POP, 2011) numa organização mergulhada numa profunda crise financeira e económica que tem conduzido a uma politica efectiva de sucessivos desinvestimentos no sector,

12. Fundamentar uma reorientação da sua Política Externa para o Pacífico, tendo em vista uma estratégia de “aproximação” à China,

13. Efectuar uma reavaliação das suas áreas de acção prioritárias, bem como os alvos da sua política de “cooperação” e de “ajuda pública ao desenvolvimento”, agora alinhados com a Ásia e com África, bem como com a América do Sul.

Assim, mais uma vez, e numa atitude que vai ao encontro daquela a que já nos têm habituado, os Estados Unidos preparam-se para permanecer acima do resto do mundo, pairando sobre ele, como que um olho que tudo vê e uma mão invisível pronta a actuar quando menos se espera. E neste senti-do, não há dúvida de que o terrorismo de Estado continuará a pressupor a existência de Estados e actores “párias” que coexistirão com os restantes elementos inerentes à existência de cada Estado individualmente conside-rado bem como de outros poderes erráticos (Moreira, 1999) que, sem rosto e sem origem definida, são coadjuvantes fundamentais para a construção e manutenção da Nova Ordem Global (Chomsky, 1984, 2002), continuamente assente no segredo e na sua gestão, na medida em que aquele nunca deixou de ser “a alma do negócio”.

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E enquanto se “esquecerem” que a responsabilidade por um mundo melhor é comum a todos os que nele habitam, porque todos o partilham, não fará sentido REAL esperar qualquer tipo de eficácia, em qualquer tipo de acção que se desenvolva, quer se trate de luta contra o terrorismo ou de outra natureza.E fundamentalmente, os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 deram o mote para a criação de uma Nova Ordem Global Contemporânea, assente na produção e promoção de uma significativa panóplia de [novos] fundamentalismos contemporâneos, de que a Globalização política parece ser, pelo menos aparen-temente, o maior dos seus “motores” de arranque mas também, sujeito/actor.

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ProElium – rEvista CiEntífiCa da aCadEmia militar

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direito e pedAGoGiA. um brevíssimo exCurso

José Filipe Valério de Carvalho de Castro (*)

Alferes de Infantaria (GNR) (Mestre)

(*) Mestre em Ciências Militares na Especialidade de Segurança, pela Academia Militar. Comandante do PIPS de Vale de Cambra /6ª CIPS/GIPS/UI/GNR.

1 O artigo que aqui se apresenta constitui uma adaptação do Trabalho de Investigação Aplicada, realizado no âmbito do Mestrado Integrado em Ciências Militares - Especialidade de Segurança (GNR), orientado pela Prof.ª Doutora Ana Romão e co-orientado pela Tenente de Infantaria (GNR) Ana Ribeiro.

ABSTRACT

Domestic Violence presents itself as an essentially cultural issue, which has been perpetuating through time. The great exposure and the social visibility it has been reaching are not the solution to stop the practice of this crime. We have been witnessing a huge growth of violence inside intimate loving relationships, which end more and more frequently in homicides followed by suicides. This serious problem is not restricted to one victim only but it has also spread throughout the victim’s social environment, independently from whom the victim is.

This violence knows neither geographical boundaries nor is it confined to a determinate social class. In view of this complex reality, the main priority has been to guarantee the victim’s safety. However it is also peremptory to acknowledge the conjugal aggressor, as well as to develop measures which might contribute to diminish the recurrence of this crime. Unquestionably, the GNR has a preponderant role in the control of this outrage.

Although the crime happens mainly in the privacy of people’s homes, it is possible to develop mechanisms which might make the information linked to recurrence possible. The learning the Security Forces were provided with does not comprise matters related to conjugal aggressors and the articulation with the civil entities, in relation to this theme, must be more rapidly efficient. The

o pApel dA Gnr no CombAte à violênCiA doméstiCA - o ACompA-nhAmento dos AGressores ConjuGAis, Com vistA à

prevenção dA reinCidênCiA do Crime 1

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GNR does need a huge cooperation with the several different social sections so that it might struggle against this outrage since we are in the presence of a crime which emanates from the very society.

Keywords: Domestic Violence; Conjugal Aggressor; Recurrence; GNR.

RESUMO

A Violência Doméstica traduz-se numa questão com fortes raízes culturais, que se tem perpetuado ao longo dos tempos. A grande exposição e visibilidade social que tem vindo a obter não são a solução para o impedimento da prática deste crime. Temos assistido a um assustador escalar de violência nas relações de intimidade, que terminam, cada vez mais frequentemente, em homicídios seguidos de suicídios. Esta problemática já não se cinge a uma só vítima, tendo-se expandido ao meio social desta, independentemente de quem ela seja.

Esta violência não conhece fronteiras geográficas, nem se restringe a de-terminada classe social. Face a esta realidade de natureza complexa, garantir a segurança da vítima tem constituído, justificadamente, a principal prioridade. Todavia, é também imperativa a necessidade de conhecer o agressor conjugal, bem como desenvolver medidas que contribuam para a diminuição da reincidên-cia deste crime. Para o controlo deste flagelo, a Guarda Nacional Republicana possui, indiscutivelmente, um papel preponderante.

Apesar de o crime ocorrer, maioritariamente, num domínio privado, é possível desenvolver mecanismos que possibilitem a obtenção de informações relativas à reincidência. A formação dada aos Militares não comporta matérias relativas aos agressores conjugais e a articulação com as entidades civis, re-lativamente a esta temática, deve ser agilizada. A GNR, de forma a combater este flagelo, necessita de uma vasta cooperação com os vários sectores sociais, pois estamos perante um crime que emana da própria sociedade.

Palavras-Chave: Violência Doméstica; Agressor Conjugal; Reincidência; Guarda Nacional Republicana.

1. CONTEXTO ACTUAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA SOCIEDADE

“Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessário, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha”.

Maquiavel

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Para que um crime seja classificado como tal, importa que, antes de cumprir qualquer tipificação legal, cumpra com o simples facto de não ser aceite pela sociedade. Isto porque, acima de tudo, um crime representa uma acção não tolerável, que se traduz num comportamento desviante e que, evidentemente, nasce da própria sociedade. Seguindo esta linha de raciocínio, compreende-se que à medida que evoluem os tempos, surgem alterações na sociedade, naquilo que ela emana, naquilo que ela condena.O crime de Violência Doméstica, previsto no artigo 152º do Código Penal, tem sofrido alterações quanto à sua interpretação social. A violência qualifica-se de acordo com as normas existentes em cada contexto social. Dado o facto de que tais normas são avaliadas em determinados momentos sociais, e tendo em conta que estamos perante um processo de construção social em permanente mudança, a violência é entendida como uma transgressão a essas normas e valores, nesse mesmo momento social. A violência, tal como o crime, devem pois ser entendidos no quadro das referências em que são produzidos (Idem: 31). Cada sociedade, ao possuir a sua própria cultura e os seus próprios critérios, tem que possuir necessariamente a sua própria violência. A violência constitui-se assim como um mito eterno, falando-se dela em cada período como sendo a pior de todas. Actualmente, mais importante do que falar acerca da violência, é falar acerca da consciência que dela se tem (Pais, 1998: 33). Através destas leituras, é possível assumir como verdadeiro o facto de se viver numa sociedade com perca de identi-dade ao nível dos mecanismos perceptivo-cognitivos, afectivo-emocionais e sócio-culturais que regem a dinâmica das relações grupais comunitárias, familiares e individuais.No actual contexto social e familiar, percepciona-se que a detenção do poder e o modo de repartição das tarefas representam dois domínios de grande tensão na família moderna. A família constitui um verdadeiro paradigma, uma vez que representa um espaço privado e, ao mesmo tempo, um espa-ço onde o individualismo encontra um domínio preferencial de expressão. Assiste-se pois, à transformação da família numa “arena de violência”, onde coabitam a afectividade e a crueldade, bem como as relações gratificantes e vingativas. Este facto é o grande responsável pela tendência em se ignorar a violência doméstica, não a condenando enquanto prática presente. Cada vez mais se admite que o lar constitui um lugar perigoso. Cada vez mais se tem conhecimento que muitos crimes violentos acontecem no seio familiar. O agressor e a vítima conhecem-se, mantendo uma relação íntima. O conflito parece inevitável, atingindo proporções violentas e não se chegando a so-

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luções mais simples. Esta ambivalência permite-nos desconstruir o mito de que a família moderna não é violenta. Naquele que deveria ser um espaço de intimidade, de afectividade, de autenticidade e de solidariedade, surgem relações de opressão, de obrigação e de egoísmo. Tudo isto significa que ao lado da imagem ideal de “família-refúgio” temos que considerar a imagem, também realista, da “família que mata” (Dias, 2004:48).Seguindo esta análise, compreende-se a importância de um estudo e co-nhecimento alargados sobre este problema. Torna-se possível encontrar um mesmo entendimento na explicação apresentada por Elza Pais (1998), ao afirmar que são vários os estudos que apontam a família como o local onde existe maior violência. Vinte e cinco por cento da criminalidade denunciada ocorre no seio da família. Esta percentagem representa as violências mais atrozes, dado o facto de muita mais violência existir. A que resta mantém-se no anonimato, não entrando assim para a contabilização das denúncias (Pais, 1998:22).Apesar de todas as alterações ao nível do contexto social, as agressões conjugais têm-se mantido presentes ao longo dos tempos. Não se trata, portanto, de um fenómeno recente, o que ocorre é um aumento da sua visibilidade. As transformações contemporâneas da família, nomeadamente a participação da mulher em actividades profissionais fora do contexto da casa, bem como a difusão de modelos simétricos assentes na partilha e indiferenciação de funções, leva a que muitas mulheres tenham deixado de considerar normais situações de diferença que eram sobretudo situa-ções de desigualdade e de opressão. Trata-se de uma violência que tem assumido um “lugar secreto” na conjugalidade, mantendo-se ainda muito oculta, não só devido à pressão social para a não denúncia, como também a imperativos de ordem sócio-cultural e emocional. Os cônjuges fogem à sua publicitação, optando pela preservação do casamento (Idem:70). Salienta-se o facto de que as vítimas têm muita dificuldade em denunciar o agressor. Os valores sócio-culturais que veiculam um casamento para a vida dificultam a opção da ruptura conjugal, levando a que a vítima não pretenda ocupar um lugar de grande vulnerabilidade social. Estas dificuldades, sentidas pela vítima, surgem em paralelo com os períodos de violência no casal. A violência não ocorre de uma forma linear, mas sim em ciclos, que vão da cena de violência, ao arrependimento do ma-rido, até ao apaziguamento/pacificação. Estes ciclos de violência podem prolongar-se por vários anos, levando inclusivamente a um desfecho de violência extrema (Idem:72).

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2. CAUSAS SOCIAIS/FACTORES DE RISCO

Após a descrição do actual contexto social, potenciador, por um lado das agressões em contexto familiar e, por outro lado da necessidade de tornar mais visível esta problemática, torna-se agora pertinente abordar quais os factores de risco que contribuem para o surgimento das agressões.Recorrendo a um estudo de Gelles (1997, cit in Dias, 2004:131) existe um conjunto de factores individuais, demográficos, relacionais e situacionais ligados à violência contra as mulheres. Os homens que agridem as mulheres possuem um conjunto de características individuais que estão relacionadas com comportamentos violentos. Destas características salientam-se a fraca auto-estima, o sentimento de ciúme, possessão e dependência. Importa pois, identificar as características individuais que estão na base destas reacções violentas. Relativamente aos factores económicos, estes também são mere-cedores de análise. A violência conjugal ocorre com mais frequência nas famílias com baixos rendimentos, apesar de também existir nas famílias com elevado estatuto económico. O aspecto que difere nestas duas realidades é o facto de que, nas famílias com elevados rendimentos, o crime se mantém em segredo. Quando abordamos o factor do desemprego, em especial do homem, que deixa de cumprir com a sua função socialmente mais esperada, assistimos a um aumento da taxa de ocorrência de violência no casal.Deste modo, convém ressalvar que não nos devemos cingir exclusivamente às características dos indivíduos, existindo aspectos estruturais do casamento e da vida familiar que não devem ser descurados. De acordo com O’Brien (1971, cit in Dias, 2004:131), nos homens com estatutos educacional e ocupacional mais baixos do que as mulheres é expectável que haja uma maior tendência para assumir comportamentos agressivos. Em conclusão a esta análise, podemos afirmar que nos lares onde existe um maior equilíbrio, bem como partilha de decisões, não existem tantos níveis de violência.As tendências que temos vindo a referir são confirmadas pelos elementos extraídos da Base de Dados de Violência Doméstica da Direcção Geral da Administração Interna, para a realidade nacional. Relativamente aos factores de risco, concluímos que cerca de 32% das situações de violência foram desencadeadas por um estado alterado do/a denunciado/a devido ao consumo de álcool ou drogas (não legais); em 16% das situações foram questões monetárias/bens/desemprego; em 15% foram respostas do/a denunciado/a a uma situação de ameaça de abandono ou abandono; em 11% foram questões relativas a ciúme/desconfianças da parte do/a denunciado/a em relação à ví-

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tima ou controlo (ou tentativa de controlo) dos “movimentos” da vítima; em 25% dos casos as situações foram desencadeadas por aparentes “pormenores” ligados à rotina diária, à custódia/educação de menores ou relacionados com comportamentos agressivos/violentos por parte do/a denunciado/a devido a doença do foro psicológico e, em apenas 0,5% dos casos, a violência foi desencadeada devido ao/à denunciado/a ter-se apercebido que a vítima denunciou a situação a alguma autoridade policial ou a familiares/amigos (MAI, 2009:59).

3. PERFIL DO AGRESSOR

“Não fazemos o que queremos e, no entanto,somos responsáveis pelo que somos.”

Jean Paul Satre

Em complemento ao que foi anteriormente dito, aborda-se agora o perfil do agressor. Para que a Guarda Nacional Republicana possa, de facto, prevenir o surgimento deste crime ou, acompanhar uma situação referenciada, de for-ma a evitar uma reincidência, importa que haja um conhecimento alargado sobre os actores intervenientes. Salienta-se o contributo de Elza Pais (1998) para compreender não só o perfil do agressor, como também as diversas formas como este se pode manifestar. Relativamente à violência familiar, fala-se sobretudo da violência exercida por parte do homem sobre a mulher. No entanto, em cenário de extrema violência física (homicídio) a mulher adopta o papel de protagonista deste tipo de violência. Ou seja, aquela que foi, durante um longo período de tempo, a vítima, passa para o papel de agressora, como forma de pôr termo à situação em que vivia (Pais, 1998:80). De facto as mulheres têm-se constituído mais como vítimas do que como autoras, e quando cometem um homicídio, fazem-no quase exclusivamente no contexto da família e da conjugalidade. O homicídio conjugal representa 15,1% do homicídio em geral e mais de metade das mulheres homicidas (26 em 43), a cumprir pena de prisão em 1994, cometeram o crime no quadro da conjugalidade. Esta proporção diminui para 13% (125 em 952) no caso dos homens (Pais, 1998: 95). Analisando o factor da idade, importa referir que até aos 31 anos o homicídio conjugal apresenta valores inferiores à percentagem global (15,1%), assistindo-se a um aumento destes valores à medida que aumenta a idade. Em concreto, no grupo dos 41-50 anos, a proporção de homicidas

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conjugais aproxima-se da dos homicidas em geral. Verifica-se que as maiores percentagens aparecem nos grupos etários dos 25-39 anos e 40-59 anos, com 35,6% e 45% respectivamente, diminuindo a partir dessa idade para 13,4%, no grupo com 60 anos e mais. O grupo etário que apresenta valores mais baixos é o dos 19-24 anos com apenas 6% (Idem:96).À semelhança do que foi anteriormente dito, o antigo Inspector da Polícia Judiciária, José Barra da Costa (2007:201), aponta características comuns no perfil do homem violento: O alcoolismo (álcool não só como circunstância, mas como hábito); o desemprego (nível ocupacional reduzido); auto-estima baixa (a culpa nunca é dele); experiência com maus tratos; depressão; pro-gressão da violência (a agressividade vai aumentando gradualmente, ao ponto da violência, ao atingir o limiar físico, se juntar à violência psicológica); e precocidade. Contudo, em termos científicos, a construção de um perfil para agressores exige mais do que uma matriz dicotómica baseada no homem dominante e no homem dependente. O primeiro é, normalmente, considerado como portador de um espírito ciumento, embora estabeleça, com frequência, contactos com as autoridades, desejando que a mulher se disponha a lhe obedecer. O segundo, pelo contrário, evita os contactos com o sistema de justiça, embora chegue e desenvolver uma relação muito íntima com a mulher. Assim sendo, de forma a obter um melhor esclarecimento acerca do perfil em função da agressividade humana e da agressividade de tipo continuado, segue uma classificação com base num estudo de Berkowitz (cit in Costa, 2007:201):

• aceitação e relação familiar - facilita ao maltratador a possibilidade de exercer violência internamente;

• normas sociais e status - permitem compreender a influência das circuns-tâncias externas sobre o agressor;

• disposições pessoais - características da personalidade: agressividade, auto-estima, capacidades que possibilitam a aparição de actos violentos;

• desencadeadores da agressão - factores contextuais que favorecem a aparição de um acto violento.

No caso específico dos agressores domésticos, e de entre o numeroso leque de classificações, propõe-se a análise à divisão tripartida proposta por Dutton (cit in Costa, 2007:201), que é a que mais serve os nossos propósitos de argumentação:

• o maltratador psicopático – caracteriza-se por um padrão extremo de desconsideração face às normas sociais; não sente remorsos pelas suas condutas; não está consciente de violar qualquer norma de conduta; carece

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de capacidade para imaginar o medo que outra pessoa experimenta diante da violência que provoca; tudo junto, impossibilita que possa aprender com os erros cometidos e a sua violência, controlada, continua a servir um único objectivo: controlar e dominar a vítima;

• o agressor hipercontrolado – parece distante em termos de sentimentos; apresenta um perfil de evitamento e agressão passiva em resultado da acumulação de frustrações em situações exteriores; são conhecidos dois tipos: o activo, fanático do controlo, que estende a todos os demais a sua necessidade de dominância extrema, e o passivo, que se limita a distanciar-se emocional e fisicamente da mulher;

• o agressor emocionalmente instável – tem uma acentuada incapacidade para descrever os seus sentimentos; procura uma mulher que possa dominar, sobretudo em termos de distância emocional na relação; por esta razão, é violento com a mulher e pára a agressão apenas quando descarrega grandes quantidades de ira que foi acumulando; caracteriza-se, também, por usar ataques verbais perversos e passar por estados de ânimo cíclicos.

Quanto aos mecanismos de defesa utilizados pelos agressores conjugais, salientamos os principais:

• Racionalização (mentem como se a sua conduta fosse aceitável).• Negação (negam conscientemente a existência de abuso, ocultando os

factos).• Justificação (afirmam comportar-se violentamente com a mulher porque

nenhum outro homem seria capaz de aguentar o que eles passam).• Repressão (os actos violentos acontecem em consequência de acções in-

conscientes que não conseguem reprimir).• Minimização (engendram mecanismos que os distanciam do dano causado,

pois a mulher tem tendência para exagerar a agressão; quando há sinais visíveis de agressão física, argumentam que não pretendiam causar aquele dano).

4. AVALIAÇÃO DE RISCO

Para que a Guarda Nacional Republicana, como força de intervenção de primeira linha, possa acompanhar uma situação referenciada e, desta forma, evitar uma reincidência, é importante que se obtenham conhecimentos acerca de como efectuar uma correcta avaliação de risco da situação em causa, tendo por base vários factores.

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4.1. Factores de risco em situações de agressão conjugal

Uma diversidade de trabalhos desenvolvidos durante as duas últimas décadas dedicou-se a estudar os factores que podem ajudar a identificar um homem potencialmente maltratante. Assim, para Strauss (1980, cit in Matos, 2003:97) a violência na família de origem pode assumir-se como um factor de risco proeminente para se ser violento na conjugalidade.Contudo, e apesar da violência conjugal ser transversal a todos os ní-veis sócio-económicos, são vários os estudos que mostram uma maior preponderância entre homens de níveis educacionais e económicos mais baixos. Todavia, essa violência não é exclusiva de tais estratos, podendo, no entanto, ser mais abundante e conferida de maior visibilidade. O simples facto de a mulher sustentar um estatuto económico e educa-cional superior ao do parceiro, como antes se referiu, pode igualmente constituir um factor de risco. Deste modo, as incompatibilidades entre os cônjuges, nas quais a mulher assume uma posição privilegiada, podem constituir-se também como factores de risco para a violência. No entanto, quando o marido possui um estatuto superior, a violência pode ser lida como mecanismo de manutenção do domínio e controlo. Outros factores existem, tais como o consumo habitual e excessivo de álcool ou o uso de drogas, que constituem uma característica comum aos agressores conjugais. Nos estudos evidenciados por Kantor e Jasinski (1998, cit in Matos, 2003:97) existem, ainda, factores de risco como as normas patriarcais, as desigualdades de género, o poder diferencial na relação, a aprovação normativa da violência ou a legitimação de certas formas de interac-ção. O risco de violência aumenta em momentos interpretados pelo maltratante como desafios da mulher às suas prescrições de autoridade e poder. Assim, pode-se considerar que existe um risco significativo de violência grave quando o maltratante é agressivo tanto dentro de casa como no espaço exterior (Matos, 2003:97).

4.2. Previsão da reincidência nos maus tratos conjugais

Em termos literários, não é muita a diferença entre factores de risco para uma ocorrência singular e factores de risco para maus-tratos con-tinuados. A diferença mais saliente consiste no facto dos maltratantes reincidentes conceberem, em menor grau, as medidas repressivas, tais como a prisão e a condenação social, como consequências severas. A

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própria experiência encarrega-se de ensinar este facto aos agressores.A maioria dos investigadores, nomeadamente Pagelow, Mihalic e Menard (1981 e 1994, cit in Matos, 2003:97) concorda que os maus-tratos, para além de assumirem padrões de reincidência, aumentam em intensidade e frequência com o decorrer do tempo. De igual modo, com o decorrer do tempo, aumenta a probabilidade das agressões ocorrerem em espaços públicos. Outro factor pertinente para a criação de um risco significativo de reincidência é o momento de saída da mulher da relação abusiva. Nesse momento, as mulheres podem ser maltratadas pelos anteriores parceiros. Por outro lado, quando os homens violentos saem duma relação, voltam a maltratar novas parceiras (Idem:97). Em suma, a reincidência nos maus-tratos pode, de certo modo, ser prevista e antecipada a partir do momento em que se exploram questões relacionadas com a avaliação de risco. Contudo, importa referir que, para que se faça uma prevenção da reincidência, não se devem cen-trar as atenções na vítima, pois esta apenas pode ser ajudada sobre o modo mais adequado de reagir, no momento de instalação da violência (Matos, 2003:97).

4.3. O risco de homícidio conjugal“Contrariamente a algumas vozes que, levianamente, afirmam que o que está em causa é as jovens ou as mulheres saberem dizer não e recusarem este tipo de relações, os dados do Observatório mostram que jovens e menos jovens são brutalmente assassinadas, mesmo quando se distanciaram, recusaram, pediram o divórcio, separação, face aos seus parceiros nas relações de intimidade.”

UMAR

Em Portugal, segundo Elza Pais (1998, cit in Matos, 2003:97), mais de metade das mulheres que cometeram homicídio mataram para pôr fim aos maus-tratos conjugais. Relativamente ao homicídio da mulher pelo parceiro maltratante, aparecem aspectos comuns, que devem ser analisados. Entre outros, salientam-se as armas de fogo em domicílios sinalizados, o uso de armas e agressões severas em incidentes anteriores, ameaças de morte, isolamento do maltratante, depressão, o consumo de drogas e álcool. No homicídio feminino, e de acordo com Browe (1987, cit in Matos, 2003: 97), o risco de homicídio conjugal está presente quando constatamos a frequência de incidentes violentos, a severidade dos ferimentos, as ameaças de morte do maltratante, uso de drogas pelo maltratante, estado de intoxicação frequente, tentativas de suicídio da mulher e, por fim, actos sexuais forçados com a vítima.

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Em síntese, avaliar o risco envolvido nas relações conjugais deveria ser um procedimento inerente a qualquer avaliação do sistema de justiça, a fim de se determinarem decisões acerca da privação de liberdade do maltratante e respectivas medidas de protecção imediata da vítima (Matos, 2003: 97).

5. MEDIDAS DE PREVENÇÃO

“Segurança é tudo aquilo que faz a diferença entre a liberdade e a anarquia”

Armando Carlos Alves

Após a descrição dos factores de risco e do perfil do agressor conjugal, e para que uma avaliação de risco surta o seu efeito, é necessário adoptar as correctas medidas de prevenção, que possibilitem a diminuição do risco de reincidência.Desta forma, coloca-se a principal questão respeitante à correcção do com-portamento destes homens. Muitos investigadores e profissionais acreditam que a violência é um comportamento socialmente aprendido, razão pela qual também pode ser reeducado. Importa reter o facto de que ninguém nasce violento, apesar do impulso agressivo fazer parte da natureza humana. Im-porta, igualmente, construir as mentalidades, de forma a ter consciência de que a violência é inaceitável, tanto ao nível dos adultos como ao nível das crianças e jovens. A violência é um comportamento aprendido nos processos sociais entre pessoas, instituições e sociedades, pelo que também pode ser desaprendida (Costa, 2007:191).Torna-se essencial que estes homens tenham vontade efectiva de (re) apren-derem comportamentos não violentos. Segundo refere Pagelow (1984, cit in Dias, 2004:126), o primeiro passo no processo de mudança passa pelo homem assumir a responsabilidade pelo seu comportamento, parando de o minimizar, projectar ou negar. Apesar de existirem casos, nos quais os homens mudam de comportamento, as estimativas actuais mostram que 9 em cada 10 agressores não acreditam na necessidade de pôr fim ao seu comportamento abusivo. Quanto menor for o período de tempo no qual se desenvolvem os comportamentos violentos, maior será a probabilidade de mudança (Dias, 2004:126). Assim sendo, pode-se concluir que uma das formas de prevenção de vio-lência doméstica consiste em fazer com que o agressor tome a percepção do controlo social exercido nas relações familiares, bem como os custos decorrentes dessa violência. Nos últimos cinco anos, as Forças e Serviços

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de Segurança têm realizado um esforço para que haja uma maior e melhor compreensão acerca desta problemática. Tem sido, igualmente, relevado o papel da vítima e a sua importância em todo o processo criminal e do inquérito, bem como os apoios disponíveis aquando a chegada ao local. Para que estas medidas de prevenção sejam continuamente desenvolvidas, é importante que haja uma adopção sistemática de uma actuação policial orientada para a resolução de problemas, no contexto de cada comunidade local. É necessário que se desenvolvam parcerias entre as polícias, as vítimas de crimes e as diversas entidades. O reforço destas parcerias passa, necessa-riamente, pelo conhecimento das experiências das vítimas e da importância de uma resposta que traduza uma verdadeira ajuda (Antunes, 2003:50).

6. TRABALHO DE CAMPO

Durante a realização do Trabalho de Investigação Aplicada, foram reco-lhidos contributos dos vários entrevistados para três grupos, em análise, respeitantes à intervenção da Guarda no acompanhamento dos agressores conjugais. O universo de análise é composto por Militares que estão intima-mente relacionados com esta problemática, ao nível da Chefia da Direcção de Investigação Criminal, da Chefia das Secções de Investigação Criminal, dos Comandos de Destacamentos Territoriais e das Chefias dos Núcleos de Investigação e de Apoio a Vítimas Específicas, nos Comandos Territoriais de Lisboa e Vila Real.Relativamente ao primeiro grupo de questões, no qual se analisam os pro-cedimentos e formas de actuação da GNR, com vista à prevenção da reinci-dência, devem ser referidos vários aspectos. No que diz respeito à exclusiva actuação da Guarda, conclui-se que esta deve ser adaptada à realidade do meio, existindo a necessidade de conhecer todas as vivências de quem o habita. Neste aspecto, a Guarda deve desenvolver um policiamento de pro-ximidade que esteja orientado para a criação de um elo de confiança com a população, que permita um tratamento das mentalidades e o incentivo à denúncia. O crime de violência doméstica, por ter uma grande componente cultural, obriga a que se procure a solução nessa mesma componente. A população deve criar um sentimento de não aceitação destes comportamen-tos e entender que a denúncia é a resposta para a cessação da violência. A Guarda obtém esta vantagem recorrendo à colocação, por um maior período de tempo, de um Militar num determinado Posto Territorial. No que tange à recepção de uma denúncia, impõe-se que haja uma elevada preocupação em fazer uma correcta e exaustiva descrição dos factos. Na fase

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da denúncia, que representa na maior parte das situações uma reincidência, existem pormenores que devem ser conhecidos, uma vez que permitem avaliar a gravidade de uma situação e dar uma maior sustentabilidade do Processo, perante o Ministério Público. A Guarda deve ter a preocupação de efectuar uma boa avaliação de risco, nunca descurando o facto de que o agressor tem tendência para agravar as agressões após a denúncia da vítima. Na articulação com o Ministério Público, a Guarda deve recorrer a todos os dados obtidos através do policiamento de proximidade e da boa avaliação do risco de reincidência, para dar sustento ao desencadeamento de medidas de coacção proporcionais ao risco existente.Tem-se assistido a um escalar de violência em situações nas quais a vítima foi encaminhada para um local distante do agressor. O abandono da resi-dência, por parte da vítima, não é solução. O afastamento do agressor deve ser um importante aspecto a ter em conta pelo legislador, pois o número de homicídios em situações nas quais a vítima já se tinha divorciado e iniciado uma nova relação é alarmante. Ainda respeitante aos procedimentos adoptados pela GNR, deve ser referido que uma situação de violência doméstica repre-senta, para o Militar da Guarda, um cenário de elevado risco. Os Militares devem, aquando as formações ministradas, ser alertados para o cenário de enorme instabilidade emocional, elevada agressividade e eventual presença de armas de fogo, onde irão intervir. À semelhança das vítimas, também o elemento das Forças de Segurança é um alvo do agressor conjugal. O facto de se tratar de uma discussão familiar não pode levar a que um Militar altere o seu comportamento, pois a probabilidade de haver um atentado contra a sua integridade física é tão ou mais elevada do que quando intervém num cenário de roubo ou sequestro. Os acontecimentos recentes são prova disso, cabendo aos Comandantes fazer este alerta.Relativamente ao segundo grupo de questões, onde é tratada a formação ministrada aos Militares, com vista ao combate deste crime, é preocupante e ao mesmo tempo compreensível a grande lacuna que se faz sentir. Tratando-se de um universo onde não são desenvolvidos estudos que levem à melhor percepção desta problemática, é natural que isso se reflicta nas posteriores formações ministradas aos vários organismos, nos quais a GNR se engloba. Os elementos do NIAVE deveriam possuir uma formação mais específica e detalhada, que lhes permitisse obter uma percepção diferente do agressor conjugal, pois isso iria reflectir-se nos mecanismos desenvolvidos para a protecção da vítima. Importa que se faça referência ao reduzido efectivo dos vários NIAVE´s existentes no plano nacional, uma vez que isso se tra-duz numa incapacidade em tratar todos os Processos existentes. A Guarda,

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face a esta lacuna, tem atribuído ao NIAVE os Processos mais complexos, merecedores de uma maior atenção. No entanto, em virtude de o dispositivo territorial tratar dos restantes Processos, leva a que, pela falta de conheci-mentos especializados, se possa incorrer numa avaliação de risco deficitária, tal como foi referido anteriormente. Por vezes, o dispositivo territorial está perante uma situação de elevada perigosidade, que se apresenta camuflada e que nunca chega a obter uma avaliação do NIAVE. De todos os Processos de agressão conjugal, apenas um número extremamente reduzido estava avocado ao NIAVE. Importa que haja uma maior agilização das potencialidades do NIAVE, que apenas se consegue com o aumento de efectivo e o aumento de conhecimentos específicos nesta matéria. A boa actuação que a Guarda tem desenvolvido é resultante de toda a experiência profissional e de todo o bom senso dos profissionais existentes.Analisando o terceiro grupo de questões, relativo à articulação com entida-des civis, de forma a combater esta criminalidade, é possível afirmar que é necessário desenvolver melhores mecanismos de cooperação. A primeira dificuldade sentida prende-se com o facto de existir um número muito re-duzido de entidades que se dediquem, exclusivamente, ao acompanhamento do agressor conjugal. Neste âmbito dos agressores, existem parcerias com entidades académicas, como o caso da Universidade do Minho, que pres-tam o seu contributo ao dotar a Guarda com conhecimentos específicos. No tocante ao encaminhamento, para posterior tratamento dos agressores, salienta-se o facto de este crime ocorrer, maioritariamente, fora do horário de expediente. Apesar de toda a disponibilidade manifestada pelas várias associações, pela análise dos resultados obtidos, constata-se que são sentidas muitas dificuldades nesta agilização de procedimentos. Esta abordagem não se relaciona com a exclusiva actuação da Guarda, no entanto, merece uma atenção pertinente, pois as dificuldades sentidas traduzem-se num aumento de insegurança para a própria vítima. Todas as preocupações que existem, ao nível destas associações, para encaminhamento da vítima, não produzem qualquer efeito para a segurança da mesma, pois não contribuem para com-preender e antever a fase do ciclo de violência doméstica, na qual determi-nado agressor conjugal se encontra. Ainda em relação a esta articulação, e com base nos resultados obtidos, importa referir que toda a sensibilização direccionada aos agressores conjugais deve ser desenvolvida pelas várias entidades civis. À Guarda e a todos os mecanismos legais, como forma de combate a este flagelo, cabe a missão de desenvolver uma conduta repressiva, capaz de inverter o sentimento de impunidade ostentado pelo agressor que

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assiste à contínua vitimização da pessoa submissa que, ao querer romper o silêncio, acaba por perder a vida.

7. CONCLUSÕES

A temática, de reconhecida importância para a Guarda Nacional Republica-na, assume uma presença preocupante na nossa sociedade. Foi intenção do autor desenvolver um conjunto de medidas e tratar eventuais lacunas que permitissem enfrentar a perigosidade do desconhecido e esquecido univer-so dos agressores conjugais. O primeiro grande desafio surgiu aquando a realização de pesquisas acerca desta problemática, pois tomou-se imediata-mente a percepção de que se tratava de um tema de rara abordagem. Com o consequente desenvolvimento da investigação, foi definida a orientação do estudo, incidindo em duas realidades culturais completamente distintas e tendo como amostragem os vários patamares de intervenção da GNR. Dado o facto de se tratar de uma questão iminentemente cultural, foi de todo pertinente ir ao encontro das diferenças culturais que a Guarda tem de enfrentar, de modo a poder definir uma linha de actuação padrão, capaz de dar resposta ao problema inicialmente colocado. A sociedade não pode limitar-se a entender e a proteger a vítima, porque ela é o resultado de um problema inicial que a própria sociedade não quer entender, porque se identifica demasiado com ele. O agressor conjugal deve ser estudado, compreendido e controlado. Caso contrário, iremos continuar a desenvolver medidas para as vítimas, à medida que se forem somando as agressões e as mortes.

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direito e pedAGoGiA. um brevíssimo exCurso

Fernando José Gautier Luso Soares (*)

Doutor em Direito

Maria de Guadalupe Carrasco de Melo Saião (**)

Professora

(*) Doutor em Direito. Docente na Academia Militar de Introdução ao Estudo do Direito I e II e de Direito Comunitário. Membro efectivo do CINAMIL – Centro de Investigação da Academia Militar.

(**) Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora dos En-sinos Básico e Secundário (na Reforma). Formadora de Cursos de Língua Inglesa. Orientadora de Estágio de Professores e Assessora no Centro de Formação de Professores de S. Sebastião (em Setúbal).

ABSTRACT

Law is a formative element of Mankind. It´s Culture and a civlilization factor. Meanwhile Pedagogy is important as an arranged incorporation of cul-tural benefits.

From a pedagogical point of view the attitude, predominant for a long time, of magister dixit is nowadays left behind, being truly that Law carries a remarkable educational contribution.

In order the pratical realization of legal system is extremely important the activity of a creative interpretation. It´s therein needed a conciliator synthesis of both systems: the opened one used for instance in the United Kingdom and in the USA, and the closed, in vigour in Portugal and in the european Continent in general.

Keywords: Law/Culture, Society, Pedagogy, Philosophy of Education, Teacher/Student, legal systems, legal methods, legal thought.

RESUMO

O Direito constitui um elemento formativo do Homem. É Cultura e factor de civilização. Por seu turno a Pedagogia releva enquanto incorporação ordena-

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da de bens culturais, sendo que a formação do Homem se vai consolidando, atento o seu entorno.

Do ponto de vista pedagógico a postura, por muito tempo dominante, do magister dixit encontra-se hoje ultrapassada, devendo não deixar de ter-se em linha de conta o facto de que o Direito aporta um considerável contributo educacional.

Com vista à realização prática do Direito importa de sobremaneira a acti-vidade de uma criativa interpretação jurídica. É, neste sentido, necessária uma síntese conciliadora dos dois sistemas jurídicos (aberto e fechado).

Palavras-chave: Direito/Cultura, Sociedade, Pedagogia, Filosofia da Educação, Professor/Aluno, sistemas jurídicos, métodos jurídicos, pensamento jurídico.

«Está, pues, claro que la legislación debe regular la educación y que ésta debe ser obra de la ciudad.

No debe dejarse en olvido cuál debe ser la educación y cómo se ha de educar.» (Aristóteles, Política, 1337a)

O Direito constitui um elemento formativo do Homem. Homem que é um Ser finito no tempo. Fazemos parte de uma cadeia geracional, e aquilo que somos é o resultado daquilo que foram os que nos antecederam, desde logo os nossos ascendentes.

Somos, como refere Vallet de Goytisolo, animais sociais e políticos, social e culturalmente unidos, sendo que nos relacionamos operacionalmente com os nossos contemporâneos (2004, p. 27). A Cultura que recebemos dos nossos antepassados é, a um tempo, alicerce e estrutura, que nos prepara para com os outros nos relacionarmos. É essencial do ponto de vista daquilo que somos enquanto pessoas que vivemos em sociedade.

O conceito alargado de cultura inclui assim, além das formas de compor-tamento, também o conjunto de valores, crenças e normas existentes, que são específicas de um determinado grupo social. Parece ser um facto que as várias sociedades humanas possuem patrimónios próprios, os quais vão transmitindo às gerações futuras e que funcionam como quadros de referência colectivos, sempre em evolução, permitindo estabelecer a chamada “identidade cultural” de uma sociedade. Do ponto de vista de uma teoria da “identidade cultural” o indivíduo é ensinado a pensar e a interagir com o seu semelhante no seio da comunidade que integra. A Cultura é, assim, simultaneamente um elemento mediador e um elemento diferenciador do diálogo intercultural. Sem ela eu não existiria, com ela eu sinto-me diferente do outro (Carvalho Guerra, 1997, p. 170-171).

Entretanto, há que não esquecer que o Direito é Cultura. Factor de civi-lização que nos impõe padrões de conduta, donde resulta nítido que ele não interessa por exclusivo aos juristas. Estes aprendem a movimentar-se no seio do ordenamento jurídico, mas o Direito interessa à sociedade em geral, na

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medida em que integra regras que para todos são imperativas, daí o falar-se na sua função de encaminhamento e modelação da sociedade.

Cumpre assim ter em conta a relação entre Pedagogia e Direito. Aquela – ao invés do que pretende Ferrater Mora (1986, p. 894), que a distingue da Filosofia da Educação, relegando-a tão-só para questões de método e de proce-dimento – releva enquanto incorporação ordenada de bens culturais, designada-mente o Direito, com vista à sua compreensão, e também à sua transformação, relacionando-se por conseguinte com a multiplicidade de questões que afectam a vida humana, enquanto vida em sociedade. A Pedagogia tem por intuito a educação da personalidade. Com razão se adverte que o êxito de um professor não depende simplesmente da pura instrução especializada dos seus discípulos, mas sim de “saber fazer de cada um uma personalidade”. Assim, como poderia desligar-se a Ciência do signo culturalista do nosso tempo?, questiona Sauer (1933, p. 130 e 287).

E o interessante é que o Direito é não só um bem cultural, mas também uma Ciência – concretamente uma Ciência do espírito (ou da Cultura) –, a qual contribui para o desenvolver do pensamento. Enquanto arte do bom e do justo, para cada relação jurídica permite procurar a fronteira entre o justo e o injusto. Permite-nos despertar e quedarmo-nos despertos para aquilo que é correcto e estimula no sentido de que nos mantenhamos no caminho do bem.

Resulta assim ser relevante a ideia acerca da natureza do indivíduo cultu-ralmente inserido e da sua relação com a comunidade. Reportando-se ao objecto da Ciência do Direito, objecto esse que é a conduta humana, considera Cabral de Moncada que esta está situada na região dos objectos culturais, sustentando que: se a Natureza se explica, a Cultura e o espírito compreendem-se (Cabral de Moncada, 1959, p. 396-397).

O Homem nasce e cresce no seio de uma determinada Cultura e, natural-mente, dela vai, ao largo do seu desenvolvimento, bebendo, conformando-se, ou não, com as regras das diversas ordens normativas (v. g. jurídica, moral, religiosa) que, ainda que em planos distintos, regem a sociedade.

A sua formação vai-se assim consolidando, atento o seu entorno. E se o sentimento do justo é algo de inato – isto é: independentemente da sua idade ou instrução ele é sensível ao certo e ao errado –, a verdade é que o conceito de justiça consubstancia algo de mais complexo que se prende com uma ins-trução que implica estudo e reflexão / reflexão e estudo.

Há, no sentido do que vem de referir-se, que contrariar uma postura que poderá parecer cómoda para docentes e discentes, mas que, na realidade, re-sulta por demais ultrapassada e sem dúvida que pedagogicamente redutora. A postura do magister dixit.

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A ilustrar esta nossa ideia aqui registamos as ainda actuais e significati-vas palavras que, a propósito de o finalismo e o a-finalismo do nosso sistema educativo, António Quadros, Filósofo e Académico, expressou há 55 anos com desassombro e extraordinária lucidez em Conferência proferida aos 02 de Março no Salão nobre da Faculdade de Direito de Lisboa. Com efeito, refere o Autor que «Ao estudar, o fim do aluno é hoje “passar o exame”, “ter o diploma” – e nada mais. Pretende o diploma porque o diploma dá acesso a posições social ou economicamente compensadoras. Daí a sua total obediência, para não dizer escravização, à ciência do professor, que pode ser falsa, incompleta, desactu-alizada, pervertida e burocratizada, mas que não constitui para o aluno mais do que “o obstáculo que é preciso transpôr”, sem análises nem afirmações de personalidade que estariam deslocadas. Por sua vez, o professor, uma vez ins-talado na sua posição liceal ou universitária, limita a sua acção ao ensino de um conjunto de conhecimentos especializados, sujeitando inteiramente o aluno, ou a uma preguiça que o impede de actualizar-se constantemente no seu ramo de saber, ou a uma incapacidade intelectual para transcender o “conhecimento do compêndio”, ou à específica direcção cultural do seu espírito, divergente e, até, antagónico da dos outros professores seus colegas». Com o que prosegue: «(...) observa-se que, ao longo da sua apendizagem, o aluno apenas estudou para os sucessivos exames com que pretenderam medir a sua memória (...)» (Quadros, 1956, p. 7, 87, 90-91).

Anos volvidos, Alte da Veiga sustenta que são inúmeros os docentes que analisam os problemas e valores veiculados através das diferentes provas dos alunos sendo que no Ensino Superior estes são vistos como meros sujeitos de uma classificação final, com o que falha o relacionamento pessoal, na medida em que temos então um aluno submisso, sempre sujeito a avaliações “objec-tivas”, que cada vez mais afastam os intervenientes no âmbito do processo educativo, reduzindo-os posteriormente a simples objecto de complexas fórmu-las matemáticas só possíveis porque se “materializou o espírito”, dando azo a consequências funestas, uma vez que se verifica uma desfocada preocupação pela justiça, deixando de discutir-se os pressupostos filosóficos, v. g. axiológi-cos e antropológicos em geral (Alte da Veiga, s/ data, p. 397). É, entretanto, bem recente a afirmação do também Filósofo e Académico José Gil, proferida em debate televisivo, segundo o qual «É preciso que o esforço do pensamento seja uma exigência da Universidade» (Gil, 2011) 1. Ora, por vezes, mais vale

1 No que se refere ao Jurídico – no âmbito universitário e incluso do ponto de vista discente – pensar o Direito constitui actividade intelectual que implica pensar o já pensado, sendo que tal se traduz em uma dinâmica criativa, a qual sem dúvida nos cumpre continuar a assegurar (Luso Soares, 1993, p. LXXIV, n. 17 e Luso Soares,2009, p. 23).

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uma tese incorrecta, mas inteligentemente sustentada do que um mero debitar de uma qualquer afirmação que o aluno apanhou sem se preocupar em sobre ela reflectir.

Do ponto de vista pedagógico, e necessariamente com implicações no plano da Ciência, embora possa não concordar-se com tudo, a verdade é que Bolonha aponta na boa direcção quando preconiza um cada vez maior incremento de uma postura activa por parte do aluno. O Ensino Superior Universitário implica-a, sob pena de o não ser.

Acresce que o Direito, numa perspectiva pedagógica, que aliás entendemos como dele incindível, aporta um considerável contributo educacional, e isto quer em termos práticos de vida quotidiana, quer em termos que chamaríamos de ginástica intelectual.

Os padrões de conduta que, atento o seu conteúdo axiológico, o Direito impõe, têm assim a ver com a nossa postura em termos de vida quotidiana, sendo que a pedagogia que resulta da aludida ginástica intelectual que o Direito implica, embora, em primeira linha, tenha a ver com a actividade dos diversos profissionais do Jurídico – v. g. professores de Direito, magistrados judiciais ou do ministério público, advogados, notários, conservadores do registo civil, predial ou automóvel, solicitadores –, reflecte-se sem dúvida naquele que é o quotidiano de todos nós.

Detenhamo-nos, contudo, um pouco mais no segundo destes dois referidos aspectos; isto é: aquele que implica o trabalho dos juristas, trabalho este que é (leia-se: deve reflectir-se) em prol da sociedade.

Para tanto, não podemos deixar de ter em consideração a existência de dois sistemas jurídicos com as suas especificidades próprias, isto sem embargo de ambos buscarem a Justiça e ambos reivindicarem um mesmo ascendente comum: o Direito romano.

Reportamo-nos ao sistema jurídico aberto, modelo decisionista de ín-dole casuista, e assim de procura do justo concreto, vigente, por exemplo, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e ao sistema jurídico fechado, mo-delo normativista, que busca o justo a partir de normas abstractas, sendo que este vigora entre nós, tal como na generalidade do Continente europeu.

Entretanto, a romanística tem encontrado na ideia do que o que resta de mais formativo no legado jusromanista é o espírito do casuísmo, tratando-se de fazer regressar os ordenamentos jurídicos aos caracteres estruturais e ope-rativos de um Direito jurisprudencial que tem a ver com a actividade criadora dos juristas (Araújo, 1989, p. 69).

Porém, não se nos oferece como menos relevante que do ponto de vista do método jurídico – aquele que respeita ao caminho a seguir na realização prática

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da ordenação jurídica, maxime na determinação, interpretação e aplicação das normas com vista à solução dos casos concretos –, não será de descartar um pluralismo metodológico, tradutível em uma equilibrada via média, superadora de exclusivismos e reducionismos metodológicos. Isto é: o método jurídico deve lograr conjugar devidamente as exigências decorrentes da norma (modelo abstracto do justo) e as decorrentes do caso (sede do justo concreto), ultra-passando por conseguinte reducionismos normativistas e decisionistas (Bigotte Chorão, 1991, p. 59 e 61).

Afigura-se que a visão da ordenação jurídica – prossegue o ora citado autor – como um processo de determinação prudencial do justo no quadro de uma concepção jusnaturalista encerra imensas virtualidades de ordem meto-dológica. Evidencia que aquela determinação de carácter racional e volitivo, ou teórico-prático, opera sucessiva e gradualmente no plano geral-abstracto da formulação da lei, tal como no plano singular-concreto da decisão do caso, em ambos os momentos convergindo factores naturais (naturalis ratio) e factores positivos (civis ratio) a que o operador jurídico não poderá deixar de atender (2). A natureza das coisas interessa tanto ao legislador [que cria a lei] como ao juiz [ao qual cumpre decidir, aplicando o Direito], sendo que na perspectiva que vem de referir-se assume papel essencial a equidade, como expressão das exigências de justiça do caso (iustum concretum), que hão-de ser prudentemente ponderadas na interpretação, correcção ou integração da lei. Mas, acima de tudo, uma tal concepção tem o mérito de dotar a hermenêutica jurídica de uma base ontológica, na medida em que o Direito é um dever ser radicado no ser e cujo conteúdo se vai descortinando e concretizando, mercê da determinação prudencial (Bigotte Chorão, 1991, p. 61-62).

Eis, em nosso entender, uma síntese harmonizadora dos dois sistemas jurídicos e que, a um tempo, promove um dualismo jurídico enriquecedor e pedagogicamente relevante na busca da justiça.

Todavia, tal perspectiva continua a esbarrar com a dicotomia vigente que, porventura por inércia, teima em manter o antagonismo, em boa medida resultante de uma tradição que não vem permitindo o confluirem normativismo e decisio-nismo, sendo que a questão pedagógica do Direito e do papel deste no seio da

2 Note-se que a vontade não constitui a fonte última do Direito, pois aquela não é mais do que uma força. Com efeito, existe uma regra de Direito que aprova certos fins e reprova outros e que por conseguinte aprova as vontades dirigidas no sentido dos primeiros e reprova as dirigidas no sentido dos segundos, verificando-se, nestes termos, a diferença qualitativa existente entre uma força desnuda, isto por oposição a uma força que incorpora a solidariedade e certos estados de alma, como é o caso do sentimento de justiça (Renard, 1947, p. 211 e 213).

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sociedade, v. g. no que respeita à reabilitação da credibilidade na Justiça por parte do comum das pessoas poderá também – afigura-se-nos – passar por aqui.

Numa perspectiva que diríamos conciliadora, e reportando-se ao actual problema metodológico da interpretação jurídica tem Castanheira Neves um entendimento que aponta no sentido de uma postura intelectual indutora de uma evolução epistemológico-metodológica do pensamento jurídico, a qual se encontra relacionada com os imediatos objectivos práticos da realização do Direito, sendo neste sentido que sustenta que o que exige e constitui a interpre-tação jurídica é a intenção normativo-metodológica que convoca e reelabora um critério normativo pressuposto em ordem a uma específica solução normativa concreta, acrescentando que não é a falta de clareza das leis que justifica a interpretação, mas sim a problemático-concreta realização normativa do Direito que a não pode nunca dispensar (Castanheira Neves, 2003, p. 9 e 28-29).

Eis, por conseguinte, algo que, relacionado com tudo o que vimos de dizer, reflecte a relação entre Pedagogia e Direito, uma vez que a preconizada criatividade interpretativa do jurídico constitui um estreitar do elo de ligação entre estes dois aludidos factores de civilização.

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é oportuno desenvolver em portuGAl umA indústriA de sistemAs nAvAis pArA seGurAnçA e defesA?

J. Pedro Mendes (*)

Engenheiro

Pedro B. Água (**)

Engenheiro

(*) Professor no Instituto Superior Técnico.(**) Doutorando no Instituto Superior Técnico.

ABSTRACT

Along with drug smuggling and illegal fisheries, we have been witnessing an increasing number of acts of piracy and maritime terrorism. The need to respond to these acts has fueled the expansion of the market for naval systems for security and defense. Understanding the role of these systems in technologi-cal development will allow Portugal to face the choice between being an actor or a spectator of the evolution of industries with high added value. However, the effort to develop an autonomous industrial base may be compromised by the intention of the European Defense Agency (EDA) to create a single market where there are already heavy-weight players.

The difficulty with creating an industry of naval systems for security and defense is a complex problem due to the existence of multiple actors, such as oversight authorities, industry and academia, typically with different values and interests. Generating plausible scenarios, as a byproduct of building dynamic models of socio-technical systems, is an alternative that can replace emotional arguments with technical ones. This systemic approach allows to simulate the effect of policies for technological development and to identify leverage points to improve the effectiveness or remove restrictions on performance.

Keywords: scenario building, system dynamics, simulation, Industrialization

é oportuno desenvolver em portuGAl umA indústriA de sistemAs nAvAis pArA seGurAnçA e defesA?

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SUMÁRIO

A par do narcotráfico e pesca ilegal, temos vindo a assistir a um número crescente de actos de pirataria e terrorismo marítimo. A necessidade de responder a estes actos tem alimentado a expansão do mercado dos sistemas navais para segurança e defesa. Compreender o papel destes sistemas no desenvolvimento tecnológico permitirá a Portugal enfrentar a escolha entre ser actor ou espectador da evolução de indústrias de alto valor acrescentado. Contudo, o esforço de desenvolvimento de uma base industrial com autonomia pode vir a ser posto em causa devido à intenção da European Defense Agency (EDA) de criar um mercado único onde já existem players de peso.

A dificuldade de criação de uma indústria de sistemas navais para segurança e defesa é um problema complexo devido à existência de múltiplos actores, tais como autoridades de tutela, indústria e meio académico, tipicamente com diferentes valores e interesses. Uma alternativa que permite substituir poten-ciais argumentos emocionais por argumentos técnicos é a geração de cenários plausíveis como subproduto da construção de modelos dinâmicos de sistemas tecnico-sociais. Esta abordagem sistémica permite simular o efeito de políticas para desenvolvimento tecnológico e identificar pontos de alavanca para melhorar a eficácia ou remover restrições ao desempenho.

Palavras-Chave: Construção de cenários; Dinâmica de Sistemas; Simulação, Industrialização

1. O MERCADO DE SEGURANÇA E DEFESA EM EXPANSÃO

Tal como o fim da Pax Britannica (Defarges, 1994) foi marcado por confli-tos a nível mundial, também o já anunciado fim da Pax Americana, poderá trazer ao mundo conflitos de larga escala, numa era em que a tecnologia está muito mais desenvolvida e disponível do que estava no final da Pax Britannica. A primeira década do século XXI já assistiu a eventos trágicos a nível de acções terroristas e acções de pirataria com grande impacto me-diático. Qualquer destas foca atenção em requisitos de segurança e defesa.

1.1 Um mundo de recursos finitos

Se na época de grande depressão de 1929-32 se estimava existir cerca de 2 biliões de pessoas no planeta, actualmente caminha-se para a meta dos 7 biliões. Num mundo de recursos finitos, a escassez provoca marginali-

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é oportuno desenvolver em portuGAl umA indústriA de sistemAs nAvAis pArA seGurAnçA e defesA?

zação e consequente desintegração social, levando a alterar os modelos de governação e culminando em potenciais focos de conflito (Forrester, 1971).Dado o papel que o petróleo desempenha na sociedade actual e a res-pectiva escalada de preço, não restam dúvidas de que se tornou numa matéria prima alvo de potenciais acções de pirataria ou de terrorismo marítimo. As nações milenares, donde se destacam a China e a Índia, também não irão assistir inactivas a restrições ao seu desenvolvimento face a eventuais privações de recursos energéticos fósseis.As dinâmicas de construção naval no mundo tem levado não apenas à substituição de grande parte da frota mundial mas também ao incremento da construção de navios militares, que em parte se destinam a proteger linhas de abastecimento de petróleo (OSD, 2008). Cerca de 80% do petróleo consumido pela China passa pelo estreito de Malaca, preci-samente um dos pontos mais atingidos por recentes actos de pirataria.

1.2 Oportunidade em perspectiva

Com cerca de 90% de todo o comércio e transporte internacional (em to-neladas) efectuado por mar, o apelo ao controlo eficaz das linhas marítimas de abastecimento é cada vez maior. Independentemente das cargas visadas, a crescente insegurança marítima cria a oportunidade para especialização tecnológica e industrial com vista à produção de novos sistemas e plata-formas navais de segurança e defesa. É sabido da estratégia empresarial que um mercado em crescimento representa uma oportunidade.Tal como há cinco séculos, Portugal pode decidir politicamente por uma estratégia de desenvolvimento de uma base de conhecimento que permita competir noutros sectores de tecnologia intensiva. Se na década de 80 se sabia tanto sobre tecnologia de rádio e electrónica na Finlândia como em Portugal, não estamos hoje no state of art em comunicações móveis porque decidimos não tirar partido da oportunidade de cres-cimento desse mercado. De igual forma, podemos decidir ignorar as oportunidades criadas pela necessidade de produzir contramedidas para segurança e defesa marítima.Com o alargamento do canal do Panamá, e o aumento de tráfego marí-timo daí decorrente, o Atlântico poderá vir a ser o próximo alvo. Isso não só nos diz directamente respeito como nos impõe uma obrigação. As cotas de pesca são agora atribuídas por Bruxelas, mas ainda podemos ter a possibilidade de chamar a nós parte relevante das atribuições da Agência de Defesa Europeia (EDA) na nossa zona económica exclusiva

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(ZEE, Figura 1). O país que, para Toffler (2006), foi responsável pela primeira vaga de globalização, encontra-se agora numa fase de desen-volvimento que põe à prova a sua capacidade de abraçar o progresso.

Figura 1 – Portugal tem o dever de garantir a segurança da sua ZEE

Fonte: Leal, 2007

Há algumas áreas de grande valor acrescentado e capazes de dinamizar as cadeias de inovação e desenvolvimento tecnológico nacional. Exemplo de uma dessas áreas é a dos sistemas intensivos em conhecimento para navegação, detecção electromagnética e acústica, automação e controlo e para radiocomunicações marítimas ou via satélite, que a indústria naval em Portugal se tem limitado a importar.Outra área é a da indústria de simuladores, de que se pode tirar partido para acelerar o treino de guarnições costeiras e tripulações de navios que os actuais cenários de segurança e combate à pirataria marítima moderna (generalizável a outros teatros) obrigam a reformular. Além do treino operacional, os simuladores podem igualmente servir para melhorar capacidades de gestão, em particular gestão e partilha de informação. Este assunto será retomado mais tarde.

2. A INDÚSTRIA DE SISTEMAS NAVAIS

2.1 A industrialização como sistema complexo

A Base Tecnológica e Industrial de Segurança e Defesa (BTISD) constitui um sistema complexo, envolvendo diversos elementos (actores) com diferentes mecanismos de incentivo e interligados com os demais, quer em termos de informação (condicionante do processo de decisão) quer em termos de

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recursos. O estudo deste conjunto de elementos interligados requer uma abordagem de sistemas se o objectivo for atingir um propósito definido.Há já algum tempo que o comportamento de sistemas tecnico-sociais complexos tem vindo a ser estudado com recurso a modelos baseados em System Dynamics, metodologia desenvolvida no MIT na década de 50 (Forrester, 1961). Contudo, apesar do alto nível de conhecimento que a humanidade atingiu, ainda é grande a nossa ignorância sobre sistemas.Com base no trabalho de Forrester, Senge (1990) propôs um conjunto de arquétipos de comportamento ou representações da estrutura do sistema a partir dos quais seria possível obter lições dinâmicas. Etimologicamente, o termo arquétipo significa o que é reconhecido por todos, um modelo de pessoa, exemplo ideal ou protótipo a partir do qual são copiados ou emulados outros. Este termo é frequentemente usado para referir um estereótipo ou simplificação do que é observado muitas vezes. Embora os arquétipos propostos por Senge (1990) sejam observados frequen-temente, há dois particularmente aplicáveis ao estudo duma estratégia nacional para industrialização de segurança e defesa.Para descrever cada arquétipo utilizam-se relações causais com sinais “+” e “ – “ para indicar o tipo (ou sentido) da influência entre duas variáveis. Uma relação causal entre duas variáveis A e B com um sinal “+” significa mudança na mesma direcção (influência directa), isto é, se tudo o resto for igual, quando A aumenta, B tende a aumentar, ou quando A diminui, B tende a diminuir. De modo análogo, uma relação com um sinal “ – “ significa mudança na direcção oposta (influência inversa), isto é, sendo tudo o resto igual, quando A aumenta, B tende a diminuir ou quando A diminui, B tende a aumentar:

Estas duas relações permitem construir diagramas causais tão complexos quanto se queira. Neste contexto é de particular importância referir o ciclo de realimentação (feedback loop) que pode surgir na estrutura dum sistema, e que pode ser positivo ou negativo (Figura 2).

Figura 2 – Os sinais “+” e “ – ” no interior indicam a polaridade do ciclo.

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É normal representar A afectando B. Contudo, tal representação tende a ser incompleta, pois o resultado de B constitui uma nova condição no sistema que por sua vez pode influenciar A. Num ciclo positivo (ou ciclo de reforço) não há influências negativas ou um número par de relações causais com sinal “ – “. Num ciclo negativo (ou ciclo de equilíbrio) há um número impar de relações causais com sinais “ – “.Por si só, um diagrama causal não permite verificar a dinâmica que emerge do comportamento dos sistemas, pois não é facilmente inteli-gível quais os ciclos que dominam em determinado momento. Tal só é possível com recurso a um simulador que pode ser construído a partir do diagrama causal usando System Dynamics. Os modelos de System Dynamics não têm a pretensão de predizer o futuro, mas permitem ex-plorar diferentes futuros ao mostrar que comportamentos ao longo do tempo podem resultar da conjugação de um conjunto de factores. Não obstante, apesar de limitado o modelo causal já pode dar indicações úteis para ultimar a estratégia para o sector.

2.2 Reconhecer arquétipos de Senge

O arquétipo Shifting the burden (Figura 3) mostra como o uso de uma solução de recurso para um problema ou necessidade acaba por se re-velar um impedimento à solução do problema de fundo. Neste caso, o problema de fundo é a dificuldade nacional para desenvolver tecnologia para produção de equipamentos e sistemas de segurança e defesa.

Figura 3 – O duplo traço significa que a solução interna requer esforço e tempo.

Este arquétipo sugere que, a longo prazo, recorrer à aquisição de tecnolo-gia externa, em vez de apostar no desenvolvimento de tecnologia própria,

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fomenta a degradação progressiva do sistema tecnológico e industrial nacional que porventura tenha potencial vocação para estas tecnologias. Portugal só foi grande quando desenvolveu conhecimento e soluções in-ternas. Tudo o resto causou dependência. Hoje, estamos a assistir a como a dependência colocou de novo o país numa epopeia pela sobrevivência.Por sua vez, o arquétipo Success to the successful (Figura 4) observa-se quando há dois subsistemas em competição e o que está em vantagem é recompensado com os meios que lhe permitem continuar a ganhar

Figura 4 – Se nada alterar esta dinâmica, A irá sempre prevalecer face a B.

vantagem. Os dois ciclos de feedback positivo gerados são, respectiva-mente, um ciclo virtuoso (para A) e um ciclo vicioso (para B).O problema poderá estar na atribuição progressiva de recursos para o estran-geiro em detrimento da quantidade de recursos para a BTISD nacional. A consequência é a perda de oportunidade para desenvolver a base industrial nacional criando riqueza e postos de trabalho intensivos em conhecimento, reafirmando a posição nacional na arena internacional. Está implícito que, mais que a dimensão das forças armadas, é a capacidade industrial de defesa que dita o posicionamento do país na hierarquia internacional.Por isso a despesa na modernização da segurança e defesa deveria ser orientada para a criação interna de produtos e não tanto para a aquisição de tecnologia externa. É certo que o risco assumido neste último caso é menor, mas também é verdade que se reduz a vantagem competitiva. O modelo seguinte (Figura 5) incorpora os dois arquétipos referidos e reflecte este dilema entre produzir ou comprar. Este modelo reflecte ainda o resultado da validação por um painel que incluiu peritos nacionais e estrangeiros.

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2.3 Abordagem sistémica à BTISD

Portugal está compelido a escolher uma de duas vias para manter os seus compromissos europeus e na Aliança Atlântica: ou cria programas para cooperação industrial e desenvolvimento ou terá que adquirir sistemas e standards, caso em que o valor e capacidade tecnológica irão para os países que elegeram estratégias centradas em actividades intensivas em conhecimento. Isto é, ou decidimos criar capacidade para sermos actores nas indústrias de segurança e defesa, ou continuaremos a ser espectadores de desindustrialização e retrocesso tecnológico de que já é exemplo a nossa indústria de construção e reparação naval.Idealmente, a criação da EDA deveria levar todos os países membros a integrar a Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia. Contudo, Portugal só terá uma participação de pleno direito se partirmos duma BTISD própria. O assunto é delicado, no sentido em que podemos estar a enganar-nos a nós próprios ao assumir que já dispomos dela.Mesmo em áreas em que tradicionalmente nos consideramos fortes, a expressão da indústria nacional tem tipicamente assumido a forma de

Figura 5 – A criação de BTISD requer suporte político

Fonte: Água, 2010

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mão-de-obra qualificada. Ou seja, sem marcas próprias (sem o domínio dos circuitos comerciais) e sem capacidade de engenharia e design, a generalidade da indústria nacional dificilmente compete em mercados de conhecimento intensivo.A nossa BTISD parece seguir esta tendência. Sem desprimor para a qualidade técnica dos executantes, produzir código informático por encomenda não revela capacidade de engenharia própria, factor neces-sário para assegurar auto-suficiência em subsectores de tecnologias de segurança e defesa. Aliás, a transferência para países de terceiro mundo dos centros de desenvolvimento de software de empresas multinacio-nais segue o padrão da transferência de capacidade fabril e a entrada de imigrantes para produzir software está também a ser tratada como mão-de-obra especializada (Mithas e Lucas, 2010).Também não basta participar em programas de cooperação internacio-nal no âmbito da EDA. Portugal tem que pôr ênfase na colocação de Programas próprios, como major player. Caso contrário, será sempre um participante secundarizado. Isto é, o envolvimento em programas de cooperação industrial só faz sentido se participarmos como “iguais”. Se formos nós a cooperar com países terceiros, estaremos a desenvolver a BTISD desses países, enquanto que se forem outros países a cooperar connosco, estaremos de facto a desenvolver a nossa BTISD.

3. PROBLEMA DO CONFLITO ASSIMÉTRICO

3.1 Regresso da actividade de pirataria

A acção de movimentos ideológicos extremistas ou de Estados em potencial desintegração têm levado ao aparecimento de incidentes de natureza criminosa; uns com motivação no lucro, outros com vista a acumular fundos tendo por base uma agenda política mais elaborada. O crescente número de incidentes classificados como pirataria, assim como a potencial subcontratação de actividade de pirataria por grupos terroristas, não apenas coloca em questão a segurança dos directamente visados mas abala, de modo dificilmente calculável, o sistema marítimo--económico mundial. 1

1 Um acto de pirataria na costa da Somália, em 2008, culminou no saque de 33 tanques T-72 e grande quantidade de munições.

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O estudo de Chalk (2008) revela cerca de 2450 atentados classificados como pirataria entre 2000 e 2006, o que representa um valor médio anual de 350 actos de pirataria, denunciando um incremento face à média de 210 verificada entre os anos de 1994 a 1999 (Figura 6). Na área de segurança marítima, estes eventos, até há pouco raros, constituem uma ameaça à estabilidade marítima e económica internacional. Por exemplo, estima-se que só no estreito de Aden passem cerca de 25.000 navios anualmente. O número de actos de pirataria marítima aí verificados em 2009 foi de 217, um aumento significativo quando comparado com os 125 ataques verificados em 2008. Os números até 2011 não são anima-dores. A tendência expectável será ver diminuir o número de ataques embora dirigidos a alvos cada vez mais significativos.

Figura 6 – Número de atentados (com e sem sucesso), 1994–2006

Fonte: International Maritime Bureau (IMB), 2007

A pirataria acarreta diversos perigos, desde o atentado ao bem-estar e à vida humana, até um efeito de desestabilização económica de largo alcance, que inclui fraudes, cargas roubadas e atrasos logísticos, afec-tando o comércio de muitos países. Adicionalmente, a pirataria pode enfraquecer regimes democráticos legítimos, por meio do encorajamen-to à corrupção interna. Acresce a estes factos o perigo latente de um eventual desastre ambiental, decorrente do potencial ataque a navios de transporte de produtos químicos ou fósseis.A Combined Task Force 150 (CTF-150), que integrou um navio Português, foi criada para combater o terrorismo marítimo e actos de pirataria. A

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operação Ocean Shield, a cabo da força naval multinacional Standing NATO Maritime Group One (SNMG1), teve commando nacional entre Junho de 2009 e Janeiro de 2010 (Figura 7). A European Union Naval Force (Navfor) foi também o contributo para atenuar esta ameaça por parte da UE, origem e destino de muitas das mercadorias que fluem pelas rotas marítimas internacionais.

Figura 7 – A NRP Alvares Cabral comandou a operação Ocean ShieldFonte: NATO

3.2 Descrição do problema

A década de 90 e os primeiros anos do século XXI tem-se caracte-rizado por utilizar teatros de conflito de natureza terrestre. Contudo, o mar apresenta-se como um potencial candidato, como evidenciado pelo dinamismo actual na construção de meios militares navais. Ainda segundo Chalk (2008), um número crescente de incidentes marítimos é classificável como sendo de natureza terrorista. Há cinco factores que dirigem a atenção das malhas terroristas para o espaço marítimo:

1. Muitas das vulnerabilidades que suscitam a atenção de piratas são também atractivas para grupos terroristas visando fontes de financiamento;

2. O crescimento de desportos náuticos e outras actividades marítimas tem permitido às redes terroristas treinarem de forma discreta os seus agentes;

3. Os ataques marítimos oferecem aos grupos terroristas a oportunidade de desestabilizarem o sistema económico internacional (o que tendo em conta a optimização do sistema internacional de transportes ma-rítimos, pode causar uma disrupção difícil de normalizar);

4. O terrorismo marítimo pode ser uma forma de infligir atentados humanos massivos, especialmente se se considerar a densidade de pessoas em paquetes e navios de cruzeiro;

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5. O acesso ao sistema internacional de transporte de contentores marítimos permite o transporte de armamento de forma mais ágil.

O tipo de atentado à segurança materializado sob a forma de pirataria marítima, assim como a forma de lidar com o tema, cabem na clas-sificação de conflitos assimétricos pois saem do enquadramento das operações navais clássicas. O aumento do número de atentados pode ter origem em diversas causas, comuns a actos de pirataria e terrorismo marítimo, nomeadamente (Figura 8):

1. O incremento massivo no tráfego marítimo verificado nesta década;2. A grande densidade de tráfego a passar em estreitos;3. A crise financeira asiática e a degradação social daí decorrente;4. A cumplicidade “oficial” em determinadas geografias;5. A proliferação de armamento portátil, que banaliza os meios de

assalto;6. A falta de sistemas de segurança em muitas instalações portuárias

e ancoradouros;7. O ambiente de insegurança desde os atentados de 11 de Setembro de

2001, por sua vez agravado com a escalada da pirataria e terrorismo.

Figura 8 – Múltiplos factores potenciam actos de piratariaFonte: Mendes e Água (2009)

Com actos de pirataria e terrorismo a fazer escalar a insegurança, a eficácia das indústrias de segurança e defesa depende do desenvolvi-mento tecnológico e da inovação. Em simultâneo com vontade política consistente, que crie dinâmica de desenvolvimento para a BTISD, Portugal terá que ter capacidade tecnológica para tirar partido das oportunidades emergentes.

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Contudo, a janela de oportunidade para Portugal reconsiderar a sua vocação marítima e responder à expansão verificável e expectável nos mercados de segurança e defesa não durará indefinidamente. Se Portugal ainda puder eleger áreas prioritárias para a BTISD, adoptar uma abordagem sistémica parece ser um requisito para o desenvolvimento tecnológico (Figura 9).

Figura 9 – O desenvolvimento da BTISD tem contexto sistémico[Adaptado de Mendes e Água (2009)]

3.3 Pirataria e sistemas de segurança relacionados

O número de actos de pirataria requer sistemas de contramedidas por forma a alertar as autoridades e proteger navios e plataformas off-shore, tripulações e respectivas cargas ou bens. Alguns sistemas para segu-rança marítima ainda estão pouco difundidos mas, pelas dinâmicas de crime e conflito antes referidas, poderão vir a constituir um mercado de dimensão apreciável.Alguns sistemas listados na Tabela 1 poderiam ter sido desenvolvidos no meio académico-industrial nacional, se tivesse sido dedicado esforço ao desenvolvimento tecnológico nestes campos. Afinal, o uso de tais sistemas pode reduzir a insegurança marítima, com os benefícios que tal facto traz à estabilidade do comércio internacional. A motivação para a protecção face a actos de pirataria é extensível ao offshore.

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4. CRIAÇÃO DE CENÁRIOS

4.1 Contexto para desenvolvimento tecnológico nacional

A indústria portuguesa encontra-se num momento particularmente deli-cado. As rápidas mudanças que se vão sucedendo começam a mostrar até que ponto pode estar a esgotar-se o tradicional modelo baseado em vantagens comparativas, como o baixo custo da mão-de-obra. Contudo, dar primazia aos factores de desenvolvimento tecnológico e industrial que caracterizam países mais avançados é mais fácil de dizer que de fazer.É já uma banalidade referir o papel que a inovação desempenha no dinamizar do progresso de sectores e países. Contudo, a inovação não

Tabela 1 – Exemplos de sistemas de segurança

Sistema Tecnologias Objectivo

2 O limiar de dor é de cerca de 130dB. O LRAD pode ser usado para descoordenar um ataque, perturbando o com-portamento e a capacidade de reagir de quem está sujeito ao seu efeito.

3 Uma ligação permanente do SSAS aos sistema GPS permite fornecer às autoridades as coordenadas do navio embebidas no sinal de alerta.

4 Electronic Counter Measures. Os avanços significativos em sistemas ECM portáteis permitem o seu uso ilegítimo em favor do crime, dificultando as operações de auxílio ou salvamento.

Long Range Electroacústica Acoustic Device (LRAD)

Ship Security S.I., Telecom. e electrónica;Alert System (SSAS) Radio-localiz. por satélite

Unmanned Aerial Aeronáutica; rádio;Vehicles (UAVs) sensores

Secure Ship Alta tensão; Electrónica de potência

Sistemas ECCM Sist. Electron.; Microondas

Localização de Rádio; sensorescontentores

Focar num alvo ondas sonoras com potências da ordem de 145dB. 2

Dar alerta com alimentação a partir da fonte primária de energia do navio. Tem pontos de activação na ponte e os sinais de alerta com os respectivos códigos (distress codes), permitem a identificação inequívoca do navio assim como a sua localização. 3

Transportar câmaras e transmitir informação para terra ou navios. (Já existe capacidade nacional e pode ser encarada como aposta tecnológica e industrial com base em tec-nologia dual, militar e civil).

Electrificar uma cerca ou balaustrada à volta do casco, mantendo uma tensão não-letal de cerca de 9000 Volts. Pode ser activado instantaneamente e permite que as tripulações realizem o seu trabalho normal.

Contrariar o uso ilegítimo de sistemas de “guerra electrónica” activos (ECM 4).

Dissuadir os autores de actos de pirataria e permitir a eventual localização de cargas.

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deve ser identificada só com o desenvolvimento ou incorporação de tecnologia mas também, principalmente, com a capacidade para explorar oportunidades de mercado. Isso pode ser feito através da criação de novos produtos e sistemas, melhorias nos processos produtivos e nas formas de gestão e organização industrial.Querer fazer tudo pode vir a ser sinónimo de acabar por não fazer nada. Depois da II-GG, em período de guerra fria, os EUA sentiram a ameaça latente do desenvolvimento tecnológico da URSS. Em resposta, o Congresso criou em 1950 a National Science Foundation (NSF) como agência federal (organismo público) independente “para promover o progresso da ciência; avanços na saúde nacional, prosperidade e riqueza; para assegurar a defesa nacional…”Se os EUA são um país de referência em ciência e tecnologia em geral, e em segurança e defesa em particular, é pena que o seu exemplo não seja seguido com mais atenção. Perante as circunstâncias excepcionais que vivemos, seria de esperar alguma criatividade na adopção de medidas que contribuíssem para elevar o nosso nível tecnológico e não apenas perpetuar a despesa. Sendo obrigado a fazer despesas com segurança e defesa devido a compromissos assumidos, Portugal pode eleger como estratégico o sector das aplicações navais tirando partido da oportunidade rara criada pelas dinâmicas de conflitos e crime marítimo.Isso pode ser conseguido com recurso a níveis limitados de financiamento. Mesmo que a produção de sistemas de segurança, tais como os referidos na secção anterior, venha a ser considerada fora do nosso alcance, na área de serviços Portugal pode tirar partido das características e diversidade do seu espaço marítimo, insular e costeiro para configurar uma oferta estratégica de ambientes e exercícios de treino para múltiplos cenários de missão, desde navegação evasiva (face a ataques de piratas) a outras operações de conflito assimétrico.Outra oportunidade ainda é a de desenvolver uma indústria de segurança privada para responder à pirataria marítima, face à dificuldade em dispor de meios navais que permitam escoltar todos os navios mercantes que passam em zonas de risco. Actualmente, a frota mercante começa a dispor de equipas embarcadas de segurança privada (McCleary, 2010).

4.2 Natureza sistémica do problema

Uma forma comum de definir um problema é através da diferença entre a situação actual e a desejada, independentemente do conjunto

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de variáveis ou atributos usados para as descrever. Alternativamente, a diferença entre as duas situações pode ser expressa através da definição de objectivos e o problema configurado como a descrição dos obstáculos para os atingir. Ambas são equivalentes.A vocação marítima de Portugal deveria permitir-lhe um posicionamento único em termos de desenvolvimento de produtos e serviços no mercado de segurança e defesa navais. Mas no último meio-século tem passado por nós muita indústria que tem acabado por definhar e ser abandona-da. Tipicamente, isso deve-se à falta de desenvolvimento de tecnologia nativa. Dito de outro modo, só permanece a indústria onde Portugal tem capacidade de geração e realimentação de conhecimento.Historicamente, os Portugueses atingiram sucesso no auge quinhentista porque geriam o conhecimento. Não será uma mera risca no espectro mais alargado das tecnologias mas sim um alimentar contínuo da base tecnológica e industrial nacional que permitirá a Portugal sair da situ-ação de reconhecida pouca competitividade em que se encontra. E isso requer consistência e persistência.Muitas decisões sobre investimento, receita, despesa pública e outras que afectam a dimensão da BTISD são justificadas por análise económica baseada em estatísticas e tendências passadas, por vezes com formulações matemáticas elaboradas. Estes modelos que utilizam comportamentos ao longo do tempo são mais úteis que os que tentam lidar com acon-tecimentos, mas ainda assim têm problemas fundamentais. Os modelos baseados em correlações estatísticas pressupõem que não há alterações na estrutura do sistema e não podem ser usados para suportar decisões com vista a alterá-la. Por conseguinte, não parece existir informação útil à ges-tão de tecnologia que aponte decisões passadas como causa para o atraso.Isto é, os modelos baseados em comportamento são úteis para fazer predições a curto prazo, que em geral não envolvem alterações estru-turais. Contudo, são maus para predizer a longo prazo e péssimos para mostrar como melhorar uma situação. É por essa razão que os sistemas tecnico-sociais nos surpreendem. Ficamos fascinados pelos aconteci-mentos que geram mas não só prestamos pouca atenção à sua historia como esta não nos dá pistas que mostrem qual a estrutura responsável pelo comportamento e acontecimentos observados. A estrutura tem que ser investigada. O diagrama causal na Figura 10 combina os das Figuras 5 e 9. Embora estejam aqui representados múl-tiplos ciclos de reforço (+) e de equilíbrio (-), de modo algum estão representados todos os ciclos de influência entre estas variáveis. Uma

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dificuldade acrescida que resulta desta dinâmica é que diferentes ciclos se podem tornar dominantes em diferentes alturas no tempo. Como consequência, perante uma interacção entre variáveis com esta comple-xidade, torna-se difícil antecipar o resultado das decisões tomadas. Isso só pode ser feito com recurso a simulação.

Figura 10 – Da resposta a uma oportunidade pode resultar o desenvolvimento da BTISD.

4.3 Comportamento dinâmico do problema

Apesar de limitado, o modelo causal na Figura 10 já pode dar indicações úteis para focar a estratégia para o sector. Contudo, por si só, o diagrama causal não permite verificar o comportamento dinâmico que resulta da resposta do sistema a uma solicitação externa. Tal só é possível com recurso a um modelo estrutural, construído a partir do diagrama causal usando Dinâmica de Sistemas (System Dynamics). Este novo modelo representará formalmente as relações de feedback e interacção entre variáveis que constituem a estrutura do sistema.Por sua vez, uma metodologia operacional para treino de tomada de decisão baseia-se no uso de simuladores construídos com estes modelos. O treino para condução de sistemas dinâmicos faz parte do dia-a-dia de todos nós, a começar pelo automóvel e indo até aos exercícios de forças

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combinadas e “jogos de guerra”. Uma grande vantagem dos simuladores criados com Dinâmica de Sistemas é a facilidade de configuração para diferentes condições estruturais (parâmetros) e solicitações externas (inputs). Outra vantagem é o seu baixo custo de exploração, que permite ensaiar alternativas antes de comprometer o uso de recursos.É esta possibilidade de ensaiar alternativas que torna estes simuladores ferramentas de eleição para criar políticas organizacionais. Uma política pode ser definida como o conjunto de regras que descreve o modo de explorar um sistema, ou seja, como uma especificação formal das relações entre fontes de informação e fluxos de decisão. Qualquer organização tem a sua política de fornecedores, de pessoal, etc. Criar uma política significa especificar o que fazer em que circunstâncias. Uma política eficaz é robusta à dinâmica da envolvente externa.A criação de políticas robustas pode beneficiar de uma abordagem formal, tal como a criação de sistemas físicos robustos beneficia de cálculos e desenhos técnicos de engenharia. A criação de um modelo de Dinâmica de Sistemas utiliza convenções gráficas que são acessíveis a quem tenha formação elementar. 5 Embora subjacente a estas convenções gráficas estejam relações matemáticas formais que podem ser inferidas das re-lações causais, o formalismo matemático e a organização hierárquica do modelo dinâmico são tornados transparentes.Há diferentes formas de actuar sobre um sistema. Mudar alguns dos seus elementos produz tipicamente poucos efeitos, como tem sido constatado ao longos dos anos recentes. Mudar as interligações entre os elementos dum sistema (i.e., a sua estrutura) já produz mais efeitos, normalmente observáveis a curto prazo mas sem efeitos duradouros.Porém, é ao mudar o propósito ou objectivo último do sistema que se conseguem os maiores impactos. Nessa altura será também preciso mudar relações estruturais para que as curvas de comportamento resultantes te-nham a configuração desejada. Mais uma vez, isso pode ser mais fácil de dizer que de fazer, mas o modelo de Dinâmica de Sistemas pode ser um instrumento para identificar pontos de alavanca – elementos da estrutura cuja alteração produz o maior impacto no comportamento do sistema.A Figura 11 mostra um modelo de Dinâmica de Sistemas obtido a partir do diagrama causal na Figura 5. Com este modelo é agora possível obter

5 Um curso elementar de 20h tem sido oferecido no IST a alunos de pós-graduação como preparação para desen-volver trabalho nesta área.

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curvas de comportamento referentes a diferentes valores de parâmetros tais como, por exemplo, suporte político à criação da BTISD nacional. Por sua vez, a Figura 12 mostra um exemplo de curvas de comportamento.

Figura 11 – Uma política deve recompensar comportamentos que conduzam a melhorias permanentes.

Figura 12 – O suporte político influencia a criação de sistemas próprios de segurança e defesa.

5. CONCLUSÕES

A pobreza é um entrave ao progresso e ao desenvolvimento, no sentido em que não permite encarar nenhum risco ou fazer qualquer escolha. Por muito que nos custe reconhecê-lo, no seu conjunto a indústria portuguesa pode estar no limiar da pobreza, tendo atingido o ponto em que já não seja possível inverter a progressiva desindustrialização a que temos assistido. Por outro

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lado, a ameaça configurada pelo actual ambiente de atentados à segurança marítima pode constituir uma janela de oportunidade. Infelizmente, a recém-aprovada Estratégia de Desenvolvimento da Base Tecnológica e Industrial de Defesa, nomeadamente no domínio civil da Segurança, não mostra como operacionalizar alguma capacidade para responder a oportunidades.Pôr ênfase na cooperação industrial internacional, como forma de obviar aos mecanismos de contrapartidas, só contribuirá para elevar o nosso nível tecnoló-gico se Portugal participar como um player de igual para igual. Caso contrário desempenharemos sempre um papel secundário, produzindo apenas componen-tes mas sem uma verdadeira força de engenharia e tecnologia que permita a sua afirmação na BTID europeia. Por isso, para tirar partido da oportunidade, devemos focar um ponto onde a intervenção traga vantagem diferenciadora.A proposta deste artigo é que, caso a estratégia nacional venha a incidir no mar, algumas possibilidades de intervenção incluem (1) sistemas intensivos em conhecimento para navegação, detecção electromagnética e acústica, au-tomação e controlo e para radiocomunicações marítimas ou via satélite, (2) a indústria de simuladores, de que se pode tirar partido para acelerar o treino de guarnições costeiras e tripulações de navios para cenários de segurança e combate à pirataria marítima moderna, (3) oferta estratégica de ambientes e exercícios de treino para múltiplos cenários de conflito assimétrico ou (4) criação de uma indústria de segurança privada para responder à pirataria marítima.O problema é complexo e a decisão não-trivial, mas pode ser encarada com recurso a técnicas de modelação baseadas em System Dynamics. A geração de cenários mediante uso de modelos dinâmicos, que mostrem o comportamento deste sistema tecnico-social ao longo do tempo, não só permite uma melhor análise do problema, mas igualmente melhor preparação, e posterior treino, para enfrentar a incerteza do futuro que se vai progressivamente revelando. O trabalho de investigação agora descrito, por enquanto apenas de natureza académica, é apenas um exemplo do que pode ser feito neste domínio.

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ConClusõEs dE simPósio E sEminário

Fonte: Centro de Audiovisuais do Exército

5º Simpósio Internacional

«A Estratégia de Informação Nacional»Cibersegurança e Ciberdefesa Nacional: levantamento de capacidades, soluções

e iniciativas

CONCLUSÕES DE SIMPÓSIO E SEMINÁRIO

O Dr. Richard Hayes confrontou-nos com um quadro conceptual contex-tualizante, tendo abordado os entendimentos de segurança da informação, que de facto se tornou numa preocupação importante para todos os actores, de cibersegurança e de ciberdefesa, tendo também estabelecido orientações que tipificam as dinâmicas que se geram entre aqueles.

Na busca de elementos comuns sobre as abordagens ao conceito de segurança da informação, diríamos que os podemos encontrar na prática efectiva de uma gestão de riscos relacionada com a utilização, o processamento, o armazenamento e a transmissão de informação ou dados e os processos e sistemas associados.

Relativamente à cibersegurança que, dado o entendimento explicitado, integra os sistemas e actividades que propiciam segurança, quer da informação, quer física para a infraestrutura nacional, importa ter em conta, como desafio ou problema a resolver, uma questão que se configura com clareza, ou seja, nem todos os ele-mentos envolvidos pertencem ou se encontram no designado ciberespaço nacional.

Apresentando uma cartografia ou visão utilitária do domínio virtual, o Dr. Hayes identificou territórios: o ciberespaço governamental, o ciberespaço civil

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nacional e o ciberespaço internacional, todos com zonas de sombra/comuns, no fundo partilhando parcelas de território.

Do ponto de vista das sinergias que já hoje convivem connosco, importa destacar as CERT (Computer Emergency Response Teams), os esforços de instituições nacionais na tentativa de enquadrar, do ponto de vista jurídico, as ciberameaças internacionais e os tratados, também internacionais, no quadro da protecção dos direitos.

A Key Note revelou ainda a manutenção de alguns desafios com que deveremos lidar; são exemplo, a relutância de algumas organizações civis em partilhar informação sobre ataques; a instrução, no seu sentido mais vasto e a motivação dos utilizadores, quer no racional individual, quer numa lógica mais colectiva, como na das organizações; a inadequação de alguns mecanismos de controlo, dadas as fugas e as quebras de segurança que se verificam.

O 1º Painel foi dedicado à temática geral da «Sociedade em Rede e Segurança da Informação»; como pontos relevantes, e em síntese, poderemos identificar:

• convivemos hoje num mundo digital tipificado pelo designado «Internet Time»: temos acesso a informação a qualquer instante, em qualquer local, a qualquer sítio. A época é do cutting e do paste, com poucas cautelas do ponto de vista da qualidade e, muitas vezes, sem atentar em direitos de autor; o contexto é o da wikipedia, da Web 2.0 e das redes sociais;

• a realidade mostrou-nos uma evolução traduzida no passo entre a So-ciedade Industrial e a Sociedade de Informação, que não apresentam somente, como à partida se poderia supor, elementos diferentes; também se configuram traços comuns. Sobre estes podemos apontar o factor disruptivo e a representação de singularidades. A diferenciação verifica-se no tempo de implantação da segunda, muito mais curto (1 geração) e na liderança efectivada por camadas muito mais jovens, que por isso, são mais destemidas, mas revelam a lacuna da experiência, induzindo fragilidades no cuidado a ter e, por conseguinte, nos aspectos de segurança;

• cumulativamente, a vida de hoje é caracterizada pela designada «conver-gência tecnológica», materializada pelas telecomunicações digitais, que tem na Internet o seu máximo expoente; pela informática, agora plasmando a também apelidada «Internet das coisas», isto é, o avanço para o mais pequeno, para a miniaturização; e pelos media, controladores dos reinos entrecruzados do texto, da imagem e do vídeo;

• não se deixou de referir a autoria do termo ciberespaço, pela primeira vez utilizado em 1982 por William Gibson, no seu «Neuromancer», onde já

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se preconizava a comunicação entre o ser racional, graças a dispositivos implantados no cérebro;

• a propósito da ENISA, a Agência criada na União Europeia em 2003, foram efectuadas considerações sobre a aplicação infraestrutural da In-ternet: o DNS. Importa dizer que sem este domínio, a Internet como a utilizamos, não existe, e os ataques à aplicação têm visto aumentar a sua frequência;

• relativamente à «Internet Corporation for Assigned Names and Num-bers» (ICANN), do sector privado, foram mencionados alguns eixos de aplicação, como novos Top-Level Domains, DNSSEC, uma extensão do protocolo inicial DNS e IPv6;

• como desafios/problemas a colocarem-se no que concerne à «Sociedade de Informação», novas ameaças e por consequência riscos, trazidos à colação pelo ciberespaço, foram apontados: a necessidade de registar o tráfego, tarefa a tender para o impossível, dada a largura de banda das redes activas; a questão relativa aos direitos individuais, a problemática da desmaterialização da Informação (wikileaks, espionagem industrial, empresarial e outros) e a necessidade de multiplicar esforços no sentido de se promover, também para os cidadãos, uma verdadeira cultura de segurança no ciberespaço;

• sobre a matéria geral da normalização, apontaríamos como de realce as seguintes ideias: – a questão das normas nas suas diferentes dicotomias – técnicas vs

legais, voluntárias vs obrigatórias, abertas vs fechadas, estas normal-mente traduzindo o controlo por determinado sector da indústria com o ganho económico decorrente;

– no que se refere às fontes utilizadas no sector das Tecnologias de Informação e da Comunicação (TIC) mencionem-se os organismos de normalização europeia, os organismos de normalização internacional e os organismos de organização nacional;

– com respeito às Normas Técnicas Voluntárias, realcem-se os organismos de normalização sectorial, as Comissões Técnicas de Normalização, os procedimentos de notificação de regras técnicas e a construção do mercado interno, na sua relação estreita com a conversão de normas para regras técnicas e os processos de normalização e os aspectos dinâmicos da evolução tecnológica;

– a própria dificuldade em normalizar, quer pelas diferentes escolas/culturas existentes, quer pela vastidão do (s) objecto (s): terminologia

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e taxonomia, procedimentos e boas práticas, métodos de medida e indicadores, medidas técnicas e medidas organizacionais, metodologia de análise e de gestão de riscos;

– o ponto de vista de abordagem deste problema tem que ser colecti-vo, dado que o mesmo assim o é e, como tal, também requer uma solução colectiva;

• a rede de informação do governo deve ter em consideração dois aspectos essenciais: um deles relativo aos problemas e desafios da cibersegurança que deve ser entendido e consciencializado como um problema comple-xo; o outro é a tomada de consciência da necessidade de implementar um modelo de governança de cibersegurança; para isso é necessário implementar um quadro de cibersegurança, diríamos cooperativo, com o envolvimento do maior número possível de actores;

• é pertinente garantir a segurança em países que utilizam as redes digitais nas suas transacções electrónicas, o que implica garantir o designado «não repúdio» na rede;

• em Portugal é necessário proteger a informação enviada de uma rede sectorial para outras redes sectoriais da administração. Assim, a criação de uma infra-estrutura surge como óbvia necessidade. Cumulativamente, urge tomar verdadeira consciência sobre o problema do acréscimo exponencial de complexidade, quando essa informação é trocada a nível mundial;

• quando a informação é trocada no Ciberespaço, os ataques passam a ser globais. A multidimendionalidade é característica fundamental, contrapondo-se à ideia da linearidade, induzindo protecção mais necessária, mas mais difícil; sobre isto, o que sabemos é que a essa multidimendionalidade só poderá ser «atacada» com a flexibilidade dos diferentes sistemas de protecção de rede.

O 2º Painel foi dedicado à temática geral do «Ciberespaço e Segurança Nacional»; como pontos relevantes, e em síntese, poderemos identificar:

• a sociedade é cada vez mais vulnerável e os ataques às infra-estruturas críticas dos países têm aumentado nos últimos anos. Os ciberataques têm envolvido entre outros, espionagem, roubos de identidade e ata-ques Denial of Service (DoS). É comummente aceite a ideia de uma alteração na tipologia de ameaça, e os efeitos, pela sua dimensão, poderão assumir a classificação de estratégicos, na justa medida da sobrevivência dos diferentes «eus» e ou da nítida alteração de relação de forças que aqueles induzem;

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• Portugal como membro da NATO está consciente que no âmbito da ciberdefesa não há respostas apenas a nível nacional; a resposta surge quando coordenada a nível internacional. Uma das preocupações do Gabinete Nacional de Segurança (GNS) é colocar em funcionamento um centro de cibersegurança;

• o foco principal da actividade do Gabinete Nacional de Segurança as-senta em dois aspectos fundamentais: garantir a prevenção e a resposta adequada a incidentes na rede, e definir as capacidades necessárias; nomeadamente, na capacidade dos serviços a prestar à comunidade, ga-rantir três categorias: serviços reactivos; serviços pró-activos; e serviços de gestão da qualidade;

• foi salientado que cibersegurança é diferente de CERT e diferente de CSIRT. A cibersegurança pode ser considerada como a adição de Hardening, Defense e Hunting (o último inclui, por exemplo, a computação forense);

• foi referido que um dos modelos mais parecidos com o de Portugal é o da Noruega, pese embora este assente numa rede de sensores. O modelo de cibersegurança da União Europeia (UE) poderá constituir-se como orientação a seguir pelo futuro Centro de Cibersegurança em Portugal;

• relativamente aos países da Albânia, da Itália e da Turquia foram apresen-tadas, o que se considera serem, as suas infra-estruturas nacionais críticas, de informação. Quanto a Portugal, terá de definir quais são as suas;

• foi ainda mencionada a necessidade da elaboração de uma Resolução do Conselho de Ministros, no sentido da criação de uma Comissão Insta-ladora do Centro Nacional de Cibersegurança (CNC). Este Centro tem que se situar ao mais alto nível, e envolver todos os actores da vida económica e social;

• a realidade social é complexa e o Direito, nomeadamente o internacional é fracturado, não conseguindo acompanhar a dimensão da conflitualidade nas TIC, nem garantir coesão de procedimentos;

• as constituições formais denotam as crises de adopção de resoluções que parecem resultar das suas conformações militares e civis do conceito de intelligence e da nova necessidade de partilha de informação dessas fontes, para garantia da defesa nacional;

• o conceito predominante de ciberterrorismo, de pendor norte-americano, não favorece a recolha de informação de cariz técnico que permite coleccionar perfis de autor e padrões de ataque necessários para a de-terminação dos autores;

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• devia ser repensado o conceito de ciberterrorismo e debater, na sociedade, como um todo, o novo contrato social, no que diz respeito à circulação de informação entre Serviços de Informações e produtores de informação criminal da área em causa: TIC.

O 3º Painel foi dedicado à temática geral da «Ciberguerra e Ciberdefesa»; como aspectos mais pertinentes, identificam-se os seguintes:

• o que é virtual atinge o mundo analógico. Por outro lado, o «Cloud Computing» e as Redes Sociais são um binómio em que um fornece os meios e o outro, os actores. A sociedade é uma rede de redes e um sistema de sistemas, transversal à actividade humana, onde cada actor é um nó dessa rede;

• a superioridade de informação é traduzida pela vantagem obtida nesse do-mínio. Quem tiver capacidade de modelar essa vantagem, tem superioridade sobre os outros actores. A guerra de informação, defensiva ou ofensiva, tem como objectivo atingir aquela superioridade;

• o ciberespaço pode ser caracterizado pela sua dimensão virtual, nome-adamente pelas interacções sociais, económicas, culturais e políticas; e pela infra-estrutura tecnológica da informação (internet);

• as relações conflituais no ciberespaço podem ser desenvolvidas por vários actores, sejam eles Estados ou Não Estados. Neste âmbito, deve ser efectuada uma análise do risco, que deve ser ponderada e assumida, considerando recursos, vulnerabilidades e ameaças;

• no âmbito da estratégia militar, o ciberespaço dá origem a mais uma estratégia sectorial e ou particular, vizinha das relativas às restantes fontes estruturais do poder. No entanto, o ciberespaço existe como território onde as outras também pululam, pese embora não seja caso único;

• foi sugerida a revisão do actual quadro legal, a criação de doutrinas, de estruturas e meios para implementar a estratégia de informação na-cional. A necessidade de clarificar os conceitos de Cibersegurança e de Ciberdefesa, para sociedades baseadas/dependentes da informação, parece constituir problema de arranque;

• o que deveremos possuir (Portugal e as suas Forças Armadas) para no âmbito da OTAN e da UE, cooperarmos melhor no domínio da ciberde-fesa? Foi a pergunta que o Senhor Almirante Gameiro Marques procurou responder.

Partiu do conceito NATO, passou pelo seu Conceito Estratégico, viajou para a EU e culminou em Portugal, finalizando com recomendações.

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Do ponto de vista da NATO e do conceito de ciberdefesa, realçou os termos «dissuadir» e «defender» e relativamente ao Conceito respigou o desenvolvi-mento da capacidade para prevenir, detectar e defender contra e recuperar de ciberataques; este desenvolvimento será regulado pelo processo de planeamento daquela organização internacional.

Organização cujo plano de acção previa o desenvolvimento e aprovação de um conceito de ciberdefesa (já efectuado), da elaboração de uma política de ciberdefesa (julga-se também já efectuada) e da realização do planeamento, em Maio e Junho deste ano.

No que respeita ao conceito de ciberdefesa alertou para três componentes aí presentes; a saber: médio prazo/âmbito interno (medidas de gestão centra-lizada, Final Operational Capability pronta em 2014, desenvolvimento de um conceito de operações para projecção de redes e análise de forma colaborativa com os Aliados, das diferentes redes); Com os Aliados (desenvolver métodos e critérios para avaliar da criticidade das redes nacionais ligadas à NATO, identificar medidas para nível mínimo de ciberdefesa compatível com rede da organização, atingir níveis/operacionalizar); Com Outras Entidades (a UE, Academias e Sector Privado).

No quadro da União Europeia, foi elaborado documento traduzindo uma Estratégia de Segurança Interna e no Conceito Europeu, o seu 3º objectivo diz respeito ao domínio do ciberespaço, plasmando três áreas (law enforcement, trabalho com sector privado para protecção dos cidadãos e incrementar capa-cidade para lidar com ciberataques.

No comum entre as duas organizações encontra-se materializado aquilo que pode potenciar a nossa cooperação.

Relativamente a Portugal, foi afirmado que já existem uma série de CERT’s, as FA possuem uma capacidade de Resposta a Incidentes de Segurança Infor-mática (CRISI) e ainda existe uma Rede Nacional de CSIRT’s.

Entre outras coisas falta-nos ainda uma combinação equilibrada de medidas de natureza técnica e «não técnica»; nestas devem conjugar-se uma liderança forte, a existência de pessoal proficiente, uma organização adequada e políticas bem definidas.

Finalizámos este evento com a participação da «Critical Software» que nos trouxe uma visão empresarial da Segurança da Informação, tendo em conta a sua protecção, assim como dos sistemas; destaque para a ideia de que a rapi-dez da evolução tecnológica, vai dificultando o passo às designadas políticas de segurança.

Foi apresentado ainda o estado da arte sobre várias tecnologias no âmbito do Data Centric Security; a culminação foi efectuada com o «csSECURE», sustentado na segurança multi-nível.

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Seminário

“Timor-Leste: Contributo de Portugal para a Construção do Estado”

Realizou-se a 11 de Maio de 2011, na Academia Militar, na Amadora, o Seminário “Timor-Leste: contributo de Portugal para a construção do Estado”, promovido pelo Departamento de Ciências e Tecnologia Militares e com o apoio do Conselho Directivo do Centro de Investigação da Academia Militar. Presidiu à Sessão de Abertura S. Ex.ª o Comandante da Academia Militar, Tenente-general Fernando Manuel Paiva Monteiro, estando ainda presentes S. Ex.ª Bispo D. Carlos Filipe Ximenes Belo, que apresentou a conferência de abertura e S. EX.ª o Ministro da Defesa Nacional, Professor Doutor Augusto Santos Silva que também fez uma breve alocução.

O Seminário contou com ilustres oradores distribuídos por vários painéis. O primeiro painel - Dimensão política, geopolítica e estratégia – moderado pelo Sr. General Gabriel Espírito Santo teve a presença do Tenente-coronel Carlos Mendes Dias, Dr. Carlos Gaspar e Dr.ª Mónica Ferro; o segundo painel – Dimen-são táctica, logística e de liderança – moderado pelo General António Martins Barrento, contou com a presença do Coronel de Infantaria Nunes Henriques e do Major da GNR Gonçalo Carvalho; o terceiro painel – A (re)contrução do Estado - moderado pelo Professor Doutor José Fontes teve a participação do Professor Doutor Armando Marques Guedes e do Eng.º José Vital Morgado; o último painel - As relações de Portugal e Timor-Leste: que futuro?- moderado pelo Professor Doutor Adriano Moreira, contou com a contribuição da Em-baixadora de Timor-Leste em Portugal, Natália Carrascalão, com o Professor Doutor Nuno Canas Mendes e com o Capitão da GNR Reinaldo Hermenegildo.

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A Academia Militar está presentemente a preparar uma publicação que inclua na íntegra as intervenções dos oradores e que em breve esperamos ser divulgado. Segue-se uma breve síntese das principais ideias expostas pelos vários oradores, pela ordem como foram apresentadas:

Timor-Leste é desde 20 de Maio de 2002 uma País independente e so-berano. A sua independência foi conquistada depois de um longo período de sofrimento, e através da contribuição e solidariedade de muitas organizações e povos, entre eles Portugal e as Nações Unidas.

Um pequeno enquadramento geopolítico ajuda-nos a perceber a impor-tância de Timor-Leste. Durante a Segunda Grande Guerra -1939/1945-, pela sua posição, a ilha de Timor-Leste foi cobiçada pelas forças japonesas para dela se servirem como ponte para atacar o território do Norte da Austrália. Em antecipação a esse plano, Díli foi ocupada pelos aliados - australianos e holandeses - sem o consentimento tanto do governo de Lisboa como de Díli.

Em 1974/75, com o conflito na Indochina e perante o receio do avanço da influência comunista para o sul, Timor Português foi invadido pelas Forças Armadas Indonésias, com o consentimento e apoio dos Estados Unidos e da Austrália.

Nos anos subsequentes, Portugal veio a ter um papel importante na autodeterminação de Timor-Leste. O caso “Timor-Leste” foi um dos maiores desafios contemporâneos da política externa portuguesa. Timor-Leste tinha sido a última antiga colónia portuguesa a tornar-se independente, o que mereceu de Portugal um grande esforço não apenas diplomático mas também económico, militar e praticamente transversal a todos os sectores da sociedade.

Desde Fevereiro de 2000, que contingentes das Forças Armadas e de Segurança nacionais, integrados nas sucessivas missões das Nações Unidas, assumiram um papel importante no processo da transição do território de Timor-Leste para a independência. Nesse período, os militares portugueses ajudaram as populações na recuperação de escolas, casas e estradas. Em algumas zonas do território, os Soldados leccionaram Português e promoveram a formação básica em áreas como a mecânica, electricidade, informática e no sector da saúde. No sector da manutenção da segurança e ordem pública, foi enorme o contributo das forças da segurança, nomeadamente da GNR.

Nos anos mais recentes, Portugal tem assumido um contributo importante e notável no plano da cooperação técnico-militar, designadamente ao nível da formação militar com especial enfoque nos quadros das F-FDTL e na ajuda de material militar. O Subagrupamento BRAVO da GNR tem desenvolvido uma acção extraordinária na manutenção da segurança e da formação da PNTL e por isso conquistou o respeito e a admiração das populações.

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A Resolução 1272 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 25 de Outubro de 1999, atribuiu à UNTAET o encargo das funções executivas e legislativas em Timor-Leste, com o objectivo, entre outros, de garantir a segu-rança e a manutenção da lei e da ordem no território, ou seja, todo o processo que envolve o state-building.

Na sequência dos Acordos de 5 de Maio de 1999, e após “consulta popular” de 30 de Agosto do mesmo ano, o Parlamento indonésio decretou a anulação da anexação de sua 27.ª Província (Timor-Leste), a 20 de Outubro de 1999. O resultado das eleições foi bastante significativo, 78% da população votou a favor da independência. Ao contrário do que se tinha previsto, uma passagem gradual da autonomia timorense, esta situação não se veio a verificar o que alterou os planos da UNTAET. Mesmo assim, nesta altura ainda não estava previsto o envio de Forças Armadas, uma vez que a segurança do território e da população estavam asseguradas pelas forças indonésias.

A UNTAET, chefiada por Sérgio Vieira de Melo, tinha como objectivo principal a administração transitória de autonomia do território timorense. Esta operação do ponto de vista operacional trouxe alguns problemas por ser considerada muito ambiciosa e ampla – o que atrasou alguns sectores de acti-vidade como o direito de propriedade e o sector da justiça – e por outro lado não deveria ter sido substituída por um departamento de paz que não estava habilitado a tratar questões do fórum político.

Com o decorrer da missão sentiu-se necessidade desta se “timorizar” me-diante o recrutamento de mais timorenses para a estrutura do governo, tanto a nível dos altos cargos como nos níveis mais baixos e elementares, apesar de o pessoal internacional da UNTAET continuar a trabalhar com os seus colegas timorenses em todos os departamentos.

A crise de 2006 que agitou a tão jovem democracia teve implicações no seu futuro. Houve necessidade de reestruturar algumas áreas do Estado e da sua orgânica. Estas mudanças fizeram-se sentir no sector financeiro (relativamente às questões ligadas ao petróleo – Fundo Petrolífero), na organização judicial, reconstrução das forças de segurança, evolução da política externa de Timor-Leste, e reestrutura-ção da configuração político-partidária em que o sistema semi-presidencialista se tem revelado inadequado. Neste último caso, o Presidente da República passou a Primeiro-Ministro. O que importará saber relativamente a esta questão é o facto do ex-Presidente Xanana Gusmão aceitar esta subalternidade, e por outro lado, como é que o povo aceitou esta troca de papéis.

Devido à sua posição geográfica e ao seu passado histórico, Timor-Leste tem por esta razão uma forte relação com diferentes actores internacionais.

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Com a ASEAN, devido à negociação da sua entrada para esta Organização; a EU e as Nações Unidas. Devido ao seu papel desempenhado aquando da in-dependência do território e neste caso específico depois da crise de 2006, no envio de forças de estabilização menos robustas, mas rápidas com o objectivo de peacekeeping e state-building.

A Austrália desempenha um papel importante devido ao envio de forças militares para o terreno. Para além disto, o facto de existir petróleo na ZEE timorense faz com exista um forte relacionamento económico com este país. Apesar da Indonésia e da Austrália terem grande influência em Timor-Leste os seus interesses políticos não coincidem.

Portugal, foi e continua a ser o maior dador de recursos humanos para Timor-Leste, não só no envio de contingentes militares e policiais, bem como no envio de funcionários para vários sectores do Estado.

Os BRIC com especial destaque para a China e Índia. A China está a aumentar significativamente o seu peso no território timorense, por um lado, devido à cooperação existente entre ambos os países, com a ajuda do Fórum Macau, e por outro lado, devido ao aumento da emigração chinesa para este território. Este êxodo acarreta alguns problemas, em especial em questões relativas aos Direitos Humanos, como por exemplo, o tráfico de prostitutas chinesas. A Índia, tal como outro BRIC devido ao seu rápido crescimento económico, tem vindo a investir em Timor-Leste e em contrapartida muitos jovens bolseiros timorenses vão estudar Tecnologias de Informação para a Índia. A Noruega exerce um papel de assessoria em questões relacionadas com o petróleo para ajudar Timor-Leste a gerir os recursos petrolíferos.

Um facto marcante na economia de Timor-Leste tem a ver com o resul-tado da exploração de petróleo, que tem exercido uma influência determinante sobre as condições macroeconómicas, repercutindo-se favoravelmente nas contas públicas e possibilitando a obtenção de excedentes nas contas externas.

O sector petrolífero tem sido encarado pelas autoridades timorenses como uma alavanca privilegiada para contrariar as fragilidades em termos de estruturas produtivas e das carências sociais consideráveis. Assim, esse sector encontra-se enquadrado, desde meados de 2005, por uma estratégia inspirada nas melhores práticas internacionais, das quais faz parte o estabelecimento de um fundo petrolífero.

O governo timorense aprovou a Lei do Investimento Privado, tendo em vista estabelecer condições mais favoráveis e atractivas para os investidores, assegurando-lhes um conjunto de direitos e garantias no acesso a todos os sectores de actividades económica, independentemente da nacionalidade do promotor.

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O investimento português nesta área ainda é bastante fraco, 75% das exportações portuguesas são feitas para outros países da UE o que afecta o crescimento económico português porque não há diversificação de mercados. Por outro lado, há a necessidade de criar uma plataforma de apoio económico para incentivar as empresas portuguesas (apesar de já existirem muitas empresas sedeadas em Timor-Leste) a investirem e por sua vez instalarem-se no terreno.

Apesar dos fortes laços históricos existentes entre Portugal e Timor-Leste, estes não são suficientes para reforçar o investimento português no território. Por outro lado, o reajustamento da política externa portuguesa pós-independência timorense intensificou ainda mais a “tirania da distância” entre estes países.

No âmbito da consolidação do Estado de Direito, Timor-Leste tem sofri-do bastante, não apenas devido aos anos de resistência contra o invasor, mas também no período posterior à sua independência. É de realçar a luta do povo timorense pela sua autodeterminação que inverteu a anexação de Timor-Leste pela Indonésia.

Em 11 de Fevereiro 2008, o Presidente da República José Ramos-Horta e o Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão foram vítimas de uma tentativa de atentado. Este percalço na consolidação do Estado timorense teve as suas consequências em vários sectores da sociedade.

Actualmente 80% da população sofre de insuficiência alimentar devido há falta de infra-estruturas e de saneamento básico; a agricultura ainda é de subsistência; a mortalidade infantil é de 75% por nados-vivos. No sector da educação, apesar de a qualidade ser ainda baixa, há um aumento da frequência primária – 71,9% das crianças frequentam o ensino primário. Há a necessidade de reintroduzir no ensino a língua portuguesa para que esta não seja esquecida e para que a marca portuguesa não seja de modo nenhum diluída. É com o crescimento de todos os sectores da sociedade que se pretende o desenvolvi-mento do país, reduzindo assim a pobreza.

O povo timorense vive agora numa época marcada pela paz e pela prospe-ridade, no entanto muito ainda há a fazer. O sector da justiça, da educação, da saúde, do emprego e da aquisição de recursos humanos ainda são consideradas áreas muito débeis que a longo prazo espera-se que melhorem.

Acredita-se que o período entre 2010-2013 seja um período de crescimento timorense, em que por um lado, se consigam atingir os objectivos da política externa portuguesa e, por outro lado, da política nacional timorense.

Timor-Leste, apesar de ser um país com grandes fragilidades, ao longo destes quase 10 anos de independência tem registado muitíssimos progressos. Muito ainda há a fazer. É ainda necessária ajuda da comunidade internacional para manter a segurança do país que por sua vez consolida o Estado de Direito.

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normas Para PubliCação na rEvista ProElium

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA PROELIUM

1. A PROELIUM é uma revista cultural de divulgação científica, técnica, pedagógica, filosófica, literária e profissional, aberta à colaboração do Corpo Docente e Discente da Academia Militar, entidades exteriores de reconhecida competência técnica e científica, e tem por base artigos que devem ser elaborados nos Departamentos de Ensino da Academia Militar e no Centro de Investigação da Academia Militar (CINAMIL).

2. A revista tem um editor que poderá solicitar o parecer de especialistas para, em conjunto com o Conselho Editorial, assegurar a qualidade e o rigor científico dos Artigos.

3. Os artigos devem ser enviados para o e-mail seguinte: [email protected]

4. Devem ser consideradas como referência para a elaboração dos artigos ou recensões as seguintes indicações: Letra: Times New Roman 12; Espaçamento entre linhas – 1.5; Notas de Rodapé: Tamanho 10 e espaçamento simples.

5. Os artigos não devem exceder as 50 páginas A4, incluindo notas de rodapé, quadros, gráficos e bibliografia.

6. Os autores devem enviar as figuras (imagens, gráficos e quadros) devidamente inseridas no artigo, no entanto também devem elaborar uma “pasta”, à parte, com todas as figuras devidamente identificadas e em formato JPEG ou TIF, para que a gráfica as possa tratar mais facilmente.

7. Os artigos devem ser acompanhados de um resumo e abstract, indicação das palavras-chave e dados de identificação do autor 1.

8. A revista PROELIUM adoptou a Norma Portuguesa (NP 405-1) do Instituto Português da Qualidade, homologada no Diário da República, III Série, N.º 128 de 03 de Junho, de 1994.

9. De acordo com a NP 405-1, as citações e referências a autores no texto devem ser efec-tuadas do seguinte modo:

a. (autor, data) quando se referem à ideia; (autor, data, página/s) quando citam o autor; b. se houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, serão dife-

renciadas por uma letra minúscula a seguir à data - (Bastos, 2002a), (Bastos, 2002b);c. quando a obra ou artigo tiver dois autores - (Bastos e Almeida, 2002);d. quando a obra ou artigo tiver três ou mais autores - (Bastos et al, 2002).

1 Incluindo fotografia digitalizada em JPEG ou GIF, Grau Académico, Categoria Profissional, Posto, disciplinas ministradas na Academia Militar, indicação sobre se é membro, ou não, do CINAMIL.

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10. As notas de rodapé devem conter informações complementares de natureza substantiva.

11. A bibliografia deve ser colocada no final do artigo e contém apenas a lista das referên-cias feitas no texto, ordenadas alfabeticamente e, por ordem cronológica crescente para referências do mesmo autor.

12. Exemplos bibliográficos:

a. LivrosWRIGHT, Quincy (1942). A Study of War, The University Chicago Press, Chicago, Estados Unidos da América.CARDOSO, Cristóvão e ALMEIDA, Manuel (2002). Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.HENRIQUES et al (1999). Educação para a Cidadania, Plátano Editora, Lisboa.

b. Artigos em revistasCABRAL, Mário (2003). “O exercício da cidadania política em perspectiva histórica (Portugal e Brasil)”, in Vários, Revista Brasileira de Ciências Sociais, N.º 51, Volume 3, Janeiro, p. 31-60 [indicar as páginas do artigo].

c. InstituiçõesMDN (1998). Cooperação Técnico-Militar com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa: relatório de actividades de 1998, Ministério da Defesa Nacional, Lisboa.

d. Artigos em Revistas on-lineHIDI, Samuel (2006). “Interest: a unique motivational variable”, in Vários, Educational Research Review, n.º 2, p. 69-82. Internet: http://www.sciencedirect.com, consultado em [dia, mês e ano].

e. Documentos on-lineWEDGEWORTH, Richard (2005). State of Adult Literacy. Internet: http://www.proliteracy.org/downloads, consultado em [dia, mês e ano]

f. Artigos de JornaisGEADA, Eduardo (1987). “O espaço aberto da filosofia e do saber”, in A Capital, 19 de Novembro, p. 9.

g. LegislaçãoDECRETO-LEI n.º 192/89. D.R I Série, 131 (89-06-08), 2254-2257.

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