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Trabalho de Conclusão de Curso
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO ÀS
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE POBREZA
Laura Massuda Mendonça (1)
Resumo:
Este artigo objetiva, por meio de um estudo de caso, investigar o Programa Bolsa Família
como estratégia na garantia dos direitos básicos de crianças pobres, minimizando situações de
negligência e vulnerabilidade social. O Programa Bolsa Família visa aliviar a pobreza de
forma imediata por meio de transferência direta de renda à família, além de buscar contribuir
para a redução da reprodução do ciclo de pobreza. Dentre suas condicionalidades, o programa
garante às crianças e adolescentes um acompanhamento da frequência escolar, o que está
diretamente ligada a garantia de direitos, influenciando o enfrentamento à violações de
direitos sofrida por crianças em situação de vulnerabilidade social. Realizamos um estudo de
caso por meio de uma entrevista semi-estruturada com uma família participante do programa,
analisando as informações obtidas de forma qualitativa. Por meio desse estudo, pudemos
identificar as mudanças ocorridas na renda familiar após a inclusão no PBF, garantindo a
família beneficiária um maior poder aquisitivo. Apesar disso, verifica-se que o programa não
conseguiu, de maneira expressiva, proporcionar a quebra do ciclo da pobreza, focando-se
apenas na transferência de renda, não ofertando meios que subsidiem a construção da
cidadania.
Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Violação de direitos. Vulnerabilidade. Pobreza.
Condicionalidades.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo investigar o Programa Bolsa Família (PBF)
como estratégia na garantia dos direitos básicos de crianças pobres, minimizando situações de
negligência e vulnerabilidade social. Para tal, buscou-se articular os aspectos teóricos do PBF
com a vivência de uma família participante do programa, por meio de um estudo de caso. Yin
1 Psicóloga Social na Secretaria Municipal de Assistência Social na Prefeitura Municipal de Campo Grande e
Pós-graduanda do Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected].
Trabalho de Conclusão de Curso
(2015) define estudo de caso como um método de pesquisa aplicado às ciências sociais, que
visa investigar um fenômeno contemporâneo no seu contexto real, contribuindo para o
conhecimento de fenômenos individuais, grupais, organizacionais, sociais, políticos e
relacionados.
Zimmermann (2006) destaca a relevância de estudos sobre as políticas públicas
voltados para a garantia do direito humano por se tratar de uma temática pouco discutida em
meio acadêmico, pois entende-se as políticas de proteção social muito mais como um
discurso humanitário do que como um direito.
Paralelo as afirmações de Zimmermann (2006), o Art.11º do Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 1992) reconhece "o direito de toda
pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação,
vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de
vida." Diante disso, faz-se necessário reconhecer as condicionalidades descritas no Programa
Bolsa Família com forma de enfrentamento às violações de direitos de crianças que se
encontram em situação de vulnerabilidade social.
Assim, o estudo de caso foi realizado com uma família participante do Programa
Bolsa Família (PBF) no Município de Campo Grande/MS; os dados foram coletados por
meio de uma entrevista semiestruturada (ANEXO I) e analisados qualitativamente,
verificando o papel do Programa Bolsa Família no enfrentamento às violações de direitos de
crianças em situação de pobreza, considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), bem como a Constituição Federal (1988), além de identificar as mudanças ocorridas
na renda familiar e na organização desta após a inclusão no PBF.
Primeiramente, o artigo trará os aspectos teóricos do Programa Bolsa Família e a
garantia de direitos, contextualizando o tema pobreza, baseando-se também nos direitos
garantidos por meio do ECA e da Constituição Federal. Em seguida apresentaremos a análise
do estudo de caso, encerrando com as considerações dos resultados obtidos por meio deste
estudo.
1 Programa Bolsa Família e a articulação com a garantia de direitos
Criado em 2004, por meio da Lei 10.836/2004, o Programa Bolsa Família
objetiva o alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda à família. Este
Trabalho de Conclusão de Curso
programa, proposto pelo Governo Federal, em parceria com os Municípios, surge após 40
anos de Políticas de Proteção Social no Brasil (SOARES e SÁTYRO, 2010).
O processo de construção das Políticas de Proteção Social resulta da mudança de
definição de pobreza no Brasil. Jesus (2007) retrata em seu estudo que a pobreza passou a ser
notada a partir do movimento sanitarista, no início do século XX, que trouxe a percepção de
que a falta de acesso da população aos serviços não estava ligada a ausência de estímulos
para trabalhar e sim ao descaso do governo em atender as necessidades básicas de saúde.
Segundo a autora, a compreensão da pobreza como um problema central de
desestruturação da sociedade só ocorreu a partir da década de 1960, quando o tema passou a
fazer parte dos discursos dos organismos internacionais (JESUS, 2007).
As mudanças na condução política gerada pela expansão das políticas públicas
em meio ao aumento do desemprego entre as décadas de 60 e 80, resultam em outras
mudanças de grande relevância, pois "a sociedade volta-se para a luta por seus direitos e pelo
acesso aos bens e serviços, incentivada principalmente através dos movimentos sociais, que
tem papel preponderante neste momento situado na década de 1980" (JESUS, 2007, p.05).
Segundo Figueiró (2010), no Brasil, a partir da década de 80, em decorrência do
agravamento da crise econômica e o espaço ocupado pelo discurso neoliberal, a pobreza
começa a ser tratada como uma questão social relacionada à degradação da função
integradora do trabalho.
Lavinas (2002) acrescenta que essa temática deve ser pensada principalmente no
contexto urbano, compreendendo o movimento das pessoas do campo para a cidade. Esta
representação da pobreza é mediada pela reprodução do modo urbano das condições de vida,
por meio da “dinâmica do mercado de trabalho, da natureza do sistema de proteção social e
do pacto de coesão social” (p.26), sendo evidenciada recentemente quando a temática
pobreza cede o lugar para a exclusão social.
Com a pobreza sendo percebida como uma questão social que merecia a atenção
do órgão gestor, inicia-se o trabalho das Políticas de Proteção Social, começando com a
criação da Previdência Social em 1971, consolidando-se com a Constituição Federal, em
1988, perpassando pela criação do Benefício de Prestação Continuada; o Programa de
Garantia de Renda Mínima, de 1991; Programas de Transferência de Renda Condicionada,
em 1995; o Programa de Erradicação de Trabalho Infantil, em 1996; Vale-Gás; Bolsa Escola
Trabalho de Conclusão de Curso
Federal, em 2001; para então culminar na criação do Programa Bolsa Família em 2004
(SOARES e SÁTYRO, 2010).
O fato do PBF ter sido criando com foco na família, possibilitou direcionar as
ações que já ocorriam com outros programas de forma individual para todo o grupo familiar
(MODESTO e CASTRO, 2010). De acordo com os autores, esta unificação só foi possível a
partir da criação do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, que permite a
atuação de uma rede intersetorial.
O Cadastro Único foi criado a partir de 2005 com orientação e apoio financeiro
do Governo Federal e realizado pelos municípios, este sistema utiliza o modelo de gestão
descentralizada e permite o cadastro e acompanhamento das famílias no PBF (MODESTO e
CASTRO, 2010). As famílias participantes são cadastradas no Cadastro Único, o que permite
a manutenção adequada dos dados e acompanhamento das condicionalidades.
O PBF possui três eixos principais a saber:
Complemento da renda — todos os meses, as famílias atendidas pelo
Programa recebem um benefício em dinheiro, que é transferido diretamente
pelo governo federal. Esse eixo garante o alívio mais imediato da pobreza.
Acesso a direitos — as famílias devem cumprir alguns compromissos
(condicionalidades), que têm como objetivo reforçar o acesso à educação, à
saúde e à assistência social. Esse eixo oferece condições para as futuras
gerações quebrarem o ciclo da pobreza, graças a melhores oportunidades de
inclusão social.
Articulação com outras ações — o Bolsa Família tem capacidade de integrar
e articular várias políticas sociais a fim de estimular o desenvolvimento das
famílias, contribuindo para elas superarem a situação de vulnerabilidade e
de pobreza (BRASIL, 2004).
Para adesão e continuidade do benefício, o PBF instituiu algumas
condicionalidades que constituem compromissos que as famílias beneficiadas devem aderir
para permanecer no programa; são eles: exame pré-natal, acompanhamento nutricional,
acompanhamento de saúde, e à frequência escolar de 85% para as crianças e adolescente de
06 a 15 anos de idade, e de 75%, para adolescente na faixa etária de 16 e 17 anos de idade
(BRASIL, 2008).
Curralero et. al. (2010) afirmam que o acompanhamento das condicionalidades
permite monitorar a oferta das políticas de educação, saúde e assistência social direcionadas
para as famílias de baixa renda, induzindo alguns comportamentos que contribuem de forma
positiva para a promoção social das familiar participantes, pois a aumento da escolarização e
Trabalho de Conclusão de Curso
o cumprimento adequado de agendas de saúde possibilitam novas perspectivas de inserção
socioeconômica.
Os autores destacam que
[...] a associação de condicionalidades de duas áreas – saúde e educação – e
o acompanhamento socioassistencial das famílias pela área da assistência
social, permitiu ao poder público realizar o acompanhamento do acesso dos
serviços a serem disponibilizados para toda a família, potencializando a
articulação e integração entre as políticas sociais. A instituição do Bolsa
Família procurou, desse modo, integrar e unificar os procedimentos de
gestão dos antigos programas de transferência de renda do Governo Federal,
com o propósito de contribuir também com a consolidação de uma rede de
proteção social ampliada para as famílias mais pobres. (CURRALERO et.
al., p.158)
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário - MDS (2015)
o PBF beneficiou cerca de 13,9 milhões de famílias que se encontram na linha da pobreza,
tendo como renda até R$164 mensais por pessoa, sendo que, conforme relatório diagnóstico
do Plano Brasil Sem Miséria (BRASIL, 2016).
O valor recebido pela família participante do PBF dependerá de sua composição e
de sua renda, sendo estabelecido pelo MDS as seguintes condições para o cálculo do
benefício:
Benefício básico, no valor de R$ 85,00 pago apenas a famílias
extremamente pobres (renda mensal por pessoa de até R$ 85,00);
Benefícios variáveis vinculado à criança ou ao adolescente de 0 a 15 anos,
no valor de R$ 39,00 (até cinco por família), pago às famílias com renda
mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham crianças ou adolescentes
de 0 a 15 anos de idade em sua composição (é exigida frequência escolar
das crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos de idade);
Benefícios variáveis vinculado à gestante, no valor de R$ 39,00, pago às
famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham
grávidas em sua composição. São repassadas nove parcelas mensais. O
benefício só é concedido se a gravidez for identificada pela área de saúde
para que a informação seja inserida no Sistema Bolsa Família na Saúde;
Benefício Variável Vinculado à Nutriz, no valor de R$ 39,00, pago às
famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham
crianças com idade entre 0 e 6 meses em sua composição, para reforçar a
alimentação do bebê, mesmo nos casos em que o bebê não more com a
mãe;
Benefício Variável Vinculado ao Adolescente, no valor de R$ 46,00 (até
dois por família), pago às famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por
pessoa e que tenham adolescentes entre 16 e 17 anos em sua composição. É
exigida frequência escolar dos adolescentes; e
Benefício para Superação da Extrema Pobreza, em valor calculado
individualmente para cada família, pago às famílias que continuem com
Trabalho de Conclusão de Curso
renda mensal por pessoa inferior a R$ 85,00, mesmo após receberem os
outros tipos de benefícios do Programa. O valor do benefício é calculado
caso a caso, de acordo com a renda e a quantidade de pessoas da família,
para garantir que a família ultrapasse o piso de R$ 85,00 de renda por
pessoa. (BRASIL, 2015b)
Gennari (2015) retrata que a erradicação da pobreza e da fome é uma das
prioridades mundiais, sendo o primeiro objetivo citado nos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), cuja meta para 2015 era diminuir pela metade o percentual de pessoas que
sobrevivem com menos de 1,25 dólares americanos por dia, que caracteriza a pobreza
extrema. De acordo com a autora, o objetivo foi alcançado em 2012, graças a três países
populosos: "Brasil, onde o percentual passou de 17,2% em 2005 para 6,1% em 2012; China,
que no mesmo período passou de 60,2% para 13,1% e Índia, que reduziu de 49,4% para
32,7%" (PNUD, 2013 apud GENNARI, 2015, p. 44).
De acordo com Modesto e Castro (2010), nos primeiros sete anos de PBF
avaliou-se que o mesmo teve impacto na
[...] redução dos indicadores de pobreza e de desigualdade de renda; que não
produzia incentivos inadequados sobre a oferta de trabalho; que aumentava
a frequência e a aprovação escolar, elevava os níveis de vacinação no
período apropriado e reduzia a desnutrição infantil; e que melhorava o
acompanhamento médico das mulheres grávidas. (p.16)
Curralero et. al. (2010) avaliam o impacto do PBF em 2009 de maneira positiva,
destacando o aumento da frequência escolar de jovens de 15 a 17 anos de idade, beneficiários
do PBF, comparado a jovens não beneficiários com o mesmo perfil; a melhora nas taxas de
progressão escolar de beneficiário que se mantêm na escola até os 14 anos; além de ser
registrado um aumento nas realizações de consultas de pré-natal e a vacinação em dia dos
membros das famílias beneficiárias.
As condicionalidades do PBF atendem diretamente a seguridade dos direitos das
crianças e adolescentes definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), pois
também é dever do estado garantir a efetivação do direito à vida, saúde, alimentação,
educação, esporte, lazer, cultura, dignidade, liberdade e convivência familiar e comunitária.
A Constituição Brasileira de 1988 prevê os direitos fundamentais inerentes a
pessoa humana, garantindo especialmente, os direitos sociais, que são descritos no Art. 6º,
Trabalho de Conclusão de Curso
"são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 1988). Alguns desses direitos
sociais também são descritos nos três principais eixos do PBF, reforçando o acesso à
educação, à saúde e à assistência social.
Como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o Art. 3º da
Constituição Federal estabelece:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. (BRASIL, Con1988)
O Art. 203 dispõe sobre os objetivos da assistência social, podendo destacar os
seguintes itens: “I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e a à
velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao
mercado de trabalho” (BRASIL, 1988), como aspectos básicos que permeiam as políticas
sociais de distribuição de renda.
Considerando que um dos requisitos para a participação do PBF é a renda
familiar, pode-se afirmar que toda família inserida no programa encontra-se em situação de
vulnerabilidade social, principalmente financeira. Ao unificar antigos programas sociais de
distribuição de renda e garantias de direitos humanos, o PBF propõe a superação do ciclo de
pobreza que estas famílias se encontram.
Dialogando com os direitos universais, Curralero et. al. (2010) afirmam que ao
considerar saúde, educação e assistência social como políticas universais, as
condicionalidades do PBF tem por objetivo reforçar esses direitos sociais, verificando que,
apesar de direitos universais, as políticas sociais não alcançam a população em sua totalidade,
principalmente no que se refere à oferta dos serviços.
Observa-se que ao determinar as condicionalidades às famílias participantes, o
PBF possibilita um melhor acompanhamento dos direitos sociais já garantidos pela
legislação, permitindo verificar se a violação dos mesmos é decorrente da ausência de
políticas públicas de atendimento à família ou da negligência familiar. Diante desta
constatação, verifica-se que o Programa Bolsa Família pode ser reconhecido como uma
Trabalho de Conclusão de Curso
estratégia de enfrentamento às violações de direitos de crianças que se encontram em situação
de vulnerabilidade social.
2 PBF NO ENFRENTAMENTO ÀS VIOLAÇÕES DE DIREITOS – UM ESTUDO DE
CASO
Para compreensão deste estudo de caso, faz-se necessário conceituar o termo
“vulnerabilidade social”. De acordo com Monteiro (2011), está temática começa a emergir no
anos 90, após o esgotamento da terminologia “pobreza”, pois esta relaciona-se apenas às
questões econômicas, limitando as possibilidades de estudo e consolidação das políticas
públicas.
Segundo a autora, a temática “vulnerabilidade social” direciona-se para os setores
mais desprovidos da sociedade, para então compreender os determinantes do processo de
empobrecimento (MONTEIRO, 2011).
Paulilo e Dal Bello (2002) definem a vulnerabilidade social como condições ou
circunstâncias vivenciadas pela pessoa, associadas à situações ambientais de risco, que
podem ser minimizadas ou revertidas.
Ao distinguir risco e vulnerabilidade, Janczura (2012) afirma que o conceito de
vulnerabilidade refere-se aos indivíduos, enquanto risco está associado a grupos e população.
Em seu estudo, verifica-se que a vulnerabilidade não possui uma condição passiva baseada
somente em carências sociais, devendo ela ser compreendida a partir da visão dos direitos
inerentes a pessoa humana e a cidadania.
Em Campo Grande/MS, o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS
vinculado à Secretaria de Assistência Social do município e desenvolve o trabalho voltado
aos serviços de proteção social básica, que constituem em programas, projetos e benefícios da
assistência social que visam prevenir situações de vulnerabilidade e risco social,
desenvolvendo potencialidades e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários
(BRASIL, 2009), O CRAS realiza o acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa
Bolsa Família e até abril de 2016, o programa possuía 27.581 famílias do município
(BRASIL, 2016).
Trabalho de Conclusão de Curso
O presente estudo foi realizado com uma família beneficiária do Programa Bolsa
Família, composta por 11 membros, sendo a genitora e provedora da família, Sra. E., de 32
anos, e seus 10 filhos, com idades entre 16 e 01 ano (16, 12, 10, 09, 08, 07, 05, 03, 02 e 01
ano especificamente).
Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semi-estrutura, realizada na
residência da família. Para a coleta, a entrevista foi gravada, para então ser transcrita,
realizando a análise qualitativa da mesma.
Por meio deste estudo de caso, identificamos a percepção da usuária em relação
ao PBF, além de levantarmos dados sobre as mudanças ocorridas na vida de seus familiares
após a inclusão no programa, avaliando também à eficiência do mesmo na garantia de
direitos dos membros da família.
Sra. E. recebe o benefício há cerca de três anos, e atualmente o valor recebido é
de R$ 682,00. Todos os seus filhos encontram-se inseridos em uma unidade de ensino
regular; o filho mais velho, está inserido no Educação de Jovens e Adultos - EJA, em período
noturno, os filhos com idade entre 12 e 05 anos, encontram-se inseridos na rede municipal de
ensino, e os de 03, 02, e 01 ano, frequentam o Centro de Educação Infantil próximo a
residência.
A família utiliza dos serviços básicos de saúde oferecidos em seu bairro, no
entanto o serviço de acompanhamento do PBF é realizado pelo Centro de Assistência Social-
CRAS localizado relativamente distante de seu bairro, sendo necessário a locomoção com
uso de transporte público.
No momento, Sra. E. trabalha de maneira informal como empregada doméstica,
realizando diárias em uma casa de família. A mesma justificou não ser possível um trabalho
com horário fixo, pois o fato de possuir 10 filhos, com horários escolares diversos,
impossibilita que a mesma cumpra uma carga horária de trabalho de 08h diárias. Dessa
forma, além do benefício do PBF, Sra. E. possui uma média salarial de R$ 400,00 mensais, e
também recebe o Benefício Vale Renda, no valor de R$ 170,00.
A usuária do PFB avalia o programa como muito bom, pois auxilia a família com
os gastos de energia elétrica e água encanada, além de possibilitar a compra de alimentos. De
acordo com a Sra. E. o PBF ajudou a melhorar as condições de vida da família, pois
antes a gente não tinha condições. Hoje em dia a gente já tem, como se
manter, como viver. Antes era bem precário, passava bastante dificuldade,
hoje em dia é bem melhor [sic].
Trabalho de Conclusão de Curso
Além do recurso financeiro, Sra. E. informo que o PBF oferece curso para as
famílias beneficiárias, porém desde quando a família começou a receber o benefício, Sra. E.
participou apenas de um curso,
eu fiz um curso de administração de dinheiro, como administrar o dinheiro
do programa, de onde ele vem e pra onde ele vai, fiz o curso lá no CRAS
[sic].
Em contraponto ao tempo de recebimento do programa e a atuação do mesmo
para que a família tenha um desenvolvimento socioeconômico a fim de deixar de utilizar o
programa, Zimmermann (2007) indica que as críticas recebidas pela condução do PBF está
diretamente relacionada ao fato de a partir do momento que o PBF não exige uma
contrapartida dos usuários, reflete-se “acerca da possibilidade de promoção do comodismo e
do contentamento com a renda mínima. Pergunta-se: o referido auxílio erradica de fato a
pobreza ou a mantém, amparada pela "acomodação" dos seus beneficiários?”.
Observa-se que o auxílio financeiro recebido favoreceu a melhora nas condições
de vida da família, retirando-a da miserabilidade, no entanto não oportunizou meios para a
efetivação de sua independência financeira e autonomia, superando o ciclo da pobreza, pois
apesar de estar há três anos inserida no PBF, o programa ofertou apenas um curso sobre
administração do dinheiro recebido.
Sobre as condicionalidades do programa, Sra. E. relatou que sempre busca
cumprir todas as condicionalidades, por acreditar ser importante o acompanhamento escolar e
de saúde dos seus filhos, acrescentando
o que eu vejo falar é que o programa, a gente, não é um dinheiro pra
sempre, ele ajuda a gente pra ir se mantendo. Sei que tenho que manter os
filhos na escola, a carteira de vacina tem que tá regularzinha, certinha, só
isso [sic].
Conforme Ferreira (2010), os programas de transferência de renda objetiva
minimizar uma situação de miséria ou vulnerabilidade já instalada, não tendo como foco a
prevenção. Porém, ao propor as condicionalidades diretamente ligadas a segmentos de
direitos inerentes a pessoa, o PBF possibilita meios para que as crianças que pertencem a
Trabalho de Conclusão de Curso
famílias em situação de pobreza ou pobreza extrema permaneçam em ambiente escolar,
utilizando também do sistema de saúde.
A promoção deste alívio imediato da pobreza, condicionando aos direitos sociais
básicos de saúde e educação, possibilita amenizar a pobreza no curto prazo e busca superá-la
a longo prazo, acreditando que ao elevar o nível de educação das crianças participantes do
PBF, cria-se condições e diferentes oportunidades para que as mesmas possam futuramente
interromper o ciclo de reprodução da pobreza (FERREIRA, 2010). Além de contribuir para
atender os direitos básicos da criança e do adolescente em relação a educação e a saúde,
possibilita a efetivação de alguns dos direitos sociais previstos no Art. 6º da Constituição
Federal, tais como alimentação, proteção à maternidade e à infância, buscando também a
redução das desigualdades sociais.
Outro ponto a ser considerado é a percepção dos beneficiários do PBF de que o
benefício recebido é uma ajuda e não um direito adquirido por lei, associando sempre a
benevolência e ao perfil assistencialista, fator este já observado em pesquisas anteriores
(FARIA, 2015; FIGUEIRÓ, 2010).
Em relação aos pontos positivos e negativos do PBF, Sra. E. relata que
Muita gente precisa realmente desse dinheiro, mas tem muita gente que não
precisa, você vê muitos casos. Por exemplo, eu tenho dez filhos, e recebo só
R$ 682,00, é pouco! A minha amiga ali recebe 500 e pouco, então pra mim,
já é pouco, mas tá bom. Graças a Deus! Antes pingar do que secar [sic].
Verifica-se, que ao considerar o PBF como sua principal fonte de renda, diante da
quantidade de membros de sua família e comparando com outras famílias usuárias do PBF,
Sr. E. analisa o valor como insuficiente, não atendendo todas as necessidades da família. No
entanto, ao considerar o valor recebido como um subsídio para a garantia de renda mínima,
Sra. E. recebe uma quantia que permite a aquisição da alimentação de seus filhos, além de
auxiliá-la em outras despesas com a moradia.
Costa et. al. (2012) alertam sobre as deficiências existentes nas políticas sociais
de transferência de renda, pois busca-se sanar as violações de direitos causadas pela pobreza
e não violações de direitos que originam a pobreza. Assim, mesmo possibilitando o utilizar a
renda para sanar as necessidades imediatas da família, o PBF não atenua os fatores que
provocam as situações de vulnerabilidade e risco as quais as famílias beneficiárias
encontram-se sujeitas.
Trabalho de Conclusão de Curso
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como eixo principal deste artigo, buscou-se investigar o Programa Bolsa Família
como estratégia na garantia dos direitos básicos de crianças pobres, minimizando situações de
negligência e vulnerabilidade social.
Por meio do estudo de caso realizado, pudemos identificar as mudanças ocorridas
na renda familiar após a inclusão no PBF, garantindo a família beneficiária um maior poder
aquisitivo, sem no entanto retirar a esta família da situação de pobreza. Além disso, o valor
recebido permitiu a Sra. E., bem como outras famílias beneficiárias, manter seus filhos em
ambiente escolar e organizar sua jornada de trabalho em favor de seus filhos, os quais exigem
maior dedicação, permitindo o núcleo familiar zelar pelos direitos fundamentais das crianças.
Importante mencionar que ao realizar a pesquisa de embasamento teórico para o
estudo de caso, verificamos o impacto positivo resultante das mudanças ocorridas após a
implantação do PBF, em 2004, que apesar de ser um programa social seletivo, o mesmo
possui grande abrangência, refletindo de maneira positiva nos dados relacionados a educação
e saúde. Nesse sentido, o PBF tornou-se um grande aliado na garantia de direitos básicos e
universais.
Porém, ao analisarmos seus objetivos centrais, verifica-se que o programa não
conseguiu, de maneira expressiva, proporcionar a quebra do ciclo da pobreza, focando-se
apenas na transferência de renda, não ofertando meios que subsidiem a construção da
cidadania, possibilitando a inserção dos beneficiários no mercado de trabalho, o que resultaria
em sua saída do programa.
Trabalho de Conclusão de Curso
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da
República. Brasília: 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 17 Agosto
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_____. Lei n. 8.069, de 13 de Junho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
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em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 10 Junho 2016.
_____. Decreto n.º 591, de 6 de Julho de 1992. Presidência da República. Brasília: 1992.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso
em 11 Junho 2016.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em: 06
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_____. Lei nº 11.692, de 10 de Junho de 2008. Dispõe sobre o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens - Projovem, instituído pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005; altera a
Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004; revoga dispositivos das Leis nos 9.608, de 18 de
fevereiro de 1998, 10.748, de 22 de outubro de 2003, 10.940, de 27 de agosto de 2004,
11.129, de 30 de junho de 2005, e 11.180, de 23 de setembro de 2005; e dá outras
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11692.htm#art20. Acesso
em: 10 Junho 2016.
_____. Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário: Número de beneficiários do Bolsa
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Trabalho de Conclusão de Curso
ANEXO I – Roteiro da entrevista semiestruturada
1. Qual a sua opinião sobre o Programa Bolsa Família?
2. Quantos filhos têm e qual a idade deles?
3. Há quanto tempo recebe o benefício?
4. Qual o valor recebido?
5. O que a família faz com o valor recebido?
6. A participação o PBF ajudou a melhorar as condições de vida da família? Em quais
aspectos?
7. Qual outro auxílio, além do recurso financeiro, que o PBF proporciona para sua família?
8. A família possui outra renda além do PBF?
9. O que você sabe sobre o PBF? Conhece os objetivos e suas condicionalidades?
10. Quais condicionalidades a família cumpre corretamente?
11. O que você acha dessas condições colocadas pelo PBF para o recebimento do benefício?
12. Pra você, quais são os pontos positivos e negativos do PBF?