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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIC DEPARTAMENTO DE PINTURA ORIENTADOR: Prof. Dr. Ingo Harald Moosburger CO-ORIENTADOR: Prof. Me. Fabricio Vaz Nunes ALUNA: Gislaine Pagotto A PROLIFERAÇÃO DAS SIMILITUDES EM OBRAS DE ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS PARANAENSES Curitiba, 13 de Agosto de 2010.

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIC … · As palavras e as coisas, ainda acompanhada de fichas de leitura e desenvolvimento escrito do projeto. Em Dezembro, foi lido Diferença

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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE PINTURA

ORIENTADOR: Prof. Dr. Ingo Harald Moosburger

CO-ORIENTADOR: Prof. Me. Fabricio Vaz Nunes

ALUNA: Gislaine Pagotto

A PROLIFERAÇÃO DAS SIMILITUDES EM OBRAS DE ARTISTAS

CONTEMPORÂNEOS PARANAENSES

Curitiba, 13 de Agosto de 2010.

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PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE PINTURA

ORIENTADOR: Prof. Dr. Ingo Harald Moosburger

CO-ORIENTADOR: Prof. Me. Fabricio Vaz Nunes

ALUNA: Gislaine Pagotto

A PROLIFERAÇÃO DAS SIMILITUDES EM OBRAS DE ARTISTAS

CONTEMPORÂNEOS PARANAENSES

Relatório contendo os resultados finais do projeto

de iniciação científica vinculado ao Programa PIC-

Embap

Curitiba, 13 de Agosto de 2010.

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GISLAINE PAGOTTO

A PROLIFERAÇÃO DAS SIMILITUDES EM OBRAS DE ARTISTAS

CONTEMPORÂNEOS PARANAENSES

Relatório contendo os resultados finais do projeto de iniciação científica vinculado ao Programa

PIC-Embap

Orientador: Prof. Dr. Ingo Harald Moosburger

Co-orientador: Prof. Me. Fabricio Vaz Nunes

Curitiba, 13 de Agosto de 2010.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Fundação Araucária, pelo apoio financeiro, e a EMBAP, pelo

apoio organizacional, para o desenvolvimento da pesquisa.

Aos orientadores Ingo e Fabricio, pelo apoio e orientação durante a pesquisa.

À Susan Cavallet, pela colaboração e generosidade.

À Bernadete Amorim.

À família e aos amigos companheiros, em especial ao Andre Raittz,

companheiro mor, e ao André Massena, que compartilharam angústias e

momentos de glória.

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RESUMO

A pesquisa trata de uma abordagem sobre a produção artística contemporânea

paranaense a partir dos pressupostos de Foucault, Deleuze e Guattari sobre similitudes,

repetição e diferença, principalmente. Por meio de tais conceitos pretende-se traçar relações

entre as diversas vertentes ou linguagens artísticas da atualidade, bem como, das obras com o

seu contexto histórico e com a sociedade paranaense. O intuito do trabalho consiste na busca

de uma leitura reflexiva de imagens, que procure abordar não apenas os objetos analisados,

mas também os diversos fatores que possibilitaram ou determinaram seu desenvolvimento.

Pretende-se, contudo, identificar similitudes em obras de artistas contemporâneos

paranaenses, sobretudo Bernadete Amorim.

Palavras Chave: similitude, simulacro, semelhança, representação, diferença, repetição.

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ABSTRACT

The present research is an approach to the artistic production in Paraná, taken the

theoretical assumptions of Foucault, Deleuze and Guattari on similarities, repetition and

difference. Through these concepts we intend to draw links between different contemporary

tendencies or artistic languages, as well as between the and their historical and social

context. The aim of this work consists in finding a reflective reading of images, seeking to

address not only the objects analyzed, but also the various factors that led to or have set its

development. It is intended, however, to identify similarities in the works of contemporary

artists from Paraná, especially Bernadette Amorim.

Keywords: similarity, simulacrum, resemblance, representation, difference, repetition.

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO, OBJETIVOS E METODOLOGIA……………………………... 08

2 INTRODUÇÃO………………………………………………………………………….. 11

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 CAPÍTULO I

3.1.1 A similitude sob os conceitos de Foucault …………….……………………………. 14

3.1.2 A similitude e suas relações em Deleuze e Guattari………………………................. 18

3.2 CAPÍTULO II

3.2.1 O meio como foco: um mundo pós-moderno………………………………………... 22

3.3 CAPÍTULO III

3.3.1 A arte contemporânea paranaense................................................................................ 26

3.4 CAPÍTULO IV

3.4.1 Resultados - Identificando similitudes nas obras de Bernadete Amorim..................... 30

4 CONCLUSÕES………………………………………………………………………….. 43

5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES…………………………………………………………..... 44

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………….... 45

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1 APRESENTAÇÃO, OBJETIVOS E METODOLOGIA

Este relato aborda o projeto de pesquisa realizado no Programa de Iniciação Científica,

realizado de Agosto de 2009 a Julho de 2010. O Programa é desenvolvido pela Fundação

Araucária através da Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

A pesquisa teve como foco específico a arte paranaense, visando articular questões

filosóficas que contribuem para ampliar as leituras da arte contemporânea e os reflexos de seu

contexto histórico. Entre tais questões estão: as linguagens imagéticas e verbais e suas

relações com o tempo e o espaço em que a arte acontece; as relações de similitude que as

obras têm entre si, entre obra e artista, entre elementos da obra e elementos do mundo; e as

relações dessas obras dentro do contexto histórico paranaense. Foi priorizado o contato com

artistas do nosso tempo e do nosso espaço, que são participantes da realidade do homem

contemporâneo.

A partir de uma filosofia que discute a relação que há entre as coisas, pretendeu-se

pesquisar de que forma acontece a proliferação das similitudes descritas por Foucault nas

obras de artistas contemporâneos paranaenses, com ênfase maior nas obras de Bernadete

Amorim. Com o aprofundamento do estudo sobre os conceitos de Foucault, Deleuze e

Guattari, pretendeu-se adquirir articulação suficiente para apontar em quais casos eles podem

ser utilizados na abordagem ou leitura de obras de arte e de suas relações com seu contexto

atual e com os demais objetos artísticos contemporâneos.

A arte contemporânea é a continuidade de uma longa corrente, que vem sendo

construída há muitos e muitos anos pelas diversas gerações que compõem a história da arte.

Cada geração apresentou em suas produções artísticas questões relacionadas ao seu contexto,

como as questões sociais, econômicas ou ideológicas que alteraram o modo de pensar e agir

da sociedade em questão. Ao mesmo tempo que essas mudanças eram apresentadas à arte,

elas mudaram a arte e o modo de pensá-la. Diante da forte relação entre a arte, a história e a

sociedade, a pesquisa sobre as articulações entre estas questões se faz relevante,

possibilitando tanto uma melhor compreensão dos processos históricos, como dos próprios

objetos artísticos. A leitura de um objeto artístico deve ser ampla, sempre considerando as

referências e os estímulos dos fatores que contribuíram para a idealização da obra. Pesquisar

tais relações entre os objetos artísticos contemporâneos paranaenses pode nos ajudar a

compreender melhor não apenas o desenvolvimento cultural de nosso estado, mas também o

desenvolvimento de nossa sociedade numa ótica mais ampla.

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A pesquisa, tal como seu desenvolvimento, foi realizada através de referências teóricas

e leituras de imagem com base nestes referenciais teóricos, realizando-se com fichas de

leitura, processo de construção dos textos e relatórios das atividades efetuadas. Os principais

teóricos pesquisados foram: Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari. O estudo destes

teóricos focou-se nos conceitos de Foucault, assim como a relação de similaridade e

multiplicidade que há entre as coisas e o que acompanha a idéia de repetição e diferenças,

colocadas também por Deleuze e Guattari. Na seqüência, houve uma contextualização a

respeito de quando se começou a pensar a arte diferentemente e posteriormente ao

Modernismo e alguns fatores possíveis de terem ocasionado mudanças na história da arte. Isso

foi realizado com o objetivo de estabelecer a relação ou relações entre obras de Bernadete

Amorim com o conceito de similitude e sua proliferação, unindo linguagem filosófica e

linguagem artística. Os materiais de apoio à pesquisa foram adquiridos principalmente em

bibliotecas, sites de pesquisa, instituições e livrarias. A pesquisa é apresentada com quatro

subdivisões em forma de capítulos, conforme o sumário do trabalho.

Ocorreram dificuldades durante a execução do projeto. Os tópicos que foram

propostos são muito mais abrangentes que o previsto, dificultando assim uma objetividade

breve dos assuntos e necessitando de mais buscas de materiais de apoio para suprir a

necessidade. Além de sugerir naturalmente alterações na execução do projeto diante do

previsto no pré-projeto. Além disso, a maioria das leituras direcionadas para o primeiro

capítulo proposto falam, ao mesmo tempo, de questões relacionadas aos dois capítulos

subseqüentes (capítulos II e III). Sendo assim, por aproveitamento de tempo, houve

preferência pela apropriação dessas informações encontradas referentes aos próximos

capítulos, com fichas de leitura e comentários breves a respeito das informações encontradas,

ao invés de desenvolver um capítulo de cada vez. Apenas o quarto e último capítulo,

destinado às leituras de imagens para a identificação de similitudes nas obras de Bernadete

Amorim, foi realizado após a finalização dos três primeiros.

Durante doze meses de pesquisa, houve a seguinte distribuição de tempo: o mês de

Agosto foi ocupado com captação de alguns materiais referentes ao tema proposto para a

pesquisa, além das releituras de Isto não é um cachimbo, de Michel Foucault, e Mil Platôs -

Capitalismo e Esquizofrenia, Volumes 1 e 4, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que

auxiliaram no desenvolvimento do pré-projeto, acompanhadas de fichas de leitura. No

segundo mês de desenvolvimento, Setembro, houve mais busca por materiais relacionados ao

tema, com o auxílio de referências dos orientadores, além de uma leitura vasta de A Evolução

Criadora, de Henri Bergson, que para o momento não houve aproveitamento eficaz referente

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à pesquisa, acompanhada de fichas de leitura caso pudesse vir a precisar. Em Outubro, foram

realizadas as leituras das obras A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, de

Walter Benjamin, e As palavras e as coisas, de Michel Foucault, com fichamento dos textos e

início de um desenvolvimento escrito. No mês de Novembro, houve continuação na leitura de

As palavras e as coisas, ainda acompanhada de fichas de leitura e desenvolvimento escrito do

projeto. Em Dezembro, foi lido Diferença e Repetição, de Gilles Deleuze, com um estudo

aprofundado das pesquisas dos textos anteriores, sempre acompanhado de fichas de leitura.

Em Janeiro, houve uma leitura complementar do texto de Geraldo Leão intitulado Da Ágora

à Internet. Ou da Representação do Mundo ao Mundo da Representação, acompanhado de

desenvolvimento escrito. Ainda neste mês, houve uma recapitulação das partes escritas com

uma fusão mais eficaz das mesmas e a entrega do relatório semestral. Também houve a

escolha dos artistas contemporâneos paranaenses para direcionar a aplicação da pesquisa

teórica, com leituras de imagens e referências dos artistas em relação às suas obras. A escolha

da artista Bernadete Amorim, para ênfase maior na aplicação dos conceitos, se deu a partir de

uma pesquisa prévia sobre ela e sobre algumas de suas obras, assim também por uma

conversa sobre seu processo de desenvolvimento. Houve preferência para a pesquisa profunda

de um único artista paranaense e seus trabalhos para a aplicação dos conceitos obtidos com a

pesquisa teórica, o que foi considerado mais conveniente. Em Fevereiro, iniciou-se a reflexão

sobre as obras de Bernadete Amorim através de anotações e algumas leituras de textos

escritos sobre seus trabalhos, além de textos da própria artista. Os meses de Março, Abril e

Maio, foram ocupados de leituras complementares e construção dos capítulos I, II e III. Em

Junho, iniciaram-se as leituras de imagens para identificação de similitudes nas obras de

Bernadete Amorim, Glauco Menta e Fábio Noronha, o trabalho de redação dos tópicos

introdução e considerações finais do trabalho e a participação no I Encontro de Iniciação

Científica realizado na EMBAP. Em Julho, último mês da pesquisa, foram realizadas as

finalizações necessárias e as correções.

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2 INTRODUÇÃO

A partir dos postulados de Foucault, Deleuze e Guattari sobre similitudes, repetição e

as relações entre as coisas, a problematização da pesquisa discorre sobre similitude, refletindo

sobre sua proliferação: de que forma o artista apresenta e repete seus motivos? Como se

revela a relação que o artista mantém com sua obra? Como estes achados podem sugerir

reflexões e questionamentos sobre a possibilidade de identificar similitudes em obras

artísticas? Busca-se criar assim, um paralelo entre a linguagem imagética articulada pelas

obras e a linguagem verbal de alguns teóricos contemporâneos que pesquisam sobre as

relações entre simulacros, semelhança, representação, identidade, diferença e repetição.

Estes conceitos encontram-se em análises de obras de artistas contemporâneos

paranaenses, particularizados neste estudo pela análise das obras da artista Bernadete

Amorim, através de leituras de imagem, textos escritos sobre a artista e textos escritos por ela

mesma.

A pesquisa inicia-se com uma proposição de aprofundamento do conceito de

similitude sob os pressupostos de Foucault. Pois, para pensar na proliferação das similitudes

em obras de artistas contemporâneos paranaenses, é necessário, num primeiro momento,

entender o que é similitude. Pretende-se esclarecer o que é, quais suas principais

características, as relações com o respectivo contexto histórico, além de propor uma reflexão

sobre a possibilidade de identificar similitudes em obras de arte.

A arte, de modo geral, é composta de repeticões e diferenças, seja no gesto do artista,

nos materiais utilizados como instrumento para a realização do trabalho, nas referências às

quais os modelos sugerem os elementos apresentados na imagem, entre os próprios elementos

da obra, nos espaços sucedidos, no próprio conceito do trabalho e assim por diante.

As similitudes são repetições em que a própria diferença atua; simulacros1 que não

dizem respeito à cópia e nem à representação, mas às semelhanças que ao mesmo tempo

difereciam-se.

Segundo Michel Foucault, as similitudes existem há muitos séculos, porém sofrendo

algumas alterações na História.2

O contexto histórico do conceito de similitude, apresentado na presente pesquisa,

inicia-se no século XVI e chega até os dias de hoje. A similitude dependia do conhecimento,

1 O simulacro difere-se de cópia, ele reverte as cópias e os modelos. O simulacro diferencia-se através da própria diferença. Vide 3.2 A similitude e suas relações em Deleuze e Guattari, capítulo I. 2 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 6a edição. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 33.

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sendo muito relacionada aos signos, por exemplo. Com o passar do tempo, a similitude sai do

domínio do conhecimento e passa a relacionar-se diretamente com a imaginação no

pensamento clássico, que era muito ligado a similaridades e equivalências. O tempo passa e a

similitude passa a ter uma relação mais próxima do simulacro. De acordo com Foucault, a

similitude passa a ser um caminho, que não dispõe nem de começo nem de fim, que perpassa

os elementos similares repetindo-se e diferenciando-se de pequenas diferenças em pequenas

diferenças.3

Como complemento à idéia de similitude, a segunda parte do primeiro capítulo

apresenta-se destinada às relações de Gilles Deleuze e Félix Guattari com os conceitos de

Foucault.

A noção de que o mundo é uma teia de relacionamentos, ou seja, um se relaciona com

o outro mesmo na sua própria individualidade, formando um elemento múltiplo, faz com que

tudo gire num espiral infinito, repetindo situações que diferem-se no próprio tempo e com a

soma dos conhecimentos empíricos do homem. Pode-se chamar isto de rizoma, conceito dado

por Deleuze e Guattari para explicar a importância da multiplicidade e do caminho que não

começa e nem conclui,4 que, por sua vez, tem relação direta com a idéia de Foucault a

respeito da similitude.

A aplicação desta idéia na arte pode ser visualizada através das repetições (enquanto

semelhanças e diferenças) que as obras apresentam em relação aos seus elementos, seja

visuais, materiais, conceituais, etc., em relação ao artista que executa a obra ou simplesmente

a cria, seja no gesto, na poética, etc., e em relação às imagens que o espectador identifica, seja

por memória ou consciência de si.

Entretanto, é necessário compreender que tudo que se repete apresenta diferenças. As

diferenças podem ser observadas inclusive no espaço e tempo em que as obras se apresentam,

tanto no espaço físico, quanto no espaço material. Isto é, se uma obra ocupa um suporte

tamanho x e de tal matéria, pouco importa se uma outra obra tentará copiar a mesma imagem,

num mesmo tipo de suporte e de mesmo tamanho, que ainda assim não será igual, pois as

obras terão espaços diferentes (não é o mesmo suporte apesar de serem da mesma matéria e

tamanho) e tempos diferentes (não foram feitos ao mesmo tempo).

Gilles Deleuze trata intensamente sobre repetição e diferença. O autor afirma que não

há repetição sem que haja diferença,5 seja na matéria, no espaço ou no tempo; que a repetição

3 FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Tradução de Jorge Coli. 4a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 60. 4 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Trad. de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 37. 5 Vide 3.2 A similitude e suas relações em Deleuze e Guattari, capítulo I.

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do idêntico pertence ao mundo da representação, sendo o simulacro concernente ao espaço e

tempo atuais.

Mas já houve um tempo na história em que os artistas acreditavam que era possível

uma representação real, ideal, igual.6

“O meio como foco: um mundo pós-moderno”, título do segundo capítulo, tem como

objetivo contextualizar a arte contemporânea: quais as alterações que tiveram no decorrer da

história; quais as alterações que diferem o pensamento na arte contemporânea do pensamento

moderno, as novas linguagens artísticas e as relações de simulacro neste contexto atual.

A arte contemporânea é resultado das mudanças políticas, econômicas, científicas e

sociais que permearam a história da humanidade. Uma das mudanças que houveram na arte

no decorrer do tempo, é que aquela idéia de representação, que marca o mundo clássico,

esvaiu-se, abrindo possibilidades para uma nova compreensão da imagem. O desejo de tornar

a pintura a forma idêntica do mundo, por exemplo, transformou-se no desejo de fazer pintura,

antes de “refazer” o mundo.

O individualismo, o consumo desenfreado, a comunicação de massa, as séries, o

simulacro, pertencem ao mundo atual, é o meio pós-moderno, o qual, conseqüentemente,

reflete na arte.

A arte paranaense é capaz de demonstrar tais conceitos pós-modernos através da sua

vasta produção artística. Diante dos artistas escolhidos para representar este contexto, é

possível identificar alguns valores materiais, conceituais, formais, e assim por diante,

conforme encontra-se nos capítulos três e quatro.

Algumas imagens de trabalhos dos artistas Fábio Noronha e Glauco Menta encontram-

se também no capítulo três com o intuito de exemplificar, na prática, uma forma de identificar

similitudes em obras artísticas. Através de algumas observações parciais, pretende-se

evidenciar algumas similitudes.

O quarto capítulo abrange textos sobre a artista Bernadete Amorim e sua poética no

âmbito do contexto a que se refere. As análises reflexivas das obras de Bernadete, encontram-

se também neste último capítulo.

6 Vide 3.2 A similitude sob os conceitos de Foucaulte, capítulo I.

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3 DESENVOLVIMENTO

3.1 CAPÍTULO I

3.1.1 A SIMILITUDE SOB OS CONCEITOS DE FOUCAULT

O sinônimo da palavra similitude, no dicionário, refere-se a semelhança e parecença.7

No entanto, Michel Foucault, aprofunda o sentido de similitude, apresentando seu

contexto histórico e esclarecendo o que é e quais suas principais características e relações com

semelhança, representação, diferença e repetição.

Similitude, para Foucault, é um termo que se refere a um caminho que perpassa do

similar ao similar. Esta passagem, entre os elementos similares, que não encontra nem

começo nem fim, se concentra como meio. Não é a simples semelhança em si, mas as relações

estabelecidas entre as coisas similares.8 Mas sempre foi assim?

Segundo Foucault,9 no século XVI, a similitude era vista como a soma da

Hermenêutica (o conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem fazer falar os signos e

descobrir seu sentido) com a Semiologia (o conjunto de conhecimentos e técnicas que

permitem distinguir onde estão os signos, definindo o que os institui como tais e conhecer

seus liames, suas ligações). Pois entre a Hermenêutica da semelhança e a Semiologia das

assinalações10

, existe um espaço, um caminho oscilado entre as coisas similares. Sendo assim,

a similitude era completamente assegurada pelo conhecimento.

Porém, o signo, no passar do século XVII, passa a não ser mais tão sólido no espaço e

nem a ter a mesma relação com a semelhança.

A similitude sai do domínio do conhecimento e liga-se à imaginação. Diz Foucault:

(…) a similitude é agora o fundo indiferenciado, movediço, instável, sobre o qual o conhecimento pode estabelecer

sua relações, suas medidas e suas identidades (…) porque não se trata mais de manifestar um conteúdo prévio ao

conhecimento, mas de dar um conteúdo que possa oferecer um lugar de aplicação às formas do conhecimento.11

O pensamento clássico propunha relações de similaridades e equivalências, ainda

contidas num pensamento representativo.

7 MIRANDA, Augusto. Dicionário 2001 do homem moderno, vol. 4. Q-Z. Edição 8. São Paulo: Editorial Focus, 1976. p. 1010. 8 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 6a edição. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 45. 9 Ibid. 10 A assinalação é uma espécie de decifração; torna as coisas visíveis, como uma palavra que define alguma coisa; ela serve, inclusive, para dar nome às similitudes identificadas nas obras de arte, por exemplo. (FOUCAULT, 1992, p. 42). 11 Id., p. 83

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Nessa época, haviam diferentes formas de similitudes, porém, entre elas, se destacam

quatro essenciais. São elas: convenientia, aemulatio, analogia e uma quarta assegurada pelo

jogo das simpatias12

.

A primeira delas, chamada de convenientia (ou conveniência), faz referência aos

elementos que se avizinham, que se aproximam e se ligam uns aos outros, fazendo com que a

extremidade de um determine o começo do outro, formando círculos com pontos de contato.

A aproximação dos elementos é conveniente. Há uma relação, uma comunicação entre as

matérias naturais, como a terra, o mar, as plantas, o homem. Um exemplo claro dessa

afirmação pode ser dado pela relação de semelhança que há nas rugas que aparecem no rosto

dos homens, após determinada idade, com espécies de ervas que aparecem na natureza. Dessa

forma, faz-se uma comunicação visível de vizinhança e proximidade.

Na segunda forma de similitude, chamada aemulatio (ou emulação), a similitude atua

através de um distanciamento. Ela não forma uma cadeia, mas círculos concêntricos,

refletidos e rivais, como se reproduzissem círculos longe uns dos outros e espelhados, sem

pontos de contato, ou seja, é uma semelhança sem contato. Pela emulação, as coisas podem se

imitar de uma extremidade a outra do mundo sem proximidade. Ainda podem envolver-se por

outra duplicação em número de vezes infinito, apossando-se umas das outras, ainda que elas

não tenham o mesmo valor e nem a mesma força. Os elementos dispersos relacionam-se.

Quando se compara a boca, que é por onde passam os beijos e as palavras de amor, com

Vênus, por exemplo, traça-se uma similitude de emulação, pois Vênus representa o amor,

tornando possível, assim, visualizar a relação de semelhança.

Na analogia, as similitudes se apresentam como as semelhanças mais sutis das

relações. Não são visíveis, todas as figuras do mundo podem se aproximar e seu ponto

principal é o homem, por ser saturado de analogias. O homem é por ele envolvido e, ao

mesmo tempo, transmite as semelhanças que recebe do mundo. Exemplo: as veias do homem

podem ser associadas a grandes rios, pois ambos fazem correr (sangue nas veias e água nos

rios) num só sentido. Assim como os ossos podem ser associados a rochedos, ambos rígidos,

mas que podem quebrar-se.

Por fim, a quarta forma de similitude, que é assegurada pelo jogo das simpatias,

aproxima as coisas por movimento exterior e visível. “(…) como essas rosas fúnebres que

servirão num funeral, que, pela simples vizinhança com a morte, tornam „triste a agonizante‟

12 id., p. 33-41.

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toda pessoa que respirar seu perfume”13

. Atrai o que é dramático para a tragédia e o que é

tênue para o espaço desoprimido. A simpatia tem o poder de assimilar, de tornar as coisas

idênticas umas às outras, de misturá-las, de fazê-las desaparecer em sua individualidade, de

torná-las estranhas ao que eram. Altera, transforma, mas na direção do idêntico. Entretanto,

seu poder é contrabalançado pela antipatia, que mantém os elementos em seu isolamento e em

sua diferença, para não reduzir o mundo a uma mesma coisa e preservar sua singularidade,

pois quando as matérias passam a ser idênticas umas às outras, elas passam a ser substituíveis.

Aproxima as figuras ao mesmo tempo que as mantém a distância. É o jogo que faz com que o

mundo permaneça como é; preserva os elementos do mundo para que permaneçam o que são.

O mesmo persiste o mesmo.

No entanto, houve alterações com o passar do tempo.

A pintura, por exemplo, até o fim do século XVI, imitava o espaço. “A representação

(…) se dava como repetição: teatro da vida ou espelho do mundo.”14

No século XIX, “a teoria

da representação desaparece como fundamento geral de todas as ordens possíveis.”15

À vista

disso, a semelhança enquanto simulacro,16

passa a atuar no espaço, exaltando os valores da

diferença.

Foucault afirma:

Assemelhar significa uma referência primeira que prescreve e classifica. O similar se desenvolve em séries que não

têm nem começo nem fim, que é possível percorrer num sentido ou em outro, que não obedecem a nenhuma

hierarquia, mas se propagam de pequenas diferenças em pequenas diferenças. A semelhança serve à representação,

que reina sobre ela; a similitude serve à repetição, que corre através dela. A semelhança se ordena segundo o

modelo que está encarregada de acompanhar e de fazer reconhecer; a similitude faz circular o simulacro como

relação indefinida e reversível do similar ao similar.17

Uma das características da similitude é que ela não afirma e nem representa nada. Une

características modificadas às coisas comuns, como mudança de forma ou de estrutura de um

elemento natural, de um objeto ou até mesmo de uma pessoa. Ou modificação de funções a

que estes são naturalmente destinados, como folhas de árvore que caem sobre o chão, mas não

têm outra função senão enquanto suas características e necessidades de plantas, mas que

todavia, com o vento, levantam vôo e por um momento pode-se associá-las a pássaros.

13 Id., cit. p. 39. 14 Id., p. 33. 15 Id., p. 13. 16 Vide nota de rodapé 1 e 3.2 As similitudes e suas relações em Deleuze e Guattari, capítulo II. 17 FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Tradução de Jorge Coli. 4a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 60.

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Fundir a obra de arte e aquilo que ela deve representar, fazendo com que a obra seja

referência dela mesma, é uma forma de separar a similitude da condição representativa.

Implicando uma distância interior e uma diferença entre a obra e o que ela deve imitar. Pois a

representação, estando relacionada à condição de tornar idêntico fielmente a imagem ao seu

modelo, exige a aproximação de um com o outro para que haja referência.

A representação semelhante faz com que os objetos reconhecíveis e as silhuetas

familiares sejam como são; a similitude traz à tona o que está escondido, o que está por trás

do óbvio desses elementos. A similitude desloca e muda os elementos similares. “A

semelhança comporta uma única asserção, sempre a mesma: isto, aquilo, aquilo ainda, é tal

coisa. A similitude multiplica as afirmações diferentes, que dançam juntas, apoiando-se e

caindo umas em cima das outras.”18

De acordo com Foucault,19

enquanto a exatidão da imagem funciona como um índice

na direção de um modelo, de um “padrão” soberano, insubstituível, único e exterior ao

mesmo tempo ideal e real, a série das similitudes nega esta imagem “perfeita”, idêntica. O

simulacro corre sobre a superfície num sentido sempre reversível, ou seja, é possível reputar

um conceito diante das repetições e diferenças nos elementos identificados numa obra e

recorrer a novas investigações.

18 Id., p. 63-64. 19 Id., p. 61-62.

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18

3.1.2 A SIMILITUDE E SUAS RELAÇÕES EM DELEUZE E GUATTARI

Na primeira parte deste capítulo, houve a pretensão de alumiar os juízos sobre

similitude sob os preceitos de Foucault. Nesta parte, intenta-se complementar as idéias através

dos conceitos de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

O caminho que Foucault prescreve existir na similitude, que se encontra sempre no

meio e não começa e nem conclui, é definido por Deleuze e Guattari como rizoma. O rizoma

é uma linha que depende da multiplicidade de vários seres, depende da conjunção “e... e...

e...”20

, pois sem multiplicidade não haveria relação. A relação é uma correspondência entre

duas ou mais pessoas, fatores ou coisas.21

Essa multiplicidade é um conjunto de unidades que

se relacionam, porém, elas só funcionam em conjunto, enquanto unidades elas perdem seu

caráter rizomático.22

As unidades precisam da simbiose.

Isso significa que há relações entre elemento e elemento da obra de arte, entre modelo

e imagem, entre artista e obra e assim por diante. Pois qualquer ponto de um rizoma deve ser

conectado a outro.23

Além disso, o rizoma é sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com

múltiplas entradas e saídas, como o simulacro.

Se o similar se propaga de pequenas diferenças em pequenas diferenças e a similitude

serve à repetição, o que significa exatamente repetir e diferenciar?

De acordo com Deleuze e Guattari, diferença e repetição são as novas formas de

pensar o idêntico e o negativo, a identidade e a contradição. Afirmam: “A diferença e a

repetição tomaram o lugar do idêntico e do negativo, da identidade e da contradição, pois a

diferença só implica o negativo e se deixa levar até a contradição na medida em que se

continua a subordiná-la ao idêntico.”24

A identidade é pertencente à representação e, como a

representação marcou o mundo clássico, o pensamento atual abole esta condição e passa a

engendrar um conceito de simulacros.

A identidade, ou o idêntico, sendo característica própria da representação, é necessária

para compreender a repetição como objeto da própria representação, no entanto, a repetição é

explicada de forma negativa, pois “a identidade de um conceito só qualifica uma repetição se

20 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Trad. de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 37. 21 MIRANDA, Augusto. Dicionário 2001 do homem moderno, vol. 4. Q-Z. Edição 8. São Paulo: Editorial Focus, 1976. p. 930. 22 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Trad. de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. p. 16. 23 Id., p. 15. 24 DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. S/d. p. 256.

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19

uma força negativa (de limitação ou de oposição) impedir ao mesmo tempo que o conceito se

especifique e se diferencie em função da multiplicidade que ele subsume.”25

Por outro lado, “o simulacro é o sistema em que o diferente se refere ao diferente por

meio da própria diferença.”26

O simulacro não é cópia, ele reverte as cópias e os modelos.

Cada série é constituída de diferenças e comunica-se com as outras séries por meio de

diferenças de diferenças. Portanto, o simulacro não imita, apenas repete. Porém, na repetição

sempre haverá diferenças.

A repetição caracteriza-se pela soma e o valor das diferenças. A repetição é singular.

Ou há repetição de elementos que são de diferentes naturezas, ou quando coisas se distinguem

innúmero, no espaço e no tempo, que no entanto têm naturalmente o mesmo conceito; ou há

repetição de um mesmo elemento, porém inevitavelmente sem conceito, instaurando uma

diferença, pois “a repetição é a diferença sem conceito”27

. Pois não é possível repetir um

conceito. Isso faz do repetido ser singular, insubstituível. Não é possível trocar, substituir dois

verdadeiros gêmeos, por exemplo.

Entretanto, o critério da generalidade é a troca. Difere da repetição neste sentido. A

generalidade apresenta a ordem das semelhanças: que é a variação dos elementos da ação em

relação ao modelo suposto; e a ordem das equivalências: que é a igualdade de elementos da

ação em situações diversas. Seus símbolos são os ciclos e as igualdades.

Há dois tipos de repetição: a repetição estática e a repetição dinâmica.

As principais características da repetição estática são: visibilidade na obra resultante,

que remete a um mesmo conceito com a diferença entre os exemplares de uma mesma figura,

como repetição do mesmo. É negativa por deficiência do conceito, é estática, a repetição está

no efeito, é desenvolvida e possível de explicação.

A repetição dinâmica difere em: visibilidade na “evolução” do gesto, repetição de uma

diferença interna que ele compreende em cada um de seus momentos e que ele transporta de

um ponto relevante a outro, com a ordem dinâmica (já não há conceito representativo nem

figura representada num espaço preexistente), há uma idéia e um puro dinamismo criador de

espaço correspondente. É afirmativa por excesso da idéia, dinâmica, a repetição está na causa

e é envolvida, devendo ser interpretada.

Deleuze (s/d, p. 26) diz que o repetido não pode ser representado; que a repetição e a

representação diferem-se naturalmente, opõem-se.

25 Id., p. 268. 26 Id., p. 261. 27 Id., p. 31.

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20

De acordo com o autor28

, representação é a relação de igualdade entre o conceito e seu

objeto (por memória ou por consciência de si). A identidade do conceito é invocada pela

representação para explicar a repetição e compreender a diferença. O mesmo, o idêntico e a

analogia são princípios da representação.

A semelhança, por sua vez, não é parte de uma identidade, pois seu atributo no

conceito não é uma fração do elemento similar justamente porque, esse atributo, pode tornar-

se outro. Sendo assim, a semelhança passa a fazer parte de uma relação indireta com o

elemento, passa a ter uma relação exterior.

Por isso “o idêntico tornou-se o caráter interno da própria representação, assim como a

semelhança tornou-se sua relação exterior com a coisa.”29

A forma de distinguir a simples semelhança da repetição é compreender que os

elementos de uma obra não se assemelham como identidade, representação, mas se

assemelham na própria diferença, com efeito que: os elementos “diferem sob um conceito que

é absolutamente o mesmo.”30

As coisas apenas se assemelham porque são diferentes e só há diferença nas coisas por

haver semelhança. Por exemplo: a pintura de uma cadeira é diferente de uma cadeira porque é

uma pintura e não um objeto; no entanto, uma cadeira com um designer diferenciado pode

assemelhar-se, numa perspectiva favorável, com um pássaro, porém nem o pássaro e nem a

cadeira são iguais e nem da mesma natureza. Há duas fórmulas: “os semelhantes diferem" e

"os diferentes se assemelham”31

, que caracterizam a repetição.

Se a repetição depende ao mesmo tempo da semelhança e da diferença, o que

caracteriza a diferença?

Conforme Deleuze, a diferença tem papéis divergentes no âmbito da idéia. Ele diz:

Num caso a diferença é posta somente como exterior ao conceito, diferença entre objetos representados sob o

mesmo conceito, caindo na indiferença do espaço e do tempo. No outro caso, a diferença é interior à Idéia; ela se

desenrola como puro movimento criador de um espaço e de um tempo dinâmicos que correspondem à Idéia.32

Ou seja, no primeiro caso, a diferença está diretamente relacionada a repetição

estática; já no caso seguinte, a diferença alude à repetição dinâmica.

28 Id., p. 20. 29 Id., p. 256. 30 Id., p. 254. 31 Id., p. 281. 32 Id., p. 31.

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21

De qualquer forma, é indispensável detectar diferenças formais em um ou mais

elementos repetidos dentro da obra, semelhanças que se diferenciam e diferenças que se

assemelham, através de leituras de imagem, para aludir à idéia de similitudes.

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22

3.2 CAPÍTULO II

3.2.1 O MEIO COMO FOCO: UM MUNDO PÓS-MODERNO

Este capítulo tem por objetivo contextualizar a arte contemporânea: quais as alterações

que diferem o pensamento na arte contemporânea do pensamento moderno, as novas

linguagens artísticas e as relações de simulacro neste contexto atual. Entretanto, não se

pretende contudo, definir qualquer conceito a respeito do que seja pós-moderno e nem

considerar que os conceitos tradicionais da arte deixaram de existir. A intenção deste capítulo

é, antes de tudo, um convite à uma reflexão sobre os possíveis pensamentos pós-modernos da

arte e da sociedade.

“A arte da segunda metade do século XX e do início deste XXI carrega em suas

imagens uma imagem do mundo problemática e esquiva. Misto de sombra e luz, da caverna

platônica e da internet.”33

Isso acontece justamente porque interrompeu-se o fato das pessoas entenderem a

pintura como cópia da realidade. Ao contrário disso, as pessoas passaram a ver pinturas. No

entanto, é inevitável que a arte seja reflexo da realidade do espaço em que ela acontece, mas

ser reflexo, não significa ser igual ou ser uma cópia, antes disso pode ser considerada como

repetição das ações contemporâneas à sua produção, com algumas variações de diferença.

Isso nada mais é do que um mundo de simulacros, que não copia nada, mas que compreende

uma relação entre as coisas similares.

Walter Benjamin afirma que a obra de arte é, e sempre foi, tão singular quanto a sua

instalação no contexto da tradição, que é algo vivo e mutável.34

Ou, como dizem Deleuze e Guattari: O pensamento atual “nasce da falência da

representação (…) e da descoberta de todas as forças que agem sob a representação do

idêntico.”35

Uma das forças que agem sob a representação do idêntico e que constituem a

singularidade da obra pode ser compreendida a partir do espaço e do tempo em que a obra

está inserida. O “aqui e agora” da obra de arte é uma prova de que não há como imitar ou

copiar nada de forma perfeita, pois para repetir perfeitamente um elemento, duplicando-o, é

necessário repetir inclusive o espaço onde ele está localizado e o tempo em que ele foi

produzido. No entanto, se houver esta repetição perfeita, de tempo e espaço, os similares

33 LEÃO, Geraldo. Da Ágora à Internet. Ou da representação do mundo ao mundo da representação. S/d. p. 02. 34 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.Trata-se da segunda versão do texto, iniciada por Walter Benjamin em 1936 e publicada em 1955. p. 05. 35 DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. S/d. p. 08.

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fundem-se numa coisa só, esses elementos repetidos acabariam por estar um exatamente a

frente do outro, impedindo a visualização dos dois: o que era dois, torna-se um; a

multiplicidade torna-se unidade. À medida que seja possível continuar visualizando o copiado

e sua cópia, é possível também identificar uma diferença de espaço nesta repetição, de forma

que mesmo buscando o mesmo, o igual, encontrar-se-á diferenças. Conforme as imagens

abaixo:

A compreensão das relações existentes entre as coisas similares, neste caso, podem ser

observadas entre a arte contemporânea e o espaço e tempo pós-modernos.

Há uma fábula que talvez possa alumiar o fato da arte, hoje, carregar em suas imagens

uma imagem do mundo, como a citada no segundo parágrafo, que diz o seguinte:

Imaginemos uma fabulazinha onde o herói seja um certo urbanóide pós-moderno: você. Ao acordá-lo, o relógio-

digital dispara informações sobre o tempo e o trânsito. Ligando a FM, lá está o U-2. O vibromassageador amacia-

lhe a nuca, enquanto o forno microondas descongela um sanduíche natural. No seu micro Apple II, sua agenda

indica: REUNIÃO AGÊNCIA 10H/ TÊNIS CLUBE 12H/ ALMOÇO/ TROCAR CARTÃO MAGNÉTICO

BANCO/ TRABALHAR 15H/ PSICOTERAPIA 18H/ SHOPPING/ OPÇÕES: INDIANA JONESBLADE

RUNNER VIDEOCASSETE ROSE, SE LIGAR/ OPÇÕES: LER O NOME DA ROSA (ECO) – DALLAS NA TV

– DORMIR COM SONÍFEROS VITAMINADOS/.

Seu programa rolou fácil. Na rua divertiu-se pacas com a manifestação feminista pró-aborto que contava com um

bloco só de freiras e, a metros dali, com a escultura que fazia a Pietá (aquela do Miguelangelo) com baconzitos e

cartões perfurados. Rose ligou. Você embarcou no filme Indiana Jones sentado numa poltrona estilo Memphis –

Uma pirâmide laranja em vinil – desfiando piadas sobre a tese dela em filosofia: Em Cena, a Decadência. A

câmera adaptada ao vídeo filmou vocês enquanto faziam amor. Será o filme pornô que animará a próxima vez.

Ao trazê-lo de carro para a casa, Rose, que esticaria até uma festa, veio tipo impacto: maquiagem teatral, brincos

enormes e uma gravata prateada sobre o camisão lilás. Na cama, um sentimento de vazio e irrealidade se instala em

você. Sua vida se fragmenta desordenadamente em imagens, dígitos, signos – tudo leve e sem substância como um

fantasma. Nenhuma revolta. Entre a apatia e a satisfação, você dorme.36

A fábula não propõe conclusões, mas aspira, pretenciosamente, simbolizar alguns

possíveis pensamentos atuais. Intuita-se deixar em aberto qualquer consideração num sentido

possível de reversão.

Um dos fatores que marcam essa transação para o pós-moderno, é a utilização de

materiais não convencionais para os objetos de arte, por exemplo. Aliás, tudo que é

36 SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 08-09.

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convencional parece transformar-se. O convencional parece fundir-se com desconstrução,

cheio/vazio, fragmentação e, como diz Tom Zé, com unimultiplicidade: onde cada homem é

sozinho à casa da humanidade.37

O individualismo predominou. Junto a ele, o consumismo. As cidades crescem e

desenvolvem-se rumo às grandes metrópoles, com seus shoppings e grandes centros

comerciais. Os ambientes de casas particulares, os interiores, também são tidos como espaço

urbano, pois os móveis, os objetos, os roupões de sair do banho, etc., são produtos que

evidenciam um interesse social no consumo.38

Isso reflete sem dúvida na produção de arte.

A arte contemporânea toma corpo com a arte Pop nos anos 60.39

A arte Pop buscou a

fusão da arte com a vida, manifestando-se em rótulos, sabonetes, hamburguers – “signos e

objetos de massa”.40

A arte pós-moderna é uma antiarte que “não quer representar (classicismo), nem

interpretar (modernismo), mas apresentar a vida diretamente em seus objetos”.41

A arte

começa a abandonar os museus e as galerias.42

Ou então, passa-se a questionar o que é arte,

como o readymade de Duchamp: o Mictório, por exemplo. Não busca mais a beleza e o valor

eterno, mas o crú e o efêmero.

A “„arte-como-arte‟ (…) como única possibilidade de sobrevivência da arte em um

mundo dominado pelo mercado”43

é posta em questão.

Algumas características44

da arte moderna é que pretendia uma cultura elevada,

possível de interpretação, a originalidade na obra, a forma, a oposição ao público, a crítica

social, a afirmação da arte, dentre outros; já a arte pós-moderna requer uma antiarte, um

cotidiano banalizado, uma arte que apresenta antes de mais nada, o processo, o conteúdo, o

jogo com a arte, a participação do público, de preferência que tenha algum comentário

cômico, tem uma tendência para abolição dos “ismos”, etc.

As artes Pop, minimal, conceitual, hiper-realista, happinings, performances, land art,

videoarte, instalação, grafite, são algumas linguagens da arte que invadiram o espaço,

rompendo a tradição.

37 Música Brasil corrupção. Autoria de Tom Zé. 38 A metrópole e a arte. Catálogo. São Paulo: Prêmio, 1992. (Arte e cultura; 13) p. 12. 39 SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 08. 40 Id., p. 36 41 Id., p. 37. 42 Id., p. 36. 43 Escritos de artistas: anos 60/70 / seleção e comentários Glória Ferreira e Cecilia Cotrim; [tradução de Pedro Süssekind... et AL.]. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. p. 16. 44 SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 39-40; FREIRE, Cristina.

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25

Uma delas, a arte conceitual, opera com a idéia, o conceito, não com a forma e os

objetos. “A arte conceitual (…) é, sobretudo, uma crítica desafiadora ao objeto de arte

tradicional”45

.

Uma das tradições da arte é aquela, cuja tentativa era a imitação da realidade da forma

mais fiel possível: a representação do espaço. Mas a partir do momento que os teóricos

evidenciaram a idéia da criação através da imagem e semelhança, foi possível compreender a

pintura pensando nas “relações da imagem com a sua própria noção da realidade, e não mais

com os modelos platônicos, ideais”.46

Ernest Gombrich (2007, p. 44) diz: “Aquilo que um

pintor investiga não é a natureza do mundo físico, mas a natureza das nossas reações a esse

mundo.”

Se as imagens artísticas já não pretendem copiar qualquer coisa que seja, seus valores

atribuem-se nos próprios elementos que a imagem apresenta. A arte já quis imitar, hoje quer

apresentar. “O espaço sem distâncias da arte e da pintura tem visto sua função e estatuto de

representação do espaço se constituir no espaço da representação.”47

45 FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. p. 10. 46 LEÃO, Geraldo. Da Ágora à Internet. Ou da representação do mundo ao mundo da representação. S/d. p. 02. 47 Id., p. 11.

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26

3.3 CAPÍTULO III

3.3.1 A ARTE CONTEMPORÂNEA PARANAENSE

Neste capítulo há uma breve reflexão sobre alguns artistas que compõem a arte

contemporânea paranaense e suas obras. Uma breve observação sobre as produções de Fábio

Noronha e Glauco Menta sob os conceitos de similitude. A atenção maior está voltada para a

artista visual Bernadete Amorim, que terá suas obras analisadas mais intensamente através de

leituras de imagem contidas no quarto e último capítulo.

A arte contemporânea paranaense é apresentada por muitos nomes. Cada um com suas

linguagens, poéticas, conceitos, gestualismo, forma. É inoportuno discorrer sobre todos eles.

Sendo assim, a prioridade restringe-se na citação de poucos.

Há uma atenção especial ao artista Fábio Noronha, que tem uma produção artística

direcionada à pesquisa do idêntico e do diferente através de fotografia, vídeo, imagem digital,

áudio, instalação “ou qualquer outro que lhe dê o suporte necessário para suas questões

poéticas e estéticas”.48

Fábio desenvolve seus trabalhos a partir dos anos 90. Uma das

repetições que aparecem na sua produção é o fato de que alguns de seus trabalhos são

desenvolvidos em séries e, a cada série, os elementos novos se apresentam na seguinte,49

porém sob algumas diferenças. Observe que na figura 01, há dez desenhos que aparentemente

são iguais, mas prestando muita atenção, percebe-se que são dez desenhos diferentes, pois não

se trata de reprodução, mas do valor de originalidade apresentado nas diferenças encontradas

em meio às repetições.50

FIGURA 01

s/título, auto-retrato – série acidez, 2000/01, grafite, guache e verniz sobre papel 64x150cm

48 GEMIN, Deborah Alice Bruel. A arte de Fábio Noronha. Monografia apresentada para a obtenção de Especialista no curso

de Pós-graduação em História da Arte do Século XX, Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Orientadora: Profa Dra Dária Jaremtchuk, 2006. p. 03. 49 Id., p. 04. 50 Id., p. 33.

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O artista curitibano Glauco Menta, tem mais de vinte anos de produção. Suas obras

são mais atreladas ao conceito do que à forma,51

distribuídas entre pintura, serigrafia e técnica

mista sobre diferentes suportes, escultura em cerâmica, adesivos cerâmicos, arte gráfica. Seus

trabalhos são espécies de Pop Art em novo contexto. Em suas obras é possível identificar

muitas similitudes, mas para o momento é conveniente observar parcialmente algumas:

Parte de sua produção, apresenta imagens repetidas em forma, tamanho, textura e

cores, diferenciando-se na disposição das cores e, conseqüentemente, na ilusão de

profundidade dentro de uma mesma obra (vide figura 02); outra parte repete forma, mas a

mesma forma difere-se enquanto posição, observe que na imagem 03, a forma do elemento é

a mesma, porém apresenta-se como se estivesse refletida em espelho. Algumas diferenças

encontram-se também em textura, cor e espaço dentro de um mesmo trabalho; algumas séries

repetem-se em forma, mas diferenciam-se em cor (vide figura 04), porém a mesma forma

difere-se na relação tempo/espaço das obras; há séries que repetem a organicidade dos

elementos, a inclusão de letras, palavras, que se igualam na pretensão do uso, no suporte e na

técnica, porém diferem uns dos outros pelas cores e pela forma (vide figura 05). Visto que a

maior parte dos seus trabalhos são figurativos, ainda é possível fazer uma relação com os

elementos reconhecíveis do mundo que aparecem na obra, refletindo sobre as semelhanças e

diferenças que há de um para outro.

FIGURA 02

s/título, série diversa, 1989, acrílica e acrílica sobre tela, 50x50cm. Coleção Jorge Sada.

51 Glauco Menta 1985-2005: pletora de cores. Catálogo. Texto de Benedito Costa Neto. Trad. Cid Peters. Curitiba: Edição do autor, 2006. p. 31.

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FIGURA 03

série década de 50 – fifty, 1986, serigrafia sobre papel, 48x66cm

FIGURA 04

tiragem de vinte com variações de cores, s/título, série

carmen, 1995, acrílica e serrigrafia sobre aglomerado, 37x28cm

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29

FIGURA 05

1, 2 e 3* 4 e 5* *Ordem de cima para baixo:

1- s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 80x120cm. 2- s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 100x140cm. Coleção Miguel Alcade.

3- s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 100x140cm. 4- s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 80x80cm. Coleção Tatiana e Carlos Henrique Gusso.

5- s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 60x60cm.

Entretanto, ainda é possível observar as repetições e diferenças a partir de qualquer

coisa da qual seja possível compreendê-las, assim como no uso dos suportes, na poética e

gestualismo do artista, na escolha dos materiais, nas relações que a obra tem com seus

elementos figurativos, enfim, em todos os meios possíveis em que, através da imagem que a

obra apresenta, seja possível compreender algumas semelhanças que se diferem e diferenças

que se assemelham, ou repetições que se apresentam com suas diferenças. Visto isso, as

similitudes podem ser identificadas tanto em obras figurativas como em obras abstratas, como

observado nas leituras das imagens acima.

Como o foco é discorrer sobre similitude através da produção artística de Bernadete

Amorim, é justo que a atenção, a priori, seja concedida ao conhecimento de seus valores na

arte.

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30

3.4 CAPÍTULO IV

3.4.1 RESULTADOS: IDENTIFICANDO SIMILITUDES NAS OBRAS DE BERNADETE

AMORIM

Na construção das vestes, lavei-as para melhor conhecê-las, perceber suas

memórias. Cumpriram como vestes seus destinos. No pano, o tempo instiga os

fantasmas e as sombras. Estas estão nos buracos, no cardo amalgamado, nas

finas cambraias. É preciso delicadeza para se erguer os esqueletos e sustentá-los:

delicada pele de ovo, que pede, suplica, pelo resto de sopro de vida, onde o

implacável não perdoa e de tudo faz pó.

As vestes são como nós, desgastamo-nos para que nossas idéias renasçam

inteiras. (Bernadete Amorim)52

Não se pretende, contudo, neste capítulo, tornar irreversível as observações realizadas

através de leituras de imagens. A pretensão restringe-se em propor algumas análises à

proliferação das similitudes em obras da artista Bernadete Amorim.

As principais linguagens as quais Bernadete trabalha são: instalação, performance e

vídeo. Nas instalações há o uso de muitas roupas e tecidos, de uma maneira geral, ou algo que

remeta à vestimenta. A artista diz:

Os panejamentos sempre estiveram presentes na tradição de uma discussão escultórica, nas estátuas antigas e esses

panejamentos se prestavam a inserir uma discussão do movimento, movimento do corpo em suas arestas.

Lembramos da Vitória de Samotracia, das esculturas gregas de mulheres, às quais me prendo nas dobras das vestes,

no movimento das pregas.53

O tecido, enquanto matéria, está diretamente relacionado ao sentido tátil: enrugado,

macio, leve, áspero, aveludado, fofo, e assim por diante. Ao longo de sua produção, o tecido

se tridimensionaliza de formas diferentes. “(...) de início os trabalhos lidam com uma

especialidade que sai da pintura e adquire espessura por meio de costuras e colagens de coisas

pequeninas (1993-98)”.54

Ainda, “a roupa é sempre uma membrana, é tecido que recebe uma

forma”,55

além de estabelecer relação com o corpo, a memória e a pele.56

52 Abismais. Catálogo de Bernadete Amorim. Curitiba: Edição do autor, 1955. p. 11. 53 Universidade Federal de Santa Catarina. Galeria de Arte da UFSC mostra exposição “mínimas” com instalação e objetos da artista Bernadete Amorim. Sobre a proposta da artista, por ela própria. Ago. 2007. Disponível em [http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=5493] Acesso em: 01 de Junho de 2010. 54 Abismais. Catálogo de Bernadete Amorim. Curitiba: Edição do autor, 1955. p. 05. 55 Universidade Federal de Santa Catarina. Galeria de Arte da UFSC mostra exposição “mínimas” com instalação e objetos da artista Bernadete Amorim. Sobre a proposta da artista, por ela própria. Ago. 2007. Disponível em [http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=5493] Acesso em: 01 de Junho de 2010.

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Sua poética estabelece um diálogo entre as obras e a gravidade em que elas propõem

enquanto esculturas e ao serem instaladas: penduradas em varais, sobre o chão, esticadas,

suspensas no teto. “Sem estrutura, esses corpos de tecido sabem da gravidade que os fixa no

mundo”.57

O interior, o espaço de dentro, colocar-se, também é discutido em seus trabalhos,

mesmo que seja para expor uma idéia ao espaço externo. A esfera mais íntima e reclusa talvez

pressupõe “uma exteriorização, explosiva ou dócil. Uma interioridade que acontece com o

outro”.58

Percebe-se que Bernadete tem uma maneira bastante poética ao falar de seus próprios

processos de produção. Ao analisar as relações que a artista visual Bernadete Amorim

estabelece com suas produções artísticas (de acordo com depoimento da própria artista),

percebe-se uma tamanha preocupação com os materiais escolhidos para a execução da obra. A

artista explica que procura ouvir os apelos da matéria as quais trabalha, diz: “quero perceber

no que ela quer se transformar”.59

É desta maneira que no trabalho da artista pode ser identificada a idéia de similitude,

pois busca o meio, o processo enquanto relação obra/artista como parte resultante do trabalho.

Seus trabalhos dependem da imaginação e não buscam a representação, mas sim as relações

que os elementos da obra têm entre si e que a própria artista propõe manter com eles. Em seus

trabalhos são percebidos elementos que se propagam de pequenas diferenças em pequenas

diferenças, ao mesmo tempo em que se repetem. Diferem-se em forma, movimento etc. e

repetem-se em materiais, elementos etc.

Nas figuras 06, 07 e 08, fotos de parte de uma instalação da artista, observa-se

miniaturas de roupas cobertas por gesso e cola. São cerca de 250 objetos, sendo que 230 são

peças de roupas que se repetem enquanto elemento similar. São peças de diferentes formas e

tamanhos distribuídas pelo chão, expandindo-se no horizonte, abaixo do ponto de vista do

olhar60

, de forma que o espectador pode circular à sua volta e visualizar as cores dos tecidos

56 DOBRYCHLOP, Lucinéa Aparecida. O espaço expositivo para as obras de Bernadete Amorim. Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, para obtenção de título de Especialista em História da Arte Contemporânea. Orientador: Prof. Dr. Artur Freitas, 2010. p. 02. 57 Abismais. Catálogo de Bernadete Amorim. Curitiba: Edição do autor, 1955. p. 08. 58 Id., p. 10. 59 Guia SJP.com. Katia Velo. Exposições. MAC apresenta exposições de Adélia Klinke e Bernadete Amorim (Curitiba/PR). Abr. 2009. Disponível em: [http://www.guiasjp.com.br/opcoes.php?option=591&id_noticia=38878&id_canal=45] Acesso em: 01 de Junho de 2010. 60 Figura 09.

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internos que, de acordo com a artista, são a luz que o branco neutraliza.61

No chão há um

polvilhamento de talco.

Uma das diferenças que se observa no trabalho é que as roupas em miniatura não são

nem do mesmo tamanho, nem da mesma matéria e nem têm o mesmo movimento que as

roupas utilizadas para cobrir o corpo. Mas, no entanto, as peças sugerem diferentes

movimentos corporais e diferentes modelos de roupas, apesar de se repetirem: roupa + roupa

+ roupa etc. Essas formas, anteriormente moles, que as matérias gesso e cola enrijeceram, se

assemelham enquanto formas.

E uma das semelhanças que podem servir como reflexão, é que o talco polvilhado

sobre o chão assemelha-se intencionalmente à poeira, porém não se trata da mesma coisa, o

pó do talco é uma coisa e o pó de poeira é outra coisa. São coisas diferentes. O polvilhamento

é utilizado para remeter ao ar, “parece que o pó, também fala do ar”,62

que, por sua vez, tem

relação com o espaço vazio existente dentro das peças.

FIGURA 06

s/título, 2004/05, roupas, gesso e cola, dimensões variáveis. Instalação Casa Andrade Muricy.

61 Universidade Federal de Santa Catarina. Galeria de Arte da UFSC mostra exposição “mínimas” com instalação e objetos da artista Bernadete Amorim. Sobre a proposta da artista, por ela própria. Ago. 2007. Disponível em [http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=5493] Acesso em: 01 de Junho de 2010. 62 Id.

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FIGURA 07

id.

FIGURA 08

id.

FIGURA 09

id.

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A obra Gavetas da memória (figura 10), é feita de tecido claro e sua estrutura é de

arame. A obra apresenta-se em forma de um pequeno armário com repartições em forma de

gavetas. O armário é feito de tecido e apenas uma das gavetas é aberta a visibilidade. As

gavetas não estão disponíveis para serem abertas e fechadas, elas são fixas, costuradas, de

forma que é o que é, sem a possibilidade de modificá-la visualmente. Como o próprio nome já

diz, as gavetas (tanto a aberta quanto as fechadas) remetem à memória, como quase todas as

gavetas que têm por função guardar coisas diversas. Dentro da única gaveta aberta, é possível

observar outros tecidos, com outras cores, porém todas as cores que aparecem são sutis e de

tons claros. As outras gavetas, inacessíveis para serem abertas, podem ser acessadas através

da imaginação, diante das possibilidades de elementos que preenchem uma gaveta neste

formato. Além disso, todos os puxadores das gavetas, feitos com linhas emaranhadas,

apresentam um fio pendurado, como se estivessem prontos a desmanchar-se no seu manuseio;

sem os puxadores não é possível abrir ou fechar as gavetas.

O pequeno armário, similar a um armário utilitário, também guarda coisas em pelo

menos uma de suas gavetas; seu tamanho e sua cor podem repetir-se em um armário de

madeira, por exemplo. Entretanto, este difere de um armário utilitário, pois não tem nem a

mesma resistência e nem a mesma disponibilidade de utilidade. Os puxadores feitos de linha,

são de outra matéria e são visualmente diferentes dos puxadores tradicionais encontrados em

armários utilitários que, além disso, não têm suas gavetas costuradas, normalmente não são de

tecido com estrutura de arame e as gavetas são feitas para movimentá-las (fecha-as para

preservar seus internos e abre-as para alterar dentro dela).

FIGURA 10

Gavetas da memória, 2001, tecido, bordados e arame, 61x39x43 cm.

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Na obra Corte na artéria (figura 11), aparece um par de sapatos brancos, preenchidos

e continuados com gesso, como se os sapatos virassem um par de botas ou então um par de

pernas ocas do joelho para baixo, da mesma cor dos sapatos. A unidade do elemento

sapato+gesso, é visível através do bordado, com miçangas, vidrilhos e afins na cor vermelha,

que não se privam em uma única matéria (só gesso ou só sapato,) mas preenchem todo o

espaço visual de uma forma continuada, inclusive adentrando no interior do gesso. O próprio

espaço expositivo assemelha-se com a cor dos sapatos e o gesso. Ao mesmo tempo que a obra

assemelha-se a um par de botas decoradas, diferencia-se na própria estrutura rígida do gesso;

ao mesmo tempo, de acordo com o título, a obra também remete a uma perna cortada abaixo

do joelho, na artéria, de forma que o sangue jorra para cima e escorre sobre a perna já branca

da falta de sangue e sobre os sapatos, formando interessantes e delicadas formas florais e

cococós sobre e em torno dos elementos dispostos sobre o chão; no entanto, não é sangue, não

são pernas, são apenas sapatos, gesso, miçangas, vidrilhos e fios.

FIGURA 11

Corte na artéria, 2001, sapatos, gesso, miçanga e vidrilhos, 43x30x25 cm.

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Assentada (figuras 12 e 13) apresenta um corpo sentado em posição vertical, porém

sem cabeça e sem braços. O corpo assemelha-se muito a um corpo humano, principalmente a

barriga e as pernas, porém não se trata de um corpo humano, mas sim de uma estrutura de

ferro coberta por um vestido que alcança o chão, cobrindo os possíveis pés, e suportando um

buquê feito de tule e outros materiais. Aparentemente, o corpo parece estar sentado em um

banco ou algo do tipo, mas no entanto, o corpo está suspenso, preso a um gancho por uma

estrutura que sai de dentro do corpo e vasa pela face superior do vestido. Pela posição e

adereço apresentados, é possível fazer uma referência a uma mulher à espera de alguém,

talvez um noivo, pelo simples fato de estar apoiando em seu colo um adereço vermelho que se

assemelha a um buquê. A cor vermelha simboliza a paixão; além disso, o vestido é feito com

um tecido fino e delicado, com rendas e bordados, como um vestido de noiva, apesar de não

ser da cor branca. Há muitas semelhanças possíveis de ser relacionadas na obra, porém muitas

diferenças e simulações.

FIGURA 12 FIGURA 13

Assentada, 2001, ferro, tecido, veludo, tule e bordados, 160x70x70 cm Id. - detalhe

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Na obra Verme (figura 14), o elemento é disposto sobre o chão. Como o nome revela,

trata-se de um verme, mas será um objeto que apresenta um verme? O objeto analisado talvez

diferencia-se de um verme pelo tamanho, textura, cor e forma; o verme é algo muito pequeno.

A textura da obra, com uma matéria semelhante à pelúcia, mais acalenta e conforta do que

causa aversão. Não imagina-se o verme amarelo e preto, talvez ele tenha mais cor de carne

mesmo. E por último, o verme não parece ter uma forma tão definida como a apresentada,

além de ser algo que normalmente não causa desejo da aproximação ou relação tátil. Porém,

se pensado num sentido metafórico, o verme não pode ser algo de tão grande tamanho?

FIGURA 14

Verme, 2003, pele sintética e fibra, 350x60 cm

Em Teias (figuras 15 e 16), aparece várias espécies de bonequinhos emaranhados,

como se estivessem presos a uma teia sem possibilidade de libertação. O corpo dos

bonequinhos são tridimensionais, porém seus rostos são bidimensionais: impressos e fixados

cada um ao seu corpo. Apesar dos rostos serem chapados, é possível identificá-los como um

plano que sai do bidimensional integrando-se e assemelhando-se com o tridimensional. É

possível também refletir que os bonequinhos fossem para aludir à idéia de brincadeira (afinal

de contas bonecos são feitos para brincar) e movimentá-los no espaço das teias, libertando-os;

no entanto, os elementos estão fixados de tal forma que a obra se desmancharia caso fosse

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possível movimentá-la, pois é uma teia emaranhada, costurada e imóvel, diferenciando-se de

simples bonecos.

FIGURA 15

Teias, 1998, bordados, renda e arame 38x21x7 cm. Coleção Suely B. Kardosh

FIGURA 16

Id. – detalhe

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Há algumas similitudes possíveis de identificação também em 3 Elos (figura 17). A

obra apresenta uma espécie de armário (que pode ser compreendido da mesma forma que as

leituras realizadas a partir da figura 10) que possui três divisórias, distribuídas em prateleiras.

Porém, talvez haja nesta obra uma tentativa de substituir a palavra divisória (algo que divide)

por elo (algo que se liga, que se une). De qualquer forma, ainda é possível compreender que

se um objeto possui divisórias, as próprias divisórias fazem partem de um todo que é o objeto,

sendo portanto parte integrante ou que se liga às outras partes, tornando-se parte de uma

multiplicidade, ou seja, unidades que unidas forma uma coisa só; neste caso é possível

entender de maneira semelhante as duas palavras (divisórias e elos). Ainda é conveniente

pensar nas ligações, nas possíveis relações, que há entre os elementos das prateleiras; mesmo

que cada elemento seja diferente dos outros, eles podem se repetir enquanto símbolos ou até

mesmo a partir do sentido afetivo de seu dono.

FIGURA 17

3 Elos, 2001, ferro, arame, tecido, rendas e miçangas, 150x160x60 cm. Coleção Beto Altílio

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Abarcados (figura 18) abrange, contém, abraça todos os elementos de forma que os

próprios elementos entre si se precisem e se sustentem. A obra apresenta roupas, tecidos e

elásticos suspensos por algo parecido com varais. Varal normalmente é feito para pendurar

roupas para secar após lavagem, no entanto, Abarcados apresenta outra função para o varal;

neste caso, o varal continua sendo suporte para as peças, mas integra uma instalação artística;

as peças encontram-se secas. As vestes sugerem corpos humanos que se encaixam ao vestí-

las, porém encontram-se vazios, ocos e sem o volume do corpo. As roupas estão fixas, mas no

entanto houve movimento na construção da obra; movimento tanto de quem fixou as peças,

como das próprias roupas utilizadas durante o processo de escolha dos pontos a serem presos.

Além disso, além de fixadas as roupas, elas se movimentam a partir do movimento do

espectador ao circular o espaço expositivo e ao visualizar possíveis perspectivas da obra,

diferenciando do movimento de quem veste a roupa e a movimenta.

FIGURA 18

Abarcados, 2005/06, roupas, tecidos, elásticos e arames, dimensões variáveis. Instalação no ACT (Ateliê de

Criação Teatral)

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As figuras 19 e 20, mostram uma ação performática de Bernadete em parceria com

Eliane Prolik, também artista contemporânea paranaense. A ação, intitulada Pão e mel, pode

propor uma reflexão (a partir das marcas de poeira impressas na parede através dos chutes e

toques dos dedos das artistas) sobre a possibilidade de pessoas terem pisoteado a parede.

Porém, pode-se repetir as marcas e ao mesmo tempo diferenciá-las pela maneira como foram

feitas. A mistura de agressividade do chute com a delicadeza dos toques, propõe um corpo

que se espelhe na parede,63

no entanto, não há espelhamento algum, há apenas uma sugestão

de projeção entre o corpo e o gesto.

FIGURA 19 FIGURA 20

Pão e mel, 2004/05, impressões do corpo e poeira. Bernadete Amorim e Eliane Prolik Id.

63 Abismais. Catálogo de Bernadete Amorim. Curitiba: Edição do autor, 2007, p. 10.

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Bernadete Amorim nasceu em 1955, em Belo Horizonte/MG, mas, onze anos depois,

mudou-se para Curitiba/PR.

A artista iniciou sua produção artística em 1993. Fez sua graduação em Educação

Artística pela Universidade Federal do Paraná, em 1978 e, em 2004, concluiu pós-graduação

com Especialização em História da Arte do Século XX, pela Escola Belas Artes do Paraná.

Lecionou, freqüentou cursos e oficinas como: a Oficina de Litogravura, com Larissa Franco,

no Museu da Gravura Solar do Barão; Poéticas Singulares, com Eliane Prolik, no Museu

Alfredo Andersen; História da Arte Brasileira com Paulo Reis, na Universidade Federal do

Paraná; Oficina permanente com Geraldo Leão. Todos localizados na cidade de Curitiba.

Bernadete tem um repertório considerável de exposições individuais e coletivas tanto

no Paraná quanto em outros estados brasileiros. Foi premiada em salões e mostras de arte.

Além de ter obras que integram alguns acervos, como: Museu de Arte Contemporânea do

Paraná, Curitiba; Galeria SESC Paulista, em São Paulo/SP; Secretaria Municipal de

Londrina/PR; Secretaria de Estado da Cultura de Campo Mourão/PR; Secretaria de Estado da

Cultura de Santo André/PR; Secretaria de Estado da Cultura de Piracicaba/SP; Secretaria de

Estado da Cultura de Cascavel/PR; Secretaria de Estado da Cultura de Guairá/PR; Graciosa

Country Club, Curitiba/PR.64

Atualmente, coordena o programa de Artes Plásticas na área de saúde mental, da Casa

de Apoio Novo Lar, em Curitiba, atividade voluntária que teve início em 2002, no Hospital

Psiquiátrico Adauto Botelho, em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, com a

colaboração de outros profissionais.

Desde 1994, Bernadete Amorim mantêm ateliê coletivo situado na Rua Portugal, em

Curitiba.

64 Abismais. Catálogo de Bernadete Amorim. Curitiba: Edição do autor, 1955. p. 67-68; Universidade Federal de Santa Catarina. Galeria de Arte da UFSC mostra exposição “mínimas” com instalação e objetos da artista Bernadete Amorim. Sobre a proposta da artista, por ela própria. Ago. 2007. Disponível em [http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=5493] Acesso em: 01 de Junho de 2010.

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4 CONCLUSÕES

Com as leituras reflexivas das imagens analisadas, verificou-se que por mais que os

elementos das imagens, em alguns casos a imagem por completo, pareçam iguais e puramente

repetitivas, há uma singularidade em cada uma delas. Não houve pretensão alguma aqui de

esgotar todas as possibilidades de leituras, apenas sugerir algumas para mostrar na prática

como a similitude pode ser aplicada às obras de arte, visto que existem muitas possibidades de

leitura e análise em qualquer produção artística. Verificou-se também que as similitudes

podem ser aplicadas em qualquer linguagem artística, além de obras tanto figurativas quanto

abstratas; todas as relações possíveis que engendram a produção da arte, podem ser analisadas

sob o mesmo conceito. Mas se a similitude, nos séculos passados, era vista sob um outro

ponto de vista, seria possível aplicar estes conceitos atuais sobre similitude em objetos

artísticos daquela época? Para responder a esta pergunta seria necessário uma nova

abordagem a partir de uma pesquisa mais profunda sobre as possíveis relações que engendram

o tempo proposto.

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5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01 – NORONHA, Fábio: s/título, auto-retrato – série acidez, 2000/01, grafite,

guache e verniz sobre papel 64x150cm. Fonte: GEMIN, Deborah Alice Bruel. A arte de Fábio

Noronha. Monografia apresentada para a obtenção de Especialista no curso de Pós-graduação

em História da Arte do Século XX, Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Orientadora:

Profa Dr

a Dária Jaremtchuk, 2006.

FIGURA 02 – MENTA, Glauco: s/título, série diversa, 1989, acrílica e acrílica sobre tela,

50x50cm. Coleção Jorge Sada. Fonte: Glauco Menta 1985-2005: pletora de cores. Catálogo.

Texto de Benedito Costa Neto. Trad. Cid Peters. Curitiba: Edição do autor, 2006.

FIGURA 03 – MENTA, Glauco: série década de 50 – fifty, 1986, serigrafia sobre papel,

48x66cm. Fonte: Id.

FIGURA 04 – MENTA, Glauco: tiragem de vinte com variações de cores, s/título, série

carmen, 1995, acrílica e serrigrafia sobre aglomerado, 37x28cm. Fonte: Id.

FIGURA 05 – MENTA, Glauco: 1-s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela,

80x120cm; 2-s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 100x140cm. Coleção Miguel

Alcade; 3-s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 100x140cm; 4-s/título, série

amebas, 2002, acrílico sobre tela, 80x80cm. Coleção Tatiana e Carlos Henrique Gusso; 5-

s/título, série amebas, 2002, acrílico sobre tela, 60x60cm. Fonte: Id.

FIGURA 06 – AMORIM, Bernadete: s/título, 2004/05, roupas, gesso e cola, dimensões

variáveis. Instalação Casa Andrade Muricy. Fonte: Abismais. Catálogo de Bernadete

Amorim. Curitiba: Edição do autor, 2007.

FIGURA 07 – Id.

FIGURA 08 – Id.

FIGURA 09 – Id.

FIGURA 10 – AMORIM, Bernadete: Gavetas da memória, 2001, tecido, bordados e arame,

61x39x43 cm. Fonte: Id.

FIGURA 11 – AMORIM, Bernadete: Corte na artéria, 2001, sapatos, gesso, miçanga e

vidrilhos, 43x30x25 cm. Fonte: Id.

FIGURA 12 – AMORIM, Bernadete: Assentada, 2001, ferro, tecido, veludo, tule e bordados,

160x70x70 cm. Fonte: Id.

FIGURA 13 – AMORIM, Bernadete: Assentada, 2001, ferro, tecido, veludo, tule e bordados,

160x70x70 cm. Fonte: Id.

FIGURA 14 – AMORIM, Bernadete: Verme, 2003, pele sintética e fibra, 350x60 cm. Fonte:

Id.

FIGURA 15 – AMORIM, Bernadete: Teias, 1998, bordados, renda e arame 38x21x7 cm.

Coleção Suely B. Kardosh. Fonte: Id.

FIGURA 16 – AMORIM, Bernadete: Teias, 1998, bordados, renda e arame 38x21x7 cm.

Coleção Suely B. Kardosh. Fonte: Id.

FIGURA 17 – AMORIM, Bernadete: 3 Elos, 2001, ferro, arame, tecido, rendas e miçangas,

150x160x60 cm. Coleção Beto Altílio. Fonte: Id.

FIGURA 18 – AMORIM, Bernadete: Abarcados, 2005/06, roupas, tecidos, elásticos e

arames, dimensões variáveis. Instalação no ACT (Ateliê de Criação Teatral). Fonte: Id.

FIGURA 19 – AMORIM, Bernadete; PROLIK, Eliane: Pão e mel, 2004/05, impressões do

corpo e poeira. Bernadete Amorim e Eliane Prolik. Fonte: Id.

FIGURA 20 – AMORIM, Bernadete; PROLIK, Eliane: Pão e mel, 2004/05, impressões do

corpo e poeira. Bernadete Amorim e Eliane Prolik. Fonte: Id.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.Trata-se da

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284p.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Trad.

de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. 96p. (Col.

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Cotrim; [tradução de Pedro Süssekind... et AL.]. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

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FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

GEMIN, Deborah Alice Bruel. A arte de Fábio Noronha. Monografia apresentada para a

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Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Orientadora: Profa Dr

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GOMBRICH, Ernest Hans. Arte e Ilusão: um estudo da representação pictórica. Trad. de Raul

de Sá Barbosa; revisão da tradução Monica Stahel. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

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