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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
FELIPE DARTAGAN MAROPO TEIXEIRA DE CASTRO
‘EU CASEI COM A MEDICINA E TÔ MORANDO NA BOLÍVIA’:
NOTAS SOBRE UMA EMIGRAÇÃO BRASILEIRA
CORUMBÁ - MS
2012
1
FELIPE DARTAGAN MAROPO TEIXEIRA DE CASTRO
‘EU CASEI COM A MEDICINA E TÔ MORANDO NA BOLÍVIA’:
NOTAS SOBRE UMA EMIGRAÇÃO BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Estudos Fronteiriços da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal,
como requisito para obtenção do título de
Mestre em Estudos Fronteiriços.
Linha de Pesquisa: Ocupação e identidades
fronteiriças
Orientador(a): Gustavo Villela Lima da
Costa
Corumbá - MS
2012
2
FELIPE DARTAGAN MAROPO TEIXEIRA DE CASTRO
‘EU CASEI COM A MEDICINA E TÔ MORANDO NA BOLÍVIA’: NOTAS SOBRE
UMA EMIGRAÇÃO BRASILEIRA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos
Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como
requisito para obtenção do título de Mestre. Aprovado em ____/____/_______, com Conceito
_________.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Orientador(a): Gustavo Villela Lima da Costa
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
_______________________________________
1º avaliador(a): José Lindomar C. Albuquerque
Universidade Federal de São Paulo
_____________________________________________
2º avaliador(a): Vanessa dos Santos Bodstein Bivar
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
4
Agradecimentos
Dou graças a Deus por ter me proporcionado inúmeras coisas, entre elas a mais
importante: a vida! Agradeço-o também pelo seu sustento e provisão, e sua eterna fidelidade
em minha vida.
Agradeço a meus pais por terem me incutido a ideia da importância do estudo: minha
mãe, o formal, meu pai, o informal. Ambos importantes.
Agradeço à minha esposa pela sua paciência e apoio que tem me dado desde que nos
conhecemos.
Agradeço à minha irmã pelo seu carinho e admiração.
Agradeço a todos os meus amigos que sempre estiveram na torcida por mim e por
mais essa conquista.
Agradeço a todos os meus professores que ao longo de toda a minha vida escolar, quer
a nível fundamental, médio, ou superior, me ensinaram coisas importantes, e me cativaram
para o desejo de descobrir, conhecer, estudar.
Agradeço em especial ao meu orientador, o Professor Dr. Gustavo Villela Lima da
Costa, que constantemente esteve me apoiando, efetivamente orientando, e me fazendo
mergulhar no mundo da pesquisa. Por todas as suas dicas e percepções aguçadas, sem as quais
este trabalho não seria possível.
Agradeço a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia
de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) que me proporcionou uma bolsa de mestrado, o que me
ajudou em muito no período dedicado aos estudos e às idas a campo para coletar dados.
5
Eles ampliaram a fronteira entre as duas nações
e movimentaram as fronteiras nacionais.
José Lindomar Albuquerque
6
Resumo
Este trabalho apresenta e discute o processo migratório de brasileiros que se deslocam até a
Bolívia com o intuito de cursarem medicina. Para compreender este processo, esta dissertação
apresenta inicialmente uma discussão sobre fronteira, como espaço privilegiado para pensar
esta migração estudantil. Algumas questões são levantadas neste trabalho, a seguir: quais as
razões que levam esses estudantes brasileiros para a Bolívia? São apenas razões econômicas
ou precisamos pensar sobre as questões de oferta de vagas do ensino superior público
brasileiro? Neste sentido, buscou-se entender essa migração a partir do ponto de vista dos
estudantes, ou seja, a partir dos discursos desses indivíduos sobre vários aspectos sobre os
quais foram questionados, e o seu cotidiano de quando estão no país receptor. Para tanto,
valeu-se essencialmente de bibliografias teóricas e coleta de dados a partir de ida a campo,
conversas informais e gravações em áudio de entrevistas, enfim, dentro de uma perspectiva
etnográfica e da História Oral. Entendeu-se que esses indivíduos migram por ser basicamente
a única forma de alcançar o anseio de ser médico, haja vista as dificuldades de acesso ao
ensino superior público brasileiro, e a impossibilidade financeira de arcar com uma formação
particular. Além disso, percebeu-se como esses indivíduos utilizam a fronteira, social e
economicamente, como um recurso, usufruindo dos benefícios de uma migração para um país
vizinho.
Palavras-chave: emigração brasileira, formação médica na Bolívia, educação superior.
7
Resumen
Este artículo presenta y discute el proceso de migración de brasileños al trasladarse a Bolivia
para cursar medicina. Para entender este proceso, este trabajo presenta inicialmente una
discusión de la frontera, como espacio privilegiado para pensar esta migración estudantil.
Algunas preguntas se plantean en este trabajo, como las siguientes: ¿cuáles son las razones
por las que estos estudiantes de Brasil se transladan hacia Bolivia? ¿Serian apenas razones
económicas o tendríamos que pensar en los temas de las vacantes de la educación pública
superior en Brasil? En este sentido, hemos tratado de entender la migración desde la
perspectiva de los estudiantes, es decir, a partir de los discursos de estas personas sobre
diversos aspectos de los cuales fueron interrogados, y su cotidiano cuando se encuentran en el
país receptor. Para ello, se utilizó bibliografias teóricas, recopilación de datos a partir de visita
de campo, conversaciones informales y grabaciones de audio de las entrevistas, abajo de una
perspectiva etnográfica y de Historia Oral. Al parecer, estas personas emigran a ser
básicamente la única forma de lograr el deseo de ser un médico, dadas las dificultades de
acceso a la educación pública superior en Brasil, y la incapacidad financiera para pagar una
formación particular. Además, se dio cuenta de cómo estas personas utilizan la frontera,
económica y socialmente, como un recurso, disfrutando de las ventajas de migrar a un país
vecino.
Palabras clave: emigración brasileña, formación médica en Bolivia, educación superior.
8
Sumário
Introdução 9
O espaço: a fronteira 14
O ato: a migração 20
A emigração brasileira 20
As emigrações estudantis 21
As redes migratórias 24
O processo de revalidação do diploma 27
Alguns grupos imigrantes no Brasil 32
O problema: educação superior 36
Educação superior no Brasil 36
Educação Superior na Bolívia 37
Um negócio transfronteiriço 38
Educação Superior em países de 1º mundo 39
A fala: discursos e representações sociais dos estudantes brasileiros 40
As motivações 40
Sobre a Bolívia e os bolivianos 46
Sobre a formação médica na Bolívia 51
O cotidiano dos alunos 53
Considerações Finais 60
Bibliografia 62
9
Introdução
O tema desta dissertação é a emigração de brasileiros que vão estudar medicina em
Santa Cruz de la Sierra, SC, Bolívia, além de considerar a migração boliviana para o Brasil
incutindo a idéia de “fronteiras estendidas”.
Segundo Baeninger (2008) a migração brasileira para a Bolívia passa a ser
significativa na década de 1980, tendo uma elevação no início dos anos 90. Parte considerável
dessa migração está relacionada à produção agrícola, em especial a produção de soja
(PIVETTA, 1995; MEDEIROS, 2008), assim como a que ocorreu no Paraguai com os
chamados “brasiguaios” (ALBUQUERQUE, 2008a, 2010). A cidade de Santa Cruz de la
Sierra, assim como na migração boliviana para o Brasil, tem lugar destacado na presença
brasileira no país andino. Esta apresenta condições favoráveis à agroindústria, participando
ativamente da economia nacional através desse setor, além dos hidrocarbonetos e pecuária
(MESA, J., GISBERT & MESA, C., 2007; SORUCO, 2008; MEDEIROS, 2008; VILARINO,
2006). No entanto, existe outro grupo de brasileiros que tem migrado para a Bolívia em que
gostaria de me ater: o de estudantes universitários, em especial os de medicina na cidade de
Santa Cruz de la Sierra.
A minha ligação com o tema justifica-se pelo fato de que quando criança, nos anos de
1993 e 1994, morei em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Nesse período vi a presença
significativa de brasileiros que ali estavam com o fim de cursarem medicina. Particularmente
estava lá por outros motivos, apenas acompanhando meus pais, afinal, tinha apenas sete anos.
Vivenciar aquele momento, naquele contexto, fez-me aproximar dessa temática, ainda que eu
mesmo não fosse um estudante de medicina, mas, um emigrante, tanto quanto eles. E o que
sente um imigrante longe de casa? Como ele percebe e interpreta o seu deslocamento? É um
tanto responder a essas perguntas que esse trabalho se propõe, com o objetivo de compreender
os sentidos e significados desta migração a partir do ponto de vista dos próprios estudantes.
Procedi essa expedição baseado em alguns conceitos teóricos e procedimentos metodológicos
que se seguem.
Um dos referenciais teóricos de que me valho para o estudo da emigração de
brasileiros, no caso aqui considerado, é a noção weberiana da Sociologia Compreensiva de
ação social, na medida em que essa emigração se trata de uma conduta humana que os sujeitos
que a executam atribuem um sentido subjetivo (WEBER, 1971, p. 5). Este teórico classificou
a ação social, que tem um sentido/significado e é sempre referida ao comportamento dos
outros, em quatro tipos ideais (WEBER, 1971, p. 20), e ainda que não seja minha intenção
10
enquadrar o meu objeto de estudo em algum deles, percebo o tangenciamento por alguns
desses tipos ideais, como: uma ação racional visando fins bem determinados, quando
empreendem a emigração visando de forma objetiva a obtenção do diploma médico que lhe
possibilitará uma ascensão econômica e social; mas também uma ação afetiva, quando nutrem
um sentimento vocacional, de identificação pela medicina, e todo um ideário de uma
profissão dita nobre, destinada a salvar vidas.
Outra noção importante é a de comunidade. Esses indivíduos que empreendem tal
emigração nem sempre se conhecem, são naturais dos vários estados da federação, e se no
Brasil grifam suas diferenças linguísticas, culinárias, entre outras, no exterior elas quase
desaparecem. Deixa-se de ser gaúcho ou nordestino para se tornar brasileiro. Portanto, a
“cola” que os unem é a crença numa origem comum, numa mesma nacionalidade. Anderson
(2008, p. 34) diz: “...a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem
horizontal.”. Não é minha intenção discorrer sobre a origem do sentimento de pertencimento a
uma dada nacionalidade, a uma “comunidade imaginada”, coisa que o fizeram muito bem
Anderson (2008) e Hobsbawm (2008)1, mas apenas apontar que ela se reproduz de forma
significativa quando fora de seu país.
A minha formação é em História, mas neste trabalho procuro me aproximar da
Sociologia e da Antropologia, não apenas quanto aos conceitos empregados, mas também
quanto à metodologia de trabalho. Evidentemente o orientador tem sua parcela de
contribuição pelas indicações de leituras e orientações, uma vez que ele é antropólogo, mas
também o próprio Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços favorece essa
interdisciplinaridade com mestrandos e orientadores de várias áreas.
Acredito que apresentar a metodologia é essencialmente mostrar o caminho trilhado na
elaboração do trabalho de pesquisa, apresentando como foi feito o trabalho empírico e a coleta
de informações no campo. Desta forma, apresento em seguida como se deu isso. Nos
primeiros dez meses aproximadamente, desde o início das aulas até dezembro de 2010, foram
cursadas as disciplinas obrigatórias e optativas, como requisito para o cumprimento de
créditos, mas mais que isso, para um embasamento teórico necessário ao trabalho.
Concomitantemente, através de orientação realizei leituras e fichamentos como atividade de
revisão bibliográfica, e a elaboração do projeto de pesquisa.
1 “Só por um impulso forte para formar um “povo” é que os cidadãos de um país se tornaram uma espécie de
comunidade, embora uma comunidade imaginada, e seus membros, portanto, passaram a procurar (e
consequentemente a achar) coisas em comum, lugares, práticas, personagens, lembranças, sinais e símbolo.”
(HOBSBAWM, 2008, p. 111).
11
Após esse embasamento teórico adquirido através das disciplinas cursadas, e
fichamentos da revisão bibliográfica, segui com a elaboração de instrumentos para coleta de
dados. Elaborei questionários semi-estruturados para uma abordagem qualitativa. A aquisição
de dados também se deu pela observação, conversas informais e etnografia. A obtenção
desses dados se deram na cidade de Santa Cruz de la Sierra em visitas específicas para esse
fim.
Aproximar-me dos sujeitos da minha pesquisa não foi tarefa fácil. O mestrado traz um
tanto dessa dificuldade por ser em um período relativamente curto, e ainda mais se o campo
de pesquisa está em outra cidade, e no meu caso em outro país. Mas a questão de maior
desafio, que acredito que todos os pesquisadores que vão a campo se deparam, é a de
estabelecer uma relação de empatia, de confiança com seu pesquisado. A primeira visita em
março de 2010 foi bastante pontual, não conseguindo estabelecer um laço afetivo, mas tão
somente alguns dados mais genéricos, e algumas “impressões”. A segunda em janeiro de
2011, foi atípica e mais curta, uma semana, o que se justifica por ter sido no período de férias,
algo que foi feito intencionalmente, na pretensão de perceber se os brasileiros permaneciam
nesse período. E a terceira, em maio de 2011, permanecendo por três semanas, essa sim mais
proveitosa, em que me instalei num apartamento de estudantes; assisti aulas; almocei com
eles; participei de festas e de cultos, etc. Mesmo nessa última estada enfrentei dificuldades
porque foi quando pude me inserir no “universo” dos meus pesquisados; foi quando realizei
as primeiras entrevistas gravadas, e apliquei questionários. Uma das falas que sintetiza essa
dificuldade da pesquisa foi a de uma aluna que me perguntou: “Você não vai falar nada que
prejudique a gente, vai?”. E uma última grande dificuldade é a de “imergir naquele universo”,
mas, ao mesmo tempo se distanciar para perceber melhor aquele “problema”.
A cidade de Santa Cruz de la Sierra tem várias universidades que possuem o curso de
medicina, mas como a minha intenção não era fazer um estudo puramente quantitativo,
estatístico, ainda que isso seja muito importante, optei por escolher uma universidade que
fosse bastante significativa, levando em consideração sua antiguidade e grande presença de
brasileiros. A universidade que mais atendia a essas “exigências” era a Universidad Cristiana
de Bolivia (UCEBOL).
Nas entrevistas foi utilizado um roteiro semi-estruturado, apenas como norteador, mas
sempre se dando espaço para vários adendos e comentários do entrevistado, conforme achasse
conveniente, num tom de “bate-papo”, que permite que os entrevistados apresentem seus
pontos de vista, com o mínimo de interferência do pesquisador. Realizei quatro entrevistas
desse tipo. Uma com um aluno do primeiro semestre; outra com um do terceiro; outra com
12
um do sétimo; e uma última com um aluno que já cursou todos os semestres, mas que ainda
falta realizar uma última avaliação para a obtenção de seu diploma. Tal escolha se explica por
acreditar que o fator tempo pode influenciar a percepção sobre os inúmeros aspectos da vida
de estudante de medicina naquela cidade. Menciono os entrevistados apenas pelas iniciais,
como forma de resguardar a identidade deles.
Dois pressupostos metodológicos que contemplo neste trabalho são a história oral e a
etnografia. São vários os entendimentos quanto à história oral, mas me alinho com a
perspectiva de uma metodologia, conforme apontada por Amado e Ferreira (2001, p. viii),
Ferreira (1994, p. 12), e Alberti (2000, p. 1). A história oral possibilita um relato pessoal que
permite reconstruir algumas trajetórias sociais, e conforme Alberti (2000, p. 1, 2) diz: “O
relato pessoal (e a entrevista de história oral é basicamente um relato pessoal) transmite uma
experiência coletiva, uma visão de mundo tornada possível em dada sociedade.”, e também:
A ênfase na biografia, na trajetória do indivíduo, na experiência concreta, faz sentido
porque a biografia mostra o que é potencialmente possível em dada sociedade ou
grupo. Acredita-se que as biografias ilustram formas típicas de comportamento e
concentram todas as características do grupo; mesmo as desviantes mostram o que é
estrutural e estatisticamente próprio ao grupo - elas permitem identificar as
possibilidades latentes da cultura e deduzir “em negativo” o que seria mais
freqüente. (ALBERTI, 2000, p. 3).
No que se refere à etnografia, seus procedimentos no campo, me valho das diretrizes
apontadas em Malinowski (1984, p. 17 – 34) na sua introdução à Argonautas do Pacífico
Ocidental, e Da Matta (1983, p. 143 – 150) em Relativizando, quando falam pontualmente
dos procedimentos de coleta de dados, de contato com o pesquisado, etc. Estes autores
apontam a necessidade de realizar uma pesquisa in loco, na chamada observação-participante,
que possibilite trazer ao cerne da análise os indivíduos de carne e osso e o ponto de vista
“nativo”. Outro autor importante que teoriza quanto à etnografia é Geertz (1978). Ele não só
se preocupa com as atividades mais práticas do campo, mas também como interpretar as
informações colhidas, sejam pela observação, sejam pelos relatos dos pesquisados, e em um
trecho significativo ele diz:
Segundo a opinião dos livros-textos, praticar a etnografia é estabelecer relações,
selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos,
manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os
processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de
esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição
densa”, tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle. (GEERTZ, 1978, p. 15).
E por “descrição densa” ele entende uma interpretação significativa, que atribua um
significado às ações dos indivíduos (GEERTZ, 1978, p. 17).
Todos sabem que os meios de comunicação virtuais, como a internet, possuem um
espaço privilegiado nas interações entre os indivíduos atualmente, em especial, as chamadas
13
redes sociais, como o Orkut e o Facebook. Nesses espaços nos deparamos com
posicionamentos sobre os mais variados assuntos, é um espaço aberto para o debate, de troca
de informações, enfim, de interação. Sendo assim, trata-se de uma excelente fonte de
informações qualitativas em pesquisas de ordem sociológicas, possibilitando o que Hine
(2004) chama de etnografia virtual. Evidentemente que tal fonte possui seus problemas, ou
dificuldades, como a de identificação verdadeira, por exemplo, da autoria de um post. No
entanto, essa é uma dificuldade menor frente às possibilidades de utilização das fontes de
meio tão expressivo em informações. Valho-me, portanto, de fontes virtuais, como: sítios de
internet; blogs; comunidades sociais (Orkut); vídeos (Youtube); jornais on-line, etc. Utilizei
essas fontes principalmente para extrair e analisar posicionamentos de atores sociais
envolvidos no processo do problema que estudo, como estudantes brasileiros de medicina na
Bolívia e representantes dos médicos com formação no Brasil.
Em relação à estrutura do trabalho, o primeiro capítulo traz uma discussão teórica
sobre fronteira, bem como apresenta a noção específica de fronteira empregada no trabalho.
Procuro também descrever o local da pesquisa, para onde migram esses brasileiros. No
capítulo seguinte trato sobre a ação de migrar de uma forma genérica, bem como vou me
aprofundando de forma a especificar o caso em questão. Já no terceiro, tendo em vista a busca
por educação superior fora do Brasil, me atenho a discutir pontos relativos à educação
superior no Brasil, fazendo menção da educação superior na Bolívia também. No quarto
capítulo, me apoiando principalmente nas respostas colhidas em entrevistas, destaco as visões
desses estudantes a respeito de alguns pontos, como: a Bolívia e os bolivianos e as motivações
que eles alegam para sua migração. No último capítulo falo de questões mais genéricas, do
dia-a-dia desses alunos quando do período de formação na Bolívia. E finalizo com algumas
considerações finais recapitulando os pontos principais apontados ao longo do trabalho.
14
O espaço: a fronteira
A categoria “fronteira” é de grande importância neste trabalho, em especial se
levarmos em conta o espaço onde se encontra o “objeto” estudado, e a temática “migração
transfronteiriça”. No entanto, é imprescindível grifar que o termo “fronteira” é carregado de
significados (MACHADO, 2002), e sendo assim, temos que fazer menção dessa
multiplicidade de sentidos. Martin (1992) diz existir vários tipos de “fronteira”, e com
diferentes significados. De acordo com este autor, na natureza é possível encontrar diferentes
climas, correntes de ar, movimentos sísmicos; entre os animais a demarcação de território; na
história humana com povos primitivos, que mesmo com uma organização social menos rígida
do que a do Estado-nação, já possuíam espaços definidos; na Antigüidade, percebe-se os
impérios em busca do alargamento e/ou defesa do território já conquistado. E ao longo da
modernidade e contemporaneidade, após o surgimento e consolidação dos nacionalismos em
Estados-nações, o cuidado e reforço de seus territórios fez-se cada vez mais presente (SMITH,
1992).
Não bastasse essa breve distinção histórica, alguns autores têm recorrido à uma
classificação das fronteiras. Para Steiman e Machado (2002, p.1) um traço comum das
classificações de fronteira é a intenção de "... determinar a superioridade de um determinado
conceito de fronteira sobre outros, uma superioridade claramente relacionada à função que o
autor atribui à fronteira.". Estas autoras no mesmo texto continuam historiando algumas
interpretações e categorizações de “fronteira”, como, por exemplo: fronteiras naturais e
artificiais; a gênese e a evolução delas, além de outras proposições. Oliveira, T. (2005)
também faz um esforço no sentido de formular uma tipologia das fronteiras, catalogando, de
acordo com a intensidade das relações que se estabelecem nas fronteiras, de ordem formal e
funcional, da seguinte maneira: a) fronteiras com baixa integração formal e funcional
(fronteiras distantes); b) fronteiras com baixa integração formal e alta integração funcional
(fronteiras crespas); c) fronteiras com alta integração formal e funcional (fronteiras vibrantes);
e d) fronteiras com alta integração formal, mas baixa integração funcional (fronteiras
protocolares). Temos ainda, uma classificação similar à última num documento oficial do
governo federal (BRASIL, 2005, p. 144) que se baseando nos modelos propostos pelo
geógrafo francês Arnaud Cuisinier-Raynal, com adaptações ao caso brasileiro, classifica as
relações fronteiriças no Brasil com seus vizinhos em: 1) margem; 2) zona-tampão; 3) frentes;
4) capilar; 5) sinapse. Sem entrar em maiores debates teóricos, esses são apenas alguns
15
exemplos dos esforços de classificação das fronteiras, de forma a corroborar com a afirmação
da multiplicidade de sentidos atribuídos ao termo “fronteira”.
Figura 01 – Tipologia das relações fronteiriças proposta por Oliveira, T.
(2005).
Precisamos esclarecer ainda dois termos que comumente se confundem: “limite” e
“fronteira”. Trata-se de termos distintos, ainda que com estreita relação. Em Machado (1998,
p. 2) encontramos a categoria “limite” como tendo sido criada “... para designar o fim daquilo
que mantém coesa uma unidade político-territorial, ou seja, sua ligação interna.". Portanto,
aponta para o monopólio do poder estatal. É este, o Estado, o mais interessado em manter
distinção entre “o que é seu”, o que é nacional, e o que não é. Essas distinções são “sagradas”.
Relacionado a isto se pode mencionar, por exemplo, o período pós 2ª Guerra Mundial em que
o mundo apresentou uma bipolaridade, Capitalismo versus Socialismo (Guerra Fria), e os
receios de que uma região aderisse à posição contrária justificava um maior controle dos
limites, em especial nos governos militares, como os que existiram na América do Sul
(OLIVEIRA, T., 2005). Grimson (2000, p. 93) aponta para esse caráter restritivo do limite,
da proibição:
La crisis del estado, como se ha visto en diversas fronteras, se expresa
fundamentalmente en términos de protección social, pero los sistemas de control y
represión (del pequeño contrabando fronterizo, de las migraciones limítrofes)
tienden a reforzarse. Por ello, el estado continúa teniendo un rol dominante como
árbitro del control, la violencia, el orden y la organización para aquellos cuya
identidad está siendo transformada por fuerzas mundiales.
Ainda segundo Machado (1998), o limite está para a retenção, para uma força
centrípeta, enquanto a fronteira está para a expansão, para uma força centrífuga. Pode-se dizer
de uma interpenetração de um Estado no outro, mas não só destes, como dos atores sociais, de
suas influências, indo além ou ficando aquém do que as legislações determinam como
16
“fronteira”, ou melhor colocado: “zona ou faixa de fronteira” (área que tem volume
contrapondo-se à limite, apenas linha). Como o limite está inserido nessa zona, a região
fronteiriça tem a um tempo uma condição de barreira, e a outro, de passagem.
Como discutido anteriormente, o termo “fronteira” está em muitos casos relacionado
ao Estado, e este, conforme Smith (1992), Hobsbawm (2008) e Anderson (2008), tem
formado o “nacionalismo” como um mecanismo de automanutenção. Entendo ser importante
articular, portanto, as noções de “fronteira”, “nacionalismos” e “migrações”, uma vez que nos
ajudam a entender melhor o “objeto” em questão desta dissertação.
Os indivíduos que vivem em espaços fronteiriços, bem como os que se encontram em
situação migratória, tendem a reivindicar sua condição nacional para trazer um status a qual
sua nação possui frente a outro país, e por consequência gozar do mesmo status; ou não
reivindicar, mas visando também algum benefício, como: gozar de um determinado serviço
público que num outro país é de melhor qualidade, por exemplo. Ambos os casos pressupõem
condições assimétricas entre os países dos indivíduos em questão. Assumindo esse
pressuposto os Estados reforçam esse sentimento nacional garantindo uma simpatia e
“fidelidade” por parte de seus cidadãos, e asseguram elementos como o território na iminência
de um conflito contra um país vizinho. Este é o caso aqui estudado, em que os estudantes
brasileiros, em situação migratória, mantêm um discurso para com os bolivianos e na Bolívia,
como pertencentes ao Brasil, como membros desse país, por que entendem que ele goza de
uma posição privilegiada frente à Bolívia, e até mesmo regionalmente na América do Sul. No
entanto, em certos momentos, destacam enfaticamente os problemas do Brasil, como não
possibilitar a todos o acesso à formação médica, ensejando a migração para a Bolívia onde o
podem fazê-lo. Trata-se do que Valcuende del Río e Cardia (2009) chamam de utilização da
fronteira como recurso social, posicionando-se, utilizando os serviços e recursos de ambos os
lados conforme melhor lhe beneficia num dado momento.
Vale ressaltar, no âmbito dessa discussão, de como os elementos que representam o
Estado, e ou nacionalismo, como órgãos fiscalizadores (Polícia ederal; Receita ederal;
Forças Armadas, entre outros), patentemente se mostram mais acentuados em regiões
fronteiriças, enquanto os espaços mais centrais, distantes das bordas, parecem receber menos
atenção quanto a esses reforços de pertencimento nacional. Lembro ainda os reforços que a
mídia costuma veicular sobre a condição de “ilegalidade”, “contravenção”, “jeitinho”, que a
fronteira possuiria “por natureza”. Em 05 de junho de 2011 o programa Fantástico da Rede
Globo (YOUTUBE, 2012a) veiculou uma reportagem sobre o tema da formação médica na
Bolívia enfatizando muito mais as dificuldades, os problemas, transparecendo uma imagem
17
ruim do país vizinho. Esse mesmo programa, em 2011, também veiculou uma reportagem
sobre o caso de brasileiras que morreram ao fazerem cirurgia plástica no Paraguai e na Bolívia
(YOUTUBE, 2012b).
No caso do Brasil, no século XIX em especial, a criação do Instituo Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) à serviço da coroa, moldou um sentimento nacional, criando
seus próprios mitos nacionais, bem como afastando as influências “negativas” das recém
instauradas repúblicas latinas (SCHWARCZ, 1999), próximas às fronteiras. Evidentemente
que ações garantidoras do território estatal por parte da metrópole, Portugal, sempre houve,
mesmo antes da existência de um sentimento nacional com a independência política do país.
Posso citar como exemplo as ações diplomáticas de Alexandre de Gusmão no Tratado de
Madrid (1750) garantindo a posse de certos territórios anteriormente pertencentes à Espanha,
ao recorrer ao princípio do direito romano do uti possidetis, de que quem ocupa tem o direito
de possuir.
A “migração transfronteiriça” parece, no bojo desse debate, juntar esse reforço
nacional do fronteiriço com o do migrante em geral, gerando um sentimento mais acentuado
de busca e ênfase do nacionalismo, e diria que no caso em questão, de brasileiros na Bolívia,
em que há uma relação assimétrica, em especial quanto à força econômica, entre esses países,
e ainda por conta de uma posição de liderança regional do Brasil na América do Sul, isso se
mostra mais patente. Dessa forma, essa migração transfronteiriça se mostra importante porque
busca um benefício pontual, os atores que a empreendem estão recorrendo às vantagens que
ela traz. Teresa Sales (1996) ao falar das migrações transfronteiriça para o Paraguai e Uruguai
(relacionada à produção de soja e arroz, respectivamente) aponta a estratégia de brasileiros em
adquirir terras mais baratas nos países vizinhos, e se os estudantes não se enquadram nesse
grupo, relacionado à agricultura, também possuem intencionalidades de tirar algum proveito
de uma migração regional no âmbito sul-americano.
Após as discussões anteriores e tomando como base a ideia de que as zonas de
fronteira não são rígidas nem definidas na prática apenas por legislações, pretendo incutir a
ideia de “fronteira estendida” num caso particular, qual seja a da fronteira Brasil-Bolívia.
Albuquerque (2008b) é um autor que trabalha com uma ideia semelhante: “fronteiras em
movimento”, que busca sintetizar três fenômenos principais, com relação à migração
fronteiriça: as identidades situacionais; as frentes de expansão; e as fronteiras sociais e
simbólicas. Ele estuda a questão dos brasiguaios e como o Brasil adentra o Paraguai com os
migrantes brasileiros neste, e ainda, mostrando que o contrário também é válido, com os
paraguaios no Brasil. Ele diz:
18
As migrações internacionais movimentam as nações e redefinem as fronteiras
nacionais. Os deslocamentos populacionais nas zonas de fronteiras entre dois ou
mais países, denominados de migrações fronteiriças, também geram muitas tensões
e questionam os limites aparentemente fixos dos Estados nacionais. As imagens
cristalizadas e delimitadas dos mapas das nações não correspondem à dinâmica da
vida nos espaços fronteiriços. (p. 5)
Desta forma podemos ter uma “fronteira estendida” pelas ações do Estado, com menor
relevância, mas também, e principalmente, pela ação dos atores sociais, “fazendo” a fronteira,
deslocando-se de um lado para o outro, estabelecendo relações, fluxos, matrimônios,
integrando-se (ou não), enfim, definindo e redefinindo o território (a fronteira), entendido este
como um produto histórico-social.
Brasil e Bolívia, segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, possuem um
limite de 3.423 km. São os estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul,
pelo lado do Brasil, e os departamentos de Pando, Beni e Santa Cruz pelo lado da Bolívia, que
compõem essa fronteira.
Figura 02: Fronteira estendida
Fonte: CASTRO e COSTA, 2010.
Sendo assim, vejamos essa “fronteira estendida” mais pontualmente desde a
perspectiva das ações dos Estados. Estes o fariam, por exemplo, através de acordos
diplomáticos, desde questões de limite até de comércio. Nesse rastro poderíamos apontar, no
caso entre o Brasil e a Bolívia, os acordos firmados entre os mesmos: “Tratado de Petrópolis”
de 1903, que talvez já indicava uma aproximação através do comprometimento do Brasil em
construir uma ferrovia que ligasse o território brasileiro ao boliviano; “Tratado de Natal” de
1928, que faz menção a possibilidade da construção de uma linha férrea, não mais na região
que havia sido proposta no documento anterior, e sim ligando a cidade de Santa Cruz de la
Sierra à algum porto no Rio Paraguai, e daí à linha férrea brasileira; “Tratado sobre ligação
ferroviária” e “Tratado sobre a saída e o aproveitamento do petróleo boliviano”, ambos de
1938, nos quais se menciona a construção de uma ferrovia entre Corumbá – Santa Cruz de la
19
Sierra no intuito principal de transporte de hidrocarbonetos bolivianos; e por fim, os “Acordos
de Roboré” de 1958, em que se efetivam esses desejos. Tratando este último também de
questões de cooperação na Educação e Cultura (VILARINO, 2006). Acredito que tais
considerações e exemplos específicos do caso Brasil-Bolívia esclarecem a ideia de “fronteira
estendida” pelas ações estatais.
No entanto, conforme já disse anteriormente, os atores sociais se destacam no processo
de aproximação entre os espaços nacionais pelas zonas fronteiriças, e merecem uma melhor
consideração quanto às “fronteiras estendidas” pelas suas ações. Segundo Valcuende del Río e
Cardia (2009) as regiões fronteiriças apresentam duas lógicas: a do Estado e a dos moradores
locais. Estes, de acordo com seus interesses interpretam e percebem a zona de fronteira,
sempre em seu favor. Os nacionais do país vizinho, por exemplo, são vistos às vezes como
“estrangeiros”, mas em outras ocasiões são identificados com um “nós”. Portanto, ainda que
haja o controle do Estado de maneira mais efetiva nessa região, são os indivíduos fronteiriços
que constroem essa fronteira, limitando ou alargando-a. As migrações internacionais neste
contexto são elementos exemplificadores, ao estreitar as relações entre as nações e aumentar a
área de influência entre os mesmos. É o caso dos estudantes brasileiros de medicina que
cursam na Bolívia, fazendo exatamente isso: negociando a fronteira, alargando-a e
aumentando os níveis de influência do Brasil no país vizinho, sem, no entanto, estarem
isentos das determinações do limite jurídico, como a necessidade, por exemplo, de
apresentarem passaporte e de possuírem um visto.
"... as noções e práticas migrantes e fronteiriças foram determinadas por rituais
próprios [...] a cultura, a economia e a religião também se revestiram dessa tarefa, e
fizeram com que as bordas fossem possuidoras de estranhezas para aquilo que fosse
central." (OLIVEIRA, M., 2009, p. 4).
Sendo assim, é possível verificar que as vivências em regiões fronteiriças são
diferenciadas das que ocorrem no centro. O contato com o outro, com o estrangeiro, sempre
ensejou o intercâmbio de hábitos, de cultura, surgindo desta forma uma espécie de cultura
mista, híbrida. Além disto, como alertou Raffestin (2006), a fronteira é um paradoxo, não
sendo “desordenada”, mas tendo uma ordem e uma lógica próprias. E se pensarmos na lógica
dos estudantes que empreendem tal migração, teríamos a de usufruir um benefício que o seu
país não possui, sem, no entanto, se deslocar para o hemisfério norte, na Europa ou Estados
Unidos.
20
O ato: a migração
Antes de falarmos pontualmente do grupo a que este trabalho se propõe, e de seu
processo migratório, penso ser importante discorrer genericamente sobre o fenômeno
migração. Várias disciplinas têm se preocupado em estudá-lo. Autores como Sayad (1998),
Arango (2003) e Sasaki e Assis (2000) entram em consenso ao dizerem que tal fenômeno
deve ser estudado de forma interdisciplinar. Suas motivações são as mais diversas: mudanças
climáticas (escassez de alimento; alagamentos; destruição de residências, etc.); perseguições
por convicções ideológicas (políticas, filosóficas, religiosas, etc.); ânsia por melhores
condições materiais de existência; busca por um status diferenciado do que se tem em seu
lugar de origem, entre outros.
Em âmbito regional as migrações transfronteiriças na América do Sul têm se
intensificado nas últimas décadas. Bolivianos, paraguaios, argentinos e outros, têm migrado
para o Brasil, assim como brasileiros têm migrado no sentido contrário para o Paraguai,
Bolívia, e outros países vizinhos (BAENINGER, 2008; BRASIL, 2009).
A emigração brasileira
Brasileiros têm migrado para várias partes do globo, em especial, num tipo de
migração dita laboral, e para lugares como: Estados Unidos, Japão, Europa e Paraguai, apenas
para citar alguns exemplos. Nesses casos, os brasileiros migram com o intuito de trabalharem,
pouparem dinheiro, e regressarem após um determinado período, mas isso nem sempre
acontece, incorrendo, no que Sayad (1998) chamou de a ilusão do retorno. Sayad (1998) ao
estudar a presença argelina na França percebeu que os argelinos até intencionavam retornar à
terra pátria, mas na maioria das vezes se fixavam permanentemente na França. Algo similar
parece acontecer com os brasileiros quando sua migração se configura como uma migração
laboral. No entanto, a emigração brasileira aqui evidenciada, se difere nesse sentido, haja vista
esses brasileiros já terem uma “data marcada para retorno”: após sua formatura. Mas, se nesse
sentido ela difere do outro tipo de migração, ela se assemelha por ansiar por uma ascensão
econômica e social tanto quanto aquela.
O Brasil tem deixado de ser um país apenas de imigração para ser um país também de
emigração. Segundo os estudiosos da emigração brasileira, isso tem se intensificado a partir
dos anos 1980. Sprandel (2001, p. 547) deixa claro isso na seguinte passagem:
21
[...] lembro que crescemos apreendendo na escola e nos meios de comunicação que
o Brasil é um país de imigração, um verdadeiro “cadinho de raças”. Para cá vieram
alemães, italianos, poloneses, árabes, japoneses e tantas outras etnias, que festejam
invariavelmente seus costumes e suas tradições. Não se fala, no entanto, sobre a
diminuição desta imigração nas últimas décadas, nem de sua transformação
qualitativa, ora pendendo para a clandestinidade, ora para a especialização. Muito
menos se tem consciência clara de que milhares de brasileiros vivem em países
limítrofes desde, no mínimo, a década de 70.
Mas para onde têm ido esses brasileiros? Migram com qual propósito (pelo menos qual
propósito imediato)? Talvez essas sejam questões importantes a serem respondidas para que
tenhamos, ao menos, uma visão panorâmica de tal fenômeno.
Na tentativa de mostrar esse panorama um grande esforço foi realizado por Assis e
Sasaki (2001) ao fazerem um levantamento bibliográfico bastante consistente da emigração
brasileira, e da imigração para o Brasil. Nesse texto as autoras falam das dificuldades de se
encontrar bibliografia a respeito, principalmente por ser um fenômeno relativamente recente.
As áreas para onde mais se deslocam os brasileiros, e portanto mais bibliografia pertinente
existe é: Estados Unidos, Japão, Europa (Portugal, Itália, Suíça e Alemanha), e Paraguai.
Essas migrações têm suas peculiaridades, mas se assemelham por em sua maioria serem
enquadradas no que podemos chamar de migração laboral. Os brasileiros que para lá migram,
genericamente, pretendem trabalhar, poupar dinheiro, e retornar.
Quanto a alguns aspectos singulares dessas “migrações” é possível destacar: a
migração para os Estados Unidos tem sido marcada pela clandestinidade muitas vezes; a
migração para o Japão e alguns países da Europa como: Itália, Alemanha e Portugal, têm sido
marcadas por uma busca pela ancestralidade; mais pontualmente em Portugal tem ocorrido
uma migração de mão-de-obra especializada (dentistas); na Suíça há uma maioria de
mulheres; e no Paraguai uma migração relacionada ao campo, à produção de soja.
As emigrações estudantis
Quanto à migração de brasileiros para a Bolívia, ela pode ser classificada, grosso
modo, em três grupos: os indivíduos envolvidos com o campo, com o seringal, nas regiões de
fronteira ao norte da Bolívia, conhecidos como brasivianos (CORREIA; VALENCIO, 2010);
outro grupo também envolvido com o campo, mas, em condições econômicas melhores que
os anteriores, são os grandes produtores de soja, principalmente no Departamento de Santa
Cruz (PIVETA, 1995; SORUCO, 2008); e por último, o grupo que enfoco, o de estudantes de
medicina. Na Bolívia, algumas regiões se destacam na busca pelo curso de medicina: as
cidades de Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba, Cobija, e Puerto Quijarro. No entanto, ao
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longo deste trabalho me aterei à cidade de Santa Cruz de la Sierra por ter sido o local da
presente pesquisa.
A cidade de Santa Cruz de la Sierra, capital do Departamento de Santa Cruz, possuía,
segundo o censo de 2001, uma população de mais de um milhão e meio de pessoas (MESA,
J., GISBERT e MESA, C., 2007). Sua economia está voltada principalmente para a criação de
gado, o cultivo da soja e a exploração de hidrocarbonetos. Este último de grande peso para a
economia nacional, de forma que a cidade apresente uma posição privilegiada frente a outras
localidades do país. Uma das questões de destaque da cidade é sua petição de autonomia. A
Bolívia possui um sistema de Departamentos (mais ou menos equivalentes aos estados no
Brasil) que é fortemente subordinado à esfera central, e o Departamento de Santa Cruz, e em
especial sua capital, Santa Cruz de la Sierra, entendem, seus representantes, e parece, pelo que
a mídia veicula, que sua população também, que essa situação é prejudicial para o
departamento, principalmente para sua economia, alegando que contribuem mais que os
outros departamentos em arrecadação, mas recebem menos dessa esfera central. Isso seria
uma visão bastante panorâmica da cidade, a fim de que se possa ter ao menos uma ideia da
mesma.
Como já disse anteriormente, a migração que abordo aqui, assim como a laboral,
também busca uma ascensão, econômica e social, mas não pela via direta de trabalho no país
de imigração. O estar no estrangeiro para estes é uma fase de preparação profissional para um
retorno ao Brasil e alocação no mercado de trabalho que o possibilite tal ascensão, tão
almejada antes mesmo da partida para o exterior. Existem algumas similitudes entre essas
migrações, mas também algumas diferenças, trazendo singularidades para a que é enfocada
aqui, e que abordo ao longo do trabalho.
A migração de estudantes brasileiros universitários para a Bolívia, data do início dos
anos 90, ao longo do qual foi favorecida com o Plano Real ao equiparar-se com o dólar,
tornando viável a migração para a Bolívia (PIVETTA, 1995). Em visita à cidade de Santa
Cruz de la Sierra (CASTRO; COSTA, 2010) o Cônsul Geral Adjunto do Brasil, Márcio
Oliveira Dornelles, disse que estima-se que haja na cidade um total de 10.000 brasileiros, dos
quais metade seriam estudantes de medicina. Um número considerável. Ainda segundo o
cônsul, estes enfrentam alguns problemas quando estão lá, como: taxas documentais elevadas;
fiscalização migratória intensa; necessidade de periodicamente estarem indo ao Brasil para
renovação do visto, etc.
Durante a visita citada (CASTRO; COSTA, 2010) foi possível ainda entrar em contato
com vários alunos brasileiros e perceber alguns aspectos dessa presença brasileira na Bolívia.
23
Há brasileiros de vários estados, mas, é notória a presença dos naturais dos estados do Acre,
Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, todos compondo a faixa de fronteira Brasil-
Bolívia. Quanto ao destaque dado aqui ao curso de medicina ele se justifica por ser o mais
procurado, ainda que haja a procura por odontologia, por exemplo, mas que não se compara
em termos numéricos à medicina. Vale notar que esses brasileiros estudam em universidades
particulares, e se constituem na maioria das vezes, num contingente superior ao de bolivianos
em suas salas de aula, representando um total que gira em torno de 80%, segundo estimativas
das próprias universidades.
Afunilando ainda mais o foco da minha pesquisa quanto ao local, me ative
principalmente à Universidad Cristiana de Bolívia, a UCEBOL, no entanto, visitei outras
instituições obtendo informações valiosas também. Na Universidad de Aquino de Bolivia
(UDABOL), na seção “atendimento ao aluno estrangeiro”, fui informado de que os estudantes
brasileiros que estudam naquela universidade, cerca de 90% cursam medicina (os demais
fariam cursos como odontologia, fisioterapia e engenharia petroquímica). Isto mostra que a
procura por tal curso é realmente majoritária. Segundo aquela seção ainda, por turma de
medicina se percebe uma presença de aproximadamente 80% de brasileiros. Cruzando as
informações do consulado, das universidades e dos alunos constata-se que até
comparativamente a estudantes nacionais há um grande contingente de brasileiros estudando
medicina naquela cidade.
É importante destacar que, de acordo com entrevistas feitas em Santa Cruz de la
Sierra, esses brasileiros objetivam apenas se formar na Bolívia, atuando posteriormente no
Brasil, onde receberiam melhores salários.
Pesquisador – Nunca passou pela sua cabeça de ficar na Bolívia?
L.W.B. – Não, porque na Bolívia essa parte de remuneração, pra médico, não é boa.
Não que a gente esteja interessado só no dinheiro. Até porque quando eu decidi que
queria medicina eu não sabia quanto ganhava um médico. É, hoje eu sei quanto
ganha um médico. Sei quanto eu vou ser remunerado pelo meu trabalho. Mas aqui
na Bolívia a gente trabalha muito, ganha muito pouco, muito pouco, né? Até os
doutores andam de ônibus aqui. Não têm condições de comprar carro.
Pesquisador – Quais são suas pretensões após o curso? Assim, em termos
profissionais.
K.M.R.G. – Então, eu vou terminar a faculdade. Eu quero ir pro Brasil fazer o
internato lá. Em nome de Jesus! Depois que eu terminar o internato a gente ainda
volta pra cá pra fazer a província e exame de grado. Depois de isso tudo eu quero ir
pro Brasil, quero assim... [...] E aí depois, depois da prova, hora que eu tivé meus
numerozinhos, CRM, eu quero ir prum lugar onde teja começando, bem pobre, pra
mim começar também.
Pesquisador – E já te passou pela cabeça a possibilidade de permanecer na Bolívia
depois de terminado?
K.M.R.G. – Não, não. Não quero, não quero.
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Opõe-se nesse sentido à migração apontada por Sayad (1998) em A Imigração ou
Paradoxos da Alteridade, onde este autor diz da “ilusão da provisoriedade” da migração, dos
indivíduos que tencionam voltar, mas nunca voltam. E isto se evidencia pelo fato de que
novos brasileiros continuam indo para a Bolívia, motivados pelas informações daqueles que
retornam de fato e em definitivo. Entendo assim, que a migração que estudo é de fato
temporária, no entanto, desde uma outra perspectiva, não individual, mas de grupo, ela vem se
configurando como permanente, uma vez que as pessoas vão se substituindo, mas tratando-se
de um “mesmo grupo”: brasileiros estudantes de medicina na Bolívia. Em Corumbá, MS,
conheço o caso de dois irmãos que cursaram medicina na Bolívia e hoje atuam nessa cidade.
As migrações apontadas por Sayad (1998) que têm sido muito mais estudadas, e que podem
ser referidas, em grande medida ao caso do deslocamento de brasileiros para o exterior é a de
trabalhadores, como os decasséguis, por exemplo. Esta é uma das principais diferenças da
migração laboral de brasileiros que se deslocam para a Europa, por exemplo, e a aqui
estudada.
Outra diferença marcante entre essas “duas migrações” é que nas laborais existe a
questão da “remessa”. Esta se constitui no envio de dinheiro por parte do migrante àqueles
que permaneceram no seu local de origem. No caso presente isto não parece acontecer, e sim
o contrário. É quem migra que recebe ajuda material durante o período em que permanece
estudando, denotando mais uma vez a especificidade dessa migração.
Grosso modo a migração aqui estudada possui três momentos: a ida; o durante, e a
volta. Trato de todos eles, fazendo menção de como se tem acesso às informações que
possibilitam que esse migrante saiba da possibilidade de ir estudar na Bolívia (ida); de como é
complicado o processo de revalidação (volta); bem como o cotidiano de estar lá, o durante.
Acredito que esses três momentos mereceriam, talvez, dissertações à parte, e por isso, e pelos
objetivos traçados vou me preocupar em maior grau com o durante, na busca de compreender
os significados atribuídos pelos próprios atores sociais, senão a todos, a vários aspectos dessa
empreitada que é a migração para a formação médica.
As redes migratórias
Ir até Santa Cruz de la Sierra a fim de estudar, assim como empreender qualquer
migração implica em riscos (ARANGO, 2003; SASAKI; ASSIS, 2000), mas o
estabelecimento de redes é o que possibilita que estes riscos sejam diminuídos, e eles tenham
um “porto seguro” ao chegarem no novo local. Portanto, a solidariedade entre os indivíduos
25
que migram é essencial. Dos que já empreenderam essa migração é possível receber acolhida,
ajuda material, bem como informações do local: do que “se pode” e do que “não se pode”
fazer; onde ir; onde comer; com quem falar, enfim, um “manual de procedimentos”, muito útil
para um recém chegado.
Agora, a partir das entrevistas apresento alguns trechos que denotam essa questão das
redes: os caminhos percorridos por esses brasileiros do Brasil até a Bolívia; como ficam
sabendo da possibilidade de se cursar medicina na Bolívia; as ajudas que recebem de outros
que já foram, ou estão lá cursando medicina, entre outros aspectos.
L.W.B. – [...] Pra privada eu prestei um, mas eu não quis porque não tinha
condições de pagar. E não querendo colocar meus pais em dívidas, eu preferi fazer
pras públicas mesmo. No início você acha fácil, mas depois eu fui me cansando,
desanimando, aí até que apareceu a Bolívia. Aí eu vim pra cá. Foi por meio de
conhecidos. Conhecido do conhecido do conhecido. Um conhecido queria vir. Sabe
aquele amigo do amigo do amigo. Aí a gente foi conversar. Uma pessoa que já tava
um ano aqui, de uma cidade vizinha minha. Aí eu tive uma semana pra decidir, e eu
vim parar aqui.
Pesquisador – E como você ficou sabendo exatamente da possibilidade de vir
cursar medicina na Bolívia? Você pode dar mais detalhes sobre isso?
L.W.B. – Uma vizinha que trabalhava num lugar que tinha uma confecção de
lingerie, e a filha dela tava em busca da medicina também. Aí a mãe dessa menina
conheceu no curso de costura a mãe de uma que tava estudando aqui há um ano.
Chegou no ouvido da minha mãe, e como essa costureira não queria mandar a filha
dela sozinha, e essa menina sabia que eu tinha prestado medicina citou pra gente
poder ir junto. Então a gente foi conhecer até a cidade vizinha. Conhecer a Patrícia,
que é a menina que já estudava aqui. A gente conversou. Ela explicou como era, os
gastos que tinha. Explicou todo o processo e a gente decidiu vir junto. E a gente
veio. Num comboio, de trem, várias malas...
Pra este aluno a Bolívia surge como uma solução para a consecução de um sonho. A
expressão “... até que apareceu a Bolívia.” é bastante forte, e denota a intensidade do desejo
dele cursar medicina, uma vez que no Brasil estava encontrando dificuldades. Além disto,
nesse primeiro trecho é possível verificar como as informações circulam: “ oi por meio de
conhecidos. Conhecido do conhecido do conhecido”, formando redes de informações, e de
ajuda também.
Pesquisador – Quando você chegou aqui você encontrou alguém que de alguma
forma te ajudou? Como é que foi?
L.W.B. – Desde o princípio eu sempre tive pessoas que me ajudaram, né? Até eu
dividi casa com uma menina que já tava aqui há um ano, então tudo que passaram
pra ela, ela foi passando pra gente. E eu tomei isso como... né? pra mim também.
Porque eu tive ajuda eu posso ajudar. Muita gente não ajuda, tudo, mas... se eu
posso ajudar, dar dicas. Geralmente a pessoa, é ali que vai... não só informações
onde é, o que fazer, dicas. Oh, faz assim que se não vai acontecer isso... pra evitar
que te passem a perna. Bons conselhos pra evitar que não tenha problemas lá na
frente, não passar por apuros, né? Não só ajuda de: ah, vem aqui que eu vou com
você, te ajudo a fazer isso. A gente fala: faz tudo aquilo, mas explica: da próxima
vez faz assim, evita isso, pra poder não ter problemas.
Segundo o entrevistado existem aqueles que não ajudam, mas ele passou por uma experiência
positiva de solidariedade entre estudantes e procurou reproduzir essa mesma atitude com
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aqueles que necessitassem. Pra ele as ajudas podem ser de vários tipos, até mesmo como uma
simples informação, podendo evitar problemas. A seguir mais um trecho sobre essa questão:
Pesquisador – Como você ficou sabendo da possibilidade de vir estudar em Santa
Cruz de la Sierra?
K.M.R.G. – Então, foi através de amigos. Eu já tinha ouvido boatos, né? De
faculdades na Bolívia, só que eu não tinha conhecido ninguém ainda que tivesse
aqui, né? Que tivesse conversado comigo, tal... Aí tinha o Adelmar que eu conversei
meio por cima com o pai dele. Aí passei por uma experiência que eu trabalhava com
um rapaz, ele saiu do hospital, e veio pra Bolívia fazer medicina, e nas férias dele ele
foi lá, ficou trabalhando no hospital com a gente, e a gente conversou muito. E
assim, eu fiquei super empolgada. Falei: eu vou pra Bolívia fazer medicina,
entendeu? Ele me falou, me explicou da possibilidade de eu talvez não ficar aqui,
voltar. Porque tem, né? Questão emocional. E aí eu conversei com o meu pai e falei:
o senhor topa me ajudar, tudo, aí... Arrumei as malas e vim pra Bolívia.
Pesquisador – Houve algum outro meio de comunicação pelo qual você ficou
sabendo?
K.M.R.G. – Não. Só uma pessoa que... Veio, e tava fazendo. Inclusive os dois que
eu conversei muito, um já terminou o internato, e o outro que trabalhava comigo tá
fazendo o internato agora.
Neste segundo trecho há uma coisa que me chama atenção, que é a volta dos estudantes
durante as férias. Este aluno alega que ficou sabendo através de um amigo que estava de férias
no Brasil. Isso, a meu ver, demonstra um grande laço ainda com o país de origem, afinal se
trata de uma emigração com um país fronteiriço. É diferente do caso dos brasileiros que estão
no Japão. Estes não podem a qualquer momento virem para o Brasil. Já os que estão na
Bolívia, principalmente os oriundos de estados fronteiriços (AC, RO, MT, MS) em qualquer
“feriadão” podem dar um “pulinho” em casa. Os que moram mais próximos ao litoral nem
tanto, mas nas férias sim. Tive oportunidade de estar em Santa Cruz de la Sierra, como parte
das minhas observações, no início de 2011, ainda no período de férias, e como muitos dos
alunos vivem nas redondezas da universidade, pude constatar que quase todos estavam no
Brasil, com exceção daqueles que estavam fazendo um curso de verão, ou pagando alguma
matéria.
Dos alunos entrevistados a maioria alegou ter recebido informações sobre o curso de
medicina na Bolívia através de conhecidos ou amigos, de pessoas que conheciam
pessoalmente, mas, navegando pela rede mundial de computadores me deparei com espaços
virtuais que apresentam possibilidades de interações, e solidariedades. Para aqueles que estão
mais desinformados, iniciarem pela internet já esclarece muita coisa. Facilmente se encontra
informações, bem como respostas às informações solicitadas.
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Figura 03: Página de internet
2
Fonte: Orkut, 2010.
Na imagem acima há um aluno se identificando como promotor da UCEBOL, e que
pode ajudar os interessados em cursar medicina quanto à matrícula e aluguel de apartamento.
Essa universidade desenvolve um programa de bolsa promotor, em que o aluno tem um
desconto em sua mensalidade ao indicar outros alunos. Logo, nesse caso, essa ajuda não é
totalmente desinteressada, mas nem sempre é assim. Outros pontos a serem destacados é que
essas comunidades virtuais possibilitam uma socialização entre os alunos e os interessados em
estudar na Bolívia, e as próprias universidades, mesmo que indiretamente, terminam se
utilizando dessas páginas.
É importante grifar ainda que não só páginas de relacionamentos possuem
informações sobre os cursos de medicina em outros países, mas os próprios sites das
universidades, blogs de alunos, e também de pessoas que dizem facilitar os trâmites
documentais para os interessados em cursar medicina. A internet está repleta de propaganda e
informações sobre o assunto.
O processo de revalidação do diploma
Para os primeiros brasileiros que foram para a Bolívia cursar medicina, no início dos
90, assim como aqueles que foram para Cuba e Argentina, outros principais destinos, a volta,
quando regressaram com o intuito de se inserirem no mercado de trabalho brasileiro, foi muito
mais acessível. Até o ano de 1999 vigorou o Decreto 80.419/1977 em que se promulgou a
2 Esta imagem é uma captura de tela do Orkut (uma rede social). Esta imagem foi trabalhada sendo aplicado nela
o efeito pixelato, sobre a imagem dos comentaristas como uma forma de resguardá-los.
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Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino
Superior na América Latina e no Caribe, em que “automaticamente” esse profissional estava
habilitado para trabalhar no Brasil. No entanto, após esse ano, através do Decreto nº
3.007/1999 houve a revogação do decreto anterior. A partir de então voltar à terra natal
passou a ser um “pesadelo”. Em 2002 com a Resolução CNE/CES 1/2002 se estabeleceu
normas para a revalidação de diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos
estrangeiros de ensino superior, através das universidades públicas brasileiras que
ministrassem curso de graduação reconhecido na mesma área de conhecimento ou em área
afim. Porém, a grande dificuldade dos revalidandos era a falta de periodicidade dessas
instituições. Em determinados anos elas abriam edital, em outros não. Essa incerteza tornava
difícil o processo de revalidação. Essas instituições, num geral procediam primeiro uma
análise documental do diploma do requerente, para avaliar questões como disciplinas cursadas
e carga horária, por exemplo. Havendo dúvida ela poderia consultar o parecer de uma
instituição especializada, bem como aplicar exames e provas, e/ou exigir estudos
complementares. Os formandos no exterior poderiam adquirir o direito de trabalhar no Brasil
diretamente pela via judicial também.
Como a avaliação da aptidão ao exercício da medicina dos revalidandos estava a cargo
das universidades públicas, e como essas têm certa autonomia em suas exigências, passou a
haver certa disparidade nos critérios, e tentando padronizar o processo o Ministério da
Educação juntamente com o Ministério da Saúde aprovaram o Projeto Piloto de revalidação
de diploma médico expedido por universidades estrangeiras (Portaria Interministerial
MEC/MS nº 865/2009). Em 18 de março de 2011, após esse período de projeto piloto, esses
dois ministérios aprovaram outra portaria (Portaria Interministerial MEC/MS nº 278/2011) em
que se institui o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por
universidades estrangeiras. Durante o período de projeto piloto, de experimentação, digamos
assim, pouquíssimos revalidandos foram aprovados, decorrendo daí muitas discussões.
Em muitas instituições no Brasil se questiona a qualidade do ensino médico ministrado
no exterior, e como exemplo temos o próprio Conselho Nacional de Medicina, e alguns
conselhos regionais, como o de São Paulo. Pelo outro lado, dos indivíduos que empreendem a
migração para cursar medicina no exterior, pontualmente sobre o novo modo de habilitar o
formado no estrangeiro, está a alegação de que a avaliação realizada em 2009 em âmbito
nacional estava num nível muito alto, e conforme ouvi em conversas informais e assistindo a
reportagens, num nível talvez para especialistas. Sem incorrer ainda em maiores
considerações sobre ambos os posicionamentos, e seus interesses que os fazem discursar de
29
uma determinada forma, é válida a preocupação com a qualidade do ensino médico no
exterior, bem como no nosso país, não nos esqueçamos disso, mas também é preciso pensar e
agir de forma a minimizar ou até mesmo, com o tempo, sanar, o “problema” da formação
médica no exterior, quiçá criando meios para que esses indivíduos nem sequer precisem
migrar.
Somado a isto os estudantes brasileiros sabem que ao voltarem ao Brasil encontrarão
uma situação de preconceito pelo fato de terem se formado em outro país, e neste caso, a
Bolívia, ao contrário de estudantes “ricos” que se formam em países europeus, Estados
Unidos ou Japão, ou no próprio Brasil, por exemplo. A Bolívia sofre uma constante
estigmatização, por parte do senso comum no Brasil, gerando um sentimento de “repulsa”, o
que favorece a construção de estereótipos, do tipo: “o mais pobre da América do Sul”;
extremamente instável; tem uma população majoritariamente indígena, entre outros. E estes
“rótulos” só aumentam a visão negativa do médico que se formou lá. Não bastassem esses
problemas, estar numa nação diferente da sua costuma gerar “choques culturais” e nostalgia, o
que pode ser “sanado” temporariamente pela maior aproximação “aos seus”, àqueles que têm
em comum o fato de serem da mesma nação, de terem, ao menos em parte, a mesma cultura.
Diante da dificuldade de revalidar o diploma de médico, uma estratégia importante
adotada por alguns estudantes, para conseguir entrar no mercado de trabalho no Brasil, é, de
por volta do 7º semestre, transferir seus estudos para o Brasil. Ao concluírem seus estudos no
Brasil, isto pode significar desde a preferência pelo estudo na Bolívia apenas por uma questão
de forma de ingresso, mais acessível, até o fato de ao concluírem seus estudos no Brasil isso
denotar um status diferenciado. A seguir, apresento um quadro relativo às legislações que
tratam sobre o processo de revalidação de diplomas expedidos por estabelecimentos
estrangeiros:
Documento Trata
Decreto nº 80.419/1977 Promulga a Convenção Regional sobre o Reconhecimento de
Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América
Latina e no Caribe.
Decreto nº 3.007/1999 Revoga o Decreto nº 80.419, de 27 de setembro de 1977.
Resolução CNE/CES 1/2002 Estabelece normas para a revalidação de diplomas de graduação
expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior.
Resolução CNE/CES 8/2007 Altera o art. 4º e revoga o art. 10 da Resolução CNE/CES nº
1/2002, que estabelece normas para a revalidação de diplomas
de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros de
ensino superior.
Carta de Campo Grande/2008 Sugere que haja mudanças nas atuais normas acerca da
revalidação de diplomas de graduação obtidos no estrangeiro.
Resolução CNE/CES 07/2009 Altera o § 2º do art. 8º da Resolução CNE/CES nº 8, de 4 de
outubro de 2007, que estabelece normas para a revalidação de
diplomas de graduação expedidos por estabelecimentos
estrangeiros de ensino superior.
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Portaria Interministerial
MEC/MS nº 383/2009
Institui a Subcomissão de Revalidação de Diplomas para
aprimorar o processo de revalidação de diplomas expedidos por
instituições de ensino estrangeiras, especificamente do curso de
medicina.
Portaria Interministerial
MEC/MS nº 865/2009
Aprova o Projeto Piloto de revalidação de diploma de médico
expedido por universidades estrangeiras e disponibilizar exame
de avaliação com base em matriz referencial de correspondência
curricular, com a finalidade de subsidiar os procedimentos de
revalidação conduzidos por universidades públicas.
Portaria Interministerial
MEC/MS nº 278/2011
Institui o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos
expedidos por universidades estrangeiras.
Quadro 01: Legislação relacionada à atuação do profissional formado no exterior.
Acredito que já ficou bem claro que um dos grandes problemas enfrentados pelos
brasileiros que cursam medicina na Bolívia não é tanto no antes, nem no durante, mas sim no
depois, no processo de revalidação que o permita atuar profissionalmente no Brasil, uma vez
que já foi dito que a maioria anseia apenas estudar na Bolívia, mas exercer sua profissão no
Brasil. Sabendo disto, através de leituras bibliográficas, notícias televisivas e internet, pensei
de antemão que isso deveria ser um tema que preocupasse esses brasileiros. Não foi a minha
surpresa, eles “deixam pra ver” isso na última hora e não se incomodam com a possibilidade
de se ter sérios entraves à sua atuação no Brasil. Apresento a seguir alguns trechos de
entrevistas que ratificam essa minha fala.
Pesquisador – O quê que você sabe sobre revalidação de diplomas?
L.W.B. – Bom, tem vários modos de se revalidar o diploma. O que eu sei é que
meus amigos que eu conheci aqui, que começaram antes, tudo, e hoje já estão muito
bem. Trabalhando, feliz da vida. O que eu espero também. A revalidação foi por
meio de faculdade federal, que é um processo em que você vai na faculdade fazer a
inscrição, não é todo ano que abre. Cada ano abre um estado, abre uma faculdade,
tanto federais como estaduais. Você faz sua inscrição, apresenta toda a sua
documentação de conclusão... certificados, notas, tudo. Diploma feito aqui na
Bolívia. Todos já traduzidos, juramentados e tudo certo, passados por todos os [...]
que eles falam, Itamaraty, consulado, La Paz, e todas essas coisas. Apresentado tudo
isso, a faculdade analisa e te informa quantas matérias você tem que fazer. As
matérias geralmente são epidemiologia, coisas que depende do lugar. Então a gente
vai fazer isso lá. Então essas matérias que faltariam seriam ali. Então a gente faz lá
quatro meses, seis meses. Depende da faculdade, depende, né?, de cada edital, de
cada faculdade é diferente. Então faz lá alguns meses de aula, mas só que não é na
federal que faz. Você só entrega seus documentos, a faculdade te entrega uma carta
dizendo quais são as matérias. Você procura uma faculdade particular. Tudo através
de uma advogada, assim que todo mundo faz. Essa advogada fica responsável de
abrir uma turma nessa faculdade particular, né? A faculdade exige um mínimo de
pessoas. Combina com a faculdade o preço; qual o tempo. Essa advogada faz a
grade das aulas. Faz um projeto pra essa faculdade particular com a grade: das aulas;
horário; quanto tempo de curso; que dia começa; que dia termina; quais seriam os
valores; forma de pagamento; tudo isso pra nós. Essa negociação feita pra gente. Ela
fez tudo isso a faculdade aceitou; tem o mínimo de alunos; todo mundo vai nessa
faculdade particular. Cursa. No final dos meses estipulados a faculdade particular dá
um diploma, não sei como é que é bem. Não sei se é um diploma, um certificado que
você concluiu aquelas matérias lá. Você leva isso à faculdade federal, estadual. E lá
a faculdade analisa de novo e revalida o seu diploma. Você não sai com um diploma
do Brasil. Você sai com seu diploma, que você entregou, o original... eles colocam
um selo, um carimbo, que ele é também válido no Brasil. Tem processos de você faz
a prova de CRM, específica pra quem quer CRM, e você faz só a prova. É
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automático. Se você não passar, dependendo da faculdade ela analisa. Se você fez
50% da prova você faz algumas matérias. Se você não concluiu uma porcentagem
mínima você faz todas as matérias, ou tem a opção de, tipo, você fazer a prova, não
passou, então você não tem direito a nada. Nem revalidação, nem nada. Tem que
fazer de novo.
Pesquisador – Isso é um tema que te preocupa? Você acha que é difícil, ou tem
muita burocracia...
L.W.B. – Bom, é meio difícil essa questão, nesse caso eu sou otimista. Não sou de
ficar me preocupando assim antecipadamente. Eu tô no processo de fazer o exame
de grado. Tem amigos meus já olhando esse negócio de revalidação, preocupado que
vai abrir uma revalidação agora em junho, e a gente não fez exame de grado ainda,
não vai dar tempo. E eu tô bem tranquilo. Não vai dar tempo é porque não é pra eu
fazer. Quando eu fizer meu exame de grado eu vou me preocupar, né?
Este aluno já concluiu todos os semestre e inclusive o internato. Ele foi o que melhor
descreveu esse processo de revalidação, é o que parece ter mais conhecimento sobre o
assunto, mas os demais parecem não fazer a menor ideia de como é que faz, e tampouco se
preocupam. Confesso que isso me intriga, e não consigo ver uma resposta conclusiva pra isso.
Deduzo que acreditem que por mais difícil que seja, existem aqueles que conseguiram, e que,
portanto, eles também vão conseguir; e, também, que se eles ficassem focados nisso talvez
nem sequer iniciassem o curso, mas, uma vez que têm um grande desejo de fazê-lo, não
cogitam essa possibilidade.
Todo o processo descrito pelo aluno merece atenção. Ele relata todo o desenho de um
negócio apoiado no processo de revalidação desses alunos brasileiros formados no exterior.
Há vários envolvidos. Se as faculdades bolivianas agem no sentido de estarem promovendo
um negócio transfronteiriço atraindo brasileiros para cursarem naquele país, há um aparato de
volta, de empresas e profissionais brasileiros, como a advogada, envolvidas e lucrando com a
formação desses brasileiros fora do país, mas que retornarão ao Brasil, pois pretendem
exercerem a medicina aqui. Trata-se de um negócio onde lucram universidades particulares e
advogados.
Pesquisador – O quê você sabe sobre revalidação de diplomas no Brasil?
K.M.R.G. – Ah, eu não sei nada ainda. Eu não sei. O que eu sei é que a gente tem
que levar os documentos pra revalidar... É um advogado que faz. Ele cobra um valor
“x”, né?, pra dar a revalidação... Eu não vi muito porque eu tô deixando essas
coisinhas pro ano que vem, pro comecinho do ano que vem. Ou até o semestre que
vem, porque se deixar muito em cima também... Aí eu já quero estar me atualizando
porque eu vou precisar. Pesquisador – O quê que você sabe sobre processo de revalidação de diploma no
Brasil?
B.R.C.C. – A única coisa que eu já ouvi falar é que tem que traduzir todos os
documentos e arrumar um advogado. Não posso falar nada mais sobre isso porque
eu não sei.
Pesquisador – Isso é uma coisa que te preocupa?
B.R.C.C. – Não. Eu não me preocupo com isso não.
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Estas duas últimas falas reforçam a ideia de não preocupação com o tema de revalidação, e
eles dizem acreditar que quase todos deixam pra ver essa questão já no final do curso.
Alguns grupos imigrantes no Brasil
Após ter falado bastante de uma das migrações brasileiras para a Bolívia, e ter
mostrado como ela se encaixa na ideia de “fronteira estendida” pelas ações dos estados e dos
atores sociais em especial, fazendo que a influência brasileira adentre na Bolívia, não
podemos esquecer que também existe um importante fluxo migracional de bolivianos para o
Brasil, e passo a fazer algumas considerações a respeito dele. A migração boliviana para o
Brasil, em especial para o estado de São Paulo, e nesse contexto as cidades de Corumbá, MS,
Guajará Mirim, RO, Cáceres, MT e Foz do Iguaçu, PR, apresentam-se como ponto de
passagem, merece destaque (SILVA, 2006).
Segundo Andersen (2002) a Bolívia tem passado por um processo significativo de
migrações internas rural-urbana nas últimas décadas, sendo que a cidade de Santa Cruz de la
Sierra tem crescido significativamente muito em consequência de tal movimento (SILVA,
1999). No entanto, essa migração interna, às vezes, tem prosseguimento, alcançando as áreas
de fronteira. Souchaud e Carmo (2006) chegaram a cogitar a possibilidade de haver uma
relação entre a presença de bolivianos em Corumbá, MS e bolivianos em São Paulo,
constituindo-se Corumbá, MS como um espaço de trânsito, de acúmulo de experiências. No
entanto, Souchaud (2008) já aponta para um entendimento de que cada local desses se
constitui em processos migratórios distintos. É evidente que Corumbá, MS, não se constitui
apenas como um espaço de trânsito, mas também como destino final de muitos bolivianos que
terminam se radicando nessa cidade. Acredito que tal panorama nos ajuda a perceber melhor
os desdobramentos da migração de bolivianos para o Brasil.
Sidney Antonio da Silva tem sido um dos principais estudiosos da presença boliviana
no Brasil. Com uma abordagem que destaca elementos culturais, não ignora o contexto da
presença dos bolivianos no Brasil, e seus percursos. Este mesmo autor ressalta que o Brasil,
frente a alguns de seus vizinhos, apresenta estatisticamente melhores índices econômicos e
sociais, o que explica, ao menos em parte, a escolha deste como destino final. Além disso,
imagens positivas geralmente estão atreladas ao Brasil, como: futebol, praias, mulatas,
oportunidades de emprego, etc. (SILVA, 2006). Nada muito diferente do que buscam os
brasileiros ao migrarem para os Estados Unidos, por exemplo, no sentido das representações
dos EUA como uma terra de oportunidades, do “sonho americano”. Isto parece ficar mais
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nítido se levarmos em conta a região sudeste, em especial a cidade de São Paulo, que é a que
aglutina, no Brasil, o maior contingente de bolivianos (SOUCHAUD; BAENINGER, 2008).
Outros autores também têm abordado tal temática (a presença boliviana no Brasil), ainda que
sob perspectivas distintas, como: Souchaud (2008), Cymbalista e Xavier (2007), Cacciamali e
Azevedo (2006), apenas para citar alguns.
A presença de bolivianos no Brasil tem início, em processos migratórios, a partir da
década de 1950 devido aos intercâmbios culturais, mas se torna mais expressiva na década de
1980 (SILVA, 2006). Segundo Silva (2005b; 2005c; 2006), predominantemente, o boliviano
que migra para o Brasil é aquele que vem para trabalhar nas alfaiatarias3:
O perfil característico desses imigrantes, que foi sendo construído desde os anos
1980, mostra que eles são, em sua maioria, jovens, de ambos os sexos, solteiros, de
escolaridade média, e vieram atraídos principalmente pelas promessas de bons
salários feitas pelos empregadores coreanos, bolivianos ou brasileiros da indústria da
confecção. (SILVA, 2006, p. 160).
Existe, porém, outra migração, menor que a apontada anteriormente, mas,
significativa, que é a de bolivianos com formação superior (profissionais liberais, como
médicos, dentistas, enfermeiros, etc.). Estes costumam passar por problemas no que diz
respeito à revalidação de seu diploma e outras questões legais (SILVA, 2006).
Os bolivianos que migram para São Paulo com o intuito de trabalharem nas
confecções são agenciados na Bolívia com promessas de melhores ganhos do que têm em seu
país (CACCIAMALI; AZEVEDO, 2006). No entanto, chegando ao Brasil permanecem além
do permitido, tornando-se ilegais. São amedrontados pelos empregadores que dizem do
“perigo de serem pegos”, não devendo sair do local de trabalho. Tornam-se assim
indocumentados, trabalhando como “escravos”, com salários baixíssimos e não podendo se
desvencilhar de tal situação já que os patrões se aproveitam do fato desses bolivianos não
terem a quem reclamar (SILVA, 2005b; 2006). Trabalhar nas confecções é relativamente fácil
no que se refere a uma não exigência de experiência, pagando-se por produção. Segundo Silva
(2006) certas situações são aceitas pelo migrante pela perspectiva de um dia chegar à posição
de dono de confecção, e quando possível, em momentos de anistia, e já detendo maiores
conhecimentos sobre essa possibilidade, procuram regularizar sua situação documental, já que
isso é um dos primeiros passos para uma ascensão social. Existem outras atividades que os
migrantes bolivianos desenvolvem, ainda que menos significativas, como: serviços e
comércio ambulante.
3 Especialmente os naturais da parte alta (região andina).
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No interior dessa migração vão sendo construídas redes sociais em que aquele que já
possui certa experiência em São Paulo “patrocina” parentes e amigos para que migrem
também. Somado a isto, temos a questão da remessa, que repetidamente consta nos estudos
migratórios, e que neste caso não é diferente. Isso cria uma coesão, entre os que já migraram e
aqueles que ainda permanecem no país de origem (no caso das remessas), entre “novos
migrantes” e aqueles já estabelecidos há mais tempo, ao entenderem que fazem parte de um
mesmo grupo, dos que migram para ascender social e economicamente, e no caso dos
bolivianos que se constituem no maior grupo hispano-americano em São Paulo, se fortalecem
mais ainda ao participarem de várias organizações (ex.: fraternidades folclóricas de
morenadas). Em Corumbá, MS existe o Centro boliviano-brasileiro. Além dessa ajuda mútua
existem organizações de cunho humanitário que se mostram muito importantes também,
como o caso dos missionários escalibrianos, ao fornecerem ajuda psicológica, médica,
material, etc. (SILVA, 2005b).
Migrar para o Brasil é uma aspiração que denota, ao menos inicialmente, uma
necessidade temporária, apenas o suficiente para se conseguir uma boa quantia e retornar à
Bolívia. Seria o que Sayad (1998) chamou de ilusão do retorno. Mas, esse retorno termina
não acontecendo pela demanda de mão-de-obra estrangeira, mais barata. A promessa a si
mesmo de voltar tão logo às coisas tenham melhorado vai ficando cada vez mais distante, até
que as raízes fincadas no Brasil o limitem a apenas visitar seu país, ou enviar um filho para
estudar lá (SILVA, 2006).
Silva (1999) destaca as várias dificuldades enfrentadas no novo país pelos bolivianos,
como: trabalho escravo, imagens negativas transmitidas pela mídia, e o preconceito. Segundo
este autor um elemento contribuidor para a formação de estereótipos, de estigmas, seria o fato
de se relacionarem muito pouco com os brasileiros, havendo, portanto, a criação de imagens
que maculam todo o grupo: sociocultural (traficantes, pobres, de "pouca cultura"); étnica e
racial ("índios", "morenos"); de ordem jurídica (clandestinos, indocumentados) (SILVA,
1999, p. 112). Frente a este último problema apontado, a estigmatização, que é dificultador
para uma mobilidade social, os bolivianos, assim como os migrantes de uma forma geral,
tendem a um anonimato para não serem vinculados ao grupo estigmatizado, ou resignificam
suas identidades (GOFFMAN, 1982). Essa resignificação se dá, segundo Silva (1999),
principalmente pelo viés da cultura, através das festividades, em que tais manifestações
tendem a ser mais visíveis.
As práticas festivas realizadas por esses imigrantes na cidade revelam, portanto, a
vitalidade cultural de um grupo que, apesar da conjuntura adversa em que está
inserido, procura mostrar que eles têm algo a mais para oferecer à sociedade
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paulistana, além de sua mão-de-obra mal paga nas oficinas de costura. (SILVA,
2006, p. 168)
Portanto, há, por parte dos bolivianos, uma “resistência” às várias desventuras através de
manifestações culturais, por meio da propagação de uma imagem positiva de suas origens
(SILVA, 2002; 2005a; 2005b; 2006).
Inseri basicamente essas considerações sobre a migração boliviana para o Brasil, ainda
que não seja o foco essencial da minha pesquisa, como forma de contrapor a migração
brasileira para a Bolívia, e ao mesmo tempo demonstrar que se a “fronteira brasileira” se
estende Bolívia à dentro, o seu inverso também é verdadeiro.
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O problema: educação superior
Educação superior no Brasil
Ao falarmos de busca por ensino superior fora do Brasil entendo que deveríamos
pensar antes no próprio ensino superior do país. A educação superior no Brasil, em especial as
universidades, surgiu tardiamente (MENDONÇA, 2000, p. 132). No período colonial
existiam os colégios jesuíticos com um teor religioso, sendo necessário ao brasileiro se
deslocar a Portugal (ou outros países europeus) para cursar estudos superiores, diferentemente
dos vizinhos hispânicos, que muito cedo implantaram universidades nas novas terras. Ainda
segundo Mendonça (2000), mesmo com a vinda da Família Real para o Brasil em 1808, e
posteriormente, os cursos que foram implantados não significaram melhorias substantivas, já
que tinham um caráter pragmático para a manutenção da Corte: "Foram poucas, entretanto, as
iniciativas concretas dos governos imperiais no campo do ensino superior, limitando-se à
manutenção das instituições existentes e à sua regulamentação" (MENDONÇA, 2000, p. 134-
5).
Foi apenas no século XX, na década de 1920 a 1940, que houve a criação de
universidades mais próximas de como conhecemos atualmente, marcadas, porém, por um
forte intervencionismo estatal. Já as décadas de 1950 e 1960 foram profícuas em discussões
sobre a educação superior. Mendonça (2000), historiando a presença da universidade no
Brasil até a reforma de 1968 (durante os governos militares), aponta que desde aquele
momento existia uma tendência de privatização da educação no Brasil. Silva Jr. e Sguissardi
(2005) enfatizam, por exemplo, como o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso
(FHC) foi marcado por um processo de privatizações, inclusive do sistema educacional, não
diferindo significativamente o governo Lula: “As políticas públicas passam, no Brasil e no
exterior, por um processo de mercantilização ancorado na privatização/mercantilização do
espaço público” (2005, p. 16). Também tem existido uma tendência à criação de cursos que
tenham um sentido prático, que atendam às necessidades do neoliberalismo.
É seguindo essas “pegadas” que se aponta para uma necessidade de melhoria da
educação superior no Brasil. Mudanças têm ocorrido, mas ainda não atendem
satisfatoriamente à realidade nacional. Ristoff (2008) diz que se a educação superior tem se
ampliado isso se deve ao setor privado. No entanto, a educação básica tem se universalizado
garantindo que os indivíduos de camadas menos abastadas estejam em condições, ao menos
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em termos de nível escolar, de adentrarem na universidade, mas não financeira para arcar com
os custos. Este mesmo autor aponta que o Programa Universidade para Todos (ProUni)
parece ser um avanço na medida em que auxilia financeiramente esses alunos. Outros autores,
porém, como Silva Jr. e Sguissardi (2005) ponderam que tal programa também se insere na
perspectiva da privatização, de se passar a responsabilidade estatal ao setor privado.
São várias as discussões sobre a educação superior no Brasil, mas destaca-se aqui a
percepção de Ristoff (2008) no que tange ao acesso à educação superior, em especial nas
instituições privadas que é o setor que tem crescido mais significativamente. Neste caso,
aumentar a oferta não se traduz em democratizar, já que os próprios números o demonstram
quando apontam altos índices de ociosidade de vagas no setor privado:
É fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu principalmente
pelo setor privado, que hoje representa 90% das instituições. Quando esse setor
deixa quase a metade de suas vagas ociosas, quando índices alarmantes de
inadimplência o desestabilizam e quando a evasão ameaça inviabilizar mesmo
cursos de altíssima demanda, fica evidente que a sua capacidade de expansão está
próxima do limite. Junte-se a isso o fato de que os mais de 9,5 milhões de estudantes
do ensino médio têm renda familiar 2,3 vezes menores do que a dos estudantes que
hoje estão na educação superior. O IBGE nos informa, há algum tempo, que entre os
estudantes do ensino médio, há milhões deles tão pobres que, mesmo que a
educação superior seja pública e gratuita, terão dificuldades de se manterem no
campus. (RISTOFF, 2008, p. 44)
Tais considerações nos fazem pensar no processo migracional de brasileiros para a
Bolívia com o fim de cursarem medicina. Pelo menos de acordo com os discursos
apresentados por esses alunos, da dificuldade em aceder ao ensino superior público, e a
impossibilidade de pagar por uma formação privada, há uma relação direta com o que os
teóricos vêm dizendo acima: as ações políticas quanto à educação superior, como o amplo
processo de privatização e apoio através do ProUni, muito mais às empresas privadas, do que
aos alunos, não atendem às necessidades da maioria deles.
Educação Superior na Bolívia
Genericamente a Bolívia também apresenta uma forte privatização de sua educação
superior (MESA, J., GISBERT; MESA, C., 2007). A cidade de Santa Cruz de la Sierra,
capital do Departamento de Santa Cruz (SC), possui inúmeras instituições privadas de ensino
que tem atraído brasileiros preferencialmente para cursar medicina (CASTRO; COSTA,
2010). A busca pelos cursos de Medicina e Odontologia por brasileiros talvez se explique pelo
perfil dos estudantes e dos cursos no Brasil que Ristoff (2008) descreveu como: indivíduos
com renda elevada e cursos bastante concorridos. Desta forma, a Bolívia como um todo se
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torna atraente na medida em que “não existe” um processo seletivo nas instituições privadas,
facilitando o ingresso. Além disso, o custo comparado ao que se tem no Brasil (educação em
si e “custo de vida”) é mais acessível naquele país.
Um negócio transfronteiriço
Essa migração possibilita que as universidades bolivianas particulares articulem uma
esfera de “negócio transfronteiriço”, extrapolando suas fronteiras. A Universidad Privada
Franz Tamayo (UNIFRANZ), situada também em Santa Cruz de la Sierra, por exemplo,
estava passando propagandas televisivas em Corumbá, MS, e instalou um estande de
divulgação durante o Festival América do Sul4, que ocorreu entre os dias 28 de abril e 2 de
maio de 2010, em Corumbá. E não é difícil encontrar nessa cidade propagandas da UNITEPC,
que se encontra na cidade de Puerto Quijarro, cidade fronteiriça vizinha. Constitui-se num
negócio muito lucrativo pelo grande contingente que para lá se desloca.
Figura 04: Restaurante brasileiro em Santa Cruz de
La Sierra. (foto do autor)
Um caso que me chamou atenção foi o de uma família que estabeleceu um restaurante
nas proximidades da UCEBOL após a ida da filha para cursar medicina (Figura 4). Eles
vieram da cidade de Dourados, MS (estado fronteiriço). Este caso nos mostra mais uma vez a
ação das redes, de como essa estudante brasileira fomentou a migração do restante da família
ao perceber a oportunidade de atender um público brasileiro ao instalar um restaurante nas
proximidades da universidade. A ida de famílias em torno dos negócios e não apenas dos
estudos é mais um exemplo da “fronteira estendida”, forjada pelo empreendedorismo dos
atores sociais.
4 Evento cultural que ocorre anualmente nessa cidade.
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Educação Superior em países de 1º mundo
É interessante contrastar a migração estudantil de brasileiros para países
“desenvolvidos”, como os europeus, e a migração estudantil para países “subdesenvolvidos”,
como os latino-americanos (Bolívia, Argentina, Cuba, etc.). Uma das primeiras coisas a se
revelar nesse contraste é uma espécie de fetichismo pelo que é europeu, um certo
eurocentrismo latente. Traz muito mais status dizer que se fez um curso na Europa do que na
Bolívia. Os cursos na Europa ou nos Estados Unidos são em geral mais concorridos e muito
mais caros, e em muitos casos são realizados em centros de excelência. Outra coisa a se
pensar é a que camada socioeconômica pertence os que vão estudar na Europa, e os que
estudam na América Latina. Estes últimos são de uma condição socioeconômica inferior.
Quanto ao primeiro grupo, posso dizer ainda, que muitas vezes se enquadram no que se
denomina de fuga de cérebros, um contingente altamente qualificado que se permanecesse no
Brasil seria desproporcionalmente remunerado (SILVA, 2008, p. 4). E à exemplo dos países
para onde os brasileiros se deslocam, na Europa, temos: os brasileiros na Espanha, que
inclusive têm uma associação, a APEC BCN5 (Associação de Pesquisadores e Estudantes
Brasileiros na Catalunha). Essa mesma estrutura de associação é encontrada entre os
estudantes brasileiros em Portugal, França e Inglaterra6.
5 É possível obter mais informações sobre essa associação no site: <www.apecbcn.org>.
6 Sítios de internet: <http://apebcoimbra.webs.com>; <http://apeblisboa.blogspot.com>; <www.apebfr.org>;
<www.abep.org.uk>.
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A fala: discursos e representações sociais dos estudantes brasileiros
A partir das entrevistas realizadas em Santa Cruz de la Sierra, foi possível perceber
que os alunos quando perguntados sobre a motivação de irem à Bolívia, genericamente
apontam num primeiro momento condições desfavoráveis no Brasil e alguns benefícios na
Bolívia. Dizem que no Brasil ter acesso a um curso de medicina em uma instituição pública,
que inclusive é preferível, é muito difícil pela intensa concorrência e a exiguidade de vagas, e
cursar tal curso em uma instituição privada é inacessível pelos altos preços. Quanto à Bolívia
dizem que esta apresenta custos de estudo e de “vida” muito mais acessíveis que o Brasil, o
que já é um fator importante para a decisão de migrar. É claro que outros fatores devem ser
pesados na balança, contribuindo para tal decisão. Migrar para a Bolívia, portanto, pressupõe,
senão alguns, muitos percalços. Além dos problemas apontados pelo cônsul, de ordem
jurídica, existem outros que devem ser muito bem ponderados: cultura, clima, idioma, entre
outros aspectos contrastantes; distância de familiares; processo de revalidação de diploma no
Brasil; preconceitos advindos de terem se formado na Bolívia, enfim, situações
“desmotivadoras” quando na Bolívia, e quando da volta, no Brasil.
Acreditei que seria interessante através das entrevistas saber o posicionamento dos
sujeitos da pesquisa, os discursos que promovem, quanto a vários aspectos, num intuito de
tentar perceber seus reais significados, o que “escondem”, o que “mostram”, e seus porquês
(POLLAK, 1989; 1992). Nesse sentido procurei abordar questões como: motivações;
percepções sobre o ensino superior no Brasil e na Bolívia; e como viam questões culturais
num país distinto do seu.
As motivações
No que tange às motivações alegadas pelos alunos para se cursar medicina na Bolívia,
grosso modo eles apresentaram três elementos: o desejo de ser médico; custos mais baixos na
Bolívia; e processo seletivo mais fácil na Bolívia. Esses dois últimos continuam a ser
explorados no próximo item quando os questiono sobre a educação superior, no Brasil e na
Bolívia.
Pesquisador – Pra você, qual seria o motivo principal pra você ter vindo para Santa
Cruz de la Sierra?
K.M.R.G. – Principal é a vontade que eu tenho de ser médica. E no Brasil eu não
poderia ser, porque o custo lá é muito caro. O que eu gastaria no mês no Brasil, eu
gasto no semestre aqui. Pagando tudo. Eu pago o semestre da minha faculdade, o
semestre do meu aluguel, outras coisas tipo: internet, cabo de TV. Eu deixo as
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minhas contas pagas o semestre todinho. Sem ter que vir mais dinheiro do Brasil.
Três mil e quinhentos quatro mil, eu vivo aqui na Bolívia sem ter que me mandar
mais dinheiro. E esse valor eu gastaria em um mês no Brasil. Pesquisador – Mas assim, você nem chegou a tentar? Nem em outros cursos?
K.M.R.G. – Eu fiz vestibular na cidade que eu morei. Eu fiz pra pedagogia a
princípio... Eu passei em vigésimo sexto lugar, eram quarenta vagas, só que eu vi
que não era a minha área. Eu sempre soube que eu queria trabalhar na área da saúde,
né? Na verdade eu queria ser médica, sim ou sim! Aí depois como eu vi que não
queria, nem fui fazer minha matrícula. Aí tipo eu tentei pra Biologia, que já era mais
próximo do que, né? Aí eu fiquei naquela, né? Se eu passasse eu ia ficar e fazer
Biologia. Se eu não passasse eu ia vir pra Bolívia fazer medicina. E por um ponto eu
não passei em Biologia. Não passei. Então vim pra Bolívia mesmo...
Pesquisador – Então pelo que eu pude entender, no seu caso, existe uma questão de
vocação poderia dizer?
K.M.R.G. – Vocação. Vocação. Eu acho que eu tenho um dom pra medicina porque
eu amo muito. Eu aprendo fácil... E você faz bem aquilo que você gosta, entendeu?
Aquilo que você gosta você vai fazer bem. Eu acho que eu tenho uma vocação pra
medicina sim. Quando eu nasci eu já sabia que ia ser médica.
Esse primeiro aluno evidencia o primeiro fator: o de identificação com a profissão.
Não vou entrar no mérito da questão do fetiche pela carreira médica. O que nos interessa aqui
é evidenciar na fala do entrevistado, como repetidamente ele alega um desejo muito grande de
se tornar médico, um senso vocacional. Ele também deixa claro o fator econômico, mas se
firma muito mais no aspecto da profissão em si. Percebi também esse mesmo aspecto em
algumas conversas informais que tive com outros alunos. Ainda que isso não seja
generalizado foram vários que deixaram transparecer esse fator.
Pesquisador – Qual seria o motivo principal pra você ter vindo pra Santa Cruz de la
Sierra?
E.F.L. – A questão valor do curso, né? Questão de economia, e... sei lá, por amigos
já aqui também. Ser mais fácil ingressar na faculdade aqui de medicina do que lá no
Brasil.
Pesquisador – Por quê você não ficou no Brasil?
E.F.L. – Pela concorrência.
Já esse segundo aluno mostra mais claramente como os outros dois fatores, custo e
processo seletivo mais fácil, pesaram para sua decisão de migrar e iniciar o curso de medicina
na Bolívia. Esses dois motivos se mostram preponderantes, mas nem sempre são admitidos
claramente. Mais facilmente se ouve dos custos, silenciando a questão do processo seletivo.
Quando os questionei pontualmente sobre a Educação Superior no Brasil e na Bolívia,
me ative às questões de acesso, custos e qualidade. Saber seus posicionamentos quanto a esses
pontos poderia esclarecer ainda mais como enxergam esse processo migratório de brasileiros
para a Bolívia. A seguir algumas respostas que obtive em relação ao acesso à educação
superior no Brasil:
L.W.B. – Bom, acesso, vestibular... é um bom meio de acesso. Eu acho. Seleciona
bastante, né? Lógico que isso não qualifica ninguém. Só um meio pra selecionar, né?
Evitar, né?... buscar um bom profissional. Não que eu não me considere um porque
eu não passei. Até porque como eu disse não qualifica, né? É só uma questão de
selecionar mesmo. Acho bom. Anda meio difícil, meio... eles abusam um pouquinho
até, mas...
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K.M.R.G. – Olha... Assim, é difícil a gente ter acesso ao nível superior no Brasil,
fazer uma faculdade no Brasil. Tanto porque eles costumam falar que a faculdade é
pra alunos que estudam em escola pública, mas a realidade nem sempre é isso.
Quem tem parentes, quem tem influência, consegue pegar vagas que seria de um
aluno que fez mesmo escola pública, entendeu? Tanto que custa muito
conhecimento. Quem tem conhecimento [...] dentro de uma universidade, não sei...
entendeu? Eu acho que é difícil. Eu não tentaria. Eu não tentaria porque eu acho que
eu não conseguiria por causa disso. Não ia ter ninguém que pudesse me ajudar lá
dentro. Agora se fosse assim honrado, você fazer a prova e... aí eu tentaria, porque
eu sei que tenho capacidade pra isso. Mas pelo fato de ter padrinho assim, dificulta
muito...
Temos aqui dois trechos de entrevistas de alunos distintos. O primeiro aluno aponta certa
dificuldade em se conseguir uma aprovação nos processos seletivos, pelo grau de dificuldade,
mas tem uma visão positiva de tal processo. No entanto, o entrevistado não se posiciona de
forma contundente, ele vacila em dizer se é efetivamente uma boa maneira de avaliação,
porque a um tempo ele não quer admitir sua “incapacidade” por não ter sido aprovado, mas a
outro dizer que o mecanismo de avaliação é ruim talvez evidencie justamente o que não
queria admitir. Portanto diz ser bom, mas não bom o suficiente, uma vez que exclui pessoas
com a capacidade como a dele que poderiam, segundo sua percepção, tranquilamente cursar
no Brasil. Sendo assim, não qualificariam de forma adequada. Já o segundo faz menção de
possíveis fraudes e apadrinhamentos como fator de dificuldade ao ingresso de muitos alunos,
ou seja, procura justificativas alheias ao seu mérito ou capacidade para explicar as escolhas
que fez.
Partindo para o segundo item questionado sobre a educação superior, os custos no
Brasil, temos esse primeiro trecho a seguir:
Pesquisador – Em relação aos custos.
L.W.B. – Privada é comércio, né? Porque em vista aqui na Bolívia não se gasta
tanto pra fazer o curso de medicina. Ou seja, não precisa cobrar quatro mil reais pela
mensalidade, né? Lógico que lá tem mais vantagens: as salas são bem equipadas; ar-
condicionado; boa cadeira; bons laboratórios, né? Mas enfim né?, dá pra diminuir
um pouco o preço, né? Eu acho que é um meio de comércio. Medicina. Até porque é
o curso mais caro, né? É um meio de comércio.
Essa transcrição fala da educação superior privada no Brasil como uma atividade puramente
com o fim de se obter lucro, e justifica seu posicionamento pelos altos custos, e compara com
os custos na Bolívia, ainda que entenda que a infra-estrutura no Brasil seja melhor. Trata-se
de países distintos, cada qual com sua economia, e evidentemente com preços de serviços e
produtos distintos também. São vários os fatores que vão contribuir para que haja uma
disparidade de valores entre os diferentes países. Ainda destaco que a nossa atenção deveria
estar voltada nem tanto aos altos custos do setor privado, e sim numa maior oferta, ou mesmo
total, aos que concluem o ensino médio, de vagas públicas. Não sendo assim, e levando em
43
conta o grupo aqui considerado, um grupo heterogêneo, de formações e lugares distintos no
Brasil, mas de camadas médias baixas, para baixas no Brasil, a única oportunidade de ser
médico reside em estudar na Bolívia. A seguir mais um trecho que enfatiza os altos custos no
Brasil, e como esse é um fator que inviabiliza se cursar medicina:
K.M.R.G. – Ah, eu acho muito caro. Eu não sei se é porque a minha questão
financeira, minha classe social é baixa... Pra mim é muito caro, né? A pessoa tem
que, no Brasil sim a pessoa tem que gostar muito pra fazer... Na minha classe social.
Se eu conseguisse arrumar um emprego, ou minha família tivesse um emprego e
pagasse pra mim no Brasil, é porque é meu sonho mesmo, entendeu? Porque é muito
caro. Eu não ia deixar a minha família passar dificuldade. Porque tem sim, existe no
Brasil, famílias que passam dificuldades pra formar um filho na área da medicina,
entendeu? Mas você vê que a pessoa tem vocação, tem o dom pra medicina mesmo.
Porque eu acho que é o curso mais caro que tem.
E ainda sobre o Brasil um último ponto questionado foi a respeito da qualidade.
Embora os entrevistados não tivessem formação superior no Brasil, ainda que existam alguns
casos em Santa Cruz de la Sierra, principalmente na área da saúde, eles deram seus pontos de
vista.
L.W.B. – A qualidade, acho boa. Mas, eu ainda sou a favor de que quem faz a
faculdade é o aluno, né. Não importa qual é a faculdade... o interesse é seu. Você
que faz a faculdade, não é a faculdade que te faz, né. Lógico que se ela tem uma boa
estrutura, te dá possibilidade de ter bons aparelhos, bons livros, né, bons doutores, te
ajuda mais. Mas não adianta ter tudo isso e o...
Este entrevistado defende que mais que uma faculdade bem estruturada, o importante são
alunos aplicados e dedicados, embora a estrutura ajude também. Questionando-me sobre as
possíveis motivações sobre tal posicionamento não parece ser muito difícil de pensar que isso
é muito conveniente para um formando em um país visto de forma negativa. As constantes
imagens negativas veiculadas pela mídia sobre a Bolívia, de uma forma geral, e em especial,
da formação médica, que é tido como a profissão pela qual devemos ter mais zelo, ensejam
tais posicionamentos. Posturas como essa tiram o foco da formação no País, mal visto como a
Bolívia, e traz a responsabilidade para si. Em última instância, é ele que é um bom
profissional, ou não. Além disso, procura tirar o foco de possíveis colegas que se formaram na
Bolívia e que atuem de forma não profissional.
K.M.R.G. – Olha... Eu não tenho muito o quê falar porque eu não sei assim... A
gente nunca teve a oportunidade de passar uma aula no Brasil pra vê. Só que eu
tenho pessoas que estudou no Brasil que são excelentes profissionais. Eu posso dar
um exemplo, né? Do meu namorado, que é médico, né? Ele formou em Cuiabá. Ele
é uma pessoa muitíssimo inteligente. Só que eu vou te explicar uma coisa. O médico
ele não é um excelente profissional só por causa da faculdade. Ele tem que correr
atrás. Porque na faculdade ninguém sai sabendo tudo. Depende do profissional.
Então assim, eu acho que o profissional ele é bom, em qualquer país, desde que ele
queira ser bom, desde que ele queira ser o melhor, entendeu? Eu acho que
independente do país. Porque a medicina... O corpo humano é o mesmo aqui na
Bolívia, como no Brasil. O ensinamento é o mesmo, o que muda é alguns nomes.
Então eu acho que você tem que querer... Se você quer aprender mais, você acha que
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a faculdade não tá te ensinando o suficiente: tem livros, pra estudar. Livros bons. A
pessoa tem que correr atrás, eu penso assim.
Este segundo entrevistado repete o argumento anterior. Tal argumentação é uma espécie de
defesa às críticas que geralmente se faz ao ensino da Bolívia. Quando perguntados sobre a
qualidade da educação no Brasil advogam que isso depende muito mais dos alunos,
pressupondo assim, que eles por mais que não estejam estudando no Brasil, ainda assim
podem ser ótimos profissionais, desde que se esforcem. Outro elemento evocado pelos
estudantes na Bolívia é: “o corpo humano é o mesmo, não importa onde esteja”. Usam isso
pra reforçar a ideia de que não há nenhum problema em se estudar lá, os conteúdos são os
mesmos.
Após questioná-los sobre esses tópicos no Brasil, inverti, questionando-os sobre os
mesmos tópicos, só que desta vez na Bolívia. O primeiro a ser questionado foi sobre o acesso.
L.W.B. – Bom, é super fácil, né? Chegou, entrou. Você quer fazer medicina, você
chega, faz sua inscrição e ponto. Não tem nenhum vestibular. Tem até um
simbólico. Eu fiz o vestibular e passei.
K.M.R.G. – Aqui é fácil. Aqui é fácil, que nem eu te falei anteriormente, porque
aqui tudo se compra, entendeu? Então assim, pra você tê uma idéia quando eu
cheguei aqui abriram... Por média, vamos pôr... Dez grupos quando eu cheguei aqui
em 2008. Agora em 2011, acho que abriu o dobro de grupo do primeiro semestre. E
nós que já estamos mais avançados, a gente tá meio assim... A faculdade tá deixando
meio a desejar... Principalmente em relação a docentes. Não tá tendo docentes pra
dar aula. Porque eles tão dando mais no começo, porque eles querem por que
querem... Porque querendo ou não a gente gera uma renda muito boa aqui pra eles,
você entendeu? O nosso gasto todo é aqui, entendeu? Então assim, é fácil conseguir
fazer medicina aqui.
B.R.C.C. – Eu achei muito fácil. Eu gostei até. Eu não queria ter dificuldade. Eu
queria já chegar aqui, já entrar e já começar minha medicina e pronto. Então eu
gostei bastante da facilidade. Embora tem muita gente que confunda a facilidade do
acesso, da questão legal da coisa... vem só pra parte da brincadeira, né? Tem gente
que confunde. Acaba achando que porque é fácil é uma coisa que não presta, e não
é. Ela presta, a faculdade é difícil.
Os três entrevistados dizem que é muito fácil se ingressar em universidades na Bolívia,
disseram que não há nenhum pré-requisito, ou avaliação, com exceção do primeiro que fez
uma prova que disse ser simbólica. O segundo reclama da universidade que está recebendo
indiscriminadamente novos alunos, e como isso prejudica aqueles que já estão mais
avançados. Essa reclamação, no entanto, não foi o tom permanente de toda a sua entrevista,
uma vez que se trata de algo negativo. Uma outra fala forte desse segundo entrevistado foi
dizer: “... porque aqui tudo se compra...”, apontando para a possibilidade de se conseguir
certas coisas tão somente a partir do dinheiro, algo ruim para imagem do país no qual se está
formando. Chamou-me atenção o último entrevistado que admite gostar da facilidade do
acesso na Bolívia, mas ao mesmo tempo se defende, dizendo que isso não se traduz em baixa
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qualidade do ensino. Sem julgar o mérito de ser boa ou não, em função da facilidade do
acesso, o interessante nessa última fala foi o querer se justificar, mais uma vez uma espécie de
defesa. E percebo, portanto, um fator importante na escolha de migrar: a facilidade de acesso
na Bolívia em contraste com o Brasil. Isso nem sempre é escancarado, na verdade percebe-se
muito mais nas entrelinhas, apesar de não ser “segredo pra ninguém”. Mas, admitir isso não
seria de bom tom para um futuro médico, permanecendo muito mais a alegação dos custos
mais favoráveis.
Na continuidade perguntei justamente sobre os custos da educação superior na Bolívia,
e como percebiam isso.
Pesquisador – Em relação aos custos.
L.W.B. – Na minha época era mais barato, né? Agora continua barato, mas
encareceu um pouquinho. Não tá tão vantajoso quanto antes. Mas continua sendo
pra quem não tem condição nenhuma no Brasil, que quer o curso de medicina.
Pesquisador – Em relação aos custos você acha que para o brasileiro é possível ser
pago?
K.M.R.G. – É, dá. Para os brasileiros dá. Pros bolivianos que é mais complicado.
Tanto porque eu acho que os brasileiros têm muito mais preferência que os
bolivianos. Por causa da renda que gera, né? Pro país, pra faculdade em si. Eles
facilitam mais pros brasileiros.
O primeiro aluno admite que é mais barato, mas diz que já foi mais em conta, logo quando
iniciou seus estudos. Segundo ele é isso que torna tão acessível aos brasileiros que jamais
poderiam fazê-lo no Brasil. O último aponta vantagens da presença brasileira na Bolívia em
termos econômicos, haja vista esses estudantes receberem recursos do Brasil gerando divisas,
o que segundo ele, garante certa preferência pelos brasileiros em detrimento dos próprios
bolivianos.
Por último foi questionado sobre a qualidade do ensino na Bolívia.
Pesquisador – Em relação à qualidade.
L.W.B. – Como eu... não posso fazer uma comparação porque eu não estudei no
Brasil... mas eu não achei ruim, não achei ruim. Me deram a oportunidade de
conhecer tudo, ver tudo. É... se você se mostra interessado você consegue tirar um
ótimo proveito.
Pesquisador – Em relação à qualidade do ensino na Bolívia...
K.M.R.G. – Então Felipe... Eu, antes de vir pra cá, eu também questionava sobre o
ensino da Bolívia. Porque a gente não conhece. A gente costuma muito falar mal
quando não conhece. Eu tô aqui já no quarto ano, e fico assim... Eu acho muito
difícil. Quando você acha difícil é porque a qualidade é boa, entendeu? Não vou
falar que é a melhor... Melhor que a do Brasil, porque eu não conheço a do Brasil.
Só que eu acho que aqui, o ensino é bom. É bom porque a gente aprende. Tem
muitos que se formaram aqui e tá atuando no Brasil muito bem, há muito tempo,
entendeu? E aqui eu vejo também pelo... Por esses processos que tá tendo por erro
médico, eu não sei, mas... A gente assiste muita reportagem do Brasil pela Globo
Internacional, e normalmente os erros médicos são brasileiros que terminaram no
Brasil. Não ouvi até hoje falar de um brasileiro que foi processado por erro médico
que tenha feito a faculdade na Bolívia, não ouvi ainda. Então eu acho que só aí... Aí
já dá pra ter uma idéia que a faculdade aqui é de qualidade.
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Pesquisador – E a qualidade do ensino na Bolívia?
B.R.C.C. – Eu acho muito boa. Eu arrisco até em dizer que a Ucebol em si ela bota
muita faculdade no Brasil no bolso, hoje em dia. Porque a Ucebol já é uma
faculdade que já tem dez anos de medicina, tem dez anos de faculdade. E é uma
faculdade que mais alcançou CRM no Brasil. Que é o registro geral do médico, né?
Ela alcançou o maior número de registros. E assim, o que eu conheço médicos
formados aqui, são bons profissionais. Então a qualidade pra mim seria muito boa.
O primeiro não dá muitos detalhes do que pensa, só diz que não é ruim. Já o segundo começa
admitindo que inicialmente, assim como muitos, se questionava sobre a qualidade do ensino
na Bolívia. Isso nos mostra a plena consciência que esses alunos têm da visão negativa que a
formação na Bolívia possui, se antecedendo nas justificativas sobre a qualidade da mesma.
Segundo ele, sua percepção da qualidade adveio com a experiência. Esse mesmo aluno chega
pôr em xeque a própria formação no Brasil ao dizer ter ouvido sobre procedimentos médicos
equivocados por formados no Brasil, saindo de uma posição de “defesa” e partindo para uma
de “ataque” àqueles que questionam sua formação. O terceiro é mais incisivo dizendo
acreditar que a universidade em que cursa medicina na Bolívia seria melhor do que muitas no
Brasil. E ao dizer que a universidade em que estuda alcançou mais CRM no Brasil, denota
uma estratégia de escolha com o fim de conseguir mais facilmente exercer a profissão médica
no Brasil. Em transcrições anteriores fiz menção de perceber uma espécie de defesa em
relação ao ensino na Bolívia, assim como agora, e é importante notar que esses discursos não
são isentos, mas repletos de intencionalidades. Em RIBEIRO (1998) encontro um trecho que
fala sobre os brasileiros nos EUA, mas que remete a essa questão do discurso, de se defender
“um lado” dependendo do momento em que você se encontra:
Parece claro que à medida em que a pessoa faz uma opção por permanecer nos EUA
seu discurso sobre este país e sobre o Brasil muda. Grosso modo, os EUA passam a
ser positivamente avaliados e o Brasil negativamente. Já o migrante que diz
pretender retornar, fala bem do Brasil e mal dos EUA. (p. 8)
Embora esta fala seja de brasileiros em outro lugar, esta transcrição me parece válida
para este caso específico, uma vez que não é interessante passar uma imagem ruim de um
lugar onde se está formando, seu profissionalismo seria posto em xeque. Mas por outro lado,
num discurso para um boliviano, o Brasil pode ser muito exaltado frente à Bolívia. Em outros
momentos a Bolívia pode ser depreciada, mesmo para um brasileiro, nos mais variados
aspectos, mas quase nunca em relação ao seu ensino.
Sobre a Bolívia e os bolivianos
Agora tento perceber como se dá o relacionamento entre brasileiros e bolivianos,
afinal, por mais que haja um grande contingente de brasileiros estudando medicina na Bolívia,
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eles estão num outro país, sujeitos a várias situações de contato com bolivianos, em inúmeros
espaços. Quis saber se nessas relações sofriam algum tipo de estigmatização pela condição de
estrangeiro, mas ao mesmo tempo tentar perceber se na fala deles, eles é que agissem de
alguma forma a estigmatizar a Bolívia ou os bolivianos, por serem nacionais de um país que
na região da América do Sul se destaca frente a seus vizinhos. Além das relações mais
pessoais questionei-os sobre relações com instituições, como eram tratados em lugares, que,
por exemplo, tivessem que obter um dado documento.
Pesquisador – Como você vê o relacionamento do brasileiro com o boliviano, de
uma forma geral?
K.M.R.G. – São meio que... Cada um tem o seu grupinho. Brasileiro, brasileiro,
boliviano, boliviano. Eu tenho uma amiga boliviana que a gente estuda desde o
primeiro semestre, né? Ela opta matricular junto com os brasileiros. Mas é uma
opção dos bolivianos. Porque nós brasileiros a gente tem o nosso grupinho, eu acho
que por ser a maioria, entendeu? Porque a faculdade, acho que vai aí agora, uns
noventa por cento brasileiro, entendeu? Tipo, tem turma que não tem boliviano,
entendeu? Então é assim: brasileiro, brasileiro, boliviano, boliviano. Dá pra contar
os grupinhos que tem brasileiro com boliviano.
Pesquisador – É meio cada um na sua...
K.M.R.G. – É meio cada um na sua.
Pesquisador – Mas assim... É cada um na sua, ou chega a ter algum atrito...
K.M.R.G. – Não, não.
Pesquisador – ... Algum tipo de discriminação...
K.M.R.G. – Não, isso não tem não. Acho que é assim por causa da língua, entendeu?
Porque por mais que a gente tem tempo aqui, eles não entendem a gente, e às vezes
a gente também... por mais que a gente tem tempo aqui fica meio difícil a
comunicação entre si, entendeu? Mas é porque brasileiro você sabe como que é...
Brasileiro é caloroso... boliviano não é assim. A gente brinca muito, a gente fala
muita coisa... o boliviano já é mais armado... brasileiro fala alto, brasileiro é
bagunceiro, querendo ou não. Os bolivianos já são mais na deles, é assim, sabe?
Acho que é por isso, mas, atrito, não.
Este aluno traz elementos importantes nessa fala. Gostaria de destacar primeiro a percepção
de que é “cada um na sua”, cada nacional para o seu lado, sem muita interação, e isso talvez
porque os brasileiros sendo muitos ficam entre si. Outra percepção que esta última transcrição
traz é a de que brasileiro é expansivo, “pra frente”, em contrapartida o boliviano já é mais
fechado. Esse tipo de estereótipo é interessante de notar, e daria por si só um trabalho de
pesquisa. E sobre essa última percepção, a de que não há distinção de regiões quando se refere
aos brasileiros, são todos “brasileiros” independente do estado de onde veio. No exterior o
nacionalismo parece falar mais alto que o regionalismo. A questão da língua também é
destacada por ele e merece atenção. Esses brasileiros empreendem essa migração para a
Bolívia com um fim estrito, o que Weber (1971) chamou de uma ação racional referente a
fins. O objetivo último não é assimilar traços culturais da Bolívia, ou fruir a arte local, mas se
formar médico, não havendo brechas para maiores interações, apesar de estarem morando lá,
diferentemente dos brasileiros que vão para países como EUA, Inglaterra ou Austrália para
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aprender inglês, ou seja, aprender justamente um elemento cultural do país para o qual
migraram.
Pesquisador – Mas e seus colegas que são bolivianos, seus vizinhos que são
bolivianos... enfim, no mercado, na feira...
B.R.C.C. – Então, aqui tem duas classes, né? Tem os camba e os colla. Então assim,
é uma classe mais, pessoalmente falando, melhor. Uma estabilidade melhor...
Pesquisador – Que seriam os...
B.R.C.C. – Os camba.
Pesquisador – Seriam melhor?
B.R.C.C. – Isso... é. Se eu não me engano, é os camba. E os colha já é, colhita, já é
índio. Já é mais puxando pro lado do presidente mesmo, o Evo. Então assim, mas...
Aí vem esses dois lados, entendeu? Os bolivianos que eles estudam, que eles
tiveram uma oportunidade maior de estudo, de isso e aquilo, eles não têm
preconceito com nós brasileiro não. Agora uns bolivianos que não são de boa
condição, que não conseguem estudar, eles até têm intenção de estudar medicina,
mas não conseguem porque não tem... Eles criticam muito os brasileiros. Eles tem
um pouquinho de preconceito lá no fundo, tem... mas isso aí é normal. Até no Brasil
mesmo tem.
Este diz perceber apenas um descontentamento por parte de alguns bolivianos, geralmente
menos favorecidos, que não vêm com bons olhos os brasileiros estudando na Bolívia, mas
nada declarado. Chega a falar sobre a questão étnica, muito presente na Bolívia, dos cambas e
collas, mas sem muita propriedade. Segundo, Costa (2012) o boliviano tem uma dupla
alteridade (o estrangeiro e o índio), gerando inúmeros preconceitos e estigmas: o collita é o
índio mesmo, preconceito que resvala até para o presidente Evo Morales. Em Albuquerque
(2010), relacionado a isto, às fronteiras sociais e simbólicas, encontramos o seguinte trecho:
Muitas dessas investigações sobre os limites políticos das nações e as identidades
nacionais nas regiões de fronteiras foram influenciadas pela discussão de grupos
étnicos de Barth (1998 [1969]). Para este autor, os grupos étnicos não se definem
por distintos traços culturais e raciais, mas se distinguem a partir da organização
política e social e da criação de diferenças culturais no contraste direto com outros
grupos sociais. A mobilização política constrói sinais diacríticos e regras morais de
inclusão e exclusão social. O intenso contato entre os grupos étnicos não dissolve as
diferenças culturais. Pelo contrário, as identidades étnicas se fortalecem na zona de
fronteiras. Embora Barth não analise as fronteiras territoriais e simbólicas entre os
Estados nacionais, a noção de fortalecimento das fronteiras sociais e simbólicas
entre esses grupos inspirou estudos específicos nas fronteiras nacionais. (p. 46)
A cidade de Santa Cruz de la Sierra apesar de não ser o local de origem dos povos de
ascendência Inca, os chamados genericamente de collas, possui uma grande diversidade
étnica, gerando, de acordo com o colocado acima, contrastes diretos a partir do contato. Na
continuação foco nas instituições, no tratamento que os brasileiros recebem.
Pesquisador – Em relação às instituições aqui na Bolívia, você acha que tem um
tratamento diferenciado, no caso, com o brasileiro?
L.W.B. – Ruim. Eu acho ruim. Eu sou bem calmo. Então eu procuro mostrar calma.
Dizer que não sei pra não explicar. Ser paciente, respeitar, amistosamente, pra
buscar uma boa informação. Às vezes mesmo assim a gente não consegue. Então eu
não me esquento... mas é bem precária, assim. Não trabalha com vontade, não sei se
é porque ganha pouco... são pessoas preguiçosas, eu vejo aqui. Não tem uma
vontade de trabalho, sabe? Tipo, casos como você vai comprar uma bolacha ele não
tem troco pra te dá, por isso não vendem. Não vão atrás de troco, igual no Brasil,
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né? Não, já vou ali e troco, te dou. Não, vai... pega de volta, te dá o dinheiro. E você
fica ali com fome se não tiver outro lugar pra comprar, né? Então, não sei se é
cultura, se é hábito, que eles se acostumaram aqui. Se você quer, bem, se não quer...
Tipo eu vendo se eu quero, se não tem quase troco, então não tem problema. Outro
vem com trocado e me compra. Não sei que mentalidade eles têm. Eu não pergunto
isso pros meus amigos bolivianos, porque né?... enfim, eu aceito. Lógico que eu,
não... perturbo um pouco, né? Mas eu sei que é o jeito deles. Eu tava acostumado no
Brasil, no horário do almoço, resolvia tudo que tinha pra fazer, aqui não tem isso.
Tem a sesta deles que eles dormem duas, três horas. Ou ficam duas, três horas sem
trabalhar. Enquanto você tá ali tentando fazer alguma coisa e não pode.
Pesquisador – Você falou que o tratamento é ruim, mas nada que seja ofensivo,
discriminação... como é que é? Você já foi discriminado?
L.W.B. – Nunca fui, porque, como eu disse, eu me comporto como muito leigo,
como um idiota praticamente pra poder conseguir as coisas. Porque se eu for exigir,
aí é pior. Igual eu te falei uma hora, que a gente sabe que tem direito, mas não sabe
como, mas mesmo mostrando que tem direito, não tem ninguém ali do seu lado pra
fazer valer, não tem como... fazer valer. Um exemplo, eu fui essa semana, atrás do
meu papel, no SEDUCA, que é o Ministério da Educação aqui. [...] Que eu tenho
um papel lá que já tá há mais de dois meses lá. Período mínimo que eles colocam
são dois meses. Eles fingem que vai pra La Paz e volta com o carimbo, mas o
carimbo de La Paz lá não tem. Todos de Santa Cruz, todos com o nome de Santa
Cruz, de La Paz não tem nenhum. E fui lá, o meu papel não tá pronto. Eu não
esquentei minha cabeça, né? Mas assim, uma pediu pra ir noutra janela, pedi pra
essa procurar o meu nome lá. E essa com muita boa vontade, que não tinha
nenhuma, pegou uma lista lá com uns nomes, olhou lá, e disse que não [...]. Mas tem
várias pastas não dá pra procurar nas pastas que ainda não foram. Não, é só esses
nomes aqui, tá bom, né? A boa vontade, não tem. Eles são bem assim. E a questão é:
olhar essa lista que eles me entregam, pronto. Eu não posso fazer mais nada que
isso. Não é minha obrigação. Não é igual no Brasil que você foi contratado pra
limpar o chão, mas você atende o balcão, limpa a janela, né? Aqui não, cada um faz
o seu papel, e muito mal feito, mas é só o seu papel, bem assim. [...] numa direção
só.
Neste trecho o essencial é que o aluno mostra uma visão negativa da Bolívia. Embora isso
nem sempre seja favorável, mostrar esse “lado” da Bolívia, do ponto de vista de alguém que
pode sofrer estigmatização pelo local de sua formação, existem certos momentos em que
termina externando essas visões. Ele aponta inicialmente como as pessoas que trabalham em
certas instituições têm uma postura morosa e com “má vontade” no trabalho, e em seguida
contrasta com o Brasil, como tendo uma situação diferente, positiva. Diz não saber
exatamente o motivo pra isso acontecer, mas sugere poder ser “baixos salários”, “preguiça”,
“cultura”, “hábito” ou “mentalidade”. Essas foram as categorias que ele usou como possíveis
explicações. Percebemos, portanto, uma representação social do boliviano de forma negativa,
como preguiçoso, sem boa vontade.
Pesquisador – Em relação às instituições bolivianas, como é o tratamento para com
o brasileiro?
K.M.R.G. – Péssimo. É péssimo. Se você não tiver dinheiro você acaba nem
fazendo nada, né? E é super demorado. Os documentos é tudo demorado. Tudo você
tem que... Nossa... Tudo eles acham de você ter que fazer uma carta, pra te cobrar...
Sempre. Você nunca pode ir atrás de um documento sem dinheiro no bolso. Porque
você tem que pagar, sim ou sim você tem que pagar. E você paga, eles mal te dão
atenção, mal te respondem suas dúvidas, eles são muito mal educado. E é demorado.
É complicado. Quando terminou o documento, tá pronto, você tem que ver se tá
errado alguns dados, é sempre assim.
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Este último aluno reforça a ideia de precariedade no atendimento nas instituições que eles têm
contato, corroborando com o aluno anterior. Além disso, acrescenta a enorme burocracia e
demora na emissão de documentos, e a necessidade de se pagar pra qualquer tipo de
documento que se necessite. Mais uma vez aparece a pressuposição etnocêntrica de que o
boliviano é mais “atrasado”, “menos civilizado”, “mal educado”, e vale contrastar com o
discurso emitido pelos que migram para países da Europa ou EUA, em que há uma posição
invertida, sendo “nós” os atrasados, os que deveriam se adequar à forma de organização
social, por exemplo, encontrada nesses países.
Mas, se existe essa visão negativa quanto à Bolívia pelos próprios alunos brasileiros
que estudam lá, em relação a vários espaços, como as instituições burocráticas as quais têm
acesso, eles também, e principalmente, mantêm um discurso positivo quanto à Bolívia, no que
se refere à medicina. Veja o trecho a seguir:
B.R.C.C. – Eu conheci a médica que tava trabalhando na minha cidade. Ela estudou
na Ucebol, só que ela é boliviana. Daí o caso dela é um pouco diferente, ela tá no
Brasil, ela foi trabalhar no Brasil. Aí que eu te falo a oportunidade da medicina, é
diferente. Hoje em dia ela conseguiu um status na minha cidade, que muito médico
lá que tem dez anos de profissional, e que ela chegou com dois anos e ganhou,
entendeu? Porque aqui na Bolívia eles têm muito a questão do humano. Você entra
dentro do Anfiteatro, que é onde fica os cadáveres, lá tem uma frase de bem grande:
“Eu já fui como você e um dia você vai ser como eu sou”. Ou seja, você tem que ter
respeito por aquele corpo que tá lá. Então assim, ela tem isso. Você entra dentro
daquele consultório, ela te atende muito bem, ela te atende... Ana Patrícia o nome
dela. Ela atende muito bem. Eu conversei bastante com ela. Ela me ensinou várias
coisas, do trâmite, tudo.
Neste último trecho o aluno faz menção de uma médica boliviana atuando no Brasil, que é
outra questão muito interessante. Além disso, nessa transcrição transparece uma imagem
positiva da Bolívia. Portanto, temos em certas ocasiões visões positivas, e em outras
negativas, havendo essa alternância. A percepção positiva da Bolívia fica patente quando diz:
“Porque aqui na Bolívia eles têm muito a questão do humano”, e quando diz do respeito
dispensado aos cadáveres. Destacar o lado positivo do país de recepção, neste caso, é
interessante na medida em que é onde esse indivíduo está se formando, isso, de certa forma,
eleva a respeitabilidade de sua própria formação.
Pesquisador – Como é a vida em Santa Cruz? O que você costumava fazer?
L.W.B. – Bom, eu sempre gostei de Santa Cruz. Até porque quando eu fui conversar
com a menina que já tava aqui, ela pintou Santa Cruz como o pior lugar que eu já
tinha visto, imaginado. Quando eu cheguei aqui achei tudo maravilhoso. Ela me
disse que não tinha feijão, não tinha umas coisas. Eu cheguei aqui tinha tudo, não
faltava nada. Era barato, na minha época, né? E eu sempre gostei, até porque foi um
país que me acolheu, me deu oportunidade de estudar, de ser médico, ter minha
profissão. E vai me colocar num nível de vida que eu não esperava, né? Então eu
não tenho a reclamar assim em relação à hospitalidade, a cidade. Tirando tudo que
eu te disse antes... A cidade tá em desenvolvimento tem muita coisa a crescer... né?
Mas eu gostei de Santa Cruz, gostei de estudar aqui.
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Neste trecho esse aluno começa falando da imagem ruim que lhe foi passada da cidade de
Santa Cruz de la Sierra, e de seu espanto ao perceber que pelo contrário, era um local que lhe
agradava muito. Demonstra uma grande consideração e gratidão ao dizer que se trata do local
em que encontrou uma oportunidade de se formar, de ter uma profissão, de realizar o seu
sonho, coisa que o Brasil não deu. Tem em grande estima a cidade. Admite que a cidade tem
muito que crescer, mas está a caminho.
Na fala anterior a última, do aluno B.R.C.C., ao falar da respeitabilidade e status que a
médica boliviana alcançou em sua cidade denota algo perseguido por esses brasileiros,
mostrando que não se trata apenas de uma busca por ascensão econômica, mas também, num
grau elevado, uma posição social que a medicina proporciona.
Sobre a formação médica na Bolívia
Não tendo pretensão de avaliar a qualidade do ensino de medicina na Bolívia, uma vez
que foge aos limites da minha pesquisa. A mídia está repleta de declarações, mas vou fazer
menção a três periódicos sobre medicina. A revista da Associação paulista de medicina de
maio de 2009 traz uma matéria intitulada “Medicina sem vestibular no exterior: como
funcionam os atalhos duvidosos para o ensino médico” (BALEGO, 2009). Nessa matéria,
como o título já deixa explícito, põe-se em xeque a formação dos brasileiros que vão se
formar em medicina fora do país. Numa outra revista de associação médica (FRANZEN,
2008), o Dr. Franzen também questiona a formação no exterior, bem como o surgimento de
várias instituições de ensino de medicina no próprio país. E apenas para citar mais uma
publicação, o Dr. Nassif diz da dificuldade que os formados no exterior terão ao regressarem:
Ainda mais, cerca de 2.500 brasileiros estudam medicina na Bolívia, 500 em Cuba e
outro tanto na Argentina. Caso não consigam transferência durante o curso, depois
de formados voltarão ao Brasil em busca da revalidação de seus diplomas para aqui
exercerem a profissão. (NASSIF, 2006, p. 290)
As declarações e posicionamentos encontrados nesses tipos de publicação podem ser
questionados quanto a quem interessa tais discursos. Da mesma forma, poderíamos questionar
os que defendem uma formação no exterior, como os próprios estudantes. Aqui percebemos
um conflito de interesses. Por um lado temos os estudantes e/ou formados no exterior se
posicionando favoravelmente a uma formação no exterior, e os envolvidos na área da saúde
no Brasil que tiveram uma formação no próprio país. Talvez, estes últimos tenham razão em
muitos dos pontos levantados quanto à formação médica no exterior, mas, por outro lado,
52
parece transparecer uma espécie de associativismo na tentativa de evitar a entrada dos
profissionais formados no exterior no mercado de trabalho brasileiro.
Figura: 05 – Capa da Revista da APM, nº 600,
de Maio de 2009.
53
O cotidiano dos alunos
Depois de apontar o quê os atores sociais dizem de sua migração, de como percebem o
ensino superior no Brasil e na Bolívia e de como é o relacionamento com os bolivianos, com
as instituições e com outros brasileiros, passo a apresentar questões mais gerais do dia-a-dia
desses brasileiros na Bolívia, do seu cotidiano. Segundo Heller (1992):
"A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida
cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela,
colocam-se "em funcionamento" todos os seus sentidos, todas as suas capacidades
intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias,
ideologias." (p. 17);
E é exatamente sobre isso que vou tratar neste capítulo, de aspectos cotidianos desses alunos
quando na Bolívia, no seu período de formação médica.
L.W.B. – Costumava frequentar as festas de brasileiros, na casa dos amigos... nas
boates bolivianas, e boates que seriam brasileiras, porque seriam administradas por
brasileiros, com uma “cara brasileira”. Não sou muito de festa, nunca fui tão de
festa. Eu saía poucas vezes. Mas já saí pra conhecer, pra ver como é, gostei, da
cultura, muito diferente, mas eu gostei, eu sou uma pessoa que gosta de coisas...
meio aventureiro, né? Então tudo pra mim é novidade, né?
O entrevistado relata que costumava ir a algumas festas de amigos brasileiros, a boates
bolivianas e brasileiras. Aponta a existência de locais voltados para um público brasileiro, e
que corrobora com a percepção de haver um contingente considerável de brasileiros, a ponto
de empresários investirem em locais e atividades para esse público. Quando fala da boate com
“cara brasileira” percebemos mais uma vez a questão de não se interessar pela cultura
boliviana, e tanto é assim que o entrevistado, particularmente, só diz gostar da cultura por ser
“meio aventureiro”, ou seja, quem não é “aventureiro” não gosta, o normal é não gostar, é não
se interessar.
L.W.B. – No início eu ia de férias pro Brasil e queria voltar, porque os amigos
estavam aqui, né? Essa fase de faculdade é boa pra uma pessoa, né? Você tem que
conviver com as pessoas. Você sai mais maduro, né? Então... e morando fora do país
sem pai e mãe, né?... tudo é você que resolve, o dinheiro que você recebe é você que
controla. No meu caso eu não podia pedir mais. Eu tinha que viver com aquilo, com
aquela cota do mês. Se acabasse antes... eu sei que se eu fosse pra baladinha um dia
ia me faltar lá no mês, mas mesmo sabendo disso eu ia e no final do mês eu ficava
sem, aí eu me virava. Já passei por muita dificuldade também aqui. Já fiquei sem
dinheiro [...] só pra pagar tudo porque não tinha condições. Comia na casa dos
amigos, e quando eu tinha dinheiro eu ajudava aqueles que me ajudaram. Era assim,
um ajudando o outro. Eu sempre tive essa sorte também de conviver com bons
amigos, né? Porque colega a gente tem bastante... amigo mesmo são poucos. Então
bons amigos pra contar numa mão que eu cheguei aqui. E a gente morou junto,
passou dificuldades juntos, juntava o dinheiro pra fazer o almoço. Então foi difícil,
mas tudo passou, e hoje quando olho pra trás eu vejo que valeu a pena, que não foi
tão difícil quanto parecia no momento. No momento a gente sempre acha difícil, aí a
gente fica lá triste, não sabe o que faz. Mas depois que passa tudo melhora, sabe? Vê
que não foi tão difícil, né? Você vê o sacrifício, sua maturidade, saber qual é o valor
54
do dinheiro. Qual é o valor de se formar, de... Foi muito positivo, pra mim foi muito
positivo. Não tenho nada que reclamar, assim...
O entrevistado confessa que quando estava de férias no Brasil queria voltar logo, com
saudades dos amigos. Nesse trecho ele deixa transparecer um forte vínculo criado com as
pessoas que estão no mesmo intuito, buscando uma formação médica fora do Brasil. As
experiências pelas quais passou durante o período de estudo fora do país, longe de casa e dos
familiares, como ter que administrar e controlar as finanças, forjaram uma maturidade que ele
antes não tinha. Reconhece que eram poucos os amigos, mas com os quais passou momentos
difíceis, e fez com que realmente tivessem um vínculo bastante forte. Em resumo, foi positiva,
segundo ele, sua estada na cidade.
B.R.C.C. – Aqui na Bolívia eu gosto. Eu costumo dizer, pra todo mundo, que eu
casei com a Bolívia. Eu casei com a medicina, e tô morando na Bolívia. Porque é
assim, aqui eu tenho minha vida, aqui eu tenho... aqui não é mais a minha mãe. Aqui
é só o dinheiro dela que vem. Então a partir dali eu tenho que desenvolver tudo.
Tenho que pegar todo tipo de responsabilidade.
L.W.B. – Criei, criei um vínculo com o lugar. Foi minha casa por seis anos, e mais
um pouquinho. Foi minha casa, né? Eu dizia que aqui era a minha casa. Não era o
meu país, mas era a minha casa. Eu dizia pra minha mãe: ah não, lá na minha casa,
não sei o quê. A casa da minha mãe era da minha mãe agora. A minha era aqui, né?
[...] Eu me dei muito bem.
Nessas duas últimas falas percebe-se um elemento que havia na anterior: uma forte
identificação com o lugar. Ao usar a expressão: “Eu casei com a medicina, e tô morando na
Bolívia”, que inclusive, por sua força, dá nome a este trabalho, ele deixa claro, pelo menos um
dos principais motivos alegados pela maioria dos alunos brasileiros que vão cursar medicina
na Bolívia: um sentido vocacional. Além disso, transparece também um sentimento de
gratidão por ser o local que tem proporcionado a possibilidade de realização de um sonho: ser
médico. Ainda que entendam se tratar de um período para sua formação, aquele período é
intenso, e termina transformando-se em sua casa, “fincando raízes” temporárias, mas
profundas.
L.W.B. – Eu frequentava uma igreja católica. Mas eu sempre frequentava a catedral
ou uma ali perto, eu esqueci o nome. Eu gostava mais porque era pequena, eu me
sentia mais acolhido. Sempre fui católico, fui criado na igreja católica. E depois que
eu vim pra cá, não porque eu tava triste, mas tinha necessidade de ter uma parte
espiritual mais direcionado. Então, aqueles amigos que eu sabia que iam na igreja
todo domingo eu acompanhava. E mesmo quando não tinha ninguém eu ia sozinho.
Então eu tinha o costume, mas na faculdade eu criei um vínculo a mais. Passei a
participar mais da igreja. Nos últimos anos eu participei da parte... participei mais da
igreja porque a gente começou a fazer uma missa em português, pros brasileiros,
numa igreja perto de um hospital, de um hospital japonês, chamava... igreja... não
lembro o nome agora. Bom, perto do hospital japonês, onde a gente passava aula
tem uma igreja católica. E nessa igreja católica tinha um padre brasileiro que estava
cursando medicina, e esse padre fazia missas em várias igrejas, só que em espanhol,
né? Porque ele foi formado padre aqui na Bolívia. Ele estudava na universidade
católica, aí por meio de amigos, né?, eu conheci ele, e os amigos me chamaram pra
ir pra igreja porque eles estavam com um propósito de fazer uma missa em
55
português pros brasileiros. Então, todo domingo, depois da missa em espanhol, a
gente fazia uma missa em português. E eu comecei a participar, em ajudar na
liturgia. E eu comecei a participar mais da parte da música, né? Eu cantava na igreja.
Então nos últimos anos eu comecei a... participei mais da igreja. Toda semana eu
tava ali, ajudando a orientar... a organizar a missa em português. Então isso foi bom
pra mim, eu gostei bastante.
Neste último trecho este aluno fala da participação em missas realizadas em português,
algo interessante como fator de integração desse público às atividades de uma igreja. Ele
deixa transparecer uma necessidade espiritual, de conforto, que é encontrada num local como
a igreja, e que muitos a procuram. Além é claro da vida social em torno da igreja, da
convivência com outras pessoas. Pelo que percebi existem alunos que participam mais de
festas, vão às boates, são mais ativos na vida noturna, mas existem aqueles mais ligados a
uma participação em um serviço religioso, quer sejam católicos, ou evangélicos. No caso da
UCEBOL, já por sua orientação presbiteriana, ela termina tentando trabalhar essa questão
religiosa, inclusive adotando disciplinas como Teologia de forma obrigatória para todos os
cursos. Tive a oportunidade de participar de um culto em uma igreja evangélica que se
encontrava a uma quadra de distância da universidade, com alunos brasileiros, e muitos deles
participavam ativamente. Inclusive uma das alunas era a pastora, a responsável pela igreja.
B.R.C.C. – Então eu gosto de sair. Eu não saio indo pra festa, eu não gosto, sou
evangélica. Daí eu vou só pra igreja, e pra mim tá ótimo, vou pra igreja... Tem
clubes aqui. Tá muito calor, por exemplo, hoje, hoje é um dia bom pra banhar de
piscina. Daí junta uma galerinha, vamo lá tomá banho de piscina. Tem amigos meus
que moram em prédio que tem piscina, então vamo junta a galerinha, vamo pra lá,
fazer churrasco, tomá banho de piscina. Então eu acho muito bom, muito legal.
Mais um exemplo de um aluno se identificando como evangélico, e por isso o principal local
à que frequenta é a igreja, e eventualmente sai com os amigos para tomar banho de piscina.
L.W.B. – E tirando a igreja eu também frequentava poucos lugares. Como eu disse,
eu não era muito festeiro. Gostava de sair sim, bebia normalmente, mas...
frequentava boate... [...] quando eu cheguei aqui, que eu fiquei um ano sem estudar,
né? Eu... o pessoal tava indo muito na “Diesel” [...]. Tinha umas boates bolivianas
que os brasileiros não tavam podendo ir lá. E depois a [...] que era administrada por
brasileiros. E então a gente começou a frequentar mais ali. Frequentava as boates
bolivianas também, a “Number”, mudou o nome agora, mas chamava “Number”.
Que era uma boate mais selecionada, mais... tinha pessoas... mais selecionadas, né?
No começo que eu cheguei aqui eu frequentava muito “Equipetrol” que é uma
avenida, que ficava todos os jovens, com seus carros, som ligado, tinha todos os
bares, todas as boates. Então, no começo da faculdade eu tava aqui pra conhecer,
como era, né? Até porque como eu não sou muito de sair, a minha vida noturna, de
sair mesmo, foi quando eu comecei a [...] na faculdade. Que aí os amigos vinham
[...] tomei gosto, gostei, saí bastante. Mas mesmo assim não era sempre, toda
semana... tinha amigos que iam quase todos os dias. Eu ia duas vezes no mês, eu
saía. Às vezes demorava dois, três meses pra sair, ir numa festa.
O mesmo aluno que disse ter participado bastante de atividades ligadas a igreja católica relata
que houve momentos em que também procurou ir a boates, e fala de lugares que os brasileiros
costumam ir, bem como bolivianos também. Sendo assim, algumas vezes o mesmo indivíduo
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pode frequentar espaços diferenciados, e transitar entre boates, restaurantes e igrejas. É
interessante perceber ainda que a influência brasileira, como a ampliação dos negócios
transfronteiriços fica clara também quando o entrevistado fala de boates administradas por
brasileiros. As fronteiras são estendidas “informalmente” pelos atores sociais que promovem
a integração formal posterior, como, por exemplo, os voos para Santa Cruz de la Sierra pela
empresa brasileira de transporte aéreo Gol. A empresa ao perceber a demanda existente, de
um público desejoso pelo seu serviço, tratou de se inserir nesse novo trajeto.
L.W.B. – E, frequentava restaurantes. Almoçava mais aqui na faculdade, que era
mais simples, né? Eu até converso com o pessoal no Brasil, que no Brasil eu não
frequentaria lugares que aqui eu comia, né? No Brasil se, tipo... [...] eu comia uma
salada de fruta no mercado, que era muito sujo, as pessoas que preparavam não eram
bem higiênicas, por mais que tava de luva, mas aquela luva pegava no dinheiro, né?
Mas a salada de fruta era ótima. E o lugar era “podre”. E no Brasil vai ter lugar que a
gente não vai nem perto. Não sei se aqui é porque é tudo diferente, tudo é igual, tudo
é praticamente quase sujo, né? O costume é outro. Então aqui eu me sentia normal,
entrava nos lugares. Também já frequentei restaurantes mais caros pra saber como é
que é. Não assim todo dia. Eu até brincava: vamos uma vez a cada seis meses. A
gente escolhe um pra ir. Mas consegui ir. Entrava em vários ambientes totalmente
diferentes. Tanto bem sujo, quanto bem arrumado, com comida boa, diferenciada.
Eu consegui dá essa equilibrada. Lógico que os sofisticados era bem raro. Mas a
gente conseguia ir, tirava uma onda de vez em quando.
O entrevistado acrescenta de que às vezes frequentava lugares na Bolívia, que se fosse no
Brasil não frequentaria. Lugares muitas vezes de aparência ruim, mas o fazia com certa
naturalidade, levando em consideração a “naturalidade” disso na Bolívia. Novamente as
representações negativas da Bolívia: se antes preguiça, falta de educação, agora a sujeira
como normal na Bolívia, “... aqui tudo é praticamente sujo”. Mais uma vez percebemos como
os discursos são flexibilizados, focalizando ora aspectos positivos, ora negativos da Bolívia,
de certos espaços, das pessoas, da educação, enfim, dos mais variados.
K.M.R.G. – Estudar. Aqui eu só estudo. Eu não tenho hobby. Eu não tenho como
falar: ah, eu vou pra boate, eu vou pro cinema. Eu tenho quatro anos que eu tô aqui,
eu fui no cinema duas vezes arrastada. Eu não saio, porque assim: eu acho que a
faculdade, eu particularmente, me consome bastante. Mesmo que eu não tenha prova
amanhã, mesmo que é um feriado, eu tenho trabalhos pendentes, entendeu? Eu tenho
sim que ler sempre alguma coisa. E eu acho que se eu saí assim, eu acho que eu tô
perdendo tempo, né? Pra mim é assim, esse é o meu jeito, eu gosto assim, entendeu?
Assim, de vez em quando a gente ajunta os amigos pra falar uma besterinha, pra rir
um pouco. Mas sair, sair assim, é difícil. A gente faz em casa. Tipo, final de semana
todo mundo quer comer uma carninha, a gente compra, faz um churrasco em casa. A
gente final de ano faz amigo oculto entre os moradores, é muito legal. A gente faz
assim. Porque aqui as pessoas não é muito de sair. É mais evangélico. Então... ah
tem [...] eu vou na igreja. É, o lugar que eu mais vou é na igreja.
Já este aluno diz praticamente não sair. Leva uma vida de estudos, bem focada. Sair o
desviaria de seus planos, que é se formar em medicina. As atividades de lazer são realizadas
em casa, com os amigos mais próximos. Sugere que as pessoas por onde mora não são muito
de sair por serem evangélicas, e se encontrarem na igreja, durante os cultos. Temos aqui mais
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um aluno que alega levar uma vida “ascética” focando nos estudos, indo muito mais à igreja
que a lugares como boates, por exemplo. Tal posicionamento se alinha com o que Weber
(2009) destacou em: A ética protestante e o espírito do capitalismo, de um proceder migrante
que valoriza o ascetismo, o racionalismo econômico e o trabalho como dever.
K.M.R.G. – Ah, a gente vai na feira fazer compra, a gente tem que ir. Tanto pra
supermercado, né? Como pra comprar roupa, calçado, a gente vai. Normalmente
quando chega dinheiro, né? Aí tem que fazer compra. Aí a gente vai. Vai na feira, no
mercado. O mercado é caro. Então você vai pra comprar algumas coisas. E agora
aqui pertinho... Mas a gente sai só pra fazer compras.
Alguns outros lugares que frequenta são a feira e o supermercado, em especial nas épocas que
recebe dinheiro vindo do Brasil. Trata-se, portanto, de mais um local em que circulam os
estudantes brasileiros na Bolívia. Denota também as dificuldades econômicas deste grupo
social de brasileiros que estuda na Bolívia: “... o mercado é caro...”, e fazem compras quando
chega o dinheiro, demonstrando a importância da remessa do Brasil e o esforço familiar para
garantir o sonho de ser médico.
Pesquisador – Como faz pra receber dinheiro do Brasil?
K.M.R.G. – Então, aqui tem uma agência do Banco do Brasil, né? Que é só por ela.
É normal. Você tem sua conta corrente ou sua conta poupança. O seu familiar ou
alguém que ajuda deposita na sua conta, e você saca aqui, na agência aqui, em
boliviano ou em dólar, depende do que você usa mais, né? Tranquilo. A gente paga
uma taxa. Até setecentos reais a gente paga cinco dólar. Acima disso aí vai pra dez,
quinze, vinte dólar a taxa.
Pesquisador – Mas não tem nenhuma burocracia pra isso, não... É bem simples...
K.M.R.G. – Não, não tem, não. Você tem que ter sua identidade, pode ser brasileira
mesmo, e o cartão do banco...
Pesquisador – Existe algum outro banco brasileiro, ou só é esse?
K.M.R.G. – Não. Só o banco do Brasil. E não tem caixa eletrônico... do banco do
Brasil. Mas a gente consegue sacar dinheiro aqui, de caixas bolivianos. Pelo, pela
conta do Banco do Brasil, entendeu? Caixa eletrônico do Banco do Brasil nós não
temos ainda.
Neste trecho o aluno fala como funciona pra receber dinheiro do Brasil. Essa situação é
bastante comum, uma vez que a maioria, com raras exceções, recebem ajuda de parentes e
amigos que ficaram no Brasil conforme apontado no item quando falei da questão da remessa.
B.R.C.C. – Voltando à pergunta: eu acho muito bom morar aqui, muito bom
mesmo. É ruim a saudade? É! A saudade é a pior que tem. Só que a saudade ela dói,
mas não mata. Então eu tenho isso pra mim, eu levo isso comigo e pretendo levar até
terminar minha faculdade, mas eu acho muito bom.
O aluno B.R.C.C. apesar de ter falado de uma forte identificação com o lugar não
ignora o fator saudade. Apesar do sentimento de gratidão para com o local, de chama-lo de
casa, de fazer amigos que estão no mesmo propósito, há uma falta dos entes queridos, e
acredito que da terra natal também.
B.R.C.C. – Assim, tem a questão do perigo, só que assim, você tem que sempre
vigiar. Tem que fazer sua parte. É como no Brasil. O ladrão aqui ou no Brasil ele
não vai chegar e dizer que vai te assaltar. Então você tem que ter cuidado. Vai num
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lugar mais perigoso, que você sabe que é perigoso, tenha cuidado. Tira o relógio, tira
a pulseira, tira o cordão, tira o anel, tem que tomar cuidado. Então assim, e pra
resumir, mesmo que dá medo eu acho muito bom.
Já neste outro trecho acrescenta o cuidado que se deve ter ao sair de casa. Seu
posicionamento é de equilibrar uma visão entre Brasil e Bolívia. Diz não haver diferença entre
esses países em termo de violência, a pessoa é que deve estar atenta. O interessante é que
neste quesito talvez não houvesse problema em vincular uma imagem negativa à Bolívia em
contraste com uma positiva ao Brasil, ou pelo menos melhor que a da Bolívia. Quando esses
alunos fazem avaliações que não estão relacionadas à educação na Bolívia, na maior parte das
vezes costumam fazê-lo de forma negativa, o que não ocorreu nesta última fala. Mas deve
ficar claro que se trata de uma posição subjetiva e que outros alunos poderiam se posicionar
de forma diferente.
B.R.C.C. – Aqui ainda assim, eu ainda acho melhor sair aqui do que sair no Brasil.
Porque aqui o dinheiro rende mais. Então qualquer cem reais, que lá no Brasil só dá
pra você ir num shopping pra fazer uma besterinha, aqui qualquer cem reais você vai
com tudo, faz churrasco, faz uma festa, entendeu? Então pra mim eu acho muito
bom aqui.
Dessa vez o aluno B.R.C.C. destaca os benefícios de se ter uma moeda mais forte,
como um poder aquisitivo maior. Este item está relacionado à alegação desses alunos da
Bolívia ser uma escolha para seus estudos por ter um custo de vida menor, e, portanto, mais
acessível. Um ponto positivo para a Bolívia, mesmo em comparação ao Brasil, que
geralmente é visto na maioria dos aspectos de forma mais positiva do que a Bolívia. Juntando
a essas questões mais gerais apresento o que os alunos dizem fazer no período das férias.
Pesquisador – E nas férias, o quê você costuma fazer?
B.R.C.C. – Lá, no Brasil, né? Em casa?
Pesquisador – Não sei, você que me diz, se você fica aqui, se você vai pra lá...
B.R.C.C. – Tá certo. Ano passado, nas minhas férias do meio do ano eu fui pro
Brasil, e aí eu... eu fui pra fazenda, fiquei na casa... Quando era só um mês, não dava
pra fazer muita coisa... Então eu fui pra fazenda, dá um beijo nos bois, voltei.
Cheguei na minha casa. Fui pra casa da minha vó, passei uma semana. Na casa de
uma, passei uma semana na casa da outra. Acabou praticamente o mês. Fui dois dias
na igreja, já voltei pra cá de novo. Por isso que eu te falo, é um casamento com a
Bolívia. Porque você passa noventa por cento do seu tempo aqui. Aí já no final do
ano, desse ano passado pra esse ano, foi um pouco maior, foi quase três meses. Já
deu pra fazer bastante coisa, um pouco melhor. E esse ano eu vou ficar aqui, eu vou
ficar o ano inteiro, só volto final do ano. Porque no meio do ano que é a época mais
fria, a gente, eu e um grupinho de pessoas lá da igreja tamo tendo pretensões de ir
pro Chile, pra passear lá no Chile, né? conhecer lá e tal. Ou ir no deserto de sal, que
fica aqui na Bolívia mesmo, que é bem legal.
Pesquisador – Nas férias, o que você costumava fazer?
L.W.B. – Bom, nas férias eu ia pra casa dos meus familiares e... ficava lá. Também
saía com os amigos lá. Não era sempre também, mas sempre combinava de... chegou
as férias encontrar o grupinho de amigos. Sentar num bar, conversar, contar as
novidades. Eles perguntavam muito daqui. Eu contava como era. Saía aqui, as
pessoas, eles gostavam. Chamava um pra vir pra cá, não vieram porque não podiam,
mas eles ficavam com vontade de vir, porque como eu gostei daqui, eu tinha uma
visão boa daqui, né? Eu dizia que aqui era legal, era diferente... se animavam. Eu
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levava as músicas daqui pra lá, né. Eu falava a música combina com o ambiente, né?
Eles não gostavam muito não, mas aí eu dizia: se vocês estivessem lá vocês iam
gostar, porque o lugar faz o clima, tudo combina, né? Uma coisa leva a outra. E aí as
minhas férias eram sempre assim.
Temos acima duas falas. Ambos declaram que no período de férias voltam para o
Brasil, para junto de seus familiares. O primeiro aluno conta como passou suas últimas férias
e como pretende passar a próxima. Já o segundo faz menção de como comentava sobre a
Bolívia para seus amigos no Brasil de forma positiva, e de como esses queriam conhecer, já
que falava bem sobre o lugar. Mais uma vez percebemos como em certas situações é
preferível veicular à Bolívia uma imagem positiva, a fim de que sua formação também esteja
ligada a essa mesma imagem. Posso acrescentar a essa questão do período de férias, que numa
visita nesse período, em janeiro de 2011, a maioria havia voltado ao Brasil, realmente, com
exceção de alguns que permaneceram para cursar alguma matéria, ou fazer cursos de verão. O
primeiro destaca ainda aspectos turísticos da Bolívia, como “o deserto de sal” e uma possível
ida ao Chile. Parece haver uma falta de interesse em conhecer o país. O segundo destaca
aspectos curiosos da música boliviana – mas que no Brasil não gostaram. São as barreiras
simbólicas e os discursos de inferioridade da Bolívia que se escondem por trás das falas. Há
uma intenção pontual por parte desses estudantes em relação à Bolívia: formar-se médico. É
possível inclusive traçar um paralelo com a cidade de Corumbá - MS, que se encontra na faixa
de fronteira com a Bolívia: o corumbaense, muitas das vezes, também mantêm uma relação
estritamente utilitária: comprar mais barato, não havendo um interesse cultural ou algo do
gênero.
Neste capítulo procurei apontar questões gerais do período mais duradouro dessa
migração: o “durante”, tomando como base a própria fala dos estudantes, bem como as
minhas observações de quando estive no “campo de pesquisa”. alaram de lugares que
costumam frequentar: boates, igrejas, feiras, restaurantes, etc., e o que fazem no período de
férias. Apresentei também todo um conjunto de representações dos brasileiros sobre os
bolivianos que transpareceram nos discursos, e ainda a questão da “utilização” da Bolívia
como um recursos econômico e social (VALCUENDE DEL RÍO e CARDIA, 2009): se
formar em medicina na Bolívia e ascender socialmente e economicamente no Brasil.
60
Considerações Finais
O Brasil sempre foi conhecido como um país de imigração, tendo na sua formação,
conforme muito se disse, várias etnias: negros, índios, brancos, europeus de várias partes
(alemães, italianos, portugueses, espanhóis, etc.), e asiáticos. No entanto, a partir da década de
1980 o Brasil começou a se configurar como um país também de emigração. Destacam-se aí
os decasséguis em busca da terra dos seus ancestrais; os que foram para os EUA, e Europa de
uma forma geral. Mas as migrações intra-regionais, no âmbito sul-americano, também foram
ganhando força paulatinamente, e a migração de brasileiros para o Paraguai, por exemplo, é
uma das mais importantes em termos quantitativos. E é nesse encalço que trabalhei, com uma
emigração brasileira intra-regional no continente, para a Bolívia.
Ante o exposto percebemos que para um melhor entendimento da condição do
brasileiro em Santa Cruz de la Sierra é preciso considerar inúmeras questões, como: as
múltiplas relações, redes e conflitos, que esses estabelecem (ou não) com os brasileiros que já
estão ali há mais tempo, com os bolivianos, com as autoridades, com “os que ficaram”
(parentes/conhecidos que fornecem ajuda material); o local de onde vieram (majoritariamente
de estados fronteiriços); o que dizem ter motivado sua migração, suas perspectivas, seus
sonhos, enfim, é preciso levar em conta essa multidimensionalidade de questões.
No processo de emigração desses brasileiros para a Bolívia volto a grifar a
importância das fronteiras estendidas. Os atores sociais estão constantemente usufruindo dos
benefícios de uma migração fronteiriça, ora se apoiando nas vantagens em serem brasileiros,
ora criticando o Brasil pelos seus problemas e aproveitando as possibilidades que a Bolívia
oferece. Um “jogo” muito interessante. Tal movimento termina por reforçar as relações entre
os países. Inicia-se com uma relação informal e funcional, mas termina apoiando também
relações mais formais, como relações comerciais, a preocupação das autoridades em reforçar
certas fiscalizações, ou facilitar o processo de revalidação, por exemplo. Ambos, atores e
estado, interagem com o outro país ensejando o que chamamos aqui de fronteiras estendidas.
Volto a grifar que se trata de uma migração diferenciada em relação à laboral na
medida em que os indivíduos de que trato migram para buscar uma formação profissional,
mas atuarem no Brasil, quando voltarem, o que já é uma outra diferença importante, uma
migração temporária, com “data marcada para terminar”.
O assunto que trato nessa pesquisa é polêmico, e muitas vezes ouço, a partir do senso
comum, muitos pareceres que carecem de maiores explicações sobre o assunto, e é um pouco
61
dessas explicações que procuro trazer, ainda que seja um trabalho acadêmico, mas já é um
primeiro passo, haja vista ser inédito. Acredito que um dos pontos mais críticos sobre o
assunto é o questionamento se a Bolívia tem condições de oferecer uma formação de
qualidade, para que o formado exerça sua profissão no Brasil. É possível entender o
questionamento, mas é preciso também refletir sobre os motivos pelos quais são suscitados. A
dúvida sobre tal qualidade reside nas informações veiculadas nos vários meios de
comunicação sobre a Bolívia, como sendo um país “sujo”, “pobre”, “indígena”, entre tantos
outros estereótipos. Mas existe outra questão tão crítica quanto à anterior, e é a de que se esse
indivíduo teve que ir até a Bolívia para cursar medicina, provavelmente ele seja incompetente,
e se assim não o fosse teria feito no Brasil mesmo. No entanto, como discutido ao longo do
trabalho, sabemos que se trata de uma discussão mais complexa, envolvendo os mecanismos
de acesso ao ensino superior no Brasil, entre outros pontos.
O trabalho também termina por tratar de outra questão não só polêmica como
problemática: a educação superior no Brasil. O que as pesquisas empíricas realizadas neste
trabalho apontam é que esses brasileiros que vão para a Bolívia cursar medicina não vão para
lá só porque o ingresso é “mais fácil” e os “custos são mais baratos”, e sim porque no Brasil
não há vagas suficientes para atender a toda à população com uma educação gratuita. Em
várias conversas informais esses alunos eram categóricos em afirmar que se possível fosse
eles prefeririam ficar no Brasil. Portanto, a questão educacional no Brasil também precisa ser
pensada.
Ao longo do trabalho procurei apresentar a problemática dessa migração específica,
dos brasileiros que emigram para a Bolívia com o objetivo de cursarem medicina, e todo o
processo para que o realizem, bem como as redes envolvidas, entre outros pontos deste
elemento; salientei também a questão da educação superior pública no Brasil e suas
dificuldades em oferecer vagas a todos os brasileiros, bem como os altos custos nas
instituições particulares; destaquei ainda, as representações sobre a Bolívia e os bolivianos,
sempre a partir das falas dos próprios atores sociais; a questão do negócio que se monta a
partir desses brasileiros tanto nas universidades bolivianas como no processo de revalidação
do diploma; e por último tratei de questões mais gerais do dia-a-dia desses emigrantes quando
em terras estrangeiras.
Espero que este trabalho contribua à ciência, mas também que tenha um sentido mais
prático, criando, ou ajudando a criar visibilidade ao “problema” dos brasileiros que migram
para cursar medicina, não só na Bolívia, mas em outros países.
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