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1 PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E MUNDANÇA CLIMÁTICA 1 OTCA/GEF/PNUMA Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos naturais da bacia do Rio Amazonas Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos Relatório Parcial Produto 2: Ameaças ambientais Brasília, Brasil Fundo Para o Meio Ambiente Mundial Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

projeto gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS

TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A

VARIABILIDADE E MUNDANÇA CLIMÁTICA

1 OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos

naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 2: Ameaças ambientais

Brasília, Brasil

Fundo Para o Meio

Ambiente Mundial

Programa das Nações

Unidas para o Meio

Ambiente

2

PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS

TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A

VARIABILIDADE E A MUDANÇA CLIMÁTICA

2

3 OTCA/GEF/PNUMA

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 2: Ameaças ambientais

Coordenação da Atividade Norbert Fenzl

Consultor

Cleber J. R. Alho

Janeiro/2013

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AMEAÇAS AMBIENTAIS

RESUMO EXECUTIVO

A literatura científica tem enfatizado a relação entre o crescimento da população humana, com o

consequente uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas atividades

antrópicas na Amazônia. Desse modo, as atividades socioeconômicas tradicionais, como a pesca

e o extrativismo têm sido afetadas pelo avanço mais recente da acentuada migração humana

atraída por novas possibilidades de acesso à terra ou motivada por empreendimentos novos de

infraestrutura, pecuária, agricultura, mineração, pesca comercial ou outra motivação.

A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios

de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os

ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se

difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o

processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também

orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.

As ameaças ambientais causadas pela atividade antrópica aos ecossistemas aquáticos da

Amazônia podem ser agrupadas nos seguintes tópicos:

Perda e alteração de ecossistemas, particularmente pelo desmatamento das florestas

ripárias.

Exploração predatória de recursos naturais.

Introdução de espécies exóticas.

Aumento de patógenos nos ambientes naturais.

Aumento de tóxicos ambientais.

Efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas.

Especificamente com relação às mudanças climáticas, a literatura tem ressaltado o que se pode

sintetizar no seguinte:

1. O aumento da temperatura da água, que pode afetar as espécies que dependem da

temperatura, pode também afetar a redução de oxigênio dissolvido na água, podendo levar

a favorecer espécies invasoras exóticas;

2. A diminuição da precipitação nos meses secos, que pode afetar os ecossistemas aquáticos,

impactando negativamente seus hábitats naturais e a reprodução de peixes;

3. O ciclo de nutrientes, incluindo matéria orgânica, nos solos e nos ecossistemas aquáticos,

afetando por sua vez a parte biótica do sistema natural;

4. Maior incidência de eventos extremos, com secas e enchentes mais severas, impactando

negativamente os ecossistemas aquáticos, a biota, e os recursos naturais.

As ameaças ambientais causadas pelas atividades antrópicas não-sustentáveis têm impactado os

ecossistemas aquáticos em sua estrutura e função ecológicas, como também a explotação não

sustentável dos recursos da natureza tem afetado os aspectos socioeconômicos da gente local. De

tal modo, essas ameaças podem ser assim identificadas e comentadas.

Fluxo migratório da população humana e aumento de doenças endêmicas. O processo

migratório na Amazônia tem-se intensificado na Amazônia. São migrantes em geral com baixos

níveis de renda, educação e qualificação profissional, levando à intensificação do uso e ocupação

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desordenados do solo com consequentes carências de saneamento básico e aumento da densidade

familiar.

Aumento da pressão de caça. O aumento da densidade demográfica e do tamanho da população

humana na Amazônia tende a promover a intensificação da caça e utilização de produtos da

fauna. O extrativismo faunístico é inerente e diretamente proporcional à densidade demográfica

humana.

Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. Com o aumento da

demografia em certas regiões há demanda de madeira para a construção civil e outros fins; e

pressão sobre os recursos não madeireiros, tais como açaí (fruto e palmito), castanha, frutos

nativos (consumo in natura e polpas), plantas medicinais, ornamentais, essências aromáticas,

óleos essenciais e resinas.

Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados à água. A

pressão não sustentável sobre produtos florestais ao longo dos corpos d'água tende a acarretar

diminuição de riqueza de espécies da região e da abundância de certas espécies de plantas sob

pressão de extrativismo, sendo que espécies raras tendem a ser as primeiras a desaparecer

localmente.

Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats associados à

água. As comunidades ecológicas compartilham da energia do sistema natural por meio de uma

complexa interação trófica, em vários níveis, de tal modo que a extração seletiva de determinadas

espécies ou a modificação do habitat, marcadamente a perda da diversidade da flora, altera essa

interação, com consequente perda da diversidade da fauna.

Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. O desmatamento tem

evidenciado um processo de fragmentação da cobertura vegetal ao longo dos cursos d'água, como

a floresta aluvial inundável, quando no passado havia uma cobertura vegetal contínua, agora

segmentada em vários fragmentos florestais. Entre os efeitos associados à intensificação da perda

de cobertura vegetal, destaca-se o agravamento desse processo de fragmentação da vegetação

associada à água, como a floresta aluvial, importante para a ictiofauna.

Aumento de espécies invasoras exógenas. Está bem documentado na literatura científica que

espécies como cães e gatos domésticos, cavalos e bovinos têm acompanhado a colonização de

novas áreas pelo homem, em diversos casos funcionando como reservatórios de agentes

patogênicos que encontram nos mosquitos e em outros insetos vetores de doenças.

Mudanças climáticas: temperatura. As mudanças climáticas na Amazônia têm sido detectadas

e indicam alterações sofridas no último século, com aquecimento da temperatura.

Mudanças climáticas: precipitação. A tendência de precipitação na Amazônia mostra variações

entre as partes norte e sul da bacia.

Mudanças climáticas: desmatamento. O desflorestamento da Amazônia acarreta mudanças na

precipitação da região, não só no padrão de chuvas como também com maior ocorrência de

chuvas em áreas desmatadas.

Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. Estes dois fenômenos meteorológicos

têm exercido influência no clima regional. El Niño tem sido associado com condições secas no

norte da Amazônia.

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Mudanças climáticas: previsões futuras. A informação hoje disponível na literatura científica

publicada permite projetar um aumento entre 2 a 3º até o ano 2050 na Amazônia, com menor

precipitação durante os meses secos, com expansão desse período.

Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com perda da

biodiversidade e de recursos naturais. Essas mudanças climáticas projetadas, com base na

informação científica disponível, impõem impactos negativos na atual característica da cobertura

vegetal da Amazônia, com reflexos nas alterações dos ecossistemas aquáticos e na biodiversidade

regional.

Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. Os ecossistemas aquáticos da Amazônia, como

os ambientes de várzea, são caracterizados por uma sazonalidade anual com a constante transição

entre hábitats terrestres e aquáticos. A produtividade do ecossistema dá suporte à biodiversidade

e aos recursos naturais, como a pesca. A várzea depende do ritmo anual do fluxo hídrico sazonal.

Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. As informações disponíveis

preconizam que o aumento da temperatura irá também causar aumento da temperatura da água

dos ecossistemas aquáticos da Amazônia.

Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. Os ecossistemas aquáticos são dependentes dos

nutrientes contidos na matéria orgânica (galhos e folhas caídos e outros) que são carreados pela

água para os igarapés e rios. As potenciais mudanças na fisionomia da floresta poderão ameaçar o

fluxo de nutrientes para os ecossistemas terrestres.

Mudanças climáticas: saúde humana. A mudança na temperatura e na fisionomia vegetal

poderá acarretar a proliferação de patógenos.

A diversidade de peixes na Amazônia é reconhecida e a pesca tem representado recurso

fundamental para vários segmentos dos povos da floresta. A pesca é importante tanto para

consumo local como meio de transação comercial, incluindo também o extrativismo de peixes

ornamentais. Contudo, em várias regiões, esses recursos pesqueiros já mostram sinais de

exaustão, face à exploração predatória, portanto não sustentável, com prejuízo socioeconômico.

A pesca para consumo local vem sofrendo modificações em várias regiões. A produção de

pescado para consumo humano e a renda média do pescador vêm diminuindo devido aos efeitos

do aumento do esforço de pesca sobre o ecossistema aquático. Ressalte-se a importância da pesca

para consumo como dieta alimentar tanto da população ribeirinha local como a de pequenas

cidades vizinhas. A produção de pescado necessária é consumida logo após a captura, nas

próprias comunidades, sem envolver um comércio formal, mas representando uma renda indireta

para as comunidades que ali habitam que, se não fosse esta fonte de alimento, deveriam comprar

uma maior quantidade de produtos nos centros urbanos.

Deve-se ressaltar que na Amazônia o consumo de quelônios aquáticos faz parte da vida de

caboclos ribeirinhos e de índios, principalmente no verão, quando se consomem também os ovos.

Mais importante, ainda, é o processo cultural extremamente ligado à sociedade local, não só dos

povos ribeirinhos, mas também dos povos urbanos. A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis

expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia, estendendo-se por todo o rio Amazonas e

Orinoco e seus afluentes. Está presente nos países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia,

Equador, Guianas, Peru e Venezuela. É estritamente aquática e só sai da água para realizar a

desova. Essa espécie habita rios, lagos, pântanos, ilhas e florestas inundáveis, dispersando-se

isoladamente por esses ambientes para se alimentar.

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Os peixes típicos das várzeas amazônicas são o pirarucu Arapaima gigas e a pirapitinga

Piaractus brachypomus, além de outras espécies como Carnegiella strigata, Laemolyta varia,

Leporinus cylindriformis, Pseudanos trimaculatus, Centrodoras brachiatus, Trachydoras

steindachneri, Dianema longibarbis, Pseudepapterus cucuhyensis, Farlowella amazona,

Loricaria cataphracta, Henonemus punctatus, o grande bagre Pseudoplatystoma tigrinum, e os

peixes elétricos Rhamphichthys marmoratus e Sternarchorhamphus muelleri.

São reconhecidas duas categorias de movimento de peixes na Amazônia. Há as espécies

migradoras para as áreas marginais alagadas dos rios, no início da enchente, onde desovam. Entre

estas espécies estão os peixes de escama como o curimatã Prochilodus nigricans e as espécies de

pacu Myleus spp. A outra categoria de movimento dos cardumes é relacionada a migração de

longas distâncias dos grandes bagres como a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e a

dourada (Brachyplatystoma flavicans=Brachyplatystoma rousseauxii).

Entre os peixes que fazem movimento para as margens alagadas dos rios, no início da enchente,

destacam-se ainda as espécies de tucunarés (Cichla spp.), o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum),

o pirarucu (Arapaima gigas) além de outros peixes como pescada, acari e piranhas. Estas

espécies podem realizar pequenos movimentos laterais entre as áreas inundadas e o canal

principal do rio ou mesmo pequenos deslocamentos longitudinais dentro de um mesmo

macrohábitat.

Os peixes que fazem a migração de piracema, ao longo dos rios, como os grandes bagres, podem

percorrer centenas de quilômetros para encontrarem o sítio de reprodução. No alto Solimões,

Madeira ou Japurá, os bagres desovam entre maio e julho. As larvas desses peixes aparentemente

são carreadas pela correnteza do Amazonas, chegando meses depois ao estuário. Contudo, em

alguns rios como no Xingu, as espécies de bagres como o surubim Pseudoplatystoma fasciatum,

a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote Brachyplatystoma filamentosum parecem

não precisar percorrer distâncias tão longas.

Os peixes que percorrem as áreas entre o curso dos rios e as partes sazonalmente inundáveis, no

início da enchente, compreendem os chamados peixes brancos, como o tambaqui (Colossoma), o

pacu (Mylossoma) e a curimatã (Prochilodus) entre outras, e os peixes pretos, com destaque para

o jaraqui (Semaprochilodus) e o matrinchã (Brycon). Os peixes brancos são mais ligados às

várzeas do rio principal, Solimões-Amazonas, ou de seus afluentes de águas brancas, como o

Madeira e o Purus, e realizam migração mais tardia que os peixes pretos, ligados

preferencialmente aos igapós dos afluentes de águas pretas e claras.

A pesca na Amazônia varia de região para região, mas é dividida em comercial (de vários níveis),

de subsistência e recreativa ou esportiva, além do extrativismo de peixes ornamentais. De tal

forma que os apetrechos de pesca variam em função desses tipos de pesca, sendo que para

atendimento dos grandes centros urbanos como Manaus, Belém, Porto Velho, Santarém e outros,

a pesca comercial tem-se valido de meios tecnológicos para detectar cardumes, além de

embarcações aparelhadas.

A identificação, caracterização e avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos

constituem um instrumento importante para compor o plano de ações estratégicas. Essa

identificação, caracterização e avaliação das ameaças visa, portanto, designar instrumentos para a

execução de políticas e de gestão ambiental para subsidiar o planejamento de uma determinada

ameaça potencialmente modificadora do meio ambiente aquático, em conjunto com outras que

ocorrem nos ecossistemas. Algumas dessas ameaças aos ecossistemas aquáticos são de natureza

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técnico-científica, como aquelas que interferem na estrutura e função dos ecossistemas. Outras

são de natureza político-administrativa, como aquelas que podem ser previstas e evitadas. Neste

caso, muitas vezes se referem às normas legais que devem ser implementadas e obedecidas. Em

se tratando de diretrizes para oito países, esse aspecto legal-administrativo ganha bastante

complexidade.

A quantificação do efeito da ameaça analisada é de certo modo subjetiva, envolvendo avaliações

não só de ordem ecológica, mas também socioeconômica. Portanto, a variável ambiental da

ameaça se traduz pela inserção dos meios físico-químico (solo, qualidade da água etc.), biótico

(vegetação inundável, fauna aquática etc.) e socioeconômico (pesca, extrativismo etc.).

Um ecossistema aquático em condições naturais é um sistema dinâmico e equilibrado, cujos

componentes abióticos (solo, água, clima etc.) interagem com os componentes bióticos

(comunidades ecológicas e populações de micro-organismos, plantas e animais). Quando a

necessidade humana é inserida neste sistema, na visão produtor-consumidor, a interatividade das

variáveis de consumo deve ainda ser buscada, com regras de manejo adequado, na busca da

sustentabilidade do sistema, a fim de evitar o uso predatório, não sustentável, de determinado

recurso.

O presente estudo considera o fato importante de que as ameaças ambientais atreladas aos

ecossistemas aquáticos são muito diversas e abrangem uma área extensa da Amazônia. Portanto,

no sentido de tornar as ações estratégicas exequíveis e praticáveis, o termo de referência vai

concentrando o foco das ações em ameaças ligadas à pesca e, ainda, para poder qualificar essas

ameaças, o projeto procura limitar essas ameaças em pontos focais da Amazônia.

Neste ponto, é fundamental ressaltar dois focos importantes do Projeto. O primeiro é verificar em

locais designados as ameaças aos ecossistemas aquáticos, de modo a permitir a avaliação dessas

ameaças, incluindo os componentes ecológicos e socioeconômicos. Fase experimental. O

segundo foco tem como objetivo expandir as experiências e as ações do plano de ações

estratégicas do Projeto, por meio de um processo de disseminação, ampliando esse foco para

além da área das três sub-bacias experimentais designadas para toda a Amazônia, compreendendo

o conjunto dos oito países que compartilham a bacia, membros da OTCA. Esta é a fase de ações

estratégicas.

Este Projeto se refere às prioridades de áreas e temas do Projeto AquaBio, especificamente para

pesca. O Projeto AquaBio considera que a adoção de medidas eficazes para a solução das

questões pertinentes às ameaças está associada a uma série de dificuldades/barreiras à resolução

dessas ameaças ambientais. As principais barreiras à resolução de problemas e conflitos de uso e

manejo da biodiversidade aquática da Amazônia podem ser sistematizadas em quatro grandes

grupos:

Uso direto dos recursos aquáticos em níveis não sustentáveis pelas atividades de caça

(quelônios, peixe-boi) e pesca (comercial, ornamental, esportiva), apontando

sobreexploração de algumas espécies, tais como o tambaqui (Colossoma macropomum),

piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii), filhote (Brachyplatystoma filamentosum) e

pirarucu (Arapaima gigas);

Desmatamento para uso direto da madeira e para a implantação de atividades

agropecuárias. Neste avanço da fronteira agrícola se destacam o uso de técnicas modernas

e mecanizadas no plantio de culturas como a soja e algodão, a pecuária extensiva em

áreas de terra firme e a criação de búfalos em áreas inundáveis (várzeas), resultando no

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assoreamento de rios e igarapés, perda do hábitat aquático de várias espécies por causa do

corte da mata ripária, poluição da água por agrotóxicos e despejo de óleo de máquinas

agrícolas e motores de embarcações;

Crescente urbanização, com aumento do lançamento de dejetos orgânicos e sólidos

(esgoto e lixo) nas águas;

Construção de infra-estruturas específicas tais como hidrelétricas e hidrovias (causando

mudanças no regime hidrológico), linhas de transmissão, estradas, gasodutos e projetos de

irrigação;

Atividades de mineração, incluindo garimpo e extração de areia e seixos.

As áreas designadas pelo AquaBio como prioritárias para as atividades demonstrativas, oriundas

das quais deverão ser geradas diretrizes que podem ser replicadas para toda a Amazônia pelo

presente Projeto, são:

1. Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da cabeceira do Rio Xingu

2. Os ecossistemas aquáticos (águas escuras) da região de Barcelos do (médio/baixo) Rio

Negro

3. Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da região do baixo Rio Tocantins próxima a

Tucuruí.

Os fatores de estresse ou conflitos identificados nesses trechos designados são:

No médio e baixo Rio Negro:

Conflitos entre a pesca ribeirinha e a comercial, especialmente onde as pescarias

estão limitadas em locais fora de áreas protegidas, aumentando desta forma a

competição dos usuários pelo recurso pesqueiro;

Conflitos entre a pesca de subsistência praticada pelos ribeirinhos e a pesca

esportiva, já que alguns rios foram “fechados” para a pesca de subsistência, de

forma a assegurar a disponibilidade de grandes espécimes para a pesca esportiva;

Conflitos entre “piabeiros” (pescadores que se dedicam à captura de peixes

ornamentais) e autoridades ambientais, e também com outros tipos de pescaria.

Nas cabeceiras do Rio Xingu:

Conflitos entre ribeirinhos/pequenos agricultores e as grandes fazendas (de

pecuária e com operações mecanizadas de agricultura);

Conflitos sobre a qualidade ambiental e da saúde entre populações no entorno do

Parque Indígena do Xingu e os povos indígenas que vivem no Parque.

No baixo Rio Tocantins: Conflitos entre pescadores sobre o uso dos estoques reduzidos de peixes após a

construção da UHE Tucuruí;

Conflitos entre comunidades locais e administradores da usina hidrelétrica a respeito

da implementação de medidas apropriadas para compensar os impactos negativos

sobre as atividades econômicas e a qualidade de vida no trecho do rio à jusante da

barragem.

Desse modo, a metodologia para qualificação das ameaças específicas deste Projeto será

conduzida para a pesca (comercial, ornamental, esportiva) e para quelônios aquáticos nestas áreas

designadas.

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Como o presente Projeto tem tópicos de abordagem sobre as ameaças, fatores ou instrumentos

socioeconômicos e designação de áreas prioritárias ou hospots, estes tópicos vão sendo

entrelaçados no decorrer deste estudo, na direção dos indicadores para o plano de ação

estratégica. Assim, a análise qualitativa das ameaças específicas só deverá ser concluída quando

se avançar no tema socioeconômico e principalmente no tópico de áreas prioritárias ou hotspots.

Esses aspectos, inclusive, implicarão também em visita ao local para trabalho de campo.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

1.1 Histórico do uso e da ocupação do solo

1.2 Ocupação e uso da várzea

2. ANÁLISE DAS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

2.1 Ameaças que pesam sobre os ecossistemas aquáticos

2.2 Lista comentada dos fatores de estresse para os ecossistemas aquáticos amazônicos

2.2.1 Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas

2.2.2 Aumento da pressão de caça

2.2.3 Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros

2.2.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados à

água

2.2.5 Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats

associados à água

2.2.6 Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias

2.2.7 Aumento de espécies invasoras exógenas

2.2.8 Mudanças climáticas: temperatura

2.2.9 Mudanças climáticas: precipitação

2.2.10 Mudanças climáticas: desmatamento

2.2.11 Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña

2.2.12 Mudanças climáticas: previsões futuras

2.2.13 Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com

perda da biodiversidade e de recursos naturais

2.2.14 Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água

2.2.15 Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico

2.2.16 Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes

2.2.17 Mudanças climáticas: saúde humana

2.3 Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos

2.4 Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca

2.4.1 Herpetofauna

2.4.2 Quelônios aquáticos

2.4.3 Avifauna

2.4.4 Mastofauna

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2.4.5 Peixes e pesca

2.5 Identificação, caracterização e avaliação das ameaças prioritárias aos ecossistemas

aquáticos diante da ação antrópica

2.5.1 Conceituação como ferramenta de trabalho.

2.5.2 Quanto à caracterização das ameaças com relação às ações antrópicas focadas

nas fontes geradoras de uma ameaça específica, a ameaça pode ser direta ou indireta

2.5.3 Quanto à caracterização da localização da ameaça

2.5.4 Quanto à caracterização da duração da ameaça

2.5.5 Quanto à magnitude da ameaça (a grandeza de uma ameaça em termos

absolutos)

2.5.6 Quanto à reversibilidade da ameaça

2.5.7 Quanto à relevância da ameaça (que é aferida em função da importância da

variável ambiental para o benefício ambiental e socioeconômico)

2.6 Foco nas ameaças aos ecossistemas aquáticos: destaque para peixes, pesca e quelônios

2.6.1 Projeto AquaBio.

2.6.2 As ameaças designadas pelo AquaBio

2.6.3 As áreas designadas para as atividades demonstrativas

2.7 Prognóstico do efeito das ameaças ambientais no contexto amazônico

2.7.1 Áreas protegidas

2.7.2 Pesca

2.7.3 Quelônios

2.7. 4 Agregados humanos, desmatamentos e doenças tropicais

2.7.5 Serviços ecossistêmicos, valor da biodiversidade e bem-estar humano

2.7.6 Observação conclusiva sobre o prognóstico

2.8 Análise das ameaças prioritárias aos ecossistemas aquáticos dentro de um entorno

georreferenciado

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Histórico do uso e da ocupação do solo

A questão das ameaças ambientais tem-se tornado prioritária face à crescente população humana

e aos consequentes uso e ocupação do solo. Modificação de hábitats aquáticos, perda de

biodiversidade e contaminação de corpos d'água, por exemplo, constituem causas e

consequências do impacto da ação do homem no ambiente natural da Amazônia. A compreensão

de tais ameaças necessariamente se conecta pelas interfaces dos componentes socioeconômicos e

ecológicos da região. Exigem a análise da dinâmica do homem com o ambiente em que vive e as

sequelas que sofre a natureza, em particular os impactos negativos sobre os ecossistemas

aquáticos.

O enfoque multidisciplinar dos riscos ambientais implica necessariamente na aproximação das

ciências sociais e ecológicas para a análise da vulnerabilidade das atividades humanas e da

estrutura e função dos ecossistemas aquáticos. O objetivo maior dessa análise é identificar

potenciais diretrizes para o plano de ação estratégica deste Projeto. Visa fazer face às

necessidades humanas, conciliadas com a proteção dos ecossistemas aquáticos. Isso implica na

análise da dimensão humana do uso de recursos da natureza, como a pesca, e na visão ecológica

da natureza intrínseca dos ecossistemas aquáticos. Ameaças, riscos ou vulnerabilidade ambientais

devem ser analisados no contexto humano-ecológico no que tange aos sistemas socioeconômicos

versus ecossistemas aquáticos da Amazônia.

Este estudo objetiva verificar, com base na informação ambiental disponível publicada –

incluindo obrigatoriamente as múltiplas variáveis socioeconômicas e culturais – qual a alternativa

equilibrada que permita o uso e a ocupação do solo, em consonância com a capacidade de suporte

dos ecossistemas aquáticos, os quais prestam serviços ambientais fundamentais para os povos

locais que desenvolvem suas atividades econômicas.

O desmatamento na Amazônia se intensificou a partir da abertura da rodovia Transamazônica,

em 1970. As causas para o desmatamento são diversas, mas a pecuária bovina desempenha papel

preponderante, conferindo motivação econômica para o desflorestamento. Até 1980, o

desmatamento no Brasil alcançava cerca de 300 mil km², o equivalente a 6% da área total. Nos

anos oitenta e noventa, foram desmatados aproximadamente 280 mil km², quase dobrando a área

desflorestada. Em 27 anos, nada menos que 432 mil km² foram incorporados ao estoque

desmatado. Cerca de 80% do total desmatado localiza-se em um grande arco que vai do Leste do

Maranhão e Oeste do Pará até o Acre, passando pelo Sudeste do Pará, Norte do Tocantins, Norte

de Mato Grosso e Rondônia.

Por outro lado, as áreas protegidas – Unidades de Conservação e Terras Indígenas – apresentam

taxas reduzidas de desmatamento por suas condições especiais de uso e ocupação. Contudo, tem-

se verificado a intensificação da exploração de recursos naturais, com aumento da pressão de

madeireiros ilegais, pecuaristas e grileiros sobre Unidades de Conservação (UC) e Terras

Indígenas (TI).

Há diversas iniciativas de governos dos países membros da OTCA e de instituições

ambientalistas no sentido de concretizar ações para conservação e utilização sustentável da

diversidade biológica como identificar ações prioritárias; e ainda estabelecer diretrizes e conceder

recursos financeiros para apoiar o Governo e a Sociedade na tomada de decisão sobre políticas de

conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. No Brasil, uma dessas iniciativas,

que começou com uma reunião técnica havida em Manaus em 1990, deu origem ao programa

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“Avaliação e Identificação de Ações Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e

Repartição dos Benefícios da Biodiversidade da Amazônia Brasileira”.

Na Amazônia, a atividade de mineração é intensa em algumas regiões. Há também pressão

ambiental causada pelas instalações de hidrelétricas, com seus impactos ambientais, além do

extrativismo florestal não madeireiro, como: castanha-do-pará, babaçu, frutos de palmeiras como

açaí e bacaba, acrescido ainda da pesca comercial e de subsistência, da coleta de peixes

ornamentais, e da apanha de quelônios como tracajás e tartarugas e seus ovos.

1.2 Ocupação e uso da várzea

A ocupação do solo amazônico pode ser resumida em: áreas de fronteira recente; áreas de

esvaziamento demográfico e econômico; áreas com dificuldades de acesso; áreas sob influência

de rodovias; áreas de planícies fluviais; áreas de grandes projetos de agricultura, pecuária,

mineração, infraestrutura etc. e áreas de conflito pela posse de terras. As áreas de fronteiras

recentes se caracterizam pela acentuada dinâmica da migração humana atraída pela possibilidade

de acesso à terra. As áreas de vazios demográficos são aquelas abandonadas pelo esgotamento de

recursos, sem atrativos econômicos. As áreas ainda pristinas são aquelas com dificuldade de

acesso humano. É bastante conhecido na Amazônia o processo de ocupação humana no modelo

"espinha de peixe" ao longo das rodovias abertas. Desde os primórdios de sua história, o homem

amazônico tem convivido com a complexidade do ecossistema amazônico que, de forma geral,

apresenta ambientes claramente definidos: várzea – a planície inundada sazonalmente; e terra

firme – as terras mais altas, livres de inundação. A várzea, mesmo com uma extensão

comparativamente menor que a terra firme (2% da planície amazônica), teve uma grande

importância no processo ocupacional da região.

A várzea aparece como o primeiro foco de povoamento do espaço amazônico, havendo indícios

de tribos indígenas de várzea com cerca de dois mil anos. Essas etnias indígenas procuraram os

ambientes de rios e igarapés (como fonte de água e alimentos) para fixarem suas aldeias e se

difundirem pela região. A rede hidrográfica da região, contudo, não condicionou somente o

processo de ocupação das tribos indígenas e, posteriormente, dos colonizadores, mas também

orientou o caminho pelo qual iria seguir a economia regional.

Em função da importância da rede hidroviária, a ocupação e o uso econômico da várzea ficaram

evidentes nos primeiros séculos de ocupação e colonização da Amazônia, até a década de 1960.

Houve predominância econômica das atividades de extrativismo, com a exploração de produtos

nativos abundantes na região tais como especiarias como o cacau, espécies oleaginosas, resinas e

demais produtos vegetais do extrativismo, muito valorizados pela sociedade europeia da época).

Seguem os ciclos de metais preciosos, ciclo da borracha, exploração de outros produtos nativos,

da agricultura comercial (ciclo da juta) e, novamente, do extrativismo, com ênfase na pesca. Em

contrapartida, a economia de terra firme passou a se projetar no cenário regional a partir da

segunda metade da década de 60 e, sobretudo, na década de 70, quando a economia da várzea

entrou em declínio com o fim do ciclo da juta. Nessa época, no Brasil, por exemplo, foram

implementadas as políticas de desenvolvimento direcionadas para a Amazônia. Tais políticas

incentivaram a valorização da produção agropecuária, conferindo aos produtos de terra firme uma

maior participação na economia regional.

Nos dias de hoje, a várzea baseia sua economia principalmente nas produções pesqueira e

pecuária, com participação bem inferior se comparada à economia da terra firme no quadro

econômico regional, cuja gama mais variada de produtos (agrícolas, pecuários, extrativistas) dá

14

maior suporte a essa economia regional. A evolução do quadro político-econômico regional, a

abertura de rodovias e a globalização ampliaram as possibilidades de exploração das terras da

bacia por meio da produção de grãos para o mercado interno e para exportação, e levaram à

passagem da economia baseada na “exploração ribeirinha” para uma economia baseada na

“exploração das estradas”. Esse processo produziu formas específicas de ocupação da Amazônia

nas décadas de 70 e de 80.

No Brasil, a partir de 1964, o regime militar vigente deu nova orientação à ocupação de terras,

através de projetos mais abrangentes que contaram com incentivos fiscais e crédito facilitado para

a compra de grandes extensões de terras na Amazônia, formando numerosos latifúndios. Esse

processo foi materializado pela adoção de planos e programas que objetivaram a intensificação da

apropriação do território e dos seus recursos naturais, como por exemplo, o POLAMAZÔNIA.

Esse processo foi seguido por abertura de estradas como a Transamazônica, Cuiabá-Porto Velho,

Cuiabá-Santarém, Porto Velho-Manaus, entre outras.

Ressalte-se o fato de que os rios têm cumprido um papel fundamental na história da ocupação da

Amazônia e na estruturação de sua vida econômica. Os rios foram durante muito tempo o eixo de

penetração, circulação e povoamento, até que as rodovias, a partir da segunda metade do século

XX, começaram a interiorizar o povoamento. Esse fato tem estreita relação com as ameaças

ambientais aos ecossistemas aquáticos. A região foi ocupada na era colonial a partir do vale do

Rio Amazonas e seus afluentes, impondo-se pelas atividades extrativas, formando um sistema

peculiar que constituiu e marcou a vida econômica da região, que incluiu o ato de subjugar a

população indígena nativa. A coleta da borracha ocorria de forma dispersa, tanto nas áreas de

várzea como em terra firme, e a sua comercialização era concentrada nos barracões às margens

dos rios.

No final do século XIX e primeiros anos do século XX, a comercialização da borracha perdeu

força no mercado internacional e, em consequência, houve um período de declínio econômico na

Amazônia. A retomada do crescimento só aconteceu anos mais tarde, quando ocorreu a

revalorização da borracha em decorrência da segunda guerra mundial, com novos fluxos

migratórios de seringueiros. De 1939 a 1945, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a

borracha amazônica voltou a ser objeto de disputa no mercado mundial. Em intervalos de crise,

os ribeirinhos se valeram da coleta de castanha-do-brasil ou castanha-do-pará.

2. ANÁLISE DAS AMEAÇAS AMBIENTAIS AOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS

2.1 Ameaças que pesam sobre os ecossistemas aquáticos

A literatura científica tem sido farta e enfática sobre a relação entre o crescimento da população

humana, com os consequentes uso e ocupação do solo, modificando os ambientes naturais pelas

atividades antrópicas. Entre esses vários documentos há o livro "Conservation for the Twenty-

first Century" (Western e Pearl, 1989), resultado de uma conferência "Conservation 2100", com

diferentes pontos de vista de especialistas sobre conservação e uso sustentável de recursos

naturais ocorrida na Rockefeller University, em Nova York. Enquanto o homem ocupa todos os

espaços da biosfera terrestre, os recursos naturais vão-se exaurindo, surgindo a necessidade

imperiosa de se cooperar com a natureza, reconhecendo a importância dos ecossistemas que

prestam serviços ao homem. A Amazônia não tem ficado livre dessa tendência.

Documentos mais recentes como Global Biodiversity Outlook 3 (GBO-3, 2010) e Millennium

Ecosystem Assessment (Millennium Ecosystem Assessment, 2005) têm identificado as ameaças

ambientais em pelo menos seis grandes grupos:

15

1. Perda e alteração de ecossistemas

2. Exploração predatória de recursos naturais

3. Introdução de espécies exóticas

4. Aumento de patógenos nos ambientes naturais

5. Aumento de tóxicos ambientais

6. Efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas

Especificamente, estudos têm identificado os efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas

da Amazônia, com consequências negativas para as comunidades humanas que dependem desses

recursos, particularmente os associados aos ecossistemas aquáticos. Revisão da literatura

científica conduzida por Michael Case (disponível pelo acesso

http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&aq=&oq=Regi%c3%b3n+de+Caquet%c3

%a1+de+Amazonia+Colombia&ie=UTF8&rlz=1T4ACEW_enBR363BR442&q=michael+case%

2c+climate+change+impacts+in+the+amazon%3a+review+of+scientific+literature%2c+world+w

ildlife+fund&gs_l=hp..1.41l120.0.0.0.4817970...........0.kauvXLhK-Yo) mostra o efeito das

mudanças climáticas sobre:

O aumento da temperatura da água, que pode afetar as espécies que dependem da

temperatura, pode também afetar a redução de oxigênio dissolvido na água, podendo levar

a favorecer espécies invasoras exóticas;

A diminuição da precipitação nos meses secos, que pode afetar os ecossistemas aquáticos,

impactando negativamente seus hábitats naturais e a reprodução de peixes;

O ciclo de nutrientes, incluindo matéria orgânica, nos solos e nos ecossistemas aquáticos,

afetando por sua vez a parte biótica do sistema natural;

Maior incidência de eventos extremos, com secas e enchentes mais severas, impactando

negativamente os ecossistemas aquáticos, a biota, e os recursos naturais.

Estudo publicado em Science (Kerr, 2012) mostra que os efeitos das mudanças climáticas estão

exacerbando as estações do ano, com regiões pobres em água ficando ainda mais pobres.

Ambientes sazonalmente inundáveis como o Pantanal estão sujeitos a cheias e secas severas

(Alho, 2012). De fato, os ciclos hidrológicos dos rios da Amazônia constituem fator-chave para o

funcionamento dos ecossistemas aquáticos, e potenciais mudanças nesse ciclo hidrológico de

enchente-cheia-vazante-seca afetam negativamente esses ecossistemas, com riscos para a

biodiversidade e os recursos naturais associados, como a pesca, afetando por seu turno o aspecto

socioeconômico da região.

Estudo recente de 2012 encomendado pelo Banco Mundial e executado pelo Potsdam Institute for

Climate Impact Research (PIK) and Climate Analytics, de Berlim, Alemanha, mostra que a

temperatura do globo pode se elevar por até 4º C por volta de 2060 e que um aquecimento de 2ºC

na Amazônia, até 2050, poderia aumentar drasticamente a incidência dos incêndios florestais,

alterando de forma significativa tanto a cobertura vegetal quanto o clima local

(http://climatechange.worldbank.org/sites/default/files/Turn_Down_the_heat_Why_a_4_degree_

centrigrade_warmer_world_must_be_avoided.pdf).

Este relatório alerta para as projeções de extremas alterações nos hábitats naturais causadas pela

mudança climática com perda da biodiversidade e de recursos naturais. Esse impacto das

mudanças climáticas afetarão os ecossistemas, influindo negativamente no suprimento de água e

alimento, além do aumento de riscos para a saúde humana.

2.2 Lista comentada dos fatores de estresse para os ecossistemas aquáticos amazônicos

16

2.2.1 Fluxo migratório e aumento de doenças endêmicas. O processo migratório na

Amazônia tem-se intensificado na Amazônia, como já mencionado neste estudo. São migrantes

em geral com baixos níveis de renda, educação e qualificação profissional, levando à

intensificação de uso e ocupação desordenados do solo, com consequentes carências de

saneamento básico e aumento da densidade familiar. Esses fluxos de gente que chegam à região

tendem a aumentar a incidência de doenças endêmicas como malária, leishmaniose tegumentar,

dengue, febre amarela e arboviroses. A malária e a leishmaniose tegumentar são as principais

endemias prevalentes na região amazônica. O serviço de vigilância sanitária do Ministério da

Saúde do Brasil chama a atenção para surtos de malária diante de dispersões e exacerbações da

endemia diante de aumento do fluxo migratório, da movimentação de pessoas, da atividade no

meio rural, ou, ainda, do aquecimento econômico de certas áreas na Amazônia. A incidência da

leishmaniose tegumentar na região também é alta.

2.2.2 Aumento da pressão de caça. O aumento da densidade demográfica e do tamanho

da população humana na Amazônia tende a promover a intensificação da caça e utilização de

produtos da fauna. O extrativismo faunístico é inerente e diretamente proporcional à densidade

demográfica humana. As evidências de depleção dos estoques de caça estão bem documentadas

na literatura acadêmica, indicando a tendência de substituição de poucas espécies de grande porte

por muitas espécies de pequeno porte. Quelônios como a tartaruga-da-amazônia Podocnemis

expansa e o tracajá Podocnemis unifilis sofrem forte pressão de apanha de indivíduos e de seus

ovos, particularmente na estação de estiagem.

2.2.3 Aumento da pressão sobre produtos madeireiros e não-madeireiros. Com o

aumento da demografia em certas regiões, há demanda de madeira para a construção civil e

outros fins; e considerável pressão sobre os recursos não madeireiros tais como açaí (fruto e

palmito), castanha, frutos nativos (consumo in natura e polpas), plantas medicinais, ornamentais,

essências aromáticas, óleos essenciais e resinas. Por essa pressão predatória sobre os recursos

naturais, ocorre uma redução na disponibilidade de alimentos para a fauna silvestre aquática,

podendo comprometer suas populações. Acresce que a retirada de frutos tem implicação direta na

disponibilidade de propágulos das espécies utilizadas, interferindo na dinâmica populacional e no

estabelecimento de novas plantas, com redução da taxa de incremento da floresta ripária.

2.2.4. Aumento da perda da diversidade da flora e alteração de hábitats associados à

água. A pressão não sustentável sobre produtos florestais ao longo dos corpos d'água tende a

acarretar diminuição de riqueza de espécies da região e da abundância de certas espécies de

plantas sob pressão de extrativismo, sendo que espécies raras tendem a serem as primeiras a

desaparecer localmente. Acresce que a mineração, especialmente a de ouro, é um forte estressor

para igarapés e rios de pequeno porte, seguidamente alterando ou destruindo completamente o

leito do corpo d’água, aumentando a turbidez da água, e contaminado água com mercúrio,

impactando a composição limnológica, de macroinvertebrados e outras comunidades ecológicas.

2.2.5 Aumento da perda da diversidade da fauna silvestre e alteração de hábitats

associados à água. As comunidades ecológicas compartilham da energia do sistema natural por

meio de uma complexa interação trófica, em vários níveis, de tal modo que a extração seletiva de

determinadas espécies ou a modificação do habitat, marcadamente a perda da diversidade da

flora, altera essa interação, com consequente perda da diversidade da fauna. Por exemplo, a

intensificação da pesca não sustentável tem levado a caracterizar conflitos entre pescadores e

presença de botos, ariranhas e lontras, que muitas vezes são perseguidos por pescadores.

17

2.2.6 Aumento do processo de fragmentação das florestas ripárias. O desmatamento

tem evidenciado um processo de fragmentação da cobertura vegetal ao longo dos cursos d'água,

como a floresta aluvial inundável. Onde no passado havia uma cobertura vegetal contínua, agora

ela se mostra segmentada em vários fragmentos florestais. Entre os efeitos associados à

intensificação da perda de cobertura vegetal, destaca-se o agravamento desse processo de

fragmentação da vegetação associada à água, como a floresta aluvial, importante para a

ictiofauna. Esta ação da ameaça ambiental tem gerado uma série de efeitos sobre a biota dos

ecossistemas aquáticos, entre eles o isolamento genético de populações em fragmentos. A

interação animal-planta é fruto da longa história natural do processo evolutivo. Essas espécies

interagem de tal forma que passam a compor uma unidade, que é a comunidade ecológica.

Contudo, essa interação segue mecanismos rígidos de processos ecológicos, que poderão ser

afetados pelo processo de fragmentação e simplificação do habitat.

2.2.7 Aumento de espécies invasoras exógenas. Está bem documentado na literatura

científica que espécies como cães e gatos domésticos, cavalos e bovinos têm acompanhado a

colonização de novas áreas pelo homem. Espécies exóticas (oriundas de outras regiões) de

animais e plantas, introduzidas em áreas novas pela abertura de novas frentes de trabalho,

competem com as espécies silvestres, podendo trazer doenças infectocontagiosas e contribuindo

para a destruição e fragmentação dos hábitats aquáticos. As águas dos rios da Amazônia já

contam com organismos invasores introduzidos pelo lastro e pelo casco de grandes embarcações

e outros meios. Entre peixes invasores há registro de Trichogaster trichopterus, um

Osphronemidae asiático, que foi introduzido na região de Iquitos no Peru e hoje é muito

abundante – e há o temor que logo esteja disperso por toda a Amazônia. Além dessa, várias

outras espécies ornamentais exógenas estão em águas brasileiras e provavelmente estarão na

bacia amazônica em breve.

2.2.8 Mudanças climáticas: temperatura. As mudanças climáticas na Amazônia têm

sido detectadas e indicam alterações sofridas no último século, com aquecimento de 0,5 a 0,8°C

nas últimas décadas no século 20, mais especificamente um aquecimento de 0,63° por 100 anos

(Victoria et al., 1998).

2.2.9 Mudanças climáticas: precipitação. A tendência de precipitação na Amazônia

mostra variações entre as partes norte e sul da bacia. O período 1950-1976 foi úmido e desde

2001 a região tem experimentado um período seco (IPCC, 2001).

2.2.10 Mudanças climáticas: desmatamento. O desflorestamento da Amazônia acarreta

mudanças na precipitação da região, não só no padrão pluvial como também com maior

ocorrência de chuvas em áreas desmatadas. Com o desmatamento, as chuvas tendem a decrescer

no final da estação de chuva e a crescer no final da estação de seca (Chagnon & Bras, 2005).

Outros estudos apontam para uma intensificação de chuvas em toda a Amazônia. O fato é que

essas alterações influem nos ecossistemas aquáticos.

2.2.11 Mudanças climáticas: fenômenos El Niño e La Niña. Estes dois fenômenos

meteorológicos têm exercido influência no clima regional. El Niño tem sido associado com

condições secas no norte da Amazônia. La Niña está associado com chuvas e enchentes na

Colômbia e secas no sul do Brasil (Rao et al., 1986). Essa mesma tendência é observada para o

Pantanal, outro bioma com importância no fluxo hidrológico de rios para o funcionamento de

ecossistemas. No Pantanal também o fenômeno El Niño está associado a eventos de secas,

enquanto La Niña está associado a ocorrências de cheias (Alho & Silva, 2012).

18

2.2.12 Mudanças climáticas: previsões futuras. A informação hoje disponível na

literatura científica publicada permite projetar um aumento de 2 a 3º até o ano 2050 na

Amazônia, com menor precipitação durante os meses secos, inclusive com expansão desse

período. Isso poderá acarretar declínio na produtividade primária, obviamente afetando os

ecossistemas aquáticos (Friend et al., 1997). Essa tendência global de aquecimento do clima

poderá levar a uma frequência maior do fenômeno El Niño, com mais seca na Amazônia. Tal

tendência de maior seca poderá levar a alterações nos ecossistemas aquáticos, perda de hábitats e

de biodiversidade e, ainda, drástica mudança do bioma com características mais xéricas e menos

hídricas.

2.2.13 Mudanças climáticas: alteração da floresta e dos ecossistemas aquáticos com

perda da biodiversidade e de recursos naturais. Essas mudanças climáticas projetadas, com

base na informação científica disponível, impõem impactos negativos na atual característica da

cobertura vegetal da Amazônia, com reflexos nas alterações dos ecossistemas aquáticos e na

biodiversidade regional. O aquecimento e o efeito de maior seca, conjugados, exercem influência

no processo de evapotranspiração da floresta, o que influencia o clima regional e continental. Isso

tudo impacta negativamente os ecossistemas aquáticos. As consequências socioeconômicas são

também notadas (IPCC 2001). As manchas de Cerrado existentes na Amazônia tendem a se

expandir. A intensificação de incêndios florestais tende a se agravar.

2.2.14 Mudanças climáticas: aumento na temperatura da água. As informações

disponíveis preconizam que o aumento da temperatura deve também causar aumento da

temperatura da água dos ecossistemas aquáticos da Amazônia. Temperaturas mais elevadas

implicam também em redução de concentrações de oxigênio dissolvido, que são essenciais à vida

aquática (Carpenter et al., 1992). Essas alterações, por exemplo, associadas à introdução de

espécies exóticas, alteram as comunidades ecológicas de peixes, com prejuízos socioeconômicos

(Latini & Petrere Jr, 2004).

2.2.15 Mudanças climáticas: efeitos no fluxo hídrico. Os ecossistemas aquáticos da Amazônia,

como os ambientes de várzea, são caracterizados por uma sazonalidade anual com a constante

transição entre hábitats terrestres e aquáticos. A produtividade do ecossistema dá suporte à

biodiversidade e aos recursos naturais, como a pesca. A várzea depende do ritmo anual do fluxo

hídrico sazonal. A mudança climática ameaça o regime hídrico porque a água mais aquecida

resulta em mais intensa evaporação da superfície dos corpos d'água e também maior transpiração

da vegetação, acarretando um ciclo de água mais vigoroso (Allan et al. 2005). Os efeitos das

mudanças climáticas, fruto da associação de diversos fatores (como os mencionados acima) com

o desmatamento, trazem ameaças severas aos ecossistemas aquáticos. As mudanças no volume

total do fluxo de igarapés, pequenos e grandes rios, com variabilidade na escala de tempo, afetam

a frequência e a intensidade da inundação sazonal. Essa mudança em magnitude na distribuição

temporal do fluxo constitui ameaça aos ecossistemas aquáticos e à biodiversidade. Mais uma vez

convém enfatizar a importância dos recursos dos ecossistemas aquáticos para a pesca e seu valor

socioeconômico. Hoje em dia, o fluxo hídrico já é alterado pelo grande número de barragens para

usinas hidrelétricas de grande porte. Acresce a proliferação de pequenas centrais hidrelétricas que

estão sendo construídas e planejadas para os afluentes do rio Amazonas, que constituem um

enorme conjunto de fatores negativos impactantes para os ecossistemas aquáticos.

2.2.16 Mudanças climáticas: ciclagem de nutrientes. Os ecossistemas aquáticos são

dependentes dos nutrientes contidos na matéria orgânica (folhas caídas e outros) que são

19

carreados pela água para os igarapés e rios. As potenciais mudanças na fisionomia da floresta

podem ameaçar o fluxo de nutrientes para os ecossistemas terrestres.

2.2.17 Mudanças climáticas: saúde humana. A mudança na temperatura e na

fisionomia vegetal pode acarretar a proliferação de patógenos, tornando a população humana

ainda mais fragilizada e exposta a contaminações as mais diversas.

2.3 Cobertura vegetal associada aos ecossistemas aquáticos

O IBGE (1992) oficializou as diversas fisionomias vegetais da Amazônia. A Floresta Ombrófila

Aberta Submontana distribui-se por toda a Amazônia, ocorrendo com quatro tipos diferentes:

com palmeiras, com cipó, com sororoca e com bambu. São fisionomias situadas acima dos 100m

de altitude e não raras vezes chegando a cerca de 600m. Nessa altitude, ocorre raramente na

região dos ecossistemas aquáticos, contudo, nos vales profundos, de difícil acesso, é possível

encontrar enclaves de vegetação hidrófila com o aparecimento de indivíduos de açaí, sororoca e

paxiúba.

A Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas ocupa em geral os terrenos situados pouco acima

do nível do mar até a cota 100m nas planícies laterais aos rios principais, não inundadas

sazonalmente.

A Floresta Ombrófila Densa Aluvial ocorre ao longo dos cursos d’água. Esta fisionomia vegetal

está bem associada aos ecossistemas aquáticos. A vegetação cresce sobre solos de origem

hidromórfica, mal drenados e rasos. Podem ficar saturados durante as chuvas de inverno,

inundando o terreno. Algumas vezes é possível distinguir os canais de drenagem, produzindo um

relevo irregular em nível local. Nesse tipo de floresta são comuns as espécies que crescem sobre

solos não consolidados como a paxiúba e o açaí. Também é constituída por espécies de rápido

crescimento, em geral de casca lisa, tronco cônico, por vezes com a forma característica de botija

20

e raízes tabulares.

Foto 1. Floresta sazonalmente inundável (várzea). Quando as águas dos cursos dos rios transbordam e inundam as

florestas aluviais os peixes deixam os leitos dos rios para se alimentarem nestes ambientes nas estações de enchente e

cheia. (Foto Cleber Alho)

As florestas secundárias de formação original ombrófila incluem todos os fragmentos de floresta

ombrófila antropizados, de forma parcial ou total, e que se encontram em diversos estágios de

sucessão ecológica.

A Campirana também é um tipo de floresta alterada em regeneração, que é subdividida em três

subgrupos de formações: arbórea densa ou florestada, arbórea aberta ou arborizada e gramíneo

lenhosa.

As Formações Pioneiras com Influência Fluvial e/ou Lacustre são comunidades vegetais,

florestais ou não, das planícies aluviais que refletem os efeitos das cheias dos rios nas épocas

chuvosas ou, então, das depressões alagáveis todos os anos. O dossel é, geralmente, uni-

estratificado nas formações pioneiras arbóreas. O porte e a contribuição do estrato herbáceo são

determinados pela influência fluvial e pela cota altimétrica do terreno. Locais mais baixos e com

maior período de inundação favorecem formações pioneiras herbáceas.

Ambientes de pedrais (como são localmente conhecidos) em alguns rios da Amazônia, tais como

o Xingu, Iriri, Tapajós, Mapuera e Trombetas, é fisionomia especializada, em virtude das

condições limitantes onde ocorrem. Vegetam nas fraturas e falhas das rochas, onde se acumula

21

algum sedimento arenoso. Na estação de cheia, algumas das plantas ficam parcial ou totalmente

submersas. Na época seca, quando a vazão do rio diminui consideravelmente, as falhas e fraturas

dos afloramentos rochosos formam uma rede de canais que controla a drenagem, por onde a água

flui velozmente. A vegetação de pedrais vive fixada nessas falhas.

Entre as espécies que exploram com habilidade esse ambiente de pedrais está o camu-camu ou

caçari (Myrciaria dubia), um arbusto de até 5m de altura, bastante ramificado e com densa

folhagem na época da seca. Essa mirtácea medra nesse ambiente, formando extensas populações.

Seus frutos pequenos são considerados uma das mais importantes fontes de vitamina C da flora

amazônica. Seus frutos servem de alimento para a fauna aquática de peixes e quelônios.

A ocorrência de fitofisionomias de vegetação alteradas pela ação antrópica indicam ameaças à

estrutura e função dos ecossistemas aquáticos.

Foto 2. O corte seletivo de madeira para diversos usos e o desmatamento das florestas ripárias têm causado impactos

negativos relevantes aos nichos alimentares e reprodutivos de peixes. (Foto Cleber Alho)

2.4 Fauna silvestre associada aos ecossistemas aquáticos, incluindo peixes e pesca

2.4.1 Herpetofauna. A herpetofauna (anfíbios e répteis) é considerada um bom indicador

da qualidade dos ecossistemas aquáticos. A Floresta Amazônica é um dos maiores centros de

diversidade da herpetofauna do mundo. A região abriga aproximadamente 430 espécies de

anfíbios e 380 espécies de répteis. É contudo frequente na literatura científica o encontro e a

descrição de uma nova espécie.

22

Espécies da herpetofauna têm preferência por dois grandes grupos de ambientes, de acordo com

as preferências de habitat: um grupo florestal e outro de áreas abertas. Esse último grupo ocupa

pontos isolados de vegetação aberta, junto à calha dos rios e sujeitos a inundações sazonais,

constituídos por vegetação pioneira arbustiva-herbácea, periodicamente inundada (campos

naturais inundáveis). Algumas espécies de rãs como aquelas do gênero Dendrobates têm alta

especificidade ao habitat e baixa abundância de população e são consideradas espécies

indicadoras da qualidade do habitat.

2.4.2 Quelônios aquáticos. Os quelônios aquáticos são importantes nos ecossistemas

aquáticos não só como indicadores, mas principalmente porque são tradicionalmente consumidos

pelas populações ribeirinhas (Alho, 1985). As principais espécies de quelônios que têm valor

biológico e socioeconômico nos ecossistemas aquáticos da Amazônia são: a tartaruga

Podocnemis expansa, o tracajá Podocnemis unifilis, o pitiú Podocnemis sextuberculata, a irapuca

(Podocnemis erythrocephala), o cabeçudo (Peltocephalus dumeriliana), o muçuã (Kinosternon

scorpioides) e a aperema (Rhynoclemmys punctularia).

A tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) tem uma ampla distribuição na Amazônia,

estendendo-se por todo o rio Amazonas e Orinoco e seus afluentes. A tartaruga ocorre nos países

amazônicos Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. É

estritamente aquática e só sai da água para realizar a desova. Essa espécie habita os rios, lagos,

pântanos, ilhas e florestas inundáveis, dispersando-se isoladamente por esses ambientes para se

alimentar. São animais capazes de perceber o regime de vazante do rio e detectam o período

apropriado de estiagem (quando as praias ou tabuleiros aparecem), para iniciarem o ritual

comunal de comportamento de desova, numa sincronia entre o regime de vazante do rio e o

desencadeamento do comportamento de nidificação (Alho e Pádua, 1982a). É nessa fase, quando

os animais estão nos tabuleiros desovando, que as pessoas invadem as praias e fazem a "viração",

deixando o máximo possível de animais virados de plastrão para cima, carapaça para baixo, para

serem recolhidos, consumidos ou comercializados.

23

Foto 3. Tracajás e tartarugas são tradicionalmente consumidos pelos povos amazônicos. Os hábitats alimentares

como este e os reprodutivos (tabuleiros de desova) devem ser manejados e protegidos. (Foto Cleber Alho).

A incubação dos ovos na areia dura cerca de 49 dias depois da desova, a uma temperatura média

de 37ºC dentro da câmara de postura. Os filhotes eclodem e, estimulados pelas primeiras chuvas,

abandonam os ninhos de incubação e correm em direção à água (Alho e Pádua, 1982b; Alho,

1985). A temperatura de incubação é importante para a determinação do sexo da tartaruga.

Portanto, potencial mudança climática na temperatura pode influenciar o balanço de sexo destes

animais.

2.4.3 Avifauna. A Amazônia conta com uma significativa diversidade de aves, e como

este grupo é bem estudado, algumas espécies associadas à água constituem bons indicadores do

status dos ecossistemas aquáticos. Bons indicadores de qualidade de hábitat podem ser listados

como: a águia–real (Harpia harpyja); o uiraçu-falso (Morphnus guianensis); o jacu-estalo-escamoso

(Neomorphus squamiger), a jacupiranga (Penelope pileata), o limpa-folha-de-bico-virado

(Simoxenops ucayalae) e o puruchém (Synallaxis cherriei).

Algumas espécies de aves associadas aos ecossistemas aquáticos têm distribuições restritas a

estreitas faixas ao longo dos rios. A importância dos rios (e suas planícies de inundação) como

barreiras diminui com sua largura e com o aumento de capacidade de dispersão das aves. É o

conhecido “efeito barreira” que é marcadamente notável em espécies que habitam o interior da

floresta, tais como alguns formicarídeos de sub-bosque das florestas (por exemplo Phlegopsis

24

nigromaculata), cujas populações são efetivamente separadas, mesmo em faixas relativamente

estreitas dos rios.

Espécies de aves indicadoras de hábitats aquáticos estão intimamente associadas a ambientes

ripários. Ocorrem e se utilizam dos recursos presentes na região ribeirinha, entre elas: a cigana

(Opisthocomus hoazin), martim-pescadores Ceryle torquata e Chloroceryle spp., anu coroca

(Crotophaga major), urubuzinho (Chelidoptera tenebrosa), andorinhas Atticora fasciata e

Tachycineta albiventer, cardeal (Paroaria gularis) e, em especial, o tico-tico-cigarra

(Ammodramus aurifrons), espécie que se restringe aos campos das margens e ilhas dos grandes

rios amazônicos.

2.4.4 Mastofauna. Os mamíferos silvestres são importantes não só como indicadores de

hábitats associados aos ecossistemas aquáticos como também representam recursos de

subsistência socioeconômica por meio da caça. Na Amazônia ocorre um grande número de

espécies de mamíferos e, ocasionalmente, esse número vem subindo. É o caso do primata com

pelo negro batizado cientificamente de Cacajao ayresi, ou uacari-do-aracá, com distribuição no

rio Aracá (tributário do rio Negro), na fronteira do Brasil com a Venezuela.

Exemplos de mamíferos indicadores de qualidade de hábitat estão os primatas como o coatá-de-

testa-branca (Ateles marginatus) e o cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), que são

espécies mais vulneráveis aos efeitos antrópicos, especialmente por suas distribuições geográficas

restritas. Efeitos dos rios amazônicos como barreira que limita a distribuição de primatas podem

ser ilustrados com o caso de Ateles marginatus que é exclusiva do interflúvio Xingu-Tapajós.

Aliás, essa região experimenta ampla colonização humana devido à construção da rodovia

Santarém-Cuiabá. Há algumas espécies de mamíferos de distribuição mais restrita, como é o caso

do cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), restrito apenas às florestas da margem esquerda

do rio Xingu. Já a espécie de primata cuxiú-preto (Chiropotes satanas) ocorre apenas nas

florestas da margem direita do rio Xingu. Já Callithrix argentata e Saguinus niger, espécies com

preferência por clareiras nas florestas, costumam aumentar sua abundância no caso de

perturbações ambientais.

Na Amazônia existem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três distintas

Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis), a Ordem

Cetacea, com duas espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-tucuxi

(Sotalia fluviatilis) e a Ordem Carnivora, com duas espécies de mustelídeos aquáticos, a ariranha

(Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis). Estas espécies são indicadores de

ecossistemas aquáticos.

O peixe-boi é um herbívoro aquático endêmico da Amazônia, e como apresenta comportamento

bastante discreto, é difícil de ser observado no seu ambiente natural. As informações são obtidas

geralmente de forma indireta, por meio de entrevistas com os moradores locais, observação de

locais com presença de macrófitas aquáticas e semi-aquáticas (evidência de locais de

alimentação), presença de fezes, coleta de material ósseo ou carcaças, pele, mixira, fezes e outras

evidências da ocorrência da espécie.

25

Foto 4. Peixe-boi Trichechus inunguis é endêmico da bacia Amazônica, espécie ameaçada na categoria vulnerável.

Ocupa hábitat de várzea durante a cheia e se dispersa para igarapés ou canais de rios e lagos perenes durante a

estação de vazante e seca. (Foto Cleber Alho).

O boto-vermelho e o tucuxi são animais piscívoros, predadores no topo da cadeia alimentar e

perseguem suas presas. Por isso são potenciais espécies para atuar como indicadoras da qualidade

do ambiente aquático quanto à ocorrência de peixes e concentração de contaminantes ambientais.

2.4.5 Peixes e pesca. O rio Amazonas e seus tributários contêm a maior diversidade de

espécies de peixes entre as regiões ictiogeográficas do planeta, com destaque entre as 426

ecorregiões aquáticas continentais do globo terrestre (Abell et al.,2008).

Fatores históricos da geomorfologia da Amazônia devem ser considerados para o entendimento

da diversidade de peixes da região. Por exemplo, as evidências históricas sobre as ligações da

ictiofauna do rio Xingu com drenagens da periferia Amazônica, mostraram fortes evidências que

suportam a hipótese biogeográfica de macroescala. Essa hipótese relaciona as maiores afinidades

ictiofaunísticas entre os rios Xingu e Amazonas (para o oeste), Xingu, Orinoco e Guianas (para o

nordeste e norte) e Xingu e Tocantins (para o leste) aos eventos geológicos e climáticos que

moldaram as paisagens hidrográficas da Amazônia e sua periferia, especialmente a partir do

soerguimento dos Andes durante o Mioceno e das glaciações do Pleistoceno.

Acrescem, ainda, as sucessivas flutuações climáticas com consequentes alternâncias de períodos

frios e quentes que ocorreram na região amazônica, com variações de chuvas, com reflexo na

cobertura vegetal, levando a fragmentações e posteriores expansões de hábitats.

Os peixes típicos das várzeas amazônicas são o pirarucu Arapaima gigas e a pirapitinga

Piaractus brachypomus, além de outras espécies como Carnegiella strigata, Laemolyta varia,

Leporinus cylindriformis, Pseudanos trimaculatus, Centrodoras brachiatus, Trachydoras

steindachneri, Dianema longibarbis, Pseudepapterus cucuhyensis, Farlowella amazona,

26

Loricaria cataphracta, Henonemus punctatus, o grande bagre Pseudoplatystoma tigrinum, e os

peixes elétricos Rhamphichthys marmoratus e Sternarchorhamphus muelleri.

São reconhecidas duas categorias de movimento de peixes na Amazônia. Há as espécies

migradoras para as áreas marginais alagadas dos rios, no início da enchente, onde desovam. Entre

estas espécies estão os peixes de escama como o curimatã Prochilodus nigricans e as espécies de

pacu Myleus spp. A outra categoria de movimento dos cartumes é relacionada a migração de

longas distâncias do grandes bagres como a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) e a dourada

(Brachyplatystoma flavicans).

Entre os peixes que fazem movimento para as margens alagadas dos rios, no início da enchente,

destacam-se ainda as espécies de tucunarés (Cichla spp.), o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum),

o pirarucu (Arapaima gigas) além de outros peixes como pescada, acari e piranhas. Estas

espécies podem realizar pequenos movimentos laterais entre as áreas inundadas e o canal

principal do rio ou mesmo pequenos deslocamentos longitudinais dentro de um mesmo

macrohabitat.

Foto 5. Pirarucu Arapaima gigas muito pescado nos lagos da bacia amazônica. (Foto Cleber Alho).

Os peixes que fazem a migração de piracema, ao longo dos rios, como os grandes bagres, podem

percorrer dezenas ou milhares de quilômetros, para encontrar o sítio de reprodução. No alto

Solimões, Madeira ou Japurá, os bagres desovam entre maio e julho. As larvas desses peixes

aparentemente são carreadas pela correnteza do Amazonas, chegando meses depois ao estuário.

27

Contudo, em alguns rios como no Xingu, as espécies de bagres como o surubim

Pseudoplatystoma fasciatum, a pirarara Phractocephalus hemioliopterus e o filhote

Brachyplatystoma filamentosum parecem não precisar percorrer distâncias tão longas.

Os peixes que percorrem as áreas entre o curso dos rios e as partes sazonalmente inundáveis, no

início da enchente, compreendem os chamados peixes brancos, como o tambaqui (Colossoma), o

pacu (Mylossoma) e a curimatã (Prochilodus) entre outras, e os peixes pretos, com destaque para

o jaraqui (Semaprochilodus) e o matrinchã (Brycon). Os peixes brancos são mais ligados às

várzeas do rio principal, Solimões-Amazonas, ou de seus afluentes de águas brancas, como o

Madeira e o Purus e, realizam migração mais tardia que os peixes pretos, ligados

preferencialmente aos igapós dos afluentes de águas pretas e claras.

A migração não é só para reprodução nas áreas inundadas. Os cardumes procuram também

alimento (frutos caídos da floresta inundável, vegetação flutuante e outros itens) e fazem também

movimento de dispersão. Com o início da vazante os peixes retornam ao leito dos rios.

As migrações, contudo, não são tão padronizadas. Estudos em diversas bacias da Amazônia

mostram características locais. Nos tributários do baixo Amazonas, algumas migrações parecem

bastante distintas daqueles descritos para a Amazônia Central. Estudos sobre as migrações na

bacia do rio Tocantins detectaram a ocorrência de quatro variações nos padrões de migrações (1)

no baixo Tocantins; (2) no médio rio Tocantins e baixo rio Araguaia; (3) no médio Araguaia

abaixo da Ilha do Bananal e no médio – alto rio Araguaia acima da Ilha do Bananal. Afora as

especificidades locais, à semelhança da Amazônia Central, os cardumes no Tocantins e Araguaia

também sobem o canal principal durante toda a vazante. Durante a seca, entretanto, estes

cardumes se desagregam e os peixes pré-maduros se espalham por entre praias, pedrais e pauzadas

do canal principal. Quando o rio começa a subir, os cardumes se reúnem novamente e migram para

dentro dos tributários para desovar nas águas rasas com vegetação recém inundada (grotas).

Nas zonas de inundação, os peixes alimentam-se intensamente durante toda a estação cheia, para

produzir o estoque de gorduras que lhes facultará um novo ciclo migratório, durante o verão

seguinte. Grandes quantidades de caracídeos e silurídeos jovens também podem ser detectados em

lagos marginais. Se por um lado ainda há necessidade de melhor investigação sobre os padrões

particulares de migração, por outro lado deve-se ressaltar que o esforço pesqueiro perturba esses

movimentos migratórios.

Com relação aos ecossistemas aquáticos e suas peculiaridades sazonais, os peixes podem ser

definidos de acordo com suas estratégias alimentares e reprodutivas em:

Grupo sazonal, com espécies que se alimentam de frutos, folhas, insetos, e estão melhor

ajustadas à sazonalidade de enchente-vazante. A abundância relativa de cada espécies varia

em função do período hidrológico dos rios. São espécies com alto poder reprodutivo, ovos

pequenos e ausência de cuidado parental. Há sincronia com o regime hidrológico do rio para

maximizar a reprodução, desovando no início da enchente. Aproveitam-se da água subindo e

entrando pelos canais na floresta, com oferta de alimento e abrigo. Pertencem a este grupo:

curimatãs, pacus, branquinhas, tambaquis, aracus, piabas, candungas e uebas.

Grupo oportunista, com espécies de peixes geralmente pequenas, com ciclo de vida curto

e que atingem a maturação sexual rapidamente, como apapás, piranhas, pescadas, corvinas

e sardinhas. Praticam desovas parceladas e numerosas, sem apresentar cuidado da prole,

com rápida colonização de hábitats, mesmo em condições desfavoráveis e sob alta pressão

de predação. Ex: apapá, piranha, pescada, corvina, sardinha.

28

Grupo de equilíbrio, com espécies sedentárias, de distribuição local, geralmente

predadores ou onívoros, cuja disponibilidade de alimento sofre poucas mudanças sazonais.

Compõem este grupo: tucunarés, acarás e pirarucus, com época de desova prolongada,

fecundidade menor, ovos maiores, e um grande investimento energético na sobrevivência

da prole por meio de comportamentos especializados de acasalamento, construção de

ninhos e cuidado parental. Essa estratégia resulta na diminuição da mortalidade dos

alevinos, garantindo alta taxa de recrutamento dos jovens à população adulta, que apresenta

densidade estável durante todo o ano.

A pesca na Amazônia varia de região para região, mas é dividida em comercial (de vários níveis),

de subsistência e recreativa ou esportiva, além do extrativismo de peixes ornamentais. De tal

forma que os apetrechos de pesca variam em função desses tipos de pesca, sendo que para

atendimento dos grandes centros urbanos como Manaus, Belém, Porto Velho, Santarém e outros,

a pesca comercial tem-se valido de meios tecnológicos para detectar cardumes e embarcações

aparelhadas.

O valor do peixe para a pesca recai sobre um número relativamente pequeno de espécies

(estimado em cerca de 200 na Amazônia), em comparação à alta diversidade de peixes regionais.

E o valor de mercado ou de consumo também varia como é regra geral na pesca.

Foto 6. Peixes capturados e comercializados na Amazônia. (Foto Cleber Alho)

29

Importante enfatizar que a pesca para consumo cumpre importante papel social e econômico na

Amazônia, além de garantir suprimento proteico de baixo custo para as populações humanas mais

carentes. Ao mesmo tempo, a pesca de peixes ornamentais na Amazônia representa uma

importante fonte socioeconômica para a gente local. O mercado de peixes ornamentais vem

apresentando uma demanda crescente no mercado internacional e as espécies amazônicas

desempenham papel preponderante no mercado de peixes de aquário.

A pesca de peixes ornamentais teve início nos anos 30, mas prosperou na década de 50, no

município de Benjamin Constant, fronteira entre Peru e Colômbia, sendo posteriormente

ampliada para todo o Estado do Amazonas, atualmente responsável por cerca de 90% de toda a

produção. O Estado do Pará é o segundo mais importante produtor de peixes ornamentais.

Um outro problema grave que tem ocorrido muito no Brasil, com potencial de se estender para a

Amazônia, é a hibridação de espécies. Por exemplo, o surubi (Pseudoplatystoma fasciatum) e a

cachara (Pseudoplatystoma corruscans) foram hibridizados por piscicultores e escaparam para os

rios. Agora já se capturam híbridos na natureza. Outro caso semelhante é o tambacu, hídrido de

tambaqui e pacu.

2.5 Identificação, caracterização e avaliação das ameaças prioritárias aos ecossistemas

aquáticos diante da ação antrópica

2.5.1 Conceituação como ferramenta de trabalho. A identificação, caracterização e a

avaliação das ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos constituem um instrumento para

alcançar o plano de ações estratégicas. Essa identificação, caracterização e avaliação das ameaças

visam, portanto, designar instrumentos para a execução de políticas e de gestão ambiental para

subsidiar o planejamento de uma determinada ameaça potencialmente modificadora do meio

ambiente aquático, em conjunto com outras ameaças que ocorrem nos ecossistemas. Algumas

dessas ameaças aos ecossistemas aquáticos são de natureza técnico-científica, como aquelas que

interferem na estrutura e função dos ecossistemas. Outras são de natureza político-adminstrativa,

como algumas ameaças que podem ser previstas e evitadas. Neste caso, muitas vezes se referem

às normas legais que devem ser implementadas e obedecidas.

O primeiro passo da identificação da ameaça recai sobre a consequência negativa para o

ecossistema aquático que se deseja caracterizar e avaliar. Prossegue para entender como se

caracterizam as ações causadoras dessas consequências da ameaça e como essas consequências

poderão se manifestar, tanto para o ecossistema aquático como também nas sequelas

socioambientais para as comunidades humanas locais.

Deste modo, ameaça ao ecossistema aquático é compreendida com qualquer alteração

significativa a esse ecossistema, provocada pela ação do homem, e que potencialmente acarreta

sequelas socioeconômicas às populações humanas locais. Neste sentido, uma dada modificação

imposta ao ecossistema aquático pela ação do homem, em uma determinada região, acarreta em

consequência, um significado não só pela ameaça em si ao ecossistema, mas também para os

aspectos socioeconômicos das interações sociais aí verificadas.

A quantificação do efeito da ameaça analisada é de certo modo subjetiva, envolvendo avaliações

não só de ordem ecológica, mas também socioeconômica. Portanto, a variável ambiental da

ameaça se traduz pela inserção dos meios físico-químico (solo, qualidade da água etc.), biótico

(vegetação inundável, fauna aquática etc.) e socioeconômico (pesca, extrativismo etc.).

30

Nos ecossistemas há uma interação holística organizada na dinâmica entre os meios bióticos e

abióticos. No enfoque de uso de recursos naturais, na relação produtor (ecossistema) e

consumidor (necessidade humana), as variáveis de quantidade, qualidade e temporalidade desses

recursos sendo extraídos para o consumo humano deverão atender a padrões de sustentabilidade.

Caso isso não seja respeitado, o recurso se exaure pelo uso predatório, não sustentável. Portanto,

além dos padrões ecológicos, devem ser consideradas as necessidades de consumo humano no

sistema natural.

Concluindo, um ecossistema aquático em condições naturais é um sistema dinâmico e

equilibrado, cujos componentes abióticos (solo, água, clima etc.) interagem com os componentes

bióticos (comunidades ecológicas e populações de micro-organismos, plantas e animais). Quando

a necessidade humana é inserida neste sistema, na visão produtor-consumidor, a interatividade

das variáveis de consumo deve ainda ser buscada, com regras de manejo adequado, na busca da

sustentabilidade do sistema, a fim de evitar o uso predatório, não sustentável, de determinado

recurso. O passo inicial é preparar uma lista preliminar das ameaças, com base no conhecimento

existente. As ameaças ambientais estão descritas na forma de texto corrido.

2.5.2 Quanto à caracterização das ameaças com relação às ações antrópicas focadas

nas fontes geradoras de uma ameaça específica, a ameaça pode ser direta ou indireta.

Ação antrópica direta – é a alteração no ecossistema aquático decorrente da ação

negativa da atividade humana, sendo uma ameaça de primeira ordem. Exemplo:

sobrepesca.

Ação antrópica indireta – é a alteração decorrente da consequência de uma ameaça

direta, sendo uma ameaça secundária. Exemplo: alteração na estrutura da comunidade

ecológica de peixes do ecossistema.

2.5.3 Quanto à caracterização da localização da ameaça:

Pontual – a ameaça se manifesta exclusivamente num ponto geográfico específico.

Exemplo: extrativismo predatório de peixe ornamental endêmico.

Local – a ameaça se manifesta em uma área ampla, porém localizada. Por exemplo:

ameaça de caça predatória a um animal típico de um grande interflúvio.

Regional – a ameaça tem característica de ocorrência em toda a bacia amazônica.

Exemplo: desmatamento com alteração de hábitat aquático.

2.5.4 Quanto à caracterização da duração da ameaça:

Temporária – a ameaça é passível de ocorrer somente num determinado período de

tempo. Exemplo: derramamento de óleo num corpo d’água.

Permanente – a ameaça persiste por um longo período de tempo, causando estresse

duradouro ao ecossistema aquático. Exemplo: coleta de ovos e tartarugas adultas nas

praias de desova durante anos seguidos, conforme costume da região.

2.5.5 Quanto à magnitude da ameaça (a grandeza de uma ameaça em termos

absolutos):

Magnitude alta - Exemplo: pesca predatória permanente e não sustentável

Magnitude média - Exemplo: Pesca predatória esportiva ocasional

31

Magnitude baixa – Exemplo: Despejo ocasional de óleo de motor em local de pesca

2.5.6 Quanto à reversibilidade da ameaça:

Reversível no curto prazo – quando por ação de manejo ou não a ameaça cessa e o

ecossistema aquático se recupera em curto espaço de tempo. Exemplo: Coleta ocasional

de ovos de quelônios em praia de desova.

Reversível no médio/longo prazo – quando o processo da ameaça atenua ou cessa e o

ecossistema vai-se paulatinamente recuperando em médio prazo. Exemplo: Elaboração e

implantação de um plano de manejo para pesca sustentável numa região, em substituição

à pesca predatória.

Irreversível – quando a ameaça persiste e não há como revertê-la. Exemplo: degradação

de igarapés em área urbana em expansão.

Deve-se observar que a questão da reversibilidade estará ligada à eficácia da implementação do

plano de ações estratégicas.

2.5.7 Quanto à relevância da ameaça (que é aferida em função da importância da

variável ambiental para o benefício ambiental e socioeconômico):

Relevância baixa – a alteração na variável ambiental é passível de ser percebida e/ou

verificada (medida) sem, entretanto, caracterizar ganhos e/ou perdas na qualidade

ambiental da área considerada, se comparados ao cenário ambiental diagnosticado.

Exemplo: Plano de manejo para pesca de peixes ornamentais sem o adequado

entrosamento com a gente local.

Relevância média – a alteração na variável ambiental é passível de ser percebida ou

verificada (medida), caracterizando ganhos e/ou perdas na qualidade ambiental da área

considerada, se comparados ao cenário ambiental diagnosticado. Exemplo: Plano de

manejo para pesca ornamental que exige um prazo considerável de recuperação da área

para obter o benefício socioeconômico.

Relevância alta – a alteração na variável ambiental é passível de ser percebida e/ou

verificada (medida), caracterizando ganhos e/ou perdas expressivos na qualidade

ambiental da área considerada, se comparados ao cenário ambiental diagnosticado. Plano

de manejo integrado com pesquisa biotecnológica e de mercado para peixes ornamentais

com claros benefícios ambientais e socioeconômicos.

2.6 Foco nas ameaças aos ecossistemas aquáticos: destaque para peixes, pesca e quelônios

O presente projeto considera o fato importante de que as ameaças ambientais atreladas aos

ecossistemas aquáticos são muito diversas e abrangem uma área extensa da Amazônia. Portanto,

no sentido de tornar as ações estratégicas exequíveis e praticáveis, o termo de referência vai

concentrando o foco das ações em ameaças ligadas à pesca e, ainda, para poder qualificar essas

ameaças, o projeto procura ainda limitar essas ameaças em pontos focais da Amazônia.

Neste ponto, é fundamental ressaltar dois focos importantes do Projeto. O primeiro é para

verificar em locais designados as ameaças aos ecossistemas aquáticos, de modo a permitir a

avaliação dessas ameaças, incluindo os componentes ecológicos e socioeconômicos. Fase

experimental. O segundo tem como objetivo expandir as experiências e as ações do plano de

ações estratégicas do Projeto através de um processo de disseminação, ampliando o foco para

32

além da área das três sub-bacias experimentais designadas, para toda a Amazônia,

compreendendo o conjunto dos oito países que compartilham a bacia amazônica, membros da

OTCA. Fase de ações estratégicas.

2.6.1 Projeto AquaBio. Com este propósito, o termo de referência deste Projeto

recomenda a integração com o objetivo do Projeto-GEF AquaBio (MANEJO INTEGRADO DA

BIODIVERSIDADE AQUÁTICA E DOS RECURSOS HÍDRICOS NA AMAZÔNIA) que

estabelece:

"promover ações estratégicas para a implantação da Gestão Integrada da

Biodiversidade Aquática e dos Recursos Hídricos − que internalizem os objetivos

de conservação e uso sustentável da biodiversidade aquática nas políticas e

programas de desenvolvimento sustentável da Amazônia."

Coincidentemente, uma preocupação apontada pelo AquaBio é a grande extensão e diversidade

dos ecossistemas amazônicos, que faz com que a eficiência da aplicação de planos e políticas

estabelecidas fique prejudicada na medida em que elas não se ajustam às características locais da

ecologia, cultura, e organização social. Os ecossistemas aquáticos dos rios de águas brancas, ricos

em nutrientes (como os rios Solimões/Amazonas), e aqueles dos rios de águas claras (e.g. Xingu

e Tocantins) e pretas (Rio Negro), caracterizados pela oligotrofia do ambiente aquático,

necessitam de alternativas e propostas diferenciadas de conservação e uso sustentável dos seus

recursos aquáticos.

2.6.2 As ameaças designadas pelo AquaBio compreendem a conjunção de uma série de

fatores tais como:

Uso direto dos recursos aquáticos em níveis não sustentáveis, por atividades de caça

(quelônios, peixe-boi) e pesca (comercial, ornamental, esportiva), apontando sobre-

exploração de algumas espécies tais como tambaqui, piramutaba, tucunaré e pirarucu;

Desmatamento para uso direto da madeira e para implantação de atividades

agropecuárias. Neste avanço da fronteira agrícola, se destacam o uso de técnicas

modernas e mecanizadas para o plantio de soja e algodão e a pecuária extensiva em áreas

de terra-firme e de búfalos em áreas inundáveis (várzeas), resultando no assoreamento de

rios e igarapés, perda do habitat aquático de várias espécies devido ao corte da vegetação

de galeria, poluição da água por agrotóxicos e óleo de máquinas agrícolas;

Crescente urbanização, com aumento do lançamento nos leitos dos rios de dejetos

orgânicos, além de dejetos sólidos (lixo);

Construção de infraestruturas específicas, tais como hidrelétricas e hidrovias (causando

mudanças no regime hidrológico), linhas de transmissão, estradas, gasodutos e projetos

de irrigação;

Atividades de mineração, incluindo garimpo e extração de areia e seixos.

O AquaBio considera que a adoção de medidas eficazes para a solução das questões acima

citadas está associada a uma série de dificuldades/barreiras à resolução das ameaças. As

principais barreiras à resolução de problemas e conflitos de uso e manejo da biodiversidade

aquática da Amazônia podem ser sistematizadas em quatro grandes grupos:

Uso direto dos recursos aquáticos em níveis não sustentáveis pelas atividades de caça

(quelônios, peixe-boi) e pesca (comercial, ornamental, esportiva), apontando sobre-

exploração de algumas espécies, tais como o tambaqui (Colossoma macropomum),

33

piramutaba (Brachyplatystoma vaillanti), filhote (Brachyplatystoma filamentosum) e

pirarucu (Arapaima gigas);

Desmatamento para uso direto da madeira e para implantação de atividades

agropecuárias. Neste avanço da fronteira agrícola, se destacam o uso de técnicas

modernas e mecanizadas no plantio de culturas como soja e algodão, a pecuária extensiva

em áreas de terra firme e a criação de búfalos em áreas inundáveis (várzeas), resultando

no assoreamento de rios e igarapés, perda do hábitat aquático de várias espécies por causa

do corte da mata ciliar, poluição da água por agrotóxicos e óleo de máquinas agrícolas;

Crescente urbanização, com aumento do lançamento de dejetos orgânicos e sólidos (lixo)

nas águas;

Construção de infraestruturas específicas, tais como hidrelétricas e hidrovias (causando

mudanças no regime hidrológico), linhas de transmissão, estradas, gasodutos e projetos de

irrigação;

Atividades de mineração, incluindo garimpo e extração de areia e seixos.

2.6.3 As áreas designadas para as atividades demonstrativas incluem:

Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da cabeceira do Rio Xingu

Os ecossistemas aquáticos (águas escuras) da região de Barcelos do (médio/baixo) Rio

Negro

Os ecossistemas aquáticos (águas claras) da região do baixo Rio Tocantins próxima a

Tucuruí.

Os fatores de estresse ou conflitos identificados nesses trechos designados são:

No médio e baixo Rio Negro:

Conflitos entre a pesca ribeirinha e a comercial, especialmente onde as pescarias

estão limitadas a locais fora de áreas protegidas, aumentando desta forma a

competição dos usuários pelo recurso pesqueiro;

Conflitos entre a pesca de subsistência praticada pelos ribeirinhos e a pesca

esportiva, já que alguns rios foram “fechados” para a pesca de subsistência, de

forma a assegurar a disponibilidade de grandes espécimes para a pesca esportiva;

Conflitos entre “piabeiros” (pescadores que se dedicam à captura de peixes

ornamentais) e autoridades ambientais, e também com outros tipos de pescaria.

Nas cabeceiras do Rio Xingu:

Conflitos entre ribeirinhos/pequenos agricultores e as grandes fazendas (de

pecuária e com operações mecanizadas de agricultura);

Conflitos sobre a qualidade ambiental e da saúde entre populações no entorno do

Parque Indígena do Xingu e os povos indígenas que vivem no Parque.

No baixo Rio Tocantins: Conflitos entre pescadores sobre o uso dos estoques reduzidos de peixes após a

construção da UHE Tucuruí;

Conflitos entre comunidades locais e administradores da usina hidrelétrica sobre a

implementação de medidas apropriadas para compensar os impactos negativos sobre as

atividades econômicas e a qualidade de vida no trecho do rio à jusante da barragem.

Desse modo, a metodologia para qualificação das ameaças específicas será conduzida para a

pesca (comercial, ornamental, esportiva) e para quelônios aquáticos nessas áreas designadas.

34

Como o presente projeto tem tópicos de abordagem sobre as ameaças, fatores ou instrumentos

socioeconômicos e designação de áreas prioritárias ou hotspots, estes tópicos vão sendo

entrelaçados no decorrer deste estudo, na direção dos indicadores para o plano de ação

estratégica. Por exemplo, a análise qualitativa das ameaças específicas, conforme já descritas aqui

no item 2.3 só deverá ser concluída quando se avançar no tema socioeconômico e principalmente,

no tópico de áreas prioritárias ou hotspots. Esses aspectos, inclusive, implicarão também em

visita ao local para trabalho de campo.

O público alvo do projeto constitui-se por povos ribeirinhos das áreas designadas dos rios Negro

e Tocantins e, ainda, das cabeceiras do rio Xingu.

2.7 Prognóstico do efeito das ameaças ambientais no contexto amazônico

Este tópico é para fazer uma breve abordagem integrada das ameaças ambientais na região

amazônica frente aos cenários atual e futuro, descrevendo:

Tendências do cenário da qualidade ambiental face às ameaças e

Tendências previstas diante de um cenário de implementação de um plano de ações

estratégicas para fazer face às ameaças.

O diagnóstico de tendências toma como base a ocupação histórica da região da várzea amazônica,

as ameaças ambientais aqui descritas e, na projeção futura em particular, as ameaças relacionadas

às mudanças climáticas.

A ocupação da região se intensificou a partir da década de 70, sendo os principais vetores de

ocupação a abertura de rodovias no início da década, os projetos privados de colonização nos

anos oitenta e, mais recentemente, a expansão da pecuária e agricultura.

Em geral, a região experimentou crescimento demográfico variando de mediano a elevado, com

altas taxas de urbanização, acompanhado, no entanto, por Índices de Desenvolvimento Humano

(IDH) que não ultrapassam 60%, com enormes carências, em especial, no tocante às condições de

saneamento.

Diante dos indutores do processo de ocupação descritos neste documento, ocorreu uma pressão

crescente sobre os recursos naturais, com destaque para a cobertura vegetal, em particular as

matas aluviais associadas à água, levando a taxas de desflorestamentos significativas. Houve uma

transição entre a economia da várzea para a de terra-firme, com conversão da floresta em

pastagens para a pecuária e campos agrícolas, com a entrada da soja. No Brasil, essa área da

floresta alterada ou convertida ficou conhecida como o "Arco do Desmatamento".

Ao mesmo tempo, em toda a região, as atividades econômicas continuaram representadas pelo

extrativismo florestal, caça e pesca, além de pequenas roças e extensões restritas de áreas

desprovidas de cobertura, relacionadas às aldeias.

Quanto às áreas oficialmente protegidas, unidades de conservação e terras indígenas, face à

precariedade de fiscalização, em algumas houve e ainda tem havido problemas de invasões de

madeireiros para corte de madeira ou de garimpeiros.

O prognóstico aponta para as principais preocupações com a intensificação dos extensos e

contínuos desflorestamentos até hoje já identificados, ainda que em graus diferenciados de

relevância, nas diferentes unidades de paisagem, incluindo as coberturas vegetais associadas à

água. As dificuldades de controle dessas ações predatórias associam-se à precária regularização

fundiária, à grilagem de terras públicas, à contratação irregular de mão de obra e aos baixos

35

custos do processo e deverão perdurar no cenário futuro, a não ser que seja incrementado o

processo de fiscalização na região.

Devem-se ressaltar também as modificações que ocorrem nas áreas de nascentes de grandes rios

da bacia amazônica. Por exemplo, no caso do rio Xingu, enquanto tem havido reconhecido

incremento de atividade econômica, por outro lado os efeitos ambientais têm sido consideráveis.

Daqui para o futuro, o compartimento Alto Xingu deverá continuar a apresentar o ritmo mais

significativo de crescimento, também favorecido pelo aumento demográfico do município de

Sinop (MT) e de seu efeito polarizador. Vale aqui ressaltar o efeito desta polarização sobre o

crescimento demográfico de Sinop, que, em conjunto com o município de Sorriso, foram os

únicos na porção mato-grossense da região de nascentes que continuaram a apresentar um

crescimento acelerado no período 2000/2007 em relação àquele de 1996/2000.

Toda essa região experimentou uma expansão na produção de grãos, em cadeias produtivas de

expressivo valor agregado. Esses setores, até em função da grande escala de produção, interesse

privado e investimentos públicos para expansão da balança comercial brasileira, criam mercados

de trabalho e de fornecimento de serviços e produtos para seu próprio funcionamento, ampliando

a formalização de todo o processo produtivo e contribuindo para a elevação dos patamares de

rendimento econômico.

Com isso, é oportuno ressaltar a tendência de intensificação do desflorestamento sobre as

formações savânicas (Cerrado) presentes na porção correspondente às cabeceiras dos formadores

do rio Xingu (rios Kuluene, Tanguro, Kurisevo e Ronuro) desencadeando um processo erosivo e

de deposição de sedimentos, o que leva a um potencial comprometimento das nascentes e várzeas

aí presentes, inclusive no interior de terras indígenas.

Deve-se aqui considerar que os rios da bacia do Xingu apresentam variações importantes de

vazão ao longo do ciclo hidrológico, o que implica em variações na disponibilidade hídrica

durante o ano, com as maiores restrições nos meses de julho a outubro. Com a intensificação das

atividades agrícolas na região, e como os solos do Cerrado necessitam de correção e adubação

para serem adequadamente aproveitados para essas atividades, tem havido uma potencial ameaça

de contaminação dos corpos d'água por fertilizantes e defensivos agrícolas. Isso representa

ameaças continuadas sobre a qualidade das águas, pois pode-se esperar importante aporte de

insumos aos corpos hídricos, o que determina alterações significativas nos cursos d’água,

causadas pelos efeitos adversos também decorrentes da supressão da cobertura vegetal no

Cerrado e no ecótone Cerrado-Amazônia.

Em conclusão, esse processo de alteração e ameaças ambientais nas regiões de nascentes e

formadores de rios da Amazônia tem mostrado o acirramento desse processo de alteração

deletéria na qualidade de diferentes serviços ambientais associados aos recursos hídricos.

Os processos de ocupação do solo da Amazônia por grandes empreendimentos têm trazido

conflitos com pequenos produtores, que desenvolvem atividades ligadas à agricultura de

subsistência; com colonos que utilizam mão de obra externa e que não dependem da mão de obra

familiar, desenvolvendo atividades associadas à criação de gado e à especulação da terra; com a

população ribeirinha localizada às margens dos rios, desenvolvendo atividades extrativistas como

a pesca e a coleta da castanha; e com a população indígena.

Por outro lado, tem havido progresso no processo de harmonia entre os interesses de

comunidades humanas ribeirinhas e novos projetos visando o uso sustentável de recursos. A

36

implantação das Reservas Extrativistas e várias outras atividades, como o Projeto Mamirauá, têm

alcançado resultados estimulantes.

2.7.1 Áreas protegidas. Acresce, ainda, a implantação das unidades de conservação por

meio dos oito países membros da OTCA, cujas áreas protegidas têm contribuído para a proteção

dos serviços ecossistêmicos prestados pelo bioma Amazônia à sociedade. Essa proteção

diversificada das diversas fisionomias naturais da região pode, ainda, garantir potenciais

benefícios para a sociedade no que tange a novos fármacos, cosméticos, fontes de alimento e

outros itens que podem ser alvo das pesquisas em biotecnologia. Ao mesmo tempo, as terras

indígenas preservam a cultura e o conhecimento tradicional de várias etnias que evoluíram em

harmonia com a natureza. Portanto, esse esforço em proteger parcelas representativas da

Amazônia reflete a preocupação com o futuro quanto à heterogeneidade da paisagem, da

diversidade e do fluxo gênico, dos processos ecológicos e evolutivos e da função dos

ecossistemas para benefício da sociedade, incluindo os povos ribeirinhos.

2.7.2 Pesca. A diversidade de peixes na Amazônia é reconhecida e a pesca tem

representado recurso fundamental para vários segmentos dos povos da floresta. A pesca é

importante tanto para consumo local como meio de transação comercial, incluindo também o

extrativismo de peixes ornamentais. Contudo, em várias regiões, esses recursos pesqueiros já

mostram sinais de exaustão, face à exploração predatória, não sustentável, com prejuízo

socioeconômico.

Em síntese, as políticas públicas para a atividade comercial se limitam ao tradicional sistema de

proibição durante a época da reprodução dos peixes, o conhecido “defeso”, que ocorre no final do

ano, para boa parte da região amazônica. O “defeso” visa no Brasil, por exemplo, proteger os

estoques de peixes que estão em reprodução na época da desova, durante a enchente das águas

dos rios e lagos. Essa medida é considerada por muitos como “paternalista”, de cunho social, já

que os pescadores recebem um salário mínimo durante dois ou três meses no ano, para deixarem

de pescar nesse período.

A realidade é que existe enorme dificuldade em fiscalizar e monitorar esse processo, tanto no que

tange ao efeito desta medida para o desenvolvimento socioeconômico dos pescadores, ou mesmo

para a conservação dos estoques pesqueiros que a medida se propõe a proteger. Além disso,

mecanismos de financiamento a juros baixos propiciam o aumento do esforço pesqueiro, através

do incremento do número de barcos e de novas artes ou apetrechos de pesca. Também neste caso,

não existe monitoramento do efeito desta política para a sustentabilidade do setor.

Tradicionalmente, a pesca na Amazônia limitou-se à atividade artesanal para suprir a demanda

local por peixe fresco ou em pequena quantidade o peixe salgado, como o pirarucu. Essa

tendência foi observada até o final da década de 60. A partir desse período, a demanda cresceu e

frigoríferos começaram a ser instalados para comprar o peixe dos pescadores da frota tradicional.

O passo seguinte, um pouco mais tarde, foi o fortalecimento da frota de pesca industrial,

equipada com aparelhagem moderna, para suprir os grandes centros urbanos.

Os barcos da pesca industrial são bem diferentes daquelas embarcações dos pequenos pescadores

ribeirinhos tradicionais. São equipados com motores possantes, GPS, sonar, radar, ecossondas

(instrumentos que utilizam os princípios da acústica, principalmente do comportamento das

ondas de som na água, para detectar cardumes). Têm grande capacidade de deslocamento e

armazenamento de peixes congelados.

37

Embora as atividades de pesca artesanal de subsistência ou de comércio em pequena escala ainda

persistam em toda a Amazônia, o advento da pesca industrial trouxe impacto no contexto

socioeconômico local, gerando conflitos em diversas regiões. Além desse confronto direto entre a

pesca industrial e a artesanal, há locais onde a sobrepesca já mostra indícios de ocorrer. Por

exemplo, a captura de piramutaba, dourada, tambaqui, surubim e pirarucu já apresentam sinais de

esgotamento em diversos locais antes abundantes.

Além da sobrepesca, há ainda outras ameaças identificadas tais como: aumento de pescadores

(artesanais, comerciais, esportistas, extrativistas), gerando conflitos entre eles em várias regiões;

uso de procedimentos de pesca nocivos ao meio ambiente como o emprego de venenos, bombas,

arrastões e outros; desmatamentos das margens dos cursos d'água (criação de gado, plantios,

exploração de madeira etc.) produzindo efeitos colaterais como eliminação de hábitats

alimentares de peixes, erosão, alteração da qualidade da água.

Foto 7. O aumento da demanda pelo pescado, principalmente para satisfazer o mercado dos grandes centros urbanos

tem levado a conflitos entre a pesca industrial e a tradicional de subsistência. (Foto Cleber Alho)

A pesca artesanal é feita com o auxílio de pequenas embarcações, incluindo canoas e outras

barcas de madeira ou outro material, quase sempre motorizadas, e muitas com capacidade de

armazenamento de peixes resfriados com gelo, que é comprado nas cidades vizinhas. A pesca

artesanal se caracteriza pelo uso variado de modalidades de apetrechos de pesca, que variam em

função do regime dos rios (enchente, cheia, vazante, seca) ou são adaptadas em função do

ambiente de pesca e do alvo da pescaria. Redes de malha ou "malhadeiras" são normalmente

38

muito usadas, como também linhas com anzóis ou espinhel. A pesca artesanal é difusa, isto é, os

desembarques pesqueiros são feitos de acordo com a oportunidade, sem pontos fixos e sem

estrutura ou instalações para o desembarque do produto pescado.

Tem sido reconhecido na literatura que a dependência que o pequeno pescador artesanal tem dos

recursos da pesca o conduz a problemas socioeconômicos como a pobreza e a marginalização

social, diante do avanço da pesca comercial, da degradação ambiental dos ecossistemas aquáticos

e da flutuação sazonal dos recursos pesqueiros.

Há estudos que não recomendam simplesmente o incentivo ao aumento da produtividade da

pesca na Amazônia por reconhecerem os conflitos ou ameaças ora presentes. O problema é

complexo para atingir um manejo de pesca sustentável, tanto para proteger os ecossistemas

aquáticos das ameaças ambientais quanto para atingir o interesse socioeconômico dos diversos

pescadores e da gente local. Há recomendações para uma mudança na estratégia de manejo,

visando:

Focar na melhor distribuição de renda do pescado;

Contemplar a participação mais ativa dos atores envolvidos nas decisões sobre essas

estratégias ou políticas de pesca, considerando que o ribeirinho e o pescador conhecem

por tradição o ambiente onde vivem e dele dependem;

Estabelecer um processo de educação que leve à qualificação profissional do pescador,

incluindo a questão de conscientização ambiental.

O fato marcante é que a pesca na Amazônia não mais se desenvolve naquele cenário tranquilo de

décadas passadas. Os conflitos são evidentes e se refletem nos seguintes aspectos:

Territorialidade ou proteção que os pescadores procuram fazer de uma determinada área

de pesca como seu território exclusivo e defendido da atuação nesse espaço da

participação de outros pescadores (envolvendo a disputa entre pescadores artesanais,

comerciais, industriais, esportistas, atividades extrativistas e outras);

Essa territorialidade varia em função da estação sazonal (enchente, cheia, vazante, seca) e

do alvo (tipo de peixe) da pesca;

A marcação do território da pesca implica sempre em fazer respeitar o seu próprio

território pesqueiro contra potenciais invasores, ao mesmo tempo em que respeita o

território ou ponto de pesca do vizinho.

Os limites desses territórios ou pontos de pesca são simbólicos, designados pela tradição

da pesca familiar ou da pesca em parceria.

Esse sistema tradicional da pesca tem sido violado pela competição, particularmente pela

maior atuação da pesca comercial e industrial, gerando conflitos.

Paralelamente, para fazer face a essas invasões de território e conflitos, os pescadores

tradicionais têm-se organizado em colônias de pesca, em associações ou cooperativas.

Contudo, a competição tem girado mais em torno da defesa dos interesses meramente

socioeconômicos da pesca ou do produto da pesca, muitas vezes em detrimento ou da

negligência relativa aos efeitos negativos sobre os ecossistemas aquáticos.

De fato, ao mesmo tempo, outros impactos negativos que diretamente afetam os

ecossistemas aquáticos e indiretamente impactam a pesca, têm-se manifestado, sendo o

principal o desmatamento das matas ripárias, como a floresta aluvial.

Em consequência, ocorre o assoreamento de pequenos rios ou igarapés, desbarrancamento

de margens de rios e lagos, afetando a turbidez e qualidade da água.

39

Diante disso, os peixes que dependem da migração lateral, isto é, aquelas espécies de

peixes que durante a enchente e cheia deixam o leito dos rios para se alimentarem na

floresta sazonalmente inundável ficam prejudicados pela alteração ou eliminação de seus

hábitats alimentares e reprodutivos. Frutos, folhas e sementes, derivados de florestas e

campos alagados, algas planctônicas e perifíticas, que crescem nos ambientes lacustres e

nas áreas alagadas menos sombreadas, são as principais fontes de energia primária para a

cadeia trófica aquática amazônica.

Diante deste cenário, ocorrem conflitos entre pescadores e fazendeiros vizinhos aos

pontos de pesca.

Com a expansão demográfica, os esgotos sanitários das vilas e cidades contaminam os

corpos d'água, assim como as atividades de mineração, além de agrotóxicos, pesticidas e

herbicidas oriundos de atividades agrícolas próximos aos corpos d'água.

A intensificação do tráfego de embarcações perturba o movimento da água, produz

barulho e, em muitos casos, há derramamento de óleo e outros desejos na água, afetando

peixes e quelônios, principalmente na época da reprodução de tartarugas e tracajás na

estação de estiagem.

Em todo este contexto de ameaças ambientais, tem-se observado também conflitos

políticos ou de interesses entre agremiações de pescadores, entre estas e as prefeituras

locais, entre pescadores ou ribeirinhos e visitantes para pesca esportiva.

O setor de pesca de peixes ornamentais tem vivido um processo recente de declínio dos

rendimentos, com ênfase para o incremento do esforço de pesca, impulsionado pela maior

demanda do mercado por esses produtos. Isso tende a se agravar no futuro, com aumento da

intensidade de pesca e do esforço total de pesca (número de embarcações, viagens, pescadores

etc.). Quanto aos requisitos de mercado, a tendência futura é que haja expansão do mercado

internacional, para o qual é direcionada a maioria da produção. O que ocorre é que os peixes

ornamentais que são exportados (legal e ilegalmente) são em parte desconhecidos sob o ponto de

vista taxonômico (nome científico correto das espécies), quanto biológico e ecológico (área de

distribuição, grau de ameaça, ciclo de vida etc.). A pesca ornamental não se configura hoje como

uma atividade geradora de renda sustentável e ambientalmente correta.

Os ictiólogos têm alertado a sociedade para os prejuízos que o crescente incremento do esforço

de pesca poderá trazer às espécies de peixes ornamentais, acrescido do avanço das pressões de

desflorestamento sobre os ecossistemas florestais nas zonas ripárias, dado que tais espécies de

peixes são muito suscetíveis às modificações dos ecótonos marginais dos rios e igarapés

amazônicos.

Na região dos pedrais do rio Xingu, por exemplo, o fato de a captura do acari-zebra e da arraia-

preta ser proibida através da Instrução Normativa (IN) do Ministério do Meio Ambiente (MMA)

n.º 5, de 21 de maio de 2004, os pescadores declaram que a atividade passou por momentos de

intenso declínio. Consideram economicamente insustentável a continuação do extrativismo com

base apenas em outras espécies.

Vale ainda observar que o declínio da pesca de peixes ornamentais poderá levar à intensificação

de conflitos hoje já verificados e comuns entre os pescadores e atravessadores ou exportadores,

principalmente se permanecer a falta de conhecimento sobre o destino da pesca, a dependência do

atravessador e, consequentemente, a pouca valoração do produto. Acresce ainda a falta de

organização de classe, além do desconhecimento dos direitos e da legislação por parte dos

pescadores. Ressalta-se que inexiste uma licença exclusiva para ser outorgada aos pescadores de

40

peixes ornamentais, sendo apenas alguns registrados como pescadores profissionais junto ao

órgão ambiental.

A pesca para consumo local vem sofrendo modificações em várias regiões. A produção de

pescado para consumo humano e a renda média vêm diminuindo em virtude dos efeitos do

aumento do esforço de pesca sobre o ecossistema aquático. Ressalte-se a importância da pesca

para consumo como dieta alimentar, tanto da população ribeirinha local como a de pequenas

cidades vizinhas. A produção de pescado é consumida logo após a captura, nas próprias

comunidades, sem envolver comércio formal, mas representando renda indireta para as

comunidades que ali habitam que, se não fossem essas fontes de alimento, deveriam comprar

maior quantidade de produtos alimentícios nos centros urbanos.

Diante do cenário de exaustão dos estoques pesqueiros em algumas regiões, com relação à pesca

para consumo, o avanço de fontes de degradação dos recursos naturais poderá se acirrar ou

mesmo ampliar os conflitos hoje já verificados, com consequências sobre o ecossistema aquático,

podendo causar ainda o declínio dessa atividade.

A pesca amadora ou esportiva geradora de uma cultura conservacionista e considerada como um

dos mais importantes vetores para o desenvolvimento sustentável tem um potencial de

desenvolvimento em várias regiões. No entanto, neste componente da pesca também já se

verificam conflitos com os pescadores da pesca comercial. Os conflitos decorrem em o turista

ignorar a existência de pescadores comerciais (de consumo e principalmente de peixes

ornamentais) que usam determinada área para suas atividades geradoras de renda.

2.7.3 Quelônios. Em toda a Amazônia há ocorrência de várias espécies de quelônios

aquáticos, como a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) e o tracajá (Podocnemis

unifilis), que utilizam as praias dos rios para desova, na época da estiagem. Deve-se ressaltar que

na Amazônia o consumo de quelônios aquáticos faz parte da vida de caboclos ribeirinhos e de

índios, principalmente no verão, quando se consomem também os ovos. Mais importante, ainda,

é o processo cultural extremamente ligado à sociedade local, não só dos povos ribeirinhos, mas

também dos povos urbanos. É comum a gente dos centros urbanos grandes, como de Manaus,

Belém, Porto Velho ou outra cidade qualquer da Amazônia, encomendar uma "tartarugada" para

comemorar uma data importante como um casamento, um aniversário ou outro evento. Em

muitos casos a procura por esse item é tão grande que o homem ribeirinho que coleta uma

tartaruga prefere vendê-la no mercado ilegal do que consumi-la, face ao alto valor que alcança.

Diante deste cenário, em muitos pontos onde existiam tartarugas e tracajás, esses quelônios

despareceram pela pressão predatória, e, em outros pontos onde a proteção foi exercida, a

ocorrência dessas espécies é abundante. Isto indica, também, a necessidade de um plano de ação

estratégica visando à proteção dessas espécies e de seu uso sustentável.

2.7.4 Agregados humanos, desmatamentos e doenças tropicais. Como visto neste

estudo, há diversas endemias e doenças causadas em função do fluxo migratório humano atraído

por empreendimentos. Os problemas afetos às condições e aos serviços de saúde se devem ao

fato de que a região é susceptível a grande número de doenças tropicais prevalentes nos locais de

origem dos migrantes. Os insetos, principalmente mosquitos transmissores das doenças, estão

presentes e podem aumentar em número face à perturbação ambiental, como é o caso da

leishmaniose. No caso de assentamentos humanos, por exemplo, tem havido surtos de malária

que acabam envolvendo também as comunidades humanas ribeirinhas tradicionais.

41

Foto 8. Barcos de diversos tamanhos e usos no porto em frente ao mercado de Manaus. (Foto Cleber Alho)

A destruição e alteração dos ecossistemas naturais com perda da biodiversidade resultam da

interferência do homem na natureza. Incluem a expansão urbana, a conversão da cobertura

vegetal natural em pastos ou campos agrícolas, as mudanças climáticas e as grandes obras de

infraestrutura como novas rodovias na Amazônia, usinas hidrelétricas, assentamentos humanos,

introdução acidental ou não pelo homem de espécies exóticas invasoras e outras formas de

transformações do ambiente natural (Alho, 2012). Por exemplo, o vetor da dengue no Brasil,

doença que tem acometido milhares de pessoas todos os anos, é o mosquito Aedes aegypti

originário da África, provavelmente presente no Brasil desde o tráfico de escravos. É também

vetor da febre-amarela urbana. É um mosquito domiciliar que se prolifera em aglomerados

urbanos desorganizados.

O desmatamento e a queimada da floresta amazônica contribuem para o aumento da emissão do

gás dióxido de carbono na atmosfera. Há geração de calor quando os raios infravermelhos são

absorvidos pelos gases liberados pelas queimadas na atmosfera. É o chamado efeito estufa.

As mudanças climáticas, discutidas durante a Conferência das Nações Unidas em dezembro de

2009 em Copenhagen têm impactado a biodiversidade em muitos aspectos, inclusive com efeitos

na proliferação de insetos vetores de doenças. Estudos realizados demonstram que, com o

aumento gradual das temperaturas e dos padrões do regime de chuvas, pode-se esperar que essas

mudanças climáticas exerçam efeito substancial sobre os surtos de doenças infecciosas

42

transmitidas por insetos vetores e por meio da água contaminada. Os insetos vetores tendem a ser

mais ativos em temperaturas mais elevadas. Por exemplo, mosquitos tropicais como as espécies

de Anopheles, que transmitem a malária, requerem temperaturas acima de 16º C para completar

seu ciclo de vida. Essas espécies efetuam a postura de seus ovos na água. Consequentemente, as

temporadas de mais calor e muita chuva serão propícias para causar milhões de novos casos da

doença.

De fato, as grandes obras de infraestrutura no Brasil, em particular na Amazônia, lidam com

endemias tais como surtos de malária, febre amarela, dengue, leishmaniose e arbovirose. Têm

geralmente relação com processos de desmatamento e assentamentos humanos precários, com

acúmulo de lixo e contaminação de corpos d'água.

As obras de infraestrutura como rodovias atraem trabalhadores das cidades para o local ora sendo

ocupado, com aumento demográfico humano local e regional, provocando um conglomerado de

trabalhadores e seus familiares nos locais das obras. Essa intensa mobilização oficial ou não de

gente altera profundamente o ambiente na região da grande obra. Embora o empreendedor

procure se cercar de medidas de controle e mitigadoras, a migração não oficial geralmente cria

uma população humana satélite à procura de oportunidades de trabalho. Agravante significativo é

a introdução de espécies exóticas, domésticas ou não, incluindo gatos e cães, o que geralmente

promove outro efeito negativo: o aumento da transmissão de doenças infectocontagiosas em

animais silvestres, em animais domésticos e no homem (Millennium Ecosystem Assessment

2005).

Esses aglomerados humanos em assentamentos desorganizados, em áreas recém-ocupadas,

concorrem para a formação de poças ou cursos d'água com menor circulação, favorecendo o

desenvolvimento de algas cianofíceas tóxicas prejudiciais ao biota, macrófitas aquáticas e

proliferação de vetores de doenças. Em locais com maior atividade antrópica e modificação de

corpos d'água, o crescimento de macrófitas aquáticas dos gêneros Pistia e Cyperus, por exemplo,

pode favorecer o aparecimento de mosquitos vetores de doenças. O aumento de mosquitos

anofelinos concorre para maior risco de transmissão de malária, além de outros vetores

culicídeos, simulídeos e planorbídeos, contribuindo para o agravamento de várias doenças, além

de malária, febre amarela, dengue, arborviroses, filarioses e esquistossomose.

O serviço de vigilância sanitária do Ministério da Saúde do Brasil alerta para a relação estreita

que tem existido entre obras de infraestrutura na Amazônia e surto de malária. As alterações

ambientais favorecem a proliferação dos mosquitos do gênero Anopheles, vetores do protozoário

Plasmodium, causador da malária.

A leishmaniose está associada a pessoas que invadem, desmatam e ocupam áreas naturais. As

leishmanioses, tanto a tegumentar quanto a visceral, são doenças causadas pelo patógeno

protozoário do gênero Leishmania e têm como vetor mosquitos flebotomíneos dos gêneros

Phlebotomus e Lutzomyia. São reservatórios dos patógenos: roedores silvestres, marsupiais e o

cachorro doméstico. Além disso, os aglomerados humanos contribuem com poluição de corpos

d'água e com esgotos a céu aberto, favorecendo a contaminação por coliformes fecais.

A raiva é uma zoonose causada por vírus que envolve a interação do homem e seus animais

domésticos como cães, gatos, seus rebanhos de bovinos e suínos, com morcegos hematófagos. A

espécie principal do morcego é Desmodus rotundus. Essa virose, seu agente transmissor, seus

hospedeiros, incluindo o homem, têm forte ligação com a alteração ambiental. O ataque que o

homem sofre pelo morcego é parte dessa interação. A alteração ambiental e a introdução de

43

animais domésticos, que oferecem alimento farto para os morcegos hematófagos, desequilibra a

relação de comunidade ecológica de morcegos, favorecendo o aumento de populações de

hematófagos. Os morcegos são o segundo maior transmissor da raiva para o homem, ficando os

cães como o principal agente transmissor do vírus.

2.7.5 Serviços ecossistêmicos, valor da biodiversidade e bem-estar humano. Enquanto

os serviços ecossistêmicos desempenham papel fundamental para a saúde e o bem-estar do

homem, a perda da biodiversidade representada pelos desmatamentos e queimadas na Amazônia,

tem afetado as mudanças climáticas globais. Esse aspecto deve ser enfatizado no prognóstico

para a região. O projeto Large-Scale Biosphere-Atmosphere Experiment in Amazonia (LBA -

Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia) foi uma iniciativa

internacional conduzida no Brasil entre 1995 e 2005, que produziu pesquisa para prover resposta

à seguinte pergunta: "Como a conversão da floresta, a sua regeneração e o corte seletivo de

madeira influenciam a captura de carbono, na dinâmica de nutrientes, no fluxo de gases, diante

do uso sustentável de recursos na Amazônia?". Esse projeto tem gerado estudos importantes para

o tema e alguns são citados a seguir.

Esses chamados serviços ecossistêmicos incluem também a regulação do clima, por exemplo, o

papel da floresta Amazônica na evapotranspiração, no ciclo d'água, na relação com os fenômenos

El Niño e La Niña no clima. Agem na desintoxicação de poluentes, no controle de pragas da

agricultura e vetores de doenças, no ciclo do carbono, do nitrogênio e de outros nutrientes

fundamentais à vida e à produção de alimento, no conhecimento de princípios ativos da

programação genética de micro-organismos, plantas e animais que têm aplicação como

medicamentos.

A fabricação de medicamentos e a produtividade agropecuária dependem das informações

genéticas contidas em diferentes espécies de micro-organismos, plantas e animais obtidas, por

exemplo, pela transferência de genes de espécies silvestres resistentes a doenças para espécies

domesticadas que servem de alimento para o homem. Ou ainda, por técnicas de biotecnologia,

que se resumem em repetir em laboratório o princípio ativo contido na programação genética de

espécies silvestres que podem levar à cura de enfermidades.

Há ainda a ligação entre a Etnomedicina, utilizada pelos povos tradicionais da Amazônia, e o uso

técnico-científico e comercial da biodiversidade feito pela indústria farmacêutica. Outro aspecto é

a chamada biopirataria, considerada o terceiro maior tráfico, atrás do comércio ilegal de drogas e

do tráfico de armas.

Tem havido significativo esforço da comunidade científica em patentear os produtos da

biodiversidade derivados de pesquisa para proteger seus resultados na aplicação para

medicamentos e outros usos.

2.7.6 Observação conclusiva sobre o prognóstico. Como tem sido exposto até aqui

neste estudo, verifica-se que um prognóstico sustentável, no cenário tendencial para a bacia

hidrográfica do rio Amazonas, deverá estar vinculado à implementação do plano de ações

estratégicas para conservação e uso sustentável dos ecossistemas aquáticos. Esse plano deve pôr

em prática ações responsáveis pela conservação e pelo uso sustentável dos recursos naturais

desses ecossistemas como, também, relevar as funções dos serviços ambientais a eles associados,

como também garantir a integridade dos limites desses ambientes contra a ameaça de

desflorestamento representada pelos vetores de ocupação.

44

A Convenção para a Diversidade Biológica (CDB), assinada pelo Brasil e por 175 países, durante

a Eco-92 em 1992, no Rio de Janeiro, propõe normas para a conservação da biodiversidade, seu

uso sustentável e a justa repartição dos benefícios do uso socioeconômico dos recursos naturais.

O conceito de uso sustentável é variável, dependendo do enfoque meramente biológico, com base

na capacidade reprodutiva das espécies, ou meramente socioeconômico, com base no uso

duradouro do recurso. Um conceito consagrado é o que consta do Relatório Brundtland (Our

Common Future = Nosso Futuro Comum), publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esse conceito estabelece:

“O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem

comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias

necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um

nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico de realização humana e

cultural, fazendo ao mesmo tempo um uso razoável dos recursos da terra e

preservando as espécies e os hábitats naturais”.

A eficácia das ações previstas deve se tornar fundamental para que se consiga fixar a população

ribeirinha em condições realmente sustentáveis e de minimização dos conflitos aqui descritos.

Caso contrário, a tendência é que as melhorias previstas nos acessos viários que contornam esses

locais se transformem em agentes alavancadores dos processos de desflorestamento e alteração

dos ecossistemas aquáticos, com perdas ambiental e socioeconômica.

Contudo, fica claro que o plano de ação estratégica não pode nem deve ser ambicioso para tentar

abraçar todos os problemas ambientais e socioeconômicos de toda a bacia amazônica. Para tanto,

áreas prioritárias com temas prioritários devem ser identificados, a fim de tornar as ações

exequíveis e pragmáticas com relação aos ecossistemas aquáticos.

Destacam-se, neste contexto, as ameaças à questão da pesca (de subsistência, comercial e

pesca de peixes ornamentais), incluindo problemas de sobrepesca, além da questão do consumo e

comércio de quelônios, tartarugas e tracajás, nos ecossistemas aquáticos, em pontos geográficos

focais, ou de projetos demonstrativos, a serem designados adiante, neste estudo.

2.8 Análise das ameaças prioritárias aos ecossistemas aquáticos dentro de um entorno

georreferenciado

Este item será desenvolvido junto com o desenvolvimento dos instrumentos socioeconômicos e

as áreas prioritárias (hospots), nos próximos produtos.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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