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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Ramsés Albertoni Depoimento de Jorge Raimundo Sanglard de Paula Juiz de Fora 29/10/2013 Depoimento MAMM_05_ Jorge Raimundo Sanglard de Paula Transcrito por Rogéria Nunes Henriques P/1 Jorge, para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, a data e o seu local de seu nascimento. R Jorge Raimundo Sanglard de Paula, 20 de novembro de 54, Juiz de Fora. P/1 Qual o nome do seu pai e da sua mãe e depois dos seus avós paternos e maternos. R Alcindo Sanglard de Paula, Maria Raimundo de Paula, os avós Maria Jorge, Jorge Raimundo, Etelvino Rodrigues de Paula e Sebastiana Sanglard de Paula. P/1 Você tem irmãos? R Tenho dois. P/1 O nome deles. R Marta Terezinha Raimundo Sanglard de Paula e Antônio Raimundo Sanglard de Paula. P/1 Família de origem o quê? R É uma mistura, Christina, o lado da minha mãe a minha avó nasceu em Boston, mas numa colônia libanesa, meu avô nasceu no Líbano, se encontraram em Boston foram para o Líbano, como eles eram muito novos a família não deixou eles casarem, fugiram e vieram para Oliveira Fortes, esconder aqui em Minas com os amigos e não voltaram para Boston, só que a minha avó tinha uma irmã gêmea, que tinha ficado lá e todos os amigos, ela tinha uns 13 para 14 anos. E o lado do meu pai é suíço, do lado francês da Suíça. P/1 Vieram para o Brasil por quê? R Quando Dom Pedro II trouxe aqueles três navios brasileiros, vieram algumas famílias rurais da Suíça, família do Boechat, Ricardo Boechat, a minha, Sanglard, Boechat, todos eram da área rural, e por incrível que pareça foi aquela exposição do centenário na França e o Brasil estava muito bem

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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Ramsés Albertoni Depoimento de Jorge Raimundo Sanglard de Paula Juiz de Fora 29/10/2013 Depoimento MAMM_05_ Jorge Raimundo Sanglard de Paula Transcrito por Rogéria Nunes Henriques

P/1 – Jorge, para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome

completo, a data e o seu local de seu nascimento.

R – Jorge Raimundo Sanglard de Paula, 20 de novembro de 54, Juiz de Fora.

P/1 – Qual o nome do seu pai e da sua mãe e depois dos seus avós paternos e

maternos.

R – Alcindo Sanglard de Paula, Maria Raimundo de Paula, os avós Maria

Jorge, Jorge Raimundo, Etelvino Rodrigues de Paula e Sebastiana Sanglard de

Paula.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Tenho dois.

P/1 – O nome deles.

R – Marta Terezinha Raimundo Sanglard de Paula e Antônio Raimundo

Sanglard de Paula.

P/1 – Família de origem o quê?

R – É uma mistura, Christina, o lado da minha mãe a minha avó nasceu em

Boston, mas numa colônia libanesa, meu avô nasceu no Líbano, se

encontraram em Boston foram para o Líbano, como eles eram muito novos a

família não deixou eles casarem, fugiram e vieram para Oliveira Fortes,

esconder aqui em Minas com os amigos e não voltaram para Boston, só que a

minha avó tinha uma irmã gêmea, que tinha ficado lá e todos os amigos, ela

tinha uns 13 para 14 anos. E o lado do meu pai é suíço, do lado francês da

Suíça.

P/1 – Vieram para o Brasil por quê?

R – Quando Dom Pedro II trouxe aqueles três navios brasileiros, vieram

algumas famílias rurais da Suíça, família do Boechat, Ricardo Boechat, a

minha, Sanglard, Boechat, todos eram da área rural, e por incrível que pareça

foi aquela exposição do centenário na França e o Brasil estava muito bem

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economicamente na época, aí o Dom Pedro II ofereceu ao rei da Suíça para

trazer para colonizar Nova Friburgo, e a área do Caparaó, área do Pico da

Bandeira, Presidente Soares, Manhumirim, Manhuaçu, aquela área lá, o

pessoal do leite e de Nova Friburgo o pessoal da café foi para aquela área

Manhuaçu, Manhumirim, Presidente Soares, Caparaó e tal.

P/1 – Quer dizer, de Oliveira Fortes e Manhumirim...

R – Manhuaçu.

P/1 – Qual foi a decisão, por exemplo, de vir para Juiz de Fora, quem veio para

cá?

R – Aí já foi bem depois, porque essa família Sanglard que veio para o Brasil

eram marido, mulher e três filhos e eles dividiram, uma parte ficou em Nova

Friburgo e dois foram para a área de Manhumirim, então, ali começou o

Sanglard no Brasil, a família do Boechat, por exemplo, ficou em Friburgo, com

inúmeras outras cidades, e é uma aventura, porque é uma viagem de barco,

três navios, morreu muita gente, por doenças na viagem e tal, você chegar vivo

no Brasil era um negócio muito complicado na época, e eles tiveram que

passar por várias situações, nessa viagem de embarque, desembarque, troca

de navio. Tem uma historinha o pessoal de Nova Friburgo tem um livro, os

meus primos atuais, que é promotor em Niterói, fez um livro sobre um dos

irmãos que veio da família, que é parente do meu lado da família, e ele conta

um pouco da história desse antecedente dele.

P/1 – Agora o seu ramo é aqui de Manhuaçu?

R – O meu pai, a família dele, o pai, a mãe nasceram em Manhuaçu. Tanto que

eu nasci aqui e fui para lá pequenininho, morei lá até 16 anos, só vinha aqui de

férias.

P/1 – E a família da sua mãe que migrou.

R – De Oliveira Fortes para cá, aí eles mexiam com café, até o Getúlio deixar,

queimou tudo, aí eles tiveram que cada um buscar o seu rumo.

P/1 – E a família do seu pai também desenvolvia atividade agrária?

R – Não. O meu avô mexia com selaria, isso que faz na Suíça, mexer com

selas, mexer com material, lá era esportivo, aqui passou a ser material de

selaria, engraçado que o Eleardo teve agora na Suíça e na França em

Chamonix ele viu uma casa imensa de madeira ali debaixo do Mont-Blanc e a

casa está assim, Sanglard desde 1824, é uma casa de produção de produtos

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para esqui, para alugar e para vender, aí ele não resistiu pegou o primeiro

japonês que estava passando pediu para emprestar a máquina e fez a foto,

revelou e trouxe para mim. Então, a tradição da família é essa, de produtos

esportivos, de material de couro.

P/1 – Como é que seus pais se conheceram?

R – Christina, essa história é muito engraçada, quando meu avô morreu todo

mundo teve que trabalhar, meu avô morreu numa acidente muito complicado

ele era muito amigo do José Bonifácio, que trabalhava no governo do Rio e

eles foram com Cássio Vieira Marques, que eram do hospital, eles foram

conseguir uma verba para o hospital, na volta teve um acidente e ele foi

degolado ali perto de Três Rios, no acidente, o Cássio sobreviveu e ele morreu,

o motorista que estava dormindo no banco de trás também sobreviveu. Aí, a

família teve que trabalhar, todo mundo, minha mãe foi para o banco, está lá no

banco, ela tinha um tio que era gerente de banco num outro banco, ela foi

trabalhar no banco, e meu pai era cliente desse banco, e ele tinha acabado de

ganhar na loteria, tinha passado no concurso da IBGE e tinha acabado de

ganhar na loteria, isso foi o quê? Ano 53, aí conheceu ela através de uma

amigo dele, que era gerente de banco.

P/1 – Banco do Brasil?

R – Não era, na época, foi um antecessor do Banco Mineiro da Produção, ou já

era o Banco Mineiro da Produção, aí eles casaram e ela foi para Manhuaçu

com ele, porque ele tinha passado, acho que ele passou em terceiro ou quarto

lugar no concurso do IBGE e o concurso era um concurso nacional, você podia

ficar no Rio, que era a sede do IBGE, ou ir para São Paulo, ou ir para Belo

Horizonte, ou até vir para Juiz de Fora, aí ele preferiu escolher ir para

Manhuaçu, o cara passou podia escolher para onde queria ir, uma carreira em

ascensão resolver ir cuidar dos pais dele, estavam mais velhos. Então, por isso

que ele voltou para lá, porque a tendência era ele ter ficado aqui, ele estudava

aqui junto com o Lélio que foi diretor do DNOS durante muitos anos, e eles

rachavam o livro, um comprava de matemática, um de português, um de

história, um de geografia, e sentavam juntos numa poltrona na mesma cadeira

e eles rachavam os livros para estudar, ele ia fazer engenharia, aí concurso

saiu ele passou no concurso bem aí ele foi no IBGE, aí ele chefiou o IBGE em

Manhuaçu durante muito anos, depois veio para cá e aposentou.

P/1 – Você e suas irmãs nasceram lá?

R – Uma irmã e um irmão, os dois nasceram lá e eu nasci aqui, tradição de

família o primeiro sempre nasce na casa da avó. Não é isso?

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P/1 – Não sei.

R – Árabe é assim.

P/1 – E como é que foi a sua infância, lá em Manhuaçu e depois aqui em Juiz

de Fora?

R – Christina é assim, meu pai depois ganhou de novo na loteria, ganhou duas

vezes, e o que é mais incrível, ganhou com o mesmo cara que vendeu o bilhete

para ele da primeira vez, ele ganhou em 53, depois ganhou em 60 e poucos de

novo. Então, era muito legal, porque eu já peguei uma fase muito mais

tranquila da vida deles, e cidade do interior tem uma coisa incrível, tem o

coletor, que é o cara da receita estadual, tem o cara do Banco do Brasil, o cara

da Caixa Econômica, tem o prefeito, tem o presidente da câmara, tem o cara

do IBGE, a cidade era isso, delegado, o comandante da polícia, tinham dez

pessoas que eram controle social da cidade. Então, você convivia com esses

caras, o dono do cinema, como o IBGE cuidava assim de circo, cinema, tudo

era com eles, tinha que ter autorização para implantar, para chegar, para

montar, então, por exemplo, o dono do cinema eu não pagava cinema, então,

eu ia a todos os filmes que você já pensou, seriados, tudo, ia todos os dias

quase no cinema, desde molequinho, pequeninho.

P/1 – Tinha alguma coisa de predileção, assim, do cinema?

R – Não, eu via tudo, Flash Gordon, Zorro, esses seriados todos, isso que hoje

virou cult, os grandes seriados da história do cinema, que formou a base do

cinema americano, eu via tudo, eu acho que eu não vi um filme, de tudo, foi

quando passou Barbarella, que era proibido para menor de 18, não tinha 18

estava longe de fazer 18, aí os caras me barraram na porta, eu falei: “cara eu

entrou aqui todo dia, isso aqui é quase a minha casa,” “não esse você não vai

entrar” aí eu fui ver muitos anos depois, aí já não tinha mais efeito nenhum,

tinha ficado velho, aqueles efeitos, a Jane Fonda nem era mais a Jane Fonda.

P/1 – E leitura tinha alguma predileção? Você já tinha hábito de ler?

R – Tinha, lá em casa tinha muito livro ainda, por causa do escritório lá do

IBGE, e tinha alguns professores também que gostavam de incentivar. Então,

aí começa com Monteiro Lobato, como todo mundo quando começa a ler no

Brasil, nessa geração, 50 e poucos era Monteiro Lobato depois vai avançando,

como eu vinha muito para Juiz de Fora, eu passava as férias todas aqui,

sempre que dava uma brecha eu vinha para cá, aí aqui é que eu lia mais, ou

levava os livros, mas de tudo.

P/1 – Juiz de Fora era a casas dos seus...

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R – Da minha avó, que meu avô morreu um ano antes de eu nascer, da minha

avó materna, os tios todos. Eles eram muito ligados a questão tecnológica,

tinha um gravador de rolo, quando ninguém tinha daquilo, lá tinha um gravador

de rolo, então, a gente tinha acesso a algumas coisas que a maioria das

pessoas não tinham ainda.

P/1 – Essa casa da avó era aonde?

R – Na Batista de Oliveira em cima da Florale, em cima da Fernando

Flashman, aquela casinha de dois andares, que tem pó de pedra, aquele cinza

escuro, uma das poucas que ficaram ali. A Batista ainda é uma rua que

conserva bem a estrutura das casas, ainda não demoliram aquilo, e a casa

está inteira lá, ela uma casa que tinha uma escada de mármore imensa,

quando chegava alguém, batia campainha você tinha que subir e descer a

escada imensa de mármore, e ali era incrível, Christina, é uma das memórias

que eu tenho de Juiz de Fora, é que ali tinha o mercado na frente, tinha a

Padaria Nacional na frente, não era aquele mercado que tem hoje, o Bellini, era

outro, era o segundo em frente, então, fruta quando chegava, aí tinha a Florale

embaixo, fruta quando chegava tinha cheiro, impressionante, e era um cheiro

muito persistente, então, quando chegava uva, quando chegava pera, chegava

maça, chegava abacaxi, qualquer tipo de fruta, cheirava, a rua ficava toda

cheirosa, as flores tinham cheiro, cada um tinha um cheiro muito característico

que é hoje, hoje flor não cheira. Então, a rua tinha um cheiro fantástico, quando

passo lá ainda sinto aquele cheiro, mesmo a rua não tendo cheiro nenhum, ou

tendo um cheiro horroroso hoje, e o pão que fazia de hora em hora, então,

você tinha cheiro de pão do lado, de fruta, de legume, de verdura do outro, e de

flor do outro, então era incrível. E aí, a gente saía de casa, molequinho de 13,

14 anos saía de casa para andar de bonde, e atravessava a cidade de bonde,

que era a coisa mais fantástica que tinha em Juiz de Fora e que foi talvez o

maior erro da administração do Itamar foi tirar as árvores da Rio Branco e tirar

o bonde, a pretexto que estaria modernizando a cidade, a desculpa foi essa de

modernizar a cidade, eu lembro que o Ivan Galdeirense falou outro dia: eu fiz o

decreto que tirou o bonde. Você pensa bem se Juiz de Fora estivesse

preservado aquela cidade de característica industrial, uma grande vila operária

inglesa, que era o que a cidade era, com toda essa construção, com todos

aqueles prédios de tijolinho, a Mascarenhas é um sido disso, aquela rua que

vai para o Borboleta, ali saindo depois da OAB, que você não tem mais,

destruiu tudo. Então, a cidade se tivesse essa característica crescido para

outros lugares, para a Cidade Alta, para Zona Norte, para cima, onde foi

crescer para o lado da Independência, mas tivesse preservado a característica

da cidade industrial no século XIX, Juiz de Fora hoje era um marco, como Ouro

Preto foi para o século XVIII, o grande erro dessa geração moderna foi achar

que podia destruir essa cidade, aí virou isso que virou hoje, uma cidade sem

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característica nenhuma, não tem característica urbana nenhuma mais, Juiz de

Fora é o que? Você pega o Afonso Romano, tem 75 para 76 anos, pega o

Afonso que viveu em Juiz de Fora, numa geração bem anterior a minha, e sai

com ele em Juiz de Fora, ele não se reconhece mais em Juiz de Fora, ele

reconhece o Granbery, mas o bairro ele não reconhece, nem o Granbery é

mais o bairro que ele morou, você vai com ele onde o Murilo Mendes morou no

Bom Pastor, está tudo diferente, onde o Pedro Nava morou, já não existe mais

aquela cidade. Então, a cidade perdeu a identidade, eu acho que ele perdeu a

alma, porque ao destruir essa industrialização, esse modelo de cidade

industrial do século XIX, você não substituiu por uma coisa melhor, substituiu

por uma coisa muito pior, um crescimento desordenado, a cidade era toda

organizada, você andava na cidade inteira de bonde, era ecológico, totalmente

ecológico, era elétrico, era iluminado, era totalmente aberto, então, você não

precisava de ar condicionado, e você corria a cidade inteira, você só tinha

poucas linhas de ônibus em algum bairro onde não tinha o bonde, era

ultramoderno, ultrassofisticado.

P/1 – Que passeio você gostava de fazer de bonde?

R – Quando você ia para o lado de Santa Terezinha você ia para o Museu, que

aí é outra vantagem, na época o Museu era aberto, então o Museu funcionava,

você ia lá visitar o Museu, você ia lá no parque, você ia lá ver aquilo que é uma

coisa que era fantástico aquele parque com aquele museu. E tinha um negócio

muito legal, onde é a Osvaldo Aranha, que é a rua do Bigode, antes do Bar do

Bigode na esquina tinha um biscoito de polvilho, que era um biscoito de

polvilho fantástico, e que você comprava em saco de papel, aquele saco

imenso de papel, não sei quantos quilos tinha aquilo, você ia passear de carro,

por exemplo, enquanto não acabava aquele saco de biscoito você não parava

de passear, aí você via as casas modernistas do Bom Pastor, você ia lá

naquela casa da Baleia no Bairu, você ficava rodando nos pontos da cidade,

era muito diferente.

P/1 – Quando que você veio morar aqui? Já tinha quantos anos?

R – Eu vinha sempre, depois eu ganhei uma bolsa para a Austrália.

P/1 – Isso você tinha quantos anos?

R – 15 para 16, e meus pais não deixaram viajar, porque acharam que a

Austrália era muito longe.

P/2 – Mas que bolsa era essa?

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R – Bolsa do Rotary. Aí, eles acharam que eu era muito novo e que a Austrália

era muito longe, aí não me falaram que eu tinha ganho a bolsa, aí arrumaram

uma bolsa para ir para os Estados Unidos, aí eu fui tirar passaporte, fui fazer

exame, vacina, dente, aquelas coisas que antigamente exigia tudo para você

viajar para fora, aí vim para cá, ficar na casa da minha avó me preparando para

viajar. Aí, tinha um problema de saúde na família, um dos meus irmãos ia fazer

uma cirurgia e tal de vista, aí eles ficaram preocupados em a cirurgia ter algum

problema, na verdade o que eles iam me dá para viajar, para ficar lá fora, eles

acharam que precisaria gastar mais na cirurgia, aí falaram comigo que eu não

ia viajar mais, na véspera quase de viajar, eu falei para eles: “é assim? Não

vou por causa disso, chega lá eu estudo, faço alguma coisa, trabalho, não vou

perder uma chance dessa” ele falaram: “não o médico está preocupado com a

cirurgia, pode dar algum problema” eu falei: “bom, então está, mas para casa

eu não volto,” aí eu tinha duas opções, ou ficava na casa da minha avó, aqui

em Juiz de Fora ou ia estudar em algum lugar, aí estava tendo prova em Ouro

Preto, e tinha uns amigos em Ouro Preto, aí eu liguei para lá e falei com um

deles: “vai ter prova, vestibular dá para mim ir aí escrever, tem lugar de ficar?”

“lugar a gente arruma” sabe como é que é? Aí eu falei com o meu pai: eu quero

que você me emancipe, fomos lá no cartório do Bessa, ele me emancipou,

pegou uma parte daquele dinheiro que eu ia para os Estados Unidos, que na

época era um dinheiro legal, me deu e eu fui para Ouro Preto, cheguei lá eu

passei, e fui fazer mineralogia. Na verdade eu queria fazer geologia, mas eu

não tinha a menor noção de que aquilo era engenharia, era pesado o cálculo,

mecânica, a coisa mesmo da mineralogia e da geologia era muito mais depois

no curso, a base era outra coisa. Aí, Ouro Preto é uma tentação, aí você vai e

entra na boa vida de Ouro Preto, vai jogar basquete, vai conhecer a noite de

Ouro Preto, o dia, aí você começa a estudar menos, já desestimulado porque o

curso não era o que você pensou que fosse. Eu cheguei em Ouro Preto em 71,

a Judith Malina com o Julian Beck, tinha acabado de ser presos, do Living

Theatre estavam fazendo experiência em Ouro Preto e acabado de ser

deportados de novo para Nova Iorque, os caras saíram de Ouro Preto foram

para Belo Horizonte, eles eram o que? O maior grupo de teatro do mundo na

época, grupo mais avançado de teatro, que era o Teatro Livre de Nova Iorque,

e eles tinham uma experiência muito incrível em Ouro Preto. Eu cheguei em

Ouro Preto com um amigo, que ia fazer essa prova comigo, tinha passado

também, e o pai dele era supervisor do banco, que a minha mãe trabalhava,

então, quer dizer, eu não cheguei sozinho de tudo, mas não tinha lugar de ficar,

aí nós fomos procurar, numa república um negócio assim, e não era fácil. Aí, a

gente alugou uma pensão, estava com grana para ficar não sei quantos anos

lá, e remorsos do pessoal, aí nós fomos arrumar uma república indicaram, um

professor indicou a gente, ficamos lá um tempo, depois mudamos para outra,

procurando uma república. Aí, eu lembro que teve um dia que a gente ficou

amigo de dois irmãos do João Bosco, o João Bosco estudava e morava numa

república com um amigo meu lá de Manhuaçu, que o meu pai resolveu fazer

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uma casa modernista, igual às casas do Bom Pastor, comprou metade do

terreno do pai desse cara, e ele morava em Ouro Preto, e eu fui conhecer ele,

aí eu fiquei conversando com o João Bosco, uma das primeiras pessoas que

eu vi em Ouro Preto foi o João Bosco, por causa dele, quando eu cheguei o

João Bosco estava saindo para o Rio, o João Bosco acho que estava

terminando, era o último ano dele em engenharia, aí eu fiquei amigo de dois

irmãos do João. Aí, a gente frequentava as repúblicas, mas não tinha vaga na

república dele, um amigo meu de Goiás, que estudava lá numa outra pensão

falou: vocês vêm para cá que eu vou sair, estou indo para a república do irmão

do Sensim, que era o irmão mais novo do João Bosco e o Tunai, eram os três o

Tunai e o Sensim moravam na Canaã, e o João Bosco morava numa república

mais em cima com esse meu amigo, aí a gente ia para lá ficar com eles, tocar

violão, saindo para beber e tal, ia para cinema. Lá em Canaã para vê se

arrumava uma vaga, se era peixinho para ganhar vaga, e um dia nós

estávamos lá e eles falaram: vamos lá na república do João, porque chegou

uma música nova que o João fez, foi a primeira parceria do João com o Aldir

Blanc, foi o Agnus Sei, o João tinha gravado no violão, mandado a fita cassete

para o Aldir, o Aldir fez a letra e devolveu a letra para ele junto com aquela

gravação, aí nós vimos o João abrir pela primeira vez lê a letra e cantar a

música tocando pela primeira vez, isso depois saiu num disco de bolso do

Pasquim, que um lado era O Tom de Jobim e Esse Tal João Bosco, era só

Águas de Março de um lado com Tom Jobim e o Agnus Sei do outro com o

João Bosco, para você ver um dos discos mais importantes da música

brasileira, então são duas música pilares da música brasileira e eu lembro de

está lá vendo eles tocarem pela primeira vez a música, vendo a letra e a

emoção do João abrindo aquele envelope do correio, pegando aquela letra,

que é uma das letras fantásticas da MPB, e o Aldir é um grande letrista, a

música é muito legal. E o mais incrível é que nessa época eu saí dessa pensão

que eu estava para conseguir uma república, estava muito difícil, lá ainda dava

para ficar, com o dinheiro que eu tinha dava para ficar um ano na folga em

Ouro Preto, um ano e pouco, eu fui para o Toffolo, que é aquele hotel na Rua

Direita, um hotelzinho ultrachique, bom para cacete, comida lá embaixo, se eu

fizer um pouco de esforço aqui, ainda vou ficar nesse hotel uns meses até eu

conseguir uma república, aí eu fui morar no hotel. Era um hotel que o Nello

Nuno frequentava antes de morrer, que o pessoal da boemia, os artistas

frequentava esse restaurante embaixo, e alguns professores lá na engenharia

na minas e na geologia, dois deles pelo menos eram filhos do dono do hotel, da

família do hotel, então, de vez em quando eu subia com eles de carona, essa

época foi uma época muito legal, que é onde eu comecei a entrar em contato

mais com artes-plásticas.

P/2 – Você poderia falar sobre o seu percurso escolar, porque você adiantou

muito, como foi o seu percurso?

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R – Eu fiz escola pública em Manhuaçu, ótima escola pública, aí depois eu fui

para Ouro Preto, o curso de mineralogia era um curso técnico, a gente fazia

dois anos desse curso técnico, ia para o Rio fazia supletivo, ganhava um ano, e

fazia vestibular para engenharia, ou mineralogia, ou metalurgia, porque o

terceiro ano do curso de mineralogia e de metalurgia era basicamente o

primeiro ano da escola de minas, os mesmos professores, as mesmas

matérias, então para não repetir um ano na escola técnica e na universidade a

gente ia para o Rio fazia o supletivo, passava, porque a gente tinha uma base

muito boa, aí quem queria fazer mineralogia voltava e ficava um ano lá, quem

não queria já entrava direto na faculdade, e o supletivo dava a você o diploma

do ensino médio e você ganhava um ano. Aí, eu fiz, mas eu já não estava mais

querendo fazer engenharia, minas, essas coisas, geologia, já tinha desistido

algum tempo atrás. Aí, eu vim para Juiz de Fora, aí eu cheguei aqui, eu ia para

o Rio ou para aqui, estava pensando onde eu ia, o vestibular era no mesmo

dia, resolvi fazer aqui, aí fiz jornalismo, aí eu passei em 12º lugar no vestibular

para jornalismo e era a primeira turma.

P/1 – Que ano foi isso?

R – 76, 75, eu entrei na primeira turma de 76.

P/1 – Por que jornalismo?

R – Não me explica, igual o Ruffato, o Ruffato foi por susto, ele achou que era

outra coisa, o meu não, lá em Ouro Preto eu comecei a escrever, tinha

algumas pessoas que escreviam com a gente, república é um negócio, muito

vital a vida de república, você conhece gente de um monte de lugar, tinha

amigos de Criciúma, tinha amigos de Goiânia, tinha amigos do interior de

Minas, gente de Ubá, gente de Carmo, gente de tudo quanto é área, então as

influências que você vai tendo das pessoas, são muito incríveis, você está lá

sozinho, tem que se virar, você tem que aprender tudo, não tem pai para botar

limites, explicar, você que tem que fazer o seu limite, você tem que aprender a

virar gente mais cedo, porque se não você vai se ferrar, então, assim ditadura,

ditadura pesada, Ouro Preto na época. Aí eu fui para uma república chamada

Capa Onça, que era uma república na subia, lá na Barra perto da linha do trem,

você atravessava a linha do trem essa república era a primeira república, ao

lado da casa onde o Living Theatre tinha um centro de teatro deles antes de

serem expulsos do Brasil, deportados. Aí, eu fui morar na casa ao lado, então

já era um lugar visado, porque eles frequentavam as casas ali em torno, era um

lugar muito visado, as meninas fugiam de Belo Horizonte, principalmente, e iam

para Ouro Preto, passar final de semana, festival de inverno, aquelas coisas e

os pais mandava o DOPS ir atrás, mandava a polícia ir atrás para pegar as

filhas, resgatar as filhas, e as meninas ficavam onde? Nas repúblicas, a maioria

das repúblicas tinha uma boate no porão, então volta e meia os caras entravam

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chutando as portas, procurando alguém. Lá, por exemplo, eu vi uma coisa que

eu nunca tinha visto em outros lugares, tinha excursão feminina do Brasil

inteiro, então chegava ônibus, sábado de manhã, sexta à noite chegavam

ônibus de meninas do Brasil inteiro, todos os lugares, que iam passar um final

de semana em Ouro Preto, você nunca mais ia ver, não tinha nada, não tinha

fax, não tinha celular, não tinha e-mail, não tinha meio de comunicação

nenhuma, a única coisa que tinha era carta, algumas pessoas tinham telefone,

que era uma coisa rara no Brasil, pouquíssimas pessoas tinham, em alguns

lugares você tinha que ligar para a telefonista, mandar chamar a pessoa da rua

tal, daqui a pouco você ia ligar o Brasil era assim, um atraso absurdo, você

está falando disso aí 70, 70 e poucos. Então, chegava ônibus, então as

repúblicas tinham os lugares certos de cada um e no fim de semana moravam

mais 30 pessoas, mais 20 do Brasil inteiro, era muito legal, mas sempre ônibus

de mulheres, eu nunca vi chegar ônibus de homem, é sempre ônibus de

mulheres, mas a cidade tinha um atrativo, Ouro Preto tinha um atrativo incrível.

P/1 – Mas as mulheres naquela época eram muito marcadas, aquela coisa que

a Raquel Jardim fala, não tinha só que ser direita, tinha que parecer direita.

Esse relacionamento era um lugar libertário?

R – Era, Ouro Preto era, sempre foi, na verdade, assim, tirando algumas

pessoas que eram muito legais, mas Ouro Preto ia para lá quem o pai não

suportava mais dentro de casa, vai para Ouro Preto, some da minha frente,

tinha muito neguinho que era contra a ditadura, era contra a repressão, a

família brasileira é uma família extremamente conservadora, essa geração dos

pais da nossa geração, eles eram muito autoritários, então, assim, por que é

que eu fui para Ouro Preto? Eu fui por opção própria, mas a maioria ia porque

o pai mandava, não aguentava o cara.

P/2 – A sua relação com o teatro começa aí? Ou não já é anterior?

(fim do vídeo 1)

R – Teatro assim, a primeira informação mais minha sobre teatro foi o Living

Theatre, lá em Ouro Preto, mas eu não peguei eles lá, quando eu cheguei eles

tinha acabado de ser mandado embora do Brasil, mas a fama, o que eles iam

fazer em Ouro Preto. Eles eram um grupo extremamente avançado, muito

moderno, o grupo tinha relações totalmente integradas entre eles e com a

comunidade, naquela época, por exemplo, eles usavam droga como se fosse

uma coisa normal, maconha, que era uma coisa boba na época, na época não

era hoje perto do crack é brincadeira. Então, eles eram muito avançados, e

Ouro Preto não tinha a tradição de teatro, tinha Belo Horizonte, tinha era muita

gente ligada à dança e teatro que ia para Ouro Preto, lá não tinha um grupo de

teatro estruturado, tinha música, eu era muito mais ligado nessa época, não só

Page 11: Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina ... · que eu tenho de Juiz de Fora, é que ali tinha o mercado na frente, tinha a Padaria Nacional na frente, não era aquele

pelo contato com esse pessoal ligado ao João Bosco e tal, mas por causa da

noite, a gente conhecia um monte de gente, todo mundo tinha um violão na

república, saia para algum lugar, eu lembro que na Praça Tiradentes no lado

esquerdo, tinha um bar, que era um bar ultra tradicional, tinha um restaurante,

tinha um reservado o Dilermando Reis ia tocar lá, que era um dos maiores

nomes do violão tradicional brasileiro, quando o pessoal sabia que ele ia,

alguém começava a comentar e a gente ia para esse lugar, por exemplo, ouvir

ele tocar, aí era um regional que ele tinha, que baixava, saia de onde ele

estava no Brasil e ia para lá juntava um monte de gente. Eu cheguei a ver o

pessoal do MPB4 um dia lá vendo eles tocando, inclusive tocando ali por perto,

souberam que eles estavam lá, e estava lá, muita gente. Então, a tradição de

música de Minas em Ouro Preto tinha muita gente ligada ao violão e tal. Então,

era muito rico isso a parte de música e de poesia, tinha muita gente que

escrevia, eu comecei a escrever lá, agora a gente tem que ver tudo era

clandestino, você ia ler um livro, tudo era proibido no Brasil, uma repressão

absurda, só que por ser uma cidade mais libertária e tal os livros circulavam,

com mais facilidade, eu nunca soube como chegava os livros, mas chegavam.

P/2 – Que leituras que eram?

R – Mao, Guevara, à esquerda eram mais esses que chegavam e corria na

mão, o livro nunca parava na tua mão, sempre estava na mão de alguém, você

lia passa para outro na república, para outro, para outro, e ali nessa república

na Capa Onça que eu morei, foi onde me ensinou a disciplina, disciplina

mesmo de casa, que é uma coisa importante, porque o homem é muito

relaxado, acha que casa é coisa de mulher, avançou muito pouco, por mais

que o Brasil seja um país onde a mulher ocupa um espaço hoje no mercado de

trabalho, e se libertou, não precisa do homem para mais nada, ainda é muito

difícil essa relação do homem assumir o papel dele, de fazer as coisas que ele

acha que a mulher que tem que fazer, e lá não, na república, por exemplo, a

gente tinha uma empregada que cozinhava, arrumava a casa e tal, e eram oito

pessoas em quatro quartos, moravam dois em cada quarto, e a gente era

responsável cada semana a dupla do quarto era responsável por fazer a

compra, por recolher o dinheiro da semana e por fazer o cardápio. Então, tinha

gente, por exemplo, que era meio desregrado começava fazendo um banquete,

chagava nos últimos dias daquela semana você comia ovo, porque não tinha

mais o que comer, arroz, feijão e ovo, tinha gente que era mais equilibrado na

hora de fazer as compras, aí fazia legal, chegava no último final de semana

dava um festa, fazia uma banquetaço, e isso vai te ensinando a você ter

disciplina, você saber gerir a sua grana, você a controlar o seu padrão, o que é

que você pode, o que é que você não pode, até onde a sua mesada vai dar.

P/2 – Você era de qual grupo?

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R – Olha eu sempre fui dos que conseguia dar uma festa no final, nunca

queimei a grana do pessoal antes não, é um negócio muito chato, você tem

que ter um mínimo de organização na tua vida, você pode não gostar de aula

de cálculo e tal, mas a tua vida você tem que saber cuidar, e isso me ensinou

muito, quer dizer, você ter que ter disciplina, você fazer as suas coisas,

respeitar aos outros, ali dentro de uma república se você não tiver uma

estrutura, assim, de muito respeito pelas pessoas você não aguenta, você tem

que sair foram, porque é a democracia plena no dia a dia, e no lado mais

básico do mundo, que a sobrevivência, subsistência sua, você vai aprender a

virar gente é quando você tem um desafio desse pela vida, você tem que gerir

a tua vida.

P/2 – E sua relação com os seus pais nessa época como era?

R – Aí eles ficaram com muita peninha, porque ficar longe, muito novo, sair de

casa, depois eles viram que eu podia ter ido para os Estados Unidos, que não

ia acontecer nada, eu já estava com a viagem toda organizada, com a família

que eu ia, estava tudo programado, já tinha escrito para os caras lá, eu ia para

Nebraska no início, depois eu ia para Wilson City, depois ia fechar em Nova

Iorque, depois vinha para o Brasil, praticamente três meses, quatro meses em

cada lugar, já tinha até matrícula lá e tal, era uma experiência que eu acho que

ia ser importante, mas a de Ouro Preto também foi, então.

P/1 – E Juiz de Fora, você saiu de uma república de Ouro Preto da Capa

Onça...

R – Aí foi o seguinte, praticamente foi um outro desafio para mim, porque era

muito disputado os lugares nas repúblicas, e eu já não estava mais afim

daquele curso, não aguentava mais, queria fazer outra coisa, já estava

escrevendo, estava lendo muito mais, estava mexendo um pouco com música,

de acompanhar muito, de sacar, escrevendo até um pouco sobre música já, aí

o que é que eu pensei, vou ter que sair daqui, se eu ficar aqui vou ter que

encarar esse curso, já estava quatro anos lá, vou ter que encarar esse curso

para valer. Aí, chegou um cara na república perguntando sabendo que ia ter

uma vaga lá e era a minha, mas ele não sabia que era minha, que eu já estava

falando que ia embora mesmo, ele falou comigo assim: “fiquei sabendo que vai

ter uma vaga eu vim aqui, eu acabei de ir na escola, eu vim levar quatro ou

cinco bolsas para o pessoal para ir para Carajás,” Carajás estava começando,

projeto imenso do Brasil, ele falou assim: “eu vim oferecer umas bolsas na

escola e me falaram que alguém dessa república vai sair, eu queria ver se meu

filho vinha para a república, eu seu que é difícil arrumar vaga” aí eu falei com

ele: “quer dizer que o seu filho está buscando uma vaga? Ele quer mesmo vir

para cá?” “ele quer” eu falei com ele: “então ele vai ter a vaga, eu estava

querendo ir embora, mas estava sem um motivo para mim pular, sair daqui,

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então ele vai ficar no meu lugar” aí eu arrumei as minhas coisas e falei com ele:

vou deixar os livros, vou deixar os cadernos, não quero nem ver isso mais,

acabou essa fase de cálculos, engenharia na minha vida, aí, o cara tomou um

susto, falou comigo: “cara, mas você vai largar assim e tal?” Eu falei: “vou

estava precisando de um empurrão, você chegar aqui foi um empurrão” aí eu

esperei o pessoal da república chegar apresentei eles lá e tal, e falei: “tem

alguém? Não tem interseção nenhuma? Eu estou indo embora,” eles tomaram

um susto, embora para que? Largar o curso? Vou, não aguento mais. Aí, fui

para Belo Horizonte, peguei uma passagem para cá aí estava lançando o

Acabou Chorare, dos Novos Baianos, que estourou igual a um foguete, eu

lembro que eu vi, eu comprei o disco, não sei se foi em Belo Horizonte ou Juiz

de Fora mesmo quando eu cheguei lá em casa, cheguei o pessoal tomou um

susto, porque eu estava com bolsa, mala, um monte de coisa, o que é que

você veio fazer aqui e tal? Eu vim para casa, vim fazer vestibular para outro

curso, cansei do que eu fazia. eles gostaram, porque na verdade eles estavam

com saudade, eu vinha muito pouco aqui e a encarar outra coisa. Aí, foi isso,

botei o disco para tocar e Juiz de Fora tinha lojas incríveis de disco, ali na

Halfeld mesmo em frente aonde a gente morava tinha uma loja fantástica,

então, primeira galeria tinha outra, aí foi um período que eu fiquei um tempo

ouvindo muito, Jimi Hendrix, Vandré, Emerson Lake, Led Zeppelin, até botar a

cabeça no lugar e falar assim é jornalismo mesmo e tal. Aí, foi incrível,

Christina, porque eu cheguei na universidade, passei em 76, quando eu entrei

caí na sala da Raquel Scarlatelli, José Henrique da Cruz, o Mutum, no corredor

era o Valtinho Sebastião, o Chico Teixeira, que já estava quase saindo do

curso, o Luís Egito. Aí, no primeiro dia de aula eu já fiquei amigo deles, com o

Mutum ele começou a me falar da poesia lá do Magister, que era um

movimento que o Gilvan e ele organizaram, o Gilvan induzindo os meninos a

escrever em vez de ler poesia só, e eles iam fazer vestibular, esse mesmo

vestibular que eu fiz, eles começaram um negócio de poesia, o Inácio escrevia,

o Gerro, alguns professores e os estudantes, e era muito bom, era muito acima

da média, e eu falei com ele no primeiro dia de aula, traz esse troço para mim

ver, quando eu vi eu falei esse troço é bom, esses meninos escrevem legal, aí

eu falei que é esse Gilvan que está dando aulas para vocês? Ele vai dar aulas

para você também, então vamos lá conversar com ele, atravessamos e fomos

lá no ICHL, a comunicação ainda era no direito, eu sei que você está fazendo

esse negócio assim, o Chico Teixeira conversou comigo agora falou ir lá

procurar o DCE que tem uma gráfica lá, que eles vão ajudar a gente, aí ele

falou: então vamos começar a escrever, vamos chama os meninos aí e vamos

ver o que a gente faz, aí o Poesia voltou, quer dizer, reagrupou, um novo

grupo, eu e o Mutum coordenando, a gente fez 29 folhetos, aí o Som Aberto

tinha começado lá no DA.

P/1 – Explica como eram os folhetos do Poesia.

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R – Ele antes no Magister era um folheto quadrado, repetia muito o mesmo

desenho, atrás era sempre uma citação de um escritor brasileiro importante,

contra alguma coisa, ou a favor de alguma coisa, e quatro ou seis poemas,

normalmente quatro, quando eu vi aquilo eu falei com o Mutum: Mutum vamos

ter que reduzir esse tamanho, fazer um ofício dobrado no meio, e vamos

conseguir quem escreve, era eu, era ele, o Gilvan, o Inácio, está já lá no ICHL

estudando, mas o Inácio não era poeta, o Inácio escrevia um ou dois poemas,

aí nós fomos atrás de quem escrevia, e fomos achando, e tinha gente legal

escrevendo, a gente foi achando, no total, quando a gente lançou a Poesia em

Movimento tinham 43 poetas, nesse período.

P/1 – De 76...

R – De 76 até 2000, a Poesia, o Bar Brasil, o Abre-Alas e a Delira reunia em

torno de 43 poetas, é muita coisa, para você vê que em 53, Pentágono 53, que

era o movimento que Afonso Romano de Santana organizou, só ele virou poeta

desse grupo, que eram cinco, só ele, tinha o Hélio de Almeida Fernandes, que

morreu, escreveu alguns poemas, depois foi cuidar da vida fazer outras coisas,

já bem mais tarde escreveu um livro sobre tango, os outros três a gente nunca

mais nem localizou, a força da geração de 50 na poesia. Depois de 75, o

Afonso situa o seguinte: o Afonso fala que o grupo de poesia mais importante

do Brasil, grupo contemporâneo de poesia de movimento mais importante é

Bar Brasil, o Poesia, o Abre-Alas e o Deliria, como grupo, como organização

poética, eu também acho que é, e é verdade, porque você tem que ter crítica e

autocrítica, eu acho que nós reunimos o melhor grupo de poesia

contemporânea do Brasil, e o que prova isso é você ter um poeta como Iacyr,

um poeta como Edmilson, um poeta como Polidoro, como Fiorese, como José

Santos, o Ruffato, que começou na poesia e foi para o conto, foi para o

romance, começou tudo aqui dentro do Bar Brasil e do Delira, e mais uma

infinidade de gente boa escrevendo.

P/2 – E o mimeógrafo?

R – O Magister tinha o mimeógrafo, fazia prova e emprestava para eles fazer, a

secretaria de cultura não existia ainda era um departamento de cultura junto

com turismo, era o Joel Neves, que dava aulas na universidade também no

ICHL, era o Ivan Nery, que depois virou promotor em Belo Horizonte, e eu não

me lembro, mas parece que o José Paulo Neves também participava da

secretaria nessa época, eu me lembro que o meu contato maior era com o Joel

e com o Ivan Nery, que eram muito amigos do Gilvan e eles sediam o papel

para a gente, aí a gente começou rodando lá no Magister, a segunda fase da

poesia, que foram esses 29 folhetos no início, depois a gente passou para a

gráfica do DCE, passamos fazer um negócio mais chique, que era offset, com

qualidade, com capa, o Arlindo ilustrou para a gente, o Jorge Arbache, o César

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Guedes, a gente teve bons ilustradores, eu fiz as primeiras capas da segunda

fase que foi obrigado a fazer, porque chegava lá na hora não tinha uma capa,

eu não queria repetir as capas anteriores que o Mutum tinha repetido, eu ia

para o estêncil lá e desenhava em cima do estêncil alguma coisa, alguma coisa

contemporânea, alguma coisa moderna, são um horror, mas era o que você

tinha na época.

P/1 – Como é que vocês distribuíam o folheto Poesia?

R – A gente distribuía no Som Aberto aos Sábados, que importante falar o que

era o Som Abertas, porque tudo começou culturalmente em Juiz de Fora,

nessa mudança dos anos 70, começou no Som Aberto, o Ivan Barbosa era do

DCE, Reginaldo, Ivan, Zé Tulim, Paulinho Delgado, esse pessoal era a

organização do DCE, José Antônio do ICHL, e eles compraram uma gráfica

para o DCE, o Zé Tulim foi presidente na reconstrução do DCE e depois o Ivan

e o Paulinho e o Reginaldo Arcuri eram secretário, diretor de cultura e tal do

DCE, o que é que eles fizeram? A gráfica era uma potência para aquela época,

e a gráfica tinha estrutura de rodar muita coisa. O Som Aberto, era

simplesmente o seguinte: um primo do Ivan, que estava na USP, veio a Juiz de

Fora passar umas férias, falou com o Ivan você tem uma gráfica, nós não

temos em São Paulo, mas nós temos um espaço lá que a gente chama de Som

Aberto e circuito universitário, você tem que fazer isso aqui, e o Ivan fica com

aquilo na cabeça, conversou com essa diretoria dele e eles toparam, a gente

reunia, aos sábados de manhã lá no DA de medicina, e criava o que? Quem

tinha alguma criação artística levava lá, quem tinha poesia levava, quem tinha

artes plásticas mostrava, quem tinha dança, quem tinha teatro mostrava, quem

tinha música mostrava, sendo que a música era o principal ao lado da poesia,

que é o que tinha mais, o Luizinho Lopes começou lá, a Pazinha, o Chico

Cursi, com aquela viola que ele tocava no início, começou lá o Marcinho

Gomes. O Marcinho vem de uma família de músicos, tradicional de Juiz de

Fora de chorinho, eles tinham um grupo Gardênia Dourada, então a família do

Marcinho era um ponto de encontro da gente para música, muito chorinho, só

que a gente também tinha a vertente do rock, outro lado, que não batia com a

deles, porque eles eram chorões tradicionais, mas a gente sabia que podia

contar com eles para tudo, porque eles eram bons no negócio, eles tinham

muito contato, aí eles ajudavam a levar, na verdade era uma família do

Marcinho Gomes, a família do Chico Teixeira, e os Itaboraí, Marcinho Itaboraí

com os irmãos, esse era o núcleo do Som Aberto musical, mais o Luizinho

Lopes, mais o Chico Cursi, que tocavam todos os sábados, e a gente distribuía

os poemas, saía de lá, vinha para rua, aqui Rio Branco, Marechal, Halfeld,

Santa Rita, São João entregava aqui no centrão, como o folheto era muito bem

feito, plasticamente bem feito, e os poemas eram muito bons, vingou, e o

DOPS ficava atrás da gente, para pegar um folheto daquele, mas não podia

prender, porque ia prender a gente por que estava fazendo poesia? Não tinha

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nada de subversivo, de revolucionário nas poesias, era muita boa na qualidade,

tinha até uma vertente política, mas não era o principal isso, o principal era a

qualidade da poesia, a gente estava preocupado em fundar um movimento de

poesia importante em Juiz de Fora, como o pessoal da música estava

preocupado em fazer uma música boa, tanto que está aí até hoje.

P/1 – E vocês escreviam em jornal também? Grande imprensa, por exemplo,

você chegavam a publicar ou a escrever no Diário Mercantil, Diário da Tarde?

R – O Mercantil, nessa época, que a gente foi conhecer Cacá, Malu, a Kátia, a

Greice, trabalhavam no jornal, elas eram muito novas na época, tinha acabado

de formar e estavam no Mercantil. O Mercantil, para você ter ideia, só tinha

velhinhos, velhinhos de terno, Wilson Cid, que eram talvez um dos mais novos

dos velhinhos, Ismair, mas era um grupo de velhinhos, Almir de Oliveira, era

esse pessoal, Paulino, e as mulheres eram novas, poucas, e não eram

editoras, tinha talvez uma editora só na época, o resto tudo era repórter, estava

começando, era um jornal machista, um jornal tradicional, tinha o Diário da

Tarde, que era onde a gente tinha um pouco mais de espaço. Aí, aconteceu o

seguinte, o movimento estudantil era muito forte, nós estávamos recriando os

DAs, você tinha centros acadêmicos, DCE tinha sido recriado, a poesia ajudou

a gente nessa coisa da articulação política, e a gente começou a recriar os

DAs, mas por que? Porque eu já tinha passado por experiência em Ouro Preto

de não estudar, de ficar na boa vida, aí eu queria estudar e numa universidade

boa, e sair logo daquilo, para não ficar perdendo tempo lá, e o curso era muito

fraco, a faculdade não é o que é hoje, não tinha equipamento, eu lembro que a

Verinha Amaral queria dar aula de diagramação, era uma mesa de

diagramação de madeira, não tinha para todo mundo quase, eu queria fazer

matéria com ela, ela falou: Jorge não dá, não tem vaga para você assistir as

aulas, eu queria assistir para aprender, porque fazer aquilo todo no curso lá em

Ouro Preto, para diagramar os folhetos melhores, mais legal, e não tinha como,

ainda era no papel, era muito atrasado, você não sonhava em ter um

computador dentro da redação para você editorar um jornal, não tinha a menor

possibilidade disso.

P/1 – Também não tinha laboratório de rádio.

R – De TV não tinha nada. Não tinha nem câmera para você fazer foto, você

tinha que aprender tudo na marra, aí o que é que aconteceu? Eu acho que a

gente sacou, essa foi a grande sacada, a gente sacou que o Som Aberto era

uma forma de aglutinação, a gente trazia, por exemplo, João Bosco, os

principais compositores passaram por aqui, vinha fazer o circuito universitário,

Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, sabia que a universidade era o

canal para encher o Central, no caso de Juiz de Fora, dava um showzinho para

a gente três, quatro músicas lá, era o chamariz a noite o pessoal pagava o

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ingresso e via o show no Central. Então, o circuito universitário funcionou

muito, e ajudou a gente a estruturar o Som Aberto, a dar peso para o Som

Aberto. Aí, nós vimos o seguinte: a gente precisava mudar a universidade,

democratizar a universidade, a palavra era essa, a universidade era autoritária,

que o general mandava e que o reitor, alguns desses que estão ali, não tinha

autonomia, não servia para a gente, a gente precisava mudar o Brasil, mas

precisava mudar a universidade também, se a gente quisesse sair de lá com

uma coisa mais democrática e não um curso burocrático. Aí, nós fomos

organizar o DCE, e o DA, aí tinha um embate, tinha dois grupos fortes de Juiz

de Fora, um grupo era o grupo onde o Zé Pimenta era uma das maiores

lideranças, o outro grupo era mais ligado ao ICHL, o Zé era da engenharia, e

tinha o pessoal da medicina, e o outro grupo, era o grupo que eu me

identifiquei mais, era grupo ligado ao ICHL e comunicação, então a gente tinha

dois grupos fortes dentro do movimento estudantil, nós conseguimos ganhar a

eleição uma vez, que foi com estratégia, nós tínhamos mais relação com o

pessoal de Belo Horizonte e eles eram majoritários, e a gente dividiu os DAs

um pouco, mas os dois grupos eram muito politizados.

P/1 – O Pimenta era de que corrente? MR8 na época?

R – Não, não era ainda não, na época eles eram ligados ao MDB, antigo, e nós

começamos a pensar na ideia de uma coisa que não era, a gente não queria

política tradicional, nós queríamos um negócio novo, quem vem ser o PT

alguns anos depois, tinha uma ala mais trotskista, tinha uma ala mais

conservadora, que era esse pessoal. Mas era a formação política da cidade,

um grupo ligado ao PMDB, em lembro que numa época nós estávamos num

impasse, porque tinha uma candidatura se colocando, que era do Humberto

Resende para deputado estadual, e nós tínhamos disputado uma eleição com

Ivan Barbosa para vereador, quando Tarcísio foi eleito prefeito e perdeu para o

Mello, foi um negócio muito complicado, porque a Vera foi num comício e falou:

“nós já ganhamos no DCE, agora nós temos que ganhar a prefeitura” porque

eles tinham eleito a única chapa de direita na história da universidade que foi o

Paschoal Montezano, o Jair Bispo, esse Geraldo Sette, que está aí hoje nos

psiquiatras, na época era ligados a eles, esse grupo conservador ligado ao que

veria ser o Mello, a direita Arena e ganhou o DCE pela primeira vez, e foi uma

provocação, professora do ICHL, dava aula para a gente virar e falar que já

ganhamos o DCE, agora vamos ganhar a prefeitura? Era coligação, e o PMBD

não quis deixar a terceira coligação com Perpétuo que daria vitória ao PMDB,

então eles perderam a eleição para o Mello, e a ditadura investiu muita grana

em Juiz de Fora, eles fizeram o Mergulhão, eles trouxeram a Mendes Junior,

eles investiram muita grana, Juiz de Fora era uma das grandes cidades, era

uma cidade que não votava na ditadura, apesar do golpe ter saído e isso é um

negócio importante falar, porque o golpe saiu de Juiz de Fora, mas quem saiu

foi o Mourão Filho, que se dizia vaca fardada, eles intitulavam como vaca

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fardada, ele antecipou o golpe, o golpe não era para ser dado naqueles dias,

era para passar um pouco, eles estavam articulando os três governadores, o

Lacerda, o Magalhães e o de São Paulo, eles estavam organizando o golpe, o

golpe não foi dado só por militares, o golpe foi dado pela elite política brasileira,

que não queria que a esquerda crescesse no governo com Jango. Então, os

militares de Juiz de Fora saíram daqui para dar o golpe, e acho que um erro

não ter tido, não conter eles antes de passar ali Areal, Três Rios, se tivesse

contido, duas três pontes que tivessem tirado ali no caminho deles eles não

passavam, voltariam com o rabo entre as pernas para cá, aí o golpe talvez

tivesse abortado, ou não tivesse se dado daquele jeito, porque foi uma

surpresa, acho que ninguém esperava aquilo, todo mundo sabia que estava

armando um golpe, mas não esperava que o golpe saísse daquele jeito, eu

acho que a cidade ficou com uma fama do golpe ter saído daqui, mas a cidade

não era favorável ao golpe, Juiz de Fora tinha setores muito conservadores,

ultra direita, o pessoal ligado a igreja, fizeram aquela Marcha da Família com

Deus pela Liberdade, mas não era uma cidade conservadora, pelo contrário.

Aí, começaram a perder todas as eleições depois do golpe, e eles queriam

ganhar uma, aí eles derramaram muito dinheiro em Juiz de Fora para ganhar

uma eleição, e o DCE tinha um papel importante, porque a gente precisa ver o

seguinte: a formação de lideranças políticas sempre saiu da universidade, lá

era o lugar onde saiam as lideranças políticas da cidade, a vanguarda política,

a elite política de Juiz de Fora saiu de dentro da universidade, o único caso que

não saiu foi o desastre político contemporâneo que a cidade teve há pouco

tempo, que foi o único que não saiu lá de dentro, na verdade não saiu nem de

Juiz de Fora, forasteiro em Juiz de Fora, mas a gente não pode nem falar,

porque Juiz de Fora é uma cidade de forasteiro, uma cidade que sempre

agregou muita gente, a maioria dos meus amigos vieram estudar aqui, a

universidade sempre foi muito agregadora, esse que o grande lance da

democracia, Juiz de Fora é uma cidade acolhedora, ela recebeu todo mundo,

ela formou todo mundo, o problema é que a cidade não se modernizou para

abrigar essas pessoas aqui e permitiu que essas pessoas saíssem, a minha

geração, por exemplo, toda foi para fora, o José Santos é um exemplo, o

Ruffato é um exemplo, todo mundo foi para fora, o Luizinho foi para fora, todo

mundo foi para fora.

P/1 – Por que é que você não foi para fora?

R – Oh, Christina, você sabe que é um negócio incrível, eu mesmo me

pergunto, até hoje não entendendo, eu sei assim, eu tive filho muito cedo.

P/1 – Quando você teve filho? Você ainda estava na escola?

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R – Tinha acabado de sair, tinha ido para o jornal, mas muito cedo, isso obriga

você a ter muita responsabilidade, a ter que arrumar emprego, essas coisas, eu

fui para o Jornal.

P/1 – Qual jornal?

R – A Tribuna de Minas.

P/1 – Em 81?

R – Fui direto para a Tribuna, em 81, foi engraçado que foi o Ivanir, o Cacá foi

lá falar comigo e falou comigo: o jornal vai abrir, estão precisando de gente

experiente, mas que experiência eu tenho de jornal? Eu não me formei ainda.

Eu produzia os principais shows que tiveram e Juiz de Fora do circuito

universitário, era um fotógrafo muito bom, e era cinegrafista da Globo, Kenji

Yamakoshi e eu, e a gente fazia uma parceria com duas empresas de Belo

Horizonte, com a empresa do Gil, Gilberto Gil, com a empresa do

Gonzaguinha, então a gente produzia os shows que eles traziam para Minas,

eu e o Kenji fazia uma produção local desses shows, assumia um risco

danado, maluco, e a gente fazia no Sport, basicamente, quando dava no

Central, no Olímpico, e a gente fez tudo, Alceu Valença, Gonzaguinha, todos

os shows do Gonzaguinha, Gonzagão, Gil, pessoal do circuito universitário que

passava na universidade todos, fora shows de menor porte, Egberto, Hermeto,

Elomar, e aí começa a ganhar um pouco de dinheiro, nunca foi muito, porque

ingresso muito barato, produção é muito cara naquela época, eu fazia a

produção dos shows, engraçado que na época, você vê como vai puxando o

lado da imprensa, todo show, ou toda peça tinha um programa que era muito

completo, com crítica, com as letras, com textos, e eu fazia aquilo, diagramava

escrevia aquilo, fazia entrevista com os caras, o requinte chegava a tal ponto,

que o show do Alceu Valença o que Kenji foi para São Paulo alugou um

equipamento de cinema, filmou um show do Alceu Valença, para fazer um

comercial de 45 segundos na Globo, é demais né, o custo de uma produção

dessa, a gente era meio atrevido nessa época, então, eu comecei a fazer

shows e tal, aí a Tribuna abriu eu fui lá conversar com Ivanir, a minha prática

era qual? Aqueles programas, quando eu mostrei para ele aqueles programas,

o Ivanir diagramava o Caderno B do Jornal do Brasil e mais outros tantos

cadernos de moda virou para mim e falou: você faz isso? Eu falei: faço, então

você está contratado, amanhã você começa a fazer o curso, começou eu a

Beth Barra e Katinha lá fazendo o curso.

P/1 – Que curso?

R – Um curso que ele deu lá para, ele queria formar um grupo de

diagramadores para assumir o que ele ia fazer como formato gráfico do jornal.

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(fim do vídeo 2)

R – Ia ter um caderno de cultura, o Jorge Arbach ia ter uma coluna ilustrando, e

ele queria uma diagramação muito revolucionária para o jornal, o Ivanir era um

dos grandes diagramadores do Brasil, e ele precisava de gente de confiança

dele, então a Beth ia ser a diagramadora principal, e quando ele viu meu

trabalho ele falou: você vai diagramar o primeiro caderno junto com a Beth,

dividir com ela, ela vai fazer a primeira página, você vai fazer uma parte do

segundo caderno, ela vai fazer a capa. Eu senti que ele confiou no meu

trabalho e viu que eu podia ser tipo um cara parar ir junto com ele, entendeu?

Nessa modernização do jornal, e a Beth era muito boa na época, então era ele

e o Eloísio que eram os editores, e tinha sempre o problema, que o Elô era o

editor chefe, o Ivanir ficava numa posição assim, um cara de fora que veio

fazer o padrão gráfico do jornal, mas o editor jornalista vai ser o Elô, ele não

sabia se ia ficar como editor, se não ia, e acabou voltando para o JB, que eles

estava na época antes de sair para o Globo. E o Ivanir que me deu o emprego,

na época o Eloísio até veio falar comigo, acho que você não precisa de vir para

o jornal não, você está fazendo show, está ganhando dinheiro, eu falei: eu não

quero ficar fazendo show, eu quero uma profissão, estou largando o curso para

vim para cá, se dependesse do Eloísio eu não teria entrado no jornal, mas o

Ivanir bancou a minha entrada, foi muito legal. Eu na verdade queria escrever

eu não queria diagramar, dava muito trabalho, mas aceitei, uma profissão, o

jornal pedindo registro. Aí, eu conversando um dia com o Ivanir: “Ivanir eu

estou pensando ir para o Rio, cara,” “você vai para o Rio não vai ficar aqui?

Você vai comigo, estou precisando de alguém lá,” eu falei com ele: “mas eu

vou numa condição eu quero escrever, quero escrever sobre música, sobre

literatura, eu não quero ir para lá para ser diagramador,” “não a vaga é para

diagramador, depois que você estiver lá eles vão ver seu trabalho você vai

conseguir alguma coisa lá para você escrever,” aí eu falei: “não aí eu não sai

daqui não,” e comecei a fazer jogo duro com ele. Aí, em 82 o Luiz Dulci foi

eleito para deputado federal e o Guedes também, tinha chegado de exílio, o

Paulinho foi um anticandidato, era para testar se dava ou se não dava,

Paulinho Delgado foi anticandidato, na verdade a candidatura do Paulinho

estava se preparando para ser 86 na constituinte, em 82 nós lançamos o

Humberto Resende, que era de Cataguases, aí fiz a ponte para volta naquela

conversa da política, para deputado estadual, e a gente não podia fazer um

debate na universidade, na universidade não podia entrar candidato nem para

debater a eleição, e eu lembro que o Paulinho tinha conseguido um material

num candidato lá de Porto Alegre, era um punho fechado preto, em volta uma

tarja preta com um fundo branco escrito assim: vote contra o governo e o nome

do cara, e nós copiamos esse negócio e fizemos vote contra o governo Ivan

Barbosa vereador, o Ivan foi o vereador mais votado em Juiz de Fora na época,

e o Tarcísio começou a ficar com medo da candidatura do Ivan, porque uma

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candidatura radical, uma candidatura de esquerda, uma candidatura forte

dentro do PMDB, e Tarcísio achou que ia sustar a classe média, pelo contrário

a classe média é que votou no Ivan, e o Tarcísio perdeu a eleição para o Mello.

P/1 – Mas isso foi em 70 e...

R – 72, ele já era prefeito em 76, foi a preparação 78 a eleição anterior a 82,

Tarcísio foi antes, o Ivan foi vereador, saiu do DCE e foi o vereador mais

votado, mas a gente pegou esse problema da eleição do Mello e foi um

exemplo, porque tinha que ter ocupado a coligação, PMDB tinha que ter feito a

terceira coligação para tentar ganhar a eleição, nas soma dos votos. Aí, nós

lançamos o Paulinho em 86 para a constituinte, o Dulce não foi reeleito, e o

Guedes não foi reeleito, perderam a eleição, e o Paulinho foi eleito para a

constituinte, e eu, o Flávio e o João trabalhava na assessoria do Paulinho,

então ficava no jornal, e fazia uma assessoria de imprensa para o Paulino.

P/1 – E no jornal sempre como diagramador?

R – E começando a escrever.

P/1 – Qual era a sua rotina de diagramador num jornal em 81, 82?

R – O jornal era muito grande, o jornal enfrentava o Mercantil no início, era

muito pesada, não tinha muita hora, o dia inteiro, eu tinha que criar as páginas,

tinha que depender de uma boa foto, tinha que depender de uma boa redação,

a redação era muito boa, talvez uma das melhores redações que já passaram

por Juiz de Fora, a dos velhinhos do Mercantil era muito tradicional, mas a

nossa era uma redação extremamente competente, para você ter uma ideia, os

fotógrafos que a gente começou Márcio Brigatto, Betinho Nicoline, depois o

Jorge Couri que saiu do Mercantil e foi para lá, não tinha erro, o Márcio Assis,

não tinha erro.

P/2 – A faculdade você deixou?

R – Deixei, na época não tinha mais nada, a faculdade não apresentava mais

nada para a gente, ninguém fazia mestrado, ninguém fazia doutorado, você

não tinha uma perspectiva de uma carreira acadêmica, você tinha que optar, ou

você vai fazer uma carreira acadêmica, você vai dar aulas na universidade, ou

você vai virar profissional, na época o que estava mais interessante é você ir

para o jornal, um jornal novo, que tinha uma ideia muito interessante, um grupo

muito novo com liberdade para trabalhar, e eu achei que a gente podia fazer

muita coisa ali. Aí, eu lembro que um dia estava diagramando, uma mesa

imensa que eu tinha lá no final da redação, o Elô ficava com a Beth num lugar

fechado de vidro.

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P/1 – Tipo um aquário.

R – Tipo um aquário, do lado o Ismair com o comercial, e eu ficava lá no fundo

numa mesa imensa, atrás era uma cantina, eu diagramava praticamente quase

todo o miolo do jornal, esporte, cidade, política, e era muito democrático,

porque a gente era muito amigo, editores eram todos da mesma faixa de idade,

muito amigos, e a gente começava a discutir o que é que ia ser a matéria, o

que é que ia ser a primeira página, o que ia passar para o Eloísio e tal, e todo

mundo querendo mostrar serviço, era um desafio.

P/1 – Não tinha computador, né?

R – Não tinha computador.

P/1 – Tudo na regra de pain.

R – Tudo na regra de pain, aí eu inventei um metodozinho lá que era um legal,

eu calculei, como a gente usava uma tipologia só, eu calculei quantos

centímetros ocupava cada letra em cada corpo e fiz uma tabela, então eu

diagramava numa rapidez absurda, porque eu sabia que uma matéria de 30

linhas ocupava determinado espaço na colunagem que o jornal usava, o jornal

não mudava muito a colunagem dele, aí, eu diagramava muito rápido, e

confiava nos fotógrafos, e às vezes tinha o Jorge Arbache para salvar a página

ali com um desenho, com alguma coisa. Aí, um dia um cara chamado Roberto

Chalub, chegou lá no jornal ele era muito grande, ele chegou reclamando que

ele tinha levado um disco para fazer uma crítica e que ninguém tinha feito a

matéria, eu ouvi, eu estava lá no fundo da sala eu ouvi, levantei e fui lá a Kátia

estava lá nem conversou com ele, foi outro repórter e tal, aí eu fui lá, estava

acabando de fazer o segundo caderno fui lá conversar com ele, peguei na

escada saindo assim, lá na Academia ainda, eu falei: “o que é que houve você

está muito nervoso e tal,” ele falou assim: “é que eu trouxe um disco para cá,

perdi meu tempo, não sei o que lá, para eles fazerem,” simplesmente era a

trilha sonoro do Mozart, do Milos Formam, aí eu falei com ele: “esse disco que

você trouxe eles não fizeram a matéria? Não fizeram a crítica?” ele falou:

“meninas eu acho que nem sabem que é o Mozart direito,” aí eu falei assim:

“espera aí, por que é que você trouxe esse disco para cá para o jornal?” ele

falou: “Porque eu saí da fábrica, eu sou vendedor fora do Rio, de lá para cá eu

chego até perto de Belo Horizonte, Belo Horizonte é outro, eu achei que o

jornal era muito bonito e tal e precisava ter uma área de crítica de cinema, de

artes-plásticas, de música e tal, eu me ofereci para trazer os discos, entregar

os discos para vocês fazerem a crítica, mas ninguém aqui está interessado em

fazer,” eu falei assim: “qual é o próximo lançamento que você vai trazer?” Ele

falou assim: “eu vim cobrar esse que não saiu e ver se não queria mesmo,

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porque eu estou trazendo um negócio que eu só entrego lá para o Tarik de

Souza, que é o meu primo,” eu falei: “trás o próximo que eu vou conversar com

a Kátia, eu vou fazer a matéria,” aí já estava o interesse pela música junto, aí

ele voltou um dois, três dias depois com um disco, nem lembro qual era, aí eu

virei para Kátia: “deixa que eu vou fazer,” aí comecei a fazer as críticas de

músicas. Esse cara era primo do Tarik de Souza, ele saía da fábrica da

Polygram no Rio, levava o disco sem capa para o Tarik, jogava debaixo da

porta do Tarik, e o Tarik furava todos os jornalistas do Brasil, furou quase todos

o tempo todo, ninguém sabia como, era ele. Aí, um dia o Tarik fez um livro

acho que não citou ele no livro, que ele que dava todos os furos para o cara,

ele dava os discos antes de vir para o mercado, o disco saía para a venda

antes de ir para a imprensa, ou antes de ir para a loja, uma semana antes, dez

dias, e ele entregava esse disco para o Tarik, e o Tarik acho que não botou um

crédito lá para ele, não reconheceu o trabalho dele e tal, aí ele ficou meu

amigo, parou de dar os discos para o Tarik e passou a trazer para mim, aí eu

tinha o disco aqui, quatro, ou cinco dias antes do Folha, Estadão, Globo, JB,

bastava eu virar uma noite, que no jornal não tinha como ouvir disco, não

existia nem fone de ouvido na época para isso, aí eu levava para casa e fazia a

matéria de madrugada quando saía do jornal, no outro dia estava pronto

conseguia furar os grandes jornais, com discos importantes, que aí é a questão

da seleção, ele traz, você vai saber, quando eu dei a terceira matéria, antes do

Globo, JB, Folha e do Estadão, os caras de Belo Horizonte vinham aqui para

vender o disco aqui e me descobriram, aí eles foram me procurar no jornal, aí

eu passei a receber de todas as gravadoras, tudo que eles lançavam no Brasil,

eu na época eu acho que quando o cara da Warner botava o malote do jornal,

que o jornal que ia e voltava, eu recebia aqui talvez com seis, oito horas de

atraso em relação a Belo Horizonte e ao Rio, se eu corresse dava tempo de

sair junto deles. Aí, começou, a Kátia foi vendo que a gente conseguia

enfrentar os jornais grandes, começamos a dar um espaço para música muito

legal, e a gente começou ter uma área, já na literatura tinha uma produção

excelente, cinema já tinha. Aí, o jornal começou, eu o Valtinho, Valtinho

cuidava mais de rock, eu cuidava mais de MPB, jazz, erudito e tal, aí você vai

começando a entrar na música para valer, e a Tribuna passou a ser conhecida

como um dos jornais que tinha um segundo caderno, ilustrado por um dos

principais ilustradores do Brasil, Trimano, Jorge Arbache, Marisa Dias Costas,

Arthur do Estadão, porque o Jorge nessa época o Jorge Arbache tinha saído

do JB e estava no Jornal da Tarde, e a Marisa trabalhava com ele lá e o Arthur,

o que é que eu fazia? Eu pagava ele, eu pagava eles em disco, ou em livro,

que eu recebia um monte de livro, um mundo de disco, o que eu não queria

ficar eu trocava com eles em ilustração, porque o jornal pagava a ilustração, e

eu trocava com eles, e a gente tinha páginas fantásticas.

P/2 – Essa relação com Roberto Chalub, foi até quando foi isso?

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R – Muitos anos, para você ter uma ideia, ele me convidou uma vez para ir, o

Milton Nascimento estava terminando o contrato com a Polygram e tinha que

entregar um disco para a Polygram e era um disco dele ao vivo com Wayne

Shorter, aí o Chalub falou comigo: eu consegui te encaixar na coletiva lá no

Rio, o Cabelinho era o meu fotógrafo, para você ter uma ideia, ia comigo para

fotografar, a gente fazia coletiva os dois, tudo era motivo para ir para o Rio, o

Cabelinho adora o Rio, o Cabelinho criou na ‘fama’ criou uma linha que você

sabe que é Ipanema Parque Halfeld, você sabe né? Criação dele, aí a gente ia

de carro, chegava lá, cheguei lá a entrevista tinha acabado, o Chalub errou o

horário, e o Chico Pinheiro da Globo era assessor de imprensa do Milton, aí

você pensa bem você chegar atrasado numa coletiva de imprensa, todo mundo

já tinha feito entrevista, e já estava lá no coquetel lá em cima no terraço da

Polygram e tal, aí eu falei com o Chico: “Chico você vai ter que dar um jeito de

falar com o Milton, eu não posso perder essa entrevista, cara, o último disco da

Polygram e tal,” “será que o Milton vai querer falar? Ele está cansado,” eu falei:

“Chico, você lembra que você chegou lá em Juiz de Fora pelo JB foi lá no DCE,

pegou a gente” quando a Mendes Junior foi inaugurada, “queria que a gente

fizesse aquela manifestação para que você ganhasse a sua matéria? Nós

fizemos, você lembra? Você ganhou a primeira página do JB, agora você tem

que pagar aquele dia,” aí ele foi lá conversou com o Milton, e falou: “tem uma

rádio que vai dar entrevista ao vivo, com o Milton e vai dar naquele cantinho ali,

tem uma outra rádio que chegou atrasada também e vai lá dar entrevista, o

Milton vai dar entrevista para rádio, você cola nos caras da rádio, pega o seu

gravador, quando ele começara a gravar você grava o que ele falar para a

rádio e começa a perguntar, ele não vai saber que você não é de rádio, ele vai

achar que você está fazendo matéria para rádio, você começa a perguntar ele

vai achar que está ao vivo, ele não vai ter coragem de negar a entrevista, é o

único jeito, e você por favor não deixa o resto do pessoal toque que está no

coquetel entrar na entrevista se não escangalha a coletiva,” só que alguns já

tinham saído para tentar botar no jornal e aí o repórter da rádio, não lembro se

era CBM, sei que uma rádio do Rio grande fez uma pergunta muito idiota para

o Milton, assim: quem é sua maior influência? O cara lançando um disco

importante com Wayne Shorter ali do lado, o cara não sabia o Wayne Shorter

era uma das influências dele, vai faz a pergunta assim, aí ele virou olhou para a

cara do cara pensou e não quis dar uma resposta malcriada, tipo pensou: vou

sacanear esse cara, nem sabe que é o cara, e falou assim: é o Marins Davis,

eu largaria tudo hoje, só não falou que largaria o Wayne shorter, para tocar

com o Miles Davis, se ele me chamasse para fazer um projeto junto, tipo assim,

meu sonho era gravar com ele alguma coisa. Eu ouvi aquilo e o cara não

entendeu nada da pergunta, aí eu vim e fiz uma outra, e fiz outra, e fui fazendo

a ponte entre o Miles e ele, e ele me deu uma entrevista gigantesca, excelente,

não falou para ninguém o que ele falou para mim, porque o cara tinha dado a

deixa lá e não usou, o negócio do Miles Davis, não sabia nem que era o Miles

Davis o cara da rádio, me deu uma entrevista fantástica, no outro dia eu vim

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para cá com o César e fiz uma super matéria, no Rio outro dia que saiu a

matéria e em BH os caras malucos, pô o Milton não falou isso do Miles Davis,

como é que foi sair lá em Minas e tal, e me deu um furaço daqueles geniais por

caso do atraso.

P/2 – Você tinha essa relação música e imprensa, e como era a relação esses

lançamentos com as rádios aqui? Como se dava?

R – Nenhum, as rádios de Juiz de Fora sempre foram muito conservadoras,

foram muito fracas, não usava o espaço que a gente tinha no jornal, não usava

os canais que a gente tinha no jornal, nunca divulgaram a música de Juiz de

Fora, nunca tocaram a música de Juiz de Fora. Você vê que tem compositores

excepcionais, não precisa de nada, nós temos uma Lei Murilo Mendes que nos

últimos 15 anos, 14 anos, produziu o que tem de melhor na música em Juiz de

Fora, profissionalizou os músicos de Juiz de Fora, obrigou o pessoal de Juiz de

Fora da cultura a aprender a fazer projeto, você sabe a dificuldade de fazer um

projeto, ninguém sabia fazer um projeto, a Lei Murilo Mendes é o maior avanço

da cultura em Juiz de Fora, todos os problemas que a lei possa ter, todos os

problemas do recurso ser pequeno, um milhão só, de ter furado um ano ou

outro, de às vezes você não gostar do cara que vai lá para COMIC julgar, mas

a lei modernizou a produção em Juiz de Fora, regulou a produção, fez com que

as pessoas se profissionalizasse, melhorou a qualidade dos produtos,

alavancou a produção em Juiz de Fora, abriu possibilidade de escritores como

o Iacyr, o Edimilson, Fiorese, Christina, pegar a produção deles aprovada na lei

e dobrar a produção com uma outra editora de fora, e lançar nacionalmente no

circuito, porque não adianta você dar o valor da lei e você fazer um livro só

para Juiz de Fora, só para o mercado interno, isso não existe no mercado de

livro, você vai fazer uma tiragem de 1000, 1500 livros, que é ridículo num país

do tamanho do Brasil, a gente faz raridade todo dia, porque isso vai acabar, ou

vai ficar guardado numa gaveta. Então, a possibilidade de você arrumar uma

editora, arrumar uma gravadora de fora, colocar no mercado a produção,

passar pelo crivo da mídia, da imprensa, isso é fundamental, isso é um dos

avanços, eu acho que Juiz de Fora está muito bem articulada, porque tem o

fundo municipal de cultura, poucas cidades no Brasil tem, tem o conselho

municipal de cultura, que metade é eleito democraticamente pela comunidade

cultural, apesar de não participar muito desse processo, mas vai lá e vota no

dia da votação, o é conselho paritário, e esse conselho nosso de Juiz de Fora

ele é importantíssimo, porque ele é deliberativo, então ele que formula a

política cultural, a Funalfa não formula a política cultural mais, nem o museu,

eles vão ser os gestores, mas a formulação de política é o conselho que tem

que tem que assumir a formulação, e esse que é o salto, o pulo do gato, a hora

que o conselho assumir de fato que ele é que formula política, acabou a

interferência de prefeito, superintendente, eles vão executar a política, que a

cidade vai querer, esse que o lado mais avançado da democracia.

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P/1 – Jorge eu tenho que voltar um pouquinho aqui para te pedir para você

falar um pouco para a gente de uma outra produção independente que tem

tudo a ver com cultura, que é o Bar Brazil, com z de Zorro, que é da década de

70.

R – O Bar Brazil é de 77, 76, dois números 76 e um número 77, eu falei do

Som Aberto, mas o Bar Brazil foi o seguinte: nós, esse pessoal do Som Aberto,

viu que precisava ter um jornal, paralelo a poesia, ao folheto, precisava ter um

jornal, por quê? Para você falar o que você queria, e poder discutir o que

estava acontecendo na cidade, aí tinha um bar que chamado Brasil na Zona.

P/1 – A zona era onde nessa época?

R – Em 76 ainda tinha zona em Juiz de Fora, lá onde hoje eram as fábricas de

malhas.

P/1 – Floriano?

R – Não lá embaixo.

P/1 – Do outro lado do rio?

R – Do outro lado do rio em frente ao corpo de bombeiro hoje, naquela

avenida, uma ruazinha pequena, que atravessa a Avenida Brasil, vasando a

Avenida Brasil, era pequena a zona, não era uma zona muito grande.

P/1 – Tem que falar o que era zona, porque zona de meretrício.

R – Zona de meretrício e tinha um bar que chamava Bar Brasil, e o ‘S’ era

contrário igual semianalfabeto escreve o ‘S’ ao contrário, era um ‘Z’ na

verdade, e a gente viu aquilo como uma crítica, Brasil com ‘Z’ os americanos

entrando aqui dando golpe, formulando uma política cultura para a gente, então

um bar na zona que tinha o nome daquele era muito provocador, e a ditadura

querendo ganhar a eleição. Aí, nós fomos lá o Marcelo Mega tirou uma foto do

bar Brasil, uma série de fotos, nós falamos o jornalzinho vai chamar Bar Brazil,

com ‘z’ de zona, e aí a gente ficou meio preocupado que a censura ia proibir o

jornal.

P/2 – Vocês frequentavam esse bar?

R – Não, tudo gente séria, a gente frequentava aquele botequim lá na porta da

universidade, o Bar Brasil, muita gente ia em zona, mas já estava um período

mais liberalizado na cidade, a universidade respirava do ponto de vista social

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não, mas do ponto de vista pessoal sim, das relações pessoais, já tinha festa

em sítio, não precisava mais você ir para a zona. Mas algumas pessoas

acharam que ia ser uma provocação botar Bar Brazil com ‘z’ de zona, e por

causa do lance americano, nós colocamos Bar Brazil com ‘z’ de Zorro, que aí

era mais irônico ainda, a primeira capa foi uma mulher negra, com cabelo Black

Power, com uma roupa meio transparente e tal, um foto do Marcelo Mega a

capa foi essa, e a ideia era mostrar isso, além da exploração da mulher, além

da zona, de toda situação precária que eles viviam lá, tem uma zona ainda, era

o lance da crítica social, da pobreza, da miséria, da exploração, falta de

oportunidade e tal. Aí, o jornal era o que? Jornal era datilografado,

datilografado as colunas, todo datilografado página por página, tinha uma

ilustração do Daibert, uma ilustração do Jorge Arbache, tinha uma ilustração,

última página era o Lacerda, que é um dos maiores ilustradores ligados ao

DCE, um cara genial de traço forte, muito corrosivo e ilustrava para o DCE, e a

gente tinha alguns ensaios, tinha algumas entrevistas, tinha algumas matérias

bem fortes, e a gente contava com a colaboração de algumas pessoas, Sérgio

Cabral pai, que era um crítico de música muito importante do Rio, porque ele

não podia falar nem no Pasquim o que ele falava para gente aqui. Então, ele

via a gente como uma válvula de escape, por quê? Se ele falasse que o

Tinhorão era agente da CIA no Pasquim ou num jornal grande que ele escrevia

ele podia até ser demitido ou levar um processo, se falasse em Juiz de Fora a

repercussão ia ser muito menor, e ele queria falar isso que ele achava que o

Tinhorão era agente da CIA, provocando Tinhorão, então, ele vinha aqui no

Faisão Dourado, ou no Brasão, essa foi no Brasão e dava entrevista para a

gente e falava o que bem entendia e saía no outro dia, a gente fazia uma

matéria e falava que Ana Maria Bahiana e Thales de Souza tinha o rabo preso

com as gravadoras, só para provocar e eles ficavam nervosos, mandavam uma

carta para a gente, para publicar no outro número, desaforada a carta contra a

gente, que eles não tinham rabo preso nenhum de onde é que nós vamos tirar

isso?

P/2 – Era diário?

R – Não, o jornal foram três números, dois números 76 e um número 77, eu

não sei o porque só duram três números do Bar Brazil e a Delira que foram três

números também, porque a Delira foi 83, 84, porque era muito boas de

qualidade, a Delira então uma das melhores revistas de literatura do Brasil dos

anos 80, se você pegar ela hoje você vai ver o nível dos colaboradores

nacionais da Delira era muito forte, para entrar lá tinha que ser muito bom de

literatura, não precisava ter nome, porque importante era a qualidade do

trabalho, e a gente cagava e andava para nome, porque inclusive o quarto

número não saiu por causa do pessoal da poesia de vanguarda de São Paulo,

os irmãos Campos, que o José Santos e o Valtinho pediram a colaboração e

quando chegou o Ruffato, eu e não lembro mais quem, o Iacyr achou que não

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tinha qualidade, o Iacyr sempre foi contra essa poesia de vanguarda, mais na

linha dos Campos, e tal, o Ferreira Gullar uma época, e o Iacyr achou muito

ruim o poema, não quis publicar, ficou aquele embate na redação o Ruffato, o

Iacyr e eu de um lado, José Santos e Valtinho do outro, e eles argumentando:

nós pedimos, aí nós falamos: tudo bem a gente pede para um monte de gente,

mas se não tiver qualidade não sai, aí nós resolvemos matar a revista, do que

matar o critério que a gente era autônomo para escolher o que era bom e o que

é que não era. Nós poderíamos até estar errado, talvez não fosse tão ruim o

poema a ponto de não sair numa revista, mas a gente era muito metido a

besta.

P/1 – Agora o Bar Brazil teve três edições, e vocês distribuíam na rua?

R – Era gratuito na rua, botava lá um valor simbólico, mas todo mundo recebia,

na universidade, na rua e tal, aí é o marco da imprensa independente, do

mesmo jeito do Binômio, do mesmo jeito do Sete, o Bar Brazil é a continuação

disso, a irreverência, mas irreverência com qualidade, o grande lance é que

você pode fazer um produto político, mas tem que ter qualidade, qualidade

literária, qualidade musical, qualidade artística, não adianta ser só panfleto, só

panfleto não vinga, a gente está até hoje com a poesia, com a continuidade da

poesia, por quê? Porque a gente foi referência para um monte de gente, a

gente tinha referência, Pedro Nava, com aquele poema ‘O Defunto’ um poema

importantíssimo, Murilo, Drummond, mas de Juiz de Fora o Nava e o Murilo e

Gilvan, uma referência importante, apesar de ter publicado muito pouco, e a

gente viu que podia dar continuidade com trabalho de qualidade desse nível

desse pessoal, e eu acho que a qualidade que a gente tinha, levou a essas

novas gerações dos anos 90 e 2000 e agora a ter referência na gente. Então, a

continuidade desse trabalho é fundamental, porque Juiz de Fora eu considero

igual o Afonso falou, que é um núcleo importantíssimo da poesia

contemporânea brasileira, um núcleo de muito respeito, e que se continuar

produzindo nesse nível ainda vai dar muita gente boa.

P/2 – Esses números vocês fizeram lançamento?

R – Lançamento, exposição dos trabalhos, como tinha muito artista plástico

forte participando, a gente fazia lançamento, fazia exposição, o Rogerinho

Teixeira tinha uma livraria, espaço cultural, e a gente lançava o Delira lá, num

happy, com show.

P/1 – A Delira ainda é também publicada na época da ditadura?

R – É, finalzinho.

P/1 – Governo Figueiredo, isso foi o que? 84?

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R – 83, 84.

P/1 – Agora a D´Lira já tinha um formato revista, mais sofisticada também em

termos de produção?

R – Naquela época a gráfica já era melhor, a gente já tinha mais condições, a

matriz era melhor, o processo industrial vai te empurrando para melhor, a

Delira era uma revista de arte, e o Bar Brazil era um jornal mais político, que

era mais amplo, tinha entrevista, tinha debate, tinha ensaio, mas era um jornal

com viés mais politizado, e a Delira não tinha essa preocupação com a política

na verdade, tinha preocupação com a qualidade literária, fazer uma revista

nacional boa, e uma pena ter acabado, hoje eu acho que se a gente tivesse

publicado o poema dos irmãos Campos, talvez a Delira não tivesse acabado,

talvez ela tivesse tido continuidade e sustentação, porque se você pegar os

três números, eles são muito atuais na qualidade do trabalho.

P/1 – É curioso que você tenha, por exemplo, durante o governo militar, uma

produção de tal qualidade, de tal referência em Juiz de Fora, e isso me parece

que depois não houve uma continuidade.

R – Essa é a pergunta que nós todos nos fazemos, José Santos, Mutum fazia,

Ruffato, Iacyr e o Edmilson, porque debaixo da ditadura, com as condições

precaríssimas, só com a gráfica do DCE, a gente correndo o risco, lei de

segurança nacional e mais um monte de coisas, levar processos, a gente fazia

uma negócio incrível, e fez muito, porque você vê que a produção é muito

grande. Quando em lancei em 2002 a poesia em movimento, que é a antologia

que reuniu a poesia desse movimento todo...

P/1 – Você está com ela aqui, podia até mostrar um pouco para a gente.

R – Foram 43 poetas, e só entrou gente de qualidade.

P/1 – Poesia em movimento, você podia até mostrar.

R – Ela reuniu 43 poetas, e eu acho que tem um negócio incrível nela, que o

Iacyr ajudou muito nisso, que foi no final ele tem uma ordem cronológica com

todos os poetas, os 43, e tem um levantamento cronológico da poesia

contemporânea de 75 até 2000. Então, todas as premiações, todos os livros,

todos os movimentos, isso aqui para mim vale tanto quanto o livro, porque é

um mapeamento que a gente fez, que eu aprofundei um pouco o que o Iacyr

começou a fazer, com tudo que aconteceu com essa geração, com esse

pessoal, esse documento aqui é um documento precioso, porque ele vale a

nossa história, vale o registro do que cada um fez, dos prêmios que ganho, a

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idade cronológica, cada livro de cada um, ali você conta a história mesmo,

sequencial desse movimento de poesia, importante em Juiz de Fora, desde 75.

P/1 – Agora voltando um pouco para o jornal, para o jornal com dono, com

gráfica, você era diagramador na Tribuna, que período você ficou na Tribuna?

De 81 quando ela fundou.

R – Eu saí quando o Tarcísio ganhou a prefeitura. Na verdade para contar isso

tem que voltar um pouquinho, eu acho que no jornal eu e o Valtinho tivemos

um papel decisivo para que algumas coisas acontecessem em Juiz de Fora,

porque a gente, para você ter uma ideia, a campanha do Central, o Central

estava, tinha um projeto empresarial para poder fazer tipo uma torre em cima

do Central, e aquilo ali virar quase que um shopping, daí nós falamos: como?

Como o Central? De jeito nenhum, aí eu peguei o Betinho e falei com ele, você

vai entrar lá no Central para fazer as fotos, a Valéria Frossário e o Betinho. Nós

entramos, eles ficaram fotografando e eu fui conversar com o gerente, o

gerente não viu o que é que eles fotografaram, então, eles pegaram e fizeram

as fotos, acho que foi a Valéria, fez as fotos da marquise entupida de lixo, das

gambiarras todas elétricas, do risco que corria pegar fogo, das cadeiras

quebradas, do segundo andar que ninguém podia frequentar direito, terceiro

andar, uma galeria que estava em petição de miséria, todo o problema do

Central, e ele ficava muito na penumbra para ninguém ver, e a gente revelou

isso, a cidade tomou um susto com essa matéria. Inclusive essa matéria eu

não assinei, porque a Kátia achou que como eu entrei lá sem falar que era para

fazer uma denúncia, que eu não conseguiria mais fazer nada em relação a

isso, eu como produzia show e tal, seria problema para mim, até para eu

conseguir o Central para alguma coisa, aí eu dei uma entrevista, como quem

tinha participado, visto o acontecido como produtor cultural, e o Rodrigo

Barbosa assinou a minha matéria, eu passei a minha apuração para o Rodrigo

e o Rodrigo assinou a matéria, que ele trabalhava na redação com a gente na

época, me preservou um pouco e na verdade tinha muitos interesses

comerciais também ali em torno do Central, tinha muita gente querendo aqui lá,

e a cidade tomou um choque, porque a cidade não sabia que o Central, que

era o troço mais importante, lugar mais importante da cultura de Juiz de Fora

estava prontinho para pegar fogo, alguém estava deixando ele pegar fogo,

porque aí acabava e transformavam no que eles queriam, a cidade não gostou,

a cidade reagiu. Aí, nós criamos aquela campanha que o Serjão procurou na

época, logo depois a Funalfa com o Tarcísio, a primeira administração do

Tarcísio, o Serjão trabalhava na Funalfa, o Reginaldo era o superintendente,

eles procuraram o Milton e o Milton criou o slogan: ‘O Central é emoção de

todos nós’ aí nós fomos ajudar a arrumar, todos os artistas foram no Central

para dar depoimentos favoráveis para que fosse possível comprar o Central, o

Tarcísio até tentou com a Caixa Econômica, mas não conseguiu, aí o Central

foi comprado depois pela Universidade já com o Murilo Hingel e com o Itamar

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na presidência, o Murilo no ministério da educação, foi transferido para a

prefeitura, nós criamos um conselho, tem um problema sério, porque o Murilo e

o Custódio, por ter disputado a prefeitura um contra o outro, não queria que um

entrasse na placa, então, a placa não tem o nome do Custódio, mas o Custódio

acabou ganhou a eleição pouco depois e fez a restauração, fez a reforma, aí

botou outra placa por causa da reforma, mas essa campanha foi

importantíssima que o jornal trocou de posição na verdade, o jornal não tinha

uma posição clara em relação a preservação do Central e passou a ter depois

dessa matéria, depois...

P/1 – Mascarenhas meu amor.

R – A campanha Mascarenhas meu amor, que eu e o Valtinho fomos para a

rua com o Gueminho e o Simões, principalmente, e o Rogerinho Teixeira, e a

gente achou que, na verdade o Mello estava fazendo teatro contra o Central, O

Pascoal Carlos Magno, era um teatro contra o Central, não era mais um teatro

para a cidade, porque eles criando o teatro de 500 lugares de luxo, eles não

iam possibilitar a aquisição do Central, como a cidade estava nervosa por

causa de perder o Central, pegar fogo e tal, o teatro já começou mal, apesar do

Ismair e do Mello baterem muito que era um teatro alternativo, menor, de 500

lugares, de luxo, que a cidade precisava ter um teatro dela e que não tinha

dinheiro para comprar o Central, a gente achou que o projeto deles era muito

caro, que era um projeto muito sofisticado, com mármore, com tapete, igual ao

Teatro Villa Lobos no Rio, mesmo projeto, mesmo projetista, e o Gueminho e o

Simões bateram muito nisso, o José Luís Ribeiro ficou sozinho defendendo

aquele teatro, e o movimento cultural todo ficou contra. E aí, eu e o Valtinho,

para você vê como é que as coisas acontecem, eu e o Valtinho Sebastião, um

dia na redação falamos com a Kátia: Kátia o Tarcísio ganho a eleição do Mello

e aquele teatro começou a dar muito problema estrutural, tinha um talude, eles

tiveram que gastar o dinheiro todo para cima do teatro, para tapar o talude,

com a cortina, gastou o dinheiro todo, e ainda teve as casas ali da Halfeld que

tiveram que ser demolidas e tiveram que indenizar os proprietários, demolição

das casas por causa do talude, e ficou num impasse, não tinha lei de

responsabilidade administrativa de uma administração para outro, o cara

terminava a gestão e o outro não ia fazer o que ele deixou para trás, e a gente

percebeu que o Tarcísio não ia terminar aquele teatro por ser do Mello, por

causa da briga política entre eles, muito pesado, MDB e Arena, e aí, nós

sentíamos que tínhamos que discutir o que é que vai ser a Funalfa daqui para

frente com esse empasse, tinha o teatro que era o Central, que não tem

dinheiro para comprar, e o outro que está pela metade e não vai conseguir

terminar, o que é que vai ser feito daquilo? Aí eu e o Valtinho conversamos

com José Carlos de Lery Guimarães, que era o âncora do Flagrante Sobre

Opinião e Debate, que era um programa na PRB3, o Juracy tinha comprado a

PRB3, ia virar Solar, não tinha virado ainda e tinha o jornal, e eu falei com a

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Kátia: o José Carlos faz o programa, nós vamos chamar o pessoal da cultura,

por área, cada dia vai um, cada semana vai um, um setor, música, artes-

plásticas, cinema, dança, teatro, cada dia vai um, a gente faz o programa de

uma hora com eles, eu e o Valtinho tiramos a fita e publicamos domingo no

jornal, te alivia, porque você vai ter uma página sensacional no domingo, você

não precisar ficar virando noite, porque o caderno dois era muito grande, ela

falou: “Vocês ficaram doidos, vocês vão fazer um programa, ainda vai dar mais

trabalho, ainda vai ter que tirar essa fita,” “deixa que eu e o Valtinho fazemos” e

aí começou o debate lá, com o José Carlos ao vivo no programa 11 horas da

manhã, ia até quase meio dia, e nós começamos a levar os setores, para num

programa final levar o Reginaldo com algumas pessoas de cada área, para

discutir com o Reginaldo, que ia ser o superintendente da Funalfa. É engraçado

que a eleição era 15 de novembro, era um turno só, e a posse só era em

março, primeiro de março, não era igual a hoje, que a posse é primeiro de

janeiro, não dá nem tempo, não tem especulação, naquela época tinha

especulação quem vai ser secretário, e quando o Tarcísio falou que ia ser o

Reginaldo chamou para ele a briga, porque era o Ismair e ia ser ele, o que é

que o Reginaldo vai fazer? E nós achamos que nós tínhamos que interferir de

alguma forma, o jornal tinha que contribuir para isso do que é que vai ser, era

muito só achar só o que é que o Reginaldo pensava, a gente achava que a

cidade tinha que falar o que é que ela queria, e o programa do José Carlos

ajudou demais da conta nisso, nós começamos a botar a cidade de cabeça

para baixo, discutindo área por área, e dava uma audiência incrível, e a matéria

no domingo depois também fazia o jornal vender bastante. E todo mundo

discutindo o que vai ser da área de cultura e ninguém sabe qual foi, mas num

desses debates alguém falou lá, na rádio, porque é que não briga também pela

Mascarenhas? Não tinha luta pelo patrimônio, não tinha preservação,

patrimônio do Brasil era Ouro Preto, era cidade histórica, ninguém pensava que

Mascarenhas tinha importância histórica, nesse debate nós vimos que tinha,

nós começamos a perceber que aquele prédio da Mascarenhas era um pouco

a essência de Juiz de Fora, igual ao Central, por quê? Era uma cidade que

tinha um teatro de dois mil e pouco lugares na época, antes da reforma, dois e

200 pessoas chegou a dar lar, era muito grande aquele teatro, com um palco

daquele, com uma pintura daquela, com acabamento daquele, era um teatro

muito chique para uma cidade pequena do interior de Minas, o que é que levou

Juiz de Fora a ter um teatro daquele? Quem eram os loucos que construíram

um teatro daquele e o cinema? Porque é que chegou no ponto que chegou?

Porque é que a Mascarenhas que era a maior fábrica têxtil, uma das maiores

do Brasil estava entregue as baratas, estava sendo demolida? Nós no jornal

começamos a provocar a cidade para refletir sobre a cidade, acho que esse foi

o maior papel, acho que eu e Valtinho tivemos e a Kátia como editora teve a

sensibilidade de deixar a gente fazer isso, porque que se fala não, a gente

também não ia ficar brigando o tempo todo com ela para impor esse tipo de

visão do jornal. Acho que o jornal foi importantíssimo, porque abriu esse leque

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de discussão, a cidade começou a discutir, todo mundo em todos setores, e a

gente conseguiu contribuir com o Reginaldo, quando chegou na Funalfa, eu

lembro que teve uma reunião lá ele chamou Rui Merheb, eu, Arlindo Daibert,

Iacyr, Fiorese, pessoal da música, tinha muita gente, e todo mundo dando

opinião, e ele falou tragam por escrito, aquilo que nós tínhamos feito no jornal,

o jornal já tinha sistematizado, tragam por escrito essas propostas todas que

nós vamos ver o que vai acontecer. Aquilo possibilitou a cidade recuperar a

imagem que a Mascarenhas tinha que é a alma da cidade, alma por quê?

Porque ali como indústria têxtil, abrigou todo mundo que morava nessa cidade

de alguma forma, empregado, ou comprando as roupas, as malhas dali, todo

mundo tinha uma relação com aquela fábrica, então não tinha como, você

permitir que aquela fábrica fosse abandonada, aquilo ali voltar a ser um lugar

vital para a cidade vivo, era um desafio que a cidade tinha que resolver, e acho

que foi isso que nós conseguimos contribuir e mostrar como o caso do Central.

E aí, eu acho que a cidade sentiu esse peso de se confrontar com ela mesmo,

com a decadência dela, porque a decadência econômica em Juiz de Fora,

levou a que a cidade fosse perdendo espaço para o projeto de Belo Horizonte,

Betim, de Contagem, industrialmente, mas não perdeu só isso, nós éramos as

melhores escolas do Brasil, em Minas era, tirando uma ou outra de

Cataguases, no Caraça era Juiz de Fora.

(fim do vídeo 3)

R – Essas escolas daqui tinham um peso muito grande de qualidade, e isso

possibilitou que você tivesse os escritores, os artistas, os músicos, a formação

dessa cidade. Então, não é uma cidade comum, você pega as cidades do porte

de Juiz de Fora no Brasil, poucas vão ter uma geração de escritores, uma

geração de pintores, uma geração de músicos como Juiz de Fora tem, poucas

vão ter, e isso é o quê? A tradição musical formada nos colégios, a tradição

literária formada nos colégios, nas bibliotecas, olha que é que foi o Granbery,

como é que foi a Academia, olha o que foi o Jesuítas, olha o que foi os outros

colégios, o Machado, Santos Anjos, são colégios, o Stella, tem tradição, tem

peso de formação cultural. Então, a cidade estava se mesquinhando, a cidade

estava perdendo essas referências, eu acho que aí o jornal cutucou e mostrou

que não dava mais para você conviver com esse tipo de coisa, então, ao

resgatar a Mascarenhas, e ao resgatar o Central, você jogou a autoestima para

cima, você levantou lutas que foram vitoriosas, e mostrou que se você juntasse

você conseguia. E aí, eu acho que o jornal tem um papel importantíssimo,

porque jornal tem dono, jornal tem vontade política do dono, jornal tem os

editores, mas tem uma coisa que não tem dono, que não tem editor que possa

segurar que é a vontade do leitor e do leitor que compra o jornal, na verdade

quando a sociedade começa a achar uma coisa, se o jornal ficar contra o jornal

sai perdendo, porque perde leitor, e o jornal vive de leitor, essa coisa é um fio

da navalha, a questão da opinião pública, se você afronta a cidade, se você

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afronta a opinião pública o seu risco é muito grande, como empresa, como

indústria.

P/1 – Jorge me parece uma coisa curiosa, você fala, quer dizer, o papel do

jornalista como intelectual e como catalizador de uma série de mudanças, um

papel de responsabilidade ou não, mas me perece que aqui em Juiz de Fora e

em outros lugares do país isso acabou.

R – Christina, eu acho que a imprensa mudou muito, a gente tem que refletir

muito, por exemplo, eu não sei o que é que vai virar a imprensa, o que é que

vai virar o livro. Assim a base é o papel, o jornal, mas a informação hoje está

na internet, está no celular, se você não tiver competência como indústria,

empresa de antecipar essa mudança e saber que você tem que oferecer para o

seu leitor o que ele quer, na hora que ele quer, no meio que ele está usando

você quebra, então eu acho que o jornal vai mudar, eu não sei se vai acabar a

base de papel, o jornal impresso, mas jornal impresso hoje é anacrônico, do

ponto de vista que ele fica velho mais rápido, porque se você bota uma matéria

as três da tarde, que aconteceu as duas na internet, no site do seu jornal, você

vai querer que o cara compra o jornal para que depois no outro dia? Aí que eu

acho que entra a discussão daquela coisa da qualidade, da reflexão, o jornal

não pode ser o jornal de notícia curta como alguns são, o jornal vai ter que ser

um espaço de reflexão, vai ter que fazer aquilo que a gente fazia lá no início do

jornal, que é saber instrumentalizar o que é que está acontecendo na cidade,

para construir uma ligação com a sociedade e ela se vê representada no jornal,

então, se o jornal não for um jornal de opinião, se o jornal não encampar as

lutas, não encampar as campanhas, não passar a ser reflexivo ele vai virar o

jornal de notícia curta velha, não dá mais. E eu acho que tem um preconceito

no Brasil, que as pessoas acham que as pessoas não leem, é um erro, as

pessoas não tem acesso a leitura, não tem salário para comprar livro, para

comprar jornal, mas eu acho que você tem que trabalhar sempre para

dimensionar e fazer com que as pessoas leem cada vez mais, a informação é

formação delas. Então, eu acho que os jornais no Brasil tem um desafio muito

grande, você vê, a minha geração é a geração dos cadernos literários, dos

cadernos de música, não tem mais, não tem mais caderno literário, não tem

mais caderno de música, tem mais ou menos uma crítica de música num ou

outro jornal e olhe lá, então isso é muito ruim, porque quando você tem uma

base de referência crítica você pode até gostar de outra coisa, mas você vai ler

ali o que pode te influenciar para você comprar o produto, comprar o livro,

comprar o disco, você vai com mais confiança para o mercado, quando você

não tem essa base a gente vira essa lambança cultural que virou o Brasil. Não

consigo entender, um país que tem a Bossa Nova, agora com o centenário do

Vinícius chamou atenção para isso, o Vinícius e o Tom fizeram em torno de dez

músicas importantes dentro de tudo que fizeram que eles só são mais tocados

no mundo com duas do que os Beatles, subestimar esse número, não dá e o

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Brasil abdicou de ter uma música dessa para ter lixo musical, o Brasil deixou de

ter Milton, Gil, Chico, Caetano, a geração dos festivais para ter lixo musical, e

hoje está fácil gravar, porque não tem mais gravadora, você tem estúdio

caseiro, e o Brasil está perdendo o que ele tem de melhor na música, que é a

qualidade, a qualidade musical, a música brasileira tem uma coisa, a Bossa

Nova só virou o que ela virou, porque os caras muito bons letristas, mas eram

muito bons músicos, eram gênios da música, na melodia, na harmonia, não é

atoa que você tem numa mesma geração Vinícius, Tom, todo o grupo da Bossa

Nova, mais o João Gilberto, ninguém sai disso impunimente, isso vira um

negócio maior do que um país, e a Bossa Nova é maior do que o país, a

música que saiu do Milton, Chico, Gil, Caetano é maior que o país, transformou

o Brasil num país conhecido lá fora, respeitado lá fora, Egberto, Hermeto,

Baden Powell, o Brasil é muito rico na música, e hoje está virando o país do

lixo musical, ninguém respeita o Brasil mais musicalmente, ninguém respeita,

pode vender muito, pode encher arena, pode fazer aquilo ou aquilo outro, mas

é música de consumo, música de elevador, não tem qualidade nenhuma.

P/2 – Tem uma questão que você coloca, que você disse aqui dessa lei de

incentivo a cultura, que ela está bem articulada, mas existe uma crítica que

você faz em alguns textos seus que não existe uma articulação entre as

pessoas que produzem cultura na cidade e que falta, e pensando a imprensa

também como você colocou, quer dizer, a imprensa articulando e colocando

para frente, como é que você vê essa relação, quer dizer, você tem leis de

incentivo você tem todo um regimental aí que está articulado, mas as pessoas

não se articulam em função disso.

R – Tem uma dado que eu acho que é muito sério que é o seguinte: agora que

a lei soltou o edital, julgou a COMIC e soltou o resultado, a Funalfa fica cheia

de gente, todo mundo vai lá, porque quer o dinheiro da lei, aí os produtores se

avoram, e todo mundo vai lá e participa, passou esse período ninguém aparece

mais. A minha crítica, tem que ser bem claro, como eu estou no conselho,

quando eu falou eu falou com uma posição dentro do Conselho Municipal de

Cultura, minha posição é o seguinte: eu acho que numa democracia os setores

culturais, estou falando de cultura especificamente, os produtores culturais tem

que ter responsabilidade na gestão, não adianta achar que o superintendente

da Funalfa vai fazer alguma coisa, não vai fazer, vai fazer o que bem entende,

é isso que a gente não quer, a gente criou a lei, quando a lei foi implantada,

nós demos suporte para a lei, apoiamos a lei, por quê? Porque a gente queria

tirar da mão do superintendente da Funalfa dá dinheiro para alguém, porque ia

dar para quem? Para os amigos, você vai dar para os inimigos? Então, nós

tiramos esse poder do superintendente da Funalfa, quando Ismair era

superintendente, quando Rodrigo foi, quando o Serjão foi, antes da lei, você

chegava lá, um produtor ele ia dar se achasse que o seu projeto era bom, ele

achava, nós acabamos com isso, quebramos essa regra, nós criamos um

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edital, na verdade a lei é uma licitação, ela tem que ser olhada como uma

licitação, ela não é lei de autoajuda, ela não é para ajudar alguém a fazer o

primeiro trabalho, isso é um erro de algumas pessoas que acham, o critério

dela é qualidade, a palavra que eu mais falei aqui hoje deve ter sido essa, você

tem que aprovar projetos de qualidade, se o Murilo Mendes na época dele

tivesse uma Lei Murilo Mendes, ou uma lei sei lá qualquer nome antes, ele

ganharia a lei pela qualidade do trabalho dele, hoje nós teríamos dele, que ele

não bancaria para lançar o primeiro livro, mas teria os frutos da lei, de uma lei

de incentivo, eu acho que é para isso, quando você pega uma obra como do

Fiorese, do Iacyr, do Edimilson, e daqui sei lá, duas, três décadas, você vai ver

que essa obra pode vir alume, pode sair publicada, que teve uma escora de

uma legislação e de uma licitação pública você vê quanto que pode público

avançou, que ajudou a alicerçar uma literatura importante de qualidade, teve

julgamento para entender a qualidade desse processo, e conseguiu tirar isso

da gaveta, e botar isso a público. Então, se você entra na lei, porque é a

primeira vez, ou que é para te ajudar a lançar um livro, para ver ser você vai

virar um escritor, não é assim, não é para você fazer o seu primeiro disco, não

é para você fazer a sua primeira exposição, eu sou contra esse critério, acho

que não é lei de ajuda, de autoajuda, lei de qualidade dentro de um edital, você

vai eleger ali os melhores projetos, e é lógico que não tem também produção

suficiente para todo ano, vê se a Christina com as pesquisas dela todo ano vai

lançar um livro de pesquisa, não dá nem tempo, então, ela tem direito de

ganhar a lei uma vez e fazer outro projeto de outra pesquisa dois, três anos

depois e entrar na lei e ganhar, agora eu tenho culpa do Marcos Pimentel ser

um puta de um cineasta e se ele tiver condição de fazer um filme numa lei e na

outra, vai negar porque ele ganhou a outra? Não, se for bom tem que apoiar o

projeto do cara, que isso? Você vai agora atrapalhar o cara que tem um bom

projeto só porque o cara já ganhou uma vez? Isso é ridículo, você tem que

apoiar e dar incentivo, dar força para você ter uma produção com qualidade,

esse que é o grande lance, e tem que desafiar isso, as pessoas que estão

entrando na lei pela primeira vez tem que ter qualidade para ganhar a lei, não

adianta ser só a primeira vez.

P/1 – Jorge, vamos voltar um pouquinho para a gente já ir dando um

fechamento, o seu cotidiano hoje, você saiu do Tribuna quando? E depois

como você lidou com o jornalismo?

R – Quando o Tarcísio ganhou a prefeitura na segunda vez, eu estava fazendo

a campanha, basicamente estava fazendo a campanha do Di Cavalcanti e a do

Portinari, para restaurar o Di Cavalcanti e o Portinari, e eu estava fazendo o

memorial para pedir o IPHAN o tombamento do dois, e tinha ajudado quando o

Custódio estava na prefeitura nos trouxemos o aqui, para fazer a Biblioteca

Murilo Mendes lá no prédio da Mascarenhas, e eu lembro que o Custódio falou:

precisamos trazer gente de Juiz de Fora para eles verem o que é cultura de

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Juiz de Fora, aí ele fez até um almoço na casa dele, veio o Afonso Romano,

veio o Carlos Bracher, a Sueli Costa, veio o Tavinho Moura, veio o Fernando

Brant, que também fala que é de dentro de Juiz de Fora, virou mesmo, veio um

monte de gente importante da cultura para mostrar para, que além do Central,

Museu, Mascarenhas, biblioteca que a gente queria e tal a gente tinha algumas

coisas de peso que era essa produção cultural. O Tarcísio viu isso aí tudo e viu

a campanha que eu estava fazendo no jornal para resgatar o Di Cavalcanti e o

Portinari, para não deixar os dois monumentos acabarem, o Di Cavalcanti é um

absurdo, assim, é uma indignação, porque nós conseguimos que a Vidrotil

doasse as pastilhas de vidro, conseguimos que o Natalino fizesse um projeto

com espaço e tempo lá pela secretaria de obra, nós restauramos, colocamos a

placa nova, entregamos com apoio daquela Coringa Pneus, os primeiros

meses que mantinha a praça ativa, e é o símbolo da industrialização de Juiz de

Fora, quando eu falei lá no início, a mediocrização de Juiz de Fora veio junto

com a decadência econômica, porque só a decadência econômica você

enfrenta, mas a mediocrização é difícil de enfrentar, você vê que a gente

conseguiu restaurar. Aí, o Tarcísio me chamou e falou comigo: eu quero que

você vá para a Funalfa, para ajudar na produção da Funalfa, tinha um

problema político-partidário, ele não quis enfrentar o problema político-

partidário, direito dele, e aí eu fui para ser o assessor de imprensa, só que eu

cheguei lá, ele falou comigo, ele e a Vera Amaral: eu quero que você faça o

que vinha fazer no jornal, eu fui conversar com o Juracy, com a direção do

jornal, Paulo Cesar, os filhos do Juracy e falei com ele: me chamaram, me

convidaram, o salário é maior, eu vou trabalhar com a imprensa é incompatível

com o jornal eu ficar lá, vocês ou falam comigo nós queremos que continua no

jornal, vamos discutir como vai ser a minha relação aqui dentro, ou você está

liberado, vai ter uma licença não remunerada, e você vai lá para prefeitura, aí,

eu fui, me liberaram, me deram uma licença não remunerada.

P/1 – Isso foi o que? 90...

R – Foi no primeiro dia do governo do Tarcísio, eu peguei uma licença não

remunerada no jornal e fui para a assessoria de imprensa da Funalfa, na

verdade não existia assessoria de imprensa, assessoria e relações públicas,

nós criamos assessoria de imprensa mais organizada, fizemos o jornal, a

Revista AZ, fizemos o Orfeu, o José Alberto era superintendente, viu que

precisava de ter uma articulação grande de imprensa e tal, eu acho que foi um

trabalho forte que foi feito pela Funalfa naquelas duas gestões.

P/1 – Quer dizer você aí saiu da Tribuna?

R – Peço licença e vou trabalhar na imprensa da Funalfa, mas fazendo um

trabalho também de imprensa, porque a Revista AZ foi um negócio importante,

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ela não chegou a ser uma Delira, no ponto de vista literário e tal, mas ela

cumpriu um papel interessante.

P/1 – A Revista AZ ela circulou quanto tempo?

R – Ela circulou entre um mandato e outro e também não tinha uma

periodicidade muito rígida não, conseguiu o material, tinha um evento

importante ela alavancava aquele evento, a Orfeu também, que era voltada

para os escritores de Juiz de Fora, para resgatar cada número um autor ou as

obras de alguns autores, foi um período importante, agora tem que ver o

seguinte: também o jornal tem determinados limites, às vezes quando você vai

para uma esfera de poder dessa você passa a poder interferir nas coisas, aí foi

possível recuperar o Di Cavalcanti e o Portinari. O Portinari está preservado por

aquele blindex, ainda está melhor, porque as pessoas pararam de urinar nele,

que é o banheiro público mais chique eu já vi, urinar num Portinari todo o dia na

Rua Halfeld com a Rio Branco e o Di Cavalcanti voltou a ter todos os

problemas, de pichação, tem uma tal de Força Jovem do Vasco, Força Jovem

do Botafogo, que de força não tem nada, que de jovem não dever ter nada, e

que são uns débeis mentais, uns idiotas de vândalos, que ficam brigando uns

contra os outros, e em vez de resolver o problema deles, eles vão lá pichar a

cidade, então acabaram com a cidade, não é gangue, porque gangue é uma

coisa organizada, quando a gente fala em gangue a gente lembra lá dos

mafiosos e tal, é um bando, galera, bando, mas bando de idiotas.

P/1 – Vândalos.

R – Bando de idiotas, eu acho que você não constrói nada vandalizando as

coisas, se infiltrando num meio de uma manifestação importante para

vandalizar as coisas, sabe por quê? Porque aquele Di Cavalcanti lá é o

primeiro monumento modernista em praça pública em pastilha de vido no

Brasil, ele é um ícone do Modernismo no Brasil, a cidade tinha que tratar aquilo

ali a pão de ló, porque aquilo é o símbolo de que Juiz de Fora foi importante e é

importante do ponto de vista do Modernismo da industrialização, é o símbolo

do centenário de Juiz de Fora. Além disso, aquilo ali é um desenho do Di

Cavalcanti dez anos antes de Brasília, e se você olhar a voluta, as três figuras

e tal, está tudo que está em Brasília dez anos depois, então, Di Cavalcanti

traçou ali o que viria a ser o imaginário de Brasília, a ideologia modernista de

Brasília, com dez anos de antecedência feito dentro do escritório do Niemeyer,

é uma criação coletiva é, Brasília, mas o primeiro traço de que vinha a ser

estética de Brasília foi dado dentro do escritório do Niemeyer pelo Di

Cavalcanti, isso não tem preço, e isso não pode ser apagado, e isso está aqui

e a cidade está indo lá vandalizar, virou outro banheiro público, já está

deteriorado de novo, não vamos conseguir mais as pastilhas de cerâmica e

nem as pastilhas de vidros iguais, então, assim, você faz um esforço para

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conseguir restaurar um momento daquele para meia dúzia de idiota lá e

vandalizar tudo, com apoio do serviço público, esse que é o maior problema,

porque a própria prefeitura é irresponsável do ponto de vista de permitir que

chegasse a vandalizar de novo, menos de 15 anos, 12 anos depois de

restaurar, porque tinha que ter guarda municipal para lá, por quê? Porque a

guarda municipal foi criada para cuidar disso, se tem um troço importante em

Juiz de Fora é o Parque Halfeld e aquilo, aquela praça e eles permitem que ali

vira uma zona, eles não cuidam, o espelho d’água não está mantido, a

desculpa da Cesama é que tem dengue, então, eu não posso ter uma piscina?

Não dá, joga remédio.

P/1 – Jorge você sempre foi um militante, você teve atividade sindical?

Rapidamente para você passar pela atividade sindical, fala para a gente assim.

R – Muita. Eu acho que o sindicato é uma escola, eu quando entrei no jornal

uma das primeiras coisas que a gente fez foi fortalecer o sindicato, e eu fui

secretário geral várias vezes, prestei meu nome um monte de vez para ser

secretário, ajudei um pouco, fui da Fenaj como representante, fui alguns

congressos fora, e acho que todo mundo que está numa redação de TV, jornal

e rádio, tem que sindicalizar, tem que ajudar o sindicato, porque na hora do

salário quem vai lutar para a gente é o cara que está lá no sindicato e que tem

imunidade, porque se a gente for de cara limpa enfrentar patrão, é demissão na

certa. Então, o sindicato tem um papel importantíssimo, quem te defende é o

sindicato da tua categoria, você tem que estar organizado em categoria, então

eu acho que todo mundo tem que se filiar, todo mundo tem ir lá dar um

pouquinho do tempo, dentro da redação ser um cara que é a cara do sindicato,

não permitir que tenha abuso, porque nós temos uma relação capitalista, por

mais que a gente lute por socialismo, democracia e tal, mas a relação é

capitalista.

P/1 – Jorge, você tem algum arrependimento nessa sua história de tantas

lutas?

R – Nas lutas não, eu acho que tem indignação de ver o Di Cavalcanti depois

de tanta luta para restaurar, para mostrar o que é que era não conseguir,

conseguir que ele volte a ter os problemas todos, você ter que lutar tudo de

novo para recuperar. Tem um dado importante que eu acho no lado da música

que eu não falei que é o seguinte: teve um dia que Osmar Chor, que era diretor

de jornalismo da Globo me ligou e falou comigo: “Jorge estou com um

problema aqui” mesmo eu estando no jornal na época “estou com um problema

aqui que é o seguinte, o cara que trabalha na Globo me falou que descobriu o

cara que fez aquele música Minas Gerais, que mora do lado da casa dele, que

está passando fome e muito doente e tal, lá no Santo Antônio, você não quer ir

lá para mim para conferir se é verdade vê se é, porque eu estou com medo de

Page 40: Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina ... · que eu tenho de Juiz de Fora, é que ali tinha o mercado na frente, tinha a Padaria Nacional na frente, não era aquele

dar essa matéria e tomar um furo nacional se não for o cara, eu estou sem

segurança nessa matéria, está tudo certo, mas alguma coisa está me falando

que tem que ir lá ver se é ele mesmo” eu era muito amigo do Osmar, era um

crítico de música conhecido, que as pessoas confiavam no que escreviam e tal,

aí eu falei: “eu vou lá” cheguei lá tomei um susto, quando eu vi o De Moraes,

porque a situação dele era muito precária, ele pegou o violãozinho dele lá,

pegou as partituras me contou a história, a mulher dele, me contou a história

dele toda, como que ele abandonou a música. E ele foi um dos maiores ídolos

mineiros da Era do Rádio, vivendo uma situação horrível, recebendo, quando

recebia de três em três meses direito autoral, a música é o hino de Minas

extraoficial, porque Minas não tem um hino oficial, eu liguei para o Osmar:

“Osmar detona a matéria, para te dar esse aval que é ele mesmo” porque ele

estava querendo “você só vai me dar o aval de fazer uma matéria com ele,

para jornal, que televisão é muito rápido, você tem os seus limites aí, vou fazer

uma matéria com ele e estourar esse negócio, porque aquilo não pode ficar do

jeito que está, esse cara não pode passar fome desse jeito,” ele morava nos

fundos da casa, porque alugava a casa para poder comer, não tinha uma

pensão, não tinha nada. Aí, o Cleber Camargo, que é lá de Itabira, que eu já

conhecia num projeto relativo ao Drummond e tal, o Cleber me ligou e falou

comigo: “eu vi a matéria que vocês fizeram aí que conhece a vida do De

Moraes e ele quer ajudar na pesquisa, ele vai te mandar tudo, e eu quero fazer

um CD com esse cara resgatando as músicas dele, você me leva na casa dele

que nós vamos ver o estado dos LPs dele, quem sabe a gente faz um CD

resgatando,” aí, eu ajudei o Cleber a montar o CD, lançamos o CD, o dinheiro

da venda do CD foi para ele, o Tarcísio na época deu uma ajuda de custo,

depositou para ele uma poupança da prefeitura de dois mil reais na Caixa

Econômica, o Itamar ajudou dando uma comenda, uma medalha, que era o

que o governo de Minas podia dar, a Globo fez em Belo Horizonte uma votação

no estado inteiro da música do século XX, e o Minas Gerais ganhou, inclusive

ganhou do Milton Nascimento, da obra do Milton, e de todas as músicas do

século XX. Então nós ajudamos, eu acho que isso que é o papel do jornalista e

da imprensa, você vê uma situação, não conformar com ela, se indignar com

aquilo, fazer mais do que o dia a dia do jornal pode te dar, quer dizer além da

matéria e da denúncia, você transformar aquilo numa campanha, num apoio,

em alguma coisa que vai mudar aquela realidade ali, eu acho que se você

conseguir fazer isso, você está cumprindo o seu papel social, e eu acho que

isso não é mérito, isso é obrigação de quem está vendo as coisas e não aceita

que as coisas continuam do jeito que elas são.

P/1 – Você tem um sonho assim?

R – Não sei, hoje eu estou escrevendo em Portugal já tem o quê? Oito anos,

sete, oito, tem sido um desafio escrever para lá, porque eles têm um jornal

muito antigo, que era o Primeiro de Janeiro, teve um problema interno o jornal

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de cultura saiu, passou a ser quinzenal, e eles me dão a liberdade para

escrever que nunca tive no Brasil em lugar nenhum, até mais do que eu tive

aqui, e com algumas coisas que eu não conseguiria no jornal diário. Porque

quando 80 anos do Macunaíma eu fiz uma matéria sobre quem foi o

Macunaíma para o Brasil, e quem que o Macunaíma influenciou, e quem é que

o Mário de Andrade influenciou com Macunaíma, porque tem esse mito de que

o Macunaíma é meio brasileiro, meio jeitinho brasileiro, é um mito meio

preconceituoso de um lado, porque o Macunaíma é um personagem fantástico,

e pouco entendido por muita gente, para fazer a matéria eu falei eu quero que

o pessoal da literatura me falem que é o Macunaíma para eles, e eu fui

entrevistar exclusivo um texto pequeno assim, dez, 15 linhas, entrevistei 20 e

poucos escritores top do top do top, um ou outro recusou, porque estava com

outros projetos na época, não tinha tempo, um falou não ia ler o Macunaíma de

novo, um da Academia Brasileira de Letras, meu amigo, e a maioria respondeu.

E é incrível, porque eu acho que eu consegui com essa matéria fazer uma

síntese do que é que foi a importância do Macunaíma ao longo desses 80 anos

no Brasil, que me chocou, porque é talvez o personagem mais importante, um

dos mais importantes da literatura brasileira, porque abriu caminho lá no

Modernismo, continua moderno, você lê hoje é como se você tivesse lendo há

80 anos, mais moderno hoje do que era há 80 anos, não sei o porque, não se é

porque o Brasil não se modernizou tanto quanto ele, talvez isso, a gente às

vezes atrasa mais do que devia, mas é um personagem incrível, eu estou

reescrevendo esse texto agora que vai ser 85 anos, estou reescrevendo esse

texto, consegui mais depoimentos que quem não tinha dado antes, e eu

consegui lá em Portugal 14 páginas do caderno, saiu uma edição quase inteira

no caderno sobre o Macunaíma, isso nem o Brasil sai, você não consegue isso

no Brasil hoje, porque não tem espaço na imprensa para você fazer um ensaio,

um caderno com um espaço tão grande. E assim, o Macunaíma não é um

personagem muito lido e conhecido em Portugal, como o Guimarães Rosa

também não é, o Grandes Sertões Veredas também não é muito conhecido,

tem a dificuldade que eles tem para entender um pouco esses personagens,

nossa literatura, para você ter uma ideia o Afonso Romano de Santana eu

estou preparando uma Antologia dele para Portugal agora, estou atrás de

editora, estou conversando com o Osias, talvez a gente faça uma coedição, o

Afonso nunca teve um livro editado em Portugal, um vexame, um absurdo, o

Afonso é um dos maiores poetas da língua portuguesa, dos contemporâneos,

como é que não tem livro editado, nunca teve, pode? Então eu vou fazer. Estou

preparando uma antologia, que ainda não sei o que vai ser do Jacob Goldberg,

que é um poeta importante também, tem alguns livros sensacionais de poesia,

e é muito pouco, é muito subestimado e muito pouco lido, o Jacob ele tem um

problema: por ele ser um psicanalista muito influente, muito importante que

está todo dia na mídia em São Paulo, o Jacob é muito grande, então, o espaço

dele como intelectual matou o espaço dele como poeta, mas ele tem uma obra

importante, e eu acho que é preciso reavaliar algumas coisas dele, ele tem um

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livro chamado Feitiço na América que é um livro importantíssimo sobre a

formação da poesia, do povo americano, americano como um todo as

Américas, o livro que hoje com os Estados Unidos virando essa potência que

acha que é polícia do mundo, que pode atacar o mundo inteiro, pode ir para o

Iraque, pode acabar com Oriente Médio, pode censurar todo mundo, pode

censurar presidente do Brasil, primeiro ministro da Espanha, da Alemanha, o

que é que é isso? Aonde é que nós estamos gente? Então, é um livro

importante, emblemático nesse momento, eu estou fazendo de tudo para tentar

com o Osias fazer uma coedição. Estou escrevendo um livro lá para Portugal,

rescrevendo, estou juntando os meus textos nesses oito anos, e já está

acertado com o Osias, nós vamos lançar o livro lá com as principais matérias,

por setor, música, literatura, artes plásticas, estou vendo patrimônio, o que é

que vai ser, vai ser um livro grande, vamos ver se consegue grana para bancar,

mas é um livro que eu acho importante, porque sintetiza um pouco esse

negócio todo de que a gente vem fazendo, as matérias, campanhas e tal. Estou

com um livro pronto, que é esse que eu entrei na Lei Murilo Mendes, que

acabou, ficou de fora, problema burocrático de papel, que eu quero lançar, que

é uma pesquisa importante, acho que é um livro importante para Juiz de Fora,

eu acho que eu devo isso para Juiz de Fora, é um livro sobre a pintura de Juiz

de Fora, sobre o desenho de Juiz de Fora, eu fui lá no início, primeiro registro

de pintura sobre Juiz de Fora, Juiz de Fora como tema, lá no acervo do Museu,

fui pegando de lá para cá, e fui até o Dinah e o Stheling meses antes deles

morrerem, eles fizeram os últimos trabalhos sobre Juiz de Fora para esse livro,

está inédito, pega tudo que já foi de pintura sobre Juiz de Fora, é um balanço

bem interessante, muito rico, e a segunda parte do livro é o desenho de Juiz de

Fora, e aí eu pego desde o Pedro Nava, ilustrando lá, ele era ilustrado no

início, aquele livro do Austen Amaro, e vou até a molecada agora do desenho

animado. Então, eu faço um corte assim muito grande dos principais desenhos

retratando Juiz de Fora, aí pega todo mundo, é muito legal, é uma aula, e eu

acho que esse livro é importante para Juiz de Fora, eu vou tentar conseguir

uma tiragem grande dele se for possível, eu acho que o livro tinha que ser

adotado na rede municipal e a molecada tinha que começar a entender Juiz de

Fora por ali, entendeu? Vendo o que é que essa cidade é.

P/1 – Você tem paixão por Juiz de Fora não nega, né?

R – Um pouco, mas a cidade é a cidade que você faz, eu ainda acho que a

gente fez pouco por Juiz de Fora, a gente precisa fazer mais, acho que a

cidade tem que ser mais democrática, eu acho que a política de Juiz de Fora

não está boa, as últimas décadas a política está prostituída em Juiz de Fora,

não é fácil você enfrentar a ditadura, depois não é fácil você enfrentar uma

prefeitura quando ela está voltada para a corrupção, quando o objetivo é

corrupção, eu acho que a cidade superou esse momento, mas vai precisar de

muito fôlego para sair disso de forma democrática, eu acho que as pessoas de

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Juiz de Fora já fizeram as aventuras políticas que podiam ser toleradas num

século só, ainda bem que foi no início, para não errar no resto do século, tem

muito mais décadas pela frente desse século para a gente consertar o que eles

fizeram. Eu acho que a cidade merece ter gente a altura do que foi essa

geração que criou Juiz de Fora, que quem transformou Juiz de Fora na

potência industrial que ela foi, na potência cultural, e na potência educativa, a

gente não pode esquecer sempre que Juiz de Fora foi uma cidade que teve

uma das maiores malharias do Brasil, teve um dos maiores parques industriais

do Brasil, ganhou a iluminação elétrica antes do Rio e São Paulo, do México

para baixo não tinha luz elétrica, tinha lampião, lamparina, é uma cidade muito

forte do ponto de vista da modernidade, ela não pode ser atrasada, não pode

compactuar com o atraso, quando eu vejo uma campanha eleitoral o povo

batendo no peito falar que vai eleger fulano porque é do povo, a gente tem que

ter o cuidado demais quando fala em nome do povo, porque tem muita

manipulação. A cidade não tem direito de errar mais, já errou muito, eu acho

assim, quando você fala nós temos três deputados federais, hoje não tem

nenhum deputado estadual, que você vai articular num estado onde você não

tem um deputado estadual, se é democracia, se é democracia participativa, o

canal é a eleição, e o canal é através do parlamento, se não nós vamos buscar

outras formas, democracia direta, vamos pensar em outras formas, mas não dá

para você substituir essas formas sem você ter um amplo debate, nós temos

uma constituinte que está vigorando e que fala que as regras são essas. Então,

eu acho que a gente não pode aventura mais em nome de qualquer setor

popular, você não pode cometer aventura mais, eu acho que Juiz de Fora

merece uma administração e uma representação política a altura da tradição

de Juiz de Fora, você não pode mais eleger qualquer um, e acho também que

os partidos políticos são irresponsáveis em Juiz de Fora, são irresponsáveis,

brigam demais, dividem demais, não tem responsabilidade política com a

cidade, estão pensando mais nos projetos pessoais do que nos projetos

partidários, e nos projeto de tirar Juiz de Fora dessa situação econômica que é

grave, apesar de que hoje a manchete da Tribuna é um alento para Juiz de

Fora, a Mercedes vai investir muito na fábrica de caminhões, vai viabilizar a

fábrica de caminhões, nós vamos ser um polo importantíssimo na fabricação de

caminhão no Brasil, acho que isso aí vai gerar um número de empregos, dobrar

ou triplicar o número de empregos da Mercedes, acho que isso vai ser uma

alavanca industrial importante, pode ser uma nova Mascarenhas, do ponto de

vista do futuro, de você ter uma base operária sólida e cargos técnicos sólidos,

então, ela pode ser uma ponto para a ajudar na reindustrialização de Juiz de

Fora, mas eu acho que a cidade tem que ter juízo.

P/1 – O que é que você achou de dar essa entrevista?

R – Eu acho sempre bom falar sobre as coisas que acontecem e algumas que

aconteceram sabe por quê? O Zé sabe o que eu vou falar, o Zé quando saiu de

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Juiz de Fora e foi lá para o Museu da Pessoa, ele arriscou muito, porque não é

um museu estável, é um museu instável, museu virtual é negócio muito sério,

uma responsabilidade muito séria, você manter um acervo desse, com o aporte

tecnológico mudando muito rápido e tal, mas é um museu democrático, porque

está voltado para quem? Para as pessoas, Juiz de Fora não é nada sem as

pessoas que fizeram virar o que ela virou para o bem ou para o mal. Então, eu

acho que o Museu da Pessoa tem esse papel de priorizar as pessoas, que são

as pessoas que fazem as cidades, as pessoas que constroem o país. Eu só

acho que a gente tem que ter um pouco de tolerância com as coisas, porque a

gente quer muito pressa, a gente quer tudo para hoje, a gente viveu muito a

ditadura, a gente quer ir rápido para a democracia, quer rápido melhorar e tal,

quer justiça social para ontem, e isso não é muito fácil, tem que construir isso,

Brasil é muito novo. Então, a gente tem que ter um pouco de perspectiva, olhar

em perspectiva, acho que se a gente está vivendo num país um momento

melhor hoje do que a gente viveu há 20 anos atrás, que há 30 anos, que é o

período que eu estou falando aqui, eu acho que a gente tem que aproveitar

esse período para construir uma alternativa mais alicerçada em base

democrática mesmo, eu acho que é o momento onde as pessoas estão indo

para a rua, eu acho o fim que a geração mais nova tem a consciência que ao ir

para a rua tem um preço, quando você vai para rua, quando a gente foi, o que

é que nós fizemos? Nós ajudamos a construir uma Juiz de Fora melhor, depois

vieram aí e destroçaram tudo com essa eleição maluca que eles fizeram aí,

mas você ajudou a construir alternativa democrática para a cidade, ajudando a

mudar a universidade, ajudando a mudar a relação política da cidade, só que

você tem que ir permanentemente para a rua, você não pode confiar nas

instituições só, nas pessoas que estão nas instituições, você tem que regular, a

regulação tem que ser democrática, você não pode dar um cheque em branco

para o prefeito, para vereador, deputado, senador, você tem que estar do lado,

cobrando, por isso que eu acho que a rua é importante, a rua é o mecanismo

da mudança, agora quem vai para a rua tem que saber que vai para a rua

como mobilização, como massa, como pressão, aí não pode deixar ter

vandalismo, não pode deixar ter quebra-quebra, o cara pode ser contra o

capitalismo, mas não adianta nada ir lá e quebrar um banco, quebrar o

McDonald’s, não vai resolver nada, quando eu vejo algumas pessoas indo

quebrar banco, quebrar McDonald’s, saquear loja e achar que isso é

democracia eu fico com um pouco de medo, que eu acho esse é um caminho

que abrevia o que nós já passamos lá atrás e que a gente não quer que volte, a

repressão sempre vai existir, quando eu vejo, por exemplo, Juiz de Fora hoje

uma cidade violenta 113 assassinatos até hoje de janeiro, 99 ano passado, e

essa não é a tradição de Juiz de Fora, uma cidade pacífica, uma cidade da

paz, não é, está errado, alguma coisa tem que acontecer para mudar isso. Aí,

nós estamos fazendo laboratório de estudo da violência junto com a

universidade, nós estamos junto a Câmara, prefeitura, OAB, as faculdades

particulares, estão tentando criar um mecanismo de enfrentar isso, vamos fazer

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um plano municipal de enfrentamento de violência, acho que Juiz de Fora está

precisando disso, tem que refletir sobre o que está acontecendo, não dá para

você permitir que, aí a imprensa tem um papel danado, porque ela que vai

discutir, eu vejo muito nessas reuniões desde março quando nós fizemos um

seminário na OAB sobre a violência, tem visto assim muita gente falar: o jornal

só fala em violência, a TV só fala em violência, a rádio só fala em violência, a

gente fala o que está acontecendo, se não tiver acontecendo não vai falar, não

é porque está falando que está criando um clima para ter mais violência, pelo

contrário, ao que se falar e se mostrar, vai ajudar a gente a combater isso, e a

discutir o que é que está acontecendo, porque é que a meninada 14, 15, 16,

17, 18 anos está saindo armada para assassinar os outros, porque é que

galera está disputando com galera espaço de bairro, isso não nunca existiu em

Juiz de Fora desse jeito, no máximo uma briguinha, turma dali contra ali, mas

do jeito que está matando, um fechando o outro, e o outro vai, uma ciranda da

morte, um negócio assustador, acho que a cidade tem que parar para refletir

sobre isso, a imprensa tem um papel importantíssimo nisso, são as pessoas

que vão resolver isso, não é a polícia, não é o judiciário só, a sociedade tem

que se mexer para discutir isso, outro dia alguém me perguntou: por que você

está discutindo essa coisa da violência desse jeito? Porque eu acho que se as

pessoas não usarem o espaço que elas têm para poder refletir sobre a

realidade nossa, nós não vamos mudar, daqui uns dias você não vai mais

poder sair na porta de casa, porque se todo mundo acha que resolve no tiro vai

ter uma chacina em Juiz de Fora, todo mundo vai começar a se matar para

resolver os problemas, assim que resolve? Eu acho que cada um tem o seu

papel, eu acho que a universidade, eu sempre cobro disso, a universidade por

ser a maior instituição de Juiz de Fora, por ser a instituição hoje que tem mais

recursos, olha o que é que a universidade nossa está virando, está virando um

negócio muito grande, está expandindo está crescendo muito, mas não adianta

ficar só fazendo prédio, não adianta ir para Valadares, tem que ter ideia, tem

que ajudar a discutir a cidade, lá que é o centro de reflexão sobre a cidade, a

universidade tem que se debruçar sobre a cidade, sobre a cidade, sobre o

entorno, e ajudar a gente com cientificismo, com técnica, com qualidade, com

paixão a discutir o que é que está acontecendo, é lá que estão os sociólogos, é

lá que está quem pensa a cidade, os arquitetos, os urbanistas, os jornalistas

saem de lá. Eu acho que a universidade tem uma responsabilidade imensa

com Juiz de Fora, com as cidades como um todo, a nossa universidade tem

que começar a refletir um pouco que cidade está virando essa, porque ela está

aqui dentro, uma hora isso vai chegar lá dentro, por enquanto está no entorno,

se não fizer alguma coisa para ajudar a combater, a enfrentar isso conter essa

sanha de assassinatos que está acontecendo, essa violência vai lá para dentro,

e aí ninguém aguenta mais, quando chegar lá dentro você sabe o que vai

acontecer, por enquanto é aqui fora só, eu acho que a gente tem que prevenir

para não permitir que Juiz de Fora vire uma cidade violenta de vez, como

algumas outras cidades aqui de Minas são.

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P/1 – Ok, obrigada Jorge.