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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Ramsés Albertoni Depoimento de Jorge Raimundo Sanglard de Paula Juiz de Fora 29/10/2013 Depoimento MAMM_05_ Jorge Raimundo Sanglard de Paula Transcrito por Rogéria Nunes Henriques
P/1 – Jorge, para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome
completo, a data e o seu local de seu nascimento.
R – Jorge Raimundo Sanglard de Paula, 20 de novembro de 54, Juiz de Fora.
P/1 – Qual o nome do seu pai e da sua mãe e depois dos seus avós paternos e
maternos.
R – Alcindo Sanglard de Paula, Maria Raimundo de Paula, os avós Maria
Jorge, Jorge Raimundo, Etelvino Rodrigues de Paula e Sebastiana Sanglard de
Paula.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho dois.
P/1 – O nome deles.
R – Marta Terezinha Raimundo Sanglard de Paula e Antônio Raimundo
Sanglard de Paula.
P/1 – Família de origem o quê?
R – É uma mistura, Christina, o lado da minha mãe a minha avó nasceu em
Boston, mas numa colônia libanesa, meu avô nasceu no Líbano, se
encontraram em Boston foram para o Líbano, como eles eram muito novos a
família não deixou eles casarem, fugiram e vieram para Oliveira Fortes,
esconder aqui em Minas com os amigos e não voltaram para Boston, só que a
minha avó tinha uma irmã gêmea, que tinha ficado lá e todos os amigos, ela
tinha uns 13 para 14 anos. E o lado do meu pai é suíço, do lado francês da
Suíça.
P/1 – Vieram para o Brasil por quê?
R – Quando Dom Pedro II trouxe aqueles três navios brasileiros, vieram
algumas famílias rurais da Suíça, família do Boechat, Ricardo Boechat, a
minha, Sanglard, Boechat, todos eram da área rural, e por incrível que pareça
foi aquela exposição do centenário na França e o Brasil estava muito bem
economicamente na época, aí o Dom Pedro II ofereceu ao rei da Suíça para
trazer para colonizar Nova Friburgo, e a área do Caparaó, área do Pico da
Bandeira, Presidente Soares, Manhumirim, Manhuaçu, aquela área lá, o
pessoal do leite e de Nova Friburgo o pessoal da café foi para aquela área
Manhuaçu, Manhumirim, Presidente Soares, Caparaó e tal.
P/1 – Quer dizer, de Oliveira Fortes e Manhumirim...
R – Manhuaçu.
P/1 – Qual foi a decisão, por exemplo, de vir para Juiz de Fora, quem veio para
cá?
R – Aí já foi bem depois, porque essa família Sanglard que veio para o Brasil
eram marido, mulher e três filhos e eles dividiram, uma parte ficou em Nova
Friburgo e dois foram para a área de Manhumirim, então, ali começou o
Sanglard no Brasil, a família do Boechat, por exemplo, ficou em Friburgo, com
inúmeras outras cidades, e é uma aventura, porque é uma viagem de barco,
três navios, morreu muita gente, por doenças na viagem e tal, você chegar vivo
no Brasil era um negócio muito complicado na época, e eles tiveram que
passar por várias situações, nessa viagem de embarque, desembarque, troca
de navio. Tem uma historinha o pessoal de Nova Friburgo tem um livro, os
meus primos atuais, que é promotor em Niterói, fez um livro sobre um dos
irmãos que veio da família, que é parente do meu lado da família, e ele conta
um pouco da história desse antecedente dele.
P/1 – Agora o seu ramo é aqui de Manhuaçu?
R – O meu pai, a família dele, o pai, a mãe nasceram em Manhuaçu. Tanto que
eu nasci aqui e fui para lá pequenininho, morei lá até 16 anos, só vinha aqui de
férias.
P/1 – E a família da sua mãe que migrou.
R – De Oliveira Fortes para cá, aí eles mexiam com café, até o Getúlio deixar,
queimou tudo, aí eles tiveram que cada um buscar o seu rumo.
P/1 – E a família do seu pai também desenvolvia atividade agrária?
R – Não. O meu avô mexia com selaria, isso que faz na Suíça, mexer com
selas, mexer com material, lá era esportivo, aqui passou a ser material de
selaria, engraçado que o Eleardo teve agora na Suíça e na França em
Chamonix ele viu uma casa imensa de madeira ali debaixo do Mont-Blanc e a
casa está assim, Sanglard desde 1824, é uma casa de produção de produtos
para esqui, para alugar e para vender, aí ele não resistiu pegou o primeiro
japonês que estava passando pediu para emprestar a máquina e fez a foto,
revelou e trouxe para mim. Então, a tradição da família é essa, de produtos
esportivos, de material de couro.
P/1 – Como é que seus pais se conheceram?
R – Christina, essa história é muito engraçada, quando meu avô morreu todo
mundo teve que trabalhar, meu avô morreu numa acidente muito complicado
ele era muito amigo do José Bonifácio, que trabalhava no governo do Rio e
eles foram com Cássio Vieira Marques, que eram do hospital, eles foram
conseguir uma verba para o hospital, na volta teve um acidente e ele foi
degolado ali perto de Três Rios, no acidente, o Cássio sobreviveu e ele morreu,
o motorista que estava dormindo no banco de trás também sobreviveu. Aí, a
família teve que trabalhar, todo mundo, minha mãe foi para o banco, está lá no
banco, ela tinha um tio que era gerente de banco num outro banco, ela foi
trabalhar no banco, e meu pai era cliente desse banco, e ele tinha acabado de
ganhar na loteria, tinha passado no concurso da IBGE e tinha acabado de
ganhar na loteria, isso foi o quê? Ano 53, aí conheceu ela através de uma
amigo dele, que era gerente de banco.
P/1 – Banco do Brasil?
R – Não era, na época, foi um antecessor do Banco Mineiro da Produção, ou já
era o Banco Mineiro da Produção, aí eles casaram e ela foi para Manhuaçu
com ele, porque ele tinha passado, acho que ele passou em terceiro ou quarto
lugar no concurso do IBGE e o concurso era um concurso nacional, você podia
ficar no Rio, que era a sede do IBGE, ou ir para São Paulo, ou ir para Belo
Horizonte, ou até vir para Juiz de Fora, aí ele preferiu escolher ir para
Manhuaçu, o cara passou podia escolher para onde queria ir, uma carreira em
ascensão resolver ir cuidar dos pais dele, estavam mais velhos. Então, por isso
que ele voltou para lá, porque a tendência era ele ter ficado aqui, ele estudava
aqui junto com o Lélio que foi diretor do DNOS durante muitos anos, e eles
rachavam o livro, um comprava de matemática, um de português, um de
história, um de geografia, e sentavam juntos numa poltrona na mesma cadeira
e eles rachavam os livros para estudar, ele ia fazer engenharia, aí concurso
saiu ele passou no concurso bem aí ele foi no IBGE, aí ele chefiou o IBGE em
Manhuaçu durante muito anos, depois veio para cá e aposentou.
P/1 – Você e suas irmãs nasceram lá?
R – Uma irmã e um irmão, os dois nasceram lá e eu nasci aqui, tradição de
família o primeiro sempre nasce na casa da avó. Não é isso?
P/1 – Não sei.
R – Árabe é assim.
P/1 – E como é que foi a sua infância, lá em Manhuaçu e depois aqui em Juiz
de Fora?
R – Christina é assim, meu pai depois ganhou de novo na loteria, ganhou duas
vezes, e o que é mais incrível, ganhou com o mesmo cara que vendeu o bilhete
para ele da primeira vez, ele ganhou em 53, depois ganhou em 60 e poucos de
novo. Então, era muito legal, porque eu já peguei uma fase muito mais
tranquila da vida deles, e cidade do interior tem uma coisa incrível, tem o
coletor, que é o cara da receita estadual, tem o cara do Banco do Brasil, o cara
da Caixa Econômica, tem o prefeito, tem o presidente da câmara, tem o cara
do IBGE, a cidade era isso, delegado, o comandante da polícia, tinham dez
pessoas que eram controle social da cidade. Então, você convivia com esses
caras, o dono do cinema, como o IBGE cuidava assim de circo, cinema, tudo
era com eles, tinha que ter autorização para implantar, para chegar, para
montar, então, por exemplo, o dono do cinema eu não pagava cinema, então,
eu ia a todos os filmes que você já pensou, seriados, tudo, ia todos os dias
quase no cinema, desde molequinho, pequeninho.
P/1 – Tinha alguma coisa de predileção, assim, do cinema?
R – Não, eu via tudo, Flash Gordon, Zorro, esses seriados todos, isso que hoje
virou cult, os grandes seriados da história do cinema, que formou a base do
cinema americano, eu via tudo, eu acho que eu não vi um filme, de tudo, foi
quando passou Barbarella, que era proibido para menor de 18, não tinha 18
estava longe de fazer 18, aí os caras me barraram na porta, eu falei: “cara eu
entrou aqui todo dia, isso aqui é quase a minha casa,” “não esse você não vai
entrar” aí eu fui ver muitos anos depois, aí já não tinha mais efeito nenhum,
tinha ficado velho, aqueles efeitos, a Jane Fonda nem era mais a Jane Fonda.
P/1 – E leitura tinha alguma predileção? Você já tinha hábito de ler?
R – Tinha, lá em casa tinha muito livro ainda, por causa do escritório lá do
IBGE, e tinha alguns professores também que gostavam de incentivar. Então,
aí começa com Monteiro Lobato, como todo mundo quando começa a ler no
Brasil, nessa geração, 50 e poucos era Monteiro Lobato depois vai avançando,
como eu vinha muito para Juiz de Fora, eu passava as férias todas aqui,
sempre que dava uma brecha eu vinha para cá, aí aqui é que eu lia mais, ou
levava os livros, mas de tudo.
P/1 – Juiz de Fora era a casas dos seus...
R – Da minha avó, que meu avô morreu um ano antes de eu nascer, da minha
avó materna, os tios todos. Eles eram muito ligados a questão tecnológica,
tinha um gravador de rolo, quando ninguém tinha daquilo, lá tinha um gravador
de rolo, então, a gente tinha acesso a algumas coisas que a maioria das
pessoas não tinham ainda.
P/1 – Essa casa da avó era aonde?
R – Na Batista de Oliveira em cima da Florale, em cima da Fernando
Flashman, aquela casinha de dois andares, que tem pó de pedra, aquele cinza
escuro, uma das poucas que ficaram ali. A Batista ainda é uma rua que
conserva bem a estrutura das casas, ainda não demoliram aquilo, e a casa
está inteira lá, ela uma casa que tinha uma escada de mármore imensa,
quando chegava alguém, batia campainha você tinha que subir e descer a
escada imensa de mármore, e ali era incrível, Christina, é uma das memórias
que eu tenho de Juiz de Fora, é que ali tinha o mercado na frente, tinha a
Padaria Nacional na frente, não era aquele mercado que tem hoje, o Bellini, era
outro, era o segundo em frente, então, fruta quando chegava, aí tinha a Florale
embaixo, fruta quando chegava tinha cheiro, impressionante, e era um cheiro
muito persistente, então, quando chegava uva, quando chegava pera, chegava
maça, chegava abacaxi, qualquer tipo de fruta, cheirava, a rua ficava toda
cheirosa, as flores tinham cheiro, cada um tinha um cheiro muito característico
que é hoje, hoje flor não cheira. Então, a rua tinha um cheiro fantástico, quando
passo lá ainda sinto aquele cheiro, mesmo a rua não tendo cheiro nenhum, ou
tendo um cheiro horroroso hoje, e o pão que fazia de hora em hora, então,
você tinha cheiro de pão do lado, de fruta, de legume, de verdura do outro, e de
flor do outro, então era incrível. E aí, a gente saía de casa, molequinho de 13,
14 anos saía de casa para andar de bonde, e atravessava a cidade de bonde,
que era a coisa mais fantástica que tinha em Juiz de Fora e que foi talvez o
maior erro da administração do Itamar foi tirar as árvores da Rio Branco e tirar
o bonde, a pretexto que estaria modernizando a cidade, a desculpa foi essa de
modernizar a cidade, eu lembro que o Ivan Galdeirense falou outro dia: eu fiz o
decreto que tirou o bonde. Você pensa bem se Juiz de Fora estivesse
preservado aquela cidade de característica industrial, uma grande vila operária
inglesa, que era o que a cidade era, com toda essa construção, com todos
aqueles prédios de tijolinho, a Mascarenhas é um sido disso, aquela rua que
vai para o Borboleta, ali saindo depois da OAB, que você não tem mais,
destruiu tudo. Então, a cidade se tivesse essa característica crescido para
outros lugares, para a Cidade Alta, para Zona Norte, para cima, onde foi
crescer para o lado da Independência, mas tivesse preservado a característica
da cidade industrial no século XIX, Juiz de Fora hoje era um marco, como Ouro
Preto foi para o século XVIII, o grande erro dessa geração moderna foi achar
que podia destruir essa cidade, aí virou isso que virou hoje, uma cidade sem
característica nenhuma, não tem característica urbana nenhuma mais, Juiz de
Fora é o que? Você pega o Afonso Romano, tem 75 para 76 anos, pega o
Afonso que viveu em Juiz de Fora, numa geração bem anterior a minha, e sai
com ele em Juiz de Fora, ele não se reconhece mais em Juiz de Fora, ele
reconhece o Granbery, mas o bairro ele não reconhece, nem o Granbery é
mais o bairro que ele morou, você vai com ele onde o Murilo Mendes morou no
Bom Pastor, está tudo diferente, onde o Pedro Nava morou, já não existe mais
aquela cidade. Então, a cidade perdeu a identidade, eu acho que ele perdeu a
alma, porque ao destruir essa industrialização, esse modelo de cidade
industrial do século XIX, você não substituiu por uma coisa melhor, substituiu
por uma coisa muito pior, um crescimento desordenado, a cidade era toda
organizada, você andava na cidade inteira de bonde, era ecológico, totalmente
ecológico, era elétrico, era iluminado, era totalmente aberto, então, você não
precisava de ar condicionado, e você corria a cidade inteira, você só tinha
poucas linhas de ônibus em algum bairro onde não tinha o bonde, era
ultramoderno, ultrassofisticado.
P/1 – Que passeio você gostava de fazer de bonde?
R – Quando você ia para o lado de Santa Terezinha você ia para o Museu, que
aí é outra vantagem, na época o Museu era aberto, então o Museu funcionava,
você ia lá visitar o Museu, você ia lá no parque, você ia lá ver aquilo que é uma
coisa que era fantástico aquele parque com aquele museu. E tinha um negócio
muito legal, onde é a Osvaldo Aranha, que é a rua do Bigode, antes do Bar do
Bigode na esquina tinha um biscoito de polvilho, que era um biscoito de
polvilho fantástico, e que você comprava em saco de papel, aquele saco
imenso de papel, não sei quantos quilos tinha aquilo, você ia passear de carro,
por exemplo, enquanto não acabava aquele saco de biscoito você não parava
de passear, aí você via as casas modernistas do Bom Pastor, você ia lá
naquela casa da Baleia no Bairu, você ficava rodando nos pontos da cidade,
era muito diferente.
P/1 – Quando que você veio morar aqui? Já tinha quantos anos?
R – Eu vinha sempre, depois eu ganhei uma bolsa para a Austrália.
P/1 – Isso você tinha quantos anos?
R – 15 para 16, e meus pais não deixaram viajar, porque acharam que a
Austrália era muito longe.
P/2 – Mas que bolsa era essa?
R – Bolsa do Rotary. Aí, eles acharam que eu era muito novo e que a Austrália
era muito longe, aí não me falaram que eu tinha ganho a bolsa, aí arrumaram
uma bolsa para ir para os Estados Unidos, aí eu fui tirar passaporte, fui fazer
exame, vacina, dente, aquelas coisas que antigamente exigia tudo para você
viajar para fora, aí vim para cá, ficar na casa da minha avó me preparando para
viajar. Aí, tinha um problema de saúde na família, um dos meus irmãos ia fazer
uma cirurgia e tal de vista, aí eles ficaram preocupados em a cirurgia ter algum
problema, na verdade o que eles iam me dá para viajar, para ficar lá fora, eles
acharam que precisaria gastar mais na cirurgia, aí falaram comigo que eu não
ia viajar mais, na véspera quase de viajar, eu falei para eles: “é assim? Não
vou por causa disso, chega lá eu estudo, faço alguma coisa, trabalho, não vou
perder uma chance dessa” ele falaram: “não o médico está preocupado com a
cirurgia, pode dar algum problema” eu falei: “bom, então está, mas para casa
eu não volto,” aí eu tinha duas opções, ou ficava na casa da minha avó, aqui
em Juiz de Fora ou ia estudar em algum lugar, aí estava tendo prova em Ouro
Preto, e tinha uns amigos em Ouro Preto, aí eu liguei para lá e falei com um
deles: “vai ter prova, vestibular dá para mim ir aí escrever, tem lugar de ficar?”
“lugar a gente arruma” sabe como é que é? Aí eu falei com o meu pai: eu quero
que você me emancipe, fomos lá no cartório do Bessa, ele me emancipou,
pegou uma parte daquele dinheiro que eu ia para os Estados Unidos, que na
época era um dinheiro legal, me deu e eu fui para Ouro Preto, cheguei lá eu
passei, e fui fazer mineralogia. Na verdade eu queria fazer geologia, mas eu
não tinha a menor noção de que aquilo era engenharia, era pesado o cálculo,
mecânica, a coisa mesmo da mineralogia e da geologia era muito mais depois
no curso, a base era outra coisa. Aí, Ouro Preto é uma tentação, aí você vai e
entra na boa vida de Ouro Preto, vai jogar basquete, vai conhecer a noite de
Ouro Preto, o dia, aí você começa a estudar menos, já desestimulado porque o
curso não era o que você pensou que fosse. Eu cheguei em Ouro Preto em 71,
a Judith Malina com o Julian Beck, tinha acabado de ser presos, do Living
Theatre estavam fazendo experiência em Ouro Preto e acabado de ser
deportados de novo para Nova Iorque, os caras saíram de Ouro Preto foram
para Belo Horizonte, eles eram o que? O maior grupo de teatro do mundo na
época, grupo mais avançado de teatro, que era o Teatro Livre de Nova Iorque,
e eles tinham uma experiência muito incrível em Ouro Preto. Eu cheguei em
Ouro Preto com um amigo, que ia fazer essa prova comigo, tinha passado
também, e o pai dele era supervisor do banco, que a minha mãe trabalhava,
então, quer dizer, eu não cheguei sozinho de tudo, mas não tinha lugar de ficar,
aí nós fomos procurar, numa república um negócio assim, e não era fácil. Aí, a
gente alugou uma pensão, estava com grana para ficar não sei quantos anos
lá, e remorsos do pessoal, aí nós fomos arrumar uma república indicaram, um
professor indicou a gente, ficamos lá um tempo, depois mudamos para outra,
procurando uma república. Aí, eu lembro que teve um dia que a gente ficou
amigo de dois irmãos do João Bosco, o João Bosco estudava e morava numa
república com um amigo meu lá de Manhuaçu, que o meu pai resolveu fazer
uma casa modernista, igual às casas do Bom Pastor, comprou metade do
terreno do pai desse cara, e ele morava em Ouro Preto, e eu fui conhecer ele,
aí eu fiquei conversando com o João Bosco, uma das primeiras pessoas que
eu vi em Ouro Preto foi o João Bosco, por causa dele, quando eu cheguei o
João Bosco estava saindo para o Rio, o João Bosco acho que estava
terminando, era o último ano dele em engenharia, aí eu fiquei amigo de dois
irmãos do João. Aí, a gente frequentava as repúblicas, mas não tinha vaga na
república dele, um amigo meu de Goiás, que estudava lá numa outra pensão
falou: vocês vêm para cá que eu vou sair, estou indo para a república do irmão
do Sensim, que era o irmão mais novo do João Bosco e o Tunai, eram os três o
Tunai e o Sensim moravam na Canaã, e o João Bosco morava numa república
mais em cima com esse meu amigo, aí a gente ia para lá ficar com eles, tocar
violão, saindo para beber e tal, ia para cinema. Lá em Canaã para vê se
arrumava uma vaga, se era peixinho para ganhar vaga, e um dia nós
estávamos lá e eles falaram: vamos lá na república do João, porque chegou
uma música nova que o João fez, foi a primeira parceria do João com o Aldir
Blanc, foi o Agnus Sei, o João tinha gravado no violão, mandado a fita cassete
para o Aldir, o Aldir fez a letra e devolveu a letra para ele junto com aquela
gravação, aí nós vimos o João abrir pela primeira vez lê a letra e cantar a
música tocando pela primeira vez, isso depois saiu num disco de bolso do
Pasquim, que um lado era O Tom de Jobim e Esse Tal João Bosco, era só
Águas de Março de um lado com Tom Jobim e o Agnus Sei do outro com o
João Bosco, para você ver um dos discos mais importantes da música
brasileira, então são duas música pilares da música brasileira e eu lembro de
está lá vendo eles tocarem pela primeira vez a música, vendo a letra e a
emoção do João abrindo aquele envelope do correio, pegando aquela letra,
que é uma das letras fantásticas da MPB, e o Aldir é um grande letrista, a
música é muito legal. E o mais incrível é que nessa época eu saí dessa pensão
que eu estava para conseguir uma república, estava muito difícil, lá ainda dava
para ficar, com o dinheiro que eu tinha dava para ficar um ano na folga em
Ouro Preto, um ano e pouco, eu fui para o Toffolo, que é aquele hotel na Rua
Direita, um hotelzinho ultrachique, bom para cacete, comida lá embaixo, se eu
fizer um pouco de esforço aqui, ainda vou ficar nesse hotel uns meses até eu
conseguir uma república, aí eu fui morar no hotel. Era um hotel que o Nello
Nuno frequentava antes de morrer, que o pessoal da boemia, os artistas
frequentava esse restaurante embaixo, e alguns professores lá na engenharia
na minas e na geologia, dois deles pelo menos eram filhos do dono do hotel, da
família do hotel, então, de vez em quando eu subia com eles de carona, essa
época foi uma época muito legal, que é onde eu comecei a entrar em contato
mais com artes-plásticas.
P/2 – Você poderia falar sobre o seu percurso escolar, porque você adiantou
muito, como foi o seu percurso?
R – Eu fiz escola pública em Manhuaçu, ótima escola pública, aí depois eu fui
para Ouro Preto, o curso de mineralogia era um curso técnico, a gente fazia
dois anos desse curso técnico, ia para o Rio fazia supletivo, ganhava um ano, e
fazia vestibular para engenharia, ou mineralogia, ou metalurgia, porque o
terceiro ano do curso de mineralogia e de metalurgia era basicamente o
primeiro ano da escola de minas, os mesmos professores, as mesmas
matérias, então para não repetir um ano na escola técnica e na universidade a
gente ia para o Rio fazia o supletivo, passava, porque a gente tinha uma base
muito boa, aí quem queria fazer mineralogia voltava e ficava um ano lá, quem
não queria já entrava direto na faculdade, e o supletivo dava a você o diploma
do ensino médio e você ganhava um ano. Aí, eu fiz, mas eu já não estava mais
querendo fazer engenharia, minas, essas coisas, geologia, já tinha desistido
algum tempo atrás. Aí, eu vim para Juiz de Fora, aí eu cheguei aqui, eu ia para
o Rio ou para aqui, estava pensando onde eu ia, o vestibular era no mesmo
dia, resolvi fazer aqui, aí fiz jornalismo, aí eu passei em 12º lugar no vestibular
para jornalismo e era a primeira turma.
P/1 – Que ano foi isso?
R – 76, 75, eu entrei na primeira turma de 76.
P/1 – Por que jornalismo?
R – Não me explica, igual o Ruffato, o Ruffato foi por susto, ele achou que era
outra coisa, o meu não, lá em Ouro Preto eu comecei a escrever, tinha
algumas pessoas que escreviam com a gente, república é um negócio, muito
vital a vida de república, você conhece gente de um monte de lugar, tinha
amigos de Criciúma, tinha amigos de Goiânia, tinha amigos do interior de
Minas, gente de Ubá, gente de Carmo, gente de tudo quanto é área, então as
influências que você vai tendo das pessoas, são muito incríveis, você está lá
sozinho, tem que se virar, você tem que aprender tudo, não tem pai para botar
limites, explicar, você que tem que fazer o seu limite, você tem que aprender a
virar gente mais cedo, porque se não você vai se ferrar, então, assim ditadura,
ditadura pesada, Ouro Preto na época. Aí eu fui para uma república chamada
Capa Onça, que era uma república na subia, lá na Barra perto da linha do trem,
você atravessava a linha do trem essa república era a primeira república, ao
lado da casa onde o Living Theatre tinha um centro de teatro deles antes de
serem expulsos do Brasil, deportados. Aí, eu fui morar na casa ao lado, então
já era um lugar visado, porque eles frequentavam as casas ali em torno, era um
lugar muito visado, as meninas fugiam de Belo Horizonte, principalmente, e iam
para Ouro Preto, passar final de semana, festival de inverno, aquelas coisas e
os pais mandava o DOPS ir atrás, mandava a polícia ir atrás para pegar as
filhas, resgatar as filhas, e as meninas ficavam onde? Nas repúblicas, a maioria
das repúblicas tinha uma boate no porão, então volta e meia os caras entravam
chutando as portas, procurando alguém. Lá, por exemplo, eu vi uma coisa que
eu nunca tinha visto em outros lugares, tinha excursão feminina do Brasil
inteiro, então chegava ônibus, sábado de manhã, sexta à noite chegavam
ônibus de meninas do Brasil inteiro, todos os lugares, que iam passar um final
de semana em Ouro Preto, você nunca mais ia ver, não tinha nada, não tinha
fax, não tinha celular, não tinha e-mail, não tinha meio de comunicação
nenhuma, a única coisa que tinha era carta, algumas pessoas tinham telefone,
que era uma coisa rara no Brasil, pouquíssimas pessoas tinham, em alguns
lugares você tinha que ligar para a telefonista, mandar chamar a pessoa da rua
tal, daqui a pouco você ia ligar o Brasil era assim, um atraso absurdo, você
está falando disso aí 70, 70 e poucos. Então, chegava ônibus, então as
repúblicas tinham os lugares certos de cada um e no fim de semana moravam
mais 30 pessoas, mais 20 do Brasil inteiro, era muito legal, mas sempre ônibus
de mulheres, eu nunca vi chegar ônibus de homem, é sempre ônibus de
mulheres, mas a cidade tinha um atrativo, Ouro Preto tinha um atrativo incrível.
P/1 – Mas as mulheres naquela época eram muito marcadas, aquela coisa que
a Raquel Jardim fala, não tinha só que ser direita, tinha que parecer direita.
Esse relacionamento era um lugar libertário?
R – Era, Ouro Preto era, sempre foi, na verdade, assim, tirando algumas
pessoas que eram muito legais, mas Ouro Preto ia para lá quem o pai não
suportava mais dentro de casa, vai para Ouro Preto, some da minha frente,
tinha muito neguinho que era contra a ditadura, era contra a repressão, a
família brasileira é uma família extremamente conservadora, essa geração dos
pais da nossa geração, eles eram muito autoritários, então, assim, por que é
que eu fui para Ouro Preto? Eu fui por opção própria, mas a maioria ia porque
o pai mandava, não aguentava o cara.
P/2 – A sua relação com o teatro começa aí? Ou não já é anterior?
(fim do vídeo 1)
R – Teatro assim, a primeira informação mais minha sobre teatro foi o Living
Theatre, lá em Ouro Preto, mas eu não peguei eles lá, quando eu cheguei eles
tinha acabado de ser mandado embora do Brasil, mas a fama, o que eles iam
fazer em Ouro Preto. Eles eram um grupo extremamente avançado, muito
moderno, o grupo tinha relações totalmente integradas entre eles e com a
comunidade, naquela época, por exemplo, eles usavam droga como se fosse
uma coisa normal, maconha, que era uma coisa boba na época, na época não
era hoje perto do crack é brincadeira. Então, eles eram muito avançados, e
Ouro Preto não tinha a tradição de teatro, tinha Belo Horizonte, tinha era muita
gente ligada à dança e teatro que ia para Ouro Preto, lá não tinha um grupo de
teatro estruturado, tinha música, eu era muito mais ligado nessa época, não só
pelo contato com esse pessoal ligado ao João Bosco e tal, mas por causa da
noite, a gente conhecia um monte de gente, todo mundo tinha um violão na
república, saia para algum lugar, eu lembro que na Praça Tiradentes no lado
esquerdo, tinha um bar, que era um bar ultra tradicional, tinha um restaurante,
tinha um reservado o Dilermando Reis ia tocar lá, que era um dos maiores
nomes do violão tradicional brasileiro, quando o pessoal sabia que ele ia,
alguém começava a comentar e a gente ia para esse lugar, por exemplo, ouvir
ele tocar, aí era um regional que ele tinha, que baixava, saia de onde ele
estava no Brasil e ia para lá juntava um monte de gente. Eu cheguei a ver o
pessoal do MPB4 um dia lá vendo eles tocando, inclusive tocando ali por perto,
souberam que eles estavam lá, e estava lá, muita gente. Então, a tradição de
música de Minas em Ouro Preto tinha muita gente ligada ao violão e tal. Então,
era muito rico isso a parte de música e de poesia, tinha muita gente que
escrevia, eu comecei a escrever lá, agora a gente tem que ver tudo era
clandestino, você ia ler um livro, tudo era proibido no Brasil, uma repressão
absurda, só que por ser uma cidade mais libertária e tal os livros circulavam,
com mais facilidade, eu nunca soube como chegava os livros, mas chegavam.
P/2 – Que leituras que eram?
R – Mao, Guevara, à esquerda eram mais esses que chegavam e corria na
mão, o livro nunca parava na tua mão, sempre estava na mão de alguém, você
lia passa para outro na república, para outro, para outro, e ali nessa república
na Capa Onça que eu morei, foi onde me ensinou a disciplina, disciplina
mesmo de casa, que é uma coisa importante, porque o homem é muito
relaxado, acha que casa é coisa de mulher, avançou muito pouco, por mais
que o Brasil seja um país onde a mulher ocupa um espaço hoje no mercado de
trabalho, e se libertou, não precisa do homem para mais nada, ainda é muito
difícil essa relação do homem assumir o papel dele, de fazer as coisas que ele
acha que a mulher que tem que fazer, e lá não, na república, por exemplo, a
gente tinha uma empregada que cozinhava, arrumava a casa e tal, e eram oito
pessoas em quatro quartos, moravam dois em cada quarto, e a gente era
responsável cada semana a dupla do quarto era responsável por fazer a
compra, por recolher o dinheiro da semana e por fazer o cardápio. Então, tinha
gente, por exemplo, que era meio desregrado começava fazendo um banquete,
chagava nos últimos dias daquela semana você comia ovo, porque não tinha
mais o que comer, arroz, feijão e ovo, tinha gente que era mais equilibrado na
hora de fazer as compras, aí fazia legal, chegava no último final de semana
dava um festa, fazia uma banquetaço, e isso vai te ensinando a você ter
disciplina, você saber gerir a sua grana, você a controlar o seu padrão, o que é
que você pode, o que é que você não pode, até onde a sua mesada vai dar.
P/2 – Você era de qual grupo?
R – Olha eu sempre fui dos que conseguia dar uma festa no final, nunca
queimei a grana do pessoal antes não, é um negócio muito chato, você tem
que ter um mínimo de organização na tua vida, você pode não gostar de aula
de cálculo e tal, mas a tua vida você tem que saber cuidar, e isso me ensinou
muito, quer dizer, você ter que ter disciplina, você fazer as suas coisas,
respeitar aos outros, ali dentro de uma república se você não tiver uma
estrutura, assim, de muito respeito pelas pessoas você não aguenta, você tem
que sair foram, porque é a democracia plena no dia a dia, e no lado mais
básico do mundo, que a sobrevivência, subsistência sua, você vai aprender a
virar gente é quando você tem um desafio desse pela vida, você tem que gerir
a tua vida.
P/2 – E sua relação com os seus pais nessa época como era?
R – Aí eles ficaram com muita peninha, porque ficar longe, muito novo, sair de
casa, depois eles viram que eu podia ter ido para os Estados Unidos, que não
ia acontecer nada, eu já estava com a viagem toda organizada, com a família
que eu ia, estava tudo programado, já tinha escrito para os caras lá, eu ia para
Nebraska no início, depois eu ia para Wilson City, depois ia fechar em Nova
Iorque, depois vinha para o Brasil, praticamente três meses, quatro meses em
cada lugar, já tinha até matrícula lá e tal, era uma experiência que eu acho que
ia ser importante, mas a de Ouro Preto também foi, então.
P/1 – E Juiz de Fora, você saiu de uma república de Ouro Preto da Capa
Onça...
R – Aí foi o seguinte, praticamente foi um outro desafio para mim, porque era
muito disputado os lugares nas repúblicas, e eu já não estava mais afim
daquele curso, não aguentava mais, queria fazer outra coisa, já estava
escrevendo, estava lendo muito mais, estava mexendo um pouco com música,
de acompanhar muito, de sacar, escrevendo até um pouco sobre música já, aí
o que é que eu pensei, vou ter que sair daqui, se eu ficar aqui vou ter que
encarar esse curso, já estava quatro anos lá, vou ter que encarar esse curso
para valer. Aí, chegou um cara na república perguntando sabendo que ia ter
uma vaga lá e era a minha, mas ele não sabia que era minha, que eu já estava
falando que ia embora mesmo, ele falou comigo assim: “fiquei sabendo que vai
ter uma vaga eu vim aqui, eu acabei de ir na escola, eu vim levar quatro ou
cinco bolsas para o pessoal para ir para Carajás,” Carajás estava começando,
projeto imenso do Brasil, ele falou assim: “eu vim oferecer umas bolsas na
escola e me falaram que alguém dessa república vai sair, eu queria ver se meu
filho vinha para a república, eu seu que é difícil arrumar vaga” aí eu falei com
ele: “quer dizer que o seu filho está buscando uma vaga? Ele quer mesmo vir
para cá?” “ele quer” eu falei com ele: “então ele vai ter a vaga, eu estava
querendo ir embora, mas estava sem um motivo para mim pular, sair daqui,
então ele vai ficar no meu lugar” aí eu arrumei as minhas coisas e falei com ele:
vou deixar os livros, vou deixar os cadernos, não quero nem ver isso mais,
acabou essa fase de cálculos, engenharia na minha vida, aí, o cara tomou um
susto, falou comigo: “cara, mas você vai largar assim e tal?” Eu falei: “vou
estava precisando de um empurrão, você chegar aqui foi um empurrão” aí eu
esperei o pessoal da república chegar apresentei eles lá e tal, e falei: “tem
alguém? Não tem interseção nenhuma? Eu estou indo embora,” eles tomaram
um susto, embora para que? Largar o curso? Vou, não aguento mais. Aí, fui
para Belo Horizonte, peguei uma passagem para cá aí estava lançando o
Acabou Chorare, dos Novos Baianos, que estourou igual a um foguete, eu
lembro que eu vi, eu comprei o disco, não sei se foi em Belo Horizonte ou Juiz
de Fora mesmo quando eu cheguei lá em casa, cheguei o pessoal tomou um
susto, porque eu estava com bolsa, mala, um monte de coisa, o que é que
você veio fazer aqui e tal? Eu vim para casa, vim fazer vestibular para outro
curso, cansei do que eu fazia. eles gostaram, porque na verdade eles estavam
com saudade, eu vinha muito pouco aqui e a encarar outra coisa. Aí, foi isso,
botei o disco para tocar e Juiz de Fora tinha lojas incríveis de disco, ali na
Halfeld mesmo em frente aonde a gente morava tinha uma loja fantástica,
então, primeira galeria tinha outra, aí foi um período que eu fiquei um tempo
ouvindo muito, Jimi Hendrix, Vandré, Emerson Lake, Led Zeppelin, até botar a
cabeça no lugar e falar assim é jornalismo mesmo e tal. Aí, foi incrível,
Christina, porque eu cheguei na universidade, passei em 76, quando eu entrei
caí na sala da Raquel Scarlatelli, José Henrique da Cruz, o Mutum, no corredor
era o Valtinho Sebastião, o Chico Teixeira, que já estava quase saindo do
curso, o Luís Egito. Aí, no primeiro dia de aula eu já fiquei amigo deles, com o
Mutum ele começou a me falar da poesia lá do Magister, que era um
movimento que o Gilvan e ele organizaram, o Gilvan induzindo os meninos a
escrever em vez de ler poesia só, e eles iam fazer vestibular, esse mesmo
vestibular que eu fiz, eles começaram um negócio de poesia, o Inácio escrevia,
o Gerro, alguns professores e os estudantes, e era muito bom, era muito acima
da média, e eu falei com ele no primeiro dia de aula, traz esse troço para mim
ver, quando eu vi eu falei esse troço é bom, esses meninos escrevem legal, aí
eu falei que é esse Gilvan que está dando aulas para vocês? Ele vai dar aulas
para você também, então vamos lá conversar com ele, atravessamos e fomos
lá no ICHL, a comunicação ainda era no direito, eu sei que você está fazendo
esse negócio assim, o Chico Teixeira conversou comigo agora falou ir lá
procurar o DCE que tem uma gráfica lá, que eles vão ajudar a gente, aí ele
falou: então vamos começar a escrever, vamos chama os meninos aí e vamos
ver o que a gente faz, aí o Poesia voltou, quer dizer, reagrupou, um novo
grupo, eu e o Mutum coordenando, a gente fez 29 folhetos, aí o Som Aberto
tinha começado lá no DA.
P/1 – Explica como eram os folhetos do Poesia.
R – Ele antes no Magister era um folheto quadrado, repetia muito o mesmo
desenho, atrás era sempre uma citação de um escritor brasileiro importante,
contra alguma coisa, ou a favor de alguma coisa, e quatro ou seis poemas,
normalmente quatro, quando eu vi aquilo eu falei com o Mutum: Mutum vamos
ter que reduzir esse tamanho, fazer um ofício dobrado no meio, e vamos
conseguir quem escreve, era eu, era ele, o Gilvan, o Inácio, está já lá no ICHL
estudando, mas o Inácio não era poeta, o Inácio escrevia um ou dois poemas,
aí nós fomos atrás de quem escrevia, e fomos achando, e tinha gente legal
escrevendo, a gente foi achando, no total, quando a gente lançou a Poesia em
Movimento tinham 43 poetas, nesse período.
P/1 – De 76...
R – De 76 até 2000, a Poesia, o Bar Brasil, o Abre-Alas e a Delira reunia em
torno de 43 poetas, é muita coisa, para você vê que em 53, Pentágono 53, que
era o movimento que Afonso Romano de Santana organizou, só ele virou poeta
desse grupo, que eram cinco, só ele, tinha o Hélio de Almeida Fernandes, que
morreu, escreveu alguns poemas, depois foi cuidar da vida fazer outras coisas,
já bem mais tarde escreveu um livro sobre tango, os outros três a gente nunca
mais nem localizou, a força da geração de 50 na poesia. Depois de 75, o
Afonso situa o seguinte: o Afonso fala que o grupo de poesia mais importante
do Brasil, grupo contemporâneo de poesia de movimento mais importante é
Bar Brasil, o Poesia, o Abre-Alas e o Deliria, como grupo, como organização
poética, eu também acho que é, e é verdade, porque você tem que ter crítica e
autocrítica, eu acho que nós reunimos o melhor grupo de poesia
contemporânea do Brasil, e o que prova isso é você ter um poeta como Iacyr,
um poeta como Edmilson, um poeta como Polidoro, como Fiorese, como José
Santos, o Ruffato, que começou na poesia e foi para o conto, foi para o
romance, começou tudo aqui dentro do Bar Brasil e do Delira, e mais uma
infinidade de gente boa escrevendo.
P/2 – E o mimeógrafo?
R – O Magister tinha o mimeógrafo, fazia prova e emprestava para eles fazer, a
secretaria de cultura não existia ainda era um departamento de cultura junto
com turismo, era o Joel Neves, que dava aulas na universidade também no
ICHL, era o Ivan Nery, que depois virou promotor em Belo Horizonte, e eu não
me lembro, mas parece que o José Paulo Neves também participava da
secretaria nessa época, eu me lembro que o meu contato maior era com o Joel
e com o Ivan Nery, que eram muito amigos do Gilvan e eles sediam o papel
para a gente, aí a gente começou rodando lá no Magister, a segunda fase da
poesia, que foram esses 29 folhetos no início, depois a gente passou para a
gráfica do DCE, passamos fazer um negócio mais chique, que era offset, com
qualidade, com capa, o Arlindo ilustrou para a gente, o Jorge Arbache, o César
Guedes, a gente teve bons ilustradores, eu fiz as primeiras capas da segunda
fase que foi obrigado a fazer, porque chegava lá na hora não tinha uma capa,
eu não queria repetir as capas anteriores que o Mutum tinha repetido, eu ia
para o estêncil lá e desenhava em cima do estêncil alguma coisa, alguma coisa
contemporânea, alguma coisa moderna, são um horror, mas era o que você
tinha na época.
P/1 – Como é que vocês distribuíam o folheto Poesia?
R – A gente distribuía no Som Aberto aos Sábados, que importante falar o que
era o Som Abertas, porque tudo começou culturalmente em Juiz de Fora,
nessa mudança dos anos 70, começou no Som Aberto, o Ivan Barbosa era do
DCE, Reginaldo, Ivan, Zé Tulim, Paulinho Delgado, esse pessoal era a
organização do DCE, José Antônio do ICHL, e eles compraram uma gráfica
para o DCE, o Zé Tulim foi presidente na reconstrução do DCE e depois o Ivan
e o Paulinho e o Reginaldo Arcuri eram secretário, diretor de cultura e tal do
DCE, o que é que eles fizeram? A gráfica era uma potência para aquela época,
e a gráfica tinha estrutura de rodar muita coisa. O Som Aberto, era
simplesmente o seguinte: um primo do Ivan, que estava na USP, veio a Juiz de
Fora passar umas férias, falou com o Ivan você tem uma gráfica, nós não
temos em São Paulo, mas nós temos um espaço lá que a gente chama de Som
Aberto e circuito universitário, você tem que fazer isso aqui, e o Ivan fica com
aquilo na cabeça, conversou com essa diretoria dele e eles toparam, a gente
reunia, aos sábados de manhã lá no DA de medicina, e criava o que? Quem
tinha alguma criação artística levava lá, quem tinha poesia levava, quem tinha
artes plásticas mostrava, quem tinha dança, quem tinha teatro mostrava, quem
tinha música mostrava, sendo que a música era o principal ao lado da poesia,
que é o que tinha mais, o Luizinho Lopes começou lá, a Pazinha, o Chico
Cursi, com aquela viola que ele tocava no início, começou lá o Marcinho
Gomes. O Marcinho vem de uma família de músicos, tradicional de Juiz de
Fora de chorinho, eles tinham um grupo Gardênia Dourada, então a família do
Marcinho era um ponto de encontro da gente para música, muito chorinho, só
que a gente também tinha a vertente do rock, outro lado, que não batia com a
deles, porque eles eram chorões tradicionais, mas a gente sabia que podia
contar com eles para tudo, porque eles eram bons no negócio, eles tinham
muito contato, aí eles ajudavam a levar, na verdade era uma família do
Marcinho Gomes, a família do Chico Teixeira, e os Itaboraí, Marcinho Itaboraí
com os irmãos, esse era o núcleo do Som Aberto musical, mais o Luizinho
Lopes, mais o Chico Cursi, que tocavam todos os sábados, e a gente distribuía
os poemas, saía de lá, vinha para rua, aqui Rio Branco, Marechal, Halfeld,
Santa Rita, São João entregava aqui no centrão, como o folheto era muito bem
feito, plasticamente bem feito, e os poemas eram muito bons, vingou, e o
DOPS ficava atrás da gente, para pegar um folheto daquele, mas não podia
prender, porque ia prender a gente por que estava fazendo poesia? Não tinha
nada de subversivo, de revolucionário nas poesias, era muita boa na qualidade,
tinha até uma vertente política, mas não era o principal isso, o principal era a
qualidade da poesia, a gente estava preocupado em fundar um movimento de
poesia importante em Juiz de Fora, como o pessoal da música estava
preocupado em fazer uma música boa, tanto que está aí até hoje.
P/1 – E vocês escreviam em jornal também? Grande imprensa, por exemplo,
você chegavam a publicar ou a escrever no Diário Mercantil, Diário da Tarde?
R – O Mercantil, nessa época, que a gente foi conhecer Cacá, Malu, a Kátia, a
Greice, trabalhavam no jornal, elas eram muito novas na época, tinha acabado
de formar e estavam no Mercantil. O Mercantil, para você ter ideia, só tinha
velhinhos, velhinhos de terno, Wilson Cid, que eram talvez um dos mais novos
dos velhinhos, Ismair, mas era um grupo de velhinhos, Almir de Oliveira, era
esse pessoal, Paulino, e as mulheres eram novas, poucas, e não eram
editoras, tinha talvez uma editora só na época, o resto tudo era repórter, estava
começando, era um jornal machista, um jornal tradicional, tinha o Diário da
Tarde, que era onde a gente tinha um pouco mais de espaço. Aí, aconteceu o
seguinte, o movimento estudantil era muito forte, nós estávamos recriando os
DAs, você tinha centros acadêmicos, DCE tinha sido recriado, a poesia ajudou
a gente nessa coisa da articulação política, e a gente começou a recriar os
DAs, mas por que? Porque eu já tinha passado por experiência em Ouro Preto
de não estudar, de ficar na boa vida, aí eu queria estudar e numa universidade
boa, e sair logo daquilo, para não ficar perdendo tempo lá, e o curso era muito
fraco, a faculdade não é o que é hoje, não tinha equipamento, eu lembro que a
Verinha Amaral queria dar aula de diagramação, era uma mesa de
diagramação de madeira, não tinha para todo mundo quase, eu queria fazer
matéria com ela, ela falou: Jorge não dá, não tem vaga para você assistir as
aulas, eu queria assistir para aprender, porque fazer aquilo todo no curso lá em
Ouro Preto, para diagramar os folhetos melhores, mais legal, e não tinha como,
ainda era no papel, era muito atrasado, você não sonhava em ter um
computador dentro da redação para você editorar um jornal, não tinha a menor
possibilidade disso.
P/1 – Também não tinha laboratório de rádio.
R – De TV não tinha nada. Não tinha nem câmera para você fazer foto, você
tinha que aprender tudo na marra, aí o que é que aconteceu? Eu acho que a
gente sacou, essa foi a grande sacada, a gente sacou que o Som Aberto era
uma forma de aglutinação, a gente trazia, por exemplo, João Bosco, os
principais compositores passaram por aqui, vinha fazer o circuito universitário,
Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, sabia que a universidade era o
canal para encher o Central, no caso de Juiz de Fora, dava um showzinho para
a gente três, quatro músicas lá, era o chamariz a noite o pessoal pagava o
ingresso e via o show no Central. Então, o circuito universitário funcionou
muito, e ajudou a gente a estruturar o Som Aberto, a dar peso para o Som
Aberto. Aí, nós vimos o seguinte: a gente precisava mudar a universidade,
democratizar a universidade, a palavra era essa, a universidade era autoritária,
que o general mandava e que o reitor, alguns desses que estão ali, não tinha
autonomia, não servia para a gente, a gente precisava mudar o Brasil, mas
precisava mudar a universidade também, se a gente quisesse sair de lá com
uma coisa mais democrática e não um curso burocrático. Aí, nós fomos
organizar o DCE, e o DA, aí tinha um embate, tinha dois grupos fortes de Juiz
de Fora, um grupo era o grupo onde o Zé Pimenta era uma das maiores
lideranças, o outro grupo era mais ligado ao ICHL, o Zé era da engenharia, e
tinha o pessoal da medicina, e o outro grupo, era o grupo que eu me
identifiquei mais, era grupo ligado ao ICHL e comunicação, então a gente tinha
dois grupos fortes dentro do movimento estudantil, nós conseguimos ganhar a
eleição uma vez, que foi com estratégia, nós tínhamos mais relação com o
pessoal de Belo Horizonte e eles eram majoritários, e a gente dividiu os DAs
um pouco, mas os dois grupos eram muito politizados.
P/1 – O Pimenta era de que corrente? MR8 na época?
R – Não, não era ainda não, na época eles eram ligados ao MDB, antigo, e nós
começamos a pensar na ideia de uma coisa que não era, a gente não queria
política tradicional, nós queríamos um negócio novo, quem vem ser o PT
alguns anos depois, tinha uma ala mais trotskista, tinha uma ala mais
conservadora, que era esse pessoal. Mas era a formação política da cidade,
um grupo ligado ao PMDB, em lembro que numa época nós estávamos num
impasse, porque tinha uma candidatura se colocando, que era do Humberto
Resende para deputado estadual, e nós tínhamos disputado uma eleição com
Ivan Barbosa para vereador, quando Tarcísio foi eleito prefeito e perdeu para o
Mello, foi um negócio muito complicado, porque a Vera foi num comício e falou:
“nós já ganhamos no DCE, agora nós temos que ganhar a prefeitura” porque
eles tinham eleito a única chapa de direita na história da universidade que foi o
Paschoal Montezano, o Jair Bispo, esse Geraldo Sette, que está aí hoje nos
psiquiatras, na época era ligados a eles, esse grupo conservador ligado ao que
veria ser o Mello, a direita Arena e ganhou o DCE pela primeira vez, e foi uma
provocação, professora do ICHL, dava aula para a gente virar e falar que já
ganhamos o DCE, agora vamos ganhar a prefeitura? Era coligação, e o PMBD
não quis deixar a terceira coligação com Perpétuo que daria vitória ao PMDB,
então eles perderam a eleição para o Mello, e a ditadura investiu muita grana
em Juiz de Fora, eles fizeram o Mergulhão, eles trouxeram a Mendes Junior,
eles investiram muita grana, Juiz de Fora era uma das grandes cidades, era
uma cidade que não votava na ditadura, apesar do golpe ter saído e isso é um
negócio importante falar, porque o golpe saiu de Juiz de Fora, mas quem saiu
foi o Mourão Filho, que se dizia vaca fardada, eles intitulavam como vaca
fardada, ele antecipou o golpe, o golpe não era para ser dado naqueles dias,
era para passar um pouco, eles estavam articulando os três governadores, o
Lacerda, o Magalhães e o de São Paulo, eles estavam organizando o golpe, o
golpe não foi dado só por militares, o golpe foi dado pela elite política brasileira,
que não queria que a esquerda crescesse no governo com Jango. Então, os
militares de Juiz de Fora saíram daqui para dar o golpe, e acho que um erro
não ter tido, não conter eles antes de passar ali Areal, Três Rios, se tivesse
contido, duas três pontes que tivessem tirado ali no caminho deles eles não
passavam, voltariam com o rabo entre as pernas para cá, aí o golpe talvez
tivesse abortado, ou não tivesse se dado daquele jeito, porque foi uma
surpresa, acho que ninguém esperava aquilo, todo mundo sabia que estava
armando um golpe, mas não esperava que o golpe saísse daquele jeito, eu
acho que a cidade ficou com uma fama do golpe ter saído daqui, mas a cidade
não era favorável ao golpe, Juiz de Fora tinha setores muito conservadores,
ultra direita, o pessoal ligado a igreja, fizeram aquela Marcha da Família com
Deus pela Liberdade, mas não era uma cidade conservadora, pelo contrário.
Aí, começaram a perder todas as eleições depois do golpe, e eles queriam
ganhar uma, aí eles derramaram muito dinheiro em Juiz de Fora para ganhar
uma eleição, e o DCE tinha um papel importante, porque a gente precisa ver o
seguinte: a formação de lideranças políticas sempre saiu da universidade, lá
era o lugar onde saiam as lideranças políticas da cidade, a vanguarda política,
a elite política de Juiz de Fora saiu de dentro da universidade, o único caso que
não saiu foi o desastre político contemporâneo que a cidade teve há pouco
tempo, que foi o único que não saiu lá de dentro, na verdade não saiu nem de
Juiz de Fora, forasteiro em Juiz de Fora, mas a gente não pode nem falar,
porque Juiz de Fora é uma cidade de forasteiro, uma cidade que sempre
agregou muita gente, a maioria dos meus amigos vieram estudar aqui, a
universidade sempre foi muito agregadora, esse que o grande lance da
democracia, Juiz de Fora é uma cidade acolhedora, ela recebeu todo mundo,
ela formou todo mundo, o problema é que a cidade não se modernizou para
abrigar essas pessoas aqui e permitiu que essas pessoas saíssem, a minha
geração, por exemplo, toda foi para fora, o José Santos é um exemplo, o
Ruffato é um exemplo, todo mundo foi para fora, o Luizinho foi para fora, todo
mundo foi para fora.
P/1 – Por que é que você não foi para fora?
R – Oh, Christina, você sabe que é um negócio incrível, eu mesmo me
pergunto, até hoje não entendendo, eu sei assim, eu tive filho muito cedo.
P/1 – Quando você teve filho? Você ainda estava na escola?
R – Tinha acabado de sair, tinha ido para o jornal, mas muito cedo, isso obriga
você a ter muita responsabilidade, a ter que arrumar emprego, essas coisas, eu
fui para o Jornal.
P/1 – Qual jornal?
R – A Tribuna de Minas.
P/1 – Em 81?
R – Fui direto para a Tribuna, em 81, foi engraçado que foi o Ivanir, o Cacá foi
lá falar comigo e falou comigo: o jornal vai abrir, estão precisando de gente
experiente, mas que experiência eu tenho de jornal? Eu não me formei ainda.
Eu produzia os principais shows que tiveram e Juiz de Fora do circuito
universitário, era um fotógrafo muito bom, e era cinegrafista da Globo, Kenji
Yamakoshi e eu, e a gente fazia uma parceria com duas empresas de Belo
Horizonte, com a empresa do Gil, Gilberto Gil, com a empresa do
Gonzaguinha, então a gente produzia os shows que eles traziam para Minas,
eu e o Kenji fazia uma produção local desses shows, assumia um risco
danado, maluco, e a gente fazia no Sport, basicamente, quando dava no
Central, no Olímpico, e a gente fez tudo, Alceu Valença, Gonzaguinha, todos
os shows do Gonzaguinha, Gonzagão, Gil, pessoal do circuito universitário que
passava na universidade todos, fora shows de menor porte, Egberto, Hermeto,
Elomar, e aí começa a ganhar um pouco de dinheiro, nunca foi muito, porque
ingresso muito barato, produção é muito cara naquela época, eu fazia a
produção dos shows, engraçado que na época, você vê como vai puxando o
lado da imprensa, todo show, ou toda peça tinha um programa que era muito
completo, com crítica, com as letras, com textos, e eu fazia aquilo, diagramava
escrevia aquilo, fazia entrevista com os caras, o requinte chegava a tal ponto,
que o show do Alceu Valença o que Kenji foi para São Paulo alugou um
equipamento de cinema, filmou um show do Alceu Valença, para fazer um
comercial de 45 segundos na Globo, é demais né, o custo de uma produção
dessa, a gente era meio atrevido nessa época, então, eu comecei a fazer
shows e tal, aí a Tribuna abriu eu fui lá conversar com Ivanir, a minha prática
era qual? Aqueles programas, quando eu mostrei para ele aqueles programas,
o Ivanir diagramava o Caderno B do Jornal do Brasil e mais outros tantos
cadernos de moda virou para mim e falou: você faz isso? Eu falei: faço, então
você está contratado, amanhã você começa a fazer o curso, começou eu a
Beth Barra e Katinha lá fazendo o curso.
P/1 – Que curso?
R – Um curso que ele deu lá para, ele queria formar um grupo de
diagramadores para assumir o que ele ia fazer como formato gráfico do jornal.
(fim do vídeo 2)
R – Ia ter um caderno de cultura, o Jorge Arbach ia ter uma coluna ilustrando, e
ele queria uma diagramação muito revolucionária para o jornal, o Ivanir era um
dos grandes diagramadores do Brasil, e ele precisava de gente de confiança
dele, então a Beth ia ser a diagramadora principal, e quando ele viu meu
trabalho ele falou: você vai diagramar o primeiro caderno junto com a Beth,
dividir com ela, ela vai fazer a primeira página, você vai fazer uma parte do
segundo caderno, ela vai fazer a capa. Eu senti que ele confiou no meu
trabalho e viu que eu podia ser tipo um cara parar ir junto com ele, entendeu?
Nessa modernização do jornal, e a Beth era muito boa na época, então era ele
e o Eloísio que eram os editores, e tinha sempre o problema, que o Elô era o
editor chefe, o Ivanir ficava numa posição assim, um cara de fora que veio
fazer o padrão gráfico do jornal, mas o editor jornalista vai ser o Elô, ele não
sabia se ia ficar como editor, se não ia, e acabou voltando para o JB, que eles
estava na época antes de sair para o Globo. E o Ivanir que me deu o emprego,
na época o Eloísio até veio falar comigo, acho que você não precisa de vir para
o jornal não, você está fazendo show, está ganhando dinheiro, eu falei: eu não
quero ficar fazendo show, eu quero uma profissão, estou largando o curso para
vim para cá, se dependesse do Eloísio eu não teria entrado no jornal, mas o
Ivanir bancou a minha entrada, foi muito legal. Eu na verdade queria escrever
eu não queria diagramar, dava muito trabalho, mas aceitei, uma profissão, o
jornal pedindo registro. Aí, eu conversando um dia com o Ivanir: “Ivanir eu
estou pensando ir para o Rio, cara,” “você vai para o Rio não vai ficar aqui?
Você vai comigo, estou precisando de alguém lá,” eu falei com ele: “mas eu
vou numa condição eu quero escrever, quero escrever sobre música, sobre
literatura, eu não quero ir para lá para ser diagramador,” “não a vaga é para
diagramador, depois que você estiver lá eles vão ver seu trabalho você vai
conseguir alguma coisa lá para você escrever,” aí eu falei: “não aí eu não sai
daqui não,” e comecei a fazer jogo duro com ele. Aí, em 82 o Luiz Dulci foi
eleito para deputado federal e o Guedes também, tinha chegado de exílio, o
Paulinho foi um anticandidato, era para testar se dava ou se não dava,
Paulinho Delgado foi anticandidato, na verdade a candidatura do Paulinho
estava se preparando para ser 86 na constituinte, em 82 nós lançamos o
Humberto Resende, que era de Cataguases, aí fiz a ponte para volta naquela
conversa da política, para deputado estadual, e a gente não podia fazer um
debate na universidade, na universidade não podia entrar candidato nem para
debater a eleição, e eu lembro que o Paulinho tinha conseguido um material
num candidato lá de Porto Alegre, era um punho fechado preto, em volta uma
tarja preta com um fundo branco escrito assim: vote contra o governo e o nome
do cara, e nós copiamos esse negócio e fizemos vote contra o governo Ivan
Barbosa vereador, o Ivan foi o vereador mais votado em Juiz de Fora na época,
e o Tarcísio começou a ficar com medo da candidatura do Ivan, porque uma
candidatura radical, uma candidatura de esquerda, uma candidatura forte
dentro do PMDB, e Tarcísio achou que ia sustar a classe média, pelo contrário
a classe média é que votou no Ivan, e o Tarcísio perdeu a eleição para o Mello.
P/1 – Mas isso foi em 70 e...
R – 72, ele já era prefeito em 76, foi a preparação 78 a eleição anterior a 82,
Tarcísio foi antes, o Ivan foi vereador, saiu do DCE e foi o vereador mais
votado, mas a gente pegou esse problema da eleição do Mello e foi um
exemplo, porque tinha que ter ocupado a coligação, PMDB tinha que ter feito a
terceira coligação para tentar ganhar a eleição, nas soma dos votos. Aí, nós
lançamos o Paulinho em 86 para a constituinte, o Dulce não foi reeleito, e o
Guedes não foi reeleito, perderam a eleição, e o Paulinho foi eleito para a
constituinte, e eu, o Flávio e o João trabalhava na assessoria do Paulinho,
então ficava no jornal, e fazia uma assessoria de imprensa para o Paulino.
P/1 – E no jornal sempre como diagramador?
R – E começando a escrever.
P/1 – Qual era a sua rotina de diagramador num jornal em 81, 82?
R – O jornal era muito grande, o jornal enfrentava o Mercantil no início, era
muito pesada, não tinha muita hora, o dia inteiro, eu tinha que criar as páginas,
tinha que depender de uma boa foto, tinha que depender de uma boa redação,
a redação era muito boa, talvez uma das melhores redações que já passaram
por Juiz de Fora, a dos velhinhos do Mercantil era muito tradicional, mas a
nossa era uma redação extremamente competente, para você ter uma ideia, os
fotógrafos que a gente começou Márcio Brigatto, Betinho Nicoline, depois o
Jorge Couri que saiu do Mercantil e foi para lá, não tinha erro, o Márcio Assis,
não tinha erro.
P/2 – A faculdade você deixou?
R – Deixei, na época não tinha mais nada, a faculdade não apresentava mais
nada para a gente, ninguém fazia mestrado, ninguém fazia doutorado, você
não tinha uma perspectiva de uma carreira acadêmica, você tinha que optar, ou
você vai fazer uma carreira acadêmica, você vai dar aulas na universidade, ou
você vai virar profissional, na época o que estava mais interessante é você ir
para o jornal, um jornal novo, que tinha uma ideia muito interessante, um grupo
muito novo com liberdade para trabalhar, e eu achei que a gente podia fazer
muita coisa ali. Aí, eu lembro que um dia estava diagramando, uma mesa
imensa que eu tinha lá no final da redação, o Elô ficava com a Beth num lugar
fechado de vidro.
P/1 – Tipo um aquário.
R – Tipo um aquário, do lado o Ismair com o comercial, e eu ficava lá no fundo
numa mesa imensa, atrás era uma cantina, eu diagramava praticamente quase
todo o miolo do jornal, esporte, cidade, política, e era muito democrático,
porque a gente era muito amigo, editores eram todos da mesma faixa de idade,
muito amigos, e a gente começava a discutir o que é que ia ser a matéria, o
que é que ia ser a primeira página, o que ia passar para o Eloísio e tal, e todo
mundo querendo mostrar serviço, era um desafio.
P/1 – Não tinha computador, né?
R – Não tinha computador.
P/1 – Tudo na regra de pain.
R – Tudo na regra de pain, aí eu inventei um metodozinho lá que era um legal,
eu calculei, como a gente usava uma tipologia só, eu calculei quantos
centímetros ocupava cada letra em cada corpo e fiz uma tabela, então eu
diagramava numa rapidez absurda, porque eu sabia que uma matéria de 30
linhas ocupava determinado espaço na colunagem que o jornal usava, o jornal
não mudava muito a colunagem dele, aí, eu diagramava muito rápido, e
confiava nos fotógrafos, e às vezes tinha o Jorge Arbache para salvar a página
ali com um desenho, com alguma coisa. Aí, um dia um cara chamado Roberto
Chalub, chegou lá no jornal ele era muito grande, ele chegou reclamando que
ele tinha levado um disco para fazer uma crítica e que ninguém tinha feito a
matéria, eu ouvi, eu estava lá no fundo da sala eu ouvi, levantei e fui lá a Kátia
estava lá nem conversou com ele, foi outro repórter e tal, aí eu fui lá, estava
acabando de fazer o segundo caderno fui lá conversar com ele, peguei na
escada saindo assim, lá na Academia ainda, eu falei: “o que é que houve você
está muito nervoso e tal,” ele falou assim: “é que eu trouxe um disco para cá,
perdi meu tempo, não sei o que lá, para eles fazerem,” simplesmente era a
trilha sonoro do Mozart, do Milos Formam, aí eu falei com ele: “esse disco que
você trouxe eles não fizeram a matéria? Não fizeram a crítica?” ele falou:
“meninas eu acho que nem sabem que é o Mozart direito,” aí eu falei assim:
“espera aí, por que é que você trouxe esse disco para cá para o jornal?” ele
falou: “Porque eu saí da fábrica, eu sou vendedor fora do Rio, de lá para cá eu
chego até perto de Belo Horizonte, Belo Horizonte é outro, eu achei que o
jornal era muito bonito e tal e precisava ter uma área de crítica de cinema, de
artes-plásticas, de música e tal, eu me ofereci para trazer os discos, entregar
os discos para vocês fazerem a crítica, mas ninguém aqui está interessado em
fazer,” eu falei assim: “qual é o próximo lançamento que você vai trazer?” Ele
falou assim: “eu vim cobrar esse que não saiu e ver se não queria mesmo,
porque eu estou trazendo um negócio que eu só entrego lá para o Tarik de
Souza, que é o meu primo,” eu falei: “trás o próximo que eu vou conversar com
a Kátia, eu vou fazer a matéria,” aí já estava o interesse pela música junto, aí
ele voltou um dois, três dias depois com um disco, nem lembro qual era, aí eu
virei para Kátia: “deixa que eu vou fazer,” aí comecei a fazer as críticas de
músicas. Esse cara era primo do Tarik de Souza, ele saía da fábrica da
Polygram no Rio, levava o disco sem capa para o Tarik, jogava debaixo da
porta do Tarik, e o Tarik furava todos os jornalistas do Brasil, furou quase todos
o tempo todo, ninguém sabia como, era ele. Aí, um dia o Tarik fez um livro
acho que não citou ele no livro, que ele que dava todos os furos para o cara,
ele dava os discos antes de vir para o mercado, o disco saía para a venda
antes de ir para a imprensa, ou antes de ir para a loja, uma semana antes, dez
dias, e ele entregava esse disco para o Tarik, e o Tarik acho que não botou um
crédito lá para ele, não reconheceu o trabalho dele e tal, aí ele ficou meu
amigo, parou de dar os discos para o Tarik e passou a trazer para mim, aí eu
tinha o disco aqui, quatro, ou cinco dias antes do Folha, Estadão, Globo, JB,
bastava eu virar uma noite, que no jornal não tinha como ouvir disco, não
existia nem fone de ouvido na época para isso, aí eu levava para casa e fazia a
matéria de madrugada quando saía do jornal, no outro dia estava pronto
conseguia furar os grandes jornais, com discos importantes, que aí é a questão
da seleção, ele traz, você vai saber, quando eu dei a terceira matéria, antes do
Globo, JB, Folha e do Estadão, os caras de Belo Horizonte vinham aqui para
vender o disco aqui e me descobriram, aí eles foram me procurar no jornal, aí
eu passei a receber de todas as gravadoras, tudo que eles lançavam no Brasil,
eu na época eu acho que quando o cara da Warner botava o malote do jornal,
que o jornal que ia e voltava, eu recebia aqui talvez com seis, oito horas de
atraso em relação a Belo Horizonte e ao Rio, se eu corresse dava tempo de
sair junto deles. Aí, começou, a Kátia foi vendo que a gente conseguia
enfrentar os jornais grandes, começamos a dar um espaço para música muito
legal, e a gente começou ter uma área, já na literatura tinha uma produção
excelente, cinema já tinha. Aí, o jornal começou, eu o Valtinho, Valtinho
cuidava mais de rock, eu cuidava mais de MPB, jazz, erudito e tal, aí você vai
começando a entrar na música para valer, e a Tribuna passou a ser conhecida
como um dos jornais que tinha um segundo caderno, ilustrado por um dos
principais ilustradores do Brasil, Trimano, Jorge Arbache, Marisa Dias Costas,
Arthur do Estadão, porque o Jorge nessa época o Jorge Arbache tinha saído
do JB e estava no Jornal da Tarde, e a Marisa trabalhava com ele lá e o Arthur,
o que é que eu fazia? Eu pagava ele, eu pagava eles em disco, ou em livro,
que eu recebia um monte de livro, um mundo de disco, o que eu não queria
ficar eu trocava com eles em ilustração, porque o jornal pagava a ilustração, e
eu trocava com eles, e a gente tinha páginas fantásticas.
P/2 – Essa relação com Roberto Chalub, foi até quando foi isso?
R – Muitos anos, para você ter uma ideia, ele me convidou uma vez para ir, o
Milton Nascimento estava terminando o contrato com a Polygram e tinha que
entregar um disco para a Polygram e era um disco dele ao vivo com Wayne
Shorter, aí o Chalub falou comigo: eu consegui te encaixar na coletiva lá no
Rio, o Cabelinho era o meu fotógrafo, para você ter uma ideia, ia comigo para
fotografar, a gente fazia coletiva os dois, tudo era motivo para ir para o Rio, o
Cabelinho adora o Rio, o Cabelinho criou na ‘fama’ criou uma linha que você
sabe que é Ipanema Parque Halfeld, você sabe né? Criação dele, aí a gente ia
de carro, chegava lá, cheguei lá a entrevista tinha acabado, o Chalub errou o
horário, e o Chico Pinheiro da Globo era assessor de imprensa do Milton, aí
você pensa bem você chegar atrasado numa coletiva de imprensa, todo mundo
já tinha feito entrevista, e já estava lá no coquetel lá em cima no terraço da
Polygram e tal, aí eu falei com o Chico: “Chico você vai ter que dar um jeito de
falar com o Milton, eu não posso perder essa entrevista, cara, o último disco da
Polygram e tal,” “será que o Milton vai querer falar? Ele está cansado,” eu falei:
“Chico, você lembra que você chegou lá em Juiz de Fora pelo JB foi lá no DCE,
pegou a gente” quando a Mendes Junior foi inaugurada, “queria que a gente
fizesse aquela manifestação para que você ganhasse a sua matéria? Nós
fizemos, você lembra? Você ganhou a primeira página do JB, agora você tem
que pagar aquele dia,” aí ele foi lá conversou com o Milton, e falou: “tem uma
rádio que vai dar entrevista ao vivo, com o Milton e vai dar naquele cantinho ali,
tem uma outra rádio que chegou atrasada também e vai lá dar entrevista, o
Milton vai dar entrevista para rádio, você cola nos caras da rádio, pega o seu
gravador, quando ele começara a gravar você grava o que ele falar para a
rádio e começa a perguntar, ele não vai saber que você não é de rádio, ele vai
achar que você está fazendo matéria para rádio, você começa a perguntar ele
vai achar que está ao vivo, ele não vai ter coragem de negar a entrevista, é o
único jeito, e você por favor não deixa o resto do pessoal toque que está no
coquetel entrar na entrevista se não escangalha a coletiva,” só que alguns já
tinham saído para tentar botar no jornal e aí o repórter da rádio, não lembro se
era CBM, sei que uma rádio do Rio grande fez uma pergunta muito idiota para
o Milton, assim: quem é sua maior influência? O cara lançando um disco
importante com Wayne Shorter ali do lado, o cara não sabia o Wayne Shorter
era uma das influências dele, vai faz a pergunta assim, aí ele virou olhou para a
cara do cara pensou e não quis dar uma resposta malcriada, tipo pensou: vou
sacanear esse cara, nem sabe que é o cara, e falou assim: é o Marins Davis,
eu largaria tudo hoje, só não falou que largaria o Wayne shorter, para tocar
com o Miles Davis, se ele me chamasse para fazer um projeto junto, tipo assim,
meu sonho era gravar com ele alguma coisa. Eu ouvi aquilo e o cara não
entendeu nada da pergunta, aí eu vim e fiz uma outra, e fiz outra, e fui fazendo
a ponte entre o Miles e ele, e ele me deu uma entrevista gigantesca, excelente,
não falou para ninguém o que ele falou para mim, porque o cara tinha dado a
deixa lá e não usou, o negócio do Miles Davis, não sabia nem que era o Miles
Davis o cara da rádio, me deu uma entrevista fantástica, no outro dia eu vim
para cá com o César e fiz uma super matéria, no Rio outro dia que saiu a
matéria e em BH os caras malucos, pô o Milton não falou isso do Miles Davis,
como é que foi sair lá em Minas e tal, e me deu um furaço daqueles geniais por
caso do atraso.
P/2 – Você tinha essa relação música e imprensa, e como era a relação esses
lançamentos com as rádios aqui? Como se dava?
R – Nenhum, as rádios de Juiz de Fora sempre foram muito conservadoras,
foram muito fracas, não usava o espaço que a gente tinha no jornal, não usava
os canais que a gente tinha no jornal, nunca divulgaram a música de Juiz de
Fora, nunca tocaram a música de Juiz de Fora. Você vê que tem compositores
excepcionais, não precisa de nada, nós temos uma Lei Murilo Mendes que nos
últimos 15 anos, 14 anos, produziu o que tem de melhor na música em Juiz de
Fora, profissionalizou os músicos de Juiz de Fora, obrigou o pessoal de Juiz de
Fora da cultura a aprender a fazer projeto, você sabe a dificuldade de fazer um
projeto, ninguém sabia fazer um projeto, a Lei Murilo Mendes é o maior avanço
da cultura em Juiz de Fora, todos os problemas que a lei possa ter, todos os
problemas do recurso ser pequeno, um milhão só, de ter furado um ano ou
outro, de às vezes você não gostar do cara que vai lá para COMIC julgar, mas
a lei modernizou a produção em Juiz de Fora, regulou a produção, fez com que
as pessoas se profissionalizasse, melhorou a qualidade dos produtos,
alavancou a produção em Juiz de Fora, abriu possibilidade de escritores como
o Iacyr, o Edimilson, Fiorese, Christina, pegar a produção deles aprovada na lei
e dobrar a produção com uma outra editora de fora, e lançar nacionalmente no
circuito, porque não adianta você dar o valor da lei e você fazer um livro só
para Juiz de Fora, só para o mercado interno, isso não existe no mercado de
livro, você vai fazer uma tiragem de 1000, 1500 livros, que é ridículo num país
do tamanho do Brasil, a gente faz raridade todo dia, porque isso vai acabar, ou
vai ficar guardado numa gaveta. Então, a possibilidade de você arrumar uma
editora, arrumar uma gravadora de fora, colocar no mercado a produção,
passar pelo crivo da mídia, da imprensa, isso é fundamental, isso é um dos
avanços, eu acho que Juiz de Fora está muito bem articulada, porque tem o
fundo municipal de cultura, poucas cidades no Brasil tem, tem o conselho
municipal de cultura, que metade é eleito democraticamente pela comunidade
cultural, apesar de não participar muito desse processo, mas vai lá e vota no
dia da votação, o é conselho paritário, e esse conselho nosso de Juiz de Fora
ele é importantíssimo, porque ele é deliberativo, então ele que formula a
política cultural, a Funalfa não formula a política cultural mais, nem o museu,
eles vão ser os gestores, mas a formulação de política é o conselho que tem
que tem que assumir a formulação, e esse que é o salto, o pulo do gato, a hora
que o conselho assumir de fato que ele é que formula política, acabou a
interferência de prefeito, superintendente, eles vão executar a política, que a
cidade vai querer, esse que o lado mais avançado da democracia.
P/1 – Jorge eu tenho que voltar um pouquinho aqui para te pedir para você
falar um pouco para a gente de uma outra produção independente que tem
tudo a ver com cultura, que é o Bar Brazil, com z de Zorro, que é da década de
70.
R – O Bar Brazil é de 77, 76, dois números 76 e um número 77, eu falei do
Som Aberto, mas o Bar Brazil foi o seguinte: nós, esse pessoal do Som Aberto,
viu que precisava ter um jornal, paralelo a poesia, ao folheto, precisava ter um
jornal, por quê? Para você falar o que você queria, e poder discutir o que
estava acontecendo na cidade, aí tinha um bar que chamado Brasil na Zona.
P/1 – A zona era onde nessa época?
R – Em 76 ainda tinha zona em Juiz de Fora, lá onde hoje eram as fábricas de
malhas.
P/1 – Floriano?
R – Não lá embaixo.
P/1 – Do outro lado do rio?
R – Do outro lado do rio em frente ao corpo de bombeiro hoje, naquela
avenida, uma ruazinha pequena, que atravessa a Avenida Brasil, vasando a
Avenida Brasil, era pequena a zona, não era uma zona muito grande.
P/1 – Tem que falar o que era zona, porque zona de meretrício.
R – Zona de meretrício e tinha um bar que chamava Bar Brasil, e o ‘S’ era
contrário igual semianalfabeto escreve o ‘S’ ao contrário, era um ‘Z’ na
verdade, e a gente viu aquilo como uma crítica, Brasil com ‘Z’ os americanos
entrando aqui dando golpe, formulando uma política cultura para a gente, então
um bar na zona que tinha o nome daquele era muito provocador, e a ditadura
querendo ganhar a eleição. Aí, nós fomos lá o Marcelo Mega tirou uma foto do
bar Brasil, uma série de fotos, nós falamos o jornalzinho vai chamar Bar Brazil,
com ‘z’ de zona, e aí a gente ficou meio preocupado que a censura ia proibir o
jornal.
P/2 – Vocês frequentavam esse bar?
R – Não, tudo gente séria, a gente frequentava aquele botequim lá na porta da
universidade, o Bar Brasil, muita gente ia em zona, mas já estava um período
mais liberalizado na cidade, a universidade respirava do ponto de vista social
não, mas do ponto de vista pessoal sim, das relações pessoais, já tinha festa
em sítio, não precisava mais você ir para a zona. Mas algumas pessoas
acharam que ia ser uma provocação botar Bar Brazil com ‘z’ de zona, e por
causa do lance americano, nós colocamos Bar Brazil com ‘z’ de Zorro, que aí
era mais irônico ainda, a primeira capa foi uma mulher negra, com cabelo Black
Power, com uma roupa meio transparente e tal, um foto do Marcelo Mega a
capa foi essa, e a ideia era mostrar isso, além da exploração da mulher, além
da zona, de toda situação precária que eles viviam lá, tem uma zona ainda, era
o lance da crítica social, da pobreza, da miséria, da exploração, falta de
oportunidade e tal. Aí, o jornal era o que? Jornal era datilografado,
datilografado as colunas, todo datilografado página por página, tinha uma
ilustração do Daibert, uma ilustração do Jorge Arbache, tinha uma ilustração,
última página era o Lacerda, que é um dos maiores ilustradores ligados ao
DCE, um cara genial de traço forte, muito corrosivo e ilustrava para o DCE, e a
gente tinha alguns ensaios, tinha algumas entrevistas, tinha algumas matérias
bem fortes, e a gente contava com a colaboração de algumas pessoas, Sérgio
Cabral pai, que era um crítico de música muito importante do Rio, porque ele
não podia falar nem no Pasquim o que ele falava para gente aqui. Então, ele
via a gente como uma válvula de escape, por quê? Se ele falasse que o
Tinhorão era agente da CIA no Pasquim ou num jornal grande que ele escrevia
ele podia até ser demitido ou levar um processo, se falasse em Juiz de Fora a
repercussão ia ser muito menor, e ele queria falar isso que ele achava que o
Tinhorão era agente da CIA, provocando Tinhorão, então, ele vinha aqui no
Faisão Dourado, ou no Brasão, essa foi no Brasão e dava entrevista para a
gente e falava o que bem entendia e saía no outro dia, a gente fazia uma
matéria e falava que Ana Maria Bahiana e Thales de Souza tinha o rabo preso
com as gravadoras, só para provocar e eles ficavam nervosos, mandavam uma
carta para a gente, para publicar no outro número, desaforada a carta contra a
gente, que eles não tinham rabo preso nenhum de onde é que nós vamos tirar
isso?
P/2 – Era diário?
R – Não, o jornal foram três números, dois números 76 e um número 77, eu
não sei o porque só duram três números do Bar Brazil e a Delira que foram três
números também, porque a Delira foi 83, 84, porque era muito boas de
qualidade, a Delira então uma das melhores revistas de literatura do Brasil dos
anos 80, se você pegar ela hoje você vai ver o nível dos colaboradores
nacionais da Delira era muito forte, para entrar lá tinha que ser muito bom de
literatura, não precisava ter nome, porque importante era a qualidade do
trabalho, e a gente cagava e andava para nome, porque inclusive o quarto
número não saiu por causa do pessoal da poesia de vanguarda de São Paulo,
os irmãos Campos, que o José Santos e o Valtinho pediram a colaboração e
quando chegou o Ruffato, eu e não lembro mais quem, o Iacyr achou que não
tinha qualidade, o Iacyr sempre foi contra essa poesia de vanguarda, mais na
linha dos Campos, e tal, o Ferreira Gullar uma época, e o Iacyr achou muito
ruim o poema, não quis publicar, ficou aquele embate na redação o Ruffato, o
Iacyr e eu de um lado, José Santos e Valtinho do outro, e eles argumentando:
nós pedimos, aí nós falamos: tudo bem a gente pede para um monte de gente,
mas se não tiver qualidade não sai, aí nós resolvemos matar a revista, do que
matar o critério que a gente era autônomo para escolher o que era bom e o que
é que não era. Nós poderíamos até estar errado, talvez não fosse tão ruim o
poema a ponto de não sair numa revista, mas a gente era muito metido a
besta.
P/1 – Agora o Bar Brazil teve três edições, e vocês distribuíam na rua?
R – Era gratuito na rua, botava lá um valor simbólico, mas todo mundo recebia,
na universidade, na rua e tal, aí é o marco da imprensa independente, do
mesmo jeito do Binômio, do mesmo jeito do Sete, o Bar Brazil é a continuação
disso, a irreverência, mas irreverência com qualidade, o grande lance é que
você pode fazer um produto político, mas tem que ter qualidade, qualidade
literária, qualidade musical, qualidade artística, não adianta ser só panfleto, só
panfleto não vinga, a gente está até hoje com a poesia, com a continuidade da
poesia, por quê? Porque a gente foi referência para um monte de gente, a
gente tinha referência, Pedro Nava, com aquele poema ‘O Defunto’ um poema
importantíssimo, Murilo, Drummond, mas de Juiz de Fora o Nava e o Murilo e
Gilvan, uma referência importante, apesar de ter publicado muito pouco, e a
gente viu que podia dar continuidade com trabalho de qualidade desse nível
desse pessoal, e eu acho que a qualidade que a gente tinha, levou a essas
novas gerações dos anos 90 e 2000 e agora a ter referência na gente. Então, a
continuidade desse trabalho é fundamental, porque Juiz de Fora eu considero
igual o Afonso falou, que é um núcleo importantíssimo da poesia
contemporânea brasileira, um núcleo de muito respeito, e que se continuar
produzindo nesse nível ainda vai dar muita gente boa.
P/2 – Esses números vocês fizeram lançamento?
R – Lançamento, exposição dos trabalhos, como tinha muito artista plástico
forte participando, a gente fazia lançamento, fazia exposição, o Rogerinho
Teixeira tinha uma livraria, espaço cultural, e a gente lançava o Delira lá, num
happy, com show.
P/1 – A Delira ainda é também publicada na época da ditadura?
R – É, finalzinho.
P/1 – Governo Figueiredo, isso foi o que? 84?
R – 83, 84.
P/1 – Agora a D´Lira já tinha um formato revista, mais sofisticada também em
termos de produção?
R – Naquela época a gráfica já era melhor, a gente já tinha mais condições, a
matriz era melhor, o processo industrial vai te empurrando para melhor, a
Delira era uma revista de arte, e o Bar Brazil era um jornal mais político, que
era mais amplo, tinha entrevista, tinha debate, tinha ensaio, mas era um jornal
com viés mais politizado, e a Delira não tinha essa preocupação com a política
na verdade, tinha preocupação com a qualidade literária, fazer uma revista
nacional boa, e uma pena ter acabado, hoje eu acho que se a gente tivesse
publicado o poema dos irmãos Campos, talvez a Delira não tivesse acabado,
talvez ela tivesse tido continuidade e sustentação, porque se você pegar os
três números, eles são muito atuais na qualidade do trabalho.
P/1 – É curioso que você tenha, por exemplo, durante o governo militar, uma
produção de tal qualidade, de tal referência em Juiz de Fora, e isso me parece
que depois não houve uma continuidade.
R – Essa é a pergunta que nós todos nos fazemos, José Santos, Mutum fazia,
Ruffato, Iacyr e o Edmilson, porque debaixo da ditadura, com as condições
precaríssimas, só com a gráfica do DCE, a gente correndo o risco, lei de
segurança nacional e mais um monte de coisas, levar processos, a gente fazia
uma negócio incrível, e fez muito, porque você vê que a produção é muito
grande. Quando em lancei em 2002 a poesia em movimento, que é a antologia
que reuniu a poesia desse movimento todo...
P/1 – Você está com ela aqui, podia até mostrar um pouco para a gente.
R – Foram 43 poetas, e só entrou gente de qualidade.
P/1 – Poesia em movimento, você podia até mostrar.
R – Ela reuniu 43 poetas, e eu acho que tem um negócio incrível nela, que o
Iacyr ajudou muito nisso, que foi no final ele tem uma ordem cronológica com
todos os poetas, os 43, e tem um levantamento cronológico da poesia
contemporânea de 75 até 2000. Então, todas as premiações, todos os livros,
todos os movimentos, isso aqui para mim vale tanto quanto o livro, porque é
um mapeamento que a gente fez, que eu aprofundei um pouco o que o Iacyr
começou a fazer, com tudo que aconteceu com essa geração, com esse
pessoal, esse documento aqui é um documento precioso, porque ele vale a
nossa história, vale o registro do que cada um fez, dos prêmios que ganho, a
idade cronológica, cada livro de cada um, ali você conta a história mesmo,
sequencial desse movimento de poesia, importante em Juiz de Fora, desde 75.
P/1 – Agora voltando um pouco para o jornal, para o jornal com dono, com
gráfica, você era diagramador na Tribuna, que período você ficou na Tribuna?
De 81 quando ela fundou.
R – Eu saí quando o Tarcísio ganhou a prefeitura. Na verdade para contar isso
tem que voltar um pouquinho, eu acho que no jornal eu e o Valtinho tivemos
um papel decisivo para que algumas coisas acontecessem em Juiz de Fora,
porque a gente, para você ter uma ideia, a campanha do Central, o Central
estava, tinha um projeto empresarial para poder fazer tipo uma torre em cima
do Central, e aquilo ali virar quase que um shopping, daí nós falamos: como?
Como o Central? De jeito nenhum, aí eu peguei o Betinho e falei com ele, você
vai entrar lá no Central para fazer as fotos, a Valéria Frossário e o Betinho. Nós
entramos, eles ficaram fotografando e eu fui conversar com o gerente, o
gerente não viu o que é que eles fotografaram, então, eles pegaram e fizeram
as fotos, acho que foi a Valéria, fez as fotos da marquise entupida de lixo, das
gambiarras todas elétricas, do risco que corria pegar fogo, das cadeiras
quebradas, do segundo andar que ninguém podia frequentar direito, terceiro
andar, uma galeria que estava em petição de miséria, todo o problema do
Central, e ele ficava muito na penumbra para ninguém ver, e a gente revelou
isso, a cidade tomou um susto com essa matéria. Inclusive essa matéria eu
não assinei, porque a Kátia achou que como eu entrei lá sem falar que era para
fazer uma denúncia, que eu não conseguiria mais fazer nada em relação a
isso, eu como produzia show e tal, seria problema para mim, até para eu
conseguir o Central para alguma coisa, aí eu dei uma entrevista, como quem
tinha participado, visto o acontecido como produtor cultural, e o Rodrigo
Barbosa assinou a minha matéria, eu passei a minha apuração para o Rodrigo
e o Rodrigo assinou a matéria, que ele trabalhava na redação com a gente na
época, me preservou um pouco e na verdade tinha muitos interesses
comerciais também ali em torno do Central, tinha muita gente querendo aqui lá,
e a cidade tomou um choque, porque a cidade não sabia que o Central, que
era o troço mais importante, lugar mais importante da cultura de Juiz de Fora
estava prontinho para pegar fogo, alguém estava deixando ele pegar fogo,
porque aí acabava e transformavam no que eles queriam, a cidade não gostou,
a cidade reagiu. Aí, nós criamos aquela campanha que o Serjão procurou na
época, logo depois a Funalfa com o Tarcísio, a primeira administração do
Tarcísio, o Serjão trabalhava na Funalfa, o Reginaldo era o superintendente,
eles procuraram o Milton e o Milton criou o slogan: ‘O Central é emoção de
todos nós’ aí nós fomos ajudar a arrumar, todos os artistas foram no Central
para dar depoimentos favoráveis para que fosse possível comprar o Central, o
Tarcísio até tentou com a Caixa Econômica, mas não conseguiu, aí o Central
foi comprado depois pela Universidade já com o Murilo Hingel e com o Itamar
na presidência, o Murilo no ministério da educação, foi transferido para a
prefeitura, nós criamos um conselho, tem um problema sério, porque o Murilo e
o Custódio, por ter disputado a prefeitura um contra o outro, não queria que um
entrasse na placa, então, a placa não tem o nome do Custódio, mas o Custódio
acabou ganhou a eleição pouco depois e fez a restauração, fez a reforma, aí
botou outra placa por causa da reforma, mas essa campanha foi
importantíssima que o jornal trocou de posição na verdade, o jornal não tinha
uma posição clara em relação a preservação do Central e passou a ter depois
dessa matéria, depois...
P/1 – Mascarenhas meu amor.
R – A campanha Mascarenhas meu amor, que eu e o Valtinho fomos para a
rua com o Gueminho e o Simões, principalmente, e o Rogerinho Teixeira, e a
gente achou que, na verdade o Mello estava fazendo teatro contra o Central, O
Pascoal Carlos Magno, era um teatro contra o Central, não era mais um teatro
para a cidade, porque eles criando o teatro de 500 lugares de luxo, eles não
iam possibilitar a aquisição do Central, como a cidade estava nervosa por
causa de perder o Central, pegar fogo e tal, o teatro já começou mal, apesar do
Ismair e do Mello baterem muito que era um teatro alternativo, menor, de 500
lugares, de luxo, que a cidade precisava ter um teatro dela e que não tinha
dinheiro para comprar o Central, a gente achou que o projeto deles era muito
caro, que era um projeto muito sofisticado, com mármore, com tapete, igual ao
Teatro Villa Lobos no Rio, mesmo projeto, mesmo projetista, e o Gueminho e o
Simões bateram muito nisso, o José Luís Ribeiro ficou sozinho defendendo
aquele teatro, e o movimento cultural todo ficou contra. E aí, eu e o Valtinho,
para você vê como é que as coisas acontecem, eu e o Valtinho Sebastião, um
dia na redação falamos com a Kátia: Kátia o Tarcísio ganho a eleição do Mello
e aquele teatro começou a dar muito problema estrutural, tinha um talude, eles
tiveram que gastar o dinheiro todo para cima do teatro, para tapar o talude,
com a cortina, gastou o dinheiro todo, e ainda teve as casas ali da Halfeld que
tiveram que ser demolidas e tiveram que indenizar os proprietários, demolição
das casas por causa do talude, e ficou num impasse, não tinha lei de
responsabilidade administrativa de uma administração para outro, o cara
terminava a gestão e o outro não ia fazer o que ele deixou para trás, e a gente
percebeu que o Tarcísio não ia terminar aquele teatro por ser do Mello, por
causa da briga política entre eles, muito pesado, MDB e Arena, e aí, nós
sentíamos que tínhamos que discutir o que é que vai ser a Funalfa daqui para
frente com esse empasse, tinha o teatro que era o Central, que não tem
dinheiro para comprar, e o outro que está pela metade e não vai conseguir
terminar, o que é que vai ser feito daquilo? Aí eu e o Valtinho conversamos
com José Carlos de Lery Guimarães, que era o âncora do Flagrante Sobre
Opinião e Debate, que era um programa na PRB3, o Juracy tinha comprado a
PRB3, ia virar Solar, não tinha virado ainda e tinha o jornal, e eu falei com a
Kátia: o José Carlos faz o programa, nós vamos chamar o pessoal da cultura,
por área, cada dia vai um, cada semana vai um, um setor, música, artes-
plásticas, cinema, dança, teatro, cada dia vai um, a gente faz o programa de
uma hora com eles, eu e o Valtinho tiramos a fita e publicamos domingo no
jornal, te alivia, porque você vai ter uma página sensacional no domingo, você
não precisar ficar virando noite, porque o caderno dois era muito grande, ela
falou: “Vocês ficaram doidos, vocês vão fazer um programa, ainda vai dar mais
trabalho, ainda vai ter que tirar essa fita,” “deixa que eu e o Valtinho fazemos” e
aí começou o debate lá, com o José Carlos ao vivo no programa 11 horas da
manhã, ia até quase meio dia, e nós começamos a levar os setores, para num
programa final levar o Reginaldo com algumas pessoas de cada área, para
discutir com o Reginaldo, que ia ser o superintendente da Funalfa. É engraçado
que a eleição era 15 de novembro, era um turno só, e a posse só era em
março, primeiro de março, não era igual a hoje, que a posse é primeiro de
janeiro, não dá nem tempo, não tem especulação, naquela época tinha
especulação quem vai ser secretário, e quando o Tarcísio falou que ia ser o
Reginaldo chamou para ele a briga, porque era o Ismair e ia ser ele, o que é
que o Reginaldo vai fazer? E nós achamos que nós tínhamos que interferir de
alguma forma, o jornal tinha que contribuir para isso do que é que vai ser, era
muito só achar só o que é que o Reginaldo pensava, a gente achava que a
cidade tinha que falar o que é que ela queria, e o programa do José Carlos
ajudou demais da conta nisso, nós começamos a botar a cidade de cabeça
para baixo, discutindo área por área, e dava uma audiência incrível, e a matéria
no domingo depois também fazia o jornal vender bastante. E todo mundo
discutindo o que vai ser da área de cultura e ninguém sabe qual foi, mas num
desses debates alguém falou lá, na rádio, porque é que não briga também pela
Mascarenhas? Não tinha luta pelo patrimônio, não tinha preservação,
patrimônio do Brasil era Ouro Preto, era cidade histórica, ninguém pensava que
Mascarenhas tinha importância histórica, nesse debate nós vimos que tinha,
nós começamos a perceber que aquele prédio da Mascarenhas era um pouco
a essência de Juiz de Fora, igual ao Central, por quê? Era uma cidade que
tinha um teatro de dois mil e pouco lugares na época, antes da reforma, dois e
200 pessoas chegou a dar lar, era muito grande aquele teatro, com um palco
daquele, com uma pintura daquela, com acabamento daquele, era um teatro
muito chique para uma cidade pequena do interior de Minas, o que é que levou
Juiz de Fora a ter um teatro daquele? Quem eram os loucos que construíram
um teatro daquele e o cinema? Porque é que chegou no ponto que chegou?
Porque é que a Mascarenhas que era a maior fábrica têxtil, uma das maiores
do Brasil estava entregue as baratas, estava sendo demolida? Nós no jornal
começamos a provocar a cidade para refletir sobre a cidade, acho que esse foi
o maior papel, acho que eu e Valtinho tivemos e a Kátia como editora teve a
sensibilidade de deixar a gente fazer isso, porque que se fala não, a gente
também não ia ficar brigando o tempo todo com ela para impor esse tipo de
visão do jornal. Acho que o jornal foi importantíssimo, porque abriu esse leque
de discussão, a cidade começou a discutir, todo mundo em todos setores, e a
gente conseguiu contribuir com o Reginaldo, quando chegou na Funalfa, eu
lembro que teve uma reunião lá ele chamou Rui Merheb, eu, Arlindo Daibert,
Iacyr, Fiorese, pessoal da música, tinha muita gente, e todo mundo dando
opinião, e ele falou tragam por escrito, aquilo que nós tínhamos feito no jornal,
o jornal já tinha sistematizado, tragam por escrito essas propostas todas que
nós vamos ver o que vai acontecer. Aquilo possibilitou a cidade recuperar a
imagem que a Mascarenhas tinha que é a alma da cidade, alma por quê?
Porque ali como indústria têxtil, abrigou todo mundo que morava nessa cidade
de alguma forma, empregado, ou comprando as roupas, as malhas dali, todo
mundo tinha uma relação com aquela fábrica, então não tinha como, você
permitir que aquela fábrica fosse abandonada, aquilo ali voltar a ser um lugar
vital para a cidade vivo, era um desafio que a cidade tinha que resolver, e acho
que foi isso que nós conseguimos contribuir e mostrar como o caso do Central.
E aí, eu acho que a cidade sentiu esse peso de se confrontar com ela mesmo,
com a decadência dela, porque a decadência econômica em Juiz de Fora,
levou a que a cidade fosse perdendo espaço para o projeto de Belo Horizonte,
Betim, de Contagem, industrialmente, mas não perdeu só isso, nós éramos as
melhores escolas do Brasil, em Minas era, tirando uma ou outra de
Cataguases, no Caraça era Juiz de Fora.
(fim do vídeo 3)
R – Essas escolas daqui tinham um peso muito grande de qualidade, e isso
possibilitou que você tivesse os escritores, os artistas, os músicos, a formação
dessa cidade. Então, não é uma cidade comum, você pega as cidades do porte
de Juiz de Fora no Brasil, poucas vão ter uma geração de escritores, uma
geração de pintores, uma geração de músicos como Juiz de Fora tem, poucas
vão ter, e isso é o quê? A tradição musical formada nos colégios, a tradição
literária formada nos colégios, nas bibliotecas, olha que é que foi o Granbery,
como é que foi a Academia, olha o que foi o Jesuítas, olha o que foi os outros
colégios, o Machado, Santos Anjos, são colégios, o Stella, tem tradição, tem
peso de formação cultural. Então, a cidade estava se mesquinhando, a cidade
estava perdendo essas referências, eu acho que aí o jornal cutucou e mostrou
que não dava mais para você conviver com esse tipo de coisa, então, ao
resgatar a Mascarenhas, e ao resgatar o Central, você jogou a autoestima para
cima, você levantou lutas que foram vitoriosas, e mostrou que se você juntasse
você conseguia. E aí, eu acho que o jornal tem um papel importantíssimo,
porque jornal tem dono, jornal tem vontade política do dono, jornal tem os
editores, mas tem uma coisa que não tem dono, que não tem editor que possa
segurar que é a vontade do leitor e do leitor que compra o jornal, na verdade
quando a sociedade começa a achar uma coisa, se o jornal ficar contra o jornal
sai perdendo, porque perde leitor, e o jornal vive de leitor, essa coisa é um fio
da navalha, a questão da opinião pública, se você afronta a cidade, se você
afronta a opinião pública o seu risco é muito grande, como empresa, como
indústria.
P/1 – Jorge me parece uma coisa curiosa, você fala, quer dizer, o papel do
jornalista como intelectual e como catalizador de uma série de mudanças, um
papel de responsabilidade ou não, mas me perece que aqui em Juiz de Fora e
em outros lugares do país isso acabou.
R – Christina, eu acho que a imprensa mudou muito, a gente tem que refletir
muito, por exemplo, eu não sei o que é que vai virar a imprensa, o que é que
vai virar o livro. Assim a base é o papel, o jornal, mas a informação hoje está
na internet, está no celular, se você não tiver competência como indústria,
empresa de antecipar essa mudança e saber que você tem que oferecer para o
seu leitor o que ele quer, na hora que ele quer, no meio que ele está usando
você quebra, então eu acho que o jornal vai mudar, eu não sei se vai acabar a
base de papel, o jornal impresso, mas jornal impresso hoje é anacrônico, do
ponto de vista que ele fica velho mais rápido, porque se você bota uma matéria
as três da tarde, que aconteceu as duas na internet, no site do seu jornal, você
vai querer que o cara compra o jornal para que depois no outro dia? Aí que eu
acho que entra a discussão daquela coisa da qualidade, da reflexão, o jornal
não pode ser o jornal de notícia curta como alguns são, o jornal vai ter que ser
um espaço de reflexão, vai ter que fazer aquilo que a gente fazia lá no início do
jornal, que é saber instrumentalizar o que é que está acontecendo na cidade,
para construir uma ligação com a sociedade e ela se vê representada no jornal,
então, se o jornal não for um jornal de opinião, se o jornal não encampar as
lutas, não encampar as campanhas, não passar a ser reflexivo ele vai virar o
jornal de notícia curta velha, não dá mais. E eu acho que tem um preconceito
no Brasil, que as pessoas acham que as pessoas não leem, é um erro, as
pessoas não tem acesso a leitura, não tem salário para comprar livro, para
comprar jornal, mas eu acho que você tem que trabalhar sempre para
dimensionar e fazer com que as pessoas leem cada vez mais, a informação é
formação delas. Então, eu acho que os jornais no Brasil tem um desafio muito
grande, você vê, a minha geração é a geração dos cadernos literários, dos
cadernos de música, não tem mais, não tem mais caderno literário, não tem
mais caderno de música, tem mais ou menos uma crítica de música num ou
outro jornal e olhe lá, então isso é muito ruim, porque quando você tem uma
base de referência crítica você pode até gostar de outra coisa, mas você vai ler
ali o que pode te influenciar para você comprar o produto, comprar o livro,
comprar o disco, você vai com mais confiança para o mercado, quando você
não tem essa base a gente vira essa lambança cultural que virou o Brasil. Não
consigo entender, um país que tem a Bossa Nova, agora com o centenário do
Vinícius chamou atenção para isso, o Vinícius e o Tom fizeram em torno de dez
músicas importantes dentro de tudo que fizeram que eles só são mais tocados
no mundo com duas do que os Beatles, subestimar esse número, não dá e o
Brasil abdicou de ter uma música dessa para ter lixo musical, o Brasil deixou de
ter Milton, Gil, Chico, Caetano, a geração dos festivais para ter lixo musical, e
hoje está fácil gravar, porque não tem mais gravadora, você tem estúdio
caseiro, e o Brasil está perdendo o que ele tem de melhor na música, que é a
qualidade, a qualidade musical, a música brasileira tem uma coisa, a Bossa
Nova só virou o que ela virou, porque os caras muito bons letristas, mas eram
muito bons músicos, eram gênios da música, na melodia, na harmonia, não é
atoa que você tem numa mesma geração Vinícius, Tom, todo o grupo da Bossa
Nova, mais o João Gilberto, ninguém sai disso impunimente, isso vira um
negócio maior do que um país, e a Bossa Nova é maior do que o país, a
música que saiu do Milton, Chico, Gil, Caetano é maior que o país, transformou
o Brasil num país conhecido lá fora, respeitado lá fora, Egberto, Hermeto,
Baden Powell, o Brasil é muito rico na música, e hoje está virando o país do
lixo musical, ninguém respeita o Brasil mais musicalmente, ninguém respeita,
pode vender muito, pode encher arena, pode fazer aquilo ou aquilo outro, mas
é música de consumo, música de elevador, não tem qualidade nenhuma.
P/2 – Tem uma questão que você coloca, que você disse aqui dessa lei de
incentivo a cultura, que ela está bem articulada, mas existe uma crítica que
você faz em alguns textos seus que não existe uma articulação entre as
pessoas que produzem cultura na cidade e que falta, e pensando a imprensa
também como você colocou, quer dizer, a imprensa articulando e colocando
para frente, como é que você vê essa relação, quer dizer, você tem leis de
incentivo você tem todo um regimental aí que está articulado, mas as pessoas
não se articulam em função disso.
R – Tem uma dado que eu acho que é muito sério que é o seguinte: agora que
a lei soltou o edital, julgou a COMIC e soltou o resultado, a Funalfa fica cheia
de gente, todo mundo vai lá, porque quer o dinheiro da lei, aí os produtores se
avoram, e todo mundo vai lá e participa, passou esse período ninguém aparece
mais. A minha crítica, tem que ser bem claro, como eu estou no conselho,
quando eu falou eu falou com uma posição dentro do Conselho Municipal de
Cultura, minha posição é o seguinte: eu acho que numa democracia os setores
culturais, estou falando de cultura especificamente, os produtores culturais tem
que ter responsabilidade na gestão, não adianta achar que o superintendente
da Funalfa vai fazer alguma coisa, não vai fazer, vai fazer o que bem entende,
é isso que a gente não quer, a gente criou a lei, quando a lei foi implantada,
nós demos suporte para a lei, apoiamos a lei, por quê? Porque a gente queria
tirar da mão do superintendente da Funalfa dá dinheiro para alguém, porque ia
dar para quem? Para os amigos, você vai dar para os inimigos? Então, nós
tiramos esse poder do superintendente da Funalfa, quando Ismair era
superintendente, quando Rodrigo foi, quando o Serjão foi, antes da lei, você
chegava lá, um produtor ele ia dar se achasse que o seu projeto era bom, ele
achava, nós acabamos com isso, quebramos essa regra, nós criamos um
edital, na verdade a lei é uma licitação, ela tem que ser olhada como uma
licitação, ela não é lei de autoajuda, ela não é para ajudar alguém a fazer o
primeiro trabalho, isso é um erro de algumas pessoas que acham, o critério
dela é qualidade, a palavra que eu mais falei aqui hoje deve ter sido essa, você
tem que aprovar projetos de qualidade, se o Murilo Mendes na época dele
tivesse uma Lei Murilo Mendes, ou uma lei sei lá qualquer nome antes, ele
ganharia a lei pela qualidade do trabalho dele, hoje nós teríamos dele, que ele
não bancaria para lançar o primeiro livro, mas teria os frutos da lei, de uma lei
de incentivo, eu acho que é para isso, quando você pega uma obra como do
Fiorese, do Iacyr, do Edimilson, e daqui sei lá, duas, três décadas, você vai ver
que essa obra pode vir alume, pode sair publicada, que teve uma escora de
uma legislação e de uma licitação pública você vê quanto que pode público
avançou, que ajudou a alicerçar uma literatura importante de qualidade, teve
julgamento para entender a qualidade desse processo, e conseguiu tirar isso
da gaveta, e botar isso a público. Então, se você entra na lei, porque é a
primeira vez, ou que é para te ajudar a lançar um livro, para ver ser você vai
virar um escritor, não é assim, não é para você fazer o seu primeiro disco, não
é para você fazer a sua primeira exposição, eu sou contra esse critério, acho
que não é lei de ajuda, de autoajuda, lei de qualidade dentro de um edital, você
vai eleger ali os melhores projetos, e é lógico que não tem também produção
suficiente para todo ano, vê se a Christina com as pesquisas dela todo ano vai
lançar um livro de pesquisa, não dá nem tempo, então, ela tem direito de
ganhar a lei uma vez e fazer outro projeto de outra pesquisa dois, três anos
depois e entrar na lei e ganhar, agora eu tenho culpa do Marcos Pimentel ser
um puta de um cineasta e se ele tiver condição de fazer um filme numa lei e na
outra, vai negar porque ele ganhou a outra? Não, se for bom tem que apoiar o
projeto do cara, que isso? Você vai agora atrapalhar o cara que tem um bom
projeto só porque o cara já ganhou uma vez? Isso é ridículo, você tem que
apoiar e dar incentivo, dar força para você ter uma produção com qualidade,
esse que é o grande lance, e tem que desafiar isso, as pessoas que estão
entrando na lei pela primeira vez tem que ter qualidade para ganhar a lei, não
adianta ser só a primeira vez.
P/1 – Jorge, vamos voltar um pouquinho para a gente já ir dando um
fechamento, o seu cotidiano hoje, você saiu do Tribuna quando? E depois
como você lidou com o jornalismo?
R – Quando o Tarcísio ganhou a prefeitura na segunda vez, eu estava fazendo
a campanha, basicamente estava fazendo a campanha do Di Cavalcanti e a do
Portinari, para restaurar o Di Cavalcanti e o Portinari, e eu estava fazendo o
memorial para pedir o IPHAN o tombamento do dois, e tinha ajudado quando o
Custódio estava na prefeitura nos trouxemos o aqui, para fazer a Biblioteca
Murilo Mendes lá no prédio da Mascarenhas, e eu lembro que o Custódio falou:
precisamos trazer gente de Juiz de Fora para eles verem o que é cultura de
Juiz de Fora, aí ele fez até um almoço na casa dele, veio o Afonso Romano,
veio o Carlos Bracher, a Sueli Costa, veio o Tavinho Moura, veio o Fernando
Brant, que também fala que é de dentro de Juiz de Fora, virou mesmo, veio um
monte de gente importante da cultura para mostrar para, que além do Central,
Museu, Mascarenhas, biblioteca que a gente queria e tal a gente tinha algumas
coisas de peso que era essa produção cultural. O Tarcísio viu isso aí tudo e viu
a campanha que eu estava fazendo no jornal para resgatar o Di Cavalcanti e o
Portinari, para não deixar os dois monumentos acabarem, o Di Cavalcanti é um
absurdo, assim, é uma indignação, porque nós conseguimos que a Vidrotil
doasse as pastilhas de vidro, conseguimos que o Natalino fizesse um projeto
com espaço e tempo lá pela secretaria de obra, nós restauramos, colocamos a
placa nova, entregamos com apoio daquela Coringa Pneus, os primeiros
meses que mantinha a praça ativa, e é o símbolo da industrialização de Juiz de
Fora, quando eu falei lá no início, a mediocrização de Juiz de Fora veio junto
com a decadência econômica, porque só a decadência econômica você
enfrenta, mas a mediocrização é difícil de enfrentar, você vê que a gente
conseguiu restaurar. Aí, o Tarcísio me chamou e falou comigo: eu quero que
você vá para a Funalfa, para ajudar na produção da Funalfa, tinha um
problema político-partidário, ele não quis enfrentar o problema político-
partidário, direito dele, e aí eu fui para ser o assessor de imprensa, só que eu
cheguei lá, ele falou comigo, ele e a Vera Amaral: eu quero que você faça o
que vinha fazer no jornal, eu fui conversar com o Juracy, com a direção do
jornal, Paulo Cesar, os filhos do Juracy e falei com ele: me chamaram, me
convidaram, o salário é maior, eu vou trabalhar com a imprensa é incompatível
com o jornal eu ficar lá, vocês ou falam comigo nós queremos que continua no
jornal, vamos discutir como vai ser a minha relação aqui dentro, ou você está
liberado, vai ter uma licença não remunerada, e você vai lá para prefeitura, aí,
eu fui, me liberaram, me deram uma licença não remunerada.
P/1 – Isso foi o que? 90...
R – Foi no primeiro dia do governo do Tarcísio, eu peguei uma licença não
remunerada no jornal e fui para a assessoria de imprensa da Funalfa, na
verdade não existia assessoria de imprensa, assessoria e relações públicas,
nós criamos assessoria de imprensa mais organizada, fizemos o jornal, a
Revista AZ, fizemos o Orfeu, o José Alberto era superintendente, viu que
precisava de ter uma articulação grande de imprensa e tal, eu acho que foi um
trabalho forte que foi feito pela Funalfa naquelas duas gestões.
P/1 – Quer dizer você aí saiu da Tribuna?
R – Peço licença e vou trabalhar na imprensa da Funalfa, mas fazendo um
trabalho também de imprensa, porque a Revista AZ foi um negócio importante,
ela não chegou a ser uma Delira, no ponto de vista literário e tal, mas ela
cumpriu um papel interessante.
P/1 – A Revista AZ ela circulou quanto tempo?
R – Ela circulou entre um mandato e outro e também não tinha uma
periodicidade muito rígida não, conseguiu o material, tinha um evento
importante ela alavancava aquele evento, a Orfeu também, que era voltada
para os escritores de Juiz de Fora, para resgatar cada número um autor ou as
obras de alguns autores, foi um período importante, agora tem que ver o
seguinte: também o jornal tem determinados limites, às vezes quando você vai
para uma esfera de poder dessa você passa a poder interferir nas coisas, aí foi
possível recuperar o Di Cavalcanti e o Portinari. O Portinari está preservado por
aquele blindex, ainda está melhor, porque as pessoas pararam de urinar nele,
que é o banheiro público mais chique eu já vi, urinar num Portinari todo o dia na
Rua Halfeld com a Rio Branco e o Di Cavalcanti voltou a ter todos os
problemas, de pichação, tem uma tal de Força Jovem do Vasco, Força Jovem
do Botafogo, que de força não tem nada, que de jovem não dever ter nada, e
que são uns débeis mentais, uns idiotas de vândalos, que ficam brigando uns
contra os outros, e em vez de resolver o problema deles, eles vão lá pichar a
cidade, então acabaram com a cidade, não é gangue, porque gangue é uma
coisa organizada, quando a gente fala em gangue a gente lembra lá dos
mafiosos e tal, é um bando, galera, bando, mas bando de idiotas.
P/1 – Vândalos.
R – Bando de idiotas, eu acho que você não constrói nada vandalizando as
coisas, se infiltrando num meio de uma manifestação importante para
vandalizar as coisas, sabe por quê? Porque aquele Di Cavalcanti lá é o
primeiro monumento modernista em praça pública em pastilha de vido no
Brasil, ele é um ícone do Modernismo no Brasil, a cidade tinha que tratar aquilo
ali a pão de ló, porque aquilo é o símbolo de que Juiz de Fora foi importante e é
importante do ponto de vista do Modernismo da industrialização, é o símbolo
do centenário de Juiz de Fora. Além disso, aquilo ali é um desenho do Di
Cavalcanti dez anos antes de Brasília, e se você olhar a voluta, as três figuras
e tal, está tudo que está em Brasília dez anos depois, então, Di Cavalcanti
traçou ali o que viria a ser o imaginário de Brasília, a ideologia modernista de
Brasília, com dez anos de antecedência feito dentro do escritório do Niemeyer,
é uma criação coletiva é, Brasília, mas o primeiro traço de que vinha a ser
estética de Brasília foi dado dentro do escritório do Niemeyer pelo Di
Cavalcanti, isso não tem preço, e isso não pode ser apagado, e isso está aqui
e a cidade está indo lá vandalizar, virou outro banheiro público, já está
deteriorado de novo, não vamos conseguir mais as pastilhas de cerâmica e
nem as pastilhas de vidros iguais, então, assim, você faz um esforço para
conseguir restaurar um momento daquele para meia dúzia de idiota lá e
vandalizar tudo, com apoio do serviço público, esse que é o maior problema,
porque a própria prefeitura é irresponsável do ponto de vista de permitir que
chegasse a vandalizar de novo, menos de 15 anos, 12 anos depois de
restaurar, porque tinha que ter guarda municipal para lá, por quê? Porque a
guarda municipal foi criada para cuidar disso, se tem um troço importante em
Juiz de Fora é o Parque Halfeld e aquilo, aquela praça e eles permitem que ali
vira uma zona, eles não cuidam, o espelho d’água não está mantido, a
desculpa da Cesama é que tem dengue, então, eu não posso ter uma piscina?
Não dá, joga remédio.
P/1 – Jorge você sempre foi um militante, você teve atividade sindical?
Rapidamente para você passar pela atividade sindical, fala para a gente assim.
R – Muita. Eu acho que o sindicato é uma escola, eu quando entrei no jornal
uma das primeiras coisas que a gente fez foi fortalecer o sindicato, e eu fui
secretário geral várias vezes, prestei meu nome um monte de vez para ser
secretário, ajudei um pouco, fui da Fenaj como representante, fui alguns
congressos fora, e acho que todo mundo que está numa redação de TV, jornal
e rádio, tem que sindicalizar, tem que ajudar o sindicato, porque na hora do
salário quem vai lutar para a gente é o cara que está lá no sindicato e que tem
imunidade, porque se a gente for de cara limpa enfrentar patrão, é demissão na
certa. Então, o sindicato tem um papel importantíssimo, quem te defende é o
sindicato da tua categoria, você tem que estar organizado em categoria, então
eu acho que todo mundo tem que se filiar, todo mundo tem ir lá dar um
pouquinho do tempo, dentro da redação ser um cara que é a cara do sindicato,
não permitir que tenha abuso, porque nós temos uma relação capitalista, por
mais que a gente lute por socialismo, democracia e tal, mas a relação é
capitalista.
P/1 – Jorge, você tem algum arrependimento nessa sua história de tantas
lutas?
R – Nas lutas não, eu acho que tem indignação de ver o Di Cavalcanti depois
de tanta luta para restaurar, para mostrar o que é que era não conseguir,
conseguir que ele volte a ter os problemas todos, você ter que lutar tudo de
novo para recuperar. Tem um dado importante que eu acho no lado da música
que eu não falei que é o seguinte: teve um dia que Osmar Chor, que era diretor
de jornalismo da Globo me ligou e falou comigo: “Jorge estou com um
problema aqui” mesmo eu estando no jornal na época “estou com um problema
aqui que é o seguinte, o cara que trabalha na Globo me falou que descobriu o
cara que fez aquele música Minas Gerais, que mora do lado da casa dele, que
está passando fome e muito doente e tal, lá no Santo Antônio, você não quer ir
lá para mim para conferir se é verdade vê se é, porque eu estou com medo de
dar essa matéria e tomar um furo nacional se não for o cara, eu estou sem
segurança nessa matéria, está tudo certo, mas alguma coisa está me falando
que tem que ir lá ver se é ele mesmo” eu era muito amigo do Osmar, era um
crítico de música conhecido, que as pessoas confiavam no que escreviam e tal,
aí eu falei: “eu vou lá” cheguei lá tomei um susto, quando eu vi o De Moraes,
porque a situação dele era muito precária, ele pegou o violãozinho dele lá,
pegou as partituras me contou a história, a mulher dele, me contou a história
dele toda, como que ele abandonou a música. E ele foi um dos maiores ídolos
mineiros da Era do Rádio, vivendo uma situação horrível, recebendo, quando
recebia de três em três meses direito autoral, a música é o hino de Minas
extraoficial, porque Minas não tem um hino oficial, eu liguei para o Osmar:
“Osmar detona a matéria, para te dar esse aval que é ele mesmo” porque ele
estava querendo “você só vai me dar o aval de fazer uma matéria com ele,
para jornal, que televisão é muito rápido, você tem os seus limites aí, vou fazer
uma matéria com ele e estourar esse negócio, porque aquilo não pode ficar do
jeito que está, esse cara não pode passar fome desse jeito,” ele morava nos
fundos da casa, porque alugava a casa para poder comer, não tinha uma
pensão, não tinha nada. Aí, o Cleber Camargo, que é lá de Itabira, que eu já
conhecia num projeto relativo ao Drummond e tal, o Cleber me ligou e falou
comigo: “eu vi a matéria que vocês fizeram aí que conhece a vida do De
Moraes e ele quer ajudar na pesquisa, ele vai te mandar tudo, e eu quero fazer
um CD com esse cara resgatando as músicas dele, você me leva na casa dele
que nós vamos ver o estado dos LPs dele, quem sabe a gente faz um CD
resgatando,” aí, eu ajudei o Cleber a montar o CD, lançamos o CD, o dinheiro
da venda do CD foi para ele, o Tarcísio na época deu uma ajuda de custo,
depositou para ele uma poupança da prefeitura de dois mil reais na Caixa
Econômica, o Itamar ajudou dando uma comenda, uma medalha, que era o
que o governo de Minas podia dar, a Globo fez em Belo Horizonte uma votação
no estado inteiro da música do século XX, e o Minas Gerais ganhou, inclusive
ganhou do Milton Nascimento, da obra do Milton, e de todas as músicas do
século XX. Então nós ajudamos, eu acho que isso que é o papel do jornalista e
da imprensa, você vê uma situação, não conformar com ela, se indignar com
aquilo, fazer mais do que o dia a dia do jornal pode te dar, quer dizer além da
matéria e da denúncia, você transformar aquilo numa campanha, num apoio,
em alguma coisa que vai mudar aquela realidade ali, eu acho que se você
conseguir fazer isso, você está cumprindo o seu papel social, e eu acho que
isso não é mérito, isso é obrigação de quem está vendo as coisas e não aceita
que as coisas continuam do jeito que elas são.
P/1 – Você tem um sonho assim?
R – Não sei, hoje eu estou escrevendo em Portugal já tem o quê? Oito anos,
sete, oito, tem sido um desafio escrever para lá, porque eles têm um jornal
muito antigo, que era o Primeiro de Janeiro, teve um problema interno o jornal
de cultura saiu, passou a ser quinzenal, e eles me dão a liberdade para
escrever que nunca tive no Brasil em lugar nenhum, até mais do que eu tive
aqui, e com algumas coisas que eu não conseguiria no jornal diário. Porque
quando 80 anos do Macunaíma eu fiz uma matéria sobre quem foi o
Macunaíma para o Brasil, e quem que o Macunaíma influenciou, e quem é que
o Mário de Andrade influenciou com Macunaíma, porque tem esse mito de que
o Macunaíma é meio brasileiro, meio jeitinho brasileiro, é um mito meio
preconceituoso de um lado, porque o Macunaíma é um personagem fantástico,
e pouco entendido por muita gente, para fazer a matéria eu falei eu quero que
o pessoal da literatura me falem que é o Macunaíma para eles, e eu fui
entrevistar exclusivo um texto pequeno assim, dez, 15 linhas, entrevistei 20 e
poucos escritores top do top do top, um ou outro recusou, porque estava com
outros projetos na época, não tinha tempo, um falou não ia ler o Macunaíma de
novo, um da Academia Brasileira de Letras, meu amigo, e a maioria respondeu.
E é incrível, porque eu acho que eu consegui com essa matéria fazer uma
síntese do que é que foi a importância do Macunaíma ao longo desses 80 anos
no Brasil, que me chocou, porque é talvez o personagem mais importante, um
dos mais importantes da literatura brasileira, porque abriu caminho lá no
Modernismo, continua moderno, você lê hoje é como se você tivesse lendo há
80 anos, mais moderno hoje do que era há 80 anos, não sei o porque, não se é
porque o Brasil não se modernizou tanto quanto ele, talvez isso, a gente às
vezes atrasa mais do que devia, mas é um personagem incrível, eu estou
reescrevendo esse texto agora que vai ser 85 anos, estou reescrevendo esse
texto, consegui mais depoimentos que quem não tinha dado antes, e eu
consegui lá em Portugal 14 páginas do caderno, saiu uma edição quase inteira
no caderno sobre o Macunaíma, isso nem o Brasil sai, você não consegue isso
no Brasil hoje, porque não tem espaço na imprensa para você fazer um ensaio,
um caderno com um espaço tão grande. E assim, o Macunaíma não é um
personagem muito lido e conhecido em Portugal, como o Guimarães Rosa
também não é, o Grandes Sertões Veredas também não é muito conhecido,
tem a dificuldade que eles tem para entender um pouco esses personagens,
nossa literatura, para você ter uma ideia o Afonso Romano de Santana eu
estou preparando uma Antologia dele para Portugal agora, estou atrás de
editora, estou conversando com o Osias, talvez a gente faça uma coedição, o
Afonso nunca teve um livro editado em Portugal, um vexame, um absurdo, o
Afonso é um dos maiores poetas da língua portuguesa, dos contemporâneos,
como é que não tem livro editado, nunca teve, pode? Então eu vou fazer. Estou
preparando uma antologia, que ainda não sei o que vai ser do Jacob Goldberg,
que é um poeta importante também, tem alguns livros sensacionais de poesia,
e é muito pouco, é muito subestimado e muito pouco lido, o Jacob ele tem um
problema: por ele ser um psicanalista muito influente, muito importante que
está todo dia na mídia em São Paulo, o Jacob é muito grande, então, o espaço
dele como intelectual matou o espaço dele como poeta, mas ele tem uma obra
importante, e eu acho que é preciso reavaliar algumas coisas dele, ele tem um
livro chamado Feitiço na América que é um livro importantíssimo sobre a
formação da poesia, do povo americano, americano como um todo as
Américas, o livro que hoje com os Estados Unidos virando essa potência que
acha que é polícia do mundo, que pode atacar o mundo inteiro, pode ir para o
Iraque, pode acabar com Oriente Médio, pode censurar todo mundo, pode
censurar presidente do Brasil, primeiro ministro da Espanha, da Alemanha, o
que é que é isso? Aonde é que nós estamos gente? Então, é um livro
importante, emblemático nesse momento, eu estou fazendo de tudo para tentar
com o Osias fazer uma coedição. Estou escrevendo um livro lá para Portugal,
rescrevendo, estou juntando os meus textos nesses oito anos, e já está
acertado com o Osias, nós vamos lançar o livro lá com as principais matérias,
por setor, música, literatura, artes plásticas, estou vendo patrimônio, o que é
que vai ser, vai ser um livro grande, vamos ver se consegue grana para bancar,
mas é um livro que eu acho importante, porque sintetiza um pouco esse
negócio todo de que a gente vem fazendo, as matérias, campanhas e tal. Estou
com um livro pronto, que é esse que eu entrei na Lei Murilo Mendes, que
acabou, ficou de fora, problema burocrático de papel, que eu quero lançar, que
é uma pesquisa importante, acho que é um livro importante para Juiz de Fora,
eu acho que eu devo isso para Juiz de Fora, é um livro sobre a pintura de Juiz
de Fora, sobre o desenho de Juiz de Fora, eu fui lá no início, primeiro registro
de pintura sobre Juiz de Fora, Juiz de Fora como tema, lá no acervo do Museu,
fui pegando de lá para cá, e fui até o Dinah e o Stheling meses antes deles
morrerem, eles fizeram os últimos trabalhos sobre Juiz de Fora para esse livro,
está inédito, pega tudo que já foi de pintura sobre Juiz de Fora, é um balanço
bem interessante, muito rico, e a segunda parte do livro é o desenho de Juiz de
Fora, e aí eu pego desde o Pedro Nava, ilustrando lá, ele era ilustrado no
início, aquele livro do Austen Amaro, e vou até a molecada agora do desenho
animado. Então, eu faço um corte assim muito grande dos principais desenhos
retratando Juiz de Fora, aí pega todo mundo, é muito legal, é uma aula, e eu
acho que esse livro é importante para Juiz de Fora, eu vou tentar conseguir
uma tiragem grande dele se for possível, eu acho que o livro tinha que ser
adotado na rede municipal e a molecada tinha que começar a entender Juiz de
Fora por ali, entendeu? Vendo o que é que essa cidade é.
P/1 – Você tem paixão por Juiz de Fora não nega, né?
R – Um pouco, mas a cidade é a cidade que você faz, eu ainda acho que a
gente fez pouco por Juiz de Fora, a gente precisa fazer mais, acho que a
cidade tem que ser mais democrática, eu acho que a política de Juiz de Fora
não está boa, as últimas décadas a política está prostituída em Juiz de Fora,
não é fácil você enfrentar a ditadura, depois não é fácil você enfrentar uma
prefeitura quando ela está voltada para a corrupção, quando o objetivo é
corrupção, eu acho que a cidade superou esse momento, mas vai precisar de
muito fôlego para sair disso de forma democrática, eu acho que as pessoas de
Juiz de Fora já fizeram as aventuras políticas que podiam ser toleradas num
século só, ainda bem que foi no início, para não errar no resto do século, tem
muito mais décadas pela frente desse século para a gente consertar o que eles
fizeram. Eu acho que a cidade merece ter gente a altura do que foi essa
geração que criou Juiz de Fora, que quem transformou Juiz de Fora na
potência industrial que ela foi, na potência cultural, e na potência educativa, a
gente não pode esquecer sempre que Juiz de Fora foi uma cidade que teve
uma das maiores malharias do Brasil, teve um dos maiores parques industriais
do Brasil, ganhou a iluminação elétrica antes do Rio e São Paulo, do México
para baixo não tinha luz elétrica, tinha lampião, lamparina, é uma cidade muito
forte do ponto de vista da modernidade, ela não pode ser atrasada, não pode
compactuar com o atraso, quando eu vejo uma campanha eleitoral o povo
batendo no peito falar que vai eleger fulano porque é do povo, a gente tem que
ter o cuidado demais quando fala em nome do povo, porque tem muita
manipulação. A cidade não tem direito de errar mais, já errou muito, eu acho
assim, quando você fala nós temos três deputados federais, hoje não tem
nenhum deputado estadual, que você vai articular num estado onde você não
tem um deputado estadual, se é democracia, se é democracia participativa, o
canal é a eleição, e o canal é através do parlamento, se não nós vamos buscar
outras formas, democracia direta, vamos pensar em outras formas, mas não dá
para você substituir essas formas sem você ter um amplo debate, nós temos
uma constituinte que está vigorando e que fala que as regras são essas. Então,
eu acho que a gente não pode aventura mais em nome de qualquer setor
popular, você não pode cometer aventura mais, eu acho que Juiz de Fora
merece uma administração e uma representação política a altura da tradição
de Juiz de Fora, você não pode mais eleger qualquer um, e acho também que
os partidos políticos são irresponsáveis em Juiz de Fora, são irresponsáveis,
brigam demais, dividem demais, não tem responsabilidade política com a
cidade, estão pensando mais nos projetos pessoais do que nos projetos
partidários, e nos projeto de tirar Juiz de Fora dessa situação econômica que é
grave, apesar de que hoje a manchete da Tribuna é um alento para Juiz de
Fora, a Mercedes vai investir muito na fábrica de caminhões, vai viabilizar a
fábrica de caminhões, nós vamos ser um polo importantíssimo na fabricação de
caminhão no Brasil, acho que isso aí vai gerar um número de empregos, dobrar
ou triplicar o número de empregos da Mercedes, acho que isso vai ser uma
alavanca industrial importante, pode ser uma nova Mascarenhas, do ponto de
vista do futuro, de você ter uma base operária sólida e cargos técnicos sólidos,
então, ela pode ser uma ponto para a ajudar na reindustrialização de Juiz de
Fora, mas eu acho que a cidade tem que ter juízo.
P/1 – O que é que você achou de dar essa entrevista?
R – Eu acho sempre bom falar sobre as coisas que acontecem e algumas que
aconteceram sabe por quê? O Zé sabe o que eu vou falar, o Zé quando saiu de
Juiz de Fora e foi lá para o Museu da Pessoa, ele arriscou muito, porque não é
um museu estável, é um museu instável, museu virtual é negócio muito sério,
uma responsabilidade muito séria, você manter um acervo desse, com o aporte
tecnológico mudando muito rápido e tal, mas é um museu democrático, porque
está voltado para quem? Para as pessoas, Juiz de Fora não é nada sem as
pessoas que fizeram virar o que ela virou para o bem ou para o mal. Então, eu
acho que o Museu da Pessoa tem esse papel de priorizar as pessoas, que são
as pessoas que fazem as cidades, as pessoas que constroem o país. Eu só
acho que a gente tem que ter um pouco de tolerância com as coisas, porque a
gente quer muito pressa, a gente quer tudo para hoje, a gente viveu muito a
ditadura, a gente quer ir rápido para a democracia, quer rápido melhorar e tal,
quer justiça social para ontem, e isso não é muito fácil, tem que construir isso,
Brasil é muito novo. Então, a gente tem que ter um pouco de perspectiva, olhar
em perspectiva, acho que se a gente está vivendo num país um momento
melhor hoje do que a gente viveu há 20 anos atrás, que há 30 anos, que é o
período que eu estou falando aqui, eu acho que a gente tem que aproveitar
esse período para construir uma alternativa mais alicerçada em base
democrática mesmo, eu acho que é o momento onde as pessoas estão indo
para a rua, eu acho o fim que a geração mais nova tem a consciência que ao ir
para a rua tem um preço, quando você vai para rua, quando a gente foi, o que
é que nós fizemos? Nós ajudamos a construir uma Juiz de Fora melhor, depois
vieram aí e destroçaram tudo com essa eleição maluca que eles fizeram aí,
mas você ajudou a construir alternativa democrática para a cidade, ajudando a
mudar a universidade, ajudando a mudar a relação política da cidade, só que
você tem que ir permanentemente para a rua, você não pode confiar nas
instituições só, nas pessoas que estão nas instituições, você tem que regular, a
regulação tem que ser democrática, você não pode dar um cheque em branco
para o prefeito, para vereador, deputado, senador, você tem que estar do lado,
cobrando, por isso que eu acho que a rua é importante, a rua é o mecanismo
da mudança, agora quem vai para a rua tem que saber que vai para a rua
como mobilização, como massa, como pressão, aí não pode deixar ter
vandalismo, não pode deixar ter quebra-quebra, o cara pode ser contra o
capitalismo, mas não adianta nada ir lá e quebrar um banco, quebrar o
McDonald’s, não vai resolver nada, quando eu vejo algumas pessoas indo
quebrar banco, quebrar McDonald’s, saquear loja e achar que isso é
democracia eu fico com um pouco de medo, que eu acho esse é um caminho
que abrevia o que nós já passamos lá atrás e que a gente não quer que volte, a
repressão sempre vai existir, quando eu vejo, por exemplo, Juiz de Fora hoje
uma cidade violenta 113 assassinatos até hoje de janeiro, 99 ano passado, e
essa não é a tradição de Juiz de Fora, uma cidade pacífica, uma cidade da
paz, não é, está errado, alguma coisa tem que acontecer para mudar isso. Aí,
nós estamos fazendo laboratório de estudo da violência junto com a
universidade, nós estamos junto a Câmara, prefeitura, OAB, as faculdades
particulares, estão tentando criar um mecanismo de enfrentar isso, vamos fazer
um plano municipal de enfrentamento de violência, acho que Juiz de Fora está
precisando disso, tem que refletir sobre o que está acontecendo, não dá para
você permitir que, aí a imprensa tem um papel danado, porque ela que vai
discutir, eu vejo muito nessas reuniões desde março quando nós fizemos um
seminário na OAB sobre a violência, tem visto assim muita gente falar: o jornal
só fala em violência, a TV só fala em violência, a rádio só fala em violência, a
gente fala o que está acontecendo, se não tiver acontecendo não vai falar, não
é porque está falando que está criando um clima para ter mais violência, pelo
contrário, ao que se falar e se mostrar, vai ajudar a gente a combater isso, e a
discutir o que é que está acontecendo, porque é que a meninada 14, 15, 16,
17, 18 anos está saindo armada para assassinar os outros, porque é que
galera está disputando com galera espaço de bairro, isso não nunca existiu em
Juiz de Fora desse jeito, no máximo uma briguinha, turma dali contra ali, mas
do jeito que está matando, um fechando o outro, e o outro vai, uma ciranda da
morte, um negócio assustador, acho que a cidade tem que parar para refletir
sobre isso, a imprensa tem um papel importantíssimo nisso, são as pessoas
que vão resolver isso, não é a polícia, não é o judiciário só, a sociedade tem
que se mexer para discutir isso, outro dia alguém me perguntou: por que você
está discutindo essa coisa da violência desse jeito? Porque eu acho que se as
pessoas não usarem o espaço que elas têm para poder refletir sobre a
realidade nossa, nós não vamos mudar, daqui uns dias você não vai mais
poder sair na porta de casa, porque se todo mundo acha que resolve no tiro vai
ter uma chacina em Juiz de Fora, todo mundo vai começar a se matar para
resolver os problemas, assim que resolve? Eu acho que cada um tem o seu
papel, eu acho que a universidade, eu sempre cobro disso, a universidade por
ser a maior instituição de Juiz de Fora, por ser a instituição hoje que tem mais
recursos, olha o que é que a universidade nossa está virando, está virando um
negócio muito grande, está expandindo está crescendo muito, mas não adianta
ficar só fazendo prédio, não adianta ir para Valadares, tem que ter ideia, tem
que ajudar a discutir a cidade, lá que é o centro de reflexão sobre a cidade, a
universidade tem que se debruçar sobre a cidade, sobre a cidade, sobre o
entorno, e ajudar a gente com cientificismo, com técnica, com qualidade, com
paixão a discutir o que é que está acontecendo, é lá que estão os sociólogos, é
lá que está quem pensa a cidade, os arquitetos, os urbanistas, os jornalistas
saem de lá. Eu acho que a universidade tem uma responsabilidade imensa
com Juiz de Fora, com as cidades como um todo, a nossa universidade tem
que começar a refletir um pouco que cidade está virando essa, porque ela está
aqui dentro, uma hora isso vai chegar lá dentro, por enquanto está no entorno,
se não fizer alguma coisa para ajudar a combater, a enfrentar isso conter essa
sanha de assassinatos que está acontecendo, essa violência vai lá para dentro,
e aí ninguém aguenta mais, quando chegar lá dentro você sabe o que vai
acontecer, por enquanto é aqui fora só, eu acho que a gente tem que prevenir
para não permitir que Juiz de Fora vire uma cidade violenta de vez, como
algumas outras cidades aqui de Minas são.
P/1 – Ok, obrigada Jorge.