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projeto urbanistico
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Daniella Almeida Barroso
Projeto Urbanstico Panamby: uma nova cidade dentro
de So Paulo?
Anlise do parcelamento e loteamento
da Chcara Tangar
Departamento de Geografia
FFLCH USP
So Paulo, 2006.
1
Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
Departamento de Geografia Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana
Projeto Urbanstico Panamby: uma nova cidade dentro de So Paulo?
Anlise do parcelamento e loteamento da Chcara Tangar
Daniella Almeida Barroso
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia Humana.
Orientadora: Profa. Dra. Odette Carvalho de Lima Seabra
So Paulo 2006
2
Aos meus professores.
3
Esta pesquisa me permitiu incrveis descobertas, a respeito do meu prprio
processo de aprendizagem, sobre o estudar comprometido com um nico
objeto de pesquisa, uma etapa de minha formao que exigiu um
aprofundamento das leituras, o que, em muitos momentos, pareceu-me
impossvel de ser realizado sozinha, e nestes momentos todas as ajudas foram
importantes. Mas o apoio mais significativo veio do Bruno, que se disps, de
maneira gentil e afetuosa, a gastar longas horas de sua semana ajudando-me
na leitura de La production de lespace, bem como discutindo os recortes e
interpretaes possveis para meu objeto de pesquisa. Se nas leituras a ajuda do
Bruno foi fundamental, as idas ao Panamby no teriam sido to profcuas sem a
presena da Denise, a quem devo o estmulo pesquisa de campo. Tambm
foram importantes no desenrolar da pesquisa, meus amigos Daniel, Deborah,
Edwiges, Monica e Suely.
Agradeo s professoras Ana Fani e Lea Francesconi, cujas orientaes, na
qualificao, foram bastante significativas para o rumo que a investigao
tomou nestes meses finais.
O contato prximo com a professora Odette me trouxe de volta o prazer de
estudar, de debruar-me horas e horas sobre um livro na tentativa de
compreend-lo, de escrever, de pensar. Devo a ela este novo momento no
meu percurso escolar. Obrigada!
Durante a realizao da pesquisa, contei com o apoio da Secretaria de Estado
da Educao (SEE-SP) por meio do programa de incentivo formao dos
professores, denominado Bolsa Mestrado.
4
Resumo
O Projeto Urbanstico Panamby integra o conjunto de mudanas em curso na
metrpole paulistana, relativas configurao do vetor sudoeste de
investimentos imobilirios, onde se situam hoje os mais modernos edifcios de
escritrios ligados gesto da produo e do capital. Embora no projeto
original estejam previstos edifcios comerciais, so os lanamentos residenciais
que comandam a produo do Projeto Panamby, implementado sobre o
terreno da antiga Chcara Tangar, propriedade formada por Baby Pignatari
para ser sua residncia em meados dos anos 1950, comprada pela empresa
Lubeca no fim da dcada de 1980. Por tratar-se de uma rea com expressiva
vegetao arbrea, a chcara estava protegida por legislao ambiental e
seu parcelamento foi objeto de negociao com a Prefeitura, ao mesmo
tempo em que entidades civis solicitavam seu tombamento junto aos rgos
oficiais. Deste embate nasceu o Parque Burle Marx, rea pblica com gesto
privada, que funciona como uma reserva de valor.
Palavras-chave
Urbanizao, metropolizao, segregao, valorizao imobiliria e territrio do
urbano.
5
Abstract
The Panamby Urbanistic Project is part of the several changes taking place at the
metropolis of So Paulo, on the southwest portion of real state investments, where
today are located the most modern office buildings related to production and
capital management. Although there were planned commercial buildings in the
original project, the residential releases lead the production of The Panamby
Project, settled over the site of the old Tangar Ranch, a property formed by
Baby Pignatari to be its residence in the 50s, bought by Lubeca company in the
end of the 80s. Because it was an area with an expressive amount of vegetation,
the ranch was protected by environmental legislation and its fragmentation had
been negociated with the city hall office, in the same time that civil entities
where trying to put the area under governmental trust. The Burle Marx Park
aroused from this conflict, a public area with a private management, that acts
like a value stock.
Key words
Urbanization, metropolization, segregation, real estate valorization and urban
territory.
6
ndice
Introduo 1. Construindo um objeto de pesquisa ................................................................................... 10
2. Hiptese de trabalho .............................................................................................................. 12
3. Objetivo ..................................................................................................................................... 13
Parte 1
o que o Panamby?
1. O Projeto Urbanstico Panamby ......................................................................................... 15
2. So Paulo no sculo XX: expanso urbana, periferizao e auto-segregao ........ 24
3. A expanso do capital sobre o espao urbano ........................................................... 30
Parte 2
no meio do caminho tinha uma chcara
1. As chcaras da cidade.......................................................................................................... 38
2. A Chcara Tangar ............................................................................................................... 40
3. Ambientalistas vs. promotores imobilirios ......................................................................... 45
Parte 3
os jardins de Burle Marx
1. De perto e de dentro ........................................................................................................... 50
2. A formao de um parque como estratgia de valorizao imobiliria .................... 56
3. O verde como atrao ......................................................................................................... 60
Consideraes finais ................................................................................................................... 66
Referncias bibliogrficas ......................................................................................................... 73
Anexos ........................................................................................................................................... 82
7
NDICE DE MAPAS
Mapa 1 Localizao do Projeto Panamby ......................................................................... 21
Mapa 2 Os empreendimentos do Projeto Panamby ........................................................ 42
Mapa 3 Ambientes internos do Parque Burle Marx ........................................................... 53
Mapa 4 As reas de vegetao permanente do Projeto Panamby ............................ 68
NDICE DE FIGURAS
Capa Revista Construo, n 2382, out/1993
Figura 1 Calada na av. Dona Helena de Moraes ........................................................... 52
Figura 2 Calada em frente entrada do Parque Burle Marx ....................................... 52
Figura 3 Jardim de Burle Marx ................................................................................................ 54
Figura 4 Ptio das Jabuticabeiras ......................................................................................... 54
Figura 5 Mata Atlntica .......................................................................................................... 54
Figura 6 Gramado central (panormica) ........................................................................... 54
Figura 7 Gramado central do Parque Burle Marx .............................................................. 55
Figura 8 Trilha de jogging na mata .................................................................................... 55
Figura 9 Anncio publicitrio do edifcio Larissa ................................................................ 61
Figura 10 Anncio publicitrio do edifcio Ventana ............................................................ 62
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 O Projeto Urbanstico Panamby ............................................................................. 17
Tabela 2 Os edifcios residenciais do Projeto Panamby ..................................................... 20
Tabela 3 Os terrenos que constituram a Chcara Tangar ............................................. 41
8
introduo
9
A REVOLUO SEMPRE NO PLANO PRAGMTICO DA MENSAGEM
o que interessa o que a gente quer, no fundo, MUDAR A VIDA alterar as relaes de poder entre classe e classe nao e nao
este o grande Poema: nossos poemas so ndices dele
meramente
Paulo Leminski, 1977
10
1. Construindo um objeto de pesquisa
O projeto de pesquisa, do qual esta investigao se iniciou, trazia uma
reflexo relativa aos efeitos da globalizao econmica na organizao das cidades, realizada a partir dos relatos jornalsticos das transformaes pelas quais passavam algumas cidades francesas, como revela esse trecho de uma reportagem publicada no jornal Le Monde Diplomatique:
Mais do que as questes da insegurana, a globalizao da economia a principal causa para esses agrupamentos de afinidades, pois ela transformou as regras da sociabilidade. Celebrando constantemente os mritos do global contra o local e a qualidade das redes contra a proximidade, a constituio de arquiplagos caracterizados pela concentrao das riquezas nas mos de uma nova burguesia est desacreditando a cidade pblica (BELMESSOUS, 2002).
Num primeiro momento, a pesquisa de CALDEIRA (2000) foi tomada como referncia para o entendimento da questo do acirramento da segregao em So Paulo, na qual a autora prope trs diferentes formas de expresso da segregao social no espao urbano de So Paulo como um caminho interpretativo da metropolizao, e de onde veio a escolha do Alto de Pinheiros e do Panamby como objetos de pesquisa a serem comparados a fim de se exemplificar um dos efeitos da globalizao econmica na produo do urbano. Entretanto, pensar o Alto de Pinheiros como uma etapa anterior ao Panamby no implicou em novas questes sobre a segregao socioespacial, j que o isolamento espacial das moradias para a elite no uma novidade no processo de expanso urbana, e, assim, a perspectiva da comparao dos dois empreendimentos foi abandonada.
Em lugar de procurar uma sucesso de formas de expresso da segregao, a investigao centrou-se, ento, na produo do espao do Panamby, isto , nas circunstncias que permitiram que uma propriedade urbana1 (constituda pela compra de chcaras de recreio e de produo agrcola) mantivesse intocada sua expressiva vegetao arbrea at o fim do sculo XX, e que mais tarde, parcelada e loteada, se integrasse ao centro de servios instalado na Berrini e na Marginal Pinheiros.
O enfoque privilegia o movimento das formas para compreender a lgica das formas em relao dialtica dos contedos (SEABRA, 2004a:181).
Essa concepo leva-nos idia de territrios do urbano: (...) inscries
1 Tratava-se de um projeto arquitetnico para a residncia de um empresrio industrial e embora o nome fizesse referncia propriedade rural (Chcara Tangar), as construes projetadas atendiam no somente funo residencial, como tambm de escritrio de negcios.
11
espaciais com limites absolutos, visveis no conjunto da rea edificada (Seabra, 2004a:184). Uma interpretao que nos permite pensar a transformao da Chcara Tangar como a territorialidade de um processo de valorizao espacial, j que o Panamby um territrio exclusivo constitudo por grupos sociais de alta renda.
A participao crescente de um grande volume de capital financeiro no setor imobilirio implicou em mudanas na produo de imveis em So Paulo, entre as quais:
- a utilizao, por parte dos promotores imobilirios, de grandes reas para a construo de megaprojetos; - a crescente interveno do Estado para a concretizao desses empreendimentos; - a produo de espaos cada vez mais segregadores e com poucas reas pblicas. (BOTELHO, 2004:21-22)
Tais caractersticas, prprias da produo monopolista do espao, servem bem ao Projeto Panamby, um territrio do urbano construdo sob a gide do capital imobilirio, no qual as relaes entre os promotores imobilirios e o poder pblico ganharam visibilidade quando da negociao relativa proteo da vegetao arbrea.
No Panamby, a valorizao est extremamente atrelada existncia de trechos de mata, dos quais o mais significativo compe grande parte da rea do parque pblico, nascido de um embate entre entidades civis2 e o proprietrio, sob mediao da Prefeitura e do Condephaat. O Parque Burle Marx integra o Projeto Panamby como uma reserva de valor, o que explica sua gesto to marcada pelo controle do uso, que se traduz em impedimento apropriao do espao (que pblico) pela populao. Se nos edifcios a fronteira se d pelo muro, pela grade ou pelo segurana equipado de modernas ferramentas de vigilncia, no parque pblico a separao nasce da dificuldade imposta apropriao do espao.
2 Reunidas em torno de discursos ambientalistas.
12
2. Hiptese de trabalho
O parcelamento da Chcara Tangar revela uma interveno
monopolista no espao, pois uma empresa a Lubeca Empreendimentos
Imobilirios comprou o terreno, negociou com a Prefeitura seu parcelamento,
efetuou as obras de infra-estrutura urbana e, em associao com dois bancos,
criou o Fundo Imobilirio Panamby, que desde ento negocia cada lote com as
construtoras responsveis pela execuo dos edifcios, recebendo uma
porcentagem das vendas de acordo com as condies de localizao do lote.
So indcios de que o Panamby se configurou como um territrio do
urbano:
a) O projeto arquitetnico dos edifcios privilegia a separao fsica, com a
existncia de complexo sistema de monitoramento dos condomnios e de
suas fronteiras.
b) As ruas, de traado sinuoso, desincentivam a circulao de motoristas que
no sejam moradores, embora a execuo do arruamento tenha sido um
dos trunfos da Lubeca para conseguir efetivar o parcelamento da gleba.
c) O parque pblico tem regras de uso extremamente proibitivas e vigilncia
privada ostensiva.
d) O isolamento fsico e a proximidade com a rea verde so os principais
atrativos dos edifcios, garantindo sua valorizao.
A aprovao do empreendimento imobilirio junto ao poder pblico
municipal implicou na formao de um parque pblico, cuja administrao
privada integra a lgica de auto-segregao, que norteou toda a elaborao
do projeto urbanstico, e garante valorizao imobiliria.
13
3. Objetivo
A compra da Chcara Tangar pela Lubeca, o planejamento da
ocupao da rea, a negociao de seu parcelamento junto Prefeitura, a
constituio do Parque Burle Marx, a criao de uma instituio privada para
administrar um parque pblico e sua relao com a estratgia de valorizao
imobiliria constituem os aspectos fundamentais da implementao do Projeto
Panamby e sobre eles que esta pesquisa se debruou, com o intuito de trazer
tona mais contribuies para a compreenso do momento atual de
produo da metrpole paulistana. Para isso, investigou-se a transformao da
Chcara Tangar num empreendimento imobilirio, centrando-se nas
concepes do Projeto Panamby e suas implicaes na metropolizao de So
Paulo.
Nas estratgias (...) em direo formao dos territrios exclusivos, consuma-se a auto-segregao j ento concebida e administrada. (...) A auto-segregao nada mais do que um recurso que visa administrar a separao consumada nos territrios do urbano (SEABRA, 2004a:194).
A investigao buscou desvendar tais estratgias espaciais, a partir de um
estudo de caso. Os edifcios residenciais do Panamby formam um conjunto
homogneo e espacializam uma prxis social que j contm a segregao
como condio para sua realizao. Alm disso, por se configurarem como um
territrio do urbano, permitem avanar na compreenso da metropolizao de
So Paulo.
14
o que o Panamby?
15
1. O Projeto Urbanstico Panamby
O Panamby foi projetado para configurar-se como um empreendimento
imobilirio misto (composto por um hotel e edifcios residenciais e comerciais) na
rea da antiga Chcara Tangar3, comprada pela Lubeca S/A
Empreendimentos e Participao em outubro de 1986. Essa propriedade era
composta de uma residncia luxuosa projetada por Niemeyer, com jardins de
Burle Marx e
cobertura vegetal de porte arbreo, aproximadamente 72%, sendo que grande parte (45%) [era] composta de vegetao de mata secundria em estgio avanado de recuperao, caracterizando-se como um dos ltimos testemunhos da Mata Atlntica de Planalto na rea urbana de So Paulo. Outra poro da vegetao composta de pomares e plantas ornamentais (7,5%) e em apenas 18% a cobertura por eucaliptos (FERRAZ &VARJABEDIAN, 03/07/1989).
Com o anncio da inteno da Lubeca em transformar a Chcara
Tangar em um empreendimento imobilirio, no fim da dcada de 1980, grupos
ambientalistas e entidades profissionais se organizaram para exigir que a
legislao sobre vegetao arbrea urbana fosse utilizada para proteger
aquela rea da ocupao imobiliria, formando o Movimento Pr-Parque
Tangar4. A Lubeca j havia conseguido uma importante vitria, pois um
projeto de lei, proposto durante a gesto Jnio Quadros, tinha sido aprovado na
Cmara prevendo a construo de duas ruas que, construdas, promoveriam o
parcelamento da Chcara Tangar em trs glebas. Esta lei interessava tanto
aos projetos da empresa que ela prpria pediu (e recebeu) autorizao da
Prefeitura para realizar as obras, que comearam em tempo recorde. A
solicitao de tombamento da rea junto ao Condephaat5 e ao Conpresp6,
por parte da Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB-SP), foi a iniciativa mais
prspera de preservao da rea, pois sob alegao de que se tratava de
3 Alm da Chcara Tangar, com rea total de 482.215,63m2, a Lubeca comprou outra propriedade na regio, em local bastante prximo (na Rua Itapaina, em frente ao que se conhece como gleba A), com 233.402,48m2, que tambm foi vendida ao Fundo Imobilirio Panamby e onde hoje se ergue o condomnio fechado Villaggio Panamby. 4 Entidades que apoiavam o Movimento: Associao dos Gegrafos Brasileiros (AGB), Sindicato dos Gelogos do Estado de So Paulo (Singesp), Sindicato dos Arquitetos de So Paulo (SASP), Federao Nacional dos Arquitetos (FNA), OIKOS, Sociedade Brasileira de Progresso da Cincia (SBPC), Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), Associao Comunitria Jardim Monte Azul, Associao Cultural Pr-Parque Modernista, Movimento Ecolgico Rever, CEACON, Associao de Defesa do Parque da Aclimao, Assemblia Permanente das Entidades de Meio Ambiente (APEDEMA), Espao Formao Assessoria e Documentao, Movimento Ambientalista de Interlagos, Movimento Pr-Casa de Cultura Pedreira/Campo Grande. A impresso dos folhetos, feita pela grfica da Cmara Municipal de So Paulo, contou com o apoio dos vereadores Oswaldo Giannotti. Roberto Trpoli, Pedro Dallari e Adriano Diogo. 5 Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico do Estado de So Paulo. 6 Conselho Municipal de Preservao do Patrimnio Histrico, Cultural e Ambiental da Cidade de So Paulo.
16
vegetao significativa merecedora de proteo legal contra o
desmatamento, o que j estava ocorrendo com a construo do sistema virio
aprovado, as obras de arruamento foram interrompidas e a Lubeca foi obrigada
a negociar um acordo com o poder pblico municipal, assim como apresentar,
em diferentes rgos de proteo ambiental, estudos e relatrios relativos
ocupao da rea, que acabaram por modificar seu projeto urbanstico inicial.
A partir da negociao do parcelamento junto Prefeitura de So Paulo,
durante a gesto de Luiza Erundina7, nasceu o Parque Burle Marx, incorporando
os jardins projetados por Burle Marx e a mata ao redor de uma pequena
nascente. O traado do parque foi elaborado pelo escritrio de arquitetura
Aflalo & Gasperini, responsvel tambm pelo plano diretor do
empreendimento, no qual constam as diretrizes de ocupao da gleba, como
o parcelamento e o loteamento, assim como a destinao dos lotes para os
usos comercial e residencial. Assim foi possvel, por exemplo, projetar as
dependncias de um hotel com enorme proximidade rea de mata, bem
como prever lotes nas partes mais altas do relevo da rea da antiga chcara,
nos quais se erguem, atualmente, apartamentos voltados para o parque. A
dotao, ao contrrio de ser perda, acabou sendo estratgia de valorizao
dos investimentos, pois a destinao de parte da gleba para a instalao de
um parque pblico revelou-se um dos grandes atrativos imobilirios do
Panamby, que passou a ser anunciado pelos agentes imobilirios como a mais
bela reserva verde da cidade8 (FIX, 2001:22).
Com o acordo, cerca de 29% da rea da Chcara Tangar foi doada
Prefeitura sob a forma de parque pblico, em duas reas onde a vegetao
arbrea era mais expressiva e onde se localizavam os jardins que Burle Marx
7 A Prefeitura formou um grupo de trabalho encabeado pela ento Secretria de Habitao, Ermnia
Maricato, para discutir e negociar as condies de aprovao do parcelamento, solicitado pela Lubeca
S/A Empreendimentos e Administrao, o que denota a fora de presso que tm estas empresas nos
nveis da administrao pblica, pois em princpio o tombamento referia-se rea total, e no somente
atual rea do Parque Burle Marx. 8 Na poca da inaugurao do parque (out/1995) a construtora Birmann aproveitou o grande nmero de artigos na imprensa sobre a nova rea verde para lanar o Condomnio Chcara Tangar. A empresa de comunicao contratada para fazer o lanamento do edifcio Eugnio & Associados Comunicao trabalhou em conjunto com a assessoria de imprensa da Prefeitura do Municpio de So Paulo para divulgar a inaugurao do parque e bolou o seguinte slogan de publicidade para o condomnio: uma reserva de qualidade de vida, com clara referncia reserva verde em que se transformou o Burle Marx na mdia. A estratgia de vendas da construtora Birmann est descrita em TEIXEIRA (2001).
17
projetou para o que seria a residncia de Baby Pignatari, antigo dono da
propriedade.
Tabela 1: O Projeto Urbanstico Panamby
rea (m) %
rea pblica Desapropriao (arruamento) 38.244,29 7,9
rea institucional 24.110,78 5,0
Parque pblico (gleba A) 14.799,17 3,1
Parque pblico (gleba C) 123.480,05 25,6
Total - rea pblica 200.634,29 41,6
rea privada Gleba A 131.629,85
Gleba B 31.963,68
Gleba C 117.987,81
Total - rea privada 281.581,34 58,4
Total (Chcara Tangar) 482.215,63 100,0
(Villaggio Panamby9) 233.402,48
Fonte: 11 Registro de Imveis de So Paulo
Desde maro de 1995, o Projeto Panamby passou a ser comandado pelo
Fundo de Investimentos Imobilirios Panamby, administrado pelo Banco Brascan.
A Panamby Empreendimentos Imobilirios (antiga Lubeca S/A Empreendimentos
e Participao) tornou-se uma empresa exclusivamente encarregada da
administrao do Centro Empresarial de So Paulo, hoje propriedade do ex-
governador Orestes Qurcia.
Neste mesmo ano, houve a inaugurao do Parque Burle Marx e o
lanamento do primeiro edifcio residencial, Chcara Tangar, em lote vizinho
ao parque. Uma joint venture formada pela Birmann e pela Turner Corporation
foi, inicialmente, responsvel pelos lanamentos localizados nos terrenos que
fazem divisa com o parque. Os trs primeiros empreendimentos lanados no
Panamby (Chcara Tangar, Reserva Tangar e Altos do Panamby) foram
resultado de negociao da Panamby Empreendimentos Imobilirios com as
construtoras interessadas: a Birmann e o consrcio formados por Adolpho
Lindemberg, Company, Romeu Chap Chap e R. Yazbec10. Com a criao do
Fundo Panamby, as negociaes ficaram sob responsabilidade do Banco
9 A rea do Villagio Panamby no constava nas negociaes com a Prefeitura, mas integra o patrimnio do Fundo de Investimento Panamby. Foi transformada em um condomnio fechado, sem que houvesse necessidade de negociao relativa a parcelamento. 10 A Birmann realizou os empreendimentos Chcara Tangar e Reserva Tangar, e o consrcio foi responsvel pelos Altos do Panamby.
18
Brascan S/A, que negociou a venda dos lotes lindeiros ao Parque Burle Marx
(gleba C) com outro Fundo de Investimento Imobilirio, denominado
Incorporaes Birmann, em agosto de 1997, criado pela construtora Birmann
para viabilizar novos lanamentos na rea11. Entretanto, o domnio do imvel
retornou ao Banco Brascan S/A, em agosto de 2004, sem que os lotes tivessem
sido alvo de construes12, pois a Birmann entrou em processo de falncia.
Ainda assim, o ritmo de construo contnuo, e voltado para a ocupao dos
lotes reservados para o uso residencial. A nica exceo a construo
(inacabada) do Hotel Spa Palcio Tangar, em lote lindeiro ao parque, obra
sob responsabilidade da Birmann13.
Em 1993, Plnio Carvalho (ento diretor da Panamby Empreendimentos e
Administrao) em entrevista revista Obra: Planejamento e Construo
afirmou que os empreendimentos seriam projetados e implementados de
acordo com o ritmo do mercado e para tanto, seriam negociadas parcerias
com promotores imobilirios (investidores, incorporadores, construtores).
Temos um leque de possibilidades e pretendemos negociar caso a caso com os interessados. Como estamos com o terreno e a infra-estrutura pagos, podemos estudar com tranqilidade as propostas de parceria (Eng Plnio Tavares de Carvalho In OBRA: PLANEJAMENTO E CONSTRUO, 1993a:23).
O Fundo Panamby adotou a mesma postura da Panamby
Empreendimentos e Administrao em relao ao futuro do projeto, tornando-
se um fundo desenvolvedor de empreendimentos imobilirios. A negociao
dos terrenos, entre o Fundo de Investimento Panamby e as construtoras
interessadas na construo de edifcios, comporta uma diferenciao quanto
porcentagem recebida pelo Fundo quando da comercializao dos imveis,
denominada permuta. Aps o Habite-se o Banco Brascan (...) tem direito a
receber um percentual sobre o contas a receber de cada torre. Como
exemplo, temos a Gafisa, responsvel pelos lanamentos no condomnio
fechado Villaggio Panamby, que repassou de 16% (1 torre) a 20% (um aumento
significativo no valor da permuta: da 1 10 torre ela subiu 4%) ; e a America
11 O envolvimento desta construtora na implementao do Projeto Urbanstico Panamby fica evidente pela criao da Fundao Aron Birmann, que administra o Parque Burle Marx por meio de uma parceria com a Prefeitura. 12 Informaes retiradas dos registros constantes na matrcula 257.387 do 11 Registro de Imveis, ficha 03. 13 No h informaes oficiais sobre o porqu da paralisao das obras do que seria o primeiro hotel 6 estrelas do Brasil, mas noticiou-se na imprensa que um dos scios vivia momento de m sade financeira (VALENTE, 21/09/2003). O scio em questo a Birmann, com 51% das aes (os 49% restantes so da Previ fundo de penso dos funcionrios do Banco do Brasil).
19
Properties, presente na gleba B, com repasse de 18,2 a 19%14.
Assim, o fundo, ao permutar reas mais urbanizadas e com melhor infra-estrutura, recebe uma porcentagem maior dos empreendimentos a realizados pelas construtoras (BOTELHO, 2004:212).
O Villaggio Panamby, embora pertencente ao Fundo Panamby, no era
um dos terrenos que compuseram a Chcara Tangar, cujo parcelamento deu
origem s glebas A, B e C, que posteriormente loteadas, abrigam edifcios
voltados para via pblica. Nas glebas A e C se localizam as duas reas do
Parque Burle Marx, sendo a gleba C aquela em que se encontra o jardim
projetado por Burle Marx a que apresenta maior nmero de
empreendimentos. Estas so algumas das diferenas entre os lotes,
consideradas quando da negociao do valor da permuta, sendo relativas,
principalmente, proximidade com o parque e qualidade da infra-estrutura
(somente o arruamento que parcelou a Chcara Tangar possui o cabeamento
subterrneo). A permuta freqente no mercado imobilirio, pois
Os construtores no tm capital para comprar terrenos, construir e depois sair vendendo. Eles gostam de fazer a operao de permuta, pegar o proprietrio do terreno, propor um projeto de construo, a aprovao, o marketing, a venda e o proprietrio leva uma parte das vendas (Srgio Belleza Filho In BOTELHO, 2004:211).
O fato dos edifcios comerciais ainda no terem sido projetados, assim
como a existncia de uma gleba quase inteira intacta, no significa que
tenham ocorrido mudanas nas diretrizes iniciais de ocupao, ainda que a
previso de trmino de todos os edifcios15 esteja longe de se confirmar.
Contribuiram para isso, certamente, a sada da Birmann do negcio (lugar
parcialmente ocupado pela Cyrela, que hoje constri o edifcio On the park em
lote antes pertencente Birmann), e tambm uma certa saturao de imveis
de alto padro na cidade, tanto no setor residencial quanto no de escritrios. A
derrocada da Birmann est muito relacionada imensa oferta de escritrios
nestas novas reas, como Marginal Pinheiros, Faria Lima e Berrini16.
14 Informaes fornecidas por Carolinne Santos, funcionria do Banco Brascan S/A (set/2005), em entrevista autora. 15 Em muitas reportagens h referncias bastante diversas ao tempo que seria gasto na implementao de edifcios em todos os lotes, quando se findaria o Fundo de Investimento Imobilirio, mas o ritmo de ocupao est bem mais lento que o esperado. a Panamby espera a concluso do projeto entre oito e dez anos (OBRA: PLANEJAMENTO E CONSTRUO, 1993a); estima que, ao final dos cerca de dez anos necessrios sua concluso, sero investidos em torno de 600 milhes de dlares (ROCHA, 1993); O projeto inicial est estimado em quinze anos (Carla Safady, gerente de investimentos imobilirios da Valia, In FIX, 2003: 234). 16 A taxa de vacncia chegou at 70% na regio da Faria Lima, o fil mignon do mercado (FIX, 2003:82).
20
Tabela 2: Os edifcios residenciais do Projeto Panamby
Gleba Empreendimento Incorporadora(s) Data entrega Preo (no lanamento)17 Tamanho A Ventana Cyrela Brazil Realty em construo R$284 a R$537 mil 113m a 176m B Altos do Panamby Consrcio* 1997 R$600 mil a 1,2 milho 288m B Openhouse Loft Panamby America Properties 2002 R$270 a R$630 mil 82m a 183m B Lindemberg Panamby America Properties 2002 R$1,8 milho 445m B Landscape America Properties em construo R$225 a R$450 mil 95 e 142 m C Chcara Tangar Birmann/Turner 1995 R$260 a R$400 mil 225 m C Reserva Tangar Birmann/Turner 1996 R$535 a R$693 mil C Parque Tangar Birmann/Turner 2001 740m C On the Park Cyrela Brazil Realty em construo R$2,6 a R$2,9 milhes 607m
VP18 Amandryas Gafisa/Atlntica 2001 152m Portis Thamyris Gafisa/Atlntica 2001 191m Cypris Gafisa/Atlntica 2003 R$800 mil 241m Pallazzo Panamby Gafisa/Atlntica 2003 R$800 mil a 1,2 milho 400m Strelitzia Gafisa/Atlntica 2004 R$329 a R$660 mil 160m Hibiscus Gafisa/Atlntica 2005 R$853 mil 213m Anthurium Gafisa/Atlntica 2005 R$475 mil 160m Doppio Spazio Gafisa/Atlntica 2005 R$854 a 950 mil 270m Majuy Gafisa/Atlntica 2005 R$570 a R$625 mil 190m Double View Gafisa/Atlntica em construo R$650 a R$800 mil 206m Domaine du Soleil Gafisa/Atlntica lanamento R$1,2 milho 320m Jazz Duet Gafisa/Atlntica lanamento R$900 mil 260m Mirabilis Gafisa/Atlntica lanamento R$700 mil 226 m
* Adolpho Lindemberg, Company, Romeu Chap Chap e R.Yazbec
Fonte: Caderno de Imveis do jornal Folha de So Paulo, de diferentes datas, consultado sob a forma eletrnica (www.uol.com.br).
17 No inclui as coberturas, nem os duplex, apartamentos negociados caso a caso. 18 Villaggio Panamby, condomnio fechado.
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Mapa 1: Localizao do Projeto Panamby
As ruas traadas em vermelho fazem parte do Plano de Melhoramentos aprovado pela Cmara Municipal, cuja realizao ficou a cargo da Lubeca.
Escala aprox.: 1:17.700. Fonte: Imagem de satlite disponvel em maps.google.com (2001).
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A Vila Andrade um distrito que est no limite entre as reas residenciais
de alto padro, no Morumbi, e o Jardim So Lus, conjunto de loteamentos
populares. A incorporadora Atlntica, parceira da Gafisa no Villagio Panamby,
divulgou uma pesquisa sobre os compradores de imveis da Vila Andrade, no
qual dois grupos distintos se destacam:
Os de renda alta, que buscam empreendimentos com 20% mais de lazer que em Moema, por exemplo, pelo mesmo preo; e os de classe mdia, recm-casados, que querem imveis modernos (Luiz Valle, diretor da incorporadora Atlntica, In FOLHA DE SO PAULO, 07/12/2003).
Os edifcios do Projeto Panamby atendem somente os compradores de
renda alta, embora haja apartamentos com tamanho adequado a casais
(como um dos prdios do Ventana, o Landscape e o Amandryas19), os preos
no so acessveis a compradores de classe mdia, por serem valores bastante
elevados, mesmo quando se trata de apartamentos menores, alm de
contarem com financiamentos curtos, quitados na compra ou em alguns
poucos meses.
O Panamby tem muito a ver com o eixo Faria Lima, Berrini. Mas tem muita gente que trabalha em outros locais e quer ter um bom lugar para a famlia (Odair Garcia Senra, diretor de incorporao da construtora Gafisa, In FIX, 2003:263-276).
Os edifcios do Panamby atraem executivos das multinacionais instaladas
na Berrini/Marginal Pinheiros, assim como novos ricos, entre os quais o exemplo
mais conhecido o da apresentadora de tev Ana Maria Braga, que mora em
um apartamento do edifcio Parque Tangar, cuja aprovao do projeto de
decorao foi merecedora de uma nota na coluna da jornalista Mnica
Bergamo, no jornal Folha de So Paulo (16/11/2000), em que se declarava o
valor do apartamento, o nmero de quartos, o nmero de vagas de garagem e
sua configurao voltada para o Parque Burle Marx20. Artistas, atletas e
empresrios da Internet aparecem em reportagens como os compradores mais
freqentes de coberturas, apartamentos cujas descries ocupam muitas
pginas das revistas de variedades, conferindo ao dono certo prestgio social
(FOLHA DE SO PAULO, 20/01/2002 e 16/04/2000).
19 H, ainda, um edifcio voltado para jovens solteiros, o Openhouse Loft Panamby, cujo destaque a rea comum de esportes. 20 CHAL Ana Maria Braga aprovou o projeto de decorao do triplex de 915 m2 que comprou no edifcio Parque Tangar, no Panamby. Avaliado em US$ 5 milhes, o ap tem cinco sutes, 13 vagas na garagem e vista para o parque Burle Marx. A previso de que o empreendimento fique pronto no prximo ano (FOLHA DE SO PAULO, 16/11/2000).
23
As duas reas que renem mais lanamentos residenciais de alto padro,
na zona sul, so o Panamby e a Chcara Santo Antnio, localizadas em
margens opostas da Marginal do rio Pinheiros. Alis, esta uma das
desvantagens do Panamby, ele se localiza na margem oposta aos edifcios
comerciais, embora o acesso virio pela avenida Morumbi seja rpido em dias e
horrios menos congestionados.
o Bairro Panamby deve despertar o lado errado das margens do rio Pinheiros, na zona sul de So Paulo. (...) O lado errado como o analista de mercado Paul Weeks, da Bolsa de Imveis de So Paulo, chama a margem esquerda do rio Pinheiros, sentido bairro-centro (FOLHA DE SO PAULO, 12/11/1995).
Na margem esquerda do rio Pinheiros esto reas residenciais, como
Jardim Guedala, Morumbi, Real Parque e Vila Andrade, assim como um
comrcio que visa, essencialmente, atender a populao do entorno, como o
caso dos estabelecimentos comerciais na avenida Giovanni Gronchi. Na
margem direita temos o Plo Marginal, novo eixo empresarial de So Paulo,
onde se concentra a maior parte dos edifcios de escritrios construdos desde o
incio da dcada de 1990 (FOLHA DE SO PAULO, 12/11/1995; OBRA: PLANEJAMENTO E
CONSTRUO, 1993b).
O Projeto Urbanstico Panamby prev zonas residenciais e comerciais,
sendo as comerciais voltadas para a Marginal Pinheiros, entretanto, at o
momento foram lanados apenas edifcios residenciais. O atraso na
concretizao dos projetos iniciais est, certamente, ligado crise pela qual o
setor de produo de edifcios de escritrios est passando desde o incio da
dcada, mas tambm se deve falncia da Birmann, pois os lotes da gleba C,
lindeiros ao Parque Burle Marx, estavam sob poder desta incorporadora, que
previa para os lotes comerciais a construo de edifcios de escritrios21 e um
hotel, o Spa Palcio Tangar, cuja construo est inacabada.
21 Eu tinha um projeto que se chamava Lote 7, um projeto de 150 mil metros, com vrios prdios de escritrio, um microcosmo urbano. Parecia o Puerto Madero, em frente ao Parque Burle Marx. Mas precisei vender o terreno e o projeto foi completamente desfeito (Rafael Birmann, In FIX, 2003: 225).
24
2. So Paulo no sculo XX: expanso urbana, periferizao e auto-segregao
A pesquisa de BONDUKI (1998) sobre a habitao social no Brasil se cerca de
interpretaes da histria e da economia para abordar os diferentes modos de
morar urbano da populao de baixa renda em So Paulo, tendo como ponto
de partida a produo rentista, que marcou a paisagem paulistana at a
dcada de 1940. Sua hiptese inicial era a de que o congelamento de aluguis
determinado em 1942 pelo governo Vargas fora uma medida de carter
planificador, integrante das aes governamentais de incentivo ao incipiente
setor industrial, que visava direcionar a economia para a criao de um novo e
mais dinmico modo de acumulao, baseado numa estrutura urbano-
industrial (BONDUKI, 1998:234). A Lei do Inquilinato teria como conseqncias a
reduo do custo da mo-de-obra, com conseqente aumento na taxa de
acumulao para a empresa industrial, e a atrao dos investimentos para o
setor secundrio, j que esses recursos freqentemente eram dirigidos para o
rentvel mercado de locao.
A crise da habitao na dcada de 1940, bastante alargada pelo
congelamento de aluguis, est na origem do surgimento de formas
alternativas de produo de moradias, baseadas no auto-empreendimento em
favelas, loteamentos perifricos e outros assentamentos informais (BONDUKI,
1998:209). As discusses da poca tinham como consenso que a
responsabilidade pelo provimento de habitaes para os trabalhadores devia
ser do Estado, e no da iniciativa privada. Na prtica, essa responsabilidade foi
transferida aos prprios trabalhadores, j que o lote perifrico, comprado em
longas prestaes sobre o qual se ergue uma residncia pelo sistema de
autoconstruo, ser a soluo da questo habitacional at a dcada de
1970, perodo no qual se difunde entre os trabalhadores a idia da casa
prpria.22
Como resposta aos primeiros despejos de inquilinos os proprietrios
utilizavam-se de expedientes legais e ilegais para reaver seus imveis tem-se a
22 A Lei do Inquilinato vigorou de 1942 a 1964, perodo de inflexo na histria da urbanizao paulistana. So Paulo recebeu milhares de migrantes, atrados pelos empregos na indstria, e viu sua rea urbana se multiplicar de forma desadensada e segregada. Comprar um lote e construir uma casa durante vrios anos tornou-se smbolo de ascenso social para os trabalhadores de baixa renda, (...) uma referncia cultural estruturadora do cotidiano dos habitantes da cidade. Participar desse processo tornou-se sinal de incorporao cidade e cidadania (BONDUKI, 1998:283).
25
formao de favelas em terrenos municipais prximos s primeiras reas
industriais. Nas dcadas de 1940 a 1970, tem-se um movimento muito limitado
de formao de favelas em So Paulo, pois o trinmio loteamento perifrico,
casa prpria e autoconstruo deu a tnica do processo de urbanizao na
cidade de So Paulo, sendo a alternativa mais prspera do ponto de vista da
estrutura urbano-industrial de produo de moradias para a classe
trabalhadora. Neste perodo, a resposta da administrao pblica municipal era
a remoo da populao favelada, com sua transferncia para os alojamentos
provisrios, especialmente construdos para esse fim. Essa prtica contribuiu
para eliminar favelas situadas em reas bem localizadas, transferindo a maioria
de seus moradores para casas prprias na periferia23 (BONDUKI, 1998:264).
Remover favelas que foram se formando uma prtica que chega aos nossos
dias, cujo crdito, segundo BONDUKI, deve ser imputado ao do poder
municipal.
O Estado no desconhecia o que ocorria na periferia da cidade. Pelo
contrrio, muitas aes governamentais mostram que havia um claro intuito de
no se criar empecilhos ao livre desenvolvimento desse tipo de
empreendimento, a autoconstruo (BONDUKI, 1998:286). So demonstraes
do interesse do Estado na difuso dessa modalidade de produo de moradias:
- uma mudana na legislao federal passou a proteger o comprador do
lote em prestaes, eliminando o direito do vendedor de desistir da venda antes
do fim do pagamento do lote (Decreto-Lei 58);
- o restrito nmero de funcionrios da Prefeitura ligados aprovao de
loteamentos e o uso de outros servidores para exercerem a funo de fiscal
demonstram a permissividade por parte da Prefeitura;
- houve formao de jurisprudncia garantindo o direito do proprietrio de
lotes clandestinos: entendia-se que o erro do empreendedor no anulava o
direito de propriedade dos compradores.
Seria ingenuidade supor que o Estado, que antes de 1930 montou uma estrutura militar para eliminar o que considerava como ameaa ordem sanitria e que, a partir de 1930, interferiu de forma autoritria
23 Tem-se aqui mais um exemplo dessa tradio dentro dos departamentos de assistncia social da Prefeitura: a mesma ao municipal se repetiu durante a Operao gua Espraiada, conforme os relatos colhidos por FIX (2001) durante sua pesquisa. Aps transferir a populao para alojamentos, os tcnicos da Prefeitura queimaram os barracos e tornaram consumada a remoo. Isso fragilizava a organizao da populao favelada e as solues eram, ento, negociadas caso a caso.
26
nas relaes econmicas, alterando ou promulgando Constituies, reformando a administrao pblica, restringindo o direito de propriedade, desapropriando sem pagamento prvio, etc., - seria ingenuidade supor esse Estado incapaz de criar instrumentos jurdicos e administrativos para controlar o parcelamento e o uso do solo na periferia das grandes cidades. Se isto ocorreu, foi porque no houve vontade poltica para conter o processo ou, at mesmo, porque havia a inteno de deix-lo correr solto e no s em benefcio dos que especulavam com os terrenos. A omisso do poder pblico na expanso dos loteamentos clandestinos fazia parte de uma estratgia para facilitar a construo da casa pelo prprio morador que, embora no tivesse sido planejada, foi se definindo na prtica, como um modo de viabilizar uma soluo habitacional popular, barata, segregada, compatvel com a baixa remunerao dos trabalhadores e que, ainda, lhes desse a sensao, falsa ou verdadeira, de realizar o sonho de se tornarem proprietrios (BONDUKI, 1998:288).
O auto-empreendimento parte integrante da lgica de governo da
cidade, sob comando das elites, pois desonerou a municipalidade da
responsabilidade na oferta de moradias populao de baixa renda
garantindo concentrao de investimentos nos bairros de mdio e alto padro
, segregou a populao pobre em reas perifricas e desadensou o centro da
cidade, que concentrava a maioria dos edifcios para renda. Fica, assim, claro
que s se pode entender os problemas de habitao sob dimenses scio-
econmicas mais abrangentes, pois so determinantes no processo de
produo do espao e, espacializadas, refletem a desigualdade social
(KOWARICK, 1979:80).
Se o percurso traado por BONDUKI (1998) nos leva a tais concluses,
igualmente esclarecedora a tese de ANDRADE (1998) sobre a presena de Barry
Parker na cidade de So Paulo, perodo em que trabalhou na Cia City. O
pesquisador mostra que, ao contrrio do que se supe, So Paulo foi sim alvo de
planejamento urbanstico, segundo um plano nunca explicitado, mas
consistente de transformar a capital paulista em uma metrpole (ANDRADE,
1998:143). No perodo de 1899 a 1924, a Diretoria de Obras Pblicas do municpio
foi comandada por uma nica pessoa, o eng. Victor da Silva Freire, uma
evidncia de continuidade nos planos urbansticos.
Na primeira metade do sculo XX, a cidade recebeu inmeras
intervenes ligadas ao embelezamento e melhoramento de sua paisagem,
com especial ateno ao sistema virio. Foi o prprio Freire quem orientou a
Cia. City na compra de glebas em reas adjacentes ao centro da cidade,
27
posteriormente transformados em loteamentos de alto padro.24 No por
acaso, foi esse o eixo de expanso da cidade escolhido pela Prefeitura para a
realizao de suas obras pblicas. A Cia. City havia sido recm-criada e, no
entanto, j encontramos no esquema da Diretoria de Obras a indicao de
uma Avenida principal projetada pela S. Paulo City Improvements,
continuando a Avenida Paulista (ANDRADE, 1998:156). Era a atual avenida
Pacaembu, construda pela Cia. City quando da implementao do bairro de
mesmo nome. Essa mesma avenida serviu de pretexto para um pedido de
ressarcimento por parte da Prefeitura, apresentado Cmara pela City.
A pesquisa apresenta uma Prefeitura capaz de gerir a expanso da
cidade, bem diferente daquela que justifica sua omisso nos bairros industriais
sob alegao de ausncia de recursos. E aqui tambm encontramos uma elite
que utiliza o Estado como promotor imobilirio25, garantindo maior
acumulao a determinados grupos e resolvendo os problemas apenas da
poro da cidade ocupada pelos mesmos. O movimento de expanso da
cidade segundo as obras pblicas realizadas pelo Estado o mesmo
movimento da elite na cidade: Campos Elseos, Higienpolis, Vila Buarque,
Avenida Paulista, Jardim Amrica e Alto de Pinheiros, Morumbi, Jardim Leonor,
Jardim Guedala, Granja Viana e Alphaville.26 J data do incio do sculo,
portanto, a priorizao da regio oeste da cidade por parte do governo
municipal, o que repercutiu em expressiva valorizao imobiliria dessa rea
(ANDRADE, 1998:184).
Em diferentes pesquisas, os anos 40 aparecem como um marco do incio
da periferizao da cidade de So Paulo, bem como da difuso da casa
prpria entre a classe trabalhadora. Outra dcada recorrente nos estudos
urbanos a de 1980, na qual a economia mundial enfrentou sucessivas crises. O
empobrecimento dos trabalhadores aparece, ento, como empecilho para a
expanso do auto-empreendimento. nesse perodo que mais e mais
trabalhadores adotam a moradia irregular como ltimo recurso, sobretudo em
24 A Cia. City comprou glebas nos seguintes bairros: Bella Alliana, Alto da Lapa, Villa Romana, Pinheiros, Alto de Pinheiros, Butantan, Jardim America, Pacaembu e Villa Nova Tupy; todos na regio oeste da cidade (ANDRADE, 1998: 189). 25 O termo empreendedor imobilirio foi utilizado por FIX para caracterizar a ao da municipalidade nas obras do crrego gua Espraiada e na avenida Faria Lima. Isso porque a ncora dos investimentos foi realizada pelo Estado imobilizando fundos pblicos em longo prazo que assumiu os riscos do negcio, inclusive a possibilidade de no haver reembolso (FIX, 2001:117). 26 VILLAA, F., Espao intra-urbano no Brasil, So Paulo: Studio Nobel/Fapesp, 1998 apud FIX, 2001:128.
28
favelas. Dados do IBGE revelam que em 1973 1,1% da populao da capital
paulistana residia em favelas, j em 1993 20 anos depois esse nmero se
elevou para 19,1%, ou seja, 1 em cada 5 paulistanos27. Compem esse quadro,
ainda, o aumento do investimento pblico nos bairros perifricos (por presso de
organizaes civis) que repercutiu no encarecimento dos lotes e o crescimento
do crime violento e o medo (CALDEIRA, 1997:159). O que se assistiu na dcada
de 90 foi uma intensificao do processo de segregao espacial, que assumiu
caractersticas de auto-segregao concebida e administrada como territrios
exclusivos (SEABRA, 2004:193).
(...) a desigualdade social, ao inscrever-se no urbano, projeta-se como segregao socioespacial (SEABRA, 2004a:204).
Embora o discurso da violncia, generalizado pelos meios de
comunicao, seja ainda apontado como fonte de argumentos a respeito da
criao de condomnios fechados de toda sorte pela cidade, pertinente
apontar que a segregao social, nesses casos, um valor. Esse morar urbano
diferenciado cercado de verde, em uma vida de total calma e segurana
confere um status, cujo significado a elaborao de distncias sociais e a
afirmao de diferenas e desigualdades sociais (CALDEIRA, 1997:159). O
desejado isolamento da cidade de uma representao de cidade no se
concebe, entretanto, apenas pela localizao isolada do empreendimento,
igualmente necessria a presena de mo-de-obra barata para a realizao
das atividades ligadas segurana, limpeza, etc. (CALDEIRA, 1997:162). As
publicidades sobre os sistemas de seguranas preocupam-se enormemente em
descrever detalhadamente como se exercer o controle sobre esses
trabalhadores.
O que era caracterstico das cidades modernas, a diversidade de grupos
sociais se encontrando no espao pblico, passa a ser evitado nas cidades
contemporneas, bastando ajustar a arquitetura modernista s novas
demandas (CALDEIRA, 1997:175). Em FRGOLI JR. podemos encontrar uma
abordagem sobre a arquitetura modernista em que a mudana nos regimes de
acumulao relacionada s transformaes na produo do espao
urbano.28 Durante a vigncia do fordismo, assistimos difuso dos princpios
27 Conforme citado em CALDEIRA (1997:157). 28 Os autores apresentam como referncia o trabalho de HOLSTON (1993) a respeito de Braslia e as concepes modernistas.
29
modernistas, que continham propostas urbanistas abrangentes para a
construo de uma nova ordem urbana e, por conseguinte, social (FRGOLI JR.,
2000:21). A passagem do fordismo ao regime de acumulao flexvel29
acarretara mudanas no urbanismo: a desindustrializao imps s metrpoles
desenvolvidas a necessidade de concentrarem oferta de servios ligados ao
setor financeiro e ao lazer e turismo, o que se traduziu em aumento das
intervenes urbanas pontuais norteadas pelo mercado, tendo como pblico
preferencial as classes mdias e altas (FRGOLI JR., 2000:25).
O que se segue a esse processo o esvaziamento dos espaos pblicos, ou
a imposio de regras de uso excludentes com o intuito de impossibilitar
encontros indesejveis aos grupos que deles se apropriam, por vezes de forma
privada. A expanso do morar urbano de estilo defensivo, alm de evidncia
de um desejo das elites de se isolarem, traz como conseqncia um
empobrecimento das relaes sociais, dificultando a consolidao de uma
sociedade democrtica (CALDEIRA, 1997:175).
29 Interpretao apresentada por HARVEY (2004) em Condio ps-moderna.
30
3. A expanso do capital sobre o espao urbano30
A incorporao das vrzeas dos rios Tiet e Pinheiros compe, de forma
bastante significativa, o processo de expanso urbana da cidade de So Paulo.
A retificao desses cursos fluviais, ocorrida na primeira metade do sculo XX, foi
acompanhada de intensa valorizao de terrenos das margens dos rios (SEABRA,
1987). A instalao da Cidade Universitria, a construo dos bairros-jardim da
City, a incorporao do municpio de Santo Amaro, entre outros, demonstram
que essa regio foi alvo de inmeras intervenes, majoritariamente ligadas
elite da cidade. Foi durante a segunda metade do sculo XX que se formou o
vetor sudoeste de atrao de investimentos imobilirios no municpio de So
Paulo, expresso local de transformaes econmicas no sistema econmico
mundial atual. No entanto, as condies de formao desse setor foram dadas
pelo processo de urbanizao de So Paulo, ligado a diferentes fases da nossa
economia. Nas primeiras dcadas do sculo, os locais de moradia da elite
paulista comearam a avanar na direo oeste da cidade, movimento
impulsionado pela Cia City; enquanto que no municpio de Santo Amaro
encontravam-se fixadas famlias estrangeiras sobretudo de anglo-saxes e
alemes nas chcaras de recreio e vivendas que marcavam a paisagem da
regio. Esses dois exemplos revelam que o uso residencial marcou a expanso
sudoeste da cidade e foi s com a retificao do rio Pinheiros (anos 30), e a
posterior construo de suas avenidas marginais (anos 60), que se teve a
instalao de edificaes ligadas aos usos industrial e comercial. A Prefeitura do
municpio de So Paulo atuou em muitas reas, mas foi com os altssimos
investimentos no sistema virio da regio que o governo municipal marcou sua
presena. Mais recentemente, destacam-se o tnel sob o rio Pinheiros, a
abertura da Nova Faria Lima e o Complexo guas Espraiadas operao
que resultou em remoo de favelas e, conseqentemente, extensa
valorizao de terrenos da regio (FIX, 2001 e FRGOLI JR., 2000). As caractersticas
dessa ocupao do espao no se alteraram: forte preocupao
segregacionista e uso do poder pblico para garantir interesses privados.
30 Expresso retirada da dissertao de FUJIMOTO (1994:27).
31
a trajetria de expanso do Centro rumo ao vetor sudoeste realmente teria sido o resultado histrico de um nico processo a expanso da centralidade das elites , em perodos distintos (FRGOLI JR., 2000:41).
Algumas obras de infra-estrutura urbana marcam tal expanso, tais como a
retificao do rio Pinheiros, realizada pela Light, com conseqente
incorporao das vrzeas cidade, a inverso do fluxo deste curso fluvial e a
construo de suas vias expressas marginais. Posteriormente, houve a
construo do dreno do Brooklin e a abertura da avenida Lus Carlos Berrini,
uma oportunidade de aquisio de terrenos baratos aproveitada pela empresa
Bratke-Collet, que elaborou uma estratgia de construo em bloco como
forma de manter-se hegemnica na avenida. Nesta mesma dcada, 1970, a
construo do Centro Empresarial de So Paulo complementou a configurao
deste novo plo de investimentos imobilirios, cujo desenvolvimento j era
apontado como certo pela Richard Ellis31 em meados da dcada de 1980,
sendo fortemente impulsionado pela construo do eixo Faria Lima - Berrini e da
avenida gua Espraiada, na dcada de 1990 (FIX, 2001:130).
A Marginal do Pinheiros expandiu-se em meados dos anos 70 e foi duplicada em virtude do desenvolvimento da cidade em sua direo. Os grandes espaos ali existentes permitiram a construo de 300 mil m de escritrios, havendo 450 mil m j projetados. A rea possui um bom sistema de vias de comunicao, uma estrada de ferro em expanso, uma ligao com as linhas do metr na estao Pinheiros da Fepasa, reas de alta e mdia renda nas proximidades e trs shopping centers (dois j concludos Eldorado e Iguatemi e um em construo , o do Morumbi) (A CONSTRUO SO PAULO, n 1779, 1982:15-16).
Entretanto, a instalao de edifcios de escritrios ligados a atividades
tercirias tradicionais iniciou-se bem antes da formao de um plo de
investimentos na Marginal Pinheiros, e resultado da concentrao de
moradias de famlias abastadas, clientela disputada por mdicos, dentistas,
advogados, etc. Esse crescimento da populao urbana est atrelado ao
desenvolvimento industrial paulista, tanto no perodo inicial da industrializao
brasileira, no qual as fbricas de bens de consumo no-durveis multiplicaram-
se pela cidade, quanto nas fases posteriores em que a poltica
desenvolvimentista do Estado voltava-se para a atrao de investimentos
estrangeiros, com clara concentrao nos estados da regio Sudeste.
31 Empresa inglesa de consultoria em imveis comerciais.
32
A passagem da antiga cidade para a cidade industrial (quando a
acumulao proporcionada pela economia cafeeira permitiu que se
deflagrasse a nossa industrializao) marcou a formao de subrbios
residenciais, entre os quais Santo Amaro, caracterizado pela presena de boa
ligao viria com os bairros paulistanos e pela existncia de linha de bonde.
No auge dos investimentos pblicos e privados no setor secundrio paulista,
ocorrido nos anos 1950 e 1960, esse quadro j se apresentava bastante
evoludo, pois a construo da marginal Pinheiros atraiu a instalao de
indstrias, empresas de comrcio atacadista, comrcio varejista de grande
porte e edifcios de escritrios de grandes empresas (FUJIMOTO, 1994:26). , no
entanto, na mudana do regime de acumulao, iniciado na dcada de 1970,
que se reuniro as condies necessrias para a formao do plo de
investimentos imobilirios ligado s atividades tercirias modernas.
(...) o privilgio de circulao e a tendncia desconcentrao da atividade terciria so as condies fundamentais pelas quais se processar, no perodo recente, a expanso do capital sobre o espao urbano (her)dado e conseqentemente, a sua nova forma de (re)produo (FUJIMOTO, 1994:27).
A Regio Metropolitana de So Paulo tem perdido importncia relativa de
seu parque industrial, em relao s outras regies do estado, pelo
deslocamento das linhas de produo para novas reas de atrao do setor
industrial. Essa desindustrializao se fez acompanhada da reestruturao
industrial, na qual muitos postos de trabalho se extinguiram, resultando no
aumento da participao do setor tercirio no nmero de postos de trabalho
criados. O outro lado desse processo a concentrao crescente das
atividades tercirias desenvolvidas pelo setor industrial, como a gesto e
coordenao do capital, na metrpole paulistana.
(...) muitas sedes de indstrias (que se deslocam) permanecem na metrpole, sinalizando o fenmeno de desconcentrao (do setor produtivo) e centralizao do capital (CARLOS, 2004:51).
A urbanizao do quadrante sudoeste de So Paulo se fez com
concentrao de recursos pblicos investidos sobretudo em infra-estrutura
viria , presena de um conjunto de bairros residenciais da classe rica e de
ncleos de oferta de servios, como a Faria Lima e o Centro Empresarial, um
quadro que ajuda a explicar as razes da concentrao pontual das atividades
tercirias modernas nessa regio da metrpole; concentrao expressa pelos
33
edifcios corporativos. A possibilidade de incorporar terrenos com preos baixos
e a existncia de infra-estrutura viria sero motivos para a atrao do capital
financeiro, associado indstria da construo civil na realizao de projetos
imobilirios. Alm disso, no incio da dcada de 1990 entra em cena a
interferncia direta do poder pblico municipal, com a criao das Operaes
Urbanas um mecanismo capaz de liberar a rea construda residencial para o
crescimento do setor de servios em So Paulo (CARLOS, 2004: 61).
(...) os padres espaciais do espao de assentamento correspondem ao de foras profundas de organizao social (GOTTDIENER, 1993:18).
Esse novo espao produzido sob as exigncias das atividades
econmicas que nele se desenvolvem, como a articulao de redes de
circulao e de comunicao extremamente dinmicas, revelando, portanto,
uma mudana no modo de organizao econmica, no qual as
transformaes impostas pelo processo de urbanizao de So Paulo se somam
s novas exigncias do regime atual de acumulao capitalista.
A pesquisa de Mariana FIX (2003) investigou este novo eixo de negcios e
mapeou as torres de escritrios, com nfase na trajetria dos principais agentes
econmicos, dividida em quatro tempos:
[1977 a 1985]
Os bairros residenciais localizados nos arredores da Marginal Pinheiros,
como o Brooklin e a Chcara Julieta, foram o alvo das primeiras estratgias
imobilirias, sobretudo por haver ali estoque de terrenos a baixos preos e um
eixo virio de ligao com outras reas de escritrios.
So trs os casos mais emblemticos respectivamente: a) a construo do Centro Empresarial So Paulo (Cenesp), na Marginal Pinheiros; b) a produo monopolista do espao urbano, na Berrini, na construo da chamada Bratkelndia (torres de escritrios construdas pela empresa Bratke-Collet); c) a construo do edifcio Wilson Mendes Caldeira, em 1973, tambm na Marginal (FIX, 2003:41).
O Cenesp, conjunto de edifcios isolados, foi resultado da ao de um
conglomerado industrial, que decidiu atuar no setor imobilirio, criando, para
isso, uma incorporadora: a Lubeca Empreendimentos Imobilirios. Realizado em
muitas fases, o Cenesp funcionou, de incio, como sede das empresas do grupo
Bunge y Born. Diferentemente, a produo dos edifcios da Berrini teve imediato
impacto na formao de novo eixo de escritrios na metrpole. A estratgia da
34
Bratke-Collet consistiu em adquirir terrenos a baixo custo e construir grande
nmero de edifcios em curto espao de tempo: foram mais de cinqenta
edifcios lanados em uma mesma regio, no final dos anos 1970 (FIX, 2003:50).
[1986 a 1993]
Novas incorporaes, realizadas, em muitos casos, a partir da articulao
de empresas brasileiras e estrangeiras, tero os fundos de penso como
proprietrios. A Birmann, empresa responsvel pelos primeiros lanamentos do
Projeto Panamby, foi um dos destaques deste perodo, pois tentou reproduzir,
aqui em So Paulo, o modelo norte-americano de produo e gesto de
edifcios corporativos. Sua incorporao de maior destaque, neste perodo, foi o
So Paulo Office Park, um conjunto de 14 edifcios construdos na Granja
Julieta, ao sul da Berrini, rea onde ainda predominavam galpes industriais e
bairros residenciais, cuja propriedade pertence ao fundo de penso da IBM,
que viabilizou a construo dos edifcios a partir da apresentao, por parte da
Birmann, de uma promessa de locao futura (FIX, 2003:51-56).
Os fundos de penso, ao formarem suas carteiras imobilirias, tm como
objetivo duas componentes de ganhos a longo prazo: renda e valorizao
patrimonial. A renda derivada do aluguel e a valorizao patrimonial,
determinada por uma compra bem feita, em regio com bom potencial de
valorizao32 (FIX, 2003:57).
[1994 a 2000]
O sucesso do Plano Real, implicando em estabilidade monetria, o
controle do cmbio e as privatizaes das principais empresas pblicas,
aumentando a demanda por espaos de alto padro, formaram um cenrio
de grandes possibilidades de negcios para o setor imobilirio. So destaques
deste perodo, a Torre Norte do CENU, o Faria Lima Financial Center, a sede do
Bank Boston e o Birmann 29, que contaram com a participao de empresas
estrangeiras, seja na incorporao, na elaborao do projeto arquitetnico, na
construo, na administrao predial ou, ainda, na prospeco de grandes
locatrios, embora o processo de internacionalizao do setor imobilirio no
Brasil [seja] muito incipiente (FIX, 2003:70).
32 Outro fator de deciso para a entrada dos fundos de penso em um investimento imobilirio a possibilidade de ter a maioria das quotas e poder gerir o investimento. No Fundo de Investimento Imobilirio Panamby, Valia (fundo de penso da Vale do Rio Doce), Previ (do Banco do Brasil) e Petros (da Petrobrs) tm 2/3 do fundo.
35
O prolongamento da Avenida Faria Lima fez aumentar o estoque de
terrenos disponveis, melhorou a ligao viria da Berrini a bairros da zona oeste
e, acompanhado da Operao Urbana, que estipulava um permetro dentro
do qual passariam a valer novas regras sobre o que poderia ou no ser
construdo na rea, favoreceu a instalao de edifcios corporativos (FIX,
2003:72).
neste perodo, ainda, que os fundos de investimento imobilirio comeam
a ser criados, a partir de sua regulamentao, ocorrida em 1993. Para os fundos
de penso, os fundos de investimentos imobilirios trouxeram uma forma de os
investidores driblarem os limites impostos pela legislao que trata de
investimentos em imveis33 (FIX, 2003:75).
[2000 em diante]
Alguns negcios mal sucedidos e o teto de investimento em imveis
imposto pelo governo, uma tentativa de direcionar os recursos dos fundos para
outros setores da economia, so algumas das razes pelas quais os fundos de
penso diminuram sua participao em imveis, o que coincidiu com o fim das
privatizaes e a crise econmica mundial, implicando em uma retrao na
demanda por grandes lajes de alto padro34 (FIX, 2003:81).
O Panamby se insere nesta periodizao, pois a compra da Chcara
Tangar pela Lubeca, em 1986, se fez sob a inteno de implementar nela um
empreendimento imobilirio nos moldes daqueles que marcam a paisagem da
Berrini e do Plo Marginal, chamados megaprojetos, embora at a presente
data no tenha sido lanado nenhum edifcio comercial. Alm disso, a
participao de trs fundos de penso na gesto do empreendimento, por
meio da criao do Fundo de Investimento Imobilirio Panamby, tambm foi
uma soluo adotada em projetos do Plo Marginal.
33 O Panamby , neste sentido, exemplar, pois seus trs maiores compradores so fundos de penso. 34 A Birmann, empresa que comandou os lanamentos da gleba C do Panamby (lindeiros ao Parque Burle Marx), entrou em declnio, neste perodo, quando tentou iniciar um esquema de financiamento com emprstimo bancrio, acordado, poca, em dlares. (...) com a maxidesvalorizao do real a incorporadora precisou vender o Birmann 29 inteiro para pagar o emprstimo (FIX, 2003:80). Hoje, a Birmann no tem nenhum lanamento no Panamby, seus lotes foram devolvidos ao Fundo Imobilirio e um deles est sob controle da empresa Cyrela.
36
no meio do caminho tinha uma chcara
37
O que faz do Panamby um empreendimento de destaque dentro da Vila
Andrade? Trata-se de uma produo monopolista, na qual as caractersticas
dos empreendimentos da regio (imveis de alto padro de construo, com
forte aparelhagem de segurana e isolamento fsico ostensivo) encontram-se
maximizadas, pois seus gestores reunidos em um Fundo de Investimento
Imobilirio servem-se de estratgias diversas exatamente com este propsito,
uma condio para a valorizao das construes realizadas. O Projeto
Panamby foi possvel porque aquela rea guardou as poucas intervenes
humanas intocadas at o momento em que, constitudo um vetor de
investimentos, ganhou uma relevncia maior como reserva de valor. No
entanto, seu parcelamento no se efetivou sem resistncias, sobretudo por
parcela da populao organizada em funo de preocupaes ambientais,
que em So Paulo esto quase sempre associadas escassez de vegetao
arbrea e aos altos nveis de poluio do ar.
Os captulos seguintes descrevem o embate entre a Lubeca (antiga
proprietria dos terrenos) e os ambientalistas, assim como seu resultado,
ironicamente satisfatrio para os objetivos dos promotores imobilirios. Antes, fez-
se necessrio diferenciar as chcaras paulistanas para compreenso da
formao desta propriedade em tal localizao.
38
1. As chcaras da cidade
de um estudo sobre chcaras, de autoria de CANABRAVA (1953), que vem
um recorte sobre as transformaes urbanas na cidade de So Paulo,
interessando ao problema da incorporao das velhas chcaras ao espao
urbano de So Paulo. Em texto do incio da dcada de 1950, a autora prope o
estudo das chcaras como possveis marcos de uma evoluo urbana. A
mudana nas funes e na localizao das chcaras seria evidncia de
transformaes pelas quais passava a cidade de So Paulo. Ela aponta a
dcada de 1880 como o perodo de constituio da cidade moderna porque
justamente a partir dessa poca que a antiga cidade vai se transformar
graas intensificao da imigrao estrangeira, o desenvolvimento das
indstrias e a acumulao das fortunas provenientes do desenvolvimento da
cultura do caf no interior do Estado (CANABRAVA, 1953:98). As chcaras ainda
presentes nos bairros aristocrticos, como Campos Elseos, Vila Buarque e
Higienpolis, eram sobreviventes desse perodo sculo XIX que chegaram
dcada de 1950. As outras chcaras centrais foram loteadas dando origem a
residncias para a elite, como a chcara Dona Paulina, a chcara do Carvalho
e tambm a chcara do Penteado, onde a Universidade de So Paulo construiu
a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Concomitante a esse processo de
parcelamento das chcaras residenciais, na periferia da rea de construes
residenciais, formava-se outro tipo de chcara, ligada explorao intensiva
do solo por meio da cultura de legumes e verduras, de flores e de frutas
(CANABRAVA, 1953:98). Essas glebas pequenas em geral de propriedade de
imigrantes , cuja produo abastecia a populao da cidade, eram
encontradas em vrzeas de cursos fluviais, como dos ribeires Aricanduva e
Tatuap, e tambm prximas a divisores de gua, como o caminho de Santo
Amaro e do Aeroporto. Podia-se encontrar, ainda, chcaras de recreio
situadas nos arredores pitorescos da capital (El Dorado, Represa de Santo
Amaro, Cantareira), resultantes do deslocamento das chcaras tradicionais
aps a renovao urbana do incio do sculo (CANABRAVA, 1953:103). So as
chcaras de produo agrcola que serviro abertura de loteamentos
perifricos destinados classe trabalhadora, sobretudo nas regies leste e sul da
39
capital35, marcando o incio da metropolizao de So Paulo.
No a chcara tradicional que cede lugar nova chcara, j que era
possvel encontrar chcaras de produo agrcola em concomitncia com
chcaras de residncia e, ainda, com chcaras de recreio. Quando o
loteamento de chcaras j se mostrava uma atividade rentvel, registra-se,
ainda, a existncia de pequenas chcaras s margens do rio Aricanduva
dedicadas produo agrcola. Isso pde ocorrer porque a funo, a
localizao e a forma das chcaras ligam-se a um momento da produo do
espao urbano. As primeiras, descritas por CANABRAVA, correspondem
formao de um mercado urbano (frutas, verduras, legumes, etc.), as segundas
persistem em baldios urbanos e seus produtos so de comrcio local.
O Morumbi interligava-se com a regio de Santo Amaro, rea de chcaras
de recreio, pela Estrada Velha do Morumbi, uma das vias que limitavam a
Chcara Tangar, formada a partir da compra de vrios terrenos. O outro limite
se dava pela linha de nvel demarcada pela vistoria ad perpetuam rei
memoriam, que determinou o limite da enchente de 192936. Ela foi uma das
glebas beneficiadas pela obra de retificao do rio Pinheiros, realizada pela
Light, constituindo-se numa propriedade com perfil de chcara de recreio na
metade do sculo XX. Na verdade, a Chcara Tangar no era uma chcara
nos moldes do sculo XIX, nem mesmo do XX, pois se tratava da formao de
uma propriedade urbana (de uso residencial, cercada de amplos jardins e
mata), sendo necessrio concentrar a propriedade pela aquisio de lotes,
cuja localizao oferecia a possibilidade de habitar uma grande rea
arborizada, dentro do municpio de So Paulo, podendo ser acessada com
relativa facilidade.
35 Um dado interessante sobre o loteamento de glebas rurais diz respeito forma das chcaras: a frente era voltada para a via principal e o fundo para o curso dgua, conforme chama ateno Canabrava (1953:102) uma tradio brasileira, j que, segundo a prpria autora, as sesmarias eram medidas apenas na testada que se voltava para a via. Em pesquisa no CASE-3 (da Secretaria de Habitao do municpio), para a elaborao de meu trabalho de graduao, tive contato com os projetos de loteamentos aprovados pela Prefeitura na regio de So Mateus e em todos possvel identificar uma despreocupao do arquiteto em fazer uma proposta de insero dos cursos dgua. Como esses localizavam-se entre as glebas e, por conseguinte, entre os loteamentos (j que se pode aferir uma regra de que para cada chcara se originava um loteamento), os projetos eram voltados para as estradas (freqentemente localizadas nos divisores de sub-bacias hidrogrficas) e as ruas terminavam prximas margem dos rios e crregos, que acabavam por se transformar em divisas dos loteamentos. Naquela rea, muitos desses cursos dgua, que recebiam esgoto domstico e at resduos slidos, foram posteriormente canalizados e transformados em vias expressas, como o caso da avenida Aricanduva. 36 Informaes retiradas dos registros constantes na matrcula 199.194 do 11 Registro de Imveis, ficha 01.
40
2. A Chcara Tangar
A Chcara Tangar foi formada pelas sucessivas aquisies de stios e
chcaras (atravs das quais foi possvel formar uma propriedade de grandes
dimenses), realizadas por Francisco Pignatari dono de fbricas de purpurina,
minas de cobre no sul do pas e [de] uma fbrica de avies de aeroclube, os
Paulistinhas (NASSIF, 2004) , que planejou construir nela uma residncia para sua
primeira esposa, Nelita Alves Lima. Para isso, convidou Oscar Niemeyer,
responsvel pelo projeto arquitetnico37, e Burle Marx para projetar os jardins.
O lugar onde se instalaram a casa e o jardim para Francisco Pignatari, apresentava uma configurao de propriedade rural no interior da cidade de So Paulo. Esta espcie de chcara urbana tinha no seu interior um rio no canalizado, uma rea plana e outra de encosta. Na sua cobertura vegetal alternavam-se reas de florestas naturais (predominante), pomar e campo. (...) A documentao encontrada sobre a arquitetura e o jardim do pautas da magnitude da obra caso tivesse sido executada na sua totalidade. Em um estudo de 1955, provavelmente o primeiro para a rea, observa-se que a parcela seria dividida em trs zonas distintas: a da casa e seu entorno imediato e jardins, uma rea de pomar e de criaes de animais e outra que assumiria as dimenses de um grande parque. O tamanho da rea, portanto, determinou uns jardins trabalhados a diferentes escalas, aquela do jardim privado no entorno imediato da casa com ptios, terraos jardins, e a escala do parque, com reas florestadas, lagos, circuitos de caminhos, pomar e rea para exposio e criao de animais (OLIVEIRA, 2003).
As obras se iniciaram, mas no chegaram a ser concludas, pois logo em
seguida veio o divrcio do casal. Pignatari apaixonou-se por uma estrela de
Hollywood, fez uma longa viagem internacional e retornou ao pas casado com
outra mulher, a princesa Ira de Frstemberg. Assim, os planos de ocupao da
Chcara Tangar foram abandonados38; embora Pignatari tenha continuado a
adquirir terrenos vizinhos rea.
37 O projeto paisagstico deveria atender a necessidade de articular o avantajado volume da casa aproximadamente 8.000m de rea construda com o lugar e, simultaneamente, definir os acontecimentos da grande propriedade, que se queria configurar como um parque. Foram previstos, na residncia, sala de cine com cinemascope, duas piscinas, uma interna que seria aquecida e coberta por uma cpula desenhada por Pier Luigi Nervi e outra enorme externa, conformada por uma srie de hexgonos entrelaados, stand de tiro e, ainda, um escritrio com estacionamento prximo. Pode-se, portanto, deduzir que seu programa [da edificao] vinculava-se a trabalho, lazer, privacidade e ativa vida social (OLIVEIRA, 2003). 38 A residncia projetada por Niemeyer ficou no esqueleto e na dcada de 1990 foi demolida. J as obras relativas a um jardim lateral da casa foram retomadas e o prprio Burle Marx pde termin-lo, o qual foi incorporado ao parque pblico formado aps a aprovao do loteamento da chcara.
41
Tabela 3: Os terrenos que constituram a Chcara Tangar
RI39 velho RI novo
Data
transao Denominao Tamanho (m)
41.280 199.187 28/05/1951 Terreno no Porto Velho 229.250,00
53.521 199.188 29/04/1953 Terreno no Stio Tangar 44.057,56
46.727 24/03/1952 Seis casas e seu terreno -
55.249 199.189 18/08/1953 Estrada de Santo Amaro ao Morumbi 55.413,17
55.250 18/08/1953
59.331 199.190 25/02/1954 Terreno no Stio Porto Velho 38.985,00
61.619 199.191 26/06/1954 Terreno no Sto.Antonio do Porto Velho (Peninha) 15.365,00
79.399 199.192 29/05/1957 Trs casas e respectivo terreno - Estr. Morumbi 57.409,11
81.642 199.193 18/10/1957 Terreno no Stio Figueira Chata 8.760,00
171.280 199.194 17/12/1968 Terreno sem denominao especial 32.975,79
rea total 482.215,63 Fonte: 11 Registro de Imveis de So Paulo
Por quase 40 anos a Chcara Tangar foi propriedade do empresrio
Francisco Pignatari e aps sua morte, em 1977, passou a integrar seu esplio. O
terreno foi abandonado e permaneceu sem grandes intervenes at a
dcada de 90, pois sua venda foi interditada. Com o falecimento do nico
herdeiro, a rea foi adquirida pelo grupo argentino Budgeborn (Oliveira, 2003).
Em 2 de outubro de 1986, a propriedade foi vendida Lubeca S/A
Empreendimentos e Administrao, uma construtora criada pela Bunge y Born,
conhecida multinacional argentina de alimentos e fertilizantes, que j estava
presente na regio sul da cidade, s margens da marginal Pinheiros, pois as
sedes de suas empresas tinham sido reunidas no Centro Empresarial (dcada de
1970), obra realizada pela prpria Lubeca.
Foram contratados, em 1987, os escritrios Aflalo & Gasperini Arquitetos e
Kraf Planejamento Ambiental para a elaborao de um plano diretor que
fornecesse as diretrizes de ocupao do terreno, mesmo antes da aprovao
do projeto pela Prefeitura. Os elementos estruturais desse plano eram os
seguintes40:
1. Sistema virio
A chcara seria desmembrada com a construo de duas vias, de forma a 39 Nmero de matrcula no Cartrio de Registro de Imveis. 40 Segundo artigo publicado pela revista OBRA: PLANEJAMENTO E CONSTRUO (1993a). O Plano Diretor apresentado a diferentes rgos da Prefeitura, como o DEPAVE (Secretaria do Verde e do Meio Ambiente) e APROV (Secretaria de Habitao), encontra-se atrelado ao processo e no est acessvel a terceiros.
cortar o terreno em 3 glebas, denominadas A, B e C.
2. Espaos pblicos abertos
Pela legislao vigente, o desmembramento implicaria em reservar 15%
da propriedade a reas verdes pblicas e destinar 5% a uso institucional.41 O
levantamento da flora e da fauna da chcara levaram constituio de duas
reas de preservao permanente42, objeto de futura negociao com a
Prefeitura, durante a gesto da prefeita Luiza Erundina.
3. Setores de ocupao
O plano diretor propunha dois tipos de uso: residencial multifamiliar, voltado
para o Morumbi, e de servios e comrcio, voltado para a Marginal Pinheiros.
Este ltimo funcionaria como uma barreira acstica para os outros edifcios.
Foram previstos 22 prdios residenciais, 20 prdios comerciais e um hotel,
totalizando 43 edifcios (ROCHA, 1993).
Mapa 2: Os empreendimentos do Projeto Panamby
Croqui sem escala. Fontes: Trabalho de Campo (jul/2005 e mai/2006); ROCHA (1993).
Durante o mandato do prefeito Jnio Quadros, foi enviado Cmara de
Vereadores um ingnuo projeto-lei de abertura de ruas na Chcara Tangar
a bem do interesse pblico, para melhorar o sistema virio na regio (Leite,
1989). Aprovado, o Plano de Melhoramento Pblico do Projeto Panamby (lei
41 OBRA: PLANEJAMENTO E CONSTRUO (1993a).
42
42 Pelo projeto inicial da Lubeca seriam dois parques pblicos, de 62.500m2 e 10.500m2, e uma rea institucional de 14.000m2, totalizando 20% da rea total. (BIANCARELLI, 09/06/1989)
43
10.552, de 13 de junho de 1988) regulamentou a construo de todo o
arruamento do empreendimento.
Do imvel objeto desta matrcula [Chcara Tangar43], foi destacada a rea de 38.244,29m2, em virtude de desapropriao, conforme matrcula hoje aberta sob o n 216.313, a qual foi declarada de utilidade pblica para execuo dos seguintes melhoramentos pblicos: a)alargamento da Rua Itapaina, atual denominao da Estrada do Morumbi; b)abertura de via de ligao desde a Rua Itapaina at a Avenida Marginal Oeste do Rio Pinheiros; c)abertura de via de ligao desde a via mencionada no item b at o incio da Rua Deputado Larcio Corte, melhoramentos pblicos estes, aprovados pela Lei 10.552 de 13 de junho de 1988. (Averbao n 3, de 13/12/1988, constante na matrcula n 215.303 do 11 Registro de Imveis, ficha 2)
Esta desapropriao dividiu a Chcara Tangar em trs glebas, a saber:
GLEBA A, contendo nove casas com a rea de 170.539,80m2; GLEBA B com a
rea de 31.963,68m2 e GLEBA C, com a rea de 241.467,86m244. Assim, antes
mesmo que o projeto de parcelamento e loteamento da chcara tramitasse e
fosse julgado nos rgos pblicos, esta lei promovia a diviso da rea de
acordo com os planos da Lubeca, ento proprietria.
Falava-se que era em favor do interesse pblico, mas beneficiava o interesse privado. Vereador Maurcio Faria, do PT (LOURENO, 1989).
O traado das ruas fora projetado pelo escritrio de arquitetura Aflalo &
Gasperini, de acordo com seu Plano Diretor, e, embora a justificativa do
projeto-lei ressaltasse a relevncia da obra para o desafogamento do trfego
da regio, tudo ocorreu, exclusivamente, em funo dos interesses do
proprietrio. A vitria petista nas eleies municipais imps urgncia em fazer
valer o arruamento aprovado e, em novembro de 1988, a Lubeca pediu
autorizao Prefeitura para realizar as obras a suas expensas. A presso
para que o Departamento Estadual de Proteo de Recursos Naturais (DEPRN)
autorizasse a execuo do arruamento foi exercida pela prpria Prefeitura (na
figura do ento Secretrio de Vias Pblicas, Geraldo Borghetti), mesmo aps ter
sido notificada que a mata da Chcara Tangar no poderia ser derrubada,
por tratar-se de rea de preservao permanente (LEITE, 1989). Os argumentos
da Prefeitura eram todos relativos ao trfego, pois a rua Dona Helena de Morais
43 Durante o perodo em que a Chcara Tangar pertenceu famlia Pignatari, o imvel era composto de 8 registros no Cartrio de Imveis (conforme descrito na Tabela 3), situao que se modificou aps a aquisio pela Lubeca, quando os 8 registros foram fundidos em uma nica matrcula, de n 215.303, portanto, constituindo uma nica propriedade. 44 Averbao n 4 de 13/12/1988, constante na matrcula n 215.303 do 11 Registro de Imveis, ficha 2.
44
proporcionaria aos motoristas uma ligao direta entre a Marginal Pinheiros e a
avenida Giovanni Gronchi. Diante da insistncia, o DEPRN solicitou interferncia
da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), rgo do governo federal,
cujo parecer, de 23 de janeiro de 1989, foi favorvel implantao de um
empreendimento na rea45.
Mas foi o seguinte: se vou fazer um loteamento, isso regulado pela Lei 6.766, de 1979, que uma lei federal de parcelamento de solo. Preciso criar ruas pblicas dentro da rea e doar uma porcentagem para reas verdes, outra para reas institucionais, e se houver alguma mata significativa obrigatrio mant-la h doaes a fazer. Essa a lei, e se voc vai fazer um loteamento, sabe que normalmente 50% a 60% sero lotes, o resto, doao. Vamos supor que voc proprietria de uma rea, mas voc no tem interesse em mexer nela, e a Prefeitura quer unir uma rua a outra. Para fazer isso, vai fazer uma lei de melhoramentos, e a muda a situao, quer dizer que esse proprietrio vai ficar com dois lotes grandes, que vai ser desapropriado num trecho aqui. No tem nada de doao. (...) a Lubeca fez o seguinte: O projeto Panamby um condomnio fechado, uma matrcula s, mas se eles fossem fazer o loteamento, teriam de fazer a rea verde, institucional, o que iria diminuir em at 40% a sua rea lquida. Ento, politicamente fizeram uma lei de melhoramentos, bem no meio da Chcara Tangar, e no doaram nada. Deu aquela confuso, que se regularizou doando depois. O que aconteceu foi isso: fizeram a via no meio e criaram uma situao para lotear sem doar. (Odair Garcia Senra, diretor de incorporao da construtora Gafisa, In FIX, 2003:263-276).
De posse da autorizao, a Lubeca iniciou imediatamente as obras do
sistema virio. Quando foi solicitada a interferncia do Condephaat46 (rgo do
governo estadual) e do Conpresp47 (rgo municipal), as ruas j tinham sido
abertas e o desmatamento j era irreversvel; havia perigo de deslizamentos e o
trmino das obras acabou por ser autorizado, concretizando-se, assim, o
parcelamento da Chcara Tangar.
45 Nairio Serpa Simes, coordenador da SEMA, declarou apoio deciso do DEPRN por se tratar de exuberante macio florestal encravado no corao de So Paulo. (...) a lei bem clara quanto intocabilidade das reas de preservao permanente. Encaminhado o processo para a Coordenao de Ecossistemas, a Assistente Jurdica da SEMA, Maria M. dos Reis, entende como permanente a continuidade do tempo e no a intocabilidade ou carter de preservao absoluta. Este parecer foi agregado a uma recomendao por parte da Coordenao de Controle de Atividade de Impacto Ambiental favorvel ao Projeto Panamby, pois os impactos negativos gerados pelo empreendimento esto em sua quase totalidade contornados. H, ainda, um argumento que beira a ironia: criao de um ncleo habitacional em um centro urbano com grande carncia de moradia. (Documentos constantes no processo n 60.553 do DEPRN apud LEITE, 1989) 46 Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico do Estado de So Paulo. 47 Conselho Municipal de Preservao do Patrimnio Histrico, Cultural e Ambiental da Cidade de So Paulo.
45
3. Ambientalistas