59
Ano 1 (2012), nº 10, 6205-6263 / http://www.idb-fdul.com/ PROPORCIONALIDADE, PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS E RAZOABILIDADE NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Dalton Santos Morais 1 Sumário: 1. Introdução. 2. A indefinição sobre os contornos teórico-jurídicos da ponderação de princípios, da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. A proporcionalidade como regra constitucional para a solução de colisões entre direitos fundamentais. 4. A perspectiva procedimental da proporcionalidade. 4.1. A proporcionalidade em sentido estrito ou a ponderação de princípios uma das sub-regras procedimentais da proporcionalidade. 5. A distinção entre proporcionalidade (ponderação) e razoabilidade. 6. A pretensão de positivação da razoabilidade no projeto do novo CPC. 7. A pretensão de positivação da ponderação de provas ilícitas no anteprojeto de novo Código de Processo Civil. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas. Resumo: Ponderação de princípios ou direitos fundamentais e razoabilidade são institutos presentes na proposta legislativa de construção de um novo Código de Processo Civil brasileiro; já a proporcionalidade foi expressamente desconsiderada pela referida proposta legislativa. Tudo isso ocorre sem que a exposição de motivos tanto do anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas e o projeto substitutivo aprovado no 1 Mestre em direito processual pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em direito do Estado pela UGF/RIO e graduado em direito pela UERJ. Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Civil no Curso de Direito das Faculdades Espírito-Santenses FAESA. Autor de livros e artigos jurídicos. Procurador federal da Advocacia-Geral da União. E-mail: [email protected].

Proporcionalidade, Ponderação de Princípios e Razoabilidade No Projeto de Novo Código de Processo Civil Brasileiro

Embed Size (px)

DESCRIPTION

artigo

Citation preview

  • Ano 1 (2012), n 10, 6205-6263 / http://www.idb-fdul.com/

    PROPORCIONALIDADE, PONDERAO DE

    PRINCPIOS E RAZOABILIDADE NO PROJETO

    DE NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL

    BRASILEIRO

    Dalton Santos Morais1

    Sumrio: 1. Introduo. 2. A indefinio sobre os contornos

    terico-jurdicos da ponderao de princpios, da

    proporcionalidade e da razoabilidade. 3. A proporcionalidade

    como regra constitucional para a soluo de colises entre

    direitos fundamentais. 4. A perspectiva procedimental da

    proporcionalidade. 4.1. A proporcionalidade em sentido estrito

    ou a ponderao de princpios uma das sub-regras

    procedimentais da proporcionalidade. 5. A distino entre

    proporcionalidade (ponderao) e razoabilidade. 6. A pretenso

    de positivao da razoabilidade no projeto do novo CPC. 7. A

    pretenso de positivao da ponderao de provas ilcitas no

    anteprojeto de novo Cdigo de Processo Civil. 8. Concluso. 9.

    Referncias bibliogrficas.

    Resumo: Ponderao de princpios ou direitos fundamentais e

    razoabilidade so institutos presentes na proposta legislativa de

    construo de um novo Cdigo de Processo Civil brasileiro; j

    a proporcionalidade foi expressamente desconsiderada pela

    referida proposta legislativa. Tudo isso ocorre sem que a

    exposio de motivos tanto do anteprojeto apresentado pela

    Comisso de Juristas e o projeto substitutivo aprovado no

    1 Mestre em direito processual pela Universidade Federal do Esprito Santo,

    especialista em direito do Estado pela UGF/RIO e graduado em direito pela UERJ.

    Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Civil no Curso de Direito

    das Faculdades Esprito-Santenses FAESA. Autor de livros e artigos jurdicos. Procurador federal da Advocacia-Geral da Unio. E-mail:

    [email protected].

  • 6206 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Senado Federal traassem maiores consideraes sobre a

    abordagem dos institutos pelo novo CPC. Em que pese a

    conhecida complexidade de tais temas jurdicos

    contemporneos, parece-nos que o legislador processual est

    passando ao largo de tal complexidade e est encaminhando-se

    para aumentar ainda mais a insuficincia terico-jurdica a

    respeito de tais institutos, agora no mbito do direito processual

    civil. O presente trabalho, ainda que superficialmente, tem a

    pretenso de trazer luzes sobre estas pretenses legislativas do

    projeto de novo CPC, considerando essencialmente que nosso

    sistema jurdico baseado na precedncia normativa e

    axiolgica de direitos fundamentais ou de princpios.

    Palavras-Chave: Proporcionalidade. Ponderao. Princpios.

    Direitos Fundamentais. Robert Alexy. Razoabilidade. Processo

    civil.

    1. INTRODUO.

    Notadamente, o anteprojeto de lei do novo Cdigo de

    Processo Civil (CPC) e o projeto que lhe foi consecutivo no

    Senado Federal (Senado) foram permeados pelas ideias

    contemporneas de ponderao de princpios,

    proporcionalidade e razoabilidade.

    Isso se verifica pelo fato de o anteprojeto de CPC

    apresentado pela Comisso de Juristas e do projeto de novo

    CPC aprovado pelo Senado, no captulo sobre os princpios e

    garantias do processo civil, pretenderem positivar um chamado

    princpio da razoabilidade como um dos princpios constitucionais de especial importncia para todo o processo

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6207

    civil com a singular pretenso de harmonizar esse ramo do direito pblico brasileiro Constituio Federal de 1988

    (CF/88).

    Outra clara demonstrao de que o projeto de CPC foi

    influenciado pelos institutos da proporcionalidade e da

    razoabilidade decorre do pargrafo nico do art. 257 do

    anteprojeto de novo CPC, que apresentado pela Comisso de

    Juristas ao Senado, pretendia assegurar ao juiz o poder de

    admitir no processo civil provas obtidas por meios ilcitos,

    atravs de uma ponderao dos princpios e direitos fundamentais envolvidos.

    Ainda que as proposies legislativas pretendam regra

    institutos complexos como a proporcionalidade, a ponderao

    de princpios e a razoabilidade no mbito do processo civil

    brasileiro, infelizmente no possvel aferir da motivao da

    referida proposta legislativa sob que perfil terico se pretende

    atrelar a funo jurisdicional no mbito de tais institutos, pois

    tanto a exposio de motivos do anteprojeto apresentado pela

    Comisso de Juristas, como a do projeto de lei aprovado pelo

    Senado silenciam a respeito da concepo normativa e da

    aplicabilidade prtica dos institutos.

    Percebe-se, portanto, que apesar da pretenso da

    proposio legislativa de regular positivamente os referidos

    institutos, no h uma anlise - minimante superficial que seja -

    do legislador a respeito da compreenso terico-jurdica e

    argumentativa do que se compreende por ponderao de

    princpios, proporcionalidade e razoabilidade, muito menos

    como podem ser os institutos aplicados no direito processual

    civil brasileiro.

    Na verdade, resta clara a percepo de que ambas as

    proposies legislativas seguem a postura da doutrina e da

    jurisprudncia brasileira em tratar os referidos institutos sem

    uma delimitao mnima e essencial dos seus contornos

    terico-jurdicos e argumentativos, colaborando

  • 6208 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    consideravelmente para aprofundar a utilizao indiscriminada

    dos institutos da ponderao de princpios, da

    proporcionalidade e da razoabilidade no processo civil como

    meros topoi sob os quais se permitir o afastamento de direitos

    fundamentais sem o esforo constitucionalmente exigido para

    tanto.

    Obviamente, esse tipo de postura ir influenciar

    consideravelmente a utilizao dos institutos no mbito

    especfico do processo civil, vez que no se pode desconsiderar

    o fato de que a aplicao de institutos como a ponderao de

    princpios, a proporcionalidade e a razoabilidade pode dar-se

    tanto extra como endoprocessualmente, medida que colises

    entre direitos fundamentais podem ocorrem tanto no mbito da

    relao jurdica material (mrito), quanto no mbito da relao

    jurdica processual em que se concebe validade ao

    proferimento da tutela jurisdicional 2.

    A finalidade, portanto, do presente trabalho justamente

    lanar sugestes de ordem terico-jurdica e argumentativa

    acerca da empregabilidade dos institutos que o projeto de novo

    CPC pretende positivar, especialmente para impedir a sua

    utilizao indiscriminada, como se fosse possvel ao agente

    (magistrado) que tem a funo de prestar a funo estatal de

    jurisdio a qual, por definio, significa aplicar o direito vigente ao caso concreto conflituoso para o alcance da

    pacificao social - decidir com base em suas prprias

    convices pessoais e no nas convices estabelecidas pela

    ordem jurdica estabelecida que, alm de regular os conflitos

    sociais, tem por finalidade limitar as funes exercidas pelo

    2 A ttulo de exemplo e considerando-se que a celeridade processual foi normatizada

    como um direito fundamental no art. 5, LXXVIII da CF/88, com a redao dada

    pela Emenda Constitucional n 45/2004 (EC 45/04), veja-se que inmeras podem ser

    as ocorrncias em que o magistrado, no curso da presidncia da relao processual,

    precise decidir entre a razovel durao do processo e a observncia dos direitos

    fundamentais ao contraditrio e ampla defesa tambm assegurados no art. 5, LV

    da CF/88.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6209

    prprio Estado brasileiro.

    2. A INDEFINIO SOBRE OS CONTORNOS TERICO-

    JURDICOS DA PONDERAO DE PRINCPIOS, DA

    PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

    Ainda que a importncia contempornea de institutos

    como a ponderao de princpios, como a proporcionalidade e

    a razoabilidade conduza ao seu constante enfrentamento e

    manuseio pela doutrina e pela jurisprudncia brasileira, parece-

    nos que os institutos ainda no obteve contornos jurdico-

    argumentativos mais precisos, o que colabora para a sua

    utilizao indiscriminada, especialmente no exerccio da

    jurisdio, como apologia judicial ao afastamento puro e

    simples de direitos fundamentais ou de restries legalmente

    impostas a estes.

    Isso porque nos parece que a polissemia dos termos que

    designam os institutos da proporcionalidade 3, da razoabilidade

    3 A idia de proporo recorrente na Cincia do Direito. Na Teoria Geral do Direito fala-se em proporo como elemento da prpria concepo imemorial de

    Direito, que tem a funo de atribuir a cada um a sua proporo. No direito penal

    faz-se referncia necessidade de proporo entre culpa e pena na fixao dos

    limites da pena. No direito eleitoral fala-se em proporo entre nmeros de

    candidatos e o nmero de vagas como condio para a avaliao da

    representatividade. No direito tributrio menciona-se a obrigatoriedade de proporo

    entre o valor da taxa e o servio pblico prestado e a necessidade de proporo entre

    a carga tributria e os servios pblicos que o Estado coloca disposio da

    sociedade. No direito processual manipula-se a idia de proporo entre o gravame

    ocasionado e a finalidade a que se destina o ato processual. No direito constitucional

    e administrativo faz-se uso da idia de proporo entre o gravame criado por um ato

    do Poder Pblico e o fim por ele perseguido. E na avaliao da intensidade do

    gravame provocado fala-se em proporo entre vantagens e desvantagens, entre

    ganhos e perdas, entre restrio de um direito e promoo de um fim e assim por diante. A idia de proporo perpassa todo o direito, sem limites ou critrios.

    Ser, porm, que em todas essas acepes estamos falando do postulado da

    proporcionalidade? Certamente que no. O postulado da proporcionalidade no se

    confunde com a idia de proporo em suas mais variadas manifestaes. Ele se

    aplica apenas a situaes em que h uma relao de causalidade entre dois elementos

    empiricamente discernveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder

  • 6210 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    4 e da ponderao acarretam um baixo senso crtico de boa

    parte da doutrina e da jurisprudncia brasileira quanto

    conformao terico-argumentativa de tais institutos, vez que

    se resignam a adotar uma conceituao simplista da

    proporcionalidade como simples sinnimo da razoabilidade,

    sob a qual ambos os institutos, junto com a ponderao,

    definiriam uma mera proporo entre bens jurdicos em

    conflito, ou como tudo aquilo que enseja desde logo uma ideia de adequao, idoneidade, aceitabilidade, logicidade,

    equidade 5 ou como meros critrios para o alcance de decises aos trs exames fundamentais: o da adequao (o meio promove o fim?), o da

    necessidade (dentre os meios disponveis e igualmente adequados para promover o

    fim, no h outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o

    da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoo do fim

    correspondem s desvantagens provocadas pela adoo do meio?). (grifei) VILA, Humberto. Teoria dos princpios: da definio aplicao dos princpios

    jurdicos. 7.ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 161/162. 4 A natural vagueza terica do instituto nos Estados Unidos da Amrica e a ausncia

    de um esforo para caracterizar juridicamente o instituto da razoabilidade no direito

    brasileiro conduz inmeros intrpretes brasileiros a no realizarem uma limitao

    dos mltiplos significados a respeito do termo que designa o instituto.

    Mltiplos significados esses que conduziro o intrprete a uma inevitvel disperso

    do contexto tcnico-jurdico que envolve o instituto, pois, no realizada a limitao

    do instituto a este contexto, estar o intrprete perdido nas mais diversas linhas do

    conhecimento humano em que se pretende fundamentar comportamentos razoveis,

    tal como sustenta Juan Francisco Linares ao indicar os seguintes significados para a

    razoabilidade:

    (...) a) En la tcnica se habla de mdio razonables para obtener cierto fin. Es decir, se mienta una cierta racional adecuacin de medios a fines. Se trata, pois, de

    una razonabilidad tcnica. b) En axiologia jurdica se habla de razonabilidad

    cuando se busca el fundamento de los valores especficos del plexo axiolgico:

    solidaridad, cooperacin, poder, paz, seguridad, orden y se no habla en el valor de

    totalidad lhamado justicia. La justicia es asi racionalizadora de los otros valores.

    stos son razonables en cuanto se fundan en la justicia. c) En cincia del derecho la

    razonabilidad se presenta cuando se busca la razn suficiente de una conducta

    compartida. Esa razn puede ser de esencial, cuando la conducta funda en una

    norma jurdica: de existncia cuando el fundamento es el mero hecho de que el

    comportamiento jurdico se da: y de verdad cuando tiene fundamento de justicia. LINARES, Juan Francisco. Razonabilidad de las leyes: el debido proceso como

    garantia innominada en la Constitucin argentina. Buenos Aires: Astrea, 1970. p.

    108. 5 TOLEDO, Suzana de Barros. O princpio da proporcionalidade e o controle de

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6211

    justas ou equitativas 6.

    Esse tipo de postura inexoravelmente contribui para

    tornar os institutos meros lugares comuns (topoi) sob os quais

    se pode realizar desde o afastamento de uma pena arbitrria at

    o balanceamento ou a ponderao de direitos fundamentais,

    podendo-se incluir um sem-nmero de utilidades 7 para os

    institutos entre esses extremos, pois seus utilizadores - e agora

    at mesmo o legislador processual civil, conforme se

    demonstrar posteriormente entendem-se desobrigados da tarefa de definirem sob que prisma conceitual manejam os

    institutos em epgrafe.

    E essa indefinio terica a respeito de institutos como a

    proporcionalidade na doutrina acaba influenciado a

    jurisprudncia brasileira a no dar importncia necessidade

    de que cada julgador que aplique o instituto expresse a sua

    compreenso terica sobre ele, (...) sua compreenso sobre quais so os conflitos em relao aos quais a proporcionalidade

    poderia ser utilizada (situao de fato que permitiria a

    utilizao da regra) e sobre sua compreenso sobre como a

    proporcionalidade pode ser utilizada para solucionar um

    conflito na prtica 8.

    constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Braslia: Braslia

    Jurdica, 1996. p. 70. 6 AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A equidade no Cdigo Civil brasileiro.

    Revista Centro de Estudos Judicirios - CEJ. n 25. abr/jun. 2004 Braslia: Conselho

    da Justia Federal, 2004. p. 22. 7 Para exemplificar isso, veja-se que, de um tempo para c, a proporcionalidade pode

    ser considerada como um instituto jurdico bombril do direito brasileiro, pois, com mil e uma utilidades jurdicas, representaria uma verso contempornea e jurdica da

    bblica torre de babel (Gnesis 11; 6), em que todos constituem um s povo e falam uma s lngua jurdica. que, segundo certos autores, a proporcionalidade, enquanto princpio, ultrapassaria as fronteiras entre as diversas culturas jurdicas; percepo esta que teria sido confirmada em um seminrio com a presena de sete juzes de Cortes Superiores e Cortes Constitucionais de sete diferentes pases, no

    qual se examinou um caso fictcio encontraram rapidamente uma lngua comum a lngua do princpio da proporcionalidade(...). (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Gustavo Gonet Branco. Op. Cit. p. 324.) 8 OLIVEIRA, Bruno Silveira. Os princpios constitucionais, a instrumentalidade do

  • 6212 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Chega-se mesmo a importar uma teoria procedimental

    como a de Robert Alexy e conjug-la com uma viso

    tradicional sobre princpios existente na doutrina brasileira,

    ainda que isso importe em um inconcebvel sincretismo metodolgico 9, j que o conceito eminentemente estrutural de princpios como mandamentos de otimizao concebido pelo

    autor germnico no se coaduna com a clssica concepo de

    que os princpios seriam normas jurdicas dotada de maior grau

    de generalidade e fundamentalidade ao sistema jurdico

    brasileiro 10

    11

    . processo e a tcnica processual. In Revista de processo n 146. So Paulo: RT, 2007.

    p. 14. 9 AFONSO DA SILVA, Virglio. Princpios e regras: mitos e equvocos acerca de

    uma distino. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais no 01. Jan/Jun,

    2003. Belo Horizonte, Del Rey. p. 625. 10 Essa diferena entre os conceitos de princpio tem consequncias importantes na relao entre ambas as concepes. Essas consequncias, no entanto, passam muitas

    vezes despercebidas, visto que comum, em trabalhos sobre o tema, que se proceda,

    preliminarmente, distino entre princpios e regras com base nas teorias de

    Dworkin ou Alexy, ou em ambas, para que seja feita logo em seguida, uma tipologia

    dos princpios constitucionais, nos moldes das concepes que acima chamei de

    mais tradicionais. H, contudo, uma contradio nesse proceder. Muito do que as

    classificaes tradicionais chamam de princpio, deveria ser, se seguirmos a forma

    de distino proposta por Alexy, chamado de regra. Assim, falar em princpio do

    nulla poena sine lege, em princpio da legalidade, em princpio da anterioridade,

    entre outros, s faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critrios

    propostos por Alexy, essas normas so regras, no princpios. Todavia, mesmo

    quando se diz adotar a concepo de Alexy, ningum ousa deixar esses

    mandamentos fundamentais de fora das classificaes dos princpios para inclu-los na categoria de regras. (grifos do autor) Ibdem. p. 614. 11 Aqui importante ressaltar que apesar de no desconhecermos o enorme grau de

    esforo da doutrina administrativista brasileira para explanar sobre as ideias de

    razoabilidade e proporcionalidade neste ramo de nosso direito, especialmente no que

    tange possibilidade de controle judicial dos atos administrativos, no realizamos a

    anlise das doutrinas de direito administrativo sobre o tema justamente porque a se

    parte de um conceito de princpio completamente distinto daquele que concebido

    nas teorias de Robert Alexy e que fundamenta o presente trabalho.

    Por todos, veja-se BANDEIRA DE MELO, Celso Antnio. Discricionariedade e

    controle jurisdicional. 2.ed. So Paulo: Malheiros, 1998.; DI PIETRO, Maria Sylvia

    Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituio de 1988. 2.ed. So Paulo,

    Atlas, 2001; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6213

    Sim, porque uma vez que se adota um conceito

    alexeniano de princpios como mandamentos de otimizao,

    em que estes seriam normas estabelecedoras de que algo deve

    ser realizado na melhor medida do possvel e que,

    normalmente, tem sua efetivao obstada pela realizao de um

    outro princpio que lhe colidente, no seria possvel aplicar

    tal concepo de princpio sob a caracterizao tradicional de

    princpio como mandamento nuclear 12 do sistema jurdico, pelo simples fato de que, apesar de denominar todo direito

    fundamental como um princpio, Alexy no estabelece seu

    conceito de princpio com base na sua generalidade ou

    fundamentalidade, mas sim na estrutura normativa aberta da

    qual o seu conceito dotado 13

    .

    Alas, esse problema to grave no direito brasileiro

    contemporneo que se tem alegado que a teoria dos princpios

    teria sido transformada em um oba-oba constitucional na prtica jurdica brasileira, visto que teorias estrangeiras, mais

    precisamente a de Robert Alexy, tm sido distorcidas pelo no

    cumprimento do procedimento argumentativo racional e

    jusfundamentado necessrio ao afastamento de direitos

    fundamentais ou princpios durante, por exemplo, a aplicao

    da proporcionalidade em sentido estrito (ponderao ou

    sopesamento de princpios ou direitos fundamentais) 14

    15

    16

    .

    discricionariedade: novas reflexes sobre os limites e controle da discricionariedade.

    4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002; COELHO, Paulo Magalhes da Costa. Controle

    jurisdicional da administrao pblica. So Paulo: Saraiva, 2002. 12 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21.ed. So

    Paulo: Malheiros, 2006. p. 912. 13 AFONSO DA SILVA, Virglio. Op. Cit. Princpios e regras: mitos e equvocos

    acerca de uma distino. p. 612/613. 14 Sustenta-se que, apesar de reconhecerem e aplicarem, em boa medida, os

    posicionamentos de Robert Alexy (i) de que os direitos fundamentais possuem, em

    grande medida, estrutura de mandamentos de otimizao (princpios) que devem ser

    efetivados na melhor medida do possvel, dentro das possibilidades fticas e

    jurdicas que surjam no caso concreto; (ii) de que em um sistema comprometido

    com os valores normatizados pela Constituio freqente a ocorrncia de coliso

    entre direitos fundamentais, o que conduzir necessria relativizao dos mesmos;

  • 6214 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Nesse contexto de crticas utilizao indiscriminada de

    institutos como a proporcionalidade, George Marmelstein Lima

    ilustra anedota em que um rico fazendeiro ludibriava um dono

    de cassino e seus melhores crupis para sustentar que vigoraria

    entre ns, em relao ao referida instituto, uma chamada teoria

    da katchanga, j que:

    No fundo, a ideia de sopesamento/

    balanceamento/ ponderao/ proporcionalidade no

    est sendo utilizada para reforar a carga

    argumentativa da deciso, mas justamente para

    desobrigar o julgador de fundamentar. como se a

    e (iii) de que a ponderao ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido

    estrito) ser um procedimento indispensvel para a soluo de tais colises entre

    direitos fundamentais, os juristas brasileiros no tm observado os procedimentos

    destacados pelo autor germnico para aplicar a proporcionalidade, especialmente a

    utilizao de uma argumentao objetiva, racional e juridicamente fundamentada

    que afasta os vcios da subjetividade, da arbitrariedade e da irracionalidade na

    aplicao da referida regra na soluo de colises entre direitos fundamentais

    normatizados como princpios jurdicos.

    LIMA, George Marmelstein. Alexy Brasileira ou a Teoria da Katchanga.

    Disponvel em . Acesso em 16/02/2010. 15 Essa utilizao indiscriminada de institutos como a proporcionalidade tambm j

    havia sido detectada por outros renomados doutrinadores brasileiros, conforme se

    verifica pela arguta observao de lvaro Ricardo de Souza Cruz, segundo o qual:

    Mesmo porque o problema ganha propores de epidemia no Brasil: o princpio da proporcionalidade, cone da jurisprudncia de valores, se tornou a panacia para

    tudo. Ele empregado de forma to desenfreada que basta ao magistrado cit-lo para

    que considere pronta a fundamentao de sua deciso. No preciso detalhar nada.

    Se h incidncia de proporcionalidade, de certo se cumpriu a exigncia do art. 93,

    inciso IX de nossa Carta atual. CRUZ, lvaro Ricardo de Souza. Hermenutica jurdica e(m) debate: o

    constitucionalismo brasileiro entre a teoria do discurso e a ontologia existencial.

    Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 205. 16 No mesmo sentido Virglio Afonso da Silva aponta que:

    A invocao da proporcionalidade , no raramente, um mero recurso a um topos,

    com carter retrico, e no sistemtico. Em inmeras decises, sempre que se queira

    afastar alguma conduta considerada abusiva, recorre-se frmula a luz do princpio da proporcionalidade ou razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional. AFONSO DA SILVA, Virglio. O proporcional e o razovel. Revista dos Tribunais

    n 798. Abril/2002. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 31.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6215

    simples invocao do princpio da

    proporcionalidade fosse suficiente para tomar

    qualquer deciso que seja. O princpio da

    proporcionalidade a katchanga real! 17

    Constataes como essa fundamentam as crticas de que

    a utilizao de institutos como a proporcionalidade, a

    razoabilidade e a ponderao por nossos Tribunais d-se de

    maneira irracional, pouco transparente, arbitrria, subjetiva, antidemocrtica, imprevisvel, insegura e por a vai 18, medida que boa parte dos julgados que empregam os institutos

    no costumam observar a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparncia 19, ou porque no explicitam o conceito de proporcionalidade sob o qual se

    decide ou porque no justificam a aplicabilidade do instituto ao

    caso concreto 20

    .

    Nos raros casos em que isso acontece, falta coerncia

    terico-argumentativa deciso judicial, porque apesar de

    justificar-se a coliso de direitos fundamentais e a necessidade

    17 Segundo o autor, na referida anedota o fazendeiro no se submete a nenhum dos

    tpicos jogos de cassino e diz que somente jogar a Katchanga, hiptese em que o dono do cassino pe seus melhores crupis para jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles

    dominassem as tcnicas bsicas, tentariam extrair o mximo de dinheiro possvel

    dele.

    Na primeira mo, o fazendeiro deu as cartas e, do nada, gritou: Katchanga! E levou todo o dinheiro que estava na mesa.

    Na segunda mo, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.

    Assim foi durante a noite toda. Sempre o fazendeiro dava o seu grito de

    Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrdulos e confusos crupis. De repente, um dos crupis teve uma idia. Seria mais rpido do que o homem rico.

    Assim que as cartas foram distribudas, o crupi rapidamente gritou com ar de

    superioridade: Katchanga! J ia pegar o dinheiro da mesa quando o fazendeiro, com uma voz mansa mas

    segura, disse: Espere a. Eu tenho uma Katchanga Real!. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa... 18 LIMA, George Marmelstein. Op. Cit. 19 LIMA, George Marmelstein. Op. Cit. 20 PEREIRA, Bruno Ramos. Op. Cit. p. 14.

  • 6216 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    de sua consequente relativizao, deixa-se de fundamentar consistentemente a escolha pelo direito que dever prevalecer na referida coliso

    21.

    Diante desse quadro torna-se essencial - ainda que

    superficialmente 22

    - fazermos a caracterizao dos institutos da

    proporcionalidade, da ponderao de princpios e da

    razoabilidade, vez que, se por um lado, tais institutos so

    inexorveis s ordens jurdicas contemporneas baseadas na

    precedncia axiolgica e normativa dos direitos fundamentais,

    por outro lado sua adequada configurao essencial

    atribuio de racionalidade e controlabilidade exigida por

    sistemas jurdicos que se pretendem minimamente organizados

    e baseados na ideia de Estado democrtico constitucional de

    direito.

    At porque a prpria legitimidade da aplicabilidade dos

    referidos institutos depende dessa sua conformao terica,

    pois, como bem ensina Humberto vila, no s o rigor

    metodolgico e a especificidade do discurso jurdico assim o

    exigem, mas tambm porque no aceitvel confundir exames concretos diferentes pelo uso unificado de uma s

    expresso ou pelo uso alternativo de vrias expresses para designar-se a proporcionalidade, a razoabilidade e a

    ponderao como sendo institutos idnticos 23

    .

    3. A PROPORCIONALIDADE COMO REGRA

    CONSTITUCIONAL PARA A SOLUO DE COLISES

    ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

    21 LIMA, George Marmelstein. Op. Cit. 22 Para uma anlise mais profunda do tema, veja-se MORAIS, Dalton Santos. A

    proporcionalidade no processo civil brasileiro luz da teoria do direito de Robert

    Alexy e o dever de fundamentao das decises judiciais. Dissertao de Mestrado

    em Direito Processual. Maio, 2011. Universidade Federal do Esprito Santo PPGDIR/UFES.No prelo. 23 VILA, Humberto. Op. Cit. Teoria dos princpios. p.175/179.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6217

    Ainda que no se possa apropriar-se da definio de

    termos jurdicos, no se pode desconsiderar que a doutrina

    constitucionalista brasileira reconhece e aplica, em boa medida,

    os posicionamentos de Robert Alexy (i) de que os direitos

    fundamentais possuem, em grande medida, estrutura de

    mandamentos de otimizao (princpios) que devem ser

    efetivados na melhor medida do possvel, dentro das

    possibilidades fticas e jurdicas que surjam no caso concreto;

    (ii) de que em um sistema comprometido com os valores

    normatizados pela Constituio freqente a ocorrncia de

    coliso entre direitos fundamentais, o que conduzir

    necessria relativizao dos mesmos; e (iii) de que a

    ponderao ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em

    sentido estrito) ser um procedimento indispensvel para a

    soluo de tais colises entre direitos fundamentais 24

    .

    Diante disso perfeitamente possvel adotar a teoria do

    direito do autor germnico para configurar, normativamente, a

    proporcionalidade como uma decorrncia lgica do

    estabelecimento de direitos fundamentais como normas

    principiolgicas, sendo despiciendo tentar fundamentar o

    referido instituto em uma ou outra disposio do texto

    Constitucional 25

    26

    .

    Fundamentando-se na jurisprudncia do Tribunal

    Constitucional Federal alemo (TCF), Robert Alexy entende

    24 LIMA, George Marmelstein. Op. Cit. 25 Uma das teses centrais da Teoria dos Direitos Fundamentais a de que essa definio implica a mxima da proporcionalidade, com suas trs mximas parciais

    as mximas da adequao, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito , e que a recproca tambm vlida, ou seja, que da mxima da proporcionalidade decorre logicamente o carter principiolgico dos direitos

    fundamentais. (grifei) ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virglio Afonso da Silva.

    So Paulo: Malheiros, 2008. p. 588. 26 A despeito da opinio de inmeros juristas da mais alta capacidade, entendo que a busca por uma fundamentao jurdico-positiva da regra da proporcionalidade,

    uma busca fadada a ser infrutfera. (grifei) AFONSO DA SILVA, Lus Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p. 43.

  • 6218 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    que o emprego da proporcionalidade na coliso entre direitos

    fundamentais decorre da imprescindvel natureza de

    mandamentos de otimizao destes, vez que a efetivao dos

    direitos fundamentais depende da relativizao das

    possibilidades fticas e jurdicas das normas em conflito;

    relativizao esta que, em relao s possibilidades fticas,

    caber s submximas da adequao e da necessidade, e, em

    relao s possibilidade jurdicas, caber submxima da

    proporcionalidade em sentido estrito 27

    .

    De ver-se, portanto, que para o autor germnico o

    fundamento da proporcionalidade, enquanto mxima para a

    soluo de colises entre direitos fundamentais, decorre da

    prpria estrutura destes como princpios enquanto mandamentos de otimizao -, vez que tais direitos no podem

    ser estabelecidos como posies definitivas, mas sim como

    posies prima facie que devem ser efetivadas de acordo com

    as possibilidades fticas e jurdicas existentes no caso concreto

    em se evidencie sua coliso 28

    29

    .

    exatamente essa relao entre a proporcionalidade e os

    direitos fundamentais estruturados como princpios ou

    mandamentos de otimizao que no pode conduzir o intrprete jurdico a identific-la como um princpio

    constitucional no pelo menos na teoria de Robert Alexy -, vez que o prprio autor germnico faz questo de denominar a

    27 AFONSO DA SILVA, Lus Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p.

    117/118. 28 Como um princpio de direito fundamental exige a proteo mais abrangente

    possvel do bem constitucionalmente protegido, segundo Alexy possvel afirmar

    que uma restrio ao bem protegido uma restrio ao direito prima facie declarado

    por um direito fundamental, hiptese em que as restries a direitos fundamentais

    podem ser conceituadas como normas que restringem uma posio prima facie de direito fundamental. ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 281. 29 A exigibilidade da regra da proporcionalidade para a soluo de colises entre direitos fundamentais no decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas

    da prpria estrutura dos direitos fundamentais. (grifo do autor) AFONSO DA SILVA, Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p. 43.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6219

    proporcionalidade como sendo uma mxima e no um princpio, evidenciando assim que a proporcionalidade por ele utilizada como instrumento de operacionalizao do

    sopesamento entre razes e contrarrazes para a incidncia da

    proteo constitucional ao direito fundamental prevalente no

    pode ser confundida com o que boa parte da doutrina chama de

    um princpio-norma da proporcionalidade.

    Virglio Afonso da Silva, na sua nota como tradutor de

    obra de Robert Alexy para a lngua portuguesa, ressalta que foi

    exatamente isso que o levou a utilizar-se do termo mxima em lngua portuguesa para referir-se proporcionalidade:

    deixar clara a distino feita por Alexy em sua obra original em

    alemo 30

    .

    Nesse intento o professor paulista demonstra que Alexy

    no se utilizou do termo alemo prinzip para referir-se proporcionalidade, mas sim do termo alemo grundsatz justamente para afastar da proporcionalidade a natureza de

    norma-princpio recorrentemente por ele denominada em

    alemo como prinzip na sua obra original em alemo 31. O que aparentemente seria uma mera banalidade

    lingustica, pode, na verdade, representar graves

    impropriedades terminolgicas quando se traduz o termo

    grundsatz utilizado por Robert Alexy para se referir proporcionalidade como normalmente se traduz o referido

    termo do alemo para outras lnguas, ou seja, como

    princpio, sem se observar que o referido autor germnico teve o cuidado de diferenciar a denominao da

    proporcionalidade mediante a utilizao dos termos

    grundsatz e prinzip em sua obra original em alemo: este para os princpios-norma e aquele para a proporcionalidade.

    Impropriedade essa que se verifica da traduo de

    30 AFONSO DA SILVA, Virglio. Nota do tradutor. p. 10/11. In ALEXY, Robert.

    Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 09/13. 31 Ibdem.

  • 6220 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    escritos de Robert Alexy para o ingls em que a expresso em

    alemo Grundsatz der Verhltnismigkeit traduzida para principle of proporcionality 32 33 e na doutrina brasileira pela obra de Lus Afonso Heck em que se traduz aquela expresso

    germnica utilizada por Robert Alexy para princpio da proporcionalidade 34.

    Parece-nos que Virglio Afonso da Silva tem razo ao

    fazer a referida crtica a tais posicionamentos, pois quando

    verificamos a obra original do autor em alemo 35

    36

    ,

    32 Ver a traduo de Stanley L. Paulson em ALEXY, Robert. Balancing,

    constitutional review, and representantion. p. 572/573. In I-CON. v.3. Number 4.

    Oxford University Press and New York University Scholl of Law, 2005. p. 572/581. 33 Em sentido semelhante, quanto traduo de Grundsatz der Verhltnismigkeit para principle of proporcionality, ver tambm a traduo de Bonnie Litschewski Paulson e Stanley L. Paulson em ALEXY, Robert. On the

    Structure of Legal Principles. Trad.. p. 294 e 297. In Ratio Juris. V. 13. No. 3.

    Setembro, 2000. p. 294/304. 34 ALEXY, Robert. Ponderao, jurisdio constitucional e representao. Trad.

    Luis Afonso Heck. p. 156. In ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad.

    Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 155/165. 35 Em sua obra em alemo, ao se referir ponderao, Alexy assim se pronuncia:

    1. Abwgung. Eines der Hauptthemen der gegenwrtigen Debatte ber die

    Grundrechtsinterpretation ist die Abwgung. Die Abwgung spielt in der aktuellen

    Praxis vieler Verfassungsgerichte eine zentrale Rolle. Im deutschen

    Verfassungsrecht ist sie ein Teil dessen, was durch ein umfassenderes Prinzip

    gefordert wird. Dieses umfassendere Prinzip ist der Grundsatz der

    Verhltnismigkeit. Dieser besteht aus drei Teilgrundstzen: denen der Geeignetheit, der Erforderlichkeit und der Verhltnismigkeit in engeren Sinne. Alle drei Teilgrundstze sind Ausdruck der Idee der Optimierung. Grundrechte im

    Lichte des Verhltnismigkeitsgrundsatzes zu interpretieren bedeutet, sie als Optimierungsgebote, das heit als Prinzipien im normtheoretischen Sinne, und nicht als bloe Regeln, zu behandeln. Als Optimierungsgebote sind Prinzipien Normen, die gebieten, dass etwas in einem relativ auf die rechtlichen und die tatschlichen

    Mglichkeiten mglichst hohen Mae realisiert wird (Alexy 1996: 75). Die Teilgrundstze der Geeignetheit und der Erforderlichkeit betreffen die

    Optimieurung relative auf die tatschlichen Mglichkeiten. Sie sind damit Ausdruck

    der Idee der Pareto-Optimalitt. Der dritte Teilgrundsatz, der Grundsatz der

    Verhltnismigkeit im engeren Sinne, betrifft die Optimierung relativ auf die rechtlichen Mglichkeiten. Die rechtlichen Mglichkeiten werden wesentlich durch

    gegenlufige Prinzipien bestimmt. Der fr das Verhltnis von Abwgung und

    Verhltnismigkeitsprfung entscheidende Punkt ist, dass die Abwgung aus nichts

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6221

    perfeitamente possvel perceber a clara inteno do autor

    germnico em distinguir a proporcionalidade daquilo que ele

    conceitua como uma espcie de norma principiolgica, vez que

    o autor denomina estas como Prinzip e aquela como anderem besteht als aus der Optimierung relativ auf gegenlufige Prinzipien. Der

    dritte Teilgrundsatz enthlt damit ein Abwgungsgebot. Es kann in folgende Regel

    gefasst werden:

    Je hber der Grad der Nichterfllung oder Beeintrchtigung des einen Prinzips ist,

    desto grer muss die Wichtigkeit der Erfllung des anderen sein. Diese Regel kann als Abwgungsgesetz bezeichnet werden (Alexy 1996: 146). ALEXY, Robert. Abwgung, verfassungsgerichtsbarkeit und Reprsentantion. p.

    250. In Politik und Recht: PVS Politische Vierteljahresschrift. Sonderhelft 36. Michael Becker, Ruth Zimmerling (Hrsg). August, 2006. P. 250/258. Disponvel em

    Acesso em

    18/11/2010. 36 Pode-se traduzir o trecho da obra original em epgrafe na nota anterior do seguinte

    modo:

    1. Ponderao. Um dos temas principais do debate atual sobre a interpretao dos direitos

    fundamentais a ponderao. A ponderao desempenha, na prtica atual de muitos

    tribunais constitucionais, um papel central. No direito constitucional alemo, ela

    uma parte daquilo que exigido por um princpio mais amplo. Esse princpio mais

    amplo a mxima da proporcionalidade. Essa consiste de trs mximas parciais: a

    da adequao, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Todas as

    trs mximas parciais so expresso da idia de otimizao. Interpretar direitos

    fundamentais luz da mxima da proporcionalidade significa trata-los como

    mandamentos de otimizao, ou seja, como princpios no sentido terico-normativo

    e no como meras regras. Como mandamentos de otimizao, princpios so normas

    que ordenam que algo seja realizado em medida to alta quanto possvel

    relativamente s possibilidades jurdicas e fticas (Alexy 1996:75).

    As mximas parciais da adequao e da necessidade concernem otimizao

    relativamente s possibilidades fticas. Elas so, assim, expresso da otimizao de

    Pareto. A terceira mxima parcial, a mxima da proporcionalidade em sentido

    estrito, concerne otimizao relativamente s possibilidades jurdicas. As

    possibilidades jurdicas so determinadas essencialmente por princpios em sentido

    contrrio. O ponto decisivo para a relao de ponderao e o exame da

    proporcionalidade que a ponderao compe-se de nada mais que da otimizao

    relativamente a princpios em sentido contrrio. A terceira mxima parcial contm,

    assim, um mandamento de ponderao. Ele pode ser formulado na regra seguinte:

    Quanto maior o grau de no-cumprimento ou prejuzo de um princpio, tanto maior

    deve ser a importncia do cumprimento do outro.

    Essa regra pode ser designada como lei de ponderao (Alexy 1996: 146). (traduo livre)

  • 6222 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Grundsatz, sendo esta subdividida naquilo que o autor germnico chama de submximas da adequao, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, -

    Teilgrundstzen der Geeignetheit, der Erforderlichkeit und der Verhltnismigkeit in engeren Sinne - e no como subprincpios, pois se assim pretendesse o autor ele os

    denominaria em alemo como Teilprinzip. Muito alm de uma mera verificao lingustica, tal

    distino terminolgica empregada por Alexy extremamente

    coerente com a sua teoria dos princpios e da

    proporcionalidade, medida em que, ao invs de ser um

    mandamento de otimizao realizvel na maior medida do possvel, de acordo com o seu sopesamento em relao a um

    outro princpio-norma que lhe seja contraditrio no caso

    concreto, a proporcionalidade no pode ter os seus sub-

    elementos - adequao, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito - sopesados contra algo, pois sob seu exame deve se verificar se eles foram satisfeitos ou no durante o

    processo de sopesamento dos princpios de direitos

    fundamentais colidentes 37

    .

    Pode-se verificar, portanto, que, sob uma teoria de

    princpios como a estabelecida por Robert Alexy, no se pode

    considerar a proporcionalidade como um princpio-norma,

    porque no h qualquer possibilidade de sua concretizao

    gradual, pois, diferentemente dos princpios-norma, a aplicao

    da proporcionalidade, ainda que trifsica, no se submete s

    possibilidades fticas e jurdicas reinantes no caso concreto,

    mas as instrumentaliza para permitir que o juiz possa decidir

    pela prevalncia integral ou parcial de um ou de outro direito

    fundamental em coliso; hiptese em que a proporcionalidade

    aplicada mediante subsuno 38

    39

    . 37 ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 117. 38 AFONSO DA SILVA, Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p. 26. 39 Lembremo-nos que, na teoria de Robert Alexy, as regras so aplicadas mediante

    subsuno e os princpios, enquanto mandamentos de otimizao, devem ser

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6223

    Assim, parece-nos que a proporcionalidade, enquanto

    instrumento para soluo de colises entre direitos

    fundamentais, no pode ser definida como um princpio, vez

    que a mesma no pode produzir efeitos em variadas medidas,

    devendo ser considerada como uma regra medida que sua

    aplicao d-se de forma constante, pois, no mbito das

    restries a direitos fundamentais, a proporcionalidade uma

    regra de interpretao e aplicao do direito (...) empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a

    promover a realizao de um direito fundamental ou de um

    interesse coletivo, implica a restrio de outro ou outros

    direitos fundamentais 40 41. (grifei) Tal posicionamento assentado de maneira precisa pelo

    prprio Robert Alexy, vez que, na sua teoria de direitos

    fundamentais, para afastar a pretenso de denominar-se a

    proporcionalidade como um princpio-norma, o autor evidencia

    o enquadramento dos sub-elementos da proporcionalidade na

    categoria de normas-regras 42

    43

    .

    aplicados na melhor medida das possibilidades fticas e jurdicas, mediante a

    utilizao da mxima da proporcionalidade. 40 Ibdem. p. 24. 41 O professor paulista manteve a posio em obra mais recente, pois continua

    entendendo que o sopesamento apenas um dos instrumentos abrangidos pela regra da proporcionalidade. AFONSO DA SILVA, Virglio. A constitucionalizao do direito: os direitos

    fundamentais nas relaes entre particulares. So Paulo: Malheiros, 2008. p. 161. 42 A mxima da proporcionalidade com freqncia denominada princpio da proporcionalidade. Nesse caso, no entanto, no se trata de um princpio no sentido aqui empregado. A adequao, a necessidade e a proporcionalidade em sentido

    estrito no so sopesadas contra algo. No se pode dizer que elas s vezes tenham

    precedncia, e s vezes no. O que se indaga , na verdade, se as mximas parciais

    foram satisfeitas ou no, e sua no-satisfao tem como conseqncia uma

    ilegalidade. As trs mximas parciais devem ser, portanto, consideradas como

    regras. (grifei) ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 117. 43 O autor germnico, inclusive, referenda esse posicionamento mais recentemente

    quando afirma que a proporcionalidade em sentido estrito, enquanto submxima da

    proporcionalidade, um mandamento de ponderao que pode ser formulado na

    seguinte regra quanto maior o grau de no-cumprimento ou prejuzo de um

  • 6224 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Portanto, se se adota a teoria dos princpios de Robert

    Alexy, a proporcionalidade pode ser definida, no mbito de sua

    perspectiva normativa, como uma regra 44

    constitucional que,

    derivada da instituio dos direitos fundamentais mediante

    normas constitucionais realizveis na melhor medida do

    possvel, teria a funo de aferir as possibilidades fticas e

    jurdicas sob as quais deve um direito fundamental prevalecer

    em detrimento de outro dotado da mesma natureza

    constitucional no caso concreto.

    4. A PERSPECTIVA PROCEDIMENTAL DA

    PROPORCIONALIDADE.

    Sustentando a necessidade de que a argumentao

    utilizada para as decises jurdicas deve basear-se em padres

    jurdicos j estabelecidos, eis que deve estar vinculada s leis e

    aos precedentes e tem de observar o sistema de direito

    elaborado pela dogmtica jurdica 45

    , Alexy propugna a

    necessidade de justificao interna e externa da correo das princpio, tanto maior deve ser a importncia do cumprimento do outro, podendo essa regra ser denominada como a sua lei de ponderao. No original: () Der dritte Teilgrundsatz enthlt damit ein Abwgungsgebot. Es kann in folgende Regel gefasst werden:

    Je hber der Grad der Nichterfllung oder Beeintrchtigung des einen Prinzips ist,

    desto grer muss die Wichtigkeit der Erfllung des anderen sein. Diese Regel kann als Abwgungsgesetz bezeichnet werden (Alexy 1996: 146). ALEXY, Robert. Abwgung, verfassugsgerichtsbarkeit und Reprsentantion. Op.

    cit. p. 250. 44 (...) a proporcionalidade no constitui princpio no sentido dado a esse ltimo por tericos do direito como Robert Alexy. Para quem adota a bipartio entre regras e

    princpios, a proporcionalidade apresenta muito mais natureza de regra do que de

    princpio. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais.

    2.ed. 2.tir. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 161. 45 If one wants to express this in a short formula, it can be said that legal argumentation is bound to statutes and to precedents and has to observe the system

    of law elaborated by legal dogmatics. ALEXY, Robert. The especial case thesis. Ratio juris n 04. v. 12. Dez/1999. p.

    375.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6225

    decises jurdicas 46

    com o objetivo de justificar racionalmente

    os enunciados normativos por elas aplicveis 47

    aos demais

    intrpretes, de forma a conferir legitimidade e controlabilidade

    deciso assim produzida.

    Estabelece-se, ento, que a estrutura de justificao de

    uma dada deciso jurdica deve dar-se por meio de regras

    procedimentais pelas quais se permita aferir a racionalidade da

    deciso tomada, eis que uma teoria dos princpios conduce a estructuras de argumentacin racional 48 sob as quais se permite solucionar as colises entre direitos fundamentais.

    Reconhecendo que os direitos fundamentais nem sempre

    se encontram determinados pelo dispositivo constitucional que

    o positiva e que aqueles direitos tero natureza de princpios,

    medida que deve ser buscada a sua tima efetivao, de acordo

    com as possibilidades fticas e jurdicas existentes na

    conjuntura sob a qual ser tomada a deciso pelo intrprete e

    aplicador do direito, Alexy estabelece um conjunto de regras

    constitucionais sob o qual ser possvel determinar, racional e

    justificadamente, se as possibilidades fticas e jurdicas

    existentes permitem a prevalncia de um dado direito

    fundamental em detrimento de outro direito dotado da mesma

    natureza constitucional.

    Esse conjunto de regras constitucionais componentes da

    proporcionalidade, e decorrentes da prpria estruturao dos

    direitos fundamentais como normas-princpios 49

    dotadas de 46 ALEXY, Robert. Teoria da argumentao jurdica. Trad. Zilda Hutchinson Schild

    Silva. So Paulo: Landy Editora, 2001. p. 218/225. 47 LARRAAGA, Pablo. Sobre la teoria del derecho de Robert Alexy. Revista de

    Teora y Filosofa del Derecho n 1. 1994. Disponvel em <

    http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01338308644248274088802/p0

    000015.htm>. Acesso em: 21/06/2009. p. 220. 48 ALEXY, Robert. Sistema jurdico, princpios jurdicos y razn prtica. Trad.

    Manuel Atienza. Doxa n 05. 1998 p. 139/151. Disponvel em <

    http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12471730982570739687891/cu

    aderno5/Doxa5_07.pdf>. Acesso em: 21/06/2009. p. 147/148. 49 J se deu a entender que h uma conexo entre a teoria dos princpios e a mxima da proporcionalidade. Essa conexo no poderia ser mais estreita: a natureza dos

  • 6226 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    evidente relatividade, constitui-se em uma estrutura

    procedimental apta a conferir racionalidade

    intersubjetivamente controlvel deciso jurdica, segundo a

    qual se faz prevalecer um dado direito fundamental em uma

    coliso de direitos fundamentais de idntica natureza

    constitucional.

    Exatamente com essa finalidade de conferir racionalidade

    ao processo argumentativo de preponderncia de um direito

    fundamental ou princpio que Alexy estipula o sistema

    jurdico em trs nveis, os nveis dos princpios, das regras e

    dos procedimentos, cabendo queles dois primeiros o lado

    passivo do sistema sob o qual se avalia a pretenso de correo

    de um enunciado normativo, e a este ltimo, o nvel dos

    procedimentos, o lado ativo do sistema sob o qual a

    argumentao jurdica deve ser realizada com racionalidade

    jurdica intersubjetivamente controlvel, especialmente atravs

    da fundamentao das decises judiciais 50

    51

    .

    Portanto, no mbito da restringibilidade a direitos

    fundamentais, para se verificar se uma dada deciso pela princpios implica a mxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar

    que a natureza dos princpios implica a mxima da proporcionalidade significa que a

    proporcionalidade, com suas trs mximas parciais da adequao, da necessidade

    (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito

    (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza

    dos princpios, ou seja, que a proporcionalidade deduzvel dessa natureza.(...). ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 116/117. 50 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Princpios, regras e a frmula da ponderao

    de Alexy: um modelo funcional para a argumentao jurdica. In Teoria do direito e

    deciso racional: temas de teoria da argumentao jurdica. Rio de Janeiro: Renovar,

    2008. p. 271. 51 O modelo de trs nveis (regras/princpios/procedimentos) tem por base a orientao do sistema com base no conceito de razo prtica, sendo que o nvel da

    argumentao jurdica se constitui em procedimento assecuratrio da racionalidade

    do sistema jurdico, a partir do processo de aplicao do Direito, que se pode

    estender desde o mbito alargado da argumentao jurdica at o espao mais

    restrito do processo de justificao judicial (...). CRISTVAM, Jos Srgio da Silva. Colises entre princpios constitucionais:

    razoabilidade, proporcionalidade e argumentao jurdica. 1.ed. 3. tir. Curitiba:

    Juru Editora, 2008. p. 162.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6227

    prevalncia de um direito fundamental est de acordo com a

    determinao constitucional que assegura prevalncia poltico-

    jurdica a todos os direitos fundamentais, deve ser possvel

    aferir a racionalidade e a fundamentao jurdica desta escolha

    atravs do procedimento que necessariamente ser observado

    pelo intrprete para a aferio das possibilidades fticas e

    jurdicas que fundamentam esta escolha.

    Assim que a proporcionalidade, na teoria de Robert

    Alexy, apresenta-se como uma regra procedimental, atravs da

    qual no somente se solucionar a coliso entre direitos

    fundamentais, como tambm se conferir racionalidade

    intersubjetivamente controlvel ao difcil processo decisrio

    das colises entre direitos fundamentais 52

    .

    4.1. A PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

    OU A PONDERAO DE PRINCPIOS UMA DAS SUB-

    REGRAS PROCEDIMENTAIS DA

    PROPORCIONALIDADE.

    Nessa perspectiva procedimental da proporcionalidade,

    entende-se que o instituto composto por trs sub-regras

    denominadas como (i) adequao, (ii) necessidade e (iii)

    proporcionalidade em sentido estrito, no sendo esta sub-

    52 J vimos que para solucionar as denominadas colises de direitos no basta uma aluso genrica tcnica da ponderao. preciso de uma ferramenta metodolgica que permita controlar a racionalidade dessas ponderaes, ou melhor,

    de uma regra que nos diga como se deve ponderar (Alexy, 1997-a, p. 163). este o

    terreno da denominada mxima da proporcionalidade, que aparece como o principal

    comando para otimizar princpios jurdicos.

    A argumentao jusfundamental se diferencia da argumentao jurdica ordinria

    pelo fato de colocar a mxima da proporcionalidade no centro da dogmtica dos

    direitos fundamentais (Alexy, 2001, p. 675). Tal mxima aparece, aqui, como uma

    norma metodolgica que visa a garantir a racionalidade da denominada tcnica da

    ponderao. Sua fundamentao, em termos dogmticos, est na prpria existncia

    de princpios jurdicos. (grifos do autor) BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Op. Cit. Princpios, regras e a frmula da

    ponderao de Alexy: um modelo funcional para a argumentao jurdica. p. 273.

  • 6228 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    diviso do instituto um posicionamento exclusivo de Robert

    Alexy, pois outros autores alemes tais como Eberhard Grabitz 53

    e Konrad Hesse 54

    , entendem que a proporcionalidade

    utilizada pelo TCF compem-se desses trs elementos parciais.

    Portanto, de ver-se que, no mbito da teoria de Robert

    Alexy e da jurisprudncia do TCF - de onde o instituto

    originrio -, a proporcionalidade dividida em trs sub-regras,

    cabendo a que nos interessa no presente trabalho

    (proporcionalidade em sentido estrito) a efetiva ponderao ou

    sopesamento das possibilidades jurdicas sob as quais um dado

    direito fundamental ir prevalecer sobre outro de mesma

    envergadura constitucional 55

    .

    No mbito dessa concepo, aps a verificao emprica

    de que a medida escolhida para a restrio de um dado direito

    fundamental visando preponderncia de outro direito

    fundamental adequada e necessria, a otimizao inerente

    normatizao dos direitos fundamentais por normas-princpios 56

    conduz a que o intrprete e aplicador da proporcionalidade

    sopese ou pondere, no mbito das possibilidades jurdicas, os 53 GRABITZ, Eberhard. Der Grundsatz der Verhltnismssigkeit in der

    Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts. Apud BONAVIDES, Paulo. Curso

    de direito constitucional. 15.ed. So Paulo: Malheiros, 2004. p. 404. 54 Para esse autor, a coordenao proporcional de direitos fundamentais e bens jurdicos limitadores de direitos fundamentais por meio de uma limitao de direitos fundamentais deve ser adequada para produzir a proteo do bem jurdico, por cujo motivo ela efetuada; necessria para isso, o que no o caso, quando um meio mais ameno bastaria e, finalmente, ser proporcional no sentido restrito, isto guardar relao adequada com o peso e o significado do direito fundamental. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da Repblica Federativa da

    Alemanha. Trad. Lus Afonso Heck. Porto Alegre: Srgio Fabris Editor, 1998. p.

    256/257. 55 ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 118. 56 Visto que a aplicao de princpios vlidos caso sejam aplicveis obrigatria, e visto que para essa aplicao, nos casos de coliso, necessrio um

    sopesamento, o carter principiolgico das normas de direito fundamental implica

    a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princpios antagnicos.

    Isso significa, por sua vez, que a mxima da proporcionalidade em sentido estrito

    dedutvel do carter principiolgico das normas de direitos fundamentais. ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 117/118.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6229

    princpios em coliso, a fim de verificar qual deve prevalecer

    na hiptese sob seu exame.

    Da porque a proporcionalidade em sentido estrito

    tambm denominada como sopesamento ou ponderao de

    direitos fundamentais ou princpios 57

    58

    : sob tal sub-regra da

    proporcionalidade h que se realizar uma comparao

    qualitativa entre os princpios (direitos fundamentais) em

    coliso, a fim de definir qual dever prevalecer na soluo do

    57 (...) Quando dois princpios vlidos colidem, h duas ordens de otimizao inconciliveis entre si. A satisfao de um princpio depende da desestimao do

    outro. A realizao de um se faz s custas do outro. Torna-se imprescindvel apurar

    qual dos dois princpios tem maior peso para a soluo do problema. Est

    determinado, ento, a ponderao. A mxima da proporcionalidade em sentido

    estrito o mandamento da ponderao. (grifei) BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Juzo de ponderao na jurisdio constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2009. p. 177. 58 Considerando-se que a doutrina e a jurisprudncia brasileira, tal como o fazem

    com a prpria proporcionalidade, trabalham com conceitos diversos de ponderao

    como se fossem a mesma coisa, aqui importante ressaltar que o conceito de

    sopesamento ou ponderao a ser doravante analisado o de Robert Alexy.

    Ainda que os demais conceitos de sopesamento ou ponderao sequer sejam objeto

    de exame em nosso trabalho, vale a pena esclarec-los com a verso deles

    apresentada por Ana Paula de Barcellos, ressaltando que a autora carioca estipulou

    ela mesma um novo conceito de ponderao.

    Segundo a referida autora, alm do conceito alexeniano de ponderao, compreende-

    se a ponderao sob as seguintes formas:

    (i) sem maiores rigores dogmticos, como um modo de solucionar qualquer conflito normativo, relacionado ou no com a natureza de princpios, em que a ponderao se constituiria numa espcie de tcnica genrica de soluo de aparentes tenses normativas (p. 26); (ii) em um sentido mais amplo, como elemento prprio e indispensvel ao discurso e deciso racionais, confundindo-se a ponderao com a atividade jurdica de interpretao como um todo (p.27); (iii) como uma forma de aplicao dos princpios colidentes (p. 25);

    (iv) aps exaustivamente rejeitar os conceitos anteriores, mas reconhecer que o

    conceito por ela proposto e o daquele que visualiza a ponderao como forma de aplicao dos princpios certamente produzir amplas reas de superposio, define a autora a ponderao como uma tcnica jurdica de soluo de conflitos normativos que envolvem valores ou opes polticas em tenso, insuperveis pelas

    normas hermenuticas tradicionais (p. 35). BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderao, racionalidade e atividade jurisdicional.

    Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 23/38.

  • 6230 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    problema sob exame do intrprete.

    Nos casos em que, no exame das sub-regras da

    adequao e da necessidade, no houve um juzo de reprovao

    da medida restritiva do direito fundamental sob o plano das

    condies fticas, dever-se- ser realizar o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em um

    sopesamento entre a intensidade da restrio ao direito

    fundamental atingido e a importncia da realizao do direito

    fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoo da

    medida restritiva 59.

    5. A DISTINO ENTRE PROPORCIONALIDADE

    (PONDERAO) E RAZOABILIDADE.

    A par da respeitabilidade de opinies contrrias 60

    ,

    parece-nos essencial demonstrar que h distines tericas e

    tcnicas que obrigam o intrprete jurdico, e especialmente o

    judicial, a pautar-se sob uma considerao crtica distintiva

    entre a proporcionalidade e a razoabilidade como forma de

    assegurar o cumprimento da norma constitucional que

    determina a adequada fundamentao de toda e qualquer

    deciso judicial, permitindo-se s partes, aos terceiros

    interessados e prpria sociedade aferir se a atuao

    jurisdicional detm racionalidade jurdica e se encontra suporte

    no ordenamento vigente e na cultura jurdica estabelecida em 59 AFONSO DA SILVA, Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p. 40. 60 Lus Roberto Barroso a maior autoridade brasileira no tratamento indistinto

    proporcionalidade e razoabilidade na doutrina brasileira, vez que em sua opinio:

    Sem embargo da origem e do desenvolvimento diversos, um e outro abrigam os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justia, medida adequada, senso comum,

    rejeio aos atos arbitrrios ou caprichosos. Por essa razo, razoabilidade e

    proporcionalidade so conceitos prximos o suficiente para serem intercambiveis.

    Este o ponto de vista que tenho sustentado desde a 1 edio de meu Interpretao

    e aplicao da Constituio, que de 1995.(...) BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporneo. Os

    conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009. p.

    304.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6231

    nosso pas.

    que, ao contrrio do que se afirma 61

    , tratar como

    sinnimos conceitos dspares contraria a clareza analtico-

    conceitual que condio elementar da racionalidade de qualquer cincia 62, tornando-se isso muito mais grave no direito onde o postulado da clareza analtico-conceitual tem

    um significado ainda maior 63 por ser ele um ramo do conhecimento humano que faz parte das cincias prticas em

    que (...) apenas muito indiretamente podem ser controladas por experincia empricas 64. 61 nessa linha de posicionamento que alguns juristas brasileiros acreditam ser

    essencial evidenciar a distino entre a razoabilidade e a proporcionalidade,

    especialmente para legitimar a aplicao dos institutos mediante a observncia dos

    critrios jurdico-metodolgicos a eles pertinentes, sob pena de violao

    especificidade do discurso jurdico e prpria exigncia de racionalidade necessria

    a conferir-lhe controlabilidade, pois:

    Aquele que se prope analisar conceitos jurdicos tem que ter presente que nem sempre os termos utilizados no discurso jurdico guardam a mesma relao que

    possuem na linguagem laica. Assim, se um pai probe a seu filho que jogue futebol

    durante um ano, apenas porque este, acidentalmente, quebrara a vidraa do vizinho

    com uma bolada, de esperar que o castigo seja classificado pelo filho ou at mesmo pelo vizinho ou por qualquer outra pessoa como desproporcional. Poder-se-ia dizer tambm que o pai no foi razovel ao prescrever o castigo. O mesmo

    raciocnio pode tambm valer no mbito jurdico, desde que ambos os termos sejam

    empregados em sentido laico. Mas, quando se fala, em um discurso jurdico, em

    princpio da razoabilidade ou em princpio ou regra da proporcionalidade,

    evidente que os termos esto revestidos de uma conotao tcnico-jurdica e no

    so mais sinnimos, pois expressam construes jurdicas diversas. Pode-se admitir

    que tenham objetivos semelhantes, mas isso no autoriza o tratamento de ambos

    como sinnimos. Ainda que se queira, por intermdio de ambos, controlar as

    atividades legislativa ou executiva, limitando-as para que no restrinjam mais do

    que o necessrio os direitos dos cidados, esse controle levado a cabo de forma

    diversas, caso seja aplicado um ou outro critrio. (grifei) AFONSO DA SILVA, Lus Virglio. Op. Cit. O proporcional e o razovel. p. 27/28. 62 ALEXY, Robert. Op. cit. Teoria dos direitos fundamentais. p. 43. 63 Ibdem. p. 43. 64 A dogmtica dos direitos fundamentais, enquanto disciplina prtica, visa, em ltima instncia, a uma fundamentao racional de juzos concretos de dever-ser no

    mbito dos direitos fundamentais. A racionalidade da fundamentao exige que o

    percurso entre as disposies de direitos fundamentais e os juzos de dever-ser seja

    acessvel, na maior medida do possvel, a controles intersubjetivos. Isso, no entanto,

    pressupe clareza tanto acerca da estrutura de normas de direitos fundamentais

  • 6232 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    Afinal, considerando-se a especificidade do discurso

    jurdico, um equvoco cientfico utilizar indistintamente

    palavras diferentes para denominar institutos jurdicos que

    sejam idnticos, pois afinal se h distino terminolgica (...) no desimportante, muito pelo contrrio, utilizar o termo

    corretamente, com o significado tcnico exato, porque lesiva

    cincia a utilizao corriqueira de expresses tcnicas

    diversas como sinnimas 65. exatamente por isso que a pretenso de denominar

    institutos de origens e aperfeioamento to diferentes - tanto

    histrica quanto culturalmente 66

    - como idnticos peca por

    absoluta falta de responsabilidade cientfica, pois se a

    permeabilidade de institutos entre os grandes sistemas jurdicos

    fruto da notvel expanso cultural sofrida pelas sociedades

    contemporneas, isto no torna dispensvel considerar, por

    exemplo, que o surgimento dos institutos da razoabilidade e da

    proporcionalidade ocorreram em sistemas jurdicos que, at

    ento, eram estanques e possuam caractersticas mpares a lhes

    distinguir 67

    . quanto acerca de todos os conceitos e formas argumentativas relevantes para a

    fundamentao no mbito dos direitos fundamentais. (grifei) Ibdem. p. 43. 65 Ibdem. p. 67. 66 Muito embora trate a proporcionalidade como um princpio, Carlos Roberto

    Siqueira Castro, com a autoridade de maior estudioso brasileiro sobre a

    razoabilidade - especialmente se considerado o amplo estudo feito pelo autor quanto

    gnese e o desenvolvimento do instituto no direito norte-americano reconhece a existncia de traos distintivos entre a razoabilidade e a proporcionalidade:

    Embora reconheamos que o debate no deixa de apresentar arroubos retricos, no raro destitudos de fundamentao convincente, mas que no chegam a comprometer

    a compreenso eidtica do princpio, somos inclinados a pensar que, no rigor

    histrico e tambm terico, existam singularidades especficas que diferenciam o

    esquema de aplicao da clusula da proporcionalidade e da razoabilidade, bem

    como suas respectivas conexes ou assentos constitucionais. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira Castro. O devido processo legal e os princpios

    da razoabilidade e da proporcionalidade. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 212. 67 Parece-nos que a simples atribuio de sinonmia para afirmar-se que a

    proporcionalidade idntica razoabilidade, sendo distintos os institutos apenas

    pelo fato desta ter-se originado a partir da clusula do devido processo legal nos

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6233

    Nessa linha e considerando que os institutos da

    proporcionalidade e razoabilidade podem ser diferenciados

    pelo menos quanto origem histrica, ao desenvolvimento,

    finalidade e aplicao distinta dos institutos, bem como

    quanto ausncia de perspectiva procedimental na

    razoabilidade, poderamos dizer ento que os referidos

    institutos distinguem-se porque enquanto a proporcionalidade

    desenvolve-se como regra procedimental inerente soluo de

    reais colises entre direitos fundamentais aps a Lei

    Fundamental de Bonn de 1949 como decorrncia lgica da

    estipulao de tais direitos como mandamentos de otimizao

    (princpios) e como expressa determinao de que competiria

    ao TCF faz-lo, a criao e o desenvolvimento da razoabilidade

    teve por finalidade imediata no a soluo de restries de

    direitos fundamentais 68

    como na Alemanha, mas sim a

    Estados Unidos da Amrica e aquela ter surgido na Alemanha, representa uma

    transposio insensata dos institutos, pois no se pode desconsiderar o conjunto de

    significados semnticos, jurdicos e metodolgicos da proporcionalidade e da

    razoabilidade em cada um dos sistemas jurdicos onde os institutos foram originados

    e aperfeioados; muitos menos as diversas relaes destes institutos com outros

    tantos, muitas vezes tpicos apenas de um ou de outro sistema jurdico onde

    desenvolvidos. 68 Segundo Alexandre Arajo Costa, o primeiro registro de anulao jurisdicional de

    uma lei com base no devido processo legal substantivo, do qual decorre para

    muitssimos autores a razoabilidade, de triste memria, pois foi com fundamento

    no referido instituto que a Suprema Corte norte-americana, no conhecido caso

    Dread Scott v. Sandford de 1856, declarou a inconstitucionalidade da ento Lei do Compromisso do Missouri de 1820, sob a qual se proibia a escravido em territrios federais acima de uma linha por ela estabelecida (COSTA, Alexandre

    Arajo. O controle de razoabilidade no direito comparado. Braslia: Thesaurus,

    2008. p. 79.)

    Pasmem, mas segundo o ento Presidente da Suprema Corte norte-americana, Roger

    B. Taney, citado por Joo Gualberto Garcez Ramos, a referida lei seria

    inconstitucional, dentre outros motivos, porque (...) a) os fundadores dos EUA no tencionaram tratar o negro como ser humano; b) conforme a tradio do direito

    estadunidense, portanto, negro no ser humano, coisa; c) viola o princpio do

    devido processo legal uma lei que considerasse o negro um ser humano e, com isso,

    privasse algum de sua propriedade; (...); a Lei do Compromisso do Missouri

    (Missouri Act, 1820) inconstitucional, por violao 5. Emenda; (....)(RAMOS, Joo Gualberto Garcez. Evoluo histrica do princpio do devido processo legal.

  • 6234 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    fundamentao do controle jurisdicional sobre os demais atos

    do Poder Pblico, bastando para a sua aplicao, no direito

    estadunidense, a considerao meramente subjetiva do juiz

    quanto adequao do ato questionado em relao ao senso

    comum de aceitabilidade social da medida eleita para alcanar

    o fim pretendido.

    Ou seja, enquanto a razoabilidade pode ser considerada

    como um princpio material implcito que poder ser

    confrontado com outros princpios para afastar medidas

    arbitrrias ou irrazoveis segundo um senso comum do que

    social, jurdica, poltica e economicamente aceitvel 69

    , a

    proporcionalidade deve ser considerada como uma regra

    procedimental com aplicao subsidiria restrita s hipteses

    de reais colises entre princpios ou direitos fundamentais que

    no possam ser solucionadas sem a aferio das possibilidades

    fticas e jurdicas que fundamentem a prevalncia de um

    direito fundamental ou princpio sobre outro de igual

    envergadura.

    Essa forma de diferenciar a proporcionalidade e a

    razoabilidade no uma posio original entre ns, vez que, na

    doutrina brasileira, j se detectou com muita acuidade que

    enquanto a razoabilidade exige que as medidas estatais sejam racionalmente aceitveis e no arbitrrias, a proporcionalidade determina que as mesmas, alm de preencherem tal requisito, constituam instrumentos de maximizao dos comandos

    Revista da Faculdade de Direito da UFPR. v. 46. 2007. p. 106. Disponvel em

    Acesso em 05/11/2010). 69 Entende-se que, apesar do princpio da razoabilidade na jurisprudncia americana

    ser analisado sob a adequao entre meio empregado e o fim perseguido, o que

    difere o instituto, enquanto derivado do substantive due process of law, a

    possibilidade de controle judicial dos atos irrazoveis do Poder Pblico por no estarem conforme a uma srie de princpios filosficos, polticos, sociais, religiosos,

    aos quais se considera ligada a existncia da sociedade e da civilizao norte-

    americana.

    LINARES, Juan Francisco. Op. Cit. p. 29.

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6235

    constitucionais, mediante a menor limitao possvel aos bens

    juridicamente protegidos 70.

    6. A PRETENSO DE POSITIVAO DA

    RAZOABILIDADE NO PROJETO DO NOVO CPC.

    O ordenamento jurdico positivo e recente proposio

    legislativa, esta no campo do direito processual civil,

    corroboram a tese de que necessrio considerar os aspectos

    distintivos entre os institutos da razoabilidade e da

    proporcionalidade, atribuindo respectivamente a cada deles o

    seu real campo de aplicao.

    Apesar de sustentar-se inexistir expressa positivao

    constitucional dos institutos da razoabilidade e da

    proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, parece-

    nos que a primeira 71

    distino entre os institutos foi feita na 70 PONTES, Helenilson Cunha. O princpio da proporcionalidade e o direito

    tributrio. So Paulo: Dialtica, 2000. p. 89/90. 71 Cronologicamente, a primeira meno expressa do ordenamento positivado aos

    institutos da razoabilidade e da proporcionalidade deu-se na Lei no 9.784/1999, que,

    editada para regular o processo administrativo federal, ultrapassou os seus limites

    para determinar no caput do art. 2 que a Administrao Pblica federal dever

    obedecer, dentre outros, aos princpios da razoabilidade e proporcionalidade. A referida lei ultrapassou os limites para a qual editada porque, apesar de sua

    pretenso de instituir normas bsicas sobre o processo administrativo federal no mbito da Administrao Federal (art.1o), no se limitou a dispor sobre institutos de natureza processual ou procedimental, vez que a mesma instituiu tambm

    determinaes de natureza material a serem aplicadas pela Administrao Pblica

    federal.

    Foi o que ocorreu nessa positivao da proporcionalidade e da razoabilidade, j que

    a disposio normativa em epgrafe, ao determinar que a Administrao Pblica

    federal dever obedecer aos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, deixa clara a imposio de que os agentes pblicos no exerccio de qualquer funo

    administrativa, e no apenas naquela realizada no mbito de relao jurdica

    processual administrativa, observe os referidos princpios. Exatamente porque a positivao dos institutos aqui mencionada relaciona-se

    materialmente com o direito administrativo brasileiro e porque a designao de

    princpio conferida pela referida disposio normativa corresponde ao conceito de

    princpio tpico de nossa cultura jurdica - norma de alto grau de generalidade e

    axiologicamente fundamental ao sistema jurdico - e no ao conceito de princpio

  • 6236 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    CF/88, quando o legislador constituinte derivado, atravs da

    EC 45/2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5 da

    Constituio para determinar como direito fundamental que a todos, no mbito judicial ou administrativo, so assegurados a

    razovel durao do processo e os meios que garantam a

    celeridade de sua tramitao. Perguntamo-nos se essa razovel durao do processo

    no seria exatamente o expresso reconhecimento constitucional

    da invalidade de posturas processuais arbitrrias do Poder

    Pblico tanto judiciais, quanto administrativas que impeam irrazoavelmente o trmino de uma relao jurdica

    processual?

    Parece-nos que esse seja exatamente o caso se

    considerarmos que a insero da razovel durao do processo

    como um direito fundamental na CF/88 decorre de um

    consenso social, jurdico e poltico a respeito da necessidade de

    que as relaes processuais sob as quais so solucionados os

    conflitos sociais sejam cleres, a fim de evitar que o

    mecanismo estabelecido para conferir validade s decises

    administrativas e judiciais seja completamente desconexo de

    uma realidade marcada pela inexorvel e constante influncia

    da evoluo das telecomunicaes sobre todos os nveis das

    relaes humanas.

    Afinal, se desde o ltimo quartel do sculo XX at este

    incio de sculo XXI, possvel movimentar-se capitais como mandamento de otimizao adotado pelo presente trabalho, no realizaremos

    um exame da proporcionalidade no mbito da Lei 9.784/1999 porque isso importaria

    em transbordar os estreitos limites do presente trabalho.

    Entrementes, se prudente pautar-se assim, ainda que sob um exame meramente

    superficial podemos afirmar que a simples meno expressa da lei a respeito de dois

    princpios do direito administrativo serve para inviabilizar a interpretao de os referidos institutos - razoabilidade e proporcionalidade - sejam idnticos e sinnimos

    mesmo neste ramo do direito brasileiro, pois afinal, como orienta consagrado

    mtodo de interpretao jurdica segundo o qual a lei no contm palavras inteis, no se pode desconsiderar que a lei fez questo de diferenciar os institutos dando-

    lhes nomes distintos (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito.

    19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 262.).

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6237

    equivalentes a todo o PIB 72

    de um pas emergente em questes

    de segundos pela internet de um a outro mercado do planeta por um nico investidor, com todas as inevitveis

    consequncias que isto importa em um mundo globalizado sob

    os auspcios de um nico modelo econmico capitalista,

    socialmente inadmissvel que no se tenha qualquer

    preocupao com o tempo de durao de uma demanda judicial

    ou administrativa.

    Isso porque diante de uma sociedade complexa 73

    e

    caracterizada pela maximizao de toda e qualquer espcie de

    relao entre os diversos agentes que a compe, decorrente do

    impressionante estgio de evoluo da tecnologia das

    telecomunicaes a nvel planetrio, entendeu-se, com atraso 74

    , por normatizar a enorme preocupao contempornea com a

    72 PIB significa o valor total da produo de bens e servios verificada dentro das fronteiras do pas, em determinado perodo de tempo, sem considerar a

    nacionalidade dos que se apropriaram dessas rendas, sem descontar rendas

    eventualmente remetidas ao exterior e sem considerar as rendas provenientes do

    exterior. HARADA, Kiyoshi. Supervit primrio. Trocando em midos. Jus

    Navegandi.Teresina, ano 9, n. 733, 08/07/2005. Disponvel em

    . Acesso em: 28/12/2008. 73 Trata-se de um tipo de sociedade que requer um grau recorrentemente mais alto de complexidade para a sua reproduo, uma sociedade, portanto, insatisfeita

    consigo mesma. Desde o seu nascimento, uma sociedade que se diferencia, que se

    especializa para poder se reproduzir num grau de complexidade to grande que

    exigiu a inveno dos direitos humanos, dos direitos fundamentais; requereu a

    afirmao, a um s tempo, paradoxal e estruturalmente mvel, do reconhecimento

    recproco da igualdade e da liberdade de todos os seus membros, ou seja, tornou

    plausvel e exigiu a ideia de que somos, pela primeira vez na histria, uma sociedade

    na qual nos reconhecemos como pessoas iguais, porque ao mesmo tempo livres.

    Livres para sermos diferentes, uma vez que somos diferentes, plurais, em dotes e

    potencialidades desde o nascimento e nos reconhecemos o direito de sermos

    diferentes e exercermos as nossas diferenas, ou seja, de sermos livres e exercermos

    as diferenas, ou seja, de sermos livres e de exercermos nossas liberdades. E, ainda

    assim, ou melhor, precisamente por isso, nos respeitarmos como iguais. CARVALHO NETO, Menelick. A hermenutica constitucional e os desafios postos

    aos direitos fundamentais. In SAMPAIO, Jos Adrcio Leite. (Coord.) Jurisdio

    constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 143. 74 Frente sempre maior complexidade das relaes sociais e econmicas e,

  • 6238 | RIDB, Ano 1 (2012), n 10

    durao do processo, sob pena de o mecanismo designado para

    a soluo dos conflitos sociais, o processo, situar-se em

    evidente contradio s necessidades da prpria sociedade de

    ver seus conflitos, cada vez mais complexos e urgentes,

    solucionados em tempo hbil a permitir o restabelecimento da

    paz necessria convivncia social, devendo a durao

    razovel do processo (...) tomar o seu efetivo lugar dentro da cincia processual, pois este no pode deixar de influir sobre a

    elaborao dogmtica preocupada com a construo do

    processo justo ou com aquele destinado a realizar

    concretamente os valores e os princpios contidos na

    Constituio da Repblica 75. Por isso se diz que, ao contrrio do que se pensava h

    algum tempo atrs, o direito processual no deve ser

    interpretado como sustentculo a formalidades tradicionais que

    no tenham por finalidade assegurar a celeridade do processo e

    a eficcia da prestao jurisdicional, pois, tal como ressalta

    renomado processualista argentino, qual o sentido

    contemporneo que teria a previso do cdigo de processo civil

    argentino onde se estipula a necessidade de impresso dos

    documentos judiciais em tinta preta ou azul, seno um

    formalismo intil? 76

    Ou ainda que as notificaes judiciais, na

    Argentina, baseiem-se em exigncias formais do sculo XVIII,

    poca em sequer se conhecia tecnologias como o fac-simile, o

    qual, atualmente, j est at ultrapassado como instrumento de

    tecnologia de comunicao? 77

    portanto, das situaes jurdicas carentes de tutela jurisdicional, o legislador

    processual est freqentemente atrasado em decnios em relao ao surgimento dos

    problemas que deve enfrentar. TARUFFO, Michele. Racionalidad y crisis de la ley procesual. Valladolid: 1999, n.

    22. p. 312. Disponvel em

  • RIDB, Ano 1 (2012), n 10 | 6239

    Sustenta-se, portanto, que necessrio suplantar o

    entendimento tecnicista de que o critrio temporal de durao

    do processo no tem fundamento jurdico 78

    , pois se

    considerarmos a influncia axiolgica que os valores sociais,

    polticos e econmicos normatizados pela Constituio 79

    exercem sobre todos os demais ramos do direito

    contemporneo brasileiro, inclusive o processo civil, no h

    como se olvidar a necessria considerao da celeridade

    processual.

    Disso se depreende que a considerao jurdica da

    definio da demanda em tempo hbil deve ser empreendida

    pelo direito processual civil contemporneo, vez que a rpida

    soluo judicial das relaes jurdicas materiais defeituosas ou

    no observadas espontaneamente certamente um dos valores

    sociais que caracteriza a sociedade brasileira contempornea,

    tanto que a EC 45/04 acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5

    da Constituio de 1988, normatizando assim a celeridade

    59/71. 78 Vicenzo Vigoriti posiciona-se neste sentido: Uma anlise profunda do custo e da durao dos processos impe o estudo e o emprego de metodologia de pesquisa de

    natureza econmica e estatstica bastante complexas e, portanto, estranha cultura

    jurdica. In Notas sobre o curso e a durao do processo civil na Itlia. p. 142. Apud

    GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexos do tempo no direito processual civil.

    Revista de