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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
PROTEÇÃO SOCIAL E CUIDADOS: IMPACTOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL BRASILEIRA NA VIDA DE CUIDADORAS (ES) DE USUÁRIOS DO
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Flávia Augusta S. de Melo Lopes1
Resumo: O cuidado é parte integrante das relações em sociedade, estabelecidas entre sujeitos
históricos. Seu reconhecimento, enquanto fenômeno necessário à sobrevivência e perpetuação da
espécie é circunscrito de múltiplas perspectivas teóricas e contradições. O capitalismo, enquanto
modo de produção, elimina o reconhecimento do cuidado como parte do mundo do trabalho. Neste
sentido, a perspectiva neoliberal que se aprofunda em nosso país, com reflexos imediatos na
retração da proteção social, reafirma a transferência dos cuidados da esfera estatal para a familiar,
acirrando o recorte de gênero, com a histórica feminização do cuidado pautado nos reflexos das
construções sociais que estabelecem a divisão e organização do trabalho em patamares que
distanciam o espaço público e o âmbito privado, restando aos sujeitos do sexo feminino atividades
relacionadas ao espaço doméstico e aos cuidados com “os seus” familiares e/ou próximos em
momentos de dificuldades nas mais diversas áreas da vida, principalmente relacionadas ao campo
da saúde. Este trabalho tem como foco, refletir teoricamente, a partir dos documentos oficiais
publicados pelas instâncias do poder executivo e legislativo, especificamente sobre as alterações
propostas pela reforma da previdência, em curso no Brasil através da PEC 287/2016, sua relação
com o Decreto 6.214/2007 (alterado pelo Decreto 8.805/2016) e os impactos nos direitos sociais das
(dos) cuidadores de beneficiários do Benefício da Prestação Continuada, especialmente das pessoas
com deficiência ou doenças crônicas. De partida, a legislação estabelece que os beneficiários do
Benefício de Prestação Continuada devem estar inseridos nos critérios de seletividade estabelecidos
nos limites legais, considerando critérios socioeconômicos e de condições para o mundo do trabalho
(pois o mesmo é benefício financiado pela política de assistência social), inserindo-se nesse leque
de público potencial, idosos (a partir de 65 anos), pessoas com doença crônica ou deficiência. As
cuidadoras de pessoas com deficiência ou doença crônica, habitualmente são mulheres (mães) que
se dedicam ao cuidado deste beneficiário, e, em virtude do corte de renda familiar, ficam
impossibilitadas de inserção no mundo do trabalho formal, comprometendo assim a possibilidade
futura do reconhecimento da própria proteção social através de uma aposentadoria. Com as
proposituras sinalizadas pela atual reforma da previdência, esse cenário se agudiza.
Palavras-chave: Cuidado. Proteção Social. Previdência. Deficiência.
A conjuntura que se apresenta
O cenário que se desenha no Brasil, pelo menos nos últimos quatro anos (2013-2017), revela
uma tendência do capitalismo que pode ser explicada a partir da lei geral da acumulação capitalista,
1 Graduada em Serviço Social e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Doutoranda em Serviço
Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Assistente Social da Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão
SE, Brasil.
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mais especificamente, pelas crises cíclicas do capital. O contexto de “crise” é argumento muito
situado nas falas dos veículos de comunicação, dos analistas políticos e dos próprios políticos
profissionais que ocupam a esfera da política para manutenção de hegemonia de classe.
O discurso (e o cenário) da crise nos remete a um exercício reflexivo – mas, crise para
quem? Em um sistema onde as desigualdades cada vez mais se aprofundam, observamos que as
consequências desta “crise” são fortemente deslocadas para as camadas das classes trabalhadoras e
os cidadãos que necessitam de alguma proteção por parte do Estado.
O aprofundamento do que se convencionou chamar de crise, se particulariza em nosso país
com a transição na esfera da política entre os governos petistas e o atual governo Michel Temer,
processo este que vem sendo costurado desde as eleições presidenciais de dois mil e quatorze. O
impedimento da presidenta Dilma Rousseff, articulado por diversos interesses dos grupos de poder
insatisfeitos com as propostas conciliatórias que vigoraram outrora, é um arremate da conjuntura
política instaurada. Esta breve incursão na esfera política serve de ilustração para um projeto
econômico que se pretende reforçar através da perda de direitos conquistados historicamente no
campo das políticas sociais e do mundo do trabalho. As reformas da previdência, trabalhista e a lei
da terceirização somam um conjunto de ações estratégicas de implantação do projeto da “ponte para
o futuro” apresentado pelo Governo Michel Temer. Estas propostas ensejam, sobretudo, numa
orquestração perversa e de consequências deletérias para a vida de jovens que ainda não
ingressaram no mercado de trabalho, para trabalhadores que já estão vinculados e protegidos e, para
os cidadãos que necessitam das políticas de seguridade social para a manutenção da própria vida.
Nesse sentido, o que se observa é uma onda de aprofundamento do neoliberalismo enquanto
tendência do capitalismo, que insiste em mercantilizar as relações entre o estado e a sociedade, onde
a esfera da economia se hipervaloriza com relação a esfera social e o mercado regula as dimensões
da vida humana, que, nessa direção caminha em sentido ao retrocesso.
Deste modo, o presente trabalho tem como persurso, refletir sobre os impactos provocados
pela atual proposta de reforma da previdência, no que toca as mudanças para o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) através da PEC 287/2016. A intenção se constitui tendo como recurso
à teoria crítica da tradição marxista, ou seja, o materialismo histórico-dialético como método de
análise teórica do objeto de pesquisa, levando-se em consideração as dimensões conjunturais e
histórica da realidade. O texto se organiza através de pesquisa teórica e documental a partir de
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referenciais teóricos que possibilitam o desvelamento crítico da realidade pesquisada, assim como
das legislações brasileiras que passam a interferir diretamente no objeto de estudo proposto. A
revisão de literatura foi elaborada com recurso a quatro artigos publicados em revistas nacionais
sobre o perfil de cuidadores de pessoas com deficiência, dois artigos sobre a categoria cuidado,
além de textos em livros correlatos à temática debatida. Os dados quantitativos foram coletados a
partir do portal da transparência e-sic, através de solicitação ao Ministério do Desenvolvimento
Social e Agrário e, os documentos utilizados foram o texto originário de projeto a emenda à
constituição PEC 287/2016 que atualmente ainda tramita na câmara de deputados federais, como
também os decretos 6.214/2007 e 8.805/2016 que altera o primeiro e dizem respeito diretamente à
regulamentação do BPC.
Sobre proteção social
A constituição de ações ou sistemas de proteção social se estabelece a partir da organização
do capitalismo como modo de produção, que se organiza e se mantém pela via da contradição dos
interesses de classe. Algumas literaturas apontam que legislações no âmbito do reconhecimento dos
direitos sociais passaram a vigorar a partir do final do século XIX, em países europeus. O Plano
Beverigde2, apresentado na Inglaterra no período da II Guerra Mundial, é amplamente mencionado
quando o assunto é proteção por parte do estado. Vale salientar que, durante muitos séculos, a
sociedade burguesa compreendia as “mazelas” e “misérias” produzidas pelas desigualdades, como
sendo resultantes de ordem do indivíduo, e, para tanto, deveria ser tratada de maneira punitiva,
coercitiva e excludente.
O conflito capital X trabalho, impulsiona a classe trabalhadora a reivindicar seus direitos e
pressionar o estado no reconhecimento das demandas, essa consciência é fundamental para as
organizações e movimentos dos trabalhadores que situam a questão social na arena pública dos
embates e a transformam em caso de política. Não há consenso entre os autores no que diz respeito
ao surgimento da proteção social, alguns explicam como fruto dos conflitos, outros como consenso
e antecipação da classe burguesa no processo de apassivamento das lutas.
2 É considerado referência no campo da seguridade social como estratégia estatal para garantir bem-estar social,
estabelecendo a responsabilidade do Estado, na área da saúde e assistência social, além do seguro social.
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No Brasil, as expressões da questão social também são concebidas de acordo com o
desenvolvimento capitalista, a particularidade nacional nos apresenta o trato filantrópico e caritativo
desde a colonização até a república, se considerarmos os avanços, ainda encontramos ranços
moralizadores do trato com as expressões da questão social até os dias atuais.
As legislações pioneiras que delinearam o princípio do reconhecimento de ações por parte
do estado situam-se nas primeiras décadas do século XX com a Lei Eloy Chaves (que instituía o
sistema de caixas e aposentadorias e pensões para os trabalhadores industriais) e o Código de
Menores (apesar de muito punitivo). Um salto importante é dado no Governo de Getúlio Vargas
com o reconhecimento de direitos trabalhistas através da Consolidação das Leis Trabalhistas CLT e
que atualmente está se reformulando e “modernizando”, conforme discurso daqueles que defendem
a reforma trabalhista nos moldes dos interesses do mercado e das classes detentoras dos meios de
produção.
Importante destacar que a seguridade social enquanto sistema de proteção, só é reconhecida
a partir da Constituição Federal de 1988 e fruto de muitos embates dos movimentos organizados e
da reabertura democrática. A seguridade se organiza a partir das políticas de previdência social,
saúde e assistência social, além deste tripé, a constituição garante um sistema amplo de direitos a
educação, ao trabalho e direitos sociais e de cidadania.
Apesar das conquistas no percurso do desenvolvimento capitalista, as crises de acumulação
são cíclicas, as contradições impõem padrões que se adequam e adaptam aos interesses de
organismos financeiros. O padrão de acumulação, a partir da década de 1970, sofre grande impacto
com a estagnação da economia mundial e é fortemente afetado com o crescente aumento de preço
do petróleo. Assim a partir dos anos 1980 os países capitalistas aderem a propostas que defendem a
não participação do estado na economia, com estimulo da total liberdade de comercio, muito
conhecido como neoliberalismo. Esse modelo impacta diretamente nos direitos sociais, a chamada
redução do estado implica em redução de direitos.
Os governos nacionais que adotaram o neoliberalismo como estratégia para o crescimento
econômico são caracterizados por Fernando Collor (1990-1992), Fernando Henrique Cardoso
(1995-2003), Michel Temer (2016-2017). Os governos petistas Lula (2003- 2010) Dilma Roussef
(2010-2016) não se auto avaliam como neoliberais, contudo, suas agendas conciliatórias são
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analisadas por especialistas como neodesenvolvimentistas por também preservarem características
híbridas do neoliberalismo junto ao desenvolvimento nacional.
Esse cenário de financeirização da economia e mercantilização da vida têm se revelado
perverso no que toca o direito de sobrevivência das classes subalternizadas, as investidas em
reformas, a destruição da dimensão do público, a negação de salários, a judicialização das lutas tem
se mostrado como batalhas urgentes e necessárias em nosso país.
Abordagens sobre cuidado
Numa perspectiva contextualizada pelo recorte de gênero, o cuidado se relaciona como
característica e ação que se desenvolve no espaço restrito, privado, doméstico, ou seja, aprendemos
desde a tenra idade que quando caímos, um adulto nos auxiliará a levantar, quando adoecemos
alguém nos levará ao médico. Em circunstâncias de fragilidade, dependência3, o cuidado é prática
presente.
Encontramos algumas referências históricas relacionadas à remissão das origens filológicas
do termo cuidado, ora como expressão de ação “de desvelo, preocupação e de inquietação pela
pessoa amada”, ou “uma preocupação e inquietação advindas do envolvimento e da ligação afetiva
com o outro por parte da pessoa que cuida” (Zoboli,2004, p.22), dando sentido ao aspecto relacional
que o processo exige.
Apesar de ser um tema escasso do ponto de vista da produção do conhecimento científico –
inclusive por conter elementos valorativos à moral de cada contexto -enquanto valor ético o cuidado
foi debatido na filosofia, na literatura, na psicologia. Ainda sob à luz de Zoboli (2004) observamos
que a autora demarca importante obra e marco referencial na produção sobre o cuidado e a relação
com os gêneros masculino e feminino, sinalizando assim a obra de Carol Gilligan como um marco
nos processos de compreensão do cuidado como referenciado de maneiras distintas nos discursos de
mulheres e homens, caracterizando assim o que se classifica como “ética do cuidado” relativa ao
feminino e a “ ética da justiça” ao masculino.4 O que se depreende das reflexões sinalizadas se
3 Nas diversas fases da vida humana há circunstâncias de dependência do cuidado, desde a amamentação à velhice. 4 No artigo “ A redescoberta da Ética do cuidado: o foco e a ênfase nas relações”, a autora sistematiza em quadro os
elementos diferenciadores da ética do cuidado a ética da justiça. Na primeira, a “abordagem contextual, conexão
humana, relacionamentos comunitários, âmbito privado, reforça o papel das emoções (sentimentos), é relativa ao gênero
feminino”, a segunda a “abordagem abstrata, separação humana, direitos individuais, âmbito público, reforça o papel da
razão, é relativa ao gênero masculino”.
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conforma num processo de compreensão da naturalização do cuidado enquanto valor atribuído ao
feminino, seja como elemento simbólico ou objetivo.
Para o pólo feminino, o estímulo devotado as preocupações com o outro desenvolvido no
ambiente doméstico (privado) gera disparidades nas relações e oportunidades confrontadas na
esfera pública. A obrigatoriedade da criação dos filhos como inerente às mulheres, as preocupações
com o trabalho doméstico e a fluência saudável nas relações familiares são cargas culturais de longa
duração que se perpetuam. Em famílias que possuem algum componente familiar com alguma
deficiência, o cenário da obrigatoriedade do cuidado por parte exclusiva das mães é mais presente,
de maneira ilustrativa situamos a realidade das mães de bebês que nasceram com microcefalia. Em
Recife- Pernambuco, estado com maior índice da epidemia que marcou o ano de dois mil de
dezesseis no Brasil, as mães verbalizam5 o abandono por parte dos pais, a sobrecarga na busca pelo
acompanhamento nos serviços de tratamento para seus filhos (as) e os grandes desafios
socioeconômicos vivenciados pelas famílias, grande parte das mulheres que tiveram seus bebês com
microcefalia estão situadas pelo corte de classe social.
Quando relacionamos o cuidado às abordagens feministas, encontramos forte eco nos
questionamentos à ordem patriarcal e às imposições das diferenciações entre comportamentos de
mulheres e homens no que toca aos posicionamentos sobre as tarefas do cuidar.
Esta perspectiva do cuidado remontada através da história e reforçada pela ordem patriarcal,
coaduna com a reflexão posta neste trabalho, no sentido de que, apesar dos avanços e das conquistas
realizadas pelas mulheres, as questões de classe e também da própria condição de ser mulher estão
imersas no debate da esfera pública e do campo privado, principalmente quando o estado se abstêm
do seu papel de protetor e responsabiliza a família ( em especial as mulheres) por agendas que são
fruto de disputa no campo dos direitos sociais e de cidadania.
Perfil das (os) cuidadoras (es) de pessoas com deficiência beneficiárias do Benefício de Prestação
Continuada.
5 Para maiores informações, ver VILLELA, Sumaia. “Mães de bebês com microcefalia contam dramas, desafios e
sonhos”, matéria publicada pela EBC Agência Brasil em 08 de maio de 2016. Disponível em
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-05/maes-de-bebes-com-microcefalia-contam-dramas-desafios-e-
sonhos.
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O Benefício de Prestação Continuada é oriundo da Política de Assistência Social e,
operacionalizado pela Previdência Social, através do Instituto Nacional de Seguro Social, por isso,
na maioria das vezes confundido como “aposentadoria” não contributiva. É fruto de reivindicações
no processo de elaboração da constituinte ainda em finais da década de 1980 e garantido como
benefício de proteção social através da aprovação da Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993 que
institui a assistência social e regulamentado pelo Decreto 6.214 de 26 de setembro de 2007,
atualmente alterado pelo Decreto 8.805 de 07 de julho de 2016.
Apesar de ser devido “à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos
ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família”, resultando um salário mínimo (atualmente 2017, R$937,00), o BPC representa
sempre uma ameaça ao discurso que reforça o “gasto público” e contribui para o déficit da
previdência, argumentos que tentam manipular a origem da fonte dos recursos arrecadados, bem
como, a natureza e finalidade dos mesmos.
De acordo com dados informados pelo Suibe/ Dataprev, até maio de 2017 o Brasil atendia
4.463.333 pessoas com o BPC, sendo que destas 1.991.861 são idosos e 2.471.472 são pessoas com
deficiência. Nesse contexto, 33% das pessoas com deficiência beneficiárias pelo BPC são crianças
ou adolescentes até 18 anos incompletos, tendo como responsáveis tutores designados judicialmente
ou os próprios pais administrando o benefício, sendo que, os estados que apresentam maiores
índices de crianças e adolescentes com deficiência atendidos pelo BPC são, São Paulo, Bahia,
Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, conforme demonstra o gráfico abaixo.
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goas
Am
azo
nas
Bah
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Cea
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ross
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Gráfico 1-Distribuição dos beneficiários do BPC por UF e
espécie
Espécie BPC PCD Espécie BPC Idoso
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Fonte:Suibe/Dataprev - maio2017
As informações acima caracterizadas implicam no que consideramos um retrato da
contradição no processo de proteção social, ou seja, apesar do benefício ser direcionado a pessoa, o
mesmo exige tanto do ponto de vista das condicionalidades para concessão, quanto da manutenção
destas condições, o envolvimento do grupo familiar, além do fato de que os maiores percentuais de
cobertura se concentram em estados do sudeste e nordeste que possuem características regionais
díspares e possibilidades de redes de apoio desiguais para o acompanhamento destas famílias que
precisam atender aos critérios de renda de até ¼ de salário mínimo por pessoa da família.
Em revisão de literatura, Masuchi et al (2012), Câmara et al (2016), Braccialli et al (2012),
Barros et al (2011), encontramos caracterizações que, combinadas, possuem elementos de
similaridades sobre o perfil das pessoas cuidadoras de pessoas com deficiência, beneficiárias do
BPC. Os artigos elaborados partem das análises de profissionais da saúde que acompanham através
da estratégia de saúde da família, os usuários de BPC, eles nos informam que as cuidadoras são
majoritariamente do sexo feminino atingindo porcentagens do público pesquisado que variam de
70% a 90%; possuem baixa escolaridade com conclusão de até o ensino fundamental; além do
tempo direcionado aos cuidados, em um dos trabalhos, observamos que, todas as cuidadoras são
mães trabalhadoras informais do lar; as faixas etárias giram em torno dos 30 aos 70 anos de idade;
os graus de parentesco entre o cuidador e a pessoa cuidada são em sua maioria primários tendo
como principais pessoas identificadas a mãe, seguido de avós e tias.
Impactos da contrarreforma da previdência
O perfil das cuidadoras nos direciona a inferir que essas mulheres já estão em desvantagem
do processo de busca pela cobertura previdenciária, do direito a inserção ao mercado de trabalho,
alijadas das oportunidades pela via da educação, como também prejudicadas pelo suporte ineficaz
do estado com ausências de creches, de serviços da rede de saúde que fortaleçam o processo do
cuidar. Essa linha de raciocínio se justifica, majoritariamente pela condição de classe à qual estas
mulheres estão inseridas. Para o indivíduo com deficiência ser beneficiado pelo BPC, além da
própria condição da deficiência ser elemento de avaliação, a renda é elemento de exclusão, já que os
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membros da família podem ter como valor declarado até R$234,00 por pessoa6, cuja família tenha
quatro membros.
Analisando o que a PEC 287/2016 propõe para o BPC, encontramos um debate que sugere
pela via da argumentação da “racionalidade” e manutenção do “equilíbrio” da seguridade social,
alterações na idade para concessão do benefício ao idoso, saltado de 65 para 70 anos, além da
desvinculação do valor do benefício ao do salário mínimo, com comparação a países que compõem
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE onde “na maioria dos
países da OCDE o valor do benefício assistencial não é vinculado ao respectivo salário mínimo,
representando, em média, 45% do seu valor”. Ora, o que a proposta de reforma7 da previdência
assinala, corresponde a um movimento que representa a retração do estado e as tendências de
retrocessos e perdas dos direitos duramente conquistados. Quando relacionamos ao impacto destas
propostas aos usuários do BPC, especialmente para as pessoas com deficiência e as cuidadoras,
compreendemos que a desvinculação do benefício ao salário mínimo impactaria de maneira
negativa na manutenção da sobrevivência destes usuários e de suas famílias, além dos fatores que
diretamente afetam a não oportunização e possibilidades destas cuidadoras ingressarem no mercado
de trabalho e terem seus direitos e coberturas garantidas, já que, as condicionalidades de renda
impedem a ampliação dos vínculos de trabalho dos membros que compõem o grupo familiar das
pessoas com deficiência. Além dos elementos apontados, observamos que o Decreto 6.214/2007
que regulamenta o BPC, avançou na perspectiva da instituição da avaliação social como etapa
necessária à concessão, assim, o modelo biopsicossocial considera aspectos antes desconsiderados.
Contudo, com as alterações deste decreto, alguns pontos de retrocesso estão em vigor, ou seja, a
obrigatoriedade da vinculação ao Cadastro Único, que funciona a nosso ver como direcionamento
fiscalizatório, além da negativa de acumulação com outros benefícios no âmbito da seguridade
social, conforme pode ser demonstrado na tabela abaixo.
6 A composição da renda familiar não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo por pessoa da família, o que equivale em
2017 a R$ 234,00 reais. 7 Utilizamos o termo reforma para acompanhar a linguagem vinculada pelos veículos de comunicação e do próprio texto
da PEC 287/2016, contudo, compreendemos que ela gravita em torno do movimento que compõe as contrarreformas do
estado nacional que caminham para o retrocesso dos direitos socialmente conquistados.
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Tabela 1- Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) - Propostas de Alteração
Fonte: Elaborado pela autora.
Considerações
A partir das análises, observa-se que:
1- Até abril de 2014 a porcentagem de pessoas com deficiência beneficiárias do BPC correspondia a
54.17% do total de 4.021.087 de pessoas (BRASIL, 2014);
2 - Em revisão de literatura, Masuchi et al. (2012) Câmara et. al. (2016), observa-se que o perfil de
cuidadores de pessoas com deficiência é majoritariamente feminino, com idades entre 40 a 50 anos;
3 - Por ser benefício assistencial, o BPC apresenta critérios de seletividade que comprometem a
inserção no mundo do trabalho das mulheres que cuidam das pessoas com deficiência, já que o
impacto de acréscimo à renda familiar pode vir a implicar em possível recorte do estabelecido para
¼ do salário mínimo por pessoa da família;
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4 - As propostas da PEC 287/2016 comprometem a sobrevivência e condição de cidadania dos(as)
usuárias do BPC e de suas famílias;
5 - As cuidadoras de pessoas com deficiência ou doença crônica, habitualmente são mulheres
(mães) que se dedicam ao cuidado deste beneficiário e, em virtude do corte de renda familiar, ficam
impossibilitadas de inserção no mundo do trabalho formal, comprometendo assim a possibilidade
futura do reconhecimento da própria proteção social, através de uma aposentadoria. Com as
proposituras sinalizadas pela atual reforma da previdência, esse cenário se agudiza;
6 - As sugestões de emenda à Constituição Federal de 1988 representam um retrocesso na
compreensão do “Estado Social” como garantidor de direitos;
7 - Como garantir condições de autonomia e inclusão das cuidadoras de pessoas com deficiência?
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SOCIAL PROTECTION AND CARE: IMPACTS OF THE BRAZILIAN SOCIAL
SECURITY REFORM ON THE LIFE OF CAREGIVERS (S) OF USERS OF THE
BENEFIT OF CONTINUED PROVISION.
Abstract: Care is an integral part of relationships in society, established among historical subjects.
Its recognition as a phenomenon necessary for the survival and perpetuation of the species is
circumscribed by multiple theoretical perspectives and contradictions. Capitalism, as a mode of
production, eliminates the recognition of care as part of the world of work. In this sense, the
neoliberal perspective that deepens in our country, with immediate repercussions on the retraction
of social protection, reaffirms the transfer of care from the state to the family sphere, intensifying
the gender cut, with the historical feminization of care based on the reflexes of Social constructions
that establish the division and organization of work at levels that distance the public space and the
private sphere, leaving to the female subjects activities related to the domestic space and the care
with "their" relatives and / or close in times of difficulties In the most diverse areas of life, mainly
related to the field of health. This paper focuses, theoretically, on the official documents published
by the executive and legislative branches, specifically on the changes proposed by the pension
reform in Brazil through PEC 287/2016, its relation with Decree 6,214 (As amended by Decree
8805/2016) and the impacts on the social rights of the caregivers of beneficiaries of the Continuous
Benefit Benefit, especially those with disabilities or chronic diseases. From the outset, the
legislation establishes that the beneficiaries of the Continuous Benefit Benefit must be included in
the criteria of selectivity established in the legal limits, considering socioeconomic criteria and
conditions for the world of work (since it is a benefit financed by the social assistance policy),
Inserted in this range of potential public, elderly (from 65 years), people with chronic disease or
disability. The caregivers of people with disabilities or chronic illnesses are usually women
(mothers) who dedicate themselves to the care of this beneficiary, and, because of the family
income cut off, they are unable to enter the world of formal work, thereby compromising the future
possibility of Recognition of their own social protection through retirement. With the proposals
signaled by the current pension reform, this scenario becomes more acute.
Keywords: Care. Social, Protection. Social Security. Disability.