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Rodolfo Mendes Gardinal Bressan
PROVAS ILÍCITAS O psicológico do Magistrado em contato com a prova ilícita
Centro Universitário Toledo Araçatuba
2010
Rodolfo Mendes Gardinal Bressan
PROVAS ILÍCITAS O psicológico do Magistrado em contato com a prova ilícita
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Toledo sob a orientação do Prof. Jaime José da Silva.
Centro Universitário Toledo Araçatuba
2010
Banca Examinadora
________________________________
Prof. Jaime José da Silva
________________________________
Prof. Nivaldo Martins Coelho
________________________________
Prof. Rodolfo Carlos de Oliveira
Araçatuba, 15 de outubro de 2010
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus que sempre me ajudou e me fortaleceu em
meio às dificuldades e sempre me trouxe muita alegria.
Aos meus pais por terem colocados os meus estudos como prioridade em
suas vidas e por terem me incentivado a estudar Direito. Obrigado pelos ensinamentos e
conselhos que me deram, pois o que sou hoje é graças a vocês.
Ao Professor Jaime José da Silva, por ter me dado toda a orientação
necessária para a elaboração desse trabalho, e pelo companheirismo e amizade.
Aos todos os meus colegas da turma do 10º Semestre D, em especial, aos
meus amigos Ana Claudia Paschoal Grillo, Amauri César Bini Júnior, Fernando Roberto
Pereira, João Carlos Viol, Lucas Carlos Vieira e Sheila Yamazaki, por terem me repreendido
quando eu estava errado, me incentivado a prosseguir, me auxiliado no aprendizado de
diversas matérias e por tudo o que fizeram por mim. Sem vocês, eu jamais estaria aqui.
Aos meus amigos da Igreja El Shaddai, por terem sido companheiros tanto
na alegria quanto na tristeza e por terem me auxiliado e me ensinado a caminhada da vida.
Ao meu grande líder Wanderley Neto. Não há palavras para descrever o que
você fez por mim. Obrigado pela amizade, pelo companheirismo, por ter chorado comigo
quando precisei chorar e por ter se alegrado comigo quando estive alegre. Agradeço a Deus
todos os dias por seu meu líder.
A todos aqueles que de alguma forma, tanto diretamente quanto
indiretamente me auxiliaram a chegar até aqui, e me tornar o que sou hoje. Muito obrigado
pela ajuda de vocês!
Seja você quem for, seja qual for a sua posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.
(Ayrton Senna)
RESUMO
O presente trabalho pretende demonstrar o quanto as provas ilícitas e as
investigações criminais poderão afetar a imparcialidade do juiz, incentivando com que este,
no primeiro caso, declare a sua suspeição, e no segundo, incentivar a criação do juiz
garantidor, o qual atuará apenas na área investigativa. Neste estudo, vamos analisar alguns
aspectos quanto a figura do Magistrado, incluindo suas prerrogativas; irá ser feito um estudo
apurado sobre o sistema inquisitivo-acusatório no processo penal, citando-se o seu histórico,
bem como suas características, após será feito mencionado sobre o processo penal e ao final,
será estudada algumas provas em espécie e a figura do magistrado em contato a prova ilícita.
Espera-se com o resultado final, que possa ser demonstrado o quanto as provas ilícitas e as
investigações criminais possuem efeito negativo no psicológico dos juízes de direito,
violando, por conseguinte, o princípio da imparcialidade do magistrado.
Palavras chaves: juiz, magistrado, provas ilícitas, inquérito policial, investigação,
imparcialidade.
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate how much the illegal evidence in criminal
investigations may affect the impartiality of the judge, seeking a declaration encouraging with
your suspicion in the first case, and second, encourage the creation of the judge guarantor,
which will act only in the area investigative crime. In this study, we examine some aspects of
how the figure of the Magistrate, including its prerogatives, will be done an accurate study on
the inquisitorial system-adversarial criminal proceedings, citing his history as well as their
characteristics, and will ultimately be evidence in some species studied and the figure of the
magistrate with the illegal evidence. It is hoped that the end result, it can be demonstrated
how the illegal evidence in criminal investigations and have the psychological effect of
judges, violating therefore the principle of impartiality of the magistrate
Keywords: judge, magistrate, illegal evidence, police investigation, research, impartiality.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
STF
IPM
Supremo Tribunal Federal
Inquérito Policial Militar
CPP Código de Processo Penal
STJ Superior Tribunal de Justiça
CPC Código de Processo Civil
HC Habeas Corpus
SUMÁRIO
Introdução .......................................................................................................
09
I. Do Juiz .............................................................................................................
15
1.1. Da imparcialidade do juiz .......................................................................
15
1.2. Do livre convencimento do Magistrado..................................................
16
1.3. Das prerrogativas dos Magistrados ........................................................
1.4. Do impedimento e da suspeição ..............................................................
17
19
II. Da Produção da Prova ....................................................................................
21
2.1. Do sistema inquisitivo-acusatório ...........................................................
21
2.1.1. Histórico do sistema inquisitivo ....................................................
21
2.1.2. Sistema inquisitivo-acusatório no Brasil .....................................
22
2.1.3. Do inquérito policial ......................................................................
24
2.1.4. Da produção antecipada de provas ..............................................
2.1.5. Da liberdade de prova ...................................................................
25
26
2.2. Da prova ....................................................................................................
2.2.1. Do conceito e das características da prova ..................................
2.2.2. Do princípio da vedação das provas ilícitas ................................
2.2.3. Do ônus da provas .........................................................................
2.3. Da prova no processo penal ....................................................................
2.3.1. Da ação penal
26
29
29
30
31
31
32
.................................................................................
2.4. Da constituição e da produção da prova ...............................................
III. Das Provas em Espécie ...................................................................................
34
3.1. Introdução ................................................................................................
34
3.2. Do corpo de delito ....................................................................................
3.2.1. Das perícias ....................................................................................
3.3. Do interrogatório do acusado .................................................................
3.4. Da prova testemunhal ..............................................................................
3.5. Das declarações do ofendido ...................................................................
34
35
36
37
38
IV. O Juiz e a Prova Ilícita ...................................................................................
4.1. Do princípio da celeridade e economia processual ...............................
4.2. Do juiz e as investigações .........................................................................
4.3. O juiz e a sentença ...................................................................................
4.3.1. O pensamento de autores estrangeiros ........................................
4.3.2. O pensamento de Miguel Reale e Renato Nalini ........................
4.3.3. O psicologismo jurídico ................................................................
Erro! Indicador não definido.
41
42
43
43
45
46
Conclusão .........................................................................................................
48
Referências ......................................................................................................
50
9
INTRODUÇÃO
Atualmente, o juiz que tenha entrado em contato com alguma prova ilícita
após a edição da Lei nº. 11.690/08 poderá ter a faculdade de se declarar suspeito no processo.
Com a suspeição, como já é sabido, o juiz declara que não poderá julgar a causa, e remeterá
os autos para um outro juiz julgá-la.
Apesar da mesma lei que efetuou a reforma supracitada pretende sanar este
vício ordenando que a prova, quando constatada a sua ilicitude deve ser desentranhada do
processo, verifica-se que mesmo com a ausência nos autos, o juiz continuará com a mesma
em seu intelecto, emitindo, por conseguinte, uma sentença totalmente contaminada com a
prova ilícita.
Assim, é totalmente relevante estudar o inteleto do Magistrado e as provas
ilícitas, pois é necessário demonstrar que o juiz, como qualquer ser humano, possui emoções,
sentimentos e razão, e que é através dos mesmos que o juiz julga, sendo que a própria palavra
sentenciar, deriva da palavra em latim sententiando, gerúndio do verbo sentire1, ou seja, o juiz
julga também com a emoção.
O conceito de prova, segundo o professor Mougenot (2009, p. 303), é “o
instrumento usado pelos sujeitos processuais para comprovar os fatos da causa, isto é,
aquelas alegações que são deduzidas pelas partes como fundamento para o exercício da
tutela jurisdicional”.
Nucci, estudando a raiz da palavra prova e provar, afirma que “o
termo prova origina-se do latim – probatio -, que significa ensaio, verificação [...]. Dele
deriva o verbo provar – probare -, significando [...] persuadir alguém a alguma coisa ou
demonstrar.
Provar, para Tourinho Filho (2009, p. 213), “é [...] estabelecer a existência
da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelece-la. Provar é, enfim,
demonstrar a certeza do que se diz ou alega”.
Provas, por outro lado, para Tourinho Filho (2009, p. 213), são “[...] os
elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio Juiz visando a estabelecer, dentro do
processo, a existência de certos fatos”.
1 Em português: Opinião (tradução nossa)
10
Demonstrado o conceito de provas, é necessário falar sobre provas ilícitas,
as quais, nos termos do artigo 157 do CPC, são todas aquelas em que forem obtidas em
violação a normas constitucionais, como por exemplo, a autoridade policial que invade uma
casa á noite, violando o art. 5º, inciso IX da Constituição Federal2, ou legais, como por
exemplo, a pessoa que intercepta cartas pessoais, violando o art. 233 do CPP. 3. Diz o referido
artigo:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Segundo Mougenot (2009, p.311), “são provas ilícitas aquelas cuja obtenção
viola princípios constitucionais ou preceitos legais de natureza material. [...]”
Já Maluly (2009, p. 301) separa as provas ilegais em provas ilícitas e
ilegítimas, dizendo que “as provas ilegais podem ser produzidas com infração às normas
processuais – quando serão chamadas de provas ilegítimas - ou com ofensa ao direito material
– chamadas, então, de provas ilícitas”.
Por sua vez, o referido autor (2009, p. 301) afirma que nas provas ilegítimas
“a necessária sanção já está prevista na nulidade do processo”, enquanto que as “provas
obtidas por meios ilícitos (com violação às normas de direito material) são inadmissíveis no
processo, constituindo-se uma garantia constitucional, definida no art. 5º, inciso LVI”.
O professor Nucci (2009, p. 391), enquadra todas as provas ilegais como
provas ilícitas, dizendo que:
Em primeiro lugar, tornou-se evidente como gênero a expressão provas ilícitas, do qual surgem as espécies: as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam qualquer norma da legislação ordinária, por isso, envolvem tanto as penais quanto as processuais penais. Uma prova conseguida por infração à norma penal (ex: confissão obtida por tortura) ou alcançada violando-se norma processual penal (ex.: laudo produzido por um só perito oficial) constitui prova ilícita e deve ser desentranhada dos autos
Assim, o juiz que entra em contato com a prova ilícita, tomando
conhecimento da existência da mesma, é denominado de juiz contaminado.
2 XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial (grifo nosso); 3 Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em
juízo (grifo nosso).
11
O juiz ou desembargador que estiver em contato com alguma destas provas,
nos termos do art. 157, §4º do CPP, era obrigado a não proferir a sentença ou acórdão,
respectivamente.
O artigo 157, §4º do CPP, o qual foi vetado pela Lei 11.690/2008 dizia: “O
juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença
ou acórdão. (NR)” permitindo com que o juiz ou desembargador tenha a faculdade de julgar
ou não o processo, mesmo que tenha seu entendimento sido viciado pela mesma.
A mensagem de veto do Ministério da Justiça e da Advocacia-Geral da
União4 foi a seguinte:
O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada. (Diário Oficial da União de 10.6.2008)
A respeito do tema, Lopes apud GOMES, 2008) leciona:
[...] a desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica (consciente ou inconsciente) do julgador, faz com que a discussão seja ainda mais reducionista. Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar deveriam merecer atenção muito maior por parte dos juristas, especialmente dos tribunais, cuja postura até agora se tem pautado por uma visão positivista, cartesiana até, na medida em que separa emoção e razão, conforme já explicamos em outra oportunidade, o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo [...]
Sobre o veto do §4º, Gomes (2008), diz que:
[...] o dispositivo foi vetado por razões de eficácia do processo (celeridade, simplicidade, troca do juiz etc.). Mas jamais a lei processual penal cumpre bem o seu papel quando deixa de conciliar a eficácia com as garantias do acusado. A eficácia cede quando se depara com uma garantia absolutamente imprescindível, como é a da imparcialidade do juiz.
4 A partir de agora, o Ministério da Justiça será chamado de MJ e a Advocacia-Geral da União de AGU
12
De fato, não obstante o entendimento jurisprudencial de que o processo
deverá ser feito da forma mais célere (princípio da economia processual) e simples possível, é
necessário atentar-se a diversos princípios que, infelizmente, não foram observados pelo MJ e
pela AGU.
Os princípios da imparcialidade do juiz, in dúbio pro reo5 e da presunção de
inocência também devem ser cumpridos no processo penal. O princípio da imparcialidade do
juiz determina que este deverá espelhar a vontade do Estado ao emitir suas decisões, de
maneira totalmente imparcial, sendo que se não for assim, o Magistrado deverá se declarar
impedido ou suspeito, o princípio in dúbio pro reo diz que se em um processo o processo
estiver presente provas contraditórias, o juiz deverá sentenciar em favor do réu, libertando-o e
o princípio da presunção de inocência diz que toda pessoa é inocente, até a sentença penal
condenatória transitada em julgado.
O problema que é encontrado é que os juízes de direito estão emitindo
decisões viciadas pelas provas ilícitas, que prejudicam, não somente o réu, mas também a
sociedade em geral, causando uma forte insegurança jurídica, pois, afinal, como poderá o juiz
contaminado julgar suas decisões respeitando, por exemplo, os três princípios supracitados?
Deve-se ter em mente que o juiz é um ser humano, e não uma máquina em que é possível
apertar uma tecla e todo o seu pensamento será esvaziado.
O objetivo deste trabalho é apresentar os malefícios que a prova ilícita
trazem ao pensamento do magistrado sentenciante, estudando não somente o juiz, mas
também os princípios que cercam a provas ilícitas e o magistrado. Também possui como
objetivo demonstrar que o juiz que participa demasiadamente da investigação da causa,
poderá ter sua imparcialidade corrompida.
Espera-se também, que seja possível convencer os Magistrados a se
declararem suspeitos, nos casos em que forem contaminados com a prova ilícita.
É necessário ressaltar que as provas ilícitas quando de alguma forma
consigam favorecer o réu, podem ser admitidas no processo penal. Essa é a posição de ilustres
autores como Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
Magalhães Gomes Filho apud Maluly (2009, p. 302), os quais afirmam que:
Não deixa de ser, em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que obtida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros.
5 Na dúvida, a favor do réu (tradução nossa)
13
Celso de Mello apud Maluly (2009, p. 302), em seu voto na decisão do HC
69.912-0/RS (DJU de 26/11/1993), afirmou:
A cláusula constitucional do due processo of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma de inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas, uma de suas projeções concretizadas mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ou produzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de consequência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude tenha sido reconhecida pelo Poder Judiciário.
O presente trabalho também irá falar sobre o inquérito policial, explicando o
seu caráter misto (sistema inquisitivo-acusatório), defendendo a idéia da criação do juiz
garantidor, o qual irá apenas atuar na área de investigação criminal, e na impossibilidade,
defende-se o pensamento de que o magistrado que entender que a investigação afetou de
alguma forma sua imparcialidade, deverá declarar-se suspeito, não julgando, por conseguinte,
a lide.
Nos primeiros capítulos, serão estudadas as a figura do Magistrado, sendo
exposto as suas prerrogativas e as suas garantias, devendo ser mencionado ainda as “armas”
que são usadas pelo juiz para que possa eximir-se de julgar a causa quando estiver com sua
parcialidade manifestadamente alterada.
Logo após, será estudado as formas de produção de prova, começando pelo
sistema inquisitivo acusatório, o qual será demonstrado o seu histórico e o inquérito policial,
bem como a produção antecipada de provas e a liberdade de produção de provas, contudo que
seja feita em consonância com a lei e a Constituição Federal.
Então, será feita algumas considerações sobre a prova no inquérito policial,
e a prova no processo penal.
Em seguida, será estudada algumas das espécies de provas, á saber: corpo
de delito, interrogatório do acusado e o depoimento das testemunhas.
Por fim, será estudado o juiz e a prova ilícita, fazendo-se primeiro algumas
ponderações sobre o princípio da celeridade e economia processual, tendo em vista que foi
14
este o motivo que revogou o §4º do artigo 156 do Código de Processo Civil. Seguindo, será
estudado sobre o juiz e a investigação, demonstrando-se que quando o juiz se propõe a
investigar uma determinada causa, esse estará causando uma “perturbação” em sua
parcialidade. Em seguida, será feito comentários acerca do pensamento de autores
estrangeiros e brasileiros sobre o psiquismo do juiz nas sentenças e por fim, será exposto as
razões pela qual esse trabalho não pretende adotar como posição absoluta o psiquismo
jurídico.
Em seguida, concluindo este trabalho, irá ser declarado os motivos pelo qual
o juiz deverá resguardar a sua imparcialidade, deverá sempre não julgar a causa quando esta
estiver profanada, independentemente do princípio da celeridade e economia processual, com
o escopo de que não seja prejudicado os direitos constitucionais do acusado.
15
I. DO JUIZ
1.1. Da imparcialidade do juiz
A imparcialidade do juiz é requisito essencial para que o Estado possa
exercer seu poder jurisdicional, garantindo as partes que a causa será julgada por um terceiro
que não tem qualquer envolvimento com qualquer uma delas, julgando a mesma com justiça.
A imparcialidade do juiz está ligada apenas ao envolvimento com as partes,
pois este princípio, como dito, visa garantir que as partes terão um julgamento justo, por uma
pessoa que não possui nenhuma afinidade ou inimizade com qualquer uma delas.
Atualmente, não se exige apenas que o Magistrado seja uma pessoa com
grande saber jurídico e intelectual, mas também é necessário que o mesmo cumpra com a
obrigação lhe é imposta pelas normas que regem o processo, tais como: obrigação de motivar
as decisões, e os vários incidentes de suspeição e de impedimento (os quais serão estudados
posteriormente), sem tomar qualquer atitude que possa quebrá-las. Isto ocorre, pois tendo em
vista que a parte não poderá exercer a autotutela (fazer “justiça com as próprias mãos”), ela
deverá ter garantido que caso se socorra do poder Judiciário para resolver a lide, o mesmo irá
solucioná-la através de um juiz justo e imparcial, retribuindo a confiança que as partes
possuem no órgão jurisdicional. (MARCATO, Antonio Carlos (Org.). Código de Processo
Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 373).
Para o professor Humberto Theodoro Junior (2009, p. 39):
“É [...] a jurisdição “atividade desinteressada de conflito”, visto que põe em prática vontades concretas da lei que não se dirigem ao órgão jurisdicional, mas aos sujeitos da relação jurídica substancial deduzida em juízo. O juiz mantém-se equidistante dos interessados e sua atividade é subordinada exclusivamente à lei, a cujo império se submete como penhor de imparcialidade na solução do conflito de interesses.”
Tamanha é a importância da imparcialidade dos Magistrados, que até
mesmo os próprios Ministros do STF não estão imunes a ela, e isto é verificado no art. 285 do
seu próprio Regimento Interno, o qual diz:
Art. 285. Afirmada a suspeição pelo argüido, ou declarada pelo Tribunal, ter-se-ão por nulos os atos por ele praticados.
16
A imparcialidade é importante para o sistema jurídico, pois impede o
surgimento dos tribunais de exceção, os quais são aqueles criados para julgar um determinado
crime específico. O exemplo mais comum é o Tribunal de Nuremberg, criado para julgar os
crimes efetuados pelos nazistas.
Além disso, o Magistrado deverá formar sua convicção baseada nas provas
encontradas no processo.
Mas nem sempre o juiz consegue encontrar provas suficientes para formar
sua convicção. Nestas situações, a legislação não o deixou desamparado, introduzindo
algumas soluções, como por exemplo, no direito penal, utiliza-se o princípio in dúbio pro reo
(no caso de falta de provas cabais incriminadoras, o réu deverá ser posto em liberdade) e no
direito civil, existem as regras do ônus da prova, como demonstra o art. 333 do CPC:
O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Entretanto, caso o Magistrado não deseje utilizar-se dessa “salvação” criada
pela lei (o que dificilmente ocorre, em razão do excesso de trabalho), ele poderá, nas suas
possibilidades, produzir as provas necessárias para formar a sua convicção, contudo que tome
cuidado para não prejudicar a sua imparcialidade.
Por fim, ressalta-se que o juiz deve ser imparcial, mas não indiferente à
causa, ou seja, ele deverá tomar todas as medidas necessárias para que o processo termine
com um julgamento justo, sem decidir a lide pela aparência de qual parte “possui o melhor
direito”, como por exemplo, o magistrado ter o seguinte pensamento ”o réu tem cara de mau,
por isso, vou mandá-lo para a cadeia”.
1.2. Do livre convencimento do Magistrado
Segundo o princípio do livre convencimento, o juiz poderá julgar a causa de
acordo com a sua convicção íntima, formada livremente, porém logicamente sustentada pelas
provas dos autos (a verdade está na cabeça do juiz).
Para Eugenio Pacelli de Oliveira (2009, p. 297), por este princípio, “o juiz é
livre na formação de seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de
17
valoração prévia da prova, podendo optar livremente por aquela que lhe parecer mais
convincente”.
Importante mencionar que para o referido autor, “a liberdade quanto ao
convencimento não dispensa, porém a sua fundamentação ou a sua explicitação. É dizer:
embora livre para formar o seu convencimento [...] deverá declinar as razões [...]”.
O referido princípio é importantíssimo para a preservação da racionalidade
na avaliação da prova, evitando decisões desconectadas dos autos, com base apenas na íntima
convicção do magistrado, que está livre para formar o seu convencimento, porém
sensatamente adstrito às provas dos autos e condicionado à fundamentação, garantindo o
salutar questionamento da sua decisão pelas partes. O Magistrado deve formar o seu
convencimento, para julgar livremente a causa, valorando-a de acordo com a sua convicção,
sendo necessário que somente fundamente todo o seu pensamento.
Entretanto, deve-se anotar que existem limites e restrições a este princípio.
Como exemplos de limites e restrições (restrições, in casu, referem-se a
conformação do princípio supracitado com outros também relacionados com a prova, como
por exemplo, o princípio da vedação das provas ilícitas), podem-se citar os seguintes: o juiz
não poderá formar sua convicção sobre as provas ilícitas, deverá obedecer as restrições
especiais para a obtenção da verdade real, deverá obedecer, nas provas colhidas, as garantias
do contraditório, como os depoimentos e inquirições tomados no inquérito policial, deverá
condenar o réu nos termos dos fatos explicados na denúncia, entre outros.
Sendo assim, o princípio do livre convencimento do Magistrado será
essencial para o juiz de direito agir com imparcialidade nos processos em que atuar.
1.3. Das prerrogativas do Magistrado
As prerrogativas conferidas aos Magistrados visam impedir com que
algumas circunstâncias possam influenciar o seu convencimento, atingindo a sua
imparcialidade.
Estas prerrogativas são encontradas no art. 95 da Constituição Federal:
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
18
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.
Estas prerrogativas do Magistrado são tão importantes para que o juiz julgue
a causa imparcialmente, que José Frederico Marques (2000, p. 14) mencionou que em 29 de
outubro de 1940, na apelação número cível número 7.376, o STF decidiu que “o juiz “é
constitucionalmente um funcionário sui generis, vitalício, inamovível e de vencimentos
irredutíveis”, não sujeito ao Estatuto dos Funcionários Públicos, pois o “Estatuto Judiciário
é... a própria Constituição nas cláusulas basilares da independência da função, desenvolvidas
pela leis complementares ou peculiares à magistratura”.
Existem três prerrogativas do Magistrado, a saber, a vitaliciedade, a
inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.
A vitaliciedade está no artigo 95, inciso I da Constituição Federal6, o qual
garante ao magistrado que este nunca poderá ser destituído de suas funções, exceto nos casos
de determinação de sentença transitada em julgado. A vitaliciedade é adquirida após dois anos
do efetivo exercício no cargo da Magistratura, pois antes deste período, o juiz estará em um
estágio probatório, exercendo a função de juiz substituto.
A inamovibilidade está expressa no art. 95, II da Constituição Federal7, e
permite ao juiz que este trabalhe permanentemente no local onde está situado, gerando, por
conseguinte, a estabilidade do magistrado. A única exceção para este princípio é o juiz ser
removido por motivos de interesse de interesse público, por voto da maioria absoluta do
respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, nos termos do art. 93, VIII da
Constituição Federal:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
6 Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; 7 II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
19
A irredutibilidade de vencimentos, nos termos do artigo 95, III da Carta
Magna8, como o próprio nome diz, para manter a imparcialidade do julgador compromete-se a
não diminuir os salários (subsídios) percebidos por este.
Estas prerrogativas possuem como finalidade auxiliar o juiz a julgar o
processo com imparcialidade, sem que nenhum fator externo possa interferir em suas
decisões.
1.4. Do impedimento e da suspeição
O juiz deverá, pela escusar-se de julgar o processo em que haja alguma
afronta a sua imparcialidade, afastando-se de sua presidência e para fazer isso, poderá utilizar-
se das causas de impedimento e suspeição.
As causas dos impedimentos estão dispostas no art. 252 do Código de
Processo Penal:
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.
Os impedimentos são proibições que tornam o juiz impedido de atuar no
processo em que exista algum dos motivos do artigo supracitado. Eles ainda geram uma
presunção absoluta de parcialidade do magistrado, bem como, devem ser arguidas pela parte,
ou a qualquer tempo pelo juiz. A doutrina diverge quanto aos efeitos dos atos do juiz
impedido: para alguns, são atos inexistentes, para outros, são todos os atos de nulidade
absoluta.
Ainda tratando sobre impedimentos, o Código de Processo Penal, em seu
art. 253, disciplina que nos juízos coletivos (Tribunais), não poderão servir no mesmo
processo os juízes que forem parentes entre si, consanguíneos ou afins, em linha reta ou
8 III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.
20
colateral até o terceiro grau, inclusive, pois a o juiz poderá ser influenciado pelas relações de
parentesco, atingindo, por conseguinte, sua imparcialidade.
Como é notório, os impedimentos afetam o julgamento do Magistrado,
pelos seguintes motivos: a) nos incisos I e II, o juiz ou algum parente irá ser quem atuará no
processo com uma função relevante, o que poderá prejudicar seu andamento; b) no inciso III,
o juiz dificilmente irá ter o desejo de reformar uma decisão sua, e portanto, mesmo que haja
algum vício processual, irá mantê-la; c) no inciso IV, o juiz, levado por suas emoções, poderá
ser estimulado a julgar o processo em favor de seu parente, prejudicando o princípio da
imparcialidade do juiz.
A suspeição, por sua vez, é disciplinada pelo artigo 254 do Código de
Processo Penal, o qual diz:
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - se tiver aconselhado qualquer das partes; V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
A suspeição afasta o juiz da presidência do processo e poderá ser arguida
pelo mesmo de ofício ou a requerimento das partes, sendo que nos termos do art. 564, inciso I
do Código de Processo Penal, a suspeição é causa de nulidade no processo. A suspeição por
motivo íntimo não necessita de nenhuma previsão legal, assim, se o juiz sentir que a sua
parcialidade está abalada no processo, poderá se escusar de julgar a causa, fundamentando
com base no art. 135 do Código de Processo Civil.
A suspeição também irá prejudicar o bom andamento processual, pois irá
prejudicar o intelecto do Magistrado no momento do mesmo efetuar suas decisões, senão
vejamos: a) no inciso I, o juiz possui uma grande afinidade com a parte (não é qualquer
amizade que poderá declarar a suspeição do juiz; deverá ser uma amizade profunda, íntima),
ou o juiz considera a mesma como seu inimigo capital (a inimizade capital também exige que
não seja qualquer desentendimento do magistrado com a parte, sendo que é exigível um
sentimento de ódio, revolta), o que, por obviedade, irão afetar o seu julgamento, seja
favorável a parte (amizade íntima), ou seja desfavorável (inimizade capital); b) nos incisos II
21
e III, os parentes do juiz estão envolvidos no processo, o que influirá no espírito e no ânimo
do julgador, afinal, o juiz não irá prejudicar a sua própria família, e nem eles irão prejudica-lo;
e c) nos incisos IV, V e VI, o Magistrado não terá nenhum parentesco com as partes, mas o
legislador entendeu que se algum juiz incidir em algum destes, terá a sua imparcialidade
afetada.
Como restou demonstrado, as causas de impedimento e suspeição são
remédios encontrados pela lei para resguardar a imparcialidade dos Magistrados.
22
II. DA PRODUÇÃO DA PROVA
2.1. Do sistema inquisitivo-acusatório
2.1.1. História do sistema inquisitivo
O sistema inquisitivo foi originalmente instituído pelos caninistas, e aos
poucos estava dominando a legislação laica da Europa.
Na Itália, era comum a presença da “boca da verdade” (estátuas com
aparência de um leão de boca aberta) onde ali, os alcaguetes e digiti duri faziam as suas
denúncias secretas (anônimas). Entretanto, este sistema começou a entrar em desuso, como
afirmava Farinácio, no século XVI: processus per viam secreti denuntiatores improbatus est a
jure... Male faciunt judices et notarii recipientes istas notificationes... (o processo iniciado por
denúncias secretas é reprovado pelo Direito... agem mal os Juízes e notários que recebem tais
comunicações).
Na Espanha, por sua vez, vigorava o o Código chamado Libro de lãs Leyes,
mais conhecido com o nome de Las Siete Partidas.
A Alemanha instituiu o seu sistema inquisitivo no final do século XV, por
meio de diversas leis, sendo delas a mais importante a Constitutio Criminalis Carolina. O
sistema inquisitivo foi demonstrado ao máximo neste país através dos Tribunais de
Inquisição, os quais foram formados para perseguir aqueles que praticavam crimes contra a
religião, a honra e a paz pública, sendo que nesses Tribunais, todos os atos processuais eram
secretos, bem como, o acusador, a sentença e os Juízes.
Na França, o sistema inquisitivo ocorria da seguinte maneira: a defesa era
proibida, o processo tramitava em segredo, acusador e julgador eram a mesma pessoa e a
tortura era admitida para conseguir obter a confissão do acusado.
Apesar de todos esses acontecimentos nesses países, foi por causa de
Colbert, no reinado do Rei Luis XIV que inaugurou-se a Ordonnance sur la procédure
criminelle – “a mais perfeita expressão técnica do sistema inquisitivo”, a qual se dava da
seguinte forma: era escrita, secreta e não contraditória (. Este sistema era formada de 3 fases:
a primeira, que era a fase das informações (colheita de provas); a segunda, que era a da
instrução preparatória; e a terceira, a do julgamento.
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Diferentemente do que acontecia nestes países, na Inglaterra, após o IV
Concílio de Latrão, passou-se a considerar o acusado como um gentlement, tornando o
processo um fair trial (julgamento justo). Era predominante a instituição do júri, onde a
persecução ficava a cargo de qualquer pessoa do povo.
Então, no século XVIII, estava surgindo o primeiro movimento contra a
inquisição, com o aparecimento de ilustres pensadores, como Montesquieu (condenava as
torturas e exaltava o Ministério Público), Beccaria afirmava que o direito de punir deveria ser
feito de forma equilibrada e Voltaire criticou a Ordonnance do rei Luiz XIV, declarando que
esta lei fazia parecer ao Juiz que o acusado era na realidade um verdadeiro inimigo.
A partir de então, vários países mudaram seu pensamento, adotando idéias
do Iluminismo, como por exemplo a França e Nápoles, as quais aboliram as torturas, mas
somente em 26 de agosto de 1789, com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, é que as idéias Iluministas foram efetivamente postas em prática.
2.1.2. Sistema inquisito-acusatório no Brasil
O sistema processual que foi adotado em nosso país é misto, pois engloba
tanto as regras do sistema inquisitivo, como as do sistema acusatório.
O início da investigação do crime, em regra, se inicia na Delegacia, com a
instauração do inquérito policial, seguindo-se o sistema inquisitivo, com alguns atos
excepcionalmente jurisdicionalizados. No inquérito policial, o delegado irá colher as provas,
constituindo-as as quais serão produzidas no processo e afinal serão usadas posteriormente no
âmbito judiciário, com força probatória definitiva.
O art. 42 do Decreto nº 4.824/71, o qual separou o Poder Judiciário da
Polícia, conceitua o inquérito policial afirmando que este “consiste em todas as diligências
necessárias para o descobrimento do fato criminoso, de suas circunstâncias e dos seus autores
e cúmplices”.
O Professor Mougenot (2009, p. 104), baseando-se nos posicionamentos
reconhecidos atualmente pela doutrina e jurisprudência, complementa o disposto nesse artigo
dizendo que:
[...] o inquérito policial como o procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas pela polícia, no exercício da função judiciária, com vistas à apuração de uma infração penal e à identificação de seus autores.
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A apuração de uma infração penal ocorre quando a autoridade policial irá
colher as provas necessárias para que o Estado possa exercer seu jus puniendi sobre o
cidadão.
O inquérito policial inicia a persecução penal, é o instrumento utilizado para
a constituição de provas sobre a materialidade delitiva, reconstituição do fato criminoso, e
indicação de sua autoria, que deve ocorrer na primeira fase do procedimento bifásico adotado
pelo nosso sistema jurídico, funcionando como uma garantia aos direitos e garantias
individuais, ao afastar a possibilidade de denúncia infundada, ao mesmo tempo em que
viabiliza a condução da apuração dos fatos e autoria de forma imparcial.
A segunda fase da persecução penal inicia-se com a denúncia do ministério
público ou queixa- crime do ofendido ou do seu representante legal, nos crimes de ação penal
privada, seguindo-se o processo com o recebimento pelo juiz da denúncia ou queixa o qual
irá, imparcialmente e com base nas provas dos autos julgar afinal o réu.
O Magistrado irá fiscalizar o inquérito, podendo deferir a decretação de uma
prisão preventiva ou uma busca e apreensão com a finalidade de garantir o cumprimento das
regras do devido processo legal já na primeira fase da persecução penal, por ocasião da
atuação policial.
A produção de provas, via de regra, está afeta às partes, contudo é
necessário analisar o disposto no artigo 156, II do Código de Processo Penal, o qual diz:
[...] sendo porém, facultado ao juiz de ofício: [...] II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Segundo este artigo, admite-se, atualmente, que o Magistrado ordene a
produção de prova, ou seja, realize diligências (como denomina a lei), tanto a favor da defesa,
ou a favor da acusação (ou como denomina Nucci (2009, p. 26), pró-acusação ou pró-defesa),
a fim de formar o seu convencimento para solucionar devidamente a lide, podendo até mesmo
ouvir quantas testemunhas desejar.
Apesar de o juiz possuir plenos poderes para ordenar a produção de provas,
este deverá agir com cautela para não prejudicar a sua imparcialidade, pois a parte lesada
poderá ingressar com uma exceção de suspeição, buscando o afastamento do magistrado.
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2.1.3. Do inquérito policial
Como já dito, o sistema inquisito-acusatório no Brasil inicia-se com o
inquérito policial, o qual é um procedimento administrativo feito pela polícia judiciária com o
objetivo de colher provas para apurar a prática de uma determinada infração penal e sua
autoria. Mais precisamente, o objetivo primordial do inquérito policial é convencer o
representante do Ministério Público e produzir as provas urgentes, as quais podem
desaparecer após o crime ter ocorrido.
Para o Professor Nucci (2008, p. 167, 168), o inquérito policial possui três
particularidades, a saber, ele é inquisitivo, sigilo, e incomunicabilidade do indiciado.
É inquisitivo, pois não possibilita ao réu nenhuma possibilidade de defesa,
tendo em vista que a função do inquérito é convencer o órgão acusatório da autoria e a da
materialidade do delito e, por conseguinte, torna o respeito ao contraditório e a ampla defesa
desnecessário.
Nucci (2008, p. 167) afirma ainda que os magistrados não devem se basear
apenas no inquérito policial para formar seu convencimento:
Muitos magistrados valem-se do inquérito para calcar suas decisões, como se fosse instrumento produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Utilizar o inquérito para sustentar a condenação do acusado é nitidamente, inconstitucional.
O sigilo é essencial no inquérito, pois o mesmo tem natureza inquisitiva,
administrativa e é formada antes de iniciada a ação penal. O advogado do acusado, entretanto,
poderá acessar os autos, descobrindo a fase processual que este se encontra.
Quanto a incomunicabilidade, Nucci (2008, p. 170), sustenta que a mesma
foi revogada a partir da Constituição Federal de 1988 através das inúmeras garantias
individuais, como o disposto no artigo 136, §3º, IV da Constituição Federal (CF).
Complementa ainda o autor a sua posição dizendo:
[...] a incomunicabilidade somente teria sentido, para garantir efetivamente uma investigação sem qualquer contaminação exterior, se o detido pudesse ficar em completo isolamento. Ora, não sendo possível fazê-lo no que concerne ao seu advogado, fenece o interesse para outras pessoas, pois o contato será, de algum modo, mantido.
Interessante ressaltar que existe ainda outra figura de inquérito denominada
pelo Professor Capez (2009, p. 71, 72) de inquéritos extrapoliciais. Segundo o autor, o §4º do
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Código de Processo Penal disciplina outras formas de investigação criminal além do inquérito
policial, como por exemplo, o IPM, o qual é utilizado para apurar as infrações da justiça
militar, e as Comissões Parlamentares de Inquérito.
Assim, delimitadas as disposições sobre o inquérito, é interessante estudar a
produção antecipada de provas, um dos principais objetivos do inquérito.
2.1.4. Da produção antecipada de provas
A produção de provas deve ocorrer ordinariamente em momento oportuno
designado pelo procedimento próprio, no entanto pode surgir circunstâncias que ditem a
necessidade de antecipar a produção de provas, fundamentando a decretação de uma medida
cautelar denominada produção antecipada de prova, permitindo a realização tanto antes como
depois do início da ação penal.
Assim, temos que a prova produzida antecipadamente é uma exceção, pois o
Magistrado irá permitir a sua realização em momento intempestivo, mas seguindo uma estrita
legalidade.
Existem cinco requisitos para que seja efetuada a produção antecipada de
provas, à saber, a urgência, a relevância (requisitos intrínsecos) e a necessidade, adequação e
proporcionalidade (requisitos extrínsecos). Importa mencionar que todos os requisitos
necessitam de estar presentes para que o Magistrado possa deferir a produção antecipada de
provas.
A urgência ocorre quando a prova necessita de ser feita imediatamente, sob
pena da sua deterioração; a relevância ocorre quando a prova é importante e possui um grande
valor ao processo.
Por sua vez, a necessidade caracteriza-se pela essencialidade, a adequação
afirma que a prova deverá ser produzida seguindo uma ordem lógica ao do processo ou da
investigação e a proporcionalidade afirma que deverá ser demonstrado que a ausência da
antecipação da prova irá trazer sérias consequências no contraditório judicial.
Ressalta-se que foi recentemente editada pela Terceira Sessão do STJ a
súmula 455, a qual diz que: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com
base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente
o mero decurso do tempo.” (Rel. Min. Felix Fischer, em 25/8/2010). Assim, é necessário
haver um fundado motivo para produção antecipada da prova para que esta seja
realizada.
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Assim, a produção antecipada das provas são medidas cautelares que visam
produzir a prova de forma imediata, visando evitar a sua destruição.
2.1.5. Da liberdade de prova
Apesar do Código de Processo Penal (CPP) enumerar diversas formas de
prova, como por exemplo, acareações e oitivas de testemunhas, entende-se atualmente que
este rol não é taxativo, pois, como afirma Tourinho (2009, p. 219), “vigorando no Processo
Penal o princípio da verdade real, é lógico não deva haver qualquer limitação à prova, sob
pena de ser desvirtualizado aquele interesse do Estado na justa atuação da lei.
Segundo o autor, aqueles que defendem que o rol de provas previsto no CPP
não é taxativo, entendem que é necessário apenas que as provas respeitem os diversos
princípios prescritos na constituição, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa
humana. Assim, todas as provas que não sejam imorais, ilícitas ou ilegítimas podem ser
realizadas e irão formar o convencimento do magistrado sem qualquer vício.
Impende ressaltar que as provas que não estão dispostas no código de
processo penal são denominadas de provas inominadas.
Portanto, através dessa liberdade de prova, a polícia e até mesmo o próprio
Magistrado, de ofício, poderá produzir outras provas além daquelas que estão expressas no
código de processo penal.
2.2. Da prova
2.2.1. Do conceito e das características da prova
Conforme as explicações de Nucci (2009, p. 13), a prova tem origem no
latim (probatio), o qual quer dizer ensaio, verificação, inspeção, argumento, razão, aprovação
ou confirmação, sendo que dessa palavra deriva do verbo provar – probare, significando
ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo,
persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.
Mougenot (2009, p. 303), por sua vez, entende que a prova “é o instrumento
usado pelos sujeitos processuais para comprovar os fatos da causa, isto é, aquelas alegações
que são deduzidas pela partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional”.
O ilustre professor afirma ainda:
28
[...] para sermos absolutamente técnicos, devemos compreender que o termo “prova”, no vocabulário jurídico brasileiro, é plurívoco, ou seja, dotado de significados diversos. No direito norte-americano, por exemplo, temos dois vocábulos distintos para a designação de coisas diversas: evidence, para indicar os meios de prova, e proof, para designar o resultado da atividade probatória no espírito do julgador.
Já Demercian (2009, p. 297), citando os conceitos de vários autores, afirma:
“No entanto, a palavra prova possui diversos significados, como alerta Tourinho Filho9 (TOURINHO FILHO, 1996, p. 203, apud DEMERCIAN, 2009, p. 297) para quem, de ordinário, representa “os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio juiz, visando estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos”. De forma diversa, Hélio Tornaghi10 (TORNAGHI, vol. 1, 1987, p. 265, apud, DEMERCIAN, 2009, p. 297) entende que o vocábulo prova também designa o procedimento, “a atividade probatória, isto é, conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador)”. E, no mesmo diapasão, Eduardo Espínola Filho11 (FILHO, 1980, t. 1, vol. 2, p. 434, apud, DEMERCIAN, 2009, p. 297) conceitua prova como a atividade desenvolvida no curso da ação para convencer da existência de infração penal, sua autoria (declinada na denúncia ou queixa), bem como de ter havido ou não causas excludentes da criminalidade, para afastar a responsabilidade do agente”.
Conforme se extrai dos conceitos dos autores supracitados, a prova é
utilizada, prioritariamente, pelas partes (autor e réu), para demonstrar ao juiz de direito, os
fatos que fundamentam determinada causa, com base nos quais deverá fazer incidir as normas
propostas pelo ordenamento jurídico. Quem conseguir convencer o juiz, irá ganhar a causa,
mesmo que suas alegações não sejam verdadeiras, uma vez que a norma deve incidir sobre os
fatos provados, que nem sempre coincidem com os fatos reais.
Acerca dessa questão, o professor Mougenot (2009, p. 304) evidencia que:
Pode-se dizer, assim, que a prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça os fatos sobre os quais fará incidir o direito. Esse, aliás, é o objetivo primordial do chamado processo de conhecimento, no âmbito do qual a parte mais substancial dos atos é voltada à instrução – a produção de provas, a fim de iluminar o espírito do julgador e permitir a ele exercer o poder jurisdicional.
Nesse sentido, o professor Nucci (2009, p. 16) também disciplina que a
finalidade da prova é o convencimento do magistrado, senão vejamos:
9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. CPP interpretado. São Paulo: Saraiva, 1997. Vols. 1 e 2.
10 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 4ª ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 1987, Vols. 1.
11 ESPINOLA FILHO, Eduardo. CPP anotado. 6ª ed. Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980, v. 2.
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Se a prova é a demonstração lógica da realidade, com o objetivo de gerar, no magistrado, a certeza em relação aos fatos alegados, naturalmente, a finalidade da prova é a produção do convencimento do juiz no tocante à verdade processual, vale dizer, a verdade possível de ser alcançada no processo, seja conforme a realidade ou não.
Uma questão importante para ser tratada é a verdade e a certeza da prova. O
professor Nucci (2009, p. 13) a explica:
A prova vincula-se à verdade e à certeza, que se ligam à realidade, todas voltadas, entretanto, à convicção de seres humanos. O universo no qual estão inseridos tais juízos do espírito ou valorações sensíveis da mente humana precisa ser analisado tal como ele pode ser e não como efetivamente é.
O supracitado doutrinador (2009, p. 15) ainda ensina que “as partes devem
saber demonstrar ao juiz a verdade dos fatos alegados, buscando gerar a convicção favorável
ao seu interesse, embora todo o cenário criado possa se distanciar da realidade.”.
O juiz, utilizando-se da livre apreciação da prova, deverá julgar a causa,
sendo que esta “livre apreciação de provas”, não concede uma liberdade total ao magistrado,
mas permite que este julgue a causa, limitando-se às provas trazidas aos autos. Nucci (2009,
p. 19) disciplina que o juiz deverá basear-se apenas nas provas coletadas para formar sua
convicção:
A livre apreciação da prova não significa a formação de uma livre convicção. A análise e a ponderação do conjunto probatório são desprendidas de freios e limites subjetivamente impostos, mas a convicção do julgador deve basear-se nas provas coletadas.
Ademais, o próprio CPP, em seu art. 155, caput, determina que:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzidas em contraditório judicial , não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (grifo nosso)
Quanto à verdade real e formal da prova, como é cediço, aquela é todo o fato que
realmente ocorreu, enquanto que esta é a “verdade dos autos”, ou seja, são todos os fatos e alegações
trazidas pelas partes ao processo, sendo que estas podem ser verdadeiras ou não.
O juiz não deve se limitar apenas às alegações das partes, mas deverá fazer
diversas diligências para conseguir alcançar a verdade real, e isto é demonstrado no artigo 156, II do
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CPP, o qual afirma que o magistrado “deverá determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir
sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.
Nesse sentido, Demercian (2009, p. 298) possui entendimento semelhante:
Os fatos admitidos pelas partes, de acordo com o sistema processual penal pátrio – livre convicção e verdade real – requestarão prova. Só a guisa de exemplo, o juiz não está impedido de diligenciar, de ofício, a esse respeito, somente porque acusação e defesa acordaram sobre determinado ponto. O juiz, notadamente no processo penal, não é mero espectador das provas produzidas pelas partes.
Por sua vez, o meio de prova é todo fato, prova material, ou alegação que
possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo, ou seja, é o
modo pelo qual o juiz irá formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes
(Mougenot 2009, p. 308).
Existem duas espécies de provas no processo penal: as diretas, que são
unidas, sem qualquer intermediário, ao fato que é objetivado, e as provas indiretas, as quais
são as que precisam ser intervidas por algum elemento, fator ou circunstância, para que seja
alcançado o fato almejado. Em processo penal, as provas diretas e indiretas podem ser
utilizadas tanto para condenar, quanto para absolver (Nucci 2009, p. 21).
Importa mencionar que, nos termos do art. 332 do CPC, “todos os meios
legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são
hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa”.
Portanto, conclui-se que as provas são o meio pelo qual as partes irão
demonstrar ao juiz de direito os fatos de uma determinada causa, sendo necessário que as
mesmas deverão obedecer à ética e os princípios constitucionais, tudo para que seja alcançado
com êxito a verdade real.
2.2.2. Do princípio da vedação das provas ilícitas
O princípio da vedação das provas ilícitas é encontrado no artigo 5º, LVI da
Constituição Federal, o qual diz:
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
Nesse sentido, o art. 155, parágrafo único, do Código de Processo Penal diz:
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Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Entretanto, o art. 332 do código de Processo Civil diz:
Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Para Nucci (2008, p. 87), “aparentemente, o disposto na lei processual civil
é mais rigoroso do que o estabelecido pela processual penal, embora todas as normas devam
ser interpretadas em consonâncias com o texto constitucional [...]. O referido autor
complementa seu pensamento dizendo que “é admissível a interpretação analógica e a
aplicação dos princípios gerais de direito em processo penal (art. 3º, CPP).
Segundo Mougenot (2008, p. 48), esse princípio “constitui, em verdade,
uma vedação a que o juízo adote, como elemento de convencimento no curso do processo
penal, elementos de prova obtidos por meios considerados ilícitos”,
Segundo ele (2008, p. 48, 49), “o valor “justiça” não é absoluto, mas
relativo. [...] Assim, [...] esse valor encontra limites em outros valores tutelados pelo
ordenamento jurídico, principalmente nos direitos e garantias [...] do cidadão”.
Importante ressaltar que o autor supracitado (2008, p. 49) afirma que todas
“as provas obtidas por meios ilegítimos, portanto, não devem influir na formação do
convencimento do juiz”.
2.2.3. Do ônus da prova
A palavra ônus significa encargo, incumbência, responsabilidade. Assim, o
ônus da prova é a responsabilidade da parte em produzir a prova, sob pena de conseqüências
adversas ao seu próprio interesse. Como já dito, a parte que não exercer o seu ônus probatório
terá como sanção o não convencimento do magistrado e, por conseguinte, irá perder a causa,
pois o juiz apenas irá considerar as provas e alegações da outra parte.
No sistema de provas brasileiro, é necessário estar sempre atento ao
princípio da inocência do réu (ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória). Em decorrência disso, é possível concluir que o
ônus da prova pertencerá inteiramente ao órgão acusatório (Ministério Público), devendo este
provar a ocorrência do crime e a autoria do delito.
32
Segundo Nucci (2009, p. 23), à defesa caberá apenas negar a imputação
feita pelo Ministério Público, caso contrário, não deverá fazer nada, pois o ônus probatório
pertence ao parquet. Isto é evidenciado pelo brocardo et reus in excipiendo fit actor, o qual
pode ser traduzido em uma determinação de que o réu deverá comprovar suas alegações para
tentar eliminar todas as alegações da acusação.
Ressalta-se que o referido autor (2009, 9. 23) afirma ainda que se o réu tiver
como estratégia “alegar fato diferenciado daqueles constantes da denúncia ou queixa, chama
a si o ônus da prova. É o que naturalmente ocorre com a sustentação do álibi (dizer que estava
em lugar diverso daquele onde aconteceu o crime)”. A mesma regra ocorre quando o acusado
afirma que praticou o delito amparado por uma causa excludente de ilicitude ou culpabilidade.
Portanto, conclui-se que o ônus da prova, em matéria criminal, caberá ao
órgão do Ministério Público.
2.3. Da prova no processo penal
2.3.1. Da ação penal
Findo inquérito policial, a autoridade policial irá enviar os autos para o
representante do Ministério Público, e este deverá, no prazo de 5 dias se o réu estiver preso,
ou no prazo de 15 dias se o réu estiver solto ou afiançado, da data em que o órgão do
Ministério Público receber os autos do inquérito policial, apresentar denúncia, nos termos do
artigo 46 do Código de Processo Penal:
Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
Assim, a partir do oferecimento da denúncia, salvo nos casos expressos em
lei, irá ser iniciada a ação penal. É essa a posição adotada por José Frederico Marques apud
Maluly (2009, p. 103):
Para José Frederico Marques (1961, vol. I, pp. 143-144), a ação penal tem início com o oferecimento da denúncia, e é isso que se infere claramente do confronto do artigo 104 do Código Penal (atual artigo 102) e artigo 25 do Código de Processo Penal. Na opinião do ilustre processualista, o atual artigo 102 do Estatuto Penal fala da irretratabilidade da representação, depois de oferecida a denúncia, e aquele alude
33
ao mesmo fenômeno, depois de iniciada a ação. Daí segue-se que o início da ação penal coincide com o oferecimento da denúncia. No mesmo sentido é o entendimento de Tourinho Filho (1997, vol. I, pp. 365-366).
A partir de então, segundo Mougenot (2009, p. 309) o procedimento
probatório é dividido nas seguintes fases:
Proposição: é o momento do requerimento da produção de uma
determinada prova.
Admissão: o juiz, verificando se a prova é realmente necessária, admite a
sua produção.
Produção: é o momento em que a prova é produzida.
Apreciação: ocorre quando as partes se manifestam sobre a prova
produzida. Deve-se ressaltar que o juiz não é o único quem participa desse procedimento, mas
as partes também.
Após a apreciação, caso não haja mais nada que deverá sanar o processo, o
juiz finalmente irá julgar a causa, apreciando as provas que estão contidas no processo.
2.4. Da constituição e da produção da prova
Cumpre salientar, por fim, que no momento em que está sendo formado o
inquérito policial, a prova está sendo constituída, pois a sua produção apenas ocorrerá quando
instaurado o processo penal.
Isto ocorre pois o inquérito possui um caráter meramente informativo, ou
seja, ele apenas irá servir para fundamentar a formação da convicção do órgão do Ministério
Público.
Nesse sentido, é essa a posição de Mougenot (2009, p. 106 e 107)
“O inquérito policial tem caráter meramente informativo. Conquanto tenha por finalidade última possibilitar a punição daqueles que infringem a ordem penal, não se presta, em si mesmo, como instrumento punitivo, uma vez que não é idôneo a provocar a manifestação jurisdicional. A pretensão punitiva pode apenas ser veiculada pela ação penal, que não pode ser exercida pela autoridade policial, como se viu. Os elementos de prova produzidos por meio do inquérito, portanto, servirão apenas para fundamentar a formação da convicção do órgão incumvido de exercer a ação penal (o (Ministério Público, no mais das vezes acerca da existên Ia de crime (vide, porém, o que se diz a respeito do valor probatório do inquérito, abaixo).
34
Exatamente por ser o inquérito policial peça meramente informativa, os vício incorridos durante seu trâmite não contaminarão a ação penal ajuizada. As irregularidades presentes no inquérito não invalidam o processo, atingindo somente a eficácia do ato viciado. Assim, a título de exemplo, eventual vício na lavratura do auto de prisão em flagrante deverá tão-somente redundar no relaxamento da prisão, e não na necessidade de que seja reconduzido o inquérito policial a partir desse ato.
Segundo Pacelli (2009, p. 43), pode-se concluir que a prova é constituída no
inquérito policial, pois “o juiz, nesta fase, deve permanecer absolutamente alheio à qualidade
da prova em curso” e segundo Nucci (2009, p. 167), o que muitos juízes tem feito é valer-se
do inquérito policial para “para calcar suas decisões, como se fosse o instrumento produzido
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Utilizar o inquérito para sustentar a
condenação do acuso é, nitidamente, inconstitucional”.
Assim, pode-se concluir que no inquérito policial, principalmente pela sua
característica inquisitiva, não poderá formar a convicção do magistrado e ele deverá estar
corroborado com provas que serão produzidas durante o processo, pois estas sim foram
produzidas respeitando-se o contraditório e a ampla defesa, como demonstrado anteriormente.
35
III. DAS PROVAS EM ESPÉCIE
3.1. Introdução
Agora irá ser delineado as provas em espécies. Essas provas podem ser
encontradas tanto no processo penal como no inquérito policial.
As seguintes provas serão estudadas: corpo de delito, interrogatório do
acusado e o depoimento das testemunhas e as declarações do ofendido.
3.2. Do corpo de delito
O corpo de delito está expresso no art. 158 do Código de Processo Penal:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Assim é possível concluir que o corpo de delito é a prova da existência de
crime (Nucci, 2009, p. 397).
O referido autor explica que “o corpo de delito é a verificação da prova da
existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências,
quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram”.
A palavra vestígio (encontrada no art. 158 do CPP), é sinal ou indício de
algo que ocorreu. Como visto no artigo supracitado, o corpo de delito será indispensável
quando a infração deixar vestígios.
Entretanto, segundo Edilson Mougenot Bonfim (2009, p. 336), baseando-se
no art. 167 do CPP, “a regra disciplinada no art. 158 do mesmo código não é absoluta, pois
[...] de fato, a própria lei estabelece ressalva à sua obrigatoriedade, dispondo que no caso em
que a realização do exame reste impossibilitada pelo desaparecimento ou deterioração dos
vestígios, pode ele ser suprido pelo depoimento de testemunhas”.
Impende ressaltar ainda que existem duas modalidades do exame do corpo
de delito, a saber, o corpo de delito direto e o corpo de delito indireto.
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O corpo de delito direto ocorre quando a perícia é efetuada diretamente nos
vestígios do crime, enquanto que no corpo de delito indireto, segundo Mougenot (2009, p.
337), existem 3 correntes:
a) Na primeira corrente, o exame do corpo de delito indireto é feito por
depoimento de testemunhas em decorrência do desaparecimento dos vestígios (art. 167 do
CPP).
b) Na segunda corrente, o exame é feito por peritos através de outros
elementos diversos da prova pericial, dos que se encontram dispostos no processo judicial.
c) Uma terceira corrente sustenta que o corpo de delito indireto é feito por
perícia, ou por uma simples análise de outras provas.
3.2.1. Das perícias
O exame mais comum é o exame verificação de lesão corporal, o qual irá
verificar, entre outros, qual é a figura típica do crime (por exemplo, se um homicídio for
usado fogo, existirá uma qualificadora).
Outro exame importante é o exame necroscópico. Nesse exame, o qual é
feito apenas em mortos, verifica-se a causa da morte, o momento e o modo pelo qual a morte
ocorreu. O art. 162 do CPP determina que o exame necroscópico será feito após 6 horas do
óbito, salvo se os peritos entenderem possa ser feito antes desse prazo, por meio de declaração
nos autos:
Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
O artigo 149 do CPP afirma que o acusado deverá ser submetido a exame
médico-legal, toda vez que houver dúvida sobre sua integridade mental:
Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
De acordo com o art. 149, §1º do CPP, o exame poderá ser feito ainda no
inquérito policial, mediante representação da autoridade policial ou juiz competente.
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Isso ocorre pois caso seja verificado que em decorrência de doença mental
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente era absolutamente incapaz de
entender o que estava fazendo, será isento de pena, nos termos do art. 26 do CP, e se a doença
mental for verificada no andamento do processo penal, a pena poderá ser substituída por
medida do segurança (art. 183 da Lei º 7.210/84):
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.
Essas são as principais perícias que são realizadas no corpo de delito.
3.3. Do interrogatório do acusado
Para Nucci (2009, p. 421), existem dois tipos de interrogatórios: o
interrogatório judicial e o interrogatório policial.
O interrogatório judicial do acusado, será o momento em que o juiz irá lhe
perguntar sobre os fatos que lhe são imputados e este poderá apresentar a sua defesa podendo,
se manter em silêncio ou até mesmo confessar, se entender adequado.
O interrogatório policial é aquele que é realizado no inquérito, quando a
autoridade policial competente ouve o acusado, o qual irá falar sobre os fatos de que é
acusado.
No presente trabalho, iremos nos concentrar em apenas delinear
informações acerca do interrogatório judicial.
Tourinho (2009, p. 281) dispõe qual a importância desse contato entre o juiz
e o réu:
“É pelo interrogatório que o Juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propricia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena.E o legislador quer que o julgador ouça o acusado não só para que se tenha certeza de que ele é, realmente, a pessoa contra quem se propôs a ação penal, como também para que o Juiz conheça sua personalidade, saiba em que
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circunstâncias ocorreu a infração – porque ninguém melhor que o acusado para sabê-lo – e quais os seus motivos determinante.
Quanto a sua natureza, para Pacelli (2009, p. 334) e Toutinho (2009, p. 277)
o interrogatório do acusado “[...] é meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor
probatório) [...]”.
Em relação a obrigatoriedade, o STF decidiu recentemente que a falta de
interrogatório do réu é causa de nulidade relativa, sujeito, por conseguinte, à preclusão (STF –
HC nº .82.933-3/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, em 27.03.2003). Contudo, para Nucci (2009, p.
424), o inquérito policial é obrigatório, no “sentido de que deve o juiz proporcionar esse
momento do réu”.
Enfim, a questão é polêmica, e não merece maiores considerações.
Importante ressaltar ainda que o interrogatório, devido as alterações
ocorridas no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.719/08, passou-se a fazer parte o último
ato da audiência, devendo ser feita antes de transitar em julgado a sentença.
Essa regra, entretanto, não é aplicada nos crimes de competência do Juizado
Especial Criminal, onde a lei 9.099/95 disciplina que o interrogatório do réu será feito apenas
após a oitiva da vítima e das testemunhas.
Além disso, nos termos do artigo 196 do Código de Processo Penal, o juiz
poderá, se julgar necessário, proceder a quantos interrogatórios forem necessários, de ofício,
ou a requerimento de interessado.
3.4. Da prova testemunhal
A palavra testemunha, originária do latim testis, vem de tertius, o qual quer
dizer terceiro, sendo que no direito romano este é a pessoa que ficava encarregada de
testemunhar a pactuação oral de um contrato entre duas partes.
Assim, no direito penal brasileiro, a testemunha, segundo Mougenot (2009,
p. 350), “é a pessoa diversa dos sujeitos processuais chamada a juízo para narrar fatos dos
quais tenha tomado conhecimento, que se apresentem relevantes para a causa”. Já para Nucci
(2009, p. 458), testemunha “é a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo,
podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob o compromisso de ser
imparcial e dizer a verdade”.
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Para Pacelli (2009, p. 362), a prova testemunhal “é uma manifestação do
conhecimento, maior ou menor, acerca de um determinado fato”.
Quanto a sua natureza jurídica, segundo Nucci (2009, p. 459) e Maluly
(2009, p. 317) ela é meio de prova.
As testemunhas podem ser classificadas em diretas ou indiretas (aquelas que
presenciaram os fatos ou tomaram conhecimento dos mesmos por meio de terceiros), próprias
ou impróprias (são aquelas que mencionam ou não acerca de fatos do processo), numerárias
ou extranumerárias(as que tenham sido arroladas pelas partes ou que foram ouvidas por
ordem do magistrado), informantes (testemunhas que não necessitam de prestar compromisso)
ou referidas (quando são mencionadas por uma outra testemunha.
Já para Nucci (2009, p. 459), não é cabível classificar testemunhas, pois
essas “são pessoas que depõe sobre fatos, sejam eles quais forem. Se viram ou ouviram
alguma coisa, não deixam de ser testemunhas”.
O compromisso, segundo o Professor Edilson Mougenot (2009, p.354), “é o
ato que precede a prestação do depoimento. É, segundo a definição legal (art. 203 do Código
de Processo Penal), a promessa, feita pela testemunha, sob palavra de honra, de dizer a
verdade do que souber e lhe for perguntado.” Lembrando-se que todos devem prestar
compromisso, com exceção das pessoas discriminadas no art. 208 do Código de Processo
Penal:
Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.
A testemunha, através da lei nº 9.807/99, regulamentada pelo Decreto nº
3.518/00, o qual instituiu o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas
Ameaçadas, possui medidas de proteção que lhe permitem declarar a sua narração dos fatos
sem temor de qualquer coação.
Algumas dessas medidas são: alteração do nome e registros da pessoa
protegida, controle nas comunicações, entre outras.
3.5. Das declarações do ofendido
O ofendido é o sujeito passivo da infração penal, ou seja, é a vítima.
40
Segundo Mougenot (2009, p. 349), a vítima “não é equiparada, para efeitos
legais, às testemunhas. Por ser a prejudicada imediata pela infração penal, a vítima tem
interesse na condenação do réu”, e por essa razão, segundo o autor, “suas declarações,
conquanto sejam bastante relevantes, em face da natural proximidade dela com os fatos a
apurar, devem ser interpretadas com reserva”.
Ressalta-se que segundo Mougenot (2009, p. 349), “a oitiva do ofendido
não é obrigatória, não constituindo sua falta causa de nulidade”, mas, segundo o autor, se a
sua realização for determinada, o comparecimento da vítima é obrigatório.
Vejamos alguns julgados sobre o tema:
TJDF - APELAÇÃO CRIMINAL : ACR 555982 DF Relator(a): DIRCEU DE FARIA Julgamento: 01/09/1983 Órgão Julgador: Turma Criminal Publicação: DJU 05/10/1983 Pág. : 15.232 VALOR DAS DECLARAÇÕES DO OFENDIDO. PELO SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO, NENHUM MEIO DE PROVA É A PRIORI SUPERIOR AOS DEMAIS. EM REGRA, DÁ-SE CRÉDITO À PALAVRA DA VÍTIMA. SE O OFENDIDO, PORÉM TEM MAUS ANTECEDENTES, SUAS DECLARAÇÕES ISOLADAS NOS AUTOS NÃO SÃO SUFICIENTES PARA CONDENAR O RÉU. TJSP - Apelação: APL 5963 SP Relator(a): Elias Junior de Aguiar Bezerra Julgamento: 16/10/2008 Órgão Julgador: 1ª Turma Criminal Publicação: 18/11/2008 "Lesão corporal dolosa - Materialidade incontestada - Autoria que emerge segura das declarações do ofendido e dos depoimentos prestados por três testemunhas presenciais isentas, uma das quais presenciou o entrevero desde o início - Condenação mantida" . TJSC - Apelacao Criminal: ACR 514819 SC 1988.051481-9 Parte: Apelante: Gilmar Valtrin Parte: Apelada: A Justiça, por seu Promotor Relator(a): Marcio Batista Julgamento: 06/04/1992 Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal Publicação: DJJ: 8.491DATA: 06/05/92PAG: 07 Prova criminal - Estupro - Declarações da ofendida corroboradas pelo restante da prova - Confirmação da sentença condenatória. Estando as declarações, firmes e coerentes, da ofendida em crime de estupro, fortemente corroboradas pelos demais elementos consignados nos autos e coletados durante a fase instrutória, é de se ter como configurado o delito em apreço. TJPR - Apelação Crime: ACR 142061 PR Apelação Crime - 0014206-1 Resumo: Estupro . Prova Dubia .negativa Veemente do Acusado. Ofendida com Declaracoescontraditorias e Inveridicas. Absolvicao Decretada. Sentenca Mantida. Recurso nao Provido. Relator(a): Adolpho Pereira Julgamento: 14/02/1991
41
Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal ESTUPRO . PROVA DUBIA .NEGATIVA VEEMENTE DO ACUSADO. OFENDIDA COM DECLARACOESCONTRADITORIAS E INVERIDICAS. ABSOLVICAO DECRETADA. SENTENCA MANTIDA. RECURSO NAO PROVIDO. Acusado que nega com veemência a autoria do delito. Ofendida que presta declaracoes contraditórias e ate inveridicas. Estandoo processo eivado por duvidas e contradicoes invenciveis, a solucao e a absolvicao. No juizo criminal duvidae ausencia de provas se equivalem. TJMG: 1156975 MG 1.0000.00.115697-5/000(1) Relator(a): ZULMAN GALDINO Julgamento: 11/08/1998 Publicação: 14/08/1998 Atentado violento ao pudor - Declaração do acusado na fase extrajudicial - Retratação em Juízo - Depoimento da vítima, menor - Coerência com o restante da prova - Menoridade da vítima - Agravante que já integra o tipo penal - Inadmissibilidade. As declarações do acusado na fase extrajudicial deverão ser aceitas, em face das declarações da ofendida, ambas em sintonia com o restante da prova. Não se aplica a agravante da menoridade da vítima (CP, art. 61, II, 'h') quando esta já integra o tipo penal. Exclusão determinada. Recurso provido parcialmente.
Assim, como foi demonstrado, as declarações do ofendido não devem ser
levadas em consideração como as declarações das testemunhas, isto porque o ofendido tem
interesse na condenação do acusado.
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IV. O JUIZ E A PROVA ILÍCITA
4.1. Do princípio da celeridade e economia processual
Antes de comentarmos sobre o juiz e a prova ilícita, é necessário,
preliminarmente, expor algumas considerações sobre o princípio da celeridade e economia
processual, tendo em vista que esta foi a principal razão pelo qual foi vetado o art. 157, §4º do
Código de Processo Penal, o qual dizia: “juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada
inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.” Vejamos a razão do verto:
“O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso. Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.” Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, a qual ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. (grifo nosso)
O princípio da celeridade e economia processual é encontrado no artigo 5º,
LXXVIII, o qual diz: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Para Mougenot (2009, p. 57), “o princípio da economia processual
consubstancia-se no aproveitamento dos atos judiciais praticados, ainda que tenham sido
conduzidos de maneira diversa daquela prescrita em lei.
Complementa o referido autor:
“O princípio tem por finalidade evitar a repetição desnecessária de atos processuais. Se um ato determinado, embora tenha sido conduzido de forma diversa daquela estabelecida na lei, foi eficaz no atingimento dos objetivos para os quais foi
43
realizado, é racional que o trâmite do processo não seja prolongado, uma vez que não houve qualquer prejuízo para ás partes ou ao processo’.
Já para Nucci (2009, p. 93,94), “é incumbência do Estado procurar
desenvolver todos os atos processuais no menor tempo possível, dando resposta imediata à
ação criminosa e poupando tempo e recursos das partes”.
O princípio da celeridade e economia processual é aplicado nos Juizados
Especiais Criminais (JECRIM), como visto no artigo 62 da Lei nº 9.099/95 (O processo
perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia
processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela
vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.), devendo, segundo Nucci, ser
“utilizado, na medida do possível, no processo penal comum.
Apesar de importante, o princípio adotado de forma moderada, pois nas
palavras do Professor Nucci (2009, p. 94), “não pode implicar, no entanto, em nenhuma
hipótese, a restrição ao direito da parte de produzir prova e buscar a verdade real”.
É o que ocorreu no presente caso: o legislador, ao vetar o inciso §4º do art.
157 do Código de Processo Penal, impediu que a verdade real fosse encontrada, pois um juiz
contaminado por uma prova ilícita jamais poderá se manifestar em um processo a favor do
réu, mesmo que diversas provas apontam a esta direção.
Por fim, é importante expor o pensamento de Luís Flávio Gomes acerca da
vedação do §4º do art. 157 do Código de Processo Civil:
Como se vê, o dispositivo foi vetado por razões de eficácia do processo (celeridade, simplicidade, troca do juiz etc.). Mas jamais a lei processual penal cumpre bem o seu papel quando deixa de conciliar a eficácia com as garantias do acusado. A eficácia cede quando se depara com uma garantia absolutamente imprescindível, como é a da imparcialidade do juiz.
Assim, é possível concluir que o legislador pecou ao vetar o parágrafo
supracitado, pois não se importou pelos direitos e garantias do acusado.
4.2. Do juiz e as investigações
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O juiz que participa das investigações não pode sentenciar, pois ficará
contaminado e irá prejudicar o acusado. Segundo o site Consultor Jurídico12, esta é a posição
adotada pelo juiz Nino Oliveira Toldo, vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes
Federais do Brasil).
Segundo o Magistrado, o ideal nestes casos é um juiz garantidor, o qual
deverá acompanhar a produção de provas, zelando para que estas sejam cumpridas em
consonância com os princípios constitucionais. Explica-se:
Segundo ele, a instituição que representa não tem uma posição firmada em relação ao projeto, por ser polêmico e despertar diversas reações entre os juízes. De acordo com o texto elaborado por uma comissão de juristas (PLS 156/09), o juiz garantidor será responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal, pelo respeito aos direitos individuais e sua participação no caso acaba com a propositura da Ação Penal. Toldo participou do painel "Juiz das garantias e o papel do magistrado na investigação criminal", que aconteceu na quarta-feira no IV Congresso Nacional dos Delegados da Polícia Federal, em Fortaleza. A ideia é que o juiz evite que o investigado sofra mais do que o necessário com a investigação, uma vez que só o fato de ser alvo de inquérito traz constrangimento, e também de impedir que excessos sejam cometidos tanto pela Polícia quanto pelo Ministério Público.
Além disso, o inquérito policial é formado apenas para que o MP possa
decidir se deve ou não apresentar a denúncia contra o acusado, portanto não existem motivos
para que o juiz tome conhecimento dos fatos antes do momento oportuno (o qual é a
audiência).
O artigo da internet ainda menciona que Nino Toldo sustenta que o juiz
deve cumprir o compromisso com o processo penal justo, senão vejamos:
A principal virtude do projeto em tramitação é deixar claro que o papel do juiz é cumprir com o seu compromisso com o processo penal justo, diz Nino Toldo. “Ele não tem compromisso com a condenação, mas também não tem com a absolvição. O juiz não faz parte do sistema de combate à criminalidade. Esse papel fica a cargo da polícia e do MP.”
Portanto, diante dessas observações, conclui-se que o correto para o sistema
penal brasileiro seria a criação de um juiz garantidor, o qual seria encarregado de acompanhar
o andamento das investigações, o que o juiz julgador não poderia fazer, pois se o fizesse
estaria contaminado com as provas produzidas.
12 MATSUURA, Lilian. Juiz que investiga não pode decidir, diz Nino Toldo http://www.conjur.com.br/2009-
nov-05/juiz-investiga-nao-decidir-vice-presidente-ajufe. Acesso em 07 de setembro de 2010
45
4.3. O juiz e a sentença
4.3.1. O pensamento de autores estrangeiros
Karl Llewellyn apud Prado (2008, p. 19) “acredita que, geralmente, a mente
do juiz primeiro antecipa a decisão que considera justa (dentro da ordem jurídico-positiva) e
depois procura a norma que pode servir de fundamento a essa solução [...]”.
Além de Llewellyn, existem outros autores que formaram teorias e
pensamentos sobre as influências psicológicas do juiz na sentença. No tópico seguinte, será
demonstrada a posição de dois autores brasileiros sobre o papel do juiz na sentença.
Luis Recaséns Siches apud Prado (2008, p. 20) formou a teoria da lógica do
razoável, a qual, segundo, “atribui relevância à criatividade e à intuição do magistrado nos
julgados, os quais constituem o momento de individualização da normal aplicável ao fato
submetido à jurisdição”.
A autora supracitada (2008, p. 20) complementa dizendo que Sinches
entende que:
A lógica tradicional não serve ao jurista para compreender e interpretar de modo justo os conteúdos das disposições jurídicas; não lhe serve para criar a norma individualizada da sentença judicial ou decisão administrativa [...] Realmente o juiz decide por intuição e não por uma inferência ou silogismo dos que se estudam na lógica; decide por uma certeza que se forma de modo direto e não em virtude de um raciocínio[...]
Por sua vez, Joaquim Dulde, segundo apud Prado (2008, p. 22), “entende
que o universo das regras e dos conceitos está, em grande parte, fundado nos sentimentos,
esquecidos pela lógica tradicional”. Assim, “torna-se necessário que o juiz utilize a
sensibilidade e a intuição como um método de penetrar na realidade, corrigindo as
desfigurações advindas da busca do conhecimento através de conceitos”.
Para Dualde, essa intuição nasce como um resultado de concepções
intelectuais, dos impulsos sentimentais e das forças inconscientes (Prado, 2008, p. 23).
Jä Jerome Frank apud Prado (2008, p. 23), o qual pertence à Escola do
realismo americano, surgida na metade do século XX:
46
[...] ressaltou o caráter criador da decisão judicial, bem como a relevância do papel do magistrado e de sua personalidade na decisão. Essa Escola, embora tenha incidido em exageros, que a história das idéias jurídicas veio apontar – como insurgir-se contra a concepção do Direito como um sistema normativo – trouxe uma compreensão mais autêntica da prestação jurisdicional. Assim, desmistificou os padrões de neutralidade do juiz, de uniformidade e generalidade do Direito, bem como o de segurança jurídica inexorável.” (Lídia, 2008, p. 23)
Para Prado (2008, p. 23), “Frank elucida que não existe certeza, segurança
ou uniformidade do Direito, no momento de sua aplicação”. De acordo com o autor, “nas
sociedades complexas, as decisões jurídicas teriam caráter plástico e mutável, com o objetivo
de adptarem-se às sempre novas situações da vida social.
4.3.2. O pensamento de Miguel Reale e Renato Nalini
Miguel Reale apud Prado (2008, p. 26), embora não seja a favor do
psicologismo jurídico, em razão do seu reducionismo, possui a posição de que a sentença não
poderia ser reduzida a um juízo lógico, dando ênfaze ao que se chama de humanidade do juiz
na justiça.
Nesse sentido, o autor, afirma:
O juiz não pode deixar de ser partícipe da vida comum. No ato de sentenciar, quer queira que não, ele sofre uma tensão ético-psicológica que vem de seu íntimo, do que ele sente e sabe por experiência própria e dos valores sociais que incidem sobre sua personalidade. A seguir, lembra Adam Smith, um dos fundadores da Ciência Econômica, para quem o ato de julgar é muitop difícil, porque pressupõe a capacidade de colocar-se na posição do outro. O juiz deve ser imparcial, mas o acerto de sua decisão depende, segundo Reale, dessa capacidade psicológica. Por isso, concluiu que o segredo de justiça está no fato de o juiz saber que a neutralidade não significa fugir das pessoas em litígios, mas em se colocar na posição delas.
Por sua vez, o juiz Nalini apud Prado (2008, p. 26), enfatiza:
Habitantes de um século gelado, em que saber e paixão são estocados em gavetas distintas da alma, preferimos a distância protetora ao envolvimento. Acreditamos, mais que nunca, que a paixão cega. Não podemos mais tomá-la pelo que de fato é:
uma fonte de iluminação.
Assim, Prado (2008, p. 27),utilizando-se dessa citação de Nalini afirma que
o autor entende que existem dois requisitos para o julgador eficaz: a higidez psiquíca e o
interesse pela natureza humana.
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Complementando o pensamento do autor, a referida professora (2008, p. 27)
afirma:
Ao discorrer sobre o magistrado e a comunidade, o aturo afirma que o juiz moderno deve ter, como pressuposto básico para o exercício da função, uma especial percepção do homem e da realiade, sendo necessário que na preparação dos julgadores, as Escolas considerem o temperamento, a experiência de vida e o caráter. Pondera Nalini que o juiz deve proferir a sentença com sentimento e não se reduzir a um mero burocrata repetidor de decisões alheias, com a finaliade de aderir à maioria. Ele acrescenta que, embora não haja no Brasil estudos científicos sobre o perfil psicológico do magistrado, a origgem social, as contingências familiares, a situação econômica, raça, crença religiosa, refletirão na decisão a ser proferida, ao lado das influências psicológicas (traços de personalidade e preconceitos).
O autor conclui, segundo Prado (2008, p. 28), “que a exigência legal de uma
conduta privada irrepreensível torna o magistrado muito crítico em relação a pessoas com
comportamentos flexíveis”. Assim, o juiz quando “é apegado à dogmática do direito objetivo,
convence-se das verdades axiomáticas e protege-se na couraça da ordem e da pretensa
neutralidade”.
Nalini, por fim, descreve o juiz como um homem “predestinado e dono do
futuro das partes no processo [...]”, se revelando “[...] desumano, mero técnico e eficiente e
pouco humilde, “esquecido da matéria-prima das demandas: as dores, sofrimentos e tragédias
humanas””.
4.3.3. O psicologismo jurídico
Impende ressaltar que o presente trabalho não sustenta que o direito deverá
ser basear apenas em elementos psicológicos, como é o psicologismo jurídico, o qual,
segundo Prado (2008, p. 28), é uma “corrente jusfilosófica que, especialmente no fim do
século XIX e no início do século XX, defendia a tese segundo a qual o Direito deveria ser
entendido em termos exclusivamente psicológicos.”, mas, segundo a autora, “essa corrente
revelou-se equivocada, porque, de modo unilateral e reducionista, procurava restringir a
complexidade do fenômeno jurídico a um ângulo isolado de sua gênese”.
Afinal, os redutivismos (reduzir, por exemplo, o direito a uma visão
socióloga, ou psicológica), atualmente estão cada vez mais em desuso, pois o direito não é
apenas uma única corrente, mas um conjunto delas.
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Nesse sentido, Prado (2008, p. 30) afirma:
Com o enfraquecimento dos redutivismos, nota-se, na Filosofia do Direito, uma atual postura de moderação: o juiz não é mais considerado como alheio à realidade (aplicando de modo automático leis que são meras abstrações), nem encarado como todo poderoso senhor do processo, agindo ao sabor das próprias motivações psíquicas, acima do direito positivo e das exigências sociais da interpretação jurídica. [...]”
Assim, como é notório, o presente trabalho demonstra que o direito não
deve ser analisado apenas por aspectos psicológicos, mas o estudo desses é essencial, pois
afetam o julgamento do magistrado no momento em que for emitir sua sentença.
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CONCLUSÃO
O Juiz de direito deve acima de tudo, resguardar a sua imparcialidade. Caso
o juiz não a respeite, causará uma grande insegurança jurídica, pois não permitirá com que as
partes possam ter um julgamento justo, protegido por um juiz imparcial.
Para proteger a imparcialidade do juiz, a lei lhe garante diversas
prerrogativas, como por exemplo, a irredutibilidade de subsídios, mas a mais importante
“ferramenta” concedida ao magistrado pela lei é o impedimento e a suspeição, os quais
encontram-se nos artigos 252 e 254 do CPP. Essas causas permitem com que o Magistrado
possam eximir-se de julgar uma determinada causa, quando notar que poderá decidi-la
parcialmente.
Assim, acredita-se que o juiz, sempre que tomar contato com a prova ilícita,
ou participar demasiadamente da investigação de um crime, deverá declarar, sempre, a sua
suspeição (ou no último caso, o correto seria criar a figura do juiz garantidor), para que não
ocorra a insegurança jurídica mencionada anteriormente.
As investigações criminais, no Brasil, são feitas através do inquérito
policial, feito pela polícia judiciária. O inquérito possui características tanto do sistema
acusatório quanto do sistema inquisitivo, não sendo respeitado o princípio do contraditório e
da ampla defesa, e isso ocorre, pois esse instituto possui como finalidade única formar
elementos que possam fornecer ao órgão acusatório (Ministério Público), elementos para que
possa oferecer a denúncia contra o acusado.
Assim, justamente por esse caráter inquisitivo-acusatório, permite-nos
concluir que o juiz que participar das investigações terá sua imparcialidade corrompida, pois
estará atuando em desfavor do réu. Nesse caso, o Magistrado deverá decretar a sua suspeição
ou ainda, defende-se a criação do juiz garantidor, o qual irá apenas atuar no âmbito da
investigação, sem ter qualquer contato com o julgamento da causa, o que permitirá ao
magistrado “julgador” julgá-la com proteção de sua imparcialidade.
Na presente obra foram expostas diversas provas que são produzidas tanto
no inquérito como no processo criminal. O juiz deverá sempre se atentar quanto a sua
imparcialidade, quando for tratar de alguma prova.
No artigo 5º, LVI da Constituição Federal encontra-se o princípio da
vedação das provas ilícitas. Tal princípio foi introduzido no Código de Processo Penal, em
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seu artigo 157, caput, o qual diz: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do
processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais”. Entretanto, o parágrafo 4º do mesmo artigo (o qual foi vetado), disciplinava que o
juiz que esteve em contato com a prova ilícita não poderia ser o mesmo juiz que julgava a
lide.
Parece óbvio que o legislador acreditou que o simples fato da prova ser
desentranhada do processo iria permitir que o réu tivesse um julgamento justo, pois o juiz
simplesmente “apagaria” de seu pensamento a prova ilícita. Ora, como foi demonstrado pelos
pensadores supracitados, o juiz é um ser humano, e no momento em que for julgar a demanda,
irá utilizar suas emoções e sentimentos e sua própria intuição.
Como Llewellyn afirma, primeiro o juiz antecipa a decisão que considera
justa, e somente logo após irá procurar a norma que server de fundamento para essa solução,
sendo que, como é notório, se o juiz entrar em contato com alguma prova ilícita em desfavor
do réu (como por exemplo, uma prova em que o réu, mediante tortura, confesse o crime),
mesmo que essa seja desentranhada do processo, o juiz já antecipou a decisão a qual
considere justa (a qual já está viciada pela prova ilícita), e somente irá procurar a norma para
que se adeque o fato.
Além do que, o princípio da celeridade e economia processual (o qual foi o
motivo pelo qual o parágrafo 4º do artigo 157 foi revogado) é importante para o direito
brasileiro (tendo em vista a letargia em que se encontra o Poder Judiciário), mas o mesmo não
pode ser aplicado de forma que prejudique o réu e princípios constitucionais, como o
princípio do in dubio pro reo, o que aconteceu no caso em tela, pois o acusado, ao ser julgado
por um juiz contaminado, estará tendo seus direitos restringidos, o que manifestadamente não
foi pensado pelo legislador.
Portanto, pelos motivos demonstrados, conclui-se que para que sejam
sanados os problemas demonstrados, no caso de investigação criminal, deverá ser criada a
figura do juiz garantidor, ou o juiz deverá declarar-se suspeito, quando acreditar que a sua
atuação no inquérito esteja prejudicando a sua imparcialidade, e no caso de contato com
provas ilícitas, o magistrado deverá declarar-se suspeito, abstendo-se de julgar a demanda.
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REFERÊNCIAS
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LOPES JR, Aury. O resgate da subjetividade no ato de julgar: quando o juiz se põe a pensar e sentir. In: Introdução Crítica ao Processo Penal, pp. 278 e ss.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
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OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
PRADO, Lídia Reis Almeida. O juiz e a emoção. Aspectos da Lógica da Decisão Judicial. Campinas: Millenium, 2003.