18
Lester Bangs Psychotic Reactions & Carburetor Dung Tradução e notas por Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Belo Horizonte FALE/UFMG 2008 Diretor da Faculdade de Letras Prof. Jacyntho José Lins Brandão Vice-Diretor Prof. Wander Emediato de Souza Comissão Editorial Eliana Lourenço de Lima Reis Elisa Amorim Vieira Lucia Castello Branco Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Sônia Queiroz Capa e projeto gráfico Mangá – Ilustração e Design Gráfico Tradução Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Revisão da tradução Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Revisão e normalização Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Formatação Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Revisão de provas Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Aline Sobreira Endereço para correspondência: FALE/UFMG – Setor de Publicações Av. Antônio Carlos, 6627 – sala 2015A 31270-901. Belo Horizonte – MG telefax: (31) 3409-6007 e-mail : [email protected]

Psychoticreactions Site

Embed Size (px)

DESCRIPTION

rock as literature

Citation preview

Lester Bangs

Psychotic Reactions & Carburetor Dung

Tradução e notas por Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Belo Horizonte

FALE/UFMG

2008

Diretor da Faculdade de Letras Prof. Jacyntho José Lins Brandão

Vice-Diretor Prof. Wander Emediato de Souza

Comissão Editorial Eliana Lourenço de Lima Reis Elisa Amorim Vieira Lucia Castello Branco Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Sônia Queiroz

Capa e projeto gráfico Mangá – Ilustração e Design Gráfico

Tradução Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Revisão da tradução Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Revisão e normalização Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Formatação Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Revisão de provas Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Aline Sobreira

Endereço para correspondência: FALE/UFMG – Setor de Publicações Av. Antônio Carlos, 6627 – sala 2015A 31270-901. Belo Horizonte – MG telefax: (31) 3409-6007 e-mail: [email protected]

Sumário

Apresentação: Bang, Bangs, forasteiro . 5 Bernardo Menezes

Psychotic Reactions & Carburetor Dung: um conto de nossos dias . 7 Lester Bangs

Sobre o autor . 30 Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

5

Apresentação: Bang, Bangs, forasteiro

Bernardo Menezes

Ah, os Yardbirds, não é mesmo deles que estamos falando? Não, não é deles. Os gênios já estão na boca dos sem criatividade. Count Five, tanto anos se passaram que hoje eles comem poeira, ou seriam bytes?, nos armazéns onde juntamos os álbuns que marcaram a década deles e, por algum motivo, não sobreviveram à nossa.

“Psychotic Reactions & Carburetor Dung” é sobre um doidão falando coisas de doidão. O TNT que está nas guitarras da banda devia, sim, se materializar e explodir em nossas caras. A resenha, em si, oferece uma fogueira para que os manuais de jornalismo sejam queimados. Lester Bangs escreve sobre uma carreira que não existiu de uma banda que acabou por causa dos estudos. É ficção? É o caminho escolhido pelo autor para que entendamos a curta saga do Count Five. Onde foi que vocês, resenhistas, aprenderam a mentir em um artigo? É, vocês não aprenderam.

Ler rock. Entender ravin´ it up, fuzztone. Desperdício de tempo pensar que o texto é para iniciados. A música é a única que deve sair fortalecida daqui. Já você, tem que ir correndo à loja de discos do centro e procurar o som ou a sensibilidade perdida. “Psychotic” é sobre isso. Há beleza no tosco, há comida no lixo. O bom gosto, o politicamente correto, gente!, ninguém mais se cansou disso tudo? Somos mais um na sala de jantar, somos os vermezinhos dos netos deste avô gagá. O imaginário coletivo está materializado nas palavras de Jon Landau, quando, na verdade, deveríamos ser inimigos do rock careta e eleger, a deus dará, o álbum do ano. Soa-me bastante tedioso o ato de se fazer resenhas como quem realiza política, com base em negociações e acordos possíveis.

Bernardo Menezes é músico e jornalista.

6

Para que tanta gente falando de música quando a opinião é sempre a mesma?

Ao traduzir Lester, Mário compartilha um texto que extrapola ao seu objeto, o Count Five. Essa é mais uma banda obscura que deve ser ouvida. São punks antes de toda aquela chapação em Nova Iorque ter começado. Também, sempre será uma atitude cool defender esta banda dos fãs de Yardbirds – lá estou eu divagando novamente. Retomamos. “… que extrapola ao seu objeto, o Count Five”. “Psychotic”, como as coisas que realmente importam na vida, deixou meu gosto – o bom, o ruim e o prazer culposo – ferido. Meu diploma de jornalista, hora dessas, bóia ao lado dos carburetor dungs de toda uma cidade que come mcdonalds. Precisamos deste tipo de autor para lembrar que, em geral, agimos como mercadores gananciosos correndo atrás do modelo, trocando o risco por recompensas vulgares.

“Ei, Lester, você quer acabar com a minha vida?” Talvez você leia e jogue fora este texto. Pense que estou louco ou levei a sério apenas a parte das drogas na baderna gonzo. Esta é a vida. Ao despedir de Elvis em uma resenha de agosto de 77, Bangs se despede de você e de mim ao constatar que o solipsismo iria devorar o mundo e que nunca mais nós concordaríamos, tão unânimes, em torno de uma figura. Bingo, Nostradamus. “Psychotic” é parte deste testamento de um cara que estava imerso até o talo no rock. E, com delicadeza, prezava pela vida de quem o lia sem glamurizar estilos de vida decadentes e evitando oferecer “a salvação de…” a cada nova resenha. Bangs foi um clarividente da música por ter se fundido a ela. Suas palavras e reações psicóticas nos apresentam bons discos enquanto nos lembram que estamos vivos.

“Bem, ele era tão agressivamente medíocre que eu simultaneamente mal podia resisti-lo e sentia certo receio por saber o quão de fato tosco isso seria”, não seria isso punk?

7

Psychotic Reactions & Carburetor Dung: um conto de nossos dias

Lester Bangs

Vinde a mim, meus netinhos loiros, e deixai este velhusco vos embalar em seu colo. Enquanto vocês ainda me reconhecem, seus maniacozinhos. Sabeis que o gongo tocou, está na hora de novo. Agora deixai que eu ponha meu velho cérebro a ruminar, ah, que edificante conto de antanho devo vos relatar hoje?

“Que falatório todo é esse em torno dos Yardbirds?” Ah, os Yardbirds. Sim-siririm, aqueles sim eram os dias.

1965, e eu era um gozadorzinho impetuoso, enrabichado pela primeira vez, ela costumava me puxar pela mão e, fanhosa, dizer “eu gostaria, mas não quero virar uma vadia.” As garotas eram realmente assim naqueles –

“Ah, corta a baboseira senil e anda logo com a porra da arqueologia ou vamos nos des-embalar de seu joelho e partir pra alguma ação! Velhote!”

Okay, crianças, okay, agüentem aí, não há motivo pra se excitar… então, como eu estava dizendo, estávamos no glorioso 1965, e eu estava faminto por sons que pudessem distorcer meu cérebro um pouquinho. Vejam bem, não tinha muita coisa acontecendo exceto talvez “I Am Henry VIII, I Am”1 – não, não vou sacar essa agora, eu sei que soa bem, mas acreditem… estávamos emperrados numa daquelas recessões musicais que tínhamos de vez em quando, antes de começarmos a vender pacotes de tours Intra-Solares… Me lembro de outra triste e forte lomba que se esticou por volta do começo dos anos setenta… exceto que esta durou tanto tempo que quase nos exaurimos e começamos por inteiro a boicotar discos até que Barky Dildo e os Bozo Huns apareceram para salvar nossas almas… 1 ‘Eu sou Henrique VIII, eu sou’, literalmente. Sucesso de 1965 da banda inglesa Herman’s Hermits – a mesma música, a propósito, já havia estourado duas vezes em 1957, tanto com os Diamonds quanto com os Rays. (N.T.).

8

“Ahhh, cara, como você pôde gostar desses sujeitos? Essa coisa foi a moda mais reacionária, borra-botas da história! Quero dizer, qual é a grande coisa de se matraquear violinos e berrar as tripas afora? Improvisar é legal, mas esses tipos chegavam a se recorrer ao tempo 4/4 e a mudanças de tom! Agora eu te pergunto, Vô, que tipo de merda é essa?”

Tá bom, tá bom, sei que não devia ter divagado de novo! De agora em diante vou me colar aos fatos mesmo, e se vocês moleques me interromperem mais uma vez vou passar cola bem na boca de um de vocês!

“Em qual?” Escolha aleatória, Ó sementes da minha semente,

aleatória como tudo o mais na vossa porra de manicômio de mundo de onde devo – grato – me retirar em breve.

“Tá legal, vá em frente e machuque suas juntas para depois embebedá-las em cerveja quente, mas não diga que não lhe avisamos. Você tem que saber que é o único velhaco por aqui de quem Skewey, Ruey e Blooie agüentam qualquer merda… e que porra é essa de se retirar? Quem está grato por estar morto?

Bem, para falar a verdade, por um tempo houve um tanto de manés que estavam exatamente isso. Mas essa é uma outra história. Tenho que acabar essa saga Yardbird ou vamos divagar direto para o ozônio. Então escutem e escutem bem, e guardem as perguntas para o fim.

Os Yardbirds, eu dizia, eram incríveis. Eles vieram rebentando e simplesmente jogaram todo mundo totalmente para fora dos trilhos. Porra, eles eram tão bons que, de fato, ainda tinha gente os imitando uma década mais tarde, e ficando rico com isso, devo acrescentar, porque a banda original de gênios não durou tanto. É claro, nenhuma das suas crias era metade tão boa, ficando, com o passar do tempo, cada vez mais pretensiosas e pomposas até que por volta de 1973 um bando de almofadinhas desnutridos chamados Led Zeppelin tocou seu último show, quando um doidão de

9

estricnina irado na platéia assassinou o guitarrista solo com uma pistoleta, bem aos cinqüenta e oito minutos do seu solo virtuoso de duas horas e meia sobre um acorde só. Depois pegaram o vocalista, que de qualquer forma estava tão chapado de datura que não podia mais fazer muito senão tossir letras do tipo “Glip glip gug jargaruna psstcu”, e cortaram todo o seu cabelo e esmagaram sua gaita, deram-lhe umas roupinhas ordinárias (um conjunto desproporcional de Jeans-de-Força Perpétuos, se não me engano) e o enxotaram para fora da cidade num trem. A última coisa que ouvimos foi que ele estava tentando cantar “Whole Lotta Love” para um bando de velhos chincheiros sentimentais em um clube numa cidadezinha qualquer. Bebum pra danar.

Mas os Yardbirds, bem, mesmo tendo virado tudo de ponta-cabeça, só duraram alguns anos. E que imitadores eles tinham! Eu curtia só de olhar para aqueles discos! Tipo quando eles fizeram “I’m a Man” e entraram nas Dez Mais com uma mistura de Bo Diddley (ahh, ele era esse velhaco gordo que criou esse famoso tipo de batida arrasta-pé… Acho que já era passé antes de vocês nascerem. Sim, fato, quando eles descartaram de vez a idéia de uma batida linear acho que vocês ainda eram muito novos para se lembrarem da grande guerra civil-cultural que isso causou, Jagger de tocaia nas ruas, circunspecto, e Beefheart indo para os morros de Costa Rica para se esconder até as coisas esfriarem…) e feedback, todo mundo teve um ataque daqueles, porque toda essa eletrodistorção que os punha pra dormir quando vocês estavam fumando um em seus berços era até então desconhecida, um verdadeiro terremoto de fuder a mente. Algumas pessoas acharam isso tudo vagamente indecente, como se um nervo nu dentro de um fio cintilasse loucamente em suas direções, mas nós, caras atentos ao que tava quente, apoiamos a mudança cultural desde o início. Estávamos só esperando que alguém viesse e quebrasse o pau,2 sim

2 ‘Kick out the jams’ no original. (N.T.).

10

senhor… ah, essa frase? Sim, é mais uma. É, tem um toque cortante bem legal, não tem? Vocês vão rir de novo, mas tínhamos muita gíria zangada quando eu era garoto – riffs afiados como “Isso aí!”3 e “Paz, irmão!”…4 nada a ver com essa merda telegráfica simplória que vocês, moleques banais de hoje em dia, tomam por comunicação. Bem, eu me lembro de quando estava no colegial (ah, eu lhes disse – isso era tipo onde eles te punham quando não sabiam o que fazer de você – quando você estava grande demais para o casulinho e muito jovem para ter que assumir ser o que chamávamos de Homem, o que envolvia ir todo dia no mesmo horário para um prédio esquisito e fazer qualquer merda completamente inútil por horas a fio só porque assim você conseguia pão e o respeito das pessoas) – quando eu estava no colegial a gente tinha um jargão bem espertinho. Por exemplo, se alguém fizesse algo idiota, a gente dizia “O que você tem, merda no lugar de cérebro?” E uma outra boa era quando você estava puto com alguém, aí você o chamava de “Seu saco podre de merda!” Ou a gente, um bando de arruaceiros como vocês, dirigia até uma loja de bebidas para comprar umas cocas e batatas fritas e o cara no banco de passageiro, em ponto de bala – mais tarde, mais tarde5 – grunhia “Manda ver!”, o que significava o ato de comer, é claro. Alguns anos mais tarde umas almas imaginativas começaram a chamar comida de “larica”6, mas por sorte esse termo babaca não durou muito.

E anos ainda antes disso a gente tinha um encantamento muito misterioso: “Eu não faço lixo como você, eu queimo!” Era dizer isso e as pessoas ficavam confusas. Ou os jovens ficavam, pelo menos. Me esqueci o que isso significava – acho que era tipo um koan Zen, então quando

3 ‘Right on!’ no original. (N.T.). 4 ‘Peace, brother!’ no original. (N.T.). 5 O autor usa a gíria ‘riding shotgun’, que significa ‘estar no banco de passageiro’ ou, literalmente, algo como ‘guiar a espingarda’. Pela empolgação do autor, é possível que estivesse se referindo à famosa série de TV americana Gunsmoke (transmitida de 1952 a 1961), faroeste que popularizou a expressão. (N.T). 6 ‘Munchies’ no original. (N.T.).

11

você tinha um desentendimento com alguém era só mandar isso na direção da pessoa que a análise dela poderia ou trazer a paz ou terminar nos punhos.

Mas estou divagando de novo. Merda, vocês moleques estão certos, estou virando um bode velho de olhar pensabundo. Com merda no lugar do cérebro. Assim que terminarmos aqui com essa seção anedótica vou entrar nos Morfônios e sedar o meu cérebro febril por uma ou duas horas. Tenho um encontro com Delilah Kooch hoje à noite e tenho que me refrescar se quiser estar metendo quando o galo cantar – com Organoil ou sem Organoil… noventa é uma idade de moderação. Mas como estava contando antes de me adentrar pela trilha nebulosa, os Yardbirds mesmo não ficaram juntos por muitas luas, e quando emplacaram “I’m a Man” já tinham começado a ser atacados7 (um dia desses ainda lhes conto sobre Paul Revere and the Raiders, hah, vocês nem acreditariam…) por bandinhas noviças de todos os lugares, que imediatamente gravaram versões duvidosas de “I’m a Man” pra encher lingüiça nos seus álbuns de estréia, bandas como os Royal Guardsmen, que chegaram ao primeiro lugar duas vezes com um numerozinho sobre um tal cachorro chamado Snoopy abatendo velhos alemães em aviões antigos, juro por Deus, e então começaram a surgir bandas punk que compunham suas próprias músicas pegando o som dos Yardbirds e o reduzindo a uma tosca barulheira distorcida…8 ah, era lindo, era puro folclore, Velha América, e às vezes acho que esses foram os melhores dias de todos.

Não, não só acho, eu sei que foram, tenho sentido isso desde 1970, quando tudo começou a azedar na forma de um bando de menestréis andarilhos e bardos baladeiros e outras merdas do tipo que já eram obsoletas mesmo na época. Cara, eu acordava de manhã em ‘65 e ‘66 e simplesmente amava 7 ‘Raided’ no original – trocadilho com a banda citada a seguir, Paul Revere and the Raiders (‘Paul Revere e os Patrulheiros’), grupo de rock americano de sucesso na época e de gosto – deliciosamente, ainda hoje – duvidoso. Liderada pelo tecladista Paul Revere (o mesmo nome do herói histórico-folclórico americano), a banda de fato vestiu a camisa de “patrulheiros” da América contra a British Invasion. (N.T.). 8 ‘Fuzztone’ no original. (N.T.).

12

ligar o rádio, tinha tanto jive saindo dos alto-faltantes. Tipo essa canção chamada “Hey Joe”, que literalmente todo mundo e a porra de seu irmão não só gravava como reivindicava tê-la escrito mesmo sendo óbvio que era uma mutação psicodélica de uma canção folk anciã que era sobre matar alguém por amor igualzinho a nove décimos do resto das baladas folk anciãs. E uma banda chamada The Leaves teve um hit com “Hey Joe” que matou a pau9 (mais uma expressão que vocês têm que acrescentar aos seus pequenos calões) e então desapareceu depois de dois álbuns esquisitos, apesar de que eles emplacaram, sim, uma outra boa, “Doctor Stone”, uma verdadeiramente opressiva e ambígua canção sobre drogas. Durante um ano toda porra de disco era um poço cheio de palavras-código para se estar chapado, porque as pessoas estavam só começando a fazer isso de forma tão intensa e era uma curtição tão furtiva, mas o governo idiota só descobriu os códigos, FBI e CIA e tudo mais, depois de uns quatro ou cinco anos, quando eles chegaram com um pomposo dossiê: um cara que parecia um cruzamento entre um esquilo e a Águia Americana e que tinha uma voz de matar se mandou para um resort geriátrico no deserto, para onde as pessoas foram pela tediosa curtição de se jogar o dinheiro fora, ele se mandou pra lá e apareceu com uma pesada oração intencionada a deixar o país por dentro do segredo de que drogas e música estavam relacionadas, quando todo mundo já o sabia, e a coisa toda foi tão hilária porque todas as músicas que ele usou como exemplos eram velhas pra danar e todo mundo já estava nessa altura tão chapado que não era mais necessário serenar as pessoas quanto a ficar doidão.

Mas pra mim e muitas outras pessoas, esse ponto em que ninguém mais se importava porque todos já tinham se convertido para o novo padrão foi precisamente quando as coisas começaram a descer ladeira abaixo. Ao invés de cantar

9 ‘Had a killer hit’ no original. (N.T.).

13

sobre tomar chá com Mary Jane e brincar com sua coisinha com a Doce Annie Xaninha10 as coisas se tornaram Ajude-me Deus eu não sei o sentido da vida ou eu acredito que o amor vai curar o mundo tanto da psoríase quanto do câncer e vou dizer tudo isso às pessoas de 285 formas diferentes quer vocês gostem ou não. E Por Que há guerra bem vá perguntar às crianças, elas sabem tudo que precisamos saber, e Meu Deus eu realmente gosto de negros mesmo que minha própria família não goste e mais outras grandes inundações de vinil contendo baboseiras nessas linhas. Nessa hora eu resolvi me retirar e recorrer ao meu bom e velho rock pateta de ’66. Eu desempacotei discos como 96 Tears do Question Mark and the Mysterians, que eram mesmo misteriosos, e me re-extasiei com bobeirinhas exóticas como “Wooly Bully”, que é indescritível e foi gravada por um bando de caras que dirigiam por aí num carro fúnebre vestindo turbantes.

Também foi nessa época que eu me voltei de verdade para as imitações juniores-bacanas dos Yardbirds. Tinha tipo Back Door Men, dos Shadows of Knight, que eram muito bons em traçar os riffs dos Yardbirds e os retrabalhar, e Psychotic Reaction,11 do Count Five, que na verdade nem eram tão fodas nisso mas que surrupiavam todos esses lugares-comuns com uma pegada tão suja que eu realmente os curtia mais! Eles eram um bando de jovens molequinhos que esbofeteavam guitarras vindos de um indistinguível subúrbio californiano, e poucos meses depois de “I’m a Man” deixar as paradas lá eles entraram com essa inepta imitação chamada “Psychotic Reaction”. E foi um hit tão grande, na verdade acho que foi um hit ainda maior que “I’m a Man”, o que me deixou puto na época mas pensando hoje em dia foi muito legal, sim, perfeitamente apropriado. A música era defeituosamente berrante, completamente fátua. Começava com um riff de guitarra emaranhado que eles roubaram de

10 ‘Sweet Slit Annie’ no original. (N.T.). 11 ‘Reação psicótica’, literalmente. (N.T.).

14

um hit do Johnny Rivers que no momento me escapa – foi aquele logo antes de “Secret Agent Man” – e então entrava um dos vocais mais idiotas de todos os tempos. Era tipo, deixa eu ver, um palavreado do tipo: “I feel depressed, I feel so bad/ Cause you’re the best girl that I’ve ever had/ I can’t get yer love, I can’t get affection/ Aouw, little girl’s psychotic reaction…/ An' it feels like this!”12 e então eles explodiam numa surrupiada total de “I’m a Man”. Era dinamite absoluto. Eu odiei no primeiro momento mas então um dia eu estava dirigindo na estrada chapado e a música tocou e eu sacudi a cabeça: “Que merda eu estou pensando? Esta música é demais!”

A capa do álbum (Double Shot DSM 1001) também matava a pau – a foto foi tirada do fundo de uma cova, em volta da qual estavam de pé os membros da banda, olhando para você lá embaixo no sepulcro com um olhar malicioso e penetrante. Realmente sombrio, exceto que eles todos estavam vestindo camisas de algodão e calças xadrez da Penney’s13. O que não era tão sombrio, mas um toque legal no fim das contas. As cores e letras eram legais também.

A contracapa tinha quatro fotos deles: Count Five posando bastante desajeitados vestidos com capas à Lugosi no gramado em frente a uma velha mansão; Count Five dando um show numa matinê em L.A., na maior piração14, enquanto, do lado direito da foto, uma multidão de tietes exuberantes, presumidamente barradas de seus ídolos, se empurrava voluptuosamente em direção a eles; Count Five em um estúdio de TV; e Count Five pondo malas no bagageiro de seu carro com os convenientes sorrisos maliciosos em seus rostos, preparando-se para a Grande Turnê como todos popstars devem fazer (provavelmente tiraram a foto na camionete da esposa do empresário da banda). 12 ‘Eu me sinto deprimido/ Me sinto tão mal/ Porque você é a melhor garota que já tive/ Não consigo seu amor, não consigo afeição/ Ah, garotinha, reação psicótica…/ E a sensação é assim!’. Optou-se aqui por ignorar o genitivo acrescentado por Lester em ‘little girl’s’ (mantido acima), por se tratar de um provável engano de audição do autor – o “correto” sendo “Oh, little girl, psychotic reaction”. (N.T.). 13 Rede americana de lojas de departamento. (N.T.). 14 ‘Ravin’ it up’ no original. (N.T.).

15

Ao contrário das várias capas de álbum retardadas dos mais capengas anos seguintes, quando as bandas começaram a esquecer de colocar qualquer tipo de informação na contracapa exceto talvez os títulos das músicas e um fajuto estudo de natureza em Kodachrome15 que os mostrava caminhando em volta de uma sequóia decaída, a primeira erupção do Count Five tinha a parte de trás repleta de todas as informações essenciais. Como os nomes, apelidos, instrumentos tocados e idade (os mais velhos tinham dezenove) de todo mundo da banda. Os títulos das músicas também prometiam: exceto duas roubadas do The Who, todas eram originais, e com nomes como “Double-Decker Bus”, “Pretty Big Mouth” e “The World”,16 para citar somente as três primeiras, eles dificilmente fracassariam.

Mas crianças, digo-lhes que me custaram semanas de deliberação, e muitas horas de suor, curvado sobre o balcão de discos, antes de finalmente ajuntar coragem para comprar esse disco. Por quê? Bem, ele era tão agressivamente medíocre que eu simultaneamente mal podia resisti-lo e sentia certo receio por saber o quão de fato tosco isso seria. Só muito mais tarde, chafurdando-me nas cafonices de Elton John e James Taylor, que eu finalmente vim a perceber que a tosqueira é o mais verdadeiro critério do rock ‘n’ roll, quanto mais crus os rangidos e grasnidos mais divertido e por mais tempo escutado um álbum seria. Nesta época eu teria estilhaçado um incisivo, raspado minha cabeça ou feito praticamente qualquer sacrifício para adquirir ainda que só mais um álbum com esse tipo de desleixo à la uma matilha de hienas coléricas. Nessa época já era tarde demais.

Eu tentei e tentei comprar o LP Psychotic Reaction – eu ia ao Unimart17 chapado de erva, noz-moscada, vodca,

15 Filme fotográfico de alta qualidade produzido pela Kodak. (N.T.). 16 Respectivamente, ‘Ônibus de dois andares’, ‘Boca bem grande’ e ‘O mundo’. (N.T.). 17 Cadeia americana de lojas de conveniência. (N.T.).

16

Romilar18 ou com o olho vidrado depois de dez horas sob Dexedrine19 trabalhando em problemas de Geometria (eu era um verdadeiro academicozinho – quando eu tinha o medicamento mágico que te catapulta para uma maníaca, obsessiva ânsia por conhecimento), eu tentei todas artimanhas para enfraquecer minha resistência, mas nada funcionou. Merda, eu tinha uma porra de dupla personalidade! E tudo por causa de uma merda de álbum do Count Five! Talvez eu estivesse mais perto do pinel do que eu jamais tinha imaginado! Por outro lado, o que mais poderia fazer com que eu ou qualquer outro vagabundo do meu círculo de amizades ficássemos esquizóides senão um álbum de rock ‘n’ roll fajuto? Garotas? Nãaao, isso é direto, simples, não racionalizado. Drogas? Claro, mas seriam elas sobre mim, “Você vai pagar por mexer com a gente, garoto!”, não a minha ruína interna de agonia dualística. Não, não, nada mais nem menos do que um disco, um álbum de rock ‘n’ roll de significância próxima à de Psychotic Reaction (quem é que poderia ganir em surto por causa de uma bolacha dos Stones, quanto mais dos Beatles?) sempre conseguia pulverizar meus lóbulos e transformar o chão que piso em vermute. Eu sabia, pois já havia tido um breve porém parecidíssimo encanto desorientador pelo álbum do Question Mark and the Mysterians! Estava na casa de um amigo, eu chapado de Romilar e ele de Colt 45,20 e eu disse: “É, hoje comprei o álbum do Question Mark and the Mysterians”, e subitamente o equilíbrio se esvaía da minha cabeça como água dos ouvidos depois de um mergulho, um inconstante vórtice começou a rodopiar através do meu crânio girando mais e mais rápido, apesar d’eu não poder dizer se era só a brisa lá fora ou se era algo bem entre minha carne e osso. Eu vi minha vida diante

18 Nome comercial de antitússico que, consumido em excesso, funcionava como alucinógeno. Retirado do mercado em 1973. (N.T.). 19 Nome comercial para sulfato de dextroanfetamina, um poderoso estimulante legalmente utilizado em casos de déficit de atenção e narcolepsia. (N.T.). 20 Marca americana de cerveja. (N.T.).

17

dos meus olhos, e não é papo furado – não estou dizendo que vi uma súbita montagem do nascimento a esse nauseante instante de vertigem emocional, mas eu me vi entrando e saindo de inúmeras lojas de discos, desperdiçando vastas fortunas em uma corrente interminável de cliques e tinidos de máquinas registradoras marcando $3.38 e $3.39 e $3.49 e todos os outros valores fixos que eu sabia de cor, mesmo se nunca na eterna corrida, inquestionavelmente um Americaníssimo Consumidor Participativo; vi lixeiras empilhadas com pacotes em que cabem vários discos selados de modo que você não era apreendido por furto ao passar pela porta. Eu me vi nas milhares de ocasiões em que caminhei em direção ao meu carro com passos abruptos e decididos, ligando a chave da ignição e varrendo as ruas rápido como num racha, na expectativa dos trinta e cinco ou quarenta minutos de som explosivo assim que eu chegasse em casa, a eterna promessa de que desta vez as guitarras se materializarão na forma de TNT e explodirão em chiados galvânicos no seu cérebro “CABUM!!!” e desta vez pelo menos por fim te fazer convulsionar nas alturas. Miolos incandescentes no teto, grudados como estalactites mucosas, enquanto seu corpo em fúria corre em voltas e se atira para fora berrando sons subumanos, dançando em círculos erráticos e proferindo sílabas avulsas insistentemente, como um geek com um caso grave de síndrome do superstar.

Mas isso é só a fantasia. A visão verdadeira, o verdadeiro clarão, arrepiante, era igualzinho à realidade, só que programado para repetir sem fim. A verdadeira história é correr para casa para ouvir a erupção do apocalipse, se jogar pela porta da frente e dilacerar o lacre plástico “para a sua proteção”, tirando o disco para fora – ah, vejam eles, os sulcos, todos pretinhos de doer e ainda sem nenhuma mancha, brilhantes e novos e tão castos, e então a cor do selo – ele brilha com auras que comentam sutilmente os sons emitidos ou é só uma insossa superfície utilitária monocromática, como a parede de uma escola (como a da

18

RCA e da Capitol depois que algum idiota as reelaborou – um exemplo real de retrocesso artístico)? E finalmente você põe o disco no prato, ele gira no limbo por um segundo perfeito, seguido pelo momento da verdade, agulha no sulco, e finalmente o som.

O que ocorre então é tão anticlimático que leva um homem racional às profundezas do desespero. Bah! Todo o mundo musical é repleto de simplórios e charlatães, com alguns poucos gênios e palhaços patetas aqui e ali.

Tudo isso eu vi enquanto sentado ali sob os espasmos causados pelo artefato do Question Mark and the Mysterians, e mais, eu me vi como um velho perplexo segurando uma cópia do álbum 96 Tears olhando fixamente para o nada com a mandíbula frouxa pelo declínio de uma vida extravagante. E logo depois, uma vez que praticamente não tinha passado tempo algum, meu amigo disse com óbvia estupefação: “Você comprou Question Mark and the Mysterians?”

Eu o encarei secamente. “Claro”, disse. “Por que não?” Reconheço que isso tudo soa bem patológico – apesar

de nunca ter pensado nisso até esta re-esquematização – e as nuances freudianas são banais, suponho. Mas o que não entendo é o que isso tudo significa. Não pensem que minhas compras e audições de discos, em si, foram sempre marcadas por tamanho frenesi e desorientação, ou até mesmo por certo grau de obsessão e compulsão. Acontece que a música me tem sido um fanatismo flutuante desde então – bem, desde a primeira vez que escutei “A tempestade”, da ópera Guilherme Tell, em um desenho animado na TV, por volta da primeira série. E durante o caminho da escola, quando canções como “There Goes My Baby” tocavam no rádio, e quando comprei meu primeiro toca-discos, na quinta série, e quando ouvi pela primeira vez coisas como The Black Saint and the Sinner Lady, de John Coltrane e Charles Mingus, e os Stones e feedback e Trout Mask Replica.21 Todos esses momentos

21 Álbum de 1969 do Captain Beefheart & His Magic Band. (N.T.).

19

foram verdadeiros marcos, cada um deles fritou meu cérebro mais um pouquinho, especialmente a experiência das primeiras audições de um disco tão total, tão perturbador, que você pode dizer com sinceridade que nunca mais vai ser o mesmo. Black Saint and the Sinner Lady fez isso, e pouquíssimos outros. São eventos de que você se lembra por toda a vida, como seu primeiro orgasmo de verdade. E todo o propósito por trás do absurdo e mecanicamente persistente envolvimento com música gravada é a busca desse momento inestimável. Então não é bem que discos tenham o poder de escancarar a mente, mas se algo pode te levar ao delírio, este algo pode muito bem ser um disco. Porque a melhor música é forte e guia e purifica e é vida em si.

Então, talvez a mais verdadeira autobiografia que eu poderia escrever, e sei que isso também serve para muitas outras pessoas, se daria em grande parte em balcões de discos, jukeboxes, apertando forward ao dirigir sob o impacto de rádios AM, sozinho sob fones de ouvido com várias pontes cênicas e coros angelicais no cérebro durante madrugadas insones, ou apenas sentado numa boa, chapado ou não, no vasto e benigno colo da América, batendo nas coxas e me sentindo bem.

Por fim eu juntei coragem para fazer valer minha insanidade e comprei o disco do Count Five. Acho que o golpe de misericórdia foi quando li numa revistinha adolescente (o único recurso de então para um ouvinte durão tentando sacar qual era a de cada produto novo que vazava) que o Count Five bradava ter recusado “um milhão de dólares em contratos” porque isso significaria que eles teriam de largar a faculdade e, conforme seu empresário, os garotos tinham consciência de que ter uma boa educação era o mais importante a fazer. Que demais! Isso realmente me fisgou, então na próxima vez que examinei o disco nas prateleiras murmurei “os meninos que voltaram para a escola…” Isso é de fato um diferencial – imaginem Mick Jagger subitamente acuado por um ataque de remorso, e bem no meio de um

20

gole de champanhe numa boate jet set a verdade inelutável o golpeia: Você precisa de uma boa educação, garoto. Você pode ter milhões, mas acha que vai ser um popstar por toda a sua vida? Óbvio que não. O que você vai fazer nos longos anos de negro outono? Você quer acabar como Turner em Performance22, precisando que alguém apareça e estoure seus miolos porque você no momento não consegue pensar em mais nenhuma diversão? Não é tarde demais! Volte para a London School of Economics e ganhe aquele diploma. Precisamos ter um trabalho construtivo, caso contrário viramos uma doninha ignóbil e sem propósito. Então o Mick engole o resto de champanhe, se desvencilha da belezoca ao seu lado e corre para a matrícula. Ele acaba ganhando um diploma em Arte e ao fim dos Stones ele sossega ensinando a linha reta a uma série de meninotes vorazes. Quão exemplar isso seria! Ele poderia até ser abençoado pelo Papa, ou convidado à Casa Branca! Mas é claro que isso nunca acontecerá, pois o Mick Jagger é feito de barro inferior ao do Count Five.

Comprei o álbum. Foi no mesmo dia em que comprei Happy Jack, do The Who. Corri pra casa, Happy Jack me deu uma leve satisfação, ri de Psychotic Reaction.

Mas Psychotic Reaction foi o álbum para o qual sempre voltava. Eu o toquei com alegria e freqüência por mais ou menos um ano, até que ele foi afanado por alguns motoqueiros, e quando eu finalmente o encontrei de novo, em 1971, num sebo de discos, cara, dancei de alegria.23 Porém, entretanto, fiz uma coisa singularmente mesquinha e avarenta. Ele estava na pilha de $1.98, pertinho de coisas como Cosmo’s Factory24 e Deja Vu25, e por algum motivo aquilo me pareceu inapropriado – deveria estar a $0.89 na prateleira de pechinchas, onde era seu devido lugar, juntinho

22 Filme de 1970 dirigido por Donald Cammel e Nicolas Roeg em que Mick Jagger faz o papel de Turner, um rockstar decadente. (N.T.). 23 ‘I up and danced a jig’ no original. (N.T.). 24 Álbum de 1970 do Creedence Clearwater Revival. (N.T.). 25 Álbum de 1970 do Crosby, Stills, Nash & Young. (N.T.).

21

de outros preciosos fracassos de outrora, entre Doin’ the Bird, dos Rivingtons, que eu também comprei, e 96 Tears, que de fato estava lá e provou meu argumento, o vendedor tendo tido o bom senso para desta vez guardá-lo onde ele se sentiria mais confortável (se esta personalização incomoda, não se preocupem: uma vez, quando eu estava na sétima série, fiz uma visita à cidade onde tinha morado no ano anterior para pegar de volta uma cópia do álbum com a trilha sonora de Mr. Lucky, de Henry Mancini, que eu tinha emprestado a um amigo que se esqueceu de me devolver antes da minha mudança. Quando voltei pra casa coloquei Mr. Lucky na prateleira próxima à de seu velho vizinho, o álbum Peter Gunn. Contemplando-os imponentes daquela maneira me senti feliz por eles. Pensava que os dois velhos amigos, dentre os primeiros álbuns que comprei, deviam estar deslumbrados por se encontrarem novamente depois de tanto tempo. Talvez tivessem até algumas histórias interessantes para contar).

O que fiz, então, foi pegar o álbum do Count Five, o mesmo que tanto curti antes e que por tantas vezes desejei ainda ter, erguê-lo no ar e dizer ao gerente da loja: “Que diabos essa coisa está fazendo na pilha de $1.98? Ninguém vai pagar $1.98 por isso!”

Ele olhou por um segundo, refletindo. Me adiantei: “Há quanto tempo essa coisa está mofando aqui? Deve fazer pelo menos um ou dois anos, enquanto outros álbuns vêm e vão. Ele pertence àquela pilha! $0.89!

“Hmmm, acho que você está certo”, ele disse. “Acho que esse disco – não, a banda toda na verdade – é uma das maiores latas-velhas da história. Sim, ponha-o na pilha de $0.89.”

“Vendido!” Eu berrei, corri para o balcão e lá joguei um dólar e me mandei pra casa. Eu o tinha! O artefato! Uma tabuleta de pedra da tumba de Tutankhamon! Uma gema há muito perdida! Incalculável – e eu o consegui por apenas $0.89!”

Bem, fiquem tranqüilas, crianças. O tempo não tinha obscurecido a grandeza do álbum do Count Five – o que até

22

hoje não aconteceu, na verdade. Ainda soa tão grosseiro e esculhambado quanto em 1967. Posso não ter tocado Happy Jack mais do que cinco vezes desde o dia em que o comprei, mesmo que nunca tenha me livrado dele (esses álbuns de Classe dos quais você não extrai nenhuma diversão vão todos revelar o seu valor e apelo essencial um dia, você sempre raciocina – talvez você mesmo se torne digno deles), mas para sempre vou detonar tudo e quebrar o pau com Psychotic Reaction. No primeiro mês depois de readquiri-lo devo tê-lo tocado dez vezes, e isso diz algo. Um misto de vinho do Porto ou Tokay26 mais Psychotic Reaction explodindo as paredes e eu me consumia de alegria disparatada enquanto sacolejava e sapateava em volta do toca-discos sem conseguir sentar caso tentasse.

Faixa a faixa, você não poderia ter arranjado melhor negócio dentre um ano de lançamentos da Warner/Reprise. “Double-Decker Bus” e “Peace of Mind” espremiam os Yardbirds na forma de obras-primas tão vitais quanto o hit título, a última por conter um dos mais perfeitos exemplos de riffs rigidamente mecânicos da história, a primeira pelas suas letras verdadeiramente cósmicas (“Well just you walk/ Down any street/ If you don’t see one of us/ You’re sure to see/ A double-decker bus!”).27

Mas os verdadeiros clássicos do primeiro álbum do Count Five, embora ignorados em sua própria época, poderiam ter provado serem imensamente influentes caso mais pessoas tivessem sido capazes de compreender o que a banda estava fazendo. “Pretty Big Mouth” era uma triturante street jam Tex-Mex28, algo reminiscente de uma trupe de mariachis caucasianos vindos de Red Mountain,29 que antecipou as ainda mais térreas excursões do segundo álbum e que marcava a ferro com uma das maiores letras macho-chauvinistas de todos

26 Tipo de vinho húngaro. (N.T.). 27 ‘Bem, basta você andar/ Por qualquer rua/ Se você não vir um de nós/ Você certamente verá/ Um ônibus de dois andares!’ (N.T.). 28 Estilo de música popular animada, presente principalmente no sul do Texas e norte do México. (N.T.). 29 Cidade-fantasma californiana localizada no Deserto de Mojave. (N.T.).

23

os tempos: “I ended up in the deep deep South/ Makin’ love to the woman with a real big mouth!”30

“They’re Gonna Get You”31, de forma um tanto similar, era um ensaio de ritmo a jato sobre o medo de barbearias,32 brilhante particularmente pelo vocal, que variava delirantemente entre um lamento irritadiço que antecedia Iggy e um falsete cartunístico. Mas a quebradeira mesmo era “The World”,33 uma estridência cuja própria monotonia se curvava sob seus pés como uma dessas rampas móveis de um trem-fantasma num parque de diversões, enquanto a letra consistia num mínimo espartano de frases – “I’ll tell the world, you’re my girl, you’re so fine, you are mine”34 – carcarejadas em séries de hurras e rangidos boquiabertos de deleite e orgulho lunático.

Infelizmente, Psychotic Reaction foi o único álbum do Count Five a ser amplamente disseminado e reconhecido em sua própria época. Double Shot, uma empresa quase tão errante na promoção do talento da Costa Oeste quanto a ESP-Disk o era para lidar com inovadores nova-iorquinos como os Godz, praticamente enterrou seu segundo e terceiro álbuns, dando-lhes promoção e distribuição igualadas em termos de miopia e indiferença somente à assessoria que a Decca dava ao The Who das antigas. Apesar disso, a banda teve a sorte de ter um empresário explosivo, com visão para compreender o seu potencial e um ímpeto persuasivo forte o bastante para, enfim, levá-la a assinar um contrato com a Columbia, onde eles fizeram mais dois bons álbuns que, embora tendo recebido a produção e promoção que sempre lhes foi digna, ainda assim fracassaram em termos de vendas. Pessoas ignorantes ainda os consideravam nada mais que uma versão

30 ‘Eu acabei parando no profundo profundo Sul/ Fazendo amor com a mulher de boca bem grande!’ (N.T.). 31 ‘Eles vão te pegar’, literalmente. (N.T.). 32 ‘Barbershop paranoia’ no original. A música, de fato, é sobre uma barbearia maligna e sobre como os barbeiros que lá trabalham querem – no mau sentido – te deixar limpo. (N.T.). 33 ‘O mundo’, literalmente. (N.T). 34 ‘Vou dizer ao mundo, que você é minha garota, você é tão boa, você é minha’. (N.T.).

24

impostora dos Yardbirds, críticos os ignoraram ou desqualificaram com suas mais sórdidas categorizações, e o triste resultado foi que suas obras mais importantes nunca receberam a atenção que tanto merecem.

Ironicamente, mesmo com a mídia “underground” e os auto-proclamados árbitros do gosto público insistindo em sua conspiração pelo silêncio, as desprezadíssimas publicações do “establishment” foram as primeiras a reconhecer as conquistas do Count Five em seu desabrochar inicial: “Evoluindo, como tantos outros, de suas ásperas origens, o Count Five finalmente se destacou como uma sutil, sofisticada integração de sólidos artífices musicais, criando alguns dos sons mais revigorantes e menos irritantes de nossa memória recente.” Essa foi a Billboard falando sobre o quarto álbum do Count Five, Ancient Lace and Wrought-Iron Railings35 (Columbia CS 9733).

Mas quando Snowflakes Falling on the International Dateline36 (Columbia MS 7528) saiu, arremessou qualquer um que tivesse ouvidos, todas as crianças antenadas e livres o bastante para erguer o dedo do meio para a máfia da opinião, porta afora, em direção à esquina. Ele continha a incomparável “Schizophrenic Rainbows: A Raga Concerto”, que ninguém que se sentou durante todos seus 27 minutos jamais será capaz de esquecer, especialmente o impacto trovejante da entrada abrupta e estrondosa de George Szell e a Orquestra de Cleveland, no décimo-oitavo minuto. Isso sozinho já dá base para que o disco seja considerado a obra-prima dentre todos seus álbuns, embora a melancólica “Sidewalk of Calais”, que fechava o lado A, também fosse sublime, com seu notável amadurecimento lírico: “Pitting, patting, trying not to step on the cracks/ In Europa, where we saw no sharecropper shacks/ Reciting our Mallarmé/ Those

35 ‘Cordão arcaico e trilhos de ferro batido’, literalmente. (N.T.). 36 ‘Flocos de neve caindo na Linha Internacional de Data’, literalmente. (N.T.).

25

films with Tom Courtenay/ And your hand in mine/ On the sidewalks of Calais/ Oh no, I shan’t forget…”37

Infelizmente, esse foi o último lançamento da banda. Depois de investirem tanta tecnologia e dinheiro num projeto tão ambicioso e serem retribuídos com tamanha indiferença pelo público, tanto a banda quanto a Columbia ficaram, por fim, desencorajadas, o contrato expirou e cada músico seguiu por trilhas desconhecidas, apesar de um deles, o incrível estilista da guitarra John “Mouse” Michalski, ter posteriormente emigrado para a Inglaterra e formado o lendário embora efêmero Stone Prodigies, com vários ex-membros do John Mayall’s Bluesbreakers e do Ginger Baker’s Air Force. Este aglomerado de titãs, como todos se lembram, fez um álbum incrível, To John Coltrane In Heaven, e então embarcou numa turnê de dez meses pelos Estados Unidos que bateu todos os recordes e que foi tão exaustiva que depois dela a banda inteira foi entregue, pelo resto de suas vidas, a casas de repouso.

Entre Psychotic Reaction e Snowflakes, seu canto do cisne, o Count Five fez outros três álbuns, todos igualmente ótimos e cada um sete léguas à frente do outro. Meu preferido sempre foi o terceiro, Cartesian Jetstream38 (Double Shot DDS 1023). Nele tivemos o mais completo desenvolvimento do Count Five como uma banda de rock ‘n’ roll, intrínseca e ainda inqualificavelmente (basta alguém escutar os velhos madrigais anglo-saxões e o pseudo-flamenco à Feliciano39 de Ancient Lace and Wrought-Iron Railings para perceber onde estava seu verdadeiro ponto forte). Bem-acabado e profissional, ainda que intensamente vigoroso e quase sujo (sofisticação, assim como a história, não pode ser freada), continha música verdadeiramente estimulante, transbordando

37 ‘Escavando, dando tapinhas, tentando não pisar nas gretas/ Na Europa, onde não vimos nenhuma cabana de meeiro/ Recitando nosso Mallarmé/ Aqueles filmes com Tom Courtenay/ E sua mão na minha/ Nas calçadas de Calais/ Oh não, não vou me esquecer…’ (N.T.). 38 ‘Jet stream (corrente de ar veloz que ocorre acima da superfície terrestre) cartesiano’, literalmente. (N.T.). 39 Referência ao cantor e guitarrista porto-riquenho José Feliciano. (N.T.).

26

com o pulso selvagem da criação. Os números originais dinâmicos como “Cannonballs for Christmas”, “Her Name Is Ianthe” e “Nothing Is True / Everything Is Permitted”40 fazem com que eu sempre o toque novamente, bem como a inclusão de Marion Brown, saxofone alto, Sun Ra, piano, e Roland Kirk, flauta irlandesa baixo, na última faixa, “Free All Political Prisoners! Seize the Time! Keep the Faith! Sock It to ‘Em! Shut the Motherfucker Down! Them Burn It Up! Then Give the Ashes to the Indians! All Power to the People! Right On! All Power to Woodstock Nation! And Watch For Falling Rocks!”41 Esta era um verdadeiro arrastão mental, e ostentava uma das letras mais originais do ano.

O único álbum do Count Five a fracassar totalmente foi o segundo, Carburetor Dung42 (Double Shot DDS 1009). Pode-se de fato dizer que se tratava do Count Five em seu lado mais sujo. Na verdade, era tão sujo que na maioria das canções você mal conseguia distinguir coisa alguma exceto uma parede indiferenciada de barulho opressivo e uma repetição intermitente de grunhidos suínos glotais. Suponho que a melhor forma de caracterizar o álbum seria chamá-lo de sombrio. Algumas das letras eram inteligíveis, como essas, de “The Hermit’s Prayer”43: “Sunk funk dunk Dog God the goosie Gladstone prod old maids de back seat sprung Louisiana sundown junk an’ bunk an’ sunken treasures/ But oh muh drunken hogbogs/ I theenk I smell a skunk.”44 Letras assim não aparecem todo dia, e mesmo que o suporte instrumental soasse vagamente como um carro atolado na lama girando as rodas, não se pode negar que a canção tinha certo valor como

40 Respectivamente, ‘Balas de canhão de Natal’, ‘O nome dela é Ianthe’ e ‘Nada é verdadeiro / Tudo é permitido’, em tradução literal. (N.T.). 41 ‘Libertem todos presos políticos! Fiquem atentos! Mantenham a fé! Soquem neles! Acabem com o filho da puta! Então queimem tudo! Então dêem as cinzas aos índios! Todo poder para o povo! Isso aí! Todo poder para a Nação Woodstock! E cuidado com as pedras caindo!’, em tradução livre. (N.T.). 42 ‘Esterco de carburador’, literalmente. (N.T.). 43 ‘A prece do ermitão’, literalmente. (N.T.). 44 ‘Afogado trêmulo inundado Cachorro Deus a carruagem fecal cutuca as velhas donzelas no assento traseiro floresce o pôr-do-sol de Lousiana bagulho e besteira e tesouros afogados/ Mas oh minhas chafurdas bêbadas/ Acho que cheiro um gambá’, em tradução livre. (N.T.).

27

um marco prototípico do rock ‘n’ roll de fundo de sarjeta. Outras canções, como “Sweat Haunch Woman”, “Woody Dicot” e “Creole Jukebox Pocahontas”45 se validavam por emergirem levemente da grosseria uniforme e unidimensional do resto do material.

Por outro lado, seria melhor se vocês não me dessem atenção, mas sim fossem ao meu acervo de discos e conferissem o álbum por conta própria. Dave Marsh46 o amou (ele disse: “É uma resposta a quão longe o rock pode ir, o extremo de uma vertente, e um dos sets mais humanamente primitivos que jamais ouvi. Você teria que ser louco para fazer música assim, e fico feliz que eles fizeram”). Ed Ward47 me disse que o guardaria para sempre porque “é um dos álbuns mais engraçados da história do rock ‘n’ roll, ao lado de Blows Against the Empire48 e Kick Out the Jams49; como você poderia deixar algo assim passar batido?” Apesar de Jon Landau ter se recusado terminantemente a publicar uma resenha dele na Rolling Stone: “Olha, cara, não estou nesse negócio no espírito de um moleque que se esconde num beco, estica o pé e derruba a primeira pessoa que vier passando, e então racha de rir quando caem de cara. Tudo ligado a esse álbum está errado. Primeiramente, é absolutamente horrível, uma das piores monstruosidades já lançadas. Em segundo lugar, a banda que o gravou é só uma fachada para músicos de estúdio, sei que isso é fato. Você não pode me dizer que o mesmo grupo que gravou ‘Iron Rainbows on the International Dateline’, ou seja lá qual era o título dessa coisa, seja lá o que fosse era uma bela obra – pretensiosa, superarranjada, superproduzida, verborrágica, egocêntrica e gauche, mas ainda assim bela – o carrilhador berrou até as tripas por vinte

45 Respectivamente, ‘Mulher de quadril suado’, ‘Dicotiledônea amadeirada’ e ‘Pocahontas crioula do jukebox’, em tradução literal. (N.T.). 46 Crítico musical americano, co-fundador da revista Creem. (N.T.). 47 Seminal crítico musical americano. (N.T.). 48 Álbum de 1970 de Paul Kantner & Jefferson Starship. (N.T.). 49 Álbum de estréia do MC5, de 1969. Ver nota 2. (N.T.).

28

e sete minutos – mas você não pode me dizer que aquela e esta pilha de merda foram feitas pelas mesmas pessoas. Esta provavelmente é a banda… passar bem. Outra coisa, eles estão num selo horrível. Quem já ouviu falar da Double Shot Records? Que tipo de promoção e publicidade eles têm? Nada! Quantos discos eles lançam por ano? Quem vai saber? O último artista decente que tiveram foi Brenton Wood e isso foi quatro anos atrás. Este álbum, eu garanto, não vai vender nenhuma cópia. Dê só uma olhada na capa: um carrinho de mão enferrujado, a carcaça de um velho Ford sem rodas nem motor e um álamo no plano de fundo. O sol quase se pôs e está tudo tão escuro que quase não se vê porra nenhuma. E lá acima está o título em letras marrom-sangue! Marrom-sangue! E aí vêm vocês me dizendo que tenho que publicar uma resenha desse álbum na Rolling Stone porque ele é sem precedentes e se as pessoas não o adquirirem agora elas podem nunca mais ter a oportunidade. E mandam a resenha comparando-o a Louis Armstrong, Elmore James, Blind Willie Johnson, Albert Ayler, Beefheart e aos Stooges! Tudo para que as pessoas o comprem, quando não há razão nesse mundo para que qualquer um interessado em música o faça. Mandem a resenha para a Creem. Façam dele o disco do ano. Deus do céu, eu tinha algum respeito por vocês. Agora acho que vocês todos devem estar ou perdendo a razão ou se voltando contra o rock ‘n’ roll. Vai chegar ao ponto em que a Creem não dará cobertura a um álbum a não ser que ele seja ou de free jazz ou tão absurdamente metálico, medíocre e barulhento que daria no mesmo enfiar a orelha num triturador de lixo ou numa serra elétrica. Lembre-se, cara: o público não vai comprar isto. Nenhuma repercussão, mesmo.”

Entretanto, nem Jon nem eu nutrimos ressentimentos por causa disso – é só que ele não agüentava nenhum tipo de ineptidão musical, o que era perfeitamente razoável, enquanto eu curtia demais certos tipos ultrajantes de ineptidão! Carburetor Dung pode bem ter sido o álbum mais inepto que já escutei – certamente estava pau a pau com

29

Amon Duul50 e Hapshash and the Coloured Coat Featuring the Human Host and the Heavy Metal Kids.51 Sim, crianças, esse era o título de um disco de verdade – às vezes sou dado à fabricação de álbuns, tipo como se eu desejasse que houvesse certo álbum que não existe. Eu simplesmente invento, mas esse é autêntico. Carburetor Dung é autêntico também, mas a Double Shot não lhe deu qualquer tipo de promoção por um misto de razões (título, atitude de várias pessoas tanto na imprensa quanto na indústria, indiferença pública, e o fato de nenhuma pessoa na Double Shot querer falar sobre isso de tanto constrangimento). Acho que ele simplesmente foi desaparecendo, como Oar, de Alexander Spence, e mais tantos outros álbuns notáveis. Quanto ao Count Five, eles finalmente foram para onde todas boas bandinhas vão – para o grande Posto de Gasolina no céu.

“Bem, tudo isso é muito interessante, você nos prendendo aqui pelas últimas quatro horas nos contando sobre a meteórica carreira dos Carburetor Dungs –”

Não, não, Count Five, Carburetor Dung era o – “TÁ, LEGAL, MAS PORRA, QUANDO VOCÊ VAI NOS

CONTAR SOBRE OS YARDBIRDS?!” Uh, hmmf – hummmm, sim… bem, essa história vai

sempre estar na reserva, para outro dia. Além do mais, quando vocês se derem conta, o Count Five foi provavelmente tão importante quanto os Yardbirds, no fim das contas. É só que algumas pessoas são reconhecidas em seu próprio tempo, e outras, não.

50 Álbum de estréia da banda alemã homônima, de 1969. (N.T.). 51 Literalmente, ‘Hapshash e o Casaco Colorido, com a participação do Hospedeiro Humano e as Crianças Heavy Metal’. Álbum de 1967 do trio inglês Hapshash and the Coloured Coat. (N.T.).

30

Sobre o autor

Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves

Lester Bangs, ou Leslie Conway Bangs, nasceu em 1948 em Escondido, subúrbio Californiano. Tomado pelo frenesi musical e literário desde cedo, teve em 1969, aos 21 anos, sua primeira resenha – sobre o álbum Kick Out The Jams, do MC5 – publicada na então jovem Rolling Stone. A partir daí, Lester nunca mais deixaria de exercer a crítica musical, atuando em várias publicações importantes, como as revistas Creem, Who Put The Bomp e várias outras que não só celebravam cada rumo importante que o rock tomava como também ajudaram a definir a crítica de rock em si.

Famoso pela sua prosa anfetamínica, passional, sarcástica e iconoclasta, Lester Bangs foi talvez o gonzo definitivo. Seu trabalho se mostrou de grande influência não só para as futuras gerações de críticos de rock, mas para a própria música; sua atitude desafiadora sendo intersemioticamente traduzida nos nascentes hey ho let’s gos e sonic reducers que tanto ressoam ainda hoje.

Morreu prematuramente em 1982, aos 34 anos, vítima de overdose acidental devido à automedicação a que se submeteu para se tratar de um resfriado.

Bibliografia recomendada

Por Lester Bangs Psychotic Reactions and Carburetor Dung (Anchor Books) – Primeira e melhor antologia de Lester Bangs, editada pelo também crítico e amigo Greil Marcus. Contém vários dos mais famosos textos de Lester, como suas extremamente influentes entrevistas com Lou Reed. Em inglês.

Mainlines, Blood Feasts, and Bad Taste (Anchor Books) – Segunda antologia do autor, compilada pelo amigo John Morthland. Embora não tão essencial quanto Psychotic Reactions and Carburetor Dung, encontramos aqui artigos de alta qualidade e relevância, como suas notas de viagem pela Jamaica dos anos 70 e a sua primeira resenha publicada. Em inglês.

31

Reações psicóticas (Conrad) – Versão reduzida de Psychotic Reactions and Carburetor Dung. Embora contenha alguns de seus mais famosos artigos (como o obituário de Elvis e sua apreciação do disco Astral Weeks), muitos textos importantes foram deixados de lado, como o traduzido neste caderno. Em português.

Sobre Lester Bangs Let It Blurt: The Life and times of Lester Bangs (Bloomsbury) – Excelente biografia de Lester, escrita pelo crítico e discípulo Jim DeRogatis. Trata-se de um livro bem pesquisado e respeitoso – e, ainda assim, divertido e estimulante. Em inglês.

Tradução do texto de Lester Bangs “Psychotic Reactions and Carburetor Dung”, do livro de mesmo título, publicado pela Anchor, New York, 1988, p. 5-19. O texto foi primeiramente publicado na edição de junho de 1971 da revista americana Creem. A tradução foi realizada como atividade acadêmica, na disciplina “Estudos Temáticos de Edição: editando traduções”, oferecida pela Profª. Sônia Queiroz na FALE/UFMG, no 2o sem. de 2008.