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Sinopse.
Uma emocionante história de superação pessoal. Uma história cheia de aventuras.
Uma história de amor. Uma história sobre a amizade.
Uma história sobre a humanidade.
Sigfredo é um garoto desajustado. Gago e cheio de inseguranças, o protagonista sofre até descobrir os caminhos para explorar toda sua potencialidade, por meio da descoberta de seus dons pessoais.
Através dos olhos desse garotinho que aprende todos os dias a se superar, o livro conta a história de Sigfredo e seus amigos. A música é o fio que une os personagens da história, que juntos, irão descobrir o poder destrutivo das drogas, mas também o poder libertador do amor. Juntos os personagens irão descobrir que existem muito mais coisas entre o céu e a Terra do que podemos imaginar.
A narrativa parte da infância do protagonista, quando este ainda está descobrindo os dons que possui, e então a partir do segundo capítulo a história é contada em duas linhas de tempo diferentes: um capítulo mostra as descobertas adolescentes do protagonista enquanto outro mostra um Sigfredo já adulto. O livro segue um ritmo acelerado, com fortes emoções sendo vividas nas duas linhas de tempo, até que as linhas culminam a um momento presente, onde os personagens, agora jovens adultos irão viver a aventura mais surpreendente de suas vidas, quando descobrirão o imenso valor que a vida tem e a grandiosidade e perfeição da obra de Deus.
Quem diria, Sigfredo!, é uma história para crianças e adultos. Seja bem vindo ao mundo desse garotinho que encanta com seu jeito
peculiar de ser e de falar e com seu coração imenso.
1 DONS.
Sigfredo era um desses meninos peraltas que levam a vida numa boa. No
auge de seus doze anos, ele era um menino magricela, dono de uma vasta cabeleira
negra e de um rosto branco cheio de sardas. O menino achava complicado lidar
com aquele rosto todo manchado, pois pensava que nunca se sairia bem com as
garotas, mas era ainda mais difícil conviver com um outro defeito que o
acompanhava desde o nascimento: Sigfredo era gago. Só Deus sabe como ele
odiava aquilo!
Na escola, quando precisava pedir algo emprestado a alguém, ele sempre se
enrolava:
- Me -me-me em-pres-pres-pres...
Quando conseguia concluir a frase o sinal já havia tocado e todos seus colegas já
estavam com seus deveres terminados e prontos para ir embora. Pobre Sigfredo!
Sempre ia para casa inconformado. Mas ele era persistente: levava as tarefas para
casa e concluía todas, uma a uma.
Nos dias em que tinha que apresentar suas redações, o Sigfredo se sentia
como o réu dentro dum julgamento de um crime sério. Ele escrevia bem, mas na
hora de narrar seus trabalhos era comédia para a turma e tragédia absoluta para
ele. Noutro dia ele teve que ler um texto seu para a sala de aula:
- Mi-mi-minhas fé-fé...
Mas antes que conseguisse terminar de falar o título do trabalho, seus
colegas já estavam rindo tanto, e tão alto, que a professora teve que interromper o
menino. O barulho era tanto que fez a voz do Sigfredo desaparecer em meio a
tantas gargalhadas. E assim, mais uma vez ele voltava para casa cabisbaixo e
reclamando aos quatro ventos.
Sigfredo tinha ideais altos: sonhava em mudar o mundo e quando crescesse
queria ser o prefeito da cidade onde morava, Jardim Dourado, que era uma dessas
cidadezinhas do interior de Minas Gerais. Ele queria viajar pelo mundo, queria
conhecer cidades e lugares novos. Às vezes sonhava também em se transformar
num super-herói como os dos gibis. Queria poder sair voando por aí ou então
poder ficar invisível para poder entrar em qualquer lugar sem ser notado por
ninguém. Ele sabia que super poderes existiam apenas na imaginação, só que
quanto mais coisas lhes dessem para fazer mais feliz ele se sentia. O pequeno
Sigfredo tinha tanta energia que queria fazer tudo ao mesmo tempo: correr, falar,
pular, ler, brincar... era impossível conte-lo!
Um dia Sigfredo encontrou um pé de mangas carregadinho. Eram tantas e
tão bonitas, que ele sentiu vontade de comer todas. Subiu na árvore e começou, ao
mesmo tempo, a comer e a colher as frutas. Sigfredo estava com as mãos cheias e
com a boca toda lambuzada quando de repente... Ouviu o estrondo duma explosão
ali perto e tomou um susto tão forte, que escorregou e se estatelou no chão. Todas
as mangas caíram juntas e se espatifaram! E o menino, coitado, ralou a perna e o
joelho torto.
- A-a-ai me-meu jo-joelho! Que ódio... pe-perdi todas as ma-angas! –
Terminando o comentário, Sigfredo olha para sua direita e vê uma mulher
carregando uma cesta cheia de mangas, colhidas, pelo visto, ali no chão mesmo.
Ela se aproxima do garoto:
- Oi. Por que você esta chorando?
- Ca-caí da á-árvore e me machuquei...- Sigfredo estava vermelho de raiva.
Não tinha conseguido colher a quantidade de mangas que queria e ainda por cima
ralara o joelho! Ninguém merece isso!
- Não fica assim não! – disse a mulher o ajudando a levantar e lhe
oferecendo uma manga – Levanta daí. Vem, eu te ajudo... e, olha, chupe a manga.
Você vai se sentir melhor!
Sigfredo aceitou a fruta e saiu andando.
- O-obrigado.
- Eu me chamo Rita. Se precisar conversar com alguém, conte comigo! - A
mulher disse isso e continuou colhendo as frutas.
“Que saco!”, pensou o Sigfredo. “Nada de conseguir levar as frutas para
casa, nada de conseguir falar direito, nada de terminar os deveres de hoje, nada de
nada! E ainda por cima aquela tal de Rita se deu bem, vai levar um monte de mangas
pra casa. Mas que droga... também, pudera!, ela foi bem mais esperta do que eu
trazendo aquela cesta... Hmpt...! Da próxima vez vou fazer melhor as coisas...”Ele
disse pra si mesmo. “Ah, se vou!”
E o Sigfredo não se conformava. Como ele iria salvar o mundo se não podia
sequer colher umas poucas mangas!?
“Isso não é justo!”, ele pensou novamente.
Mas chegando em casa, Sigfredo se acalmou. Ao sentar-se em frente a TV viu um
comercial onde o apresentador comentava sobre uma promoção que daria aos
participantes uma viagem pra fora do país, bastando, pra isso, enviar ao endereço
indicado na embalagem de um chocolate junto com uma frase criativa sobre o
produto. Sigfredo foi correndo pedir o chocolate para sua mãe e pensar em qual
seria a melhor frase pra enviar ao concurso.
Ele sonhava em conhecer novos lugares. Até então, ele só conhecia a
fazenda do seu tio que ficava ali por perto. Sigfredo desejava estar em mais de um
lugar ao mesmo tempo. Muitas vezes, quando ele passava o final de semana na
fazenda do tio, sentia uma onda de tédio lhe dominar e aí queria voltar pra cidade
rapidinho... Mas na cidade ele ficava morrendo de saudades da fazenda. E era
sempre assim.
Mas agora ele recebera uma oportunidade de viajar pra fora do país!
Emoção de verdade... Essa ele não podia perder! Comprou o chocolate e escreveu a
seguinte frase: “O CHOCOLATE PLUM É LEGAL!” Pronto. Agora bastava
enviar ao endereço indicado e ficar na torcida esperando sair o resultado.
Só que o tempo passou e quando o resultado chegou... Sigfredo soube que
havia perdido. Por essa ele não esperava! Haviam escolhido uma frase melhor do
que a dele.
- Ma-ma-mas que dro-droga! – Sigfredo resmungou para sua mãe – Que-
queria tanto ter ga-ganhado!
A frase ganhadora tinha sido “O CHOCOLATE PLUM É O MAIS
RADICAL DA PARÓQUIA.”
“Mas que inferno!”, pensou o menino com seus botões. “E o que é que
chocolate tem a ver com paróquia? Eu hein! Que droga!” Percebendo a tristeza e
revolta da criança, Dona Teresa, a mãe do Sigfredo, resolveu chamá-lo para uma
conversa. Sua intenção era a de consolá-lo, mas nesse dia fatídico ela não consegue
fazer isso, porque quando o menino ficava com raiva sua gagueira aumentava e
era impossível conversar com ele. E como ele chorou e ficou magoado com aquilo!
Ele sentia como se tudo e todos estivessem sempre à sua frente. Sentia que sempre
iria perder, se dar mal, ser mais devagar ou pior do que os outros. Ele estava
péssimo! Já se sentia a última das pessoas com aquela porcaria de defeito na voz, e
ainda por cima perdera o concurso!... Era insuportável viver assim!
Sigfredo se perguntava por que ele tinha que ser desse jeito, tão cheio de
defeitos. Ele pensava muito, mas não conseguia obter uma resposta. Depois desse
dia em que soube do resultado do concurso do chocolate Plum, Sigfredo ficou uma
semana inteirinha sem por os pés para fora de casa. Saía apenas para ir à escola, e
quando voltava se trancava no quarto e ficava o dia inteiro sem comer e sem ver
ou falar com nenhum amigo, pensando e sentindo tristeza até a hora em que ele ia
dormir. Ele já tinha bastante dificuldade para conviver com os colegas de escola,
porque zombavam muito dele, e essa dificuldade somada às duas experiências
frustrantes – o caso das mangas e o da promoção – tinham tornado a vida do
garoto pesada demais.
Mas as coisas começam a mudar para Sigfredo num certo dia, quando,
enquanto volta da escola, ele vê um homem engraçado sentado num banco de
praça. Ele estava cheio de penduricalhos artesanais no pescoço e nas roupas, que
eram bem coloridas; usava um chapéu pontudo de duende e carregava um violão
coberto de adesivos embaixo do braço. Sigfredo logo se encantou com a figura
daquele homem. Chegou mais perto e sentiu um ar tremendamente animado.
Sigfredo tomou um pequeno susto quando o homem o chamou:
- Ei, moleque! Chega mais!
Sigfredo ficou um pouco desconfiado, mas decidiu dar atenção àquele homem.
- Tudo bem com você? Meu nome é Alberto Júnior. E você, quem é,
pequeno? – O homem falava rápido e gesticulando muito.
- Si-Sigfredo! – respondeu o garoto, que costumava ficar carrancudo em
dias de sol.
- Prazer Sigfredo! Vocë já tocou violão alguma vez?
- Nu-nunca!
- Já pensou em aprender?
- E-eu acho que na-não levo je-jeito – respondeu o garoto timidamente.
- Relaxe, pequeno Sigfredo – disse o homem de um modo brando – Sente-se
aqui comigo.
O garoto sentiu-se um pouco mais a vontade e então resolveu se sentar.
- Bem, respire fundo e... ouça!
O homem começou a dedilhar uma melodia no violão.
Sentado a seu lado, Sigfredo escutava as notas que iam sendo tocadas e
sentia que as reconhecia de algum lugar... Começou a sentir algo mudando e
crescendo dentro de si. O garoto experimentou uma sensação de leveza e liberdade
dentro do peito, de uma forma intensa, como ele nunca havia experimentado.
Ouvindo aquela canção, ele percebeu o quanto as coisas podiam ficar coloridas e
bonitas. O quanto as pessoas podiam se tornar belas. Subitamente ele descobriu
que aquela beleza que via era fruto da sensação boa provocada pela música, mas
que, além disso, era um reflexo do que havia de bom dentro dele. Seu mundo
externo estava bonito porque o interior também estava. Ele se sentia em paz.
E ali, embalado por aquela melodia, tocada por aquele homem estranho,
naquele velho violão, Sigfredo sentiu uma força dentro de si lhe impulsionando a
romper os próprios limites, a ir além do que ele podia ou se sentia capaz de fazer.
Ele simplesmente se sentiu inspirado e... começou a cantar! Ele não sabia de onde
conhecia aquela música, mas sentia que já a conhecia. Ele mal sabia o que estava
fazendo, mas de dentro dele iam brotando frases, que compuseram uma canção
mais ou menos assim:
“Meu Pai aqui me colocou
E devagar eu vou
Sei que Ele me domina
Por isso estou alegre e satisfeito
Pois considero tudo feito por Ele e a Rainha.”
Ouvindo aquilo, o velho Alberto começou a tocar com mais intensidade, se
sentindo, ao mesmo tempo feliz por estar tocando e impressionado com a beleza da
voz e da composição do garotinho. E então os dois ficaram ali, entoando aquela
canção, por um longo tempo. Naquele momento os dois se tornaram um só, sendo a
vibração da música o fio que os unia. A voz e a composição do menino encaixavam-
se perfeitamente nas notas soadas pelo instrumento do velho.
Sigfredo, de olhos fechados, vibrava na canção, sem se perguntar o porquê
da sua desenvoltura vocal ou por que ou como entoava aquelas frases e aquelas
notas, atingindo tons os quais jamais sonhara alcançar. E quando sentiu que devia
parar, parou e ao abrir os olhos, percebeu que havia muitas pessoas ao seu redor.
E essas pessoas olhavam para ele em silêncio, com expressões que misturavam
respeito e admiração.
Depois de alguns minutos as pessoas começaram a aplaudir.
Sigfredo olhou para si mesmo cheio de espanto. “Palmas pra mim?”, pensou
o garoto.
- O-obrigado! – ele respondeu. E pela primeira vez na vida ele se sentiu
honrado e aliviado, pois não riram de como ele era ou de como falava.
E depois dessa tarde Sigfredo descobriu possuir esse dom; ele nascera para
cantar e devia se dedicar àquilo. Passou então a conciliar a escola com os ensaios
junto a Alberto, que o levou para uma escolinha de música e se oferecera apara
ensinar teoria musical ao garoto. E ele não parou mais: conseguiu, mais tarde,
montar uma banda que se apresentava na escola, em festas da cidade até em
cidades vizinhas. Sigfredo eletrizava com sua voz melodiosa e forte, cantando
canções populares e também composições próprias.
Ele não deixou de ter aquele defeito no modo de falar, ou de se irritar com
certos problemas que ainda tinha que enfrentar no seu cotidiano e que haveria de
enfrentar até quando chegasse à idade adulta, quando por sinal, estes
aumentariam. Mas cantando, ele descobriu que Deus presenteia cada criação Sua
com um dom, e que este dom é único e intransferível. Ele nunca poderia ser o Mick
Jagger, o Roberto Carlos ou quem quer que fosse, mas sabia que podia ser
simplesmente Sigfredo, com suas qualidades e defeitos. Ele descobriu também que
este Dom, inerente a cada ser humano, que em sua individualidade é especial aos
olhos do Criador, se manifesta em cada um de formas, intensidades e momentos
diferentes. Percebendo isso, Sigfredo aceitou que essas diferenças eram
necessárias, pois ele descobriu que cada ser humano contém algo de especial para
oferecer ao outro; onde um falha, o outro poderá estar pronto pra cobri-lo nessa
falha. Assim, Sigfredo começou a observar que essa força, a força da cooperação –
que gera uma harmonia presente nas diferenças – está em tudo – na escola, nos
governos, na família e assim por diante. Cada um cumpre um papel determinado e
é recompensado conforme sua capacidade e esforço.
Um dia Sigfredo encontrou Rita novamente. Ele estava se apresentando
com seu grupo musical na escola e ela aparecera na platéia. Terminada a
apresentação, ela se aproxima para conversar com ele:
- Sigfredo, que saudade! Sua perna melhorou?
- Si-sim...
- Que jóia! Veja, estou produzindo geléia de manga, vim trazer-lhe uma de
presente.
Com aquele gesto de sua amiga, Sigfredo pôde mais uma vez corrigir seu
pensamento, pois naquele dia em que ele caíra da árvore, quando ela havia sido
mais esperta do ele, colhendo mais frutas que ele e o deixando confuso, com um
sentimento de baixa auto-estima e inveja, ela estava apenas usando uma aptidão
dela – a velocidade e experiência maiores que os dele. Apesar da dureza da
situação, ele pôde agora compreender que sendo daquele jeito, Rita podia servir a
toda comunidade, fazendo geléias para as pessoas comerem. Ao contrário dele que
só pensava em comer o máximo de mangas que pudesse.
- O-obrigado! Na hora de agradecer, Sigfredo ficou mais gago do que
costume, já que estava com vergonha da própria gulodice.
Depois de conversar com Rita, Sigfredo lembrou-se do concurso do
chocolate Plum, tomando, naquele momento, consciência de que no concurso, a
criatividade tinha brilhado mais para o outro candidato, mas então, mesmo
sabendo que tinha tantos defeitos e de que ainda poderia perder muito na vida,
mesmo assim, ele decidiu que deveria por cada vez mais energia, mais esperança e
fé em seus trabalhos, principalmente suas composições, para desenvolver seus dons
e poder servir cada vez mais e melhor.
E assim Sigfredo aprendeu a reconhecer e respeitar a harmonia existente
nas diferenças, descobrindo que cada um era de um jeito porque assim o precisava
ser, como peças específicas duma máquina que precisa de cada um de seus
componentes para funcionar, ou como as pequenas estrelas do céu, que possuem,
cada uma, luz e singularidade especiais, mas juntas compõem a beleza que
observamos no Cosmo.
E percebendo tudo isso, o menino Sigfredo se espantou consigo mesmo, pois
havia descoberto que até ele, que com tantos problemas e conflitos na sua vidinha,
também tinha seus dons especiais: ele podia cantar para animar as pessoas!
Essa é a história da infância de Sigfredo. Mais tarde ele cresceu, o problema
de sua voz sumiu, só voltando em situações em que ele se sentia muito nervoso; ele
aprendeu a tocar violão e continuou fazendo música com sua banda e viajando
pelo país afora, o que lhe deu oportunidade de se casar com alguém especial,
construir uma casa, se formar, ter filhos e ser feliz.
Nesse meio tempo ele viveu algumas aventuras.
2. DE VOLTA AOS ANOS DOURADOS
Mas a felicidade não era algo eterno, como dizia a D. Teresa durante os
anos em que Sigfredo ainda era um moleque revoltado com a voz e as sardas.
Foi numa tarde ensolarada de domingo que ele passou duas horas sentado
em sua cadeira de praia, pensando em tudo que havia acontecido nesses últimos
anos. As viagens... Os shows... Luzes acendiam-se a apagavam-se em sua memória
e várias pessoas, conhecidas e desconhecidas passavam por lá. Houve algumas
brigas – várias na verdade. Mas o mais importante era que no final das contas ele e
seus amigos sempre voltavam a fazer as pazes e ele se sentia seguro com isso, afinal
desde que se tornara um adulto, seus amigos haviam se tornado tão importantes
quanto sua família. Ele se sentia reconfortado com seus amigos, mas desde que se
tornara um músico de sucesso ele sentia uma verdadeira ambigüidade em seu
modo de encarar a vida: sentia-se extremamente feliz por tudo que havia
conquistado e ao mesmo tempo perturbado com toda a badalação que o sucesso
dele e dos seus companheiros desencadeava. Por que a maior parte do dinheiro que
fazia com sua música ia sempre para a mão dos organizadores dos shows? Ele
precisava encontrar um empresário que fosse justo com ele e seus amigos.
Mesmo essas preocupações, Sigfredo resolveu deixar os problemas de lado
por um tempo e decidiu que tudo agora estava certo. Ele sentia que havia ganhado
mais do que perdido, pois Anita estava ao seu lado e ele se sentia safisfeito. Anita
tinha se tornado uma jóia rara na vida de Sigfredo... Ele nunca iria esquecer do
que o cativara naquela moça. Ela parecia ter algo de mais moderno do que ele:
falava de um jeito descolado, cheio de gírias e usava umas roupas diferentes, quase
masculinizadas, mas apesar disso tinha uma delicadeza e uma feminilidade que o
encantavam. Seu visual costumava ser composto por correntes e maquiagens
pesadas. Sigfredo achava estranhas aquelas unhas pintadas de preto e aquelas
roupas e símbolos que mais tarde ele viria a saber que eram símbolos ocultistas.
***
Eles haviam se conhecido no ultimo ano da escola: estavam com seus dezesseis
e dezessete anos numa época em que a banda iria completar dois anos de
existência. O NEW SMURFS, que naquela época começava a ascensão rumo ao
sucesso. A banda do futuro. Inovação musical, que misturava diversas tendências
costuradas e lideradas pelo timbre único do Sigfredo. As pessoas escutavam e
simplesmente se apaixonavam.
Aquele último ano de escola não tinha sido nada fácil. Carlinhos, Cláudio e
Mouse, respectivamente o guitarrista, o baixista e o baterista da banda, todos
colegas de Sigfredo, estavam indo de mal a pior com os estudos. Ele ainda
conseguia se safar com certa facilidade dos problemas de química, física e
matemática, ao contrário dos colegas, que precisavam usar o tempo também para
os ensaios. Sigfredo aprendera a tocar violão naquela época e se dedicava a manter
a base das canções e cantar com a melhor energia que pudesse, o que, do seu ponto
de vista, era mais fácil do que solar, tocar bateria ou manter os equipamentos em
dia.
Com o resto do seu tempo, ele se preocupava em ajudar os três colegas com
os deveres escolares.
Anita costumava aparecer nos ensaios de vez em quando. Antes de
montarem o estúdio atual, hoje uma estrutura boa o suficiente, com equipamento
digital, onde podiam fazer e gravar sua música com qualidade – o NEW SMURFS
realizava seus ensaios no porão da casa do Mouse, que era o filho do prefeito da
cidade e tinha bastante espaço para oferecer aos amigos, inclusive para Anita que
era sua prima e acabara de chegar da capital.
Anita sempre aparecia no porão com ar de revoltada e costumava criticar o
som dos garotos:
- Que música brega! Eca, que mau gosto! - ela costumava dizer.
- Ah cala boca, guria! Era o Carlinhos, com seu jeitão despreocupado. Ele
dizia isso e continuava elaborando seus solos mirabolantes sem ligar para nada.
Nessa época ele já estava totalmente recuperado dum surto que teve em
conseqüência de um tal chá da Flor Lilás que eles tinham tomado juntos.
Quando tudo aquilo aconteceu com o Carlinhos, havia se passado um ano e
meio desde aquele dia que Sigfredo se encontrou com Rita e suas geléias. Nessa
época, a banda já estava formada e com alguns anos de ensaio nas costas. A
afinidade entre os quatro tinha sido imediata; Carlinhos, Cláudio e Mouse eram
todos alunos do Alberto e estavam precisando de um vocalista para equalizar a
força que eles sentiam com seus equipamentos – guitarra, baixo e bateria – e o
recém descoberto dom de Sigfredo caía como uma luva para eles.
Eles já tinham começado a tocar em estados vizinhos, e tinham acabado de
voltar pra cidade onde moravam no dia em que Carlinhos apareceu no porão onde
eles ensaiavam com uma sacola cheia da Flor Lilás da Montanha. Ele estava
exaltado, mais agitado do que nunca.
Chegou falando alto e empurrando os companheiros
- Vocês precisam entrar nessa onda galera. Chá da Flor Lilás. É demais.
“Maior barato!!”.
- Carlinhos, onde foi que você encontrou isso? – era alguma espécie de
instinto materno falando através de Cláudio.
- No pasto. Consegui com ajuda dos meus amigos lá da vila. – Carlinhos
morava um pouco afastado do centro. Quando Carlinhos conheceu Sigfredo,
Carlinhos o levou para um passeio na roça. Foi quando Sigfredo conheceu os pais
do amigo, que fumavam umas coisas estranhas, mas Sigfredo já sabia que o
segredo da vida nesse planeta estava calcado na harmonia presente na diferença
entre os seres então ele pensou que o fato dos pais do amigo usarem aquelas
substâncias não significava necessariamente que eles eram más pessoas. Carlinhos
explicara para Sigfredo que ali, a Santa Maria era considerada uma erva sagrada
e que eles a usavam principalmente para rezar e entrar em contato com Deus e
quando queriam se reunir para relaxar.
Sigfredo se sentia seguro ao lado de Carlinhos e o pai dele. Carlinhos era
um excelente músico e companheiro fiel e contava sempre muitas piadas,
quebrando o mau humor rotineiro de Sigfredo que o admirava muito, porque além
dos projetos musicais ele ainda era ativista de uma OnG na cidade. Carlinhos
estava sempre organizando passeatas ecológicas, trazendo palestrantes para a
escola ou promovendo mutirões comunitários e peças com temas ambientais. Ele
“fumava um” sim, mas não era como esses marginais que Sigfredo via por aí, que
não querem nada da vida, são preguiçosos e ainda por cima pareciam não ter nada
dentro do coração. Sigfredo tinha Carlinhos como um exemplo positivo na vida.
Ele nunca iria imaginar que as coisas aconteceriam como aconteram...
Os pais de Carlinhos também usavam suas ervas, com muita discrição, mas
pelo visto não estavam preparados para orientar corretamente o filho em suas
experiências adolescentes. Mouse e Cláudio vez ou outra tragavam cigarrinhos de
maconha, escondidos da polícia, claro, e Sigfredo experimentara uma vez, mas ele
não podia usar muito porque a erva era um veneno para suas cordas vocais. E ele
não gostava da sensação de estar funcionando em “câmera lenta”. Os outros
moleques apreciavam a erva e Sigfredo até achava que fazia bem para os colegas
porque eles eram muito agitados, mas talvez não para ele, e por isso ele evitava,
mas sem discriminar os amigos verdadeiros. Sua mãe não podia nem sonhar com
aquilo. Ela vinha dessas famílias italianas “caretas” e o uso de qualquer espécie de
estimulante psicoativo era, para ela, o pior crime do mundo. D. Teresa costumava
implicar e fazer careta até mesmo com o chimarrão dos amigos gaúchos.
- Não deixa de ser uma droga estimulante, ela costumava dizer. Devia ser
proibido também!
- Ma-mas Mãe... – argumentava o menino – vo –você não acha que a pro-
pro-proibição estimula ainda mais o tráfico e a violência?
Dona Teresa geralmente não sabia o que responder nessas situações.
Sigfredo, ao contrário da mãe, sempre tivera uma cabeça mais aberta e
sabia ser compreensivo com os amigos. Ele não sabia exatamente de onde vinha
tamanha compreensão e paciência, talvez as tivesse puxado do pai, um velho
marceneiro aponsentado. Seu pai tinha sido marinheiro no passado e com isso
adquirira muita experiência com os anos, pois tinha morado em muitos lugares do
planeta. Talvez por isso naquele dia Sigfredo pressentiu que aquela euforia toda do
Carlinhos não era um bom sinal.
- Viva a Flor Lilás da Montanha! Viva a Flor Lilás da Montanha!
Precisamos experimentar, galera! Me falaram que não existe onda melhor!!
- E como é que você sabe que isso não é venenoso?
- Porque da haste azul da Flor Lilás da Montanha. Não pode pegar a flor de
pétalas azuis, só a Lilás, senão pira! Mas peguei a flor certinha, olha só!
- Pelo visto você está por dentro mesmo, hein Carlinhos? - Mouse brincou,
num tom que demonstrava que ele já começava a se interessar pela experiência.
- Digamos que eu li um pouco. Vamos lá, pessoal, alguém prepara uma
panela com água fervendo, por favor.
- Espera aí, Carlinhos! Você tem certeza de que quer tomar isso mesmo? –
era Cláudio, inseguro.
- Lógico que tenho. E anda logo com isso!
Carlinhos era dono de um sorriso maroto que sempre convencia os
companheiros. Apesar de desconfiados, os outros três estavam excitados com a
expectativa de sentir novas sensações e a curiosidade acabaria falando mais alto. O
que será que ia acontecer se eles entrassem naquela onda?
- E você vem junto Sigfredo! Vai cantar muito mais depois que entrar
nessa!
Será? Ele sentiu uma onda de medo subir pela espinha. Paralelo a isso, a
curiosidade e a vontade de ir até as últimas conseqüências para manter viva a
chama da amizade dominaram Sigfredo fazendo com que ele topasse a aventura.
Fizeram o chá e beberam.
Sigfredo não pôde deixar de sentir náuseas com o gosto adstringente da
bebida. Parecia uma mistura de isopor com vômito.
Os quatro brindaram os copos cheios da bebida violácea. Eles se
entreolharam e riram muito, até que cada um encontrou um canto do porão pra se
encostar e foram aos poucos se acomodando.
A viagem estava apenas começando.
3. COMO ASSIM?
- Sigfredo, acorda!
- Ah, oi, desculpa! Ele tinha cochilado na cadeira de praia.
- Você não está escutando o telefone tocar não, Sigfredo? Era Anita. Ela
não tinha perdido nem um pouco do brilho da juventude, mesmo com o passar dos
anos. Continuava linda e sua voz ficava ainda mais sexy quando ela ficava brava.
- Amor, me desculpe. Dormi aqui enquanto me lembrava de quando nos
conhecemos. Me passa o telefone, por favor?
Era Alberto do outro lado da linha. Eles não perderam o contato nesses
anos todos e Sigfredo sempre mantivera a afeição e o carinho por Alberto, mesmo
depois que ele deixou de ser empresário do NEW SMURFS.
- Sigfredo, como você está filho?
- Estou ótimo, Alberto. Tirando o mau humor recente da Anita, está tudo
tranqüilo.
- Tem ajudado a ministrar os remédios do Carlinhos?
- Sim, a Anita tem me ajudado com isso. O Cláudio e o Mouse também.
Hoje vamos assar umas pizzas aqui no alpendre de casa, pra comemorar o
aniversário do cachorro do Cláudio. Ele sempre foi envolvido com esse lance de
cuidar dos animais, você sabe né? Nos primeiros anos eu não conseguia me
adaptar a essas manias do Cláudio, mas hoje, quem diria, a festa inclusive será
aqui em casa. E o senhor, cadê? Vamos nos reunir sete horas. Quer que mande
alguém te buscar ou você vem de outro jeito?
- Estou no hospital, Sigfredo!
Sigfredo engasgou.
- O – O –o que?? Como assim, hos-hospital?
- Sigfredo, eu já era um velho quando você não passava de um molequinho
aprendendo a tocar seus primeiros acordes. Estou nas últimas, filho, e já faz
tempo... Tenho câncer no pulmão há mais de dez anos... Chegou minha hora.
- Mas por que você nunca nos contou nada, Alberto? Sigfredo sentiu um
impacto com a notícia. – Por quê? Ele se sentia traído, impotente e desesperado ao
mesmo tempo. Anita correu para abraçar seu marido.
- O que está acontecendo, Sigfredo?
- É o Alberto, amor. Está no hospital, internado com câncer. Ele me disse
que tem câncer no pulmão há mais de dez anos!
- Meu Deus, me deixa falar com ele! Anita tomou o aparelho de telefone da
mão de Sigfredo e começou a falar com o velho do outro lado da linha: - Calma,
Alberto, já estamos indo aí. Nos passe o endereço do hospital.
Sigfredo se tocou de que nos últimos anos ele tinha desprendido energia
demais com sua função de vocalista. Ele atingiu a fama, mas a que preço? Como
pôde deixar passar despercebida uma doença de tamanha proporção? E o Alberto
para ele era mais que um empresário, era um pai. E agora estava próximo da
morte. Ele sempre se perguntava o que acontecia com as pessoas quando a vida
chegasse ao fim. Tudo se acabava mesmo ou será que existia realmente um outro
lado? Para ele até então, a morte era uma coisa restrita aos livros, à televisão e a
notícias de pessoas conhecidas. Ele nunca havia perdido um ente querido.
Sigfredo tinha percebido uma grave mudança nas feições de Alberto nos
últimos anos. Ele tinha emagrecido muito e muito rápido e covas estranhas
surgiram no seu rosto. Mas agora Sigfredo se culpava por não ter tomado
nenhuma atitute. Sequer se preocupara em perguntar sobre a saúde do amigo.
Como ele podia ter se permitido ser tão relapso? Agora Alberto se encontrava
internado em um hospital, público ainda por cima, sujeito a sabe se lá que espécies
de maus tratos.
O velho já havia perdido todos seus parentes há muito tempo e as únicas
pessoas que ele tinha em vida eram seus antigos alunos e amigos. Os amigos do
NEW SMURFS já tinham sofrido tanto com os problemas de Carlinhos no
passado, será que o destino agora não podia lhes dar uma trégua?
4 . CARLINHOS E A VIAGEM
Os quatro adolescentes estavam fechados dentro do porão do Mouse. Eles
tinham acabado de beber o chá, estavam deitados sobre tatames e se abraçavam,
contando piadas e rindo muito.
Sigfredo tomou a bebida, mas a princípio não sentiu nada. Foi só depois de
algum tempo, quando ele viu Cláudio se levantando e indo vomitar no banheiro,
que ele começou a sentir um formigamento por dentro da sua cabeça. Seus
pensamentos ficaram acelerados e seus colegas pareciam bonecos saídos de um
desenho animado. Seus companheiros estavam muito engraçados, emitiam cores
intensas. Sigfredo estava adorando a sensação de dar risada com eles e de sentir o
corpo leve, como se fosse de borracha, e houve um momento em que ele olhou para
sua mão e ela pareceu crescer e se transformar num galho de árvore. Ele viu a
bateria do Mouse derreter e se recompor, derreter e se recompor, por várias vezes,
como se respirasse, ou como se fosse líquida. Olhou para o vidro do porão e viu
formas coloridas e velozes passarem lá fora e sentia sensações realmente ótimas. A
“viagem” estava sendo agradável e colorida, as coisas criavam vida e tudo estava
maravilhoso.
Até o momento que Carlinhos se levantou e começou a gritar:
- São eles!! São eles!!!
- Eles quem Carlinhos? Senta aí, seu dinossauro – a voz do Mouse saiu entre
os dentes, meio embriagada e os outros deram risada disso.
- Não... Não, Mouse, eles voltaram! Voltaram! Eles me querem, não vê?
Querem me levar!
- Do que você está falando, Carlinhos? O efeito da droga começava a
desaparecer e Sigfredo a ficar preocupado com os amigos, principalmente com o
Carlinhos. – Afinal, quem eram “eles”?
- Os monstros. Os estranhos, vocês não estão vendo? Não estão vendo?
Carlinhos estava muito nervoso; soltou outro grito e saiu correndo. Bateu na porta
do porão com toda força tentando abrir a porta, mas não conseguia.
Cláudio e Sigfredo se levantaram e se aproximaram do amigo, que estava
agarrado ao trinco da porta, tentando abri-la.
Que estranha reação de Carlinhos! Ainda mais ele, que era filho de
“doidões”. Sigfredo esperava que ele estivesse mais preparado para esse tipo de
situação! E o Carlinhos parecia ser tão esperto. Ele era o melhor músico da cidade,
sempre ficava com várias meninas, falava gírias modernas e sempre organizava
tudo pro NEW SMURFS poder tocar. Ele era o segundo mais velho do grupo,
perdendo na idade apenas para o Cláudio. O que é que estava acontecendo com
Carlinhos agora?
Cláudio e Sigfredo tentaram novamente acalmar os nervos de Carlinhos,
que permanecia agarrado ao trinco da porta. Mouse continuava deitado, rindo.
- Calma, Carlinhos, não tem monstro nenhum aqui! Somos nós, cara! O
NEW SMURFS! Os bons! Os melhores músicos da cidade, se esqueceu? Por que é
que você está assim?
- Não ponham a mão em mim! Carlinhos esbravejava cada vez mais alto.
Sigfredo observou que Cláudio olhava preocupado para ele e para Mouse,
que permanecia deitado, mas sinalizando que estava tudo bem. Carlinhos
conseguiu abrir a porta e ia começar a correr quando Cláudio o segurou pelo
braço com firmeza:
- Espera aí, Carlinhos? Onde é que você vai?
- Eu não vou me entregar, monstro, não vou! E tira a mão de mim!
Carlinhos começou a se debater de um jeito que os outros três nunca
tinham visto.
- Me solta!
Disse isso e saiu correndo noite afora.
Desesperados, Cláudio e Sigfredo saíram atrás do Carlinhos.
Mouse comentou enquanto se levantava do chão:
- Calma galera, é só o efeito da droga! Fiquem frios, daqui a pouco passa e o
Carlinhos volta ao normal. Ele só está “viajando”.
Mas Mouse estava enganado. Infelizmente, ele estava enganado.
Sigfredo e Cláudio ainda estavam, os dois, um pouco tontos e enxergando
tudo muito colorido mas conseguiram sair do porão para procurar Carlinhos.
A casa do Mouse era uma espécie de casarão colonial, que ficava na
periferia e tinha sido uma das últimas construções clássicas da cidade. A casa era
um pouco afastada das demais e havia uma encosta montanhosa, uma mata de
cerrado fechado e um rio, bem próximos do quintal. Deus não podia os ter
colocado num cenário pior para procurar um louco desesperado.
Era meia noite e o frio seco fazia o sangue de Sigfredo enregelar, apesar do
agasalho. Ele pensava no Carlinhos que vestia apenas uma regata. Devia estar
congelando!
Precisavam encontrá-lo!
- Car-car-carliiiiiiiiiiinhos!.... On-onde esse moleque se meteu?
-Não sei, Sigfredo vamos procurar... – Cláudio disse isso enquanto ligava
uma lanterna acoplada ao celular. – Carliiiiiiiiiinhos...!!!
Sigfredo e Cláudio desceram alguns metros pela mata que circundava a
casa do Mouse. Mas estava muito escuro e o cerrado era muito denso naquele
local, o que fez com que os dois decidissem retornar e circundar a casa grande
para procurar melhor pelo outro lado da casa.
Encontraram Carlinhos encostado em uma parede da casa, de cócoras e
suado, com os olhos arregalados e um pedaço de madeira na mão. Ele respirava
rápido e olhava pros cantos, como se a qualquer momento alguma coisa fosse
atacá-lo.
- Ele está louco, Sigfredo, não chega perto não!
Cláudio alertou Sigfredo e em seguida tentou ajudar o amigo desesperado.
-Carlinhos, sou eu Cláudio. Fica calmo cara, não tem monstro nem perigo
nenhum aqui.
- Vocês são alienígenas, eu sei. A voz do Carlinhos era seca e rígida.
- Não, não somos alienígenas Carlinhos. Somos seus colegas de escola e
companheiros de banda. Bebemos Chá da Flor Lilás da Montanha, tá lembrado?
A calma no tom de voz do Cláudio era admirável.
- Banda? Sim, sim eu lembro... O NEW SMURFS não é?
- Isso mesmo, Carlinhos. Cláudio chegou mais perto, estendendo a mão pro
amigo. Agora vamos terminar a viagem lá dentro, ok? Está muito frio aqui fora.
- Acho que... acho que...
Mas Cláudio havia sido ingênuo aquela noite. Ele relaxou e não percebeu
que Carlinhos ainda segurava com firmeza o pedaço de pau na mão direita. Ele
estava bem próximo do amigo ensandecido, pensando que ele já estava curado,
quando a loucura do Carlinhos voltou o dando forças para gritar e agitar o pedaço
de madeira com violência, atingindo em cheio o rosto de Cláudio.
- Monstro, achou que ia me levar! Os olhos de Carlinhos estavam muito
vermelhos e de dentro deles pareciam voar faíscas. Sigfredo tomou um susto com a
atitude de Carlinhos e estava horrorizado.
- Na-não me machuca! Mas quando a onda de medo e susto deixou Sigfredo,
ele percebeu que Carlinhos havia agredido o amigo e saído correndo logo em
seguida. Cláudio estava caído desacordado ao lado de Carlinhos, com uma ferida
imensa e horrível na testa. Ele precisava fazer alguma coisa e rápido. Pegou a
lanterna do bolso do Cláudio e resolveu pedir ajuda pro Mouse. Mas quando
chegou ao porão, Sigfredo notou que Mouse já não estava mais lá! Que droga!
Sigfredo encontrou um pano velho e umedeceu na pia do banheiro do
porão, e em seguida desceu a encosta correndo. Chegando ao local onde havia
deixado Cláudio, percebeu que ele já estava se recuperando da pancada.
- Tro-tro-trouxe um pano úmido. Mas o Carlinhos e o Mouse sumiram.
- Obrigado, Sigfredo! Vamos subir. Os meninos devem estar dentro do
casarão. Me ajuda aqui.
Sigfredo ajudou na limpeza da ferida de Cláudio e em seguida o ajudou a
levantar.
- Maldita seja essa tal de Flor Lilás da Montanha. Vamos, Sigfredo, temos
que tratar a loucura do Carlinhos ainda nessa noite! Cláudio mantinha um ar
impecavelmente profissional. Mais tarde, Sigfredo soube que ele vinha duma
família de médicos e talvez por isso se mantivesse tão calmo diante de situações
difíceis como aquela.
Os dois deram a volta na casa. Quando chegaram à entrada principal,
notaram que as portas estavam abertas e que havia uma viatura policial
estacionada ali em frente.
Mouse estava conversando com um policial quando Cláudio e Sigfredo
chegaram perto dele.
- Meu Deus, o que foi que aconteceu aqui? Sigfredo perguntou.
- Nos dá licença um minuto, sr. tenente?
- Claro, Rodrigo. Mas vê se não some, viu?
- Ok.
Mouse voltou sua atenção para os dois amigos que voltavam da mata:
- O Carlinhos arrombou uma porta aqui de casa e quebrou um monte de
coisas lá dentro! Além disso, rasgou boa parte do dinheiro que estava guardado
aqui em casa e que era o salário dos funcionários da prefeitura. Meus pais estão
viajando, mas a casa tem um alarme que liga automaticamente para a polícia,
assim que disparado. Ele quebrou uma televisão... E quebrou também um vaso
chinês caríssimo da minha mãe... Meus pais vão me matar!
Sigfredo e Cláudio estavam incrédulos. A que ponto Carlinhos chegou?
Cláudio começou a conversar com Mouse.
- Acho que a melhor coisa é dispensar a polícia, Mouse. Afinal, nós
conhecemos o Carlinhos há tantos anos.... Acredito que ele não tenha feito isso de
propósito, ele está fora de si!
- Tudo bem, mas com certeza o tenente vai contar para o meu pai. Os pais
do Carlinhos terão de pagar o prejuízo.
- Va-va-vamos atrás dos pais dele!, sugeriu Sigfredo.
- Só que a gente ainda tem que achar o Carlinhos, Sigfredo! – Cláudio
disse:
- Quando eu saí do porão, dei uma volta pelo quintal, e como não vi vocês,
resolvi vir comer alguma coisa aqui em cima. Mas quando cheguei, a porta já
estava arrombada e o alarme tocando. Daí dentro de poucos minutos a polícia
chegou.
- Que confusão! Mas a melhor coisa que podemos fazer agora é mandar
esses policiais embora e tentar resolver as coisas aqui entre nós mesmos – era
Cláudio mais uma vez mediando a situação.
- Está bem.
Mouse concordou. Entrou na casa, pegou um tanto de dinheiro que tinha,
entregou nas mãos do tenente e pediu pra que ele não contasse para o Prefeito o
que tinha visto.
- Tudo bem sr. Rodrigo. Mas cuidado com os amigos que andam
freqüentando sua casa, hein?! E tratem de arrumar essa bagunça antes que seja
tarde demais.
O tenente disse isso, entrou na viatura e foi embora. Os três meninos se
entreolharam, aliviados.
- A-acho que temos um problema a menos! Suspirou Sigfredo.
- Sim, só que ainda temos que encontrar o Carlinhos. Ele pode estar em
muitos lugares uma hora dessas, só Deus é quem sabe! Cláudio alertou – Mouse
você tem aí um BAND-AID aí para eu por na minha testa?
- Acho que tenho lá dentro. Nossa, o Carlinhos fez isso contigo? A coisa tá
séria mesmo. Venham, vamos entrar!
Eles entraram e enquanto Sigfredo e Mouse organizavam e limpavam a
bagunça que Carlinhos deixou, Cláudio foi direto para a sala procurar o telefone
dos pais de Carlinhos na lista telefônica.
Sigfredo só conseguia pensar onde, diabos, o Carlinhos havia se metido?
5. ALBERTO
Sigfredo deu a partida no seu novo carro. Ele achava que era um carro
bom, principalmente para ele que era um homem não muito ligado a motores. Seu
carro anterior, um Corsa 98 tinha sido de ótima valia para sua família e o NEW
SMURFS, mas ele já tinha dado tudo de si, e o momento exigia algo mais funcional
e moderno. Ele só não esperava ter que inaugurar o veículo numa situação como
aquela.
Anita já estava no seu lugar, quando o celular de Sigfredo tocou enquanto
ele manobrava o veículo na rua em frente a sua garagem.
- Amor, atende para mim, por favor.
Anita recebeu a chamada.
- É o Cláudio, Sigfredo.
-Opa, me deixa falar com ele. Cláudio, você soube do Alberto? Está no
hospital, internado, com câncer e está nas últimas.
- Eu soube. Estive em contato com ele nos últimos dias.
- Mas por que vocês não me avisaram? Fiquei preocupado.
Eles conversaram mais uns minutos até que Sigfredo percebeu que já estava
chegando ao hospital e teve que pedir licença ao Cláudio e desligar o telefone. Ao
chegar ao hospital, Sigfredo e Anita desceram do carro e foram direto para o
quarto de Alberto. A recepcionista os informou que Alberto estava no quarto n. 32.
-Não te ensinaram a bater na porta, Sigfredo? O tom de voz de Alberto
estava mais baixo do que de costume.
-De-desculpe.
A cena era estranha. Alberto estava deitado numa cama que mantinha suas
costas suspensas, com tubos e aparelhos cardiovasculares ligados a ele. Ele falava
devagar, respirando com dificuldade por causa dos aparelhos.
- Que bom que vocês vieram... Sigfredo e Anita. Que belo. Como é que vocês
têm passado? Que bom que vieram todos. Cláudio tem vindo me visitar nesses
últimos dias.
Cláudio estava em pé, próximo da janela do quarto, observando as pessoas
lá em baixo. Alberto olhou para ele como se o abençoasse e continuou falando:
-Sei que adiei muito o tempo de chegar até essa cama... Vivi a vida com toda
intensidade que ela pôde me dar. Não esmoreci nem um segundo diante dos
desafios que ela me impôs. Fui de tudo: quando menino entregava jornal, mais
tarde escrevi para alguns. Fui ativista, machista e moralista. Cumpri meus deveres
militares como devia, não por tanto tempo como seu pai, Sigfredo, que foi um
grande marinheiro, mas o suficiente para ser marcado para toda a vida. Passei três
anos num campo de batalha na Áustria, durante a segunda guerra mundial. Nesse
tempo vivi entre os soldados e as plantações de papoulas.
Sigfredo ao lado, escutava o velho com o coração na mão.
- A vida não foi fácil durante os anos de guerra. Talvez pelo estrondo
constante das balas de canhão, talvez pela ignorância das pessoas sofridas que
eram obrigadas a suportar aquilo. Éramos carregados em filas e caminhões
abarrotados. O calor era insuportável e o cheiro também. Sofríamos muito.
Praticamente não havia comida nos galpões do exército e éramos obrigados a caçar
nosso próprio alimento. Caminhávamos quilômetros pelas estepes congeladas,
sentindo o frio consumir nossos ossos e corpos.
“Uma vez ou outra encontrávamos uma lebre ou veado para comer, mas no
resto do tempo éramos forçados a comer a ração fedorenta que o governo
mandava para os soldados. Quando abatíamos algo grande, era preciso juntar
quatro ou cinco homens para carregar o animal e era complicado limpar toda
aquela carne. A noite, nos galpões e estalagens quando os guardadores de cavalos
tocavam seus bandolins enfeitados, havia festa entre os homens para comemorar a
caçada. E então comemorávamos com alegria e com a cerveja de milho barata que
os generais do exército costumavam comprar dos mercadores ambulantes que
ainda se arriscavam a aparecer por lá. Mas esses momentos eram raros. Na maior
parte do tempo ficávamos presos nos porões, preocupados com a iminente ameaça
nuclear, ou então treinávamos tiro de guerra. Éramos muito jovens, e muitos
foram abatidos naquela época. Éramos apenas uns pobres garotos que mal
experimentaram as coisas boas da vida e foram levados em decorrência duma
guerra insana.
“Lembro-me agora de Rian, meu antigo companheiro de farda. Éramos
apenas garotos e nos fardamos juntos, entre granadas, soldados inimigos,
trincheiras e tiros. Naquela época, ter um título militar era quase como ser um
presidente, ou algo assim. Depois de um ano eu e Rian fomos promovidos a
tenente. Grande bosta! Davam tanto valor aos “defensores da pátria”, mas a farda
e as medalhas não encobriam a dor da perda dos companheiros. Rian foi levado
sem sequer poder gritar por sua vida. Foi assassinado com um tiro na garganta...
“Ele tinha uma veia musical muito forte. Foi quem me ensinou meus
primeiros acordes, ele me iniciou na vida musical, que mais tarde veio a ser minha
salvação aqui nesse planeta. Rian era brincalhão, mesmo nos momentos difíceis da
guerra, ele estava sempre pronto pra animar os companheiros, sempre com uma
boa piada na ponta da língua. Perdê-lo foi como perder um braço ou algo assim...
Sinto falta do bom humor dele até hoje.
“Depois que consegui voltar para o Brasil, me dediquei totalmente à música.
No início tinham todas aquelas coisas de honra ao mérito; o Getúlio tinha acabado
de morrer e estava uma confusão geral no governo brasileiro. Mas lá no Rio de
Janeiro naquela época a coisa era toda cheia de pompa. Os novos carros pretos do
governo – modelos Ford que eram uma preciosidade nacional, foram buscar os
sobreviventes de guerra no porto de Santos. Depois vieram as festas. Várias. Tudo
era festa no Rio de Janeiro porque o clima de alívio era geral na nação.
“Mas também eram muitas comemorações fúnebres. Honras e celebridades
diversas aos soldados mortos. Quantas vezes não chorei em silêncio a perda de
Rian?
“Depois consegui um trabalho como telegrafista durante o dia. A noite saía
para comemorar a vida pelos botequins cariocas e paralelamente a isso, estudava a
obra que Rian tinha me passado. Foi nesse tempo que conheci Ivone. Ivone... Era a
Ivoninha do samba, a Ivoninha nossa, mulata afeiçoada, cheia do charme e do
gingado carioca. Nos casamos depois de poucos meses de namoro e fomos morar
num apartamento recém construído lá em Copacabana, presente do Getúlio para
os sobreviventes da guerra.
“Era tudo tão diferente naquele tempo... Nascia o samba e a moçada era
toda envolvida com aquele novo movimento, aquele som de preto que prometia
agitar a classe média fluminense e nacional. No início eu estudava baseado somente
no material que Rian havia me deixado. Eu queria aprender tudo por conta
própria. Mas depois fiz conservatório, escola de música, essas coisas. Saí de lá e fui
pras ruas defender a bandeira do novo movimento musical que surgia. Mas vou te
falar, Sigfredo, o tempo que aprendi mais foi o tempo em que estudei sozinho.
Parece que a gente se emociona mais com as descobertas, não sei... Valorizo os
professores que tive, mas no fundo eu sempre fui um solitário.
“Depois da morte da Ivone, essa minha característica ficou mais acentuada.
Sem o apoio dela, eu já não conseguia mais suportar as falsas amizades. Eu já não
suportava mais os amigos que estavam sempre por perto só porque achavam que
iriam ter alguma fama ou ganhar algo a mais só por nos conhecer...
“Algumas pessoas nessa vida, Sigfredo, são como jóias raras que devemos
guardar com todo o cuidado. Com todo amor. Porque quando quebram, elas não
se reconstituem e não encontramos outras iguais. Quando o destino levou Ivone
naquele acidente de carro, eu simplesmente desisti de me relacionar com outras
mulheres, e principalmente , de me relacionar com aquela corja carioca. Cansei de
tudo. Queria chutar e xingar todo mundo. Queria jogar bombas na cidade, mas
depois percebi que era tudo molecagem minha. Resolvi então que andaria pelo país
e me dedicaria somente à música. Conheci alguns estados depois dessa decisão;
viajei com uma companhia de teatro e uns dez anos mais tarde vim parar aqui.
Seduzido pela tranqüilidade do interior, acabei ficando por aqui mesmo, e já
fazem quantos, vinte anos?
“Mas Deus escreve mesmo é por linhas bem tortas. Diante dessas tragédias
pessoais, eu nunca me deixei abater. Nunca fui um homem triste, Sigfredo. Você
está aí ainda? Anita?
Os dois estavam abraçados e Sigfredo segurava as mãos do velho.
-Nunca fui um homem triste nessa composição divina que chamamos VIDA.
Talvez eu tenha trapaceado Deus, porque deixei os velhos arquétipos, os homens
de espírito pobre, eu os deixei para trás há muito tempo. E então meus alunos
passaram a ser minha luz e acho que não fiz mal em conviver e me dedicar
integralmente a eles.
- É- é claro que não, Alberto!
- Me alivio em saber. Será que vou reencontrar Ivone e Rian algum dia? As
vezes eu sonho com eles. Estão sempre sorrindo pra mim nesses sonhos... Os vejo
com roupas leves e coloridas e com os cabelos soltos e limpos. Estão sempre com
uma aura brilhante os envolvendo e os iluminando. Eu não sei Sigfredo, acho que
sou muito cabeça dura pra acreditar nessas coisas. Acreditar que os mortos vivem
em outras formas, noutros planos. Acho que tudo acaba por aqui mesmo, sabe
Anita?
- Sim.
- Mas gostaria de ver Ivone novamente. Queria ver seus olhos faiscando
como na época em que éramos jovens e ficávamos rindo juntos e conversando por
horas a fio. Éramos tão alegres e desligados do resto do mundo... Ivone... Será que
nos veremos de novo?
Os equipamentos ligados a Alberto começaram a vibrar num tom diferente.
Sigfredo sentiu que o fio que unia seu mentor a vida estava se desfazendo, e bem ali
nas suas mãos. O que fazer agora?
-Al-alberto?! – a gagueira de Sigfredo sempre voltava nos momentos
difíceis.
O velho começou a tossir freneticamente e seus olhos foram perdendo o
brilho aos poucos. Sigfredo apertava suas mãos com força e continuava tentando
animá-lo, mas a cabeça de Alberto pendia para o lado e os olhos foram se fechando
lentamente. Enquanto isso Cláudio se levantava para ir buscar uma enfermeira.
Sigfredo se esforçava para manter o homem consciente.
- Fa-fala comigo! Alberto, fala comigo!
Quando Cláudio voltou trazendo a enfermeira, o pulso de Alberto já tinha
parado e Sigfredo tentava freneticamente fazer o homem voltar a falar, mas não
adiantava mais. Eles tinham perdido Alberto.
Anita e Sigfredo se aproximaram de Cláudio e os três se abraçaram,
sentindo juntos o calor e a dor daquele momento. Cláudio sugeriu que eles
fizessem uma prece ali e os amigos concordaram.
Por um instante enquanto rezavam, Sigfredo teve a impressão de ver um
vulto azulado, e escutou um barulho estranho, como se asas grandes estivessem
batendo perto da janela do hospital. Pensou ser um anjo levando Alberto, mas
devia ser só impressão sua.
O amigo se fora para sempre. Quisera Deus que carregado pelas mãos do
anjo da visão de Sigfredo.
6. O QUE ELES QUEREM NOS DIZER?
7. RITA E AS ESTRANHAS LUZES.
Sigfredo se levantou da posição incômoda em que estava. Ele tinha ficado
por algumas horas com o corpo inclinado, sentado ao lado da cama de Alberto,
rezando sobre o cadáver e suas costas doíam.
Alberto já não era mais empresário do NEW SMURFS há muito tempo,
mas a bagagem cultural, musical e emocional que ele havia deixado, acompanharia
o grupo para sempre. Eles seriam eternamente gratos àquele que foi para eles um
verdadeiro mestre.
O telefone celular de Sigfredo tocou e do outro lado da linha quem falava
era o novo empresário: Diego Calazans. Diego era uma dessas raposas velhas do
mercado musical e foi quem introduziu o NEW SMURFS entre os artistas
contratados da Universal Music. Calazans era um empresário bem sucedido e
tinha um nome de peso dentro do mercado musical. Trabalhar com ele era uma
vitória na carreira de Sigfredo e seus comparsas.
-Sigfredo! O ilustríssimo vocalista do NEW SMURFS! Finalmente atendeu
o celular! Onde você está, meu garoto?
Sigfredo praticamente podia sentir o cheiro dos cigarros Marlboro saindo
pelos buracos do aparelho telefônico. Era típico de Diego fumar vários maços de
cigarro e ficar o dia todo falando ao telefone. Sigfredo invejava esse dom de seu
novo empresário. Não o de fumar maços de cigarro, mas o de ficar horas a fio
falando com todo mundo, cheio de dicção e coerência. Diego parecia um velho
cowboy norte americano, estava sempre vestindo jaquetas de couro e calças justas.
Usava costeletas e chapéus de feltro e seu cabelo era impecavelmente brilhante,
sempre cheio de gel. Sigfredo achava que Diego tinha tudo que um grande
empresário musical precisava: boa aparência, contatos, agilidade, faro para
negócios e conhecimento musical.
- Estou no hospital, Diego.
- Então corre aqui pro escritório. Consegui agendar uma entrevista com os
caras da Rolling Stones!
- Rolling Stones? Aquela revista de música norte americana? Que ótimo!
Mas não sei se poderei ir agora. Estamos enfrentando alguns problemas aqui. O
Alberto morreu. Lembra-se dele?
- Claro que me lembro...Afinal, foi através dele que nós nos conhecemos!
Nossa, ele morreu... Meus pêsames.
- Ele se foi nessa madrugada. Eu e o Cláudio estamos trabalhando nos
preparativos do enterro. Hoje passamos o dia velando o corpo.
- É uma pena que ele tenha ido. Eu sinto muito Sigfredo. Olha, vou tentar
agendar a entrevista para um outro momento. Depois eu ligo pra te avisar.
- Ok, obrigado Diego. O enterro será amanhã. Te passamos o endereço do
cemitério por mensagem de celular, certo?
- Certo. Então até já, Astroboy!
- Até.
Sigfredo desligou o telefone e se voltou para Cláudio e Anita.
- Arranjaram uma entrevista na Rolling Stones com a gente.
- Caracas, Rolling Stones? Estamos mesmo bem – Cláudio ficou empolgado
com a novidade – Mas ouvi falar que eles costumam inventar ou distorcer as coisas
que publicam. Mas vamos ver o que acontece afinal publicidade sempre vale a
pena.
O jeito de “Homem Jornal-Nacional” do Cláudio tinha sido de grande valia
para eles nesses anos todos que estavam juntos.
Nesse momento, Carlinhos e Mouse apareceram no porta do quarto,
trazendo junto os agentes funerários.
- Rolling Stones? Demais, hein! E por acaso aquela matéria da Veja já foi
publicada? Carlinhos perguntou.
- Acho que não. Aqueles miseráveis, nem quiseram nos prestigiar com uma
matéria de duas páginas. Provavelmente nem vai ter espaço para publicarem
aquela foto nova do Sigfredo pulando e nós quatro tocando. – Mouse comentou.
Ele havia se tornado um homem muito bonito. Engordara um tanto, era
muito parecido com o pai e tinha sido o primeiro da turma a ter alguns cabelos
brancos, mas seu bom humor natural permanecia preservado.
- Tomara que a ISTOÉ venda mais nessa semana. Eles dedicaram duas
páginas completas à cobertura do nosso show. Isso sim que é jornalismo de
verdade!
- Isso não tem nada a ver com jornalismo bom ou ruim, Rodrigo! O
jornalismo bom é aquele que cobre o fato com veracidade e em tempo real e isso
não tem nada a ver com número de páginas publicadas – Anita entrou na
conversa, criticando o primo.
Mouse balançou a cabeça concordando, mas ao mesmo tempo sendo irônico
com a prima.
- Sim, senhora sabe-tudo!
- Rodrigo, você não tem jeito mesmo, né?
Os dois se abraçaram para matar a saudade. Enquanto isso os homens do
serviço funerário tiravam o corpo de Alberto da cama e o levava para ser lavado e
embalsamado.
Sigfredo não conseguiu olhar aquilo. Passou a noite inteira velando o velho
mestre. A dor de perdê-lo era muito grande para agora suportar ver esses
estranhos o carregando desfalecido, como se fosse um grande pernil de natal.
Sigfredo tinha os olhos vermelhos de tanto chorar e sua pele branca ganhou um
aspecto ainda mais estranho com as manchas arroxeadas das olheiras que tinha
adquirido. Ele deu glórias ao inventor do pancake, porque tinham um show
marcado para dali a dois dias e ele não poderia aparecer pro público assim.
Sigfredo aprendeu, que, infelizmente, nesse mundo do show business a imagem é
tudo.
***
No dia seguinte chovia muito no cemitério em que o corpo de Alberto seria
enterrado. Sigfredo mal conseguia enxergar a estrada, mas chegou, sozinho, no
cemitério e viu que Mouse e Cláudio o esperavam no portão.
- E aí, Astroboy? Cadê a Anita? Mouse perguntou, enquanto ajudava o
amigo a sair do carro.
- Mouse, ela foi fazer um tal de AM... ou seria FM... sei lá.. pro show de
amanhã.
- AM, FM? Ué ela foi dar entrevista na rádio? Perguntou Cláudio, que
gostava de estar sempre por dentro de todos os compromissos da banda.
- Não, não é isso. Ela foi fazer um... um..
- Um o que Sigfredo?
- Um Megahertz. Isso, ela foi fazer um Megahertz.
- Megahertz? Sigfredo, pelo visto você não conseguiu se desligar daquele
nosso papo sobre as freqüências estelares hein?
Anita apareceu no portão do cemitério, chegando pelo lado oposto ao que
Sigfredo tinha chegado, calçando botas e segurando um guarda-chuva. Os cabelos
dela estavam imensos.
- MEGAHAIR, Sigfredo! Eu fui fazer um Megahair! Pelo amor de Deus, há
tantos anos no mercado fonográfico e ainda confunde Megahair com Megahertz?!
O que é isso Sigfredo! E vamos entrar, o cerimonial já está começando.
O sangue subiu para o rosto de Sigfredo, destacando ainda mais o
aglomerado de sardas e um tom “vermelho vergonha” surgiu em seu rosto.
Acostumados a disfarçar nessas situações, Mouse e Cláudio seguiram na
frente pra alcançar Carlinhos, que já estava dentro do cemitério. Sigfredo e Anita
entraram em seguida, carregando flores e incensos. Estavam se aproximando da
cova onde Alberto seria enterrado, quando o antigo líder religioso do instrutor dos
garotos do NEW SMURFS começou um discurso.
Foi então que, enquanto escutava a palestra do velho senhor, Sigfredo viu
um tênue fio de luz saindo mais ou menos do meio do peito de Alberto. Era uma
luz prateada que subia fazendo movimentos de zigue zague, como uma faísca de
fogos de artifício. A luz ia saindo aos poucos e subindo aos céus e quando chegava
lá em cima se espalhava e se misturava com as nuvens. Era como fogos de artifício
mesmo, só que menos brilhante.
-Vo-vocês estão vendo isso? Sigfredo perguntou para os colegas de banda.
-Vendo o que, Sigfredo? Quer fazer o favor de relaxar? Olha só que música
legal. E presta atenção, que o padre aí está falando – Mouse respondeu.
- E-ele não é padre, é pastor! E você não está vendo essa luz prateada saindo
do peito do Alberto?
- É claro que o Alberto era da luz, né Sigfredo? O baterista respondeu e
continuou assistindo ao enterro.
“Que burro”, Sigfredo pensou. –Não, idiota! Eu estou falando desse brilho
saindo do meio do peito dele!!
- Eu não estou vendo isso não, Sigfredo, você é está viajando!
Será que ele agora era quem precisaria tomar remédio controlado? A visão
estava tão clara, bem ali na sua frente... Mas Sigfredo optou por ficar quieto, afinal
poderiam pensar que ele tinha ficado neurótico igual o Carlinhos ficou da outra
vez. Ele então fechou melhor a gola do casaco que vestia, abaixou a cabeça e ficou
escutando a prece do pastor. Quando levantou os olhos novamente, Sigfredo notou,
entre o mar de guarda-chuvas que havia na sua frente, um velho rosto conhecido:
- Ri-rita!
Ele se separou do seu grupo de amigos, deu a volta na cova de Alberto e
abordou a mulher. Ela estava bem velha, com feições muito diferentes, mas
Sigfredo achava que reencontra-la num momento como aquele era uma
coincidência especial.
- Meu Deus, Sigfredo! Quanto tempo... Como você esta diferente!
- Cre-cresci um pouco.
- Eu li sobre você e a banda.
- Leu? É, acho que estamos ficando realmente famosos...
- E isso é bom, Sigfredo! Mas cuidado pra fama não subir a cabeça hein...
Continuem trabalhando duro, porque é o melhor que podem fazer. Sempre achei o
trabalho de vocês excelente, vocês merecem tudo o que estão recebendo. Rita olhou
para a cova de Alberto, que estava entreaberta. – Só é uma pena que o velho
Alberto não esteja aqui conosco para acompanhar vocês no auge do sucesso.
- É-é verdade. É uma pena.
De repente a chuva começou a cair com mais intensidade. As pessoas
começaram a se afastar, quando, subitamente, um raio caiu do céu atingindo o
cadáver de Alberto diretamente no peito e em seguida um trovão barulhento
abalou as estruturas auditivas das pessoas no cemitério. O pânico se instalou e as
pessoas, assustadas com o barulho e a precisão com que o raio atingira o corpo,
começaram a correr pelo gramado, aos gritos.
- Que loucura! Sigfredo pegou Rita pelo braço e tentou lhe transmitir calma
e segurança – Rita, vá andando na direção das mulheres. Ou então fique aqui, mas
sinta-se bem. Preciso pegar minha esposa, que deve estar muito assustada com essa
confusão, mas fique por perto, por favor. Preciso conversar contigo.
Sigfredo disse isso e procurou voltar para o lugar onde estava antes, a fim
de resgatar Anita, que sempre ficava nervosa diante de multidões, exceto nos
shows onde ela perdia toda e qualquer espécie de vergonha. Mas ali ela devia estar
apavorada!
Chegando do outro lado da cova, Sigfredo não encontrou Anita nem seus
companheiros, só um bando de gente desconhecida gritando e correndo de um lado
para outro. Era um verdadeiro pesadelo! Ele então olhou para a cova ainda aberta
e percebeu que Anita estava ali, caída dentro da cova, chorando ao lado do
cadáver!
- Anita!
Ele empurrou algumas pessoas enquanto corria para tirar a esposa daquela
situação constrangedora.
- Me derrubaram aqui, Sigfredo! Me ajuda! Ela estava aos prantos e tinha o
rosto todo manchado de barro.
Sigfredo apoiou Anita pra que ela se levantasse e saísse daquele lugar
horrível, e então a abraçou e tentou consolá-la.
- Onde estão os outros?
- Não sei, sumiram com o raio.
Sigfredo olhou para o outro lado da cova. Rita ainda estava lá. Ele se
levantou, foi até ela e disse:
- Preciso conversar com você, Rita. Pode ser numa outra hora, mas eu estou
precisando de ajuda.
- Tudo bem. Você sabe que pode contar sempre comigo, Sigfredo. Pegue
meu telefone.
- Obrigado.
Eles trocaram telefones e então Sigfredo voltou para perto de Anita.
- Ela é minha conhecida de infância. Costumava fazer umas geléias incríveis
naquela época. Precisamos visitá-la um dia.
- Ela parece simpática.
Os dois ficaram esperando até que o pastor retornasse e prosseguisse com o
cerimonial. Chegaram a esperar para jogar arroz no corpo, mas não esperaram
para vê-lo sendo totalmente coberto de terra, porque Anita estava enjoada e quis ir
embora. O casal deixou o cemitério às duas horas da tarde e foi para o estúdio
ensaiar para o show que fariam na noite seguinte.
Mas Sigfredo ainda precisava conversar com alguém sobre as visões que
andara tendo no enterro e algo o dizia que Rita seria a pessoa certa para ajudá-lo.
8. QUE SURTO, CARLINHOS!
Cláudio e Sigfredo chegaram à delegacia as seis e meia da manhã e foram
atendidos por um policial idoso e gordo que estava tomando uma xícara de café
sentado atrás de uma mesa. Ele usava uma jaqueta de couro grossa e tinha a
cabeça enfiada em um gorro de lã, e quando notou a presença dos garotos, os
examinou com um olhar frio e desdenhoso que fez a espinha de Sigfredo congelar.
A voz dele era fina e manhosa, extremamente irritante.
- Bom dia, rapazes! O que desejam?
Sigfredo olhou melhor para o homem sentado atrás da mesa e reconheceu o
tenente que estivera conversando com Mouse. Cláudio começou a falar com o
homem.
- Bom dia, senhor tenente. Estamos procurando um amigo nosso, que veio
parar aqui durante a noite passada. Carlos Antonio Moreira Junior.
- Ah, o louquinho arruaceiro?
Sigfredo se condoeu profundamente com o comentário maldoso, mas não
teve coragem de defender Carlinhos. Ele ficou animado e orgulhoso com a
coragem e audácia que acabava de conhecer em Cláudio:
-Exatamente, senhor tenente. O louquinho arruaceiro. O mesmo arruaceiro
que fez o senhor aceitar cinqüenta reais de três adolescentes para ficar calado. O
que fez com o dinheiro hein sr. Tenente? Como que ele foi consumido assim tão
fácil, que a sua boca abriu tão rápido? Agora a cidade inteira vai se voltar contra o
Carlinhos. O que é que o senhor ganha com isso?
- Ora essa, seu moleque...
- Aceitar propina é crime!
O tom do tenente mudou rapidinho.
- Bem, se querem ver seu amigo, venham comigo. Eu vou ligar pra
recepcionista do hospital e pedir sigilo policial a ela.
Uma pena que a “boa intenção” do tenente não adiantou de nada. A cidade
inteira soube do caso do Carlinhos na semana seguinte.
- Venham comigo – o tenente tornou a falar – O Carlinhos está numa cela
aqui perto, no fim desse corredor - disse isso e apontou um corredor escuro que se
iniciava na sala onde estavam – Mas, olha, eu acho que o moleque não está muito
bom não, viu? Ele vai ter que sair daqui e ir direto para um hospital. Psiquiátrico!
Sigfredo sentiu um frio ainda maior do que o frio ambiente.
Os dois acompanharam o policial ao longo do corredor sujo da delegacia,
até uma cela minúscula e imunda. Encontraram Carlinhos jogado em um canto da
cela, sem camisas, com alguns ferimentos nas costas e deitado sobre jornais. Na
cela, havia outros dois detentos que dormiam num beliche ao seu lado. O policial
os deixou ali e retornou para a sala onde estava.
- Carlinhos! Cláudio exclamou. Sua expressão misturava alívio com pena e
cansaço.
Sigfredo notou que o amigo preso estava dormindo.
- Ele está dor-dormindo a-agora. Vou sair para ligar para a minha mãe e
para o Mouse, volto daqui a pouquinho Cláudio, fica mais um pouco com ele.
- Pode deixar, vai lá Sigfredo.
Sigfredo saiu pelo corredor, telefonou para sua mãe e Mouse e voltou para
conversar com Cláudio e ver Carlinhos.
- Mi-minha mãe não conseguiu dormir essa noite. E-ela disse que passou a
madrugada acordada.
Antes dessa aventura começar, Sigfredo tinha avisado a D. Teresa que
dormiria na casa do Mouse naquela noite, porque ficariam ensaiando até mais
tarde.
- As mães possuem algum poder especial, Sigfredo! De algum modo elas
sempre pressentem o que está acontecendo com seus filhos.
- Pois é.
- Ligou para o Mouse?
- Liguei. E-ele disse que os vizinhos do pai do Carlinhos telefonaram para
ele ontem a noite mesmo. O Carlos Antonio e a Tia Helena já estão vindo para cá.
Parece que eles já sabem que o Carlinhos veio parar aqui.
- E os pais do Mouse?
- Não chegaram ainda. Mas parece que o Carlos Antônio está desesperado,
tentando consertar o prejuízo que o Carlinhos deixou.
De repente escutaram novos passos no corredor. Era Tia Helena, a mãe do
Carlinhos, que estava chegando acompanhada por um policial, que tentava
prepará-la para a cena que ela iria encontrar. Ela era uma senhora magra de pele
morena e grandes olhos castanhos e Carlinhos era uma cópia dela em versão
masculina.
- ... pois é, minha senhora, infelizmente, tivemos que trazer o menino para
cá. Ele realmente passou dos limites essa madrugada.
- Mas eu não consigo entender, sr. Policial. Meu filho é tão pacífico, tão
amoroso e tranqüilo. Jamais faria uma coisa dessas!
- Mas fez, minha senhora.
Parecia que Tia Helena não queria acreditar de jeito nenhum que o filho
dela tinha feito o que as pessoas contaram. Seus olhos brilharam quando ela
reconheceu Sigfredo e Cláudio.
- Cláudio! Sigfredo! Ela abriu um sorriso largo para os dois, que correram
para abraçá-la.
- Oi Tia Helena! Como vai?
- Vou bem, tirando esse problema do Carlinhos. Ela disse isso olhando para
baixo e quando se mexeu notou a ferida no rosto de Cláudio. – Meu Deus, Cláudio!
Seu rosto!
- Já está melhorando, Tia Helena. Acho que temos agora que nos preocupar
é com o Carlinhos.
Carlinhos levantou com o barulho da conversa dos três. Sigfredo observou,
boquiaberto, o colega se levantar dos jornais sujos. Ele estava imundo, tinha os
olhos vermelhos e em seu rosto dançavam expressões de vazio, medo e fúria.
Tia Helena correu para perto de seu filho.
Cláudio comentou com Sigfredo, discretamente:
- Acho que já deu tempo do efeito da droga passar. Ele já deve estar melhor,
vamos...
Mas o comentário foi interrompido por novos berros de Carlinhos. A nova
onda de susto e choque pegou os dois de surpresa.
- Não se aproxime de mim, mulher! – Carlinhos gritou. – Eu sinto o mal
vindo de você!
Tia Helena estava confusa e assustada e começou a chorar. Do que é que
Carlinhos estava falando?
- Eu sinto a carne queimar! Eu sinto!! Vocês estão com o outro lado, eu sei.
Cláudio e Sigfredo quase não tinham mais energia para tentar acalmá-lo.
- Os governos ocultos vão dominar o planeta! Todo o centro da galáxia vai
se desintegrar se eu não puder fazer a união das carnes puras na hora
determinada! Malditos monstros! Malditos!
“Do que é que ele está falando?” Sigfredo pensou. “Será que ele também
assistiu ao documentário sobre o calendário maia e está pirando por isso?” O medo
de Sigfredo era de que Cláudio também entrasse em parafuso com toda aquela
informação. Mas ele achava difícil, Cláudio sempre teve uma boa base psicológica,
vinha de uma família muito equilibrada e correta. O próprio Sigfredo havia ficado
horas a fio parado, pensando naquele assunto dos extraterrestres. Mas apesar
disso não queria agredir, quebrar nada e nem matar ninguém. Coitado do
Carlinhos. Sigfredo só esperava que Cláudio não começasse também a pensar
demais nesses assuntos. Ele não podia perder dois amigos em tão pouco tempo!
Sigfredo viu Tia Helena se aproximar mais do filho, enfiando os braços por
entre as barras da cela, como se tentasse de algum modo dizer para ele que tudo
aquilo era mentira, que ele apenas estava caindo nas armadilhas da própria mente.
Sigfredo sentiu que ela queria dizer para ele que nada disso iria acontecer. E ela
dizia isso, com os olhos e também com os gestos.
- Meu filhinho... Nós já vamos para casa.... Já, já...- Tia Helena tentava
consolar e acalmar o filho.
Mas nesse instante, Carlinhos deu um soco violento na própria mãe,
atigindo seu rosto em cheio! Ela caiu chorando em um canto do corredor,
enquanto Carlinhos gritava:
- Você está com eles!
Cláudio e Sigfredo estavam paralisados de susto e medo. Sigfredo começou
a chorar pela precariedade da situação e Cláudio então chegou mais perto de Tia
Helena para ajudá-la a se levantar e recuperar.
Nesse meio tempo, dois policiais surgiram no corredor e um homem que
aparentava ser médico os seguia e tinha uma injeção nas mãos.
- O que aconteceu aqui? O tenente indagou. – Meu Deus, o menino agrediu
a própria mãe?!
Sigfredo, Tia Helena e Cláudio estavam mudos de vergonha, desespero e
preocupação.
- Ouvimos a gritaria ontem a noite e resolvemos chamar um médico. Deu
para perceber que o estado mental do seu filho não está nada bom, minha senhora.
Ele agrediu a senhora?
Tia Helena não pôde responder.
Enquanto isso, Carlinhos gritava, se arranhava, puxava os cabelos e se
debatia dentro da cela. Os outros dois presos davam risadas dos tiques nervosos do
novo jovem companheiro.
- Nós vamos ter que entrar e segurá-lo – falou o homem de jaleco branco.
- Que injeção é essa que o senhor quer aplicar no Carlinhos? Cláudio
perguntou.
- É diazepan. Ainda temos que fazer exames mais precisos e esperar o
tempo passar para ver como ele irá reagir. Mas por enquanto uma dose disso aqui
deve ser suficiente para acalmar a fera.
Uma expressão de desalento surgiu no rosto de Cláudio. Mais tarde ele
explicou que diazepan era um remédio de tarja preta, ministrado a pessoas
extremamente nervosas. Era como um calmante hiperpotente, mas de efeitos
colaterais duvidosos.
Os policiais entraram na cela e imobilizaram Carlinhos para que o médico
pudesse aplicar a injeção. Carlinhos ficou gritando “Não, não, não, não....” por
mais uns dez minutos até cair no chão e adormecer.
Sigfredo também precisava dormir, estava exausto.
Carlos Antônio chegou à delegacia assim que Carlinhos adormeceu. Ele
chegou e abraçou a esposa, mas ficou calado. O casal e os dois amigos observaram
enquanto os policiais carregavam Carlinhos para uma ambulância que os esperava
na porta da delegacia. Cláudio cumprimentou o pai do amigo.
- O senhor está bem, Carlos Antônio?
- Sim Cláudio. Acabo de saber que terei que pagar quase dois mil reais para
o prefeito e sua esposa, senão serei preso e soube que meu filho está detido por
arruaça e tentativa de estupro, mas apesar disso estou bem. Esse menino me paga
quando isso tudo acabar. Mas olha, meninos, eu acho que vocês já se esforçaram
demais essa noite. Precisam descansar. Vão para casa dormir, nós ficaremos com o
Carlinhos agora e mais tarde telefonaremos para vocês.
Sigfredo e Cláudio obedeceram ao pai de Carlinhos. Os dois foram para
casa descansar, enquanto o casal entrava na ambulância, levando o filho
desacordado.
9. O QUE ERAM AS VISÕES DE SIGFREDO?
Sigfredo ainda estava um pouco atordoado com toda a confusão que havia
acontecido no cemitério durante o enterro de Alberto. Ele esperou que se
passassem alguns meses, tempo suficiente para Anita se recuperar do trauma
vivido e então resolveu telefonar para Rita. Pegou o telefone, discou o número que
ela havia lhe dado no cemitério e esperou o telefone do outro lado chamar até a
amiga atender:
- Ri-rita?
- Pois não? Quem fala?
- Sou eu Rita, o Sigfredo.
- Tudo bem, meu filho?
- Sim. E-eu queria combinar uma hora para termos aquela nossa conversa.
- A hora que você quiser Sigfredo. Estarei aqui na minha casa o dia inteiro.
É só vir aqui.
- Po-podemos conversar hoje?
- Claro.
Sigfredo agendou um horário com Rita naquela tarde mesmo. Deixou
Cláudio e Anita em casa, pegou seu carro e foi até o endereço indicado pela amiga.
A casa de Rita não ficava muito longe da de Sigfredo, que apesar do
sucesso, nunca quis sair de Jardim Dourado.
Rita abriu a porta com um largo sorriso no rosto.
- Entre, Sigfredo. Vem, vamos conversar. Sente-se – ela convidou o rapaz. –
Quero muito saber o que aconteceu com você no enterro do Alberto.
- O-obrigado, Rita. Bom, você sabe que o Alberto sempre foi mais do que
um empresário para nós, não sabe?
- Sim, sei.
- Pois é. Por isso talvez eu tenha ficado impressionado com a partida dele e
tenha criado coisas com a minha mente. Mas no dia do enterro eu tive a nítida
impressão de ver uns jatos de luzes prateadas saindo de dentro dele e subindo até o
céu. Como se fossem... fogos de artifício! Comentei isso com o Mouse, mas ele deu
risada de mim. Pode ser uma alucinação, talvez eu esteja ficando neurótico como o
Carlinhos... Mas foi tudo tão nítido!
- O que aconteceu com o Carlinhos?
- Ele sofreu um surto psicótico seis anos atrás. Desde então, nós do NEW
SMURFS ficamos muito preocupados com essa coisa toda de “sobrenatural”,
“paranormalidade”, “surtos” e afins...É muito difícil lidar com essas coisas depois
de ter presenciado tamanho sofrimento no meu amigo, sabe como é?
“No dia do enterro do Alberto, eu tinha certeza de que vi uma seqüência de
luzes prateadas saindo do peito do Alberto e subindo até o céu. Mas não sei se isso
aconteceu de verdade ou se foi apenas uma alucinação criada pela minha mente,
talvez gerada pelo sentimento de perda.”
Rita preparava um chá enquanto ouvia. Mexeu nas folhas que havia pegado
dentro de um velho armário e respirou profundamente enquanto Sigfredo
continuava a falar.
- Antes disso, tiveram também os estranhos buracos. Estranhas clareiras
que formavam desenhos misteriosos apareceram nas matas de Jardim Dourado há
alguns anos atrás e até hoje ninguém sabe muito bem do que se tratava. Nós
quatro vimos as clareiras juntos, mas eu não tenho certeza do que significava
aquilo.
Rita apertou as folhas de chá e fez uma clara expressão de interesse.
- Calma, Sigfredo, você não está louco. Essas coisas acontecem e podem até
mesmo ser comuns, depende do ponto de vista. Hoje existem muitos estudos sobre
os objetos voadores não identificados, por exemplo, e também sobre processos
mediúnicos.
- Pro-processos mediúnicos?
- Isso. A comunicação com seres de outras dimensões, outros planos. Se esse
tipo de experiência está acontecendo com você e seus amigos, é porque vocês são
seres especiais, seres escolhidos por Deus e que estão sendo chamados de alguma
maneira. O que você precisa ter firme na mente é que Deus é um ser de Bondade
Suprema, e que Ele existe para ajudar a todos nós, Seus filhos.
- Eu também sinto isso, Rita. Mas confesso que fiquei assustado com tudo o
que vem acontecendo.
- As pessoas que tem acesso a esse tipo de fenômeno são pessoas sensitivas
Sigfredo, são especialmente escolhidas por Deus para funcionar como uma ponte,
ligando os desígnios Dele com os sentimentos comuns, das pessoas comuns.
Nesse momento, o celular de Sigfredo tocou. Foi como se ele despertasse de
um transe místico, havia ficado tanto tempo ali, entretido escutando as palavras
amigas de Rita que até se esqueceu de seus compromissos com a banda e com a
esposa.
Era Mouse.
- Sigfredo, meu filho, você viu o Cláudio por aí?
- Oi Mouse. Não vi, já faz um tempo que não vejo o Cláudio. Ele estava
negociando alguma coisa com o Diego há alguns dias. Ele não está em São Paulo?
- Não, os pais dele não sabem onde ele está. Liguei no celular dele, mas ele
não atende.
Sigfredo tapou os buracos por onde saía o som do telefone para falar com
Rita, que exibia uma expressão preocupada.
- É o Cláudio, Rita. E-ele foi quem sumiu dessa vez!
- Calma Sigfredo. Ele com certeza está na casa de algum amigo ou
namorada. Pode até estar na sua casa. Já pensou em procurá-lo por lá?
- Ve-verdade. Vou indo, então. Obrigado pelo papo.
-De nada!
Sigfredo deixou a casa de Rita, entrou no carro e foi para casa, tentando
telefonar para Cláudio no caminho. Ninguém atendia. Aquele sumiço estava muito
estranho! Já se passavam das dez da noite e ninguém sabia onde estava o Cláudio.
Sigfredo não queria se intrometer nos hábitos do amigo, mas ele sabia que aquilo
não era costume de Cláudio, desaparecer sem dizer nada para ninguém!
“Bem que Rita me disse que estava com mau presságio! Atende Cláudio, por
favor, atende!”
Mas do outro lado da linha, Sigfredo escutava apenas a caixa postal de
Cláudio.
10.IMPROVISANDO A CURA.
A integridade e a união do NEW SMURFS estavam agora ameaçadas pelo
ataque de Carlinhos. Naquela manhã, quando chegou a sua casa, Sigfredo ainda
ficou pensando em tudo o que aconteceu com ele e seus amigos naquela última
noite. Carlinhos era um dos seus melhores amigos e sabia como alegrar a trupe,
mas naquele momento, as aventuras da turma podiam estar próximas do fim.
Por que Carlinhos havia ficado daquele jeito? Tão cheio de idéias
mirabolantes e sem sentido, expressando sentimentos de puro ódio e desespero?
Sigfredo não podia compreender o que é que Carlinhos ganharia com atitudes
violentas além, apenas, de mais dor. Ele agrediu a própria mãe e isso era muito
difícil de entender e aceitar. Sigfredo estava ciente de que experimentar aquela
droga não havia sido uma experiência positiva. A saúde de Carlinhos estava
fragilizada naquele momento, e em uma única noite, a droga tinha lhe mostrado
todo o poder destrutivo que possui.
Todo aquele papo de estrelas de segunda e terceira grandezas, previsões
maias e seres extraterrenos tinham alertado a percepção de Sigfredo para a
urgência de um trabalho em nível mundial, focado em disseminar consciência e fé
para limpar a grande sujeira formada pela massa de pensamentos negativos do ser
humano. Esse trabalho envolveria muita gente e essa gente deveria ter muita
pureza de coração. Ele pensava que só através da união e da pureza de sentimentos
e pensamentos é que o nosso planeta terá alguma chance de se safar da famosa e ao
mesmo tempo misteriosa mudança de freqüência energética. Somente através da
pureza é que os homens se unirão e construirão suas vidas, seus lares e suas
famílias com igualdade e harmonia para todos.
E algo dizia para Sigfredo que a mudança de atitude e postura começava ali
mesmo, na sua cidadezinha, na relação que ele tinha com seus amigos, com sua
família e também com o seu meio ambiente.
Sigfredo não conseguia tirar da cabeça as informações que obteve no
documentário sobre os Maias, essa história de que nos primeiros anos do século
vinte e um, nesse tempo que vivemos agora, as pessoas iriam enlouquecer em
massa no planeta, talvez por conta da mudança de freqüência das linhas
eletromagnéticas da Terra. Essa mudança na freqüência eletromagnética começa
ocasionando distúrbios no plano físico mesmo, atrapalhando a rota de vôo de
aviões e as transmissões de certas ondas de rádio, por exemplo, e Sigfredo
aprendeu também que as ondas eletromagnéticas têm uma grande semelhança
com as ondas cerebrais, ou seja, a freqüência do nosso pensamento, e essas duas
freqüências vibram quase na mesma velocidade, uma influencia a outra. As ondas
cerebrais talvez sejam mais lentas, mas seu funcionamento recebe influência direta
das ondas eletromagnéticas. E com a alteração recente das freqüências
eletromagnéticas, as freqüências de pensamento também estariam sujeitas a
mudanças vibracionais bruscas. Todo ser humano está sujeito a experimentar um
fluxo de pensamentos muito grande, o que abala o corpo emocional e desencadeia
um quadro de loucura ou doença. Ele se lembrou de casos que ouviu contar na
infância, sobre pessoas que enlouqueciam e eram jogadas como lixo em clínicas
desumanas, onde recebiam tratamento a base de eletrochoque, drogas pesadas e
outros tipos de tortura. Sigfredo rezou baixinho pedindo que Carlinhos não
precisasse passar por nada disso.
Voltou a pensar no documentário que assistiu uma vez. Se todas as pessoas
no planeta têm freqüências cerebrais, e se todo o planeta está sujeito à influência
das ondas eletromagnéticas, nós, os habitantes do planeta, também estamos
sujeitos a essa influência. E se essas ondas eletromagnéticas estão alteradas,
aceleradas, de uma forma ou de outra, todo mundo é meio louco, em maior ou
menor grau. Algumas pessoas podem demonstrar isso mais claramente, elas
literalmente “entram em parafuso”, como o Carlinhos. Outras pessoas poderiam
ter uma normalidade aparente, mas Sigfredo tinha certeza de que por dentro uma
enxurrada de pensamentos, tanto bons quanto ruins inundam a cabeça de muita
gente.
Ele adormeceu pensando nisso, e teve um sono agitado, cheio de sonhos
estranhos.
Sigfredo sonhou com pessoas e seres diferentes a noite inteira. Sonhou
também que ele estava cantando e compondo músicas ao lado de Carlinhos, Mouse
e Cláudio. A banda toda estava iluminada e Carlinhos atuava em novos solos e
efeitos delirantes na guitarra enquanto Sigfredo cantava entusiasmado, animando
o público. Estavam vestidos com túnicas coloridas, como se fossem do Led
Zeppelin ou do Pink Floyd. O palco em que se apresentavam era imenso e o
público para quem cantavam era gigantesco. As luzes em excesso sequer
incomodavam a visão de Sigfredo, porque o calor que vinha do público vibrante
falava mais alto que qualquer outra coisa.
A guitarra, o baixo e a bateria emitiam um brilho especial, que
impulsionava Sigfredo a cantar mais e por um momento, depois de aterrissar de
um pulo que dera em cima do palco, ele teve a impressão de ver um quinto
elemento trabalhando em sua banda. Parecia haver vários outros músicos além de
Carlinhos, Cláudio e Mouse, tocando instrumentos de sopro etéreos e várias
percussões rústicas. Foi então que, quando se virou para tomar ar, que ele notou
que ali havia também algo que parecia ser um teclado. Por trás da fumaça, viu
mechas de um longo cabelo avermelhado que parecia pertencer a quem
comandava o instrumento. Mas ele não conseguia ver quem era, só podia escutar a
canção e sentir um suave perfume. A canção entoou na mente de Sigfredo e ficou
ressoando... ressoando...
Até ele acordar sobressaltado, ainda com a canção na cabeça. Olhou para
um relógio de cabeceira que tinha em um criado mudo ao lado da cama e percebeu
que eram cinco horas da tarde. Anotou rapidamente a composição que ouvira no
sonho e foi tomar um banho.
“Ainda precisamos melhorar tanta coisa no som do NEW SMURFS... sonhei
com um teclado e vários instrumentos... Precisamos acrescentar novos efeitos à nossa
música...”, ele pensou, enquanto se esfregava no banho.
Sigfredo saiu do chuveiro enrolado em uma velha toalha e encontrou sua
mãe na cozinha, enrolando uma massa para a janta. Ela parou o que estava
fazendo e olhou seriamente para Sigfredo:
- Sigfredo, o que aconteceu com o Carlinhos?
O coração de Sigfredo parou. Ele tinha ido dormir tão cansado que sequer
imaginara uma explicação para dar a mãe sobre os eventos da noite passada. Ele se
esqueceu completamente como essas coisas funcionavam numa cidade pequena.
- O Car-car-carlinhos? Ele brigou com a mãe dele ontem a noite. – Sigfredo
não contou toda a verdade para a mãe, pois tinha medo que ela lhe obrigasse a se
afastar dos amigos. – Onde está o pai?
- Trabalhando. Soube que o Carlinhos está internado, Sigfredo! Ele não
estava com vocês ontem a noite?
- Es-estava sim.
- Sigfredo, por que o senhor está gaguejando de novo? Tem alguma coisa
que você está me escondendo nessa história.
- É que o Carlinhos está muito estranho mãe. Ele fica falando coisas sem
sentido e até tentou bater na própria mãe!
D. Teresa olhou nos olhos do filho.
- Vocês têm que apoiá-lo agora, filho. Ele pode estar passando por conflitos
emocionais perigosos e nessas horas o apoio dos amigos é muito importante.
D. Teresa, apesar de ser “careta”, tinha um coração compreensivo e era boa
para ajudar nos conflitos do filho e dos amigos dele.
- É o que nós estamos tentando fazer, mãe. Estou indo procurar o Cláudio
para juntos irmos visitar o Carlinhos.
- Faça isso, Sigfredo. Mas tome cuidade, certo?
- Certo.
O melhor a fazer naquele momento seria mesmo seguir o conselho da mãe.
Ele vestiu um casaco e saiu para procurar Cláudio. Andou algumas quadras até a
casa do amigo, que felizmente já estava em casa.
- Oi Sigfredo. Os pais do Mouse chegaram hoje no começo da tarde. E
parece que vão mesmo cobrar os pais do Carlinhos pelo prejuízo daquela noite
maluca.
- Que sacana esse prefeito! Ele não sabe que os pais do Carlinhos são
pobres?
- Pois é. Não sei. O Mouse conseguiu convencer os pais dele a dar um
desconto para o Carlos Antônio e a Tia Helena, mas a Dona Juciléia quer ser
ressarcida pelo vaso chinês que o Carlinhos quebrou de qualquer forma. E é um
vaso caríssimo.
- Coitado do Carlos Antônio! Nós temos que fazer alguma coisa. Eles já
sabem disso tudo?
- Me parece que sim. Soube que um assistente social esteve lá no hospital
conversando com eles essa tarde.
- Tia Helena e Carlos Antônio devem estar desesperados.
- Verdade. Pronto para visitar o Carlinhos?
- Sim.
Os dois saíram da varanda do Cláudio, onde conversavam e foram direto
para o hospital ver Carlinhos. Encontraram tia Helena fumando um cigarro na
recepção do hospital.
- Oi tia Helena. Como é que está nosso amigo?
- Não muito bem, Sigfredo, obrigada por terem vindo. O Carlos saiu agora
para telefonar para o patrão dele, pra ver se consegue apurar algum dinheiro e eu
vim descansar um pouco.
- Podemos entrar no quarto do Carlinhos?
- Não sei se será bom.
- Por favor, tia Helena, queremos muito vê-lo.
- Tudo bem, mas tomem cuidado, está bem? Ele estava muito nervoso e
agitado essa tarde e foi difícil acalma-lo.
- Certo, tia Helena, nós vamos entrar em silêncio, só para ver como ele está.
Os dois entraram no quarto e a cena que viram não foi nada agradável.
Carlinhos vestia uma camisola branca do hospital e estava em pé, próximo da
porta do quarto. Tinha acabado de almoçar e seus dentes ainda estavam sujos. Ele
olhava para um desenho abstrato próximo da janela, com um olhar já não tão
maroto.
- Car-carlinhos? Sigfredo estava assustado com as reações recentes do
amigo. Estava com medo e naquele momento pensava que os dois poderiam nunca
mais voltar a se relacionar como antes.
Quando escutou a voz de Sigfredo, Carlinhos se retraiu como se houvesse
tomado um choque. Correu e se abaixou ao lado da cama.
- Ca-calma, Carlinhos. Sou eu, seu amigo Sigfredo.
Sigfredo sentiu algo muito ruim em seu coração e naquele momento foi
dominado por um completo ódio por aquela droga que havia desencadeado tudo
isso. Carlinho estava começando a desenvolver alguma estranha doença
psiquiátrica!
“Que espécie de transtorno é esse, que afasta as pessoas de bem? Que quebra
laços poderosos como amizade verdadeira e amor? Sigfredo se sentia péssimo,
inferiorizado. “Essa doença não pode ser tão poderosa assim! Não pode ser mais
forte que a fé e o amor!”
- Carlinhos, sou eu, Sigfredo! – Sigfredo repetia a frase, como se aquilo
reforçasse a convicção de que ele não desistiria de ajudar o amigo.
- Quem? Quem é Sigfredo? – A voz de Carlinhos tinha um tom
incomodamente confuso.
A pergunta atingiu Sigfredo como um raio. Então Carlinhos havia se
esquecido de um dos seus melhores amigos?
- Sig, Sigfredo! Que nome engraçado!! – Carlinhos zombava do nome de
Sigfredo e ria descompassadamente. – Quem? Quem? Sigfredo!
Carlinhos parou de rir, se levantou, deu um pulo sobre a cama e se agarrou
à cabeceira do outro lado, como se a presença de Sigfredo representasse agora uma
ameaça.
Ele ficou lá agarrado, tremendo e falando bem baixinho:
- Sig, Sig, Sigfredo!
Sigfredo observava, segurando as lágrimas para não chorar. A que estado
Carlinhos chegou? Nesse momento, Cláudio entrou no quarto e pôs a mão no seu
ombro, o consolando e apoiando. Em seguida, dois enfermeiros entraram no
quarto e pediram para os dois meninos saírem, pois precisavam aplicar Diazepan
no Carlinhos, que estava muito agitado e estranho. Os médicos acharam que era
melhor ele dormir.
Sigfredo saiu do quarto a contragosto. Ele ainda havia tentado argumentar:
- Esperem, é melhor que fiquemos aqui com ele. Somos seus melhores
amigos, queremos ficar aqui!
Mas os enfermeiros não permitiram que os meninos permanecessem no
quarto.
- Que droga, Cláudio! Não podemos deixá-lo sozinho nesse estado!
- Paciência, Sigfredo, é o procedimento médico, paciência!
No corredor, Sigfredo ainda pôde escutar as risadas desafinadas de
Carlinhos, ecoando por todo o andar. Quando chegaram ao hall onde haviam
deixado tia Helena a encontraram com um ar de curiosidade. Tia Helena olhou
preocupada para Cláudio e Sigfredo e perguntou:
- O que está acontecendo lá dentro?
- Sinto muito, mas é o Carlinhos tia Helena. O humor dele está mudando
repentinamente, não dá pra entender direito o que acontece, mas ele está bastante
estranho. Ele ri, chora em seguida, depois ri de novo...
Enquanto Cláudio relatava o estado de Carlinhos para tia Helena, Sigfredo
permanecia calado, refletindo. Ele precisava arrumar um jeito de ajudar a pagar o
prejuízo que Carlinhos havia dado.
Aquilo era muito estranho. Carlinhos era um garoto que zelava das suas
coisas com carinho e dedicação; ele ganhara a guitarra de presente de natal do seu
avô três anos atrás. Carlinhos era habituado a limpá-la e guardá-la todos os dias
com muito cuidado, depois que acabava de tocar. Seus discos e livros eram muito
bem conservados, assim como sua bicicleta e seu quarto, sempre limpos.
Normalmente, Carlinhos trabalhava e ajudava os pais nos finais de semana.
Sigfredo não podia compreender como ele pôde viver tamanha insanidade.
Carlos Antônio chegou ao hospital, carregando um pacote de bolachas e
uma garrafa de refrigerante.
- Carlos, que bom que chegou. O Carlinhos não está nada bem – tia Helena
apresentava sinais claros de exaustão. Estava mais magra e tinha olheiras
profundas ao redor dos olhos. – Conseguiu apurar o dinheiro?
- Uma parte. Mas quero saber como está o Carlinhos.
- Ele está meio estranho, seu Carlos. Fica rindo e chorando o tempo todo,
sem falar nada com nada. Mas os médicos estão “cuidando” dele.
- Detesto essa coisa de encher o garoto com remédios. Querem drogá-lo
ainda mais? Poderíamos tratá-lo com Reiki, cromoterapia, aromaterapia, sei lá,
qualquer coisa menos artificial. Já não basta o prejuízo que teremos que arcar na
casa do prefeito? Ainda teremos despesas hospitalares?
- Reiki, cromoterapia, aromaterapia? Pelo amor de Deus, Carlos Antônio,
isso já está ultrapassado. Isso funcionou bem com a nossa geração. Éramos pessoas
estressadas e doentes, fugindo da violência e do stress urbano. Pra nós, essas
terapias alternativas foram excelentes, mas o Carlinhos... Ele cresceu dentro desse
tipo de coisa e mesmo assim ficou doente emocionalmente. Alguma coisa me diz
que nesse momento ele precisa é do tratamento convencional. E se ele já estiver
com alguma espécie de disfunção química cerebral?
A família de Carlinhos era alternativa e costumava tratá-lo com remédios
naturais como chás, própolis ou óleos de copaíba e andiroba.
- O que é reiki, tia Helena?
Cláudio respondeu a pergunta de Sigfredo antes de tia Helena:
- Reiki é uma técnica de terapia desenvolvida no Oriente. Nessa técnica, o
terapeuta mentaliza um símbolo específico e orienta a energia universal que esse
símbolo acessa para o ponto de dor ou mal funcionamento do organismo a ser
tratado. É uma aplicação de energia através das mãos.
- Entendi. Mas deixa de ser intrometido, Cláudio! Eu perguntei para a tia
Helena!
Tia Helena apaziguou os amigos:
- Mas o Cláudio não me incomoda, Sigfredo. Ele está certo, o Reiki é mais
ou menos isso mesmo que ele disse. Faltou apenas ele dizer que quem aplica o
Reiki deve estar com as mãos em posição de “concha” e quem recebe a aplicação
deve ir descrevendo se está sentindo um calor agradável e se a dor está
melhorando, porque assim o terapeuta pode aumentar ou diminuir a concentração
e orientar melhor a energia. Sou terapeuta reiki há vários anos e já curei várias
pessoas, com vários tipos de doenças, de gripe a diabetes.
- Que interessante.
- Muito. Mas fui tentar aplicar no Carlinhos e bem... Vocês viram o que ele
me fez quando me aproximei dele na cadeia.
- Acho que as energias dele estão conturbadas! – Cláudio tentou consolar tia
Helena – Tudo dentro dele deve estar confuso agora!
- É verdade. E talvez a manipulação energética tenha mexido ainda mais
com o corpo emocional dele. Mas vamos ver qual será o desfecho dessa história. Eu
continuo rezando. Tia Helena estava com a cabeça encostada no ombro de Carlos
Antônio. Cláudio se aproximou dos dois e comentou:
- Carlos Antônio, desculpe a intromissão, mas soube que vocês ainda não
conseguiram juntar todo o dinheiro para pagar o prefeito. Bom, eu tenho um
pouco de dinheiro aqui, não sei se vai ser suficiente, mas quero ajudar.
- Obrigado, Cláudio, mas não posso aceitar.
- Aceite, Carlos Antônio! O Carlinhos é quase maior de idade agora, ele é
quem deveria pagar pelo estrago que fez, mas ele está fora de si. Não acho justo o
senhor bancar esse prejuízo sozinho porque nós entramos juntos na brincadeira
que desencadeou isso tudo.
Cláudio mexeu na mochila que carregava e tirou um maço de notas de
cinqüenta reais lá de dentro. Carlos olhou para o dinheiro, mas continuou negando
a ajuda:
- Obrigado, mas continuo achando isso errado Cláudio. Esse dinheiro é seu.
- Por favor, Carlos Antônio! Será uma ofensa se o senhor não aceitar a
minha oferta. Mas mesmo se o senhor aceitar, ainda não teremos todo o dinheiro.
Precisamos fazer alguma coisa para completar o valor necessário.
- Cláudio, nós podíamos tocar – sugeriu Sigfredo.
- Mas como, sem guitarrista, Sigfredo?
Nesse momento, Mouse surgiu no corredor do hospital:
- Fala galera! E o Carlinhos?
- Lá dentro. Deve estar dormindo agora.
- Não posso vê-lo, posso?
- Não, Mouse, não dá. O Carlinhos não está nada bem e os pais dele ainda
não conseguiram apurar todo o dinheiro para pagar seu pai. Estamos pensando
em fazer um show para arrecadar o dinheiro que falta, mas estamos sem
guitarrista.
- Vamos chamar o Robervalzinho.
- Verdade, nós nos esquecemos do Robervalzinho. Roberval também havia
sido aluno de Alberto, e costumava tocar com os NEW SMURFS.
- Ótima idéia, Rodrigo – disse Cláudio, enquanto pegava um cartão
telefônico na mochila – Vamos falar com ele agora! Cláudio saiu para ligar para o
Robervalzinho, enquanto Sigfredo e Mouse ficaram no hospital conversando com
tia Helena e Carlos Antônio. Alguns minutos depois, Cláudio retornou.
- Ele não vai poder tocar com a gente. Disse que vai fazer uma prova de
concurso numa cidade vizinha e volta só na semana que vem. Disse também que
não tem tocado muito e não está se sentindo muito bem para tocar com a gente,
porque ele acha que não alcança nosso grau de sintonia atual, o que eu duvido, pois
o Roberval é excelente músico.
- Que- que- que droga!
- Sem querer ser inconveniente, mas já sendo: não é por nada não, mas acho
que o Carlos Antônio vai pro xilindró, porque ouvi dizer que minha mãe está
muito nervosa com essa história toda e meu pai está sendo pressionado pelos
funcionários da prefeitura por causa do salário atrasado! – Mouse comentou,
tentando ser ameno por sentir pena do pai de Carlinhos.
Carlos Antônio enrijeceu os músculos e travou os dentes demonstrando
uma expressão que misturava dor e vergonha e então saiu corredor afora. Tia
Helena tentou acalmá-lo enquanto ele andava na direção do corredor:
- Não vá fazer nenhuma bobagem, Carlos Antônio, por favor!
- Pode ficar calma, Helena. Só vou tentar apurar mais algum dinheiro.
Fiquem de olho no Carlinhos. Carlos Antônio disse isso e saiu.
Sigfredo estava bastante entristecido com aquela situação. Carlinhos louco
em um hospital e os pais dele também quase a beira de um ataque de nervos! Haja
resistência e fé! Ele ficou conversando mais alguns instantes com os amigos no
corredor do hospital, mas começava a ficar tarde e então ele resolveu ir embora
com Cláudio e Mouse. Tia Helena passaria a noite no hospital, ao lado do filho.
Na manhã seguinte, Cláudio ligou para Sigfredo e contou que Carlinhos
amanheceu se sentindo bem melhor.
- Graças a Deus, Cláudio!
- Pois é Sigfredo! O Carlinhos acordou cedo hoje e já está conversando
como uma pessoa normal. Conversei com a mãe dele e ela me disse que ele se
lembra de tudo o que aconteceu e já pediu desculpas para ela.
- Que bom, Cláudio! Daqui a pouco vou descer para ver como ele está.
Nesse instante, Sigfredo teve uma idéia:
- Cláudio! E se nós levássemos um violão para testar a reação do Carlinhos?
Quem sabe ele não fique melhor se fizer um pouco de música?
- Sigfredo... É uma ótima idéia!
- Vo-vou levar o meu violão!
Sigfredo combinou de se encontrar com Cláudio no hospital, se despediu,
desligou o telefone, guardou um violão dentro da capa, pendurou nas costas e saiu
de casa.
Quando chegaram ao hospital, Sigfredo e Cláudio encontraram uma tia
Helena que havia passado a noite em claro e estava exausta. Contaram para ela a
idéia de fazer Carlinhos tocar um pouco o violão, e ela concordou que poderia ser
uma boa terapia. Foram conversar com a enfermeira, que simplesmente disse que
não seria possível atender ao pedido dos meninos e apontou para uma placa onde
se lia a palavra SILÊNCIO. Cláudio disse:
- Tenho certeza que um pouco de música faria bem para o Carlinhos. Eles
deveriam ser um pouco mais maleáveis com essas condutas que adotam nos
hospitais!
- Vê-verdade, Cláudio. Eu sei que é necessário manter o silêncio, mas
deveria ter aqui algum espaço pra quem precisasse extravasar! Tia Helena, como
está se sentindo?
- Não muito bem, Sigfredo. O Carlos Antônio me disse que não está
conseguindo o restante do dinheiro.
- Meu Deus e agora? – preocupou-se Cláudio. – Precisamos levantar o
restante desse dinheiro e tirar o Carlinhos daqui para que ele possa se tratar! Não
sei mais o que podemos fazer!
- E-esperem aí! Os olhos de Sigfredo brilharam nesse momento e um largo
sorriso se formou em seu rosto – Por que não fazemos um show acústico?
Os três voltaram-se para ele.
- Show acústico? – Tia Helena perguntou.
- É, tia Helena! É um show sem equipamento elétrico. Acho que já consigo
segurar uma base de violão e o Cláudio pode pegar a outra base, com outro violão.
- E eu tenho aqueles tambores lá em casa, comentou Mouse empolgando-se
com a idéia.
- Eu topo. Boa idéia, Sigfredo! – A aprovação de Cláudio confirmava a
idéia.
- NEW SMURFS ACÙSTICO – Sigfredo visualizou o nome do show,
abrindo as mãos no ar e anunciando o nome do evento como se segurasse um
cartaz e falasse na rádio ao mesmo tempo.
Os quatro amigos ficaram mais um tempo conversando e elaborando o
show, mas já estava ficando tarde e Sigfredo, Mouse e Cláudio resolveram ir para
casa. Tia Helena passaria mais uma noite ao lado do filho.
Na manhã seguinte, Sigfredo acordou cedo e telefonou para Cláudio.
Cláudio parecia um pouco ansioso com a apresentação.
- Sigfredo, falei com os pais do Carlinhos hoje mais cedo e parece que ele
amanheceu melhor. Está conversando com todos com mais desenvoltura e pediu
novamente desculpas para a mãe.
- Ótimo, Cláudio, graças a Deus.
- Outra coisa: consegui confirmar o ginásio para nossa apresentação.
- Perfeito.
- Vamos nos reunir para combinar tudo. Espera só um minuto. - Sigfredo
notou que Cláudio fazia uma ligação no celular enquanto falava com ele do
telefone fixo. Depois de alguns instantes, voltou a falar com ele:
- Liguei para o Mouse. Vamos lá para o porão.
- Certo. Você já conseguiu mais um violão?
- Sim, vou usar aquele que eu tinha antes de comprar o contrabaixo. Está
bem conservado ainda e é elétrico!
- Be-be-beleza! Vamos lá para o porão do Mouse, então!
Sigfredo, Mouse e Cláudio passaram o resto da manhã escolhendo o
repertório que iriam tocar no show acústico. A tarde ensaiaram parte das músicas
escolhidas e a noite dedicaram-se a montar cartazes e panfletos e anunciar na
rádio local. Os três passaram o dia inteiro apreensivos, pois não sabiam qual seria
o resultado daquela empreitada. Quando a noite caiu, Mouse teve uma idéia:
- Poderíamos divulgar esse show por toda a região para atrair mais gente!
Eu soube que o sr. João lá da padaria está indo para Juquerilândia amanhã,
vamos dar alguns cartazes para ele levar!
- Vamos! E-ele é quase meu vizinho, posso falar com ele.
Os membros do NEW SMURFS fizeram todo o esforço possível para
divulgar o show que estavam preparando e finalmente, depois de três dias, chegou
o esperado final de semana da apresentação acústica de Sigfredo e seus amigos.
Sigfredo, Mouse e Cláudio trabalharam duramente para divulgar aquela
apresentação. Souberam, momentos antes do show, que os funcionários da
prefeitura estavam ameaçando mandar Carlos Antônio para a cadeia! Estavam
cansados e preocupados, mas a emoção de fazer o show superaria qualquer
cansaço.
Eles cobraram uma entrada de dez reais por pessoa e sentiam-se felizes com
os novos arranjos descobertos e rapidamente ensaiados. Começaram o show com
uma canção própria. Sigfredo fazia a base no violão e dava o tom para Cláudio
solar por cima de sua base. Minutos depois Mouse entrou com as batidas
compassadas de seus tambores para completar a canção. Nesse segundo, o coração
dos três vibrava em sintonia e explodia de emoção, mas apesar disso sentiam a
falta de Carlinhos que era uma presença carismática no NEW SMURFS.
Sigfredo, Cláudio e Mouse continuaram tocando, cada vez com mais
intensidade. Tocaram mais umas seis canções e estavam felizes, mas resolveram
fazer um intervalo e nesse instante perceberam que na platéia não havia quase
ninguém. Sigfredo olhou preocupado para Mouse, que retribuiu o olhar,
transmitindo um sentimento de “fazer o que?”
Sigfredo bebeu um copo d’água então, e depois do intervalo que ele e seus
companheiros haviam determinado, recomeçou o show. Antes de recomeçar a
cantar, Sigfredo respirou fundo e decidiu que o melhor que ele podia fazer agora
era orar para o Carlinhos e se entregar completamente à música. Enquanto orava,
Sigfredo abriu o olho direito e notou que sua mãe o observava lá da platéia com
uma expressão tranqüila, de braços dados com uma amiga que provavelmente
orava também.
Sigfredo lembrou-se do conselho de Mouse, de que deveria relaxar e
continuou de olhos fechados, cantando afinado. De vez em quando, entre uma
música e outra, olhava para o público. Depois de cantar umas doze músicas e
perceber que o público continuava pouco, Sigfredo resolveu tomar uma atitude
mais severa. Iria pedir ajuda de uma outra maneira. Parou de cantar e com o
microfone na mão, começou a discursar para o escasso público:
- Boa noite, pessoal. Obrigado pela presença! É um prestígio para nós
contar com sua presença e apoio aqui no nosso show. Preparamos tudo com muito
carinho e esperamos que estejam gostando da nossa música. Mas não sei se
notaram a ausência de um dos nossos membros, o Carlinhos. Não quisemos
comentar antes, porque tivemos medo de expor nosso amigo, mas a verdade é que
estamos nos apresentando sem guitarras porque o nosso guitarrista está muito
doente e precisamos de apoio financeiro para cobrir as despesas da doença dele! O
caso é grave e ninguém da nossa turma tem dinheiro para cobrir todas essas
despesas.
- O que vocês esperam que nós façamos? – alguém gritou da platéia.
- Não sei bem, mas contamos com qualquer ajuda que possam nos dar.
Nosso companheiro Cláudio já contribuiu dando todo seu salário e nós estamos
trabalhando no show do NEW SMURFS acústico com intuito de arrecadar todo o
dinheiro necessário para o tratamento do Carlinhos.
- E qual é o problema dele? – Um homem bem vestido perguntou.
Cláudio tomou a iniciativa de responder:
- Aparentemente ele teve o que os médicos chamam de surto psicótico,
passou a falar coisas sem sentido e teve reações suspeitas, chegou a atacar algumas
pessoas.
- Mas ele é perigoso?
- Não, uma das pessoas mais pacíficas que conhecemos.
- Precisamos de ajuda. Sigfredo emendou.
Diante do ar insosso da platéia, Sigfredo, que pensou que obteria sucesso
com seu apelo, baixou os olhos e ficou olhando para o violão, mas quando olhou
novamente para as pessoas notou que uma mulher tirava notas de dez reais de
dentro da bolsa.
- Posso ajudar com trinta reais. – ela disse.
Em seguida, outra mulher contribuiu também. E depois outra. E mais uma.
- O-obrigado! – Sigfredo começava a ver uma esperança no fim do túnel.
Então o homem bem vestido se manifestou, dizendo que gostaria de
contribuir cobrindo todo o restante do prejuízo. Os garotos vibraram de alegria!
- Demais! –disse Sigfredo.
- Yes! – bradou Mouse.
- Maravilha! – completou Cláudio.
- Passem no meu escritório segunda-feira, por favor – o homem deu um
cartão com um endereço e telefone para os garotos e voltou para o local onde
estava.
Os garotos do NEW SMURFS não se continham! Agora, cheio de alegria no
coração, Sigfredo deu a ordem aos amigos:
- Problema resolvido! Então vamos tocar mais! A banda começou a tocar
uma canção e no meio da música Sigfredo olhou para a porta do ginásio onde se
apresentavam e, quem diria!, um grupo de mais ou menos cinco pessoas entrava no
local, o que empolgou ainda mais a banda que emendava uma outra música na
seqüência daquela que haviam acabado de tocar. E depois tocaram mais uma e o
som foi atraindo gente para o ginásio. Por precaução, eles haviam selecionado um
repertório grande, o que lhes rendeu mais uma hora e meia de apresentação e
quando a noite estava chegando ao fim, Sigfredo e seus amigos notaram que o
ginásio estava lotado! Como eles estavam felizes naquele momento! Conseguiram
dinheiro para cobrir o prejuízo deixado por Carlinhos e ainda poderiam lucrar
algum dinheiro com o show!
Sigfredo precisaria de uns três dias para recuperar sua energia, mas
naquele momento a sensação de prazer e satisfação percorria todo o seu corpo. Ao
final da apresentação, Sigfredo, Mouse e Cláudio chamaram Ricardinho e Nico, os
meninos que ficaram na portaria cobrando ingressos e, juntos guardaram o
equipamento, fecharam o ginásio e entraram no carro de Cláudio para ir embora
dormir. No dia seguinte uma moça limparia o salão para eles.
- Que espetáculo, né Sigfredo? – Cláudio comentou, enquanto parava o
carro em frente a casa de Sigfredo.
- Sim, a apresentação hoje foi maravilhosa. Vai dar para pagar o Nico e o
Ricardinho, Mouse?
- O Nico, o Ricardinho, a moça da limpeza e o prejuízo do Carlinhos. E
ainda sobra uns cinqüenta reais para cada um de nós. Conseguimos dois mil reais
só com a portaria! – respondeu Mouse, entusiasmado.
- E ainda temos que ir procurar aquele senhor que vai nos ajudar.
- É verdade Sigfredo, mas agora o que todos nós precisamos é de uma boa
noite de sono.
- Concordo, também estou exausto.
- Eu também.
No dia seguinte procuraram o senhor bem vestido no endereço indicado no
cartão, receberam a doação e foram para o hospital entregar o dinheiro para
Carlos Antônio e tia Helena que os agradeceram e os encheram de beijos, abraços
e bombons de chocolate e gergelim que havia produzido na noite anterior.
* * *
Não houve nada muito surpreendente nos meses em que Carlinhos
permaneceu internado. Mas um dia algo curioso aconteceu enquanto os garotos
voltavam da escola para casa.
Uma pequena multidão no meio da rua formava um círculo ao redor de
alguma coisa que não podiam ver.
- Sigfredo, o que está acontecendo ali? – Mouse chamou a atenção de
Sigfredo, que estava com os olhos colados numa prova que fizera naquela manhã.
Cláudio, que era mais alto, tentava olhar por cima das outras cabeças.
- Parece que estão olhando alguma coisa no chão.
- De-deve ser um teatro de rua, qualquer coisa assim.
Os três se aproximaram da multidão para observar melhor. Mouse indagou
a um desconhecido:
- O que se passa aqui, amigo?
O homem desconhecido respondeu:
- Acho que não sei explicar direito. É melhor vocês verem com os próprios
olhos.
O homem deu espaço para os três passarem por entre as outras pessoas e
então Sigfredo pôde ver.
Aquele pedaço de asfalto na rua tinha sido furado e desenhado. Era um
estranho desenho geométrico, cheio de linhas e pequenas curvas que formavam a
figura de um beija-flor imenso. O asfalto tinha sido perfurado apenas por alguns
centímetros abaixo da superfície e as linhas que compunham o desenho eram
assustadoramente retas, algo com certeza feito por uma grande máquina.
- Ninguém viu como esse desenho foi feito. Apareceu aqui hoje bem cedo. –
disse o homem desconhecido.
Sigfredo estava impressionado com a perfeição do desenho. Cláudio o
puxou para fora do círculo e Mouse foi atrás.
- Mais um desses desenhos. Lembram-se daquele que apareceu na casa do
Mouse no dia do surto do Carlinhos?
- E como eu poderia esquecer? – Mouse respondeu – A vegetação lá do
quintal de casa não reapareceu até hoje!
- É cada loucura que acontece... E por que escolheram Jardim Dourado?
- Eu não sei Sigfredo, eu realmente não sei – Cláudio estava parado com a
mão no queixo, pensativo. Mouse foi quem chamou a atenção do grupo dessa vez.
- Acho melhor a gente apressar o passo, galera, vamos deixar o beija-flor
pra lá, afinal é hoje a tarde que o Carlinhos receberá alta. E vamos visitá-lo, certo?
***
Nos meses seguintes o caso do Carlinhos não teve grandes emoções. Depois
de uma semana no hospital, ele foi transferido para uma Chácara de Terapias
Experimentais, onde ficou internado durante um ano. A Chácara de Terapias
Experimentais ficava bem perto de Jardim Dourado, na zona rural e funcionava
como uma parceria entre o governo e um Ong que se dedicava a estudar e tratar
casos de pacientes com distúrbios psiquiátricos e Carlinhos recebeu toda a
assistência gratuitamente. Na Chácara, Carlinhos quase não tomava
medicamentos, apenas umas poucas doses de um regulador de humor e de três em
três meses, lítio, mas ele tinha que trabalhar na horta e cuidar dos bichos na
Chácara. Durante esse ano em que Carlinhos esteve internado, Sigfredo não soube
de quase nenhuma ação grave de Carlinhos na Chácara, exceto uma vez em que ele
virou toda a comida de propósito em cima da enfermeira e uma outra em que ele
tentou convencer um colega internado de se matar porque ele tinha certeza
absoluta de que aliens do mal iriam dominar o planeta Terra no ano 2012. O
colega internado não engoliu aquela história toda e delatou o Carlinhos. Com isso
ele teve alta, enquanto Carlinhos teve que ficar mais três meses na Chácara.
Sigfredo e o NEW SMURFS o visitavam sempre. Mais ou menos um mês
depois que ele foi internado, Mouse levou um violão para experimentar o que
poderia acontecer. A experiência foi bem sucedida. No começo, Carlinhos não
demonstrou muita habilidade com o instrumento, mas então pareceu começar a se
lembrar. Depois de duas horas ele já tocava algumas canções. Ao final desse ano,
Carlinhos teve alta e hoje, quando os quatro amigos se reuniram novamente,
Sigfredo e seus amigos ouviram Carlinhos, agora são, desabafar sobre o seu surto.
- O tempo todo era como se eu não estivesse dentro de mim. As coisas ao
meu redor se passavam numa velocidade que eu não conseguia acompanhar.
Ao escutar isso, Sigfredo deu uma risada por dentro. As vezes ele também
se sentia exatamente assim.
- “Eu achava difícil lidar com as minhas emoções, achava difícil saber o que
eu estava sentindo e o que o outro estava sentindo. Parece que perdi o
discernimento das coisas. E também o ritmo. Era tanta informação passando na
minha cabeça ao mesmo tempo, que eu não podia mais entender o que era real e o
que não era. Toda informação é uma forma de poder e talvez eu não soube usar
esse poder conferido a mim. Fiquei neurótico, às avessas. Usei o poder às avessas,
agredi minha própria mãe!... Mãe, me perdoe!... Como é que eu pude fazer isso?
Sempre fui meio antisocial, em casa. Eu queria ajudar as pessoas mas não sabia
como. Tinha medo dessa história de fim do mundo e sentia que de algum modo a
culpa disso era minha. Sentia que se eu não fizesse ou dissesse certas coisas iria
ferir pessoas que amo e todo o universo seria prejudicado. Senti medo e tudo que
eu não queria era magoar as pessoas que me amam e foi exatamente o que eu fiz,
agindo e sentindo tudo às avessas. Eu tive o ímpeto de salvar o planeta, mas não
tive sequer a humildade de aceitar ajuda. Perdi o chão. Não sabia para onde ir
nem como ir, e quando ia, ia com violência. Mas não era necessariamente por
vontade própria. Não, nunca foi. Eu sempre prezei muito pela consciência e talvez
isso tenha me atrapalhado porque agora percebo que foi minha própria
consciência que se voltou contra mim; me contou mentiras e inventou histórias
mirabolantes. E eu caí feito um pato. Faltou razão nos momentos em que só usei a
emoção e emoção nos momentos em que a razão falava mais alto dentro de mim.
“Eu não sabia o que fazer. Não sabia a hora de fazer... Eu via tudo o que
estava acontendo, mas era como se minha consciência estivesse presa dentro de
mim e como se meu corpo agisse sozinho, por conta própria, sem medir as
conseqüências de nada. Viver isso tudo foi muito forte. Agora tudo mudou, para
sempre...”
“Eu não sabia como agir e nem como reagir com sabedoria aos revezes da
vida. Fazia tudo fora do tempo. Sentia ondas intensas de alegria e, logo em seguida,
outras ondas de ódio, tristeza e medo. Eu tinha conhecimento de um monte de
coisas na minha cabeça, mas não soube como usar isso. Achei que vocês fossem o
inimigo, quando na verdade estavam me ajudando o tempo inteiro. Acabei usando
o eu sabia para fazer o mal, em vez de fazer o bem.”
- Isso tudo foi muito difícil e doloroso para todos nós, Carlinhos... –
consolou Sigfredo – mas continue, divida tudo conosco.
Carlinhos prosseguiu:
- Eu nunca fui bom em situações sociais. Detestava reuniões de família,
escola, multidões... Sempre passei mal com isso. Quando os parentes se reuniam
em ocasiões especiais como Natal eu sempre ficava mal e escondido em algum
canto. As pessoas tinham que fazer um esforço para que eu falasse, comesse ou
interagisse com elas. Todos na verdade se esforçavam para me ver contente mas eu
não entendia e não aceitava. Depois cresci e nós nos mudamos para cá. Vocês
sabem, viemos lá do Acre, há muitos anos atrás. Aqui eu pensei que iria ter
controle sobre toda essa vergonha. Achei que seria mais “descolado”. Comecei a
namorar as meninas e a fazer música, mas acho que acabei fazendo só isso. Como
diz a minha mãe, acho que “o ego subiu para a cabeça”.
“Mais tarde, quando comecei a virar adolescente, eu sentia o tempo todo a
falta dos meus amigos de infância e queria de algum modo voltar no tempo, voltar
a ter as poucas pessoas com quem eu conseguia me abrir, voltar a sentir e fazer as
coisas como antes, mas eu já não podia mais ter nada disso, simplesmente não
podia voltar no tempo. E na verdade essas pessoas já nem estão mais na minha
cidade no Acre. Todos foram estudar, cuidar de suas vidas em outros locais. A
falta delas no meu dia-a-dia ia consumindo pouco a pouco as minhas idéias, mas
fiquei quieto, mantinha a situação como se tudo estivesse tranqüilo e calmo, e
ninguém podia mais me ajudar do modo como eu realmente precisava. Depois,
quando montamos a banda, o Mouse, o Cláudio e o Sigfredo começaram a fazer
toda essa parte social da vida por mim. Vocês que sempre tomavam a frente,
falavam mais com as pessoas, enquanto eu permanecia isolado. Se não fosse pela
presença da música e de vocês, meus companheiros, eu já teria explodido muito
antes. Quando eu trabalhava na ong e tinha uma boa desenvoltura social, era como
se algum espírito bom me dominasse. Lá eu me enchia de coragem e falava com
todos, resolvia tudo. Mas nas situações cotidianas, na verdade, sempre tive muita
dificuldade em lidar com tudo, mas mais dificuldade ainda em lidar com pessoas.
Com a nossa música, fui aprendendo a conter mais minhas emoções conflitantes
mas durante o surto, tudo e todos me incomodavam, eu sentia inveja das pessoas
constantemente, pensava como era possível todos conseguirem viver bem e eu estar
num estado tão deplorável. Percebo agora que eu não dava valor a tudo que tenho.
Sentia dores por todo o corpo e na cabeça.
“A voz das pessoas geralmente me irritava. Talvez por isso eu tenha
preferido por tanto tempo os solos da minha guitarra ao invés da presença das
pessoas, mas me perdi em meu próprio mundo. E durante a loucura não conseguia
mais ter energia para nada... Não conseguia falar e não conseguia definir o que eu
estava sentindo. Não sabia orientar minha força e anos de informações que
estavam na minha mente e foram adquiridos durante meu isolamento na pré-
adolescência, explodiram na cara de vocês de uma hora para outra e de uma forma
violenta. Me desculpem. Hoje penso que tudo o que aconteceu foi resultado da
minha natureza solitária, somada à maneira que fui criado, à droga, e talvez ao
fato de que sou homem e não sei lidar muito bem com essa coisa de emoção. Corpo
emocional, como dizem. Me desculpem.
“E a culpa que eu sentia? O tempo todo pensava que todos os males do
mundo eram minha culpa e então ficava imaginando o que as pessoas estavam
pensando a meu respeito. Pensava que elas me odiavam, que me detestavam. Eu
queria mudar e acabei mudando mesmo, mas acho que não para melhor. Não sou
uma boa pessoa...”
“Eu me culpava e culpava meus pais também, porque achava que se
tivéssemos mais dinheiro seríamos mais felizes e mais espertos e sequer tinha a
consciência de isso não era culpa deles. Também não tinha consciência de que a
felicidade, na verdade, não tem nada a ver com ser rico ou pobre, na verdade a
riqueza tem que existir dentro da gente, não fora. Mas agora penso diferente. Hoje
sei que a satisfação material e espiritual são resultado de muito trabalho duro.
Acho que quem é rico de berço e recebe tudo facilmente, tem dificuldade em
encontrar a satisfação espiritual e em fazer amigos, porque uma pessoa assim
nunca sabe em quem pode ou não realmente confiar. E é por isso que agora eu
quero me dedicar de corpo e alma, com todo amor, força de vontade e espírito ao
NEW SMURFS. Quero dizer, isso se vocês ainda me aceitarem.”
- Carlinhos, você teve um surto psicótico e não tendinite! – arrematou
Mouse.
-Foi mais ou menos na época que estávamos estruturando a banda que eu
comecei a experimentar algumas drogas. Felizmente, ou infelizmente, não sei,
conheci a maconha dentro de casa... com meus pais. Mas não fumava com eles não;
achava que seria estranho, sem graça... Geralmente eu pedia para eles e saía para
fumar na casa do Mouse, ou então no quintal lá de casa. E não havia problema
nenhum, até então. A gente só dava risada juntos e depois eu ia para o meu quarto
namorar ou fazer música. Nunca deixei de fazer nada, nunca deixei de estudar
nem de trabalhar ou freqüentar os lugares que precisava. Eu tive muita sorte,
porque na maior parte das vezes ganhava “unzinho” do pai ou da mãe. Lembro de
uma vez em que o Mouse quase foi preso tentando comprar maconha. Eu, graças a
Deus, nunca precisei passar por isso.
- Nem me lembre, Carlinhos. Aquilo foi horrível e meu pai quase descobriu.
Ainda bem que eu parei de fumar cara.
- Ainda bem. Mas eu fumei “unzinho” por muito tempo e nunca tive
nenhum problema mais sério. Mas os problemas começaram a aparecer quando eu
enfiei na minha cabeça que precisava usar algo mais radical, quando passei a
sentir que maconha não “fazia mais minha cabeça”. Cláudio, você sabe me
explicar porque esse surto aconteceu somente comigo e não com vocês que também
beberam o chá da Flor Lilás da Montanha?
Cláudio respondeu:
- Provavelmente porque você deve ter uma predisposição genética maior a
essa doença, Carlinhos. Você deve ter um sistema cerebral um pouco diferente do
nosso e provavelmente estava emocionalmente abalado naquele momento. Mas
tenho certeza de que o que aconteceu com você poderia ter acontecido com
qualquer um. Se nós três continuássemos tomando o chá, iríamos ficar mal
também.
Uma onda de tristeza surgiu nos olhos de Carlinhos que abaixou a cabeça e
comentou:
- Sou torto de nascença mesmo... O que mais machuca é lembrar que agredi
a minha mãe, que sempre foi tão boa comigo.
Tia Helena, que estava ao lado de Carlinhos, nesse momento o abraçou e
disse:
- Tudo bem, meu filho. Sei que aquilo ali não era você.
- Não sei mãe. Era eu sim, mas tomado por alguma força estranha e
maligna.
- Mas agora você vai precisar tomar medicamentos, Carlinhos? Cláudio
interviu, sempre com aquele jeito de pai da turma.
- Sim, e isso é um droga! – reclamou Carlinhos.
- Literalmente. Mas conversei com o meu pai e ele disse que é super normal
tomar medicamentos controlados. Ele disse que você é muito novo para ter tido
esse tipo de problema e que por isso vai ter tomar o remédio durante alguns meses,
não pela vida toda. Mas o problema poderá voltar quando você estiver mais velho
e passar por outras emoções intensas. Aí você vai ter que tomar o medicamento
novamente, mas por hora esse tempo de alguns meses tomando o medicamento já
será suficientemente bom. Meu pai não é psiquiatra, mas tem vários amigos que
são e conhece várias pessoas que têm esse problema. Ele me disse, Carlinhos, que
você teve um surto psicótico, o que significa que você foi desligado da realidade por
algum tempo. Se não se tratar, ou se continuar abusando de drogas, o quadro pode
evoluir e então virar uma doença mais séria, que se chama transtorno bipolar.
Meu pai disse também que você pode tomar o remédio e fazer o que você quiser,
menos usar drogas. Ele conhece banqueiros, empresários e até professores que
tomam esse remédio. Dá pra viver numa boa com esse problema. E o fato de você
ter passado por isso tão novo, significa que você é muito inteligente, que tem uma
energia psíquica, ou seja, energia mental, muito grande, que só precisa ser medida
e regulada de vez em quando. Ele disse que você tem um potencial imenso, o que,
na minha opinião é vantagem para o NEW SMURFS.
“O transtorno bipolar, Carlinhos, é uma doença caracterizada pela falta ou
insuficiência do elemento químico lítio no nosso cérebro. Esse elemento químico
tem um papel fundamental na regulação cerebral do nosso humor e quando ele
falta a uma pessoa, essa pessoa tem alterações graves e preocupantes no
comportamento.
Quieto onde estava, Sigfredo escutava e começou a pensar nas estrelas que
produziam o elemento lítio.
- Clá-cláudio! Então os habitantes dos sóis de terceira grandeza não sofrem
com esses problemas. Lá o que não falta é lítio!
- Pois é, Sigfredo, mas na verdade nós não sabemos se os habitantes dos sóis
de terceira grandeza existem realmente e se existirem nós ainda estamos muito
longe de conhecer a química cerebral deles!
Os outros ficaram olhando com uma expressão de dúvida. Sigfredo
explicou:
- De-depois explicamos esse papo. O importante agora é que o Carlinhos
está bem!
Cláudio continuou:
- Segundo meu pai, o que acontece é que a deficiência do elemento lítio no
cérebro, assim como o uso de drogas lisérgicas como o Chá da Flor Lilás da
Montanha, o cogumelo ou o LSD, atrapalham a conexão dos centros emotivos com
os centros cognitivos. Meu pai costuma chamar os centros emotivos do cérebro de
“cérebro primitivo”, área conhecida também como Sistema Límbico, que é uma
região cerebral que também está ligada aos processos de aprendizagem humana.
O Sistema Límbico é a parte do cérebro que comanda respostas primárias como a
fome, o instinto sexual, o medo e a raiva. Ele é composto, dentre outras coisas, por
estruturas cerebrais chamadas de glândulas e as principais são a amígdala – sim,
temos amígdala no cérebro - o hipocampo, a hipófise, a adenohipófise e a
pituitária. Essas estruturas estão localizadas numa área cerebral chamada
mesencéfalo, que seria, grosso modo, o “miolo” do cérebro. Já a parte do cérebro
que comanda as informações que ele pode armazenar, a parte cognitiva, é
conhecida como a região frontal do encéfalo e o conhecimento a respeito do
funcionamento dessa parte do cérebro ainda é muito pouco. Mas o que acontece,
principalmente naqueles seres humanos com deficiência de lítio é que essas linhas
podem se cruzar frequentemente. Aí, quando isso acontece, o cara fica meio sem
saber se está com fome ou angustiado com o imenso fluxo de pensamentos na
mente. Ele não sabe se está sentindo raiva ou desejo sexual e tem uma vontade
imensa de concretizar seus projetos e realizar tudo aquilo que pensa. Mas como ele
vê o mundo a sua maneira, acaba se frustando muitas vezes.
- Acho que eu estava assim, Cláudio.
- Pois é, Carlinhos. O quadro do transtorno bipolar mostra uma pessoa que
apresenta alterações muito bruscas e inconstância no humor. Essas pessoas estão
sempre extremamente deprimidas ou extremamente eufóricas, e nós sabemos que
os dois estados emocionais – alegria ou tristeza – canalizados em qualquer pessoa
em excesso, acabam sempre trazendo algum mal. E é por isso que existe uma série
de remédios baseado no lítio que são os chamados reguladores de humor. Na
natureza, o lítio pode ser encontrado no gengibre e nas nozes, você sabia? Mas
como eu disse Carlinhos, o seu caso não chegou a ser muito sério, se tratar
direitinho dá para fazer tudo o que quiser. E eu volto a repetir que isso só
demonstra que o seu potencial é imenso, o que vejo como uma vantagem para o
NEW SMURFS.
- E eu não vejo a hora de tocar!
- Nem eu.
- Vida longa ao NEW SMURFS! Bradou Sigfredo.
Os quatro amigos riram da dicção desenvolvida de Sigfredo, enchendo-o de
tapinhas nas costas.
- Vida longa ao NEW SMURFS ! – os quatro repetiram.
- Vida longa ao Carlinhos! Contamos com você no nosso próximo ensaio, já
vai pensando em alguns solos bem legais, certo?- disse Cláudio.
Tia Helena e Carlos Antônio agradeceram Cláudio pela explicação e
disseram que os garotos já podiam ir embora se quisessem, porque o Carlinhos
ainda dormiria uma última noite na Chácara.
Sigfredo foi para sua casa dormir, mas ainda ficou na cama pensando
durante muito tempo. Ele se lembrou que o Mouse havia dito que uma prima dele
estava se mudando para Jardim Dourado. Adormeceu imaginando como seria
essa menina nova que talvez entrasse na sua turma.
***Anita***
Quando chegou ao porão da casa do Mouse para ensaiar, Sigfredo achou
estranha a presença daquela menina ruiva. “Será que foi ela quem eu vi no meu
sonho noutro dia?”, pensou. Ele tomou um gole de café e voltou a ficar ao lado de
Cláudio que afinava o contrabaixo e então pegou o microfone e fez alguns testes.
Enquanto esperava Cláudio terminar a afinação, não conseguia parar de olhar
para aquela menina parada na porta, mascando chicletes, cheia de estrelas
penduradas no pescoço e maquiagem pesada no rosto. Ela estava de braços dados
com uma outra amiga. Sigfredo nunca tinha visto ninguém de cabelos vermelhos
na vida, a não ser na televisão. Jardim Dourado estava realmente ficando
diferente. Eles começaram a tocar e ensaiaram por umas duas horas e depois
saíram juntos para comemorar a liberdade de Carlinhos. Sigfredo se sentiu um
pouco incomodado, mas também inebriado pela presença daquela menina com ar
esnobe, agora de braços dados com o Mouse. Eles eram primos.
Eles estavam juntos em uma praça, onde Mouse contou que seu pai iria
patrocinar um novo software contendo a melhor mesa de som existente, com
inúmeros canais e efeitos sonoros e eles poderiam então gravar o seu primeiro
disco. Mais uma vitória para o NEW SMURFS. Alberto sempre dizia que eles
ainda seriam muito famosos e aquilo parecia ser um bom começo.
- Parabéns, Mouse! Mas não entendo porque meu tio gasta dinheiro com
essas bobagens.
Nessa época, Anita tinha um ar bastante arrogante. Sigfredo não sabia
como o Rodrigo a agüentava.
- É mesmo? E eu não sei como a sua mãe banca esses penduricalhos e essas
porcarias que você usa no rosto!
Sigfredo e Cláudio disfarçadamente riram da resposta que Mouse deu para
a prima arrogante.
- E é melhor você ficar esperta aqui em Jardim Dourado, Anita. Essa coisa
de criticar tudo e todos é muito ruim, você tem que parar com isso, ou pode se dar
mal uma hora – disse Mouse.
- Dá um tempo, Rodrigo! E pro seu governo, a minha mãe não banca nada
para mim. Eu trabalho e compro minhas próprias coisas, ok? E vamos embora
daqui, Claudinha, já está na hora do nosso ritual.
Os quatro garotos olharam interessados.
- Ritual? Mouse perguntou – Que papo é esse?
- Olha, meu querido, esse é um papo apenas para os Escolhidos. Agora me
dê licença.
Sigfredo ficou observando enquanto Anita fazia mais um comentário bobo e
saiu andando. Então se voltou para os amigos.
- Que menina esquisita. – Carlinhos comentou – Só podia ser sua prima
mesmo, Mouse!
- Sai fora que eu não sou assim não! – Mouse respondeu, revoltado.
Enquanto os dois conversavam, Sigfredo olhou para o caminho onde Anita
estava passando para ir embora e então notou que um pequeno cristal havia caído
do seu bolso. Era uma peça envolta num pequeno saco de couro. Sigfredo tentou
avisar a menina de que ela tinha deixado o objeto cair no chão, mas ela não
escutou Sigfredo lhe chamando e já seguia longe, do outro lado da rua. Um
caminhão passava entre eles, enquanto Sigfredo caminhou um pouco e pegou a
peça deixada pela menina.
Carlinhos e Mouse estavam tão entretidos em sua discussão que nem deram
atenção ao que Sigfredo fazia e Cláudio estava falando com alguém no celular
naquele momento. Ele decidiu então que guardaria o objeto e procuraria a menina
mais tarde.
Depois que as meninas deixaram a praça, os garotos ficaram mais um
tempo conversando e passando um pouco de som, mas então Carlinhos e Cláudio
precisaram sair para assistir uma aula que teriam naquela tarde.
Sigfredo e Mouse ficaram mais um tempo na praça, olhando as pessoas
passar e então Sigfredo resolveu mostrar para o amigo o cristal de Anita que havia
encontrado no chão.
- Mo- Mouse... Sua prima deixou cair esse cristal aqui, agora a pouco.
- Deixa eu ver. Aquela louca é cheia dessas coisas místicas.
O cristal era pequeno e muito polido, com pequenas escrituras gravadas .
- Sei lá, Sigfredo. Essa garota chegou agora na cidade, cheia dessas histórias
de Escolhidos, magia, portais... Acho esse papo muito estranho.
- Eu também, mas precisamos devolver a peça para ela. O que você vai
fazer agora? Eu já estou de férias, pensei em procurar sua prima para devolver o
cristal.
- Também não tenho nada para fazer agora. Podemos ir lá na casa da
minha tia devolver o cristal para ela. Se ela não estiver lá, deixamos com a mãe
dela.
Deixaram a praça e foram até a casa de Anita que ficava a algumas quadras
dali. Lá chegando, encontraram uma casa pequena e antiga, construída com
grandes blocos de pedra. Na varanda viram muitas plantas e bebedouros para
pássaros e também comida para cachorro. Sigfredo olhou atento para a parte
externa da casa tentando identificar alguma presença canina ameaçadora nas
redondezas, mas não encontrou nada.
Mouse bateu na porta e então uma senhora a abriu. Ela usava óculos
pequenos e um chapéu pequeno e diferente na cabeça. Tinha cabelos prateados e
Sigfredo percebeu por trás da senhora uma sala cheia de livros, revistas, tapetes e
almofadas. A mãe de Anita carregava um gato cinzento nos braços e havia um
estranho castiçal para sete velas sobre uma mesa de centro na sala.
- Rodrigo, que bom te ver – disse a mulher, abrindo um sorriso – O que te
trás a minha casa?
- Oi tia. Tudo bem. Viemos ver a Anita e devolver um cristal que ela deixou
cair hoje a tarde lá na praça.
- Entrem. E seu amigo, quem é?
- Esse é o Sigfredo, nosso vocalista!
- É um prazer, Sigfredo! Entre, seja bem vindo a minha casa.
Sigfredo sorriu para a mulher e junto com Mouse, entrou na casa. Havia
uma lareira grande e parecia que algo havia sido assado ali recentemente, pois
haviam algumas cinzas e espetos próximos da lareira. A casa tinha um cheiro de
alfazema e vários tapetes e pinturas nas paredes, o que criava um clima bastante
aconchegante.
- A Anita não está ela saiu com a Claudinha. Mas entrem, vocês podem me
acompanhar numa sopa de inhames que fiz.
Mouse fez uma rápida expressão de nojo, mas então sorriu para a tia e
resolveu aceitar e Sigfredo também, pois lembrou-se que não havia almoçado
ainda.
- Nossa, obrigado tia Carmem. Adoro sopa de inhame. Delícia.
“Que cínico,” pensou Sigfredo.
Os dois então acompanharam a senhora até a cozinha, que mais parecia
uma espécie de porão medieval, mobiliado com prateleiras simples de madeira que
continham vários frascos, aparentemente cheios de diferentes temperos e ervas,
uma mesa grande de madeira antiga, um fogão a lenha e um fogão normal de
quatro bocas, além de uma geladeira. Em cima da mesa havia ma cesta cheia de
frutos e sobre os encostos das cadeiras um confortável acolchoado de lã, feito a
mão. Tudo parecia ser muito antigo, mas Sigfredo se sentiu muito confortável.
Sigfredo observou enquanto a mãe de Anita mexia a sopa num caldeirão novo
sobre o fogão a lenha e servia os pratos na mesa.
- Estive com seu pai ontem, Rodrigo. Parabéns, ele me disse que você vai
trabalhar para ela.
Mouse engasgou com a sopa que estava na sua boca.
- O que?? O velho está louco? Faz planos para mim e nem me contou nada.
Sigfredo imaginou que ele estava sofrendo. Mouse ficou vermelho, e
Sigfredo não soube se era por causa do calor da sopa ou da notícia dada pela tia de
que ele iria agora ter de trabalhar para seu pai.
Nesse momento tocou um telefone. Tia Carmem deu um sorriso para os
meninos e pediu licença para ir atender o aparelho, voltando alguns minutos
depois.
Mouse a perguntou:
- Quem era, tia?
Tia Carmem fez um ar de brincalhona:
- A curiosidade comeu a língua do gato, hein?
- Conta aí, Tia, aposto que era um namorado!!
Tia Carmem mexeu nos cabelos prateados e mudou o tom de voz, como se
houvesse notado agora a presença de Sigfredo.
- Era só a Anita, me pedindo para procurar um cristal que ela perdeu.
- Cristal? Está conosco, tia. Diga-nos onde a Anita está e nós vamos lá
devolver.
- Eu agradeceria muito. Ainda preciso terminar de plantar minhas
mostardas na horta!
- Precisa de ajuda? Sigfredo se surpreendeu com o tom prestativo de
Mouse. Ele pensava que o amigo era brincalhão o tempo todo e que só pensava na
bateria. Estava enganado pelo visto.
- Não, Rodrigo, obrigada. Tia Carmem olhou um pouco desconfiada para
Sigfredo – Na verdade, a horta é para mim uma espécie de terapia. Esqueço do
mundo quando estou com minhas plantas!
- Tudo bem. Vamos atrás da Anita, então.
- Calma, vamos terminar a sopa primeiro. A Anita está na Claudinha. A
casa dela fica a algumas quadras daqui, eu já explico onde é.
- Ok, ok, ok... Comer primeiro. Comer, comer, é o melhor para poder
crescer! Mouse conseguia fazer piadinhas até enquanto comia.
Os dois terminaram de almoçar, pegaram o endereço de Claudinha e
saíram para devolver o cristal.
- E-ela parece ser bem apegada a esse cristal, não é?
- Pois é. Essa menina é louca, Sigfredo! Aposto que ela nem percebeu que
tinha perdido o cristal e agora fica toda desesperada.
Sigfredo e Mouse estavam chegando na esquina da casa de pedra quando
um carro pintado com o slogan da prefeitura estacionou na esquina a alguns
metros de onde os dois estavam. Sigfredo observou os vidros do carro sendo
abertos e lá de dentro saiu a cabeça de um homem, provavelmente um funcionário
do pai de Mouse.
- Rodrigo! - o homem chamou Mouse. – Finalmente te encontrei.
Mouse olhou para Sigfredo com ar entediado.
- Oi Durval. O que você quer?
- Bom, é que seu pai pediu que eu te procurasse. Ele precisa te orientar no
seu novo emprego. Vamos, já estamos atrasados.
- Mas...
- Não tem mas, Rodrigo! Você conhece seu pai, ele precisa de você agora.
Mouse se virou para Sigfredo:
- Sigfredo vou ter que ir ver meu pai. Ele inventou agora que vou ter que
trabalhar para ele. Pegue o cristal e vá lá na Claudinha. Você entendeu como
chega lá, não entendeu?
- Si- sim.
Mouse entregou o cristal nas mãos de Sigfredo e então entrou no carro, que
deu a partida e virou a esquina.
“Coitado do Mouse, sendo pego de surpresa assim, tendo que ir trabalhar. Só
espero que isso não afete o desenvolvimento da banda.”, Sifredo pensou enquanto
caminhava até a outra esquina, onde ficava a casa de Claudinha.
A casa era grande e simples. Devia ter uns três ou quatro quartos pelo
tamanho. Tinha janelas comuns de metal pintada de cinza e uma grande varanda
pelo lado esquerdo de quem chega na casa, fechada com grades.
Sigfredo bateu palmas e uma senhora negra abriu a porta e veio até as
grades falar com ele.
- Boa tarde, jovem. O que deseja?
- Eu preciso falar com uma amiga minha, a Anita, que está com a
Claudinha. Me- me falaram que ela está aí dentro.
- Ah, estão sim. Estão lá atrás, no galpão. Você também é um dos
Escolhidos?
Sigfredo não entendeu o que a mulher queria dizer com aquilo, mas disse
que não. Escolhidos por quem? A mulher abriu as grades e disse para Sigfredo
procurar as meninas no galpão que ficava atrás da casa. Ela disse para Sigfredo
que ele poderia ir tranqüilo até lá, pois na casa não tinha cachorro. Então ela
entrou novamente na casa.
Sigfredo deu a volta na varanda e avistou um grande galpão de madeira,
construído provavelmente pelo seu pai, o único marceneiro da cidade. A casa de
Claudinha tinha um quintal imenso, com muitas árvores. Antes de chegar ao
galpão, ainda próximo da varanda, Sigfredo começou a escutar um som vindo do
galpão. Era como um zunido de inseto, ou algo parecido, um barulho agudo e
constante que irritou seus ouvidos. Ao chegar mais, ele notou que algumas vozes
vinham lá de dentro e notou também o som de um tambor compassado sendo
tocado. O que será que estava acontecendo ali?
As portas do galpão estavam fechadas e Sigfredo pressentiu algum perigo.
Algo estava errado. Ele já havia decidido voltar numa hora mais conveniente.
Estava dando a volta para ir embora, quando Claudinha abriu a porta do galpão e
o avistou.
- Oi, Sigfredo.
Ela pos o corpo mais para fora do galpão e o som do cântico e do zunido
aumentou. Sigfredo notou que Claudinha estava vestida de um modo estranho.
Usava uma túnica preta e roxa e um cordão pesado com uma estrela de cinco
pontas estava pendurado no seu pescoço. Ela segurava nas mãos um punhal escuro
e transmitia uma sensação de leveza e rigidez ao mesmo tempo, como se estivesse
hipnotizada.
- Cla- Claudinha... Vim trazer um cristal que a Anita deixou cair hoje cedo
na praça.
- Finalmente. Chegou bem na hora. Me dê o cristal por favor.
Sigfredo entregou o cristal nas mãos de Claudinha que expressou um ar de
satisfação quando tocou o objeto.
- Obrigada, Sifredo. Agora... Precisamos que você nos dê licença. Estamos
trabalhando aqui dentro. Obrigada.
Claudinha fechou a porta do galpão, mas antes que pudesse fazer isso,
Sigfredo conseguiu espiar por trás dela e percebeu vários vultos, uns oito mais ou
menos, vestidos com túnicas escuras parecidas com a de Claudinha e formavam
um círculo. Parecia haver uma fogueira acesa dentro do galpão e um forte cheiro
de incenso e fumaça vinha lá de dentro. Sigfredo achou estranho e ficou bastante
curioso, mas deu as costas para o galpão, e então enquanto caminhava de volta
para a varanda, visando chegar na rua, o zunido que estava escutando se tornou
um barulho insuportável e ensurdecedor.
Sigfredo tampou os ouvidos com as duas mãos e então sentiu tudo
estremecer. Uma explosão! Algum acidente havia acontecido dentro do galpão e a
confirmação disso veio com um grito.
- Anita!
Nesse momento, alguma força furiosa se acendeu dentro de Sigfredo.
“Anita!”
Sigfredo voltou para o galpão, andando devagar, mas antes de chegar, um
homem alto abriu a porta e saiu tossindo. Sigfredo viu então uma fumaça saindo
de dentro do galpão.
O que é que havia acontecido? Aparentemente algo havia explodido dentro
lá dentro, mas o que? E por que é que haviam chamado o nome de Anita com
aquele grito desesperado? Alguma coisa séria havia acontecido. Discretamente,
Sigfredo se esgueirou por detrás de um grande abacateiro que ficava perto da
varanda e permitia que ele observasse o galpão sem ser visto. Dali ele escutou
Claudinha pedindo para que os homens não entrassem na casa dela com aquelas
roupas, porque a mãe dela poderia os descobrir. O zunido tinha parado e Sigfredo
escutou o que pareciam ser gemidos de dor, vindos de dentro do galpão.
Ele pode ver as pessoas saindo uma a uma do galpão e correndo em direção
a varanda. Olhou mais uma vez e viu que nem Anita e nem Claudinha saiam do
galpão e então resolveu sair de trás da árvore e averiguar o que estava
acontecendo.
Ao entrar no galpão, Sigfredo se chocou com a cena bizarra: Anita estava
caída no chão e o fogo havia dominado o local, atingindo até o teto. Sigfredo tomou
um susto quando percebeu que a prima de Mouse havia se queimado. A primeira
reação que teve foi alcançar uma vassoura que pudesse abafar o fogo. Onde é que
estavam aquelas pessoas todas que ele vira segundos antes? Ele olhou ao seu redor
e percebeu que todas tinham desaparecido.
Claudinha disparou uma ordem:
- Sigfredo, tem uma mangueira perto da varanda, embaixo do muro. Corre
até lá e nos ajude a apagar esse fogo.
Sigfredo correu para pegar a mangueira e então apagou as labaredas que
subiam até o teto. Claudinha nesse momento ajudou Anita a se levantar. Ela estava
com parte do peito e as mãos queimadas, mas olhou agradecida para Sigfredo.
- Obrigada.
- O- o que aconteceu aqui?
Foi Claudinha quem respondeu.
- Somos um grupo Wicca, Sigfredo, um grupo que visa a realização da
magia celta nos dias atuais e estávamos fazendo um ritual de solstício ao mesmo
tempo que testávamos um novo aparelho de identificação e regulagem de
freqüências magnéticas pessoais.
Sigfredo olhou curioso ao redor e notou um estranho aparelho, que parecia
uma maca sustentada por diversas barras de um material dourado e com espaços
adequados para encaixe de cristais. Pelo que Sigfredo notou, haviam sete ou oito
cristais acoplados ao aparelho e o que ele trouxe estava ali encaixado também.
- ...frequencias magnéticas pessoais, ou seja, esse aparelho aí na sua frente,
Sigfredo, é um regulador e medidor de auras. Mas acontece que ele faz muito
barulho, na verdade acho que estava um pouco desregulado, mas no momento que
você trouxe o último cristal o aparelho começou a funcionar em potência máxima e
a emitir um som muito mais alto e Anita, que seria a primeira Escolhida a ser
tratada e estava na maca do aparelho, se irritou com a altura do som e se levantou
para beber água, mas quando voltou e se sentou novamente na maca, por algum
motivo algo começou a dar errado com o aparelho que funcionava a base de
eletricidade. O zunido ficou muito alto e o aparelho acabou gerando a explosão
que você ouviu e queimou os braços e o peito da Anita!
- E eu desesperada com a dor das queimaduras acabei incendiando o
galpão, pois espalhei o fogo que havia pego na minha túnica. Ai. Agora preciso
curar essas queimaduras. Aqueles idiotas do grupo! Sumiram, correndo de medo
da explosão – Anita choramingava, enquanto os três saíam do galpão, que agora
tinha o interior preto, escurecido pelo fogo e pela fuligem.
Quando chegaram na varanda de Cláudinha, ela disse para Sigfredo que
cuidaria das queimaduras de Anita com uma pomada que tinha dentro de casa.
Sigfredo estava saindo pela varanda para ir embora, quando notou que Anita
lançava para ele um olhar diferente e belo. Sentiu seu coração bater acelerado,
quase como se estivesse no palco cantando ou como se estivesse comendo algo
delicioso e sentiu vontade de ficar mais tempo ajudando aquela menina estranha,
mas antes que ele pudesse se manifestar Claudinha e Anita já estavam dentro da
casa.
- Tchau, Sigfredo, obrigada.
Sigfredo ainda tentou prolongar o momento.
- Claudinha, eu...
- Desculpe. Você o que?
- Er... Nada. Deixa pra lá. Tchau!
Sigfredo disse isso e foi para casa pensando que seria melhor para ele e para
todos Ao chegar em casa ele cumprimentou a mãe e então refletiu um pouco sobre
os acontecimentos daquela tarde: a estranha casa de Anita, o trabalho que Mouse
precisaria encarar pela primeira vez e aquela explosão no galpão de Claudinha! O
dia não tinha sido nada fácil, mas Sigfredo conseguiu relaxar, pensando nos
equipamentos novos que Mouse tinha adquirido.
Na manhã seguinte, Sigfredo acordou cedo e resolveu passar na biblioteca
municipal para pesquisar um pouco sobre cultura Wicca. Quando saiu da
biblioteca, decidiu procurar Anita para saber como estava e para contar o que
havia descoberto sobre a cultura wicca.
Chovia quando Sigfredo bateu na porta da casa de Anita. Tia Carmem foi
quem abriu a porta.
- Oi Sigfredo, como está você?
- Estou bem e a senhora? Eu queria ver a Anita. Ela está melhor?
- Bem, a doutora Gisela esteve aqui tratando as queimaduras da Anita e
depois disso, ela ficou o dia inteiro deitada dentro do quarto. Entre lá, converse
com ela.
Sigfredo entrou meio desconfiado na casa cheia de objetos estranhos. Olhou
ao redor de si e viu várias estrelas de cinco e sei pontas, castiçais e filtros de sonho
e sinos em formato de lua e estrela.
A palavra wicca provinha de uma outra palavra, da língua inglesa, witch
que significava bruxa. Ele descobriu que os wicca eram como bruxos modernos,
chamados também de seguidores da Deusa. Enquanto caminhava, Sigfredo ficou
pensando o que seriam bruxos modernos, e o que faziam em seus rituais secretos?
Ele bateu na porta do quarto de Anita.
- O – oi Anita.
- Oi, Sigfredo, entra. Tudo bem?
- Sim, tudo bem. Vim ver como você está.
Sigfredo então olhou para o quarto em que Anita dormia: uma cama, uma
estante com alguns livros e alguns ursos de pelúcia, um criado mudo e uma
televisão antiga com velas e cruzes espalhados pelo quarto e num canto um teclado
moderno, com duas seqüências de teclas, uma sobre a outra, o que contrastava
com o quarto simples. Ao lado do teclado, uma pequena caixa de som. Lembrou-se
do sonho que teve, mas foi despertado da memória por Anita:
- Nunca viu um teclado, Sigfredo?
- Já, já vi sim. Mas só nas lojas ou na televisão. Nunca tinha visto um desses
de perto.
- Quer tocar?
- E-eu não sei tocar teclado. Acho que não é uma boa.
Anita se levantou e começou a tocar uma canção. Sigfredo ficou observando
seus dedos se moverem com agilidade e graça e de repente... Anita estava tocando
uma canção que era composição dele! De onde ela reconhecia aquelas notas se eles
ainda não haviam gravado o primeiro disco e Sigfredo ainda não havia mostrado
suas composições para ninguém além da banda? Será que Mouse havia lhe
mostrado alguma música? O coração de Sigfredo se acelerou com aquele
reconhecimento e ele sorriu para ela que lhe retribuiu o sorriso. Ele começou a
cantar e ela o acompanhou tocando as notas no teclado. Os dois se aproximaram
cantando a canção de Sigfredo e então um beijo suave aconteceu. Nesse momento,
o mundo começou a dar voltas e explodiu em cores, luzes e movimento. Um calor
intenso subiu pelo corpo de Sigfredo que só queria ficar ali, aconchegado no corpo
de Anita para sempre.
Seu coração dava pulos enquanto ele deslizava as mãos pelo corpo de Anita,
uma espécie de fada-bruxa, um banho de cachoeira que lavava e aquecia a alma ao
mesmo tempo. Sigfredo abriu os olhos e viu os olhos de Anita se encontrarem com
os dele e então sentiu-se reconfortado com ela em seu braços.
-Na-não pensei que isso pudesse acontecer.
-Nem eu.
E eles ficaram juntos e nada mais poderia quebrar a alegria daquele
momento.
Mouse apareceu no quarto de Anita, trazendo alguns chocolates. Tinha uma
expressão carregada no rosto, que mudou instantaneamente quando viu o amigo e
a prima abraçados.
- Não pode ser. Dois namoradinhos!
- Co-como foi o primeiro dia no trabalho?
- Péssimo, meu pai quer que eu transcreva uns 30 quilos de formulários
para os bancos de dados no computador da prefeitura.
Ele parecia exausto e Sigfredo sentia-se triste por não poder ajudar mais.
Foi difícil para o Mouse conciliar banda, escola e trabalho no começo, mas depois
tudo se estabilizou. Ele equilibrava os horários e as vezes conseguia folgas para
poder ensaiar.
Sigfredo voltou sua atenção para Anita.
- Anita, eu soube hoje a tarde um pouco sobre o Poder da Manifestação
Divina.
- É mesmo? E o que você descobriu?
- Eu li que não devemos nos apegar à matéria, que não devemos ter apego
ou confiança em nada que seja passageiro, nenhum tipo de imagem. Os bens
materiais de cada um, quando conseguidos de formas justas, são direito divino,
porque são frutos do esforço pessoal de cada um, mas a par desse direito divino,
que é divino porque a matéria é apenas transitória, apenas um veículo ou
instrumento para que alcancemos nossa alma, que é fagulha de Deus num mar
universal, somatório da beleza interna e externa, Sua obra. Deus é amor e ele
transcende a todas as coisas desse mundo, deste e de todos os planos. Deus é como
uma fonte eterna de tudo que existe e ele está mais perto da gente do que podemos
imaginar. Ontem quando te encontrei no galpão da casa da Claudinha, você e o seu
grupo estavam muito preocupados em recuperar o cristal e fazer a máquina
funcionar. Não sei, mas talvez a explosão tenha acontecido por isso também.
Talvez Deus quis corrigir o apego que vocês estavam tendo àquele objeto. Mas isso
é assim mesmo, todos nós, seres humanos, independentemente da idade, somos
como crianças, engatinhando aos pés do Grande Criador. Entendo você e me
preocupo com o que aconteceu. Eu estou dizendo isso mas também sou cheio de
apego, como não? Afinal, quem eu seria sem meu violão, meu microfone e meus
amigos? Ninguém!
- É, acho que você está certo, Sigfredo. Fui uma boba mesmo, mexendo com
esse negócio de bruxaria. Acabei me dando mal. Desculpe por ter zombado da
música de vocês. Mas agora que ficamos juntos, não sei, é apenas um começo, mas
me sinto confiante para continuar tocando a vida. Sinto que estou mais próxima de
Deus agora. Tenho vocês e isso é o que realmente importa. O resto é só o resto.
- Nossa, deixa eu dar uma volta, pois estou sentindo um cheirinho de pombo
apaixonado no ar e eu não gosto de segurar vela! Depois a gente se vê Sigfredo! Ah,
o Cláudio me falou que deu no rádio mais um daqueles “casos de desenhos
misteriosos nas plantações”. Lá perto da fazenda do seu tio agora. O Carlinhos,
que ficou fora do ar esse tempo todo, ficou dizendo que sabia que eles viriam!
- E- ele não ficou agressivo ou com medo?
- Não ele está muito bem agora.
- Acho que naquela época ele não conseguia controlar o fluxo de emoções
dentro dele.
- As emoções brincam com a gente o tempo todo, Sigfredo. Se a gente não se
cuidar, fica mal mesmo. Mas fica aí agora, aproveita seu momento, amanhã a
gente conversa.
- Ok, precisamos depois ir ver esse novo desenho que apareceu.
- OK. Falou Anita. Falou Sigfredo!
Mouse disse isso, recolheu a bandeja do chocolate que haviam comido
enquanto conversavam, fechou a porta e saiu.
Sigfredo voltou a se aconchegar no colo de Anita, naquele momento único e
também eterno, que marcaria sua vida.
***
No dia seguinte os integrantes do grupo NEW SMURFS foram de bicicleta
até a fazenda do tio de Sigfredo, que naquela manhã tinha um largo sorriso
estampado no rosto sardento.
- Estou pensando em acrescentar novos efeitos na nossa música,
aproveitando o teclado da Anita.
- Sei. Pombinho quer colocar a namorada na banda, né? – cutucou Mouse,
que havia sido dispensado do trabalho naquela manhã.
Carlinhos e Cláudio olharam surpresos para Sigfredo e Mouse e
pergutaram:
- Namoradinha?
- Sigfredo e Anita, nova dupla romântica!
Cláudio olhou contente para Sigfredo e continuou procurando algo no
celular e Carlinhos fez uma expressão estranha, sentisse ciúmes, mas os quatro
garotos não tiveram chances de pensar muito nisso, pois nesse exato momento
chegaram ao buraco na plantação do qual Mouse havia falado.
Um homem, um boneco com formato humanóide. A princípio não dava
para entender direito do que se tratava, aquele monte de mato descampado, mas
Cláudio pediu para que Carlinhos e Mouse seguissem a formação num sentido
enquanto ele, Sigfredo e Anita seguiam em outro sentido, percorrendo o perímetro
do desenho. E então, enquanto circulavam a clareira formada pelo mato
descampado, puderam perceber o desenho formado, uma figura humanóide, com
cabeça, tronco e membros.
- Sigfredo, Cláudio, eu estou com medo- comentou Anita.
- Realmente, Anita, a coisa é muito estranha.
Sigfredo abraçou Anita e então olhou para Cláudio e percebeu nesse
momento que no meio da clareira havia um objeto.
- Vejam!
Cláudio entrou no meio da clareira e Sigfredo foi atrás. Encontraram uma
espécie de cristal, parecido com o do aparelho do grupo de Anita, só que esse era
maior e por dentro continha um desenho leitoso em três dimensões de um belo
pássaro.
- Uma fênix? Comentou Cláudio.
- O que isso significa? Perguntou Anita. – Será que os aliens também
trabalham com regulagem de auras?
- Não sei, Anita, eu não sei... Respondeu Cláudio, passando a mão no
queixo, profundamente compenetrado. – Mas isso tudo está muito estranho. Por
que cargas d’água foram escolher Jardim Dourado?
- Eles costumam escolher cidades terráqueas pequenas, para não causar
pânico entre a população ou então para ter mais espaço para manobrarem suas
espaçonaves – Carlinhos comentou. – Eu sempre soube que eles iriam começar a
aparecer, mais cedo ou mais tarde.
- Você tem tomado seus remédios Carlinhos? Cláudio perguntou.
- Sim, eu tenho sim. Na época em que eu fiquei internado, minha percepção
estava alterada e eu não sabia o que estava falando, confundi tudo. Mas, Cláudio,
eu já li muita coisa sobre esses aliens malditos, eles estão entre nós faz tempo e
alguns são bons, outros não, só querem nos prejudicar!
Um calafrio passou pelo corpo de Sigfredo e pelo visto pelos outros quatro
também. Cláudio ficou analisando o cristal com a mão no parada no queixo,
olhando tudo ao redor e Anita procurava se aninhar sob os braços de Sigfredo,
com uma expressão confusa e nervosa.
- Acho que é melhor a gente ir embora!
- Concordo, Anita. Por que não vamos ver seu novo equipamento, Mouse?
- Só se me pagarem aluguel, comentou Mouse.
- Você que vai ter que pagar aluguel por ouvir minha voz!
- Essa voz de taquara? Mas nem de graça.
A turma dava risadas enquanto caminhava em direção ao novo estúdio do
Mouse. Lá chegando, Sigfredo pôde, pela primeira vez, desfrutar de um
equipamento profissional. Mesas de gravação com vários canais, ele estava
fascinado! Tirou alguns versos do bolso e começou a cantar, enquanto Mouse
corria para bater nos pratos de sua bateria, levado pelos acordes recém
improvisados que Carlinhos estava executando. Continuaram nesse ritmo,
Sigfredo e Cláudio compunham juntos de vez em quando e os arranjos eram feitos
duas ou três vezes por semana no novo estúdio. Dentro de uns dois meses, estavam
com um disco pronto. Nessa época, Alberto trouxe para Jardim Dourado amigos
importantes da capital que gostaram de uma das músicas criada pelos garotos e
resolveram leva-la de uma pessoa para ser executada numa rádio da cidade.
Semanas depois Sigfredo recebeu um e-mail de uma pessoa em Belo
Horizonte que dizia ser sua fã, ela dizia que havia escutado sua música na rádio e
queria que eles tocassem numa festa que iria dar.
- Estamos famosos ! Sigfredo comentou com Mouse e Cláudio.
- Ainda não, Sigfredo, mas quase.
Era uma alegria receber uma notícia daquelas, uma calmaria em meio às
tempestades da vida.
E então o tempo passou... E os garotos do NEW SMURFS cresceram e o
sucesso que eles conquistaram também. E Sigfredo tornou-se um homem bom,
forte e sadio, que numa certa tarde ensolarada de domingo resolveu sentar em sua
cadeira de praia para reviver os últimos anos.
12. ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?
Sigfredo chegou em casa mas não conseguiu dormir. Pensava a respeito da
visão que teve no cemitério e também no desaparecimento do Cláudio. No dia
seguinte teriam ensaio da banda, mas o Cláudio não apareceu.
- O Cláudio nunca faltou a nenhum ensaio.
- Realmente, Sigfredo, mas não se esqueça que o Cláudio é um homem
adulto, logo ele dá notícia. – Carlinhos comentou. Ele agora estava muito bem,
estava namorando e morando com uma moça havia alguns meses.
- Ele deve estar com alguma mulher, tirando os atrasos! – Mouse disse.
- Tu-tudo bem. Podemos ensaiar sem o contrabaixo. – Sigfredo resolveu
ensaiar, apesar da ausência de Cláudio.
Eles fizeram o ensaio, mas a música não havia fluído muito bem naquela
manhã. Ao final do ensaio, Carlinhos propôs um passeio à casa dos seus pais, na
roça. Anita e Mouse se animaram com a idéia e Sigfredo, apesar de preocupado
com Cláudio, resolveu que iria ao passeio também. Algo lhe dizia que Cláudio
estava bem, mas mesmo assim ele gostaria de saber onde o amigo estava.
As duas horas da tarde, os quatro amigos se reuniram no estúdio e foram de
carro para as terras de Carlos Antônio. Ao chegarem, os quatro comeram um
delicioso bolo integral com pêssegos, preparado por tia Helena.
- Que delícia tia Helena, eu estava com saudades daqui.
- Eu também senti saudades de vocês, filho. Tem um tempão que vocês não
vêm nos visitar. Onde está o Cláudio?
- Entrou para o catálogo das crianças desaparecidas. - Mouse comentou,
com a boca suja de cobertura de bolo.
- Crianças desaparecidas? Como assim? – tia Helena arregalou os olhos.
- Para de fazer gracinha, Rodrigo! Anita repreendeu o primo. – O Cláudio
sumiu tia Helena. Estava sem dar notícias até o momento em que nós saímos de
Jardim Dourado. Estamos tranqüilos por enquanto, porque imaginamos que ele
está por perto, resolvendo algum problema pessoal. Mas se ele não der nenhuma
notícia precisaremos tomar uma atitude mais séria.
- Ele vai aparecer. Tia Helena fez uma daquelas previsões otimistas que ela
costumava fazer e acertar. – Fiquem tranqüilos.
Sigfredo confiava na intuição de tia Helena e fez o que ela sugeriu, ficou
tranqüilo. Ele estava pensativo quando Carlinhos o despertou:
- Vamos brincar na cachoeira? Ele havia pego umas câmaras de ar de pneu
de trator que Carlos Antônio guardava no depósito – Que tal um bóia-cross?
Nada melhor para desanuviar tantas tensões. Um belo e largo rio, cheio de
corredeiras deliciosas, cortava a propriedade de Carlos Antônio e havia ali
também uma cachoeira grande e bonita. Os quatro pegaram as câmaras de ar,
uma bomba de encher pneu e roupas de banho. Desceram trilha abaixo, em
direção ao rio. Passaram a tarde toda brincando de bóia-cross e na subida de volta
para a casa dos pais de Carlinhos foram interrompidos por uma expressão de
espanto vinda de Carlinhos que apontava para a mata na sua frente:
- Sigfredo! Mouse! Marcas estranhas na clareira de novo!
Dessa vez, um novo desenho havia sido formado no mato recém-arrancado.
Uma seta, perfeitamente desenhada, que apontava para o norte.
- Ai, meu Deus. É o Cláudio quem entende dessas coisas! E já faz tanto
tempo desde a última vez... O que é que esses caras querem?
- Ca-calma, Carlinhos. – Sigfredo se preocupava com o estado emocional do
amigo, principalmente diante de fatos tão confusos.
- Calma nada Sigfredo! Cadê o Mouse?
A noite começava a cair. Sigfredo olhou para trás, para a trilha a qual
tinham acabado de subir e só viu uma mata fechada começando a ficar bastante
escura.
Então Anita gritou:
- Rodrigo, para de brincadeira agora!
- Será que ele esqueceu alguma coisa lá em baixo?
Sigfredo terminou de copiar o desenho da clareira em um caderninho de
anotações que tinha consigo e propôs:
- Vamos voltar para procurá-lo. Uma trilha como essa é muito perigosa a
essa hora.
- Ainda bem que eu tenho lanterna – comentou Carlinhos.
- A-ainda bem. – Sigfredo estava novamente se vendo em uma daquelas
situações em que era obrigado a tomar decisões rápidas em meio a estranhos
acontecimentos. Primeiro o desaparecimento do Cláudio, depois as estranhas
marcas aparecendo nas matas e agora o Mouse resolveu lhes aplicar uma peça?!
Mas justo agora?
Os três desceram a trilha, bem juntos e gritando o Mouse.
- Mouse! Mooooooooouse!
Mas não havia resposta.
- Eu estou com medo, Sigfredo – Anita comentou.
- Eu também.
- Vou voltar para chamar o meu pai – Carlinhos disse.
- Não! É melhor a gente permanecer junto. Vamos descer a trilha mais um
pouco.
Nesse momento um forte vento começou a soprar. O frio aumentou e os três
andavam bem juntos, para se aquecerem, quando um clarão muito forte iluminou
o céu sobre a mata para a qual se dirigiam.
- Um carro? Anita perguntou.
- Nã-ão. Com certeza não é um carro. As luzes tinham um tom violeta claro.
Sigfredo nunca tinha visto um carro que emitisse uma luz como aquela, e não
passavam carros naquela trilha.
Era estranho e assustador, mas bonito ao mesmo tempo e algo dizia a
Sigfredo que finalmente ali ele encontraria respostas para muitas coisas.
- Deve ser o Mouse, com algum de seus truques – comentou Anita.
Nesse momento a luz ficou ainda mais forte, quase cegando os três amigos,
mas então diminuiu e ficou bem tênue. Por mais estranha que fosse aquela
situação, depois do clarão o medo desapareceu completamente do coração de
Sigfredo e sem necessidade de palavras ele soube que Anita e Carlinhos também
estavam em paz. Eles continuaram andando, agora com passos firmes, em direção
àquela luz que saía de dentro da mata.
- Mouse! Mouse! – os três continuaram chamando.
De repente as árvores da mata começaram a se mexer, tremer, e Sigfredo
que estava à frente do grupo notou que um vulto estava saindo dali. Graças a Deus,
o Rodrigo iria aparecer! Mas...
Não era o Mouse, mas o Cláudio!
- Cláudio?! – todos estavam chocados mais uma vez.
O amigo parecia estar mais alto. Ele tinha uma expressão serena e tranqüila
no rosto. Seus cabelos estavam cuidadosamente penteados e ele vestia uma
inusitada túnica comprida de linho azul marinho.
- Cláudio, é você mesmo? Que roupas são essas? Como é que veio parar
aqui? – Felicidade e espanto se misturavam nos rostos da turma – Onde está o
Mouse?
- O Rodrigo está bem, fiquem calmos. Daqui a pouco vocês entenderão tudo.
Está tudo bem agora, certo? Por favor, venham comigo.
Os três seguiram Cláudio em direção às luzes da mata. Entraram na mata,
seguindo aquele novo Cláudio. Ele sempre foi equilibrado, mas agora está com uma
serenidade tocante.
- Desculpem o meu desaparecimento. Eu estava caminhando em direção à
minha casa, dois dias atrás, quando eles me pegaram. Mas venham comigo, vocês
já vão entender tudo. E o Rodrigo está aqui também.
Sigfredo mal podia acreditar em tudo que estava vendo. O surgimento
repentino do Cláudio com aquelas estranhas roupas já não tinha sido
suficientemente espantador? Mas o que ele via agora era ainda pior. Ele estava se
sentindo como o protagonista de um filme de ficção científica, mas aquilo era bem
real!
Diante de Sigfredo surgiu uma esfera de luz violeta muito intensa, com
feixes de luz multicoloridos circundando uma esfera central. No início ele não
conseguiu ver direito, via somente uma grande luz e a túnica de Cláudio os
guiando em direção a luz, mas então com a proximidade, a luz diminuiu e Sigfredo
pode enxergar melhor a esfera.
Tinha uns dez ou doze metros de diâmetro, parecia ser de vidro e flutuava
sobre as águas do rio. Por fora, percebia-se uma espécie de painel de controle, mas
era tudo muito simples, com mais luz do que engrenagens.
- Meu Deus! – exclamou Carlinhos – Eu sempre soube!
- Caramba! – falou Anita, enquanto olhava atentamente para a estrutura
que parecia ser alienígena.
Sigfredo viu Cláudio se aproximar do rio e entoar uma espécie de cântico
numa língua estranha e arcaica que parecia Tupi-Guarani. Onde é que ele
aprendeu isso??
Ao comando da voz de Cláudio, a espaçonave começou a brilhar com mais
intensidade e de dentro da esfera cristalina, sem que nenhuma porta fosse aberta
um grande vulto se pronunciou. Não era Cláudio dessa vez. Conforme se
aproximava, as feições do ser iam ficando mais visíveis. Um alienígena!
Por mais bizarra que fosse aquela situação, Sigfredo não conseguia sentir
medo, só uma sensação de familiaridade, aconchego e reencontro. Carlinhos e
Anita também permaneciam serenos. Cláudio fez uma reverência muito respeitosa
para o ser que se aproximava.
Ele era magro e muito alto, tinha quase 2 metros de altura. Era dono de um
rosto muito claro, com traços muito delicados e feições quase inexistentes. Seu
nariz era fino, a boca suave e o olhos de um azul bem profundo, levemente
puxados. E ele parecia não ter pálpebras.
Ele (ou seria ela?) tinha longos cabelos louro-prateados, ralíssimos e bem
lisos, que batiam nos ombros. Vestia uma túnica reta e simples, muito parecida
com a que Cláudio vestia, mas de cor violeta. Era uma roupa bonita e oponente.
Sigfredo olhou para Anita, que tinha os olhos fixos na criatura que se
aproximava. Na mata fazia um silêncio formidável e os quatro estavam paralisados
ali na beira do rio.
- Por que é que eu não trouxe máquina fotográfica?
Aquelas palavras haviam mesmo saído da boca de Anita ou foram apenas
pensamentos compartilhados diante de uma experiência tão maravilhosa?
Conforme a criatura se aproximava, aumentava dentro de Sigfredo, e de seus
amigos, ele imaginou, a sensação de paz, tranqüilidade, confiança e amor. Era
como se ele não precisasse falar mais nada e era como se todos seus problemas
estivessem resolvidos.
O ser estava agora bem na frente dos três amigos surpresos e uma voz
intensa e bonita falou diretamente na cabeça deles:
- Olá, amigos. Meu nome é Ashtar. Como estão?
- Be-bem.
- Oi.
- Agora melhor!
- Vocês querem entrar no meu veículo? – o alienígena perguntou.
Os três se entreolharam e disseram ao mesmo tempo:
- Sim!
- Essa esfera parece ser muito confortável. Ah, e além disso o Mouse está lá
dentro – disse Carlinhos.
Sigfredo, Carlinhos e Anita caminharam em direção ao rio, e apoiando-se
uns nos outros, guiados pelo ser, andaram pelo rio, que era bem raso naquele
ponto, até o local onde a esfera flutuava sobre as águas.
- Molhem suas cabeças, por favor – pediu Ashtar.
Os três obedeceram e então Ashtar fez um barulho, uma espécie de assobio
ou grito de guerra indígena, um comando que fez a luz da esfera aumentar e se
intensificar e no segundo seguinte todos estavam dentro da nave.
Aquilo era incrível! Eles podiam ver o cenário à sua volta: podiam ver a
água do rio correndo poucos metros abaixo de seus pés. O chão era mesmo de algo
semelhante a vidro e a estrutura esférica tinha cerca de 10 metros de diâmetro.
Os amigos entraram primeiro no que parecia ser uma cabine de comando.
Havia outros compartimentos internos na nave e Sigfredo queria saber onde estava
o Mouse, provavelmente dentro de algum dos compartimentos internos. Na parte
em que estavam, havia um grande cristal azul marinho, um mineral que parecia
não ser do planeta Terra. Naquela espécie de cabine de comando interestelar, o ser
cantarolou umas estranhas notas e surgiram estruturas de um material com
consistência de silicone.
- Por favor, sentem-se.
Sigfredo, Anita e Carlinhos encontraram Cláudio e os quatro sentaram-se.
Sigfredo, sabe-se lá porque, sentia-se em casa. Ashtar começou a falar:
- Peço desculpas se os assustei. Minha intenção não era essa.
- Não tem problema.
-Obrigado, Sigfredo.
- Co-como como sabe meu nome? Sigfredo estava apreensivo.
- Nós sabemos de muita coisa sobre vocês seres humanos, e eu
particularmente acompanho você e seu grupo, Sigfredo, e já faz algum tempo. Sou
Ashtar, comandante de uma frota estelar oriunda de uma constelação muito
distante, chamada Órion.
Cláudio sorriu para Sigfredo nesse momento. Seria ele um ser de uma estrela
de segunda grandeza?
- Estamos há algumas décadas nos aproximando do planeta Terra. Algumas
pessoas já nos conhecem e sabem que nós estamos atuando na preparação do
planeta e de seus habitantes para a grande transformação que está prestes a
acontecer.
- O evento cataclísmico de 2012? – perguntou Sigfredo.
- Sim. Algo importante acontecerá com vocês nessa data. Precisam se
preparar, terráqueos.
- E por que eu deveria confiar em você, um ser que vem de tão longe?
Carlinhos perguntou desconfiado.
- Carlinhos, há um tempo atrás você teve um problema psíquico.
- Sim.
- Você chegou a falar sobre seres de outros planetas quando ficou doente,
mas você tinha na época a clareza que tem nesse momento? Como se sente hoje?
- Estou ótimo.
- Que bom, amigo. Naquela ocasião você usou substâncias perigosas para
um adolescente com a idade que tinha e dessa forma você permitiu que seres de
baixa vibração, espíritos maléficos, se aproximassem de você e com isso seu campo
energético ficou muito abalado.
- O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso? – pediu Cláudio.
- Poupe-me de formalidades, Cláudio, já não conversamos sobre isso? Posso
falar mais sim. Querem dar uma volta enquanto escutam?
Os quatro vibraram de alegria:
- Sim!!!
- Mas espera aí, onde é que está o meu primo? Anita perguntou.
- Ele está em um dos compartimentos da nave e está bem Anita, conversei
com ele agora a pouco. Logo ele deve aparecer.
- Ah, assim sim. Uma expressão de alívio apareceu em seu rosto.
Ashtar cantarolou mais uma vez e então a nave subiu. Um frio delicioso
percorreu a espinha de Sigfredo e ele e seus amigos podiam agora ver as luzes da
cidade pequenininhas, lá embaixo. A nave subiu rapidamente e então se estabilizou
a uma altura de sete ou oito metros.
Ashtar continuou:
- O sentido da vida é evoluir. A vida é bem mais do que esse período em que
vocês habitam o corpo. É preciso que entendam que na escala evolutiva espiritual
existem inúmeros seres acima e abaixo de vocês, seres humanos. O Carlinhos na
verdade foi assediado por Grays, é o nome que damos a alguns espíritos inferiores
que moram nas entranhas do seu planeta. Eles são seres sôfregos, que fogem da luz
do sol, fogem de trabalho e do compromisso que o Mestre Jesus lhes deixou aqui
na Terra – o compromisso de amar ao próximo como a si mesmo e trabalhar.
Vocês seres humanos são uma espécie muito especial, uma espécie a qual foi dada a
consciência e o livre arbítrio, uma espécie que está aprendendo a amar,
aprendendo a exercer a lei básica do universo.
Sigfredo e seus amigos escutavam tudo atentamente. Ashtar prosseguiu:
- Os gray infelizmente ainda não têm consciência do amor. Eles invejam
vocês seres humanos e posição que ocupam aqui na Terra. Sentem inveja e querem
que vocês humanos sofram e se confundam. Quando podem e quando encontram
passagem, que é dada através de pensamentos negativos, eles gostam de se
aproximar de vocês e contar mentiras, confundir as suas cabeças. Durante a
doença, Carlinhos via esses seres e acreditava nas mentiras que eles contavam e
então reagia com violência porque tinha medo. Mas graças ao amor de vocês, os
amigos de Carlinhos, graças à força que deram Carlinhos hoje é uma pessoa feliz,
livre e em paz, saudável e que simplesmente não acredita mais nos gray ou em
quaisquer outro ser semelhante que dele se aproxime. Estou certo, Carlinhos?
A criatura se movia com graciosidade e leveza memoráveis.
- Certinho – Carlinhos respondeu. – Só não sabia que eles tinham esse
nome.
- É um dos vários nomes que eles receberam aqui na Terra. Intraterrenos,
chupa-cabras ou obsessores são outros nomes. Mas como eu vos dizia, o sentido do
universo é a evolução. Tudo no Cosmo está em constante mudança e essa mudança
é e sempre será em prol de melhorias. Vosso planeta se encontra em processo de
transformação e seus habitantes também. Nós somos seres feitos de matéria mais
sutil, somos Amor e buscamos aproximação com a Unidade. Assim como vocês, em
seu aspecto mais elevado.
- Como assim? Anita perguntou.
- Assim como vocês humanos são diferentes dos animais, nós somos
diferentes de vocês humanos. Mas nós, assim como vocês também vivemos sob os
desígnios e comandos de Deus, que é a grande Unidade. No passado, nós tivemos
corpos parecidos com os vossos e habitamos sóis mais primitivos como o vosso,
porém evoluímos. Tivemos ajuda em nosso processo evolutivo e agora estamos
aqui para ajudar vocês. O que é preciso que entendam é que o Universo segue um
ritmo, que não se pode mais esperar por nossos filhos que ainda estão presos à
matéria, apegados a vícios e medos antigos. A Terra está mudando e ela vai
acompanhar as mudanças universais, mas vocês a tem respeitado? Tens
preservado sua própria casa? Alguns humanos mais esclarecidos e mais velhos que
vocês já possuem esse conhecimento e têm estado em contato consciente conosco há
algum tempo. São pessoas que estão trabalhando pelo bem do planeta e da
humanidade. Como você viu na televisão, Sigfredo, o planeta Terra passará por
uma grande transformação e em breve. Vocês precisam permanecer atentos. A
Terra não suporta mais as agressões que os humanos fazem com ela. E quem vocês
acham que é mais forte no final? O homem ou o planeta Terra?
- Com certeza a Terra, a Natureza e o Universo. Mesmo que consigamos
destruir o planeta, o universo nós não poderemos destruir. – Cláudio estava
fascinado.
- Exatamente Cláudio. Estão gostando do passeio?
- Muito Ashtar. Anita respondeu.
- Você pode retornar quando quiser senhorita. Basta pedir.
- Muito obrigada.
- Não foi nada. Pois bem, voltando ao assunto, a Terra é mais forte e assim
como vocês quando ficam doentes eliminam os organismos estranhos do
organismo, o planeta agora se encontra doente também e vai expulsar de si o que o
tem prejudicado. É chegada a hora e a Lei é uma só. Escute talentoso Sigfredo,
belo Cláudio, sábia Anita, esperto Carlinhos e divertido Mouse (Mouse tinha
aparecido na sala com um jeito absolutamente diferente. Parecia ter rejuvenescido
e envelhecido ao mesmo tempo). A lei é uma só e se chama Amor. Dentro do amor,
vocês terão tudo o que desejarem e precisarem: tecnologia, organização, respeito
mútuo, vida, tudo. Mas é preciso que sigam a Lei. Não foi a toa que vos foi
permitido construir uma carreira com esse grupo tão querido em vosso país. A
música é um meio poderoso e como todas as tecnologias pode ser usado para o bem
ou para o mal. Usem para o bem. Semeiem o amor através da música, já fazem isso
tão bem... Essa é sua missão. Tenho vos acompanhado há tempos e hoje nos
apresentamos para esclarecer as dúvidas que vêm enfrentando. Desculpe-nos,
nenhum de vocês cinco merecia sofrer mas são humanos vivendo em um mundo
muito difícil, cheio de provações e em processo de transformação. Nós também não
somos perfeitos, somos apenas operários da Grande Obra.
- Não tem problema - Sigfredo disse, enquanto percebia que a nave havia
acelerado o vôo e sob seus pés parecia haver milhares de pequenas luzes. “Uma
cidade grande!”.
Ashtar continuou:
- Vêem? Estamos sobrevoando Belo Horizonte agora. Vocês humanos
conseguiram construir muita coisa bonita, mas estamos aqui passando por lugares
onde a Terra adoeceu. Em uma cidade como essa, existem vários “vírus” que
podem até eliminar a humanidade um dia: assassinatos, roubos, vícios, doenças,
poluição, dentre outros males que o planeta já não suporta mais. Gostaria de lhes
explicar alguns fatos misteriosos que têm estados em vossas cabeças nos últimos
anos. As marcas que vocês viram nas superfícies, os desenhos geométricos... são
sinais para outros de nós e para alguns de vocês que já alcançam as altas
freqüências do amor universal. Nem todos os seres humanos têm contato com esses
sinais, que são códigos muito antigos, muito anteriores à vossa civilização, mas
você, Sigfredo, e todos os seus amigos se mostraram dignos de ver esses sinais e de
conhecer e entender o que ainda está por vir. Quando houve aquele acidente com
a Anita, na adolescência, posso dizer que o grupo que ela freqüentava estava
atuando fora das Leis Universais do Amor. Agiam atuados pelo ego negativo, pois
queriam status de poderosos feiticeiros. Não souberam trabalhar corretamente
com as energias e por isso o acidente ocorreu.
Anita olhou para a cicatriz no seu peito e se lamentou por ter sido tão boba.
Ashtar prosseguiu:
- O grupo de vocês foi escolhido pela inocência e amor que os une. Nos
momentos mais difíceis estiveram apoiando uns aos outros. Cláudio havia sido
escolhido e convocado primeiro por sua capacidade de organização e boa
comunicação com o grupo. Mouse estava um pouco adoentado espiritualmente,
pois não conseguia aceitar que o trabalho é necessário para purificar o espírito do
homem, e para que as coisas funcionem. O trabalho existe na Terra e nos demais
mundos superiores ao nosso. No momento em que desapareceu ele era atendido
por uma equipe, que os mostrou vídeos de mundos inferiores onde o trabalho não é
bem visto. Dessa forma ele pode compreender que a estagnação gera doenças e
sentimentos ruins e mudou sua visão. E a visão que Sigfredo teve durante o enterro
de Alberto foi um rápido vislumbre do movimento de um de nossos tranportes. São
cápsulas de éter que nos ajudam nos trabalhos aqui na Terra. Alberto está
conosco, agora visitando uma constelação que abriga um planeta chamado
Shamballa, onde Alberto está vivendo com sua amada Ivone e com seu velho amigo
Rian. Agora peço para se concentrarem, pois iremos viajar para um lugar um
pouco mais distante.
13. PURIFICAÇÃO
- Eu quero sair daqui!
Sigfredo continuava escutando a mensagem do novo e estranho amigo –
Ashtar – e procurava gravar suas palavras em seu coração e mente.
- Nós não iremos demorar, pequeno.
- É...é que meu estômago... Sigfredo olhou para Anita, Carlinhos e Mouse e
os três mantinham a expressão serena firme em seus rostos. Será que só ele sentia
aquela náusea?
- Há outros como você, Ashtar? Cláudio perguntou para o ser e então
Sigfredo notou que haviam pequenas estrelas na túnica azulada do amigo. Será
que eles ganhariam roupas como aquela também?
- Sim, somos um povo, como lhe disse, uma raça intermediária entre vocês e
o infinito. Nosso corpo é composto de um material diferente do vosso, somos
constituídos de éter, uma forma de matéria um pouco mais sutil que a existente
aqui na Terra. Há mais uma tripulante nesse veículo, seu nome é Vanja. E nos
outros mundos há muitos outros como nós.
- Ashtar como é que essa nave funciona? Mouse perguntou, enquanto
alisava a própria roupa e limpava a garganta. Mais tarde Sigfredo saberia que nos
momentos em que Rodrigo desaparecera ele estava com Vanja, uma tripulante da
nave que estivera mostrando mundos inferiores ao Mouse, que contou ter visitado
verdadeiros infernos, (isso em telas que existiam dentro de um dos compartimentos
da nave). Mundos dominados pela súplica, habitados por seres adoecidos que
faziam guerra, estes seres tinham um tempo de vida curto, logo morriam pois não
gostavam de trabalhar e eram muito preguiçosos. Em um dos vídeos Mouse viu
uma raça de seres humanóides canibais, que eram tão preguiçosos que se
alimentavam dos próprios filhotes. Um choque. Depois disso, nos anos que viriam
Mouse se dedicaria com muito mais intensidade a seus estudos de bateria e até
abriu um negócio de sucesso no ramo de equipamentos de som.
- Posso dizer que nosso veículo é composto por fótons. Fótons são
pequeníssimas partículas de luz que combinadas na quantidade e freqüência certa
podem se condensar e responder à comandos mentais que damos . Fazemos
algumas coisas que ainda são de difícil compreensão para vocês, terráqueos. Um
lugar de luz intensa tem uma quantidade maior de fótons, mas essa luz a que estou
me referindo responde também aos pensamentos, portanto quanto mais tranqüilo
e em paz estiverem os pensamentos do ambiente, mais fácil será a nossa
comunicação.
- Por isso escolheram Jardim Dourado?
- Sim Anita. Um lugar de natureza preservada, como Jardim Dourado é um
lugar energeticamente mais puro. Nossa comunicação pode acontecer de maneira
fluida nesses lugares. É mais fácil para nós estar num lugar assim, mas as vezes
também trabalhamos no resgate de almas que estão aprisionadas em mundos
inferiores ao vosso, mundos como os que Mouse conheceu no vídeo. Ali é um local
um pouco mais difícil de se levar a consciência divina, porque aqueles seres de lá
tem menos faculdades mentais. São primitivos, e apesar do trabalho que fazemos e
de tudo que ensinamos, os seres destes mundos esquecem tudo muito rápido e
repetem sempre os mesmos erros, constantemente. Poucos seres evoluíram nesses
mundos e muitos deles já deixaram de existir. A terra é um mundo intermediário,
em fase de preparação para os eventos cósmicos que estão por acontecer. Muitos
de vocês já estão atentos, muitos estão se preparando, pedindo para viver sob as
leis do Amor.
A criatura se movia com uma graça indescritível. Sigfredo sentia vontade de
chorar só de escutar aquela voz. Mas não era um choro de tristeza, e sim um choro
bom, de limpeza no coração. Como se escutasse os pensamentos de Sigfredo,
Ashtar o olhou nos olhos com amor e disse:
- Quero lhe mostrar uma coisa, Sigfredo. Venha comigo.
Sigfredo e seus amigos se levantaram e seguiram Ashtar pelo
compartimento principal da nave até que Ashtar parou de frente para um dos
compartimentos secundários e entoou uma daquelas belas e misteriosas canções.
Uma luz mais forte que a ambiente se acendeu e a porta se abriu.
- Venham.
Os cinco entraram no compartimento. Era uma sala simples, de onde
também se sentia uma sensação de estar numa sala de espelhos. Mas haviam várias
telas nesse ambiente e uma mulher no centro do compartimento. Ela usava uma
roupa como a de Cláudio, porém com mais estrelas. Era magra também, tinha os
cabelos ralos e prateados e um rosto bem jovem e bonito.
- Como vai, Vanja? Ashtar a cumprimentou – Poderia localizar Shamballa
nas telas e o espírito que outrora se chamou Alberto?
“Ele vai nos mostrar o Alberto!”
- Posso sim – A jovem respondeu e então começou a entoar alguns cânticos e
operar alguns botões existentes próximos das telas. A luz principal do
compartimento diminuiu e as telas se acenderam. Vanja explicou que os
terráqueos precisariam trocar de roupas, iriam vestir uma roupa como a que
Cláudio e Mouse usavam, então Ashtar trouxe as túnicas e Sigfredo, Carlinhos e
Anita as vestiram.
Ashtar explicou:
-Não vou levá-los em corpo físico a outros mundos, vocês não suportariam e
vossos corpos são pesados demais, mas podemos levá-los em corpo astral, ou seja,
conduziremos o espírito de vocês até as esferas elevadas e as roupas especiais
ajudarão a preservar os vossos corpos.
- I-isso não pode ser perigoso?
- É claro que não. Está com medo?
- Não.
- Estamos preocupados com o Carlinhos, na verdade, não sei se a mente dele
suportaria a experiência, Ashtar! Cláudio interveio.
- Ele pode escolher. A viagem não lhe fará mal.
- Quero ir sim, senhor! Carlinhos respondeu.
- Não se preocupe, estaremos juntos o tempo inteiro e Carlinhos já está
curado, nada vai lhe acontecer.
O coração de Sigfredo ficou radiante com o que estava vendo.
- Vamos ver o Alberto novamente, Anita!
- Parece que sim.
- Você está bem?
- Sim.
Os dois se beijaram e olharam para Ashtar. Ele parecia ainda maior. De
repente uma música clássica começou a sair da tela da nave e algumas imagens
foram se formando. As imagens mostravam um mundo que parecia ser feito de
cristal, cheio de castelos transparentes, de vidro ou gelo e ao redor desses castelos
várias cachoeiras e penhascos.
Os cinco amigos estavam agora voando de uma maneira mágica sobre os
penhascos que tinham castelos de cristal e Ashtar sobrevoava com eles. Os corpos,
na verdade encontravam-se dentro do veículo espacial, mas os cinco viam as
mesmas imagens e sentiam as mesmas sensações.
- Estamos em Shamaballa, o mundo dos espíritos da música.
- Como é lindo! Anita disse.
Ashtar conduziu os cinco visitantes até um dos castelos de vidro. Desceram
até um salão e Sigfredo percebeu que lá embaixo, haviam vários andares e dentro
do castelo ele avistou uma coleção de harpas gigantes. Havia um suave som de
água caindo e mais acima notas de uma harpa eram tocadas. A água tinha uma cor
diferente, meio violeta.
Eles então pousaram em um dos penhascos de frente a imensa porta de um
dos castelos. Entraram em um saguão imenso onde havia uma harpa gigante que
tocava sozinha. Por detrás dessa harpa surge uma surpresa: Alberto, agora uns
trinta anos mais moço e vestindo uma túnica branca e grossa e exibindo um largo
sorriso no rosto.
Sigfredo sentiu que Alberto cumprimentava Ashtar e então o velho mestre
veio falar com ele.
- Sigfredo! Anita! Meu Deus, que alegria! Cláudio, Carlinhos e Mouse,
meus alunos preferidos! Esperem aí... Vocês? Aqui? Não me digam que... Não me
digam que já fizeram passagem para o mundo espiritual?!
- Não, nós estamos apenas sonhando, Alberto! disse Cláudio enquanto o
abraçava.
Sigfredo estava emocionado.
- Alberto. Conte-nos como é sua vida aqui.
- Filho... pupilo querido! Depois que faleci passei um tempo em um planeta
intermediário, alguns seres vieram me buscar e me explicaram que meu corpo
havia morrido, mas que eu ainda viveria. Como eu já tinha algum conhecimento
em vida terrena, tudo foi mais fácil de aceitar. Fiquei pouquíssimo tempo nesse
mundo intermediário, apenas limpando um pouco mais o espírito. Pedi para ver
Ivone e Rian, depois de um tempo, queria saber se era possível vê-los e graças ao
histórico da minha vida de caridade na Terra, me mandaram para cá, que é um
mundo mais evoluído.
Os contornos de um ser feminino começaram a se formar por trás da harpa
próxima de Alberto e uma mulher surgiu. Todos imaginaram que era Ivone.
Sigfredo só conseguia pensar que tudo aquilo que falavam sobre outros mundos
era real!
- Ivone e Rian também estavam aqui, antes de mim. Foi um reencontro
maravilhoso. Aqui é um mundo de espíritos bem elevados, os mestres da música.
Existem aprendizes como nós, e os mestres. Eu dou aulas e aprendo também.
Vejam o que estou aprendendo a fazer.
Alberto cantou uma canção antiga e uma pequena esfera de luz se formou
próximo ao seu peito.
- Não é interessante? Podemos fazer várias coisas com isso.
- Onde está o Rian? Perguntou Cláudio.
- Possivelmente no outro castelo onde ele passa a maior parte do tempo. Lá
ficam os mestres de bandolim. Eu também aprendi a tocar. Rian, que está aqui há
mais tempo, viaja levando a inspiração da música a espíritos de vários mundos. Ele
já te visitou algumas vezes, Sigfredo. Ivone e eu passamos mais tempo aqui em
Shamballa. Ensinamos música aqui também, para algumas crianças especiais que
passam algumas temporadas aqui em cima. Ainda estamos nos aperfeiçoando para
também trabalhar em outros mundos, como o Rian.
- Que barato. Sigfredo comentou. – Muito obrigado!
- Precisamos descer agora – Ashtar alertou – Vossos corpos físicos precisam
de cuidados.
- Espere senhor Ashtar! Só mais alguns minutos – pediu Alberto – Sigfredo,
Carlinhos, Anita, Mouse, Cláudio. Eu amo vocês. Amo cada um de vocês, cada um
com seu dom especial. Agradeço por terem me permitido fazer parte dessa
história, sinto muito orgulho dos cinco. Daqui de cima soube do sucesso que o
NEW SMURFS faz no planeta Terra, eu peço: não se esqueçam de nada do que o
senhor Ashtar lhes disse, não se esqueçam dessa experiência, não esqueçam do que
viram e não se esqueçam que estaremos também lá em baixo com vocês, se
souberem como nos acessar! Não esqueçam do que devem fazer no planetinha
agora. Levem a mensagem, gravem músicas inspiradas na beleza de Shamballa e
mantenham sempre esse amor puro que vocês carregam no coração desde que
eram crianças.
Sigfredo sentia toda aquela pureza o inspirando como na primeira vez em
ele se encontrou com Alberto e cantou. Ele estava junto do seu mestre e nenhum
mal poderia lhes atingir.
Uma música bonita começou a tocar e uma forte luz branca dominou a
percepção que Sigfredo e os outros estavam tendo do planeta Shamballa.
- Não se esqueçam.
A música foi ficando mais distante e então estavam todos de volta a seus
corpos, numa clareira seca, próxima da margem do rio da fazenda de Carlinhos.
Estavam secos, seguros, bonitos, dispostos e felizes.
Uma bola de luz violeta diminuía agora no horizonte e uma única frase
ecoava na cabeça dos cinco:
- CONFIEM EM VOCÊS MESMOS!
- Eles nos deixaram com as túnicas! Carlinhos comentou, sereno e exaltado
ao mesmo tempo.
- Vamos subir, precisamos voltar pros nossos afazeres, disse Cláudio.
Mouse comentou, enquanto observava sua roupa nova:
- Temos super-poderes!
- Temos super-poderes! – Sigfredo repetiu, ciente de que agora eles
possuíam o maior poder de todos: o amor de Deus, manifestado em seus corpos e
em seus espíritos.
Sigfredo se virou para Cláudio e perguntou:
- E como foi que você aprendeu tupi-guarani?
- Não era tupi-guarani, e eu não sei direito, mas absorvi um pouco o jeito
que o Ashtar e a Vanja falavam.
- Uau!
13. NOVOS DONS
Sigfredo era um desses homens bonitos e bem sucedidos que levam a vida
numa boa. No auge de seus vinte e cinco anos era uma pessoa a caminho da
realização, que trabalhava e que sabia que ainda tinha muito trabalho pela frente.
Depois da viagem que fizeram, tudo mudou na vida de Sigfredo e seus
amigos. O NEW SMURFS continuaria tocando e gravando e havia ainda muito
que fazer, mas o sucesso do grupo já era consolidado. O sumiço da banda naqueles
últimos dias foi explicado como um recesso dos garotos e eles logo voltaram com a
corda toda.
Carlinhos voltou para a casa dos pais, mas ia todos os dias à cidade ensaiar.
Mouse não parava de falar que queria organizar uma loja musical em
Jardim Dourado. Iria trabalhar muito agora e nunca mais reclamou disso! Vez ou
outra ele mostrava a roupa alienígena para alguém e contava como tinha ganho
força para virar o grande empresário que ele era agora.
Cláudio mantinha o baixo afinado, tocando com o NEW SMURFS.
Finalmente, iria se dedicar à faculdade que sonhava fazer. Ele tinha passado há
alguns anos, mas não pode fazer porque a agenda de viagens da banda estava
muito movimentada. Mas a banda tiraria um tempo das viagens e se dedicaria
agora a produção de novos discos e então Cláudio pode cursar a Medicina
Chinesa, um curso novo, que seria ali em Jardim Dourado mesmo. Ele se sentia
feliz pois dessa maneira poderia continuar o trabalho de cura que o pai dele fazia,
mas com uma nova abordagem, mais holística e voltada para a cura do espírito.
Anita estava grávida, de uma menininha que resolveu chamar de Vanja e só
os cinco sabiam de onde ela tinha tirado esse nome. Era um ser especial que vinha
para o planeta Terra e Anita iria dedicar todo o seu amor a ela, queria que sua