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Interview with Martin Parr.Copyrights : Jornal Publico (Portugal)
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7/17/2019 Quem Disse Que a Fotografia Tinha de Ser Fácil - PÚBLICO
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“Quem disse que a fotografia tinha de ser
fácil ”
SÉRGIO B. GOMES 14/09/2015 - 07:55
Lisboa nunca tinha feito parte da rota de Martin Parr. Até agora. A recém-
inaugurada Barbado Gallery, exclusivamente dedicada à fotografia, escolheu
entrar na obra do fotógrafo britânico com um pé na praia.
É difícil não ver uma fotografia de Martin Parr. Elas entram-nos pelos olhos dentro.
Mesmo na confusão da inauguração daquela que se apresentou como a primeira
exposição individual do fotógrafo britânico em Portugal (não é – expôs em Braga
em 1999). Mas, na verdade, quem entrasse na Barbado Gallery, em Lisboa, durante
a recente apresentação à imprensa ouviria a voz grossa de Parr ao longe, num
sotaque muito cerrado, a sobrepor-se às suas imagens, a confundir-se com elas.
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Parr (e a sua obra) é daqueles fotógrafos capazes de gerar grandes amores e ódios
figadais. Fala alto mesmo que lhe estejam a sussurrar uma pergunta - fala alto, mas
mal mexe os lábios finos. A espaços, nota-se ironia e algum enfado (limitou as
entrevistas em número e em tempo), ainda que no trato imediato demonstre uma
simpatia diplomática. E até uma ou outra ousadia, como quando, no momento de
uma fotografia da praxe, impôs como condição que a fotografada saltasse para o seu
colo. Ou ainda quando, no retrato para um jornal, decidiu fazer uma pose à super-
homem, de pernas abertas e punhos na cintura. É uma excentricidade snob que,
afinal, também marca a sua obra, nomeadamente nas séries sobre as praias que
começaram em meados dos anos 80, com The Last Resort , o seu primeiro grande
projecto a cor. As praias na obra de Martin Parr (Epsom, 1952) são tantas e tão
omnipresentes que dão para fazer um percurso retrospectivo e, a partir daí,
compreender outros caminhos por onde andou. Foi isso que fez João Barbado, ao
escolher com o fotógrafo britânico 25 imagens entre as séries mais antigas até obras
captadas já este ano. E daí resultou A Place in the Sun - Martin Parr’s Beach Photos
1985-2015 (até 11 de Novembro), que mistura fotografias muito conhecidas (e
esgotadas no mercado coleccionista) com obras pouco vistas. Certo é que todas
tiveram o mesmo cuidado com os pormenores, na parede e fora dela – Barbado
andou num corropio a borrifar a galeria com um frasco de fragâncias estivais.
Conversa numa manhã de calor abafado com cheiro a bronzeador.
Porque é que decidiu concentrar-se nas praias para apresentar a sua
primeira exposição individual em Portugal que é, ao mesmo tempo,
uma pequena retrospectiva da sua obra? O que é que o fascina tanto
nestes lugares?
Esta não é a minha primeira exposição individual em Portugal. Já fiz uma exposição
em Braga. Mas é a primeira em Lisboa que, de todas as capitais da Europa e por
razões insondáveis, era a única onde ainda não tinha mostrado o meu trabalho. As
praias têm sido para mim um tema recorrente. Exploro-as de maneiras diferentes.
São como um laboratório social. Quando começo a fotografar num qualquer lugar
do mundo o meu ponto de partida são as praias. Acho que são uma óptima maneirade começar a olhar para um lugar. Há tantas e tão diferentes que nunca é
aborrecido. É um projecto em permanente construção.
Mal chega a um lugar começa logo a procurar a costa, é isso?
Não, nem sempre. Hoje, por exemplo, está um dia quente mas só poderia ir
fotografar às oito da manhã, quando não há ninguém. E isso não me interessa. É
preciso tempo e eu estou aqui numa visita rápida.
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As suas fotografias estão sempre cheias de pessoas.
Adoro fotografar pessoas. Somos infinitamente fascinantes.
Fotografar na praia pode ser um exercício arriscado? Como tem lidado
com isso?
Tornou-se mais arriscado recentemente. Há 30 anos a noção de pedofilia, por
exemplo, não estava no pensamento das pessoas. É mais difícil hoje, sem dúvida.
Mas fala com as pessoas antes de as fotografar?
Não tenho nenhum método estipulado. Mas também falo com as pessoas,
provavelmente até mais noutras situações do que na praia. Não sou purista quanto a
isso nem tenho nada contra falar antes de fotografar. O problema é que trabalho
muito em países estrangeiros onde não domino a língua. Por vezes, tenho um
assistente local que traduz e isso simplifica as coisas.
E como reagem à presença de umdesconhecido com uma câmara?
Em geral, as pessoas sentem-se
lisonjeadas por estarem a ser
fotografadas. Diria que uma em cada
quatro é capaz de rejeitar. Haverá
sempre pessoas a dizer “não, não me
tire fotografias”. Mas essas são fáceis de
(http://imagens1.publico.pt/imagens.aspx/977181?tp=UH&db=IMAGENS)
Mar del Plata, Argentina, 2014. Da série Life’s a Beach © MARTIN PARR/BARBADO/MAGNUM
"As praias [...] são como um
laboratório social. Quando começo a
fotografar num qualquer lugar do
mundo o meu ponto de partida são
as praias."
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descobrir. Normalmente vêm ter comigo muito aborrecidas. Como disse, são uma
minoria. Mas quem disse que a fotografia tinha de ser fácil? Gosto do facto de não
ser fácil.
Fale-nos das principais diferenças entre fotografar a praia em meados
dos anos 80 e agora.
Bem, a moda mudou, mas provavelmente muito menos do que a mudança que
ocorreu com os centros comerciais. Na verdade, as praias são eternas. O mobiliário
e as lojas podem ter mudado um pouco. Os bikinis estão diferentes e as pessoas têmmais estilo, mas a maior parte das coisas não mudou nada.
Já fotografou nalguma praia em Portugal?
Não, nunca. Já estive aqui algumas vezes mas nunca fotografei a sério. Tenho noção
disso e é algo que gostava de corrigir. Estou à espera de ter a oportunidade certa
para fazer “o” trabalho de fotografia aqui e mostrá-lo depois. Acho que estou a
aproximar-me do meu ponto cego em relação ao resto da Europa.
O turismo global, o exibicionismo, o kitsch e o consumismo são algunsdos temas recorrentes na sua obra. A praia é o lugar ideal para
encontrar num só lugar todo este universo?
Sim, as praias têm tudo a ver com o lazer. Gosto de ver as pessoas enquanto
procuram esse estado de descontracção. Há muitos anos que ando a olhar para as
praias e o turismo, são assuntos que têm estado sempre presentes na minha
carreira, embora tenham sido objecto de diferentes capítulos, livros e aproximações.
Diria que a busca do lazer pelo mundo Ocidental é a minha maior motivação
fotográfica.
(http://imagens2.publico.pt/imagens.aspx/977182?tp=UH&db=IMAGENS)
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E o consumismo?
Também, claro. O consumismo é uma actividade do lazer. Tive uma fase, nos anos
80 e 90, em que fotografei muitos supermercados e centros comerciais.
Mas isso chocava-o?
Não, nem por isso. Imagino que num país como Portugal as mudanças têm sido
menos acentuadas. Mas parece-me que, ainda assim, tem havido mudanças. E asmudanças são sempre interessantes. Tento responder àquilo que muda. Parte do
meu trabalho passa por documentar o mundo em que vivemos para que no futuro
possamos olhar para trás e termos algo que recordar. As minhas fotografias dos
anos 80 são muito diferentes das que capto hoje. O mundo mudou muito. É preciso
que o trabalho fotográfico tenha alguma validade documental. Ao olharmos para
estas imagens [na galeria] podemos encontrar boas fotografias. Mas é preciso que
elas documentem o mundo. É isso que lhes dá valor. Se se acrescentar a esse valor
do documental uma boa fotografia, temos um bónus.
A mudança do preto e branco para a cor em meados dos anos 80 está
relacionada com o facto de ter começado a fotografar na praia em
trabalhos como The Last Resort ?
Sim. Na verdade, esse foi o primeiro grande trabalho que fiz a cor. Foi muito
interessante descobrir a praia através da cor.
No texto de apresentação desta exposição Agnès de Gouvion Saint-Cyr
afirma que as suas fotografias lhe fazem lembrar quadros de Pieter
Brueghel (sempre com muitas pessoas e ocupações do quotidiano).Revê-se nesta associação?
Talvez, ainda não li o texto. E também não conheço assim tão bem os quadros de
Brueghel. Mas parece-me uma boa associação. Não sou muito bom a falar de arte.
Sou uma pessoa simples com sentido intuitivo e livre acerca do que está certo ou
errado.
À partida, o ambiente da praia tem
tudo para ser mau para um
fotógrafo: excesso de luz, reflexos,areia, confusão…
Isso para mim parece-me tudo bem!
Mas qual é para si o maior pesadelo enquanto fotografa na praia?
Não haver pessoas suficientes. Praias desertas não têm interesse. Quando ia de
férias para a Escócia as praias costumavam estar todas desertas. Era bom para fazer
caminhadas. Mas tinha de me forçar a fazer férias naqueles lugares porque para
fotografar não havia nada de excitante. Aquilo que quero é fotografar praias cheias
de gente.
Miami, Florida, EUA. 1998. Da série Common Sense, 1995-99 © MARTIN PARR/BARBADO/MAGNUM
"Adoro fotografar pessoas. Somos
infinitamente fascinantes."
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No Reino Unido isso é capaz de ser um pouco difícil…
Não, nem por isso. Num dia quente de Verão as praias enchem depressa. Ao
contrário de Portugal, que tem muitos dias seguidos de calor, o tempo no Reino
Unido é muito imprevisível. Quando há uma ponta de sol toda a gente sai à rua.
É presidente da agência de fotografia Magnum desde o ano passado e
membro efectivo há mais de 25. O que o levou a aceitar agora a
liderança da cooperativa?
Não havia mais ninguém para o fazer! É um cargo que tem de ser desempenhadopor um fotógrafo da cooperativa e na última reunião percebi que não havia
candidatos. Achei que podia desempenhá-lo e avancei. Nomeamos um CEO muito
dinâmico que vai ajudar-nos a implementar uma gestão mais empresarial. As
mudanças no mercado da fotografia e no mundo editorial são enormes. Ao contrário
de muitas agências, felizmente na Magnum temos a cultura e o engenho para seguir
em frente, mas temos enfrentado tempos difíceis. Temos que nos adaptar às novas
formas de consumir fotografia.
Acha que os moldes em que funciona a agência ainda fazem sentidohoje?
Da maneira como funcionava antes, não, seria redundante. Temos de mudar. Por
exemplo, estamos a trabalhar num canal business-to-customer [empresa produtora
ou vendedora negoceia com o consumidor final], queremos continuar a apostar na
venda de cópias originais de fotógrafos da agência - que tem sido um sucesso -, em
projectos de grupo e em parcerias. Temos de procurar formas de nos tornarmos
mais sustentáveis. Isso é um desafio meu e do actual quadro de gestão.
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A conta de Instagram da Magnum tem quase meio milhão de
seguidores…
A sério? Não sabia.
Costuma acompanhar o que lá se publica? Como olha para este
universo?
Gosto do Instagram, mas pessoalmente não contribuo nem sigo o que a Magnum lá
publica.
Tem alguma conta pessoal?
Não. Só tenho uma página de Facebook que alguém gere por mim. Sabe, sou uma
pessoa um bocado antiquada. E, por outro lado, estou sempre sobrecarregado compedidos de toda a natureza. Mal consigo sobreviver. Por isso fico contente que a
Magnum faça posts no Instagram por mim. O meu sentimento em relação aos
media sociais é de indulgência. Tenho um site muito completo, actualizado e com
muita informação. Invisto muito nele. Não posso ficar atento a tudo o que se passa
no Instagram.
O humor, uma faceta muito presente na sua obra, é um género pouco
habitual na fotografia de hoje. Porque é que acha que isto acontece? É
subvalorizado?
(http://imagens3.publico.pt/imagens.aspx/977183?tp=UH&db=IMAGENS)
New Brighton, Inglaterra. Da série The Last Resort , 1983-85 © MARTIN PARR/BARBADO/MAGNUM
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É? Não sei. As pessoas são engraçadas.
O mundo é engraçado. E se não rirmos,
choramos. Aquilo que quero é reflectir a
minha própria sensibilidade nas
imagens que tiro. Não me compete fazer
juízos de valor sobre as minhas
fotografias. Isso é o seu trabalho. Crio imagens divertidas que têm uma mensagem
séria acerca das contradições do mundo. Só isso. Não posso verbalizar o que as
pessoas acham das minhas fotografias. Isso é com elas. As minhas imagens falam
por si, para o bem e para o mal.
A sua paixão por livros de fotografia é muito conhecida. Ainda tem
espaço em casa para livros?
Estou a ficar sem espaço, muito depressa. Tenho outro edifício para além da casa,
onde já estou a ficar sem espaço também. É um problema. Mas quando se tem um
vício como este é difícil parar.
É uma paixão compulsiva.É como a heroína ou o crack. É mesmo muito difícil parar. Esta tarde vou à procura
de livros de fotografia em Lisboa. Portugal é um país interessante. Há livros
extraordinários da época do fascismo dos anos 30. E depois há também livros
publicados em Angola com muito interesse. Acho que, neste campo, Portugal é um
país onde ainda há muito por descobrir.
Que tipo de livros o tem fascinado mais nos últimos tempos?
Uma colecção que comprei no Irão, um país onde é muito complicado encontrar
livros, em particular sobre a guerra Irão/Iraque e sobre a revolução. Compreirecentemente uma grande colecção deles, uns 30 ou 40. É inacreditável. Há bons
livros e fotógrafos de quem nunca ouvimos falar. Já não há assim tantas histórias
escondidas como esta. Recentemente publiquei um livro sobre fotolivros chineses.
Chegaremos a um ponto em que nada restará desconhecido.
O volume três de The Photobook -
A History (Phaidon, 2014) será o
último?
Para já sim, mas quem sabe… Desde queesse livro foi publicado já encontrei
outros que mereceriam entrar.
As pessoas costumam mandar-lhe livros?
Sim, muitos, uns bons uns maus (mais maus do que bons). Mas sabe, da mesma
maneira que precisamos de má fotografia também precisamos de maus livros de
fotografia – vão ajudar-nos a descobrir os bons.
"Os bikinis estão diferentes e as
pessoas têm mais estilo, mas a maior
parte das coisas na praia não mudou
nada."
"Sou uma pessoa simples comsentido intuitivo e livre acerca do
que está certo ou errado."
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Portugal tem quatro entradas no The Photobook... Recorda-se de algum
deles e as razões que os levaram a incluí-lo?
Sim, claro. O Portugal 1934 é um exemplo extraordinário de um livro fascista de
propaganda, com uma estética igual ao que se fazia na Rússia e na Itália. Não há
grande conhecimento das edições fascistas de propaganda portuguesas, é um
mundo ainda um pouco escondido. E há também bons livros contemporâneos,
como o de José Pedro Cortes. Há bons fotógrafos jovens em Portugal e fico contente
por poder mostrar algum do seu trabalho. Haverá certamente outros bons
exemplos, mas tínhamos de cobrir todos os países do mundo e não podíamos
mostrar toda a gente. Tivemos de escolher
No ano passado, decidiu pôr em confronto no Museu da Ciência em
Londres o seu primeiro grande trabalho de meados dos anos 70, The
Nonconformists, com o trabalho de Tony Ray-Jones (1941-1972). Fale-
nos da experiência de mergulhar nos arquivos de alguém que foi uma
das suas principais influências.
Foi muito interessante olhar para as provas de contacto e descobrir novas
fotografias que talvez tenham sido negligenciadas. O que ele tinha de mais forte era
a noção de espaço. Dá a sensação de que conseguia fotografar os intervalos entre as
coisas e as situações. Foi um bom exercício entrar no mundo dele e encontrar novas
fotografias. E, claro, foi uma honra poder mostrar as minhas imagens junto das de
Tony.
Ray-Jones também fotografou muito a praia. Pode considerar-se que ele
abriu uma porta pela qual também decidiu entrar?
Com certeza. Apesar de ter começado a fotografar praias antes de conhecer o
trabalho de Tony Ray-Jones (nunca o conheci pessoalmente) devo muito às imagens
dele sobre esse universo. Quando as descobri, fiquei espantado com a habilidade
que tinha para lidar com o espaço e isso foi uma coisa que tentei aplicar ao meu
trabalho. Foi uma profunda influência e não o nego.
É descrito como uma pessoa de múltiplos talentos. O que é que se sente
mais: um fotógrafo, um editor, um curador, um coleccionador de
imagens ou um acumulador de coisas?
Vejo-me sobretudo como um fotógrafo. É aquilo que de mais importante faço. Todas
as outras actividades, que me dão muito gozo, são um complemento dessa faceta.
Mas, ultimamente, tenho dado prioridade à fotografia.
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Qual foi a última fotografia que tirou?
Hmmm… Foi uma fotografia de moda no espaço Le Bon Marché, em Paris.
(http://imagens4.publico.pt/imagens.aspx/977184?tp=UH&db=IMAGENS)
Eastbourne, Inglaterra. Da série Think of England , 1995-99 © MARTIN PARR/BARBADO/MAGNUM
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