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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006 1 Arte abstrata: uma comunicação peculiar. Os audiovisuais à serviço do abstracionismo 1 Profª Drª Marlene Fortuna 2 Faculdade Cásper Líbero - São Paulo/SP Resumo À revelia do que muitos pensam, a arte abstrata não é somente uma mistura aleatória, fortuita de cores e matérias sobre o suporte. Ao contrário, quando Wassily Kandinsky a instituiu em 1910, ofereceu ao mundo, através dela, instrumentais lógicos de construção. Criou um "manual" de elementos selecionados, com os quais o artista faz arte abstrata. São alguns deles: o ponto, a linha, a cor, a textura, o equilíbrio, a harmonia, a proporção. Há que se refletir sobre o que e como distribuir estes elementos no plano e no espaço. A medida de sua composição é a medida de seu valor e de sua comunicação. Criadores e fruidores de arte abstrata, devem re-alfabetizarem-se visualmente para darem conta de criá-la e de codificá-la. Nasce com ela, A NOVA SINTAXE DA ARTE NO SÉCULO XX! Palavras-chave Arte abstrata; comunicação; cognição; sentimento; audiovisual. 1 Trabalho apresentado ao NP Comunicação Audiovisual, do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom; 2 Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Especialista em: Teoria, Crítica, Estética e História da Arte; Artes Cênicas; Interpretação Teatral; Expressão e Performance Corpóreo-Vocal da Comunicação; Artes Pós-Modernas e Contemporâneas – leitura de Bienais; O Mercado de Artes; Crítica Genética e Processo de Criação. Professora titular da disciplina História da Arte da Faculdade Cásper Líbero. Professora de Pós-Graduação (Lato & Stricto Sensu) da Faculdade Cásper Líbero. Membro pesquisadora filiada à CESA (Sociedade Científica de Estudos da Arte), sediada na USP (Universidade São Paulo). Membro fundadora e pesquisadora do CECG (Centro de Estudos de Crítica Genética), sediada na PUC. Foi primeira atriz do CPT (Centro de Pesquisa Teatral de São Paulo). Livros publicados: A performance da oralidade teatral – 2000; A obra de arte além de sua aparência – 2002; Dioniso e a comunicação na Hélade – o mito, o rito e a ribalta – 2005; Cognição e sentimento na arte abstrata (no prelo). Todos pela Editora Annablume – São Paulo.

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    Arte abstrata: uma comunicao peculiar. Os audiovisuais servio do abstracionismo 1 Prof Dr Marlene Fortuna 2 Faculdade Csper Lbero - So Paulo/SP Resumo revelia do que muitos pensam, a arte abstrata no somente uma mistura aleatria, fortuita de cores e matrias sobre o suporte. Ao contrrio, quando Wassily Kandinsky a instituiu em 1910, ofereceu ao mundo, atravs dela, instrumentais lgicos de construo. Criou um "manual" de elementos selecionados, com os quais o artista faz arte abstrata. So alguns deles: o ponto, a linha, a cor, a textura, o equilbrio, a harmonia, a proporo. H que se refletir sobre o que e como distribuir estes elementos no plano e no espao. A medida de sua composio a medida de seu valor e de sua comunicao. Criadores e fruidores de arte abstrata, devem re-alfabetizarem-se visualmente para darem conta de cri- la e de codific-la. Nasce com ela, A NOVA SINTAXE DA ARTE NO SCULO XX! Palavras-chave Arte abstrata; comunicao; cognio; sentimento; audiovisual.

    1 Trabalho apresentado ao NP Comunicao Audiovisual, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom; 2 Doutora e Mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Semitica da PUC/SP (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo). Especialista em: Teoria, Crtica, Esttica e Histria da Arte; Artes Cnicas; Interpretao Teatral; Expresso e Performance Corpreo-Vocal da Comunicao; Artes Ps-Modernas e Contemporneas leitura de Bienais; O Mercado de Artes; Crtica Gentica e Processo de Criao. Professora titular da disciplina Histria da Arte da Faculdade Csper Lbero. Professora de Ps-Graduao (Lato & Stricto Sensu) da Faculdade Csper Lbero. Membro pesquisadora filiada CESA (Sociedade Cientfica de Estudos da Arte), sediada na USP (Universidade So Paulo). Membro fundadora e pesquisadora do CECG (Centro de Estudos de Crtica Gentica), sediada na PUC. Foi primeira atriz do CPT (Centro de Pesquisa Teatral de So Paulo). Livros publicados: A performance da oralidade teatral 2000; A obra de arte alm de sua aparncia 2002; Dioniso e a comunicao na Hlade o mito, o rito e a ribalta 2005; Cognio e sentimento na arte abstrata (no prelo). Todos pela Editora Annablume So Paulo.

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    Arte Abstrata: uma comunicao peculiar. Os audiovisuais servio do

    abstracionismo

    Se a arte, nela mesma, uma interface da comunicao, a arte abstrata uma interface

    especial da comunicao, porque obriga criadores e fruidores a realfabetizarem-se

    visualmente e a familiarizarem-se com uma inusitada articulao tica.

    Educa, tambm peculiarmente, para o aguamento dos sentidos, para um mental mais

    elaborado, para uma maneira de ver a prpria arte, para uma forma de, mais

    amplamente, visua lizar e pensar o mundo, de uma vez que na arte abstrata os

    reconhecimentos da realidade so inexistentes e inessenciais. um meio de expresso e

    comunicao que se pode considerar extico, sobretudo quando de seu surgimento em

    1910 por Wassily Kandinsky.

    Ela geradora de uma emisso plural de signos. Os recursos icnicos da arte abstrata

    tendem a ser subversivos por conta da extino da realidade fenomnica e

    reconhecvel. O cerne de sua natureza procurar caminhos de inconformidade e

    ruptura.

    O que comunica, exata e corretamente, na arte abstrata, a ordem matemtica, a qual

    Kandinsky se refere. O receptor necessita, portanto, desenvolver repertrio especfico

    para entender e interpretar esta ordem lgica. Assim, a comunicao acontecer dentro

    de cunho cientfico e no somente emocional como sempre se estabelece com a arte e,

    principalmente, com a arte abstrata. No sabendo codific- la corretamente, no sabendo

    comunicar-se adequadamente com ela, o fruidor vocifera banalidades sentimentais,

    relaes emocionais e invencionalidades empricas sem conta.

    Nada fortuito. Nada aleatrio. Nada arbitrrio no abstracionismo, embora parea.

    As cores, com sua musicalidade prpria, tem um lugar certo para serem colocadas no

    suporte, de acordo com as intenes do artista. Alterao de lugar, representa alterao

    de fora; alterao de fora, representa alterao de energia; alterao de energia,

    representa alterao de tenso; e assim sucessivamente, para com o volume, a atrao, o

    equilbrio. a que se situam as diferenciaes de valor, de beleza e de fealdade da

    pintura abstrata (neste caso: a expresso pictural no suporte bidimensional), ou seja, no

    estamos tratando da escultura abstrata, apesar de, as relaes serem as idnticas para ela.

    Portanto, dizer que os valores so sempre iguais em toda e qualquer abstrao, no

    verdade e no faz nenhum sentido. Um vermelho entrecortado de amarelo, por exemplo,

    situado direita baixa do quadro, no gera as mesmas sensaes visuais, sentimentais,

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    emocionais, to pouco esto sujeitos aos mesmos princpios de raciocnio, quando em

    seu lugar, estiver um azul com sobreposies de marrom, por exemplo: so outras as

    foras, so outras as energias, so outras as tenses, so outros os equilbrios e,

    consequentemente, outra a empatia, o maior ou o menor encantamento aos olhos do

    observador.

    Kandinsky aduz:

    ... sculo XX aparecimento de uma nova sntese [...], incio do emprego dos elementos. Avaliao cada vez mais consciente das foras intrnsecas da imagem, tenses. A materializao da imagem considerada portadora de uma fora interior e digna de um novo raciocnio. A fora s importante e significativa vista deste ngulo (KANDINSKY: 1987, 37).

    Muitas vezes, a comunicao no abstracionismo degenera-se ou nem chega a acontecer,

    por incompetncia do prprio receptor que emite manifestaes assim levianas sobre

    ela: no entendo nada desta coisa, a arte morreu, como chamar este monte de cores

    e matrias juntas de arte?, at meu filho de um ano faz, um borro s, e outras

    tantas verborragias tolas. Isto prova uma carncia de instrumentais intelectivos de

    anlise, para a correta leitura da abstrao.

    Ora, a falta de repertrio conduz a uma comunicao truncada, incompetente, apenas

    emprica, e conseqentemente a uma educao para o olhar, para a cognio e para o

    pensar a arte, desconectados de sentido e significado. Nestes casos, ao invs da arte

    abstrata comunicar propondo novos padres estticos, deseduca, e o sujeito fica

    cobrando da obra, elementos reconhecveis: pessoas, paisagens, cus estrelados,

    mares, montanhas, florestas, terras, ambientes internos, naturezas mortas, etc... Ele quer

    tudo identificvel, exigido por seu imaginrio comum, sente-se mais seguro diante do

    que reconhece, porque pode, inclusive, dominar. Teme o que no est ao alcance de sua

    conscincia. Ele quer ter certezas, como as imagens eternizadas atravs da fotografia:

    quanta perfeio! Quanta clareza! Que imitao absolutamente exata da realidade! Da a

    tranqilidade...

    Mas a arte que destitui o real conhecido substituindo-o pelo virtual desconhecido, perde

    em valor? Jamais! So outros valores a se impor, outras interpretaes, outros

    julgamentos, outras circunstncias de criao, outras poticas plsticas, outras diretrizes

    estticas.

    A arte abstrata goza de uma comunicao peculiar porque sua nova codificao no

    factvel com os parmetros cognitivos, lingsticos e racionais do senso comum. Cria-

    se, com a abstrao, uma inusitada ideologia, uma outra razo por estetizar, uma

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    filosofia nas artes que tem nos acompanhado at hoje (a arte abstrata, tem seu marco,

    aproximadamente, em 1910, com Wassily Kandinsky) e acabou se transformando na

    mais difundida das artes atuais.

    A abstrao advm de um padro mental inerente ao homem de todos os tempos. Nas

    paredes das cavernas de Laxcaux (Frana) e Altamira (Espanha), tem-se uma abstrao

    primitiva, simblica, esquemtica, plasmada pelos trogloditas, certamente, com o

    objetivo de comunicar algo. Ela sempre existiu com o homem, que tem uma capacidade

    abstrativa nata, apenas, no caso do artista, passa a consubstanciar, grafar, concretizar

    esta tendncia em forma plstica ou performtica no suporte bi ou tridimensional. A

    abstrao uma atividade mental de seleo e de sntese. As tribos primitivas e

    antiqussimas, por exemplo, em muitos dos seus desenhos, no faziam nenhuma

    referncia realidade exterior. Eram abstraes. Em funo destas afirmaes, eis as

    posies de Cocteau, em um estudo dedicado a Picasso:

    ... la vida de un cuadro es independiente de lo que imita. Podemos admitir um ordenamiento de lneas vivas, lo que motiva que estas lneas dejen de vener el primer papel principal, para pasar a ser un pretexto. Desde este estadio a concebir la desaparicin del pretexto, solo media un paso. La finalidad pasa a ser motivo; he aqui que en 1912 asistimos al golpe de audacia ms incisivo de la historia de la pintura [...]. Qu queda?Un cuadro, y esse cuadro no es nada ms que un cuadro (DONDIS: 1990, 129).

    Esta modalidade artstica, tem como ambio criar formas puras e soltas, construdas

    com os elementos mesmos da pintura, por exemplo, que, arranjados livres ou

    controladamente em estados sucessivos de tenso, constrem a coluna vertebral do

    abstracionismo que a composio. Com isto, Kandinsky considerado o mentor da

    pintura abstrata, cria parmetros para fazer calar todo o figurativismo at ento

    consagrado. O que o artista prova em sua teoria que os elementos (ponto, linha, plano,

    contorno, direo, tom, cor, textura, escala, dimenso, proporo, massa, volume,

    composio, arranjo, movimento, ritmo, equilbrio, tenso, nivelao, aguamento,

    harmonia, contraste, atrao, agrupamento) so submetidos a relaes e a uma

    organizao inteligente na obra. Elementos que em si mesmos seriam s elementos

    isolados, mas que relacionados criam zonas de tenso (fora virtual) amarradas em

    cima de todo um sentido de direo (fora em ato). Esta sntese da energia na obra que o

    pintor prope para a nova cincia, implica no caminho das ressonncias interiores da

    imagem que representam, alm de outras razes, a passagem do esttico ao dinmico na

    pictrica abstrata.

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    Adotamos, para definir a expresso arte abstrata, o que nos parece responder mais

    prontamente ao universo de especificidades, estranhezas e imprevisibilidades que

    caracteriza esta manifestao to discutida e questionada: abstrao em arte, constitui-se

    de uma forma/imagem sustentada em um suporte, ocupando um lugar no espao, em si

    mesma contendo tempo, ritmo e movimento. No se pretende reconhecer, to pouco ser

    reconhecida; identificar, to pouco ser identificada; apreender a vida, to pouco ser

    apreendida pelo senso objetivo, cognitivo, lingstico comum. Portanto, arte

    completamente liberta do referencial exterior. O referente so os prprios elementos da

    obra, por isto ser a auto-referncia e a presentidade, seus principais paradigmas. Os

    traos, as linhas, os pontos e as cores, no nos remetem a nada conhecido, portanto, no

    tm passado, nem futuro, somente presente: o aqui e agora da arte abstrata. No h

    mmesis, porque no h nada a imitar, nada a re-cuperar, nada a re-presentar, a no ser a

    obra mesma, por isto afirmar-se que o abstracionismo dispensou a re-presentao do

    figurativismo, para ficar com a presentao da matria.

    Em termos comunicacionais, a arte abstrata convida o fruidor a participar de maneira

    mais ativa e conivente com o criador da obra. O artista d margem a mltiplas

    interpretaes, tendo no receptor um co-partcipe da criao, um reelaborador, um

    reexecutor e um re-alimentador de iluses. Iluses que esto no receptor, no na obra e

    quase nunca no criador. Referimo-nos aqui, s questes subjetivas do abstracionismo e

    no cientficas, como vimos tentando provar: ela simbiotiza cognio e sentimento!

    Cincia e empirismo! Apolinismo e dionisismo!

    O observador no tem na pintura abstrata o reconhecimento mimtico do exterior e

    muitas vezes, pouco ou nenhum preparo para uma anlise mais cientfica da obra,

    portanto, ele se permite emocionalizar o incompreensvel, interpretando-a

    inadvertidamente. Vai pelo caminho mais fcil!

    Parafraseando Giovanni Cutolo: a arte abstrata, contestando os valores clssicos de

    acabado, definido, perfeito, absoluto e inequvoco, prope uma obra indefinida e

    plurvoca, aberta, que se vem configurando como um feixe de possibilidades mveis e

    intercambiveis mais adaptadas s condies nas quais o homem moderno desenvolve

    suas aes.

    Sabemos que no processo comunicacional, a arte possui um papel primordial. Ela

    encharca os olhos de seu cliente com uma multiplicidade de imagens sujeitas a

    decodificaes. No abstracionismo, o receptor no est decodificando e lendo imagens

    conhecidas, mas imagens de outra natureza como os pontos, as linhas, os contornos, as

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    direes, os tons, as cores, as texturas, as escalas, as dimenses, os movimentos e os

    ritmos, que podem, no mximo, apenas sugerir imagens reconhecidas, sugerir, porque,

    na verdade, elas no esto ali! Quando estas linhas formam figuras geomtricas, por

    exemplo, pensamos que estamos diante de algo conhecido, muito pelo contrrio, nada

    mais abstrato do que a geometria, ela a abstrao das abstraes. Basta dizer que no

    compramos uma dzia de crculos, mas uma dzia de mas, que so circulares.

    Analisar mas (vida reconhecida na obra) muito diferente de analisar crculos

    (universo da geometria; neles no h vida reconhecida, pelo menos, o mesmo tipo de

    vida das mas).

    O advento de linguagens e tecnologias to diversificadas e em abundncia nos tempos

    atuais, auxilia-nos a aprender a cifrar signos novos, revolucionrios, estranhos, e entre

    eles esto os signos da abstrao. Surge tambm, desta nova relao, outras empatias:

    criador/obra criada/ pblico. Afirma Ana Mae Barbosa: ... a educao artstica traa

    um perfil dos novos padres que norteiam os conceitos de arte como instrumento eficaz

    no desenvolvimento pleno da democratizao e liberdade cultural, em um tempo em que

    o trnsito de informao incessante (Revista E: 2000, 32).

    A arte abstrata oferece uma dinmica pessoal de aprendizagem; os traos

    surpreendentes de sua visualidade, conduz o observador a uma armazenagem de

    conhecimento e cultura sem precedentes. Saber ler arte abstrata saber ler mais longe!...

    Alm de tudo, ela penetra em nosso inconsciente, despertando muitos dos nossos

    sentidos, abraados s direes intelectuais. Foi, , e sempre ser uma vanguarda.

    Vanguarda que informa, forma e diretriza o olhar. O abstracionismo uma arte

    polmica, inquietante, transformadora. D-nos a impresso de que todos podem faz- la

    e de que todos, portanto, so artistas. s jorrar uma poro de cores diferentes, umas

    sobre as outras; ferros, metais, panos, algodo, isopor, madeira, borracha, sobre um

    suporte e pronto! No verdade. Todos podemos fazer qualquer arte abstrata, qualquer

    relao com os materiais, quaisquer contornos fundidos, quaisquer linhas entrecortadas,

    quaisquer matrias justapostas, mas uma arte abstrata soberana, nos moldes de

    Kandinsky, seu criador, muito difcil, mesmo porque, estar diante da folha em branco

    e partir do nada, sem nenhuma referncia, muito mais complicado do que partir de um

    referencial conhecido como a prpria vida, a natureza, os seres humanos e o mar de

    objetos que nos cercam.

    Os princpios de estetizao da pictrica abstrata, respondem definio contempornea

    de arte, proposta por Umberto Eco quando legitima sua famosa teoria sobre a

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    democratizao da arte no sc. XX: arte um emocional que altera um referencial, um

    referencial alterado por um emocional que produz um objeto esttico. Mas que objeto!

    (ECO: 1982, 286). O emocional o artista. O referencial a matria. O objeto a obra.

    diferente valorizar a obra de arte, quando o resultado final a impresso meramente

    subjetiva do observador, do que tentar desvendar intelectualmente os signos. A arte

    abstrata reeduca o sujeito para uma formao artstica edificante. Ela abrange, por ser

    aberta, uma diversidade de conceitos. Ela comunica, no sentido de levar seu receptor a

    educar-se para construir julgamentos ou juzos mltiplos de valor sobre ela ou sobre

    outros referenciais. Na figurao ainda h um conceito hegemnico a ser seguido pela

    prpria figura. Na abstrao o conceito pulverizado, diverso, diretrizado pela pulso

    das matrias e cores. Elas que tanto cantam, tanto tem musicalidade e ressonncia

    prprias, integram-se a elementos que comprometem as tenses, os vrios pesos e as

    vrias medidas da imagem. Tambm fato que, se na figurao deslocarmos um vaso,

    um cavalo, uma casa, da direita para a esquerda, ou de cima para baixo, ou ainda, pint-

    los de amarelo, depois de lils, em seguida de marrom, a leitura da obra tambm se

    altera, mas de outra forma. uma outra natureza de anlise. O cavalo est ali, sempre

    esteve ali e pronto. O que mudou foi sua maquiagem. No abstracionismo no assim,

    ele prope um chafariz de diferentes cdigos, o que legitima a peculiaridade de sua

    comunicao e significado.

    Exacerbar o visual e entender seus movimentos de sstole e distole pulsaes em

    risco, so propriedades da arte abstrata.

    Para exemplificar, analisaremos matematicamente uma tela de Kandinsky, de acordo

    com os quesitos propostos pelo prprio autor.

    NESTE ESPAO IRIA SCANEADA E AFIXADA, A TELA CITADA ACIMA

    QUE SER ANALISADA ABAIXO. PORM, COMO DEMANDARIA UM

    EXCESSO DE BYTES E O SISTEMA ONLINE NO DARIA CONTA, OPTEI

    POR LEV-LA (CASO MEU TEXTO SEJA APROVADO), EM MOS E EM

    TAMANHO GRANDE, PARA APRESENT-LA, COMO UMA SNTESE DE

    ANLISE CIENTFICA, DURANTE MINHA EXPOSIO NO CONGRESSO.

    Esta tela de Kandinsky: Movimento I de 1935, um abstracionismo levemente

    geomtrico, com nenhum fragmento de realidade conhecida e identificada igualmente

    por todos os observadores. Se houver alguma realidade do mundo sensvel, ela

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    supostamente inventada ou advinda do imaginrio de cada receptor, separadamente,

    ou seja, cada um v o que quer atravs da composio ou arranjo dos elementos. Da

    mesma forma, pode no ver nada de conhecido, a no ser a prpria matria utilizada

    pelo pintor, no caso, tintas e cores que geram tenses, formas subjetivas e diferentes

    nveis de equilbrio pictrico.

    Tenso

    A obra vibra em vrios lugares e por conta da distribuio dos vrios elementos. Porm,

    a energia mais tensa encontra-se na lateral direita superior, com a sobreposio de linhas

    sinuosas, paralelas, convergentes, perpendiculares, oblquas, espessas, delgadas, ntidas

    e delimitadas, alm de pontos; crculos; semi-crculos; cores e tons. Figuras geomtricas

    exatas se misturam com figuras abstratas no geomtricas neste mesmo trecho. H

    tambm figuras que no expressam geometria plena, apenas indicam-na.

    Contraste

    Muitos contrastes juntos entre diferentes elementos na obra como um todo. Figuras

    geomtricas contrastam-se com figuras no geomtricas. Milhares de pontos de

    tamanho grande ou mdio, contrastam-se com outros tantos milhares de pontos

    pequenos e minsculos. Linhas sinuosas espessas espalham-se na obra, contrastando-se

    com linhas sinuosas delgadas. Assim tambm com as linhas mais longas, mais curtas,

    retas e direcionadas.

    Atrao

    Os pontos de luz so todas as linhas brancas que, sobre fundo preto, incandescem o

    plano. H, porm, uma linha serpentinada espessa, vertical, sobre a meia esfera

    vermelha localizada na lateral direita alta. Esta parece ser a marca mais iluminada da

    obra.

    Agrupamento

    A obra encharcada de agrupamento e amontoamento. Elementos esto posicionados

    acima e em cima uns dos outros. No centro inferior, na lateral direita inferior, na lateral

    esquerda inferior, no centro superior, na lateral esquerda superior, temos agrupamentos

    entre pontos, linhas, contornos, cores e tons. Na lateral direita superior, vemos, alm de

    agrupamento, amontoamento entre pontos, linhas, contornos, cores e tons dos mais

    variados tamanhos.

    Dimenso

    O ponto unidimensional. O plano bidimensional. O espao tridimensional. Esta

    pintura foi concebida no plano, portanto, bidimensional e, da mesma forma que no

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    apresenta realidades reconhecidas do senso comum, tambm no apresenta perspectiva,

    volume, to pouco superfcie tridimensional. Se h nela apenas iluso de realidades

    possveis, onde cada receptor parece ver o que deseja, h tambm iluso de

    tridimensionalidade, iluso de volume, iluso de perspectiva, ou seja, os receptores

    podem ou no identificar profundidades, de acordo com seu imaginrio sugestionado

    pela maneira como o pintor distribuiu os elementos no suporte.

    Proporo

    H na obra Movimento I de Kandinsky, uma desproporo harmoniosa quando

    observada particularmente, ou seja, h pontos isolados e parciais de tamanhos, formas e

    relaes diferentes, porm, no conjunto, criam uma desarmonia harmnica. Se ela

    fosse plenamente harmnica, talvez a luminosidade fosse opaca. Quem sabe a tela no

    ficasse to boa se tudo fosse colocado muito proporcionalmente.

    Movimento, Textura e Escala

    A obra, caracterizando-se pelo encharcamento, parece conduzir o movimento para todos

    os lados, sendo total, geral e pleno: cima baixo; baixo cima; direita esquerda;

    esquerda direita; central. Mas isto uma iluso tica, porque, a colocao diagonal e

    vertical das linhas brancas sinuosas de tamanhos e larguras diferentes espalhadas no

    suporte negro, dirige, rapidamente, o olho do observador para cima e para baixo,

    priorizando o movimento vertical.

    A textura parece spera, vista deste modo. Mas, para termos certeza disto, teramos que

    ter a obra no original e, atravs do tato perceberamos o tecido da matria utilizada pelo

    artista sobre o suporte.

    A aspereza da textura se deve maneira como os componentes esto dispostos no plano,

    com a prioridade da cor.

    A escala parece irregular na composio total da obra. No segue uma ordem lgica e

    sucessiva de tamanho, distribuio e formato dos elementos.

    A anlise dos pontos, linhas, contornos e direes se encontra anexa a obra.

    conveniente sobrepor-se um papel vegetal para deslocarmos estes elementos, traando-

    os sobre a transparncia e analisando-os separada e nitidamente.

    A analogia entre a arte abstrata e a matemtica, faz-se por conta do carter formal e

    lgico de ambas. O contedo uma outra histria, ainda que saibamos que

    forma/contedo, contedo/forma so simbioses de um mesmo sistema.

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    Roger de Piles afirma que a pintura deve desafiar o espectador e o espectador,

    surpreendido, deve ir ao encontro dela como se entrasse em um dilogo. Conversar com

    a arte abstrata, muito mais fcil por um lado, e muito mais difcil por outro, por ser

    aberta. O receptor pergunta o que ela tem a responder. Dialoga com ela por via de

    mo dupla. Se o criador ouvir o que o receptor tem a dizer, ele pode achar interpretaes

    coincidentes; pode ceder a uma interpretao muito mais ampla que a sua ou pode

    minimiz- la achando o receptor banal em seus julgamentos.

    Somos essencialmente criaturas de imagens: iconofgicas. Qualquer que seja o caso, as

    imagens, assim como as palavras, so a matria de que somos feitos. Mas qualquer

    imagem pode ser lida? Sim, qualquer. O que se altera a maneira de l-la, portanto:

    qualquer imagem no pode ser lida uniformemente, mas possvel criar uma leitura

    para qualquer imagem. H um alfabeto para a leitura perfeita dos grupos de imagens.

    A imagem abstrata encerra um sistema auto-suficiente de signos e regras, so cifras

    suscetveis a decodificaes personalizadas. A suposta ou chamada abertura da arte

    abstrata no nega, absolutamente, a rigidez de suas cifras.

    O autor Alberto Manguel em seu livro Lendo Imagens, defende que qualquer imagem

    admite traduo em uma linguagem compreensvel. a narrativa da imagem. Razovel

    exceo feita arte abstrata que, omitindo os objetos da realidade exterior, entrega ao

    receptor apenas a matria para ser interpretada enquanto matria o subjetivismo do

    fruidor frente a ela uma outra questo. Tudo narrativa, s que a figurao narra uma

    histria atravs de imagens conhecidas e a abstrao, atravs de imagens desconhecidas

    e nem sempre se sabe se o artista quis narrar uma histria comum, mas, certamente, uma

    histria incomum. As narrativas existem no tempo e as imagens no espao.

    De acordo com alguns tericos da imagem, ns s podemos ver algo que, em algum

    feitio ou forma, ns j conhecemos antes. Com relao a arte abstrata, isto no procede,

    porque os elementos, no se repetem de uma obra para outra. A prpria codificao

    fadada, em cada tela abstrata, a morrer com ela. Os cdigos de anlise so os mesmos,

    mas a leitura diferente porque os elementos so sempre diferentemente distribudos.

    Alberto Manguel, afirma que s podemos ler as coisas para as quais j possumos

    imagens identificveis, assim como s podemos ler em uma lngua cuja sintaxe,

    gramtica e vocabulrio j conhecemos. Por esta afirmao, fica totalmente

    comprometido nosso sistema de comunicao com a arte abstrata. O que identificvel

    nela? Nada! A no ser uma iluso de identificao: achamos que em determinado

    fragmento de vermelho, estamos vendo um cavalo ou uma parte dele. Mas h realmente

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    um cavalo, ou h realmente vermelho, s vermelho? No mesmo fragmento, outro

    receptor perde o cavalo e enxerga uma casa; o outro, uma rvore; o outro, um pssaro.

    Mas cavalo, casa, rvore, pssaro, ou vermelho??? E ainda mais, se cada receptor

    compe, em sua mente, a imagem que deseja, frente aos indcios cromticos do

    abstracionismo pictural emitidos pelo autor, insistimos, cada vez mais, no

    comprometimento desta forma genuna de comunicao. Ela se altera de comunicador

    para comunicador. Por outro lado, cada obra de arte se expande mediante incontveis

    camadas de leituras, e cada leitor remove estas camadas a fim de ter acesso obra nos

    termos do prprio leitor. Kandinsky criou um alfabeto coerente para a classificao das

    imagens abstratas, assim como ao que nos alfabetizou para a linguagem verbal (um

    sistema implcito no prprio cdigo a ser decifrado).

    O abstracionismo transcende algo mais do que a massa de pinceladas coloridas. Existe

    um contexto por trs desta confuso. H uma linguagem de leitura partindo da forma,

    que somada linguagem de leitura do contedo, conduz criadores e receptores

    apreenso do significado.

    O abstracionismo foi criado por Kandinsky em 1910. Em 1950, aproximadamente,

    surge um tipo de neo-abstracionismo com Jackson Pollock que pareceu aleatorizar ainda

    mais o primeiro. Para esta pintura, chamada action and dripping painting no se

    aplicam os cdigos de anlise da abstrao, anlogos matemtica, como vimos

    defendendo at ento. Seu sistema por demais aberto, escancarado, sem nenhum

    controle, aleatria e informal, transcendente a qualquer possibilidade de decodificao.

    A re-alfabetizao visual de Kandinsky, no d conta da pintura gestua l e gotejante de

    Pollock. Neste ltimo, raramente se encontram linhas, pontos, contornos mais ou menos

    definidos para que se possa fazer uma classificao razovel, e sim, todos eles

    misturados ao paroxismo, tornando-se impossvel o mnimo destaque de um elemento

    para anlise. a hiprbole da abstrao:

    ... Pollock produziu uma imagem que recusava toda tentativa de narrao, quer em palavras, quer em imagem, que rejeitava todo e qualquer controle, tanto do artista como do espectador, e que parecia existir em um presente constante, como se a exploso da tinta na tela estivesse sempre prestes a acontecer. Houve um crtico, recordava-se Pollock tempos depois, que escreveu que meus quadros no tinham comeo nem fim. Com isso, ele no queria fazer um elogio , mas foi um elogio. Foi o mais belo dos elogios (MANGUEL: 2001, 41).

    A impossibilidade de uma anlise matemtica da action and dripping painting , levou-a

    a segurar-se no pano de fundo social, poltico e econmico da sociedade americana onde

    nasceu. Esta forma de expresso surgiu em meio ao caos social e moral, durante os anos

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    de Depresso nos Estados Unidos, tendo ao fundo o pesadelo da II Guerra Mundial.

    Portanto, a obra de Pollock e dos artistas de sua gerao, assim como os da gerao que

    se seguiu foi de denncia, reivindicao, crtica e protesto.

    Obras abstratas Kandinskianas ou pollockianas, revelam uma ansiedade de interpretar o

    mundo e uma carncia de interpretar a si prprias.

    Olhar para as telas de Pollock, no significa ir em busca de um discurso, mas em busca

    de um movimento, a promessa de uma presena identificvel que nunca ser

    cumprida (MANGUEL). A matemtica a outra, porque so cifras diferentes de cores

    que se apiam na alquimia de uma pictrica precursora do contemporneo.

    Tericos perguntam sobre este inquietante sistema abstrato: poder um quadro ser

    visto, algum dia, em sua integridade contextual?. Nossa resposta a este

    questionamento : o intraduzvel no pode ser reproduzido seno como intraduzvel.

    Anterior ao mtodo que comprova a qualificao matemtica da arte abstrata, lgica,

    nica, cientfica em um segundo momento, h um cem nmero de leituras subjetivas

    possveis e impossveis em um primeiro momento. Diramos, em termos peirceanos: a

    primeiridade da abstrao.

    Analisar o abstracionismo, como um recorte entre a cincia, a arte e a matemtica, no

    dispensa a sensibilidade, a emoo e a virtualidade que ele parece, aparentemente, s

    exigir.

    Cognio e Sentimento na Arte Abstrata

    A arte abstrata vai para alm do esgotamento de todos os nossos sentidos sobre ela.

    Contempla, alm de uma alma, um sentimento, uma musicalidade prpria, um corao

    que pulsa: uma cincia particular. Tem cdigos especficos de leitura, de confeco, de

    traduo; uma decodificao de signos teorizados, cientificizados e at experimentados

    pelo mestre criador do abstracionismo: Wassily Kandinsky. So estatutos de absoluto

    entendimento racional, criados para que todos compreendam a razo e a cincia desta

    arte. Seu quinho de subjetividade inegvel, maior do que todas as obras figurativas e

    figurativas degeneradas, porm, o que desejamos revelar o aspecto mais desconhecido

    da abstrao: seu carter cientfico, para criadores e receptores, em diferentes instncias.

    Segundo teorias do abstracionismo, no pertinente que o artista jorre cor sobre cor no

    plano, ou ferro sobre ferro no espao. Mas, ele deve elaborar, pensar, arquitetar o jogo

    cromtico. Deve saber onde, como e porque colocou aqui e ali o amarelo, o azul, o roxo;

    os pontos, as linhas, as retas, as curvas, etc... Se o fruidor da obra de arte, no souber ler

    o abstracionismo do artista, ele deve ser alfabetizado visualmente. O real criador da arte

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    abstrata sabe estar conquistada esta alfabetizao em si mesmo. S assim sente-se

    instrumentalizado e preparado para criar fidedignas e belas abstraes, nada fortuitas.

    A sensao que temos diante da anlise do abstracionismo, a de estarmos executando

    um projeto de arquitetura, um mergulho intelectivo nos cruzamentos e

    entrecruzamentos das linhas, dos pontos, das curvas, das retas, das cores, dos ngulos,

    etc...

    A anlise racional desta modalidade esttica, chega bem perto de uma postura

    arqueolgica, calculista e fria por parte do criador e do fruidor. Nada disto dispensa as

    emoes e sensaes brotadas de ambos e para ambos. A arte abstrata representa a

    sntese maior da modernidade nas artes. o nico movimento que, sem a presena da

    figura reconhecida, abraa duas fortes linguagens do humano: sentimento e cognio.

    Sentimento

    O sistema esttico que estamos abordando pode nos fazer sentir tudo, por nada

    sentirmos e pode nos fazer sentir nada por tudo sentirmos. Onde nada se reconhece,

    tudo, ou quase tudo pode ser reconhecido; onde tudo se reconhece; nada, ou quase nada

    pode ser reconhecido. Onde nada se v, tudo, ou quase tudo pode ser visto; onde tudo se

    v, nada, ou quase nada pode ser visto. Estamos diante do desconhecido, o que sempre

    amedronta e inquieta, e cada receptor administra seus sentimentos, seu emocional, suas

    intuies, de uma maneira diferente frente ao inusitado.

    Cognio

    Equivocadamente ao que muitos podem pensar, a arte abstrata tem uma forte lgica,

    uma inteligncia de relaes cromticas, oferecida por Kandinsky, que transcende os

    limites do sensvel.

    Se o artista conceber a obra abstracionista s com o sentimento, sem a cognio, um

    problema dele, pessoal, uma escolha particular em optar pelo aleatrio. Mas, na

    origem, no purismo do movimento, o abstracionismo no foi concebido s

    emocionalmente. Quanto ao receptor, no entanto, ele sim pode ficar somente no

    sentimento, na emoo, na paixo e na fruio esttica do abstracionismo, por no estar

    comprometido com o fazer mas com o receber. O que no impede, pelo contrrio,

    acrescenta, de estar ciente de que o movimento foi gestado sob a gide de um cem

    nmero de regras. Conscincia nunca demais!

    James Gardner em seu livro Cultura ou Lixo, uma viso provocativa da arte

    contempornea, afirma que artistas como Ross Bleckner e Terry Winters, parecem estar

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    genuinamente comprometidos com as vidas das cores e formas puras. uma arte

    descontrada apesar de ter suas lgicas e propriedades bem delimitadas.

    Corao e Razo se Fundem na Arte Abstrata

    Na arte abstrata de um lado, todo o sentimento diversificado possvel, toda a

    imaginao permitida em suas mais fantsticas viagens, iluses de fragmentos da

    realidade, realidades virtuais simbiotizadas s cores e formas, conduzindo receptores ao

    delrio ou ao nada. Mas, de outro, alm destas maravilhas do corao, alm dos

    imponderveis da no cognio, alm da seduo dos acasos e dos inesperados dos

    insights, a abstrao conta com princpios rgidos de racionalizao, repertorizada por

    alfabetizao visual exclusiva. Eis a o que se chama: Nova Sintaxe na Arte.

    Referncias bibliogrficas BATTCOCK, Gregory. A nova arte. So Paulo: Perspectiva, 1975, 2 ed., trad. Ceclia

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