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1 Recensão Moran, J. M. (2009). Modelos e Avaliação do Ensino Superior a Distância no Brasil. ETD - Educação Temática Digital, 10, 54-70. Artur Ramísio A evolução tecnológica originou nas últimas décadas novas dinâmicas geradoras de mudanças profundas em toda a sociedade. Impulsionada por esta evolução, a educação a distância (EaD) adquiriu novas formas, expandiu-se e anuncia profundas alterações na educação como um todo. A Internet, epicentro destas mudanças, tece a cada espaço do tempo mais fios da sua malha, a nível global. Vivemos cada vez mais em rede, interdependentes, com muitos e novos desafios, o maior dos quais o de fazer com que as novas descobertas humanas se transformem em armas de progresso e não do seu contrário. Para tal, a educação, entendida como formação integral dos indivíduos, é determinante. José Manuel Moran, no artigo sobre “Modelos e Avaliação do Ensino Superior a Distância no Brasil”, analisa a experiência brasileira da evolução da EaD através da Web e reflete sobre o papel desta na educação do futuro. Neste contexto, considera que após a fase de “experimentação” até agora decorrida, marcada por uma “aprendizagem intensa” e pela “busca de modelos mais adequados para cada instituição”, se entrou numa fase de “amadurecimento” (p. 55) que deve ser preenchida com uma reflexão aprofundada, entre outros aspectos, sobre modelos, regulamentação, infra- estruturas, metodologia e avaliação, de modo a que se possa rentabilizar ao máximo as potencialidades que as novas tecnologias associadas à EaD podem oferecer.

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Recensão

Moran, J. M. (2009). Modelos e Avaliação do Ensino Superior a Distância no Brasil. ETD -

Educação Temática Digital, 10, 54-70.

Artur Ramísio

A evolução tecnológica originou nas últimas décadas novas dinâmicas

geradoras de mudanças profundas em toda a sociedade.

Impulsionada por esta evolução, a educação a distância (EaD) adquiriu novas

formas, expandiu-se e anuncia profundas alterações na educação como um

todo.

A Internet, epicentro destas mudanças, tece a cada espaço do tempo mais fios

da sua malha, a nível global. Vivemos cada vez mais em rede,

interdependentes, com muitos e novos desafios, o maior dos quais o de fazer

com que as novas descobertas humanas se transformem em armas de

progresso e não do seu contrário. Para tal, a educação, entendida como

formação integral dos indivíduos, é determinante.

José Manuel Moran, no artigo sobre “Modelos e Avaliação do Ensino Superior

a Distância no Brasil”, analisa a experiência brasileira da evolução da EaD

através da Web e reflete sobre o papel desta na educação do futuro.

Neste contexto, considera que após a fase de “experimentação” até agora

decorrida, marcada por uma “aprendizagem intensa” e pela “busca de modelos

mais adequados para cada instituição”, se entrou numa fase de

“amadurecimento” (p. 55) que deve ser preenchida com uma reflexão

aprofundada, entre outros aspectos, sobre modelos, regulamentação, infra-

estruturas, metodologia e avaliação, de modo a que se possa rentabilizar ao

máximo as potencialidades que as novas tecnologias associadas à EaD podem

oferecer.

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Moran constata que a EaD está a deixar de ser uma modalidade complementar

ou para situações específicas, para se generalizar a todos os níveis de ensino,

particularmente ao ensino superior, recorrendo cada vez mais a metodologias

semipresenciais e flexíveis relativamente à presença física e à organização de

espaços e tempos dos processos educativos.

Começando por ser uma resposta a situações específicas, como a formação de

professores, com o surgimento de novas possibilidades, como a de ministrar

cursos a milhares de alunos ao mesmo tempo através da Internet, a EaD teve

uma rápida evolução, fazendo com que hoje seja considerada um recurso

integrante da política pública educativa do Brasil, com grande apoio

governamental.

Moran considera que no momento presente se deve consolidar este percurso e

refletir sobre as experiências.

Na sua reflexão, Moran contextualiza a EaD na dimensão geográfica e de

grandes diferenças económicas, sociais e culturais que caraterizam o Brasil e

vê nela a solução ideal para responder às necessidades educativas do país,

independentemente das modalidades de que se possa revestir. Nesta

perspetiva, analisa os modelos de EaD mais utilizados no Brasil: a teleaula, a

videoaula e a Webaula.

Relativamente à teleaula, modelo no qual os alunos estão presentes em salas

perante um professor que “transmite uma ou duas aulas por semana, ao vivo”,

e as matérias leccionadas são aprofundadas, por norma, em pequenos grupos

de alunos com a supervisão de um designado “professor tutor” (p. 57), Moran

considera que além da figura do “professor tutor” é também importante o papel

de “tutores online”, para acompanhamento das atividades, esclarecimento de

dúvidas e dar feedback sobre o desempenho dos alunos.

O crescimento do modelo teleaula é classificado por Moran como tendo sido

desordenado, sem critérios na instalação dos pólos e sem infra-estruturas

adequadas. No entanto, salienta que há evidências de alterações de sentido

positivo, dando como exemplos instituições que criaram coordenadores

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pedagógicos nos pólos com a responsabilidade de supervisionarem os

processos e contextos das aprendizagens, a procura de “aulas mais

produzidas” e com mais recursos de apoio, a maior valorização da participação

dos alunos e a preocupação de “quebrar a aula” (p. 58) com atividades de

discussão ou de problematização.

No conjunto das melhorias ao nível deste modelo, Moran destaca a perceção,

pelas instituições, da importância de divulgar e reutilizar mais as produções dos

alunos, o melhor aproveitamento da cenografia, em alguns casos com estúdios

equipados com cenários virtuais através dos quais se consegue “inserir o

professor em ambientes relacionados com os temas da sua fala” (p. 59), o

desenvolvimento de formas de comunicação mais diretas através da

reorganização do espaço físico e de gincanas, concursos, sketches,

simulações, etc.

Apesar destes avanços, Moran lembra que os recursos de webconferência ou

de audioconferência podem ser mais explorados no modelo teleaula, entre

outras razões por ajudarem a criar sentimentos de pertença e promoverem a

partilha de culturas, tirando partido da riqueza multicultural representada em

cada curso.

Apesar de reconhecer avanços significativos no modelo teleaula, Moran

constata que ainda se privilegia a “transmissão da informação pelo professor

numa época em que a informação está disponível por várias mídias e que o

papel do professor pode ser muito mais importante se ele se transforma em

orientador, em contextualizador das questões dos alunos.” (p. 60).

Em conformidade com esta crítica, Moram propõe uma inversão do processo

de ensino/aprendizagem do modelo de teleaula: primeiro, os alunos serem

desafiados para tomarem “contato com um assunto a partir de alguns materiais

prévios” e da realização de “atividades de compreensão e pesquisa

individualmente e em grupo”, seguida de discussão dessas questões com os

tutores e, finalmente, com o professor que “na teleaula avalia todo o processo e

traz contribuições específicas para aqueles grupos naquele momento.” (p. 60).

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Relativamente ao modelo Web, Moran analisa os modos como é utilizado na

atualidade, nuns casos inteiramente online (principalmente em cursos de curta

duração), noutros casos, sobretudo em cursos superiores, em regime

semipresencial.

No modelo mais virtual a orientação dos alunos é feita pela Internet ou por

telefone. Os professores e tutores só se encontram presencialmente com os

alunos para fazer as avaliações, enquanto que no modelo semipresencial os

alunos têm pólos nas suas áreas de residência e tutores online e presenciais.

Moran refere haver uma forte pressão para que as instituições que têm ensino

superior a distância, principalmente em cursos de “graduação”, adaptem os

projetos pedagógicos ao modelo semipresencial, “com pólos presenciais mais

estruturados e atuantes.

Quanto ao modelo videoaula, Moran carateriza-o como um projeto pedagógico,

semipresencial ou online, centrado em produções audiovisuais e impressas. É

muito utilizado para ministrar cursos de pedagogia e licenciaturas, ao longo dos

quais os alunos frequentam “tele-salas” (p. 62) uma ou mais vezes por semana,

com a supervisão de um tutor e a coordenação de um professor responsável

por cada disciplina.

Assinalando a relevância deste modelo, sobretudo para cidades pequenas

onde não há condições para a existência de escolas de ensino superior com

aulas presenciais, Moran considera que, por isso mesmo, é necessário que nas

instituições onde estes cursos funcionam sejam disponibilizados mais apoios

administrativos, tecnológicos e académicos.

No caso do modelo videoaulas, via Web ou por CD/DVD, os alunos podem

visionar as aulas em locais à sua escolha e os trabalhos que realizam no

âmbito das atividades de aprendizagem são entregues a um tutor, por norma

através do ambiente virtual de aprendizagem Moodle. A avaliação é realizada

online, mas o aluno tem de se deslocar a um pólo. Moran considera que os

modelos que mais utilizam a Web como ambiente de aprendizagem e de

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interação precisam de orientar os seus projetos para “um maior apoio também

local ao longo do curso e não só na avaliação.” (p. 63).

No âmbito legislativo, Moran questiona as restrições regulamentadoras que

apontam para que só um modelo de EaD semipresencial seja reconhecido

legalmente, lembrando que em países com mais tradição em EaD, como a

Inglaterra, a Espanha e a Austrália, as universidades têm autonomia para

definir os modelos a adotar e os resultados das aprendizagens são

satisfatórios. Como exemplo refere a Open University, classificada entre as

cinco melhores instituições de Inglaterra. Refere ainda outro exemplo, na

Alemanha, de comparações feitas entre percursos profissionais numa mesma

organização, de alunos que 20 anos antes tinham concluído cursos presenciais

e a distância, do qual se concluiu que “os que tinham feito seus cursos a

distância ocupavam funções mais destacadas”, sendo a justificação apontada

para estes resultados a “autonomia” e “determinação” (p. 64) que os alunos

precisam de ter para acompanhar os estudos autónomos que são característica

dos cursos a distância ministrados na universidade estudada1.

No caso do Brasil, país geograficamente vasto e com muitas desigualdades, a

EaD, potenciada pela “evolução rápida das tecnologias em rede”, é apontada

por Moran como uma boa solução para “incluir o maior número de alunos

possível no ensino técnico e superior” (p. 64).

No entanto, Moran vê com preocupação o facto de a legislação, a pretexto de

garantir qualidade nos processos de EaD, apenas reconhecer validade ao

modelo semipresencial que obriga os alunos a frequentarem semanalmente

aulas em pólos locais. Apesar de compreender as preocupações com a

qualidade que a legislação restritiva procura salvaguardar, dado que também

há quem da educação apenas procure retirar vantagens económicas, considera

que na fase de grandes mudanças que se estão a operar, em grande parte

relacionadas com as inovações tecnológicas, importa, sobretudo, legislar para

garantir efetiva qualidade das aprendizagens, sem colocar em causa a

1 FernÜniversitat da Alemanha.

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autonomia das instituições de adotarem os modelos de EaD que entendam ser

os melhores.

Nesta fase de mudança de praradigma educacional, a EaD baseada nas novas

tecnologias da comunicação já revelou provas suficientes que a credibilizam

como sistema do futuro, particularmente para níveis superiores de ensino. No

entanto, como salienta, está ainda numa fase de “amadurecimento” e de

realização de novas experiências, o que somente é possível se houver

autonomia suficiente para implementar diferentes modalidades.

Esta autonomia comporta riscos, nomeadamente quanto à possibilidade de

apenas se aproveitarem da EaD como área de negócio fácil e rápido, pese

embora essa visão poder vir a revelar-se traiçoeira, “porque projectos que

atraem muitos alunos, se mal avaliados, afastam novas inscrições.” (p. 65).

Como refere, ainda se constatam exemplos de prevalência de velhas

concepções pedagógicas de “apropriação das tecnologias avançadas (…) para

a multiplicação de processos conservadores, focados no conteúdo transmitido

ou disponibilizado”, e também mercantilistas, com a “substituição do professor

pelo «tutor» (mais barato)” (p. 65).

Todavia, independentemente da forma como se aprende a distância, para

Morin o que é verdadeiramente importante é que essa aprendizagem ocorra na

base de “um bom projeto pedagógico e bons professores, com boas condições

de trabalho” (p. 63), pois a forma de garantir os melhores rumos para uma EaD

com qualidade é “ter projetos consistentes com propostas diferentes, que

sejam bem acompanhados e avaliados.” (p.63-64).

Moran também questiona a exigência legal da avaliação de cursos de EaD ter

de ocorrer presencialmente, considerando que “contradiz os projetos

pedagógicos de muitos cursos que se dizem construtivistas e interacionistas, e

que afirmam que o importante é a avaliação em processo (formativa) e não a

pontual (somativa)”, e de evidenciar “preconceito contra a educação a

distância” (p. 65-66), pois embora compreenda as preocupações quanto a

possíveis fraudes na avaliação, argumenta que estas também podem ocorrer

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na avaliação presencial e que hoje “há recursos confiáveis de verificação e de

acompanhamento digital dos alunos.” (p. 66)

As grandes mudanças que ocorrem em toda a sociedade, em grande medida

impulsionadas pela evolução tecnológica, levam Moran a considerar que a

necessidade de a educação ser repensada como um todo implica que haja a

sensibilidade necessária para se saber lidar com as novas realidades, nas

quais conceitos como espaço, tempo e presença física e virtual “são muito mais

complexos”, exigindo “uma atenção redobrada para superar modelos

convencionais, que costumam servir como parâmetro para avaliar situações

novas.” (p. 66). Neste sentido, manifesta o seu desacordo com a legislação

“detalhista e restritiva” relativamente à EaD, por provocar uma “asfixia

burocrática” que impede o seu avanço, quando, ao contrário, no momento

presente há necessidade de experimentar novas soluções para responder aos

desafios de termos cada vez mais integrados, também na educação, o

presencial e o virtual, perdendo sentido a separação entre a educação

presencial e educação a distância (p.66). Defende, por isso, que a legislação

deve possibilitar a “flexibilidade das formas de ensino e aprendizagem que

mais se adaptem às necessidades de cada pessoa e grupo em todos os níveis

de ensino”. Para Moran, esses são os passos que melhor preparam o futuro,

no qual, como crê, os cursos coexistirão com diferentes formatos, níveis de

flexibilidade e de orientação, com “muitos menos presença física” do que hoje e

“menos horários rígidos” (p. 67) do que agora.

Assim, entende que o sistema “semi-presencial avançará, porque se adapta

muito mais à nova sociedade aprendente, conectada”, com crianças e jovens

cuja “relação com a Internet, as redes, o celular e a multimídia” é muito maior

do que a dos adultos, ou seja, o semi-presencial é uma experiência vivida por

eles em muitas outras situações (p.67).

Em conclusão, Moran lembra-nos que o mundo em que vivemos se pauta cada

vez mais por estar conetado em redes e pelo aumento da mobilidade, e

lembra-nos também que foi neste contexto que a EaD “passou de uma

modalidade complementar” para “ser eixo norteador das mudanças profundas

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da educação como um todo, principalmente no ensino superior” (p. 68). Neste

momento de mudanças profundas, Moran realça a necessidade de se refletir

sobre as experiências já existentes e defende medidas que regulem a EaD nas

suas diversas modalidades, de modo a garantir que todos tenham oportunidade

de usufruir, em condições de qualidade, das suas potencialidades. Mas alerta

para que essa regulamentação não seja impeditiva da existência de

diversidade de modelos de EaD. Como defende, a regulamentação deve

assegurar o supervisionamento "de perto” da EaD para que esta avance

verdadeiramente e para “separar o joio do trigo, os que querem contribuir para

um ensino e aprendizagem de qualidade dos que só querem lucrar com

qualquer tipo de ensino, seja presencial ou a distância”, mas sem impedir a

“abertura para o novo” (p. 67).

Sobre o autor

José Manuel Moran é Diretor de Educação a Distância da Universidade Anhanguera-Uniderp

e Professor de Novas Tecnologias na Universidade de São Paulo (aposentado).

É Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo.

Na sua página na Internet (http://www.eca.usp.br/prof/moran/) tem a seguinte mensagem:

“Sou um professor e gestor preocupado em contribuir para mudar nossa educação básica e

superior, presencial e a distância, propondo novas metodologias mais próximas das

necessidades dos alunos, com apoio de tecnologias atuais.

Na escola que temos, aprendemos pouco e não aprendemos o principal: a sermos pessoas

plenas, ricas, criativas e empreendedoras. Para isso precisamos aprender a ler, a

compreender, a contar, a escolher uma profissão, mas precisamos fazê-lo de forma diferente a

como o estamos fazendo até agora, insistindo na integração entre a dimensão intelectual, a

emocional e a comportamental de uma forma criativa e inovadora. Vale a pena investir nas

pessoas, na esperança de mudança, e oferecer-lhes instrumentos para que se sintam capazes

de caminhar por si mesmas, de realizar atividades cada vez mais interessantes, complexas,

desafiadoras e realizadoras. Essa é a educação que desejamos e que é plenamente viável.”