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[Recensão a] Henri Bourguinat - L' Économie morale: le marché contre les acqllis
Autor(es): Quelhas, José Manuel
Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/26223
Accessed : 16-Jun-2022 20:34:29
digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt
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antagens obtida ne e ciclo de negociaçõe multilaterais e que garantir O re peito pelo exercício do eu direito no concerto da naçõe . Deverão também e tar atento e não deixar de contribuir para a definição da futura agenda de negociaçõe internacionai, até porque está em jogo uma redefinição das fronteiras do istema comercial internacional, a reformulação de te istema face ao de afio da globalização.
Luis Pedro Clmha Faa~ldade de Direito de Coimbra
HENRI BOURGUINAT, L'Économie Morale - Le Marché Contre les Acqllis, Paris, Arléa, 1998, 222 p., ISBN 2-86959--393-7
Foi com expectativa que iniciámos a leitura de L'Écol1omie Morale - Le Marcllé Corltre les Acqtús, de Henri B URGUINAT,
profes or da Univer idade de Bordéus IV e director do Laboratoire d'analyse et de recherche économiques (LARE); esta expectativa foi suscitada pelo estudo de algumas das suas obras anteriore , de um modo particular por La Tyrannie des Marchés -Essai sur l'Économie Virtuelle, publicada pela Editorial Economica, em 1995.
Aliás, L'Économie Morale - Le Marché Contre les Acquis retoma várias ideias centrais de La Tyrarmie des Marchés - Essai st~r I' Écotlomie Virtuelle, precisa certas respostas e reformula algumas questões já aí uscitadas.
Daí que a realização desta recensão seja o fruto da leitura das duas obras e realce alguns dos aspectos de contacto e de evolução entre ambas; por serem textos muito ricos e susceptíveis de despertar múltiplas apreciações, sublinharemos aqueles aspectos que são particularmente do nosso interesse, como a «inovação financeira», a regulamentação do sistema financeiro e o problema do «risco sistémico».
Entre as ideias centrais, retomadas em 1998, destacamos o juízo crítico, formulado em 1995, em relação às consequências da desregulamentação e da internacionalização financeiras , nomeadamente quanto aos efeitos do enfraquecimento da capacidade de controlo das variáveis económicas por parte das auto-
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ridades, ao surgimento de «bolhas especulativas», à disseminação do «efeito de contágio» entre as várias praças financeiras e ao crescimento do «risco sistémico». Estes problemas seriam potenciados pelo desenvolvimento de uma «economia vi rtua!» , cada vez mais desmaterializada e afastada da sua base real, levantando a questão fulcral de se apurar se ainda será possível a manutenção da direcção efectiva de uma economia nacional (como a francesa) ou se a submissão à tyrannie des marchés é uma consequência inevitável do contexto referenciado.
Os processos de «engenharia financeira», de desregulamentação e de liberalização dos mercados e as inovações tecnológicas na área das telecomunicações criaram uma geografia económica «não espacial» e «atempora!», que reduziu a margem de manobra dos estados nacionais. No novo contexto, sempre que um governo pretenda influenciar as taxas de juro, as taxas de câmbio, a composição e o volume da dívida pública, o ritmo da despesa e a evolução do consumo e do investimento terá que previamente sondar os mercados e apurar se as suas decisões serão ou não validadas por estes; caso contrário, sujeitar-se-á a resultados opostos aos desejados, estreitando a sua margem de manobra e inflectindo o seu sentido de decisão.
Desta forma, a actuação dos governos nacionais está permanentemente sujeita a testes de credibilidade por parte dos mercados, que averiguam, julgam e sancionam as suas decisões; a expressão «tirania dos mercados» ganha consistência numa escala global, com mercados liberalizados, desregulamentados, interconexos e possuidores de sofisticadas tecnologias de informação. Os mercados assumiriam o papel de «déspotas esclarecidos» da actualidade, assegurando a racionalidade nas decisões económicas e afastando as motivações político-eleitorais. Surge, assim, no nódulo da questão, um conflito de delimitação de soberanias entre o princípio democrático dos estados nacionais e a «tirania dos mercados» globalizados.
Para a restrição da liberdade de manobra dos governos nacionais e para a sua submissão a um regime de liberdade vigiada contribuíram decisivamente a «financiarização» da economia, o crescimento das «finanças virtuais» e a globalização das actividades financeiras.
O processo de «inovação financeira», a imaterialidade da «engenharia financeira» e o ritmo da evolução tecnológica potenciaram um mercado financeiro global, cujos compartimentos
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nacionai ão comunicante e olidário com o todo mundial. B VR UINAT cl ifica a nova ituação como endo uma "economia internacional de e peculação", criando a nece sidade de um novo modelo de regulação do si tema financeiro.
ublinhamo a nova atitude perante o ri co como um do aspectos que, egundo B VR UINAT, caracteriza a "economia internacional de e peculação", de de o irúcio da década de no-
enta. A nova atitude pa a pela ilu ão de imunidade perante o risco, por parte dos operadore económico, graças ao processo de «ino ação financeira», à construção de «produtos financeiros deri ados», como os swaps, as opçõe e os futuros, às técnicas de «engenharia financeira», à diversificação internacional das carteira de título e à permutação incessante do activos de uporte (acçõe, obrigaçõe , multidivisas, activos a curto prazo,
activo a longo prazo operaçõe com taxas fixas, operações com taxas variáveis) ; e te fenómeno provocam um «efeito alavanca» reforçado, a atenuação da linha separadora entre a arbitragem e a e peculação e a afirmação da e peculação como centro autónomo de proveitos.
A maleabilidade e a transmutabilidade das operações de «engenharia financeira», construídas «à medida» de cada operador, reforçam, em cada agente individualmente considerado, a sensação de imunidade perante o risco. A «imunização individual», atravé da transferência do risco e da assunção profissional do mesmo por algun operadores, não dilui o risco na colectividade; este poderá mesmo er exponenciado, uma vez que o «risco istémico» é superior ao somatório dos riscos individuais.
Em La Tyrannie des Marchés - Essai sur [' Économie Virtuelle, B OVR UINAT si tematiza os riscos associados aos mercados derivado , diferenciando entre os risco a nível microanalitico e os riscos globais; quanto aos primeiros, alude ao "risco de crédito", ao " ri co de mercado", ao "risco de liquidez" e ao "risco operatório"; relativamente aos segundos, referencia o "efeito de transferência", o "ri co de dominó" , o "efeito retroactivo" e o " risco sistémico".
Na presente recensão, concentrar-nos-emos no segundo grupo. O "efeito de transferência" resulta de cada operador não «apagaD> o risco, mas antes de o repercutir, através de urna transacção financeira , sendo possíveis sucessivas repercussões em cadeia, com base na mesma operação subjacente; o "risco de dominó" alude à po ibilidade de incumprimentos sucessivos, por
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arra tamento, em virtude de um incumprimento irúcial por parte de um operador; o "efeito retroactivo" refere a hipótese de a rápida progressão da «operaçõe -papel» refrear o mercado de títulos subjacente ou de retroagir sobre as cotações; o "risco istémico", fruto da adição dos riscos anteriores, e cujo somatório
exponencia os efeitos de contágio, alerta para a eventualidade de uma crise geral do sistema financeiro, tendo por base a generalização de disfunções cumulativas.
No contexto da "economia internacional de especulação", o «risco sistémico» não se compartimenta nos espaços nacionais, antes exige medidas de prevenção, de combate e de controlo à e cala global. Repensar o papel dos e tados nacionais, redesenhar as suas estratégias de intervenção , redefinir ou criar espaços supranacionais de actuação, são questões centrais que atravessam as duas obras que servem de suporte a esta recensão .
Porém, enquanto que em lA Tyrannie des Marchés - Essaí sur l'Économie Virtuelle B URGUlNAT denuncia, sobretudo, a «tirania dos mercados», em L'Économíe Morale - Le Marché Cotltre les Acquís organiza já o contra-ataque.
O primeiro capítulo de L' bconomíe Morale - Le Marché Contre les Acquís, intitulado lA globalísation au-delá du mythe, problematiza o conceito de globalização e precisa o seu conteúdo, nomeadamente diferenciando-o do de internacionalização.
Particularmente elucidativa é a réplica aos argumentos que contestam a especificidade e a importância do processo de globalização; B OVRGVINAT questiona o «argumento da anterioridade», segundo o qual a globalização seria apenas o prolongamento da tendência de internacionalização das trocas e de abertura das economias; nega que a globalização seja apenas a extensão da internacionalização a novos sectores anteriormente protegidos, como os serviços financeiros, as telecomunicações e o audiovisual; nega que a capacidade de controlo dos estados tenha sido mantida ou apenas substituída por organizações supranacionais, como a OMe, o FMI ou a União Europeia.
B UR UINAT realça que o «cibermundo» questiona a totalidade dos comportamentos sociais e que a actual «era da economia da informação» coincide com a da globalização.
Nesta era, a actuação dos estados é pautada pelos cntenos de «credibilidade» e de salvaguarda da «reputação» junto dos mercados; estes julgam e classificam, constantemente, de acordo com a sua lógica exclusiva, a da procura da máxima rendibilidade.
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B URGUI AT não ub creve te e de autore , como Hirst Thomp on, egundo a quai a re trição da lIberdade de
acção do governo eria compen ada por proce so de regulamentaç -o de u b tituição no plano mundial; egundo e tes proce o, o FMI, o Ban o Mundial e o Banco de Pagamentos InternaClon;u upervl lOnariam moeda e o crédito, a MC regularia o comércio, a CDE, a União Europeia, a NAFTA ou o Merco ul dirigiriam o bloco regionai . No entanto, estas organizaçõe repre entam experiência diversificada, encontrando- e verdadeiras tran ferência de oberania a par de impIe form inCipiente de coordenação. Além de ta diversidade, a que tão nodal é a de aber e e tas instituições serão capazes de e dissociar dos intere es do mercados, ou se, também elas, e tarão ujeitas ao te te de credibilidade.
No capítulo II , intitulado lA lo; des marcltés, B UR. UINAT considera o mercado mundial de capitai como a pedra angular da globalização; mercado e e cada vez mais sofisticado, de materializado e dotado de «produto virtuaiS», sucessivamente mais fluido e imateriais. No entanto, também é verdade que a economia real se mundializa, atravé da trocas comerciai, da de localização da actividade produtivas e do investimento directo e trangeiro, graças à diminuição dos custos de transporte, à evolução tecnológica e à percepção pelo investidores do mercado mundial como um todo .
Porém, quai quer que sejam os progressos da «integração real», e ta apre enta um desfasamento em relação à «integração financeira». E se de fasamento é reforçado pelas diferentes velocidades de reacção aos inais transmitidos pelos mercados, gerando uma desconexão entre os sectores real e financeiro .
O sector financeiro é dotado de ubiquidade e apresenta uma reactividade quase instantânea aos sinais dos mercados, gerando um desequilíbrio em relação ao sector real . Neste último, os níveis tecnológico , as condições dos mercados de trabalho, a repartição dos recurso naturais e os próprios comportamentos sociais e tão longe de ser unificados. O desfasamento de ritmos de integração faz com que os mercados financeiros sejam mais eficientemente arbitrados do que os da economia real e com que a convergência das taxas de rendimentos financeiros seja superior à das da economia real. Desta forma, BOURGUINAT compara a «norma internacional de rendibilidade», ditada pelo ector financeiro, desregulamentado e ubíquo, com as «taxas de
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rendibilidade dispersas» da econOtnla real, tradutoras de custos ocultos e de rigidezes.
Ao sublinhar a coexistência de duas velocidades de reacção diferentes, BOURGUINAT precisa que a relação entre a economia real e a economia financeira não é marcada por uma «desconexão», mas im dominada por "temporalidades diferentes" .
A «norma internacional de rendibilidade financeira» torna-se a base da regulação económica, sujeitando os operadores a uma dupla pressão: por um lado, os recursos ão canalizados para os países onde se produz a custos mais baixos e com menores ruveis de protecção social e ambiental; por outro, a aludida norma toma-se o referencial permanente ao qual todos os operadores se sujeitam, através do teste de credibilidade e da supervisão permanente dos mercados.
BOURGUINAT explicita que, hoje , todos os operadores (governos, empresas, fanúlias) se encontram em regime de liberdade vigiada pelos mercados. Só que estes têm patologias, geram instabilidade, possuem disfunções profundas e desencadeiam deseconomias externas.
B URGUINAT realça as "miopias transitórias" resultantes de as múltiplas microdecisões, tomadas nos mercados, ignorarem as perspectivas de evolução a longo prazo e de se basearem, maioritariamente, nas antecipações de lucros a curto prazo. Observando alguns episódios da história económica recente, apura= se que os mercados se desregram periodicamente e que, por norma, não integram nas suas antecipações certas evoluções a longo prazo, tanto económicas como sociais.
Um outro aspecto caracterizador dos actuais mercados, principalmente dos financeiros , são as «profecias auto-realizadoras» e as "antecipações mirnéticas", capazes de transformar em realidade simples rumores ou uposições, por vezes erróneos. Os mercados apresentam um comportamento «ciclotímico», sucedendo-se períodos de euforia e fases de depressão; este comportamento é potenciado pela "dinâmica mirnética", geradora de «bolhas especulativas», que podem desempolar bruscamente, gerando a instabilidade e a desordem.
Segundo BOURGUINAT, este comportamento, que alterna entre altas excessivas e baixas irracionais, constitui a realidade quotidiana dos mercados, sendo a ordem e a desordem o anverso e o reverso deste tipo de mecanismo de afectação dos recursos e o preço a pagar pela sua eficácia.
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No capítilo III, denominado L'économie mora/e, urge o apelo à «economia moral», concebida como a reivindicação de um proce o de arbitragem-conciliação, por parte de uma autoridade ituada acima do mercado; a economia moral corresponderia
à aspiração a " um recurso em última in tância a um poder uperior, u ceptível de servir de paliativo aos desregramentos
eventuai do mercado ou de corrigir o seu ubprodutos mais negativo ".
B VRGUINA T e clarece que a aspiração a um recurso em última instância corre ponde à procura de uma presença tutelar, outrora as egurada pelo oberano, hoje pelo estado e amanhã, talvez, por organizaçõe internacionai. A questão actual é a de aber e o e tado ainda tem capacidade e e é dotado dos meios
para a egurar e a intervenção. No capítulo IV, intitulado L'Etmpe à contre-emploi?, B VR
GUI A T que tiona se a Europa poderá constituir o «recurso de última instância», examinando qual a função da integração europeia no contexto da globalização.
Fazendo um breve hi torial do processo de integração, B VRGUl A T ob erva as alteraçõe dos de ideratos iniciais da CEE em relação aos actuai da UEM; realça o declínio do princípio da preferência comunitária e a afinnação da Europa como vector de mundialização; sublinha, principalmente, a actual preocupação de Bruxelas de upressão acelerada de tudo o que possa entravar a concorrência. Desta forma , conclui que a actual Europa pouco tem de comum com a dos anos 50, 60 e 70 e que e tornou um acelerador da globalização.
Neste contexto, surge o capítulo V, denominado L'euro tant désiré, onde se reflecte sobre a articulação entre a criação do euro e a inserção da Europa na economia mundial. Traçam-se, nomeadamente, diferentes conjecturas sobre um euro «forte» ou «fraco» e obre a sua coordenação com o dólar. Na óptica do processo de globalização, avaliam-se, também, as questões da internacionalização comercial, financeira e da circulação numerária do euro e da sua submissão aos testes de credibilidade dos mercados.
No capítulo VI, intitulado Le paradoxe des marchés émergeatlts, BOURGUINAT recorda alguns episódios financeiros recentes, como a crise mexicana de 1994 e a crise asiática de 1997, e procura tornar perceptíveis a natureza destes mercados e o seu contributo para a globalização. Mais do que saber se se tratam
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de mercados «emergentes» ou «imergentes», a questão será a de apurar o seu papel na globalização do mercado financeiro, na diversificação das carteiras de investimentos e na propagação dos «efeitos de contágio».
O estudo da recente crise asiática realça o papel dos mercados como sancionadores das imprudências financeiras e os reflexos desta nas economias reais. B UR. UINAT sublinha que a "economia internacional de especulação" origina distorções no sector produtivo, nomeadamente a «inadaptação das linhas de especialização produtivas», introdutoras de fragilidades suplementares.
Relevantes, também, são as considerações sobre a articulação entre a entrada de capitais estrangeiros e a poupança interna nos «mercados emergentes» e sobre o papel dos «capitaux hirondelles», que nada mais são do que o hot money, já conhecido desde os anos 30, mas que agora encontra processos mais rápidos e sofisticados de propagação.
No início desta recensão, aludimos à expectativa com que iniciámos a leitura de L'Économie Morale - Le Marché Contre les ACfJuis; agora, está na hora de revelar que essa expectativa foi plenamente correspondida quanto ao diagnóstico dos problemas suscitados pela globalização e das suas implicações nas esferas da economia real e da economia financeira, embora o mesmo já não possamos afirmar relativamente ao contra-ataque desenhado na forma de l' accomondiation.
O contra-ataque é delineado, principalmente, no capítulo VII, intitulado L'accomondiation - ou comment s'accommoder de la mondialisation; o autor sugere a expressão accomondiation, explicitando tratar-se da "contracção cómoda de duas palavras (accommodation e mondialisation)".
Perante a mundialização, BoUR. UINAT considera o comportamento dos que ignoram a pressão dos mercados como «suicidário», embora também se recuse a confiar a solução dos problemas à "marcha do rolo compressor da concorrência internacional". Nesta senda, coloca frente a frente dois discursos: o dos liberais, que assegura a resolução dos problemas se prevalecer a lei dos mercados; o dos partidários da «economia mista francesa» , defensor dos seus acquis.
É neste ponto que surge um aspecto reducionista nesta obra; se é certo que o diagnóstico é mundializado, também é verdade que a accomondiation é afrancesada. As sotuções preco-
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nizadas ão delineadas em função da «economia mista» france a e com vi ta à alvaguarda e à reforma do eu acq'~is .
Com efeito, B UR VINAT parte do cenário de uma «economia mi ta», repleta de ituaçõe corporativi t e de intervenõe e tatai e onde a de pe a pública corre ponde a cerca de
54% da riqueza criada anualmente. Ne te contexto, o autor que tio na- e sobre como conci
liar a «mercadizaçãol> cre cente decorrente da mundialização e a manutenção da «excepção france aI>. Em respo ta, propõe uma "pedagogia da mudança", constituída por uma selecção de medidas, cuja ideias-chave ão: a erradicação de tudo o que se tornou anacrónico, no actual contexto da mundialização; a exigência de contrapartidas decorrente da accomondiation (o aggiornamel1to económico e ocial exige compen ações aos que vêem o seu rendimento reduzido) ; a afirmação de valores para a obrevivência do capitali mo francê modernizado, no decurso do proce -o de globalização.
B VRGUI A T examina o cu to da excepção francesa no panorama mundial, propondo mudança no sector público, na administração pública, na egurança ocial, no sistema de saúde e em vários sectore corporativamente protegidos.
O autor realça "uma dupla e decisiva reforma" para garantir a firmeza da economia francesa no contexto da globalização: a do fomento de uma cultura de criação de empresas e de actividade e a da reformulação do mercado de trabalho.
Começa por denunciar a compressão da base de produção material, visto que a camada de activos dos sectores primário e secundário se reduz progressivamente, desenhando uma pirâmide construída sobre uma ba e produtiva cada vez mais e treita. De ta forma, o fardo da produção material pesa sobre uma fracção da população em e treitamento, enquanto se as-iste ao empolamento dos erviços progressivamente afastado da
base material. B VRGU1NAT propõe o incremento de uma cultura de cria
ção de empresas e de actividades a todos o níveis (câmaras profi sionais, escolas, universidades, empresas), acompanhada de medidas de simplificação de formalidades administrativas, de reestruturações jurídicas e fiscais e do fim de vários controlos burocráticos. Tal passaria por iniciativas individuais de operários, artesãos, quadros, estudantes e pequenos empresários, que, com base em instrumentos como o capital de risco e outras formas de financiamento, criariam uma rede diversificada de pequenas
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e de média empresas, geradora de emprego estável e redutora do «défice empreendedor» francês.
O outro aspecto da "dupla e decisiva reforma" prende-se com o mercado de trabalho francês; este, além de altas taxas de desemprego, apresenta características de profunda rigidez, de falta de mobilidade, de elevado custo do factor trabalho, de pesados encargos com a segurança social e de progressiva degradação da ralio entre população activa e passiva.
B URGUlNAT sublinha os aspectos demográficos decorrentes do envelhecimento populacional, do prolongamento da esperança de vida, do decréscimo da taxa de fecundidade, em paralelo com a diminuição da idade de reforma, com os processos de reestruturação empresarial baseados em reformas antecipadas e com o acesso tardio dos jovens ao primeiro emprego. Estes problemas põem em causa o financiamento do sistema público de pensões, provocam a dirrúnuição da sua base contributiva e questionam os seus princípios de repartição e de equilíbrio intergeracional.
B URGUINAT questiona, também, o funcionamento francês das ajudas sociais, nomeadamente do subsídio de desemprego, muitas vezes desincentivado r da procura de emprego. Em alternativa, considera preferíveis medidas de ajuda positiva ao emprego, nomeadamente a concessão de abonos substancialmente aumentados aos que encontrem rapidamente trabalho ou para aqueles que aceitem subqualificações transitórias , de forma a combater o desemprego de longa duração e a evitar uma mentalidade assistencialista, sobretudo nos jovens. Para a reforma do mercado de trabalho, sugere, ainda, maior fluidez nas formas e nos horários de trabalho e o recurso ao trabalho em tempo parcial.
B OURGUINAT esclarece que estas medidas não visam nem «um desengorduramento à americana» (' downsizing') nem uma «ferocidade social», que reforcem as desigualdades e criem uma tensão permanente entre os assalariados, em beneficio do capital. Aliás, explicita que o objectivo é o de encontrar um meiotermo entre um nível de protecção social incompressível, ligado ao reconhecimento fundamental da dignidade das pessoas, e um incitamento à procura de trabalho.
No mesmo sentido, elucida que a aceitação de maior mobilidade social passa pela oferta de contrapartidas substanciais. A accomondiation exige um aggiornamento económico e social, que
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eja uportado por todo o corpo ocial e por todo os sectore de actividade, quer público, quer privado .
Quanto ao ector público, sugere a alter ção do esquemas de promoção na carreiras, a criação de mecam mos de diferenciação alarial, a flexibilização das forma de prestação de erviço, a redefinição do proce so de nomeação dos cargo
público e a revi ão da ituaçõe profi ionai corporativamente protegida e defendida atravé de monopólio públicos.
Relati amente ao ector privado, o aggiomamerlfo passa pela renovação das políticas de contratação e de remuneração.
Quanto ' primeiras, alerta para o perigo das «transversalidade » das transições entre o sector público e o sector privado, frequente no cargos de direcção das grandes sociedades capitalistas france , obretudo por parte de antigos membros dos gabinete mini teriai .
Quanto à egundas, defende a partilha equitativa do valor acre centado na produção, nomeadamente fazendo corresponder o aumento alariais aos ganho de produtividade das empre as.
Finalmente, B OUR UI AT afirma que a sobrevivência do capitalismo francê modernizado, emagreddo e ágil, no contexto do actual processo de globalização, pas a pela afirmação de valores e pelas reformas educativas.
Perante as mudanças tecnológicas e sociais, considera como deci ivas a promoção da cultura da mobilidade e da descentralização, a formação contínua, a reabilitação dos princípios da responsabilização e da consciência profissionai , a todos o níveis, e a afirmação de «solidariedades e paciais».
Neste último aspecto, realça o «paradoxo do arranjo regional» decorrente de, cada vez mais, as forças da mudança serem a-regionais (globais), embora os seus impactos (positivos ou negativo) tenham bases territoriais precisas. Daí a defesa da intensificação das solidariedades regionais e, mais uma vez no contexto francês, o alerta para a redefinição do eu quadro regional.
B OURGUINAT conclui que o sucesso da accomondiation passa pela «refundação do sistema de ensino», fuzendo uma crítica cerrada ao actual sistema francês e à actuação dos seus responsáveis, bem como apontando algumas pistas para a mudança.
No epílogo da obra, intitulado Apres demain... la protection?, B OURGULNAT denuncia a tentação daqueles que para curar novas doenças buscam velhos remédios (o controlo dos câmbios,
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o enquadramento do crédito, o licenciamento das importações, o tabelamento dos salários, as nacionalizações) .
Além da impossibilidade prática decorrente dos compromissos franceses no quadro da União Económica e Monetária, o autor classifica como utópicas as propostas proteccionistas, com base em três argumentos: a «não separabilidade» dos efeitos da mundialização; a inserção dos espaços socio-económicos nacionais como partes integrantes do todo mundial; a insustentabilidade das represálias às medidas proteccionistas internas.
A «não separabilidade» dos efeitos da mundialização resultaria de, no actual mundo global, os produtos, os saberes, os capitais e, sobretudo, as informações não terem fronteiras, havendo cada vez menos diferença entre o «interno» e o «externo». Desta forma, as interpenetrações tomar-se-iam tão intensas que as tentativas para as separar ou desconectar gerariam desequilíbrios piores do que os males que pretendiam tratar. Na curiosa imagem de BOURGUINAT, deixa de ser possível "captar a CNN, passar rerias nas Seychelles, utilizar os últimos aparelhos japoneses e, simultaneamente, não aceitar os rudes constrangimentos da concorrência internacional".
Uma vez que cada espaço socio-económico nacional surge como um micro-espaço geo-económico integrante do todo mundial, não será mais possível conceber e gerir isoladamente cada um deles , quando já todas as suas ligações vitais estão «desterritorializadas» .
Por último, num mundo caracterizado pela extrema «solidariedade funcional» entre as economias, aumentaria a insustentabilidade das represálias às medidas proteccionistas internas.
Perante a impossibilidade de medidas proteccionistas, BOURGUINAT deu-nos a conhecer o seu cenário alternativo para a França, consubstanciado nas várias propostas apontadas no texto, com vista à construção de um capitalismo emagrecido, ágil e moral.
Em jeito de síntese, tal como já aludimos, encontrámos um desfasamento entre o diagnóstico globalizado, nomeadamente das patologias financeiras associadas ao «risco sistémico», e as soluções apontadas, marcadamente francesas, com vista à salvaguarda e à reforma dos seus acquis.
José Manuel Quelhas Faculdade de Direito de Coimbra