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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviques artimos do fato óbvio de que a atuação de uma organização seja, contra a burguesia ou mesmo no interior do movimento de massas, se realiza com muito mais força quando há unidade política e ação comum do conjunto da organização. Uma ação unitária e coesa torna qualquer intervenção muito mais forte e decisiva. Fato óbvio. Mas até chegar a essa unidade política e à intervenção comum no movimento existe uma história. Existe uma trajetória até que a política discutida internamente na organização se transforme nessa intervenção em comum a ser levada ao movimento. Então o óbvio deixa de ser óbvio para ser o resultado de um método de discussão, de debate, afirmações, negações, negação da negação, de uma luta intensa que se desenvolveu no interior de um movimento ou de um organismo qualquer da classe. Temos que responder a algumas perguntas cruciais nesse debate: vamos tratar o tema do centralismo democrático como uma expressão matemática em que o menor número de votos se submete ao maior número de votos? A situação de uma minoria totalmente descontente em um partido/ organização no qual nenhum setor consegue se impor moralmente perante o conjunto se resolve simplesmente por meio da expulsão dessa minoria ou da inovadora fórmula morenista de “experiência em separado”? Ou mesmo indo construir outra organização, ainda que a diferença seja bem pontual? Para (re)discutirmos o centralismo democrático devemos nos perguntar se queremos continuar com o mesmo discurso mecânico que a esquerda desenvolveu ao longo do século XX, mais especificamente a partir do X Congresso do Partido Bolchevique, ou se vamos pensar o tema a partir do conceito e das categorias da dialética que estudamos; se vamos nos adaptar ao modelo que a maioria da esquerda adotou ou vamos ter a luta de classes como determinação para a nossa compreensão do centralismo e da sua própria medida? Nos textos de outras organizações aqui estudados, chama a atenção o fato de que todas elas reivindicam o centralismo e ao mesmo tempo se esforçam para diferenciar o centralismo democrático do burocrático; e evidentemente cada uma delas reivindica o seu modelo de centralismo como sendo o único democrático. Os trotskistas de maneira geral fazem referência ao “centralismo democrático do Partido Bolchevique de Trotsky e Lênin”, mas sem explicar de que Partido (ou período da história do partido) Bolchevique estão falando, uma vez que é possível identificar regimentos internos bem distintos na história do Partido Bolchevique. Neste estudo, vamos trabalhar com uma divisão sumária da história do partido em dois períodos, um antes do X Congresso e outro após. Esse Congresso foi um marco no regime interno do partido, pois votou várias restrições à democracia, como a proibição de tendências e frações. O que há de comum entre todas as posições que reivindicam o centralismo, ainda que não haja nenhum texto desses setores sobre o tema, é que na prática a referência é o regime de funcionamento votado no X Congresso. As organizações stalinistas ou oriundas do stalinismo deliberadamente assumem as resoluções do X Congresso e as medidas internas posteriores como o modelo para o funcionamento de seus partidos. Nesse modelo o Comitê Central está acima do partido e a ele todos os organismos e militantes partidários devem obediência. A própria acusação que todos os setores fazem uns contra os outros de que o centralismo que aplicam é burocrático é a maior prova de que os regimes de funcionamento que se pretendem (até no nome) democráticos na maioria dos casos são extremamente anti- democráticos e burocráticos. A tentativa de se aproximar de um método e a sua transformação em modelo obriga aos que o reivindicam a abstrair a realidade concreta em que foi construído e o próprio desenvolvimento do método de organização. A reivindicação do centralismo nos moldes em que é aplicado precisa se legitimar e essa legitimação – de forma mecânica – é buscada no funcionamento do Partido Bolchevique e na experiência russa, transformando o partido russo no modelo a ser seguido e “russificando” o regime interno. É importante nos afastar das duas interpretações, as quais, mesmo apresentando diferenças, estão muito mais próximos de um funcionamento burocrático do que democrático, no seu funcionamento concreto, de modo que as suas semelhanças são muitas, como veremos mais à frente. O nome democrático passou a ser o enfeite de um regime partidário que se esforça para repetir a história, mas que a história tem encarado como farsa, como acontece com toda tentativa de transportar um modelo por longas nove décadas. A nossa grande tarefa é pensar esse tema na situação concreta da luta de classes que enfrentamos. A primeira conclusão importante é que não vamos adotar nenhum modelo ou nenhuma fórmula fixa que se aplique em toda e qualquer situação política, em toda e qualquer intervenção da organização, método próprio dos mecanicistas. A interpretação da luta de classes é que orientará nossa compreensão e como a organização intervirá, a tática adequada para cada situação política. O nosso funcionamento interno será construído a partir da leitura que fazemos da luta de classes e dos desafios Texto integrante da Revista Primavera Vermelha No.2 Texto aprovado na Conferência do Espaço Socialista em 2009

Recuperar o conceito de centralismo democrático

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dosbolcheviques

artimos do fato óbvio de que a atuação de umaorganização seja, contra a burguesia ou mesmono interior do movimento de massas, se realizacom muito mais força quando há unidade política

e ação comum do conjunto da organização. Umaação unitária e coesa torna qualquer intervenção muito maisforte e decisiva. Fato óbvio. Mas até chegar a essa unidadepolítica e à intervenção comum no movimento existe umahistória. Existe uma trajetória até que a política discutidainternamente na organização se transforme nessa intervençãoem comum a ser levada ao movimento. Então o óbviodeixa de ser óbvio para ser o resultado de um método dediscussão, de debate, afirmações, negações, negação danegação, de uma luta intensa que se desenvolveu no interiorde um movimento ou de um organismo qualquer da classe.

Temos que responder a algumas perguntas cruciais nessedebate: vamos tratar o tema do centralismo democráticocomo uma expressão matemática em que o menor númerode votos se submete ao maior número de votos? A situaçãode uma minoria totalmente descontente em um partido/organização no qual nenhum setor consegue se impormoralmente perante o conjunto se resolve simplesmente pormeio da expulsão dessa minoria ou da inovadora fórmulamorenista de “experiência em separado”? Ou mesmo indoconstruir outra organização, ainda que a diferença seja bempontual?

Para (re)discutirmos o centralismo democráticodevemos nos perguntar se queremos continuar com omesmo discurso mecânico que a esquerda desenvolveu aolongo do século XX, mais especificamente a partir do XCongresso do Partido Bolchevique, ou se vamos pensar otema a partir do conceito e das categorias da dialética queestudamos; se vamos nos adaptar ao modelo que a maioriada esquerda adotou ou vamos ter a luta de classes comodeterminação para a nossa compreensão do centralismo eda sua própria medida?

Nos textos de outras organizações aqui estudados,chama a atenção o fato de que todas elas reivindicam ocentralismo e ao mesmo tempo se esforçam paradiferenciar o centralismo democrático do burocrático; eevidentemente cada uma delas reivindica o seu modelo decentralismo como sendo o único democrático. Ostrotskistas de maneira geral fazem referência ao“centralismo democrático do Partido Bolchevique deTrotsky e Lênin”, mas sem explicar de que Partido (ouperíodo da história do partido) Bolchevique estão falando,uma vez que é possível identificar regimentos internos bemdistintos na história do Partido Bolchevique. Neste estudo,vamos trabalhar com uma divisão sumária da história do

partido em dois períodos, um antes do X Congresso eoutro após. Esse Congresso foi um marco no regimeinterno do partido, pois votou várias restrições àdemocracia, como a proibição de tendências e frações.

O que há de comum entre todas as posições quereivindicam o centralismo, ainda que não haja nenhum textodesses setores sobre o tema, é que na prática a referência éo regime de funcionamento votado no X Congresso. Asorganizações stalinistas ou oriundas do stalinismodeliberadamente assumem as resoluções do X Congressoe as medidas internas posteriores como o modelo para ofuncionamento de seus partidos. Nesse modelo o ComitêCentral está acima do partido e a ele todos os organismose militantes partidários devem obediência.

A própria acusação que todos os setores fazem unscontra os outros de que o centralismo que aplicam éburocrático é a maior prova de que os regimes defuncionamento que se pretendem (até no nome)democráticos na maioria dos casos são extremamente anti-democráticos e burocráticos. A tentativa de se aproximarde um método e a sua transformação em modelo obrigaaos que o reivindicam a abstrair a realidade concreta emque foi construído e o próprio desenvolvimento dométodo de organização. A reivindicação do centralismonos moldes em que é aplicado precisa se legitimar e essalegitimação – de forma mecânica – é buscada nofuncionamento do Partido Bolchevique e na experiênciarussa, transformando o partido russo no modelo a serseguido e “russificando” o regime interno.

É importante nos afastar das duas interpretações, asquais, mesmo apresentando diferenças, estão muito maispróximos de um funcionamento burocrático do quedemocrático, no seu funcionamento concreto, de modoque as suas semelhanças são muitas, como veremos mais àfrente. O nome democrático passou a ser o enfeite de umregime partidário que se esforça para repetir a história,mas que a história tem encarado como farsa, como acontececom toda tentativa de transportar um modelo por longasnove décadas. A nossa grande tarefa é pensar esse tema nasituação concreta da luta de classes que enfrentamos.

A primeira conclusão importante é que não vamosadotar nenhum modelo ou nenhuma fórmula fixa que seaplique em toda e qualquer situação política, em toda equalquer intervenção da organização, método próprio dosmecanicistas. A interpretação da luta de classes é queorientará nossa compreensão e como a organizaçãointervirá, a tática adequada para cada situação política. Onosso funcionamento interno será construído a partir daleitura que fazemos da luta de classes e dos desafios

Texto integrante da

Revista Prim

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o.2 Texto aprovado na Conferênciado Espaço Socialista em 2009

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011concretos a serem respondidos. Não encaramos o regimeinterno como um aspecto organizativo, mas sim comouma política.

A atuação em comum e unitária de uma organizaçãonão é construída com o número de votos que cada posiçãoconquistou nas disputas políticas e teóricas no interior daorganização. Isso é apenas uma parte do problema. Aunidade é fundamentalmente uma compreensão tambémcomum da realidade. Havendo acordo na estratégia e natática, a discussão do centralismo não aparece como umproblema. Essa é uma situação ideal e como todoidealismo essa hipótese é autoritária, porque despreza ascontradições, impondo uma uniformidade que desafia omundo concreto e a dinâmica da luta de classes.

Do ponto de vista da estratégia, o programa e a teoriasão os elementos que formam o pilar da organização. Oprograma de uma organização é o mais importante, poisele é uma compreensão mais abrangente da situação daluta de classes vista numaperspectiva estrutural e quebusca abarcar a totalidade. Oprograma é o orientadormáximo de uma organizaçãorevolucionária, um caminhãoque transporta dezenas e talvezcentenas de posições políticasem comum sobre variadostemas que a luta de classescoloca para os revolucionários.E a própria luta de classes seencarrega de hierarquizar esseconjunto de posições políticas.O Manifesto Comunistaatravessou mais de um séculoe permanece como obra atual,porque analisou a sociedade burguesa em sua totalidade,em seu funcionamento mais estrutural.

Além da estratégia, uma organização também tem atática, que é a política para intervir na realidade concreta eimediata, ou seja, na conjuntura. A tática tem uma duraçãocondicionada ao desenvolvimento da situação política. “OCongresso do partido adota resoluções táticas paradeterminar com exatidão a atuação política do partidono seu conjunto face a problemas novos ou a uma novasituação política” (Lênin, em “Duas táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática”, citado por RaulVilla em “Notas sobre a questão da tática”).

Essa relação dialética entre a estratégia e a tática, quese expressam no programa da organização, constituem abase fundamental da unidade da organização. É em base àcompreensão comum da luta de classes e dos desafiosdecorrentes que estamos na mesma organização. Essa é asegunda conclusão importante: o programa é o eixo sobreo qual gira a nossa organização, é o elemento ordenador econstrutor da nossa unidade.

Ocorre que a relação do programa com os desafiosconcretos da luta de classes não é um processo mecânicoem que as peças vão sendo encaixadas para fazer a máquinafuncionar. É um processo muito mais complexo no qualpode ocorrer um número indeterminado de variantes.Mesmo partindo de pressupostos semelhantes, não hágarantia de chegaremos ao mesmo ponto. A dialética explicaessas relações.

Chamamos a atenção para esse fato porque, no nossocotidiano e nas questões concretas que a luta de classescoloca para cada um de nós, mesmo quando há acordocom a estratégia e com o programa, surgem diferenças natática. É nesse momento que o tema do centralismo surgecom bastante força, seja para aplicá-lo ou para negá-lo.Ou seja, a minoria acata a decisão da maioria ou, comoocorre em muitas situações, rompe com o centralismo ecom a organização. Compreender esse processo e, maisdo que isso, elaborar sobre ele, é o grande desafio desse

documento. Boa parte dasrupturas da esquerdaocorreram em torno dasquestões táticas, e mesmoentre nós o tema ressurgiu apartir de questões táticas. Otema das eleições servecomo um excelenteexemplo, porque a partir deum programa com o qualtodos concordamos, pelomenos em linhas gerais, asdiferenças aparecemquando chegamos àsquestões táticas, e não rarotemos duas ou maisposições.

Como a minoria pode se convencer de que a suaposição não era a correta se ela não for submetida à criticado movimento de massas? E se a maioria estiver errada eesse erro for desastroso para a organização e para omovimento? E se maioria e a minoria estiverem erradas?Outra conclusão fundamental: a votação de uma posiçãonão pode encerrar o debate, as reflexões. Lidar comdiferenças dentro de uma organização não é o mais fácil,pelo contrário, é o mais difícil. O mais cômodo é votar esubmeter ao centralismo as posições minoritárias, lidandocom o problema como se fosse uma operação matemáticaem que basta contar votos.

A confiança mútua em uma organização é umaconstrução histórica em que se combinam vários elementos:os acertos políticos, a camaradagem, a inserção daorganização na luta de classes, etc. Preservar esse ambientede confiança e de fraternidade deve estar entre as principaispreocupações dos militantes e da direção dessaorganização. É no momento das divergências que se abremferidas na organização e precisamos construir entre nós

É no momento das divergências que seabrem feridas na organização eprecisamos construir entre nós ummétodo que impeça que pequenas feridasse transformem em gangrena. A paciênciae a tolerância com as posições minoritáriasé fundamental, até porque em umaorganização democrática constantementehá maiorias e minorias sem que issosignifique a existência de agrupamentosinternos, e as duas condições podem seinverter em curto espaço de tempo

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesum método que impeça que pequenas feridas setransformem em gangrena. A paciência e a tolerância comas posições minoritárias é fundamental, até porque em umaorganização democrática constantemente há maiorias eminorias sem que isso signifique a existência deagrupamentos internos, e as duas condições podem seinverter em curto espaço de tempo.

A luta por construirmos um regime interno que fujados modelos nos obriga a estarmos sempre discutindo edebatendo sobre esse regime, sempre à luz da realidadeconcreta. Isso significa dizer que a cada momento podemoster uma medida ou forma de centralismo. A quarta e maisimportante conclusão dessa discussão é de que o tema docentralismo democrático precisa estar permanentementeaberto entre nós: como o compreendemos, queinterpretação damos, como estudá-lo sempre e mais afundo, junto com o o estudo da situação política,econômica e social, e com a elaboração das táticas paraintervir nessa realidade. Isso é importante porque pelacaracterística de nossa organização e pelo marxismo quepraticamos sempre teremos debates, reflexões e críticas, equando a luta de classes não estiver com suas tendênciasbem definidas, de maneira que consigamos nos unificar napolítica, certamente teremos divergências.

A CENTRALIZAÇÃO: UNIDADE EM TORNO DE UMACOMPREENSÃO EM COMUM DA REALIDADE

Uma organização politicamente centralizada, agindode maneira coesa, se torna muito mais impactante em suaatuação na luta de classes, objetivo que toda organizaçãodo proletariado deve buscar insistentemente. A burguesiatreme quando há uma grande adesão do proletariado numagreve, porque sabe que a força se multiplica. Na verdade,a unidade e unificação do proletariado é uma condiçãopara a sua vitória.

Chamamos a atenção também para a importância decompreendermos a questão da unidade a partir da dialética,como um processo vivo e como parte de uma situaçãomais geral em que atuam outras leis da dialética. A contra-revolução na Rússia também estava centralizadapoliticamente, mas não venceu; o exército americano noVietnam também era rigidamente centralizado, etc. Ou seja,a unidade é importante, mas não é a causa central da vitória,porque essa unidade precisa estar amparada pelaspossibilidades reais na luta de classes.

A unidade em uma organização revolucionária ou nasorganizações do movimento social ocorre de duasmaneiras: a) a partir de uma compreensão comum darealidade e do acordo em relação às tarefas, unificandotodos sob uma bandeira, que pode ser de aumento salarial,tirar um governo, defender uma tese num Congresso, etc;enfim uma situação em que a política é o que unifica atodos; b) a submissão da minoria à vontade da maioria.

No primeiro caso as coisas tornam-se bem simples.Para que ocorra a segunda possibilidade há outros

elementos que devem ser analisados, entre as quais o maisimportante e determinante é a existência de confiança namaioria, de maneira que a minoria abre mão de suasposições. A construção dessa confiança é um processohistórico de formação do partido e de sua direção, quepara tal necessariamente tem que ser provada por grandeslutas do proletariado. Vê-se que nessa hipótese há outrasquestões que interferem, como as subjetividades.

Quantas rupturas completamente injustificáveis jáocorreram na esquerda? Essas rupturas ajudaram ouatrasaram a construção de um instrumento político para aclasse trabalhadora? O Espaço Socialista precisa colocarno seu horizonte a necessidade de se fortalecer mais e mais,de se formar teoricamente, de ter militantes que tenhamna revolução seu projeto de vida, formar militantes paraintervir no movimento social, para assumirresponsabilidades no interior da organização e nomovimento; enfim ser um instrumento político e teóricopara a classe trabalhadora. Provavelmente todos temosacordo nesse projeto para o Espaço Socialista, mastambém temos que ter consciência de que nesse percursoaparecerão divergências. Temos que nos preparar paraenfrentá-las.

Unidade e disciplina caminham juntos. Havendounidade na organização ela certamente torna-se muito maisdisciplinada. A realização do Encontro do ABC em marçode 2009 é uma prova cabal dessa questão: a política foibem discutida, todos tinham acordo e o resultado foi queo conjunto da organização se jogou para a convocação einclusive estava em peso no Encontro.

As concepções sobre centralismo democrático baseiam-se e se justificam como continuidade do regime interno doPartido Bolchevique, modelo de partido rigidamentecentralizado que atuava como um exército. Tais concepçõesalegam que a proibição de que as discussões continuem, aproibição de tendências, o poder ilimitado da direção dopartido, etc.; nada mais são do que componentes do métodoque foi provado na principal luta do proletariado mundial.Uma parte importante dessas afirmações corresponde àverdade, mas como lidamos com a totalidade, precisamosbuscar a “outra” parte dessa história.

A prevalecer essa concepção – como prevaleceudurante todo o século XX – ela dá margem para que secontinue a praticar absurdos e inverdades em nome deuma história extremamente rica e complexa e que pela suaprópria natureza foi constituída por uma infinidade demovimentos e contradições. Não podemos permitir queessas ricas experiências continuem negligenciadas porquerevelam, ao nosso ver, uma essência do Partido Bolcheviqueque foi escondida pelo stalinismo e que o trotskismo nãoconseguiu resgatar.

A formação do Partido Bolchevique é uma históriade rupturas e reconciliações, de acordos e divergências, delutas políticas e teóricas que ora se mantinham nos limitesdo POSDR e ora fora dele, ora nos limites da fração

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011bolchevique, ora fora dela porque se optou pela ruptura.Unidos ou separados, o marco comum da ação são asposições políticas que versam sobre a estratégia e as posiçõesteóricas. Não conhecemos rupturas que tenham se dadopor questões táticas. Só para ficar em um exemplo, a rupturacom a II Internacional aconteceu em função de uma traiçãohistórica e de grandes conseqüências para a humanidade, avotação dos social-democratas alemães em favor doscréditos de guerra.

Os momentos de centralização do partido (seja oPOSDR ou o bolchevique) sempre foram resultado dalinha política adotada. A unidade do partido não era formal,consolidada apenas porque houve uma votação, massubstancial, porque havia um programa, uma estratégia bemdefinida e discutida e que expressava os anseios doproletariado russo. Havia unidade na tática, mas sobretudona estratégia. A orientaçãopolítica era o que centralizavao partido: “...não se meditasuficientemente sobre o queisso significa e sobre ascondições em que isso setorna possível. (...) Somentea história do bolchevismo emtodo o período de suaexistência é capaz de explicarsatisfatoriamente as razõespelas quais ele pôde forjar emanter, nas mais difíceiscondições, a disciplina férrea,necessária à vitória doproletariado (...) A primeirapergunta que surge é aseguinte: como se mantém adisciplina do partidorevolucionário doproletariado? Como é ela comprovada? Como éfortalecida? Em primeiro lugar, pela consciência davanguarda proletária e por sua fidelidade à revolução, porsua firmeza, seu espírito de sacrifício, seu heroísmo.Segundo, por sua capacidade de ligar-se, aproximar-se e,até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as maisamplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massasproletárias, mas também com as massas trabalhadoras nãoproletárias. Finalmente, pela justeza da linha política seguidapor essa vanguarda, pela justeza de sua estratégia, e de suatática políticas, com a condição de que as mais amplasmassas se convençam disso por experiência própria. Semessas condições é impossível haver disciplina num partidorevolucionário realmente capaz de ser o partido da classeavançada, fadada a derrubar a burguesia e a transformartoda a sociedade. – grifamos – (Lênin. “Esquerdismo,doença infantil do comunismo”).

O exemplo da história do Partido Bolchevique éinteressante porque ele demonstra as duas formas pelas

quais a unidade era construída entre os revolucionários:uma política bem discutida e a confiança entre os camaradase para com o partido e a revolução.

O PARTIDO BOLCHEVIQUE: UMA HISTÓRIA DE CONFRONTOSNessa parte do documento buscamos comprovar, a

partir dos textos históricos, que o Partido Bolchevique tinhaum funcionamento extremamente democrático, comdiscussões internas e externas sobre variados temas. Erauma vida rica em debate, em críticas, mas também – comojá foi dito – de uma disciplina e coerência fora do comum,capaz de multiplicar a sua força. O processo democráticode discussão transformava cada resolução em uma armae em uma força descomunal.

Pouco ou quase nada se escreve sobre o funcionamentodo Partido Bolchevique antes do seu X Congresso,

realizado em março de1921, um marco no que seconvencionou a chamar decentralismo democrático.Todas as variadas teses sobrecentralismo democrático,sejam as dos trotskistas oudos stalinistas, têm nasresoluções desse Congressoa referência. Se de um ladoos trotskistas reivindicam ademocracia que essaresolução sintetizava, deoutro o regime interno doPartido Bolchevique votadonesse Congresso serviu debase para os expurgosstalinistas. O que explica queuma mesma resolução possaservir para duas formas

antagônicas, como o trotskismo e o stalinismo?O que procuramos ressaltar é que o regime interno

votado nesse X Congresso é uma ruptura com um modelodemocrático e centralizado de partido revolucionário. Éuma ruptura com uma concepção democrática de debatesinternos. E também é uma ruptura com a fraternidade e asolidariedade entre militantes, e com a paciência para comaqueles que “perdem a cabeça” (uma referência de Lêninsobre o comunista alemão Levi que foi expulso do partidocomunista alemão unificado). É uma ruptura com umatradição construída durante anos no Partido Bolchevique.

É certo que nesse Congresso, realizado no calor dosacontecimentos de Kronstadt, é votado um novo regimede funcionamento interno que, entre outras coisas, colocafim à possibilidade de existência de frações e tendênciasno Partido Bolchevique. Mas também é certo que aresolução tinha um caráter temporário. A proibição dasfrações e tendências era uma necessidade para enfrentaros desafios daquele momento em que o partido e toda a

O que procuramos ressaltar é que o regimeinterno votado nesse X Congresso é umaruptura com um modelo democrático ecentralizado de partido revolucionário. Éuma ruptura com uma concepçãodemocrática de debates internos. E tambémé uma ruptura com a fraternidade e asolidariedade entre militantes, e com apaciência para com aqueles que “perdem acabeça” (uma referência de Lênin sobre ocomunista alemão Levi que foi expulso dopartido comunista alemão unificado). Éuma ruptura com uma tradição construídadurante anos no Partido Bolchevique

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesvanguarda revolucionária dedicavam suas vidas para aconstrução e a consolidação da revolução.

Os debates sobre esse tema não foram tranqüilos emuito menos a resolução foi adotada unanimente. Umpequeno setor votou contra a proibição das frações etendências. Também existia outro setor, como o dirigenteKarl Radek, que tinha reservas quanto à resolução: “...alvotar a favor de esta resolución, opino que podría volversecontra nosotros no obstante, la apoyo...” (Pierre Broue, p.214). Radek foi quase profético, pois a perseguição stalinistaaos dirigentes da Revolução tinha fundamento na novaeducação que dava ao partido o direito de perseguir.

Pierre Broue faz referência ao papel que Lênin cumpriuna adoção dessa resolução. Ele colocou-se inteiramente afavor de sua adoção, mas adota uma postura que, tambémsegundo Broue, buscava tornar-se tranqüilizadora para oconjunto do partido, pois a apresentava como uma medidacircunstancial, opinando que “...la acción faccional másvigorosa está jusitificada (...) si los desacuerdos sonverdaderamente muy profundos y si la correción de de lapolítica errônea del partido o de la clase obrera no puedeconseguirse de outra forma.” Mais à frente continua: “...nopodemos privar al partido y a los miembros del comitêcentral del derecho de dirigirse a los militantes si umacuestión fundamnetal suscita los desacuredos (...) notenemos autoridade para suprimirlo” (Broue, p 214).

As medidas de restrição da democracia eramtransitórias, tendo sido tomadas para responder a umadeterminada situação política em que, na opinião da maioriado partido, era preciso restringir a democracia interna comouma garantia para que se pudesse enfrentar os gravesproblemas que ameaçavam a revolução.

Em relação a essa transformação que o PartidoBolchevique sofreu fazemos referência ao capítulo V dolivro “A Revolução Traída” (a degenerescência do partidobolchevista) de Trotsky, em que se descreve o processo dedecomposição do partido e se coloca a mudança do regimeinterno como um dos elementos essenciais que permitirama ascensão de Stalin. O fim da democracia partidária, nosmoldes em que era exercida, foi crucial para a chegada aopoder do grupo de Stalin no partido. Divergir já não eraum direito dos militantes, mas um crime “contra o partidoe a direção do proletariado”. A autoridade de Trotsky estátanto no fato de que foi um dos principais expoentes dopartido durante a revolução como pelo fato de quetambém não era um bolchevique orgânico até agosto de1917, o que evidentemente o isenta.

Ser militante do partido era a garantia para que sepudesse participar ativamente de sua vida interna,constituindo na prática o processo dialético de negação econstrução de novas idéias para o partido. “O partidovelava para que as suas fronteiras se mantivessemestritamente delimitadas, mas entendia que todos os quepenetrassem no interior destas fronteiras deviam usufruirrealmente o direito de determinar a orientação da sua

política. A livre crítica e a luta de idéias formavam oconteúdo intangível da democracia do partido...” (Trotsky,“A revolução traída”. p.68/39).

Dois anos antes do X Congresso a definição decentralismo democrático no interior do partido era que“las decisiones de los organismos dirigentes deben seraplicadas com rapidez y exactitud al mismo tiempo, ladiscusión en el partido de todas las cuestiones controvertidasdentro de la vida de este, es enteramente libre hasta queuma decisión sea tomada” (Pierre Broue, p. 212). Essadefinição depois transforma-se em Resolução do XCongresso através do relatório sobre democracia operária(e não centralismo democrático), elaborado por Bukárin eque contou com os votos dos delegados da OposiçãoOperária. Como se vê, os bolcheviques não nutriamnenhuma simpatia pelo pensamento formal, e a situaçãoda luta de classes era o motor para as suas decisões. Adireção decide, amparada pela sua eleição em Congressosanuais, aplica-se a linha política, mas o debate continua, odebate é permanente. A normalidade desse processo podeser comprovada pelo fato de que estamos falando de 1919,período em que a Revolução enfrentava perigos internos eexternos e mesmo assim o partido mantinha um regimeinterno extremamente democrático.

Ainda no texto de “A revolução traída”, em relação àexistência de agrupamentos no interior do partido, Trotskytambém é bastante categórico: a doutrina stalinista, queproclama a incompatibilidade do bolchevismo com aexistência de facções, encontra-se em desacordo com osfatos. É um mito da decadência. A história do bolchevismoé, na realidade, a da luta de facções. E como poderia umaorganização autenticamente revolucionária, que apresentacomo fim revolver o mundo e reúne sob os seusestandartes, incorformistas, revoltados e combatentescheios de temeridade, viver e crescer sem conflitosideológicos, sem agrupamentos, sem formaçõestemporárias? –grifamos – ( p.69).

Com a aplicação a fundo das resoluções do XCongresso pela direção ligada a Stalin, o centralismo passaa ser o instrumento da difusão do mito– de caráterideológico – de que a direção do partido é mais importanteque o próprio partido, de que as decisões dessa direçãodevem ser adotadas não pela sua justeza política, mas tãosomente porque são da direção do partido.

Temos procurado nos textos clássicos a comprovaçãode que tanto o partido como a sociedade que esse almejavatinham como base a democracia operária e de que o seufuncionamento também caminhava nessa direção. Ou seja,no funcionamento do partido a democracia tinha um lugarprivilegiado. A reivindicação da “Oposição de Esquerda”ao stalinismo de que se voltasse ao antigo regime dopartido, como sinônimo de democracia, é ao mesmotempo uma luta contra mudanças que alteraramprofundamente o regime interno. É também uma formade legitimar as discussões levantadas pela Oposição de

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011Esquerda, ou seja, uma comprovação de que o que faziamnão era estranho à história do partido, mas partefundamental de seu funcionamento, ao qual o stalinismoqueria por fim.

Uma das resoluções do X Congresso era dirigida aosmembros da “Oposição Operária”, que foi acusada decometer – pelas posições que defendia – desvio anarquistae pequeno-burguês (“...por isso, as concepções daOposição Operária e dos elementos análogos não sãoapenas teoricamente falsas, como constituem praticamentea expressão das vacilações pequeno-burguesas eanarquistas..” – “Primeiro projeto de resolução do XCongresso do PC da Rússia sobre o desvio sindicalista eanarquista em nosso partido”, p 312/313., in “Sobre ossindicatos” – Lênin), uma resolução dura e que visavaenquadrar a Oposição Operária.

São mudanças drásticas e estranhas ao PartidoBolchevique e é por isso que são feitas concessões. A partefinal dessa resolução preserva o direito do debate continuarnas publicações do partido, pois “o Congresso indica, aomesmo tempo, que nas edições especiais, revistas, etc.,pode-se e deve-se reservar um lugar para a troca deopiniões mais minuciosas entre os membros do Partidosobre todas as questões indicadas”. Ora, o que significa ofato de que uma resolução tão dura seja seguida de umamedida democrática, senão uma indicação de que o debatepossa continuar, inclusive em revista?

A tentativa de Riazanov de fazer votar no Congressouma resolução segundo à qual deveria ser também proibidaa eleição da direção em base às plataformas foiimediatamente rechaçada por Lênin com o argumento deque “não podemos privar os membros do Partido e osmembros do Comitê Central do direito de se virar para opartido se uma questão essencial provoca desacordos; nãotemos poder para suprimir isso” (“CentralismoDemocrático”, p.137). Há evidentemente restrições àdemocracia, mas também há conscientemente medidas queasseguram o mínimo de garantias democráticas.

Outra demonstração da preocupação com ademocracia está no fato de que a defesa das posiçõespolíticas e teóricas dos dirigentes do partido não passavanecessariamente pelos organismos do partido. O debatede Lênin com Trotsky sobre os sindicatos e sobre amilitarização do trabalho se deu através de discussõespúblicas, inclusive com intervenções também públicas deLênin com críticas muito duras contra Trotsky. Do ladode Trotsky, o livro “Terrorismo e Comunismo”, publicadoem 1920, que tem como centro a polêmica com Kaustky,também contém a sua defesa da militarização do trabalho.Num caso em que dois dos principais dirigentes do PartidoBolchevique e da revolução discutem publicamente, os doissão indisciplinados ou o regime interno do partidocomporta tal atitude?

Também não encontramos registro, sob o períododo funcionamento democrático do partido, de qualquer

censura ou proibição a esse tipo de debate público.No livro “Sobre Sindicatos” há uma intervenção de

Lênin na Sessão Conjunta de Delegados ao VIIICongressos do Soviets e membros do Conselho Geral deSindicatos da Rússia e de Moscou que era composto demilitantes do partido, mas não era nenhum organismoregular do partido. Nessa intervenção Lênin defendeu umaposição pessoal que era parte de debates internos. Se umadeterminada pessoa, em uma plenária de militantes de seupartido na Conlutas, defende uma posição pessoal arespeito da qual o partido não tenha ainda chegado a umacordo, o que aconteceria? E se um militante do EspaçoSocialista fizesse o mesmo?

O Partido Bolchevique nunca teve uma visãoabsolutizada, mecânica, da centralização política dosmilitantes. Pierre Broue faz referência ao fato de que, nasdiscussões sobre as negociações do tratado de paz com ogoverno imperialista alemão em Brest Litovsky, o partidoesteve muito próximo da cisão. “A partir de la decisión delcomitê central, um grupo de responsables entre los cualesse encuentram Bujarin, Bubnov, Uritsky, Piatakov y VladimirSmirnov dimiten de todas sus funciones y recobran sulibertad de agitacion dentro y fuera del partido”. Porproposta de Trotsky, por meio de uma resolução do comitêcentral, garante-se à oposição dos “Comunistas deEsquerda” o direito de se expressarem livremente nointerior do partido. As seções do partido em Moscou ePetrogrado inclusive têm publicações que funcionamseparadamente como porta-vozes dos setores de oposição(Broué, p. 158). O momento político é também muitodelicado porque a Revolução enfrenta a contra-revolução,com graves problemas na indústria e na economia e umaguerra civil que não dava trégua. No entanto, o partidooptou pela democracia partidária.

É possível deduzir desses fatos que os dirigentes,enquanto membros do Comitê Central, deveriam sesubmeter à disciplina e se centralizar, ao passo que, quandonão estavam no Comitê Central, a liberdade dentro dopartido era quase que plena. A ameaça desse grupo, quevai se constituir como Comunistas de Esquerda, de sedemitirem do Comitê Central para ter liberdade deagitação dentro do partido; e a ameaça que Lênin faz porocasião das discussões sobre a tomada do poder, tambémde se demitir e ir à base do partido para defender a suapolítica (as “Teses de abril”) e denunciar o comitê central;são fatos importantes que nos autorizam a deduzir quehavia a possibilidade dos militantes bolcheviques fazeremou continuarem as discussões a qualquer tempo, sem queisso significasse uma ruptura com o partido.

A possibilidade desse setor de oposição continuar adefender as suas posições foi fundamental, tanto para queos membros da oposição pudessem fazer o debate comopara que, à luz dos acontecimentos da luta de classes, adireção do partido ganhasse a discussão política,convencendo um setor dos Comunistas de Esquerda e

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesretomando a maioria em seções em que a oposição eramaioria. A possibilidade de que a oposição ganhasse maisadeptos também existia e provavelmente também não foidesprezada. A paciência, a garantia da continuidade dosdebates e a intervenção política deram nova coesão aopartido. A unidade e a coesão do partido, não sem outrasdivergências sérias, foram restabelecidas pela política e pelaexperiência prática. Fica a pergunta: o que aconteceria seos bolcheviques agissem da mesma maneira que as váriasoutras gerações de revolucionários posteriores, as quaisandaram de mãos dadas com a impaciência?

Talvez a demonstração mais cabal do funcionamentodemocrático do partido esteja no processo de discussãoque Lênin impulsionou logo após o seu retorno à Rússiarevolucionária. Essa discussão se inicia através de cartaspara serem publicadas na imprensa do partido com críticasà política encaminhada pela direção, que capitulava aogoverno provisório. Lênin escreve para o jornal do partidodefendendo uma posição pessoal e criticando a posiçãodo comitê central. A luta política empreendida por Lênincontra a direção do partido se iniciou através da imprensado partido, e não nos organismos internos do partido.Houve uma defesa pública de posições em debate. Acensura de trechos que questionavam a política conciliadorada direção do partido, por parte do comitê de redaçãodo jornal, deixou Lênin furioso. Antes de chegar na Rússia,ele já havia enviado outras 4 cartas (Só a primeira delas foipublicada, com cortes significativos pelo conselho editorial,no ano de 1917). Alicia Sagra, dirigente da LIT, sem darimportância a esse fato, também confirma que a publicaçãoda carta no Pravda foi em caráter pessoal: “As teses deLênin foram publicadas no Pravda apenas com suaassinatura. Nenhum dos dirigentes bolcheviques quis assinarcom ele...” (Lênin e as ‘Teses de Abril’ :O giro dosbolcheviques e a oposição irreconciliável ao governoprovisório, in www.pstu.org.br). Lênin defendeu a suaposição publicamente e antes de uma decisão do partido.

Ninguém questiona a importância que as “Teses deAbril” formuladas por Lênin tiveram no debate internosobre as tarefas que se colocavam para o partido e para oproletariado na situação revolucionária que se abrira emfevereiro de 1917. Era um período em que Lênin estavapoliticamente isolado no partido. A publicação de suasteses no Pravda (órgão oficial do partido) é outra provafundamental de que a imprensa do partido também serviapara os debates públicos, prévios à tomada de posiçãopelo partido. A carta publicada no dia 04 de abril (jornalnº 26) foi lida por Lênin no dia 07 de abril em uma reuniãoconjunta dos delegados bolcheviques e mencheviques paraa Conferência dos Soviets de toda a Rússia. Deve-sedestacar que ele leu uma carta contendo posições pessoaisem uma reunião aberta do movimento, em que haviamilitantes de outros partidos.

A postura de Lênin contra a orientação da direção dopartido é de luta tendencial. Nas discussões havidas no

interior do partido sobre a tomada do poder a maioria dadireção, no primeiro momento se coloca contra. Lênin entãoorganiza uma batalha política contra a direção do partido,sendo ele a principal liderança da organização. “Ao ver queo CC deixou mesmo sem resposta minhas instâncias nesseespírito desde o começo da conferência democrática, que oÓrgão Central risca de meus artigos a indicação de errostão gritantes dos bolcheviques como a vergonhosa decisãode participar do Pré-parlamento, como a concessão delugares aos mencheviques no presidium do Soviete, etc.,etc.,devo considerar que isso é uma ‘sútil’ alusão à falta de desejodo CC de discutir esta questão, uma sutil alusão a que eucale a boca e uma proposta para que eu me retire. Souobrigado a apresentar meu pedido de demissão do CC, oque faço, mas reservando para mim a liberdade de agitaçãonas bases do partido e no Congresso do partido” (A criseamadureceu. Lênin, in “Às portas da revolução”. P.146).

A grande dificuldade de discutirmos o conceito decentralismo democrático está no fato de que Lênin nãoescreveu nenhum texto conceituando-o. A maioria dascorrentes apóiam-se no “Que fazer?” para extrair umaconcepção leninista de partido e do centralismo, o que ébastante parcial. A concepção leninista de partido é umatotalidade e a forma de sua organização foi mudandoconforme a realidade mudava. O “Que fazer?” não contémuma vírgula sobre centralismo democrático. É uma obraescrita para combater o economicismo e o trabalho artesanal,e expor a necessidade de se construir um partidodisciplinado. Ou seja, buscava responder a uma situaçãoparticular da Rússia imperial. “O erro principal dos que hojepolemizam com o Que Fazer? consiste em desligar porcompleto esta obra de uma situação histórica determinada,de um período histórico concreto do desenvolvimento denosso partido, que passou há muito tempo” (tradução livrede um texto ‘Doze anos’ de Lênin, citado em “Reflexionescríticas sobre experiencias vividas” – Luis Zamora, p.19).No período que vai até 1905 (a primeira revolução russa)Lênin se dedica a construir um partido disciplinado ecentralizado, o que não autoriza ninguém a desenvolver umainterpretação no sentido de que esse é o modelo leninista departido e muito menos de que a disciplina possa serconfundida com qualquer tipo de restrição à discussão dentrodo partido. Em 1918, período em se enfrentava a contra-revolução, ele é o primeiro a defender a abertura do partidopara milhares de operários, agora em um regime internomuito mais flexível, em função de que a polícia czarista tinhasido desmontada.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que Lêninera marxista e como todo marxista não acreditava naimutabilidade das coisas e muito menos da formaorganizativa do partido. “A cada situação política umaforma organizativa do partido. De 1902 a 1917, pareceque Lênin teria mudado diversas vezes as suas concepçõesorganizativas ou que teria oscilado entre diversasconcepções: uma entre 1902-1904, que seria a mais

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011centralista; outra de 1905 a 1910; uma terceira em 1912,quando da fundação do Partido Bolchevique; e finalmenteaquela de 1917 que seria a mais espontaneísta” (Teoria(dialética) do partido ou a negação da negação leninista.Hector Benoit, in Revista Outubro, p 59). A cada formaorganizativa do partido havia um regime internocorrespondente, com maior ou menor centralização, massem qualquer restrição à democracia, que era exercida nascondições que a luta de classes impunha. As condiçõeshistóricas é que definem o tipo de organização e a própriamedida de democracia. Outra vez citamos Broué: “Emcondições de liberdade política, nosso partido poderá sebasear por completo no principio de eleição e de fatoassim o faremos (...). Inclusive sob o absolutismo, oprincipio de eleição poderia ter sido aplicado muito maisamplamente”.

No mesmo texto “Doze anos”, agora citado porPhilippe Robrieux (“Centralismo Democrático” –organizado por RuiNamorado) e em resposta àscríticas pelo seu ultra-centralismo e pela falta dedemocracia na suaconcepção, Lênin diz:“...Apesar da cisão, foi nossopartido que, antes dequalquer outro, utilizou aefêmera abertura deliberdade para introduzir nassuas fileiras a estruturademocrática ideal de umaorganização aberta, dotadadum sistema electivo e dumsistema de representação noCongresso, proporcional aoefetivo de membros doPartido. Não é assim, nem nos Socialistas Revolucionários,nem nos Cadetes...”.

Lênin e o Partido Bolchevique tinham a compreensãodo significado das diferenças políticas, e longe de fugir dessasdiferenças ou desprezá-las, eles as enfrentavam como parteda construção do partido. A luta política e o convencimentotinham a luta de classes como um palco no qual, portanto,mais cedo ou mais tarde as posições se encontrariam. Brouéexpõe que, segundo Lênin, “As divergências de opinião nointerior dos partidos políticos ou entre eles, escreve Lêninem julho de 1905, se solucionam em geral não apenas comas polêmicas, mas também com o desenvolvimento daprópria vida política. Em particular, as divergências apropósito da tática de um partido, costumam se liquidarpela adesão dos defensores das teses errôneas à linha correta,já que o próprio curso dos acontecimentos retira da própriatese seu conteúdo e interesse”.

Afirmar que a tradição do Partido Bolchevique erademocrática e que comportava agrupamentos internos

coloca-se nesse momento como um resgate histórico. Aação do stalinismo, em conjunto com o imperialismo,serviu para apagar da memória do proletariado o fato deque o Partido Bolchevique era democrático e de que issoo fortalecia para intervir na luta de classes mesmo sob aspiores situações de repressão nos anos passados sob oregime czarista. Recorremos aos escritos e testemunhosdaqueles que foram parte dessa construção. Trotsky é umdesses revolucionários que presenciou a vida do PartidoBolchevique desde o nascimento até o leito de morte, enos fornece um testemunho importante: “ La Cominternprohibió las fracciones, alegando que esta prohibiciónpolicial coincide con la tradición bolchevique. Es difícilimaginar peor calumnia a la historia bolchevique. Es ciertoque el Décimo Congreso del Partido, en marzo de 1921,prohibió las fracciones por resolución especial. El hechomismo de que fuera necesario aprobar semejante resolucióndemuestra que en todo el período anterior – vale decir,

los diecisiete años en que elbolchevismo surgió, creció,se fortaleció y conquistó elpoder – las fraccionesformaban parte legítima dela vida partidaria, lo cual sereflejaba en la práctica” (…)Después de la toma delpoder estalló una grave luchafraccional en torno a la pazde Brest-Litovsk. Se formóuna fracción de comunistasde izquierda, que publicabasu propia prensa (Bujarin,Iaroslavski y otros).1[5]Posteriormente aparecieronlas fracciones CentralismoDemocrático y Oposición

Obrera (Las fracciones y la Cuarta Internacional, in CEIPlivro 4 -1935).

Só levando em consideração a condição histórica épossível entender a excepcionalidade das resoluções do XCongresso do Partido Bolchevique no que se refere àproibição do funcionamento das frações no interior doPartido. “Se puede considerar que esa resolución delDécimo Congreso obedeció a una necesidad grave. Perolos acontecimientos posteriores dejan absolutamente claroque la prohibición de las fracciones significó el fin delperíodo heroico de la historia bolchevique y abrió el caminohacia su degeneración burocrática”. (Las fracciones y laCuarta Internacional, in CEIP livro 4 -1935).

Como já dissemos anteriormente, na resoluçãoaprovada nesse Congresso ainda há a manutenção degarantias mínimas para agrupamentos de oposição, umavez que as medidas adotadas eram provisórias. Mas odesenvolvimento da luta política e a consolidação do poderstalinista fizeram com que essas medidas se tornassem

Broué expõe que, segundo Lênin, “Asdivergências de opinião no interior dospartidos políticos ou entre eles, escreveLênin em julho de 1905, se solucionam emgeral não apenas com as polêmicas, mastambém com o desenvolvimento daprópria vida política. Em particular, asdivergências a propósito da tática de umpartido, costumam se liquidar pela adesãodos defensores das teses errôneas à linhacorreta, já que o próprio curso dosacontecimentos retira da própria tese seuconteúdo e interesse”

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesdefinitivas, até que em 1934 o partido já está completamentesob o controle da burocracia. Inicia-se um novo períodona história do movimento operário mundial em que asvotações são unânimes e os dirigentes não podem maisser questionados. Ou seja, o monolitismo aloja-se nopartido que outrora foi o PC mais importante do mundo.

Ainda que os seus objetivos sejam distintos dos nossos,pois a sua reflexão se coloca no marco de uma crítica àforma-partido, o francês Lucien Seve, membro do CC doPCF até 1994, em um capítulo de seu livro “Começar pelosfins – a nova questão comunista”, contesta de maneira muitobrilhante o modelo de partido que emergiu do X Congressodo Partido Bolchevique. Vale à pena destacar essa reflexão,pois elucida de forma resumida o que temos tentado discutirnesse texto: “Os factos falam por si: uma vez libertado doczarismo e dos seus entraves, o POSDR, depois PC(b),realizou, de 1917 até à morte de Lenine, em Janeiro de 1924,um Congresso por ano - sete Congressos em sete anos,mesmo nas piores conjunturas. E não essas grandes missascantadas, escritas antecipadamente, em que se tornarão asassembléias rituais de um PCUS stalinizado, antes Congressosvivos em que delegados em número razoável –frequentemente uma centena – fazem as mais francasdiscussões sobre projetos de teses precisos e com implicaçõesclaras (...) O confronto público entre orientações estruturadasia mesmo tão longe, pondo em perigo a coerência de direçãonum momento muito difícil, que, em 1921 – só em 1921! –o X Congresso decidiu proibir a organização em tendências.(...) Mas será que se tem em conta que, mesmo nessa alturae nomeadamente por impulso de Lenine, foi conservado odireito de, em caso de discordância grave numa questãoimportante, submeter ao Congresso vários textosconcorrentes, ao mesmo tempo que era tomada a decisãode publicar com regularidade uma folha de discussão quepermitisse prolongar o debate sobre princípios mesmo paraalém do Congresso? Será que aqueles que querem ver nocentralismo leniniano o esquisso já identificável dos métodosestalinistas têm em consideração o que dele dizia umatestemunha tão capital como Boukharine quando, na suamensagem póstuma «A futura geração dos dirigentes dopartido» (cf. “Oeuvres choisies”, Librairie du Globe, Paris-Moscou 1990, p. 518), nas vésperas da sua execução, fala daépoca leniniana nos seguintes termos: «Eram outros tempos,em que reinavam outros costumes. O Pravda publicava umatribuna de discussão, todos debatiam, todos procuravamcaminhos, desentendiam-se e reconciliavam-se, e juntosavançavam”.

O conhecido ataque de fúria de Lênin contra Kameneve Zinoviev, que tinham publicado uma matéria contestandoa posição do Comitê Central do Partido Bolchevique depreparar a insurreição de Outubro, se dá centralmenteporque os dois a publicaram na imprensa não partidária(“Obras escolhidas”, pp.380/386). Esses textos de Lênin,nos quais inclusive se pede a expulsão dos “furas-greves”,não dizem se esses debates poderiam ter sido feitos

internamente ou pela imprensa do partido. Mas como acrítica de Lênin – repetida várias vezes – é de que aimprensa que utilizaram não é do partido, nos é permitidosupor que os debates na imprensa partidária eram comuns.Deve se destacar nessa questão o fato de que nem mesmoo próprio partido tinha sido informado da decisão, dadoo ser caráter secreto, uma vez que se tratava de uma açãode tomado do poder, e evidentemente o governo e aburguesia poderiam comprometer os planos se tomassemconhecimento deles.

A fonte que utilizamos é a literatura revolucionária enão foi casual que nos concentramos em Lênin e em Trotskypara buscarmos elementos que pudessem nos conduzir auma conclusão a respeito de como era o regime do PartidoBolchevique. Em maneira de síntese destacamos osseguintes elementos em relação:

a) A disciplina e a centralização era voltada com maisforça aos membros do Comitê Central. Os membrosdessa instânica se submetiam à centralização do ComitêCentral, é o que nos permite concluir o fato de que asrenúncias ou ameaças de renúncias ao CC estavamrelacionadas à luta política na base do partido (e todosassim declaravam);

b) A relação entre democracia e centralização eradefinida pela situação política. Os regimes mais repressivosobrigavam a uma maior centralização; nos regimes maisdemocráticos a democracia e a ampla discussão tinha maiorimportância;

c) Houve a conformação de várias frações no interiordo Partido Bolchevique, inclusive com uma vida públicaindependente da direção. O caso mais exemplar foi a dos“Comunistas de Esquerda”, que tinha até publicação própria;

d) A unidade do Partido Bolchevique na ação eraconstruída pela política elaborada pela discussão coletiva. Aação vigorosa dos militantes era fortalecida pelo processode discussão, uma vez que a política era resultado de umadiscussão livre e que estava submetida à crítica e auto-crítica.O regime interno permitia que a linha política que se mostravaequivocada pudesse ser corrigida a qualquer tempo;

e) Os agrupamentos internos não tinham objetivosopostos aos do partido e suas plataformas variavam emtorno de questões táticas, ainda que decisivas para aRevolução, como as discussões em torno do tratado deBrest- Litovsk;

f) A proibição de agrupamentos internos erainicialmente transitória, temporária, e respondia ànecessidades que a luta contra a contra-revolução impunha.O stalinismo, para garantir o controle sobre o partido e oEstado, transformou essas resoluções em definitivas, e foiem base a elas que se realizaram os expurgos no partido;

O curto período revolucionário da III Internacional eo fato de que o seu nascimento está ligado aodesenvolvimento da Revolução Russa, como decorrênciada necessidade de fazer avançar a revolução para outroscontinentes, fez com a Internacional pouco ou nada

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011elaborasse sobre o tema do centralismo democrático. Asresoluções a respeito desse tema são contraditórias em umprimeiro momento, e depois distorcidas pela mistificaçãoque ocorreu sob a regência stalinista. Os reflexos do queocorria na Rússia eram imediatos, de modo que váriasresoluções da IC expressavam mais problemáticas russasdo que propriamente necessidades de outros partidos. Seo II Congresso e as 21 condições para o ingresso na ICvisavam responder à luta contra o oportunismo, o IIICongresso adotou a perspectiva de construção de partidosrevolucionários “genuínos” que pudessem responder ànova situação política que surgiu com as derrotas naAlemanha a na Hungria.

As resoluções da III Internacional referentes aofuncionamento dos partidos, principalmente aquelas do seu3º Congresso, precisam ser analisadas de maneira bastantecrítica, porque elas refletiam demasiadamente as posiçõesdefendidas pelos russos. Se é verdade que o 3º Congressoadotou as resoluções sobre centralização propostas pelosrussos (decididas em uma situação concreta e para essasituação), também aprovou uma cláusula que trata do direitode militantes defenderem suas posições na imprensa dopartido. Essa parte da resolução é simplesmente ignoradapela esquerda, o que reflete uma leitura parcial do significadodo centralismo democrático na história do marxismo.

“51- Os membros do Partido devem, em sua açãopública, agir sempre como membros disciplinados de umaorganização combatente. Sempre que surgirem divergênciasde opinião sobre a maneira mais correta de agir, deve-sedecidir sobre essas divergências, sempre que possível, antesda ação, no interior das organizações do Partido e somenteagir após ter tomado essa decisão. A fim de que toda decisãodo Partido seja aplicada com energia por todas asorganizações e todos os membros é preciso, sempre quepossível, chamar as massas do Partido para a discussão edecisão das diferentes questões. As organizações e as instânciasdo Partido têm o dever de decidir de que forma e em quemedida tal ou qual questão pode ser discutida pelos diferentescamaradas diante da opinião pública do Partido (na imprensa,nas brochuras). Mas, mesmo que esta decisão da organizaçãoou da direção esteja errada, segundo o ponto de vista dealguns camaradas, estes não devem jamais esquecer em suaação pública que a pior infração disciplinar e a falta maisgrave que se pode cometer durante a luta é romper a unidadena luta ou enfraquecê-la.” – destacamos (Teses sobre aestrutura organizativa, os métodos e a ação dos partidoscomunistas, Resolução aprovada no 3º Congresso daInternacional Comunista em 1921 p. 146).

Esse trecho nos apresenta o contexto da acusação queLênin fez a Kamenev e Zinoviev de fura greves porqueexpuseram a posição do partido em órgão de imprensanão partidária.

Como se vê, o direito de apresentar as suas posiçõesao movimento, regulado pelos militantes da organização,não é uma invenção do Espaço Socialista, mas uma tradição

do movimento operário que foi abandonada.Uma leitura mais atenta e crítica notará que as resoluções

da III Internacional de certa forma têm um carátercontraditório, porque se em alguns momentos o textoaprovado é defensor de um centralismo rígido, em outrospreserva garantias para a continuidade do debate e dasposições minoritárias. A citação anterior é apenas uma delas.Já nos referimos, mas vale a pena retomar o contextohistórico dessas resoluções. Esse Congresso é realizado logoapós a realização do X Congresso do Partido Bolchevique,que tinha adotado resoluções que modificavam ofuncionamento do partido com a introdução de barreirasà organização de frações e limitações nas posiçõesdiferentes. O peso político que russos tinham e a entradaem um novo período de acumulação de forças em nívelmundial fez com que a Internacional adotasse as teses dosrussos, transportando-as mecanicamente para realidadesbem distintas da Russa. Outra questão que contribui parao caráter “contraditório” das resoluções é a pressãoexercida pela antiga tradição de democracia no interiordos partidos operários, que fez com que se mantivessemgarantias mínimas.

O CENTRALISMO SOB A PERSPECTIVA DA ESQUERDABRASILEIRA E A CRÍTICA

É importante começarmos pelo principal partido daesquerda revolucionária, porque se trata de uma organizaçãoque se auto-intitula como portadora da continuidade daconcepção e do modelo de regime partidário dosbolcheviques, portanto como a mais democrática. Comojá dissemos na introdução, não há nessa reivindicação decontinuidade qualquer precisão a respeito de qual fase doPartido Bolchevique estamos falando. Partimos do fatode que não há um “modelo de Partido Bolchevique” ouum regime interno que tenha se mantido inalterado aolongo da história do partido e que possa servir de modelopara nós. O Partido Bolchevique nunca se propôs a esseabsurdo. O “modelo leninista de partido”, que teria ocentralismo como seu eixo, é algo que nunca existiu. Éuma construção do stalinismo para justificar as suas açõese as imposições de Moscou sobre os vários partidos domundo. Esse fato básico é ignorado pela maioria dasdemais correntes.

Para ilustrar o que dissemos anteriormente, o documentoda LIT (corrente internacional da qual o PSTU é uma seção)sobre construção aprovado no seu Congresso de 2008, naformulação do programa mínimo (linhas divisórias) para aunificação com outros setores do trotskismo, nos dá umademonstração muito cabal da visão de centralismo dessaorganização: (...) j. Defendemos la necesidad de construirpartidos nacionales basados en el modelo del PartidoBolchevique (es decir, partidos obreros, de combate, basadosen el principio organizativo del centralismo democrático)en todos los países del mundo, como secciones de estainternacional. (http://litci.org/CongressoES.aspx).

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesEm um texto divulgado no site do PSTU há uma frase

interessante que expressa bem as contradições (que não sãodescritas ou exploradas por eles): “As grandes definiçõespolíticas do partido são decididas em nossos Congressos,que se realizam a cada 2-3 anos (...) Entre os Congressos, opartido tem uma estrutura centralizada por seus organismosde direção, sendo o Comitê Central a máxima direção daorganização, eleito no Congresso Nacional. As regionaisdiscutem e decidem como implementar e adequar a políticanas cidades e elegem suas direções regionais. As célulasdiscutem e decidem como intervir nas suas frentes e elegemsuas próprias direções.”

Uma leitura crítica dessa concepção nos leva a identificarque na prática e no cotidiano a base do partido não interferediretamente na política do partido, pois se o Congressorealiza-se a cada dois (ou três) anos e a discussão livre ocorresó nos períodos de pré-Congresso (quando se pode formartendências/frações), então o mais comum é que as direçõesdecidam e não a base. Uma mudança na política que semostra errada só pode ocorrer se a direção assim a identificar,pois não há um canal regular de discussão que permita aosmilitantes interferirem na linha política.

Nos períodos de pré-Congresso, as diferenças podemse expressar através da organização de tendências e frações(grupos de militantes que se organizam para defender suaspropostas). Uma vez decidida a política em Congresso,tendências e frações se dissolvem, com a obrigação de aplicaras resoluções votadas por maioria (“A polêmica sobre ocentralismo democrático”, in Opinião Socialista, nº 275).

O centralismo aqui apresentado tem um funcionamentoque na aparência é perfeito, mas há algumas contradiçõesque merecem destaque. A possibilidade da formação detendências ou frações nos períodos de pré-Congresso naverdade não é necessariamente uma expressão da vigênciado máximo de democracia em uma organização. Nessasituação a direção tem o controle político e organizativo daorganização/partido, de maneira que os militantes que queremse organizar como tendência precisam vencer barreiras quea direção do partido não tem. De imediato já há umdesequilíbrio, pois o próprio funcionamento regular nãopermite que militantes de diferentes células, regiões ou frentesde atuação troquem experiências com outros militantes,obstáculo que a direção não encontra.

A dissolução das tendências e/ou frações tambémprovoca uma situação no mínimo curiosa, uma vez que atendência/fração majoritária torna-se a direção do partido,ou seja, torna-se a tendência/fração oficial. As diferençase as contradições terminaram apenas porque as tendências/frações se dissolveram? Em um cenário mais dramático: oque acontece quando há 3 ou 4 tendências/frações e a queobtém a maioria não alcança sozinha 50% + 1, ou seja,não tem a maioria do partido, mas tão somente umamaioria relativa? O que garante que a aplicação da políticavotada será realizada? Há ainda uma outra questão maisembaraçosa que é a hipótese de que a posição votada no

Congresso se mostre equivocada, antes do próximoCongresso. A solução que o PSTU dá para esse caso éuma solução formal, do tipo uma tendência/fração nãopode ser outra tendência/fração, de modo que a dissoluçãoacaba com a possibilidade de buscar a síntese nas discussõesinternas.

Essa visão tem sua base no próprio Moreno, que nutriauma concepção verticalista do partido, uma estrutura rígidade organização em que os organismos dirigentes têm seuspapéis muito bem definidos e com sobreposição de umsobre o outro (Comitês regionais, Comitê Central, ComitêExecutivo, etc), de modo que os “inferiores” estãosubmetidos aos “superiores”, ou seja, um Comitê Regionalestá submetido ao Comitê Central. A crítica principal é deque a política se desenvolve em uma só direção, ou seja,de cima para baixo. “Nossos partidos tem organismos dedireção, de base e intermediários, numa dialéticapermanente de discussão e execução. Tudo aquilo quesignifique passar por cima dos organismos – mesmoquando se apela à base em plenárias – é a negação daestrutura bolchevique. Tudo que seja mesclar os organismosexistentes é democratismo e não estrutura bolchevique. OSecretariado, o Comitê Executivo e o Comitê Central, oscomitês regionais e as células tem sua localização estritadentro do partido” (“Teses para atualização do programade transição”. P. 144). Nessa estrutura verticalizada, a políticajá está devidamente “assimilada” por um grupo demilitantes que cumpre as funções mais importantes nopartido, antes de chegar às células, de forma que aosmilitantes de base cabe apenas executar e levar adiante oque já foi decidido.

Em relação à existência de frações, Moreno é aindamais “ortodoxo”, pois “o surgimento de tendências efrações é uma desgraça para um partido centralizado e deação” (“Teses para atualização do programa de transição”).A existência de frações e tendências é portanto um direitoexcepcional. No mínimo isso revela um desconhecimentoda história do bolchevismo tal como a descrevemos acima,apesar de sempre se referir a esse tipo de funcionamentocomo sendo o mesmo do “Partido Bolchevique”.

Como já alertamos, a discussão que estamos fazendoleva em conta o nosso tamanho e a nossa localização, osquais facilitam um funcionamento em que o conjunto daorganização pode decidir sobre praticamente tudo. Essetipo de funcionamento em uma organização nacional podesignificar meses discutindo uma política, um funcionamentolento que nem permitiria intervir na luta de classes, dada adinâmica e as constante transformações que a realidadesofre. Esse é o nosso grande desafio em um futuropróximo: desenvolver um método extremamentedemocrático que permita que o maior número de militantesparticipe das decisões e que ao mesmo tempo tenha umafuncionalidade que não impeça de intervirmos na luta declasses. O desafio que se coloca é de construir umaproposta de funcionamento a partir de uma dupla negação:

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011da verticalização absoluta – mãe da burocratização – e dahorizontalidade absoluta – mãe da paralisia.

No mesmo texto há uma afirmação que devemosconsiderar como absolutamente correta, que é ofortalecimento do partido quando há a aplicação dapolítica como “um só homem”. Não se pode questionartal afirmação, uma vez que a concentração das nossas forçasem uma única direção nos torna muito mais fortes não sóquantitativamente, mas principalmente qualitativamente. Aquestão polêmica é que essa unidade não se consegue coma imposição de uma votação, mas como resultado de umacompreensão política comum. E essa compreensãocomum é alcançada por intermédio de um, programa,conforme já dito, que deve ter um caráter mais estrutural.Se não há essa compreensão comum da realidade assentadaem um programa, não há votação que consiga impor aunidade. Voltaremos a essa questão mais à frente.

Se o regime interno do PSTU já é objeto de crítica, odo PCB é ainda mais burocrático, pois o intervalo para arealização dos Congressos é ainda mais espaçado. Para seter uma idéia, o PCB realizou em Outubro de 2009 o seuXIV Congresso, sendo que o partido foi fundado em 1922.Um partido com mais de 80 anos só realizou 14Congressos! Para que se tenha um parâmetro decomparação, conforme vimos acima, o Partido Bolcheviquerealizou um Congresso por ano entre 1917 e 1924,justamente no período em que estava assoberbado pelasexcruciantes tarefas de dirigir uma revolução, o que envolviaenfrentar a contra-revolução, a guerra civil, administrar todotipo de dificuldades num país atrasado; e fez tudo issoadmitindo tendências e frações em boa parte desse período!

Voltando ao PCB, o “Manual de Organização doPartido” diz que “As principais instâncias deliberativas doPCB são o Congresso do Partido e o Comitê Centra l”Considerando-se que o partido só realizou 14 Congressosem sua história, a situação aqui é a mesma que jáverificamos no PSTU: é o Comitê Central que decide apolítica do partido, sem qualquer espaço para os militantesquestionarem a política oficial. O papel que o militantecumpre é o de fazer o trabalho manual, deixando para adireção a tarefa de decidir.

É evidente que não fazemos um sinal de igual entre oPSTU e o PCB, mas também não podemos dizer que sãodiferentes, pois a lógica em que ambos se apóiam é amesma. A maioria das decisões – que devem ser cumpridas– são da direção do partido. A diferença é que no PSTU ointervalo entre os Congressos é menor.

O PC do B também tem em seus estatutos ocentralismo (note que também o denominam de centralismodemocrático). No artigo 11 (capítulo 5) está a definição:“Com a aplicação e o desenvolvimento criativos doCentralismo Democrático, se visa a coesão política eideológica do Partido, como construção coletiva, sob oprimado da unidade de ação política de todo o Partido”. Ocentralismo é encarado como um instrumento político e de

controle sobre os militantes e órgãos inferiores ao ComitêCentral. O texto também faz referência ao fato de que pelocentralismo se garante a unidade do partido. O centralismoé portanto colocado como mero instrumento organizativo.

Outra semelhança com o PSTU está na proibição defrações e tendências: “...d) não são admitidas tendências efacções, entendidas como atividade organizada demembros ou organizações do Partido à margem daestrutura partidária, em torno de propostas ou plataformaspróprias, pessoais ou coletivas, temporárias oupermanentes...”(estatuto do PC do B). Há aqui uma sutildiferença para com o PSTU: o PC do B não permite fraçãosequer de caráter temporário. O comitê central do PC doB tem um poder soberano sobre todo o partido.

A deterioração política e moral de algumasorganizações da esquerda faz com que seu funcionamentointerno fique ainda mais burocratizado. Uma vez que foramabandonados todos os princípios da democracia operária,o regime interno não mais existe em função dodesenvolvimento da organização, mas tão somente paragarantir a adaptação política. Uma política que leva àconciliação de classes e ao afastamento da revolução vemacompanhada de restrições à democracia interna daorganização, uma vez que tal política exige que se mantenhaa base sob o controle e distante das decisões. Não faltamexemplos históricos desse processo de degeneração emque o rebaixamento político e a capitulação necesariamenteenvolvem retrocessos organizativos contra a democracia ea participação da base: o desenvolvimento do stalinismo,a adaptação completa do PT e da CUT ao aparato estatalburguês, etc. Nos exemplos destacados acima o PC do Bé o que melhor expressa essa decadência histórica, umavez que sua raiz está na Rússia stalinista.

Não há sinal de igual entre esses partidos. O PC do Be o PSTU são partidos opostos pelo vértice. O primeiroabandonou por completo as fileiras do proletariado e osegundo, por mais que tenhamos diferenças em relação àsua política, é um partido que reconhecemos comopertencente à esquerda revolucionária. Já o PCB perdeu asua força no movimento, e embora esteja em processo dereconstrução nos últimos anos, apresenta uma política quetem oscilado muito: ora para esquerda, ora para a direita.

Em relação ao regime interno, não se pode negar, hásemelhanças entre todos eles, as quais são explicadas pelafonte da qual ambos beberam: o X Congresso do PartidoBolchevique. A proibição de frações, o papel da direçãonas decisões, a relação verticalizada com a base, guardadasas devidas diferenças, funcionam a partir da mesma lógica:em nome de construir a unidade, restringem a democracia.

Outra questão que merece ser destacada é o fato deque ambos vêem o regime interno como uma medidaorganizativa, uma forma de funcionamento que serve paragarantir ou impor a unidade política para toda aorganização. A unidade e a disciplina partidária são obtidaspela existência do centralismo democrático enquanto

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesdispositivo administrativo. O convencimento político e aconfiança quando esse não é obtido, são substituídos poruma norma interna que impõe à minoria acatar a posiçãoda maioria. Com as suas desigualdades e níveis distintosde verticalidade, o núcleo da concepção de centralismo ébastante semelhante na maioria das organizações.

Boa parte dessa polêmica se dirige às correntestrotskistas, principalmente o PSTU. A partir de uma corretacrítica ao stalinismo pelo fato de exercer um centralismoburocrático, essas correntes também praticam umcentralismo burocrático, com poderes excessivos nas mãosda direção, mas com um mero verniz democrático. Nascorrentes trotskistas o mecanismo burocrático posto emprática é mais sutil, pois há Congressos mais regulares, háuma história de luta contra o burocratismo (que legitimavárias atitudes), há uma certa liberdade de crítica interna(desde que não ganhe a forma de um grupo organizado).Mas há uma “prova prática” de que esse regime interno éprofundamente burocrático.

Os militantes estão submetidos à decisão de seuorganismo tanto para o movimento quanto para o partido.No caso de um dirigente do Comitê Central ter diferençaou dúvida sobre uma política votada, ele não pode levá-la àbase (em função da hierarquia dos organismos e de ter quese submeter ao centralismo do seu organismo). Pelocontrário, deve ir à base e defender a política votada. E abase, assim, não tem o direito de saber as diferenças políticas,as dúvidas de seus dirigentes. Em nome do “centralismobolchevique” só cabe à base aplicar a política votada, semqualquer possibilidade de intervir nas polêmicas existentesno partido. Por acaso os Comitês Centrais dos partidosstalinistas, com suas votações – públicas – monolíticas, não

funcionam exatamente assim: primeiro se resolvem asdiferenças entre os burocratas e depois se realiza a votaçãopública para as fotos?

Não é por acaso que as rupturas de caráter nacionalgeralmente são impulsionadas por membros do ComitêCentral, dado que a base pouco conhece as diferençaspolíticas que se dão nesse organismo. Rupturas organizadaspor militantes de base normalmente têm origem emproblemas regionais, que são os únicos que a base dopartido acompanha diretamente.

Essa estrutura militar termina por servir aos interessesda fração que controla o aparato, exercendo um controlesobre o conjunto do partido. Venturini (no texto “O mitodo centralismo democrático”) fornece um bom exemplodo tipo de controle que um pequeno grupo pode exercersobre todo o partido: “um Comitê Central de 30 membrosque se reúne a cada três meses; um Comitê Executivo de15 membros que se reúne mensalmente; um Burô Políticode 7 membros que se reúne semanalmente e umSecretariado de 3 membros que se reúne cotidianamente.Como se estabelece uma rigorosa disciplina de cadaorganismo, os três membros do Secretariado, uma vezterminada a discussão, votam em bloco no Burô; os setedo Burô no Executivo e os 15 do Executivo no ComitêCentral. De maneira que a opinião de dois membros doSecretariado, se conquistam adesão no Burô, um voto amais no executivo e um a mais no CC, controla o Partido.O panorama se completa com a total proibição de“transferir” discussões que se processam em um nívelsuperior a um inferior”.

A partir desse estudo podemos dizer que a concepçãode “partido fortemente centralizado” propagada pela

esquerda (do stalinismo até o trotskismo“ortodoxo”) é:

a) historicamente parcial, porque não háuma comprovação da vigência desse “modelo”na história do funcionamento do PartidoBolchevique, sendo que o seu “período duro”se pretendia transitório, com restrições àdemocracia destinadas a enfrentar asdificuldades da revolução russa e da conjunturaque se abria internamente e mundialmente, aqual colocava os revolucionários em umasituação muito distinta daquela que tinham emmente até fins da década de 1910;

b) não é bolchevique, pois a maior partedo que se pode chamar bolchevismo (até pelomenos 1923) é marcada por uma forte tradiçãodemocrática, que admitia em seu interior váriascorrentes de opinião, tendências e frações(como era o caso dos próprios bolcheviquesno interior do POSDR, e depois, já no interiordo Partido Bolchevique, das tendências/frações Centralismo Democrático, Comunistasde Esquerda, Oposição Operária e depois a

“...um Comitê Central de 30 membros que se reúnea cada três meses; um Comitê Executivo de 15membros que se reúne mensalmente; um BurôPolítico de 7 membros que se reúne semanalmentee um Secretariado de 3 membros que se reúnecotidianamente. Como se estabelece uma rigorosadisciplina de cada organismo, os três membros doSecretariado, uma vez terminada a discussão, votamem bloco no Burô; os sete do Burô no Executivo eos 15 do Executivo no Comitê Central. De maneiraque a opinião de dois membros do Secretariado, seconquistam adesão no Burô, um voto a mais noexecutivo e um a mais no CC, controla o Partido. Opanorama se completa com a total proibição de“transferir” discussões que se processam em umnível superior a um inferior”13

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011Oposição de Esquerda liderada por Trotsky), inclusive comórgãos de imprensa próprios ou mesmo defendendo suasposições na imprensa partidária.

O centralismo democrático praticado pelosbolcheviques, em seu período revolucionário, comportavaa mais ampla democracia, a possibilidade dos militantesinterferirem na política, a possibilidade de os militantesconhecerem todas as posições existentes no interior dopartido, a possibilidade de existência de frações/tendências.Esse funcionamento democrático fazia com que o partidoestivesse permanentemente elaborando sobre a política,sobre a teoria. Esse funcionamento é o que dava forçapara o partido, e pela confiança e fraternidade que o partidodesenvolvia, era o que o centralizava politicamente. Aunidade não era uma amarra imposta pelo voto, mas umacondição obtida pela confiança que se tinha no partidoem função de que cada decisão era resultado de uma ampladiscussão com os militantes, e de que poderia sermodificada caso se verificasse equivocada, porque amilitância poderia interferir objetivamente nesse processode decisão. Como se vê, trata-se de um funcionamentobem distinto daquele que a esquerda tem apresentado.

DEFENDEMOS UM AMBIENTE DE DISCUSSÕES PERMANENTESSEM INTERVENÇÃO PRÁTICA?

A política revolucionária, para merecer tal nome, precisaser concreta, embasada no desenvolvimento real da luta declasse. É isso que deve nos orientar para discutirmos o nossoregime interno de funcionamento. O nosso tamanho e anossa localização permite que adotemos um funcionamentomuito próximo da horizontalidade e extremamentedemocrático, pois é possível realizar plenárias comfreqüência, de maneira que todos os militantes possamparticipar e decidir sobre praticamente todas as coisas daorganização. Mas e se fôssemos uma organização que tivessepresença em dois ou três Estados, teríamos condições dereunir todos os militantes para decidir?

Precisamos ter a consciência de que a discussão e aresolução que teremos sobre esse ponto responderá àsituação presente e de que, quando essa situação se alterar,teremos que discutir novamente o nosso funcionamento.É importante fazer essa precisão, porque a proposta arespeito da qual vamos deliberar diz respeito ao momentoque estamos vivendo, ao nosso tamanho, à nossa inserção.Não nos propomos e somos contra o procedimento queconsiste em tratar os temas mecanicamente, adotandoresoluções que se pretende que sejam aplicadas em toda equalquer situação, em uma organização que tem 25 ou 1000militantes. São situações distintas que precisam ser tratadastambém de maneira distinta. Resposta diferente paraproblemas diferentes.

Uma situação em que o regime político seja mais duro,sob uma ditadura por exemplo, com perseguição aosmilitantes ou um grau de repressão que obrigue asorganizações revolucionárias a se colocar na clandestinidade,

exige que se tenha um regime interno com menor espaçodemocrático, porque a todo o momento os militantes estãosob ameaça de prisão ou perseguição. O fato de que oespaço democrático diminua não quer dizer que ele nãoexista, pois toda organização que se quer revolucionáriasempre precisa ser o mais democrática possível. Ou seja,ao mesmo tempo em que se adotam medidas parapreservar a organização e os militantes, também é precisoadotar medidas para garantir o máximo de democraciapossível. Já citamos anteriormente o fato de que o próprioLênin reconheceu que, mesmo sob o regime czarista, teriasido possível que o Partido Bolchevique tivesse adotadomedidas para garantir um sistema eletivo mais amplo.

Partimos desse exemplo para ilustrar o fato de quenão é possível um regime interno igual para toda e qualquersituação política, sob pena, repetimos, de cairmos em ummecanicismo completamente estranho ao marxismo.Portanto, as propostas que aqui desenvolvemos referem-se à atual situação política do país e à atual situação denossa organização.

A construção do regime interno é um processo sobreo qual têm influência a experiência concreta que aorganização adquire em sua intervenção, a dinâmica daluta de classes e a própria vida interna da organização.Trostky, respondendo a um grupo de jovens sobre ocentralismo, é bem didático: “Tampoco pienso que puedadar una fórmula tal sobre centralismo democrático que‘de una vez por todas’ elimine malentendidos y falsasinterpretaciones. Un partido es un organismo activo. Sedesarrolla en la lucha contra obstáculos exteriores ycontradicciones internas. La descomposición maligna dela Segunda y la Tercera Internacional bajo las condicionesseveras de la época imperialista crea para la CuartaInternacional dificultades sin precedentes en la historia. Nose puede triunfar sobre ellas con cierta clase de fórmulamágica. El régimen de un partido no cae hecho del cielosino que se forma gradualmente en la lucha. La línea políticapredomina sobre el régimen; en primer lugar, es necesariodefinir problemas estratégicos y métodos tácticoscorrectamente con el fin de resolverlos. Las formasorganizativas deberían corresponder a la estrategia y a latáctica. Solamente una política correcta puede garantizarun régimen partidista saludable” (Trotsky, “Escritos”).

Diante de “tantos” centralismos é importante nos deterem torno do que para nós é a definição de centralismo.Trotsky e Moreno não poucas vezes fazem uma distinçãoentre medidas de centralização e de democracia segundo aqual, em um situação de normalidade prevalece o aspectodemocrático, e em outras, em que se exige uma atuaçãomais determinada da direção, a centralização tem um pesomaior. Por esse raciocínio, o centralismo democrático podeser ora mais centralista e ora mais democrático, como se aexpressão “centralismo democrático” fosse umacombinação desses dois elementos, tratados como sefossem distintos um do outro. Ou o partido é centralizado

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesou é democrático.

Discordamos desse modo de pensar. Defendemos ocentralismo democrático como um conceito que representadialéticamente ao mesmo tempo centralização edemocracia. Temos feito um esforço para praticar ummarxismo que rejeita os esquemas, modelos e formalismos,por entendermos que o mecanicismo é incompatível como método cientifico que Marx desenvolveu. E o centralismodemocrático praticado pela esquerda ao não ter essapreocupação caracteriza-se, quase na sua totalidade, porum burocratismo em que cabem poucas exceções.

O que fizemos até agora foi rejeitar a concepção queé predominante na esquerda, demonstrando que ela éparcial e não expressa com exatidão o funcionamento dosrevolucionários, em especial dos bolcheviques, até oadvento do stalinismo. O desafio é partir para a construçãode uma teoria do funcionamento das organizaçõesrevolucionárias. No entanto, não podemos cair em umapostura que representa o inverso dessa mesma moeda, queseria a auto-proclamação, com a afirmação de que nóstemos a teoria, etc. O correto é entender que estamosiniciando um estudo para aprofundar o conhecimentosobre esse tema. Faz-se necessário um estudo sobre ofuncionamento da social-democracia (revolucionária)européia – principalmente a alemã – , sobre a organizaçãodos PCs em países fora do eixo europeu, etc. Enfim, hámuito o que se estudar para não repetirmos os erros queaqui criticamos e não nos apegarmos a esquemas e modelostão caros à esquerda revolucionária.

Para que não paire dúvida a ninguém: o Espaço Socialistadefende e pratica o centralismo democrático. A questãocentral consiste em determinar o que compreendemos porcentralismo e como ele se aplica. Reafirmamos que não hánenhuma definição, fórmula e modelo de centralismo, quetenha saído das mãos dos dirigentes russos, embora osmodelos formais sejam uma característica que a esquerdadesenvolveu durante o século XX.

Se entre os russos não encontramos nenhuma definiçãodo que seja exatamente o centralismo, muito menos aencontramos na esquerda que se reivindica continuadora do“centralismo bolchevique”. O esforço que fizemos nestetexto de pesquisar como funcionavam os revolucionáriosrussos, com todas as limitações, nos parece que é de certaforma inédito. Pelo menos não encontramos nenhum textoque indicasse o contrário. Por isso dissemos que é um estudoinicial. Precisamos submetê-lo à crítica (no sentido dialético)dos militantes e dos ativistas do movimento social, de formaque o debate com outras correntes de pensamento nos ajudea encontrar uma síntese.

O nosso funcionamento baseia-se no centralismo. OPerfil Programático e o Estatuto do Espaço Socialista têmnormas bem evidentes nesse sentido. Discute-se livrementee à exaustão, e quando necessário, vota-se para definir umaposição enquanto organização, que define o que nossosmilitantes vão defender no movimento.

Defendemos o centralismo democrático. Não se tratade dizer que o “nosso centralismo” é democrático e o dosoutros não o seja, mas de dizer concretamente que ofuncionamento do Espaço Socialista é democrático.

A definição semântica não deixa dúvida: o centralismoé democrático. O regime partidário de uma organizaçãorevolucionária deve ser, portanto, democrático e com regrasque garantam o exercício da democracia interna. Adotamosnas Conferências normas que garantem a livre discussãoentre os militantes. O artigo 3º do Estatuto do EspaçoSocialista não deixa dúvida de que há garantias queasseguram o direito dos militantes continuarem a debatersuas posições: “São direitos dos militantes: (...) Quandoem minoria publicar suas posições nos órgãos de imprensaregular da organização”.

Qual organização tem em seu funcionamento a garantiade que os debates podem continuar na imprensa daorganização? Pelo que estudamos na história domovimento e pelo que consta em nosso Estatuto, essagarantia existe apenas no Espaço Socialista e no PartidoBolchevique. Essa garantia não impede que atuemos coma mesma política no movimento, mesmo com diferenças.O método que adotamos, se não resolve as questões e osdebates políticos, cria um ambiente de confiança e defraternidade que tem até hoje permitido que continuemosa intervir no movimento.

Certamente tivemos várias dificuldades e inclusive nãofizemos balanços sérios sobre as políticas que foram maispolêmicas e que tiveram uma votação mais apertada, masa existência dessa garantia para a expressão das minoriastem um objetivo bem definido, que é assegurar apossibilidade de que o debate continue e a minoriaconvença, pela práatica, a maioria. A publicação dasposições da minoria é uma situação excepcional, porque adecisão que sai de um processo democrático de discussãotem muito mais autoridade perante à organização e estámais próxima de ser acertada.

Além disso, essa disposição do Estatuto precisa seranalisada em conjunto com outro artigo: “São militantesdo Espaço Socialista: (...) Aqueles que, voluntária eregularmente, participam das reuniões dos núcleos eencaminham as decisões das instâncias deliberativas”,demarcamos. Na parte relativa aos deveres, o Estatutotambém não deixa dúvidas: “São deveres dos militantes:(...) Acatar as decisões dos organismos de deliberação daorganização”.

A leitura em conjunto desses três artigos é a expressãode que, ao mesmo tempo que atuamos centralizados pelasdecisões dos organismos, há uma garantia de que adiscussão realmente possa prosseguir. Vamos ajustando,conforme os temas em discussão, a medida do centralismo,que é feita pelo conjunto dos militantes da organização. Apossibilidade de que o debate continue, inclusiveexternamente, é a maior das garantias democráticas. OPravda e os boletins internos de discussão, eram apenas

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Primavera Vermelha -Revista de debates, reflexão e crítica marxista - No.2 - Inverno de 2011alguns dos instrumentos que os revolucionários russostinham para garantir a democracia interna.

Uma organização revolucionária é um organismo vivoem transformação e em movimento permanente. Essa é aprópria razão de ser de uma organização. O regime internotem que seguir essa lógica, sob pena de se engessar.

Os debates que fazemos têm o objetivo de intervir nalutas de classes: não somos diletantes. Somos umaorganização de trabalhadores militantes que lutam pelarevolução socialista. O nosso papel central é ajudar ostrabalhadores a desenvolver uma consciência socialista, umadas condições fundamentais da vitória da revolução socialista.E é na intervenção na luta de classes que podemos cumpriresse papel. Quando se mobilizam, quando lutam, ostrabalhadores estão mais propensos a discutir política, apensar criticamente sobre como funciona a sociedade, oseu papel nessa sociedade, etc. Por outro lado, o proletariadoé o sujeito da revolução. Essassão as mais importantesrazões pelas quais intervimosna luta de classes. Asdiscussões e os debates quefazemos têm um objetivomuito bem definido: intervirna luta de classes e contribuirpara o desenvolvimento daconsciência dos trabalhadores.

Discutimos o quanto fornecessário para que ninguémtenha dúvida sobre a/sposição/ões que estão emdebate e para que os militantespossam votar de acordocom uma convicção bemformada. No entanto, issonão pode nos levar a construir um ambiente em que apenasse discute, discute e não se intervém na luta de classes. Épreciso discutir e intervir na luta de classes de maneira que asdiscussões que fazemos possam dialogar com a realidade ea realidade possa interferir nas discussões, em uma relaçãodialética que dê vida à nossa política. Não separamos teoriae prática, pois para nós uma depende da outra. A teoriasem prática de pouco serve, e a prática sem teoria é umaprática desqualificada, um praticismo. Como marxistas,defendemos a práxis revolucionária, uma práxis reflexiva.

Também não defendemos a política de consenso,porque ela é tão burocrática quanto os “centralismosburocráticos”, pois o consenso implica em uma paralisiada organização, em que alguém tem que abrir mão de suasposições, para que alguma das posições possa prevalecersem votação.

A intervenção prática também cumpre um outroobjetivo fundamental para os revolucionários, que é aproximidade orgânica com os trabalhadores. Essa relaçãocontribui para que a condições objetiva e subjetiva se

encontrem, ou para que diminua a distância entre elas. Se acondição objetiva não depende da ação da organização, odesenvolvimento da subjetividade é em grande parte umaobra das organizações revolucionárias. Uma organização quepassa a maior parte do seu tempo debatendo e não intervémna luta de classes pode ser muito boa nas discussões, masnão serve para a revolução socialista, porque essa é acimade tudo uma luta prática.

Defendemos um regime interno de debatespermanentes. A democracia operária não é uma abstração,uma declaração de princípio. Toda organização precisaexplicitamente dizer o que se entende por democraciaoperária no movimento e no seu próprio funcionamento.Para nós a possibilidade de questionar internamente a posiçãoda organização a qualquer tempo é um elemento importantepara caracterizar a vigência da democracia na organização.A formação de uma posição através do voto para ser levada

ao movimento pelo conjuntoda organização não podesignificar que o debate tenhase encerrado. A concepção decentralismo democrático queaplicamos implica em que acrítica e a auto-crítica estejamsempre presentes naorganização. Por isso éimportante que o debatecontinue (sem que issosignifique a não-intervenção)em aberto, permitindo que oconjunto da organizaçãocontinue refletindo sobre assuas decisões.

Nessa questão, bastantedelicada, se coloca a

responsabilidade dos militantes e da própria organização,pois o exercício dessa prerrogativa não pode significar aconstrução de um ambiente de diletantes em que a práticanão tenha nenhum sentido. Sem a prática, a discussãopermanente passa a ser um elemento de destruição, emvez de servir para o fortalecimento do militante e daorganização. Também deve ser destacada como uma tarefade responsabilidade de todos a construção de um ambientesadio, de respeito mútuo, de compreensão e paciência comos limites da organização e dos indivíduos. Para os militantesmais experientes essa responsabilidade é ainda maior. Oego e o personalismo não cabem em uma organizaçãorevolucionária.

Atualmente, o mecanismo que temos para praticar esseexercício democrático são as plenárias, as reuniões de núcleo,a lista interna de e-mail (com a ressalva de que é precisomuito cuidado com o que se escreve nessa lista, porquesabemos que todas as listas da esquerda são monitoras pelapolícia) e a possibilidade de escrever os textos para o conjuntoda organização. Direito esse que está franqueado aos

Discutimos o quanto for necessário paraque ninguém tenha dúvida sobre asposições que estão em debate e para que osmilitantes possam votar de acordo com umaconvicção bem formada. No entanto, issonão pode nos levar a construir um ambienteem que apenas se discute, discute e não seintervém na luta de classes. É preciso discutire intervir na luta de classes de maneira queas discussões que fazemos possam dialogarcom a realidade e a realidade possa interferirnas discussões, em uma relação dialética quedê vida à nossa política.

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Recuperar o conceito de centralismo democrático dos bolcheviquesmilitantes não só nos períodos “pré-Congressos”.

Esses debates não podem levar ao rompimento daunidade de ação, condição fundamental para umaintervenção forte e coesa da organização. E a unidade daação não significa a exclusão dos debates.

A posição votada pela maioria é a posição daorganização. A continuidade dos debates não podesignificar que não tenhamos uma posição definida sobreas coisas, pelo contrário. Tudo se decide no voto, tudo sedecide pela maioria e nenhum militante tem qualquerprivilégio. Todos têm direito a apenas um voto e não épermitido voto por procuração, pois decide quem estápresente e os ausentes também deve ser submeter à decisãodo organismo, seja plenária ou núcleo. A obtenção de umaposição da maioria e a sua aplicação no movimento é partefundamental da democracia interna da organização. Não épossível que uma organização revolucionária tenha comométodo de funcionamento a possibilidade de que osmilitantes apliquem apenas aquilo com que concordam enão apliquem a posição da organização quando emminoria. Essa é a base da unidade de ação. As votaçõesformam a posição da organização e é com elas é que aorganização atua no movimento.

Há uma confusão comum na esquerda quando seentende que a unidade de ação é a mesma coisa que unidadede pensamento e opinião. São dois conceitos distintos quenão necessariamente andam juntos. Para nós a unidade naação não exclui e nem acaba com as diferenças de opinião.Essa unidade na ação é ao mesmo tempo a aplicação dapolítica votada pela maioria e o confronto com a realidade,espaço político que valida ou não as posições políticasdefendidas nos debates.

Uma organização revolucionária deve procurar agirem equipe nas frentes de atuação. Assim como temos asnossas posições, os outros militantes – independentes eintegrantes de outras organizações – e trabalhadorestambém têm as suas. Não podemos ser sectários com essasposições, temos que ouví-las com respeito e refletir sobreelas a todo momento. Quando surgirem propostas nosfóruns do movimento a respeito das quais não tínhamospensado, e que não se opõem às nossas, é importante queconversemos entre nós sobre elas, e que as apoiemos seforem corretas para o movimento. Não podemos votarcontra determinadas propostas só porque não são asnossas. Situações novas surgem a todo momento e namaioria dos casos não é possível reunir o núcleo paradecidir o que fazer a respeito. Essa situação deve serresolvida com conversas entre nós e com muita franquezapara com o movimento, dizendo claramente que nãotínhamos pensado na possibilidade que acaba de se colocar,e que ainda não temos posição definida. Ou mesmo,devemos esclarecer ao movimento o fato de nossosmilitantes poderem votando de maneira diferente até quea organização se reúna e tenha uma posição definida.Também podem acontecer situações em que tenhamos

que delegar a alguns companheiros a condição de decidirdiante de situações novas que o movimento possa vir acolocar e que exijam uma decisão naquele momento.

Por isso, a construção de um regime interno sadio éfundamental. A confiança e a fraternidade entre osmilitantes tornam-se condição para a solução de problemasdesse tipo. O risco de errar em em situações inesperadas émuito maior, porque se trata de decisões que devem sertomadas no calor dos acontecimentos, nas quais muitasvezes o tempo que se tem para reagir é mínimo. Quandose tem um regime interno sadio, os balanços tornam-semais construtivos.

Isso também vale para os erros que praticamos e aresponsabilidade que devemos ter por eles. O nossotamanho e a nossa fragilidade política e teórica indicamque os erros vão ser companheiros freqüentes nossos. Maisuma vez a relação de camaradagem entre nós torna-sefundamental. “La madurez de cada miembro del partidose expresa particularmente en el hecho de que no exige delrégimen partidista más de lo que éste, puede dar. La personaque define su actitud hacia el partido por los golpespersonales que le dan en la nariz es un pobre revolucionario.Es necesario, por supuesto, luchar contra todos los erroresindividuales de los dirigentes, toda injusticia, etcétera. Peroes necesario determinar estas ‘injusticias’ y ‘errores’ no enellos mismos sino en conexión con el desarrollo generaldel partido a escala nacional e internacional. Un juiciocorrecto y un sentido de las proporciones en política sonextremadamente importantes” (Trotsky, in “Sobre elcentralismo democrático. Unas pocas palabras acerca delrégimen del partido” – escritos 1937).

CONCLUSÃOO esforço de elaboração do presente texto tem o

objetivo de atender à determinação de preparar o pontode discussão sobre centralismo democrático daConferência de 2009 do Espaço Socialista. Mas no cursoda sua construção ele terminou ganhando outros atributos,como o de formular uma visão teórica sobre o tema.Insistimos em que esse texto não é definitivo, pelo contrário,ele é apenas o início, o primeiro passo de um longocaminho. Também é uma provocação às várias forças deesquerda que defendem um determinado centralismodemocrático para que escrevam a respeito e disponibilizamsuas posições para o conjunto dos militantes e ativistas.

Não compreendemos esse debate como sendo apenasinterno à nossa organização, mas como parte de umprocesso mais geral de questionamentos e incompreensõessobre o tema. A esquerda revolucionária na verdade temum ajuste de contas com a história, uma vez que passouboa parte do século XX reproduzindo – na prática e nodiscurso – uma lógica que julgamos não ser própria domarxismo revolucionário, mas típica de uma concepçãoque se firmou na contra-revolução russa.

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