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PAULA DE SOUZA E MELLO FERREIRA DE ARAÚJO
O RECURSO ESPECIAL E SEUS REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE
Brasília
2007
PAULA DE SOUZA E MELLO FERREIRA DE ARAÚJO
O RECURSO ESPECIAL E SEUS REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE
Monografia apresentada ao Curso de especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil, na modalidade Formação para o Mercado de Trabalho, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Direito Processual Civil.
Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - REDE LFG
Orientador: Prof. Célio Alves Tibes Junior
Brasília
2007
PAULA DE SOUZA E MELLO FERREIRA DE ARAÚJO
O RECURSO ESPECIAL E SEUS REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Especialista em
Direito Processual Civil, na modalidade Formação para o Mercado de Trabalho, e
aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação em
Direito Processual Civil da Universidade do Sul de Santa Catarina, em convênio com
o Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP e com a Rede Ensino Luiz Flávio
Gomes – REDE LFG.
Agradeço, acima de tudo, a Deus, pelo dom da fé que ilumina e orienta meu caminho. A minha família - pedra fundamental de minha vida, refúgio de amor, paz e segurança -, por me fazer acreditar e sempre seguir adiante com meus projetos. A meus amigos, pela paciência nos momentos em que não pude estar presente e pela força dada para que eu pudesse concluir este Trabalho.
“Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. (...) Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. (...) Não proceder, nas consultas, senão com a imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem." (Rui Barbosa)
RESUMO
Este Trabalho tem por escopo discorrer a respeito dos requisitos
necessários à admissão do recurso especial; num primeiro momento serão
analisados os requisitos gerais e, após, examinados minuciosamente os específicos.
Nesse ponto, serão enfatizados os temas controvertidos com a demonstração dos
posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, em especial dos oriundos do
Superior Tribunal de Justiça, acerca das questões expostas.
Palavras-chave: Requisitos, reexame, prequestionamento, fundamentos, provas,
recurso especial.
SUMMARY
This treatise discusses the current requirements to admit an appeal to the
STJ - Superior Court of Justice (Special Appeal). The first part states the general
demands and, immediately below, it carefully examines the specific requirements in
order to have an appeal admited by the Court. At this point, the dissertation turns to
controversial themes and discusses the doctrine and jurisprudence, with a particular
emphasis on those attributable to the STJ.
Keywords: Requirements, review, prequestionamento, pleas, evidence, special
appeal.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1 ORIGEM DO RECURSO ESPECIAL 13
2 HIPÓTESES DE CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL 16
2.1 CAUSAS DECIDIDAS EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA 16
2.1.1 Conceito de causa decidida 16
2.1.2 Decisões de única ou última instância 18
2.2 CONTRARIAR OU NEGAR VIGÊNCIA A LEI FEDERAL OU TRATADO
20
2.3 CONCEITO DE LEI FEDERAL 21
2.4 ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL
23
2.5 DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL 24
3 REQUISITOS GERAIS DE ADMISSIBILIDADE APLICADOS AO RECURSO ESPECIAL
27
3.1 LEGITIMIDADE 27
3.2 INTERESSE RECURSAL 27
3.3 TEMPESTIVIDADE 27
3.4 PREPARO 29
3.5 ADEQUAÇÃO 30
3.6 REGULARIDADE FORMAL 32
4 PARTICULARIDADES DO RECURSO ESPECIAL 34
4.1 DUPLO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE 34
5 REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL
37
5.1 IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS 37
5.1.1 Reexame de prova x valoração jurídica da prova 38
5.2 IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL
41
5.3 FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO ESPECIAL 42
5.4 ACÓRDÃO RECORRIDO COM SUPORTE EM FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DE ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
43
5.5 PREQUESTIONAMENTO 45
5.5.1 Conceito 46
5.5.2 Origem histórica do prequestionamento 47
5.5.3 Prequestionamento explícito x prequestionamento implícito 49
5.5.4 Embargos de declaração x pós-questionamento 52
5.5.5 Prequestionamento e matéria de ordem pública 58
CONCLUSÃO 65
REFERÊNCIAS 69
10
INTRODUÇÃO
São inúmeros os recursos especiais que chegam ao Superior Tribunal de
Justiça e não ultrapassam a barreira da cognição. Tal fato evidencia a carência de
informação que os profissionais do Direito revelam quanto aos requisitos
indispensáveis à admissão desse apelo excepcional.
Por esse motivo, será realizado estudo detalhado acerca dos requisitos
específicos do recurso especial, com a exibição das posições doutrinárias e
jurisprudenciais existentes sobre a matéria que, em alguns pontos, não é pacífica –
em particular no que se refere ao prequestionamento e ao reexame de provas x
valoração jurídica da prova. A análise poderá proporcionar aos profissionais da área
meios de se compreender um pouco mais como vêm sendo analisados os recursos
especiais no concernente aos pressupostos para serem admitidos.
A metodologia adotada para a elaboração desta Monografia envolve a
pesquisa bibliográfica - por meio da qual é possível averiguar os registros existentes
a respeito dos temas abordados e apreciá-los de forma exaustiva - e a pesquisa
participativa – em razão da convivência diária com essas questões, como servidora
do Superior Tribunal de Justiça.
As fontes pesquisadas abrangem as normas legais aplicáveis, as
doutrinas contemporâneas, os artigos publicados em periódicos e os textos
constantes da rede mundial de computadores - Internet.
11
No primeiro Capítulo, far-se-á a incursão pela origem do recurso em
análise, com o relato de fatos históricos que o envolvem.
Já o segundo será reservado à análise da competência do Superior
Tribunal de Justiça para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única
ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
estados, do Distrito Federal e dos territórios, quando a decisão recorrida contrariar
ou negar vigência à lei federal; julgar válido ato de governo local contestado em face
de lei federal ou conferir à lei federal interpretação diversa da que lhe haja atribuído
outro tribunal. Cada uma dessas hipóteses de cabimento será examinada
separadamente de modo a conferir melhor percepção de suas particularidades.
O terceiro Capítulo, por seu turno, será destinado ao exame dos requisitos
gerais de admissibilidade dos recursos que devem ser observados, também, no
especial. Dessa maneira, a legitimidade, o interesse recursal, a tempestividade, o
preparo, a adequação e a regularidade formal serão esmiuçados a fim de que não
paire qualquer dúvida a respeito da necessidade de sua presença no apelo em
estudo.
No quarto Capítulo, chamar-se-á atenção para uma particularidade do
recurso especial - a existência de duplo juízo de admissibilidade. Diferentemente dos
demais apelos, esse recurso, assim como o extraordinário, é primeiramente
submetido à apreciação do Presidente ou do Vice-Presidente do tribunal recorrido,
onde ele é interposto (que verificará se há condições de dar seguimento ao
reclamo); posteriormente, o Tribunal Superior averiguará a presença dos requisitos
indispensáveis à admissão do recurso.
12
O quinto representará o cerne da Monografia, pois nele será efetuado
minucioso exame dos requisitos específicos. A questão da impossibilidade de se
reexaminar matéria de fato será objeto de análise acurada e realizar-se-á clara
distinção entre reexame de prova e valoração jurídica da prova. Também a vedação
à interpretação de cláusula contratual merecerá tópico específico, assim como a
necessidade de fundamentação devidamente elaborada.
Outro ponto a ser destacado diz respeito ao caso em que o acórdão
recorrido apresenta fundamentos autônomos de ordem constitucional e
infraconstitucional, fato que torna indispensável a interposição de recurso
extraordinário, além do especial.
Enfatizar-se-á, ainda, o requisito considerado o mais importante por
juristas, doutrinadores e profissionais do Direito: o prequestionamento. Além de sua
conceituação, será proporcionado relato acerca de sua origem histórica, bem como
análise comparativa sobre o prequestionamento explícito e o implícito.
O pós-questionamento, não admitido em recurso especial, merecerá
tópico específico que demonstrará o porquê de seu descabimento.
Por fim, proceder-se-á ao exame da discussão doutrinária e
jurisprudencial que envolve a necessidade ou não de prequestionamento quando se
cuidar de matéria de ordem pública.
13
Nesse contexto, o objetivo da Monografia é esclarecer possíveis dúvidas
que possam existir a respeito dos requisitos indispensáveis à admissibilidade do
recurso especial e desvendar algumas questões controversas sobre o tema.
1 ORIGEM DO RECURSO ESPECIAL
Em 1890, com a instalação do regime federativo inspirado no Direito
americano, houve um movimento para reestruturar juridicamente o Estado Brasileiro.
O art. 59, § 1º, Decreto 510, de 22 de junho de 1890, assim dispunha:
[...] das sentenças da justiça dos Estados em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade ou aplicabilidade de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou atos de governos dos Estados, em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos os atos ou leis impugnados.
Posteriormente, o Decreto 848 de 1890, em seu art. 9º, parágrafo único,
previu o que segue:
Haverá também recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunais e juízes dos Estados: a) quando a decisão houver sido contrária à validade de tratado ou convenção, à aplicabilidade de uma Lei do Congresso Federal, finalmente, à legitimidade do exercício de qualquer autoridade que haja obrado em nome da União – qualquer que seja a alçada; b) quando a validade de uma lei ou ato de qualquer Estado seja posta em questão como contrária à Constituição, aos tratados e às leis federais, e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou ato; c) quando a interpretação de um preceito constitucional, ou de Lei Federal, ou de cláusula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária à validade do título, direito e privilégio ou isenção, derivado de preceito ou cláusula.
Então, foi criado o recurso extraordinário, cuja competência de julgamento
seria do Supremo Tribunal Federal. Inspirado no writ of error norte-americano,
14
previsto no Judiciary Act de 1789, ele já constava da primeira Constituição da
República.
O excesso de demandas a serem solucionadas pelo Pretório, que
culminou com a chamada “crise do Supremo”, ensejou a necessidade de criação de
novo tribunal para diminuir o número de processos a serem julgados pela Corte
Maior, desafogando-a da quantidade avassaladora de processos e proporcionando
maior celeridade em sua apreciação.
Por conseguinte, os feitos versando sobre questões constitucionais
permaneceram da competência do Supremo; já as causas nas quais se discutiam
negativas de vigência das leis federais passaram a ser examinadas pelo novo
pretório, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de nova modalidade recursal,
denominada recurso especial.
O Min. Athos Gusmão Carneiro1 assim se manifestou a respeito do
assunto:
São conhecidos os motivos que levaram o constituinte federal de 1988 à criação do Superior Tribunal de Justiça, e à extinção do Tribunal Federal de Recursos. Em última análise, a chamada ‘crise do Supremo Tribunal Federal’, pelo número de feitos sempre crescente e absolutamente excessivo, postos a cargo dos integrantes do Excelso Pretório. A par da matéria, em competência originária, derivada do exercício de sua função de Corte Constitucional, também uma multiplicidade de recursos provenientes de todas as partes de um país sob alto incremento demográfico e com várias regiões em acelerado processo de industrialização e de aumento do setor terciário da economia, acarretando sempre maiores índices de litigiosidade. Óbices jurisprudenciais e regimentais à admissão do recurso extraordinário revelaram-se de proveito limitado, e de certa forma, transitório, na medida em que o elevado número de processos reavivou a crise. A experiência com o instituto da ‘relevância da questão federal’, cercado de rígidos
1 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 3-4.
15
pressupostos procedimentais, sob certo ângulo repôs o recurso extraordinário em sua destinação essencial; mas, de outra parte, veio a suscitar restrições pelos litigantes e advogados, desejosos de maior amplitude o acolhimento de irresignação dirigida a um tribunal nacional. A instituição do Superior Tribunal de Justiça atendeu a tais relamos. A uma, liberando o Supremo Tribunal Federal para um menos atribulado exercício de sua missão maior, de custódia da Constituição Federal e órgão tutelar dos direitos e garantias individuais. A duas, com a substituição do Tribunal Federal de Recursos – até então principalmente tribunal de 2º grau da Justiça Federal, por cinco Tribunais Regionais Federais, melhor aparelhados para servir como instância recursal ordinária das decisões dos juízes federais. Finalmente, o Superior Tribunal de Justiça, como tribunal nacional, posto acima dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais dos Estados, irá exercer, sem óbices regimentais, a tutela da legislação federal infraconstitucional, nos casos previstos na Lei Maior.
De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
a competência do Superior Tribunal de Justiça – STJ desdobra-se em originária,
recurso ordinário e recurso extraordinário, no caso, o apelo especial.
16
2 HIPÓTESES DE CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL
As hipóteses de cabimento do especial encontram-se elencadas no art.
105, III, “a”, “b” e “c”, como se verifica a seguir:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
...............................................................................................................
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Detalha-se esse preceptivo constitucional a fim de delinear com clareza
os contornos de cabimento do recurso especial, não sem antes acrescentar que, no
âmbito processual, o Código de Processo Civil tratou da matéria nos arts. 541 e
seguintes.
2.1 CAUSAS DECIDIDAS EM ÚNICA OU ÚLTIMA INSTÂNCIA
2.1.1 Conceito de causa decidida
A temática atinente à conceituação de “causa decidida” não é consensual
entre os doutrinadores pátrios. Arruda Alvim, Pedro Lessa e Demócrito Ramos
17
Reinaldo2 são adeptos da linha de pensamento segundo a qual o termo “causa”
deve ser entendido como lide. Por conseqüência, consideram inviável a interposição
de recurso extraordinário lato sensu quando se tratar de procedimento de jurisdição
voluntária ou contra decisão interlocutória.
A maior parte dos processualistas, porém, interpreta o termo de maneira
ampla e entende possível o manejo do apelo em causa oriunda de jurisdição
voluntária ou contenciosa. Os defensores dessa corrente aplicam a máxima de que,
se a lei não excluiu, não cabe ao intérprete excluí-la.
Rodolfo Camargo Mancuso3 cita a posição abraçada pelo Min. Orozimbo
Nonato, assim explanada:
Tomando dos sulcos traçados por Pontes de Miranda, dou à palavra causa do texto constitucional sobre recurso extraordinário sentido amplo de questão, de controvérsia. Desde que, em qualquer fase do processo, ainda no decurso da lide, manifeste a justiça local sobre debate suscitado pelas partes sua palavra derradeira, e a questão por ela solvida se não possa reanimar ao depois, e se a decisão entre em testilhas com outras, também definitivas, ou se trinque da balda da ofensa da lei, ou ocorre, em suma, qualquer das hipóteses previstas no art. 101, n. III, da Constituição, cabe recurso extraordinário.
Menciona ainda as elucidativas palavras de José Afonso da Silva4 sobre o
tema:
Não há cogitar se se trata de processo de jurisdição voluntária ou de jurisdição contenciosa. Se o processo é cautelar, principal ou incidental. Basta que a decisão, proferida em qualquer deles, encerre uma questão federal e seja irrecorrível no mesmo sistema judiciário. Só isto é
2 CRISPIN, Mirian Cristina Generoso Ribeiro. Recurso Especial e Recurso Extraordinário. São Paulo: Editora Pilares, 2006, p. 93. 3 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 142-143. 4 SILVA, José Afonso da. Apud: MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 144.
18
pressuposto dele. A natureza, o tipo de processo não constitui seu pressuposto.
Não obstante, são incabíveis os recursos extraordinários em correição
parcial e contra as decisões exaradas em procedimentos administrativos. A título de
ilustração quanto a estas, destacam-se as Súmulas 637 e 311, do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que, respectivamente, dispõem deste
modo:
Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município.
Os atos do presidente do tribunal que disponham sobre processamento e pagamento de precatório não têm caráter jurisdicional.
2.1.2 Decisões de única ou última instância
Da leitura do permissivo constitucional, o recurso especial é cabível contra
decisões proferidas por Tribunais Regionais Federais ou Tribunais dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios. Quer isso dizer que é inviável sua apresentação
contra decisões de primeiro grau e proferidas pelos Colégios Recursais dos Juizados
Especiais, que não se qualificam como tribunais por não terem assumido tal status,
consoante se constata do rol elencado no art. 92 da Carta Maior acerca dos órgãos
que compõem o Poder Judiciário.
A Súmula 203 do STJ exprime esse entendimento, como se verifica a
seguir: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo
grau dos Juizados Especiais”.
19
Diferentemente do apelo especial, o recurso extraordinário é cabível
contra decisões judiciais proferidas em única ou última instância,
independentemente da natureza do órgão prolator; ou seja, desde que exauridas as
instâncias ordinárias, cabe à Corte Maior zelar pelas corretas aplicação e
interpretação da Carta Magna por qualquer decisão proveniente do Poder Judiciário.
A cristalização desse posicionamento restou firmada com a edição da
Súmula 640 do STF, o qual preconiza que “É cabível recurso extraordinário contra
decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma
recursal de juizado especial”.
O ponto de convergência entre os apelos extraordinários, no particular, é
que em ambos é necessário que se trate de decisão final, contra a qual não seja
cabível qualquer tipo de recurso ordinário.
Transcreve-se, acerca da matéria, o teor das Súmulas 354, 355 do STF e
207 do STJ, que corroboram essa assertiva:
Em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação;
Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fora por eles abrangida;
É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem.
Ressalta-se que, quando o recurso especial for aviado contra decisão
interlocutória, ficará retido nos autos e apenas será processado se a parte o reiterar
20
no prazo para interposição do recurso contra a decisão final ou nas contra-razões,
consoante preconiza o art. 542, § 3º, Código de Processo Civil.
Em caso de urgência, cabe à parte propor medida cautelar a fim de que
seja destrancado o recurso. Tal medida deve ser ajuizada ao Presidente do Tribunal
de origem se ainda não houver juízo de prelibação do recurso, ou, caso haja,
proposta diretamente no Superior Tribunal de Justiça.
Esse Sodalício aplica, por analogia, as Súmulas 634 e 635 do Supremo
Tribunal Federal, ao examinar a admissibilidade das cautelares. Eis o teor dos
verbetes sumulares, na respectivamente:
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem.
Cabe ao Presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente de seu juízo de admissibilidade.
2.2 CONTRARIAR OU NEGAR VIGÊNCIA A LEI FEDERAL OU TRATADO
Para o Min. Athos Gusmão Carneiro5, o recurso especial tem por função
precípua “[...] garantir a boa aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação em
todo o Brasil [...]”, a fim de que o princípio da segurança jurídica reine soberano.
Contrariar e negar vigência não são sinônimos. Contrariar significa fazer o
contrário, no caso, dar à lei ou ao tratado interpretação diversa da de sua natureza
jurídica, emprestando ao preceito normativo sentido diferente do conferido pelo
5 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 7.
21
legislador. Negar vigência, por seu turno, consiste em deixar de aplicar um texto
legal que deveria ser observado.
Rodolfo de Camargo Mancuso6 assim se manifestou a respeito do
assunto:
Pensamos que ‘contrariar’ um texto é mais do que negar-lhe vigência. Em primeiro lugar, a extensão daquele termo é maior, chegando mesmo a abarcar, em certa medida, o outro; segundo, a compreensão dessas locuções é diversa: ‘contrariar’ tem uma conotação mais difusa, menos contundente; já ‘negar vigência’ sugere algo mais estrito, mais rígido. Contrariamos a lei quando nos distanciamos da mens legislatoris, ou da finalidade que lhe inspirou o advento; e bem assim quando a interpretamos mal e lhe desvirtuamos o conteúdo. Negamos-lhe vigência, porém, quando declinamos de aplicá-la, ou aplicamos outra, aberrante da fattispecie; quando a exegese implica em admitir, em suma... que é branco onde está escrito preto; ou quando, finalmente, o aplicador da norma atua em modo delirante, distanciando-se de todo do texto de regência.
Vicente Greco Filho7, por sua vez, seguindo a mesma senda, pronunciou-
se nos termos a seguir:
A contrariedade à lei é bastante ampla, abrangendo, aliás, a negativa de vigência. Contrariar a lei é, além de negar vigência, também interpretar erradamente. (...) A intenção do constituinte, pois, revigorando a expressão contrariar a lei, foi de ampliar o cabimento do recurso ao Tribunal Superior de Justiça, atendendo aos reclamos de certas correntes que lamentavam a excessiva rigidez do cabimento do recurso extraordinário. [...] De qualquer maneira cabe a distinção: contrariar a lei significa desatender seu preceito, sua vontade; negar vigência significa declarar revogada ou deixar de aplicar a norma legal federal. (Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1993, 6 ed., vol. 2, p. 324 - 325)
Embora exista distinção entre os termos, na prática a ocorrência de um
dos dois ou de ambos (contrariedade ou negativa de vigência) acarreta o mesmo
resultado. Isso ocorrerá se o recurso estiver suficientemente fundamentado.
2.3 CONCEITO DE LEI FEDERAL
6 Ibidem, p. 221-222. 7 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 6 ed. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 324-325.
22
Encontram-se abrangidas pela expressão “lei federal” as seguintes
espécies normativas: lei, regulamento, decreto, direito estrangeiro e medida
provisória. Excluem-se a resolução, a instrução normativa, a circular, a portaria, o
regimento interno dos Tribunais e os provimentos da Ordem dos Advogados do
Brasil.
Vários são os precedentes oriundos do Superior Tribunal de Justiça sobre
o tema; dentre eles, REsp 845.931/SC, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 31.10.06;
REsp 653.233/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 7.11.06; RESP 815.123/SC,
Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 5.10.06; REsp 855.436/RS, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, DJU de 28.9.068.
Assevera-se que as chamadas “leis federais de função local” - que são
federais em sua origem, mas não em sua essência, pois não cuidam de matéria
federal - não ensejam a interposição do recurso especial.
A esse respeito, reproduzem-se as palavras de José Afonso da Silva9:
“[...] será lei federal, quando, tendo origem federal, tiver, também, natureza de direito
federal, isto é, quando se enquadrar na competência normal da União, quando
versar matéria da competência legislativa dos órgãos federais”.
Cita-se também o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça acerca
do assunto:
8 REsp 845.931/SC, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 31.10.06; REsp 653.233/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 7.11.06; RESP 815.123/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 5.10.06; REsp 855.436/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 28.9.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/ >. Acesso em: 10.10.07. 9 SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 175.
23
RESP - CONSTITUCIONAL - RECURSO ESPECIAL - DISTRITO FEDERAL – LEI LOCAL - O RECURSO ESPECIAL VISA A INTERPRETAÇÃO DA LEI FEDERAL INFRACONSTITUCIONAL E BUSCA HARMONIZAR A JURISPRUDENCIA. A LEI DO DISTRITO FEDERAL, MESMO QUANDO COMISSÃO DO SENADO FEDERAL A ELABORAVA, TINHA ORIGEM FEDERAL, PORÉM, INCIDENCIA LOCAL. NÃO SE CONFUNDE A ORIGEM COM O CONTEUDO. INADMISSIVEL, POR ISSO, O RECURSO ESPECIAL (EREsp 116.038/DF, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU, de 20.4.98)10.
2.4 ATO DE GOVERNO LOCAL CONTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL
Antes da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, a redação da alínea “b”
do inciso III do art. 105 da Constituição Federal era a seguinte: “julgar válida lei ou
ato de governo local contestado em face de lei federal”. Com essa Emenda, a
hipótese em que a decisão recorrida “julgar válida lei local contestada em face da lei
federal” passou a ser da competência do Supremo Tribunal Federal, com a inserção
da alínea “d” ao art. 102, III, Carta Magna. A competência para apreciar os casos em
que o decisum impugnado “julgar válido ato de governo local contestado em face da
lei federal”, por seu turno, permaneceu com o Superior Tribunal de Justiça.
Como “atos de governo local”, há os atos administrativos latu sensu,
praticados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, provenientes de
município ou de Estado-membro. J. E. Carreira Alvim11, ao discorrer a respeito da
temática em análise, asseverou assim:
10 EREsp 116.038/DF, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU, de 20.4.98. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 10.10.07. 11 ALVIM, J. E. Carreira. Alguns Aspectos dos Recursos Extraordinário e Especial na Reforma do Poder Judiciário (EC n. 45/2004). Reforma do Judiciário: Primeiros Ensaios Críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, p. 324.
24
A expressão ‘lei local’ tem sentido abrangente, compreendendo toda norma estadual e municipal, emanada do poder competente, coativa e de observância gelar, como as leis, os decretos, os regulamentos etc., sendo a expressão ‘ato de governo local’ indicativa dos atos praticados por agentes públicos estaduais e municipais, dotados de certa parcela de poder, como os governadores, os prefeitos, os secretários de governo etc.
Observa-se que, se a controvérsia se cingir ao exame de ofensa à norma
de direito local, o recurso especial não será cabível, como preceitua a Súmula
280/STF, aplicada por analogia pelo STJ. Eis o seu conteúdo: “Por ofensa a direito
local não cabe recurso extraordinário”.
2.5 DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
Nesse caso, o apelo especial é cabível quando o tribunal de origem
houver decidido a controvérsia à luz de dispositivo legal, dando-lhe interpretação
diversa da que lhe tenha conferido outro tribunal.
Não é possível admitir recurso especial pela alínea “c” do permissivo
constitucional em que se invoca como paradigma precedente emanado do mesmo
órgão prolator do aresto recorrido, pois tal fato atrai a súmula 13/STJ: “A divergência
entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial”.
Caso a dissonância de entendimento se dê dentro de um mesmo tribunal,
será cabível pedido de uniformização de jurisprudência nos moldes do art. 476 e dos
seguintes do Código de Processo Civil.
25
Se a discordância ocorrer no âmbito dos tribunais superiores, é admissível
a interposição de embargos de divergência, conforme preceituado no art. 546 do
Código de Ritos:
ART. 546. É embargável a decisão da turma que:
I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial;
II – Em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário.
Parágrafo único. Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no regimento interno.
O apelo especial aviado com fulcro na alegação de dissídio pretoriano
deve ser elaborado de modo a comprovar a divergência nos moldes exigidos pelo
art. 541 do CPC c/c o 255 do RISTJ.
O recorrente deve provar a divergência levando aos autos certidão, cópia
autenticada, ou citando o repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado,
inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicada a decisão
paradigmática, ou reproduzindo julgado disponível na rede mundial de
computadores – Internet – com a indicação da respectiva fonte. Deve, ainda,
evidenciar as circunstâncias que demonstrem a similitude fática entre os casos
confrontados e a dissonância de entendimentos em seus julgamentos.
Para tanto, faz-se necessário o cotejo analítico, ou seja, não é suficiente a
simples transcrição de ementas do aresto recorrido e dos paradigmas. É
imprescindível a transcrição de excertos dos votos que tornem clara a semelhança
26
entre as hipóteses confrontadas, bem como o distanciamento no desfecho dado a
cada uma delas.
Reproduz-se trecho da ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça
bastante esclarecedor quanto à temática:
Para que seja viável recurso especial fundado na alínea ‘c’ da norma autorizadora, não basta a mera transcrição de ementas, pois é indispensável, além da juntada dos acórdãos tidos por paradigmas, que o recorrente realize cotejo analítico pormenorizado, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos comparados (2º do art. 255 do Regimento Interno do STJ) (REsp 784.404/SE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 12.11.07)12.
Se a orientação do Superior Tribunal de Justiça for pacífica a respeito do
tema sobre o qual foi suscitada a divergência, tendo se firmado no mesmo sentido
da decisão recorrida, o apelo especial não será admitido.
É este o teor da Súmula 83/STJ, a qual dispõe: “Não se conhece do
recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no
mesmo sentido da decisão recorrida”.
12 REsp 784.404/SE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 12.11.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 10.10.07.
27
3 REQUISITOS GERAIS DE ADMISSIBILIDADE APLICADOS AO RECURSO
ESPECIAL
Após interposto, o recurso passa pelo crivo do juízo de admissibilidade.
Nessa ocasião, o juiz ou o tribunal observará se estão presentes os pressupostos
genéricos (aplicáveis a todas as espécies recursais) e os pressupostos específicos
(aplicável a determinado recurso) necessários ao seguimento do apelo. Analisar-se-
ão, em seguida, os requisitos gerais de admissibilidade, aplicáveis ao recurso
especial.
3.1 LEGITIMIDADE
É parte legítima para interpor o recurso especial aquele que sucumbiu,
mesmo que em parte, no julgamento que deu origem ao acórdão proferido pelo
tribunal. Poderão apresentar o apelo em comento, ainda, o terceiro prejudicado e o
Ministério Público.
3.2 INTERESSE RECURSAL
O interesse para a interposição do recurso especial segue a regra
estatuída no art. 499 do Código de Processo Civil. Cabe àquele que não obteve a
plena satisfação de sua demanda demonstrar a utilidade e a necessidade do manejo
do recurso.
3.3 TEMPESTIVIDADE
28
O recurso interposto após o prazo legalmente previsto para tanto não será
conhecido em virtude de sua intempestividade. De acordo com o art. 508 do Código
de Processo Civil, o prazo para a interposição do recurso especial é de quinze dias
contados da intimação do aresto recorrido, que se dará com a publicação do
dispositivo do acórdão no órgão oficial, consoante reza o art. 506, III, mesmo
Diploma legal, com a redação a ele conferida pela Lei nº. 11.276/06.
Diante da reforma do inciso III do art. 506 do Código de Ritos - que
anteriormente previa a ocorrência da intimação com a publicação da súmula do
acórdão no órgão oficial e posteriormente com a publicação do dispositivo do
acórdão no órgão oficial -, é imprescindível que a publicação faça referência à
solução concreta conferida à controvérsia por parte do tribunal. Não é mais possível
que a publicação contenha apenas o resultado do julgamento (ex: recurso provido,
recurso não provido), pois tal fato pode acarretar a nulidade da intimação.
A protocolização do apelo no Tribunal recorrido interrompe o prazo
recursal. Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça não admite a apresentação
de recurso especial em outro órgão judicial que se utilize do sistema de protocolo
integrado, como restou sumulado no verbete 256/STJ, assim redigido: “O sistema de
‘protocolo integrado’ não se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de
Justiça”.
Ademais, os apelos extraordinário e especial devem ser interpostos
perante o Presidente ou o Vice-Presidente do tribunal recorrido, de acordo com o
disposto no art. 541, caput, Estatuto Processual.
29
3.4 PREPARO
O preparo traduz-se no pagamento prévio das custas referentes ao
processamento do recurso, bem como do porte de remessa e retorno. Deve ser
realizado pelo recorrente, que, caso não o comprove, poderá sofrer a pena de
deserção (não-conhecimento do recurso por falta de preparo).
Se o preparo for recolhido a menor, será aberto o prazo de cinco dias
para que seja suprida sua insuficiência. Após o transcurso do lapso temporal
concedido, quedando-se inerte o recorrente, tem-se por deserto o recurso. A
respeito do assunto, cita-se o seguinte:
PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NEGATIVA DE PROVIMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – PREPARO INSUFICIENTE - COMPLEMENTAÇÃO INTEMPESTIVA - DESERÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 511, § 2º DO CPC - DESPROVIMENTO.
1 - Segundo a jurisprudência desta Corte, estará caracterizada a deserção se a complementação do valor do preparo do recurso especial não for realizada no prazo do art. 511, § 2º do CPC. Precedentes.
2 - Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag 695.673/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 2.5.06)13.
Note-se, todavia, que a abertura do prazo para a complementação do
valor relativo ao preparo do recurso especial deve se dar no tribunal de origem; nas
instâncias especiais tal procedimento não será mais possível.
13 AgRg no Ag 695.673/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 2.5.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 10.10.07.
30
O enunciado sumular 182/STJ ratifica tal afirmação, ao estatuir que “[...] é
deserto o recurso interposto para o superior tribunal de justiça, quando o recorrente
não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos
autos”.
Releva-se que os recursos manejados pelo Ministério Público, pela União,
pelos estados, pelos municípios e pelas respectivas autarquias e pelos que gozam
isenção legal, são dispensados do preparo, nos moldes do art. 511 do Código de
Processo Civil.
3.5 ADEQUAÇÃO
Conforme o princípio da unirrecorribilidade, também denominado
unicidade ou singularidade, contra qualquer decisão recorrível, cabe apenas um
recurso. Assim, torna-se indispensável verificar a natureza do ato decisório para
saber qual o recurso adequado para impugná-lo.
Não obstante, há situações excepcionais que ensejam mais de um
recurso, para que se evite a ocorrência da preclusão (perda da faculdade de praticar
algum ato processual no momento oportuno). Por exemplo, quando um acórdão é
exarado de modo não unânime no tocante a um ou mais pontos e de forma unânime
relativamente a outro ou outros pontos, será cabível recurso especial ou
extraordinário para atacar a parte unânime e embargos infringentes para impugnar a
parte decidida por maioria.
31
No que concerne ao prazo, nessa hipótese, reproduz-se o teor do art. 498
do Código de Processo Civil:
Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos.
Parágrafo único. Quando não forem interpostos embargos infringentes, o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos.
Conclui-se que a manifestação de embargos infringentes em face da parte
não unânime do aresto possibilita que o prazo para o manejo do especial ou
extraordinário seja sobrestado, isto é, comece a fluir, mas, com a apresentação dos
infringentes, resta suspenso até o julgamento dos embargos, momento em que
voltará a ser contado de onde parou.
Além disso, constata-se que o prazo para o especial ou o extraordinário
será contado da data em que se esgotar o lapso temporal para o aviamento dos
embargos, se estes não houverem sido opostos.
Diante disso, verifica-se que a interposição do recurso especial somente é
adequada quando definido o julgamento pelo tribunal a quo, seja dos pontos
unânimes, seja dos pontos não unânimes.
Porém, se o aresto atacado não sofrer modificações mesmo após o
julgamento dos infringentes, será considerado válido o recurso especial manifestado
anteriormente, desde que ele tenha se restringido à parte unânime.
32
Outro caso a comportar dois recursos ocorre quando o acórdão contiver
fundamentos constitucionais e infraconstitucionais suficientes por si só à
manutenção do julgado. Nessa hipótese, serão cabíveis, concomitantemente, o
recurso extraordinário e o especial.
O presidente do tribunal realizará o juízo preliminar de admissibilidade de
ambos separadamente e, uma vez admitidos, encaminhará os autos ao Superior
Tribunal de Justiça (art. 543, CPC), que julgará o recurso especial e, após, remeterá
o feito ao Pretório. Contudo, se o relator considerar o recurso extraordinário
prejudicial ao especial, encaminhará o processo ao STF sobrestando a apreciação
deste (art. 543, § 2º, CPC). Sob outro ângulo, “[...] se o relator do recurso
extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os
autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial” (art.
543, § 3º, CPC).
3.6 REGULARIDADE FORMAL
As regras formais a serem seguidas no recurso especial, também
chamado de apelo raro, encontram-se previstas no art. 541 do Código de Processo
Civil, cujo conteúdo é o seguinte:
Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:
I - a exposição do fato e do direito;
II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
33
Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
A não-observância a tais diretivas implicará a inadmissão do recurso.
Portanto, é imprescindível que o apelo seja apresentado ao Presidente ou ao Vice-
Presidente do tribunal recorrido, do mesmo modo que não é possível aviá-lo na
mesma peça que o recurso extraordinário. Ademais, a petição deve conter a
exposição detalhada do fato e do direito, a demonstração do cabimento do apelo,
bem como a razão por que deve ser reformado o decisum atacado. Quando o
recurso for fundado em alegada divergência jurisprudencial, deverão ser seguidas as
regras detalhadas no tópico relativo ao assunto (Seção 2.5).
34
4 PARTICULARIDADES DO RECURSO ESPECIAL
4.1 DUPLO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
O recurso especial, assim como o extraordinário, está sujeito a duplo juízo
de admissibilidade: o primeiro é realizado pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente
do tribunal recorrido, onde é interposto o apelo; o segundo é efetuado pelo tribunal
superior.
No primeiro juízo de admissibilidade, não há incursão no exame de
mérito; aprecia-se tão-somente a presença dos requisitos formais necessários à
admissão do recurso. Não obstante, percebe-se que em alguns casos o juízo de
admissibilidade e a análise do mérito se confundem. O Superior Tribunal de Justiça
já se manifestou favoravelmente a essa prática, como se observa a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. OMISSÕES. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO ACERCA DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS SUSCITADOS E DO ART. 1º DO DECRETO-LEI 406/68. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. É possível, no juízo de admissibilidade realizado na origem, adentrar o mérito do recurso, pois o exame de admissibilidade pela alínea a do permissivo constitucional envolve o próprio mérito da controvérsia.
[...]
4. Agravo regimental desprovido.
Na mesma linha, mencionam-se os seguintes julgados: AgRg no Ag
686.891/BA, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 5.12.05; AgRg no Ag
531.969/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 31.5.04; AgRg no Ag 546.128/MG, Rel.
35
Min. Paulo Medina, DJU de 16.2.04; AgRg no Ag 228.787/RJ, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, DJU de 4.9.0014.
As decisões de admissibilidade devem ser fundamentadas nos termos do
art. 93, IX, Constituição Federal. Nesse sentido, a Súmula 123/STJ, dispõe que “A
decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada, com o
exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”.
Enfatiza-se que o juízo prelibatório efetuado pelo tribunal de origem não
vincula a corte superior, que verificará novamente se todos os requisitos de
admissibilidade foram preenchidos.
Impõe-se a transcrição de precedentes do Superior Tribunal de Justiça no
ponto em que se pronunciaram sobre a questão:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANTIDA POR SEU PRÓPRIO FUNDAMENTO. JUÍZO PRÉVIO NA INSTÂNCIA A QUO. NÃO VINCULAÇÃO.
1 - O juízo de admissibilidade efetuado na instância a quo não vincula ou restringe o exame dos pressupostos recursais a ser realizado pelo relator na instância ad quem.
[...]
4 - Agravo improvido (AgRg no REsp 299.075/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 12.11.07)15.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INTEMPESTIVIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. DECISÃO
14 AgRg no Ag 686.891/BA, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 5.12.05; AgRg no Ag 531.969/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 31.5.04; AgRg no Ag 546.128/MG, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 16.2.04; AgRg no Ag 228.787/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 4.9.00. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 10.10.07. 15 AgRg no REsp 299.075/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 12.11.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 10.10.07.
36
MONOCRÁTICA. COMPETÊNCIA DO RELATOR. ART. 557 DO CPC C/C ART. 34, XVIII, DO STJ. RECURSO ESPECIAL. DUPLO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DEMONSTRAÇÃO. INSUFICIÊNCIA. SÚMULA 283/STF. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. IMPROCEDÊNCIA DO MÉRITO.
[...]
O Recurso Especial está sujeito a duplo juízo de admissibilidade e a superação da primeira análise de prelibação não diminui em nada o âmbito de aferição da segunda. O recorrente não demonstrou, sequer no presente recurso, qual jurisprudência juntada no Recurso Especial satisfaria às exigências legais e que não teria sido examinada. O artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça exprime a relação dos veículos de publicação das decisões judiciais que permite a comprovação da divergência jurisprudencial, a teor da alínea “c”, do inciso III do artigo 105, do permissivo constitucional.
A Súmula 283/STF é aplicável à espécie, por analogia, conforme relatado na decisão monocrática, pois foi editada em época em que competia ao Supremo Tribunal Federal examinar alegação de violação de Lei Federal e foi citada para reforçar a inaptidão do Recurso Especial, pois, consoante ali explanado, ainda que fosse satisfatória a interposição do recurso, a tese nele veiculada não refuta inteiramente os fundamentos do acórdão a quo.
A decisão monocrática cuidou de demonstrar ainda a improcedência do mérito do pleito, com base em iterativo entendimento desta Corte.
Agravo desprovido (AgRg no REsp 652.487/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 21.11.05)16.
Na hipótese de inadmissão do apelo raro na instância ordinária, será
cabível o agravo de instrumento para o Superior Tribunal de Justiça no prazo de 10
(dez) dias, seu objeto será apenas a presença dos requisitos de cognição do recurso
especial.
16 AgRg no REsp 652.487/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 21.11.05. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 11.10.07.
37
5 REQUISITOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL
Ao lado dos requisitos gerais, encontram-se ainda os específicos,
indispensáveis ao conhecimento do recurso especial. Tanto ele quanto o recurso
extraordinário, por se tratarem de apelos excepcionais, devem atender a algumas
exigências legais particulares.
Isso sucede porque o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal não podem ser vistos como terceira instância, que se abre após o
esgotamento da instância ordinária, para rever erros de julgamento dos magistrados
de primeiro e segundo graus de jurisdição. Os Sodalícios não se prestam a analisar
o conteúdo fático-probatório dos processos submetidos a sua apreciação.
Na verdade, cuida-se de Cortes que zelam pela estrita observância e
correta interpretação do Direito objetivo, buscando a prevalência do princípio da
segurança jurídica de modo a impedir o aumento da instabilidade judicial. Objetivam
uniformizar a jurisprudência pátria por meio do exame dos apelos que, por esse
motivo, necessitam de requisitos peculiares, distintos dos demais recursos.
Analisar-se-ão, a seguir, os requisitos específicos de admissibilidade, que,
via de regra, se encontram inseridos em Súmulas do Superior Tribunal de Justiça e
do Pretório.
5.1 IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS
38
No âmbito de recurso especial, apenas as questões de direito serão
dirimidas, descabendo o reexame de matéria fática nessa via recursal. Por
conseguinte, o Superior Tribunal de Justiça se vale das premissas de fato fixadas
pela Corte originária, adotando-as sem discutir seu acerto ou seu desacerto para
verificar se a interpretação dada às normas federais aplicáveis à espécie foi
escorreita.
Nesse sentido é a Súmula 07/STJ, que consigna que “[...] a pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
5.1.1 Reexame de prova x valoração jurídica da prova
Reexaminar a prova não é o mesmo que valorá-la juridicamente. Como
observado, é vedada, na instância especial, a discussão em torno dos fatos
narrados no feito, ou seja, descabe cogitar da existência ou da inexistência de fatos
ou da sua caracterização, pois para tanto seria indispensável o revolvimento das
provas constantes dos autos.
Entretanto, a qualificação jurídica de fatos incontroversos, isto é, a
apreciação do conteúdo fático delineado no aresto impugnado a fim de enquadrá-lo
no sistema normativo e assim chegar a determinada conseqüência jurídica, é
possível de se realizar no âmbito do especial. Isso é o que se chama de valoração
da prova, o que é denominado por alguns autores como revaloração (já que a
valoração teria sido efetuada primeiramente pelo tribunal a quo).
39
O Ministro Vilas Boas17, do Supremo Tribunal Federal, traçou a distinção
entre reexame de prova e sua valoração jurídica nos seguintes termos:
A primeira hipótese diz respeito à pura operação mental de conta, peso e medida, a qual é imune ao controle excepcional. Na segunda, exatamente porque se envolve na teoria do valor ou conhecimento, esta Augusta Corte pode sair de sua posição de neutralidade, dispondo-se a apurar se houve ou não a infração de algum princípio probatório, e, desta perspectiva, tirar alguma conclusão que sirva para emenda de injustiça porventura cometida.
O Superior Tribunal de Justiça, em julgado esclarecedor proferido nos
Autos de ação indenizatória fundada na responsabilidade civil do município de Costa
Rica, pontificou que seria possível a análise dos atos praticados pela municipalidade
para evitar o evento danoso (fatos esses incontroversos registrados no acórdão
recorrido), a fim de se aferir se foram suficientes para eximir a responsabilidade do
ente público. Reproduz-se a ementa do aresto:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE EM BURACO (VOÇOROCA) CAUSADO POR EROSÃO PLUVIAL. MORTE DE MENOR. INDENIZAÇÃO. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. NÃO-INCIDÊNCIA.
1. Ação indenizatória proposta em face do Município de Costa Rica/MS, em que se pleiteia pensão vitalícia no montante de dois salários mínimos mensais e despesas de funeral, pela morte de filho menor, em decorrência de acidente em buraco (voçoroca) causado pelas águas da chuva.
2. A instância especial, por suas peculiaridades, inadmite a discussão a respeito de fatos narrados no processo - vale dizer, de controvérsias relativas à existência ou inexistência de fatos ou à sua devida caracterização -, pois se tornaria necessário o revolvimento do conjunto probatório dos autos.
3. Entretanto, a qualificação jurídica de fatos incontroversos, ou seja, seu devido enquadramento no sistema normativo, para deles extrair determinada conseqüência jurídica, é coisa diversa, podendo ser aferida neste âmbito recursal. Não-incidência da Súmula 7/STJ.
4. Segundo o acórdão recorrido, a existência da voçoroca e sua potencialidade lesiva era de ‘conhecimento comum’, o que afasta a
17 Ministro Vilas Boas. In: RTJ 32/703.
40
possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa de caso fortuito e força maior, já que essas excludentes do dever de indenizar pressupõem o elemento ‘imprevisibilidade’.
5. Nas situações em que o dano somente foi possível em decorrência da omissão do Poder Público (o serviço não funcionou, funcionou mal ou tardiamente), deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Se o Estado não agiu, não pode ser ele o autor do dano. Se não foi o autor, cabe responsabilizá-lo apenas na hipótese de estar obrigado a impedir o evento lesivo, sob pena de convertê-lo em ‘segurador universal’.
6. Embora a municipalidade tenha adotado medida de sinalização da área afetada pela erosão pluvial, deixou de proceder ao seu completo isolamento, bem como de prover com urgência as obras necessárias à segurança do local, fato que caracteriza negligência, ensejadora da responsabilidade subjetiva.
7. Em atenção à jurisprudência da Corte e aos limites do recurso especial, deve a indenização ser fixada no montante de 2/3 do salário mínimo, a partir da data em que a vítima completaria 14 anos de idade (28 de agosto de 1994) até o seu 25º aniversário (28 de agosto de 2005), calculado mês a mês, com correção monetária plena.
8. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença.
9. Recurso especial conhecido e provido em parte (REsp. 135.542/MS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 29.8.05)18.
Para o Ministro Athos Gusmão Carneiro19, o erro na valoração da prova
que dá ensejo ao recurso especial consubstancia-se, na realidade, em erro de direito
traduzido no fato de a Corte de origem ter decidido com base em prova vedada pelo
direito positivo expresso, para a hipótese então apresentada.
Nélson Luiz Pinto20, por sua vez, assim assevera: “[...] se de uma
equivocada valoração das provas resultar a errônea aplicação do Direito, o Direito
aplicado ao caso concreto não corresponderá à vontade abstrata da lei, justificando
18 REsp. 135.542/MS, Rel. Min. Castro Meira, DJU, de 29.8.05. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/.>. Acesso em: 11.07.07. 19 Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 3ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2003. p. 27. 20 PAULA, Breno de. O problema da valoração da prova em recurso especial. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2415&p=2>. Acesso em 11 out. 07.
41
que, mesmo nos sistemas mais ortodoxos, seja possível a revisão quanto à
‘razoabilidade na apreciação da prova’”.
Convém citar dois exemplos que elucidam de forma satisfatória o
conceito, um tanto vago, de valoração jurídica da prova: a) se a lei exige, para a
validade de uma prova técnica, a assinatura de três peritos, a existência de apenas
duas invalida a prova, o que pode ser alegado em recurso especial; b) se a lei exige
que a prova de um fato seja feita por meio de escritura pública e o julgado aceita
documento particular, também caberá o apelo.
Nas duas hipóteses, inexistirá reexame de prova; ocorrerá, isto sim,
valoração jurídica, pois será analisado o aspecto extrínseco da prova - sua
adequação às regras jurídicas que a disciplinam.
Embora tênue a linha que separa o reexame de prova de sua valoração
jurídica, o Superior Tribunal de Justiça detém a difícil tarefa de delimitá-la no
momento em que realiza o juízo de admissibilidade. Assim, apenas os apelos que
demandem a valoração ultrapassam a barreira do conhecimento, já aqueles nos
quais se faz necessária a reapreciação da matéria de fato serão obstados.
5.2 IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL
Cumpre às instâncias ordinárias definir o alcance do negócio jurídico
firmado entre as partes, para que o Tribunal Superior possa, a partir daí, aplicar o
direito à espécie. Nesse sentido reza a Súmula 05/STJ: “A simples interpretação de
cláusula contratual não enseja recurso especial”.
42
Comenta do jurista Roberto Rosas21 sobre o enunciado:
Entretanto, é bom ponderar o excessivo apego à restrição a exame de contratos e, conseqüentemente, das cláusulas contratuais, e lembrar que o enunciado fala em simples e não a qualificação jurídica ou a interpretação jurídica de uma cláusula contratual. A restrição ao recurso especial em matéria contratual é desagradável, se partir do argumento de mera interpretação de cláusulas.
Tal restrição é perigosa, porque quase todo o Direito das Obrigações tem como uma de suas fontes, os contratos.
O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça vem
sendo, contudo, reiteradamente reafirmado, como se constata da leitura do seguinte
precedente:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 e 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. No Sistema Francês de Amortização, conhecido como Tabela Price, somente com detida interpretação das cláusulas contratuais e/ou provas documentais e periciais de cada caso concreto é que se pode concluir pela existência ou não de amortização negativa, o que atrai a incidência das súmulas 5 e 7 do STJ.
[...]
3. Agravo regimental provido parcialmente tão somente para excluir da decisão as disposições referentes aos honorários advocatícios22.
5.3 FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO ESPECIAL
A falta de indicação precisa do dispositivo legal supostamente violado
acarreta o não-conhecimento do especial quando ele for interposto com base na
21 ROSAS, Roberto. Direito Sumular. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 303. 22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 11.10.07.
43
alínea “a”, III, art. 105, Constituição Federal (sob o fundamento de que a decisão
recorrida contrariou tratado ou lei federal, ou negou-lhes vigência).
Tal falha no recurso acarreta a incidência, por analogia, da Súmula
284/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua
fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
O verbete também é aplicado quando a parte cita o preceptivo legal que
entende violado, porém não demonstra de que modo teria havido a alegada
transgressão, bem como quando as alegações confusas não possibilitem alcançar o
exato significado da controvérsia.
Ainda relativamente à deficiência da fundamentação, não se pode
esquecer que o apelo raro não será conhecido se o recorrente deixar de infirmar
todos os fundamentos do aresto atacado, suficientes, por si sós, à manutenção do
julgado.
Nesse particular, impõe-se a aplicação, também por analogia, da Súmula
283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida
assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
5.4 ACÓRDÃO RECORRIDO PROLATADO BASEADO EM FUNDAMENTOS
AUTÔNOMOS DE ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL.
NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Há circunstâncias em que o aresto impugnado se sustenta em duplo
fundamento, constitucional e federal, ambos capazes de mantê-lo. Nesses casos,
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imperiosa a manifestação de recursos extraordinário e especial, pois a não-
interposição de um deles acarretará que o acórdão permaneça incólume quanto ao
fundamento não atacado.
De fato, se, diante dessa situação, o recorrente apresenta tão-somente o
recurso especial, incidirá o óbice da Súmula 126/STJ, assim redigida: “É
inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos
constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-
lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”.
Caso o recurso extraordinário não seja admitido na origem, cumpre ao
recorrente interpor agravo de instrumento (art. 544 do CPC), sob pena de não ter
seu especial conhecido em virtude do disposto nesse verbete.
Se, porém, a violação à Carta Maior for apenas reflexa, e efetivamente
houver ofensa à lei federal, será cabível apenas o especial. A esse respeito,
transcreve-se o seguinte julgado da Corte Superior de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº. 126 DO STJ. VIOLAÇÃO REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº. 636 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. ‘O Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário.
2. A hipótese não comporta sequer a aplicação da Súmula nº. 126/STJ, uma vez que não há questão constitucional autônoma no acórdão hostilizado capaz de ensejar a interposição de recurso extraordinário, pois a alegada
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violação a coisa julgada, se ocorresse, seria reflexa ou indireta, atraindo a incidência, mutatis mutandis, do enunciado nº. 636 do Supremo Tribunal Federal.
[...]
4. Agravo improvido (AgRg no REsp 721.366/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU, de 20.8.07)23.
Por fim, se o dispositivo de lei federal simplesmente reproduzir a norma
constitucional, será cabível apenas o recurso extraordinário. Eis o pronunciamento
do STJ nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPI. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE CUNHO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DO APELO EXCEPCIONAL.
1. Refoge ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei Maior.
2. A apontada violação dos artigos 49 e 97 do Código Tributário Nacional, por reproduzir o disposto nos artigos 153, § 3º, II, e 150, inciso I, da Carta Magna, não enseja o conhecimento de recurso especial fundado na alínea ‘a’. Precedentes da Turma.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag 927.616/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU, de 23.11.07).
Na mesma esteira, confiram-se REsp 518.706/RN, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, DJU, de 26.3.07, e AgRg no REsp 817.772/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJU,
de 13.11.0624.
5.5 PREQUESTIONAMENTO
23 AgRg no REsp 721.366/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 20.8.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 12.10.07. 24 REsp 518.706/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU, de 26.3.07, e AgRg no REsp 817.772/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJU, de 13.11.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 12.10.07.
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O prequestionamento surgiu com o fim precípuo de uniformizar a
jurisprudência a respeito das questões de Direito federal originadas em grau de
jurisdição inferior.
Este é considerado por juristas, doutrinadores e profissionais do Direito o
requisito mais importante dos apelos excepcionais. Por isso, necessária análise do
tema de modo a elucidar qualquer tipo de dúvida a ele referente.
5.5.1 Conceito
Do ponto de vista etimológico, prequestionamento significa debate ou
discussão anterior. O prequestionamento, para interposição do recurso especial,
traduz-se na exigência de que a matéria aventada no recurso especial tenha sido
debatida no voto vencedor do aresto recorrido, ou seja, a Corte originária tem de
haver emitido juízo de valor sobre o tema em torno do qual gravita o dispositivo de
lei federal tido por violado. Por conseqüência, o recorrente não pode inovar em suas
razões recursais.
Ilustrativamente, cita-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça que bem
definiu o significado do requisito:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. LEI FEDERAL. CONCEITO. PORTARIA. NÃO-ENQUADRAMENTO. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.
I - O prequestionamento da matéria objeto de impugnação no recurso especial deve ser compreendido como a manifestação do Tribunal recorrido acerca das questões cuja apreciação o recorrente pleiteia na via especial ou extraordinária. Se a matéria inserta nos dispositivos legais apontados como violados não foi ventilada no v. acórdão recorrido, não resta atendido esse requisito indispensável.
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II - A portaria não se enquadra no conceito de lei federal para fins de recurso especial.
III - O recurso especial, porque voltado precipuamente à uniformização da interpretação e correta aplicação da lei infraconstitucional, não se presta a resolver litígios que demandem o reexame de matéria fática ou do material probatório.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 954.341/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJU, de 19.11.07)25.
Destacam-se ainda as considerações tecidas pelo processualista
Mantovanni Colares Cavalcante sobre o tema:
[...] o prequestionamento representa um ato complexo, pois exige: I) provocação da parte ou surgimento espontâneo da questão pelo julgador, II) enfrentamento pelo tribunal, de modo espontâneo ou por provocação, da matéria constitucional e/ou federal e III) vinculação entre a matéria constitucional e/ou federal com a discussão jurídica versada na causa.
Ou seja, o prequestionamento não é ato que se concretiza somente com a provocação da parte, exigisse a abordagem da matéria pelas instâncias ordinárias, seja explicitamente (indicando-se o texto constitucional ou federal e afirmando-se expressamente estar sendo atendidos os mencionados comandos) ou implicitamente (não há indicação expressa de norma constitucional ou federal, mas do acórdão se extrai de forma inequívoca que a abordagem do julgado diz respeito à determinada norma constitucional ou federal.26
Cabe ressaltar igualmente as Súmulas 282 e 356 do STF, aplicadas
analogicamente pelo STJ:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
5.5.2 Origem histórica do prequestionamento
25 AgRg no REsp 954.341/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJU, de 19.11.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 12.10.07. 26 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recurso Especial e Extraordinário. São Paulo: Dialética, 2003, p. 109.
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O prequestionamento foi previsto pela primeira vez na Constituição
Federal de 1981, nos seguintes termos:
Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:
[...]
§ 1º. Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela.
À exceção da Carta Política de 1967/69, as Constituições que se
seguiram traziam a mesma regra. Para Alfredo Buzaid, era necessário que a
questão fosse dirimida no decisum atacado, não sendo bastante alegá-la apenas no
writ of error (tal como se exige atualmente).
Esse renomado Jurista, pai do atual Código de Processo Civil, ao
discorrer sobre o assunto, assim se pronunciou:
A idéia do prequestionamento tal como foi consagrada nos cânones constitucionais acima citados, tem a sua origem na Lei Judiciária (Judiciary Act) norte-americana, de 24 de setembro de 1789. Esta lei admitiu das decisões da Justiça estadual recurso para a Corte Suprema, recurso que recebeu o nome de writ of error. Cooley observa que é essencial, para a proteção da jurisdição nacional e para prevenir conflito entre Estado e autoridade federal, que a decisão final sobre toda questão surgida com referência a ela fique com os tribunais da União; e como tais questões devem surgir freqüentemente primeiro nos tribunais dos Estados, dispôs-se pela Judiciary Act deslocar para a Corte Suprema dos Estados Unidos à decisão ou resolução final, segundo o direito ou segundo a eqüidade, proferida em qualquer causa pelo mais alto Tribunal do Estado, onde se questiona acerca da validade de tratado, lei ou ato praticado por autoridade da União e a decisão é contrária a essa validade; ou onde se questiona sobre a validade de uma lei ou de um ato cometido por autoridade de algum Estado, sob o fundamento de que repugna à Constituição, tratados ou leis dos Estados Unidos e a decisão é favorável á validade; ou onde se questiona sobre algum título, direito, privilégio ou imunidade, reclamado segundo a Constituição, tratado, lei federal ou ato feito ou autoridade exercida pelos Estados Unidos e a decisão é contrária ao título, direito,
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privilégio ou imunidade reclamado por qualquer das partes com base na constituição, tratado, lei ato ou autoridades.27
A Constituição da República de 1988, diferentemente das Cartas que a
precederam – excetuando-se a de 1967/69 -, não traz em seu bojo a previsão do
prequestionamento. Por isso, houve quem pregasse sua desnecessidade. O
argumento dos defensores desse posicionamento era de que a atual Carta Magna
apenas afirma que o recurso especial é cabível quando a decisão recorrida
“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”, “julgar válido ato de
governo local contestado em face de lei federal”, ou “der à lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”, sem fazer qualquer referência ao
termo “questionar”.
Todavia, malgrado a inexistência de previsão legal ou constitucional a
respeito da exigência do requisito do prequestionamento, a jurisprudência é
uníssona e a doutrina é majoritária no sentido de sua necessidade. A justificativa
para tal entendimento é de que tal exigência advém da própria natureza dos
recursos raros.
Os arts. 102, III e 105, III, Constituição Federal, ao tratarem dos recursos
extraordinário e especial, respectivamente, exigem que o aresto atacado cuide de
matéria constitucional ou lei federal, conforme a hipótese. Destarte, a mens legis
desses preceitos normativos, aliada à orientação jurisprudencial e doutrinária acerca
da temática, consagrou a indispensabilidade do requisito.
5.5.3 Prequestionamento explícito x prequestionamento implícito
27 BUZAID, Alfredo. Embargos no Recurso Extraordinário nº. 96.802. RTJ: 109/299-304.
50
Antigamente o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo exigiam o
prequestionamento explícito da questão, ou seja, era necessário que o aresto
vergastado houvesse mencionado expressamente o dispositivo constitucional
supostamente malferido.
Tal exigência, porém, foi sendo abrandada com o passar dos tempos pelo
Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, considera suficiente o chamado
prequestionamento implícito.
Transcrevem-se os seguintes precedentes que evidenciam o avanço de
entendimento: posicionamentos antigo e atual do STJ, respectivamente:
RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE.
I - ORIENTA-SE A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DA INDISPENSABILIDADE DO PREQUESTIONAMENTO DA QUESTÃO FEDERAL SUSCITADA NO RECURSO ESPECIAL. A REGRA ADOTADA E A DO PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO, ADMITINDO-SE, EM CASOS EXCEPCIONAIS, O DENOMINADO PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO.
II - NA ESPÉCIE, O ACÓRDÃO EMBARGADO NÃO DISSENTIU DOS PARADIGMAS TRAZIDOS A CONFRONTO, POIS NÃO NEGOU A POSSIBILIDADE DE ADMITIR-SE O PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. CINGIU-SE A INADMITIR A EXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO, SEJA EXPLÍCITO, SEJA IMPLÍCITO, DA QUESTÃO FEDERAL SUSCITADA NO RECURSO ESPECIAL.
III - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS (EREsp 6.854/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 9.3.92)28.
IPTU. ALÍQUOTA REDUZIDA. TERMO A QUO DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 211 DO STJ E 284 DO STF.
28 AgRg no Ag 836273 / DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, de 24.5.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 12.10.07.
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I - Não tendo o recorrente demonstrado em que consistiria a omissão capaz de viabilizar a interposição do recurso especial pela violação ao artigo 535, II, do CPC, deixou de cumprir o determinado no artigo 541 do CPC, incidindo, por outro lado, o teor da súmula 284/STF.
II - A indicação de dispositivo legal (artigo 333, I, do CPC), sem fundamentação coerente com o decidido, inviabiliza o conhecimento de tal parcela do recurso especial. Incidência das súmulas 211 do STJ e 284 do STF.
III - No âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, o prequestionamento pode ser explícito ou implícito, ou seja, o Tribunal a quo pode enunciar os dispositivos e, conjuntamente, apreciar o conteúdo destes ou, simplesmente, poderá o Tribunal examinar diretamente a matéria constante dos regramentos legais indicados como violados; entretanto, não se enquadra como prequestionamento a simples invocação, nos embargos de declaração, dos artigos legais que entende o recorrente terem sido malferidos.
IV - Agravo regimental improvido (AgRg no Ag 836.273/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, de 24.5.07)29. (grifos nossos)
Já o Pretório mantém até hoje a exigência do prequestionamento
explícito, conforme os julgados a seguir expostos:
Recurso extraordinário: descabimento: ausência de prequestionamento dos dispositivos constitucionais tidos por violados, não admitido pela jurisprudência do Tribunal o chamado prequestionamento implícito (Súmula 282 e 356) (AI-AgR 617.374/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 26.6.07)30.
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGADA AFRONTA AO INCISO II DO ARTIGO 5º E AO INCISO I DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA INDIRETA OU REFLEXA. Caso em que não há como afastar a incidência das Súmulas 282 e 356 desta Suprema Corte, tendo em conta que o prequestionamento meramente implícito não dá guarida ao recurso extraordinário. Ainda que assim não fosse, haveria óbice à apreciação do apelo extremo: Súmula 636 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento (RE-AgR 415.296/GO, Rel. Min. Carlos Britto, DJU, de 14.12.06)31. (grifos nossos)
29 AgRg no Ag. 836273/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, de 24.5.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 12.10.07. 30 AI-AgR 617.374/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, de 26.6.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07. 31 RE-AgR 415.296/GO, Rel. Min. Carlos Britto, DJU, de 14.12.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07.
52
Em termos de conceituação, há uma corrente doutrinária que, na mesma
linha do STJ, abraça a tese de que o prequestionamento implícito se consubstancia
no exame da matéria relativa ao preceptivo legal tido por violado. Quer isso dizer
que não é imprescindível a menção expressa ao artigo de lei porventura contrariado,
sendo suficiente que o tema a respeito do qual versa o dispositivo tenha sido
analisado pela corte a quo. Para esse grupo de estudiosos. o prequestionamento
explícito seria a enumeração expressa do artigo tido por violado e sua análise por
parte do tribunal de origem.
Há outra vertente segundo a qual o prequestionamento implícito ocorre
quando a matéria se encontra debatida entre as partes no decorrer da relação
jurídico-processual e o acórdão, apesar de não explicitá-la em seu corpo, a recusa
implicitamente. Em contrapartida, para os adeptos dessa corrente, o
prequestionamento explícito se daria quando houvesse decisão expressa a respeito
do tema no aresto hostilizado.
5.5.4 Embargos de declaração x pós-questionamento
A ausência de carga decisória por parte do tribunal de origem a respeito
de tema previamente suscitado enseja a oposição de embargos de declaração,
consoante preconizado no art. 535, Código de Ritos. Não se trata aqui de inovação
de matéria, mas simples insurgência em virtude de omissão perpetuada no aresto
atacado.
53
Assim, descabe falar em “pós-questionamento”, isto é, argüição de nova
demanda por meio de aclaratórios com o fito de forçar a subida do recurso especial,
modo de proceder não admitido, porquanto o momento para suscitar a questão é
sempre anterior ao decisum combatido, nunca posterior.
Nessa linha de raciocínio, a matéria não pode surgir nos embargos
declaratórios; deve, sim, ter sido previamente debatida pelas partes no decorrer do
contraditório e aventada ao órgão julgador. Os julgados a seguir espelham o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SÚMULA 83, STJ. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DECIDIDA. TEMA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. PÓS-QUESTIONAMENTO. IMPROVIDO.
- Não há omissão quando tanto o acórdão embargado quanto a decisão agravada citam vários precedentes contrários à pretensão da embargante.
- Não se admitem embargos declaratórios para rediscutir questão apreciada no acórdão.
- Embargos declaratórios opostos após a formação do acórdão, com o escopo de pré-questionar tema constitucional. Na hipótese, não haveria prequestionamento, mas pós-questionamento.
- Embargos rejeitados (EDcl no AgRg no Ag 295.627SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, de 26.8.02)32.
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. LIMITAÇÃO TEMPORAL. COMPENSAÇÃO. DELIMITAÇÃO DOS SUBSTITUÍDOS PARA FINS DE CONCESSÃO DE REAJUSTE. MATÉRIAS ALEGADAS APENAS NAS RAZÕES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não há ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, porquanto os embargos de declaração não se prestam ao exame de questões novas, não suscitadas na apelação e, portanto, não devolvidas ao conhecimento do Tribunal a quo.
32 EDcl no AgRg no Ag 295.627SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, de 26.8.02. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07.
54
2. A limitação temporal dos efeitos da condenação, além de não ter sido apreciada pelo acórdão a quo (Súmulas 282 e 356 do STF), não foi oportunamente suscitada nas razões do apelo especial, o que impede o seu conhecimento nesta fase processual, por se tratar de inovação não admitida pela jurisprudência desta Corte.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag 874.933/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU, de 11.6.07)33. (grifos nossos)
Caso o Tribunal permaneça silente sobre o tema suscitado, em que pese
a oposição de embargos declaratórios, caberá à parte alegar negativa de vigência
ao art. 535 do Código de Processo Civil, requerendo a nulidade do acórdão omisso,
como consignado no aresto do Superior Tribunal de Justiça assim resumido:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ARROLAMENTO - ITCM - COMPENSAÇÃO - INADMISSIBILIDADE - INVENTÁRIOS DIVERSOS, QUE NÃO SE CONFUNDEM - AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO - RECURSO ESPECIAL - SÚMULA 211/STJ.
I - A matéria constante dos artigos tidos como violados não foi ventilada no acórdão recorrido, ausente então o prequestionamento necessário ao conhecimento recursal pela alínea 'a' do permissivo constitucional. Frise-se, por oportuno, que mesmo tendo os recorrentes oposto embargos de declaração, estes não tiveram o condão de realizar o prequestionamento devido, porquanto seu julgamento permaneceu silente a respeito do tema, incidindo, pois, na espécie, o enunciado sumular nº. 211 do STJ. Caberia à agravante, em se sentindo prejudicada, interpor recurso especial com fulcro na violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, para ver sanada a omissão e não insistir numa alegação de violação a dispositivos de lei que não foram objeto de discussão no julgamento.
II - Saliento que, para fins de prequestionamento, não basta que a Turma Julgadora do Tribunal de origem tenha acolhido parcialmente os embargos de declaração, fazendo-se necessário o debate acerca dos temas tratados nos dispositivos legais.
III - Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 839.518/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, de 16.10.06)34.
Nessa mesma linha, verifiquem-se o REsp 983.688/SP, Rel. Min. Castro
Meira, DJU, de 8.11.07; o AgRg no Ag 589.131/SP, Rel. Min. João Otávio de
33 AgRg no Ag 874.933/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU, de 11.6.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07. 34 AgRg no REsp 839.518/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, de 16.10.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07.
55
Noronha, DJU, de 19.9.05; o AgRg no Ag 385.212/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto,
DJU, de 9.6.0335.
Se a parte não suscitar ofensa ao art. 535 do Código de Ritos e argüir
contrariedade ao dispositivo de lei federal não examinado pela instância ordinária,
malgrado a apresentação dos embargos declaratórios para tal fim, o recurso não
será conhecido em virtude do disposto na Súmula 211/STJ (“Inadmissível recurso
especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios,
não foi apreciada pelo tribunal a quo”).
Saliente-se que o recorrente deve demonstrar o motivo pelo qual entende
violado o art. 535 do Código de Ritos, ou seja, qual ponto previamente suscitado
teria permanecido sem exame e por que seria indispensável sua análise. Se nas
razões recursais forem realizadas meras alegações genéricas no concernente ao
preceito normativo, o apelo não será conhecido, aplicando-se à espécie a Súmula
284 do STF, como se constata a seguir:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE DE 28,86%. EXECUÇÃO. COMPENSAÇÃO. COISA JULGADA. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. A indicação genérica de ofensa ao art. 535, II, do CPC, sem particularizar qual seria a suposta omissão do Tribunal de origem que teria implicado ausência de prestação jurisdicional, importa em deficiência de fundamentação, nos termos da Súmula 284/STF.
[...]
35 REsp 983.688/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJU, de 8.11.07; o AgRg no Ag 589.131/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU, de 19.9.05; o AgRg no Ag 385.212/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU, de 9.6.03. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07.
56
5. Recurso especial conhecido e improvido (REsp 794.592/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU, de 5.11.07).36
Há julgado do Pretório, por sua vez, apontando na direção da
necessidade de alegar-se no extraordinário, preliminarmente, transgressão aos
princípios do livre acesso ao Judiciário e do devido processo legal e da ampla
defesa, quando o tribunal a quo persistir na omissão quanto ao dispositivo
constitucional previamente aventado. Transcreve-se a título ilustrativo:
RECURSO - NATUREZA EXTRAORDINÁRIA - PREQUESTIONAMENTO - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INCOMPLETA. A razão de ser do prequestionamento, como pressuposto de recorribilidade de todo e qualquer recurso de natureza extraordinária - revista trabalhista (TST), especial (STJ), extraordinário stricto sensu (STF), - está na necessidade de proceder-se a cotejo para dizer-se do atendimento ao permissivo meramente legal ou constitucional. A ordem jurídica agasalha remédio próprio ao afastamento de omissão - os embargos declaratórios - sendo que a integração do que decidido cabe ao próprio órgão prolator do acórdão. Persistindo o vício de procedimento e, portanto, não havendo surtido efeitos os embargos declaratórios, de nada adianta veicular no recurso de natureza extraordinária a matéria de fundo, sobre a qual não emitiu juízo o órgão julgador. Cumpre articular o mau trato aos princípios constitucionais do acesso ao Judiciário e da ampla defesa, considerada a explicitação contida no inciso LV do artigo 5. da Constituição Federal. Então, a conclusão sobre a existência do vício desaguará não na apreciação da matéria sobre a qual silenciou a Corte de origem, mas na declaração de nulidade do acórdão tido como omisso (Ag 136.378, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, de 20.9.91)37.
Tal posicionamento, entretanto, não mais encontra eco na jurisprudência
daquela Corte, que atualmente se atém aos termos a contrario sensu da Súmula
356/STF para considerar pré-questionada a matéria pela simples oposição de
aclaratórios, mesmo que eles sejam rejeitados pela corte de origem. Os julgados a
seguir corroboram tal afirmação:
PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.
36 REsp 794.592/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU, de 5.11.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 15.10.07. 37 Ag 136.378, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU, de 20.9.91. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 15.10.07.
57
I – O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela (RE 210.638/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19/6/1998).
II - Agravo regimental improvido (AI-AgR 648760/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJU de 06.11.07).
1. Recurso extraordinário: inépcia: inocorrência. Histórico da causa e demonstração do cabimento do recurso - que, na hipótese da alínea a, se confunde com ‘as razões do pedido de reforma da decisão recorrida’ - suficientemente delineados nas razões da recorrente, possibilitando a perfeita compreensão da controvérsia.
2. Recurso extraordinário: prequestionamento e embargos de declaração. O Supremo Tribunal tem reafirmado a sua jurisprudência - já assentada na Súm. 356 -, no sentido de que, reagitada a questão constitucional não enfrentada pelo acórdão, mediante embargos de declaração, se tem por pré-questionada a matéria, para viabilizar o recurso extraordinário, ainda que se recuse o Tribunal a quo a manifestar-se a respeito (v.g., RE 210638, 1ª T, 14.04.98, Pertence, DJ 19.6.98; RE 219934, Pl, 14.06.00, Gallotti, DJ 16.2.01). É o que ocorreu, no caso, quanto à matéria relativa ao cerceamento de defesa: suscitada nos embargos de declaração opostos à sentença de primeiro grau, a questão foi objeto da apelação e dos embargos declaratórios ao acórdão recorrido. Com relação, contudo, à contrariedade ao artigo 5º, LXVII, da CF, não suprido o requisito do prequestionamento, porque não suscitada antes dos embargos de declaração à decisão de segundo grau. [...] (RE 231.452/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, de 31.8.04)38. (grifos nossos)
Nota-se que os embargos de declaração são cada vez mais opostos pelos
advogados, mesmo inexistindo omissão, obscuridade ou contradição, com o fito de
evitar que o especial não seja conhecido por ausência de prequestionamento da
matéria. Tal fato pode acarretar a aplicação de multa prevista no art. 538, parágrafo
único, Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes.
38 RE 231452 / PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, de 31.8.04. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp.>. Acesso em: 15.10.07.
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Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.
Porém, há que se verificar se os aclaratórios objetivam protelar o feito, ou se visam tão-somente pré-questionar a matéria. Se a hipótese for essa última, será afastada a multa e aplicada a Súmula 98/STJ, cujo teor ora reproduzo: Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.
Enfatiza-se, ainda, que a matéria objeto do apelo especial deve ter sido
debatida no voto condutor do acórdão vergastado, não apenas no voto vencido, sob
pena de ser obstado o recurso por falta de prequestionamento. Essa a orientação da
Corte Superior, que assim sumulou o assunto no verbete 320/STJ: “A questão
federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do
prequestionamento”.
5.5.5 Prequestionamento e matéria de ordem pública
As matérias de ordem pública podem ser encontradas nas condições da
ação (legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido), nos
pressupostos de desenvolvimento válido do processo (inexistência ou nulidade de
citação, incompetência absoluta, inépcia da petição inicial, perempção,
litispendência, coisa julgada, conexão, incapacidade da parte, defeito de
representação ou falta de autorização, falta de caução ou de outra prestação), no
controle concreto de constitucionalidade das leis e nas questões assim
expressamente definidas em lei, como no art. 1º do Código de Defesa do
Consumidor e no art. 426 do Código Civil de 2002.
59
Sabe-se que as matérias de ordem pública são cognoscíveis de ofício
pelo magistrado na instância ordinária, não se sujeitando à preclusão. Porém,
relativamente aos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais,
questiona-se a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal apreciarem ex officio os preceitos de ordem pública, a exemplo do que
ocorre na esfera ordinária.
Há três correntes a respeito do assunto: uma parte dos doutrinadores
considera impossível a análise de ofício de matéria de ordem pública no âmbito do
recurso especial, pois o regime jurídico do apelo raro exige que as causas tenham
sido decididas pelos tribunais inferiores, sob pena de não se configurar o
indispensável prequestionamento viabilizador do acesso às instâncias especiais.
Outra parte defende a tese segundo a qual não seria razoável se exigir o
prequestionamento de matéria de ordem pública, podendo ser relevada a
necessidade do requisito em referência no particular. Destaca-se o seguinte excerto
do artigo elaborado por Eduardo de Albuquerque Parente, intitulado “Os recursos e
as matérias de ordem pública”39:
De fato, ante a necessidade de boa justiça, não se poderia impor, para o conhecimento de uma matéria relevantíssima de ordem pública, que se anteceda um fenômeno criado pela jurisprudência, que, salvo melhor juízo, não se encontra positivado, qual seja o prequestionamento. Novamente ter-se-ia uma contraposição de valores: o imperativo público de um lado (devidamente normatizado) e tal requisito (que, renove-se, é fruto da jurisprudência e da doutrina).
39 PARENTE, Eduardo de Albuquerque. “Os recursos e as matérias de ordem pública”. Apud NERY JÚNIOR, Nélson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Vol. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 134.
60
No âmbito da Corte Superior de Justiça, há precedentes nos dois
sentidos, ou seja, uns consideram dispensável o prequestionamento da matéria de
ordem pública; outros o julgam imprescindível. Citam-se a seguir os precedentes no
sentido da desnecessidade do prequestionamento e os precedentes favoráveis à
necessidade dele, respectivamente:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº. 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.
[...]
7. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual.
8. ‘Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos’ (REsp nº. 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).
9. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada.
10. Recurso improvido (REsp 855.525/RS, Rel. Min. José Delgado, DJU de 18.12.06)40.
No sentido da necessidade do prequestionamento,
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE IMÓVEL. HASTA PÚBLICA. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. SUBSTITUIÇÃO DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. POSTERIOR INCLUSÃO NA LIDE COMO ASSISTENTES. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EXTRA PETITA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº. 211/STJ. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA Nº. 283/STF. APLICAÇÃO.
40 Resp 855.525RS, Rel. Min. José Delgado, DJU de 18.12.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 16.10.07.
61
I - No que se refere à suposta afronta aos arts. 128 e 460 do CPC, tem-se que a questão acerca de o acórdão recorrido ser extra petita não restou debatida pelo Colegiado de origem, apesar de instado para tanto por meio dos aclaratórios, faltando-lhe, assim, o indispensável requisito do prequestionamento viabilizador das instâncias extraordinárias. Incidência do verbete sumular nº. 211 deste STJ. Registre-se ainda que, mesmo em se tratando de matéria de ordem pública, indispensável é o prequestionamento para o conhecimento do recurso em sede extraordinária. Precedentes: REsp nº. 447.655/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 29/11/2004; EDcl no AgRg no REsp nº. 384.402/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 23/05/2005; REsp nº. 734.904/CE, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 19/09/2005.
[...]
III - Recurso especial não conhecido (REsp 884.915/RO, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU 18.12.06)41.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 535 DO CPC. INOVAÇÃO DA LIDE. INVIABILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE.
1. De acordo com o estatuído no art. 535 do Código de Processo Civil, são cabíveis embargos de declaração nas hipóteses de obscuridade, contradição ou omissão da decisão atacada, o que não ocorreu no presente caso.
2. Não é possível, em sede de embargos de declaração, inovar a lide, invocando questão até então não suscitada.
3. É indispensável o debate da questão jurídica pelas instâncias ordinárias, ainda que verse sobre matéria de ordem pública, sob pena de não conhecimento do apelo pela ausência do prequestionamento, viabilizador do acesso à instância superior dos recursos excepcionais.
4. Embargos de declaração rejeitados (EDcl no AgRg no Ag 691.757/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU, 6.3.06)42.
Há, porém, um entendimento inovador que vem sendo adotado em alguns
julgamentos do STJ. Trata-se de uma posição moderada, na qual se considera
necessário o prequestionamento da matéria de ordem pública a ser argüida no apelo
41 REsp 884.915/RO, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU, 18.12.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 16.10.07. 42 EDcl no AgRg no Ag 691.757/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU, 6.3.06. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 16.10.07.
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especial, mas se mitiga tal formalidade caso o recurso seja conhecido por outro
fundamento.
Sob esse aspecto, conhecido o recurso especial, a Corte observa a
inteligência da Súmula 456 do Pretório Excelso que preceitua: “O Supremo Tribunal
Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à
espécie”. Eis os julgados que retratam tal orientação:
PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - PARQUE
NACIONAL DA CHAPADA DOS GUIMARÃES - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
DO IBAMA - RECONHECIMENTO EX OFFICIO.
1. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF). [...] (REsp 841.414MT, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU, 2.3.07)43.
PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
1. Em temas de ordem pública, só é possível flexibilizar a exigência do prequestionamento se o recurso especial ultrapassar, por outros fundamentos, o juízo de conhecimento (Súmula 456/STF), o que não é a hipótese dos autos.
2. Agravo regimental improvido (AgRg no Resp 901.946/PB, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 23.4.07)44. (grifos nossos)
43 REsp 841.414MT, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU, 2.3.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 17.10.07. 44 AgRg no Resp 901.946PB, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 23.4.07Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 17.10.07.
63
Não obstante, prevalece, nas Turmas dessa Corte de Justiça, o
entendimento segundo o qual é necessário o prequestionamento de matéria de
ordem pública (1ª Turma: AgRg no Ag 820.974/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,
DJU, 28.6.07; 2ª Turma: AgRg no Ag 725.860/RJ, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJU, 12.9.06; 3ª Turma: AgRg no Ag 839.160/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJU, 14.5.07; 4ª Turma: AgRg no Ag 888.221/RO, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, DJU, 24.9.07; 5ª Turma: AgRg no REsp 897.905/SE, Rel. Min. Laurita Vaz,
DJU, 5.11.07; 6ª Turma: AgRg no REsp 883.364/AP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU,
2.4.07)45.
Diante desse panorama, conclui-se que o chamado “efeito translativo“ dos
apelos, consagrado no art. 515 do CPC, não alcança o recurso especial, conforme o
posicionamento da Corte Superior.
Vito Antônio Boccuzzi Neto, no artigo intitulado “Recursos excepcionais –
O prequestionamento e a matéria de ordem pública”46, tece as seguintes
considerações sobre a questão:
Indiscutivelmente, não se pode admitir a permanência de situações efetivadas em violação aos bens jurídicos considerados de interesse social, como são as questões de ordem pública inerentes ao processo judicial.
Decorre desse raciocínio que o denominado efeito translativo encontra-se encartado na própria definição do princípio do devido processo legal.
45 1ª Turma: AgRg no Ag 820.974/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU, 28.6.07; 2ª Turma: AgRg no Ag 725.860/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU, 12.9.06; 3ª Turma: AgRg no Ag 839.160/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU, 14.5.07; 4ª Turma: AgRg no Ag 888.221/RO, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU, 24.9.07; 5ª Turma: AgRg no REsp 897.905/SE, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU, 5.11.07; 6ª Turma: AgRg no REsp 883.364/AP, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU, 2.4.07. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 17.10.07. 46 BOCCUZZI NETO, Vito Antônio. “Recursos excepcionais – O prequestionamento e a matéria de ordem pública”. Apud NERY JÚNIOR, Nélson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Vol. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 447.
64
Destarte, não se estaria negando efetividade ao princípio da hierarquia das normas, mas apenas compatibilizando sua aplicação à necessidade de prestigiar um processo judicial escorreito, obediente às diretrizes traçadas pela própria Constituição Federal.
Com a nova visão que, cada vez mais, vem sendo conferida aos
processos, segundo a qual a função social desponta como diretriz nos julgamentos,
acredita-se que brevemente tal posicionamento moderado passará de opinião
isolada para prevalente. A flexibilização das regras inerentes ao apelo especial, no
caso de matéria de ordem pública, conferirá mais efetividade ao Direito material
tutelado, até porque se trata de caso de nulidade absoluta que poderá ensejar ação
rescisória, prolongando indefinidamente o desfecho da relação jurídica controversa.
65
CONCLUSÃO
O recurso especial é apelo de significativa importância, haja vista seu fim
maior, que é a uniformização da jurisprudência pátria quanto à interpretação da lei
federal.
Por não se tratar de terceira instância, contudo, o Superior Tribunal de
Justiça não pode assumir o caráter de “Corte de Revisão” e examinar o feito de
maneira ampla para rever erros de julgamento dos magistrados de primeiro e
segundo graus de jurisdição.
Assim, a par dos requisitos gerais de admissibilidade aplicados ao recurso
especial (legitimidade, interesse recursal, tempestividade, preparo, adequação e
regularidade formal), o apelo nobre apresenta requisitos específicos não exigidos
dos demais recursos – à exceção do extraordinário – que, uma vez observados,
possibilitarão à Corte de Justiça discutir teses atinentes a questões federais
controvertidas.
As razões recursais devem se ater à discussão jurídica, sem adentrar os
fatos que permeiam o processo utilizando-os como fundamento, caso isso ocorra,
incidirá a Súmula 07/STJ que veda o reexame de prova no especial.
Ademais, se a questão se cinge à valoração jurídica de fato incontroverso,
ou seja, se o recorrente pretende ver analisado o esboço fático delineado no
acórdão recorrido a fim de ajustá-lo ao sistema normativo vigente e, com isso,
chegar a determinada conseqüência jurídica, o recurso especial será admissível.
66
Embora seja tênue a linha a separar o reexame de provas da valoração
jurídica dos fatos, a diferença entre ambos é crucial no momento de admissão do
apelo.
Inviável, também, a interpretação de cláusula contratual, sendo certo que
as instâncias ordinárias devem definir o alcance do negócio jurídico realizado entre
as partes para que o Superior Tribunal de Justiça possa aplicar o direito à espécie
com base no estabelecido pela corte de origem. O recurso que pleitear a apreciação
de cláusula contratual esbarrará na Súmula 5/STJ e, fatalmente, ainda encontrará
óbice na Súmula 7/STJ.
Caso o apelo padeça de fundamentação, seja pela falta de
particularização de dispositivo legal supostamente violado, seja pela indicação de
preceitos normativos possivelmente contrariados sem explicitação do motivo pelo
qual isso teria ocorrido, seja por argüições genéricas sem suporte jurídico, ele será
inadmitido com fulcro no verbete sumular 284/STF, aplicado por analogia pelo
Superior Tribunal de Justiça.
Na hipótese de o recorrente não combater todos os fundamentos do
acórdão recorrido e cada um deles for suficiente à manutenção do julgado, a
deficiência na fundamentação atrairá, também por analogia, a incidência da Súmula
283/STF.
A existência de fundamentos autônomos de ordem constitucional e
infraconstitucional no aresto impugnado impõe a interposição de recurso especial e
67
extraordinário. Caso este não seja apresentado, aquele não será conhecido, em
virtude do que reza a Súmula 126/STJ.
O recorrente deve, desde o início, buscar a manifestação do magistrado a
respeito da questão jurídica que pretende ver examinada. Não é necessário haver
pronunciamento expresso sobre o dispositivo legal (prequestionamento explícito),
bastando que a tese em torno do qual gravita o preceito legal seja examinada
(prequestionamento implícito).
Caso não haja análise da questão por parte do órgão jurisdicional, caberá
a oposição de embargos declaratórios para tanto. Se mesmo assim, porém, não
houver apreciação do tema, deve-se indicar, no recurso especial, o art. 535 do CPC
- que cuida das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração -, como
contrariado.
É inviável, entretanto, aventar nos aclaratórios tema não suscitado
anteriormente; isso caracteriza o chamado pós-questionamento, inadmitido para
conhecimento do recurso especial. Apenas em caso de questão surgida no acórdão
será possível opor embargos de declaração objetivando o exame de normas que
porventura vieram a ser transgredidas com o posicionamento do tribunal a quo.
Quanto a matéria de ordem pública, o fato de existirem três correntes
sobre sua admissibilidade em recurso especial no que concerne à necessidade de
prequestionamento torna necessário cuidado especial quando o recurso cuidar
desse tema.
68
A melhor atitude para se evitar a negativa de seguimento do especial é
buscar o pronunciamento da corte originária acerca da matéria de ordem pública.
Assim, será mais seguro o resultado do juízo de admissibilidade.
Nesse contexto, evidencia-se que, se forem seguidas as exigências
relativas aos requisitos específicos do recurso especial, o número de apelos
obstados diminuirá consideravelmente e o mérito da demanda será apreciado, de
modo que o Superior Tribunal de Justiça poderá exercer sua função precípua, que é
analisar as teses apresentadas para, ao final, determinar a correta interpretação da
lei federal aplicando-a à causa e definindo, assim, as diretrizes a serem seguidas
pelos demais tribunais pátrios.
Com isso, estar-se-á proporcionando efetiva prestação jurisdicional e
conferindo segurança jurídica aos jurisdicionados.
69
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