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7/26/2019 Redes. Pensar de Outro Modo
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Saidn, Osvaldo. Redes. Pensar de outro modo. In: Saidn, Osvaldo. Devires da Clnica. So Paulo: HUCITEC, 2008. 183p.
Redes. Pensar de outro modo
*Palestra apresentada na oficina de trabalho Rede Gesto Descentralizada (Redes),
realizada pelo Ministrio da Sade na Organizao Pan-Americana de Sade
(Opas/OMS), Braslia, janeiro de 1999.
Introduo
De incio, mencionaremos algumas crenas que orientaram o
pensamento no final do sculo XX e que acabaram atuando como uma
resistncia para se pensar mais inventivamente a questo que hoje nos
convoca. Vamos enunci-las brevemente, apenas a titulo de
introduo ao nosso trabalho.
Em primeiro lugar, digamos que vem se desenvolvendo, a partir de
vrias concepes, uma ideia acerca de uma espcie de fim da
histria, que se produziria ao se chegar forma madura e definitiva
do Estado, com a consolidao das democracias parlamentares e a
globalizao do liberalismo como forma econmica dominante.
Em segundo lugar, e solidariamente com a primeira, difunde-se
uma espcie de ideia botnica (um tipo de fruticulturalidade
[ p. 165]
da histria, por meio da qual se pensa que tudo o que est por vir est
em estado de germinao e de forma latente no que j existe.
Estas duas concepes do desenvolvimento histrico das
sociedades anulam a produo da novidade, a presena do
intempestivo, a criatividade e a produo de novos sentidos nas
relaes sociais.
Em nosso trabalho, partimos de uma hiptese diferente que
valoriza as potencialidades j existentes para reinventar e conduzir os
processos sociais de modos aleatrios, inslitos e no necessariamente
predeterminados.
Faz-se necessria ento uma concepo inventiva que possa dar
fundamento constituio de uma democracia criadora, que faa
frente desimplicao e apatia que as crenas mencionadas no incio
acabam produzindo no social.
O objetivo mostrar os desafios que o trabalho com redes prope
ao pensamento e em que medida nos aponta a direo assinalada.
A promoo do trabalho com as redes tem o sentido, justamente,
de possibilitar o surgimento de um pensamento que, diante do caos ou
da complexidade social, oferea uma resposta criadora e prpria do
tempo em que vivemos.
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As redes surgiram como um instrumento de gesto social que
comporta uma novidade, enquanto possibilita intervir no apenas no
nvel organizativo-administrativo, mas tambm sobre os modos de
subjetivao mais hegemnicos num contexto scio-poltico-
econmico como o nosso.
A partir da era da informao, as concepes sobre a rede se
transformaram em uma espcie de representao social sumamente
estendida.
Assim como os termos grupo e instituio imediatamente nos
sugerem uma srie de representaes, ultimamente o termo rede
nos leva necessariamente a configurar um tipo e um modo de
comunicao entre pessoas, grupos ou instituies de uma maneira
aberta e descentralizada.
Sabemos que a criao de redes sociais no pode ser reduzida a
uma questo de interligao comunicacional baseada nas redes
informatizadas, j que sua fora surge, em realidade, da participao e
da interao de seus integrantes. Nessa medida, elas adquirem um
sentido inovador quando so estabelecidas como o modo de
[p. 168]
recriar e, mais ainda, de inventar novos modos de solidariedade e de
exerccio democrtico. Hoje, elas se constituem num ponto
fundamental na construo do que, de acordo com diferentes autores,
podemos chamar de democracia criadora ou de promoo do
imaginrio radical dos diversos coletivos presentes na vida social.
Todas essas concepes, ainda que de origens diversas, coincidem
na crtica representao e na necessidade de aprimorar as ideias e os
dispositivos que possibilitem uma participao mais direta dos atores
sociais nas questes que os afetam.
No plano poltico, elas se manifestam como sentido de cidadania;
no social, como um reforo dos mecanismos de democracia direta; e,
no institucional, como um aumento da implicao.
O desenvolvimento destas questes requer um amplo debate que
no podemos realizar aqui. Digamos, sucintamente, que o que o
chamamos de pensamento da rede, de fato, realiza de modo imanente
essa discusso no interior dos prprios dispositivos, grupos e
instituies que participam das redes, tais como as entendemos em
nosso trabalho.
Redes, pensamento e clnica
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O processo de construo e de sustentabilidade das redes nos
interessa na medida em que, na atualidade, se trata de um campo em
que so propostos de maneira concreta muitos dos paradigmas que
norteiam o pensamento contemporneo.
[p. 169]
Assim, a multiplicidade, a heterogeneidade, o devir, com seus
estudos sobre a velocidade e as alteraes na percepo temporal, so
conceitos que encontram na rede um modo de expresso. Alm disso,
as dificuldades, as faltas e as repeties que de fato observamos no
trabalho, nos abrem para o que aqui denominamos de uma clnica da
rede.
Para diagnosticar e intervir no funcionamento da rede, tal clnica
precisa nutrir-se de uma articulao de disciplinas e de conceitos
originrios tanto da psicanlise quanto da anlise institucional, do
pensamento contemporneo ou do que se costuma chamar de
pensamento da complexidade.
De nossa experincia surgiu uma srie de conceitos que gostaria de
desenvolver resumidamente e que, ao que parece, poderiam ir
construindo uma consistncia em torno da qual podemos formar um
arsenal terico compartilhado pelos responsveis por impulsionar e
sustentar o trabalho com redes.
Produo de subjetividade social
Fala-se frequentemente de produo de subjetividade social para
dar conta do modo pelo qual o social acaba se encarnando no mais
ntimo de cada sujeito, produzindo um tipo de comportamento e de
vnculos interpessoais condizentes com o modelo social hegemnico.
Os processos de produo de subjetividade requerem tanto uma
anlise de seu modo de agir quanto a criao de dispositivos que
escapem da massificao acrtica dominante que possibilitam.
[p. 170]
No se trata de opor produo de subjetividade dominante outro
modo de subjetivao, mas de propor a produo de processos de
singularizao capazes de instituir e promover uma atitude
participativa, decisria e criativa em relao ao nosso cotidiano
institucional.
Diversos trabalhos vm demonstrando como o individualismo, que
hoje se expande para as mais diversas prticas, de ndole negativa e
reativa. Em nossos pases latino-americanos, esse individualismo
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produto de uma situao de precariedade social crescente. No uma
escolha decorrente de nossa livre iniciativa. Ao contrrio, o resultado
da resignao que ocorre diante da impossibilidade e da impotncia de
poder levar adiante propostas sociais e comunitrias autnomas. um
individualismo negativo, no qual o sujeito se encontra abandonado e
abandona seus potenciais individuais e seu sentido de coletividade.1
Interdisciplinaridade para pensar de outro modo
Analisar essa questo impe quase sempre diferentes perspectivas
as quais devem ser levadas em conta e estar articuladas em um
pensamento interdisciplinar.
[p. 171]
Para se pensar os problemas de produo de subjetividade, existe
uma perspectiva que poderamos chamar de sociolgica organizacional
que nos orienta no sentido de explorar os desafios organizativos que a
relao entre Estado e comunidade impe na atualidade.
1Acredito no poder libertador da identidade sem aceitar a necessidade de suaindividualizao ou de sua captura pelo fundamentalismo. E proponho a hiptese de quetodas as maiores tendncias de mudanas em nosso mundo novo e confuso so afins eque podemos entender seu inter-relacionamento. E acredito, sim, apesar de uma longatradio de alguns eventuais erros intelectuais trgicos, que observar, analisar e teorizar
um modo de ajudar a construir um mundo diferente e melhor. No oferecendo srespostas, mas suscitando algumas perguntas pertinentes (M. Castells. A sociedade emrede. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 24).
Outra perspectiva a que poderamos chamar de psicolgica
comportamental. Tal perspectiva nos leva a buscar, atravs dos
conflitos e dos problemas que os diferentes modos de sociabilidade
contempornea suscitam, quais os dispositivos necessrios para recriar
as redes de comunicao fragmentadas e tentar novos modos
possveis de interpretao desses fenmenos.
Essas perspectivas devem estar articuladas para a construo do
que denominamos uma clnica da rede, que nos permita diagnosticar,
prognosticar, corrigir e promover a constituio e o desenvolvimento
das redes.
Para possibilitar este processo de criao social e para que o
trabalho com redes no se reduza a mero instrumento tcnico que, em
outras palavras, realize mais dele, preciso interrogar acerca do que
significa pensar em rede como uma abertura para pensar de outro
modo.
Trata-se de produzir, ao mesmo tempo, uma descentralizao no
nvel da organizao grupal e institucional vigente e uma
descentralizao no interior do prprio pensamento. Uma viso que
nos interrogue sobre o tempo, o devir, o acontecimento tal como se
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apresenta em nossa poca. Portanto, quando falamos de produo de
subjetividade, abre-se um desafio terico que deve articu-
[p. 172]
lar os saberes sobre a personalidade individual e social, gerando
conceitos fronteirios entre a psicanlise e o pensamento
contemporneo. Como pensamento contemporneo, nos referimos
aos trabalhos que investigam na atualidade as questes referentes
multiplicidade, complexidade, velocidade e s relaes de desejo e
produo. Essas consideraes esto incorporadas de fato no modo
pelo qual estabelecemos as questes relativas gesto social em redes
que aqui analisamos.
A crtica ao determinismo precisa de um pensamento que seja
capaz de acolher o intempestivo, o imprevisvel que se desdobra nas
diferentes iniciativas por onde transcorre o social.
A ideia da evoluo, tanto no plano do pensamento como no plano
da transformao social, deve dar passagem ideia do intempestivo na
relao com as possibilidades de incluir no entendimento essa rara
concatenao entre acaso e determinismo, por onde transitam o social
e a subjetividade.
Tanto o controle quanto o disciplinamento, como modos
predominantes de expresso do poder, tm sido minuciosamente
analisados em sua forma de atuar nos processos de institucionalizao.
As redes surgem assim como uma iniciativa para superar o
esgotamento no qual determinadas instituies chegaram, ao mesmo
tempo que questionam de fato a representao, abrindo as
possibilidades de uma participao direta na produo do pensamento
gerados em torno dos desafios sociais que devem enfrentar.
[p. 173]
Redes e grupos
Vemos, com frequncia, que a capacidade para administrar ou
instalar redes requer uma especial tolerncia incerteza e ao caos.
Este aparentemente sentimento de caos ou confuso deve ser visto
como um momento de tenses preparatrias que sirvam como o
espao necessrio para o desenvolvimento da imaginao coletiva e da
produo de novos sentidos. No nos deteremos nessa questo, mas
digamos que o trabalho com pequenos grupos nos mostra a
importncia de se possibilitar situaes que no sejam
predeterminadas e que permitam realizar uma tarefa que leve adiante
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o processo de produo, ao modo pelo qual poderamos chamar de
obra aberta.
Recorremos nesse ponto expresso obra aberta para significar
um tipo de produo capaz de se escapar do repetitivo e do
preconcebido, dando lugar assim multiplicidade de sentidos e
transformao que a flecha do tempo nos impe permanentemente.
Soma-se a isto o fato de que setting, que a situao caracterstica
do grupo com a consequente conservao das variveis no tempo e no
espao, torna-se complexo e modificado de maneira permanente no
trabalho com redes. Uma pesquisa maior deveria encarar as
consequncias que a desterritorializao - na qual as redes funcionam -
tem na produo de subjetividade e, consequentemente, no tipo de
pensamento que ali circula.
Podemos dizer que as ideias preexistentes sobre um determinado
modo de funcionamento ficam anuladas e necessrio estar
[p. 174]
aberto a situaes imprevisveis, porque so elas que do sentido
promoo de um funcionamento desse tipo.
No trabalho com grupos, temos desenvolvido a tese de que os
grupos trabalham trabalhando-se. Isso quer dizer que a dinmica
psquica que se instala nos processos interativos grupais pode estar
tanto a servio da resistncia quanto da realizao da tarefa. Quanto
mais seus integrantes fiquem alijados do entendimento do que sucede
a eles no prprio processo grupal, mais dificuldades devem surgir nos
processos de aprendizagem e comunicao.
Alm disso, verificamos que uma compreenso psicolgica desse
processo deve vir de uma leitura da dimenso institucional na qual os
grupos esto imersos.
Nesse sentido, o trabalho com a anlise institucional nos vem
orientando em relao importncia de incorporar as trs dimenses
na anlise dos fenmenos psicossociais: a dimenso da linguagem, a
dimenso do poder e a dimenso libidinal ou desejante.
Temos participado intensamente no desenvolvimento de uma
corrente da anlise institucional que se pe a nfase na anlise das
foras instituintes. Essa perspectiva nos parece especialmente til para
entender os novos desafios que enfrentam os processos de
institucionalizao.
Nesse caso, a instalao dos trabalhos em rede, ainda que no
caminho visando impor uma instituio no sentido clssico que
conhecemos, abre uma srie de processos que chamamos de
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instituintes, por intervir sobre as diferentes manifestaes onde se
desdobra o social.
[p. 175]
Consideramos ento que, ao incorporar a compreenso sobre os
processos de subjetivao que so instalados, estamos de fato gerando
dispositivos nos quais os agrupamentos que conformam a rede possam
pensar a si mesmos.
Dizamos, em um artigo dos anos 90, que pensar em rede serviria
para facilitar as ligaes reconstitutivas do tecido social. Este
pensamento no pode ser norteado por uma atitude voluntarista, mas
requer um pensamento acerca da complexidade que leve em conta a
produo da subjetividade social nos mais diversos acontecimentos e
como ela adaptada a um certo tipo de funcionamento institucional.
A subjetividade produzida no s deve ser analisada, mas
importante tambm caminhar para construir novos dispositivos que
possibilitem processos de singularizao. A produo de sujeitos que
no se conecta com os nveis decisrios, e que tem como consequncia
a perda da participao em uma histria coletiva, coloca vastssima
fatia de setores da sociedade em uma situao de desfiliao
crescente.
Neste contexto, foram produzidos diferentes instrumentos de
anlises que vieram contribuir somente ao desenvolvimento dos
mtodos de controle e disciplinamento nas instituies. Os
instrumentos desenvolvidos deveriam estar a servio de descortinar
esses processos de desclassificao, de liberdade vazia, de apatia e de
individualismo que nos segrega do poltico e da construo social.
Sem dvida, no mais intimo da subjetividade que essas questes
se aninham e, por isso, a anlise e a interveno no podem deixar de
levar em considerao essa dimenso.
[p. 176]
Isto nada tem que ver com o fato de se desenvolver no sujeito um
caminho de personalizao e introspeco no qual o inconsciente fica
aprisionado. Trata-se de uma concepo que conceba o trabalho como
a promoo de grupelhos, de redes entre eles, como inveno de
novos territrios existenciais.
De qualquer modo, vemos permanentemente como, ao lado de
uma vulnerabilidade crescente, e em meio desta era do vazio - como
alguns tericos chamam - desdobra-se toda uma outra histria. As
redes deveriam aproveitar-se dessa potncia que no para de
acontecer em milhares de microempreendimentos das mais diversas
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naturezas. A outra histria que se desdobra em inumerveis histrias
de vida, em grupos e grupelhos que promovem as mais diversas
questes sociais que nos pareciam impensveis h poucas dcadas.
Toda uma estratgia micropoltica est em marcha em torno de novos
mtodos de organizao comunitria, relacionada com questes
ecolgicas, educacionais, de sade e de gnero.
Pensar em rede tem de levar para alm de um pensamento
meramente instrumental, que v na rede um simples instrumento de
gesto de polticas pr-elaboradas em organismos centralizados. A
micropoltica no consiste, como alguns a entendem, em levar as
questes macroestruturais para serem debatidas e assumidas por
pequenos grupos e instituies da sociedade. No se trata de criar uma
espcie de meio-termo entre as propostas individualistas e as
comunitrias. No se trata de buscar uma reconciliao que, por outro
lado, no faria seno apelar a estratgias j provadas e fracassadas,
sem perceber o esgotamento sobre as quais se sustentavam.
[p. 177]
Frequentemente se diz que foi delimitado um marco poltico
indito. O Estado se percebe cada vez mais incapaz de satisfazer
necessidades coletivas; as instituies no demonstram uma
capacidade de resposta suficiente para se adequar ao novo cenrio e
as estruturas de representao enfrentam desafios cuja complexidade
as supera, pondo em evidncia, em muitos casos, sua obsolescncia e
rigidez.
Rede e poder
De qualquer modo, pouco avanaramos se apresentssemos a rede
como um modo de restaurao da situao perdida ou simplesmente
como espao de crtica terica atual situao de fragmentao social
que foi descrita.
A construo dos dispositivos em rede - funcionem estes a partir de
sua dinmica de interao como grupos de encontro, como situaes
informais ou como comunicaes informatizadas - caracterizam-se
mais por uma ao propositiva. Trata-se de uma maneira singular de se
fazer poltica, enfrentando e difundindo projetos e programas
concretos. Assim se geraria uma espcie de democracia direta onde se
reduziriam os nveis de representao e de delegao. O que se prope
um tipo de participao que chamamos de implicao direta dos
integrantes da rede nas polticas do Estado e em seus programas
sociais.
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Se a poltica se caracteriza pelos modos de realizar uma certa
acumulao do poder, nesse caso o poltico est dado atravs de um
tipo de implicao reticular, menos mediada, mais imanente, de afir-
[p. 178]
mar o poder dos sujeitos envolvidos nas redes em questo. Essa
questo salienta a necessidade de um permanente questionamento
nas relaes entre o Estado e as redes sociais. Assim sendo, no se
trata apenas de mostrar o que o Estado requer em relao ao modo de
constituio das redes, mas que as prprias redes colaborem no
objetivo de ir criando o que vem sendo chamado de Estado
inteligente.2
O papel do Estado no pode ser escamoteado em relao gesto
das redes para a realizao dos programas de promoo e capacitao
nas polticas de sade. As redes so um conceito importante para o
fortalecimento e a promoo da sociedade civil. Portanto, em nosso
2Bernard Kliksberg estabelece, no tocante a essa questo, a necessidade de sereconstruir o Estado tendo por horizonte desejvel o que se poderia chamar de umEstado inteligente: Um Estado concentrado em funes estratgicas para a sociedade ecom um desenho institucional e um desenvolvimento das capacidades gerenciais que lhepermitam concretiza-las com alta eficincia. No mesmo texto, mais adiante: Um Estadointeligente na rea social no um Estado mnimo nem ausente, nem de aes pontuaisde base assistencial, mas um Estado com uma poltica de Estado, no de partidos e simde educao, sade, nutrio, cultura, orientado para superar as graves iniquidades,
capaz de impulsionar a harmonia entre o econmico e o social, promotor da sociedadecivil, com um papel energizante permanente. (Kliksberg, B. Repensando o Estado para odesenvolvimento social.So Paulo: Cortez, 1998).
campo especfico, elas se constituem no modo pelo qual a promoo
na sade pode adquirir sustentabilidade .
A consistncia de um pensamento e de uma prtica dada
fundamentalmente por sua capacidade de continuar, apesar das
adversidades circunstanciais que deva enfrentar. Nessas
circunstncias, os gestores, os patrocinadores e as instncias
coordenadoras da rede tm um papel importantssimo.
Isso no implica necessariamente uma tutela ou um paternalismo
das estruturas administrativas do Estado. justamente para
[p. 179]
evitar a repetio das prticas paternalistas que insistimos na
importncia de que as redes, ao mesmo tempo que trabalham se
trabalhem. nelas mesmas, em seu prprio acontecer, eis o lugar
onde deve surgir a possibilidade dos dispositivos (anlises grupais,
assemblias, intervenes institucionais) que rediscutam e redefinam
as relaes, no necessariamente aprazveis, entre as macro-
requisies estatais e as necessidades de transformao micropoltica
que emergem no cotidiano da gesto social. todo um conjunto de
problemticas em torno das questes micropolticas, da resistncia dos
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diferentes setores sociais, da relao com a macropoltica, que
encontra nesta proposta um palco de confronto e negociao.
Coordenao e autogesto nas redes
As relaes entre tarefa e rede poderiam nos servir para ilustrar
diversas questes que surgem na coordenao desses processos.
Sabemos que a relao que os grupos humanos tm com a tarefa no
est livre de ansiedades que tm sua origem tanto na caracterstica
individual dos membros (verticalidade) como nas prprias interaes
que se criam no nvel grupal, comunitrio e institucional
(horizontalidade e transversalidade).
Do mesmo modo, a tarefa explcita que rene um conjunto no
necessariamente a que os convoca mais intensamente. Desejos de
pertena, necessidades e\ou dificuldades de comunicao e
aprendizagem, colocao em jogo da capacidade cooperativa e as mais
diversas moes afetivas esto presentes na relao que se tem com a
tarefa.
[p. 180]
O desconhecimento ou a negao desses aspectos faz com que a
pr-tarefa (os preparativos ou a resistncia para encarar os projetos)
se estenda muito alm do necessrio. Vimos que essa situao, ao no
ser analisada e operacionalizada, pode provocar desnimo, abandono
e descrdito dos programas, tanto de capacitao como de ao.
importante ento abrir uma possibilidade para a explicitao
dessas dificuldades, reconhecer a existncia da pr-tarefa como
momento necessrio e preparatrio para a entrada na tarefa
propriamente dita, e manter viva a ideia de um projeto que v alm do
que a programao circunstancial que se realizar e que permita criar
um esprito de sustentabilidade da rede.
A autonomia e os processos de autogesto no se sustentam
predominantemente num plano de organizao, mas no que
chamamos plano de consistncia. A mxima da consistncia
funcionar: como reavivar a potncia e o senso de participao, o
desejo de transformao.
Isso conduz promoo de uma atitude singular e criativa por parte
dos grupos implicados e promoo de uma tica do compromisso
que s um processo crescente de autonomia pode sustentar.
O perigo, ento, ter uma m compreenso do que se chama de
rede de redes.
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Se a entendemos como uma espcie de totalizao do processo, a
gerao de uma instncia centralizada de onde emergiriam todas as
situaes mais regionais, seria claramente contra nossa filosofia
[p. 181]
de trabalho. Desse modo, a descentralizao, que um dos objetivos
bsicos da rede, seria desqualificada em funo de um reforo na
vertente organizativo-administrativa, com os perigos da burocratizao
que isto implica.
A rede de redes no pode ser vista como um modo de organizar a
multiplicidade, mas simplesmente como uma espcie de horizonte
terico, uma ideia motriz para possibilitar a expanso e a expresso
dessa multiplicidade. No se trata de um ponto de chegada
pragmtico, j que toda ideia de totalizao e\ou universalizao dos
problemas levantados pertence a uma ideia de estrutura que
contrria fora expressiva, criativa, renovadora e, muitas vezes,
fragmentria que as redes estabelecem tanto no nvel do pensamento
quanto de suas realizaes prticas.
As redes sociais, quando pensadas para alm de um modelo
informtico (que no negam, mas sim instrumentalizam), baseiam seu
crescimento em uma capacidade cada vez maior de inventar e
administrar de maneira prpria os processos e as tarefas que as
conjunturas polticas e as decises estratgicas no campo da sade
apresentam a cada momento.
Elas no so atemporais. So filhas de seu tempo e seus desafios
passam por assumir as profundas modificaes que nossa poca traz
percepo do tempo e seu devir.
As redes so um modo como se desenvolve hoje o que podemos
chamar de cincia do devir, ante uma cincia sedentria, estvel, qe
no pode mover-se junto flecha do tempo que irremediavelmente
todos habitamos.
[p. 182]
Um pensamento para as redes deve dar conta de processos de
nomadismo crescente que se do no tipo de organizao em rede,
onde algumas das intervenes so passageiras e outras do tipo
participo mesmo que no esteja.
Toda esta nova emergncia social desafia nosso modo de pensar,
ao mesmo tempo que nos habilita para, realmente, de uma vez por
todas, nos atrevermos apensar de outro modo.
[p. 183]