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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CURT GONÇALVES KOENIG Itajaí [SC], junho de 2006

REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA …siaibib01.univali.br/pdf/Curt Gonçalves Koenig.pdf · entre este e a sociedade5. Medidas Alternativas ... à pena em determinados

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

CURT GONÇALVES KOENIG

Itajaí [SC], junho de 2006

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

CURT GONÇALVES KOENIG

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Rogério Ristow

Itajaí [SC], junho de 2006

AGRADECIMENTO

Ao Criador do Universo.

Aos meus familiares e amigos que contribuíram para a conclusão desta pesquisa.

À Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI – cumprimentando todos os seus funcionários,

professores e amigos.

Especialmente, ao Mestre Rogério Ristow, pela orientação no desenvolvimento desta pesquisa,

sempre com extrema dedicação, paciência e amizade.

DEDICATÓRIA

A minha mãe, Eleonora, pelo amor, apoio e confiança em mim depositados, dando-me a

oportunidade de alcançar tão sonhado objetivo.

À memória de meu pai, Kurt, cujos ensinamentos procuro seguir em todos os dias de minha vida.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí [SC], junho de 2006.

Curt Gonçalves Koenig Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Curt Gonçalves Koenig, sob o

título Reflexões Acerca da Função Ressocializadora da Pena Privativa de

Liberdade, foi submetida em 09/06/2006 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Rogério Ristow (Mestre), Rodrigo José Leal (Mestre),

Débora Cristina Freytag Scheinkmann (Especialista) e aprovada com a nota 10

(dez).

Itajaí, 09 de junho de 2006.

Professor MSc. Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CP Código Penal Brasileiro de 1940

CPP Código de Processo Penal de 1941

LEP Lei de Execução Penal de 1984

RT Revista dos Tribunais

ART. Artigo

§ Parágrafo

INC. Inciso

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias consideradas estratégicas à compreensão

do trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Pena Privativa de Liberdade

A pena privativa de liberdade é aquela que restringe o direito de ir e vir do

condenado, infligindo-lhe um determinado tipo de prisão1.

Sistemas Penitenciários

Sistema é tido como gênero. Os sistemas penitenciários representam corpus de

doutrinas que se realizam através de formas políticas e sociais constitutivas das

prisões2.

Regimes Penitenciários

O regime é espécie, visto que os regimes penitenciários cabem dentro do sistema

penitenciário. Os regimes penitenciários, por sua vez, são as formas de

administração em prisões e os modos pelos quais se executam as penas,

obedecendo a um complexo de preceitos legais ou regulamentares3.

Ressocialização

A ressocialização consiste em fazer o delinqüente aceitar as normas básicas e

geralmente vinculantes que regem a sociedade em que está inserido. Para esse

fim ressocializador na execução da pena, visa-se restabelecer no delinqüente o

respeito por essas normas básicas, fazendo-o corresponder, no futuro, às

expectativas nelas contidas, evitando, assim, a prática de novos delitos, em

outros termos, a reincidência4.

1 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: v. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 439. 2 PIMENTEL, Manoel Pedro. Sistemas Penitenciários. Porto Alegre: Instituto dos Advogados,

1989, p. 132. 3 PIMENTEL, Manoel Pedro. Sistemas Penitenciários. Porto Alegre: Instituto dos Advogados,

1989, p. 132. 4 Francisco Munõz Conde Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão:

causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 138/140.

Reinserção Social

A reinserção social é tida como um instituto do Direito Penal, inserido no espaço

destinado à Política Criminal, efetuada pós-cárcere, que, está voltada para a

reintrodução do ex-convicto no contexto social, visando a criar um modus vivendi

entre este e a sociedade5.

Medidas Alternativas

Constituem toda e qualquer medida que venha a impedir a imposição da pena

privativa de liberdade. Não se tratando de penas, mas de institutos que impedem

ou paralisam a persecução penal, não se confundindo, portanto, com as penas

alternativas6.

Penas Alternativas

Constituem toda e qualquer opção sancionatória oferecida pela legislação penal

para evitar a imposição da pena privativa de liberdade. Ao contrário das medidas

alternativas, constituem verdadeiras penas, as quais impedem a privação da

liberdade. Compreendem a pena de multa e as penas restritivas de direitos7.

5 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p.122. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: vol. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 348. 7 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: vol. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 348.

SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................XI

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ........................................................................................ 3

A PENA DE PRISÃO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS E TEORIAS DA PENA .......................................... 3 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ................3 1.1.1 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA ANTIGUIDADE ..........................................5 1.1.2 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA IDADE MÉDIA ...........................................7 1.1.3 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA IDADE MODERNA .....................................9 1.1.4 OS REFORMADORES: BECCARIA, HOWARD E BENTHAN....................................12 1.2 SISTEMAS PENITENCIÁRIOS ......................................................................14 1.2.1 SISTEMA PENSILVÂNICO OU CELULAR .............................................................15 1.2.2 SISTEMA AUBURNIANO ...................................................................................15 1.2.3 SISTEMAS PROGRESSIVOS ..............................................................................16 1.3 AS TEORIAS DA PENA .................................................................................17 1.3.1 TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS DA PENA............................................18 1.3.2 TEORIAS PREVENTIVAS DA PENA.....................................................................19 1.3.3 TEORIA MISTA OU UNIFICADORA DA PENA .......................................................20 1.3.4 TEORIA DA PREVENÇÃO GERAL POSITIVA ........................................................20

CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 22

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO DIREITO BRASILEIRO. 22 2.1 NOÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA PENA ...........................................22 2.1.1 CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS PENAS.................................................22 2.1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS DE ACORDO COM O CÓDIGO PENAL .......................23 2.2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ......................................................................25 2.3 ESPÉCIES DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .....................................27 2.3.1 RECLUSÃO ....................................................................................................28 2.3.2 DETENÇÃO ....................................................................................................30 2.3.3 PRISÃO SIMPLES ............................................................................................31 2.4 REGIMES PENITENCIÁRIOS ........................................................................32 2.4.1 REGIME FECHADO ..........................................................................................33 2.4.2 REGIME SEMI-ABERTO....................................................................................35 2.4.3 REGIME ABERTO ............................................................................................38 2.4.4 REGIME ESPECIAL ..........................................................................................40 2.5 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.....................................................................41 2.6 DIREITOS E DEVERES DO PRESO..............................................................43

CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 47

A CRISE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ............................ 47 3.1 EFEITOS SOCIOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA PRISÃO..........................47 3.2 EFEITOS PSICOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA PRISÃO ..........................50 3.3 O ATUAL PROBLEMA CARCERÁRIO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..............................................................................................51 3.4 TENDÊNCIAS ACERCA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ...............54 3.4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...............................................................................57 3.4.2 A LEI 9.099/95..............................................................................................63 3.4.3 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .....................66 3.4.4 A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS ................................................................................................................67 3.4.5 PRINCIPAIS BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL.................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 73

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS............................................ 76

RESUMO

A presente monografia tem como tema a reflexão acerca da

função ressocializadora da pena privativa de liberdade. Estabelece o propósito de

questionar se a pena de prisão, nos dias atuais proporciona condições adequadas

para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução

Penal. O estudo abrange a história e evolução da pena de prisão, partindo desde

a Antiguidade, passando pela Idade Média, até chegar à Idade Moderna. Deu-se

especial ênfase em relação ao pensamento de cada um dos mais renomados

Reformadores do cárcere: Beccaria, Howard e Bentham. Tratou-se, também dos

diferentes sistemas carcerários e das teorias da pena. Destacou-se a execução

da pena privativa de liberdade no Brasil, iniciando-se com a exposição de noções

preliminares acerca da pena, seguindo-se com a cominação legal das penas,

dando especial ênfase às disposições contidas na Lei de Execução Penal. Por

fim, discorreu-se sobre a crise sofrida pela pena privativa de liberdade,

enfocando-se as condições desumanas a que são submetidos os presos na

atualidade. Ficando demonstrando, ainda, que mundialmente se busca um meio

eficaz como alternativa à pena de prisão tradicionalmente imposta, com a

finalidade de proporcionar condições para a ressocialização do apenado.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto de estudo a função

ressocializadora da pena privativa de liberdade.

O seu objetivo é elaborar uma pesquisa científica sobre a

prisão, especialmente em virtude da crescente discussão acerca da problemática

do sistema penitenciário brasileiro, onde se tem questionado a eficácia da função

ressocializadora da pena privativa de liberdade.

Para tanto, principia–se, no primeiro capítulo, tratando da

evolução histórica da pena de prisão, sendo abordado, de forma sucinta, o

objetivo conferido à pena em determinados períodos da história da humanidade.

Em seguida, serão estudados os sistemas penitenciários e as teorias da pena,

proporcionando um panorama geral sobre a matéria.

No segundo capítulo, será estudada, exclusivamente, a

execução da pena privativa de liberdade no Brasil, iniciando-se com a exposição

de noções preliminares acerca da pena. Tratando, na seqüência, acerca da

cominação legal das penas, dando especial ênfase às disposições contidas na Lei

de Execução Penal.

No terceiro e último capítulo, por fim, se discorrerá sobre a

crise sofrida pela pena privativa de liberdade, enfocando as condições

desumanas a que são submetidos os presos na atualidade. Demonstrando-se,

ainda, que mundialmente se busca um meio eficaz como alternativa à pena de

prisão tradicionalmente imposta, a fim de minimizar esse problema social sem

precedentes.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais será apresentada uma síntese de todo o

exposto, bem como a verificação da hipótese inicial.

2

Para impulsionar a presente pesquisa, partiu-se do seguinte

problema: A pena privativa de liberdade tem cumprido sua função

ressocializadora?

Como hipótese preliminar, ficou fixado que a pena de prisão

no Brasil não tem cumprido sua função ressocializadora, já que o Estado parece

não estar garantindo as condições mínimas estabelecidas na Lei de Execução

Penal, bem como em diversos princípios constitucionais.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

3

CAPÍTULO 1

A PENA DE PRISÃO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA. SISTEMAS PENITENCIÁRIOS E TEORIAS DA PENA

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A fim de melhor compreender a pena privativa de liberdade

nos dias atuais, necessário se faz a realização de um estudo acerca de sua

história. No entanto, cumpre observar que para atingir os objetivos da presente

pesquisa, serão tratados apenas os momentos históricos mais importantes

conforme já destacado nas obras doutrinárias.

Desde o início das relações humanas, nas eras mais remotas, o respeito às regras comunitárias tornou-se fundamental, ensejando a preservação do interesse comum. Deste modo, cada indivíduo passou a ceder parte de seus objetivos pessoais para então compor as regras de convivência, com isso, permitindo que fosse punido ao infringir tais normas, prevalecendo o bem geral sobre o individual. Destarte, essas regras evoluíram com a história visando atender às necessidades das relações humanas e impulsionaram a adaptação gradativa dos ordenamentos jurídicos e das modalidades punitivas, embora tenham permanecido os conflitos em torno da finalidade e eficácia das punições8.

Como se pode perceber, as penas sempre tiveram como

objetivo principal o castigo ao mal praticado pelo infrator. Contudo, o senso crítico

de juristas, filósofos e pensadores do direito, proporcionou a evolução desta

tendência punitiva, diagnosticando a crise de modalidades punitivas e gerando a

possibilidade para que novas formas de punir surgissem, pois

[...] o desenvolvimento humano ou da sociedade foi formando regras de condutas e procedimentos que deviam ser adotados

8 BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Processual Penal. 2. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1996, p. 6.

4

para a repressão da conduta anti-social ou criminosa. Deste desenvolvimento, a princípio desorganizado, surgiram, ao longo do tempo, os Códigos9.

A dificuldade em fixar um marco para a origem da pena é

relatada por Bitencourt10, segundo o qual:

A origem da pena, todos recordam, é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situa-la em suas origens.

Quem quer que se proponha a aprofundar-se na história da pena de prisão corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de espinhos. Por tudo isso, não é tarefa fácil.

Em razão da dificuldade constatada acima, o mesmo autor

revela a necessidade de que se faça uma divisão cronológica, aduzindo ele que

[...] é imprescindível, para uma clara exposição, que permita elucidar caminho tão intricado, separar-se da cronologia, que pode nos levar a equívocos. E, então, considerando o homem delinqüente – que desde Lombroso até hoje constitui o epicentro das elucubrações criminológicas e penitenciárias -, procuraremos elucidar as distintas formas em que seus atos foram puníveis, atendendo, mais ou menos, aos períodos da história da humanidade11.

Portanto, os subcapítulos seguintes abordarão os aspectos

históricos da pena privativa de liberdade, fazendo-o em divisão por ordem

cronológica para melhor entendimento do tema.

9 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Prisão e liberdade provisória. São Paulo: Juarez de Oliveira,

1999, p. 1. 10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 3. 11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.

5

1.1.1 A Pena Privativa de Liberdade na Antiguidade

Na Antiguidade, a privação da liberdade não apresentava

características específicas de pena, ensinando Luiz Garrido Guzman12 que:

A antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o encarceramento de delinqüentes existiu desde tempos imemoráveis, não tinha caráter de pena e repousava em outras razões.

Da seguinte maneira define Mirabete13, referindo-se à idéia

que se tinha da prisão:

[...] antes do século XVII, a prisão era apenas um estabelecimento de custódia, em que ficavam detidas pessoas acusadas de crime à espera da sentença, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convívio social por condutas consideradas desviantes (prostitutas, mendigos, etc.) ou questões políticas.

Com isso, tem-se que o encarceramento não era utilizado

como pena, mas principalmente como uma forma de evitar a fuga do criminoso

até o cumprimento de sua punição, que geralmente consistia em pena de morte

ou torturas diversas, servindo assim de “ante-sala”, denominação analógica dada

por Bitencourt14, reafirmando no mesmo sentido que

[...] até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda dos réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.

12 Apud BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4. 13 MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal: comentários à Lei 7.210/84. 11. ed. São Paulo:

Atlas, 2004, p. 26. 14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 4.

6

Por isso, a prisão era uma espécie de ante-sala de suplícios. Usava-se tortura, frequentemente, para descobrir a verdade.

A constatação se dá em face de que “os vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais antigos (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia etc.) coincidem com a finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura” 15.

Acerca dos ambientes carcerários desta época, tem-se que:

Os lugares onde se mantinham os acusados até a celebração do julgamento eram bem diversos, já que naquela época não existia ainda uma arquitetura penitenciária própria. Os piores lugares eram empregados como prisões: utilizavam-se horrendos calabouços, aposentos frequentemente em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, palácios e outros edifícios.16

Muito embora se identifique a existência desses

estabelecimentos, Marques17 enfatiza que “a pena privativa de liberdade ou

prisão, ou ainda pena carcerária, datada do século XVI, tendo sido na Holanda o

lugar em que primeiro foi empregada com o caráter que tem hoje”.

Bitencourt18 chama ainda a atenção no sentido de que

[...] podem-se encontrar certos resquícios de pena privativa de liberdade fazendo um retrospecto da história em suas diferentes etapas até o século XVIII, quando adquirem relevo as compilatações legais da época dos princípios humanísticos de correção e moralização dos delinqüentes por meio da pena.

Como se percebe, a privação da liberdade na Antiguidade

não era utilizada como pena, mas apenas como um instrumento de guarda do

15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 5. 16 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 7. 17 MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. vol. III. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 114. 18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 5.

7

criminoso a fim de assegurar a aplicação da punição determinada em sua

condenação.

Como pena, entretanto, a privação da liberdade passou a

ser utilizada apenas com o passar dos tempos, principalmente com a mudança de

concepção trazida pela evolução dos princípios humanistas através da história.

1.1.2 A Pena Privativa de Liberdade na Idade Média

Durante todo o período da Idade Média, a pena privativa de

liberdade não se posiciona.

A leitura de Bitencourt19 mostra que

[...] há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custudial, aplicável àqueles que seriam, segundo Luis Guarrido Guzman, submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas. A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das mutilações desse período histórico.

As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do status

social a que pertencia o réu. Referidas sanções podiam ser substituídas por prestações em metal ou espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofre condenação à morte ou a penas de mutilação.

A pena de morte não consistia tão somente na perda da vida

pelo infrator, mas, principalmente, que fosse retirada com grande dor e

sofrimento, através de técnicas onde o condenado agonizava lentamente.

19 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 9.

8

Pode-se perceber, ainda, que a religião teve grande

influência para a evolução da pena, tal informação se apresenta nas palavras de

Garrido Guzman20 que assim esclarece:

O direito canônico contribuiu consideravelmente para com o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras idéias sobre a reforma do delinqüente. Precisamente do vocábulo “penitência”, de estreita vinculação com o direito canônico, surgiram as palavras “penitenciário” e “penitenciária”.

Miotto21 enfatiza a função de penitência que a pena possuía

para a Igreja à época, devendo servir como modo de arrependimento por parte do

infrator, que era recolhido a estabelecimentos que favorecessem essa finalidade.

A autora expõe da seguinte forma:

No entendimento da Igreja, já desde os seus primeiros tempos, a pena devia servir para a penitência, consistindo essa na “volta de si mesmo”, com espírito de compunção, para reconhecer os próprios pecados (delitos) em abominá-los, e propor-se a não tornar a incorrer neles (isto é, não reincidir). A pena devia consistir, pois, em atos ou atividades e situações capazes de estimular a penitência, como, por exemplo (não exclusivo) o recolhimento a locais adequados, ditos penitenciários, cujo ambiente, suficientemente austero, favorecesse o necessário espírito de compunção com que haviam de ser praticados semelhantes atos e exercidas semelhantes atividades.

Vê-se que o silêncio das celas era imprescindível para que

pudessem, de maneira isolada dos demais, voltar seus pensamentos para o

interior de suas mentes em contato com as regras ditadas por Deus, arrepender-

se dos seus pecados e retornar à vida em sociedade de maneira harmônica.

Segundo Henny Goulart22,

20 Apud BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13. 21 MIOTTO, Arminda Bergamini. Curso de Ciência Penitenciária. São Paulo: Saraiva, 1975, p.

25. 22 Apud FALCONI, Romeu. Reabilitação Criminal. São Paulo: Ícone, 1995, p. 55.

9

[...] além dos presos julgados e condenados na esfera da jurisdição da Igreja, existiam, ainda, os penitenciais, que se recolhiam voluntariamente sob a guarda eclesiástica, para o fim de corrigir defeitos de caráter ou pagar pecados cometidos.

Portanto, pode-se afirmar que o Direito Canônico deu início

à pena de prisão, ou seja, dessa forma tem-se que a Igreja foi a responsável pela

criação das penitenciárias. Também, que a prisão canônica assemelha-se à

prisão moderna, porém percebem-se fundamentais diferenças entre elas, e que

não podem ser ignoradas.

1.1.3 A Pena Privativa de Liberdade na Idade Moderna

A doutrina apresenta um panorama para melhor

entendimento de como a pena privativa de liberdade posicionava-se na Idade

Moderna. Dentre os principais aspectos, Bitencourt23 destaca que esse período é

marcado pela pobreza, que se estendia por toda a Europa, além disso, De

Groote, citado por Carlos García Valdes24 relata que

[...] as guerras religiosas tinham arrancado da França uma boa parte de suas riquezas. No ano de 1556 os pobres formavam quase a quarta parte da população. Essas vítimas da escassez subsistiam das esmolas, do roubo e assassinatos. O parlamento tratou de enviá-los às províncias. No ano de 1525 foram ameaçados com o patíbulo; em 1532 foram obrigados a trabalhar nos encanamentos para esgotos, acorrentados de dois em dois; em 1554 foram expulsos da cidade pela primeira vez; em 1561 foram condenados às galés e em 1606 decidiu-se, finalmente, que os mendigos de Paris seriam açoitados em praça pública, marcados nas costas, teriam a cabeça raspada e logo seriam expulsos da cidade.

23 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 14. 24 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed.

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15.

10

Diante essa exposição, Bitencourt25 completa descrevendo

que

[...] tudo isso logo cresceu desmensuradamente. Esse fenômeno, como já referimos, estendeu-se por toda a Europa. Por razões de política criminal era evidente que, ante tanta delinqüência, a pena de morte não era uma solução adequada, já que não se podia aplicar a tanta gente.

Nota-se que as medidas foram alternadas e buscaram-se

diversas formas de repressão ao caos vivenciado na época relatada. Contudo, se

compreendeu que a pena de morte também não era a medida mais eficaz, em

face da grande quantidade de indivíduos a que deveria ser aplicada.

Hans von Hentig26 menciona que

[...] os distúrbios religiosos, as longas guerras, as destruidoras expedições militares do século XVII, a devastação do país, a extensão dos núcleos urbanos e a crise das formas feudais de vida e da economia agrícola haviam ocasionado um enorme aumento da criminalidade em fins do século XVII e o início do XVIII. Acrescente-se a isso a supressão dos conventos, o aniquilamento dos grêmios e o endividamento do estado. Tinha-se perdido a segurança, o mundo espiritualmente fechado aos incrédulos, hegeres e rebeldes tinha ficado para trás. Tinha de se enfrentar verdadeiros exércitos de vagabundos e mendigos. Pode-se estabelecer a sua procedência: nasciam nas aldeias incendiadas e nas cidades saqueadas, outros eram vítimas de suas crenças, vítimas atiradas nos caminhos da Europa. Era preciso defender-se desse perigo social, mas não era possível negar-lhe simpatia por razões religiosas ou sociais, diante dos danos que os exércitos de estrangeiros tinham feito.

Esclarece Guzman27, que “foi necessário esperar mais de

dois séculos para que as prisões fossem consideradas um lugar de correção e

25 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 15. 26 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed.

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15. 27 Apud BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18.

11

não de simples custódia do delinqüente à espera de julgamento”. Contudo, afirma

que “a crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção

penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção que demonstrava ser

meio mais eficaz de controle social”.

Mas em análise aos ensinamentos de Cezar Roberto

Bitencourt28, percebe-se que a crise da pena de morte não seria o único motivo

para o surgimento da pena privativa de liberdade. Assim descreve:

Também seria ingênuo pensar que a pena privativa de liberdade surgiu só porque a pena de morte se ajustasse melhor a um processo geral de humanização ou, ainda, que pudesse conseguir a recuperação do criminoso. Esse tipo de análise incorreria no erro de ser excessivamente abstrato e partiria de uma perspectiva a-histórica.

Verifica-se que a vingança não era suficiente, o Estado

precisava defender sua sociedade, e a maneira encontrada era a intimidação do

infrator. Nesta senda, conclui Foucault29 que

[...] desaparece, destarte, em princípio do séc. XIX, o grande espetáculo da punição física, o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva. [...] Claro, tal afirmação em termos globais deve ser bem entendida. Primeiro, as transformações não se fazem em conjunto e nem de acordo com um único processo.

Surgiam, assim, novas formas de punição, onde o

pensamento era de que as penas não deveriam revestir-se do fim único de

intimidação do criminoso, mas sim uma função maior, qual seja, de recuperação

do criminoso.

28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 27. 29 FOULCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 16. ed. São Paulo: Vozes, 1977, p. 16/17.

12

1.1.4 Os Reformadores: Beccaria, Howard e Benthan

A ciência jurídica é construída de entendimentos, pontos e

contrapontos, idéias defendidas e que fazem nascer novas visões. Cada período

tratado anteriormente tem em sua história, personagens dotados de uma visão

crítica com relação ao cenário vivido, lutando por novos entendimentos e

mudanças no comportamento social existente.

Esses personagens tornam-se um marco, não só para a

história, mas também para as gerações futuras, visto que se beneficiarão das

conquistas obtidas. Cuidando-se da história penal, Roberto Bitencourt30, destaca

que “encontram-se alguns pensadores que motivados pela legislação criminal na

Europa em meados do século XVII, agrupavam-se em torno de um movimento de

idéias que tinham por fundamento a razão e a humanidade”. Adiante relata que tal

[...] movimento de idéias atingiu seu apogeu na Revolução Francesa, com considerável influência em uma série de pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo. Dentre elas nos ocuparemos de Beccaria, Howard e Bentham.

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, nascido em Milão em 15-3-1738, morreu em 28-11-1794. Considera-se que os postulados formulados por ele marcam o início definitivo da Escola Clássica de Criminologia, bem como o da Escola Clássica de Direito Penal. Alguns autores, inclusive, chegam a considerá-lo um antecedente, mediato, dos delineamentos da defesa social, especialmente por sua recomendação de que é melhor prevenir o crime do que castigá-lo.

No mesmo sentido afirma Magalhães Noronha31, referindo-

se que “na Escola Clássica, dois grandes períodos se distinguiram: o filosófico ou

teórico e o jurídico ou prático. No primeiro, destaca-se como figura de

incontestável realce – bastando para isso ter sido o iniciador – Cesare e Beccaria;

[...]”.

30 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 32. 31 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30-31.

13

Irene Batista32, por sua vez, também reconhece a

importância deste pensador para o estudo penal, pois “o estudo dos sistemas

penitenciários torna obrigatória a referência a Cesare Beccaria, que em 1764

publicou, na Itália, Dos delitos e das penas, obra que causou muito impacto na

Europa”.

Além de Beccaria, outros pensadores influenciavam o

movimento humanitário da época, em continuação, a autora relata que:

Na Inglaterra, John Howard, apóstolo da humanização da prisão, nomeado Sheriff do condado de Belfast, em 1772, muito

impressionado com a situação das várias prisões que visitou, dedicou-se à luta pela melhoria dos cárceres. Escreveu, em 1776, The state of prision in England and Walles, cujo sucesso influenciou a origem dos Howard’s Acts que beneficiavam os

presos, atribuindo-se a esse humanista, também a elaboração do projeto das Penitenciary Houses..

Dotti33 relata que John Howard deixou a Inglaterra em 1755,

a fim de prestar socorro às vítimas do terremoto quando foi encarcerado no

calabouço de Berst com todos os demais ocupantes do barco no qual viajava.

Uma vez libertado e, então, conhecedor dos horrores das prisões, retornou à

Inglaterra e se dedicou a pesquisar e trabalhar incessantemente pela melhoria

das prisões.

Desta forma, Beccaria, Bentham, Brissot e os legisladores

que foram os autores do Código Penal francês revolucionário, e o século XVIII

assistiu à reelaboração teórica da lei penal. Neste momento se buscou

estabelecer a distinção entre a justiça divina e a justiça humana, pugnando-se

pela soberania popular contrariamente ao absolutismo medieval, pelos direitos e

garantias individuais contra o Estado totalitário do direito divino34.

32 MUAKAD, Irene Batista. Pena Privativa de Liberdade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 43. 33 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema das Penas. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998, p. 37. 34 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 46.

14

Adiante surge a preocupação com a execução da pena – o

castigo, sua duração, natureza e caráter deve adequar-se à realidade individual.

Nesse sentido, o Panótico, de Bentham, vem trazer a visibilidade e a exposição

em contraste com a sombra da masmorra. O modelo arquitetural por ele

apresentado, permite total controle por parte dos funcionários, da população

detida, ao mesmo tempo que impede que os presos travem contatos entre si. É

modelo de imposição de disciplina35.

Foi desta forma que surgiram, com inspiração nos escritos

de Beccaria, Howard e Bentham, dentre outros, vários sistemas de organização

prisional, conhecidos na história do Direito Penal como sistemas penitenciários

clássicos, dentre eles o pensilvânico, o auburniano, o progressivo inglês, que

tinham em comum substituir a tortura física ou moral por atividades laborais, já

oferecendo alguma assistência educacional e de saúde36.

1.2 SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

Compulsando os aspectos históricos já transcritos resta

claro que as formas brutais de castigo deram lugar a outros sistemas punitivos,

porém mais humanos, que, ao longo dos tempos ganharam espaço devido aos

pensamentos inovadores e contribuições dos denominados “reformadores” da

época.

Segundo Irene Batista37, “sob o ponto de vista histórico,

pode-se afirmar que, para a execução das penas privativas de liberdade, surgiram

três sistemas penitenciários: o de Filadélfia, ou Belga; o de Auburn; e o Inglês ou

Progressivo”.

35 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 50. 36 OLIVEIRA, Edmundo. O Futuro Alternativo das Prisões. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.

51/56. 37 MUAKAD, Irene Batista. Pena Privativa de Liberdade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 43.

15

Destaca-se que outras obras38 tratam os três sistemas

penitenciários como sendo: Sistema Pensilvânico ou Celular; Sistema Auburniano

e Sistemas Progressivos, terminologias adotadas por Bitencourt, as quais serão

seguidas.

1.2.1 Sistema Pensilvânico ou Celular

De acordo com este sistema, iniciado em 1790, por

influência dos Quakers, na penitenciária de Walnut Street Jail, na Pensilvânia,

sendo adotado posteriormente pela Bélgica, o sentenciado permanecia em

isolamento constante (Solitary system), sem trabalho ou visitas, quando muito, se

permitiam passeios isolados pelo pátio celular e leitura bíblica como estímulo ao

arrependimento39.

No mesmo sentido, Mirabete40 pontua que

[...] no sistema da Filadélfia, utilizava-se o isolamento celular absoluto, com passeio isolado do sentenciado em um pátio circular, sem trabalho ou visitas, incentivando-se a leitura da Bíblia. [...] Muitas foram as críticas á severidade do sistema e à impossibilidade de readaptação social do condenado por meio do isolamento.

1.2.2 Sistema Auburniano

Conhecido também por Silent System teve surgimento em

1818, nos Estados Unidos, cidade de Auburn, como resultado das críticas ao

sistema de pura prisão celular41.

Irene Batista42 relata que “inicialmente os presos podiam

trabalhar nas celas, passando posteriormente a fazê-lo em grupos, impondo-se,

porém, a regra do silêncio, o que na prática acabou não funcionando”. Porém, 38 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 58. 39 MUAKAD, Irene Batista. Pena Privativa de Liberdade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 43. 40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 249/250. 41 MUAKAD, Irene Batista. Pena Privativa de Liberdade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 45. 42 MUAKAD, Irene Batista. Pena Privativa de Liberdade. São Paulo: Atlas, 1996, p. 45.

16

afirma que “o ponto fraco desse sistema foi a imposição do silêncio absoluto [...]”.

E que “mereceu críticas também, porque proibia a visita dos familiares, não

valorizava o lazer exercícios físicos, assim como desprezava a instrução dos

presos”.

Pimentel43 afirma que o ponto vulnerável do sistema era a

regra desumana do silêncio, da qual se originou o costume dos presos se

comunicarem com as mãos, formando uma espécie de alfabeto, prática que até

hoje se observa nas prisões de segurança máxima, onde a disciplina é mais

rígida.

1.2.3 Sistemas Progressivos

Após a consecução e avaliação de diversas experiências

realizadas em vários países e em vários períodos, tem-se que, segundo menciona

H. H. Jescheckt44, “no decurso do século XIX impõem-se definitivamente a pena

privativa de liberdade que continua sendo a espinha dorsal do sistema penal

atual”.

No entanto, a presença da pena privativa de liberdade

coincide com o abandono dos regimes celular e auburniano e a adoção do regime

progressivo45.

Ademais, o regime progressivo significou,

incontestavelmente, um avanço penitenciário considerável. E ao contrário dos

regimes auburniano e filadélfico, deu importância à própria vontade do recluso,

além de diminuir significativamente o extremo rigor na aplicação da pena privativa

de liberdade46.

43 Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 250. 44 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 82. 45 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 82. 46 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 83.

17

Bitencourt47 descreve minuciosamente casa um dos

sistemas progressivos, quais sejam, o sistema inglês ou mark system, o sistema

progressivo irlandês e o sistema de Montesinos, destacando ao final que o

sistema progressivo se encontra em crise, citando Eurico Ferri o qual evidência

algumas causas:

Eurico Ferri admitia que o sistema progressivo tinha algumas vantagens, já que era menos pior que os outros. No entanto Ferri advertia ser necessário levar em consideração que o sistema irlandês havia dado bons resultados, especialmente no que se refere à diminuição das reincidências [...]. Ferri também criticou o automatismo do então sistema progressivo, já que, segundo seu critério, a progressão ou regressão, fundamentada em um regulador automático com o número de fichas ganhas ou perdidas, não tinha mais que um valor puramente negativo, analisado do ponto de vista humano e psicológico.

1.3 AS TEORIAS DA PENA

Antes mesmo de tratar das teorias da pena, cumpre

ressaltar que de acordo com a evolução histórica já delineada, a pena se impõe

como medida necessária.

Não obstante tenha-se em memória a pena atrelada à

prisão, Odete Maria de Oliveira48, ao conceituar esses dois institutos, aborda que

são de considerável complexidade, alertando que:

Os termos pena e prisão encontram-se freqüentemente geminados. Embora entendendo-se esses institutos, respectivamente, como gênero e espécie, a literatura específica, seja de generalidade histórica ou casuística, emprega os dois termos de forma tão envolvente que parecem resultar num só conceito. Por outro lado, o instituto da pena sempre se constituiu num dos mais complexos, tormentosos e polêmicos problemas já enfrentados dentro do Direito Penal.

47 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 83/99. 48 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. Florianópolis: UFSC, 1996, p. 21.

18

Diversas teorias explicam o sentido, função e finalidade das

penas, são tidas como de maior importância e, portanto serão examinadas: as

teorias absolutas, teorias relativas (prevenção geral positiva e prevenção

especial) e teorias unificadoras ou ecléticas. Serão analisadas também outras

teorias da pena, tidas como modernas, a saber: as da prevenção geral positiva49.

1.3.1 Teorias Absolutas ou Retributivas da Pena

No tocante a finalidade da pena tem-se que as teorias

“absolutas” da pena estão voltadas, como anteriormente citado, às teorias

retributivas, ou seja, não estabelecem relação com qualquer fim.

Estabelece Carmen Silvia50 sobre as teorias retributivas da

pena: é “fundada no livre arbítrio – na capacidade de escolha entre o bem e o mal

atribuído aos homens -, para a teoria retributiva a pena é um fim em si mesmo”.

Menciona ainda que “para a teoria retributiva basta que o injusto e a culpabilidade

sejam retribuídos justa, eqüitativa e proporcionalmente e que o delinqüente expie

seu delito. Segundo ela a “teoria retributiva parte do princípio da compensação da

culpa, do pressuposto de que a pena é a justa retribuição ao fato cometido, da

idéia metafísica de que a culpa do agente é compensada pelo cumprimento da

pena”.

Entre os defensores das teses absolutistas ou

retribucionistas da pena se destacaram dois pensadores, considerados dos mais

expressivos do idealismo alemão: Kant e Hegel51.

Dessa forma, entende-se que compartilhando uma visão

moderna do direito penal não prosperam as teorias retributivas, vez que seria

mais recomendável as soluções estabelecidas pelas teorias preventivas da pena.

49 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 104. 50 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 53/54. 51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 107.

19

1.3.2 Teorias Preventivas da Pena

Ao se falar em teorias preventivas da pena, pode-se afirmar

com base nas citações já transcritas, que são “relativas”, uma vez que

consideram e justificam a pena só como um meio para a realização de um fim a

ser utilizado para prevenção de futuros delitos.

Nesse sentido orienta Carmen Silvia de Moraes52:

No Estado de direito, voltado para a livre realização do ser, tona-se incompatível qualquer consideração de natureza metafísica – diretamente ligada ao dever moral de punir – na teoria da pena. Assim, viu-se a idéia de fim – diretamente ligada à produção de efeitos úteis para o indivíduo e à coletividade – impor-se sobre as teorias retributivas. E com a prevalência da teoria preventiva, deixa de ser a retribuição o fundamento da reação estatal. O fim justificador passa a ser utilitário e voltado para o futuro. E um direito penal teleologicamente orientado tem como limite os princípios constitucionais.

Adiante a mesma autora esclarece que:

A prevenção especial tem em vista o indivíduo, refere-se ao delinqüente. O aspecto negativo da prevenção especial consiste na intimidação do agente, na sua inocuização para que não volte a delinqüir. Já o aspecto positivo refere-se à socialização, à reeducação ou à correção. A pena tem o fim de readaptar o indivíduo à vida social53.

Sendo assim, verifica-se que a intenção do Estado de Direito

é de, no mínimo, não produzir efeitos inversos do que se espera, ocorrendo com

isso a dessocialização do indivíduo.

52 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 56. 53 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 57.

20

1.3.3 Teoria Mista ou Unificadora da Pena

As teorias da pena não estão adstritas somente às teorias

da prevenção geral e da prevenção especial. Nesse aspecto é que se verifica a

teoria mista ou unificadora da pena.

Nesse sentido é que define Emilio Octavio de Toledo y

Ubieto54:

O debate sobre as teorias da pena não se esgota nas teorias da prevenção geral e da prevenção especial. As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas.

Bitencourt55 resume o tema nas seguintes palavras:

[...] as teorias unificadoras aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado, além de buscar a consecução dos fins de prevenção geral e especial.

Conclui-se que as teorias mistas ou unificadoras da pena

buscavam subsídios das teorias retributivas, teorias da prevenção geral e especial

da pena, como fonte de sua formação. O que se buscava era aumentar o alcance

na aplicação da pena, bem como não fracassar usando distintamente cada

concepção.

1.3.4 Teoria da Prevenção Geral Positiva

Das teorias preventivas da pena se destaca a teoria da

prevenção geral positiva. Neste contexto explica Carmen Silvia56:

54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 141/142. 55 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 143. 56 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São

Paulo: RT, 2001, p. 62/63.

21

A prevenção geral positiva, por sua vez, teria por fim perpetrar a eficácia estabilizadora da norma através da aplicação da pena. A proteção de bens jurídicos seria alcançada mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.

Na mesma linha a autora infere que:

A prevenção geral positiva vem, pois, fundada na afirmação da validade da norma que se obteria com a justa punição do agente. E, dessa forma, através da aplicação e execução da pena seriam satisfeitas as necessidades de punição da sociedade, obtendo-se como resultado a consolidação de comportamentos conformados ao direito. Essa finalidade atribuída à prevenção geral positiva também permite concluir que a pena é mensagem dirigida à sociedade, o agente do crime é ignorado, reduzido a exemplo de uma estratégia de política criminal. Daí a afirmativa de que a prevenção geral positiva representa o pensamento retributivo modificado.

A prevenção geral nos moldes demonstrados revela

características de retribuição, principalmente pela intenção em fazer da pena uma

medida de exemplificação e intimidação aos demais cidadãos, tornando-o desta

forma, uma mostra de autoritarismo e moralismo, resultando em perda de

garantias individuais, bem como em uma maior intervenção na intimidade dos

cidadãos.

Após essas breves considerações gerais sobre o instituto da

pena de prisão e sua evolução ao longo da história, tratar-se-á, no próximo

capítulo, sobre a pena privativa de liberdade no direito brasileiro, bem como sobre

as diversas modalidades que apresenta.

22

CAPÍTULO 2

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO DIREITO BRASILEIRO

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA PENA

Conforme observado no primeiro capítulo desta pesquisa, a

prisão, no contexto do direito canônico, servia como modo de arrependimento ao

infrator, buscando corrigir defeitos de caráter bem como o pagamento pelo

pecado cometido. Esse posicionamento assinalou profundamente a história da

justiça penal, visto que contrariava os preceitos da pena de morte, já que

conservava a vida do condenado.

Com o desenvolvimento da humanidade, as diferenças

sociais acentuaram-se, havendo por conseqüência uma falência do sistema

carcerário, motivando, desta forma, o surgimento de estudos para a busca de

novas formas de execução penal.

2.1.1 Classificação Constitucional das Penas

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu

artigo 5º, inciso XLVI, menciona que:

A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos.

23

Essas são, portanto, as penas a serem cominadas aos que

infringirem a norma penal. Incumbindo à lei o dever de regular a individualização

da pena, adotando, entre outras, aquelas definidas na Constituição Federal.

2.1.2 Classificação das Penas de Acordo com o Código Penal

O Código Penal em seu artigo 32, consagra as seguintes

espécies de penas:

Art. 32. As penas são:

I – privativas de liberdade;

II – restritivas de direitos;

III – de multa.

Observa Costa Júnior57 que o Código Penal de 1940,

[...] anteriormente à reforma, enumerava entre as penas a reclusão a detenção e a multa. O Código reformado reuniu os dois itens anteriores (reclusão e detenção) num só: penas restritivas de liberdade. Inclui entre as penas principais as restritivas de direitos, que constituiu a grande inovação do dispositivo, atendendo aos reclamos da moderna política criminal, promovendo as inabilitações e interdições à categoria de penas principais. E repetiu o derradeiro inciso do texto precedente, o de nº III, referente à pena patrimonial.

No intuito de alcançar o objeto da presente pesquisa, tratar-

se-á neste capítulo, especificamente, das penas privativas de liberdade.

Monteiro de Barros58 conceitua a pena privativa de liberdade

como “a que restringe o direito de ir e vir do condenado, infligindo-lhe um

determinado tipo de prisão”.

Dotti59 entende a pena privativa de liberdade como a

57 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: comentários ao Código Penal e ao

Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 83. 58 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: v. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 439

24

[...] mais grave das sanções previstas pelo ordenamento jurídico-penal. Não admitidas as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e nem qualquer outra de natureza cruel (CF, art. 5º, XLVII), permanece a pena de prisão à frente de todas as demais sanções criminais. Trata-se de reconhecer que, para determinadas formas graves de ilicitude e para certas formas de comportamento humano, não existe outra providência estatal mais adequada visando à prevenção e à repressão da criminalidade. A supressão da liberdade do infrator é o contragolpe à lesão por ele provocada.

A pena privativa de liberdade, por óbvio, é cumprida em

estabelecimentos prisionais. Em conseqüência, suas funções deverão ser

concretizadas naqueles ambientes.

Nessa diretriz, a primeira constatação é que a prisão é uma

instituição totalitária60. Isto significa que envolve o indivíduo a ela submetido em

toda a extensão da sua personalidade. Seu objetivo está voltado para a

ressocialização deste indivíduo, segundo as suas regras próprias e não as do

próprio condenado.

Por outro lado, Bitencourt61 afirma que

[...] o fato de as prisões terem como objetivo principal a proteção da sociedade é outro dos aspectos que sugerem profundas contradições em relação ao objetivo ressocializador que se atribui à pena privativa de liberdade.

Goffman62 define instituição total como sendo

[...] um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.

59 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 448. 60 THOMPSON, Augusto. A questão da Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 22. 61 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 165. 62 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1994, p.

11.

25

Desta forma, as instituições totais se caracterizavam pelo

seu fechamento, simbolizado pela barreira que se ergue obstaculizando a relação

social com o mundo externo e por óbices que se estabelecem à saída dos

internados, muitos deles físicos, tais como portas fechadas, muros altos, cercas

de arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos63.

A execução da pena privativa de liberdade é observada em

lei especial, merecendo ser analisada mais detalhadamente nesta pesquisa, o

que se fará a seguir.

2.2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Do Código de Processo Penal, consubstanciado no Decreto-

lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, extrai-se que “a execução penal foi

considerada de natureza mista: jurisdicional e administrativa, correspondendo à

primeira a solução dos incidentes da execução, a imposição de medida de

segurança etc”, conforme bem ressalta Mirabete64

A atividade da execução, portanto, se divide em duas partes,

sendo que uma delas se refere especificamente à providência administrativa,

ficando a cargo das autoridades penitenciárias e, ao lado dela, desenvolve-se a

atividade do juízo de execução ou atividade judicial de execução.

A execução da pena privativa de liberdade é regulada pela

Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, denominada Lei de Execução Penal.

Considerada como uma moderna e avançada lei destinada a

regular a execução penal, a Lei nº 7.210/84 prevê mecanismos eficientes

destinados à ressocialização do indivíduo marginalizado.

63 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1994, p.

16. 64 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-1984. 11. ed.

São Paulo: Atlas, 2004, p. 20.

26

Mister colacionar o entendimento de Oliveira65, para o qual

“a Lei das Execuções Penais, em uma análise geral de suas disposições, primou

em construir um moderno sistema de execução penal, procurando colocar os

necessários para sua real concretização”.

O artigo 1º da referida Lei dispõe que “a execução penal tem

por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado”. Sendo assim, este artigo a teor do que prescreve, contém duas

finalidades da Lei de Execução Penal. Conforme Mirabete66,

A primeira delas é a correta efetivação dos mandamentos existentes na sentença ou outra decisão criminal, destinados a reprimir e prevenir os delitos. [...] A segunda é a de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar construtivamente da comunhão social.

Portanto, extrai-se dois comandos: o primeiro refere-se ao efetivo cumprimento dos mandamentos da sentença ou decisão criminal e o segundo, à reinserção social, cujo sentido compreende o desenvolvimento da personalidade e dignidade da pessoa.

A respeito da reinserção social, pode-se dizer que é tida

como um instituto do Direito Penal, inserido no espaço destinado à Política

Criminal, efetuada pós-cárcere, que, segundo Falconi67, está

[...] voltada para a reintrodução do ex-convicto no contexto social, visando a criar um modus vivendi entre este e a sociedade. Não é

preciso que o reinserido se curve, apenas que aceite limitações mínimas, o mesmo se cobrando da sociedade em que ele reingressa. Daí em diante, espera-se a diminuição da reincidência e do preconceito, tanto de uma parte como de outra. Reitere-se: coexistência pacífica.

65 OLIVEIRA, João Bosco. A Execução Penal: uma realidade jurídica, social e humana. São

Paulo: Atlas, 1990, p. 15. 66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-1984. 11. ed.

São Paulo: Atlas, 2004, p. 28. 67 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p.122.

27

Nota-se, então, que o objeto da execução penal consiste

principalmente em reeducar e reinserir o preso no meio social, buscando evitar a

reincidência. A pena justa tem de cumprir sua função junto ao condenado e à

sociedade.

Obviamente que, ao que se infere do sistema carcerário

atual, não é o resultado que se observa, concluindo-se que a Lei de Execução

Penal não cumpre seus objetivos. Ou seja, a referida Lei não está sendo aplicada

de forma integral, porquanto a finalidade ressocializadora da pena privativa de

liberdade está se tornando um ápice inalcançável, o que será estudado com maior

afinco no terceiro capítulo desta pesquisa.

2.3 ESPÉCIES DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

As espécies de pena privativa de liberdade se encontram

disciplinadas no artigo 33 do Código Penal:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

Portanto, são duas as espécies de pena privativa de

liberdade definidas pelo Código Penal: a reclusão e a detenção. A Lei das

Contravenções Penais aduz, ainda, a uma terceira: a prisão simples.

Entretanto, em relação às espécies reclusão e detenção, ao

que se infere da Lei de Execução Penal, não há diferença na forma de executá-

las, motivo pelo qual tornam estas de uma só espécie, qual seja, a prisão, eis que

ambas deverão obedecer aos critérios apostos pelo sistema progressivo de

regime prisional.

Este entendimento é abarcado por Nogueira68, para o qual

as penas privativas de liberdade praticamente não apresentam diferença,

68 NOGUEIRA. Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996,

p. 125.

28

mormente se considerar que ambas são afincáveis e admitem a suspensão

condicional da pena, desde que não superior a dois anos. Portanto,

[...] daí a desnecessidade de ser mantida tal nomenclatura, podendo ser adotado simplesmente o termo prisão. É verdade que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado (CP. Art. 33), o que também revela a igualdade entre ambas, que acabam tendo o mesmo tratamento69.

Em verdade, pode-se dizer que a pena privativa de liberdade

consistente em reclusão é a mais grave delas e, compreende seu cumprimento

em três regimes: fechado, semi-aberto e aberto. A detenção comporta apenas

dois regimes: semi-aberto e aberto, salvo necessidade de transferência a regime

fechado. Todas previstas e impostas na conformidade da gravidade do crime.

2.3.1 Reclusão

A pena de reclusão, conforme já mencionado, deve ser

atribuída aos crimes de maior gravidade.

Nas palavras de Monteiro de Barros70,

[...] a pena de reclusão dever ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto (art. 33, caput, do CP). Assim, nem sempre

ela se inicia no regime fechado.

As regras são as seguintes:

a) o reincidente sempre iniciará o cumprimento no regime fechado, qualquer que seja a quantidade da pena a que tenha sido condenado;

b) o não-reincidente condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la no regime fechado;

69 NOGUEIRA. Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996,

p. 125. 70 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: vol. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 441/442.

29

c) o não-reincidente, cuja condenação seja superior a quatro anos e não exceda a oito anos, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

d) o não-reincidente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Nada impede, porém, que o réu não reincidente, condenado

a pena de reclusão inferior a oito anos, inicie o cumprimento da pena no regime

fechado, pois, consoante dispõe o § 3º do art. 33 do Código Penal, “a

determinação do regime inicial do cumprimento da pena far-se-á com observância

dos critérios previstos no art. 59 deste Código”. Entretanto, conforme salienta a

Súmula 719 do STF, a imposição do regime de cumprimento mais severo do que

a pena aplicada permitir exige motivação idônea. Afinal, a Súmula 718 do STF

preceitua que: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não

constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o

permitido segundo a pena aplicada” 71.

Acerca das características da reclusão, Dotti72 lembra que

[...] na redação original do CP, a pena de reclusão apresentava

diferenças marcantes relativamente à pena de detenção: a) no período inicial do cumprimento da reclusão, se o permitissem as suas condições físicas, o sentenciado ficaria também sujeito ao isolamento durante o dia, por tempo não superior a três meses; b) a pena de reclusão não admitiria a suspensão condicional, salvo quando o condenado tivesse menos de vinte e m ou mais de setenta anos (art. 30 §§ 1º e 3º).

A Reforma de 1977 estabeleceu que o período inicial do cumprimento da reclusão consistiria na observação do preso, sujeito ou não ao isolamento celular, por tempo não superiora três meses, porém com atividades que permitissem completar o conhecimento de sua personalidade (CP, art. 30, com nova redação). Quanto ao sursis passou a ser concedido também no

caso de reclusão (CP, art. 57, com nova redação).

71 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: vol. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 441/442. 72 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 450.

30

Esse tipo de distinção entre reclusos e detentos na etapa da execução desapareceu com a Reforma de 1984 que reuniu as duas modalidades de sanção sob a denominação única de penas privativas de liberdade (CP, art. 32, I). Em princípio, a diferença entre a reclusão e detenção consistiria em que somente o recluso está sujeito ao regime fechado. Mas, o CP ao dispor que a pena de detenção será cumprida em regime semi-aberto e aberto ressalva a transferência para o regime fechado (art. 33).

Abordadas as principais características acerca da reclusão,

serão definidos a seguir os aspectos mais relevantes sobre a detenção,

possibilitando, dessa forma, conhecer das hipóteses da aplicação de uma ou de

outra.

2.3.2 Detenção

Das considerações até aqui expendidas, é possível concluir

que a detenção, como espécie de pena privativa de liberdade, aplica-se aos

crimes menos graves.

Nesse aspecto, infere-se que a pena de detenção deve ser

cumprida em regime semi-aberto ou aberto (CP, art. 33, caput, 2ª parte). Nunca

se inicia no regime fechado, salvo na hipótese de crime organizado, cujo regime

inicial é sempre o fechado (art. 10 da Lei n. 9.034/95)73.

Monteiro de Barros74 aduz as seguintes regras atinentes à

pena de detenção:

a) o condenado reincidente deve iniciar o cumprimento no regime semi-aberto, qualquer que seja a quantidade da pena;

b) o não-reincidente condenado a pena superior a quatro anos deve iniciar o cumprimento no regime semi-aberto;

c) o não-reincidente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos deve iniciar o cumprimento no regime aberto.

73 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: v. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 442. 74 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: v. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 442.

31

Nada impede, porém, que o réu não reincidente, condenado a pena de detenção igual ou inferior a quatro anos, inicie o cumprimento no regime semi-aberto, desde que as circunstâncias do art. 59 do CP lhe sejam desfavoráveis.

Como se vê, a pena de detenção, à exceção do crime organizado, nunca se inicia no regime fechado. Admite-se, no entanto, durante a execução, a regressão para esse regime.

Vê-se que a diferença existente entre as espécies reclusão e

detenção recai sobre o regime fechado relativo à primeira delas.

Portanto, pode-se afirmar que a espécie de pena privativa de

liberdade consistente na detenção é imposta aos crimes mais brandos, sendo os

mais graves punidos com reclusão.

2.3.3 Prisão Simples

O Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de Outubro de 1941 intitulado

como a Lei das Contravenções Penais, determinou em seu artigo 5º as principais

penas a serem cominadas ao crime de contravenção, dentre elas a de prisão

simples (inciso I).

Dotti75 afirma que a prisão simples

[...] é uma das penas privativas de liberdade, expressa e exclusivamente cominada para as contravenções penais. Essa categoria sancionatória é um dos critérios previstos na LICP para distinguir crime de contravenção.

Tratando acerca das características desta prisão, Dotti76

destaca que:

A prisão simples consiste na perda da liberdade a ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto. Tal espécie de sanção é cominada na Lei das Contravenções Penais

75 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 451. 76 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 451.

32

(Dec.-lei nº 3.688, de 3.10.1941), cf. arts. 5º, I, e 6º, com a redação dada pela Lei nº 6.416, de 25.5.1977).

Tendo em vista os aspectos apresentados, verifica-se que

todas as espécies de penas determinam o seu cumprimento em regimes

penitenciários previamente estabelecidos. Assim sendo, os regimes penitenciários

de cumprimento da pena tem grande influência na função ressocializadora, objeto

principal dessa pesquisa, sendo necessária a análise individual desses regimes, o

que se fará na seqüência.

2.4 REGIMES PENITENCIÁRIOS

Após o estudo das espécies de pena privativa de liberdade,

cumpre enfocar os regimes penitenciários, destinados a dar cumprimento à

reprimenda imposta ao condenado. Conforme já mencionado, cada espécie de

pena privativa de liberdade estabelece os regimes penitenciários a serem

adotados.

O parágrafo primeiro do artigo 33 do Código Penal define

esses regimes da seguinte forma:

§ 1º Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Oportuno mencionar, ainda que brevemente, a questão da

dinâmica do processo de execução penal. Conforme assinala Capez77,

[...] o processo de execução é dinâmico e, como tal, está sujeito a modificações. Todavia, o legislador previu a possibilidade de

77 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: vol. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 327.

33

alguém que inicia o cumprimento de sua pena em um regime mais gravoso (fechado ou semi-aberto), obter o direito de passar a uma forma mais branda e menos expiativa de execução. A isso denomina-se progressão de regime.

Portanto, vê-se que a pena privativa de liberdade é cumprida

em regime progressivo. Sendo, então, um programa gradual de cumprimento da

privação da liberdade, por fase ou etapas. Contudo, o exame detalhado acerca da

progressão de regime será objeto do capítulo seguinte.

2.4.1 Regime Fechado

Como visto, o regime fechado compreende o mais rigoroso

dos regimes de cumprimento da pena.

Segundo Albergaria78, “o mais rigoroso dos regimes está

destinado aos criminosos de maior periculosidade, classificados em três grupos:

dificilmente recuperáveis, duvidosos e recuperáveis”.

Damásio79, em observância ao Código Penal aborda os

seguintes aspectos sobre as regras do regime fechado:

No início do cumprimento da pena em regime fechado, o condenado será submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da execução (art. 34, caput).

Fica sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante o repouso noturno (§ 1º).

Dentro do estabelecimento, o trabalho será em comum, de acordo com as aptidões e ocupações interiores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena (§ 2º).

É admissível o trabalho externo em serviços ou obras públicas (§ 3º).

Na mesma linha, Capez80 esclarece as regras deste regime:

78 ALBERGARIA, Jason. Comentários à Lei de Execução Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p.

233. 79 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: v. 1. Parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

522.

34

Exame criminológico: no início do cumprimento da pena, o condenado será submetido a exame criminológico de classificação para individualização da execução (cf. art. 34, caput, do CP e art. 8º, caput, da LEP);

b) trabalho interno: fica sujeito ao trabalho interno durante o dia, de acordo com suas aptidões ou ocupações anteriores à pena. O trabalho é um direito social de todos (art. 6º da CF); o trabalho do condenado tem finalidade educativa e produtiva (art. 28 da LEP); é remunerado, não podendo tal remuneração ser inferior a 3/4 do salário mínimo (art. 39 do CP e 29 da LEP); o preso tem direito aos benefícios da previdência social (art. 39 do CP e 41, III, da LEP); não se sujeita o trabalho do preso ao regime da CLT e à legislação trabalhista, uma vez que decorre de contrato livremente firmado com empregador, sujeitando-se a regime de direito público (cf. art. 28, § 2º, da LEP); o trabalho interno é dever do preso (arts. 31 e 39, V, da LEP); a recusa deste ao trabalho constitui falta grave (art. 50, VI, da LEP); o preso provisório não está obrigado ao trabalho (art. 31, parágrafo único, da LEP); tampouco o preso político (art. 200 da LEP); na atribuição do trabalho, deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso (art. 32 da LEP); a jornada normal de trabalho não será inferior a 6, nem superior a 8 horas, com descanso nos domingos e feriados (art. 33 da LEP); serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal podem ter horário especial (art. 33, parágrafo único, da LEP); a cada 3 dias de trabalho o preso tem direito a descontar um dia de pena (instituto da remição – art. 126 da LEP); se já vinha trabalhando, sofre acidente do trabalho e fica impossibilitado de prosseguir, continuará preso a beneficiar-se da remição (art. 126, § 2º, da LEP); aplicada falta grave, o preso perderá direito a todo o tempo remido (art. 127 da LEP); atividades exercidas por distração ou acomodação não são consideradas trabalho, para fins de remição;

Capez81 explica ainda, que é admissível o trabalho fora do

estabelecimento carcerário, em serviços ou obras públicas,

80 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 332/333. 81 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 332/333.

35

[...] desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (arts. 34, § 3º, do CP e 36 da LEP). O limite máximo de presos corresponderá a 10% do total de empregados da obra (art. 36, § 1º, da LEP). [...] O trabalho externo depende de autorização administrativa do diretor do estabelecimento.

Uma vez classificado o preso, através do exame

criminológico já mencionado, inicia-se a prática de atividades pelo preso: trabalho,

instrução e aprendizagem profissional, com limitação das atividades em comum,

vigilância constante e isolamento noturno.

Segundo a Lei de Execução Penal, a pena em regime

fechado será cumprida em unidade celular individual, ambiente salubre e com

área mínima de seis metros quadrados, além de outros requisitos elencados no

artigo 88 da mencionada lei.

Todavia, conforme bem observa Bitencourt82, “os reclusos,

geralmente, vivem em cubículos, amontoados, nas piores condições possíveis,

dificultando a adequada vigilância e supervisão interna”, além do que

[...] a clássica prisão fechada cria um ambiente adequado para a existência de relações e comportamentos homossexuais. São freqüentes as rivalidades étnicas ou grupos distintos. Todas essas condições favorecem um elevado índice de conflitividade, razão pela qual a maior parte dos motins carcerários se produz nas prisões fechadas83.

Desta forma, o regime fechado representa o mais severo

dos regimes experimentados pelo condenado.

2.4.2 Regime Semi-aberto

O regime semi-aberto se caracteriza como sendo um meio-

termo existente entre a prisão fechada e a aberta no processo de reinserção

social do condenado.

82 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 229. 83 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 229.

36

As regras do regime semi-aberto, segundo Damásio84 são as

seguintes:

O condenado, no início do cumprimento da pena, pode também ser submetido a exame criminológico de classificação para a individualização da execução. Embora o art. 35, caput, do CP,

preveja a obrigatoriedade, dever-se que o art. 8º, parágrafo único, da LEP, fala em simples faculdade. Como as duas normas entraram em vigor na mesma data, diante do conflito, entendemos que deve prevalecer a que mais beneficia o condenado: trata-se, por isso, de simples faculdade do juiz.

Ele fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (§ 1º).

É admissível o trabalho externo, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (§ 2º).

De modo semelhante, Capez85 aborda as seguintes

diretrizes para o cumprimento deste regime:

a) exame criminológico: [...] Diante da indisfarçável contradição entre o art. 35 do Código Penal – que estabelece ser compulsório e imprescindível o exame criminológico para que o detento ingresse no regime semi-aberto – e o parágrafo único do art. 8º da Lei n. 7.210/84 – que dispõe, expressamente, ser facultativo tal procedimento, ao usar o vocábulo “poderá” -, deve prevalecer a regra da Lei de Execução Penal, que é posterior, dado que o direito material sempre precede o formal;

b) trabalho: segue as mesmas regras do regime fechado, dando direito também à remição, com a diferença de que é desenvolvido no interior da colônia penal, em maior liberdade do que no estabelecimento carcerário;

c) autorizações de saída: são benefícios aplicáveis aos condenados em regime fechado ou semi-aberto e subdividem-se em permissão de saída e saída temporária;

84 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: v. 1. Parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

522/523. 85 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 333/336.

37

d) permissão de saída: conforme preceitua o art. 120 da LEP, “os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissã[o para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:

I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;

II - necessidade de tratamento médico”.

O parágrafo único desse dispositivo confere a atribuição

para conceder a permissão de saída ao diretor do estabelecimento onde se

encontra o preso. Trata-se, assim, de medida meramente administrativa. [...] De

acordo com o disposto no art. 121 da LEP, “a permanência do preso fora do

estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída” 86.

e) saída temporária: conforme o art. 122 da LEP, “os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social”.

A saída temporária não se aplica ao preso em regime

fechado, tendo em vista a natureza mais reclusa dessa forma de cumprimento de

pena, incompatível com a liberação sem vigilância, ainda que temporária. Do

mesmo modo não deverá ser concedida na hipótese de regime aberto, uma vez

86 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 333/336.

38

que o condenado não precisa sair, pois já está em liberdade durante todo o dia.

[...] 87.

f) remição: é o direito que o condenado em regime fechado ou semi-aberto tem de, a cada 3 dias de trabalho, descontar um dia de pena.

Deve-se atentar para o fato de que a lei não fala em “remissão”, pois não quer dar a idéia de perdão ou indulgência ao preso, mas em “remição”, visto que se trata de um verdadeiro pagamento: o condenado está pagando um dia de pena com 3 de trabalho. [...].

Rosa88 entende que os estabelecimentos penais onde serão

cumpridas as penas no regime semi-aberto,

[...] oferecem condições muito mais favoráveis à saúde física e moral, bem como à readaptação do condenado. [...] o detento tem mais contato com o mundo exterior; readquire mais facilmente confiança em si mesmo e em suas possibilidades de levar, um dia, uma vida social normal.

Compreende-se, então, que neste regime, há um contato do

condenado com o exterior, com discrição no controle e vigilância, com vida

comum nos grupos, sendo que as atividades do processo de reeducação se

desenvolvem na instituição penal, com permissão para o trabalho externo, assim

como a freqüência a cursos e a autorização de saída para atividades sociais.

2.4.3 Regime Aberto

Dentre os regimes penitenciários, o aberto é o menos

doloroso ao condenado. Ficando o condenado condicionado a algumas regras

específicas deste regime.

De forma sucinta, Damásio89 comenta que este regime

87 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 333/336. 88 ROSA. Antônio José Miguel Feu. Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.

223. 89 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: v. 1. Parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.

523.

39

[...] baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (art. 36, caput).

Nele, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga (§ 1º).

O condenado deverá ser transferido do regime aberto se cometer fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada (§ 2º).

Versando sobre o regime aberto, Capez90 assinala as

seguintes regras:

a) Requisitos: [...] O pressuposto para o ingresso no regime aberto é a aceitação pelo condenado do seu programa e das condições impostas pelo juiz. Caso o condenado se recuse expressamente a aceitá-los ou se deduza, por seu comportamento, que não os aceita, não se lhe pode conceder a progressão. O programa a que se refere tal dispositivo é o estabelecido na lei federal ou local para a prisão-albergue ou outra espécie de regime aberto.

b) Condições: podem ser gerais ou obrigatórias, e especiais. As condições gerais e obrigatórias são aquelas previstas no art. 115, I a IV, da LEP, as quais devem obrigatoriamente ser impostas pelo juiz. São elas: permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.

c) Casa do Albergado: destina-se ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (LEP, art. 93).

d) Prisão-albergue domiciliar: a Lei de Execução Penal, em seu art. 117, criou uma nova modalidade de prisão domicilia, qual seja, a relativa ao cumprimento de pena imposta por decisão transitada em julgado. Com efeito, estabeleceu as hipóteses em que o condenado em regime aberto pode recolher-se em sua própria

90 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 336/338.

40

residência, em vez da Casa do Albergado: condenado maior de 70 (setenta) anos; condenado acometido de doença grave; condenada gestante; condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental.

e) Inexistência de Casa do Albergado na comarca: dispõe o art. 117 que somente se admitirá o recolhimento em residência particular quando se tratar de condenado que esteja em uma das situações estabelecidas no referido dispositivo [...]. A inexistência de vaga na comarca não se encontra elencada entre as hipóteses legais autorizadas da prisão domiciliar, nem tampouco é hipótese assemelhada a uma daquelas, de maneira que não se pode falar em aplicação do dispositivo por analogia, que, como se sabe, só é possível entre casos semelhantes. Por essa razão, o condenado deve ser recolhido à cadeia pública ou outro presídio comum, em local adequado, e não deixado em inteira liberdade.

Pode-se concluir, que o regime aberto possui, como

fundamento básico, a autodisciplina e o senso de responsabilidade do

condenado, possibilitando-lhe exercer atividade laborativa, freqüentar curso ou

exercer outra atividade autorizada, cujas instalações devem estar providas de

aposentos e locais adequados para curso e palestras (artigo 95 da Lei de

Execução Penal).

2.4.4 Regime Especial

Estabelece o artigo 37 do Código Penal que as mulheres

deverão cumprir pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e

direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto

nos arts. 33 a 36 e 38 a 42 do mesmo Diploma Legal.

No tocante a este regime, Costa Júnior91 explica que

Tempos houve em que foram previstas regalias às presidiárias. Foram sepultados os velhos privilégios. Não podia ser de forma diversa. Se a mulher tem idênticos direitos, deixaram de justificar-se os privilégios.

91 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: comentários ao Código Penal e ao

Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 90.

41

As mulheres haverão de cumprir a pena em estabelecimentos próprios, vale dizer, em seção adequada ao sexo, em estabelecimento próprio de mulher. Suas condições diversas, de natureza fisiológica ou psicológica, impõem a especialidade do regime. Somente assim poderão ser observados os deveres inerentes à sua condição pessoal, como determina a norma.

Tudo o que mais que não for peculiar à condição personalíssima da presidiária, enquanto mulher, a ela se aplica. Impõem-se os mesmos direitos e deveres: o trabalho durante o dia e o isolamento noturno no regime fechado; ou ainda o trabalho externo em obras públicas, nesse mesmo regime; o direito à freqüência a cursos profissionalizantes ou de instrução de segundo grau ou superior, no regime semi-aberto; o trabalho externo, desprovido de qualquer vigilância, no regime aberto; a progressão ou a regressão no cumprimento da pena, segundo o mérito ou demérito da conduta carcerária. E assim por diante.

A Constituição de 1988, após determinar que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo (art. 5º, inc. XLVIII), assegurou condição às presidiárias para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, inc. L).

Este regime caracteriza-se, portanto, como uma forma

especial de cumprimento da pena, atendendo a condição pessoal das mulheres e,

determinando que a privação de sua liberdade aconteça em estabelecimentos

próprios.

2.5 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O Código Penal adota um sistema combinado que permite

ao magistrado larga margem de atuação.

Assim, uma sentença que não observa a individualização da

pena contraria diretamente princípios constitucionais garantidos ao condenado,

em especial o de receber do órgão aplicador da sanção penal uma avaliação

sobre todos os critérios estabelecidos pelo legislador, contidos no artigo 59 e

seguintes do Código Penal para a fixação da pena.

42

A aplicação da pena, segundo Galvão92,

[...] constitui um tema fundamental em Direito Penal, acerca do sentido e dos limites da pena estatal, pois proporcionam discussões sempre renovadas. A percepção da finalidade e da legitimidade da pena não se restringem aos parâmetros impostos por uma visão meramente teórica, mas, sobretudo, retrata um tema de enorme repercussão prática.

É oportuno ressaltar, que a aplicação da pena constitui um

importante momento no processo penal. Nesta oportunidade é que o magistrado,

além de observar a cominação legal prevista para o fato típico praticado, também

atentará às circunstâncias individuais do infrator.

Conforme ensina Galvão93,

[...] a individualização da pena passou a ser, com a Carta Magna de 1988, um direito constitucional do indivíduo. O juiz, ao estabelecer um certo número de anos ou de meses de privação da liberdade como conseqüência do cometimento do delito, não pode fundamentar-se unicamente no seu arbítrio. É necessário identificar os princípios norteadores da responsabilidade pena, e somente aplicar a pena quando em sua justa medida. Os dispositivos legais sobre a fixação judicial da pena devem ser analisados à luz do princípio fundamental que os justifica e a discussão acerca da realização da justiça deve alcançar seus aspectos mais práticos, na relação cotidiana com os indivíduos envolvidos na pressão penal.

Nesse norte, tem-se que o magistrado, ao estabelecer a

pena em face da infração penal, deverá fazê-lo observando necessária e

fundamentalmente os princípios legais, alcançando dessa forma os aspectos

práticos desejados.

Todavia, na maioria dos processos criminais submetidos à

apreciação do Poder Judiciário inexiste uma correta avaliação da culpabilidade,

92 GALVÃO. Fernando. Aplicação da Pena. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 17. 93 GALVÃO. Fernando. Aplicação da Pena. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 17.

43

das circunstâncias que influenciam na aplicação das penas, que poucas vezes

distanciam-se do mínimo legal, e raríssimas vezes se aproximam do limite oposto.

Até porque inexistentes elementos suficientes, porquanto

não investigados adequadamente, não há uma correta aferição da culpabilidade,

da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos, das circunstâncias e

conseqüências do crime, de maneira que a individualização da pena torna-se

falha, desatendendo o espírito do legislador infraconstitucional e também a regra

constitucional asseguradora de tal direito público subjetivo.

2.6 DIREITOS E DEVERES DO PRESO

Conforme o art. 38 do Código Penal, o preso conserva todos

os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as

autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Costa Júnior94 esclarece o tema aduzindo o seguinte:

1 - Direitos do preso: Nos tempos hodiernos, os direitos do presidiário não são mais postos em dúvida, consagrados que foram na própria Constituição. Assim, o art. 5º, em seu inc. LXIII, determina que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Tem ele ainda o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (inc. LXIV).

O art. 3º da LEP encontra-se vazado, substancialmente, nos mesmos termos do presente dispositivo: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Como assegurá-los, durante a execução da pena? Como impedir que o Estado-administração venha a negar-lhe ou restringir-lhe direitos, inalterados pela condenação? Como combater eventuais desmandos da administração prisional?

94 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: comentários ao Código Penal e ao

Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 90/91.

44

Impossível conceder, às autoridades penitenciárias, liberdade incontrolada na execução da pena. Os direitos e deveres correspectivos, do preso e da administração carcerária, não poderão afastar-se da sombra protetora do princípio da legalidade e do controle jurisdicional do magistrado. Como reza a Exposição de Motivos da Lei nº 7.210/84: “Todos os atos e termos da execução se submetem aos rigores do princípio da legalidade”.

No art. 41 da LEP, foram enumerados os direitos do preso: “I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Não foram, entretanto, enfocados dois problemas, bastante discutíveis, que permaneceram em aberto: o sexual e o direito de votar e ser votado.

Vale ressaltar, que a Lei 10.713, de 13.8.2003 inseriu ao

artigo 41 da LEP o inciso XVI, conferindo ao preso o direito de receber “atestado

de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da

autoridade judiciária competente”.

A proteção dos direitos do recluso só se efetivará através de

garantias de natureza processual. Além disso, o preso não se reduz a simples

45

objeto de um processo administrativo-penal. Deve ser considerado como titular de

direitos e faculdades e não mais como mero possuidor de obrigações e ônus95.

Estabelece o artigo 40 do Código Penal:

Art. 40. A legislação especial regulará a matéria prevista nos arts. 38 e 39 deste Código, bem como especificará os deveres e direitos do preso, critérios para revogação e transferência dos regimes e estabelecerá as infrações disciplinares e correspondentes sanções.

Sobre o dispositivo, comenta Costa Júnior96 que

[...] embora a lei não deva conter expressões inúteis, é forçoso convir: o presente dispositivo é de todo dispensável, principalmente após o art. 12 haver cuidado igualmente do tema.

Os direitos do preso não foram enumerados pelo art. 38, que se limitou a proclamar que o preso conservaria todos aqueles que não fossem atingidos pela perda da liberdade, como o direito de livre locomoção. Como vimos, o art. 41 da LEP elencou-os um a um.

O art. 39 da LEP enumerou os deveres dos presidiários: “I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença; II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; VI - submissão à sanção disciplinar imposta; VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores; VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; X - conservação dos objetos de uso pessoal”.

O rol de direitos e deveres, como esclareceu a LEP, não é taxativo: os outros poderão vir a ser adicionados, desde que

95 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: comentários ao Código Penal e ao

Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 92. 96 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: comentários ao Código Penal e ao

Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 93.

46

“tendentes a propiciar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Normas específicas a propósito da transferência ou revogação de regimes penitenciários encontram-se nos arts. 110 e 119. Os arts. 49 usque 54 abordaram as infrações e as correspectivas sanções.

Concluídas as exposições gerais acerca da pena privativa

de liberdade no Direito Brasileiro, no próximo capítulo será abordada a crise

sofrida por esta modalidade sanção penal bem como as medidas alternativas à

pena de prisão.

47

CAPÍTULO 3

A CRISE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

3.1 EFEITOS SOCIOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA PRISÃO

Conforme abordado no segundo capítulo da presente

pesquisa, a prisão é uma instituição totalitária97.

Nesta linha de pensamento, Bitencourt98 destaca as

características da instituição total, mostrando inclusive a impossibilidade da

ressocialização do delinqüente pelo internamento:

A instituição total, envolvente por natureza, transforma o interno em um ser passivo. Todas as suas necessidades, de vestuário, lazer, etc., dependem da instituição. O interno pode adaptar-se facilmente a modos de ser passivos, encontrando o equilíbrio ou gratificação psicológica em seu exercício. Na instituição total, geralmente, não se permite que o interno seja responsável por alguma iniciativa, e o que interessa efetivamente é sua adesão às regras do sistema penitenciário.

Para Goffman99,

[...] a instituição total produz no interno, desde que nela ingressa, uma série de depressões, degradações, humilhações e profanações do ego. A mortificação do ego é sistemática, embora nem sempre seja intencional. A barreira que as instituições totais levantam entre o interno e a sociedade exterior representa a primeira mutilação. Desde o momento em que a pessoa é separada da sociedade, também é despojada da função que nela cumpria. Posteriormente, o interno é submetido aos

97 THOMPSON, Augusto. A questão da Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 22. 98 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 166. 99 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed.

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 166.

48

procedimentos de admissão, onde é manuseado, classificado e moldado. Isso implica uma coisificação da pessoa, pois é classificada como objeto para ser introduzida na burocracia administrativa do estabelecimento, onde deverá ser transformada paulatinamente, mediante operações de rotina.

Hans von Hentig100 enfatiza que

[...] os próprios limites espaciais, geralmente minúsculos, destinados ao indivíduo representam forte limitação ao desenvolvimento da pessoa. A cela, por exemplo – se tiver o privilégio de contar com uma -, na previsão da Lei de Execução Penal brasileira, deverá ter no mínimo dois metros por três (art. 88). Ninguém no mundo livre, nem mesmo os favelados, desenvolve sua vida em limite espacial tão reduzido.

Além dos aspectos já destacados sobre os efeitos

sociológicos ocasionados pela prisão, Bitencourt101 observa:

Outra das graves agressões à personalidade do recluso é que a instituição total viola e anula por completo a intimidade do indivíduo, em dois sentidos: 1º) Durante o processo de admissão, todos os dados relativos os interno, bem como sua conduta no passado, especialmente os aspectos desabonatórios, são recolhidos e registrados em arquivos especiais à disposição da administração penitenciária. A instituição total invade todo o universo íntimo do recluso, seja em caráter psíquico, pessoal ou de qualquer natureza, desde que possa significar algum descrédito. 2º) Também se anula a intimidade pela falta de privacidade com que se desenvolve a vida diária do interno. Ele nunca está só. Tem de se manter obrigatoriamente na companhia de pessoas que nem sempre são suas amigas. A obrigatoriedade de estar permanentemente com outras pessoas pode ser tão angustiante quanto o isolamento permanente. [...] Esse desrespeito à intimidade da pessoa verifica-se até mesmo nos locais reservados a satisfações fisiológicas, como dormitórios coletivos e latrinas abertas.

100 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 167. 101 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 167/168.

49

Outro efeito que uma instituição total produz e que torna difícil, para não dizer impossível, a ressocialização do recluso é a submissão do interno a um processo de desculturalização, ou seja, a perda da capacidade para adquirir hábitos que correntemente se exigem na sociedade em geral.

Todos os aspectos aqui relacionados a respeito de uma instituição total como a prisão demonstram que esta é instrumento inadequado para a obtenção de algum efeito positivo sobre o recluso e reforçam a tese de que a prisão, como resposta penológica, encontra-se efetivamente em crise.

Segundo Munõz Conde102,

Ocorre aqui um fenômeno criminológico comum a todas as instituições fechadas, que Clemmer chama de prisionalização e Goffman, por sua vez, denomina aculturação. O recluso adapta-se às formas de vida, usos e costumes impostos pelos próprios internos no estabelecimento penitenciário, porque não tem outra alternativa. Adota, por exemplo, uma nova forma de linguagem, desenvolve hábitos novos no comer, vestir, aceita papel de líder ou papel secundário nos grupos de internos faz novas amizades etc. Essa aprendizagem de uma nova vida é mais ou menos rápida, dependendo do tempo em que estará sujeito à prisão, do tipo de atividade que nela realiza, sua personalidade, suas relações com o mundo exterior etc. A prisionalização, enfim, tem efeitos negativos à ressocialização que o tratamento dificilmente poderá evitar.

Assim, o processo de assimilação e de “socialização” que

sugere a prisionalização faz com que o recluso aprofunde sua identificação com

os valores criminais (ideologia criminal) 103.

Porém, os estudos acerca dos efeitos da prisionalização

como fator obstaculizador da ressocialização do delinqüente não são conclusivos.

Pode ocorrer, segundo Gordon104, “que um interno que não se integrou à

102 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 187. 103 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 187. 104 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 190.

50

subcultura carcerária apresente clara tendência à criminalidade e maiores

probabilidades de reincidência do que outro que se prisionalizou completamente”.

Apesar da incerteza levantada, inevitavelmente os efeitos

sociológicos gerados pela prisionalização se contrapõem ao objetivo maior, o da

ressocialização.

3.2 EFEITOS PSICOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA PRISÃO

Além dos efeitos sociológicos produzidos pela prisão, é

possível destacar também os efeitos psicológicos por ele produzidos.

Nesse contexto Escasi105 comenta que,

[...] a preocupação com os efeitos psicológicos que a prisão produz começou no início do século XIX. As primeiras observações, como sempre, são de ordem literária. Também a sabedoria popular chega a estabelecer uma relação de causa-efeito entre a prisão e a psicose.

Segundo Seelig106, “há vários tipos de reações carcerárias,

sendo muitas delas passageiras, como é o caso da reação explosiva da prisão, na

qual se observa um estado de irritação que pode chegar a acessos de delírio”.

Sobre os transtornos psicológicos evidenciados no cárcere,

assinala Bitencourt107:

[...] por vários motivos, os reclusos podem desenvolver um quadro depressivo clássico de indiferença, inibição, desinteresse, perda de memória ou incapacidade para usá-la, perda de apetite, bem como uma idéia autodestrutiva que pode chegar ao suicídio. A manifestação do desejo de suicidar-se é um fenômeno especial que nunca deve ser subestimado. Quando o indivíduo se isola, deixa de ler, perde o apetite, desinteressa-se de tudo, e ainda tem

105 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 192. 106 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 195. 107 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 197.

51

algum problema imediato, deve ser vigiado com extremo cuidado. O suicídio é relativamente freqüente entre os condenados a longas penas. Essa é mais uma das tantas contradições existentes entre o propósito reabilitador que se atribui à pena privativa de liberdade e a imposição de penas muito longas.

Ressaltam, ainda, Melossi e Pavarini108 que

[...] os efeitos negativos que a experiência em prisão produz na auto-imagem do recluso podem ser atribuídas causas múltiplas. No entanto, uma das mais importantes é que uma instituição total, como a prisão, produz um sentimento de esterilidade absoluta, cuja origem reside na desconexão social e na impotência habitual para adquirir, dentro da prisão, benefícios que sejam transferíveis à vida que se desenvolve lá fora.

Destarte, todos esses transtornos psicológicos

anteriormente delineados resultam em uma experiência traumática imposta pela

vivência no ambiente carcerário, fazendo com que a reabilitação do infrator seja

um alvo inalcançável.

3.3 O ATUAL PROBLEMA CARCERÁRIO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

A Constituição da República Federativa do Brasil assegura,

em seu artigo 5º, os direitos fundamentais humanos, tais como a vida, a saúde, a

integridade corporal e o princípio da dignidade humana.

A Lei nº 7.210/84, por sua vez, prevê em seu artigo 40, que

“impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos

condenados e dos presos provisórios”.

Assim sendo, nenhuma pena privativa de liberdade pode

conceber finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa como ser

humano.

108 Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3.

ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 192.

52

Mesmo estando as penas cruéis banidas da legislação atual,

a realidade mostra que vários castigos ilegais são impostos aos presos.

Corroborando essa afirmativa, Goulart109 lembra que:

[...] é imprescindível para que o disposto no artigo 40 LEP não permaneça o plano de mera proclamação retórica, vigilância constante por parte das autoridades responsáveis e, ainda, a imediata reformulação da legislação acerca do abuso de autoridade, eis que, o diploma em vigor, revelou-se ineficaz e insuficiente.

Nesse aspecto, pode-se observar que atualmente o sistema

penitenciário contempla o caos, visto que os estabelecimentos prisionais se

encontram sempre superlotados, estimulando a violência e em nada contribuindo

para uma reabilitação eficaz do detento, impossibilitando-lhe, desta forma, o

reingresso na sociedade. Não obstante, o direito à dignidade, constitucionalmente

garantido, é flagrantemente desrespeitado na execução da pena privativa de

liberdade.

A esse respeito, comenta Sarlet110:

Importa considerar, neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.

Acerca do princípio da dignidade assim leciona

Bartolomei111:

A dignidade da pessoa humana exprime o valor-síntese do Estado Democrático de Direito (v. CF, art. 1.º, inc. III). Logo, e nisso reside a sua marcante evolução doutrinária, já não se pode ser

109 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 110. 110 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2003, p. 115. 111 Apud GOMES, Flávio Luiz. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. São Paulo: RT, 1999, p.

66.

53

visto apenas como limite da intervenção do Estado (necessidade de sua proteção contra o Estado), senão sobretudo como objeto de proteção pelo próprio Estado (imperiosidade de sua tutela pelo Estado). Como valor-síntese que é (Grundnorm), deve “informar e

permear a inteira normatividade jurídica”, dele decorrendo: “a) nenhuma ‘norma’ constitucional pode contrastar com tal conceito, nem o conceito é suscetível de revisão constitucional; b) a norma que contrasta é inconstitucional; c) todos os atos administrativos e judiciais que contrariem tal conceito são ilegítimos”.

Landreville112 acentua que

[...] o respeito da dignidade do ser humano e do direito à integridade são os mais agredidos na maior parte das prisões do mundo, eis que, desde a admissão, começa o despojamento da personalidade do preso, algemas nos pulsos, revista no corpo nu, à vista de todos, a troca de traje pessoal, chuveiro na presença de guardas, etc.

Importante mencionar que, a Organização das Nações

Unidas, em 10 de dezembro de 1948, promulgou a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, verdadeira "Constituição Ética Mundial", nos dizeres de Flávio

Gomes113, influenciada pelo sentimento de defesa dos direitos humanos que

ganhou forças ao final da II Grande Guerra Mundial, ante aos crimes contra a

dignidade humana, representados pelo holocausto e pelos genocídios cometidos.

Em 1955, a mesma entidade promulgava as Regras

Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, documento de suma importância para

o estabelecimento de limites à aplicação de penas privativas de liberdade. Essas

normas editadas pelas supra-referidas Regras, são: classificação do criminoso em

categorias, higiene íntima, roupas de cama, alimentação condigna, exercícios

físicos, assistência médica, biblioteca, dentre outras normas pertinentes114.

112 Apud ALBERGARIA, Jason. Comentários à Lei de Execução Penal. Rio de Janeiro: Aide,

1987, p. 72. 113 GOMES, Flávio Luiz. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. São Paulo: RT, 1999, p. 21. 114 BARBOSA, Licínio. Direito Penal e Direito de Execução Penal. Brasília: Zamenhof, 1993, p.

303.

54

Em análise as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso

fixadas pela Resolução nº. 14, de 11.11.1994, assevera Matos115:

O artigo 24 da referida resolução dispõe, in verbis: “São proibidos,

como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura” [...] Contudo, [...] além de torturas para extrair informações ou confissões, com a utilização do poder que detém, espancamentos são comuns no decorrer da pena, de modo que impõe-se um regime de terror e implicitamente na pena privativa de liberdade várias penas corporais, como se ainda estivéssemos na época dos suplícios da antiguidade.

Conclui-se, então, que o atual problema carcerário afronta o

princípio da dignidade da pessoa humana, descumprindo gravemente os

mandamentos preconizados na Lei de Execução Penal.

3.4 TENDÊNCIAS ACERCA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

É indiscutível que a pena de prisão em todo o mundo passa

por uma crise sem precedentes. A idéia disseminada a partir do século XIX

segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e

repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente uma atitude

pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa

conseguir com a prisão tradicional.

Conforme asseverou Foucault116,

[...] o cárcere, em verdade, não diminui a taxa de criminalidade, provoca a reincidência, favorece a criação de um meio de delinqüentes, com organização hierarquizada e voltada para o cometimento de futuros delitos, bem como fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família dos detentos.

115 MATTOS, Renata Soares Bonavides. Direitos dos Presidiários e suas Violações. São Paulo:

Método Editora, 2001, p. 104/105. 116 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 16. ed. São Paulo: Vozes, 1977, p. 87.

55

Deve-se, portanto, recorrer à pena privativa de liberdade tão

somente como derradeira medida, quando a defesa da sociedade e a

impossibilidade de recuperação do criminoso por meios alternativos à prisão

exijam a exclusão do criminoso do convívio social como medida racional e

necessária.

De qualquer forma, seja qual for o suporte filosófico que se

adote, acredita-se que é inafastável a utilidade da pena. Conforme asseverou

Marco Antonio de Barros117 em artigo:

Incogitável a desvinculação da pena de um sentido útil. A utilidade lhe é inerente (e aqui vamos sempre enfocar a pena privativa de liberdade). Além do Estado visar fortalecer a repressão preventiva por meio do traço intimidativo que a sanção penal possa exprimir na consciência do indivíduo, do ponto de vista estrutural, permite-se tripartir as funções da pena em retributiva, humanitária e ressocializadora.

Com efeito, na prática, revela-se no Direito Penal brasileiro

uma enorme antinomia entre o desejo do legislador e a realidade evidenciada. Os

fundamentos filosóficos determinantes da prática legislativa (cominação das

penas) não alcançam a finalidade pretendida, não se concretizam na aplicação e

execução das penas.

Como já advertia Cesare Beccaria118:

Uma boa legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência". E arrematava o ilustre filósofo: "Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e evidentes.

Tais mudanças reclamam uma exata compreensão dos

limites e do alcance que se deve dar ao Direito Penal, deixando para as demais

áreas de atividades do Estado aquilo que a cada uma couber com exclusividade. 117 BARROS, Marco Antonio de. Abalos à dignidade do Direito Penal. RT 747/489. 118 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradutor: Torrieri Guimarães. São Paulo:

Hemus, 1983, p. 92.

56

É preciso anotar, ainda, que, modernamente, para punir os

crimes mais graves a pena aplicada com maior freqüência é a de prisão, e,

[...] ingressando no meio carcerário, o sentenciado se adapta,

paulatinamente, aos padrões da prisão. Seu aprendizado nesse

mundo novo e peculiar é estimulado pela necessidade de se

manter vivo e, se possível, ser aceito no grupo. Portanto, longe de

estar sendo ressocializado para a vida livre, está, na verdade,

sendo socializado para viver na prisão. É claro que o preso

aprende rapidamente as regras disciplinares na prisão, pois está

interessado em não sofrer punições. Assim, um observador

desprevenido pode supor que um preso de bom comportamento é

um homem regenerado, quando o que se dá é algo inteiramente

diverso: trata-se apenas de um homem prisionizado119.

A conclusão a que chegou Marco Antonio de Barros120 no

artigo precitado é a de que

[...] nos dias atuais a pena privativa de liberdade não espelha a justa punição filosoficamente inspirada pelo legislador. Teoricamente a pena tem como características, além da função repressiva, os fins retributivo, humanitário e ressocializante do condenado. Todavia, da forma como as coisas caminham, hoje a pena é de ser tida apenas e tão-somente como expiação. Castigo severíssimo para determinadas infrações de menor gravidade. Portanto, de pouco sentido útil, já que desobediente aos dogmas ético, humano e ressocializador.

As críticas que se têm feito à pena privativa de liberdade

fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de

tratamento penal freqüentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a

inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinqüentes

habituais e multirreincidentes, os elevados custos de construção e manutenção

dos estabelecimentos penais, as conseqüências maléficas para os infratores

primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significância,

119 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a pena na atualidade. São Paulo: RT, 1983, p. 158. 120 BARROS, Marco Antonio de. Abalos à dignidade do Direito Penal. RT 747/489.

57

sujeitos, na intimidade do cárcere, às servícias, corrupção e perda paulatina da

aptidão para o trabalho.

Sem contar que, na maioria das vezes, o cárcere acentua o

perfil criminógeno do condenado, tornando-o mais perigoso à sociedade do que

na ocasião de sua prisão. Assim, a remeter um cidadão à prisão com o ensejo

exclusivo de atender o desejo punitivo do Estado, acaba por representar um

temor e uma falta de compromisso com o futuro do condenado e da própria

sociedade.

Ademais, o questionamento da privação da liberdade tem

levado penalistas de numerosos países e a própria Organização das Nações

Unidas a uma "procura sem fronteiras" de soluções alternativas para os infratores

que não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade. Sempre com o

propósito de aperfeiçoar a pena de prisão, quando necessária, e de substituí-la

quando aconselhável, por formas diversas de sanção criminal, dotadas de

eficiente poder corretivo.

Em consonância com essa preocupação, os ordenamentos

jurídicos penais estão sendo motivados a acolherem a aplicação de penas e

medidas não-privativas de liberdade, seguindo as tendências dos diplomas

internacionais como a Declaração dos Direitos do Homem e as Regras de Tóquio,

que visam resguardar o respeito à dignidade humana do delinqüente.

3.4.1 Considerações Gerais

A questão do emprego de sanções alternativas constitui-se,

hoje, em importante desafio social imposto ao Estado sendo possível, pelo

tratamento dispensado aos problemas penitenciários, aferir o comprometimento

efetivo dos governos com a recuperação do homem segregado.

É importante frisar, que, o infrator, ao ser sentenciado e

levado ao cárcere é esquecido como cidadão e ser humano pelo Estado e pela

sociedade. Pouco se faz para recuperar os valores do indivíduo mantido no

cárcere. Assim, quando for libertado, aquele indivíduo voltará ao convívio social e

58

seu comportamento, será o reflexo do tratamento a que foi submetido sob

patrocínio do Estado e indiferença da sociedade.

Flávio Gomes121, em artigo recente, se posicionou nesse

sentido ao tecer os seguintes comentários acerca da pena de prisão na

atualidade:

A pena de prisão, na atualidade, longe está de cumprir sua missão (ou finalidade) ressocializadora. Aliás, não tem cumprido bem nem sequer a função inocuizadora (isolamento), visto que, com freqüência, há fugas no nosso sistema. A pena de prisão no nosso país hoje é cumprida de maneira totalmente inconstitucional (é desumana, cruel e torturante). Os presídios não aprensentam sequer condições mínimas para ressocializar alguém. Ao contrário, dessocializam, produzindo efeitos devastadores na personalidade da pessoa. Presídios superlotados, vida sub-humana etc. Essa é a realidade. Pouco ou nada é feito para se cumprir o disposto no art. 1º da LEP (implantação de condições propícias à integração social do preso).

Diversos outros autores contribuem para a discussão da

questão penitenciária com vistas à reformulação do atual sistema de penas,

especialmente no que concerne a uma maior aplicabilidade de sanções não

privativas de liberdade. A consciência jurídica de hoje, atenta aos princípios

constitucionais de garantia dos direitos do homem, clama por medidas

alternativas que realizem o objetivo maior das sanções, que é a recuperação do

sentenciado122.

Dentro desta concepção, o Direito Penal moderno deve

restringir-se a uma intervenção mínima e subsidiária, cedendo às outras

disciplinas legais a tutela imediata dos valores primordiais da convivência

humana, atuando somente em último caso, ultima ratio. Dadas as suas

características, só deve agir quando os demais ramos do direito, os controles

121 GOMES, Luiz Flávio. Funções da pena no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina,

a. 10, n. 1037, 4 mai. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8334>. Acesso em: 08 mai. 2006.

122 BARBOSA, Licínio Leal. Direito Penal e Direito de Execução Penal. Brasília: Zamenhof, 1993, p. 223.

59

formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa

tutela123.

Acerca dos aspectos negativos resultantes da prisão

comenta Fragoso124:

A prisão representa um trágico equívoco histórico, constituindo a expressão mais característica do vigente sistema de justiça criminal. Validamente só é possível pleitear que ela seja reservada exclusivamente para os casos em que não houver, no momento,

outra solução.

Além disso, destaca BITENCOURT125 :

Embora a resposta estatal ao fenômeno criminal deva ocorrer nos limites e por meio do Direito Penal, que é o mais seguro, democrático e garantista instrumento de controle social formalizado, a reação ao delito não deve ser exclusivamente do Direito Penal, que somente deve ser chamado a intervir quando falharem todas as demais formas de controle social, isto é, deve ser utilizado como a ultima ratio. Para atingir esse desiderato, uma

disciplina puramente normativa e sistemática, como o Direito Penal, necessita da complementação de outras disciplinas, como a Criminologia e a Política Criminal, que admitem a delinqüência como um fenômeno social e comunitário, que pode existir nas mais diferentes camadas da população, sem qualquer conotação patológica. Lamentavelmente, essa necessidade de utilização de outras disciplinas similares e complementares tem sido sempre ignorada pelo legislador brasileiro, que pretende resolver todos os problemas - econômicos, políticos, éticos, sociais e morais - através do Direito Penal, utilizando-o simbolicamente. Essa é a política criminal que se instalou no País, na década de 90, com os denominados crimes hediondos, criminalidade organizada e crimes de especial gravidade, simbolizando, mais que um Direito Penal funcional, um autêntico Direito Penal do terror.

123 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990,

p. 84. 124 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direitos dos Presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 15. 125 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas Alternativas. São Paulo: Saraiva, 2000, p. XXVI.

60

Urge que a prisão seja imposta somente em relação aos

crimes graves e aos criminosos de intensa periculosidade, chamados “presos

residuais”. Nos outros casos, deve ser substituída pelas medidas e penas

alternativas e restritivas de direitos, como multa, prestação de serviço à

comunidade, limitação de fim de semana, interdições de direitos, sursis etc126.

É importante lembrar que, mesmo sendo uma questão

polêmica e atual, a aplicação destes tipos de penas já era preconizada no Código

Penal Brasileiro de 1984, aderindo às tendências do Direito Penal moderno.

Porém, no ano de 1995, quando o Brasil participou do Congresso das Nações

Unidas, realizado no Cairo, as penas restritivas foram revitalizadas. O foco central

desse congresso foi à discussão a respeito do tratamento do delinqüente e a

aplicação de penas alternativas à prisão. Tais sugestões foram acolhidas pelo

então Presidente da República, que encaminhou à Câmara dos Deputados o

Projeto de Lei 2.684/96 visando o incremento do elenco de penas alternativas à

prisão na legislação pátria, dando azo à Lei 9.714 que entrou em vigor em 1998 127.

Por um lado, tal decisão redirecionou os objetivos de

punição do Estado que, por sua vez, deixou de ensejar o castigo para pugnar pela

reabilitação do delinqüente. De outro lado, o novo Estatuto Penal se tornou alvo

de inúmeras críticas, notadamente no que diz respeito a sua incidência em

legislações especiais, como a Lei dos Juizados Especiais e Crimes Hediondos.

Com o advento da Lei nº. 9.714/98, as punições alternativas

à prisão fixaram-se como uma realidade “in abstrato” no Direito Penal brasileiro,

mas para que se tornem um instrumento punitivo “in concreto”, não constituindo

mera utopia jurídica, indispensável se faz que o instituto seja prestigiado por todos

os segmentos da sociedade como operadores do direito, iniciativa privada, poder

executivo e membros da comunidade.

126 ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1995,

p. 38. 127 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas Alternativas. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 44/45.

61

Ressalte-se que, antes do advento da Lei nº. 9.714/98, o

Código Penal já contava com seis penas alternativas substitutivas. Com a nova

lei, o quadro aumentou e, atualmente, conta-se com dez128.

Tal lei possui, dentre outros, os seguintes propósitos: 1)

diminuir a superlotação dos presídios, sem perder de vista a eficácia preventiva

geral e especial da pena; 2) reduzir os custos do sistema penitenciário; 3)

favorecer a ressocialização do autor do fato pelas vias alternativas, evitando-se o

pernicioso contato carcerário, bem como a decorrente estigmatização; 4) reduzir a

reincidência; 5) Preservar, sempre que possível, os interesses da vítima. O IX

Congresso da ONU sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente,

realizado na cidade do Cairo (1995), recomendou a utilização da pena detentiva

em último caso, somente nas hipóteses de crimes graves e de condenados de

intensa periculosidade; para outros delitos e criminosos de menor intensidade

delinqüencial, medidas e penas alternativas que podem constituir um meio mais

eficaz de prevenir a criminalidade e melhorar o tratamento dos delinqüentes.

Infere-se que no Brasil, o Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, órgão vinculado ao Ministério da Justiça encarregado de

propor as diretrizes da política criminal no país, recomenda a aplicação de

sanções alternativas com a finalidade de desafogar a Justiça e o sistema

penitenciário, podendo aquela tratar com mais cuidado dos delitos mais graves129.

No entanto, nas palavras de Cervini e Gomes130,

[...] duas vêm sendo as premissas básicas dessa política puramente repressiva no Brasil: a)incremento de penas (penalização); b) restrição ou supressão de garantias do acusado.

Assim menciona Damásio131:

128 GOMES, Flávio Luiz. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. São Paulo: RT, 1999, p. 96. 129 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas Alternativas. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 13. 130 CERVINI Raúl; GOMES Luiz Flávio. Crime Organizado. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, p. 28. 131 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas Alternativas. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 10.

62

Existe no Brasil a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade com a definição de novos tipos penais, o agravamento das penas já cominadas, a supressão de garantias do acusado durante o processo e a acentuação da severidade das sanções, posição mundialmente generalizada.

Não obstante, a pena privativa de liberdade, quando

aplicada genericamente a crimes graves e leves, só intensifica o drama carcerário

e não reduz a criminalidade. Com uma agravante: a precariedade dos

estabelecimentos prisionais no Brasil, permitindo a convivência forçada de

pessoas de caráter e personalidade diferentes, pode corromper a vontade

regenerativa do indivíduo. Por isso é necessário convencer-se de que a pena

privativa de liberdade é o recurso extremo com que conta o Estado para defender

seus habitantes das condutas antijurídicas de outros132.

A busca de alternativas para o sistema de penas visando

especificamente as opções à prisão deve considerar inicialmente o estado e as

possibilidades da pena institucional para se remover, tanto quanto possível, os

seus notórios inconvenientes. A redução das hipóteses da perda da liberdade é

um anseio generalizado a desafiar o legislador do futuro, uma vez sensível aos

aspectos da proporcionalidade, como medida de retribuição, e dos fins sociais e

individuais da pena133.

A moderna criminologia corrobora o princípio da intervenção

mínima, presente nas Regras de Tóquio. Este princípio é tido como norteador da

tendência moderna, que visa à descriminalização, descarcerização e

despenalização. Por descriminalizar entende-se a extinção ou diminuição de tipos

penais; descarcerizar é impor óbices para a aplicação de prisões cautelares;

despenalizar, por seu turno, significa diminuir as penas impostas in abstracto aos

delitos, bem como dificultar ao máximo a aplicação de penas restritivas de

132 ZAFFARONI, Raúl Eugênio. Em Busca das Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p.

29. 133 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998, p. 413.

63

liberdade, reservando-as aos casos graves, após atenta análise do grau de

periculosidade do delinqüente134.

Inquestionável, portanto, que apesar das Regras de Tóquio

ainda conferirem importância para a ideologia do tratamento como forma de

reabilitação do delinqüente, também deram destaque a outros aspectos da

realidade sócio-criminal, tais como a proteção, prevenção e segurança sociais, a

reparação do dano e o pedido de desculpas à vítima.

Sendo assim, as penas alternativas representam uma real

perspectiva para substituir, de forma gradual, a falida pena de prisão.

3.4.2 A Lei 9.099/95

A Lei 9.099, de 26.09.1995 mostra-se como a tentativa

incipiente de inserir o Estado na moderna concepção menos intervencionista.

Através de normas de caráter processual e penal, a referida lei instrumentaliza a

justiça para atingir esse fim.

A Lei 9.099/95, como se percebe, inovou profundamente o

ordenamento jurídico-penal brasileiro. Cumprindo-se uma determinação

constitucional (CF, art. 98, I), foi posto em prática um novo modelo de Justiça

criminal. É uma verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade), porque quebrou-

se a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal. Abriu-

se no campo penal certo espaço para o consenso. Ao lado do clássico princípio

da verdade material, agora tem-se que admitir também a verdade consensuada.

Em verdade, a lei não se contentou em importar soluções de outros

ordenamentos, mas – ainda que por eles inspirado - cunhou um sistema próprio

de Justiça penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado135.

Oportuno mencionar que a referida lei consagrou, em seu

artigo segundo, os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia

134 JESUS, Damásio Evangelista de. Regras de Tóquio. São Paulo: Paloma, 1998, p. 19. 135 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 50.

64

processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a conciliação ou a

transação.

No entanto, dentre as inovações trazidas, é oportuno

enfatizar o modelo consensual introduzido pela lei e suas medidas

despenalizadoras.

A esse respeito destaca-se que:

A Lei 9.099/95 não cuidou de nenhum processo de descriminalização, isto é, não retirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Mas disciplinou, isso sim, quatro medidas despenalizadoras (que são medidas penais ou processuais

alternativas que procuram evitar a pena de prisão): 1ª) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único); 2ª) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (transação penal, art. 76); 3ª) as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4ª) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89) 136.

Impõe-se desde logo salientar, que a suspensão condicional

do processo prevista no artigo 89 da Lei 9.099/95, não se confunde com o sursis

(suspensão condicional da pena). Neste último instaura-se o processo, realiza-se

a instrução e no final o juiz, caso venha a condenar o acusado, pode suspender a

execução da pena137. A suspensão condicional da pena (sursis), será melhor

elucida em subtítulo próprio a seguir.

Entende Damásio, que com as medidas despenalizadoras e

descarcerizadoras mencionadas, “o Direito Penal brasileiro começa a adotar as

136 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 50/51. 137 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 252.

65

tendências mundiais atuais, que sinalizam com a utilização da prisão como ultima

ratio, devendo-se ampliar o rol das penas ou medidas alternativas” 138.

Com efeito, os Juizados Especiais Criminais auxiliam para

desafogar os juízos e tribunais, e, conseqüência natural disto, contribuem para

diminuir os casos de prescrição. Liberou-se, também, a justiça tradicional, para

cuidar dos casos mais graves, que realmente causam perturbações sociais,

contribuindo sensivelmente para a melhoria da prestação jurisdicional por parte do

Estado. Outra virtude que assinalam aos juizados consiste na não-aplicação da

pena de prisão. Aliás, nasceram justamente para se evitar o encarceramento de

infratores que praticaram (ou venham a praticar) crimes de menor gravidade. Com

as novas Varas Especializadas ou Centrais de Apoio às penas alternativas,

melhorou consideravelmente o problema da fiscalização e execução dessas

penas, que está se tornando cada vez mais certa139.

Não se pode deixar de mencionar, a questão da ampliação

do conceito de infrações de menor potencial ofensivo.

Ocorre que, pela redação da Lei 9.099/95 eram

consideradas infrações de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado

Especial Criminal, todos os crimes, como pena máxima não superior a um ano, do

Código Penal e de leis extravagantes, exceto os sujeitos a procedimentos

especiais. Atualmente, com a aplicação aos Juizados Estaduais da Lei 10.259, de

12.07.2001, que regula os Juizados Especiais Federais, aumentou o âmbito

daquelas infrações, as quais passaram a abranger todos os crimes que forem

punidos com pena máxima não superior a dois anos, independentemente de

estarem ou não submetidas a ritos especiais140.

Dos aspectos até aqui expostos, é possível concluir que são

inúmeros os benefícios conquistados com o advento da Lei 9.099/95, já que

138 Apud GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei

9.099, de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 51. 139 GOMES, Luiz Flávio. Doutrina. Apud: Revista Jurídica Consulex, Ano VI, nº 123, p. 47. 140 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78.

66

resulta da busca por um modelo de justiça criminal mais eficaz, contemplando a

resolução simplificada do caso, sem abrir mão das garantias constitucionalmente

previstas.

3.4.3 A Suspensão Condicional da Pena Privativa de Liberdade

A suspensão condicional da pena privativa de liberdade foi

inserida no Código Penal brasileiro pela Lei 7.209, de 11.07.1984, estando

elencada, atualmente, no IV daquele Diploma Legal.

Segundo Martins141:

A suspensão condicional da pena representou, na história do direito penal, talvez a primeira das formas encontradas para esquivar quem sofreu condenação criminal da obrigatoriedade de recolhimento à prisão.

Conforme ensina Ferreira142:

A finalidade do sursis é a de evitar os reconhecidos inconvenientes das penas de curta duração. Através dele, o juiz suspende a execução da pena, mediante a imposição de certas condições. Aníbal BRUNO conceituou-o como sendo “o ato pelo qual o juiz, condenando o delinqüente primário, não perigoso, à pena detentiva de curta duração, suspende a execução da mesma, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas condições”. Em virtude das alterações legais, a esse conceito deve ser acrescentado que o instituto se estende, agora, ao reincidente por crime culposo ou condenado à anterior pena de multa e que a suspensão atinge, também, as penas de reclusão.

Magalhães Noronha conceitua a suspensão condicional da

pena como a “medida jurisdicional que determina o sobrestamento da pena,

preenchidos certos pressupostos legais e diante de determinadas condições

impostas pelo juiz” 143.

141 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 104. 142 Apud MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas. Curitiba: Juruá Editora, 2005,

p. 104 143 MAGALHÃES NORONHA, E. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1978,

p. 445.

67

Consoante estipula o artigo 77, caput, do Código Penal a

suspensão terá a duração de 2 (dois) a 4 (quatro) anos ou de 4 (quatro) a 6 (seis)

anos, de acordo com o parágrafo segundo, do mesmo dispositivo, desde que

satisfeitos determinados requisitos.

O sursis é classificado como medida alternativa não

consensual, visto que não depende da concordância do acusado144.

Em síntese, pode-se dizer que a suspensão condicional da

pena constitui uma alternativa para evitar a prisão, seja ela provisória ou

decorrente de condenação criminal definitiva.

3.4.4 A Substituição da Pena Privativa de Liberdade pela Restritiva de

Direitos

As penas restritivas de direitos são previstas no artigo 43 do

Código Penal, que assim define:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária;

II – perda de bens e valores;

III – (VETADO)

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

V – interdição temporária de direitos;

VI – limitação de fim de semana.

Cumpre notar, que as duas primeiras foram introduzidas

pela Lei 9.714, de 25.11.1998.

Por sua vez, o artigo 44 do Código Penal estabelece as

hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Contudo, a fim de cumprir o objetivo da presente pesquisa, não serão

144 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: vol. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 347.

68

estabelecidos maiores comentários acerca das espécies de penas restritivas de

direitos bem como dos requisitos legais para a referida substituição.

Monteiro de Barros ensina que a pena restritiva de direitos “é

a sanção imposta em substituição à pena privativa de liberdade, consistente na

supressão ou diminuição de um ou mais direitos do condenado” 145.

Acerca do objetivo perseguido pelas penas restritivas de

direitos, assim comenta Bitencourt146:

Busca-se com as penas “restritivas de direitos”, complementando as alternativas concretizadas por meio da multa, da suspensão condicional da pena e até mesmo do livramento condicional, dar solução mais realista e humana ao grave problema da prisão, ao menos quanto às penas de curta duração.

No tocante a possibilidade de substituir a pena privativa de

liberdade, Bitencourt147 infere que

[...] está estabelecida no Código Penal brasileiro e à disposição do juiz para ser executada no momento da determinação da pena na sentença (art. 59, IV, do CP), já que, por sua própria natureza, requer a prévia determinação da quantidade de pena a impor. E, como na dosagem da pena o juiz deve escolher a sanção mais adequada, levando em consideração a personalidade do agente e demais elementos do artigo citado e particularmente a finalidade preventiva, é natural que nesse momento processual se examine a possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade.

Ou seja, somente se não houver possibilidade de substituir a

pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é que o juiz passará a analisar

o cabimento da suspensão condicional da pena, anteriormente abordada.

145 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral: vol. 1. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 457. 146 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 294. 147 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2004, p. 301.

69

3.4.5 Principais Benefícios na Execução Penal

A legislação constitucional e ordinária brasileira contemplam

alguns benefícios a serem concedidos àqueles apenados com a privação da

liberdade em regime fechado. Tais benefícios consistem em dever do Estado,

face aos fins visados com a privação da liberdade, em especial o da

ressocialização do indivíduo.

Dessa forma, passa-se a analisar, ainda que brevemente,

face aos limites impostos pela metodologia adotada, os principais benefícios na

execução penal, são eles: remição, detração penal, progressão de regime,

livramento condicional, autorizações de saída, indulto e comutação.

A remição encontra-se prevista no artigo 126, parágrafo

primeiro, da Lei de Execução Penal, in verbis:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

§ 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.

Portanto, a remição consiste na possibilidade de concessão

aos apenados que cumprem pena em regime fechado, abaterem um dia de pena

a cada três dias de trabalho realizado.

A previsão legal do benefício da detração penal encontra-se

nos artigos 42 do Código Penal e no artigo 111, caput, da Lei de Execução Penal,

que determinam, respectivamente:

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou

70

unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Assim, entende-se que o condenado terá o direito de

descontar do total da pena que lhe foi imposta, todos os dias em que permaneceu

preso antes do transito em julgado da sentença.

Por sua vez, o artigo 112 da Lei de Execução Penal

estabelece o direito à progressão de regime:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Infere-se que o referido benefício consiste na possibilidade

conferida ao apenado de transferência para um regime de cumprimento da pena

menos rigoroso, desde que cumpra previamente determinados requisitos legais.

A importância deste instituto foi evidenciada no julgamento

do Habeas Corpus nº 82.959 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando

declarou inconstitucional o parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei 8.072/90

autorizando a progressão de regime até mesmo aos crimes hediondos e

equiparados.

O livramento condicional visa conceder ao apenado o

benefício de poder, após o cumprimento de um período pré-estabelecido de

cumprimento da pena privativa de liberdade, terminar de pagar a reprimenda que

lhe foi imposta em liberdade, adimplindo com determinadas condições

estabelecidas em lei. Os requisitos para concessão do livramento condicional são

fixados pelo artigo 83 do Código Penal. Já as condições que ficam subordinadas

ao livramento são estabelecidas pelo artigo 132 da Lei de Execução Penal.

As autorizações de saída encontram-se disciplinadas na

Seção III, do Capítulo I, do Título V, da Lei de Execução Penal e se dividem em

dois tipos: permissão de saída e saída temporária.

71

O artigo 120 da Lei de Execução Penal dispõe sobre a

permissão de saída:

Art. 120. Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:

I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;

II - necessidade de tratamento médico (parágrafo único do artigo 14).

Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.

No artigo 122 da Lei de Execução Penal encontra-se as

hipóteses de concessão da saída temporária:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

O indulto e a comutação são benefícios concedidos

privativamente pelo Presidente da República, conforme determina o artigo 84,

inciso, XII, da Constituição Federal.

Os artigos 188 a 193 da Lei de Execução Penal disciplinam

as regras para a concessão do indulto e da comutação. A concessão do indulto,

segundo estabelece o artigo 107, inciso II, do Código Penal, resulta na extinção

da punibilidade ao condenado.

72

Explica Bruno, que “a comutação da pena assume a forma

de graça parcial. Importa na substituição de uma pena por outra menos grave ou

na redução da quantidade de pena imposta pela sentença” 148.

Ressalta-se, por fim, que o indulto não se confunde com a

comutação da pena. No primeiro, a punibilidade é integralmente extinta, enquanto

que, no segundo, somente uma parcela do cumprimento da pena é extinta ou a

sanção é substituída por outra mais branda.

Em últimas linhas, pode-se concluir que os benefícios

aplicáveis no curso da execução penal são condicionados ao cumprimento de

determinados requisitos, tanto de ordem temporal quanto comportamental,

visando, sempre, atender a função ressocializadora da pena nos moldes

preconizados pela Lei de Execução Penal.

148 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forenses, 1984, p. 206.

73

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objeto de estudo a função

ressocializadora da pena privativa de liberdade, concentrando-se na análise dos

preceitos contidos na Lei de Execução Penal, bem como nos princípios

constitucionais garantistas.

Objetivou, essencialmente, verificar se a pena privativa de

liberdade, nos moldes que vem sendo aplicada, demonstra-se capaz de

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.

A escolha do aludido objeto se deu em virtude de que,

hodiernamente, avulta-se a discussão acerca da eficácia da pena privativa de

liberdade, inclusive com veementes defensores pela sua substituição por penas

alternativas.

Face aos objetivos investigatórios inicialmente traçados,

oportunamente destacados na introdução do presente trabalho científico, surgiu o

presente problema de pesquisa, o qual aqui se transcreve, seguido da respectiva

hipótese pré estabelecida.

A pena privativa de liberdade tem cumprido sua função

ressocializadora?

Preliminarmente, ficou fixado através da consulta

bibliográfica, que a pena de prisão no Brasil não tem cumprido sua função

ressocializadora, já que o Estado parece não estar garantindo as condições

mínimas estabelecidas na Lei de Execução Penal, bem como em diversos

princípios constitucionais.

A busca pela confirmação ou não da hipótese supra

mencionada, de modo a solucionar o problema de pesquisa delimitado, foi

viabilizado com a divisão do estudo em três capítulos distintos.

74

No primeiro capítulo, face à necessidade de introduzir a

pesquisa com elementos capazes de dar supedâneo à conclusão almejada, foi

abordada a história e evolução da pena de prisão, partindo desde a Antiguidade,

passando pela Idade Média, até chegar à Idade Moderna. Enfatizou-se, inclusive,

o pensamento de cada um dos mais renomados Reformadores do cárcere:

Beccaria, Howard e Bentham. Tratou-se, também dos diferentes sistemas

carcerários e das teorias da pena.

No segundo capítulo, a pesquisa foi destinada à análise da

execução penal no Brasil, iniciando-se com a exposição de noções preliminares

acerca da pena, seguindo-se com a cominação legal das penas, assinalando as

disposições contidas na Lei de Execução Penal.

No terceiro e último capítulo, a pesquisa concentrou-se na

análise da crise sofrida pela pena privativa de liberdade, enfocando-se os efeitos

sociológicos e psicológicos produzidos pela prisão, bem como as condições

desumanas e degradantes a que são submetidos os presos na atualidade.

Ficando demonstrando, ainda, que mundialmente se busca um meio eficaz como

alternativa à pena de prisão tradicionalmente imposta, com a finalidade de

proporcionar condições para a ressocialização do apenado. Foi constatado que

conquistas importantes como as Regras de Tóquio (corroboram o principio da

intervenção mínima do Direito Penal), contribuem expressivamente para promover

o emprego de medidas não privativas de liberdade, tais como as penas

alternativas (pena de multa e as penas restritivas de direitos) e as medidas

alternativas (aquelas previstas na Lei 9.099/95, por exemplo). Foram abordados

ainda, os principais benefícios concedidos no cumprimento da pena privativa de

liberdade, de modo a demonstrar que os mesmos visam viabilizar o alcance das

funções de que se reveste a pena de prisão, em especial a função

ressocializadora.

Os estabelecimentos prisionais no Brasil, bem como as

Delegacias de Polícia, que têm se tornado ambientes de cumprimento da pena

privativa de liberdade em virtude da superlotação daqueles, afrontando às

disposições legais pertinentes, apresentam ambientes insalubres, sem a devida

75

individualização dos tipos de presos, proporcionando a aproximação de perigosos

criminosos com infratores eventuais, proporcionando um cenário incapaz de

preservar a dignidade da pessoa humana.

A manutenção do atual sistema prisional no estado em que

se encontra é tarefa absolutamente impossível. Entretanto, a solução não

consiste em eliminar a pena privativa de liberdade do ordenamento jurídico

brasileiro, tampouco substituí-la, indiscriminadamente, por penas alternativas,

pois, como visto, a prisão desatende suas funções primordiais, não somente em

virtude da ineficácia do método, mas sim, em função de que sua aplicação não

respeita as regras mínimas estabelecidas pelo legislador ordinário, quiçá as

garantias constitucionalmente estabelecidas.

Nesta senda, a hipótese formulada restou confirmada,

porquanto a realidade atual do sistema penitenciário impossibilita a

ressocialização do apenado, em virtude da negligência do poder estatal e da

própria sociedade naquilo que tange à aplicabilidade das disposições contidas na

Lei de Execução Penal e das garantias asseguradas pela Constituição Federal.

Por derradeiro, registra-se que somente se aproximará da

solução desta problemática, quando houver efetivo desprendimento do Estado e

da sociedade, esta última exigindo e aquele atendendo aos anseios sociais, de

modo a dar a efetiva aplicabilidade aos direitos inerentes ao apenado com a

privação da liberdade, já que a pena de prisão mostra-se eficaz à ressocialização

do infrator, reeducando-o para o convívio social, desde que aplicada nos moldes

da Lei de Execução Penal, especialmente com os benefícios concedidos quando

do seu cumprimento, que visam adaptar o preso à vida em liberdade, sem

implicar em novo risco à paz social.

76

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