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Monografia de Conclusão de Curso de graduação, apresenta os efeitos da adoção de políticas liberalizantes no Chile, após o golpe militar que derrubou o governo Allende. Apresenta o panorama econômico do período pós e anterior ao golpe.
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Centro de Ciências Sociais e Aplicadas Curso de Ciências Econômicas
A LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL CHILENA DA DÉCADA DE 1970: ANÁLISE DE SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A
AMPLIAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES E PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO
Derisvaldo Santana da Cruz
São Paulo 2007
1
Derisvaldo Santana da Cruz
A LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL CHILENA DA DÉCADA DE 1970 : ANÁLISE DE SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A AMPLIAÇÃO DAS
EXPORTAÇÕES E PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO
Trabalho apresentado ao Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas.
Orientador: Prof. Dr. JOAQUIM CARLOS RACY
São Paulo 2007
2
À Dona Izabel, minha mãe.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, à evolução tecnológica. Apesar de não ser convencional,
não poderia deixar de mencionar a grande responsável pela consecução deste trabalho. Sem
ela, certamente este não seria desenvolvido, uma vez que exigiria grandes dispêndios em
viagens, visitas a bibliotecas, aquisição de materiais, e uma série de outras ações comumente
relacionadas a trabalhos sobre a economia de um país estrangeiro.
Como há inúmeros agentes que trabalharam para que eu pudesse usufruir as vantagens
que a tecnologia oferece, limito-me a agradecer ao processo, e que seja entendido como um
agradecimento a todas as pessoas nele envolvidas.
Agradeço aos professores da Universidade Mackenzie, principalmente a aqueles que, a
meu ver, se superaram na transmissão dos conteúdos de forma clara, pedagógica e inteligente.
Pela dedicação acima da média, agradeço aos professores Vladimir Maciel, Mônica
Kuwahara, Ricardo Amorim, Fábio Barbieri, e, especialmente, ao professor orientador, Dr.
Joaquim Carlos Racy.
Agradeço, também, ao professor das Faculdades Oswaldo Cruz, Dr. Luis Eduardo
Afonso, por ter significativamente contribuído neste processo de formação.
Agradeço aos meus colegas de classe, especialmente à equipe com a qual realizei a
maioria dos trabalhos: Alexandre Freire, Audrey Carlucci e Milena Campanha. Pelo espírito
de equipe e pelo firme desejo de superar expectativas em todas as tarefas.
Por fim, agradeço à minha família, destacando minhas irmãs que comigo conviveram
durante o período da graduação e, principalmente, minha mãe, que soube perceber, sem ter
lido nenhuma teoria de crescimento econômico, a importância do investimento em educação.
4
History is useful because it is a laboratory, in which time and chance have performed experiments that can confirm or reject our ideas.
Paul Krugman, 1998
5
RESUMO
O objetivo deste trabalho é avaliar o processo de liberalização comercial iniciado no Chile na
década de 70, e os efeitos desta medida no comportamento das exportações e no crescimento
econômico. Este objetivo pretende ser alcançado através do método hipotético-dedutivo,
utilizando-se de pesquisas bibliográficas e da abordagem quantitativa. A modificação da
situação econômica e política vigente no período imediatamente anterior ao início das
reformas só foi possível através da introdução de medidas consideradas radicais. A principal
característica do processo de abertura comercial chileno foi, sem dúvida, a uniformização das
tarifas de importação em 10 por cento e a eliminação da maioria das barreiras não tarifárias.
Palavras-chave: Liberalização. Economia chilena. Crescimento econômico.
6
ABSTRACT
The main concern of this dissertation is to evaluate the trade liberalization process initiated in
Chile in 1970 decade, and its effects in the behavior of the exports and in the economic
growth. This objective intends to be reached through hypothetical-deductive method, using
bibliographic research and quantitative approaches. The change in the economical and in the
political situation prevailing in the immediately previous period to the beginning of the
reforms it was only possible through the introduction of radical measures. The main
characteristic of the Chilean trade opening process was, without a doubt, the standardization
of the import tariffs in 10 percent and the elimination of most of the all non-tariff barriers.
Keywords: Liberalization. Chilean economy. Economic growth.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1
1 REVISÃO DAS TEORIAS PRÓ-LIBERALIZAÇÃO ........................................................ 4
1.1 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL ........................................... 6
1.1.1 O Modelo de Industrialização por Substituição de Importações ............................. 6
1.1.2 A Taxa de Proteção Efetiva ................................................................................... 8
1.1.3 Os Custos e as Justificativas para as Tarifas ......................................................... 9
1.2 ARGUMENTOS EM DEFESA DO LIVRE COMÉRCIO ........................................................... 12
1.2.1 Outros Argumentos em Defesa do Livre Comércio ............................................... 14
1.3 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DO CRESCIMENTO ECONÔMICO. ..... 15
1.3.1 Modelos Neoclássicos .......................................................................................... 15
1.3.2 O Modelo de Romer ............................................................................................. 16
1.3.3 O Modelo de Lucas .............................................................................................. 18
1.3.4 O Modelo de Jones .............................................................................................. 20
2. SITUAÇÃO ECONÔMICA CHILENA ATÉ 1973 .......................................................... 25
2.1 PANORAMA ................................................................................................................. 25
2.2 O CARÁTER SOCIALISTA DO GOVERNO ALLENDE ......................................................... 26
2.4 A POLÍTICA COMERCIAL NO GOVERNO ALLENDE ......................................................... 34
2.5 SINAIS DA CRISE ......................................................................................................... 35
3. O PROCESSO DE LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL CHILENO ................................. 39
3.1 O CONTROLE INFLACIONÁRIO E O AJUSTE FISCAL ........................................................ 40
3.1.2 O Papel da Política Cambial na Estabilização Monetária ................................... 42
3.2 PRINCIPAIS MEDIDAS DA ABERTURA COMERCIAL ........................................................ 43
3.3 A REJEIÇÃO AO GRADUALISMO ................................................................................... 46
3.4 A ESCOLHA PELO CONTROLE DE CAPITAIS ................................................................... 49
3.5 OS EFEITOS DA ABERTURA NA EXPANSÃO DAS EXPORTAÇÕES ..................................... 51
3.6 EFEITOS SOBRE O CRESCIMENTO ECONÔMICO .............................................................. 56
3.7 EFEITOS SOBRE A ALOCAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA......................................................... 61
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 67
1
INTRODUÇÃO
A economia chilena vem apresentando, desde a segunda metade da década de 80,
taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mais favoráveis que as de outros países
da América Latina. O comportamento de tal variável é comumente associado à alteração da
diretriz econômica adotada pelo Chile na década de 70, quando, ao contrário de outros países
da América Latina, que preferiram adotar uma estratégia de desenvolvimento baseada na
substituição de importações, com forte protecionismo comercial, o Chile abriu sua economia
para beneficiar-se das relações de comércio internacional.
A Liberalização Comercial é defendida por um amplo conjunto de trabalhos
econômicos que enfatizam a sua capacidade de promover a ampliação do comércio
internacional, contribuindo para a obtenção de acréscimos no bem-estar social e de maiores
taxas de crescimento da economia.
Os incentivos para a ampliação do volume de bens e serviços exportados, por seu
turno, são defendidos por aqueles que acreditam em sua capacidade de proporcionar ganhos
de escala e de eficiência, além de aumentar a possibilidade de ocorrência de transbordamentos
tecnológicos capazes de ampliarem as perspectivas de crescimento econômico.
Esta monografia pretende verificar, através de uma abordagem hipotético-dedutiva, os
efeitos da liberalização comercial promovida no Chile na década de 70, e as implicações da
ampliação das exportações em relação ao crescimento econômico e à redistribuição das
atividades produtivas. Será verificada a hipótese que associa a aceleração do crescimento
econômico chileno à ampliação das exportações.
Este trabalho será principalmente pautado nos métodos histórico e comparativo, com a
análise das situações econômicas existentes antes e depois das reformas. A pesquisa
bibliográfica será preponderante neste trabalho, mas observação da evolução das principais
variáveis econômicas permitirá a obtenção de uma análise quantitativa capaz de permitir, não
apenas uma visão mais objetiva dos fatos, mas uma interpretação um pouco diferente das
realizadas pelos autores estudados.
A análise do processo de liberalização da economia chilena, e dos incentivos para a
ampliação da capacidade exportadora, ganha especial importância devido ao pioneirismo em
2
que foi adotado na América Latina. Apesar deste tipo de estratégia já ter sido efetuada, com
sucesso, em alguns países asiáticos, ainda existem questionamentos quanto à viabilidade da
transposição das medidas, uma vez que, supostamente, a América Latina estaria gozando de
condições históricas, geográficas e culturais diferentes das existentes nos países asiáticos.
Estas diferenças poderiam, não apenas impedirem a obtenção de resultados
igualmente positivos, mas, principalmente, intensificarem os principais problemas existentes
na região, entre os quais, a significativa desigualdade na distribuição de renda.
Como o Chile possui muitas condições semelhantes às dos demais países da América
Latina, e, principalmente, dos demais países sul-americanos, aumenta a probabilidade de que
efeitos de medidas econômicas por lá adotadas também sejam verificados nos demais países.
Como os processos de ajustes econômicos tendem a promover uma retração da
economia nos primeiros estágios de sua implementação, os resultados de longo prazo já
identificados no Chile poderiam colaborar para incentivar a adoção de medidas
contracionistas de curto prazo, já que haveria menores riscos dos efeitos positivos do longo
prazo não se verificarem.
Portanto, caso seja identificada uma relação de causalidade entre o crescimento
econômico e a liberalização, a economia chilena poderia se tornar um estudo de caso capaz de
ser utilizado pelos defensores da liberalização comercial como um argumento da validade de
suas proposições, quando aplicadas em regiões com características semelhantes. E, mais do
que isso, como o Chile perseguiu uma estratégia semelhante à desenvolvida em alguns países
asiáticos economicamente bem sucedidos, a liberalização comercial passaria a ser sugerida,
não apenas para países com condições semelhantes, mas para todos os países desejosos de
uma estratégia de crescimento econômico.
O capítulo 1 inicia-se com um breve panorama da evolução do crescimento econômico
em alguns países selecionados, visando promover uma visão sobre em qual patamar de
desenvolvimento e de crescimento econômico a economia chilena estaria localizada. Em
seguida, é apresentada uma revisão dos principais argumentos contrários e favoráveis à
liberalização comercial, encerrando com uma apresentação das contribuições teóricas
destinadas à compreensão do crescimento econômico de longo prazo.
O capítulo 2 destina-se a apresentar o ambiente político e econômico vigente antes da
introdução das reformas. Apesar de enfatizar o período compreendido entre 1970 e 1973,
3
quando o Chile foi presidido por um chefe de estado declaradamente socialista, será feita uma
análise do comportamento de algumas variáveis entre 1960 e 1973. A necessidade de se
analisar a evolução das variáveis econômicas anteriores a 1970 foi devida ao fato do processo
do processo de socialização da economia ter se iniciado antes mesmo do governo que foi
deposto em 1973.
No capitulo 3, além da apresentação das principais alterações na condução da política
comercial, é feita uma análise de algumas medidas importantes relacionadas ao processo de
abertura. Em seguida, é apresentado um conjunto de variáveis que sofreram modificações
entre 1973 e 2000, com especial atenção na análise das implicações do crescimento das
exportações em relação ao crescimento da produtividade da mão-de-obra, ao crescimento
econômico e à reestruturação das atividades produtivas.
Por fim, são apresentadas as considerações finais.
4
1 REVISÃO DAS TEORIAS PRÓ-LIBERALIZAÇÃO
O programa de liberalização da economia chilena, iniciado na primeira metade da
década de 70, tem atraído a atenção de inúmeros pesquisadores nos últimos tempos,
principalmente interessados em verificar se o contínuo crescimento deste país, nas décadas de
90 e 2000, está relacionado com as reformas implementadas. Como se espera que reformas
estruturais sejam capazes de produzir efeitos positivos somente no longo prazo, com elevados
efeitos negativos no curto prazo, a distância temporal que separa os efeitos dos eventos atrai a
possibilidade de se encontrar, se houver, uma comprovação empírica da validade das
propostas voltadas para a promoção do crescimento econômico, a partir da liberalização das
relações comerciais.
A maioria das reformas implementadas no Chile, na década de 70, foi direcionada para
permitir que a economia obtivesse uma estrutura que privilegiasse os incentivos de mercado
na organização da sociedade, e estabilizasse os preços chaves da economia (FONTAINE,
1983), tais como a Taxa de Câmbio Real e a Taxa de Juros de Curto Prazo.
Uno de los pilares de la nueva estrategia de desarrollo del gobierno militar fue revertir la
situación abriendo la economía al exterior para aprovechar mejor las ventajas comparativas,
estimular nuevas exportaciones, someter a todos los sectores a la competencia externa y por
medio de ella controlar los monopolios internos, estimular la absorción de nuevas tecnologías,
mejorar la calidad de los productos, abrir nuevos mercados y modernizar los sectores no
transables. (HACHETTE, 2001, pg 295).
A avaliação do programa de abertura comercial, por seu turno, ganha especial atenção
por diversos motivos. Um deles está relacionado à tentativa de associar o crescimento
econômico chileno com a expansão das economias asiáticas nas décadas de 80 e 90. O
crescimento de tais economias é amplamente aceito como parte da estratégia de
desenvolvimento adotada por países, como a Coréia do Sul e Cingapura, de induzir o
crescimento por meio da expansão das exportações.
Por outro lado, países que preferiram uma estratégia voltada para o mercado interno,
apesar de terem apresentado um crescimento vigoroso em algumas etapas de seus programas,
apresentam, atualmente, uma situação de desenvolvimento econômico inferior à de alguns
países asiáticos, ainda que tenham possuído, praticamente, o mesmo estágio de
5
desenvolvimento no início do processo, conforme se observa no Gráfico 1.
1,00
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PNB/Capita 1950 PNB/Capita 2001
Figura 1 – Produto Nacional Bruto per capita de países da América Latina e da Ásia, em 1950 e 2001. Fontes: Para os dados de 1950, BHAGWATI, 1975, pg 12 e 13; Para os dados de 2001, World Development Indicators Database, Banco Mundial, 2003 Nota: Escala logarítmica
Tabela 1 – Crescimento das Exportações e do PNB em países selecionados.
Região e Economia Crescimento Anual do Volume de
Mercadorias Exportadas Crescimento Anual do
PNB per capita 1980-1994 1970-95
China 12,20 6,90 Hong Kong 15,40 5,70 Indonésia 9,90 4,70 Coréia 11,90 10,00 Malásia 13,30 4,00 Filipinas 5,00 0,60 Cingapura 13,30 5,70 Tailândia 16,40 5,20 Argentina 1,90 -0,40 Bolívia -0,30 -0,70 Brasil 6,20 2,50 Chile 7,30 1,80 Costa Rica 6,60 0,70 México 13,00 0,90 Peru 2,40 1,10 Uruguai 0,90 0,20 Venezuela 1,10 -1,10
Fonte: Banco Mundial e IPEADATA Elaboração: Vinod Thomas (et al.), 2002, pg 12.
Nota: O crescimento anual do PNB do Brasil foi calculado pelo autor, com base em dados do IPEADATA.
Uma das condições necessárias para a expansão das exportações é redução das
políticas comerciais protecionistas que utilizam imposições de tarifas, cotas, licenças ou
6
outros instrumentos alfandegários voltados para reduzirem o volume das importações.
A imposição de tarifas alfandegárias sobre produtos importados, ao reduzirem o
volume de bens importados, tende a promover a elevação do saldo da balança comercial.
Contudo, dado que a poupança e o investimento não se alteram apenas com esta política, a
ampliação do saldo positivo da balança comercial promove a elevação da Taxa de Câmbio
Real. A elevação da taxa de câmbio real, por sua vez, reduzirá as exportações até o nível em
que o saldo da balança comercial retorna ao equilíbrio existente antes da imposição da tarifa.
Portanto, tal política promove uma redução tanto das importações quanto das exportações,
reduzindo o volume de comércio (MANKIW, 2004. Pg. 92).
Deste modo, caso um país deseje ampliar o volume de comércio, e iniciar uma política
de crescimento econômico orientada pela expansão das exportações, a principal estratégia a
ser seguida seria a liberalização das relações comerciais internacionais.
1.1 Argumentos contrários à Liberalização Comercial
1.1.1 O Modelo de Industrialização por Substituição de Importações
Para compreender a estratégia de abertura comercial chilena, é necessário,
anteriormente, examinar a política de substituição de importações adotada até 1973, de modo
que seja possível estabelecer um panorama comparativo que nos permita perceber as
diferenças fundamentais das duas estratégias de desenvolvimento implementadas.
“Por cerca de 30 anos após a Segunda Guerra Mundial, as políticas comerciais em muitos
países em desenvolvimento foram intensamente influenciadas pela crença de que a chave para
o desenvolvimento econômico era criar um forte setor manufatureiro, e que a melhor maneira
de criar tal setor era protegendo os manufatureiros domésticos da concorrência internacional”.
(KRUGMAN; OBSTFELD, 2005. Pg. 191)
Um dos argumentos para adoção da estratégia de industrialização por substituição de
importações está relacionado com as etapas de desenvolvimento pelos quais uma economia
deveria passar antes de se tornar um país desenvolvido. Para os defensores desta estratégia, o
desenvolvimento possui etapas em quais os países passam de exportadores de produtos
naturais para exportadores de bens industrializados, e, em seguida, para exportadores de
serviços. A estratégia de desenvolvimento sugerida visava antecipar a etapa seguinte, fazendo
a economia passar de exportadora de recursos naturais para exportadora de bens
industrializados.
7
O modelo de industrialização por meio de substituição de importações começou a ser
adotado no Chile a partir da década de 1940, em substituição à política orientada para
exportações de produtos naturais e foi intensificada a partir da década de 1950 e 1960, sendo
avalizada por trabalhos da CEPAL1 que orientavam a adoção deste tipo de política (FISHER,
2001). Esta estratégia de desenvolvimento se tornou o “principal paradigma de desarrollo
desde los años cuarenta y mantenido por gobiernos de muy diversas tendências” (AGOSÍN,
1999, p. 81).
Programas de desenvolvimento baseadas na estratégia da Substituição de Importações
adotam a proteção comercial como principal medida de incentivo à produção interna
(KRUGMAN; OBSTFELD, 2005. Pg. 192). Tal proteção se efetiva principalmente através da
adoção de cotas de importações, licenciamentos, exigências de depósitos prévios e aplicação
de tarifas voltadas a desestimular as importações de bens produzidos internamente. Tais
mecanismos acabam por promover uma taxa de proteção efetiva muitas vezes superior às
tarifas aduaneiras, podendo gerar efeitos capazes de distorcer a alocação de recursos da
economia.
Para Castro (1992), “um de los aspecto más perniciosos de la tendencia estatista há
sido la fórmula de crecimiento ensayada: proteccionismo industrial excesivo para inducir la
sustitución de importaciones”.
Este mecanismo restringe a produção somente para a satisfação das necessidades
internas, impossibilitando o aproveitamento de economias de escala e alocando de forma
ineficiente os recursos produtivos, ao não permitir o aproveitamento das Vantagens
Comparativas do país.
O excesso de controle estatal também é capaz de gerar distorções ao incentivar os
empresários à aproximação com o governo, ao invés de se dedicarem à atividade produtiva, já
que é o poder discricionário do Estado que determina o sucesso ou o fracasso do
empreendimento. Altas tarifas de importação para determinados produtos beneficiam
diretamente os produtores internos destes produtos. Conseguir do governo a elevação das
tarifas de importação de seu produto tornou-se mais benéfico para o empresário chileno,
1 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, com sede em Santiago, Chile. São Estados-membros
todos os países da América Latina e do Caribe, além de Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França,
Itália, Japão, Holanda, Portugal e Reino Unido.
8
durante a vigência do período de intervencionismo estatal, do que implementação de um
modo de produção mais eficiente.
1.1.2 A Taxa de Proteção Efetiva
A taxa de proteção efetiva é a proporção do aumento no valor adicionado que as
indústrias domésticas conseguem obter, após a introdução de uma estrutura de tarifas, ou
outros mecanismos protecionistas, sobre produtos estrangeiros substitutos dos produtos da
indústria que se quer proteger (KRUGMAN; OBSTFELD, 2005. Pg. 143).
Tarifas incidentes somente sobre os produtos finais provocam uma taxa de proteção
efetiva geralmente superior à alíquota nominal do imposto2. Isto ocorre porque a alíquota
nominal incide sobre o valor total do bem, enquanto que o benefício efetivo para as indústrias
domésticas se traduz no aumento do valor adicionado motivado pela proteção. Um produto
vendido por $ 1.000,00, por exemplo, após a introdução de uma tarifa de 10% pode passar a
ser vendido por $ 1.100. Se o custo de produção deste produto for $ 900,00, a tarifa faz com
que os produtores domésticos passem a obter um valor adicionado de $ 200,00, 100%
superior ao valor adicionado anteriormente obtido de $ 100,00. Portanto, nesta indústria, a
tarifa de 10% gera uma proteção efetiva de 100%.
Em geral, as políticas de substituição de importações levam a tarifas que incidem
sobre os produtos finais, levando a economia a praticar taxas de proteção efetivas bastante
superiores às alíquotas nominais das tarifas.
O programa de desenvolvimento chileno baseado em substituição de importações não
fugiu à esta regra. Conforme se observa na tabela 2, a taxa de proteção efetiva média chegou a
168% em 1967, além de existir uma grande variedade de taxas para setores diferentes.
Os setores que possuíam as maiores taxas de proteção efetiva em 1975, no início do
processo de abertura comercial, eram os setores têxtil e vestuário. Estes setores foram os mais
fortemente atingidos pelo programa de redução do protecionismo comercial, impactando, até
1991, na substituição de 62,2% dos produtos nacionais por importados destes setores
(HACHETTE, 2003, pg. 315, citando CUADRA e HACHETTE, 1991).
2 Conforme observa Krugman, (2005, pg 84), embora seja raro, pode ocorrer o Paradoxo de Metzler, quando
9
Tabela 2 -Taxas de Proteção Efetiva nos principais setores de bens comercializáveis.
Setores 1961 1967 1975 1979
Agrícola e Florestal 145 -7 27 10
Produtos Alimentícios 217 365 105 10
Bebidas 164 -23 19 13
Tabaco 1 -12 68 11
Têxtil 462 492 138 16
Vestuário e calçados 318 16 164 14
Madeira 30 -4 93 15
Móveis 127 -5 58 11
Papel e derivados 49 95 114 17
Impressos 77 -15 75 12
Couro e derivados 325 18 98 13
Derivados de Borracha 137 304 55 15
Químico 107 64 53 13
Petróleo e derivados de Carvão -26 1.140 101 13
Minerais não-metálicos 179 1 87 14
Metais Básicos 74 35 86 17
Derivados de Metal 45 92 101 15
Máquinas não-elétricas 73 76 72 13
Máquinas elétricas 92 449 72 13
Média Aritmética Ponderada 133 168 90 13 Fonte: BEHRMAN (1967); e AEDO e LAGOS (1984), citados por HACHETTE (2000). Elaboração: HACHETTE (2000), com adaptações do autor.
1.1.3 Os Custos e as Justificativas para as Tarifas
As tarifas sobre importações impõem pelo menos dois tipos de custos econômicos: um
custo sobre a produção e um custo sobre o consumo. O custo na produção tem origem no fato
da imposição de tarifas sobre um bem específico promover elevação do preço interno deste
bem, já que este passará a sofrer uma menor concorrência com bens importados.
A depender da magnitude da tarifa, os preços internacionais se tornarão de tal maneira
pouco competitivos que os produtores locais passam a concorrer somente com os produtores
internos, igualmente beneficiados pela medida. Deste modo, passa a ser produzido,
internamente, bens a preços mais elevados que os internacionais, já que as tarifas permitirão
tarifas reduzem a proteção efetiva.
10
que empresas com estruturas de produção relativamente pouco eficientes pudessem ser
estabelecidas. O custo sobre o consumo é mais evidente, já que preços mais elevados reduzem
a possibilidade de aquisição do bem por uma parcela dos consumidores, reduzindo-se a
demanda interna pelo bem.
Apesar destes custos, há diversas justificativas para a adoção de tarifas cujos
benefícios seus defensores acreditam serem superiores às eventuais perdas geradas. Tais
justificativas foram utilizadas para legitimar os programas de substituição de importações na
América Latina e, ainda hoje, são utilizados por defensores de uma política de comércio
exterior mais restrita. Entre as justificativas, existe a do argumento da tarifa ótima, a da
necessidade de correção de desequilíbrios comerciais, a da necessidade de arrecadação de
impostos e a da necessidade de redução de distorções internas, como medida para corrigir a
persistência de baixas taxas de desenvolvimento econômico.
A tarifa ótima é mais comumente utilizada quando um país possui um poder de
monopólio sobre um determinado bem e deseja restringir o total de exportações para vendê-lo
a um preço mais elevado. Tal mecanismo foi utilizado pelo Chile, com o nitrato, pela
Alemanha, com o potássio e pela OPEP (Organização dos Países exportadores de Petróleo),
com o petróleo (CORBO, 1985). Contudo, são poucos os países que detêm poder de
monopólio e é exigido um elevado grau de coordenação entre os poucos países produtores
para que a tarifa ótima logre o efeito desejado.
A correção de desequilíbrios transitórios na Balança Comercial se dá com a
implantação de taxas mais elevadas sobre as importações quando a balança comercial
apresenta um déficit persistente. Com importações artificialmente mais caras, espera-se
reverter o desequilíbrio, até que a economia apresentasse os sinais de que seria capaz de se
ajustar automaticamente. O problema desta medida é o risco de que se torne permanente, pois
os setores beneficiados por ela terão alto incentivo para influenciarem decisões políticas
capazes de manterem indefinidamente as taxas. Para Vittorio Corbo3 (1985) seria mais
apropriado se houvesse um movimento de acumulação de reservas durante os períodos de
superávits comerciais, para que estas equacionassem os déficits dos períodos em quais as
importações totais superassem as exportações. Outro mecanismo defendido por Corbo foi a
adoção de um sistema de credito compensatório, gerenciado por um organismo internacional,
3 Vittorio Corbo é presidente do Conselho do Banco Central do Chile desde maio de 2003
11
como o FMI.
A justificativa da arrecadação de impostos somente é aceita em países que não
possuem uma bem desenvolvida burocracia arrecadatória dos demais impostos, de modo que
estes sejam suficientes para satisfazer as necessidades de gastos e investimentos do governo.
Apesar dos elevados custos, a facilidade na arrecadação de impostos de importação e de
exportação, em comparação aos demais impostos, acaba por incentivar tais países a optarem
por este mecanismo.
Um país pode desejar, também, incentivar o desenvolvimento de setores que ele julga
capazes de promover um crescimento mais sólido e estável da economia. Um dos argumentos
para a adoção de tarifas, além de outras barreiras alfandegárias, para se alcançar este objetivo,
é o argumento da Indústria Nascente. Este argumento se apóia na necessidade de se corrigir
falhas de mercado que eventualmente seriam capazes de impedir o desenvolvimento de
industrias locais. Krugman (2005, pg. 193), identifica duas principais falhas comumente
associadas a este argumento: A existência de mercados imperfeitos de capitais o problema
da apropriabilidade .
A primeira falha está associada ao fato dos produtores dos países em desenvolvimento
terem dificuldades adicionais para captarem recursos financeiros, uma vez que que os
mercados de capitais de seus países não estariam amplamente desenvolvidos. Como as suas
capacidades de investimentos limitadas pela geração de lucro, os naturalmente baixos lucros
iniciais impossibilitariam que tais firmas se desenvolvessem.
A segunda falha de mercado implica em reduções dos incentivos para o investimento
quando os benefícios individuais, absorvidos pelos investidores, são inferiores aos benefícios
sociais. O pioneirismo na implantação de indústrias gera externalidades que permitem que
novas firmas se instalem, sem incorrerem nos mesmos custos da firma pioneira. As firmas
pioneiras, apesar de beneficiarem as outras firmas, não recebem o retorno deste benefício,
reduzindo os incentivos para o investimento. O governo pode desejar proteger a industria
pioneira, de modo que o seu desenvolvimento seja capaz de ampliar o desenvolvimento
social.
As taxas e as outras barreiras alfandegárias serviriam para retirar as vantagens
superiores que os produtores estrangeiros eventualmente possuíssem em relação à indústria
local, até que a indústria local obtivesse economias de escala e eficiência operacional que a
12
permitisse competir em pé de igualdade com os produtos importados. Krugman, contudo,
considera que este argumento não se sustenta se for levada em consideração, em primeiro
lugar, a baixa capacidade dos agentes planejadores de antever, com exatidão, os setores
potencialmente capazes de adquirirem vantagens que permitiriam o desenvolvimento de
empresas capazes de competirem com as concorrentes internacionais. Em segundo lugar,
devido a interesses muito mais políticos do que econômicos, existe uma tendência para a
perpetuação da proteção destes setores, mesmo que estes jamais consigam desenvolver a
capacidade concorrencial necessária.
1.2 Argumentos em defesa do Livre Comércio
Desde os primeiros trabalhos da ciência econômica, a liberalização das relações
comerciais é apresentada como um importante mecanismo capaz de promover ganhos
superiores aos que seriam verificados em uma situação de autarquia4. David Ricardo, por
exemplo, apresentou as vantagens do livre comércio associando-o à sua capacidade de
otimizar a alocação de recursos produtivos ao permitir que países se especializem na produção
de mercadorias com as quais possuam vantagens comparativas (BLAUG, 1999. Pg. 257). Para
Ricardo, mesmo que países fossem capazes de produzir todas as mercadorias de forma mais
eficiente que os demais países, ele obteria ganhos de comércio ao se especializar na produção
das mercadorias em quais o custo de oportunidade da produção interna fosse inferior ao custo
de oportunidade dos outros países produzirem a mesma mercadoria. O custo de oportunidade,
no modelo ricardiano, é medido em termos de “necessidade unitária de trabalho” (Krugman,
Obstfeld, 2005, pg 9), uma vez que este modelo está baseado em uma economia de apenas um
fator de produção: o trabalho.
Muito embora seja pouco provável que possa ocorrer uma especialização extrema da
economia, com países produzindo e exportando apenas um único bem, o modelo ricardiano é
útil para dar os primeiros sinais sobre o destino dos setores produtivos existentes em um país
que adota um programa de liberalização comercial. O modelo pode indicar quais os setores
serão capazes de se expandirem ou contraírem, ao se observar as diferenças da produtividade
do trabalho de cada um dos setores.
A produtividade do trabalho é o valor médio do PIB (Produto Interno Bruto) divido
13
pela quantidade de trabalhadores. Este conceito, além de servir para indicar os setores capazes
de se desenvolverem após um programa de abertura comercial, é um importante indicador de
evolução tecnológica, uma vez que o seu crescimento indica o uso de tecnologias mais
eficientes na utilização da força de trabalho, o que permite a produção de novos bens e bens
de melhor qualidade (PINDYCK; RUBBINFELD, 2002. pg. 187).
É possível observar, na tabela 1, que o setor produtivo chileno de bens transacionáveis
possuidor de maior produtividade do trabalho era, até 1972, o setor de mineração e pedreiras.
Dentro deste setor, está incluída a indústria de mineração de cobre, mineral em que o Chile é
o maior produtor mundial, e o maior exportador.
Tabela 3 – Produto médio por trabalhador chileno nos setores produtivos.
Setor 1969 1970 1971 1972 1975
Total 0,095 0,097 0,104 0,102 0,081
Agricultura e Pesca 0,047 0,051 0,057 0,058 0,048
Mineração e Pedreiras 0,320 0,337 0,350 0,325 0,227
Indústria Manufatureira 0,096 0,098 0,108 0,105 0,103
Eletricidade, Gás e Água 0,232 0,262 0,380 0,280 0,228
Construção 0,095 0,096 0,084 0,068 0,083
Comércio 0,110 0,111 0,127 0,138 0,080
Transporte e Comunicações 0,061 0,064 0,055 0,054 0,066
Serviços Financeiros ... ... ... ... 0,181
Fontes: Instituto Nacional de Estadísticas (INE) e Banco Central de Chile
Elaboração: do autor.
Nota: Correspondem aos valores dos PIBs setoriais a preços constantes, expressos em milhões de Pesos de 1977,
divididos pelo total de trabalhadores em cada setor. O INE não calculou o total de trabalhadores no setor
financeiro até 1974.
O modelo de Ricardo indica, portanto, o setor capaz de se desenvolver mais
intensamente em uma situação de livre comércio. No entanto, ele não indica as razões que
fazem com que o setor indicado apresente as chamadas vantagens comparativas. É o teorema
de Hecksher-Ohlin (H-O) que amplia o modelo ricardiano, explicando que tais vantagens
estão relacionadas com a alocação inicial dos fatores de produção.
Segundo o Teorema de H-O, “um país exporta as mercadorias cuja produção é
intensiva nos fatores relativamente abundantes do país, e importa outros bens que usam
4 Situação de auto-suficiência de um país, em qual as relações comerciais internacionais são evitadas.
14
intensivamente o fator relativamente escasso desse mesmo país” (BLAUG, 1999. pg. 258).
Além do fator trabalho, presente no modelo de Ricardo, o Teorema de H-O inclui fatores de
produção como: Capital, Terra e Recursos Naturais.
Este teorema justificaria a condição de maior exportador mundial de cobre que possui
o Chile. O fator recurso natural, cobre, é abundante neste país. O deserto do Atacama, na
região norte do Chile, possui a maior reserva mundial deste minério.
1.2.1 Outros Argumentos em Defesa do Livre Comércio
Além dos argumentos implicados da análise do modelo de Ricardo e do Teorema de
H-O, a defesa do livre comércio, e da sua capacidade de ampliação do produto da economia,
pode ser feita a partir de argumentos que se dividem em “Argumentos Estáticos e Argumentos
Dinâmicos” (MOREIRA; CORREA, 1997, pg. 61-66).
São Argumentos Estáticos:
• Possibilidade de diversificação de produtos, aumentando o bem-estar do
consumidor;
• Ganhos de eficiência técnica produtiva, ao permitir que empresas tenham acesso a
bens de capital e insumos mais sofisticados;
• Aumento dos incentivos para que as firmas internas melhorem a capacidade
produtiva;
• Ganhos de escala, em função da ampliação do mercado;
• Redução do “Rent Seeking” ¸ permitindo que empresas reduzam os custos das
atividades lobistas;
São argumentos dinâmicos:
• Ampliação da possibilidade de Transbordamento Tecnológico, uma vez que os
empresários locais passam a ter acesso a tecnologias desenvolvidas em outros países;
• Aumento dos incentivos para a promoção de inovações tecnológicas;
• Redução dos custos médios dos programas de Pesquisa e Desenvolvimento,
15
permitida pela ampliação da escala de produção.
Entre os argumentos estáticos, encontra-se o da redução de “Rent-Seekers” como um
mecanismo indutor do crescimento econômico. Mais adiante, verificaremos que a atividade de
“Rent-Seeking” está associada ao ambiente institucional em qual a economia está inserida, e
que este ambiente pode ser modificado quando se adota uma estrutura institucional que
privilegie os incentivos de mercado.
Os argumentos dinâmicos apresentados estão associados às teorias de crescimento
econômico, que preconizam a importância do desenvolvimento tecnológico para com a
ampliação do crescimento econômico.
Portanto, um programa de liberalização comercial poderia ser capaz de promover
crescimento econômico, ao permitir que o principal determinante do crescimento de longo
prazo da economia, a tecnologia, flua com mais facilidade para os setores internos. Além
disso, poderia ser capaz melhorar o ambiente institucional, aumentando, ainda mais, a
eficiência produtiva.
A importância do desenvolvimento tecnológico e do ambiente institucional para com a
promoção do desenvolvimento econômico é apresentada logo a seguir.
1.3 Contribuições Teóricas para a Compreensão do Crescimento Econômico.
1.3.1 Modelos Neoclássicos
Segundo os modelos de desenvolvimento neoclássicos (JONES, 2000), os países com
baixo nível de renda per capita, os países relativamente mais pobres, tenderiam à
convergência para o mesmo nível de renda per capita dos países relativamente mais ricos,
desde que os primeiros possuíssem a mesma condição de equilíbrio de longo prazo que os
últimos, ou seja, que possuíssem o mesmo steady-state. Isso ocorreria porque os paises mais
pobres estariam mais distantes do steady-state e quanto mais afastados deste ponto de
equilíbrio, maior seria a taxa de crescimento do produto per capita da economia.
A condição de steady-state, entretanto, não seria a mesma para todos os países. Para
que esta condição se verificasse, seria necessário, segundo modelo de Solow (JONES, 2000),
que países pobres e países ricos possuíssem a mesma taxa de poupança, a mesma taxa de
16
crescimento populacional e a mesma disposição dos fatores de produção, alocados por um
mesmo nível de tecnologia. Satisfeitas estas condições, os países mais pobres cresceriam a
taxas mais elevadas que os países mais ricos, fazendo com que ocorresse, no longo prazo, a
convergência de suas rendas per capita.
O steady-state ocorre devido à presença de retornos marginais decrescentes do capital,
que levam a economia para uma condição em que o investimento per capita somente é
suficiente para manter constante o estoque de capital. Neste estado de equilíbrio, a taxa de
crescimento do produto per capita seria nula. Quando se incorpora a variável tecnologia no
modelo, a variação do produto per capita deixa de ser nula para corresponder à taxa de
crescimento da tecnologia. O chamado “motor do crescimento” seria, portanto, o
desenvolvimento tecnológico. Para Jones (2000), é justamente a tecnologia a variável que
seria capaz de explicar o contínuo crescimento dos países desenvolvidos.
O modelo de Solow, entretanto, considera este desenvolvimento tecnológico exógeno,
ou seja, adviria de fatores externos e não explicados pelo modelo de crescimento. Deste
modo, ele não explica os eventuais desencadeamentos das medidas voltadas para liberalização
da economia, e nem, portanto, os efeitos da abertura comercial. Ele serve, contudo, como uma
base para o desenvolvimento de modelos posteriores, que tentaram incorporar variáveis
explicativas para o crescimento tecnológico.
1.3.2 O Modelo de Romer
Paul Romer (1986, citado por JONES, 2000), ao analisar o crescimento econômico
das economias avançadas, desenvolveu um modelo de crescimento que tornou endógeno o
progresso tecnológico e passou a considerá-lo como um estoque de conhecimento que
cresceria de acordo com os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Estes, por
sua vez, se dariam de acordo com a capacidade de proporcionarem lucro econômico para
quem investisse. No modelo de Romer, aumentos na participação da mão-de-obra dedicada à
pesquisa levariam a economia para um patamar de steady state mais elevado.
Para Romer, a tecnologia, considerada como idéias que modificam a alocação dos
recursos produtivos, seria um bem “não-rival”, ou seja, a sua utilização por um agente não
impede a sua utilização por outro agente. Ao considerar a não rivalidade das idéias, Romer
conclui que esta situação implicaria em rendimentos crescentes à escala, já que a produção de
17
novos bens de mesma base tecnológica não implicaria em novos custos de desenvolvimento
da mesma idéia. Sem estes custos, ao se duplicar trabalho e capital, seria obtido mais que o
dobro de produto. Tal suposição leva Romer à constatação de que as economias são capazes
de crescerem indefinidamente, já que o steady-state, jamais seria alcançado. Com ausência de
steady-state, políticas que promovessem o crescimento de curto prazo, como a ampliação da
taxa de poupança, por exemplo, seriam capazes de aumentar a taxa de crescimento de longo
prazo. O produto per capita, deste modo, poderia crescer sem limites.
O modelo de Romer, portanto, não considera a possibilidade de ocorrência de
convergência das rendas per capita entre os países, já que os países ricos cresceriam mais que
os países pobres, bastando que, para isso, investissem um percentual maior de suas rendas.
Romer, contudo, assume a possibilidade de que a tecnologia, desenvolvida pelos países com
estoques de capital per capita mais elevado, poderia favorecer o crescimento dos demais
países através do “transbordamento tecnológico”, já que os agentes das economias mais
pobres poderiam aplicar as novas idéias, sem incorrerem nos custos de seu desenvolvimento.
Os países economicamente menores, mais afastados da fronteira tecnológica, seriam capazes
de crescer mais rapidamente que os países localizados na fronteira tecnológica, já que seriam
capazes de crescerem por meio de duas maneiras: ao acompanharem a expansão da fronteira
tecnológica e ao diminuírem a distância que os separam da fronteira.(JONES, 2000)
Os níveis de progresso tecnológico poderiam diferir entre os países, mas as taxas de
crescimento do progresso tecnológico poderiam ser as mesmas se fosse considerada a
capacidade das tecnologias fluírem para todos os países. O movimento de transferências
tecnológicas poderia se dar, por exemplo, por meio de publicações científicas, imigração de
cientistas e engenheiros ou através do comércio internacional. As transferências tecnológicas
favoreceriam o processo de convergência dos países para o mesmo nível de desenvolvimento,
se os países tivessem condições estruturais que permitissem absorverem as tecnologias
desenvolvidas e acompanharem o desenvolvimento das novas tecnologias.
O comércio internacional entra neste modelo ao permitir maiores possibilidades de
transbordamento tecnológico, e contribuir, indiretamente, para o crescimento econômico. De
certo modo, este modelo é utilizado pelos defensores da hipótese do crescimento induzido
pelas exportações, já que elas, juntamente com o crescimento das importações, ampliariam o
comercio internacional, garantindo que os agentes que operasse nos mercados voltados para o
exterior, absorvessem tecnologias desenvolvidas nos demais países. Os setores exportadores
18
poderiam desencadear um movimento de transbordamento interno que impulsionaria o
desenvolvimento de toda a economia. Contudo, o comércio não é o fator mais importante.
Mais preponderante que uma maior integração econômica internacional, a facilitação
da assimilação de novas tecnologias dependeria do estoque de capital humano, ou seja, da
quantidade de agentes capazes de aprenderem coisas novas. Para o modelo, o número destes
agentes seria tanto maior quanto maiores fossem os incentivos à qualificação.
Se forem os investimentos em qualificação os responsáveis pela ampliação do estoque
de capital humano, e se é este estoque que permite melhor aproveitamento do
transbordamento tecnológico, que induziria o crescimento econômico, pode-se, rapidamente,
associar o crescimento econômico à educação. Contudo, antes de se partir para a defesa da
ampliação dos gastos em educação formal , convêm avaliarmos se estes investimentos são
realmente capazes de melhorar a capacidade de assimilação de novas tecnologias.
1.3.3 O Modelo de Lucas
O modelo desenvolvido por Lucas (1993) defende o Capital Humano como sendo o
responsável pelo desenvolvimento econômico sustentado, porém, enfatiza a preponderância
do “learning by doing” - as qualificações que os agentes aprenderiam com a experiência -
sobre a qualificação formal na assimilação de qualificações necessárias ao aproveitamento do
transbordamento tecnológico.
No modelo de Lucas existem dois tipos de capitais: capital humano e capital físico.
Diferentemente do capital físico, que apresenta retornos decrescentes, o capital humano
apresenta retornos constantes, que fazem com que a função de produção também apresentasse
retornos constantes e fosse capaz de proporcionar um crescimento perpétuo para os países
(VERGARA, 1997).
A ampliação do capital humano poderia ser verificada de duas maneiras: através da
educação formal e através do, já mencionado, “learning by doing”. Nos primeiros trabalhos
de Lucas foi dada mais importância ao tipo de educação formal. Vergara (1997) lembra que o
modelo de Lucas, publicado no artigo “On the Mechanics of Economic Development”, de
1988, se baseia na educação formal já que a análise econométrica deste modelo fora realizada
com a utilização dos anos de estudo ou grau de analfabetismo como proxies da variável
19
capital humano, ou seja, variáveis de educação formal.
Contudo, a partir de 1993, no artigo “Making a Miracle” (1993), Lucas passou a dar
mais ênfase ao learning by doing quando, ao observar o comportamento das Coréia do Sul e
das Filipinas, verificou que ambas possuiam taxas de educação formal semelhantes no inicio
do período analisado, enquanto que as taxas de crescimento destes dois países apresentaram-
se bastante distintas. Lucas explicou esta diferença nas taxas de crescimento através das
diferenças observadas na variável learning by doing, que estaria relacionada com o processo
de abertura comercial que se deu em uma maior profundidade na Coréia, em relação ao
ocorrido nas Filipinas. Para Lucas, os filipinos preferiram adotar uma estratégia de
desenvolvimento “para dentro”, de substituição de importações, enquanto que a estratégia sul-
coreana se deu “para fora”, de incentivo às exportações.
“A constant returns (at the level of individual producing units) learning spillover technology is
equally consistent with fast and slow growth. [...] A second attraction of the learning spillover
technology is that it is consistent with the strong connection we observe between rapid
productivity growth and trade or openness”. (LUCAS, 1993, pg. 269)
O conceito learning by doing é diferente da assimilação tecnológica definida por
Romer. Em Romer, a convergência tecnológica se daria pelo processo de copiar idéias. Em
Lucas, não bastaria apenas que as idéias estivessem disponíveis, mas que houvesse
interatividades entre os agentes, de modo que os trabalhadores dos países menos
desenvolvidos aprendessem novas tecnologias ao realizarem tarefas com os agentes mais
experientes na utilização das mesmas (VERGARA, 1997).
Os paises que promovessem a abertura comercial, portanto, estariam, por um lado,
ganhando a escala necessária para o “aprender fazendo” e, ao mesmo tempo, permitindo a
aprendizagem de seus agentes, através do relacionamento com outros países.
Depreende-se do texto de Lucas que, muito embora os investimentos em educação
sejam importantes para facilitar a assimilação de novos conhecimentos tecnológicos, tais
investimentos seriam inúteis se não houver estruturas econômicas que permitam a
interatividade entre agentes de diferentes países, e, portanto, a possibilidade de ocorrência do
transbordamento tecnológico. A interatividade entre os agentes seria tanto maior quanto maior
fosse o grau de abertura da economia.
A abordagem de Lucas traz, em seu bojo, uma defesa da abertura comercial como um
20
processo facilitador da “aprendizagem através da prática”. Uma economia que adotasse
estratégias que inibisse o comércio exterior, tal como fizeram as Filipinas e a maioria dos
países da América Latina, estariam menos susceptíveis à absorção de tecnologias externas.
Economias abertas, portanto, seriam melhor capazes de diminuir a distância que as
separassem da fronteira tecnológica.
Robert Lucas dá menor importância aos fatores institucionais e à política
macroeconômica na explicação do desenvolvimento. Para Lucas, estes fatores afetariam
somente o nível de produto e, portanto, poderiam provocar crescimento somente no período
de transição para um novo estado estacionário, sem implicar em crescimento de longo prazo.
Apesar disto, Lucas admite que estes fatores seriam capazes de produzir efeitos no nível de
produto durante o período de transição, e este período, poderia, eventualmente, ser longo.
1.3.4 O Modelo de Jones
Charles Jones (1996), por sua vez, considera que os investimentos em capital humano
apresentam características semelhantes aos investimentos em capital físico, e que, portanto,
estes seriam mais volumosos quanto melhor forem capazes de proporcionar retornos positivos
para quem investisse.
A decisão de investir ou não em capital humano dependeria unicamente de uma
“análise custo-benefício”. Os custos e benefícios, tanto nos investimentos em qualificação,
quanto nos investimentos em capital físico, estariam relacionados com a Infra-estrutura do
país em análise, ou seja, com o ambiente econômico e institucional em qual os agentes
decidiriam alocar seus recursos (JONES, 2000).
Conforme observado, os modelos de crescimento econômico enfatizam o papel dos
investimentos em capital físico e em capital humano na promoção do desenvolvimento.
Maiores taxas de investimento em capital físico seriam capazes de, no curto e médio prazo,
promover maiores taxas de crescimento per capita e, no longo prazo, determinar para a
economia um nível de steady-state mais elevado. Os investimentos em capital humano, por
seu turno, ao favorecerem o desenvolvimento tecnológico, permitiriam que as taxas de
crescimento de longo prazo fossem mais elevadas.
Os modelos também explicam que os países com menor produto per capita seriam
21
capazes de alcançar taxas de crescimento mais elevadas que os países mais ricos, o que
resultaria na convergência de suas rendas per capita. Contudo, para que o processo de
convergência se verificasse, seria necessário que os países pobres possuíssem o mesmo ponto
de equilíbrio de longo prazo que os países ricos. Entretanto, conforme observa Jones (2000),
as evidências mostram que os países diferem muito entre si em relação às suas taxas de
investimento, o que significa dizer que, na realidade, eles não possuem o mesmo ponto de
equilíbrio de longo prazo. Jones, ao observar o comportamento das economias da OCDE5
percebeu que, pelo menos nestes países, é possível observar um ligeiro processo de
convergência de suas rendas per capita.
O modelo, desenvolvido por Jones (1996), com base nos trabalhos de Douglas North6
(1981, citado por JONES, 2000), enfatiza o papel da infra-estrutura no processo de decisão
por investimentos em um dado país e pretende explicar os motivos que levam os países a
terem taxas de investimentos distintas. Ao tentar responder sobre os motivos que fazem com
que países pobres invistam menos que os países ricos, o modelo apresenta a hipótese de que
as taxas de investimento dependam da Infra-Estrutura do país, representada por suas
Instituições.
O modelo mostra o papel da infra-estrutura no crescimento de longo prazo através de
uma análise de custo-benefício. Jones (1996), apresenta duas variáveis influenciadoras do
investimento: (i) F, que representa os custos de instalação, de alocação dos recursos e de
acumulação de qualificações e (ii) Π, que representa os benefícios do investimento, o valor
presente do fluxo de lucros anuais que o investimento é capaz de proporcionar, ou, também, o
valor presente do acréscimo de salário advindo do investimento em qualificações.
Aos considerar estas duas variáveis, haveria investimento se Π fosse maior ou igual a
F. Do contrário, se Π fosse menor que F, não haveria investimentos nem em qualificação
nem em capital físico.
Ou seja, os agentes somente investiriam em qualificação se o valor presente dos fluxos
dos acréscimos salariais futuros fossem maiores que os custos dos investimentos. Nestes
5 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. É formada por 30 países comprometidos com
a democracia e a economia de mercado. 6 Nobel de economia em 1993 por seus trabalhos sobre o papel das instituições na formação de uma estrutura de
incentivos capazes de influenciarem o desempenho econômico.
22
custos, seriam considerados, também, os custos de oportunidade relacionados ao tempo em
que os indivíduos passariam acumulando habilidades (JONES, 2000, pg. 117). Do mesmo
modo, os agentes somente investiriam em capital fixo se o valor presente descontado dos
lucros futuros fossem superiores aos custos da alocação de seu capital.
A Infra-estrutura seria incluída na determinação da magnitude destas variáveis. F não
seria determinado apenas pelos custos produtivos, mas, também, pelos custos originários da
burocracia e dificuldades para a realização do investimento. A disponibilidade insuficiente de
estruturas voltadas ao ensino poderia ser um dos fatores que elevariam os custos F. A
burocracia necessária para a abertura de uma empresa, ou para a permissão de
comercialização de seus produtos e serviços, tanto no país, quanto no exterior, também seriam
condições ampliadoras do custo F. Reformas educacionais capazes de ampliar a
disponibilidade de vagas, tanto na educação básica quanto no ensino superior e a
simplificação dos trâmites burocráticos para a aplicação de investimentos, poderiam reduzir o
custo F.
Outro importante fator de ampliação do custo F é o ambiente favorecedor da
corrupção. Quanto maior o tamanho da burocracia, maior a presença de indivíduos
incentivados a exigir propinas para agilizarem os procedimentos burocráticos, ou para
deixarem de impedir a livre aplicação dos investimentos. As propinas, ou simplesmente a
possibilidade de que estas sejam necessárias, aumentam os custos F. Investidores decidirão
ex-ante pelo investimento, portanto, somente a expectativa de ocorrência de tais custos é
suficiente para o desestímulo (JONES, 2000, pg. 119).
Já a variável Π, os benefícios do investimento, seria influenciada por três fatores: (i)
tamanho do mercado, (ii) ambiente favorável à produção e inibidor de desvios, e (iii)
estabilidade do ambiente econômico.
Quando considerados os benefícios do investimento em capital humano, o tamanho do
mercado, fator (i), torna-se importante para determinar o raio de atuação do individuo
qualificado. Maiores seriam as possibilidades de se encontrar empregos melhor remunerados
se considerada uma área geográfica maior. Serviços especializados necessitariam de clientes
não apenas da região em qual o investidor estaria localizado. Alguns investimentos,
principalmente os intensivos em trabalho qualificado, exigem grandes economias de escala
que permitam incentivos aos altos investimentos relacionados ao desenvolvimento, tais como
a industria de softwares e a de medicamentos. Economias pequenas, como é o caso da chilena,
23
poderiam não incentivar a aplicação destes investimentos se a demanda estivesse restrita ao
mercado interno. A extensão do mercado seria tanto maior quanto menos este estivesse
limitado às fronteiras do país. Portanto, a abertura da economia seria um importante
mecanismo voltado para a ampliação do mercado, e, portanto, para acréscimos no benefício
Π.
Em relação ao fator (ii), o ambiente favorável ao investimento em capital humano
estaria relacionado com a inexistência de entraves para a aplicação das qualificações
adquiridas. Estes entraves podem ser, por exemplo, uma legislação trabalhista que limita a
alocação dos profissionais melhor qualificados, ou determinações de entidades classistas que
restringem o livre exercício das qualificações.
O ambiente favorável ao investimento em capital físico seria aquele que permitisse um
bom grau de certeza de que os investimentos apresentariam o retorno esperado e que os
lucros, ou o patrimônio acumulado com o investimento, não seriam, em nenhum momento,
expropriados pelo governo. Portanto, um ambiente favorável seria aquele que possuísse boas
instituições e leis estáveis.
Em relação aos desvios, estes podem ser, por exemplo, os roubos, os pagamentos à
corrupção, os tributos confiscatórios, os litígios judiciais, os pagamentos a lobistas entre
tantos outros. Tais desvios reduziriam o retorno do investimento, pois aumentariam a
necessidade de se empregar mecanismos inibidores dos desvios, como advogados, contadores
e mecanismos de segurança. Para Jones (2000) tanto os ambientes favoráveis, quanto a
possibilidade de ocorrência de desvios, são condições influenciadas por ações do Governo, e,
portanto, este detém a responsabilidade de minimizar os desvios e maximizar a potencialidade
dos benefícios. Para Jones, em muitos países, o Governo é o agente do desvio, através da
tributação excessiva e do excesso de regulamentos e de trâmites burocráticos.
A instabilidade do ambiente econômico, fator (iii), pode tornar incertos os retornos
sobre os investimentos realizados, inibindo a sua aplicação. Taxas de inflação elevadas, taxas
de câmbio e de juros muito voláteis e susceptíveis à manipulação política são exemplos de
eventos inibidores do investimento. Estes eventos diminuem a capacidade de previsão dos
benefícios futuros, ou seja, a capacidade de previsão da magnitude da variável Π, ampliando
os riscos de que esta variável seja inferior à variável F.
Em resumo, as taxas de investimos seriam maiores em países em quais existissem: (i)
24
instituições e leis que favorecessem a produção e desestimulassem os desvios; (ii) instituições
estáveis, e (iii) uma economia aberta ao comércio e à concorrência externa. Países que
possuíssem o mesmo estoque de capital fixo, o mesmo nível de qualificação inicial e a mesma
taxa de crescimento populacional poderiam crescer a taxas diferentes de acordo com o
ambiente econômico em quais estivessem inseridos. Em economias com infra-estrutura
desfavorável, a destinação do capital não seria dada unicamente em investimentos produtivos,
o que faria com que tais países acumulassem menos.
“La calidad de las instituciones, definida en un sentido amplio, ha sido identificada como el
principal determinante del crecimiento en la reciente investigación internacional. Los grandes
cambios en el diseño y la calidad de las instituciones implementados en Chile durante las
últimas tres décadas son, por consiguiente, un candidato serio para explicar el mayor
crecimiento”.(SCHMIDIT-HEBBEL, 2006, pg. 9)
Até este momento, o modelo não é capaz de responder os motivos que fazem com que
os países possuam infra-estruturas diferentes, e porque alguns acabam por se tornarem países
com infra-estrutura extremamente desfavorável. Douglas North, (1981, citado por Jones,
2000) responde a esta preocupação ao relacioná-la ao princípio de que “os representantes do
governo são agentes que buscam seus próprios interesses e maximizam sua utilidade como
todos nós” (JONES, 2000). O objetivo dos líderes e representantes do governo não seria
maximizar o bem-estar da sociedade, mas o deles próprios.
Para Jones, “alterações fundamentais na infra-estrutura podem [...] gerar milagres ou
desastres de crescimento” (2000, pg. 127). Jones conclui o seu modelo afirmando serem,
atualmente, os milagres econômicos mais susceptíveis que os desastres de crescimento. Isto se
daria porque, segundo ele, “a sociedade está gradualmente descobrindo o tipo de instituição e
política que são propícias a um desempenho econômico bem sucedido, e estas descobertas
estão se difundindo gradualmente em torno do mundo” (2000, pg 130).
25
2. SITUAÇÃO ECONÔMICA CHILENA ATÉ 1973
2.1 Panorama
Assim como a maioria dos países da América Latina, desde meados da década de
1940, o Chile adotava uma estratégia de desenvolvimento baseada na substituição de
importações através de uma industrialização liderada pelo Estado (SCHMIDIT-HEBBEL,
2006). Contudo, não se verificou taxas de crescimento que justificassem os custos da
implementação desta estratégia. O crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) do
Chile entre 1940 e 1970 foi de apenas 3,7% ao ano, o que, em termos per capita
Correspondeu a cerca de 1,7% ao ano em média (EDWARDS7, 1984).
Durante este período, a inflação apresentou altas taxas, o déficit público era crescente,
houve redução do grau de abertura da economia, redução da poupança interna, elevação da
razão capital-trabalho, em um país cuja economia era pequena e intensiva em mão-de-obra e
ampliação da participação do cobre nas exportações totais.
Até inicio dos anos setenta, o Chile era considerado um país de economia fechada e
mono-exportadora. O cobre permanecia como principal produto exportado e chegou a
corresponder, em 1973 a 80% das exportações totais.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
Cobre Outras Tradicionais Não Tradicionais
Figura 2 – Participação relativa do Cobre nas exportações totais Fonte: Banco Central de Chile
7 Sebastian Edwards, um dos autores mais citados neste trabalho, trabalhou para o Banco Mundial como
Economista Chefe para a América Latina e o Caribe, entre 1993 e 1996. Exerceu também funções no Banco
Interamericano de Desenvolvimento, na OCDE, e no FMI.
26
A análise da evolução das exportações entre 1960 e 1973 parece indicar que as
políticas protecionistas iniciadas nas décadas anteriores foram as responsáveis pela redução da
diversificação das exportações. Em 1960, a participação do cobre correspondia a 68% das
exportações totais, e apresentou, durante a década seguinte, um movimento crescente.
O aumento da participação relativa do cobre se deu, sobretudo, pela redução das
exportações dos produtos não tradicionais, tais como produtos agrícolas em geral e produtos
alimentícios industrializados, com exceção de farinha de peixe. Entre 1970 e 1973, houve
uma queda de 11,3% nestas exportações, conforme se observa na tabela 4. Além disso, a
exportação de bens tradicionais, como farinha de peixe, molibdênio, ferro e celulose,
amargaram uma queda de 8 % entre 1970 e 1972, chegando a corresponder a um valor, em
dólar corrente, inferior ao verificado em 1965.
Tabela 4 – Exportações por tipo de produto. Chile: 1970-1973. Em milhões de dólares correntes. 1970 1971 1972 1973 Variação 70-73
Exportações FOB 1.111,9 998,6 849,2 1.309,1 17,7%
Tradicionais
Cobre 839,8 701,2 618,2 1.048,7 24,9%
Outras tradicionais 154,6 170,3 142,2 156,2 1,0%
Não Tradicionais 117,5 127,1 88,8 104,2 -11,3% Fonte: Banco Central de Chile
2.2 O Caráter Socialista do Governo Allende
O programa de governo de Allende possuía um caráter declaradamente socialista, mas
este caráter de sua política econômica não era inteiramente novo no Chile, já que desde a
segunda metade da década de trinta, os governos que se sucederam procuraram conduzir a
economia de forma diversa da que orienta os preceitos da economia de livre mercado
(CASTRO, 1992).
Segundo o enfoque socialista, o crescimento econômico e o controle inflacionário, em
um ambiente de justiça social, poderiam advir da expropriação dos monopólios e latifúndios e
a destinação de seus excedentes para investimentos sociais e para a redistribuição da renda.
27
(Castro, 1992. Pg. 28-29). Além disto, este enfoque prega o intervencionismo estatal para
discricionar a alocação dos recursos produtivos e manipular as variáveis econômicas, o que,
em geral, conduz o Estado para o desenvolvimento de uma ampla burocracia que garanta a
aplicação dos interesses do governo.
Castro (1992, pg. 30) enumera, como medidas estatais de manipulação da atividade
econômica: o controle dos preços dos bens de consumo, a determinação da taxa de juros e a
fixação da taxa de câmbio.
A fixação da taxa de câmbio, por sua vez, com a moeda local valorizada para
incentivar a importação de bens mais baratos, tende a prejudicar o setor exportador e provocar
déficits na Conta Corrente. A taxa de câmbio foi fixada em 10,21 Escudos8, em Julho de
1970, permanecendo neste valor até novembro de 1971. A partir desta data, o governo passou
a praticar minidesvalorizações na taxa de cambio, diante da necessidade de ajustar a taxa ao
comportamento da inflação.
0,00%
0,50%
1,00%
1,50%
2,00%
2,50%
3,00%
3,50%
197
0Jan
197
0Jul
197
1Jan
197
1Jul
197
2Jan
197
2Jul
197
3Jan
197
3Jul -
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
300,00
350,00
400,00
Indice de preços Taxa de Câmbio Nominal
Figura 3 –Evolução do Índice de Preços ao Consumidor e da Taxa de Câmbio nominal. Chile: Janeiro de 1970- Setembro de 1973. Fonte: Banco Central de Chile. Elaboração: Autor Notas: Índice de preços ao consumidor: dezembro de 1998 = 10.000%. A taxa de Câmbio está expressa em Escudos por Dólar corrente.
O congelamento de preços dos produtos básicos, quando os mesmos são mantidos
abaixo do preço que equilibraria a oferta e a demanda, tente a provocar escassez de produtos,
8 Moeda legal chilena até dezembro de 1974, quando foi substituída pelo peso.
28
pois diminui os incentivos para a produção e aumenta os incentivos para o consumo9.
A figura 3 indica claramente a fixação da taxa de cambio e o controle de preços até,
pelo menos, o primeiro semestre de 1973. Após este período o governo perdeu o controle
destes dois preços chaves da economia.
É possível observar, na figura 4, que a variação da produção industrial em alguns
setores, apresentou uma tendência declinante, principalmente após 1971. Observa-se que a
industria de produção de alimentos não apresentou um desempenho que, pelo menos,
compensasse a variação do crescimento populacional. Por outro lado, a indústria de bens
considerados supérfluos, como a de bebidas e a de fumo, foram as que apresentaram o melhor
desempenho.
Figura 4 – Variação do Índice de Produção Industrial em setores selecionados. 1968=1 Chile: 1968-1973 Fonte: Instituto Nacional de Estadísticas
Além do baixo desempenho da indústria produtora de alimentos, houve uma
expressiva redução do número de cabeças de gado abatidas entre 1970 e 1973. Observar o
comportamento deste tipo de produto em particular, é interessante por que, em crises de
escassez, a ausência de carne nos supermercados é, em geral, mais perceptível pela população.
Tal fato costuma estimular ações por parte dos governantes, que acabam intensificando o
processo de escassez.
9 Para uma análise mais detalhada do comportamento do mercado após a adoção de uma política de controle de
preços, veja PINDYCK, R. e RUBINFELD, D.L., (2002) Págs. 53-55.
29
É possível observar, na figura 5, que o número total de cabeças de gado abatidas em
1973 correspondeu a menos da metade do total de cabeças abatidas em 1970.
Figura 5 – Quantidade total de cabeças de gado bovino abatidas. Chile: 1968-1973 Fonte: Instituto Nacional de Estadísticas
Além do controle de preços e da fixação da taxa de câmbio, políticas de cunho
socialistas tendem a manipular a taxa de juros para incentivar a ampliação do crédito. Entre
outros efeitos, a manipulação das taxas de juros, para incentivar a ampliação do crédito,
diminui a poupança e o investimento, reduzindo, com isso, a possibilidade de crescimento
econômico por meio da acumulação de capital, tornando o crescimento do produto
insuficiente para satisfazer a ampliação da demanda por bens finais. Além deste efeito, taxas
de juros artificialmente baixas tendem a aumentar os incentivos para a substituição da mão-
de-obra por bens de capital, já que ocorre um efeito de redução do custo relativo do capital
(MELLER, 1996).
Estes movimentos poderiam significar elevações nos índices de preços ao consumidor.
Contudo, a associação com outras políticas, como o controle de preços e a facilitação para a
importação de bens essenciais, pode reduzir a pressão inflacionária. A escassez interna, com a
manutenção da demanda aquecida leva, naturalmente, a um aumento das importações para
compensar o hiato entre a oferta e a demanda.
Conforme se observa na figura 6, a ampliação do déficit comercial, juntamente com a
30
variação negativa dos estoques, permitiram que houvesse um expressivo aumento do consumo
das famílias.
A figura 6 também demonstra o comportamento de duas outras importantes variáveis:
os gastos do Governo e os investimentos. O contínuo crescimento dos gastos do Governo é
acompanhado pela estabilização e posterior redução dos gastos em capitais fixos.
Figura 6 – Evolução do gasto do produto, a preços constantes. Chile: 1960-1973
Fonte: Banco Central de Chile. Elaboração: Autor
Notas: O consumo corresponde ao gasto final das famílias e instituições sem sins lucrativos; O investimento
corresponde à Formação Bruta de Capital Fixo; Em Outros, estão incluídos o saldo da balança comercial,
exportações menos importações, acrescido da Variação de Estoques.
Cornejo-Arellano10 (1972) definiu a gestão administrativa do governo Allende como
um governo popular, democrático, nacionalista e revolucionário, com o propósito de demolir
o sistema capitalista e construir as bases de uma sociedade que oferecesse a todos os chilenos
as mesmas oportunidades. Os partidos da Unidade Popular assumiram o compromisso, antes
das eleições, de: (i) expropriar as possessões estrangeiras, (ii) liquidar o latifúndio e (iii)
destruir o poder da burguesia (CORNEJO-ARRELLANO, 1972).
Para os formuladores do projeto de governo da Unidade Popular, eram muitos os
motivos que faziam com que a economia chilena não se desenvolvesse, exigindo uma reforma
31
revolucionária que fizesse com que tais problemas fossem definitivamente extirpados. Entre
os quais, Cornejo-Arrellano cita, como exemplos, o excesso de dependência do capital
externo, a concentração excessiva da propriedade e do poder econômico e financeiro, a
distribuição injusta da renda, as altas e crescentes taxas de desemprego e o fato de grandes
parcelas da população não terem acesso aos benefícios que o progresso econômico fornecia.
Para solucionar tais problemas, o programa de governo da Unidade Popular propunha,
entre outras medidas: (i) a nacionalização dos minérios, principalmente a do Cobre, em que o
Chile é o maior produtor mundial; (ii) a intensificação da reforma agrária, que já havia sido
iniciada no governo de direita de Jorge Alessandri e ampliada no governo do Democrata
Cristão Eduardo Frei Montalva11 e (iii) a estatização dos bancos privados.
Em resumo, o objetivo do governo seria, nas palavras de Cornejo-Arrellano (1972)
“ reorientar la producción hacia las necesidades de los grupos menos favorecidos por la
redistribución del ingreso".
Neste intento, Allende, em sua estratégia de modificar as relações de propriedade e
garantir o controle, pelo estado, dos recursos produtivos e creditícios, realizou, entre algumas
das primeiras medidas: a nacionalização da atividade mineradora, a estatização dos bancos
privados, a intervenção nos monopólios produtivos e a intensificação da reforma agrária, que
passou a ter como objetivo a promoção da “expropriação total do latifúndio” (CORNEJO-
ARRELLANO, 1972). A criação da CODELCO (Corporacíon Nacional del Cobre de Chile)
em 11 de julho de 1971, foi resultado da nacionalização das empresas mineradoras
estrangeiras que atuavam no território chileno.
Além da atividade mineradora de cobre, foram nacionalizadas as minerações de
salitre, aço, ferro, carvão e cimento. O estado chileno também passou a deter a principal
companhia aérea12, a empresa de petróleo13 e, através da CORFO (Corporación de Fomento
de la Producción), passou a controlar outras centenas de empresas, a maioria nacionalizada
após enfrentarem dificuldades econômicas. A CORFO é um organismo do Estado voltado à
10 Ex-deputado pelo Partido Radical entre 1967-1961. Participou da coligação que elegeu Allende em 1970. 11 Foi sucessor de Alessandri, governando o Chile até 1970. Nestas eleições, apoiou o candidato Radomiro
Tomic, que obteve apenas 27% dos votos. A posição dos Democratas Cristãos, na ratificação das eleições pelo
Congresso, foi fundamental para a eleição de Allende.(SADER, 1991) 12 A Lan-Chile, privatizada em 1994.
32
promoção do desenvolvimento industrial, através de financiamentos ou participação direta nas
indústrias. No Governo Allende, passou a ser a responsável pelo gerenciamento das mais de
500 empresas estatizadas.
Patrício Meller (1996, pg. 150) sustenta que, muito embora as nacionalizações tenham
seguido os ritos constitucionais, o governo utilizou-se de artifícios, como controle de preços e
de divisas, intervenções diretas, negligência para com a realização de greves e ocupações de
fábricas e terrenos, que acabavam depreciando o valor dos empreendimentos, antes destes
serem vendidos ao governo. Ademais, o governo, ao estatizar o setor financeiro e inibir,
indiretamente, a entrada de investimentos estrangeiros, aumentou o poder de influência sobre
o sucesso dos empreendimentos privados, já que passou a dominar a disponibilidade de
capitais para financiamentos produtivos. Ao final de 1973, havia 200 empresas estatais e
outras 325 empresas privadas que sofreram intervenção do estado. A participação da produção
das empresas estatais chegou a corresponder, em 1973, quase 40 % do PIB (PAREDES, 2000,
pg. 158).
Conforme advertiu Cornejo-Arellano,
“Sería absurdo pensar que el paso de una economía de libre empresa a una economía
planificada y dirigida por el Estado o de una sociedad capitalista a otra de estructura
socialista, pudiera realizarse sin discrepancias.”(1972, pg 8).
A expansão da demanda, com a utilização dos instrumentos de política monetária e
com o direcionamento dos investimentos das empresas estatais, permitiu que se alcançasse,
em 1971, resultados expressivos de crescimento do PIB e de redução do desemprego. Ao final
de 1971, primeiro ano do governo, o consumo das famílias crescera 11%, o desemprego havia
caído para 3,8% da população economicamente ativa, e o PIB crescera 8,5% em relação a
1970 (COUSIÑO, 2001). O gasto público total passou de 28,1% do PIB em 1971 para 32,4%
do PIB em 1972 e 44,7% em 1973 (EDWARDS, 2001).
O crescimento da demanda fora favorecido, também, pelos aumentos salariais, que
foram reajustados, em média, 54% em 1971, pelo congelamento dos preços dos bens
considerados essenciais e pela fixação da taxa de câmbio em um nível valorizado. Apesar da
13 A Empresa Nacional del Petróleo (ENAP), que fora criada, pelo Estado, em 1950.
33
expansão da demanda e da expansão monetária, não houve um surto inflacionário no primeiro
ano, tendo a inflação reduzida de 34,9% em 1970 para 22,1% em 1971 (EDWARDS, 2001).
34
2.4 A Política Comercial no Governo Allende
Para Agosín, (1999, pg. 88), “em aquella época [até 1973] la política comercial podia
describirse como caótica”. Havia 57 diferentes tarifas de importação que variavam de zero a
220%, correspondendo a uma tarifa média de 94%. Um grande número de medidas não-
tarifárias, tais como depósitos prévios, proibições de determinados produtos e
contingenciamento de outros, dificultavam o desembaraço aduaneiro.
Além destes, outro importante empecilho às importações era o sistema de taxas
múltiplas de câmbio, em que o governo fixara oito diferentes taxas cambiais, cuja amplitude
entre a mais baixa e a mais alta chegava a uma diferença de 10 vezes.
Agosín (1999) alega que, diferentemente do período em que se começou a adotar a
proteção comercial como um mecanismo indutor de substituição de importações, entre 1971 e
1973, não havia o interesse pelo crescimento econômico e pela diversificação da pauta
exportadora. Havia somente o interesse de garantir o abastecimento de bens essenciais para a
população, sem ampliar ainda mais o déficit da balança comercial.
O governo da Unidade Popular, preocupado em amenizar o déficit na balança de
pagamentos, aumentou as tarifas de importações de alguns produtos, visando frear seu
consumo. A escolha dos produtos que teriam suas tarifas de importação majoradas e que
seriam importados a taxas de câmbio menos incentivadoras, se deu com base no critério da
essencialidade. Ao assim proceder, o governo passou a efetuar uma proteção comercial
efetiva aos produtores locais de bens supérfluos. Como resultado, criaram-se incentivos para a
produção de tais bens, mesmo com os custos de sua produção superiores aos custos
internacionais, e com tipo de produção intensiva em capital, fator relativamente escasso em
relação ao fator mão-de-obra.
Já em relação aos produtos considerados essenciais, a combinação de câmbio
valorizado, baixas tarifas de importação e controles de preços, desestimularam os setores
produtores, principalmente o agrícola. A produção agrícola de alimentos apresentou um
processo de estagnação já a partir de 1971, com um volume de produção inferior ao que fora
obtido em 1936 (Castro,1992). Tal desequilíbrio fora compensado com a ampliação dos
incentivos à importação de bens essenciais.
A importação de alimentos, por exemplo, que perfazia uma média de US$ 100 milhões
entre 1965 e 70, passou a mais de US$ 450 milhões em 1972 e para US$ 600 milhões em
35
1973.
Tabela 5 – Importações por tipo de bem, em US$ Milhões.
1970 1971 1972 1973 Variação
1970-1973 Importaciones CIF -956,0 -1.014,9 -1.102,6 -1.447,4 51,4% Alimentos 135,5 192,2 317,9 511,6 277,6% Consumo não alimenticio 99,3 89,5 138,9 139,1 40,1% Bens Intermediários não alimentícios
445,0 485,2 460,2 553,4 24,4% Bens de Capital 276,2 248,0 185,6 243,3 -11,9%
Fonte: Banco Central de Chile
2.5 Sinais da Crise
A partir de 1972, a expansão da demanda de 1971 já foi capaz de produzir efeitos
inflacionários. Em agosto de 1972, os preços que estavam congelados foram reajustados entre
30% e 200%. Este primeiro movimento de reajuste deu inicio a uma espiral inflacionária que
levaria a economia a apresentar uma taxa de inflação de 487,5% em 1972 e 605,9% em 1973
(EDWARDS, 1984). O congelamento de preços incentivou o surgimento de um amplo
“mercado negro”, diante da escassez dos produtos básicos.
Esta escassez de bens - um claro sinal de desequilíbrio do mercado, já que os preços
estavam mais baixos que o suficiente para estimular a produção na quantidade adequada para
suprir as necessidades da demanda - foi interpretada, por partidários do governo Allende,
como um boicote das classes produtoras às reformas sociais pelo governo implementadas.
Dados da CEPAL (2005) indicam que a variação média do índice de preços ao
consumidor da região da Grande Santiago e dos municípios de Puente Alto e San Bernardo
chegou a 362,6% em 1973, correspondendo a uma taxa média de 210,5% em 5 anos.
Tabela 6 – Variação do Nível Geral de Preços ao Consumidor na região da Grande Santiago
Período Inflação % 1971 19,4 1972 82,2
1973 362,6
1974 503,9
1975 374,7
1970-1975 210,5
Fonte: CEPAL (2005)
36
Escassez de bens essenciais e a inflação elevada são, para Cousiño, “las dos bestias
negras del populismo” (2001), já que afetam diretamente as camadas sociais mais pobres.
A escassez de bens incentivou o governo a promover a importação de alimentos
através de instrumentos política comercial que iam desde a concessão de tarifas menores para
bens considerados essenciais, até o estabelecimento de taxas cambiais mais valorizadas,
quando a aquisição da moeda estrangeira fosse destinada à esta finalidade.
A valorização da moeda, com o intuito de promover a redução dos preços internos dos
alimentos, possuía um grande apoio popular, não diferindo dos efeitos da maioria das
políticas que ampliam a demanda das classes de menor renda. Contudo, a valorização
artificial da moeda, ao incentivar o aumento das importações e a redução das exportações,
promoveu déficits na balança de pagamentos, aumentando o endividamento do governo,
reduzindo as reservas internacionais e aumentando a base monetária.
Os déficits fiscais, situados em torno de 2,9% do PIB em 1970, passou para 24,6% do
PIB em 1973.
A taxa de crescimento do M114, que em dezembro de 1971 foi de 110% em
comparação ao volume de dezembro 1970, passou para, em dezembro de 1973, 317% em
relação à dezembro de 1972 (EDWARDS,1984, pg 9).
157
258
194
108
57
9
-60
6567
272
317
110
-80
-30
20
70
120
170
220
270
320
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982
Variação M1
Figura 7 – Evolução da taxa de crescimento do M1 (%). Chile: 1971-1982
Fonte: EDWARDS (1984), com dados da International Financial Statistics. Elaboração: autor
14 Agregado Monetário correspondente ao papel moeda em poder do público, mais depósitos à vista e outros
depósitos descontáveis. De acordo com a Teoria Quantitativa da Moeda, é justamente o crescimento da oferta
monetária que determina a taxa de inflação. (MANKIW, 2004, pg. 59).
37
A taxa de crescimento do PIB real per capita fora negativa em 2,31% em 1972 e em
1973 apresentou uma queda ainda mais expressiva, de 6,38%.
2,56
0,99
7,26
-2,31
-6,38
1,24
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
1969 1970 1971 1972 1973 1974
Figura 9 – Taxa de crescimento do PIB real per capita a preços constantes. Chile: 1969-1974 Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006 Elaboração do autor
O investimento interno bruto caiu 7,7% já em 1971. A participação relativa dos
investimentos no PIB real per capita variou de 19,76% do PIB em 1970 para 11,87% do PIB
em 1973, uma queda de quase 40% em três anos.
Como discutido no capítulo 1, as taxas de investimento em capital físico são as
determinantes das taxas de crescimento do produto per capita no curto e no médio prazo,
além de estabelecerem, no longo prazo, um nível de estado estacionário mais elevado
(JONES, 1996).
48,51
29,67
58,14
64,23
20,11 21,2417,82
20,59
11,87
0
10
20
30
40
50
60
70
1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974
C/PIB G/PIB I/PIB
Figura 10 – Participação relativa do Consumo (C), Gastos do Governo (G) e Investimentos (I) em função do PIB real per capita a preços correntes. Chile: 1969-1974. Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006 Elaboração do autor
38
Em termos de crescimento anual, a queda mais expressiva da particiapação relativa
dos investimentos no PIB se deu em 1971, com queda de 28,17%.
A queda na taxa de investimento fora interpretada, pelos defensores da política
econômica da Unidad Popular, como resultado da “campaña del terror” das classes
empresariais e de organismos internacionais, que tentavam “desfigurar” o caráter
supostamente democrático do Governo, e que conseguiram afastar afastar a confiança dos
investidores (CORNEJO-ARRELLANO, 1972, pg. 3-10). Como agravante, além de ter
havido diminuição da ajuda estrangeira de organismos internacionais que o Chile comumente
recebia, foram bloqueadas todas as linhas de crédito de bancos norte-americanos.
78,94%
-28,17%
-7,27%
-30,00%
-5,00%
20,00%
45,00%
70,00%
1969 1970 1971 1972 1973 1974
C/PIB G/PIB I/PIB
Figura 11 – Variação anual da participação relativa do Consumo (C), Gastos do Governo (G) e Investimentos (I) em função do PIB real per capita a preços correntes. Chile: 1969-1974. Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006 Elaboração do autor
A crise econômica, associada ao recrudescimento da violência provocado pela
ampliação do radicalismo nas ações da extrema-esquerda e da ultra-direita chilenas, culminou
no golpe militar de 11 de setembro de 1973, quando morre Salvador Allende no palácio
presidencial de La Moneda e assume uma junta militar chefiada pelo general Augusto
Pinochet para um mandato que se estenderia até 1990.
39
3. O PROCESSO DE LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL CHILENO
Em 11 de setembro de 1973, após um golpe de Estado que culminou na morte do
Presidente Salvador Allende, as forças armadas tomaram o poder e passaram a impor
alterações na condução da economia que visavam a adoção de políticas e instituições baseadas
nos incentivos do mercado (SCHMIDIT-HEBBEL, 2006). As reformas possuíam o intuito de
promover uma maior integração da economia chilena com o resto do mundo e foram
efetuadas a partir de uma decisão política que desejava permitir, ao mercado, a tarefa de guiar
a maioria dos eventos econômicos (EDWARDS, 1984).
O início do Programa de Abertura Comercial data deste período, com a adoção de
diversas medidas voltadas para racionalizar as relações de comércio, como a implementação
de uma brusca redução tarifária, o equacionamento da dispersão das tarifas e a redução da
maioria das barreiras não-tarifárias, como a do sistema de quotas e a do licenciamento de
importações.
As implicações econômicas relacionadas à Abertura Comercial não se resumem a
modificações positivas. Pelo menos no primeiro decênio após o inicio da abertura, a
ampliação do desemprego, o alargamento da desigualdade e as oscilações abruptas no nível
do produto da economia, podem, em parte, serem creditadas à liberalização. Contudo,
concomitantemente à abertura comercial, foi adotada uma série de medidas que intensificou
alguns efeitos recessivos que seriam esperados. Duas destas medidas recessivas foram o
controle inflacionário e o ajuste fiscal.
Como as medidas destinas a combater a inflação e reduzir o déficit do governo
apresentaram profundas modificações no nível dos primeiros estágios da reforma comercial,
será feita uma apresentação das principais medidas, com intuito de retirar a possibilidade de
associação de todos os eventos econômicos unicamente à abertura comercial. Naturalmente,
outras medidas como a reforma da previdência, a reforma trabalhista e as privatizações
também influenciaram as variáveis que pretendemos relacionar. Apesar de serem úteis para
uma melhor compreensão da realidade econômica e institucional chilena, a apresentação de
todas as medidas fugiria ao escopo deste trabalho.
40
3.1 O Controle Inflacionário e o Ajuste Fiscal
Já em outubro de 1973, um mês após o início do novo governo, foi anunciado que a
redução da inflação seria a sua principal meta (LARRAÍN; VERGARA, 2001). A necessidade
de se estabelecer o controle inflacionário e de se reequilibrar a situação fiscal passou a ser
uma preocupação central do governo, já que tais patologias eram percebidas pela sociedade
como dois dos principais problemas deixados pelos governos predecessores.
Havia, entre os militares, a percepção de que a sociedade desejava “un enfoque
radicalmente distinto” das políticas implementadas até então, no que dizia respeito ao
controle inflacionário e ao gerenciamento do orçamento público (LARRAÍN; VERGARA,
2001).
Como tais medidas foram adotadas através de modificações radicais, as severidades
de seus efeitos não pode ser ignorada, quando se deseja evitar uma associação imediata dos
efeitos recessivos à liberalização. A seguir, é apresentado um breve resumo das medidas de
controle inflacionário e de ajuste fiscal.
Uma das características que chamam atenção na observação da estratégia de controle
inflacionário é a da recusa dos formuladores em adotarem medidas de controle de preços.
Medidas deste tipo eram normalmente tomadas em programas de estabilização anteriormente
tentados no Chile. Esta medida, apesar de não ter produzido sucesso no Chile, continuou
sendo amplamente utilizada em outros países da América Latina, entre os quais o Brasil, pelo
menos até a segunda metade da década de 90.
A partir do diagnóstico de que as causas da aceleração inflacionária eram o excesso de
gastos do governo e a demasiada aceleração da expansão monetária, buscou-se a adoção de
um forte ajuste fiscal. Entretanto, este ajuste fiscal foi acompanhado por um tímido controle
da expansão monetária. Este controle mais tímido da expansão monetária foi justificado para
minimizar os custos sociais que os formuladores do programa julgavam que seriam, pelo
menos nos estágios iniciais, demasiados profundos.
Esta etapa do processo de estabilização deixou clara a percepção de que os
formuladores desejavam adotar um programa gradualista de redução da inflação.
41
Concomitantemente à redução dos gastos do governo, foi introduzida uma reforma
tributária que visava ampliar a arrecadação do governo, de modo que fosse possível reduzir,
rapidamente, o profundo desequilíbrio fiscal. Além deste objetivo, havia o interesse em
suprimir as distorções de alocação de recursos e corrigir o déficit na balança de pagamentos,
por meio da contração da demanda por importados (LARRAÍN; VERGARA, 2001)
A principal medida da reforma tributária foi a substituição dos impostos em cascata
sobre as vendas, por um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) global, fixado em 20%.
Além desta medida, foram adotadas a indexação do sistema tributário, a eliminação de
subsídios e exceções tributárias e a unificação do imposto de renda das pessoas físicas e
jurídicas (LARRAÍN; VERGARA, 2001).
A redução do déficit primário15 fora significativa já no primeiro ano, passando de
30,5% do PIB em 1973 para 5,4% em 1974, e permitindo que se verificasse, já em 1976, um
superávit primário de 4% do PIB. Entretanto, a taxa de expansão monetária caiu muito
lentamente, passando de 342% em agosto de 1973 para 333% em junho de 1974(EDWARDS,
2001).
Este programa, apesar de provocar queda do produto e aumento do desemprego, não
foi capaz de permitir a queda inflacionária que justificasse seu custo. Em 1974, o crescimento
do PIB foi de apenas 1% e o desemprego alcançou 14,9% da população economicamente
ativa em dezembro. A inflação, contudo, decresceu de 369,2% ao ano em 1974 para ainda
elevados 343,3% ao ano em 1975 (EDWARDS, 2001).
A partir de 1975, seguindo uma determinação do governo de controlar definitivamente
a inflação em um prazo de um ano, foi anunciado um pacote de medidas considerado como
um “tratamiento de shock” (EDWARDS, 2001, pg. 33) antiinflacionário. O pacote propunha,
entre outras medidas: uma redução de até 25% do gasto público, um aumento de 10% do
Imposto de Renda, uma aceleração da redução do peso do Setor Público na economia e, uma
política monetária mais restritiva que a que vinha sendo aplicada até então.
A partir de então, a preocupação com os custos sociais fora abandonada para dar lugar
a medidas duras marcadamente contracionistas (EDWARDS, 2001). Houve o entendimento
de que, em um ambiente político autoritário, os custos sociais não provocariam grandes
reviravoltas políticas, o que significava um momento ideal para a adoção de medidas cujos
42
resultados positivos somente seriam verificados em um prazo politicamente longo.
Juan Andrés Fontaine16 (1993) observou que a ausência da instituição da democracia
no período pode ter sido um fator determinante para a garantia da continuidade das reformas.
Para Fontaine, a consecução de todas as reformas planejadas poderia ser comprometida
quando os previsíveis efeitos recessivos, supostamente de curto prazo, incentivassem os
eleitores a mudar os governantes responsáveis pelas reformas, antes que os supostos
benefícios de longo prazo se fizessem sentir (FONTAINE, 1993).
Com o “tratamiento de shock”, a inflação de fato fora reduzida de 343%, acumulada
em 1975, para 84,2% acumulada em 1987. Contudo, as medidas provocaram uma queda de
13,3% do PIB em 1975, elevando a taxa de desemprego para 14% da população
economicamente ativa em dezembro. Em setembro deste mesmo ano, a taxa de desemprego
chegou a 20% da PEA.
3.1.2 O Papel da Política Cambial na Estabilização Monetária
No inicio do processo de estabilização, a política cambial fora utilizada como um
instrumento de controle inflacionário, utilizado simultaneamente à política de contração
monetária. O papel desta política sofreu variações ao longo do tempo, até que, em 1985, foi
definitivamente substituída pela política de fixação de metas para a taxa de juros.
Conforme identificou Edwards (2001), a consecução da política cambial chilena entre
1973 e 2000, passou por alterações significativas, permitindo que se identifiquem, pelo
menos, três fases deste processo : entre 1973 e 1977, com câmbio real constante; entre 1978 e
1982, com cambio fixo; e, após 1985, quando o Banco Central adotou uma espécie de
flutuação suja
Tais modificações foram realizadas quando a manutenção das mesmas deixava de
corresponder aos interesses dos formuladores de política, além de terem ocorrido períodos
recessivos que foram creditados justamente à rigidez da política cambial.
Entre 1973 e 1977, foi adotada uma política de manutenção da taxa de câmbio real
15 Do setor público não financeiro. 16 Foi diretor do Banco Central Chileno entre 1985 e 1989.
43
constante, com a indexação da taxa de cambio nominal à inflação passada através da
aplicação de desvalorizações periódicas da taxa de cambio. Edwards (2001) observa que,
neste período, a indexação da taxa de câmbio à inflação passada foi capaz de promover
resultados opostos aos que se pretendiam com a concomitante redução da expansão
monetária, o que, de certo modo, poderia explicar a ausência de efeitos da contenção
monetária na redução da inflação.
Entre 1978 e 1982, foi adotada a fixidez do câmbio nominal. A estratégia de manter o
câmbio fixo, não resistiu à crise de 1982, quando o Peso teve que ser desvalorizado diante a
profunda recessão que o país atravessara.
A partir de 1985, após o período de ausência de diretriz definida, que Edwards
classificou como “tropiezos del período 1983-1984” (2001, p. 31), foi adotada uma espécie
de “flutuação suja” para a taxa de câmbio.
3.2 Principais Medidas da Abertura Comercial
A característica mais interessante do processo de abertura chilena é, sem dúvida, o seu
pioneirismo na adoção desta estratégia de desenvolvimento. Enquanto a maioria dos países da
América Latina iniciou a abertura comercial em fins da década de oitenta, no Chile a
introdução se deu já no início da década de setenta. Tal característica permite observar os
efeitos da abertura através de um horizonte de tempo mais largo, e, portanto, com melhores
perspectivas de encontrar resultados que as teorias de desenvolvimento julgariam serem de
longo prazo (HACHETTE, 2003).
No Chile, a reforma comercial inicia-se em 1973, com a adoção de diversas medidas
voltadas a racionalizar as relações de comércio, como a implementação de uma brusca
redução tarifária, o equacionamento da dispersão das tarifas e a redução da maioria das
barreiras não-tarifárias, como a do sistema de quotas e a do licenciamento de importações.
Esta fase termina em 1979, com a uniformização das tarifas em 10% e a implementação do
regime de taxas de cambio fixas.
“Las reformas del período 1974-1979 estaban orientadas por la idea de que, una vez que se
asentara el imperio de las fuerzas del mercado, los recursos serían reasignados (sin costo) a
las industrias de exportación en que el país tenía una ventaja comparativa, lo que conduciría
44
al rápido crecimiento,no sólo de las exportaciones sino también del producto global”
(AGOSÍN, 1999, pg 80)
Tais medidas começaram a ser gestadas antes mesmo que os militares assumissem o
governo. Em um documento de trabalho denominado “El Ladrillo” , inicialmente elaborado
em 1969 e voltado para apresentar sugestões de política econômica para o candidato derrotado
das eleições presidenciais de 197017. Neste trabalho, muitos economistas formados na
Universidade de Chicago e lotados na Pontificia Universidad Catolica de Chile, apresentaram
as medidas que foram quase que integralmente incorporadas pelo governo militar.
Tal documento, impresso e distribuído logo após o golpe, e editado em forma de livro
em 1992 sob o título “El Ladrillo: bases de La politica económica del gobierno militar
chileno”, propunha, entre outras medidas para dinamizar a economia:
• Elevar a taxa de cambio ao nível real, de modo que equilibrasse a Balança de
Pagamentos e incentivasse as exportações. Os formuladores acreditavam que a taxa de
câmbio nominal estava sobrevalorizada, o que ajudava a desestimular as exportações e
incentiva o acumulo de déficits na balança comercial;
De fato, a taxa de câmbio nominal sofreu uma desvalorização abrupta, passando de 85
escudos por dólar em setembro de 1973, para 280 escudos no mês seguinte. Após este
episódio, a deterioração do valor dos Escudos culminou em sua substituição, em Janeiro de
1975 pelo Peso Chileno, que iniciou cotado a 1,90 Pesos por dólar. Antes de ser substituído, a
cotação do Escudo em dezembro de 1974 chegou a 1.619 Escudos por Dólar, um valor
1.805% superior à cotação vigente no último mês do governo Allende.
• Manter a taxa de câmbio em níveis reais. Para os formuladores da proposta, após a
desvalorização, poder-se-ia evitar as distorções provocadas pela taxa de cambio se a
taxa nominal perseguisse a taxa real. Isto ocorreria se fossem promovidas, pelo Banco
Central, desvalorizações periódicas na taxa nominal, observando necessidade de se
evitar flutuações capazes de induzir a especulação.
Neste momento, a possibilidade das taxas de cambio flutuarem livremente não foi
17 O ex-presidente Jorge Alessandri Rodriguez, do Partido Nacional. Alessandri governou o Chile entre 1958 e
1964, e foi derrotado por Salvador Allende nas eleições presidenciais de 1970.(SADER,1991)
45
considerada pelos formuladores. Diferentemente, eles propuseram um regime de taxa de
câmbio fixa, com desvalorizações periódicas.
A partir de Julho de 1979, até maio de 1982, a taxa de câmbio foi fixada em 39,00
Pesos por Dólar. Esta política de taxa de câmbio fixa foi duramente criticada e muitas vezes
responsabilizada pela crise econômica de 1982.
Figura 12 – Evolução da Taxa Nominal de Câmbio Fonte: Banco Central de Chile, 2001
• Reduzir e harmonizar as tarifas alfandegárias, para uma taxa que não ultrapassasse
de 30%. Tais reduções deveriam ser antecipadas aos agentes, para que as empresas
pudessem ajustar a produção de curto e médio prazo.
• Abolição das barreiras não-tarifárias para reduzir a taxa de proteção efetiva;
• Criação de mecanismos de promoção das exportações, como subsídios para agentes
comerciais e o oferecimento, pelo Estado, de créditos de curto e longo prazos a taxas
mais vantajosas;
• Reestudar os acordos comerciais, de modo a permitir a retirada das salvaguardas
comerciais adotadas para proteger o mercado interno da concorrência dos países do
Pacto Andino e da ALALC18;
18 Associação Latino-Americana de Livre Comércio, criada em 1960 pelo tratado de Montevidéu. Foi substituída
em 1980 pela ALADI (Associação Latino-Americana de Desenvolvimento Integrado) . Seus atuais signatários
Pesos / Dólar
46
• Desenhar uma política racional de endividamento externo e de investimentos
estrangeiros, contando, inclusive com a renegociação da dívida. Para os formuladores,
a explosão do endividamento, principalmente entre 1972 e 1973 fora provocada pelos
grandes déficits na Balança de Pagamentos;
• Políticas específicas para o movimento internacional de capitais, para evitar que os
problemas de curto prazo da economia incentivassem a remessa de divisas ao exterior.
Os formuladores acreditavam que tal medida seria importante para evitar as fugas
maciças de capital durante a aplicação da nova política econômica. Tais fugas poderiam
comprometer a eficácia das medidas. Para a promoção de tal controle, o Banco Central
permaneceria com o regulador do mercado de divisas, o que, de modo geral, não diferia da
política existente até 1970. Os elaboradores, contudo, enfatizavam a necessidade de que tal
medida tivesse um caráter temporário.
Nota-se que, muito embora a maioria das medidas estivesse voltada para incentivar a
adoção dos incentivos de mercado na concretização das relações de comércio, algumas
medidas, tais como a do controle de capitais e a da adoção da taxa de câmbio fixa, reservaram
um importante papel ao estado na estabilização do ambiente econômico. Contudo, a intenção
de se concluir o processo de reforma com mais rapidez, diferencia a experiência chilena dos
demais países que adotaram a liberalização comercial, mas que preferiram optar por reformas
graduais.
3.3 A Rejeição ao Gradualismo
Os formuladores da política de abertura comercial chilena acreditavam que os
resultados da reforma poderiam ser comprometidos se fosse efetivada uma estratégia
gradualista. Tal percepção era justificada, em primeiro lugar, pela necessidade da
liberalização comercial ser efetivada ao mesmo tempo das demais reformas pró-mercado. Em
segundo lugar, desejava-se aproveitar o ambiente político autoritário, e, portanto, menos
propício a sofrer interferências dos agentes que eventualmente passassem a sofrer os efeitos
negativos. O regime autoritário permitiria, além disso, que as eventuais turbulências políticas,
são a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Chile, a Colômbia, o Equador, o México, o Paraguai, o Peru, o Uruguai, a
Venezuela, além de Cuba, que se associou em 1998.
47
provocadas pelo aumento do desemprego, fossem minimizadas.
A prevalência do desemprego nos estágios iniciais da abertura comercial era dada
como certa. Este fenômeno ocorreria principalmente porque as indústrias protegidas antes da
liberalização, e que não conseguissem adaptar suas estruturas de custos aos preços mundiais,
teriam as suas atividades comprometidas quando passassem a concorrer com os produtos
internacionais. Os empregados destas indústrias, naturalmente, perderiam seus empregos e
poderia demorar certo tempo, até mesmo uma geração, até que a mão-de-obra adquirisse as
habilidades que permitissem o seu deslocamento para as indústrias beneficiadas pela
liberalização.
Para os defensores da liberalização, no Chile, tal malefício seria verificado em um
curto intervalo de tempo e duraria o período necessário para permitir que os recursos
produtivos abandonassem as atividades em quais o país não possuísse vantagens
comparativas, e atingiria somente as empresas que não obtivessem a eficiência necessária para
competir com o mercado internacional.
Por outro lado, as atividades criadas após a abertura seriam capazes de promover um
maior volume de empregos que as atividades encerradas, desde que houvesse uma perfeita
mobilidade dos fatores de produção. Como a mobilidade de fatores não seria imediata, haveria
um período em que o excedente de mão-de-obra ocasionado pelo fechamento de algumas
atividades, não seria absorvido imediatamente pelas atividades novas. Este período, contudo,
seria reduzido se houvesse a adoção de demais mecanismos que facilitassem a livre
mobilidade de fatores. Daí a necessidade das reformas serem efetivadas ao mesmo tempo.
Para os autores programa de liberalização, muitas das atividades afetadas seriam
aquelas que mantinham lucros excepcionais, artificialmente gerados pela proteção comercial.
Os preços destas indústrias poderiam ser rebaixados em um cenário de competição
internacional, sem que isto significasse o fechamento de suas atividades. (CASTRO,1992)
Por outro lado, como o Chile não era um país capital abundante, principalmente em
relação aos países desenvolvidos, seria de se esperar que, com a abertura, e com o aumento do
fluxo de comércio para os países desenvolvidos, os preços dos bens de capital se tornassem
mais elevados, o que tornaria o custo da mão-de-obra relativamente mais barata. Tal
movimento poderia, em teoria, reduzir o desemprego, ou, pelo menos, minimizar o
crescimento da taxa de desemprego.
48
Além deste mecanismo redutor do desemprego, as demais reformas, como a de
reforma da previdência e das leis trabalhistas, além do controle inflacionário, também seriam
responsáveis por aumentar a demanda por trabalho, atenuando o desemprego provocado pelo
fechamento das atividades que não possuíssem condições para competir com o mercado
internacional.
A facilitação da integração dos processos produtivos, o fechamento de unidades
ineficientes e a expansão de novas atividades econômicas permitiriam que o Chile absorvesse
novas tecnologias e obtivesse maiores ganhos de escala. Os ganhos de eficiência seriam
responsáveis por promover o crescimento econômico e reverter a o desemprego. (Castro,
1992)
Outro efeito negativo esperado de uma abertura comercial de forma isolada diz
respeito à sua capacidade de acelerar processos inflacionários. O processo de abertura faria
com que alguns bens, que antes estivessem relativamente mais baratos em relação aos preços
mundiais, se ajustassem aos preços mundiais, com a conseqüente elevação de seus preços. Os
preços que se tornariam mais elevados seriam justamente os voltados para a exportação.
Em uma situação de equilíbrio, a elevação dos preços dos produtos exportáveis seria
compensada pela redução dos preços dos produtos importados e pela redução dos preços dos
produtos internos concorrentes dos importados. Ocorrendo estes eventos, na média, os preços
não se alterariam. Contudo, se for considerada a existência de rigidez na redução de alguns
preços que impossibilitam o equilíbrio automático, tais movimentos podem provocar inflação
no curto prazo, até que houvessem condições que permitissem redução dos preços dos
produtos anteriormente protegidos. A rigidez nos preços destes produtos ocorreria devido ao
fato dos preços dos insumos locais e de salários permanecerem constantes.
Observando a conjuntura chilena do período de reformas, e comparando-a com a de
Israel, que adotou uma estratégia gradualista, o economista Michael Bruno19 (1991) concluiu
que “a escolha do ritmo de ajustamento irá depender da aversão que os países tenham a
níveis elevados de desemprego temporário”.
Bruno observa que um processo rápido de abertura diminui a mobilidade dos fatores
de produção, ocasionando o desemprego temporário. Contudo, uma estratégia gradualista,
segundo Bruno, seria capaz de minar a credibilidade da reforma, o que orientaria seus agentes
49
a efetuarem investimentos incorretos que acabariam por comprometer o resultado da abertura.
Ao citar Israel, Bruno esclareceu que neste país a estratégia gradualista foi bem
sucedida por que foi capaz de criar mecanismos que reduziram a incerteza provocada pela
lentidão do processo de abertura. Para aumentar a credibilidade, todo o cronograma de
reduções tarifárias fora anunciado previamente, além do mesmo ter sido posto rigidamente em
prática.
Os economistas formuladores da estratégia de abertura chilena certamente
consideraram que o país seria capaz de suportar o desemprego temporário e insistiram na
estratégia de impacto, evitando-se a perda de credibilidade, mas permitindo-se uma explosão
na taxa de desemprego.
Conforme se observa na figura 13, o percentual de desemprego entre 1976 e 1985,
nunca se situou em níveis inferiores a dois dígitos. Antes da crise de 1982, quando a taxa de
desemprego chegou a 19,6% da população economicamente ativa, o Chile experimentara
outra taxa expressiva em 1978, quando o percentual de desempregados alcançou 14% da
população economicamente ativa.
Figura 13 – Taxa de Desemprego, como percentual da população economicamente ativa. Chile: 1976-1985 Fonte: INE
3.4 A Escolha pelo Controle de Capitais
19 Foi presidente do Banco Central de Israel em 1985, e economista chefe do Banco Mundial entre 1997 e 2000.
50
Em se tratando de uma equipe econômica defensora dos incentivos de mercado para a
condução dos principais eventos da economia, pode parecer contraditório que o Chile tenha
adotado a estratégia de liberalização comercial, sem efetivar a liberalização financeira.
Pragmaticamente, os formuladores acreditavam que a liberalização financeira poderia dar
origem a uma crise de divisas, provocável por uma fuga maciça de capitais, incentivada pela
depreciação da taxa de câmbio nominal. Tal crise poderia provocar uma elevação ainda maior
do desemprego e comprometer as políticas de controle inflacionário.
Michael Bruno (1991) observa que “uma economia que liberaliza o comércio externo
deveria evitar fluxos desnecessários e desestabilizadores de capitais de curto prazo”.
Muitos países da América Latina, entre o quais o Chile no início da década de 70,
experimentaram movimentos de liberalização financeira antes que fosse efetivada a
liberalização comercial. Neste período, o excesso de liquidez internacional promovido pelos
“petrodólares”, incentivou os governantes a utilizarem recursos de curto prazo para financiar
suas atividades. Inicialmente, tais recursos apresentavam a vantagem de poderem ser captados
a taxas de juros de curto prazo relativamente baixas (BRUNO, 1991)
Contudo, se o país estivesse adotando, como era o caso do Chile, uma política de
controle inflacionário que utiliza a elevação das taxas de juros internas para contrair a
expansão monetária, as taxas internas mais elevadas incentivariam a entrada de capitais
especulativos, inflando, artificialmente, a balança de capitais. Tal excedente contribuiria para
a apreciação da taxa de câmbio real, o que acabaria promovendo déficits na conta de
transações correntes.
Figura 14 - Evolução da Taxa de Juros Real e da Taxa de Juros Nominal. Chile: 1975-2000 Nota: Corresponde as taxas médias anuais sobre títulos de 30 a 89 dias.
51
Considerando que a taxa de câmbio nominal estivera fixada, a expansão monetária
provocada pela entrada de capitais especulativos deterioraria o poder de compra da moeda
interna e provocaria inflação.
Outro argumento contrário à liberalização financeira está relacionado ao ritmo de
ajustamento em que se dão os mercados de capitais e os mercados de bens e serviços. O
ajuste do mercado de capitais se dá a uma taxa muito mais elevada que o de bens e serviços,
fazendo com que os ajustes dos primeiros sejam capazes de aumentar a volatividade da
economia. As alterações nos sinais de mercado, em um ambiente de perfeita mobilidade de
capitais, seriam capazes de alterar rapidamente as disponibilidades internas da economia.
Apesar destes efeitos prejudiciais à economia, observados por Michael Bruno (1991),
os países tendem a permitir a liberalização da conta de capitais antes que a liberalização
comercial fosse efetivada. Para Bruno, isto se deve ao fato da liberalização financeira possuir
menos opositores organizados, já que os prejuízos da liberalização financeira não são sentidos
por uma classe específica, tal como são os prejuízos advindos da liberalização comercial.
Além disso, países endividados enxergam os capitais especulativos como uma
oportunidade para suavizar politicamente os efeitos das medidas de controle inflacionário,
como as provocadas por uma elevação da taxa de juros. Os governos tendem a usar estes
recursos de curto prazo para elevar a despesa, sem precisar recorrerem à emissão de moeda ou
ao aumento de impostos.
3.5 Os Efeitos da Abertura na Expansão das Exportações
Segundo Dominique Hachette (2003), um dos problemas encontrados em uma
avaliação de impactos de uma estratégia de liberalização comercial e reside na dificuldade de
se separar os efeitos da liberalização dos efeitos dos demais eventos econômicos que
ocorreram no período. Além disto, dado que durante o período em estudo o Chile realizou
uma série de acordos comerciais bilaterais, se fosse possível isolar os efeitos da liberalização,
ainda seria necessário isolar os efeitos da liberalização comercial geral, em relação aos efeitos
dos acordos comerciais bilaterais.
Contudo, como este trabalho pretende analisar um período muito mais amplo que o
compreendido entre as assinaturas dos primeiros acordos bilaterais de comércio, é assumida a
hipótese de que os principais efeitos se deram devido à abertura comercial geral, e não pelos
52
acordos bilaterais.
Hachette (2003) observa que os impactos negativos de um processo de liberalização
comercial normalmente tendem a ocorrer mais abruptamente, enquanto que os resultados
positivos ocorrem mais lentamente.
Nos primeiros cinco anos após o início das reformas chilenas, foram eliminadas as
cotas de importação e a tarifa média de importação passou de cerca de 100% para 10% em
média.
Após 1975, houve um forte crescimento das exportações, correspondendo a uma taxa
média de 12,0% ao ano entre 1976 e 1980. A título de comparação, a taxa de crescimento
média das exportações entre 1966 e 1970 foi de apenas 0.5% ao ano.
Este crescimento excepcional das exportações é comumente considerado como o
principal indicador de sucesso das reformas implementadas (AGOSÍN,1999), apesar de não
ter ocorrido, pelo menos nos primeiros anos, uma diversificação da pauta de exportações.
A partir da década de 80, o forte e persistente crescimento das exportações levaram
alguns economistas a considerarem que o crescimento econômico posteriormente verificado
fosse devido fundamentalmente ao crescimento das exportações.
0,0
2.000,0
4.000,0
6.000,0
8.000,0
10.000,0
12.000,0
14.000,0
16.000,0
18.000,0
20.000,0
19
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20
00
E xportaç ões Totais
Figura 15 – Evolução das Exportações em US$ milhões. Chile: 1973-2000 Fonte: Banco Central de Chile
53
Entre 1974 e 2000, a economia chilena alcançou uma taxa média de crescimento das
exportações na ordem de 9% ao ano, enquanto que a proporção das exportações em relação ao
PIB, que era de 14% em 1970, saltou para 43% em 2000.
Figura 16 – Participação das exportações na composição do Produto Interno Bruto. Chile: 1974-2000 Fonte: Banco Central de Chile
Ffrench Davis (2002) observa que este forte crescimento das exportações esteve
associado a um conjunto de quatro fatores: desvalorização cambial, utilização da capacidade
instalada exportadora, anteriormente reprimida, eliminação de entraves e diminuição da
demanda interna.
-40%
-30%
-20%
-10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
19
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19
98
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20
00
Taxa de C res c imento das E xportaç ões
Figura 17 – Taxa de crescimento anual das exportações, medidas em US$ correntes . Chile: 1974-2000 Fonte: Banco Central de Chile
Outro efeito verificado foi a expansão do número de exportadores e do número de
parceiros comerciais, o que significou uma redução da dependência em relação ao
comportamento da demanda de seus parceiros, além de uma redução da vulnerabilidade
associada às oscilações de preços dos bens transacionados. O número total de exportadores
54
saltou de apenas 170 em 1970 para mais de 5.000 no ano 2000, enquanto o número de
parceiros comerciais saltou de 31 para mais de 160 países no mesmo período. A participação
das exportações de cobre no volume de bens exportados também sofreu uma queda
significativa, passando de um percentual de cerca de 80% em 1973, para 40% em 2000
Figura 18 – Evolução da participação das exportações de cobre em relação às exportações totais, medidas em US$. Fonte: Banco Central de Chile
A participação do volume de comércio internacional no PIB real per capita20 sofreu
elevações substanciais, passando de 23,8% em 1973 para 44,15% em 1990, e chegando em
2004 com uma participação de mais de 71% do PIB real per capita.
Figura 19: Evolução da participação do Volume de comércio no PIB real per capita a preços correntes. Chile: 1969-2004 Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006
20 Corresponde à razão entre a soma das importações e exportações e o PIB real per capita, expressos em valores
correntes (PWT, 6.2,2006).
55
A elevação da taxa de câmbio, contudo, freou o crescimento das exportações no inicio
da década de 80. A queda das exportações e o aumento das importações, incentivadas pelo
câmbio, promoveram déficits na balança comercial, que foram financiados, principalmente,
com empréstimos contraídos junto a banqueiros internacionais. A facilidade de obtenção
destes empréstimos, como já mencionado, refletia o excesso de liquidez internacional oriunda
dos “petrodólares” e foi capaz de reduzir a necessidade de ajustes necessários à correção do
desequilíbrio comercial, pelo menos até o período imediatamente anterior à eclosão da crise.
Em julho de 1979, o governo fixou a taxa de cambio nominal em 39 Pesos por dólar
norte-americano, e manteve esta paridade até maio de 1982.
Conforme se observa na figura 20, a apreciação da taxa de câmbio real, favorecida
pela fixidez da taxa da taxa de câmbio nominal, ocorreu na antevéspera da crise de 1982, nos
anos de 1980 e 1981. Entre 1979 e 1981, a taxa de cambio nominal foi apreciada em 25%.
Com a eclosão da crise,
Figura 20 – Evolução da Taxa de Câmbio Real Fonte: Banco Central de Chile Elaboração: Autor Nota: Corresponde ao valor médio anual dos índices mensais, identificados através da multiplicação das taxas de câmbio nominal pela razão entre a inflação externa relevante e o índice interno de preços ao consumidor. (Banco Central de Chile, 2001)
Com o advento da crise da dívida, na qual os banqueiros internacionais passaram a
limitar os empréstimos, o Chile passou a atravessar um período de recessão que chegou a
ameaçar a continuidade do regime político e provocou mudanças na equipe econômica, com
56
conseqüentes alterações na política comercial.
O período de 1982 e 1985, em qual o Chile atravessou uma severa retração
econômica, houve alguns retrocessos em termos de política comercial, com elevação de
tarifas de 10% para 35% e uma aceitação de mecanismos não tarifários que serviram para
proteger a indústria nacional no período de crise. A partir de 1985, as tarifas reduziram-se
novamente, para 20%.
3.6 Efeitos sobre o Crescimento Econômico
Durante 1973 a 1983, as taxas de crescimento oscilaram de -13,4% em 1982 a 9,5%
em 1977. Os dois primeiros anos do regime militar foram de decrescimento do PIB, como
resultado do programa de estabilização. Para se ter uma idéia da severidade da retração da
economia durante nos primeiros anos de reforma, a economia somente recuperou os níveis do
PIB vigentes em 1971, apenas em 1981.
Os resultados negativos do PIB levantaram suspeitas quanto à eficácia das reformas
implementadas e sua capacidade de promover o crescimento econômico. Os críticos do
modelo questionavam os baixos benefícios apesar dos elevados custos sociais. Para estes, até
mesmo os anos em quais as taxas de crescimento foram mais significativas, estas houveram
sido resultado de movimentos cíclicos, de recuperação da atividade, já que a economia havia
partido de um nível de renda muito baixo (SCHMIDIT-HEBBEL, 2006).
Figura 21 - Taxa de Crescimento do PIB real per capita a preços constantes. Chile: 1969-2004 (%) Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006 Elaboração do autor
57
Muito embora a economia chilena tenha apresentado, até a primeira metade da década
de 1980, um baixo crescimento do produto per capita médio e uma alta volatilidade das taxas
de crescimento, muitas das reformas executadas no período “pavimentaram o caminho”
(SCHMIDIT-HEBBEL, 2006) para o forte crescimento posterior. Schmidt-Hebbel, no
Documento de Trabalho do Banco Central de Chile de Junho de 2006, enfatiza que
“es difícil descartar la noción de que el reciente crecimiento récord de Chile —excepcional
composición según sus estándares históricos—está relacionado con el marco de políticas
económicas adoptado a partir de mediados de los años setenta” (2006, pg. 6)
Conforme se observa na figura 22, até 1984 o crescimento médio do PIB chileno
apresentou taxas bem menores que a média mundial, inferior, inclusive, que as taxas
verificadas pelos demais países da América Latina.
A partir de 1985, o crescimento médio supera em muito o de seus vizinhos, perdendo
apenas para o crescimento verificado no Leste Asiático. O período que apresentou taxas mais
expressivas, 1985 a 1997, é conhecido no Chile como “ la era dorada del crecimiento”,
quando a economia cresceu em média 7,6%, o que corresponde a 5,9% em termos per capita.
Figura 22 - Crescimento do PIB no Chile e em outras regiões mundiais, 1970-2004 Fonte: Banco Mundial (2005) Elaboração: Banco Central de Chile
O baixo crescimento do produto médio verificado entre 1970 e 1984 esteve fortemente
influenciado pela expressiva queda de -13,3% do PIB em 1975, segundo ano do governo
militar e de -13,4% de queda em 1982, ano em que o Chile atravessara uma profunda crise
que chegou a por em xeque o modelo de desenvolvimento implementado pelo governo
ditatorial.
58
Teriam sido estas taxas de crescimento mais expressivas influenciadas pela expansão
das exportações? A principal dificuldade em determinar esta relação está em definir a causa e
o efeito do fenômeno. Foi a expansão das exportações que impulsionou o crescimento
econômico, ou o crescimento econômico, induzido por outras variáveis, impulsionou o
crescimento das exportações? Se esta segunda hipótese for aceita, a análise deve centrar na
identificação dos fatores determinantes da acumulação de capital, ou seja, nos determinantes
das taxas de investimento da economia (RODRYK (1995) e AKYÜZ e GORE (1996), citados
por AGOSÍN (1999)).
Como é possível observar na figura 23, de fato a taxa de investimento da economia
aumentou significativamente entre 1974 e 2000, mesmo considerando as quedas da taxa de
investimento no início do programa de ajuste e no auge da crise de 1982. Em 1974, a taxa de
investimento correspondia a 18 % do PIB, e chegou a alcançar 32% do PIB em 1998.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
Taxa de Investimento
Figura 23 – Taxa de Investimento da economia. Fonte: Banco Central de Chile Elaboração: Autor Nota: Corresponde à Formação Bruta de Capital Fixo dividida pelo Produto Interno Bruto, medidos em Milhões de Pesos de 1986.
Agosín, em um trabalho realizado junto à CEPAL (1999), encontrou
correlações que o fizeram apoiar a hipótese de que foram as exportações que induziram o
crescimento econômico. Para ele, existem dois motivos que o fazem acreditar ser esta
hipótese a verdadeira. Segundo ele, ambos são válidos somente em economias pequenas e
pouco industrializadas, como era o caso, segundo Agosín, do Chile.
O primeiro motivo está relacionado com economias de escala. Um país pequeno, com
economia fechada, teria a sua capacidade de crescimento rapidamente restringida por seu
mercado interno, não criando demanda suficiente para a crescente oferta. A pequena
59
demanda, neste pressuposto, seria um importante limitador do crescimento, que seria
eliminado com a abertura comercial.
O segundo motivo é que os progressos tecnológicos, necessários para o crescimento
econômico, podem não estar disponíveis nas fronteiras do país, principalmente se este for um
país pequeno. Para promover alterações no parque tecnológico, o país precisaria importar
máquinas e equipamentos, necessitando-se, portanto, de divisas estrangeiras. Tais divisas
seriam obtidas, principalmente, através das exportações. As altas taxas de crescimento, e a
demanda por alterações tecnológicas, somente seriam sustentadas se houvessem uma
expansão também das exportações.
A produtividade da mão de obra também apresentou um comportamento positivo entre
1973 e 2000. Apesar da recessão de 1975 e de 1982, que reduziram a produtividade em até
17,24%, a trajetória de crescimento verificada logo após 1983 se mostrou favorável,
permitindo que se verificasse, em 2000 um crescimento de cerca de 50% na produtividade,
em comparação com 1973.
Figura 24 – Evolução da produtividade da mão-de-obra, Chile: 1973-2000 Fonte: Penn World Tables 6.2, 2006 Nota: A produtividade corresponde ao PIB por trabalhador, medidos em preços constantes de 2000.
De fato, ao observarmos a taxa de expansão das exportações e compararmos com a
taxa de crescimento da produtividade da mão de obra, verificamos uma correlação
significativa, conforme se nota na figura 23.
60
y = 0,7139x - 0,0259
(0,08)
(0,06)
(0,04)(0,02)
-
0,02
0,04
0,060,08
0,10
0,12
- 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10 0,12 0,14 0,16
Taxa de Crescimento das Exportações
Tax
a de
Cre
scim
ento
da
Pro
dutiv
idad
e
Figura 25 – Relação entre a Taxa de crescimento da Produtividade e a Taxa de crescimento das Exportações. Chile: 1976-2000 Fonte: Banco Central de Chile, e Instituto Nacional de Estadísticas, com cálculos do autor. Nota: A Taxa de Crescimento da produtividade da Mão-de-obra foi obtida através da variação da razão entre o Produto Interno Bruto, medido em Pesos de 1986, e a Força de Trabalho verificada no mês de Dezembro de cada ano. A Taxa de crescimento das exportações foi obtida através da variação anual das exportações, medidas em Pesos de 1986. Os dados relativos a 1981 foram excluídos da amostra.
Para a obtenção das regressões, foram excluídos os dados relativos a 1981, pois a
expressiva queda das exportações, de 10%, se afastou muito da média de crescimento anual,
positiva em 6%. A Queda das exportações em 1981 prenunciava a crise de 1982, quando o
PIB, medido em pesos de 1986, decresceu cerca de 15,5%.
Nota-se que a taxa de crescimento das exportações possui um elevado grau de
associação linear com a taxa de crescimento da produtividade. Os parâmetros da regressão
linear indicam que um aumento de 1% na taxa de crescimento das exportações seria capaz de
contribuir para aumentar a média da taxa de crescimento da produtividade em cerca de 0,71%.
O crescimento da produtividade dos fatores é um dos principais determinantes do crescimento
econômico, conforme verificamos no capítulo 1.
Esta associação é justificada pelos ganhos de melhoria tecnológica advindos do
aumento das exportações e do volume de comércio. A evolução tecnológica, por sua vez,
estaria contribuindo para o aumento da produtividade dos fatores de produção, e,
conseqüentemente, estaria havendo maiores possibilidades para a ampliação das taxas de
crescimento econômico.
Conforme se observa na figura 24, existe uma forte associação linear entre a taxa de
61
crescimento das exportações e a taxa de crescimento do PIB. De acordo com os dados da
regressão, aplicados para um período de 27 anos, 1973 a 2000 um crescimento em 1% nas
exportações seria capaz de aumentar a taxa média de crescimento do produto em até 0,87%.
y = 0,8741x - 0,0263
(0,20)
(0,15)
(0,10)
(0,05)
-
0,05
0,10
0,15
- 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10 0,12 0,14 0,16
Taxa de Crescimento das Exportações
Tax
a d
e C
resc
imen
to d
o P
IB
Figura 26 – Relação entre a taxa de crescimento das Exportações e a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto. Chile: 1976-2000 Fonte: Banco Central de Chile, e Instituto Nacional de Estadísticas, com cálculos do autor. Nota: As taxas de crescimento do PIB e das Exportações foram obtidas através da variação anual das respectivas contas, medidas em Pesos de 1986. Os dados relativos a 1981 foram excluídos da amostra.
3.7 Efeitos Sobre a Alocação da Mão-de-Obra
De acordo com os pressupostos da teoria de Hecksher-Ohlin, discutidos no capítulo 1,
em uma economia possuidora do fator mão-de-obra abundante, uma Abertura Comercial
tenderia a desenvolver as indústrias intensivas em mão-de-obra. Como o Chile era
classificado como uma economia mão-de-obra abundante, esperava-se que o crescimento da
demanda por trabalho, nas indústrias mão-de-obra intensivas, favorecesse o crescimento da
remuneração relativa dos salários.
Contreras, Montero e Ramos (2004) observaram, contudo, que tal evento não se
verificou na prática. Para eles, a não consecução do pressuposto teórico deveu-se a uma série
de condições estruturais que não poderiam ser ignoradas. Entre as quais, tais autores
consideraram que, além da mão-de-obra, o Chile era também recurso natural abundante, o que
poderia significar incentivos para o desenvolvimento de indústrias intensivas neste fator.
Ao observarmos a evolução da participação relativa do total de empregados nos
62
grandes setores da economia chilena, observamos que houve alterações significativas em
relação à participação dos setores na absorção da mão–de-obra.
Conforme se nota nas Tabelas 7, a participação relativa da absorção da mão-de-obra
no setor agropecuário, caiu de 21% do total da força de trabalho em 1970 para 12 % em 2004.
Outro setor que sofreu uma queda significativa foi o setor de extração de minérios, com queda
de 61%.
Tabela 7 – Participação Relativa da Mão-de-obra nos Grandes Setores da Economia
Grande Setor 1970 1990 2004 Var. 70-90 Var. 70-2004
Total 1,000 1,000 1,000 - -
Agropecuário 0,212 0,187 0,123 -11,68% -41,76%
Extração Mineral 0,030 0,022 0,012 -25,45% -61,49%
Industria de Transformação 0,166 0,161 0,127 -2,80% -23,55%
Eletricidade, Gás e Água 0,007 0,005 0,005 -35,59% -32,47%
Construção Civil 0,065 0,070 0,074 7,04% 14,48%
Comércio 0,112 0,175 0,177 56,57% 58,26%
Transportes e comunicações 0,061 0,069 0,073 11,85% 18,13%
Financeiro 0,017 0,045 0,074 169,25% 343,91%
Outros Serviços 0,241 0,255 0,257 6,03% 6,76% Fonte: OIT, com cálculos do autor
Por outro lado, os setores de serviços, como o da atividade comercial e o setor
financeiro, ampliaram significativamente a participação relativa na absorção da mão-de-obra.
O setor financeiro aumentou a participação em quase 344% entre 1970 e 2004, passando a
empregar, em 2004, cerca de 472 mil trabalhadores, um crescimento, em números absolutos,
de quase 950%.
A tabela 8 indica que os setores que mais reduziram a participação relativa na
absorção da mão-de-obra foram justamente os setores de bens transacionáveis, como o
Agropecuário, com queda de 41,8%, o setor da indústria de transformação, que sofreu uma
queda de 23,6%, e o setor de extração de minérios com queda de 61,5%.
63
Tabela 8 – Mão-de-obra empregada nos grandes setores da economia
Grande Setor 1970 1990 2004 Var. 70-90 Var. 70-2004
Total 2.695,57 4.728,40 6.357,62 75,41% 135,85%
Agropecuário 570,155 883,3 783,19 54,92% 37,36%
Extração Mineral 81,21 106,2 73,76 30,77% -9,17%
Industria de Transformação 446,495 761,3 805,12 70,51% 80,32%
Eletricidade, Gás e Água 20,004 22,6 31,86 12,98% 59,27%
Construção Civil 175,166 328,9 472,97 87,76% 170,01%
Comércio 302,057 829,6 1.127,47 174,65% 273,26%
Transportes e comunicações 165,542 324,8 461,22 96,20% 178,61%
Financeiro 45,141 213,2 472,62 372,30% 946,99%
Outros Serviços 649,228 1.207,50 1.634,68 85,99% 151,79% Fonte: OIT
Considerando-se que o setor de extração de minérios é tanto intensivo em mão-de-
obra quanto intensivo em recursos naturais, a queda na absorção de mão-de-obra não deveria
ser esperada, se considerados os pressupostos do Teorema de Hecksher-Ohlin.
Contudo, quando observamos o crescimento da participação do produto de extração de
minérios, em relação ao produto total da economia, notamos que houve uma variação positiva
significativa, de cerca de 27% entre 1970 e 1990 e de cerca de 19% entre 1970 e 2000,
conforme se observa na tabela 9.
Estes dados favorecem a conclusão de que o setor de extração de minérios - em qual o
Chile possuía Vantagens Comparativas, tanto em termos de produtividade da mão-de-obra,
quanto em termos de utilização de recursos naturais abundantes – ampliou a capacidade
produtiva a uma velocidade superior à velocidade de absorção de mão-de-obra.
Este evento, ao mesmo tempo em que indica a utilização de tecnologias melhor
desenvolvidas, também significa que estas tecnologias, foram poupadoras de mão-de-obra, o
contribuindo para a expansão do desemprego e para o crescimento da desigualdade da renda.
64
Tabela 9 – Participação dos Grandes Setores da Economia no Produto Total
Grande Setor 1970 1990 2000 VAR 70-90 VAR 70-2000
Agricola 9% 9% 5% 8% -55%
Minérios 7% 9% 8% 27% 19%
Manufaturas 25% 17% 16% -41% -52%
Eletricidade, Gás e Agua 2% 2% 3% 12% 41%
Construção Civil 7% 5% 8% -41% 6%
Comércio 17% 15% 11% -8% -53%
Transporte e Comunicações 5% 7% 7% 32% 34%
Financeiro 11% 17% 20% 36% 45%
Outros Serviços 15% 11% 14% -39% -5%
TOTAL PIB 100% 100% 100% 0% 0% Fonte: Banco Central de Chile Nota: Cálculos baseados nos produtos setoriais medidos em pesos de 1977, para os dados de 1970, em Pesos de 1986, para os dados de 1990 e em Pesos de 1996, para os dados de 2000.
Entretanto, não se pode associar o crescimento da desigualdade da distribuição da
renda exclusivamente aos movimentos ocasionados pela abertura comercial. Conforme
observa Contreras, Montero e Ramos (2004, Pg. 11)
“el comercio es sólo uno de los muchos factores que tienen impacto sobre la distribución del ingreso. No es suficiente comparar la distribución del ingreso antes y después de la apertura comercial para comprobar el impacto de ésta – porque la estabilización de precios, las privatizaciones, la liberalización financiera, entre otras, fueron reformas claves que tuvieron lugar en el período en cuestión.”
Além dos fatores citados, existiu a desigual composição da mão-de-obra chilena, em
termos de qualificação. Mesmo que houvesse uma maior absorção da mão-de-obra, os níveis
de desigualdade não seriam reduzidos se houvessem incentivos para a intensificação da
utilização da mão-de-obra qualificada, em detrimento da mão-de-obra pouco qualificada. Tal
evento manteria os salários relativos dos trabalhadores pouco qualificados constantes,
impedindo efeitos na distribuição da renda.
As diversas alterações na estrutura da economia do período, como as privatizações, a
estabilização inflacionária, a reforma tributária, a reforma trabalhista, entre outras, podem ter
influenciado a evolução da distribuição de renda em um sentido oposto ao que poderia ser
esperado de uma abertura comercial isolada.
65
CONCLUSÃO
As medidas de política econômica, desenvolvidas no Chile desde mediados da década
da de 1940 até 1973, e intensificadas durante o governo socialista de 1970 e 1973,
desestimularam a capacidade exportadora da economia, reduzindo as possibilidades de
aproveitamento dos ganhos de comércio.
O estabelecimento de barreiras comerciais, que no início do processo esteve orientado
para incentivar a substituição de importações, passou a ser utilizado para reduzir os déficits
comerciais, reduzindo, ainda mais a capacidade exportadora da economia. Os déficits foram
gerados, principalmente, pelo crescimento das importações de bens essenciais, que foram
liberados para satisfazer a demanda interna, que crescia a um ritmo superior à capacidade
produtiva.
O profundo desequilíbrio da situação comercial e produtiva da economia incentivou a
adoção de medidas radicais, com elevados custos iniciais, sob a promessa do crescimento
econômico sustentado que poderia ser obtido no longo prazo. O radicalismo da abertura
comercial, com a redução abrupta das tarifas de importação e a uniformização das alíquotas
aduaneiras, foi uma das inúmeras medidas voltadas a permitir que a economia obtivesse uma
estrutura de incentivos orientada pelo mercado.
A observação dos acontecimentos, a partir de um horizonte de tempo mais longo,
permite algumas conclusões que, apesar de não serem definitivas, são capazes de estimular a
defesa ou o ataque às medidas implementadas, sob o intuito de desejar a implementação, ou a
rejeição das mesmas em países que perseguem estratégias de crescimento econômico de longo
prazo.
A alteração da economia de mono-exportadora de commodities, para exportadora de
uma gama mais diferenciada de bens, já seria um grande motivo para justificar a abertura, já
que a perseguição deste objetivo foi um dos motivos que levou o Chile a implantar a
estratégia de industrialização por substituição de importações. A avaliação dos dados até 1973
indicam que ocorreu o inverso do desejado pelos formuladores desta estratégia, já que houve
um crescimento da participação das exportações de cobre nas exportações totais. Por outro
lado, entre 1973 e 2000, a participação do cobre caiu de 80% para 40% das exportações totais.
66
Alem disto, a avaliação do crescimento da produtividade, fortemente associado ao
crescimento das exportações, parece deixar poucas dúvidas quanto à eficácia das reformas na
promoção do crescimento econômico.
Se o crescimento da produtividade significa crescimento das remunerações dos fatores
de produção, é de se esperar que o crescimento econômico contínuo favoreça a melhoria do
bem-estar da população, tanto em termos de quantidade quanto em termos de diversidade de
bens disponíveis para o consumo.
Alguns efeitos que poderiam ser esperados após um processo de liberalização
comercial, como o desenvolvimento de indústrias intensivas em mão-de-obra em um país
mão-de-obra abundante, parece não ter sido verificado no Chile, o que ajudou a transformar a
economia em uma das mais desiguais da America Latina, em termos de distribuição de renda.
A não verificação dos pressupostos teóricos na questão da distribuição de renda pode ser
creditada ao desequilíbrio da oferta de mão–de-obra qualificada e não-qualificada. Foi
possível perceber que setores intensivos em mão-de-obra qualificada - como foi o caso do
setor financeiro - apresentaram um crescimento significativo em sua capacidade de absorção
da mão-de-obra.
O desequilíbrio na distribuição da renda, contudo, não seria capaz de justificar o
retrocesso das medidas, mas, apenas, corrigir os desajustes estruturais que permitiram que esta
situação se verificasse.
Apesar de não ter feito parte deste trabalho, tudo parece indicar que os governos
democráticos que sucederam o governo responsável pela abertura comercial, estão
continuando com o processo de ajuste estrutural, com bons resultados em termos de redução
da desigualdade da renda.
Este trabalho não é conclusivo por necessitar de uma avaliação mais aprofundada das
demais reformas implementadas, e, principalmente, necessitar um acompanhamento das
medidas adotadas no governo democrático. Tais movimentos certamente não podem ser
ignorados quando se deseja avaliar todo processo de desenvolvimento chileno.
Contudo, quanto ao objeto deste estudo, não resta dúvida que o crescimento das
exportações, provocado pela abertura comercial, apresentou um efeito significativo na
ampliação das taxas de crescimento econômico.
67
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