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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ALISSON DOS SANTOS RELAÇÕES DE COMPADRIO E FAMÍLIA ESCRAVA EM GUARAPUAVA (1842-1863). CURITIBA 2011

RELAÇÕES DE COMPADRIO E FAMÍLIA ESCRAVA EM … · O autor faz um levantamento do período de 1828-1840 e chega a cifra de 8,6% de taxa anual ... encontrados nos registros de batismo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ALISSON DOS SANTOS

RELAÇÕES DE COMPADRIO E FAMÍLIA ESCRAVA EM GUARAPUAVA (1842-1863).

CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ALISSON DOS SANTOS

RELAÇÕES DE COMPADRIO E FAMÍLIA ESCRAVA EM GUARAPUAVA (1842-1863).

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Martha Daisson Hameister

CURITIBA 2011

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SUMÁRIO RESUMO 4 INTRODUÇÃO 5 . 1 GUARAPUAVA: FORMAÇÃO. 10

1.1 GUARAPUAVA: POPULAÇÃO E ESTRUTURA DE POSSE ESCRAVA. 13

1.2 CONSIDERAÇOES ACERCA DA HISTORIOGRAFIA DA FAMÍLIA ESCRAVA 18

2 RELAÇÕES DE COMPADRIO EM GUARAPUAVA. 24

2.1 AS FONTES. 28 2.2 EXTRAINDO OS DADOS. 30

2.2.1 A ESCOLHA DOS PADRINHOS. 32

3. INVESTIGANDO A FAMILIA ESCRAVA. 36

3.1 RELATIVIZANDO O PADRÃO DE ILEGITIMIDADE. 37

3.2 O CASAL DE PADRINHOS MIGUEL E LIBÂNIA FERNANDES. 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS 45 FONTES PRIMÁRIAS 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 48 ANEXOS 51

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RESUMO Palavras-chave: Família - compadrio - escravidão O presente estudo objetiva analisar alguns aspectos do compadrio e da família escrava em Guarapuava através de pesquisa em documentações eclesiásticas, quais sejam os assentos de batismos e os róis de paroquianos da freguesia de Nossa Senhora de Belém, no terceiro planalto paranaense, referente aos anos de 1842 e 1863. Utilizando essa periodização, recortamos uma amostra dos batismos realizados organizando-os em série de dados para melhor classificação. O cruzamento de informações entre os dois tipos de fontes manipuladas proporcionará verificar a estabilidade das famílias escravas no tempo. Os altos índices de ilegitimidade entre os nascidos no cativeiro na região demonstra que o acesso ao casamento sancionado pela Igreja era limitado entre os escravos, entretanto esse fator não foi impeditivo para a formação familiar. A instituição do compadrio foi amplamente utilizada pelos escravos, inaugurando assim outro tipo de laço parental, o de caráter espiritual. Na análise das escolhas dos padrinhos poder-se-á desvendar as estratégias de senhores e escravos por trás dos arranjos utilizados ante a pia batismal. Por fim investigaremos a trajetória de Miguel, escravo e Libânia Fernandes, liberta que foram os padrinhos mais presentes nos registros.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo presta se a investigar alguns aspectos da família escrava em uma

área de economia voltada para o abastecimento interno, e de escravaria pouco impactada

pelo tráfico atlântico. Guarapuava foi uma dessas áreas do Brasil meridional que, mesmo

após o término do desembarque de novos escravos africanos e o posterior acirramento do

tráfico interprovincial, onde regiões de economias mais dinâmicas e voltadas para as

exportações atraíam novos braços cativos1, conseguiu manter positivo o crescimento de sua

população escrava2·. A família escrava em Guarapuava será analisada, através dos dados

existentes nos arquivos eclesiásticos, a partir das relações que os cativos mantinham entre

si e em relações aos demais livres da sociedade. Procurará resgatar trajetórias individuais e

familiares desses agentes para poder reconstituir as redes de convívio que permeiam a

sociedade da época.

Alguns estudos recentes vêm adotando essa perspectiva para o caso paranaense, e

no que diz respeito a Guarapuava destacam se a tese de doutoramento de Fernando Franco

Netto3 onde o autor realiza uma pesquisa profunda nos arquivos tais como, listas

nominativas, registros paroquiais, inventários pos-mortem, relatórios provinciais, etc,

elaborando um extenso levantamento demográfico para a região na primeira metade do

século XIX, e esmiuçando algumas características da comunidade escrava. Outro estudo

que merece destaque é a dissertação de mestrado de Fábio Pontarolo4 onde ele reconstitui a

trajetória de pessoas condenadas ao degredo para a região e sua incorporação à sociedade

através também das listas nominativas e de outras documentações que lhe permitiram

localizar esses indivíduos em meio aos demais livres, índios e escravos.

Tais estudos refletem a riqueza das fontes disponíveis e a possibilidade de se

trabalhar quantitativa e qualitativamente. Se num primeiro contato o material parece

1 PEREIRA, M. R. M. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829 – 1889. Curitiba: Ed. da UFPR, 1996. P. 57 – 58. Em seu estudo sobre a rearticulação da sociedade paranaense oitocentista o Prof. Magnus Pereira constata que, com a elevação do preço dos escravos causada pela demanda cafeeira, a mão de obra cativa paranaense sofreu com o tráfico interno para a região causando mudança na estrutura de posse de cativos no Paraná, a que o autor irá chamar de “desagregação do escravismo no Paraná” 2 Segundo dados populacionais levantados por NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro ,2007; a população cativa do local só sentiria o impacto da crise na oferta de mão-de-obra cativa do período pós fim do tráfico atlântico em fins da década de setenta, já no período final da escravatura. 3 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro ,2007. 4 PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetórias de degredados em Guarapuava, século XIX. Dissertação de mestrado. Paraná: UFPR, 2007.

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enfadonho e prolixo, estudos como esses nos mostram que na verdade o exame minucioso

e o cruzamento com as mais variadas fontes pode ser revelador das formas de sociabilidade

em que os sujeitos ali arrolados estão inseridos.

A ocupação efetiva dos Campos de Guarapuava deu se a partir de 1810 por força de

uma determinação régia que mandava ocupar aquela região a fim não só de tomar posse do

território, almejados pelos espanhóis, como dispersar as tribos indígenas da região tidas

como bravias. Entretanto a fixação definitiva e a criação da Freguesia de Nossa senhora de

Belém de Guarapuava acontece somente em 1821, ficando o primeiro assentamento, o

fortim de Atalaia um posto avançado de vigilância. A ocupação de Guarapuava não

contemplava somente o aspecto militar, que a esta altura já havia desviado seu foco mais

para o sul no contexto da região da Prata, mas cumpria seu papel de abrir a fronteira

agrária desenvolvendo a economia tropeira na região dos Campos Gerais. A extensa região

de Castro a Guarapuava poderia assim receber grande incremento nas atividades de

pecuária e agricultura, e posteriormente, com a abertura do caminho das Missões,

Guarapuava se integraria definitivamente no eixo da economia tropeira que ligava o sul às

feiras de Sorocaba.

Um dado de vital importância no estudo do caso de Guarapuava é que esta região se

trata de uma fronteira agrária aberta, pois, segundo definição do Prof. Carlos Lima, a

disponibilidade de terras cultiváveis e relativamente acessíveis a boa parcela da população

teria atraído grandes levas de migrantes pobres e livres de cor à região5. Dados relativos ao

crescimento populacional da região durante a primeira metade do século XIX corroboram

o processo migratório em curso6, onde verifica se uma constante entrada de novos

povoadores, principalmente agregados, ou livres pobres.

Por volta de meados do XIX a economia paranaense era caracterizada pelo cultivo

e beneficiamento da erva mate, da criação, invernagem e comércio de gado além da

produção de alimentos7. Essas características davam um matiz particular ao escravismo

paranaense, que longe das áreas agro-exportadoras que canalizaram grande parte da

demanda escrava para si, principalmente após 1850, com o fim definitivo de novos

desembarques.

5 LIMA, C. A. M. Sertanejos e pessoas republicanas livres de cor em Castro e Guaratuba (1801 – 1835). Estudos Afro-Asiáticos, ano 24, nº 2, 2002, pp. 317 – 344. p. 320. 6 NETTO, Fernando Franco. op. cit. p.59. O autor faz um levantamento do período de 1828-1840 e chega a cifra de 8,6% de taxa anual geométrica de crescimento da população. Separando por condição social: 7,8%/livre, 6,8%/ escravo, 12,5%/ agregados. 7 BALHANA, A. P.; MACHADO, B. P. & WESTPHALEN, C. M. História do Paraná.1º volume. Curitiba: Grafipar, 1969. p. 110.

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A família escrava vem recebendo crescente atenção por parte da historiografia

recente. O trabalho com as listas nominativas, ou mapas da população em conjunto com

outras fontes (inventários post-mortem, registros paroquiais, registros cartorários entre

outros), tem tido sucesso como documentos privilegiados para tratar do tema. Entretanto

ela também possui suas limitações, e não são poucas. Tomemos o um exemplo: os registros

de casamentos. Segundo Hebe Matos de Castro era prática no período colonial os registros

de casamento de escravos serem inseridos em volumes distintos das pessoas livres,

portanto os livros eclesiásticos substituíam o registro civil e legitimavam direitos

individuais e de família8. E, se levarmos em conta o número de casamentos entre escravos

sancionados pela igreja, teremos que ponderar como fez Stuart Schwartz “o casamento

formal na Igreja não era comum entre os escravos, o que não significa que não tivessem

família ou que o parentesco não fosse importante em suas vidas.” 9·. Os altos índices de

ilegitimidade, encontrados nos registros de batismo ora trabalhados aqui, nos faz levar a

crer na existência de muitas uniões ditas consensuais que, no entanto são de difícil alcance

pelas fontes trabalhadas.

As fontes primárias utilizadas no trabalho constam de documentos eclesiásticos

atualmente arquivados na Catedral Nossa Senhora de Belém de Guarapuava e, de maneira

geral, encontram se em ótimo estado de conservação e leitura. Servirão de balizas para esse

estudo dois levantamentos paroquiais realizados em 1842 e em 1863 pelo clérigo local, o

cônego Antonio Braga de Araujo10. São livros de controle eclesiástico denominado Rol de

Paroquianos que em sua estrutura é parecido com as listas nominativas de habitantes,

muito utilizadas em vários estudos populacionais.

As referidas fontes nos permitem traçar o panorama da sociedade em questão em

dois momentos distintos, e no percurso de um ponto a outro analisei os dados de outra

fonte de crucial importância para o entendimento da família escrava no Brasil: trata-se do

Livro de Assentos de Batizados de Escravos11. Através dos registros nele contidos

podemos reconstituir as formas de sociabilidade que envolviam a família escrava. A

8 MATTOS, H. M. Laços de família e direitos no final da escravidão. In: Império: a corte e a modernidade nacional. Coord.Fernando A. Novais; Org. Luiz Felipe Alencastro. 9 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial ,1550-1835. São Paulo, Companhia das Letras, 1988 10 Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga de Araújo (1842). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, s/p. Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga de Araújo (1863). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, fls. 01-143. 11 Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B, fls. 01-198.

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principal delas é o compadrio, pois numa sociedade centrada no cristianismo, um de seus

principais sacramentos, o batismo, é o que confere a inserção do indivíduo no corpo social,

estabelecendo uma relação parental, e espiritual entre padrinhos e batizandos e seus pais12.

Informações importantes acerca das ligações estabelecidas entre os envolvidos podem ser

extraída desses documentos como, nome, data de nascimento, estado civil, condição social

dos pais, de seus proprietários, padrinhos, proprietários dos padrinhos, se escravo, relações

parentais entre padrinhos, etc.

Sob o regime do padroado grande parte da burocracia estatal tinha ficado sob a

responsabilidade da Igreja, o registro dos nascimentos, bem como dos casamentos e óbitos,

tradicionalmente vinham sendo anotados pelo clero. Em relação aos batismos, desde 1707,

com a promulgação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, legislação

canônica que dispunha sobre a aplicação das normas eclesiásticas à realidade colonial, a

Igreja impunha requisitos mínimos para a validade do ato. Vemos em nossas fontes que o

pároco que redigia os documentos, Antonio Braga de Araujo, serviu de padrinho em dois

momentos, o que não era permitido pela regulamentação da Bahia. Em recente estudo

sobre o compadrio em Palmeira, Monique Seidel encontrou 132 assentos batismais onde,

na ausência da madrinha, um segundo padrinho apadrinhava o inocente, o que também

destoa da norma eclesiástica13.

Dessa forma percebemos a existência de muitos registros de batismo onde consta a

anotação de “pai incógnito”, ou seja, filhos fruto de uma união não sancionada pela Igreja

através do matrimônio Católico. De um total de 231 registros analisados nesse estudo, a

grande maioria, em 177 casos, pode ser classificada como filhos de pai incógnito, ou filhos

naturais. A falta de pai declarado não suprime a existência da família escrava estável, como

sugere o pioneiro estudo de Manolo Florentino e João Fragoso14 onde os autores rebatem

as idéias que colocam família escrava e tráfico como excludentes. Numa área de economia

de plantation como é o caso de Paraíba do Sul, no vale do rio Paraíba, cafeeiro, os autores

constataram que a existência de famílias escravas estáveis é um dado primordial na hora da

compra e venda ou na partilha pelos herdeiros. Sem dúvida a localização de Guarapuava,

12 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997. p, 92. Os autores argumentam que os laços de compadrio foram utilizados pelos escravos como estratégia de coesão. 13 SEIDEL, Monique A. O Compadrio Escravo na Freguesia de Palmeira: Perspectivas e Trajetórias (1831-1850). Monografia de conclusão de curso de História,UFPR 2010. 14 FRAGOSO,João Luís Ribeiro & FLORENTINO, Manolo Garcia. Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872). Estudos Econômicos, vol. 17, n. 2, 1987. p. 156. Para a década de 1870 os autores confirmaram, utilizando inventários post-mortem, a existência de 56,3 de escravos com ligações parentais.

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longe dos centros voláteis da economia, em relação aos planteis escravos, contribui para a

melhor configuração das famílias cativas. Outro dado importante, e que corrobora a

estabilidade familiar nos planteis é a apuração do intervalo entre os nascimentos dos filhos

da mesma mãe. Resultados próximos a uma média de dois ou três anos denotam a

existência de uniões consensuais, uma vez que em uniões legitimadas, mesmo entre os

livres, encontraremos resultados iguais.

Analisando os padrões de escolha dos padrinhos, salta aos olhos a esmagadora

preferência por pessoas livres como padrinhos. Essa tendência é ponto comum em diversos

estudos sobre o compadrio em áreas onde as escravarias são pouco numerosas em relação a

outras áreas do Brasil Império de economia mais dinâmicas. Esse padrão de escolha pode

estar ligado às expectativas e estratégias levadas a cabo pelos escravos no momento da

escolha dos padrinhos. Um padrinho livre teria melhores condições materiais para auxiliar

seu afiliado quando ele precisasse. De outra forma a escolha poderia ter partido de seu

senhor na tentativa de estreitar laços com certa pessoa ou família. Em Guarapuava as

possibilidades de formação de relações parentais, sejam consangüíneas ou espirituais,

foram concretas durante o período analisado. Para exemplificar destacaremos a trajetória

do casal de padrinhos que mais estiveram presentes ante a pia batismal: Miguel e Libânia

Fernandes, ele escravo e ela liberta

Os dados levantados possuem semelhanças e disparidades com outros estudos sobre

o compadrio escravo em áreas com plantéis diminutos. Em pesquisa comparada sobre o

compadrio em Curitiba e na Bahia, Stuart Schwartz argumenta que em nenhum batismo o

padrinho foi o próprio senhor dos escravos para o caso curitibano, o que coincide com o

caso guarapuavano. Entretanto o autor afirma que raramente os padrinhos tinham laços de

parentesco com o senhor dos escravos, o que para nossa especificidade não procede15.

Também há um grande numero de senhores de outros escravos apadrinhando, talvez em

razão da característica de pequenos plantéis existentes em Guarapuava.

Portanto é preciso compreender as especificidades do caso de Guarapuava, levando

em consideração não só o evidente argumento de se tratar de uma economia voltada para o

mercado interno, mas compreender os significados da fronteira agrária aberta e sua relação

com essa dinâmica demográfica peculiar.

15 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

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1. GUARAPUAVA: FORMAÇÃO.

A partir da segunda metade do século XVIII as atenções da metrópole portuguesa

recaíram sobre as regiões fronteiriças da Colônia. Com o advento do Tratado de Madri em

1750, que consagrou o princípio romano do uti possidetis, a única forma de garantir a

posse permanente das regiões a oeste do revogado Tratado de Tordesilhas era com a

formação de novos núcleos populacionais. Estes territórios ainda eram motivos de

contenda, o que demandava ações urgentes por parte dos portugueses visando proteger

suas possessões limítrofes aos domínios hispânicos. 16

No comando da Capitania de São Paulo, Dom Luis Antonio de Souza Botelho

Mourão, o Morgado de Mateus, recebera instruções do Marques de Pombal de estender os

domínios da região meridional da Colônia até a região do Prata. O terceiro planalto

paranaense, mais conhecido como Campos de Guarapuava, foi objeto de interesse para as

pretensões em questão sendo enviadas já entre 1768 e 1774 sucessivas missões a fim de

reconhecer o território e estabelecer contatos com os índios da região. O recrutamento não

era fácil, uma vez que circulavam notícias sobre a ferocidade dos índios daquela região, as

autoridades tinham que lançar mão de diversos expedientes, dentre eles o envio de

criminosos e “vadios” 17. A conquista desses territórios a oeste e a sul da Capitania de São

Paulo não satisfaria somente o desejo de posse e defesa, mas também o desenvolvimento

econômico do tropeirismo na região.18

Dentre as ditas expedições exploratórias a que mais teve sucesso foi a comandada

por Afonso Botelho que tendo estabelecido contato com índios Xaklan, então conhecidos

como Coroados, produziu uma narrativa carregada de simbolismo e dos motivos

civilizatórios da conquista19. Produziu descrições acerca da topografia e dos rios do local,

além de detalhar a localização precisa dos aldeamentos indígenas. Entretanto, logo após o

primeiro contato em 1772, os indígenas se mostraram hostis matando sete integrantes da

16 TAKATUZI, T. Águas Batismais e Santos óleos: uma trajetória histórica do Aldeamento de Atalaia. Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2005.p.15. 17 PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetórias de degredados em Guarapuava, século XIX. Dissertação de mestrado. Paraná: UFPR, 2007. p.28-30. O autor afirma que nessas primeiras expedições as autoridades já utilizavam desse recurso: “Tendo em vista a falta de contingente nos postos de milícia e o pavor difundido entre a população em relação aos sertões repletos do ‘gentio’, Morgado de Mateus incitou criminosos da capitania a formarem uma bandeira rumo ao “vasto e inculto” sertão do Tibagi. Dessa forma, em um bando (edital) de cinco de dezembro de 1766, o governador ordenava a organização de bandeiras que quisessem rumar para aquelas partes do território”; p.28. 18 Idem, p.37. 19 Idem ibidem, p.32.

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expedição de Botelho. Ao todo mais de dez expedições foram enviadas nessa primeira

tentativa de conquista dos Campos de Guarapuava, que malogrou.

Esses incidentes contribuíram para criar uma imagem negativa dos índios,

repercutindo nas futuras ações de conquista daqueles territórios. O povoamento do segundo

planalto paranaense dependia da expulsão da população nativa local. O negócio de criação

e invernagem de gado prosperava as margens do caminho de Viamão, principal rota dos

criadores que vinham da região de Vacaria, no Rio Grande, para Sorocaba, centro

comercial desses animais para toda a Colônia. A oposição violenta dos nativos da região

obstava o desenvolvimento da economia tropeira nos Campos Gerais que, dependente das

boas condições e segurança das estradas, reclamava das investidas dos indígenas,

principalmente Kaingang, sobre as tropas que por ali passavam20.

Com a chegada da família Real portuguesa em 1808 o objetivo de conquista dos

Campos de Guarapuava voltou à carga. Dom João VI assina uma Carta Régia intitulada

“Sobre os índios Botocudos, cultura e povoação dos campos geraes de Coritiba e

Guarapuava”21 em novembro de 1808 onde declarava guerra aos ditos índios, mandando

recrutar tropas em Curitiba e em toda a capitania. No ano seguinte surgiu outra Carta,

menos virulenta, mandando instruir os indígenas por meio da catequese.22 Para o comando

da missão foi designado o coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal, comandante do

regimento de cavalaria da milícia de Curitiba, organizando uma tropa com cerca de

duzentos homens armados, e por volta de cem povoadores voluntários partindo de Curitiba

em agosto de 180923. Além dessas pessoas ainda seguia outras, como escravos e

degredados, pessoas conhecedoras de algum ofício ou língua indígena, além do padre

Francisco das Chagas Lima experimentado na catequese indígena.24

Chegando aos Campos de Guarapuava em junho de 1810, a tropa alcançou o último

ponto alcançado pela expedição de Afonso Botelho, no lugar denominado Atalaia onde

fundaram a povoação construindo um fortim. A intenção da Coroa, a partir da segunda

20 Idem ibidem, p.36. 21 Carta Régia de 5 Novembro de 1808: “Sobre os índios Botocudos, cultura e povoação dos campos geraes de Coritiba e Guarapuava”. In: SIMÕES, Joaquim Isidoro. Collecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p.156-159 ;Referenciado por PONTAROLO (2007). 22 Carta Régia de 1 de Abril de 1809: “Approva o plano de povoar os Campos de Guarapuava e de civilisar os indios barbaros que infestam aquelle territorio”. In: SIMÕES, Joaquim Isidoro. Coleção das Leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p.36-39. Referenciado por PONTAROLO (2007). 23 FRANCO,Arthur Martins. Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava. Curitiba: tipografia João Haupt & CIA, 1943. 24 PONTAROLO (2007), p.38.

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Carta Régia, era de trazer os indígenas para a cristandade e incorporá-los a povoação em

formação, daí a presença do clérigo Chagas Lima que gozava de grande prestígio na

atividade25. Entretanto, se demonstrassem hostilidade era autorizado o aprisionamento e

utilização nas fazendas como administrado26.

Em 1819 era criada a freguesia de Nossa Senhora de Belém, não mais na localidade

denominada Atalaia, que permaneceu apenas como aldeamento indígena, mas em local

escolhido pelo missionário Chagas Lima como mais apropriado, erigindo em 1821 a capela

inicial da Igreja de Nossa Senhora de Belém. Como mandava a Carta Régia, as primeiras

concessões de terras foram dadas aos colonizadores e alguns fazendeiros dos Campos

Gerais que colaboraram com a empreitada.

A formação da sociedade campeira nos Campos Gerais na segunda metade do

século XVIII de certa forma deu origem a elite senhorial que se estabeleceu nos Campos

de Guarapuava.27 Essa sociedade era caracterizada por uma rígida hierarquia centrada em

famílias proprietárias que, nas primeiras décadas do século XIX, apoiadas no trabalho

escravo, expandiam seus negócios e ditavam a política regional. Por essa altura, essas

fazendas eram administradas a distância, ou seja, os proprietários eram absenteístas, ou

deixavam-na a cargo de capatazes ou dos filhos. Para exemplificarmos temos o caso de

Domingos Inácio de Araujo que, residindo em Palmeira esse proprietário e conhecido

traficante ilegal28 de escravos, mantinha posses em várias localidades dos Campos Gerais

bem como em Guarapuava e em Palmas. Encontramos menção sua nos registros de

batismos como proprietário de escravos de fazenda pertencente a ele e administrada por

seu filho Manoel Marcondes de Sá29.

A expansão campeira para o terceiro planalto contribuiu para um significativo

aumento populacional no sul da capitania, atual Estado do Paraná, que saltou de 21.000

pessoas em 1798, para 36.700 pessoas em 1830, segundo dados de Iraci del Nero Costa e

Horácio Gutiérrez30. Com a fronteira agrária aberta havia maior disponibilidade de terras

agricultáveis e de relativo acesso a boa parcela da população, o que teria atraído grandes

25 TAKATUZI, T. Águas Batismais e Santos óleos: uma trajetória histórica do Aldeamento de Atalaia. Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2005.p.30-31 26 Idem ibidem, p.35. 27 Idem, ibidem, p.32 28 LIMA, Carlos A. M. Tráfico Ilegal para a Fronteira Agrária: Domingos Inácio de Araújo (1830-1851). Anais do 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2009. 29 Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B, fls. 01-198. 30 COSTA, Iraci del Nero da & GUTIERREZ, Horacio. Paraná: Mapas de Habitantes 1798-1830. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1985.

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levas de migrantes pobres livres e de cor nesse grande movimento de expansão para o

oeste31. Podemos localizar esses grupos em nossa fonte, como nos róis de paroquianos, as

vezes chefiando domicílios ou, mais comumente, como agregado em outro domicílio, por

vezes junto a escravaria do chefe domiciliar. Segundo dados levantados por Fernando

Franco Netto em seu estudo sobre a população de Guarapuava na primeira metade do

século XIX, a taxa anual geométrica de crescimento populacional no período de 1828 a

1840 chega a 8,6 %. Separando por condição social temos 7,8% entre os livres, 6,8% nos

escravos e 12,5% de crescimento dos agregados32.

1.1 GUARAPUAVA: POPULAÇÃO E ESTRUTURA DE POSSE ESCRAVA.

Durante o período inicial, de formação da sociedade guarapuavana no século XIX,

a população teve uma dinâmica de crescimento característica de uma área de fronteira. A

política de povoamento da região era ditada pelas necessidades de posse e defesa territorial

bem como de incremento da atividade de criação e invernagem de animais buscando novas

terras para expandir seus rebanhos. A chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em

1808 proporcionou um aumento da demanda e uma nova postura, mais vigorosa, de

expandir seus domínios na parte meridional do Brasil. A localização da então 5ª Comarca

da Capitania de São Paulo, que deu origem ao atual Estado do Paraná, era privilegiada por

estar no meio do caminho entre o Rio Grande e a região do Prata, fornecedores de animais,

e os mercados consumidores do sudeste, que afluíam de toda a parte para a feira de

Sorocaba, tradicional centro comercial desse ramo de atividade.

Em vista desse perfil de área voltada para o abastecimento interno e de cultura para

subsistência, a posse da terra, de braços para trabalhá-la, sejam cativos ou agregados, ou

ainda, por determinado tempo a indígena local, era característica central de sua população.

O gradativo sucesso das empreitadas tropeiras garantiu um contínuo afluxo de pessoas que

se estabeleciam definitivamente na região. Tal sucesso gerou certa estabilidade na região,

que não parava de se expandir, dando condições à formação de famílias em todos os

31 LIMA, C. A. M. Sertanejos e pessoas republicanas livres de cor em Castro e Guaratuba (1801 – 1835). Estudos Afro-Asiáticos, ano 24, nº 2, 2002, pp. 317 – 344. p. 320. 32 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007.p.59.

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grupos populacionais presentes, o que pôde ser verificado através das listas nominativas

produzidas ao longo do período33.

Em seus primeiros anos o povoamento se deu majoritariamente com a presença

masculina em vista da instabilidade inicial da conquista. Entretanto no decorrer dos anos,

principalmente com a fixação definitiva do núcleo populacional, por volta de início da

década de 1820, a pequena freguesia passava a receber cada vez mais habitantes, muitos

pobres livres e de cor, atraídos pela promessa de prosperidade futura dos negócios, e a

existência de grandes porções de terras teoricamente disponíveis. Alguns conseguiriam

pequenos lotes para plantio de gêneros de subsistência, e a criação de pequenos rebanhos, e

outros se estabeleceriam junto a proprietários de mais recursos na condição de agregado.

Com efeito, esse grupo foi o que apresentou maior crescimento no período de 1828-1840,

passando de 29 indivíduos para 119, uma variação de 310%, tendo a participação no total

da população saltado de 9,8% para 15%34. Havendo aumento significativo de pessoas

livres se estabelecendo na nova freguesia, cresce da mesma forma o número de domicílios,

que em 1828 perfaziam 55 fogos, passando a 143 em 1840, num total de 795 habitantes,

mesmo com a existência de muitas propriedades cujos donos eram “absenteístas”, ou seja,

não residiam oficialmente no local. Segundo levantamento censitário realizado em 1854,

Guarapuava e seu distrito Palmas já contava com 3254 indivíduos, sendo 2717 livres e 537

escravos. Pelo censo geral de 1872 esses números sobem para um total de 8462 habitantes,

7613 livres e 849 escravos, para as duas localidades. Abaixo podemos visualizar o

crescimento populacional citado35.

Segundo levantamento de Franco Netto, a população de livres era

predominantemente masculina e jovem, concentrando-se na faixa etária de 0 a 34 anos.

Dentro dessa faixa etária as crianças respondiam com grande parte. Com o tempo a razão

de sexo passou a um maior equilíbrio de forma mais veloz se comparada ao grupo escravo,

ou se incluirmos a categoria de agregados. Estes dados confirmam a estratégia dos

33 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro ,2007. O autor faz um levantamento demográfico da população para a primeira e segunda metade do oitocentos utilizando as listas nominativas de habitantes confeccionadas nos anos de 1828, 1835, 1840 e o censo geral de 1872, dentre outras fontes dispersas no período. Trata-se de um estudo de fôlego que deu importante suporte para o presente trabalho. 34 Idem ibidem, p.125. 35 Retirado do trabalho de Franco Netto.

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proprietários em atrair indivíduos para o trabalho produtivo, uma vez que a concentração,

tanto de escravos como de agregados, se dava principalmente na faixa de 15 a 34 anos36.

Importante ressaltar a vigência de processos incorporativos e de assimilação de

outros grupos na sociedade, caso dos indígenas e dos degredados. Para o primeiro grupo há

uma predominância de indivíduos do sexo feminino, parecendo que havia uma maior

suscetibilidade para apresamento e catequese. No tocante aos degredados, sabe-se que

Guarapuava era usual destino de apenados de toda a província, expediente recorrente das

autoridades que os remetiam para a região a fim de engrossar o contingente populacional,

estabelecendo definitivamente na região. Esses foram efetivamente inseridos, social e

economicamente, na sociedade estabelecendo laços, seja através do matrimônio, seja por

suas ocupações. Destaco em relação aos degredados o importante estudo de Fabio

Pontarollo que pesquisou a inserção desses degredados em Guarapuava, inovando os

estudos sobre o tema ao focar a trajetória dos mesmos, o cumprimento da pena, e as

estratégias levadas a cabo por esses indivíduos para se incorporarem a sociedade37.

A miscigenação era um fator que caracterizava essa sociedade, haja vista os que os

dados apontam a predominância de pessoas não brancas compondo mais da metade da

população total. Franco Netto argumenta que até 1840 a situação era de 48% da população

36 Idem ibidem, p.126 37 PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetórias de degredados em Guarapuava, século XIX. Dissertação de mestrado. Paraná: UFPR, 2007.

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caracterizada como branca, situação que só se inverteria na apuração do Censo de 1872

onde se contou 53,1% de brancos. O panorama mostrado por esse censo exibe uma

Guarapuava mais complexa do ponto de vista econômico. Há uma diversificação das

atividades especializando-se cada vez mais devido as necessidades de uma população que

crescia fortemente. Mas, sobretudo constatou o fortalecimento das atividades ligadas à

pecuária, uma vez que, dos 80 indivíduos que se dedicavam a atividade no Paraná, 51

residiam em Guarapuava e Palmas38.

Em relação aos escravos verificou-se um crescimento de 442 pessoas de 1840 a

1854, o que representou um aumento cerca de 11% maior do que a população de livres. Em

1872 o numeral de escravos chega à cifra de 849 indivíduos, crescendo a uma média anual

de 2,65%. Trata-se de um grupo muito jovem, de maioria masculina, crioula e solteira e

com grande participação de crianças nos plantéis. Essa constatação serve não só para

comprovar a grande capacidade de crescimento natural da escravaria, como respalda a

forte presença de famílias escravas, expediente pelo qual os proprietários poderiam

multiplicar seus plantéis num período de crise do mercado de cativos. Embora houvesse

uma leve predominância de homens, a reprodução endógena reduzia a razão de sexo ente

os escravos a taxas bem diferenciadas de outras áreas, de economia voltada às exportações

ou onde o tráfico atlântico teve mais relevância. Segundo Stuart Schwartz, estudando

inventários em Salvador, onde a razão de sexo se mostrou bastante elevada, “quanto maior

a presença africana, menor a dependência com relação ao crescimento natural e maior a

razão de masculinidade” 39.

O incremento na população cativa pode ser verificado em todo o século XIX e,

mesmo sabendo da capacidade de reprodução via familiar, devemos levar em consideração

que também boa parcela desses escravos estava migrando com seus proprietários para

essas novas áreas, constituindo um ambiente extremamente favorável a mobilidade

espacial, variando sobremaneira o tamanho dos plantéis. Com o passar dos anos a

participação dos infantes nas escravarias diminui devido ao próprio envelhecimento da

mesma e, com as dificuldades de novas aquisições no mercado, inerente à crise na oferta,

38 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007.p.126 39 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. p.288

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os plantéis vão, grosso modo, se mantendo estáveis, o que equivale dizer que a família

escrava também o era40.

De maneira geral a estrutura de posse cativa em Guarapuava pode ser caracterizada

pela predominância de pequenos plantéis, o que nos força a estabelecer padrões

diferenciados no que tange a definição entre pequenas, médias e grandes propriedades no

comparativo com outras regiões de economia voltada as exportações. Para as áreas mais

periféricas como no nosso caso, é comum utilizar o modelo de 1 a 4 escravos como

pequena propriedade, de 5 a 9 como média e mais de 10 como grandes plantéis. Estudando

a estrutura de posse escrava para a primeira metade do século XIX Franco Nettto chegou a

conclusão que a propriedade de escravos era privilégio de poucos. Em 1828 dos 55

domicílios, 16 possuíam escravos, perfazendo um total de 29,1%. Em 1835 esse percentual

reduz para 20,3% do total das propriedades, reduzindo novamente em 1840 para 18,2%.

Dos 26 proprietários para esta data, 18 possuíam de 1 a 4 escravos, 7 de 5 a 9, e apenas um

proprietário possuía mais de 10 escravos. Também é notório que essas propriedades, em

sua grande maioria, estavam intimamente ligadas às atividades de criação de animais e

40 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007. p.209

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lavoura de alimentos. Nos três períodos o autor verificou a existência de novos

proprietários migrando para a região com suas famílias, escravos e agregados. Casais

formados possuíam mais cativos do que os domicílios chefiados por solteiros ou viúvos.

Dado interessante mostra que em 1840, das propriedades possuidoras de cativos 70% delas

também possuía agregados, mostrando que essa mão-de-obra foi amplamente utilizada41.

A posse média de escravos em 1828 ficou em 2,7 indivíduos por propriedade,

permanecendo estável em 1835 e aumentando para 3,6 em 1840. Já para a segunda metade

do século esse numeral salta para 6,7, resultado do fortalecimento das atividades de criação

e lavoura verificadas no período, principalmente após a abertura da estrada para as missões

que colocou Guarapuava definitivamente no centro da economia tropeira. O autor constata

que a proporção entre os sexos gradativamente vai equilibrando a predominância

masculina, facilitando a criação de arranjos familiares entre os escravos. Por fim constata

que quanto maior a posse de braços cativos, tanto maior era a produção de riqueza na

região, sendo esse um requisito para o sucesso nos negócios, bem como o auxílio de

agregados42.

1.2 CONSIDERAÇOES ACERCA DA HISTORIOGRAFIA DA FAMÍLIA ESCRAVA.

A maneira como os estudiosos vêem a experiência da escravidão, uma instituição

que perdurou por mais de trezentos anos e marcou sobremaneira o passado brasileiro, tem

sofrido profundas alterações com o passar do tempo. Com freqüência vemos a delimitação

de três momentos da historiografia sobre o tema, marcando modos de abordagem quase

sempre conflitantes: o primeiro a partir dos pioneiros estudos de Gilberto Freyre na década

de 30, em especial no clássico Casa Grande & Senzala; numa segunda fase,

diametralmente oposta a primeira, com as publicações da chamada Escola Sociológica

Paulista, que conta com estudiosos como Florestan Fernandes, Roger Bastide, Octavio

Ianni, Emilia Viotti da Costa; e por fim as pesquisas mais recentes, que a partir da década

de 1980 passaram a diversificar as temáticas e fontes refutando parte das posições

defendidas por ambas as vertentes anteriores.

As pesquisas de Freyre revolucionaram a maneira de encarar a questão racial no

Brasil, numa época em que estudiosos como Nina Rodrigues e Oliveira Vianna colocavam

41 Idem ibidem, p.266. 42 Idem, p.267.

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em cheque as capacidades sociais do elemento negro, ele destaca o papel da miscigenação

na formação brasileira. Assim como é “canônica” a obra de Gilberto Freyre, também o é as

críticas feitas ao seu pensamento em vários estudos ao longo do tempo. A principal delas

diz respeito ao fato de o autor ter retratado as relações escravistas com cores mais amenas

do que na realidade se supõe. Visão esta que se tornou o principal alvo de ataques dos

estudiosos da década de 1960, que exaltavam em suas obras a violência inerente às

relações entre senhor e escravo, legando aos últimos o papel de meras mercadorias,

incapazes de reagir, formar família, de terem esperanças e recordações, em suma, o

escravo foi “coisificado” 43. Sem dúvida esses autores procuraram ressaltar as dificuldades

enfrentadas pelos escravos diante das más condições do cativeiro que, por sua vez, teriam

dificultado os relacionamentos estáveis e até impedido completamente as possibilidades de

constituição de famílias entre eles. Superestimaram fatores como excesso de homens sobre

as mulheres, separações de famílias pelo tráfico interno, as violências cometidas pelos

senhores, em detrimento das possibilidades de formação de família. Segundo Robert

Slenes alguns autores não fizeram adequadamente uma revisão crítica do conteúdo de

algumas obras, e relatos contemporâneos ao escravismo, manipulando e reeditando certos

preconceitos. Entretanto, mesmo aqueles trabalhos recusando a associação, feita por

diversas fontes primárias, entre promiscuidade e atributos da “raça”, eles mantém a posição

de inexistência de uma vida sexual regrada entre os escravos, fruto de sua condição

degradante. Slenes critica essa postura afirmando que “se eles tiram das costas do negro o

fardo da raça, substituem-no por um fardo sociológico também bastante pesado”.44

Já na década de setenta, Kátia de Queiroz Mattoso, em sua importante obra Ser

Escravo no Brasil, desconfia da imagem do escravo-coisa, completamente a mercê das

vontades arbitrarias de seu senhor. Contribuiu decisivamente com sua percepção de que os

escravos poderiam constituir solidariedades para além do parentesco para orientar suas

vidas45. A partir dos anos 80 do século XX surgiram diversos estudos que buscaram um

diálogo maior com outras disciplinas, como a antropologia, e inovando com novos

métodos e perspectivas, em confluência com as mudanças na historiografia de maneira

geral. Contrapondo-se às idéias veiculadas pela Escola Paulista, as novas perspectivas

evidenciam a capacidade dos escravos de agir politicamente, se não alterando, ao menos

tornando suas condições mais humanas. Temáticas como, resistência, relações familiares e

43 SLENES, Robert W. Lares Negros, Olhares Brancos: Histórias da Família Escrava no Século XIX. Escravidão. Revista Brasileira de História, São Paulo, 1988: p.189-203. 44 Ibidem, p.191. 45 MATTOSO, Kátia Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.

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de compadrio, alforria, autonomia, trajetórias individuais e comunitárias, dão o tom das

pesquisas. Novas fontes são tratadas, e mesmo as que não são inéditas são relidas sob

outros ângulos e métodos. Para um estudioso de História do Brasil é importante levar em

consideração o peso e o legado da escravidão em seu passado e, no atual estágio dos

estudos sobre o tema, o percurso por obras com esse cunho torna-se indispensável.

Algumas obras formam a base teórica essencial para o desenvolvimento do presente

estudo, precisamente por ampliar as expectativas em relação às fontes ora trabalhadas no

que diz respeito à formação de laços familiares e de parentesco entre cativos. Estudiosos

como Florestan Fernandes pregavam que a destruição da família escrava era essencial para

a manutenção do escravismo, uma vez que solapava suas capacidades de ação política. De

encontro a essa idéia temos as pesquisas de Manolo Florentino e José Roberto Góes, que

argumentam que era só criando escravos com compromissos entre si que os senhores

podiam garantir a “paz” nas senzalas. Assim a existência da família é considerada um fator

basilar para a continuidade do escravismo, pois amainava possíveis rebeliões e fugas dando

aos escravos “algo a perder”.46 Em outro estudo Florentino, em parceria com João Luis

Ribeiro Fragoso, analisa a estabilidade das famílias escravas numa área de economia de

plantation através de sua continuidade em dois momentos cruciais, o da venda e o da

partilha, mostrando que esse dado era levado em consideração pelos proprietários.47

Outro autor, também bastante influente na temática, é o brasilianista norte-

americano Robert W. Slenes que, em suas investigações sobre o Oeste paulista descobre a

existência de famílias escravas regulares e extensas e além, a formação de uniões conjugais

de grande duração e a presença de muitas crianças que cresceram na companhia de seus

pais e irmãos.48 Critica contundentemente velhos mitos propagados pela historiografia de

que os escravos eram incapazes de formar famílias, de sua suposta “promiscuidade” e a

idéia da dominação pura e simples. Mesmo com a continuidade de novos desembarques,

pelo menos até 1850 via comércio ilegal, mesmo com um quadro de predominância dos

homens sobre as mulheres, a formação familiar não foi obstada, fazendo parte das

estratégias disponíveis para a melhora da situação de cativeiro. Sugere também que os

escravos africanos estariam perpetuando suas práticas culturais ancestrais, re-significando

46 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997. 47 FRAGOSO, João Luís Ribeiro & FLORENTINO, Manolo Garcia. Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabinda: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul (1835-1872). Estudos Econômicos, vol. 17, n. 2, 1987. 27 SLENES, Robert W. Na Senzala uma Flor: Esperanças e Recordações da Família Escrava (Brasil Sudeste, Século XIX), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

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a noção de família e comunidade. Sua exploração quantitativa dos dados - contidos em

registros paroquiais, nas listas nominativas de habitantes, em arquivos cartorários,

processos criminais e cíveis - permitiu concluir que as possibilidades de união estável,

sancionadas pela Igreja ou consensuais, eram concretas e de duração comparável a dos

livres.

Os debates sobre a família negra norte americana na década de 70 em grande

medida estimularam as reflexões, oferecendo novos métodos de análise e uma série de

questões que modificaram a definição de família escrava, sofrendo adaptações e ajustes

para a realidade brasileira. Stuart Schwartz e o antropólogo Stephen Gudeman examinaram

outras formas de ligações sócio-afetivas em que os escravos estavam inseridos, a principal

delas o compadrio49. Buscaram, dessa forma, abrir a compreensão das relações de

parentesco estabelecidas pelos escravos através da firma do parentesco fictício, diversa das

formas consangüínea e jurídica. Amparados pela perspectiva antropológica, eles entendem

que os laços espirituais instituídos no ato do batismo uniam definitivamente o batizando e

seus padrinhos, e esses aos pais da criança, sendo tais laços levados para fora do âmbito da

Igreja, na vida social dos envolvidos. Schwartz em outro estudo compara os padrões de

compadrio em duas regiões distintas, em Curitiba e no Recôncavo baiano, a primeira de

predominância de pequenas escravarias e de origem crioula, e a segunda notadamente uma

área altamente impactada pelo tráfico atlântico de africanos, e grande concentração de

cativos nos plantéis. Para os autores havia incompatibilidade entre parentesco espiritual e

propriedade de escravos, uma vez que eram raros os casos em que o padrinho era o próprio

senhor dos escravos.50

A partir dessas precursoras obras no Brasil, os trabalhos sobre as relações de

compadrio vêm se destacando dentro dos estudos sobre a escravidão, em grande medida

pelo fato de o batismo ter sido o sacramento católico mais comum no cativeiro. Trabalhos

posteriores surgiram tratando de regiões as mais variadas, por vezes estabelecendo padrões

segundo as especificidades econômicas e sócio-culturais.

A relativa profusão de pesquisas dedicadas ao tema tem proporcionado a utilização

do recurso da comparação para áreas que se assemelham, ou destoam, em seu perfil

estrutural. Nesse sentido o trabalho com fontes paroquiais, em especial os registros de

49GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. "Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII". In: REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos Sobre o Negro no Brasil. São Paulo:Brasiliense, 1988. 50 SCHWARTZ, Stuart. B. “Abrindo a roda da família: Compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia”. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001

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batismo, casamento e óbito, tem sido o principal recurso pelo qual estudiosos podem

compor quadros, esmiuçando as relações estabelecidas entre os diversos elementos da

sociedade. A escolha por tais fontes se deve a quase inexistência de fontes que revelem

informações sobre as teias de relações onde os indivíduos estão inseridos, e ao fato de

retratarem alguns dos momentos mais significativos da vida social de uma pessoa.

Completam ainda as análises, como ferramentas auxiliares, os levantamentos censitários,

como as listas nominativas de habitantes, muito comuns no Brasil meridional, os rol de

paroquianos e de confessados, produzidos pela Igreja, os registros cartorários, como

inventários post-mortem, cartas de liberdade, etc. Enfim, são amplas as possibilidades de

conjugar fontes para os estudos do compadrio de maneira a levantar dados mais completos.

Para o Paraná existem alguns trabalhos que adotam esse tipo de abordagem e foram

de especial interesse para certos questionamentos que surgiram na consecução do nosso

presente estudo. Fábio Pontarollo, além de disponibilizar nossas fontes em forma de

fotografias, trabalhou com processos incorporativos de degredados para a região de

Guarapuava, desde seu período formativo até 1859, data do último registro de envio.

Fernando Franco Netto elaborou seu estudo populacional da região com uma base

documental bastante vasta, trabalhando inclusive com parte das mesmas fontes por mim

utilizadas. O professor Carlos Lima há muito se dedica a reflexões sobre a escravidão no

Paraná, tanto escrevendo como orientando estudantes de graduação e pós-graduação,

produzindo algumas pesquisas atinentes as áreas pecuaristas do Paraná no século XIX.

Cacilda Machado realiza interessante estudo sobre as relações de compadrio escravo na

freguesia de São José dos Pinhais no início do século XIX, reconstituindo trajetórias e

genealogias familiares. Eduardo Spiller Penna, em seu estudo sobre a escravidão na

Curitiba provincial, procura encontrar respostas para a desestruturação do escravismo no

caso curitibano, além de considerar o pólo atrativo cafeeiro de São Paulo e uma situação de

mecanização incipiente na cultura da erva mate, trabalha com as migrações intraprovinciais

de escravos de Curitiba para as regiões de atividades agropecuárias, como é o caso de

Guarapuava.51

51 PONTAROLO, Fábio. Degredo interno e incorporação no Brasil meridional: trajetórias de degredados em Guarapuava, século XIX. Dissertação de mestrado. Paraná: UFPR, 2007; NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007; LIMA, C. A. M. Sertanejos e pessoas republicanas livres de cor em Castro e Guaratuba (1801 – 1835). Estudos Afro-Asiáticos, ano 24, nº 2, 2002; LIMA, Carlos A. M.; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA).Salvador, v. 31; MACHADO, Cacilda. A trama das vontades, negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008; PENNA, Eduardo Spiller. O jogo da face: A astúcia escrava frente aos senhores e a lei na Curitiba provincial. Dissertação de mestrado. Paraná: UFPR. 1990.

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No Paraná oitocentista as possibilidades de formação familiar no cativeiro eram

melhores do que em áreas fortemente impactadas pelo tráfico, e detentoras de uma

economia extremamente dependente da mão-de-obra compulsória. Devemos, todavia,

alcançar os diferentes arranjos encetados pelos escravos na busca de meios de adquirir

maior autonomia frente as suas condições. Nesse sentido acreditamos no potencial das

fontes utilizadas no nosso trabalho como reveladoras de diversas formas de sociabilidade

produzidas pelos sujeitos em questão.

Nos próximos capítulos vamos adentrar no campo analítico das fontes, procurando

especificar nosso objeto de estudo e, par e passo, esclarecer o sentido de nosso tema.

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2. RELAÇÕES DE COMPADRIO EM GUARAPUAVA.

O sacramento do batismo foi uma instituição largamente procurada por cativos no

passado colonial brasileiro. Por meio do compadrio eles buscaram construir relações de

solidariedade e reciprocidade com pessoas de diversas condições sociais em seu meio. A

função do batismo, além de “purificar a alma” e “livrar o pecado original”, estava

associada à apresentação do batizando a comunidade católica por seu padrinho, que devera

guiá-lo espiritualmente nos princípios da fé cristã. Assim o cotidiano escravista ampliava-

se com novos espaços de convivência e sociabilidade. Também servia como estratégia de

sobrevivência da família escrava, pois ao estabelecer relações parentais, sejam elas

consangüíneas ou espirituais, os escravos estariam angariando recursos políticos para a

estabilidade da própria família. Nesse sentido Manolo Florentino e Jose Roberto Góes

argumentam que esta estratégia era ambivalente, servindo tanto aos senhores como para os

escravos, uma vez que as tensões, inerentes ao escravismo, se fariam menos presentes no

interior de grupos com ligações de parentesco52. Para esses autores o parentesco ritual era

tão importante quanto os de outros tipos, como matrimonial e consangüíneo, devido à

importância que dimensão religiosa cristã tinha para as sociedades do passado brasileiro.

De fato, o compadrio é uma relação parental de base espiritual, mas nem por

isso menos importante do que aquelas de outros tipos, como as de base

consangüínea ou o parentesco por meio de alianças matrimoniais, por exemplo,

sobretudo no âmbito de uma sociedade em que o cristianismo a tudo plasma.53

Num importante estudo sobre o compadrio em duas paróquias do Recôncavo

baiano Stephen Gudeman e Stuart Schwartz entendem-no como um idioma pelo qual as

pessoas expressam a si próprias e de acordo com o qual elas vivem, recusando os enfoques

essencialmente funcionalistas sobre a instituição, que a vêem basicamente como uma

relação de poder. Segundo os autores, raramente um proprietário batizava seu próprio

cativo, o que demonstra incompatibilidade da função de senhor de escravos com a de

mentor moral, material (por que não?) e espiritual inerente a função dos padrinhos. No

aspecto simbólico o ato do batismo liga espiritualmente batizando, padrinhos e os pais da

criança. Tais laços tinham uma dimensão social fora do âmbito da Igreja, podendo reforçar

52 FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997. 53 Ibidem, p.91-92.

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ligações de parentesco pré-existentes, consolidar laços com pessoas de mesmo estrato

social, ou estabelecer laços verticais entre pessoas de condições socioeconômicas

distintas.54

Muitos pesquisadores do compadrio em áreas distantes dos grandes centros e, vale

dizer, das altas razões de masculinidade e da diversidade étnica presente neles,

aperceberam a ocorrência freqüente de escravos enquanto padrinho ou madrinha, ou

ambos, de outro escravo. Mas, mais ainda o estabelecimento de laços verticais para cima, e

mesmo quando a escolha foi mista, o padrinho tendia a ser o favorito na condição de

livre.55 O que permite defender a hipótese de tentativa dos cativos em manter vínculos com

pessoas de condição superior a sua na hierarquia social. Daí a constatação:

(...) para os cativos, possuir um padrinho ou compadre livre nas imediações,

significava vantagens que podiam sobrepujar as associações íntimas ou o

desejo por laços familiares mais amplos que levariam à escolha de outros

escravos.56

E ainda:

[...] no ato ritual do batismo e no parentesco religiosamente sancionado do

compadrio, que acompanha esse sacramento, temos uma oportunidade de ver a

definição mais ampla de parentesco no contexto dessa sociedade católica

escravocrata e de testemunhar as estratégias de escravos e senhores dentro das

fronteiras culturais determinadas por esse relacionamento espiritual.57

Mesmo em determinadas áreas próximas a grandes centros distribuidores de mão-

de-obra cativa, quando em tempos de crise da oferta da de novos braços via atlântico, os

senhores procuravam dar mais espaços de autonomia para os escravos.58

O compadrio de escravos era um ritual procurado tanto por escravos como por seus

proprietários, sendo uma das justificações da própria escravidão a conversão das almas e a 54 GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII. IN: REIS, João José (Org.). Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. 55 SILVA, Denize Ap. da. Plantadores de raiz: escravidão e compadrio nas freguesias de Nossa Senhora da Graça de São Francisco do Sul e de São Francisco Xavier de Joinville – 1845/1888. Dissertação de Mestrado, Departamento de História, UFPR, Curitiba, 2004; JÚNIOR, DEJALMA ESTEVES DA ÁVILA. Compadrio escravo em Curitiba: um estudo das relações sociais estabelecidas pelos escravos da Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba (1790-1834). Monografia de conclusão de curso. UFPR. Curitiba, 2003; MACHADO, Cacilda. A trama das vontades, negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. 56 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. p.332. 57 Idem, ib. 58Op. Cit. FLORENTINO, Manolo & GÓES, José R. A paz das senzalas (...),1997.

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propagação do cristianismo entre os gentios. Também fazia parte do ordenamento jurídico

colonial que os senhores batizassem seus cativos, sob pena de confisco, sendo um dos

documentos que garantiam a posse. De outra forma o registro de batismo podia servir

como comprovante de um direito adquirido como podemos depreender do excerto abaixo,

retirado das fontes trabalhadas nessa pesquisa:

Aos oito dias do mês de julho do ano de mil oitocentos e vinte e sete, no oratório que está servindo de Igreja matriz nesta Freguesia de Belém nos campos de Guarapuava, batizei solenemente e pus os santos óleos a Benedito inocente, nascido de oito dias, filho legítimo de Lucio, escravo de Ana Maria, assistente nos Campos Gerais de Curitiba; e de sua mulher Anna Francisca, preta liberta, por cuja causa o batizado é livre, segundo aquela regra: partus sequitur ventrem. Foram padrinhos Florentino Fernandes e sua mulher Francisca Maria de Lima. Os pais e padrinhos são fregueses desta paróquia. Do que para constar faço esta assento. O vigário Francisco das Chagas Lima59.

Notamos que ao constatar que a mãe do batizando é liberta o pároco na época

Francisco das Chagas Lima que preencheu o assento, não hesita em declarar a criança

como livre segundo o conhecido princípio partus sequitur ventrem (o parto segue o

ventre). Os registros de batismos são ricos em minúcias, trazendo importantes informações

que, se bem exploradas, tornam-se fonte primordial para a reconstituição de famílias

escravas.

As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, regulamentação eclesiástica

que normatizava o ritual do batismo, estabelecia poucos critérios necessários para escolha

dos padrinhos. Os pais não podiam servir de padrinhos, bem como menores de 14 anos

para padrinhos, 12 anos para madrinhas, não batizados na religião católica, bem como

integrantes da Igreja. Hereges, infiéis, excomungados públicos, surdos e mudos também

estavam excluídos. Aos pais ou responsáveis era dada liberdade de escolha dos padrinhos,

desde que respeitassem os critérios acima descritos.

As configurações das escravarias sem dúvida estavam influenciando na escolha dos

escravos. Aspectos como o tamanho do plantel ao qual pertencia, a localização do mesmo,

se em área urbana ou rural, o tipo de economia, em áreas de plantation, mineradoras,

tropeira, identificam as características vinculadas aos padrões verificados pela

historiografia. De maneira indissociável a escolha dos padrinhos estava ligada a

59 Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B, fl 06

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vicissitudes demográficas, econômicas e históricas de uma sociedade, como explica

Schwartz.

A formação das relações de compadrio no âmago vida familiar e espiritual, assim como todo o mais na escravidão, refletia as relações essenciais de poder dentro de toda a sociedade e de toda a economia. A vida vivida, as escolhas feitas e as estratégias adotadas pelos que sofriam com a escravidão eram continuamente moldadas e restringidas pela penetração e pelo poder do sistema social e econômico predominante, e não podem ser entendidas sem menção a ele.60.

Assim temos que, em regiões onde ocorrem grandes propriedades de escravos, os

vínculos entre eles são mais freqüentes na hora do apadrinhamento, como denota alguns

estudos como o de José Roberto Góes para a região de Inhaúma, Rio de Janeiro, na

primeira metade do século XIX, onde em 66% dos batismos escravos os padrinhos tinham

a mesma condição.61Paro o autor a escolha podia estar associada ao fato de o compadrio ter

sido usado na incorporação de novos escravos provenientes da África à comunidade cativa.

O estudo de Sheila S. de Castro Faria para três freguesias fluminenses também encontrou

resultados parecidos ao acima descrito, com 63% de padrinhos escravos só entre os filhos

legítimos. 62Outras pesquisas apontam que suas especificidades regionais favorecem a que

os escravos busquem para o apadrinhamento pessoas de camadas sociais superiores, numa

busca por proteção e vantagens de possuir um padrinho que dispõe de liberdade. Na

freguesia de São José dos Pinhais em inícios do século XIX, Cacilda Machado aferiu 70%

de pessoas livres escolhidos para o apadrinhamento escravo no universo de sua amostra,

completando a exposição com a sentença de que quando os padrinhos tinham condições

desiguais, a possibilidade de a madrinha ser escrava e o padrinho livre era o dobro do

contrário.63 Segundo estudo de Denize Aparecida da Silva nas freguesias de Nossa Senhora

da Graça de São Francisco do Sul e de São Francisco Xavier de Joinville entre 1845 e

1888, 90% dos padrinhos eram livres, o que provavelmente estava relacionado ao pequeno

60 Op cit SCHWARTZ, 2001, p.292. 61 GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. p.78 62 FARIA, Sheila S. de Castro. A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 63 MACHADO, Cacilda. As Muitas Faces Do Compadrio de Escravos: O caso da freguesia de São Jose dos Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o seculo XIX. Revista Brasileira de História, dezembro, ano/vol. 26, numero 052. Associação Nacional de História. São Paulo, 2006, pp. 49-77.

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tamanho dos plantéis presentes na região, afirmando ainda que quanto mais próximo de

1888, mais esse percentual aumentava bem como o da escolha de libertos e forros.64

Na seqüência passamos a análise das nossas fontes procurando indagar sobre certos

aspectos das relações tecidas pelos escravos no período selecionado.

2.1 AS FONTES.

Para o presente estudo manejei 231 atas de batismos de escravos, entre os anos de

1842 até 1863, encontrados no livro denominado Assentos de escravos (Batizados,

Casamentos e Óbitos). Pertencentes ao Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de

Belém, em Guarapuava no Paraná, este livro possui 198 páginas que compreendem o

período que vai de 1809 a 1888. Segundo Hebe Matos de Castro era prática no período

colonial os registros de casamento de escravos serem inseridos em volumes distintos das

pessoas livres, portanto os livros eclesiásticos substituíam o registro civil e legitimavam

direitos individuais e de família.65 O primeiro pároco a realizar os assentos foi Francisco

das Chagas Lima, que chegou a região junto à expedição de conquista comandada por

Diogo Pinto de Azevedo Portugal, e ai serviu até sua morte em 1832. Após um lapso

temporal, sem pároco definitivo, o livro foi preenchido esporadicamente por outros

clérigos até 1841 quando assumiu o posto Antonio Braga de Araújo. O livro dá-nos dados

específicos como, data do batismo e provável data de nascimento, nome atribuído ao

rebento, nome dos pais, quando o pai não era declarado anotava-se “pai incógnito”,

revelando, portanto a situação de legitimidade, proprietários dos pais, nome dos padrinhos

e, em alguns casos, quando eles eram de famílias abastadas, parentesco dos mesmos,

quando eram escravos, também se anotava o proprietário dele, estado civil e condição

(livre, escrava, liberta) dos padrinhos. Vemos abaixo como exemplo a transcrição de um

assento e as informações que aproveitamos (grifo):

Aos nove dias do mês de setembro do ano de mil oitocentos e quarenta e quatro,

nesta freguesia de Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, batizei solenemente

e condicionalmente, por ter sido batizado em casa e duvidar sua validade, e pus

os santos óleos a José inocente, filho legítimo de Benedito e da sua mulher

64 SILVA, Denize Ap. da. Plantadores de raiz: escravidão e compadrio nas freguesias de Nossa Senhora da Graça de São Francisco do Sul e de São Francisco Xavier de Joinville – 1845/1888. Dissertação de Mestrado, Departamento de História, UFPR, Curitiba, 2004.p. 85. 65 MATTOS, H. M. Laços de família e direitos no final da escravidão. In: Império: a corte e a modernidade nacional. Coord.Fernando A. Novais; Org. Luiz Felipe Alencastro.

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Basília, escravos de José de Siqueira Cortes. Foram padrinhos Miguel, escravo

casado de João Lustosa de Meneses e sua mulher Libânia Fernandes Liberta.

Todos paroquianos. Do que para constar faço este assento. O Vigário Antonio

Braga de Araújo.66

A escolha dos anos que serviram de baliza para esse estudo, 1842 e 1863, deve se a

utilização dos Rois de Parochianos produzidos nestas duas datas pelo pároco local Braga

de Araújo. Estes levantamentos populacionais diferem-se das tradicionais listas que a

Igreja produzia como os róis de confessados, que visavam fazer um levantamento dos

cristãos em idade de praticar a confissão. Também se difere das listas nominativas de

habitantes que tinham a função de conhecer o potencial de uma população em caso de

necessidade de guerra, ou seja, a quantidade de pessoas com idade de pegar em armas.

Dessa forma os capitães mores das localidades fronteiriças, principalmente do Brasil

Meridional, onde a presença desse tipo de fonte é freqüente, elaboravam essas listas e

remetiam às autoridades centrais com valiosas informações que revelam aspectos

demográficos e econômicos da população. No nosso caso trataremos exclusivamente com

os documentos acima citados de autoria do pároco à época Antonio Braga de Araújo.

O Rol de Paroquianos de 1842 contém em suas 163 paginas lista classificada de

moradores por domicílio (“fogos”), organizada em função dos distritos (“quarteirões”) da

Vila de Guarapuava: Freguesia (109 domicílios), Morro Alto (70), Jordão (74), Sepultura

(57) e Pinhão (39). A lista é nominativa, e obedece a seguinte configuração: verticalmente

as categorias de chefe de domicílio e esposa, filhos, escravos e agregados (nesta ordem).

Horizontalmente estão presentes os dados sobre: nome, estado civil (solteiro, casado ou

viúvo), cor da pele (branca ou preta) e idade. O Rol de Paroquianos de 1863 elaborado pelo

padre em Guarapuava, província do Paraná, lista os habitantes em fogos seguindo uma

ordem bastante comum na América portuguesa e no Brasil Império: chefe de família,

esposa, filhos, escravos e agregados. Neste documento os habitantes são descritos através

de categorias amplas, tais como: estado civil, nome, idade. Alguns deles possuem

informações complementares, dentre estas podem se encontrar características tais como:

profissão; data de batismo; data de falecimento; grau de parentesco; quanto à afiliação

(expostos, enteados e filhos naturais); etnia (indígenas e negros); naturalidade (portugueses

66 Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B, fl. 13.

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alemães e franceses); residência; estado social (libertos e escravos). O Livro é numerado

em 142 páginas.

As fontes, fotografadas em formato digital e disponibilizadas por Fábio Pontarollo,

foram transcritas em documentos do Microsoft Windows e do editor de planilhas do Excel,

durante o Laboratório de Ensino e Pesquisa em História do Brasil ministrado pelo

professor Dr. Luiz Geraldo Silva, no Departamento de História da Universidade Federal do

Paraná, com minha participação e a dos colegas Paulo Ishige e Leandro de Paula. Os

registros de batismo foram transcritos até o ano de 1855, sendo posteriormente

completados com nova transcrição, feita por mim, dos assentos referentes aos anos

posteriores até 1863. Na seqüência minha professora orientadora Drª Martha Hameister me

propôs a tabulação desses dados pelo programa Broficce-calc, para melhor manejo dos

dados.

2.2 EXTRAINDO OS DADOS.

Num primeiro contato com as fontes primárias de registros de batismo da Freguesia de

Nossa Senhora de Belém de Guarapuava, salta aos olhos a grande quantidade de filhos de

escravos cujo assento possui a designação de “pater incognitus” (pai incógnito). Esta

incidência significa que a criança é fruto de uma relação não reconhecida pelo sacramento

católico do matrimônio. Dos 231 assentos trabalhados em nossa pesquisa 177 refere-se a

filhos naturais, que para efeito meramente nominativo passaremos a chamar de ilegítimos,

o que corresponde a 76,6% do total de lançamentos no período de 1842 a 1863. Para os

ilegítimos constatamos a existência de 71 mães diferentes, dando uma média de 2,5

batismos por mãe. Estes números estão de acordo com os padrões achados em outros

estudos, e citados anteriormente, sobre áreas com características semelhantes a

Guarapuava. Avaliando o casamento escravo para a região Fernando Franco Netto

reconheceu que o número de casamentos legalmente sancionado pela Igreja em

Guarapuava foi pequeno.67 (ver tabela abaixo)

Vemos esse padrão de ilegitimidade ser verificado em muitas localidades onde há a

predominância de pequenos plantéis, exemplificando as dificuldades encontradas pelos

cativos diante das restrições dos senhores em conceder autorização para contrair laços com

67 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro, 2007.p. 274.

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escravo de plantel diferente. Sem dúvida que muitos obstáculos existiam em tais enlaces,

principalmente referente à estabilidade de ambas as propriedades, numa região onde a

mobilidade era uma de suas características. Para a região de Palmas, um recente estudo

sobre a família escrava e o compadrio, notou a vigência desse padrão de legitimidade.68Os

números levantados pela autora mostram um que cerca de 90% dos cativos possuíam o

estado civil de solteiros. Vale ressaltar que a nova freguesia de Palmas sofre das mesmas

variáveis a que Guarapuava esteve sujeita por serem ambas as áreas produto de uma

mesma “onda colonizadora” que, partindo dos Campos Gerais lançou-se para o Oeste em

busca de novas oportunidades. Imagino que entre Palmas e Guarapuava houve uma relação

dinâmica em termos populacionais, uma vez que grande parte do esforço de povoação da

região palmense, partiu de proprietários da freguesia de Palmeira e de Guarapuava. Com

efeito, até a definitiva criação da Freguesia em 1855, Palmas era considerada uma comarca

guarapuavana.

68 WEIGERT, Daniele. Compadrio e Família Escrava em Palmas, Província do Paraná (1843-1888). Tese de mestrado. UFPR, 2010.p.51.

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Contabilizando a evolução do número de batismos por faixas trienais, podemos

verificar as oscilações presentes em alguns períodos, que pode estar sendo influenciados

pela mobilidade característica da região para o período.

Batismos por Triênio

Anos Registros de Batismo

1842-1844 15

1845-1847 28

1848-1850 33

1851-1853 29

1854-1856 22

1857-1859 44

1860-1862 41

1863 19

TOTAL 231 Fonte: Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

Voltando aos assentos de batismos, encontramos 52 registros remetendo a filhos de

casais legítimos, com uniões sancionadas pela Igreja, que perfaz 22,5% de nossa amostra.

Constatamos ainda que 12 casais estavam levando esses rebentos à pia batismal, dando

uma média de 4,3 crianças por casal. Contrastando os dados relativos a fecundidade de

casais legítimos com os ilegítimos, podemos afirmar meramente que no seio de famílias

escravas unidas pelo sacramento religioso o desenvolvimento da prole estava mais

assegurado. Devemos levar em conta que, em muitos casos de registros de filhos naturais,

a mãe era sozinha de fato. Em dois assentos verificamos a consignação de filho fruto de

união realmente ilegítima, pois o pároco refere-se à ausência do pai ao mesmo tempo em

que declara a mãe como casada.

A seguir passamos a verificar os padrões de apadrinhamento verificados,

procurando diferenciá-los por condição jurídica.

2.2.1 A ESCOLHA DOS PADRINHOS.

Quanto à preferência no apadrinhamento para áreas como a nossa já se viu que a

preferência recaía sobre indivíduos pertencentes à camada dos livres, denotando a

tendência dos cativos em estabelecer relações verticais. Pode-se argumentar de maneira

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contrária que as escolhas partiam do proprietário do escravo, que limitava a autonomia

cativa, buscando padrinhos de seu próprio círculo de convivência. De fato essa questão não

pode ser resolvida por inteiro, entretanto devemos acreditar que ambos os anseios

poderiam estar satisfeitos uma vez que tanto escravos e libertos, como livres e parentes do

senhor, e até senhores de outros escravos serviram de padrinhos. Cacilda Machado em seu

estudo a Freguesia de São José dos Pinhais, a partir da análise de trajetórias familiares de

escravos, aferiu que muitas delas estavam tecendo relações de compadrio com parentes de

seus senhores, deduzindo que essa prática trazia algum grau de controle dos senhores sobre

a socialização de seus cativos.69 Talvez os mundos dos escravos e de seus senhores não

estavam tão distanciados como supõe os “xiitas” do tema. O distanciamento entre as

funções de padrinho e senhor, padrão consagrado e anteriormente citado nesse trabalho,

estava sendo mantido, uma vez que em “zero” ocasiões o proprietário figurava como

padrinho em nossa amostragem.

De fato vemos que na maioria das anotações estão presentes padrinhos livres. Do

total geral contabilizamos 157 batismos onde ambos, padrinho e madrinha, eram

indivíduos livres, perfazendo 68% da amostragem. Ainda mais, se escolhermos somente o

padrinho como livre, em 80% dos assentos eles compareciam, com o numeral de 185

anotações. Em nove ocasiões houve apenas o padrinho livre batizando a criança escrava.

Quando a escolha era mista, padrinho livre e madrinha escrava ou liberta, temos cerca de

oito por cento dos registros com esse tipo de configuração, 17 casos com escrava e dois

casos com madrinha liberta.

Passando a análise das madrinhas livres, constatamos que em 70% dos casos ela era

livre, com 163 episódios. Em sete batismos só havia a presença de madrinha, três livres,

duas escrava e duas liberta. Outro dado curioso constatado é que em nenhum dos registros

de madrinha livre um escravo estava apadrinhando, o que denota que na escolha por

indivíduos livres como compadres o papel masculino era mais valorizado, uma vez que

trazia melhores condições de melhoria material aos seus afilhados. Dos 231 assentos de

batismo devemos excluir dois casos em que o pároco batizou em “articulo mortis”, ou

seja, a criança faleceu antes do rito de passagem.

Os resultados por nos encontrados se aproximam de um padrão estabelecido para

áreas onde pequenas escravarias predominam como nos mostrou o estudo de Cacilda

Machado para São José dos Pinhais, verificando em 70% dos registros batismais a escolha

69 MACHADO, Cacilda. A trama das vontades, negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p.192.

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de um par de padrinhos livres e menos de 20% em que ambos eram escravos. Completa

sua análise com a observação de que quando a madrinha escolhida era escrava

aumentavam as chances de o padrinho ser livre.70 Para localidades com grandes

contingentes de escravos encontraram-se resultados diversos dos nossos. Notadamente

nesses lugares o forte incremento realizado pelo tráfico proporcionou relações mais

freqüentes dentro das comunidades escravas. Na região de Inhaúma, com grandes

escravarias, José Roberto Góes também concluiu que dos batizados escravos, 66,6%

tinham como padrinhos outros escravos, “os escravos reunidos em plantéis menores

buscavam padrinhos, via de regra, em cativos de outros senhores, e o inverso se dava nos

maiores”.71

Para os assentos onde escravos serviram como padrinhos, observamos em nossas

fontes para o período (1842-1863) que em dezoito ocasiões havia um par de escravos

batizando outro escravo, perfazendo 8% do total. Quando consideramos ao menos o

padrinho como escravo temos um soma de 31 casos, aumentando para 13% dos assentos,

neste caso estamos computando nove apadrinhamentos com madrinha liberta e outros

quatro casos onde aparece somente o padrinho escravo, com madrinha ausente. Em trinta e

nove das ocasiões que encontramos escravas como madrinhas, cerca de 16% dos registros,

em duas o padrinho era um liberto, e em dezessete era um indivíduo livre. Em apenas um

registro casal de libertos serviu de padrinhos.

Ao levarmos em consideração a situação de legitimidade dos registros de batismos,

veremos aumentar proporcionalmente a escolha de padrinhos condição social semelhante a

dos pais. Dos 52 batizados legítimos, sete tem como padrinhos um par de escravos. Em dez

rituais ao menos a madrinha era escrava, sendo três em conjunto com padrinho livre. Se

selecionarmos os casos em que o padrinho era escravo temos quatorze ocorrências,

totalizando por volta de 1/4 de nossa amostra relativa aos legítimos (52). Entre as crianças

ilegítimas esse valor ficou em cerca de dez por cento dos 177 casos. Portanto os cativos

com uniões legitimamente sancionadas pela Igreja procuraram mais freqüentemente seus

padrinhos entre indivíduos de mesma condição jurídica.

Talvez as famílias escravas que não possuíam a distinção de ter seu relacionamento

reconhecido legalmente poderiam estar estabelecendo relações de compadrio com pessoas

70 Op. Cit. MACHADO, 2006, p.52. 71 GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. p.78

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livres na tentativa de ganhar vantagens que a associação com elementos cativos não

podiam trazer.

A seguir procuramos realizar algumas investigações em nossas fontes que possam

trazer subsídios para corroborar a tese de que o ambiente local era propício a formação e

estabilidade da família escrava. Nesse sentido a busca de determinados exemplos podem

auxiliar na argumentação de que, a despeito das altas taxas de “ilegitimidade” expressas

em vários assentos sob a anotação de “pai incógnito”. Recusamos, portanto, a constatação

ligeira de que essas crianças batizadas não possuíam pai, mas concordamos com a assertiva

de José Roberto Góes de que, por vezes, são crianças de cujo pai a fonte não nos fala.72

72 Idem, ibidem, p. 118

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3. INVESTIGANDO A FAMILIA ESCRAVA.

A formação de núcleos familiares entre os escravos na localidade de Guarapuava

foi uma constatação importante no presente estudo. Diversos fatores estavam influenciando

suas possibilidades, e os escravos buscavam meios que propiciassem maior estabilidade a

suas famílias. Diante da pouca ocorrência de casamentos sancionados pela Igreja, o que

conferia maior proteção aos filhos advindos desse enlace, procuraremos outros tipos de

indícios de que, em meio a predominância de registros de batismos matrifocais, possam

fortalecer a hipótese de que essas famílias tenham sido na verdade nucleares, ou que

tiveram relações familiares amplas e estáveis.

A análise de casos individuais de famílias facilitará nossa argumentação ao expor

exemplos de longevidade e fertilidade observados durante as suas trajetórias. O compadrio

foi uma das formas que a escravaria estava utilizando para fortalecer suas condições dentro

do cativeiro. As escolhas de compadres refletem os diversos arranjos que eles criaram com

os mais variados segmentos da sociedade em questão. Já ressaltamos os padrões

verificados a partir do exame das fontes no capítulo anterior, destacando que na maioria

das ocasiões houve o estabelecimento de laços verticais no apadrinhamento. No entanto

outras estratégias foram empregadas no ato do batismo, que diz respeito a uma

aproximação não tão desigual como esta.

Enfatizaremos o estudo de caso referente ao casal de padrinhos que se fez mais

presente na pia batismal durante o período, o escravo Miguel e sua esposa liberta Libânia

Fernandes, procurando granjear argumentos que facilitem a compreensão das motivações

de tal escolha. No recorte estudado esse casal superou em números no apadrinhamento de

cativos qualquer indivíduo da categoria dos livres. Isso poderia estar refletindo que

elementos de estratos inferiores na hierarquia social recorrentemente estavam sendo

escolhidos pelos pais no estabelecimento do parentesco espiritual.

Refletindo sobre a alta incidência de filhos ilegítimos, buscaremos selecionar

algumas mães a fim de averiguar os intervalos de nascimento de seus filhos, o que é um

indício de estabilidade familiar. Para isso o exame dos róis de paroquianos será de grande

valia, pois através dele podemos verificar a integridade, ou não, dos plantéis ao longo do

tempo. Em tempos de crise permanente da oferta de novos braços cativos, com o fim

definitivo do tráfico Atlântico em 1850, os senhores passaram a depender do mercado

interno e da reprodução natural para ampliar suas escravarias. Em Guarapuava, uma

localidade fora dos grandes eixos da economia do Império, os proprietários tenderiam a

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facilitar a formação de famílias entre os escravos como estratégia para a manutenção do

fornecimento de mão-de-obra para suas atividades.

O relativo equilíbrio entre os sexos na população guarapuavana verificado no

decorrer do século XIX, pode ser resultado dessa política levadas a cabo pela elite local.

Como ficou dito, o povoamento de Guarapuava fez parte de um grande movimento de

exploração de campos apropriados à atividade tropeira. Partindo dos Campos Gerais esse

movimento multiplicava suas frentes de ação alcançando novas áreas a serem exploradas.

Foi assim com os Campos de Guarapuava e depois, com a abertura do caminho para as

missões, na região de Palmas.

A mobilidade foi uma característica marcante nessas regiões, uma vez que vemos

famílias inteiras se deslocando e se estabelecendo em novas propriedades carregando sua

escravaria. Também é notável a atração exercida, como já anotada anteriormente nesse

texto, entre os trabalhadores livres e despossuídos, branca ou de cor, que se lançavam a

essas localidades, trabalhando como pequenos lavradores e criadores de animais, ou como

agregados em terra alheia.

Os aspectos abordados acima sem dúvida estavam influenciando as estratégias

senhoriais e escrava, estes buscando melhores condições no cativeiro, como a constituição

de família e a própria liberdade, e aqueles na manutenção de seu status social de

proprietário de terras e gentes.

3.1 RELATIVIZANDO O PADRÃO DE ILEGITIMIDADE.

Imaginamos que a consignação feita pelo pároco nos assentos de batismo de que

determinada criança tem pai incógnito não obsta a possibilidade de ela ter sim pai

conhecido, e reconhecido pela sociedade. Pelo menos em seus anos formativos, grosso

modo até os dez anos, o convívio numa família normal, com a presença de pai, mãe,

irmãos, quem sabe até tios e avôs, não devia ser raro. Certamente havia restrições dos

proprietários em reconhecer essas uniões e declará-las no momento do rito, uma vez que o

documento era de extrema importância para os destinos que porventura ele pudesse dar a

sua propriedade humana.

Em propriedades de absenteístas as possibilidades de convívio em uma família

extensa eram maiores, como foi verificado em estudo sobre elas para a região de Curitiba e

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dos Campos Gerais.73 Em Guarapuava existiam muitos casos onde os proprietários eram

absenteístas, o que se constitui uma alternativa muito usada por famílias de posses que

agiam em diversas frentes de exploração. Freqüentemente essas fazendas eram

administradas por capatazes, escravos de confiança, que ficavam encarregados de todos os

procedimentos inerentes a produção do local. Para manter a escravaria disciplinada muitas

vezes formavam-se laços de parentesco entre os escravos, enraizando-os ao local pelo fato

de eles terem “algo a perder”. No estudo acima mencionado os autores puderam constatar

que o capataz de uma fazenda congregou em torno de si, na escravaria a que pertencia, três

gerações de parentes. Estavam presentes, além dele, a geração dos filhos e a dos netos,

formando uma família extensa. Tais casos não foram exceções no Oeste Paranaense,

principalmente em regiões onde muitos proprietários eram polivalentes em seus

empreendimentos.

Levando em consideração que Guarapuava era caracterizada pela existência de

pequenos plantéis de escravos, temos que ponderar que o acesso ao matrimônio era muito

mais difícil que em unidades maiores. Com efeito, entre todos os casos de filhos legítimos

de nossa amostra, os pais casados eram da mesma propriedade. Investigando os dados salta

aos olhos a fecundidade do ventre de certas escravas, que batizaram seus filhos com uma

freqüência regular. Construímos uma tabela onde classificamos quantas vezes

determinados proprietários levaram suas escravas para a pia batismal:

Quantidade de Proprietários

por Batismo

BATISMOS PROPRIETÁRIOS 1 25 2 12 3 5 4 4 5 8

6 2 7 2 8 2 9 1 10 1 11 2 12 1 15 1

Fonte: Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral

Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

73 Carlos A. M.; MELLO, K. A. V. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas de absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835). Afro-Asia (UFBA). Salvador, v. 31;

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No final do texto disponibilizamos a lista detalhada contendo os nomes dos

proprietários, o numero de vezes levou suas escravas para batizar seus filhos, identificando

a condição de legitimidade dos rebentos e as por quantas vezes ele apadrinhou algum

cativo de outra escravaria.

Pela tabela encontramos uma variedade de 66 proprietários, sendo pouco mais da

metade deles levou de um a dois cativos para o batismo. Apartando os proprietários com

cinco ou mais registros, temos que vinte senhores monopolizam 150 batismos, ou seja,

64% do total verificado no período.

Verificando alguns desses domicílios a partir do levantamento de 1863 percebemos

varias permanências de família escrava, como no caso da proprietária Ana Ferreira dos

Santos Caldas cuja escrava, Maurícia, concebeu o maior número de filhos não legítimos

para o período analisado, dez rebentos. De todos os seus filhos seis ainda permaneciam

com a mãe, sendo a mais velha, Margarida com dezessete anos, e o mais novo Maria com

quatro. Seus três filhos mais velhos, já adultos, deixaram o domicílio, e a quarta

provavelmente tenha falecido visto que se chamava Margarida, como a quinta filha,

denotando que a homônima ganhou o mesmo nome da irmã falecida.

N0 NOME ID EC S

Anna Ferreira de Caldas 58 V F

Escravos

Miguel 46 S M

Manoel 12 S M

Mauricia 47 S F

Margarida 17 S F

Româna 15 S F

Victoria 13 S F

Flora 9 S F

[686]

Maria 4 S F

de Araújo (1863). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, fl. 123. Fonte: Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga

Notamos a presença do escravo de nome Miguel de 46 anos, apenas um ano mais

novo que Maurícia. Não temos mais indícios para apurar, ainda que seja tentador

atribuirmos a ele a paternidade das crianças. Verificando no rol de 1842 constatamos que

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ambos já estavam presentes74, assim sendo, se nossa suposição acima não procede, temos

que acreditar que o pai das crianças era de outra propriedade ou.mesmo homem livre. A

hipótese de que só existia um pai para todas as crianças pode ser reforçada ao verificarmos

o intervalo entre os nascimentos, conforme exposto abaixo:

Intervalo Geracional da Escrava Maurícia

DATA BATIZANDO

1843-02-20 PAULO

1845-03-20 RAQUEL

1845-03-23 EULÁLIA

1847-03-24 MARGARIDA

1849-02-11 MARGARIDA

1850-04-18 ROMANA

1853-02-20 MANOEL

1853-10-10 VITÓRIA

1857-04-29 FLORA

1859-02-09 MARIA Fonte: Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral

Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

Apercebe-se que o intervalo entre os nascimentos, que variou de um a três anos,

pode ser indicativo de uma união estável entre duas pessoas. Se não, teremos que admitir, à

moda dos estudiosos da Escola Sociológica Paulista, que tal fecundidade seria resultado de

certa promiscuidade inerente a condição cativa, o que foge do nosso entendimento.

Passando a análise do domicílio de Manoel Batista Bello, outro proprietário que

levou oito crianças de duas escravas de seu plantel, uma delas é Joaquina que levou sete

crianças durante o período investigado. Em 1863, segundo o Rol, apenas um de seus filhos,

Francisca a terceira a nascer, não estava mais presente no domicílio, fazendo nos supor que

tenha falecido, casado, ou ainda possa ter sido alforriada ou vendida, pois seus irmãos mais

velhos ainda conviviam com a mãe.75 Da mesma forma que no caso de Maurícia, descrito

acima, havia dois homens, João e José, na escravaria que poderiam ser os pais das crianças,

mas também por falta de dados temos que ficar apenas nas suposições, pois também

74 Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga de Araújo (1842). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, s/p 75 Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga de Araújo (1863). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, fl.26

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podem ser filhos de homem externo à escravaria da propriedade. O intervalo geracional

ficou assim:

Intervalo Geracional da Escrava

Joaquina

Data Batizando

1844-04-21 VICENTE

1846-04-27 BERTOLDO

1847-12-08 BENEDITA

1852-12-26 ANTONIA

1857-08-05 IGNACIO

1857-08-05 PEDRO

1860-10-03 ANA

1860-10-03 SEBASTIANA Fonte: Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral

Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

Notamos a presença de dois casais de gêmeos no período, e um terceiro viria no ano

de 1864 que, portanto não foi alcançado por nossa amostra. O intervalo entre os

nascimentos variou de um a quatro anos para este caso, que também pode ser considerado

um padrão razoável de união estável. A título de comparação destacaremos outros dois

núcleos familiares de escravos altamente fecundos e unidos legitimamente pelo

matrimônio, trata-se do casal Domingos, de Nação e de Maria, crioula, e de Benedito,

crioulo, e Basília, de Nação, ambos escravos respectivamente de Domingos Inácio de

Araújo e de José de Siqueira Cortes. Domingos e Maria levaram oito crianças ao batismo

enquanto Benedito e Basília levaram dez rebentos no período estudado. Abaixo

elaboramos as tabelas contendo as datas de batismos dos referidos filhos:

Batizados dos Filhos de

Domingos e Maria

1846-02-14 ESTELITA

1848-02-13 JOSEFINA

1850-04-02 OLÍVIA

1850-04-20 GABRIELA

1853-02-13 RICARDO

1856-03-23 SEBASTIANA

1860-03-11 PAULINO

1862-01-19 JORDAO

Batizados dos Filhos de

Benedito e Basília

1844-09-09 JOSÉ 1847-04-05 JOSEFA 1849-04-09 JOANA 1853-03-29 MARIANA 1853-03-29 JOÃO 1854-08-27 HENRIQUE 1857-12-26 MARCELA 1859-10-27 VICTORIANA 1861-11-12 TEREZA 1862-12-13 ANTONIA

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Fonte: Assentos de escravos (Batizados, Casamentos e Óbitos). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa

Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

Constatamos que o intervalo entre os nascimentos dos filhos de ambos denotam

certo padrão como nos casos analisados anteriormente referentes aos filhos ilegítimos, com

médias de aproximadamente dois ou três anos entre os batismos. A estabilidade da família

legalmente nuclear geralmente foi maior do que nas famílias resultantes de uniões

consensuais. Conforme depreendemos da análise da escravaria desses dois casais, seus

filhos permaneceram no convívio com seus pais.76

Na ausência de informações sobre as relações efetivas dessas mães de filhos

ilegítimos, pois em nenhum assento o pároco Antonio Braga de Araújo, autor de nossas

fontes, anotou sequer um caso de união consensual, buscamos indícios indiretos de que

esses pequenos escravos são fruto de relações estáveis. Dessa forma a família escrava não

se restringe somente aos escravos unidos com sanção eclesiástica, da mesma maneira que

também ela não se circunscreve aos laços parentais consangüíneos. O estabelecimento de

relações de compadrio foi largamente utilizado pelos escravos de Guarapuava, que

buscaram parentes espirituais com alguma motivação. Propomos a partir de então o estudo

de caso sobre os padrinhos mais procurados pelos escravos que nossa amostra revelou.

3.2 O CASAL DE PADRINHOS MIGUEL E LIBÂNIA FERNANDES.

Dentre todos os indivíduos que serviram como padrinhos no período estudado o

mais preferido foi o casal Miguel, escravo de João Lustosa de Meneses, e Libânia

Fernandes, liberta.

Miguel foi padrinho em dez ocasiões, sendo que em cinco teve sua mulher Libânia

como madrinha. Nos últimos quatro batismos localizados em nossas fontes ele aparece

com o sobrenome Souza Meneses, portanto na condição de livre e utilizando o “Meneses”

de seu antigo proprietário. Pelos assentos percebemos a condição de liberto a partir do ano

de 1857. Em um caso ele aparece como padrinho único e em dois registros para o ano de

1861 ele batiza em conjunto com sua filha Leopoldina Vitalina de Souza, então com

76 Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do Padre Antonio Braga de Araújo (1863). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR, fls 119 e 134.

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quinze anos. Encontramos ainda dois casos em que os batizandos ganharam o nome de

“Miguel” possivelmente em sua homenagem.

Libâna Fernandes aparece como madrinha em nove casos e, excetuando os cinco

mencionados acima onde apadrinhava junto ao seu esposo, em dois momentos ela foi

madrinha única e em outros dois conjuntamente com padrinhos escravos. Sua filha

Leopoldina começou cedo, com apenas quatorze anos, a servir de madrinha em batismos,

contabilizando até 1863 seis afilhados com apenas dezessete anos.

Qual a razão do prestigio alcançado por esses indivíduos para apadrinhar mais

escravos do que qualquer livre? Procurei vestígios nos dois Róis que pudessem explicar

esse fato, e levantei algumas informações sobre o casal.

Libânia aparece no levantamento de 1842 com 29 anos, solteira, de cor preta e

chefiando um domicílio no Quarteirão do Jordão com mais dois agregados, ambos

crianças. Miguel por sua vez consta na escravaria de seu senhor João Lustosa de Meneses

com 40 anos, com outros dois escravos. Já no levantamento de 1863 eles não estão

presentes, pois faleceram. Entretanto, ainda nesse rol, temos a menção no domícilio de sua

filha Leopoldina, ao lado do nome de seu marido a identificação “genro do finado mestre

Miguel”.

Ora, para Miguel ser reconhecido como “mestre” ele deveria dominar a arte de

algum ofício, o que pode ter lhe conferido status diferenciado entre os escravos. Sua

liberdade se deu antes de 1857, sendo que no ano seguinte seu proprietário veio a falecer.

Segundo Franco Netto, Lustosa se ocupava em 1840 com a criação de animais e com a

lavoura de alimentos.77 A atividade mais prestigiada que um escravo poderia alcançar em

Guarapuava era a de condutor de tropas, que empregava muitas viagens sendo capaz de

estabelecer vários contatos por onde passava. Seria Miguel um tropeiro? Teria Miguel

comprado sua própria liberdade? Podê-lo-ia ter juntado algum pecúlio em razão de sua

atividade, da qual ele era reconhecidamente um “mestre”? São indagações que nossas

fontes não alcançam a resposta.

Com certeza eles eram vistos como um casal que, embora tenha seu passado

marcado pela escravidão, alcançou algum sucesso mudando suas condições sociais. A

condição de liberta de Libânia proporcionou que seus filhos nascessem livres, embora o pai

ainda estivesse atrelado à condição cativa. Miguel enquanto escravo apadrinhou seis

crianças cativas, quatro delas de uniões legítimas. Após a liberdade vieram mais quatro

77 NETTO, Fernando Franco. População e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava: Unicentro ,2007, p.239.

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apadrinhamentos, todas de filhos naturais, o que pode significar que sua nova condição

atraía compadres com expectativas diversas. Vale ressaltar o fato significativo que nos dois

últimos batismos de sua vida, com Miguel contabilizando mais de sessenta anos, as

crianças receberam seu próprio nome, mostrando o prestígio que ele gozava em vida.

Consideração que emprestou a sua filha que batizou muitos escravos apesar da pouca

idade.

Em recente estudo sobre o compadrio na freguesia de Palmeira78, Monique Seidel

analisou caso semelhante ao encontrado em nossas fontes. Um casal de escravos também

se destacava por possuir mais afilhados do que qualquer homem livre, eram Manoel e

Esméria. A autora argumentou que esse casal estreitou laços tanto com cativos e livres de

cor, apadrinhando seus filhos, como também com membros das famílias mais abastadas e

influentes da localidade escolhendo entre eles e seus familiares como padrinhos para seus

próprios filhos. Manoel também exercia a profissão de sapateiro e, semelhantemente ao

caso de Miguel que era mestre em algum ofício, isso lhe garantia um status diferenciado

dentro do conjunto de escravos. O fato de eles serem casados formalmente, e serem

propriedades de um senhor de grande influência na região, Domingos Inácio de Araújo, foi

destacado por Seidel como determinantes para a preferência dada pelos escravos. Tomando

a noção, emprestada de Fragoso79 de que os indivíduos representavam “Casas”, ou seja,

famílias senhoriais, no ato do apadrinhamento, a autora pôde afirmar que o casal de

escravos serviu para estreitar as ligações de seu senhor com outras casas de aparentados,

mas, sobretudo como um ramo que alcançava o segmento dos pardos livres do local.

Sobretudo esses casais demonstram que, apesar do poder exercido pelos senhores

no cotidiano dos escravos, o estabelecimento de vínculos horizontais foi uma alternativa

para solidificar relações íntimas e comunitárias entre os escravos.

78 SEIDEL, Monique A. O Compadrio Escravo na Freguesia de Palmeira: Perspectivas e Trajetórias

(1831-1850). Monografia de conclusão de curso de História, UFPR 2010. 79 FRAGOSO, João. "Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família escrava e as relações de compadrio por ela encetadas tem sido objeto de

estudo de uma série de pesquisas atualmente chegando conclusões das mais variadas

dependendo das dinâmicas econômicas e sociais de cada caso. Tem sido comum nesses

trabalhos o estabelecimento de padrões na conformação de famílias e de relações de

compadrio entre escravos, permitindo assim que o pesquisador possa tecer algumas

considerações sobre que fatores estavam atrelados a determinada configuração.

Em Guarapuava, conforme argumentamos, as possibilidades de formação familiar

estável no cativeiro foram amplas e assumiram diversas facetas, o compadrio é uma delas.

Vimos que a preferência por padrinhos livres estava intimamente ligada ao pequeno

tamanho dos plantéis, sendo essa uma afirmação constante nos trabalhos que abordam

regiões periféricas aos grandes eixos da economia brasileira no período. O pertencimento a

uma pequena escravaria de certa forma reduziu o universo de padrinhos disponíveis,

induzindo o estabelecimento de relações verticais junto aos livres daquela sociedade.

Verifiquei também que parte das estratégias postas em prática pelos escravos no

estabelecimento de relações de compadrio passava pela escolha de padrinhos ligados a seu

proprietário, o que denota que a ocasião servia também aos senhores, fazendo parte de seus

próprios projetos.

Em conformidade com os levantamentos, a união conjugal sancionada pela Igreja

entre escravos foi prejudicada na localidade fazendo com que muitos dos registros

pesquisados aparecessem com a anotação “pai incógnito”. Procurei, a exemplo das

opiniões dos estudiosos da família escrava, relativizar essa informação perseverando na

hipótese de que, em alguns casos, essa criança passou seu período formativo em meio a

uma família que era reconhecidamente nuclear pela sociedade da época, com a presença do

pai, dos irmãos e quiçá de outros parentes. Analisei alguns casos de filiação ilegítima para

sustentar a hipótese, chegando à conclusão de que, a despeito da instabilidade gerada pela

condição cativa, essas famílias conseguiram até certo ponto se manter estáveis. A

investigação em cima dos Róis de Paroquianos permitiu averiguar os domicílios a que

estas famílias pertenciam e a presença dos sucessivos filhos nascidos ao longo da

periodização de nossa amostra de assentos de batismos.

Outro dado que reforçou o argumento acima surgiu na investigação sobre o

intervalo dos nascimentos dos filhos ilegítimos em comparação com os mesmos dados

coletados em famílias legitimamente constituídas. Depreende nessa parte que os intervalos

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foram semelhantes em ambos os casos, conformando um padrão intervalar característico de

uniões conjugais estáveis. A manutenção da família legítima era mais fácil do que nas que

não possuíam essa distinção, entretanto, dependendo das relações efetivamente

estabelecidas pelos pais como na escolha dos padrinhos de seus filhos, adquiriam-se

vantagens maiores do que o estabelecimento de laços com indivíduos de igual status.

O estudo de caso do casal de maior comparecimento no ritual de batismo de

escravos, Miguel e Libânia, proporcionou algumas considerações sobre a escolha dos

parentes espirituais que o ato estabelecia. O prestigio alcançado por esse casal alçou a

própria filha a condição de madrinha e, apesar de contar com dezessete anos em 1863,

tinha seis afilhados. Certamente que eles representaram um modelo a ser seguido pelos

escravos, uma vez que sendo ela uma liberta, os filhos advindos dessa relação nasceriam na

liberdade. A condição de escravo de Miguel não obstou o reconhecimento que ele possuía

na comunidade, sendo identificado como “mestre” na lista de 1863. Ao fim da vida

libertou se do cativeiro ganhando o sobrenome Souza Meneses batizando quatro rebentos

com essa designação, sendo que nos últimos dois batismos de sua vida os batizandos

receberam o nome Miguel em sua homenagem.

As regiões do segundo e terceiro planalto sentiram mais fortemente o peso da

escravidão do que as outras áreas do território paranaense. Nessa sociedade escravocrata as

relações entre senhores e escravos foram fortemente controladas pelas vicissitudes da

instituição da escravidão cujo mercado enfrentava uma crise permanente diante da

cessação do tráfico internacional e posterior acirramento do tráfico interno. A reprodução

natural surgiu como alternativa para a elite proprietária de Guarapuava, uma vez que a

posse de terras e de escravos foi requisito para o sucesso econômico. Dessa forma a família

escrava teve reais condições de existir e se manter, moldando sua estrutura conforme as

esperanças de senhores e de escravos, que não perderam de vista o objetivo maior da

liberdade.

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FONTES PRIMÁRIAS

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Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, PR. Livro 3B

Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do

Padre Antonio Braga de Araújo (1842). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora

de Belém, Guarapuava, PR, s/p

Rol dos Paroquianos da Freguesia de Belém de Guarapuava, durante o Paroquiato do

Padre Antonio Braga de Araújo (1863). Arquivo Eclesiástico da Catedral Nossa Senhora

de Belém, Guarapuava, PR.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______________________ “Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750)". In: FRAGOSO, João, SAMPAIO, Antônio C. J. de & ANASTASIA, Carla M. J. Conquistadores e Negociantes: história de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

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JÚNIOR, DEJALMA ESTEVES DA ÁVILA. Compadrio escravo em Curitiba: um estudo

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ANEXOS

Relação entre proprietários e número de batismos de filhos de escravas.

PROPRIETÁRIO Nº DE BATISMOS

Distribuição por mãe * **

VEZES QUE PROP. APADRINHOU OUTRO CATIVO

BALBINA FRANCISCA DE SIQUEIRA

1 1 1

BENTO DE CAMARGO BARROS 1 1 0 MARIA IZABEL DA SAUDADE 1 1 0 ELIAS JOSE DOS SANTOS 1 1 1 FRANCISCO DE PAULA CAMARGO

1 1 0

FRANCISCO FERREIRA DA ROCHA LOURES

1 1 0

FRANCISCO IGNÁCIO PIMPÃO 1 1 0 FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS 1 1 0 FREDERICO GUILHERME VIRMOND JUNIOR

1 1 0

GERTRUDES PLACIDINA BANDEIRA

1 1 0

ILDEFONSO JOSE GONÇALVES DE ANDRADE

1 1 0

ISAIAS ALVES RIBEIRO DO AMARAL

1 1 0

JOÃO CARVALHO DA ASSUNÇÃO

1 1 0

JOAQUIM ANTONIO TEIXEIRA 1 1 0 JOAQUIM JOSÉ DE LACERDA 1 1 0 LEANDRO JOSE SOARES 1 1 0 LUCIO MENDES DE ALMEIDA 1 1 0 MANOEL DE SOUZA LIMA 1 1 0 MANOEL FELIX DE SIQUEIRA 1 1 3 MANOEL PEREIRA DO VALLE 1 1 0 MARIA DA SILVEIRA CALDAS 1 1 2 MARIA ROSA DOS SANTOS 1 1 0 MARIA THEREZA DE JESUS MORAIS

1 1 0

MARIA ZEFERINA DOS PRAZERES

1 1 0

PEDRO RIBEIRO DE SOUZA 1 1 0 VERÍSSIMO IGNÁCIO MARCONDES DE ARAÚJO

1 1 0

ATANAGILDO JOSÉ MENDES 2 2 0 FRANCISCO ANTONIO ALVES DA ROCHA

2 2 0

FRANCISCO MANOEL DE ASSIS FRANÇA

2 2 1

FRANCISCO SILVÉRIO DE OLIVEIRA

2 1/1 0

GERTRUDES MARIA DE 2 2 0

HIPOLITO CORDEIRO DE ANDRADE

2 2 1

JACINTO MENDES DE ARAÚJO 2 2 1 JOÃO DE ABREU E ARAUJO 2 1/1 0

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JOSÉ MARIA COUTINHO 2 2 0 MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS

2 2 0

ROSA MARIA DE JESUS 2 1/1 1 ZEFERINA NÚNCIA DE ALMEIDA

2 1/1 0

BENEDITO MENDES DE RAMOS

3 3 0

DOMINGOS FERREIRA MACIEL

3 1/2 1

JEREMIAS ALVES CARNEIRO 3 3 0 MARIA IGNACIA DO ROSÁRIO 3 3 0 PEDRO JOSE PEREIRA 3 3 0 BENJAMIN SIMÕES DE OLIVEIRA

4 4 0

JACOB DIAS DE SIQUEIRA 4 2/2 0 JOÃO NEPOMUCENO CARNEIRO

4 4 0

NORBERTO MENDES CORDEIRO

4 4 1

ANTONIO DE ANDRADE CAMARGO

5 4/1 0

ANTONIO DE SÁ CAMARGO 5 4/1 0 ANTONIO JOSÉ DE SOUSA 5 3/11 0 DOMINGOS FLORIANO MACHADO

5 5 0

HERMENEGILDO ALVES DE ARAÚJO

5 5 0

JOÃO LUSTOSA DE MENESES 5 5 1 JOAQUIM ALVES RIBEIRO 5 5 0 TEODORO FERREIRA MACIEL 5 5 0 JOÃO MENDES DE ARAÚJO 6 6 1 MANOEL MOREIRA DOS SANTOS

6 6 0

JOSÉ PEDRO DOS SANTOS PACHECO

7 7 0

PEDRO ALEXANDRINO DE ARAUJO

7 7 0

DOMINGOS IGNÁCIO DE ARAÚJO

8 8 0

JOAQUIM TEIXEIRA DA CRUZ 8 7/1 0 MANOEL BATISTA BELLO 9 8/1 0 ANA FERREIRA DOS SANTOS CALDAS

10 10 0

BERNARDINO JOSÉ DE LACERDA

11 7/3/1 0

PEDRO DE SIQUEIRA CORTES

11 5/3/2/1 1

DOMINGOS DA SIQUEIRA CÔRTES

12 7/5 1

JOSE DE SIQUEIRA CORTES 15 5/10 0

* Coluna refere-se ao nº de mães. Ex: X/X, duas mães. **Números negritados referem se a filhos legítimos